HI 101 – História da Igreja Primitiva
Departamento de Estudos Históricos
Prof. Vinícius S. Sousa
Aula 07 – O Monoteísmo Absoluto
1. Apresentação
Esta aula é composta por:
• Vídeo introdutório – O Monoteísmo Absoluto
• Texto: Monoteísmo absoluto e a formação da Igreja Cristã
• Estudo individual e resposta no fórum
Ao final, é esperado que o aluno entenda quais são as principais características do
Monoteísmo Absoluto, tendência que é comum entre seitas do Cristianismo primitivo.
Compreenderá também a reação da Igreja ante a esse movimento que se desdobra em
facções.
2. Devocional
“1Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o Senhor, teu
Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a
possuir;2para que temas ao Senhor, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e
mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu lho, e o lho de teu lho, todos os dias da
tua vida; e que teus dias sejam prolongados.3Ouve, pois, ó Israel, e atenta em os
cumprires, para que bem te suceda, e muito te multipliques na terra que mana leite e
mel, como te disse o Senhor, Deus de teus pais.4Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é
o único Senhor.5Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua
alma e de toda a tua força.6Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu
coração;7tu as inculcarás a teus lhos, e delas falarás assentado em tua casa, e
andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.8Também as atarás como sinal
na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos.9E as escreverás nos umbrais de tua
casa e nas tuas portas. (Dt 6.1–9)”.
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3. Conteúdo
Introdução
Dentre as três maiores religiões monoteístas do mundo, o Cristianismo continua
na liderança, nunca houve qualquer dúvida de que a fé cristã professa um Deus, afinal,
essa é a mais preciosa herança herdada do Judaísmo, como expressão de fé adora-se
apenas um Deus.
Isso ao longo das gerações tem gerado dúvida nas mentes que não conseguem
conceber a unidade Deus em consonância com a doutrina da Santíssima Trindade,
assim como sempre se professou que Deus é um , também confessa a igreja que o Pai
é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, uma doutrina não fere a outra, mas,
por gerações sempre se assumiu tal paradoxo, o qual encontra amplo amparo na
Escritura Sagrada. A presente aula entenderá as manifestações no seio do Cristianismo
que buscavam preservar o monoteísmo absoluto.
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Monoteísmo absoluto e a formação da Igreja cristã
Enquanto esteve no mundo, Jesus Cristo caminhou e professou a fé judaica,
não há dúvidas quanto a sua presença nas sinagogas ou mesmo no templo, assim
como é perceptível a abordagem que se valia do Antigo Testamento para instruir
mesmo seus discípulos recém convertidos. Jesus era judeu.
Além dessa natural constatação, seus apóstolos, aqueles que de forma mais
íntima o conheciam, também professavam a mesma fé que o Mestre, frequentando os
mesmos ambientes e nutrindo as mesmas convicções da unicidade de Deus, não só o
Deus que está além dos demais deuses, como se sobre eles governasse com
poderosa mão, mas o único, sendo todos os demais fruto da imaginação e até
insanidade humanas.
Cristo e seu círculo mais próximo de amizade confessavam um só Deus, por
isso que nos Evangelhos se nota a forma reverente com que Jesus falava com o Pai,
chamava-o de seu Deus, reconhecia sua paternidade e entregava tudo nas mãos do
Pai. Mais do que um senso de dependência, Jesus ensinou um verdadeiro
relacionamento com o Pai e assim mostrou sua realidade, vida, operação e o modo
como preside o mundo com transbordante juízo, amor e graça.
A transmissão do ensino apostólico sustentava a confissão de que há um só e
verdadeiro Deus, por isso que o discurso feito contra a idolatria é contundente,
destacando que os supostos deuses formados pela mente humana não possuem
poder, mais do que isso, são projeções humanas tanto em sua aparência quanto
internamente. Caso o Cristianismo tivesse uma postura politeísta não teria qualquer
dificuldade em permitir a adoração a outros deuses, entretanto, desde o princípio
cuidou para que os que abraçavam a fé, se rendessem de fato a Deus e
abandonassem os falsos deuses.
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Agora, nascendo a fé cristã em contato com dois mundos tão distintos, se via
tentada a seguir por caminhos contrários um ao outro, absorver o monoteísmo
conforme o que fora ensinado pelo Judaísmo, ou abrir mão desse princípio inegociável
para o Antigo Testamento e dar espaço a outras divindades, cujos cultos eram
atrativos.
A igreja prefere preservar a firme convicção de que há um Deus, dentro disso,
adorava a Jesus Cristo e ao Espírito Santo por aquilo que é testemunhado na Escritura,
assim como ensinado pelos apóstolos que Jesus é Deus verdadeiro, tal qual o Pai e o
Santo Espírito. Ressoa-se, desse modo, a declaração de Tomé após contemplar o
Cristo ressurrecto “Senhor meu e Deus meu”.
Como era de se esperar, assim como no Judaísmo as seitas se dividiam e cada
uma delas julgava ter uma melhor interpretação da vontade de Deus, com o
Cristianismo não foi diferente, grupos se organizavam e se afastavam da reta doutrina,
crendo que compreendiam melhor a Escritura e que refletiam de modo adequado os
oráculos divinos.
Logo no início da igreja, por volta do ano 66, um grupo derivado da igreja de
Jerusalém passou a se reunir leste do Jordão, seriam conhecido como Ebionitas, ou,
“os pobres”, esse judeus se uniram a monges essênios e defendiam um Cristianismo
que se misturaria com o Judaísmo, especial\mente no que tange a pessoa de Jesus
Cristo e ao monoteísmo absoluto, por eles defendido.
Segundo essa doutrina, a verdadeira religião instituída por Jesus sustentava em
todos os aspectos a validade da Lei de Moisés, assim, até mesmo quem viera do
paganismo deveria cumprir os mandamentos, como meio para salvação; criam também
que o reino messiânico estava destinado a se cumprir em Jerusalém, ou seja, as
esperanças dos judeus da literalidade da instalação do reino do Cristo após sua vinda
em Jerusalém eram sustentadas por esse grupo.
Assim como em outras tendências consideradas heréticas pela igreja, os
ebionitas rejeitavam princípios básicos da fé sobre a pessoa de Cristo, para eles, Jesus
deveria ser entendido como possuindo apenas uma natureza, a humana, durante trinta
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anos esteve oculto, sendo um homem comum, nascido de José e Maria, mas que
sendo agraciado pelo Espírito Santo, foi elevado a Messias; também, isso não
significaria sua deificação, como em outras tendências, antes, por essa manifestação
divina seria ele igual aos profetas do Antigo Testamento.
O sentido do Novo Testamento da morte vicária de Jesus Cristo também é
anulado, não acreditavam que Jesus por sua morte e ressurreição concedia salvação,
antes, professavam que a salvação realmente aconteceria quando da segunda vinda,
pois o reino de Israel seria restaurado eternamente. Esse grupo aos poucos se dissolve
não sobrevivendo muito além do primeiro século.
Duas outras tendências ganham força e são também competidas pela igreja,
ambas possuem o mesmo pressuposto ligado ao monoteísmo absoluto, por isso,
recebem seu primeiro nome de “Monarquianismo”, esse nome, do qual deriva também
o termo “Monarquia” significa que há um só princípio, ou seja, um ser divino, o que,
naturalmente exclui da divindade tanto o Filho quanto o Espírito Santo, nas duas
heresias, o Monarquianismo Dinâmico e o Monarquianismo Modalista, entende-se
apenas que o Pai é Deus.
O Monarquianismo Dinâmico surge em Roma por volta do ano 190, tendo como
representante Teodoto. Pregador herético defendia o nascimento virginal de Jesus,
mas afirmava ser ele da natureza humana exclusivamente como qualquer outro
homem, sua exclusividade se restringia à sua justiça, veio, porém, sobre ele no
momento do batismo o Poder que o exaltou, por isso do nome Dinâmico, já que tal
palavra grega significa “poder”, entretanto, o uso do Poder por parte de Jesus é
temporário. Cumprida a missão, antes mesmo de ser morto na cruz, o poder o
abandonou, deixando- em agonia até a morte.
O maior representante dessa escola, porém, foi Paulo de Samosata que presidiu
o bispado de Antioquia por volta de 260. Herdeiro da tradição ebionita e de Teodoto,
embora não tenha negado a teologia do Logos, pela qual se afirmava sua preexistência
e poder divino, mas não o identificava com Jesus, compreendendo que este Logos é
apenas sabedoria e a razão, as quais se tornaram presentes em Jesus quando do seu
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batismo. O Espírito Santo para ele não é uma pessoa divina, mas apenas outro nome
para a graça derramada sobre Jesus e sobre os apóstolos no dia de Pentecostes.
Esse conceito sobre a divindade com o decorrer do tempo se transformaria e
ganharia força não como Adocionismo ou Monarquianismo Modalista, mas como
Arianismo, uma tendência que anula a divindade de Cristo, embora o considere como
um ser “especial”, ou, até mesmo, a primeira criatura de Deus.
Além dessa tendência, destaca-se o Monarquianismo Modalista, conceito que
teria surgido na Ásia Menor (atual Turquia) e que fora levada para Roma onde ganhou
maior popularidade, um dos principais expoentes foi Sabélio, o qual ensinou a doutrina
Modalista por volta do ano de 215 a tal ponto que seu nome foi associado diretamente
ao ensino herético, por isso, o Monarquianismo Modalista também pode ser conhecido
como “Sabelianismo”.
O objetivo dos modelistas era o de preservar a unicidade divina, entretanto, é
inegável nos textos bíblicos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento que o Espírito
Santo, bem como o Filho são reconhecidos como Deus. Para a doutrina da Santíssima
Trindade, assume-se a unidade e a pluralidade, o que seria chamado de Triunidade em
Deus, mas, isso era impossível de conceber para os moralistas.
Entendiam que o conceito de “pessoa divina” deveria a todo custo ser
preservado, dessa forma, o melhor modo para tratar a divindade do Espírito e do Filho
era unindo à do Pai de modo completo, assim, anulava-se a personalidade da segunda
e terceira pessoas da Santíssima Trindade e se reconhecia apenas a pessoa do Pai, os
demais eram unidos a ele, especialmente do ponto de vista econômico.
Ao se tratar da doutrina da Trindade, é possível estabelecer uma distinção sobre
ontologia e economia. Por ontologia se entende que há um ser em Deus, desse modo,
o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, não há distinção em poder,
eternidade, honra ou glória, o Filho e o Espírito possuem os mesmos atributos e
perfeições do Pai. Como é afirmado na Teologia, o Pai não é de ninguém, não é gerado
nem procede; o Filho é eternamente gerado do Pai e o Espírito Santo provede do Pai e
do Filho.
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Em termos econômicos, deve-se considerar a palavra em seu sentido original, a
ideia de ordem, organização. Deus se organiza e planeja a salvação humana de forma
tal que cada uma das pessoas da Trindade exerce uma tarefa que lhe é exclusiva.
Sabélio e Noeto, seu antecessor, enfatizavam este segundo aspecto da relação
trinitária e por isso anulavam a personalidade do Espírito e do Filho.
No campo teológico, observa-se a ação do Pai na eleição, assim como de forma
especial sua revelação no Antigo Testamento; já o Filho, anunciado desde as antigas
páginas se manifesta na encarnação e é o Salvador que morreu sobre a cruz; o
Espírito Santo é o Consolador enviado da parte do Pai e do Filho (o que seria discutido
na igreja), ele regenera e conduz o ser humano ao Salvador. São papéis bem definidos,
ações que dão sentido à expressão “o Pai não é o Filho, o Filho não é o Espírito Santo
e o Espírito Santo não é o Pai; entretanto, o Pai é Deus; o Filho é Deus; e o Espírito
Santo é Deus”.
Para os moralistas, considerando que há apenas uma pessoa divina, criam que
o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram uma só pessoa, desse modo, o que acontecia no
decorrer da história era apenas uma mudança nos modos de apresentação; eram três
formas diferentes de uma pessoa divina, o Pai.
Transformando a perspectiva teológica em prática, significa que em
determinados momentos Deus se apresentou sob formas distintas, mas com a mesma
personalidade. No Antigo Testamento, nas várias aparições divinas, em Moisés, aos
demais profetas, o Pai se manifestava como tal, isso até cumprir-se a plenitude do
tempo.
Quando do advento do Filho, sua encarnação, e obra, o mesmo Pai estava em
ação, mas com uma forma (modo), diferente, assim, tudo o que era visto como sendo
realizado por Jesus, na verdade, era realizado pelo Pai cuja aparição se alterara
simplesmente por ter ele assumido distinta forma. Dessa perspectiva é que nasceria o
conceito de patripassianismo, pelo qual se entendia que quem sofreu na cruz
essencialmente não foi o Pai e sim o Filho.
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Após a ascensão de Cristo, vem o tempo do ministério do Espírito Santo, o qual
foi derramado no dia de Pentecostes sobre os fiéis que oravam pedindo a intervenção
divina; tal manifestação não era outra senão do mesmo Pai que, como se colocasse
uma máscara, se apresentou à igreja como Espírito Santo. Com essa forma continua
Deus a agir no mundo até o retorno final de Jesus.
Essa parece uma resposta simples para a doutrina da Trindade, do ponto de
vista lógico acalmaria a tempestade que se instala na mente que tenta reduzir Deus à
mente humana, porém, foi um erro denunciado pela igreja e que foi arduamente
combatido por autores gregos e latinos.
Clemente e Orígenes, áureos defensores da doutrina do Logos, compreendiam
que este emanou da Deidade, portanto seria da mesma substância do Pai, embora
fosse distinto dele; já Tertuliano, árduo defensor da doutrina da Santíssima Trindade e
escritor latino que cunhou termos como “Trindade, Substância e Pessoa”, palavras
usadas para falar sobre o mistério do Deus triúno, argumentou que a substância era a
mesma enquanto existia distinção das pessoas.
Ambas as doutrinas monarquianistas eram tentativas de preservar o sentido da
unidade de Deus conforme transmitido pelo Judaísmo, assim como a racionalização da
doutrina de Deus e de Cristo, concebendo-o conforme a imaginação humana, sem
levar em conta aspectos centrais da revelação e a humildade da mente finita.
Os debates Cristológicos tomariam espaço na igreja de modo que as discussões
dos principais concílios ecumênicos do terceiro e quarto séculos seriam para tentar
compreender o mistério da Santíssima Trindade, bem como a pessoa de Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, como o último dos credos, o de Calcedônia,
afirmaria.
4. Tarefas e exercícios (para responder no fórum)
Leia o texto que será compartilhado sobre a Cristologia antes do Concílio
de Nicéia, documentos originais de autores patrísticos, e escreva as principais
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características da percepção cristológica de cada um deles (Responder no
Fórum).
Bibliografia
BETTENSON. H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo. Aste. 2011.
BRAY, Gerald. História da Teologia Cristã. São Paulo. Shedd Publicações. 2017.
COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Creio. São José dos Campos. Editora Fiel. 2019.
DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. Petrópolis. Editora Vozes. 2003.
HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre. Concórdia Editora. 1999.
Tertuliano. Coleção Patrística. São Paulo. Paulus. 1995.
TILLICH. Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo. Aste. 2007.