0% acharam este documento útil (0 voto)
9 visualizações10 páginas

Crise Econômica e Política Fiscal Na Década de 2011

A década de 2011-2020 no Brasil foi marcada por uma crise econômica e fiscal que impactou negativamente o financiamento da educação e da ciência e tecnologia. As políticas anticíclicas adotadas inicialmente pelo governo Dilma, seguidas por uma austeridade fiscal sob o governo Temer e uma abordagem ultraliberal no governo Bolsonaro, resultaram em um ciclo de recessão e cortes orçamentários severos. A situação foi agravada pela pandemia de 2020, que expôs ainda mais as fragilidades do sistema público e comprometeu o funcionamento das universidades federais.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
9 visualizações10 páginas

Crise Econômica e Política Fiscal Na Década de 2011

A década de 2011-2020 no Brasil foi marcada por uma crise econômica e fiscal que impactou negativamente o financiamento da educação e da ciência e tecnologia. As políticas anticíclicas adotadas inicialmente pelo governo Dilma, seguidas por uma austeridade fiscal sob o governo Temer e uma abordagem ultraliberal no governo Bolsonaro, resultaram em um ciclo de recessão e cortes orçamentários severos. A situação foi agravada pela pandemia de 2020, que expôs ainda mais as fragilidades do sistema público e comprometeu o funcionamento das universidades federais.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 10

Crise econômica e política fiscal na década de 2011-2020:

seus impactos no financiamento da educação e da ciência e


tecnologia

Marcus Vinicius David

A década de 2011-2020 já é considerada uma década perdida economicamente,


em que pese ter se iniciado bem. O início do governo da presidenta Dilma, em
2011, é caracterizado, do ponto de vista econômico, por um forte ciclo
expansionista. Após os efeitos da crise financeira internacional; que fizeram com
que se observasse no Brasil uma recessão, com queda do PIB de 0,2% em 2009;
o país viveu uma rápida recuperação em 2010, com crescimento econômico de
7,6 do PIB, ainda no último ano do governo Lula e novo crescimento de 3,9 do
PIB em 2011, já no primeiro ano do governo Dilma. Em 2012, o mundo vive um
novo agravamento da crise, com crescimento acelerado das dívidas públicas em
economias da Europa e aumento do risco soberano destes países. A estratégia
do governo brasileiro foi o de adotar políticas anticíclicas que garantissem a
continuidade do crescimento do país, o que foi chamado por alguns economistas
de nova matriz macroeconômica.

Esta política anticíclica tinha os seguintes objetivos: estimular o mercado interno,


compensando o desaquecimento do mercado externo; promover o crescimento
econômico e o nível de emprego, com base em forte atuação do Estado; e
concentrar as políticas fiscal, monetária, cambial e de rendas na busca do
crescimento econômico.

A política anticíclica pode ser descrita em cinco grandes eixos. O primeiro eixo
era o das políticas monetária e creditícia, caracterizado por redução das taxas
de juros, ampliação na oferta de crédito e créditos subsidiados por bancos
públicos. O segundo eixo era o das políticas tributárias, com desonerações
tributárias, redução de tributos para bens duráveis e consumo de bens
permanentes. O terceiro eixo era o de aumento de investimentos públicos em
projetos como Minha Casa Minha Vida, Programa de Aceleração de Crescimento
(PAC) e financiamentos em concessões de infraestrutura. O quarto eixo era o de
aumento dos gastos sociais, com ampliação das políticas de transferência de
rendas e aumento dos gastos em educação, saúde e assistência social.
Finalmente, o quinto eixo era do de políticas de renda e preço, com controle de
tarifas públicas como energia e combustível e manutenção da política de
crescimento real no valor do salário mínimo e benefícios previdenciários.

Estas políticas, se por um lado garantiram crescimento econômico em 2012 e


2013 (1,8% e 2,7% do PIB, respectivamente), mesmo frente a crise internacional,
por outro lado agravaram a situação fiscal no Brasil, com piora do resultado fiscal
e aumento da dívida pública.

Cabe aqui uma reflexão de que a política fiscal (que são as medidas econômicas
do governo que envolvem os gastos públicos e as políticas tributárias com
potencial de intervir na economia, buscando gerar crescimento, distribuição de
renda e estabilidade econômica) é um remédio que nunca deve ser ministrado
por longos períodos. Nem em seu viés expansionista e muito menos com ações
contracionistas. A política fiscal expansionista (com aumento de gastos públicos
e redução de tributos), quando adotada por longo período, acarreta
desequilíbrios das contas públicas com forte potencial de gerar instabilidades
econômicas. Já a austeridade fiscal (com redução de gastos públicos e aumento
de tributos) por vários anos desorganiza o estado, inviabiliza as políticas públicas
e agrava problemas sociais e a desigualdade. Lamentavelmente, o Brasil viveu
e vem vivendo os dois erros.

O ciclo expansionista, que se iniciou em 2012, deu sinais de esgotamento já no


final de 2013, entretanto, como 2014 era um ano eleitoral, os ajustes desta
política, que deveriam ser feitos no início do ano, foram adiados para depois da
eleição. Com a reeleição, o Governo Dilma iniciou tardiamente os ajustes, mas
foi deliberadamente boicotada pelo Congresso Nacional, que em 2015 votou
sucessivas pautas bombas que aumentavam o gasto público e concediam
isenções tributárias, intensificando o desequilíbrio fiscal. Observou-se, a partir
deste cenário, uma das maiores recessões da história econômica brasileira, com
recuo do PIB acumulado em 2015 e 2016 de mais de 7%. A crise econômica,
aliada aos escândalos de corrupção, criaram as condições políticas para o
impeachment em maio de 2016.
O Governo Temer inicia-se tendo como estratégia fundante de sua política
econômica o ajuste fiscal austero. Não apenas como uma estratégia de curto
prazo para regularização das contas públicas, mas como uma concepção de
redução do estado. A medida mais impactante nesta direção foi a aprovação da
emenda constitucional do teto de gastos, no final de 2016, que congelou as
despesas primárias por 20 anos e condenou o estado a ter suas ações limitadas
já no médio prazo. Observava-se aquilo que chamo de segundo erro da política
fiscal, com medidas de austeridade de prazo excessivos, com potencial de
desorganização do estado e com destruição de políticas públicas que poderiam
superar as grandes desigualdades do Brasil.

Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que o Brasil aderiu às teorias da


contração fiscal expansionista (Alesina e Ardagna - 1998), segundo a qual, caso
o governo reduzisse ou desacelerasse seus gastos em relação às receitas, isto
melhoraria a confiança dos agentes que, consumindo e investindo mais,
aumentariam a taxa de crescimento do produto. Ocorre que quando o Brasil
adotou tal política, o mundo e os próprios autores já reconheciam a sua limitação
e baixa eficácia. E com o agravante de que o teto de gastos vetava a
possibilidade de se buscar o ajuste fiscal, mesmo que em parte, através do
aumento de impostos. Buscar o equilíbrio das contas públicas apenas com a
contração das despesas, em um país com graves problemas sociais,
concentraria a conta apenas nos setores mais vulneráveis da sociedade e
pouparia aqueles que se negavam a “Pagar o Pato”.

A deliberada intenção de redução do estado, contida na emenda constitucional


do teto de gastos, pode ser vista na Figura 1, extraída de apresentação feita pelo
próprio Ministério da Fazenda à época, que demonstra a projeção de se reduzir
as despesas primárias, que era da ordem de 20% do PIB em 2016, para 15% do
PIB em 2026.
Figura 1: Projeção da evolução das despesas primárias

Fonte: Ministério da Fazenda (Brasil, 2016)

Além da equivocada concepção de redução do estado, considerando as grandes


carências sociais e elevada desigualdade em nosso país, a emenda do teto de
gastos partia de uma premissa errada sobre as contas públicas. O desequilíbrio
fiscal não tinha sua causa principal na elevação das despesas primárias, mas
sim na queda das receitas, geradas pela recessão econômica. A Figura 3,
também extraída de apresentação do próprio Ministério da Fazenda, evidencia
este erro. Enquanto, as receitas primárias caíram, em valores reais, de 1,29 para
1,12 Trilhão de reais, entre 2013 e 2016, representando uma queda de 13,3%;
as despesas primárias subiram 7,7% no mesmo período, passando de 1,19 para
1,28 Trilhão de reais. Entretanto, por definição política, o tema de aumento de
tributos estava vetado no Brasil.
Figura 1: Evolução real das receitas e despesas primárias

Fonte: Ministério da Fazenda (Brasil, 2018)

Olhando em perspectiva, a decisão tomada pelo Brasil, de fazer constar na


Constituição Federal uma variável macroeconômica que fixa os gastos públicos
por vinte anos, por si só evidencia um equívoco, que não encontra respaldo na
literatura econômica. É inevitável estabelecer um paralelo com a inclusão, em
1988, nas disposições transitórias constitucionais, da taxa de juros em 12%, tão
criticada pelos mesmos economistas, que hoje defendem a emenda do teto de
gastos.

A sequência do Governo Temer foi marcada por enfraquecimento político, em


função de graves acusações e denúncias contra o presidente em exercício, o
que desacelerou o andamento de outros projetos, que reduziriam ainda mais a
capacidade de atuação do estado, como reforma previdenciária e administrativa.
Os equívocos da política econômica, aliados ao ambiente político conturbado
fizeram com que o processo de retomada econômica fosse lento, observando
um crescimento acumulado do PIB, em 2017 e 2018, de pouco mais de 3%.
Deve-se destacar que as medidas de austeridade perduraram durante todo este
período, comprimindo o orçamento federal.

Este cenário político e econômico criaram as condições para eleição presidencial


de um candidato de extrema direita, com uma pauta conservadora nos costumes
e ultraliberal na economia. O Governo Bolsonaro, nas palavras do próprio
presidente, entendia que seu maior desafio era o de desconstruir políticas e não
o de trazer alternativas.

As posições extremistas do governo geraram, já no primeiro ano do governo,


sucessivas crises, que deterioraram rapidamente a popularidade do presidente.
Entre estes equívocos, pode-se destacar a condução política conflituosa com os
poderes legislativo e judiciário; uma política ambiental que ia na contramão dos
anseios globais de sustentabilidade e preservação dos biomas, ameaçando
nossas relações comerciais com as economias desenvolvidas; e uma inédita
política externa, movida exclusivamente por motivações ideológicas, sem
compromisso com qualquer concepção de interesses nacionais, trazendo, entre
outras consequências, uma adesão excessiva e acrítica às decisões e políticas
do governo de Donald Trump e colocando o Brasil em posição de grande
desvantagem e insegurança em diferentes âmbitos do plano internacional.

No campo econômico, o governo Bolsonaro, com a condução do ministro da


economia Paulo Guedes, passa a adotar uma política ultraliberal. Ainda em
2019, o governo aprovou uma reforma previdenciária com forte impacto no
regime geral, atingindo principalmente o segmento mais vulnerável da
sociedade. Como o orçamento da união havia sido elaborado e aprovado no
governo anterior, alguns setores foram menos atingidos pelas políticas
contracionistas, como foi o caso da educação. De qualquer forma, a combinação
de baixo investimento público, inexistência de política de desenvolvimento e
instabilidade política gerou um pequeno crescimento econômico, equivalente à
1,4% do PIB, em 2019.

O ano de 2020 é marcado pela tragédia da pandemia e grande crise humanitária


enfrentada por todo o mundo. No Brasil, a crise ganhou contornos dramáticos
com uma condução política eivada de erros, onde os caminhos científicos foram
preteridos por apostas em soluções mágicas que cobraram um preço
elevadíssimo. Ocupamos posições de liderança em rankings mórbidos de
números de infectados e mortes. O país fracassou em políticas de isolamento,
monitoramento e testagens e falhou nas estratégias de logística de suprimentos,
assistência hospitalar e planejamento de imunização. Em plena a pandemia,
tivemos quatro ministros da saúde, que eram substituídos sempre que optavam
por medidas tecnicamente indicadas. Uma falsa dicotomia entre economia e
saúde foi criada e procedimentos médicos tornaram-se temas de debates
ideológicos. Pagamos um preço muito alto com a vida da população e retardando
o processo de retomada econômica, aumentando o desemprego, a miséria e a
fome.

No prisma econômico, com a decretação do estado de calamidade, fugimos da


amarra do teto de gastos em 2020. As medidas econômicas preconizadas na
literatura foram implantadas, em alguns casos tardia e timidamente. Socorro às
empresas, aos estados e municípios, bem como garantia de renda e emprego
foram colocadas em prática após cobranças da sociedade e ampla negociação
no congresso, que buscava ampliar seu escopo, mas enfrentava por parte do
governo a exigência de contrapartidas que reduzissem a pressão sobre os
gastos e a dívida pública. Em uma avaliação pessoal, percebo que uma equipe
econômica que tem como concepção fundante a redução de estado e as políticas
fiscais contracionistas, quando se viu frente ao desafio de aumentar os gastos
públicos e intensificar a ação do estado, demonstrou limitações de competência,
acarretando diversos problemas operacionais na execução destas políticas,
percebidos na dificuldade das empresas em terem acesso aos créditos, nos
transtornos e problemas enfrentados pela população para obterem os auxílios
e no subdimensionamento do socorro aos entes federativos. De qualquer forma,
mesmo com os problemas, estas políticas contribuíram para reduzir a crise social
e econômica e permitiram que a recessão em 2020 fosse menor do que a
esperada, representando um recuo do PIB de 4,1% no ano.

Começamos 2021 com a decisão do governo de não reeditar o decreto de


calamidade pública e, consequentemente, ficamos novamente sujeitos ao teto
de gastos. O equívoco desta decisão estava no óbvio fato de que a pandemia
não tinha acabado. As necessidades da sociedade por novos gastos públicos
eram prementes. Mas em nome do equilíbrio fiscal, o governo insistiu na
elaboração de um orçamento austero. O congresso que não havia votado a peça
orçamentária de 2021 em 2020, agora sob nova presidência das casas, aceita a
incumbência de analisar e votar o Projeto de Lei Orçamentária Anual, que
expressamente demonstra sua incapacidade de garantir o funcionamento de
todas as áreas do estado. O potencial colapso da máquina pública, que estava
embutido na emenda constitucional do teto de gastos, se consubstancia na Lei
Orçamentária de 2021. Em caráter compensatório, o congresso aprova, em
regime sumário, uma nova emenda constitucional, denominada Emergencial,
que sem deixar de impor novas medidas contracionistas, exclui do teto de
gastos, despesas com um novo e pequeno auxílio de renda e com gastos da
saúde para enfretamento da pandemia. Entretanto, as outras funções do estado
permaneciam fortemente comprometidas na peça orçamentária.

É importante neste momento demonstrar o porquê a emenda do teto de gasto


tinha o potencial de colapsar o funcionamento da máquina pública.
Considerando que os gastos públicos se dividem em dois grandes grupos que
são as despesas obrigatórias e discricionárias, a partir do momento que se fixa
um teto para os gastos e observa-se um comportamento de crescimento
vegetativo das despesas obrigatórias, inevitavelmente ocorre uma compressão
das despesas discricionárias. A Figura 4 apresenta a evolução dos dois grupos
de despesas nos últimos anos, onde percebe-se que a medida que aumentam
os gastos obrigatórios, ocorre um achatamento das despesas discricionárias. Em
valores corrigidos, as despesas discricionárias que eram da ordem de R$ 210
Bilhões em 2014 caíram para R$ 165 Bilhões em 2016 e, com os ajustes finais
feitos na Lei Orçamentária Anual de 2021, atingiram o valor de R$ 70 Bilhões.
Com isso, a manutenção e funcionamento dos órgãos estatais são
profundamente inviabilizadas.
Figura 2: Evolução das Despesas Obrigatórias e Discricionárias da União

Fonte: Ministério da Economia (Brasil, 2020)

Cabe agora uma análise dos impactos deste longo ciclo de austeridade sobre o
financiamento da educação superior no Governo Federal. A rede das
universidades federais, que havia passado por um expressivo ciclo
expansionista entre 2007 e 2014, vem vivendo um período prolongado de
contração orçamentária que está comprometendo gravemente o seu
funcionamento. Como foi apresentado anteriormente, longos períodos de
austeridade tem a capacidade de inviabilizar o funcionamento das organizações
públicas e comprometer o cumprimento de sua missão. Nas universidades
federais não foi diferente, com o agravante de que qualquer projeto de nação
civilizada exige um sistema de educação superior de excelência, que possa
contribuir para o desenvolvimento econômico e social da sociedade. Para
demonstrar a forte redução do financiamento das universidades, a Figura 5 traz
a evolução do orçamento discricionário neste período. Observa-se que os
valores nominais do orçamento discricionário das universidades federais, que
chegaram a R$ 7,8 Bilhões em 2015, caíram para R$ 4,5 Bilhões na Lei
Orçamentária aprovada em 2021, representando uma queda de quase 43%.
Quando considerados os valores corrigidos, esta queda atinge o impressionante
índice de 58%.
Figura 3: Evolução do orçamento discricionário das Universidades Federais

Fonte: Andifes, 2021

Situação semelhante ao observado na educação superior, ocorreram em outras


funções do estado como educação básica, saúde, assistência social, ciência e
tecnologia, meio ambiente e infraestrutura, fazendo com que o período 2016-
2020 configurou-se como um dos mais graves no que se refere ao financiamento
das políticas públicas. A inevitável conclusão é a de que o longo período de
medidas de austeridade fiscal representa um projeto de desconstrução do
estado, impondo um grande retrocesso aos esforços dos últimos anos de
superação das desigualdade e injustiças sociais.

Texto elaborado em
outubro de 2021 e pequenas
revisões feitas em novembro
de 2022.

Fez parte do memorial


apresentado pelo autor em
seu processo de promoção
para Professor Titular.

Texto não publicado

Você também pode gostar