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A Filosofia Cristã Da Educação Explicada Stephen C Perks

A obra 'A filosofia cristã da educação explicada' de Stephen C. Perks oferece uma análise teológica e filosófica da educação sob a perspectiva cristã, destacando a importância da responsabilidade dos pais na formação educacional de seus filhos. O livro critica a influência do humanismo secular nas escolas e propõe uma visão educacional que se alinha com a fé bíblica. Recomendada por diversos autores, a obra é considerada essencial para pais, professores e membros da igreja que buscam uma educação fundamentada nos princípios cristãos.
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A Filosofia Cristã Da Educação Explicada Stephen C Perks

A obra 'A filosofia cristã da educação explicada' de Stephen C. Perks oferece uma análise teológica e filosófica da educação sob a perspectiva cristã, destacando a importância da responsabilidade dos pais na formação educacional de seus filhos. O livro critica a influência do humanismo secular nas escolas e propõe uma visão educacional que se alinha com a fé bíblica. Recomendada por diversos autores, a obra é considerada essencial para pais, professores e membros da igreja que buscam uma educação fundamentada nos princípios cristãos.
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A filosofia cristã da educação explicada, de Stephen C. Perks, marca o surgimento de um grande e importante pensador
reformado. Este é um trabalho de clareza madura que aborda as questões básicas da fé bíblica aplicadas à educação. A obra terá
grande influência sobre o mundo de fala inglesa.
— R. J. Rushdoony
Autor de A filosofia do currículo cristão

O movimento para devolver aos pais cristãos a responsabilidade e autoridade dadas por Deus na educação de seus filhos carecia
até agora de um cuidadoso estudo sistemático sobre os alicerces teológicos e filosóficos de uma visão verdadeiramente bíblica da
educação. A filosofia cristã da educação explicada supre admiravelmente essa lacuna. Porém, ao escrever este livro, o Sr. Perks
também prestou um serviço notável a todos os cristãos, pois sua aplicação bastante prática da aliança ao processo educacional nos
forneceu um novo marco na restauração contemporânea desta doutrina fundamental na igreja. Tenho de recomendar fortemente
este livro como leitura essencial, não apenas para pais e professores cristãos, mas para todos os envolvidos na pregação da
Palavra de Deus.
— Jean-Marc Berthoud
Autor de João Amós Comênio e as origens da ideologia pedagógica

Neste excelente livro, Stephen Perks demonstra com simplicidade e argumentação convincente que as cosmovisões cristã e
humanista são mutuamente exclusivas e que é uma “traição contra Deus” colocar os filhos nas mãos de incrédulos para a sua
educação. Todo pai cristão deveria ler este livro desafiador, direto e perspicaz antes de decidir onde e como educar seus filhos.
— Samuel L. Blumenfeld
Autor de The Blumenfeld Education Letter

Como professor (do ensino médio até a faculdade e seminário), instrutor de professores e ex-reitor de um programa de ensino
fundamental e médio (K-12), eu diria que precisávamos deste livro há anos. Recomendo-o com entusiasmo aos pais, professores
e (especialmente) membros cristãos do conselho escolar.
— Greg L. Bahnsen
Autor de Sempre preparados
A FILOSOFIA CRISTÃ
DA EDUCAÇÃO
EXPLICADA

STEPHEN C. PERKS

Tradução

Marcelo Herberts
PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM
CRIME
RESPEITE O DIREITO AUTORAL

O uso e a distribuição de livros digitais piratas ou cópias não autorizadas


prejudicam o financiamento da produção de novas obras como esta.
Respeite o trabalho de ministérios como a Editora Monergismo.
Copyright © 1992 de Stephen C. Perks
Publicado originalmente em inglês sob o título
The Christian Philosophy of Education Explained
pela Avant Books,
P. O. Box 1, Whitby, North Yorkshire,
YO21 1HP, Inglaterra

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
Caixa Postal 16387
Brasília, DF, Brasil — CEP 70.775-98
www.editoramonergismo.com.br

1.ª edição, 2024

Editor: Felipe Sabino de Araújo Neto


Editor assistente: Fabrício Tavares de Moraes
Tradução: Marcelo Herberts
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Capa: Thiago McHertt
Diagramação: Marcos Jundurian
Conselho editorial: Fabrício Tavares de Moraes, Felipe Sabino de Araújo Neto e Valter Graciano Martins

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista Atualizada (ARA) salvo indicação em contrário.
Sumário
Prefácio
Introdução
1. A base epistemológica da fé cristã
2. Educação e idolatria
3. A educação como um aspecto da aliança
4. Educação e domínio
5. Dando nome aos animais: um estudo de caso na aprendizagem piedosa
6. Educação e civilização
7. Algumas observações sobre o papel da igreja na oferta de educação
Apêndice A. A Escritura e as alianças
Apêndice B. Culto e domínio
Bibliografia
Acerca do autor
Prefácio
A deterioração dos padrões acadêmicos e da disciplina nas escolas públicas da Grã-
Bretanha, nos últimos 25 anos, finalmente impôs o problema da educação à consciência de
muitos cristãos que, de outro modo, não o teriam considerado. Há nisso tanto um lado bom
quanto um lado ruim. A crise da educação pública tem levado alguns a reconsiderar toda a
questão da educação e o lugar dos filhos cristãos num sistema público que promove o
humanismo secular e o multiculturalismo como virtudes e desencoraja a cosmovisão cristã
tradicional e seu código de moralidade. Isso, sem dúvida, é bom. Contudo, o fato de essa crise se
fazer necessária para que os pais cristãos despertassem para as suas responsabilidades como
cristãos nesta área sinaliza uma falha séria na compreensão que a igreja deve ter do seu chamado
neste mundo. É uma acusação triste contra o ministério da igreja, em particular, que essa questão
teve na verdade de ser imposta à consciência dos cristãos, mas isso especialmente por causa de
uma crise havida na prática de uma religião estranha, a saber, o humanismo secular, com a qual a
igreja havia contemporizado.
Neste cenário, há muitas vozes propondo muitas soluções diferentes para o problema.
Alguns grupos de pressão cristãos e grupos parlamentares lobistas tentaram introduzir medidas
na lei com o objetivo de cristianizar o sistema público de ensino; outros, de garantir o
financiamento estatal a ditas escolas cristãs independentes. Alguns poucos defenderam a retirada
de toda a educação, cristã ou não, da órbita da autoridade e financiamento estatais. Numa
situação assim, é importante que todas as questões relevantes sejam cuidadosamente pesadas à
luz do ensino bíblico. Só quando isso tiver sido feito estaremos em condições de tomar decisões
inteligentes sobre a resposta cristã correta. O objetivo deste livro é explicar a filosofia cristã da
educação e, desse modo, ajudar os leitores a darem essa resposta cristã.
Dois capítulos deste livro já foram publicados anteriormente: o capítulo um foi
originalmente publicado no periódico Calvinism Today, vol. I, n.º 1 (janeiro de 1991), como The
Epistemological Basis of the Sola Scriptura Conception of Theology [A base epistemológica da
concepção de teologia da sola scriptura] e o capítulo três foi publicado pelo periódico The
Foundation of Christian Reconstruction, como Position Paper 1, em abril de 1991. O capítulo
dois foi originalmente dado como workshop na Décima Primeira Conferência Anual para a
Reconstrução Cristã, em Seattle, Washington, EUA, em abril de 1991. O apêndice A, “A
Escritura e as alianças”, foi originalmente publicado pela The Foundation of Christian
Reconstruction em uma forma ligeiramente modificada, em dezembro de 1988, e uma versão
sucinta do apêndice B foi publicada no periódico Chalcedon Report (n.º 305), em dezembro de
1990. Apesar disso, o livro não é meramente uma coletânea de ensaios, mas foi originalmente
concebido como um todo.
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Introdução
O teste de relevância da igreja para a sociedade em qualquer época está na posição radicalmente
bíblica que ela tome nas questões vitais da era e, por sua abordagem bíblica a essas questões, no
efeito transformador positivo que tenha sobre a sociedade. Foi assim na Reforma. E não deixa de
ser o caso hoje. A força da igreja da Reforma foi ela reconhecer e lidar com as questões vitais do
dia nos termos das exigências da fé bíblica. A fraqueza da igreja atual, incluindo a maior parte
das igrejas reformadas e evangélicas, está no fato de ela não reconhecer nem lidar
adequadamente com as questões que enfrenta no século XX.
A educação é uma dessas questões. A educação, na verdade, será provavelmente a
questão mais importante e estratégica que o cristão enfrentará nos próximos anos, à medida que
lute para se envolver na reconstrução cristã da nação. Sem o desenvolvimento de um movimento
educacional conscientemente cristão, não haverá a reconstrução de nossa nação nos termos da fé
cristã. A educação é o ponto alto na batalha do cristão contra as forças do humanismo e ateísmo
― as quais controlam grande parte da nossa vida e, caso pudessem, negariam ao cristão a
responsabilidade dada por Deus de ele proporcionar uma educação aos filhos que esteja em
conformidade com as exigências da religião cristã.
É de vital importância, portanto, se quisermos ser sal e luz para nossa geração, que nos
dediquemos a essa questão crucial e desenvolvamos uma compreensão dos princípios cristãos
relevantes para a filosofia e prática da educação. É particularmente importante que a igreja
assuma uma posição positiva sobre essa questão, que faça um esforço determinado e constante
para reverter aquelas atitudes dentro da igreja que são indiferentes e hostis à oferta de uma
filosofia e prática da educação especificamente cristãs e que ela comece a promover e facilitar,
da melhor maneira possível, um programa de reeducação no tocante às responsabilidades dos
pais cristãos nessa área. Ademais, a igreja deve considerar se a situação atual, em que há
tamanha carência de oferta de educação cristã, não constitui um campo missionário que a igreja
deveria explorar.
O propósito deste livro é elucidar alguns dos aspectos mais importantes da filosofia cristã
da educação. Entretanto, é preciso dizer desde já que a filosofia da educação aqui apresentada
está conscientemente baseada numa compreensão distintiva da fé cristã e é defendida nos termos
dessa compreensão em todos os pontos, a saber: que a fonte do nosso entendimento do que
consiste o cristianismo — e, por conseguinte, o único critério para estabelecer seu conteúdo — é
a palavra infalível de Deus revelada nas escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Em outras
palavras, a filosofia da educação apresentada neste livro será baseada na concepção sola
scriptura da religião cristã. Essas Escrituras serão entendidas como a autoridade suprema e
governante para o nosso entendimento de todas as coisas e, assim, para o nosso entendimento da
natureza, propósito e método de uma educação verdadeiramente cristã.
Portanto, será necessário antes de tudo estabelecer a validade epistemológica das
pressuposições teológicas em que esse entendimento da fé cristã está baseado. Essas
considerações epistemológicas são tratadas no capítulo 1. O capítulo 2 trata do papel que a nossa
definição do homem desempenha na filosofia e no processo da educação. Aqui é considerado o
atual conceito humanista da primazia ― e portanto idolatria ― dos pares, em contraste com a
visão cristã da imagem de Deus no homem, que é o fator primário na filosofia cristã da
educação. O capítulo 3 aborda a educação como um aspecto da aliança. O capítulo 4 analisa a
relevância, para a filosofia cristã da educação, do mandato da criação dado ao homem. Como a
educação é um aspecto central das responsabilidades pactuais dos pais cristãos, e como essa
aliança é uma aliança de domínio em Jesus Cristo, uma educação verdadeiramente cristã deverá
ser uma educação para o domínio. No capítulo 5 é considerada a nomeação dos animais por
Adão como um estudo de caso na aprendizagem piedosa. A importância da educação na
preservação da nossa civilização e na transmissão da nossa cultura às futuras gerações é
considerada no capítulo 6, e o capítulo final trata do papel que a igreja local, como instituição,
deve desempenhar na prestação de serviços educacionais em circunstâncias normais e anormais.
As questões tratadas nos dois apêndices, embora não relacionadas diretamente com a educação,
são aqui incluídas porque ajudam a lançar luz sobre a perspectiva teológica que forma a base
para a filosofia da educação apresentada neste livro.
1. A base epistemológica da fé cristã

As Escrituras são a revelação de Deus tanto de si mesmo como de sua vontade para o homem.
Elas revelam, assim, não apenas a verdade, “o que o homem deve crer a respeito de Deus”, como
também o mandamento-palavra de Deus, “o dever que Deus requer do homem” (Breve
Catecismo de Westminster, P&R 3). A tarefa da teologia, portanto, é dupla: primeiro, o teólogo
busca compreender e comunicar eficazmente a verdade da Palavra de Deus e, segundo, busca
aplicar a ordem de Deus à situação contemporânea, provendo assim uma base inteligível para o
desenvolvimento prático da fé cristã.
Essa definição da tarefa teológica faz certas suposições sobre a relação entre a Escritura
e a teologia, a saber, que a Escritura é a base essencial e fundamental para nossa compreensão de
Deus e das suas obras da criação e providência ― em outras palavras, para nossa compreensão
de todas as coisas ― e, por conseguinte, que a Bíblia fala com autoridade final sobre todos os
assuntos que aborda. Se abandonarmos essa concepção da tarefa teológica, cortaremos o vínculo
essencial que existe entre a Escritura e a teologia.
Isso tem sido confirmado pelos desenvolvimentos na teologia protestante moderna, que
cada vez mais rejeitam a concepção do sola scriptura da teologia em favor de uma abordagem
mais deísta ou racionalista. Nenhuma denominação protestante tradicional ou grupo nestas
denominações passou incólume por essa tendência moderna. O resultado foi que as Escrituras,
como a fonte da verdade última, e ainda mais como mandamento-palavra de Deus, deslizaram
para segundo plano e, neste último aspecto, foram quase totalmente negligenciadas, em muitos
lugares até mesmo como a base para o ensino da ética e da moralidade pessoal. O vínculo
essencial entre a Escritura e a teologia desapareceu; e desapareceu porque a base epistemológica
sobre a qual ele era declarado havia sido abandonada.
O propósito deste capítulo é examinar a base epistemológica da concepção do sola
scriptura da fé cristã em contraste com a da cosmovisão do incrédulo[1] e, em seguida, fornecer
uma breve aplicação da teoria cristã de conhecimento à filosofia da educação. A necessidade e
importância de lidar com este assunto hoje é ocasionada pelo fato de que a epistemologia é a
preocupação primordial da filosofia moderna e que, portanto, somente com base em uma
compreensão adequada do assunto seremos capazes de construir uma apologética para a fé cristã
que seja racionalmente consistente e ao mesmo tempo fiel à Escritura.

O locus último da racionalidade


O economista e filósofo austríaco Ludwig von Mises já dizia que os fatos não falam por si, mas
por uma teoria. Esta é uma afirmação tipicamente pós-kantiana e, da forma como citada,
significa que os fatos da realidade não têm significado ou propósito até que a mente criativa do
homem ordene esses fatos de maneira lógica e lhes confira então significado e propósito. Nessa
perspectiva, o locus último da racionalidade e inteligibilidade é o próprio homem. O homem é a
medida de todas as coisas, não havendo nenhuma autoridade superior a ele. Para o cristão, no
entanto, o ato criativo de Deus é o que confere a todos os fatos da realidade seu propósito e
significado. A Palavra de Deus é a palavra criativa original que traz à existência e ordena todos
os fatos da realidade. O homem é capaz de compreender o mundo em que vive porque também
faz parte daquela criação racionalmente ordenada, criado à imagem de Deus “em conhecimento,
retidão e santidade, com domínio sobre as criaturas”.
O que o incrédulo, portanto, afirma sobre os fatos da realidade se baseia em uma teoria
particular de conhecimento humano; esta assume que a mente do homem tem o poder criativo
original de definir e ordenar os dados brutos da realidade que o cercam sem aludir a qualquer
princípio interpretativo ou autoridade de fora.[2] Em outras palavras, ela se baseia em certos
pressupostos sobre a natureza do mundo em que o incrédulo vive, a saber, que o mundo existe e
pode ser compreendido independentemente do Deus da Escritura.
Da mesma forma, o que o cristão afirma sobre os fatos da realidade se baseia em um
pressuposto particular sobre a natureza da realidade, a saber, que ela é criação ex nihilo do Deus
da Escritura. Assim, o cristão entende todas as coisas pela fé (Hb 11.3), ou seja, começa seu
pensamento com um ato de fé no Deus das Escrituras e, deste modo, postula a veracidade e
suficiência da revelação divina como o fundamento mesmo de sua compreensão de todas as
coisas. Ao fazê-lo, insiste que a única interpretação válida dos fatos da realidade é aquela que
lhes foi dada pelo seu Criador e que essa interpretação fidedigna da realidade foi estabelecida
pelo próprio Deus nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Assim, o cristão afirma que a
única epistemologia ou teoria de conhecimento humano válida é aquela que está baseada na
palavra revelada de Deus.
Portanto, embora devamos rejeitar completamente a estrutura que deu origem a este ditado
— a saber, que os fatos não falam por si, mas por meio de uma teoria —, devemos contudo ao
mesmo tempo reconhecer que há também uma importante verdade nele. De fato, essa verdade é
para o homem a base fundamental da epistemologia. Mas, para o humanista, é a mente autônoma
do homem que dá sentido aos fatos da realidade, que dá a palavra definitiva da verdade sobre o
domínio dos fenômenos, enquanto que para o cristão é Deus quem dá a palavra da verdade sobre
a realidade.[3]
Para o cristão, portanto, o locus último da racionalidade e inteligibilidade é o Deus da
Escritura; e o homem, então, para verdadeiramente conhecer algo, deve como criatura de Deus,
criado à sua imagem, “pensar os pensamentos de Deus depois dele”, nas palavras de Cornelius
Van Til.
Além disso, de acordo com a teoria cristã de conhecimento, o incrédulo só é capaz de
chegar a um conhecimento verdadeiro em grau similar, embora não tenha consciência de isso ser
assim. Até onde negue isso e se recuse a pensar os pensamentos de Deus depois dele, seu
conhecimento é falso, pois tem por base uma teoria que não está de acordo com a interpretação
definitiva e assertiva que o Criador faz dos fatos da realidade. O exemplo clássico disso,
obviamente, é a avaliação que Eva faz dos fatos da realidade no jardim do Éden. Assumindo ter a
capacidade de chegar à verdade última sobre a natureza da realidade sem referência à palavra
dotada de autoridade de Deus, ela fez uma avaliação falsa dos fatos relativos à árvore do
conhecimento do bem e do mal. É este processo de raciocínio autônomo, isto é, a rejeição da
palavra definitiva de Deus como o fundamento de todo o conhecimento, que levou à queda e
constitui a essência do pecado original.

Alguns problemas na visão humanista da racionalidade


O incrédulo, como vimos, começa seu pensamento com a premissa de que o mundo existe e pode
ser compreendido independentemente do Deus que o criou e o sustenta continuamente pela
palavra do seu poder. Propõe, assim, uma epistemologia que ele afirma ser neutra ou objetiva,
isto é, baseada nos fatos da realidade e não nos fatos sendo interpretados por uma fé religiosa.
Essa alegação de neutralidade é um mito. É um mito porque, ao fazer essa suposição básica, o
incrédulo está sendo tudo menos neutro ou objetivo. Ele está partindo de uma teoria que por sua
própria natureza nega que o Deus da Escritura pode existir e que, portanto, nega implicitamente
toda a religião bíblica. Assim, sua interpretação dos fatos da realidade negará inevitavelmente
que o universo é aquilo que o cristão insiste ser, isto é, obra das mãos de Deus. Dado o seu ponto
de partida básico, o incrédulo não pode logicamente chegar a qualquer outra conclusão.
Poder-se-ia objetar aqui que, embora o incrédulo não assuma a existência do Deus da
Escritura desde o início, também não a nega, mas simplesmente deixa a questão em aberto. Se
Deus existe ou não seria então determinado como resultado da aplicação de princípios racionais
autônomos. Por meio de suas próprias habilidades racionais, o homem avançaria então até o
conhecimento de Deus.
Contudo, o deus dessa teologia natural não poderia ser o Deus revelado na Escritura, mas
tão somente um deus criado pelo próprio homem segundo os modismos religiosos da época. Isso
ocorre porque o Deus da Escritura é o próprio fundamento de todas as coisas, a fonte de toda a
razão e, portanto, da própria racionalidade do homem. Assim, como já dissemos, se o homem
quer conhecer alguma coisa verdadeiramente, deve pensar os pensamentos de Deus depois dele,
pois Deus, e não a mente autônoma do homem, é aquele em termos de quem todas as coisas
devem ser compreendidas e medidas. Fazer a pergunta “Deus existe?” é afirmar, no mínimo, que
por trás de Deus existe a possibilidade, o que equivale a dizer que o conceito de possibilidade
governa a existência de Deus. Tal deus não seria o Deus mencionado na Escritura, já que o Deus
da Escritura é a fonte de todas as possibilidades. A Bíblia afirma que o Deus de quem ela fala
não pode não existir e que todas as coisas dependem dele para a sua existência. O Deus da
Escritura é portanto a fonte de toda a verdade, aquele que determina o que é e o que não é, e
portanto aquele que por seu ato criativo define todas as coisas, incluindo o homem. Assumir a
racionalidade autônoma do homem é negar a existência de tal Deus. Quando o homem reivindica
determinar por si mesmo se Deus existe ou não, está fazendo dele mesmo a fonte da verdade
última, aquele que determina o que é e o que não é, aquele portanto que define Deus de acordo
com a sua própria imagem. Qualquer deus declarado em tais bases não pode ser o Deus da
Escritura, mas meramente a projeção de um ídolo sobre a Escritura. Questionar se Deus existe ou
não é, portanto, negar desde o início a existência do Deus da Escritura.[4]
Isso desmente a suposta neutralidade do racionalista. A dita objetividade ou doutrina da
neutralidade do homem moderno é, na verdade, uma pressuposição religiosa negativa universal
concernente à natureza da realidade que é sustentada e defendida somente pela fé; pois a
suposição de que o mundo existe e pode ser compreendido independentemente do Deus da
Escritura não pode ser provada objetivamente mais que a existência de Deus pode ser provada
objetivamente; é uma questão de fé.
Assim, a ideia tão promovida pelo estamento “científico” dos nossos dias de que o conflito
entre o humanismo e o cristianismo é um conflito de fato versus fé é uma mentira. O conflito, na
verdade, é de fé versus fé, pois não existem “fatos brutos” no universo, apenas fatos
interpretados; e, na sua interpretação dos fatos da realidade, o incrédulo assume a capacidade de
conhecer e compreender independentemente de Deus um mundo que ele acredita existir
independentemente de Deus.
É este pressuposto que rege o pensamento do incrédulo e, por conseguinte, sua avaliação
dos fatos em toda e qualquer esfera. Ele enxerga então o mundo à sua volta e todas as coisas nele
em termos de uma teoria que é pré-teorética ― isto é, não comprovada e, por sua própria
natureza, não comprovável. O incrédulo, portanto, começa seu pensamento com um ato de fé nas
suas próprias pressuposições sobre a natureza autônoma da realidade e na sua própria capacidade
como pensador criativo original e conhecedor do mundo; em outras palavras, enxerga todas as
coisas a partir de uma perspectiva religiosa que requer a fé como fundamento.

Conhecimento, fé e revelação
Isso é evidente se considerarmos que só existem na realidade duas posições últimas no que diz
respeito à posse de conhecimento, a saber, o conhecimento exaustivo ou onisciência e a completa
ignorância. Se quero saber alguma coisa verdadeiramente, devo saber tudo exaustivamente; do
contrário, o que sei ― ou melhor, o que penso saber ― pode estar sendo afetado por aquilo que
eu não sei, de uma forma e numa extensão que não posso saber, e portanto meu “conhecimento”
não é conhecimento em nenhum sentido adequado, mas mera especulação. Se, como ser finito
que carece de conhecimento exaustivo, devo conhecer alguma coisa verdadeiramente, isso deve
ser revelado a mim por alguém que conheça todas as coisas exaustivamente. Com base nessa
revelação, e na medida em que meu raciocínio seja consistente com ela, serei então capaz de
prosseguir e construir meu conhecimento e entendimento do universo que me rodeia. Mas meu
conhecimento tem necessariamente por base a fé na validade dessa revelação.
Isso não é menos verdade para os incrédulos e para aqueles que se consideram racionalistas
do que para o cristão. Todo conhecimento, científico ou não, se baseia em revelação, isto é, em
“algo dado” que é pré-teorético e portanto recebido por fé. Esses “dados” são considerados
axiomáticos e, portanto, assumidos sem questionamento. Eles formam a base de todo
conhecimento posterior e, portanto, não são suscetíveis de prova racional, já que questionar sua
validade seria questionar a possibilidade do conhecimento. Em outras palavras, o conhecimento
(ciência) depende da fé, não a fé do conhecimento. A única alternativa para seres humanos
finitos é a total ignorância e ceticismo.
O incrédulo aceita a natureza racional da realidade como uma verdade autoevidente. Mas
ela só é uma verdade autoevidente para o homem porque ele próprio foi criado à imagem daquele
que em primeiro lugar trouxe este cosmos racional à existência. A natureza racional da realidade
é revelada na criação; ela é clara para todos verem, porque é assim que Deus a criou.[5] O
incrédulo aceita a validade dessa revelação como “algo dado”, embora negue aquele que fez a
revelação. Sua aceitação dela, contudo, é essencialmente uma crença religiosa, isto é, uma visão
da realidade que é recebida pela fé.
O incrédulo aceita ainda, entretanto, que o mundo existe e pode ser compreendido
independentemente do Deus da Escritura e que suas próprias faculdades racionais são suficientes
para a tarefa de compreender este mundo e, portanto, capazes de dar ordem e significado aos
fatos da realidade de uma forma criativa original. Estas também são crenças fundamentalmente
religiosas, vale dizer, pressuposições que governam a estrutura da cosmovisão do incrédulo e que
são recebidas somente por fé.
Na medida em que o incrédulo é consistente com o primeiro (isto é, com a natureza
racional da realidade), é capaz de conhecer o universo que o rodeia. Mas na medida em que
assume o último (isto é, a natureza autônoma da realidade), seu conhecimento é corrompido e,
portanto, falso. A exclusividade mútua desses pressupostos básicos sobre a natureza da realidade
é o que torna impossível, em última análise, ao incrédulo construir uma cosmovisão
racionalmente consistente e significativa.

A circularidade do raciocínio
Todo raciocínio, portanto, é circular, na medida em que faz certas suposições fundamentais sobre
a natureza da realidade que governa o processo de raciocínio. Essas pressuposições governam
tanto o método usado para avaliar os dados da realidade quanto as conclusões alcançadas sobre
esses dados, uma vez que é em termos da validade dessas pressuposições que se dá o processo de
raciocínio. Isso vale tanto para o incrédulo quanto para o cristão. A cosmovisão do incrédulo,
portanto, se baseia na fé, vale dizer, na suposta validade das pressuposições que regem sua
compreensão da natureza da realidade. Em outras palavras, o incrédulo faz certas suposições
sobre o mundo no qual vive que funcionam essencialmente como dogmas religiosos em termos
dos quais se busca maior conhecimento e compreensão do cosmos. Quando ele nega que isso
seja assim e alega objetividade ou neutralidade, apenas mostra ignorar a base epistemológica de
seu próprio pensamento. Numa palavra, está iludido.

Premissas emprestadas
Todavia, esse não é o único ponto em que o incrédulo está iludido. Se ele fosse intelectualmente
honesto consigo mesmo ― algo realmente raro entre os ditos pensadores científicos dos nossos
dias ―, teria de admitir que continuamente pensa e raciocina em termos de princípios totalmente
inconsistentes. Ele pressupõe a existência de um cosmos racionalmente ordenado, ou pelo menos
de um cosmos que admite ser racionalmente ordenado pela mente do homem, o que no fim dá no
mesmo, pois, se o cosmos não é racionalmente ordenado, ele não tem significado e portanto é
incapaz de ser racionalmente ordenado ― não existe de fato racionalidade nesse universo. Mas
ele então tenta construir uma filosofia que se baseia em um conceito diametralmente oposto a
essa pressuposição, isto é, a evolução totalmente casual do universo, que significa que o cosmos
inteiro, cada fato e faceta da realidade, incluindo o homem e portanto também sua racionalidade,
são meras coisas sem relação entre si, meros acontecimentos, frutos do acaso, sem significado
em relação aos demais acontecimentos casuais no universo. Em outras palavras, o incrédulo tenta
argumentar racionalmente sobre um universo que é por sua natureza irracional e, portanto,
incapaz de ser compreendido, pois não há base para a sua inteligibilidade.
Van Til descreve a tarefa do incrédulo como a de enfiar um número infinito de miçangas
sem furos em um cordão infinitamente longo, sem começo nem fim. Mas isso, para todos os
efeitos, é precisamente o que o incrédulo afirma ter conseguido fazer, já que afirma ser capaz de
compreender o mundo em que vive. Entretanto, ele só será capaz de fazê-lo na medida em que
for inconsistente consigo mesmo. Para dar algum sentido ao universo, ele tem de assumir
princípios operativos de racionalidade, lei e inteligibilidade que fundamentalmente contradizem a
sua crença de que o universo é o produto do caos e do acaso. Esses princípios assumidos são, na
verdade, emprestados de um entendimento da realidade conforme criada por Deus. Assim, ao
usar desses princípios, o incrédulo atesta sua contínua dependência de uma concepção da
realidade que pressupõe que o cosmos é criação do Deus da Escritura. É claro, ele nega que isso
seja assim, pois admiti-lo seria reconhecer Deus. Ele, portanto, suprime a verdade sobre Deus e
continuamente tenta negar a natureza da realidade criada por Deus.
Assim, o incrédulo continuamente opera sobre premissas emprestadas. Ele tem de aceitar o
universo como Deus o criou, isto é, como um universo racional governado por leis. Isso ele é
capaz de fazer, e sem ter consciência disto, pois foi criado à imagem de Deus e é assim possuidor
de uma natureza racional. Mas, como criatura caída, ele nega e suprime a verdade sobre Deus e
tenta, por conseguinte, explicar a natureza da realidade em termos de uma teoria que
pressuponha a existência independente do cosmos e a racionalidade autônoma do homem. O
resultado é uma epistemologia inconsistente que leva a muitas teorias ad hoc sobre a origem do
universo e sobre como ele funciona. Mas, porque todas essas teorias e filosofias são logicamente
inconsistentes, terminam em irracionalidade. Sem Deus, o homem não pode dar sentido ao
universo. Suas tentativas de fazê-lo são inconsistentes entre si porque se baseiam em princípios
inconciliáveis.
Todavia, porque o homem é criatura de Deus, criado à imagem de Deus para que pensasse
os pensamentos de Deus depois dele ― em outras palavras, porque é inconsistente e assume um
mundo de racionalidade ―, é capaz de dar sentido ao mundo à sua volta até certo ponto. Mas ele
faz isso apesar de sua negação de Deus e só na medida em que aceita, mesmo que
involuntariamente, a natureza da realidade criada e revelada por Deus ― em outras palavras, na
medida em que realmente pensa os pensamentos de Deus depois dele. Se ele fosse consistente
com sua negação de Deus, teria de concluir que todas as coisas são sem sentido e que é
impossível dizer qualquer coisa inteligível sobre qualquer fato ou aspecto da existência no
universo casual que o rodeia ― de fato, em tal universo o conceito de inteligibilidade é absurdo.
Em certa medida, algumas escolas de filosofia moderna desenvolveram essa verdade de forma
mais consistente do que outrora, e temos assim o existencialismo e o niilismo.

Não se pode ter ambas as coisas


A perspectiva geral do incrédulo, então, é distorcida, embora ele seja capaz de chegar a verdades
e percepções individuais. Essas verdades e percepções, contudo, não podem ser relacionadas de
forma consistente entre si nem com os pressupostos antibíblicos que governam o entendimento
que o incrédulo tem do universo. Em particular, o incrédulo deseja desesperadamente manter
certos aspectos da realidade, especialmente qualidades e facetas da personalidade humana que
ele sabe instintivamente serem essenciais para sua própria humanidade, mas é incapaz de
explicar com base em sua própria filosofia.
Isso deu origem a sistemas dualistas de pensamento que tentaram explicar a natureza da
realidade em termos da suposta racionalidade autônoma do homem; por exemplo, o esquema
forma-matéria do período grego antigo, o esquema natureza-graça do escolasticismo medieval e
o esquema natureza-liberdade do período do renascimento e iluminismo até os nossos próprios
dias.[6] Todas essas filosofias são simplesmente uma tentativa de se ter ambas as coisas. Porque
são produto de uma epistemologia inconsistente, elas são distorcidas e em última análise
irracionais, isto é, não conseguem produzir uma interpretação racionalmente consistente do
universo. O incrédulo, portanto, está fora de contato com a realidade, embora não tenha
consciência disso; assim, uma “esquizofrenia intelectual”, para usar o termo de R. J. Rushdoony,
se manifesta continuamente em seu pensamento.
A visão cristã da realidade
A posição cristã, por outro lado, é consistente com suas próprias pressuposições; isto é, contribui
para uma interpretação racionalmente consistente dos fatos da realidade. Ela não é
esquizofrênica, mas capaz de harmonizar todo o cosmos em uma cosmovisão unificada que se
baseie em princípios autoconsistentes. O cristão, portanto, ao contrário do incrédulo,
verdadeiramente acredita em um universo, isto é, em um cosmos que é uma entidade unificada
porque encontra seu significado e propósito no ato criativo do Deus da Escritura e, portanto, que
é inteligível e explicável em termos somente de sua palavra. Além do mais, é somente em termos
da teoria cristã de conhecimento que o homem pode chegar a uma compreensão consistente e
unificada da realidade. O incrédulo pode não gostar do Deus que ele encontra no centro dessa
teoria cristã de conhecimento nem da natureza da cosmovisão que ela gera, mas não pode, se for
intelectualmente honesto, negar a racionalidade última dela.
Evidentemente, o incrédulo nunca admitirá isso porque é um pecador, um rebelde em
inimizade com Deus. Não pode, portanto, aceitar que a natureza da realidade esteja centrada em
Deus. Ele prefere acreditar em uma mentira do que se curvar perante o Deus da Escritura. A
depravação ética se manifesta em todas as áreas de sua vida e, portanto, na sua compreensão de
cada aspecto e fato da realidade.
O que foi dito acima não pretende implicar, contudo, que o cristão nunca pode estar errado
ou não comete erros nas suas tentativas de chegar a uma compreensão adequada dos fatos da
realidade. Obviamente, o cristão comete erros e chega a conclusões incorretas sobre o mundo em
que vive. Mas faz isso apesar e não por causa de suas pressuposições básicas sobre a natura da
realidade criada por Deus. A diferença entre o crente e o incrédulo é a seguinte: dados os seus
pressupostos básicos sobre a origem e natureza da realidade, é impossível para o incrédulo em
princípio falar de forma inteligível sobre qualquer fato no universo. No entanto, porque ele é
inconsistente com seus pressupostos e assume que o universo é racionalmente ordenado — em
outras palavras, porque pensa em termos de conceitos pré-teoréticos que são emprestados da
compreensão cristã da realidade —, é capaz de chegar a uma compreensão correta de muitos
aspectos do mundo ao seu redor. Mas ele não pode, em última análise, encaixar essas verdades
em uma cosmovisão racionalmente consistente e significativa porque sua negação de Deus
necessariamente o deixa alijado do único princípio interpretativo que é capaz de fornecer uma
base racional para tal cosmovisão, a saber, a criação de todo o cosmos ex nihilo pelo Deus da
Escritura. Mas o cristão, embora capaz de cometer erros na sua compreensão de alguns dos fatos
que tem diante de si, é contudo capaz de chegar a uma compreensão correta da natureza e do
significado da realidade como um todo. Sua cosmovisão é em princípio consistente consigo
mesma e com o mundo ao redor dele.

Aplicação da teoria cristã de conhecimento à filosofia da educação


O princípio sola scriptura implica que toda a vida deve estar sujeita à vontade de Deus,
conforme revelada nas Escrituras; e, pelo menos em teoria, aqueles que o defendem sempre
sustentaram que assim deve ser. Quando chegamos à aplicação prática desse princípio, torna-se
evidente que as implicações da epistemologia em que ele se baseia são de grande alcance. Em
nenhuma outra área hoje isso é mais verdadeiro, e necessita mais urgentemente a nossa atenção,
que no campo da filosofia da educação.
De modo geral ― embora talvez com exceção do “conhecimento religioso” ― o incrédulo
ensinará os mesmos assuntos e os mesmos fatos ensinados pelo cristão, mas tentará encaixá-los
em uma visão da realidade que nega a existência do Deus da Escritura e busca explicar todas as
coisas em termos dessa cosmovisão. Em tal perspectiva, a fé cristã é meramente produto de uma
cosmovisão antiquada e não científica e, portanto, um sistema de crença irracional na era
científica de hoje. Mas a fé cristã é irracional aos olhos do incrédulo porque se opõe aos seus
próprios pressupostos religiosos sobre a natureza da realidade. Para o cristão a situação é
exatamente inversa; sua compreensão da vida é centrada em Deus e, portanto, ele busca entender
e interpretar todas as coisas em termos do propósito criativo do Deus da Escritura e da palavra
que deu para governar a vida do homem. O universo só encontra seu propósito e significado em
Deus, pois ele é o criador e sustentador de todas as coisas. Assim, a negação de Deus é um salto
para a irracionalidade e o suicídio intelectual.
Isso coloca a questão da educação no seu contexto filosófico. Essas duas posições são
mutuamente exclusivas. Se forem consistentes com suas pressuposições, elas nunca podem
concordar fundamentalmente sobre a interpretação dos fatos da realidade em qualquer ponto que
seja. Para o cristão e o humanista, portanto, não é possível existir um terreno comum.[7] Essa
verdade tem sido até agora compreendida mais pelos humanistas do que pelos cristãos. É a
exclusividade mútua dessas duas posições que torna essencial a provisão de uma educação
especificamente cristã para os nossos filhos; e o envio de nossos filhos para escolas públicas para
serem educados por humanistas é uma negação implícita da fé.
Esta verdade — de que é a natureza de nossos pressupostos religiosos básicos que governa
nosso entendimento de todas as coisas — é, portanto, o argumento fundamental por trás de uma
filosofia e prática especificamente cristãs da educação; pois, se é verdade que a única
interpretação válida do mundo em que vivemos é aquela que tenha por base a palavra revelada de
Deus, a educação que damos aos nossos filhos deve estar em todos os aspectos baseada nessa
palavra. Educação cristã, portanto, é aquela que permite ao aluno pensar os pensamentos de Deus
depois dele em cada disciplina e área da vida; em outras palavras, uma educação que lhe fornece
tanto a estrutura conceitual baseada na e consistente com a interpretação definitiva da realidade
apresentada na palavra de Deus como as ferramentas intelectuais para poder assimilar os dados
da realidade nessa estrutura. Somente tal educação permitirá ao aluno dar um sentido último ao
mundo no qual ele vive e irá equipá-lo a cumprir seu mandato cultural de submeter todas as
coisas a Cristo.
Além do mais, porque o cristão acredita que todas as coisas foram criadas por Deus e,
portanto, que os fatos da realidade só podem ser compreendidos adequadamente em termos do
propósito criativo de Deus, a filosofia cristã da educação nega enfaticamente que qualquer
disciplina ou campo de estudo, qualquer método científico ou os achados e conclusões da
investigação de toda e qualquer faceta do cosmos seja neutro no que diz respeito às
pressuposições fundamentais da epistemologia nas quais esteja baseado. É o ato criativo de Deus
que confere significado aos dados da realidade; a única teoria, portanto, que pode falar com
autoridade sobre esses dados ou dar-lhes sentido último é aquela que pressupõe o Deus da
Escritura como o princípio fundamental de interpretação de todas as coisas: “Porque dele, e por
meio dele, e para ele são todas as coisas” (Rm 11.36) e “Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo
subsiste” (Cl 1.17). Essa verdade é o princípio de todo conhecimento, pois somente em termos
dessa verdade é possível o verdadeiro conhecimento. Assim, “o temor do SENHOR é o princípio
do conhecimento” (Pv 1.7, NVI).
É, portanto, uma traição contra Deus entregar nossos filhos a incrédulos para a formação
de sua perspectiva intelectual e filosofia de vida — pois é isto que a criança recebe na escola, a
saber, uma visão total de mundo e não simplesmente informações especializadas ou técnicas
sobre determinados assuntos que seus pais não conseguem prover; de fato, uma filosofia
completa de vida é precisamente o que a maioria dos educadores se orgulham de estar
oferecendo. Quem supõe que pode manter sob controle o tipo de visão de mundo que seus filhos
absorvem enquanto os envia a uma escola pública ou humanista está se iludindo. É impossível
desfazer cinco dias de instrução sistemática na cosmovisão humanista com uma manhã de escola
dominical, que geralmente é tudo o que os filhos dos cristãos obtêm através de uma educação
especificamente cristã — e mesmo esta é geralmente de muito má qualidade e limitada à
“educação religiosa” em sentido estrito. Estamos negando a fé quando entregamos nossos filhos
para serem educados por nossos inimigos, para serem instruídos e encorajados a ver o mundo e
todas as coisas nele em termos das categorias ímpias do pensamento humano. Fazer isso é
dedicar nossos filhos a outro deus. É idolatria e traição, tudo numa coisa só.

Conclusão
Iniciei este capítulo afirmando que a teologia protestante moderna abandonou a base sola
scriptura sobre a qual esteve originalmente fundada e que isso aconteceu porque a base
epistemológica sobre a qual esta se apoiava foi abandonada. Isso, porém, não foi feito
conscientemente; porque, em geral, a base epistemológica da concepção sola scriptura de
teologia não era defendida conscientemente por aqueles que haviam aderido ao princípio sola
scriptura. Ele era assumido teologicamente, mas não conscientemente. Por isso, Van Til critica
aqueles que defendiam o princípio sola scriptura, mas tentavam construir uma apologética que
se baseasse em uma epistemologia racionalista de terreno comum ― por ex., Hodge, Warfield e
os antigos princetonianos. Isso, de acordo com Van Til, entrega demais; de fato, cede tudo em
princípio para o inimigo. Com o surgimento do humanismo racionalista e sua reivindicação ao
método científico, etc., muitos concluíram que o evangelho não é mais defensável
intelectualmente — pelo menos o tipo de evangelho defendido pelos reformadores, com sua
crença nas Escrituras como a palavra infalível do Deus vivo e a autoridade suprema e vinculativa
em todas as matérias de crença e conduta.
Assim, sem base segura para se firmar quando forçada a defender a fé, a Igreja Protestante,
incluindo a ala evangélica, rompeu fileiras e fugiu ante um inimigo cuja força reside apenas
numa ilusão de racionalidade. Alguns, envergonhados pelas reivindicações da Escritura e
relutantes em sacrificar a respeitabilidade intelectual em um mundo acadêmico hostil à verdade
bíblica, buscaram freneticamente encontrar maneiras de mostrar que as Escrituras na verdade o
tempo todo queriam dizer o que os racionalistas “científicos” de hoje estão dizendo — veja a
teoria das lacunas na criação e a ideia da evolução teísta, que foi desenvolvida para se adequar a
uma teoria que não apenas é antibíblica, como insustentável em termos de qualquer concepção
adequada do método científico. Nesse processo de acomodação, entretanto, a teologia protestante
deixou de ser essencialmente bíblica em qualquer sentido honesto e significativo e avançou para
uma forma de teologia natural que é mais aceitável no clima intelectual e acadêmico
contemporâneo. Outros, desejando reivindicar adesão à fé bíblica e não querendo adotar uma
teologia racionalista, escaparam inadvertidamente para a mesma jaula que os racionalistas
construíram para si, a saber, uma dicotomia fé-razão entre a religião cristã e a suposta verdade
científica ou empírica. Ambas as tendências são o resultado de se dar demasiado crédito às
alegações ilegítimas da filosofia racionalista. Em suma, a igreja protestante hoje sofre um grave
ataque de covardia intelectual face ao inimigo.
Se a igreja pretende se recuperar dessa condição e reaver o terreno perdido, deve se libertar
de sua escravidão intelectual à perspectiva racionalista da filosofia e teologia modernas e voltar
mais uma vez à concepção sola scriptura da fé cristã. Nossa tarefa então é reconstruir uma
teologia consistente em termos desse princípio e desenvolver uma hermenêutica que seja capaz
de aplicar a Escritura ao mundo contemporâneo, liberando assim o mandamento-palavra de Deus
na vida da igreja e no mundo que fomos incumbidos de submeter à disciplina de Cristo.
Se quisermos comunicar eficazmente a verdade bíblica, contudo, nossa apologética deve se
basear numa epistemologia racionalmente consistente consigo mesma e com nossa compreensão
da Escritura como a revelação infalível e assertiva de Deus e de sua vontade para o homem.
Nesta base, poderemos desafiar com confiança toda a filosofia racionalista e sistemas de
pensamento organizados contra a religião cristã em nossos dias. Ao fazê-lo, porém, devemos
deixar claro que a epistemologia cristã sobre a qual construímos não é meramente um
fundamento racional para a verdade que proclamamos, mas o único fundamento racional para
qualquer reivindicação à verdade. É a base não apenas da verdade bíblica, mas de toda verdade,
seja ela concebida religiosamente, seja cientificamente, pois as reivindicações de verdade bíblica
são todas abrangentes. Somente com base em tal epistemologia estaremos em posição de revelar
a idolatria intelectual da descrença e expor ao incrédulo a irracionalidade de sua própria posição.
2. Educação e idolatria

Na perspectiva do incrédulo discutida no capítulo anterior, resta claro que a racionalidade e gênio
criativo do homem não derivam nem de modo algum dependem de qualquer fonte fora dele, mas
são qualidades autônomas originais da personalidade humana. Consequentemente, o homem
define tanto a sua própria natureza quanto a natureza do mundo no qual vive; e compreende
todas as coisas em termos de si mesmo. O homem é o ponto de referência último para todos os
fatos do universo que o rodeia. Assim, numa passagem reveladora de Karl Popper nos é dito o
seguinte:
Com efeito, a “revolução de Copérnico” feita por Kant soluciona um problema humano originado na
revolução de Copérnico, pelo afastamento do homem da posição central que ocupava no universo físico.
Kant mostra não só que nossa posição no universo físico é irrelevante, mas, também, que, num certo
sentido, pode-se continuar dizendo que o universo gira à nossa volta — de fato, somos nós que criamos,
pelo menos em parte, a ordem nele encontrada; nós próprios produzimos o conhecimento que temos do
universo. Somos descobridores — e a arte da descoberta é um ato de criação.[8]

Esta, obviamente, é a mais antiga de todas as heresias, remontando à queda do homem no jardim
do Éden. Adão definiria a natureza da realidade e de seu próprio ser e determinaria por si mesmo
seu lugar na ordem das coisas de acordo com sua própria racionalidade autônoma. É claro, isso
também significava que o próprio Deus criador precisaria agora ser definido segundo a imagem
do homem, uma vez que Adão havia feito de sua própria racionalidade o critério de toda verdade,
significado e propósito. Esse processo de raciocínio é ilustrado graficamente na filosofia de
Immanuel Kant, que é basilar para grande parte do pensamento moderno. A passagem a seguir
foi tirada de A religião dentro dos limites da razão pura, de Kant, um título que por si só revela
muito sobre a idolatria implícita no humanismo idealista e racionalista:
Por mais que minhas palavras te espantem, não deves condenar-me por dizer que cada homem cria o seu
Deus. Do ponto de vista moral… é preciso criar Deus para poder adorá-lo como nosso criador. Qualquer
que seja a forma… em que tomemos conhecimento da divindade; mesmo… se Deus se revelasse
diretamente a nós… precisaríamos decidir se nos é permitido (pela nossa consciência) crer nele, e adorá-
lo.[9]

Dificilmente se poderia encontrar uma recapitulação mais impressionante do raciocínio que


esteve envolvido no pecado original de Adão. Traduzindo em miúdos, isso significa que o
homem é seu próprio deus, pois o deus de alguém é sempre aquele a quem é atribuída a
autoridade última. De acordo com Popper, “o espírito da ética de Kant poderia ser sumarizado
com estas palavras: ter a coragem de ser livre e respeitar a liberdade dos outros”.[10] O espírito da
ética de Kant pode ser igualmente resumido nestas palavras: ter a coragem de ser como Deus,
conhecendo o bem e o mal por si mesmo (Gn 3.5). A ética de Kant é a ética da rebelião.
Esta filosofia do homem como deus ― humanismo ― irá desenvolver-se de uma de duas
maneiras: ou através do libertarianismo e daí para a anarquia, ou através de uma visão estatista
do homem e da sociedade e daí para o totalitarismo.[11] Ambas as ideologias estão bastante
presentes hoje em nosso meio e atuantes na teoria e prática educacionais em nosso país, e já faz
bastante tempo. Contudo, é basicamente esta última que nos preocupa aqui, pois a ideologia
estatista não só representa uma ameaça, através das autoridades locais de educação, à autoridade
dos pais nos seus esforços para dar aos filhos uma educação piedosa, como também pode exercer
grande pressão psicológica sobre os pais cristãos para que se conformem ao status quo que foi
estabelecido ao longo do último século através do financiamento fiscal da educação pública. É
importante, portanto, que compreendamos essa ideologia e exponhamos a natureza idólatra da
filosofia que a sustenta.

A visão estatista do homem


Como vimos, para o humanismo o homem está no centro de seu mundo. Mas há muitos homens
individuais, e o ideal do homem não pode ser limitado às idiossincrasias de qualquer ser humano
em particular. Assim, para o humanismo estatista, o ideal do homem está sempre além do
homem em particular, estando em vez disso incorporado no conceito de sociedade. Nesta
perspectiva, é a ideia de sociedade e do homem como criatura social que é idolatrada. Mas essa
ideia de sociedade está muito distante do mundo dos homens reais e das necessidades e
preocupações dos homens reais. Isso ocorre porque o ideal está sempre além da situação
histórica. Essa ideia abstrata de sociedade, portanto, se quiser tornar-se uma realidade na história,
deve ser incorporada em algum órgão ou instituição representativa na terra que então molde a
situação histórica e tente colocá-la em conformidade com o ideal. Essa instituição ― a perfeita
incorporação ou verdadeira expressão da ideia de sociedade humana tal como entendida pelo
humanismo estatista ― é o Estado. Donde, para usar a frase de Hegel, o Estado é a “ideia divina
tal como existe na terra”.
Visto que na ideologia do estatismo o homem é criatura da sociedade ― ou seja, ele é o
que é como resultado do condicionamento social ―, é dever do Estado determinar e regular
todos os parâmetros e variáveis dentro da matriz social e cultural do homem para que o produto
final esteja em conformidade com o ideal do ser social perfeito. Em outras palavras, sendo a
ideia abstrata de sociedade encarnada na história, o propósito do Estado é recriar a sociedade à
própria imagem dele. Como chefe e guardião da sociedade, o Estado deve cuidar, moldar e
disciplinar nos termos de seu próprio propósito aqueles que constituirão a sociedade do futuro.
Não surpreende, portanto, que a família seja depreciada pelos estatistas e o controle da criança,
desde o nascimento, visto cada vez mais como uma responsabilidade do Estado. A criança é uma
criatura do Estado e a sociedade é a sua verdadeira família. Assim, se a família genética da
criança se revela um obstáculo ao desenvolvimento dela como um membro ideal da sociedade
estatista, a custódia da família deve ser suspensa.
Isso não é mera teoria. Embora possa não ser tão evidente na Grã-Bretanha como a análise
acima sugere, essa ideologia está sutilmente em ação no nosso país e pode ser vista de forma
mais conspícua em países socialistas avançados como a Suécia. Talvez tenhamos, nas atuais
tentativas de alguns de proibir por lei todas as formas de castigo físico de crianças por parte dos
pais, um indicativo do que está por vir.
Nesta perspectiva, o homem é definido pelo Estado como uma criatura social. Senão em
relação à sociedade, o indivíduo não é nada, já que seu crescimento e desenvolvimento como
uma personalidade são determinados e controlados pelo seu ambiente social. Assim, a educação
é necessariamente um processo de amadurecimento à imagem do homem tal como definido pelo
Estado. O objetivo da educação, portanto, é a integração na sociedade. Por conseguinte,
frequentemente ouvimos educadores falarem do desenvolvimento da criança em termos de sua
eventual utilidade como um membro plenamente participativo da sociedade. É comum também
ouvir políticos falarem nesses termos. Um homem ou mulher é considerado maduro e valioso
para a sociedade porque é um membro útil dela e capaz de contribuir com algo que vale a pena
para a comunidade. O indivíduo só se realiza verdadeiramente na medida em que ajuda a
concretizar a sociedade ideal que ele existe para servir.
Em última análise, é de esperar que aqueles que não conseguem ou não querem satisfazer
essa expectativa tenham negado o status de seres humanos e sejam exilados em hospitais
psiquiátricos e campos de trabalhos forçados, onde possam ser forçados a servir ao Estado como
escravos, ou, sendo incapazes de fazer até isso, sejam condenados à morte. Tais práticas eram
comuns em países soviéticos por muitos anos e, naturalmente, uma característica do regime
nazista. Algumas delas são agora comuns no Ocidente; por exemplo, o aborto de fetos
deformados ou mesmo de um feto perfeitamente formado, caso o nascimento da criança
provoque “dificuldades” para a mãe ou uma “doença mental” nela. A adição da engenharia
genética ao arsenal de técnicas de controle social representa uma perspectiva sombria para o
futuro do homem sob essa ideologia.

A filosofia estatista da educação


No que diz respeito à educação, porém, é evidente que nossa definição de homem determina a
natureza da nossa filosofia educacional. Ela também determina o método e objetivo do processo
educacional. Pois a educação humanista é necessariamente centrada no homem. O homem é a
medida de si mesmo e de todas as coisas. O objetivo da educação é que o homem compreenda a
si mesmo em termos da imagem de seu deus, quer este deus seja seu próprio ego pessoal, como
no libertarianismo, quer seja o ideal estatista de sociedade ou do homem como uma criatura
social. Para o libertário, o processo será orientado para o indivíduo e suas necessidades, desejos e
aspirações em todos os pontos. Para o estatista, será orientado para o ambiente social do homem.
O objetivo da educação, portanto, é equipar a criança para ocupar seu lugar na sociedade adulta,
integrando-a plenamente aos pares. Os pares, então, são o ponto de referência para o
desenvolvimento da criança em todas as fases de sua educação.
Para os estatistas, a falta dessa educação é considerada uma privação, e retirar
deliberadamente a criança desse processo de assimilação ao grupo é um ato de crueldade.
Portanto, embora deva ser reconhecido que a erradicação estatista de todas as formas de ensino
particular é, na prática, em grande parte motivada pela inveja e ódio ao privilégio, é contudo
logicamente consistente com a ideologia estatista buscar erradicar da sociedade todas aquelas
instituições educacionais que não proporcionem uma educação que esteja completamente
integrada à filosofia e prática educacional estatista, o que significa evidentemente, em última
análise, financiamento e controle estatais. Estar fora da norma social definida pela ideologia
socialista é uma aberração que só pode ser vista como prejudicial para a criança e também para a
sociedade.
Assim, a metodologia da educação estatista requer, antes de tudo, a integração da criança
aos pares. Sem isso, para a filosofia socialista, a educação não faz sentido. A educação é
principalmente um processo de iniciação ou batismo na sociedade na qual a criança encontrará
em última análise sua vocação e que definirá sua existência como pessoa adulta. Aqui, uso a
palavra “batismo” de forma bastante deliberada por causa de sua conotação religiosa, já que o
princípio da assimilação aos pares é um dogma defendido tenazmente pelos seguidores da teoria
educacional estatista, que é no fundo uma fé religiosa numa concepção idólatra da humanidade.
Essa fé humanista exerce uma forte influência sobre muitos pais cristãos que foram
ludibriados e manipulados para acreditar que, a menos que seus filhos sejam forçados a se
integrar ao ambiente social pagão de seus pares, tornar-se-ão membros inadequados, retraídos e
antissociais da sociedade. De fato, tem-se afirmado que, a menos que os filhos dos cristãos sejam
assim integrados aos seus pares, muito provavelmente acabarão sendo indivíduos
esquizofrênicos e até malévolos. Tal discurso pode exercer uma poderosa influência psicológica
sobre pais cristãos que estejam considerando retirar seus filhos da escola pública para lhes
proporcionar uma educação piedosa. A implicação é que educar a criança fora do sistema
estabelecido caracteriza abuso infantil.
É de vital importância, portanto, que os pais cristãos compreendam a perspectiva religiosa
que sustenta esse tipo de visão. Na ideologia socialista, não menos que no cristianismo ou
mesmo em qualquer outra religião, o homem é definido pelo seu deus, que para o socialismo é o
Estado, e o objetivo da educação é portanto promover o amadurecimento à imagem do homem
como uma criatura social. Em outras palavras, o Estado é o deus encarnado em cuja imagem o
homem deve se recriar. A educação é o processo pelo qual essa recriação deve ser realizada.

A perspectiva cristã
O cristão, todavia, começa ― ou pelo menos deveria começar ― de uma perspectiva totalmente
diferente. É o Deus da Escritura quem criou e, portanto, define o homem; e ele criou o homem à
sua própria imagem. O objetivo da educação, por conseguinte, é promover o amadurecimento à
imagem de Deus, e é dever dos pais cristãos cuidar da criança, moldar seu caráter e discipliná-la
nos termos do propósito de Deus para a vida dela.
De acordo com o Breve Catecismo de Westminster, “o fim principal do homem é glorificar
a Deus, e gozá-lo para sempre” e “Deus criou o homem, macho e fêmea, conforme a sua própria
imagem, em conhecimento, retidão e santidade, com domínio sobre as criaturas”. O objetivo de
uma educação cristã, portanto, é capacitar a criança a assumir as responsabilidades e privilégios
de ser portadora da imagem de Deus e equipá-la para uma vida de serviço a Deus como seu vice-
regente na terra. Visto que é Deus quem define o homem, e não a sociedade ou o Estado, o papel
dos pares e o processo de socialização não serão de importância primordial. A sociedade,
enquanto grupo de indivíduos que mantêm certas coisas em comum e partilham um modo de
vida comum, é ela mesma um aspecto subsidiário da condição humana, pois Adão originalmente
estava sozinho como ser humano. Ele não era por isso menos humano, contudo, pois sua
humanidade consistia em ser portador da imagem de Deus. Tudo o que distingue o homem dos
animais, e portanto constitui a sua humanidade, reside no fato de ser ele criado à imagem de
Deus. A necessidade de comunhão ou fraternidade do homem também está principalmente
relacionada ao fato de ele portar a imagem de Deus, pois na Deidade há comunhão entre as
pessoas da Trindade. Assim, o homem, como criatura dependente que porta a imagem de Deus,
também precisa de comunhão. Mas — e este é o ponto de fundamental importância aqui —, já
que o homem é criatura de Deus e portador de sua imagem, sua necessidade de comunhão
consiste antes de tudo na necessidade de comunhão com Deus e não com o homem. Como
portador da imagem de Deus, Adão mantinha uma relação de aliança com Deus antes de se
relacionar com qualquer outro ser humano. Era a sua posição em relação a Deus como portador
de sua imagem, e não em relação ao homem, que constituía sua humanidade; pois Adão foi
criado sozinho como o primeiro ser humano antes de Eva ser criada.
A comunhão do homem com o homem, ou sociedade, é portanto uma derivação da
condição humana e não sua característica definidora. A existência de comunidade e relações de
aliança entre os homens resulta do fato de o homem ser por natureza uma criatura pactual, criada
à imagem de Deus para comunhão com ele. Em outras palavras, o homem foi de fato criado para
comunhão, mas comunhão com Deus em primeiro lugar e, secundariamente, com o homem.
Isso é claramente demonstrado no fato de que, quando essa comunhão com Deus é
quebrada, a comunhão do homem com seus semelhantes também se desintegra. Nossa época
demonstra isso muito bem, de muitas maneiras. Um exemplo óbvio é a incrível taxa de divórcios
hoje no Ocidente. Neste contexto, R. J. Rushdoony chama a atenção ao fato de que um dos
conceitos-chave na nossa era da psicanálise é a “alienação”,[12] o colapso da comunidade e da
comunicação entre os homens. Visto que é Deus quem define o homem, a sociedade humana
corretamente constituída é um grupo de pessoas pactuadas ou em comunhão debaixo de Deus. A
comunidade que rejeita essa definição de sociedade e busca ordenar sua vida independentemente
da palavra de Deus em última análise não permanece nem perdura na história. Assim,
aproximadamente vinte e uma civilizações surgiram e pereceram no curso da história, e a
civilização ocidental também está agora em processo de declínio, pois rejeitou o único capaz de
proporcionar ao homem uma verdadeira base para a coesão social e estabilidade cultural de
longo prazo. Os homens não podem em última análise alcançar uma comunhão duradoura uns
com os outros em qualquer base, senão a comunhão com Deus. Isso porque, como portador da
imagem de Deus, a comunhão com Deus é de importância primordial para o homem e, por
conseguinte, o único fundamento estável para uma verdadeira comunhão entre os homens.
É claro, ser capaz de se associar e trabalhar com outras pessoas é um elemento importante
no crescimento e desenvolvimento da criança, e não devemos negá-lo. Mas devemos
compreender que o ponto de referência para cada aspecto da nossa vida social, e não menos para
nossa vida devocional pessoal, é Deus e nossa aliança e comunhão com ele, não nossos colegas.
Como cristãos, regulamos nossa conduta com os crentes e os incrédulos segundo a palavra de
Deus, pois nossa comunhão com os outros, se há de ser uma comunhão em qualquer sentido
significativo, deve basear-se no fato de que partilhamos uma natureza comum que é criada à
imagem de Deus.
Se isso não fosse verdade, a relação do homem com os seus semelhantes não seria
diferente das relações que existem entre os animais. A necessidade do homem de
companheirismo e comunhão, contudo, é mais do que a necessidade de união biológica em prol
da autopreservação e preservação das espécies. Existem de fato muitas sociedades animais que
funcionam admiravelmente a nível biológico e instintivo. Mas é onde elas param. A necessidade
do homem de comunhão e sociedade está acima disso; não é meramente de natureza animal, mas
está baseada na necessidade de comunhão com outros que carregam a imagem de Deus. A
existência da sociedade humana, portanto, não é essencialmente um fato biológico, mas um fato
espiritual, ou seja, está baseada nos atributos comunicáveis de Deus. E, em razão disso, a
sociedade humana está subordinada à e é derivada da capacidade do homem de comunhão com
Deus.
Sem dúvida, é verdade que Deus criou macho e fêmea (Gn 1.27, ARC) e que o homem não
foi feito para existir inteiramente por si mesmo como ser humano. Quando Adão deu nome a
todos os animais, ainda não havia encontrado uma ajudadora que lhe fosse adequada, e portanto
Deus criou Eva para ser sua esposa (Gn 2.21-23). O que foi dito acima não pretende depreciar ou
minimizar a importância e valor da sociedade humana, e reconhece-se que a humanidade
normalmente encontra a realização de seu ser e chamado como portador da imagem de Deus, e
portanto glorifica a Deus verdadeiramente, no ambiente da companhia humana. Assim nos é
dito: “Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; eu lhe farei uma ajudadora
que lhe seja adequada” (Gn 2.18, A21). O casamento, a vida familiar e a sociedade em geral são
expressões de aspectos importantes da natureza do homem. A sociedade humana é um fato da
vida criado por Deus que não deve ser negado.
Minha intenção é simplesmente enfatizar dois pontos importantes: primeiro, que a
sociedade humana não define a humanidade; vale dizer, não é ela que torna o homem humano.
Para o cristão, o que torna o homem humano é o fato de ele ter sido criado à imagem de Deus,
enquanto para o socialista o homem é definido pela sociedade ― isto é, o homem descobre sua
natureza, significado e propósito na relação com a sociedade da qual ele faz parte e que ele existe
para servir de uma forma ou de outra. Em segundo lugar, a sociedade humana, para ser
verdadeiramente humana e portanto significativa, isto é, ser a comunhão e fraternidade que Deus
pretendia que fosse, deve estar baseada na necessidade prévia de comunhão com Deus, já que
essa comunhão com Deus é essencial para a expressão adequada da vida humana e, portanto, da
sociedade e fraternidade humanas, que são um aspecto da vida humana.

A natureza religiosa da educação


Assim, nossa definição de homem — o que ele é, de onde vem, qual é o propósito de sua
existência, etc. — é o fator determinante na nossa compreensão do que é a educação e governa
tanto os objetivos da educação quanto os métodos usados para alcançar esses objetivos. Para o
incrédulo não menos do que para o cristão, portanto, o significado, método e objetivo da
educação estão baseados inescapavelmente em pressuposições metafísicas — isto é, religiosas —
sobre a natureza do homem. Para o cristão, a educação é necessariamente um processo de
amadurecimento à imagem de Deus, pois é precisamente para este propósito que o homem foi
criado, isto é, para retratar Deus na terra. Assim, os pares são um fator secundário na educação, e
o processo de socialização deve ser sempre visto à luz da vocação superior do homem de retratar
e glorificar Deus na terra. A lealdade primordial do homem é com Deus. É de vital importância
que os pais cristãos percebam isso e se recusem a curvar-se à ideia idólatra da primazia dos
pares. Deus criou e definiu o homem à sua própria imagem, e devemos nutrir e educar nossos
filhos em conformidade com a imagem de Deus e não a de homens apóstatas.
Nossa preocupação com a integração social, desde que vista em segundo plano e sujeita à
necessidade de obediência à palavra de Deus, é certamente uma preocupação válida. Mas enviar
nossos filhos para serem integrados à imagem pagã do homem, submetendo-os à pressão dos
pares, não é a resposta para as preocupações válidas que os pais cristãos possam ter sobre seus
filhos serem educados em casa sem o mesmo grau de contato com outras crianças que a média
dos incrédulos. Isso não quer dizer que as crianças cristãs não devam se misturar ou brincar com
crianças incrédulas. Mas quer dizer que não devem ser educadas como incrédulas, e é
precisamente isto que acontecerá se forem educadas em escolas públicas — ou escolas
particulares pagãs.
Além do mais, deve ser dito que é precisamente porque o cristão vê a necessidade de
comunhão do homem antes de tudo como a necessidade de comunhão com Deus, e precisamente
porque vê a educação à luz desse princípio, que as crianças educadas em casa ou em escolas
cristãs em termos dessa filosofia cristã acabam amiúde sendo aquelas mais capazes de agir como
membros responsáveis da sociedade. Essas crianças são geralmente mais maduras, tanto
intelectualmente quanto em termos de caráter e competência geral, que a média dos membros dos
pares pagãos. As crianças cristãs assim educadas constituem um elemento estável na sociedade,
já que são geralmente mais equilibradas e têm na sua fé uma verdadeira base para a coesão
social. Simplesmente não é verdade que essa educação produza indivíduos incapazes e
introspectivos. Ao contrário, essas crianças não apenas conseguem geralmente resultados
acadêmicos consistentemente melhores e se revelam geralmente mais maduras e capazes de se
misturar socialmente, como sua capacidade de socialização está muitas vezes a um nível mais
elevado e mais relacionada com o mundo adulto.

O princípio orientador na educação: maturidade versus imaturidade


Este último ponto, contudo, provavelmente trará à tona uma característica saliente da
mentalidade predominante de nossa época, especialmente nas suas expectativas em relação às
crianças. Uma vez que o incrédulo não vê o homem como uma criatura de Deus, criado
originalmente como um ser humano maduro, não valoriza da mesma forma a maturidade.[13] As
responsabilidades da maturidade são fardos que ele busca evitar. Os homens buscam, em vez
disso, uma vida de lazer e diversão sem responsabilidades. Isso pode ser visto de maneira
bastante clara no tipo de publicidade comum hoje. Os produtos são anunciados evocando
imagens de um estilo de vida livre de encargos, em que as responsabilidades da realidade se
destacam por sua ausência. O desejo de escapar das responsabilidades caracteriza grande parte de
nosso mundo moderno. Essa mentalidade produz uma cultura infantil, já que na sua raiz está o
desejo de permanecer criança, sem responsabilidades e dependente em todas as coisas.[14] Para
esse tipo de mentalidade, permanecer jovem, tanto física quanto intelectualmente, é uma
importante ocupação e objetivo na vida. De fato, a infância é amiúde vista como uma espécie de
paraíso ou jardim do Éden. Crescer é portanto a perda da inocência, uma espécie de versão
humanista da Queda. É esta mentalidade que está na origem da cultura “pop” que domina grande
parte da sociedade ocidental moderna.
Obviamente, num etos como esse o desenvolvimento inicial da criança não é valorizado.
Não se deve permitir às crianças ou encorajá-las a “crescer antes do tempo”. Negar a uma criança
o gozo irrestrito de sua infância, incentivando o desenvolvimento precoce e uma atitude madura
para o mundo adulto, é frequentemente visto como um grande mal. As crianças que amadurecem
cedo e cujas realizações estão à frente de seus pares são consideradas precoces e rotuladas de
“superdotadas” pelos educadores sociais. Essas crianças são vistas como estando fora dos
parâmetros do que constitui a normalidade. Como a normalidade é definida pelo grupo e o
objetivo da educação é permitir que a criança se encaixe no grupo, essa “superdotação” é
indesejável.
Na verdade, poder-se-ia argumentar que um resultado mais provável de tornar os pares o
fator dominante na educação é produzir indivíduos imaturos que são incapazes de lidar com as
responsabilidades e fardos da vida adulta e, portanto, dependentes tanto psicologicamente quanto
materialmente, em última análise, do Estado paternalista; em outras palavras, que isso tende a
produzir pessoas que são incapazes de ser livres em qualquer sentido significativo da palavra. O
fato de nossa sociedade enfrentar hoje em larga medida esse problema da dependência deveria,
quando menos, dar-nos razões suficientes para rever criticamente o ideal de integração social que
sustenta a filosofia educacional de hoje ― e que tantas vezes é assumido como o padrão correto
para o desenvolvimento da criança.
Valorizar a maturidade produz uma cultura caracterizada pelo progresso em todo o
espectro da vida e atividade humanas. O cristianismo enfatiza o dever do homem para com Deus
e suas responsabilidades como uma criatura madura criada à imagem de Deus “em
conhecimento, retidão e santidade, com domínio sobre as criaturas” (Breve Catecismo de
Westminster, P. 10, R.). Ele produz, portanto, uma cultura madura que valoriza a liberdade e o
domínio em Cristo, não a diversão e a fuga da realidade. Não por acaso, foi o mundo ocidental
― a Cristandade, com todas as suas faltas e fracassos ― o único que nos proporcionou o tipo de
progresso cultural, científico e econômico que tornou possível o mundo moderno e um mundo
mais humano e civilizado para viver.

Conclusão
Como cristãos, devemos rejeitar a perspectiva pagã. O propósito da educação cristã é permitir
que a criança cresça à imagem de Deus até tornar-se um adulto maduro, equipá-la para assumir
suas responsabilidades como portadora da imagem de Deus e lhe fornecer as ferramentas para
cumprir seu mandato da criação visando estender seu domínio sobre a terra como vice-regente de
Deus. Este é o propósito da existência do homem, e uma educação que não esteja orientada a
permitir à criança cumprir esse propósito é um fracasso, pois a impede de se desenvolver em um
ser humano maduro. Não temos a liberdade, como cristãos, de submeter nossos filhos a uma
educação que os batize à imagem ímpia do homem caído. A humanidade do homem consiste em
ser ele o portador da imagem de Deus, e é esta imagem que tem importância primordial e é o
ponto de referência na educação da criança em todos os níveis. Os pais cristãos precisam
reavaliar sua compreensão das prioridades aqui. Quando as prioridades bíblicas forem
reafirmadas na teoria e prática educativas, a criança se beneficiará e amadurecerá mais
rapidamente em termos do propósito de Deus, permitindo-lhe assim desempenhar seu papel na
sociedade para a glória de Deus.
3. A educação como um aspecto da aliança

Há uma forte ênfase educacional em toda a Escritura. Por exemplo, o povo de Deus é
constantemente ordenado e encorajado a aprender e meditar sobre a lei (Dt 11.18-21, Sl 1.2,
94.12). De fato, a lei é ela própria, no sentido mais fundamental, um corpo de ensino, um
currículo educacional em piedade para todas as áreas da vida — a palavra torá significa
literalmente “direção” ou “instrução”.
Considere também o papel da história na Bíblia. O ensino de história é visto como um
dever parental vitalmente importante (Dt 4.7-9, 6.20-25), e os livros de história tanto no Antigo
quanto no Novo Testamento constituem uma porção considerável das Escrituras Sagradas. De
fato, a filosofia bíblica da história, no seu sentido mais amplo, é basilar para o conceito de
progresso e teve uma importância fundamental para o surgimento da civilização ocidental.
Argumentou-se que o conceito bíblico de tempo linear, em contraste com a ideia pagã de tempo
cíclico, é que foi o responsável pelo surgimento do progresso científico no mundo ocidental.[15]
Depois, há a literatura sapiencial, que se dedica exclusivamente à educação. O livro de
Provérbios foi escrito para dar instrução em sabedoria, retidão, justiça e equidade, dar prudência
aos simples e conhecimento e bom senso aos jovens, para que o sábio aumente seu conhecimento
e o que entende adquira habilidade (Pv 1.2-5, A21).
Assim também, no Novo Testamento as epístolas têm em grande parte uma ênfase
educacional. Na verdade, a Bíblia inteira está preocupada com a educação. Deus falou ao homem
por meio de sua palavra, e devemos compreender e aplicar essa palavra à nossa vida e ensinar
nossos filhos a fazerem o mesmo. Assim, o apóstolo Paulo recomenda e atesta a validade e
eficácia da educação cristã de Timóteo: “permanece naquilo que aprendeste e de que foste
inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que
podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por
Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.14-
17). Com bastante frequência recorremos a essa passagem simplesmente como um texto-prova
da doutrina da infalibilidade, e deixamos de considerar seu significado para a filosofia bíblica da
educação. Deus nos deu as Escrituras para que pudéssemos ser verdadeira e adequadamente
educados em termos do propósito divino e, assim, estar habilitados para cumprir nossa vocação
como povo de Deus.
Era responsabilidade e destino de Israel, como nação que possuía “os oráculos de Deus”,
ser “guia dos cegos, luz dos que se encontram em trevas, instrutor de ignorantes, mestre de
crianças”, já que eles tinham em sua lei “a forma da sabedoria e da verdade” (Rm 2.19-20). Esta
não menos é a vocação da Igreja Cristã hoje, certamente. Assim, os missionários nas nações
pagãs estabelecem escolas como umas das mais importantes de suas tarefas. Eles tiram os
incrédulos de suas culturas pagãs e os reeducam. Eles dão aos seus filhos uma educação cristã
em vez de uma educação pagã. A obra missionária consiste em mais do que simplesmente
plantar igrejas em terras distantes. Consiste na tarefa de converter toda uma cultura, um modo
total de vida, à religião cristã. A obra missionária é um exemplo para nós aqui. Devemos ver a
lógica disso e aplicá-la à nossa própria situação cada vez mais secular — e portanto pagã. É tão
necessário estabelecer escolas especificamente cristãs na nossa própria terra quanto na África
mais sombria, e pela mesma razão, qual seja, que Cristo exige que toda a nossa vida, toda a nossa
cultura, esteja sujeita à sua autoridade.
Obviamente, essa tarefa requer um povo educado. Os judeus tinham na sua lei verdadeiro
conhecimento e sabedoria e eram obrigados a educar seus filhos de forma consistente em termos
de sua fé. Assim, a lei declara: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as
inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao
deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.6-7, cf. 11.18-21). A educação deveria ser um processo
consistente e contínuo. Deixar de proporcionar aos filhos uma educação piedosa era, portanto,
negligenciar as responsabilidades parentais sob a aliança.

O contexto social e cultural


Devemos agora considerar mais de perto o que a Bíblia tem a dizer sobre as responsabilidades
dos pais no que diz respeito à educação de seus filhos. Ao fazê-lo, contudo, devemos ter em
mente que existem diferenças culturais consideráveis entre o tipo de sociedade representado no
registro bíblico e a nossa própria sociedade.
Essas diferenças são particularmente evidentes no grau de formas institucionais
desenvolvidas em nossa própria cultura para a satisfação de muitas necessidades sociais. De fato,
a diferenciação institucional é uma característica particular de nossa sociedade. Em contraste, na
sociedade bíblica há muito menos diferenciação institucional em todo o espectro da vida social.
Pode parecer à primeira vista, portanto, que uma necessidade específica como a educação não é
adequadamente atendida porque não vemos na sociedade bíblica a existência de uma instituição
separada dedicada exclusivamente à sua provisão.
Esse é um julgamento que estamos particularmente propensos a fazer porque tendemos a
olhar para trás, para culturas mais primitivas, com uma perspectiva moderna e avaliá-las em
termos de nossos próprios arranjos sociais altamente diferenciados e burocráticos, muitas vezes
assumindo sem uma boa razão que estes últimos são necessariamente superiores. Contudo, a
falta de uma instituição específica dedicada exclusivamente à educação não implica por si só
uma falta de provisão na sociedade bíblica nem significa necessariamente que somos mais
esclarecidos hoje e que o arranjo bíblico para a provisão da educação era inferior ao nosso. Pelo
contrário, no que diz respeito à educação, o modelo bíblico deveria ser visto como tendo
validade permanente e, por conseguinte, como o modelo cristão correto para hoje. Portanto, nesta
área específica, como em tantas outras, um retorno ao modelo bíblico seria uma melhoria
considerável em relação ao arranjo altamente institucionalizado e burocrático que é hoje
erroneamente considerado uma grande conquista.
No entanto, em razão dessas diferenças institucionais entre nossa própria sociedade e a
sociedade bíblica, muitas vezes deixamos de apreciar o pleno impacto do ensino bíblico sobre
esse assunto. Devemos reconhecer portanto que, em contraste com nossa própria sociedade
institucionalmente organizada, a sociedade bíblica é organizada em uma base altamente pactual.
Isso significava que a educação, como qualquer outra área da vida, encontrava seu contexto na
estrutura pactual da vida. Pela natureza do caso, a sociedade bíblica não exigia uma estrutura
social altamente diferenciada ou distintamente institucionalizada para que os pais
proporcionassem aos filhos uma educação fiel à aliança. Se abordarmos o ensino bíblico sobre a
educação com uma perspectiva estranha, que tome por pressuposto que uma educação adequada
necessita de tal arranjo, o que é essencialmente uma ideia moderna, provavelmente perderemos o
significado do que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto. Para apreciar as normas educacionais
bíblicas, portanto, precisamos nos reorientar para a perspectiva pactual estabelecida na Palavra
de Deus.

A perspectiva pactual
No capítulo anterior foi feita referência ao fato de que há uma comunidade de pessoas dentro da
Deidade. Cada membro da Trindade está em comunhão com os demais membros da Trindade.
Visto que o homem é criado à imagem de Deus, ele também reflete esse aspecto da natureza de
Deus. A necessidade de comunhão é portanto uma característica básica da natureza humana.
Mas, ao contrário de Deus, que é uma asseidade ― uma realidade totalmente autossuficiente e
independente, incriada e eterna ―, o homem é um ser dependente do seu Criador em todas as
coisas, e assim, como foi dito acima, sua necessidade de comunhão é realizada em primeiro lugar
e acima de tudo na comunhão com Deus.
A natureza do relacionamento que existe entre Deus e o homem é expressa na Escritura
pelo conceito de aliança. Deus se relaciona com o homem por meio de uma aliança, e não pode
haver comunhão entre Deus e o homem, exceto com base nessa aliança. A aliança define o
relacionamento que existe entre Deus como Criador e o homem como sua criatura e portador da
imagem.
Além do mais, é importante compreender o fato de que essa relação de aliança é
consequência da criação do homem como um ser dependente à imagem de Deus e, portanto, um
fato inescapável da vida, não uma opção “pegar ou largar” para aqueles que tenham uma
disposição religiosa. A aliança está inextricavelmente ligada à natureza do homem como um ser
feito à imagem de Deus, pois a comunhão que existe entre Deus e o homem é um reflexo da
comunhão eterna que existe entre os membros da Trindade.
A natureza dependente e de condição de criatura da relação do homem com Deus e a
natureza soberana da relação de Deus com o homem são expressas na estrutura da aliança que
Deus estabeleceu com a humanidade. Nesta aliança o Senhor Deus, como Criador do homem e
Soberano, estabelece sua autoridade sobre sua criatura e define assim os limites da vida do
homem de acordo com a sua vontade soberana. O homem, como criatura de Deus, está debaixo
dessa autoridade na relação de um súdito com seu soberano. Os termos da aliança prometem
salvação e as bênçãos da comunhão com Deus e impõem fidelidade e obediência por parte do
homem. O escopo da aliança é amplo, abrangendo toda a vida do homem. Ela define o chamado
do homem como vice-regente de Deus e prescreve os termos de seu mandato de criação para
estabelecer seu domínio sobre a terra. Em outras palavras, a aliança não deve ser interpretada
como um contrato limitado ou incidental estabelecido como um meio para um fim específico,
mas antes como um modo de vida total pelo qual o homem deve amar e servir ao seu Criador.[16]
A aliança é, portanto, o fato supremo da vida para o homem, cujo descarte constitui a totalidade
da queda do homem no pecado, e a restauração na comunhão pactual com Deus a totalidade da
salvação.
Quando Adão pecou contra Deus no jardim, quebrou a aliança e caiu de sua posição de
alguém que vivia em comunhão com Deus. Em Adão também caiu toda a raça humana, visto que
ele era o cabeça federal e representante da humanidade. Contudo, Deus restabeleceu a posição do
homem consigo mesmo por meio de um sacrifício de sangue perfeito, oferecido por Jesus Cristo
no Calvário, como propiciação pelo pecado. Pela fé, o povo de Deus nos tempos passados tinha
acesso a essa redenção em Jesus Cristo, que era tipificada nos rituais de sacrifício da lei
cerimonial do Antigo Testamento, sendo assim restaurados à comunhão pactual com Deus.
Tendo assim redimido seu povo, Deus lhes revelou sua lei como guia e regra de vida. Essa lei
constitui os termos da aliança sob a qual Deus redime o seu povo e dá orientação e
regulamentação para todas as áreas da vida. A vida de toda a comunidade do povo de Deus era,
portanto, estruturada de maneira pactual; vale dizer, era uma teocracia. Em outras palavras, os
termos (a lei) da aliança estabeleciam em todos os níveis a natureza e a forma básica da estrutura
social através da qual o povo de Deus vivia a vida da fé e obediência.

O papel e a responsabilidade da família na aliança


Nesta estrutura social, o papel da família é de fundamental importância. A família é a unidade
social básica e fundamental através da qual é realizada a vida da aliança e da comunidade. Ela
funcionava como a unidade econômica e educacional básica, bem como assegurava o bem-estar
de seus membros. Estas três áreas da responsabilidade familiar — bem-estar, economia e
educação — constituem os elementos básicos do que se tem chamado de “família
administradora”.
Família administradora é o conceito de família apresentado na Bíblia. Segundo R. J.
Rushdoony:
A família bíblica pode ser comparada a uma empresa. Uma empresa se distingue no fato de ser uma
pessoa legal artificial e criada pelo Estado. A empresa não morre quando seus fundadores morrem ou
quando morrem seus funcionários; ela continua a existir legalmente à parte de seus acionistas, que
enquanto estiverem vivos seguem recebendo dividendos dela. De maneira similar, a família é uma
empresa que consiste de pais e filhos. Ela paga dividendos aos filhos em cuidado, apoio e herança e
devolve dividendos aos pais na forma de cuidado e apoio conforme a necessidade. Assim como uma
empresa, ela administra suas propriedades e rendimentos de acordo com o seu propósito ordenado e dado
por Deus. Em razão disso, nenhuma decisão arbitrária ou puramente pessoal pode governar as decisões
dos membros da empresa; eles são tanto pessoas individuais quanto uma entidade corporativa, e sua
função mais verdadeira se dá em termos de uma consideração completa de ambos os ofícios sob Deus.[17]

A ideia de Estado de bem-estar social, no qual essas áreas de responsabilidade da família


ordenadas por Deus são asseguradas pelo Estado, é portanto claramente antibíblica e contrária à
aliança. O Estado de bem-estar social é um ataque frontal à doutrina bíblica da família, pois
destrói precisamente aquelas áreas de autoridade da família que lhe permitem funcionar como
administradora de seus recursos econômicos com responsabilidade pelo bem-estar e pela
educação de seus membros. “O Estado envolver-se no controle dos filhos ou da propriedade é
transgredir os limites da esfera da família e reivindicar ser aquela empresa cuja vida é o cuidado
da família. Essa reivindicação é uma grande transgressão da lei-ordem de Deus.”[18]
Sob o socialismo, a família é na verdade uma forma redundante e obsoleta de vida. O
Estado é o administrador da sociedade em todas as áreas e, portanto, para todos os efeitos, afirma
ser a única família verdadeira do indivíduo. Para a filosofia estatista, o conceito bíblico de
família é uma heresia, pois representa independência do controle estatal. A família
administradora deve, portanto, ser destruída. O programa de bem-estar social do Estado é um dos
meios utilizados para destruí-la. Assim, para o estatista, a família não passa de um grupo de
indivíduos geneticamente relacionados que compartilham a mesma unidade habitacional. Eles
encontram seu verdadeiro significado e função na vida em termos do Estado.
O ensino bíblico sobre a sociedade e a família não é nem individualista nem centralista,
mas dá ênfase às responsabilidades e privilégios do homem como uma criatura pactual em todas
as áreas da vida. O Estado, assim como a família, é portanto uma instituição pactual que
funciona em termos da lei-ordem de Deus — vale dizer, é uma instituição governada
teocraticamente. Tanto o Estado quanto a família são instituições importantes na sociedade
bíblica, mas seus respectivos papeis estão claramente separados. A função do Estado é a de um
ministério de justiça, um governo civil limitado à administração daquelas leis com uma
penalidade ou dever civil associado a elas. Esta é uma área em que a lei bíblica mantém uma
clara diferenciação institucional que tem sido turvada em nossos dias. Não é prerrogativa do
Estado ou do magistrado civil agir como um ministério de bem-estar social, da economia ou da
educação, ou de qualquer outra forma interferir nas responsabilidades da família, exceto na
administração legítima daquelas leis que ele existe para defender — que são consideravelmente
limitadas na Palavra de Deus. Sob a aliança que Deus estabeleceu com a humanidade, a família
administradora é responsável pela provisão dessas necessidades sociais.
A educação, o bem-estar social e a gestão dos recursos econômicos da sociedade são de
importância central para a preservação e o desenvolvimento de uma civilização. O fato de estas
áreas de responsabilidade terem sido dadas especificamente à família na Bíblia é significativo.
Significava que a família era a unidade social fundamental na estrutura pactual da nação. A
prosperidade e o futuro da nação foram assim confiados principalmente à família, não ao Estado.
Era entre os chefes de família que se elegiam os dirigentes das estruturas políticas e judiciais da
nação — por exemplo, os anciãos, isto é, chefes de famílias, clãs e tribos, funcionavam como
líderes civis, políticos e, no período anterior, como líderes militares. A função da família como
administradora era, portanto, vital para a vida de toda a comunidade e tinha uma importância que
se estendia muito além de suas próprias fronteiras, na medida em que a qualidade da vida
familiar e sua fidelidade à aliança seriam refletidas na qualidade e no caráter dos homens que
lideravam a nação. O futuro da nação dependia assim do cumprimento fiel, por parte da família,
das responsabilidades da aliança.[19]
É evidente, portanto, que na Bíblia a educação dos filhos é vista como uma
responsabilidade da família. Os filhos deveriam ser educados no contexto da vida da aliança da
família sob a autoridade e tutela do seu cabeça (cf. Sl 78.4-7).[20] A natureza da educação
fornecida também deveria ser estruturada pactualmente; ou seja, o pai era responsável por
garantir que seus filhos recebessem uma educação que fosse centrada em Deus e, deste modo,
que permitisse à criança compreender sua vocação e dever na vida como serva de Deus e
portadora da imagem divina. Em outras palavras, a perspectiva pactual deveria governar toda a
educação da criança (Sl 78.4-7). Abraão é elogiado especificamente por causa de sua fidelidade
em prover uma educação piedosa aos seus filhos e àqueles nascidos em sua casa (Gn 18.19), em
contraste com Ló, que, embora mantivesse sua piedade pessoal, deixou evidentemente, no meio
de uma geração má, de educar fielmente seus filhos nos termos dos requisitos da aliança (Gn
19.14, 31-36).
Além disso, ela não deveria ser simplesmente uma “educação religiosa” no sentido
estritamente definido do termo. História, jurisprudência, filosofia, ética, economia, psicologia,
ciência, etc. são termos modernos, mas a essência das disciplinas que eles representam estava
toda presente em graus variados na cultura hebraica dos tempos bíblicos — embora a instrução
seja dada na forma de sabedoria prática em vez de dissertações acadêmicas abstratas. O escritor
do livro de Sabedoria nos diz que lhe foi dado
… um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do mundo, a atividade dos elementos, o
começo, o meio e o fim dos tempos, as alternâncias dos solstícios, as mudanças de estações, os ciclos do
ano, a posição dos astros, a natureza dos animais, a fúria das feras, o poder dos espíritos, os pensamentos
dos homens, a variedade das plantas, as virtudes das raízes. Tudo conheço, oculto ou manifesto, pois a
Sabedoria, artífice do mundo, mo ensinou![21]

Também era responsabilidade do pai, na cultura hebraica, prover ao filho um comércio ou meio
de subsistência. Uma conhecida máxima rabínica afirma: “Aquele que não ensina um ofício ao
filho, ensina-o a roubar”.[22] O raciocínio por trás disso era que sem um negócio que provesse um
meio legítimo de vida a pessoa seria tentada a ao roubo.
Esse princípio é tão relevante hoje como sempre, e a solidez do raciocínio por trás dele tem
sido demonstrada muito bem em nossa própria sociedade. Muitos hoje que não têm um negócio
ou emprego como meio legítimo de subsistência — ou não têm acesso ao emprego em seu
comércio através, por exemplo, de carteis sindicais de restrição laboral — têm recorrido a uma
forma de roubo legalizado como meio de sustento, a saber, esmolas estatais de assistência social
financiadas por impostos excessivos ou ditos programas de “redistribuição de riqueza”. A
descapitalização da sociedade resultante desses programas de assistência social financiados por
tributos ameaça destruir a estrutura tradicional — e fundamentalmente bíblica — da sociedade
ocidental, na medida em que não apenas cria um vasto segmento da comunidade que é
economicamente — e, com o tempo, psicologicamente — dependente do Estado paternalista,
como através do estrangulamento financeiro devido a taxas de tributação abusivas torna cada vez
mais difícil para a família cumprir seu dever ordenado por Deus de prover educação e bem-estar
aos seus membros. Os programas de assistência social do Estado, em que os meios de
subsistência da família são confiscados para sustentar aqueles que se beneficiam da assistência
social, são uma forma de roubo e um fator importante na desintegração da família como unidade
social básica na sociedade hoje. O moderno programa de assistência social do Estado constitui,
assim, uma reviravolta completa do sistema de bem-estar familiar, complementado quando
necessário pela igreja e por obras pessoais de caridade, que são estabelecidas na Escritura.

O ensino do Novo Testamento


Quando nos voltamos especificamente para o Novo Testamento, descobrimos que esse padrão
pactual de responsabilidade familiar permanece inalterado. O Novo Testamento deixa claro que a
família ainda é a unidade social básica com as mesmas funções pactuais como administradora de
seus recursos econômicos, com responsabilidade pela educação e bem-estar de seus membros
(1Tm 5.4, 8, 16). A novidade da aliança cristã não anula de forma alguma as responsabilidades
pactuais da família nem a natureza basicamente orientada à família da estrutura pactual ― nem
mesmo no que diz respeito à igreja institucional, uma vez que os bispos e diáconos, por exemplo,
devem ser chefes de família, homens de família que provaram ser capazes de governar a si
mesmos e a própria casa de maneira piedosa antes de assumirem o governo da igreja (1Tm 3.2-
13). Deus não firma sua aliança com os homens meramente como indivíduos, mas como chefes e
representantes de suas casas (Gn 17.7, 9, etc.; At 11.14, 16.31).
Isso não significa que os indivíduos não possam estar em aliança com Deus ou que a
salvação seja simplesmente uma questão de nascer numa família cristã, independentemente da fé
pessoal. Mas a salvação também não deve ser vista em termos puramente individualistas. Em
outras palavras, a relação de aliança estabelecida por Deus com o homem não termina no
indivíduo; antes, começa com ele e segue para abranger aqueles por quem ele é responsável
pactualmente e a quem deve representar perante Deus. A família, incluindo seus membros
adotivos, faz parte da aliança, uma vez que é representada no seu cabeça.
Isso é assim mesmo a partir da perspectiva soteriológica do Novo Testamento, em que
Jesus Cristo é manifestado como o cabeça e representante da família de Deus (1Co 11.3, Ef 2.19,
5.23, Cl 1.18). É através da nossa adoção como filhos de Deus que compartilhamos das bênçãos
da comunhão da aliança com Deus (Ef 1.4-5). Deus tratou com Adão como o cabeça federal da
humanidade e com Jesus Cristo, o último Adão, como o cabeça federal da nova humanidade.
Somos reconciliados com Deus através da adoção ou incorporação em Cristo (Gl 3.26-29). Ele é
o cabeça em quem nos seguramos e a fonte da nossa salvação. A importância soteriológica maior
da nossa membresia na família de Deus através da adoção em Jesus Cristo, contudo, de forma
alguma invalida ou diminui o significado da família como uma unidade pactual. Tanto os crentes
do Antigo quanto do Novo Testamento estão debaixo da mesma aliança da graça em Jesus Cristo
e, portanto, o papel e as responsabilidades da família permanecem iguais debaixo de ambas as
administrações. A família é a instituição básica da aliança, existindo dentro dela e ajudando a
sustentar a estrutura pactual da igreja, da sociedade e da nação.
Assim, no Novo Testamento, como no Antigo, a promessa da salvação ― isto é, da
restauração na comunhão pactual com Deus ― é feita para o crente e para vossos filhos (At
2.39). Evidentemente, essa promessa é imediatamente qualificada pela cláusula “para quantos o
Senhor, nosso Deus, chamar”. Contudo, a qualificação não deve ser tomada como uma negação
virtual da promessa anterior, que de fato está implícita se presumirmos que os filhos dos crentes
não devem ser aceitos como cristãos até que tenham algum tipo de experiência de conversão ou
considere-se terem “tomado sua própria decisão de seguir ao Senhor”. E, embora seja através de
experiências de conversão que muitos são levados à fé em Cristo, devemos lembrar que uma
experiência de conversão não é nem um elemento essencial, nem o teste bíblico da verdadeira fé.
Certamente, tais experiências não devem ser vistas como o objetivo de uma educação cristã.
Antes, a norma bíblica é que nossos filhos sejam criados na disciplina e admoestação do Senhor
(Ef 6.4). Somos ensinados na Escritura a “[educar] a criança no caminho em que deve andar, e,
ainda quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6). Convém, entretanto, deixar claro que o
que é dito aqui não pretende em qualquer sentido sugerir a doutrina da regeneração batismal.[23]
Mas significa que Deus honrará sua aliança e será fiel à sua promessa. Essa promessa, no
entanto, implica a assunção de certas responsabilidades por parte daqueles a quem é feita.[24] É
uma promessa de aliança feita aos pais que exige fidelidade pactual por parte deles. Devemos
criar nossos filhos na aliança como servos de Deus em comunhão com ele. É um grande
encorajamento para os pais cristãos, portanto, saber que a mão de Deus está sobre seus filhos e
que estes devem ser tratados como herdeiros do reino de Deus, a menos e até que, por sua
própria profissão ou conduta apóstata, eles mostrem ser outra coisa.
Visto que a promessa de salvação é para o crente e para seus filhos, é dever dos crentes
educar seus filhos no Senhor, isto é, criá-los como cristãos, não como pagãos que um dia
deverão tomar uma decisão autônoma sobre seu destino eterno. Infelizmente, esta última é
muitas vezes a forma como os filhos dos crentes são educados hoje. Todavia, o ensino da
Escritura é que os filhos dos crentes sejam aceitos como membros da comunidade da aliança e
instruídos no conhecimento e temor do Senhor (1Co 7.14), o que significa, entre outras coisas,
prover-lhes uma educação que seja centrada em Deus e honre a Deus e, portanto, que os prepare
para uma vida de serviço a Deus.
É importante compreender aqui que os pais cristãos são responsáveis não só por
proporcionar educação aos seus filhos, mas também pelo tipo de educação que seus filhos
recebem. Para o cristão, o objetivo da educação é facilitar o amadurecimento à imagem de Deus
e, assim, o crescimento para a verdadeira masculinidade e verdadeira feminilidade, para que a
criança seja capaz de cumprir seu mandato de criação em obediência à Palavra de Deus. Segue-
se disso que o tipo de educação que damos aos nossos filhos deve ser completamente
fundamentado na cosmovisão cristã e ser uma educação que busque sujeitar cada disciplina à
autoridade da Palavra de Deus, conforme revelada nas escrituras do Antigo e do Novo
Testamento. A educação, portanto, é inescapavelmente uma atividade da aliança; de fato, é um
aspecto central do dever pactual do homem. Assim, negar aos nossos filhos essa educação é abrir
mão de nossas responsabilidades como povo da aliança de Deus.

O objetivo principal da educação


Foi afirmado acima que o objetivo da educação é capacitar a criança a amadurecer à imagem de
Deus e, assim, como vice-regente de Deus, equipá-la a cumprir sua vocação na vida e estender
seu domínio sobre a terra. Para que possa realizar esse chamado, a criança deve alcançar
sabedoria. A sabedoria é apresentada na Bíblia como o objetivo principal da educação:
Adquire a sabedoria, adquire o entendimento… Não desampares a sabedoria, e ela te guardará; ama-a, e
ela te protegerá. O princípio da sabedoria é: Adquire a sabedoria; sim, com tudo o que possuis, adquire o
entendimento. (Pv 4.5-7)

Sabedoria é mais do que aprendizagem no sentido acadêmico ou “conhecimento prático” no


sentido popular. Também não é mera intuição; é entendimento no sentido mais amplo da palavra
e, portanto, algo que é aprendido (Sl 34.11). A literatura de sabedoria é certamente uma literatura
educacional, como de fato o é toda a Escritura; mas a busca de sabedoria é mais do que a ideia
secular moderna de educação. A sabedoria, em certo sentido, é mais do que a soma de suas
partes, pelo menos do ponto de vista do conteúdo formal. Ela inclui, ou melhor, é caracterizada,
por uma orientação na vida, isto é, um senso de serviço e dever para com Deus e, acima de tudo,
uma consciência de que a vida é vivida na presença de Deus e como meio de glorificá-lo. A
sabedoria, portanto, vem em última análise de Deus (Tg 1.5) e é obtida na sujeição da nossa vida
e nossa mente à sua Palavra em todas as disciplinas e campos de estudo e em todas as esferas da
vida. Assim, “o temor do SENHOR é o princípio da sabedoria; conhecer o Santo é ter
entendimento” (Pv 9.10, NAA).
Mas, ao mesmo tempo, a sabedoria não é pietista. É intensamente prática. A literatura de
sabedoria na Bíblia está repleta de conselhos piedosos sólidos sobre o viver — e quão pouco há
disso em muitas escolas hoje! De fato, grande parte da filosofia educacional moderna é pouco
mais que estupidez estudada e pura loucura.
Os comentários de J. E. Adams sobre a natureza e significado do conceito bíblico de
sabedoria são aqui relevantes e merecem ser citados integralmente:
A principal palavra hebraica para sabedoria, chokmah, que permeia o pensamento dos escritores do
Antigo Testamento e do Novo Testamento e deu origem a um gênero de escrita que chamamos de
“literatura de sabedoria”, denota sabedoria pela experiência e não só pelo estudo. Inclui também a ideia
de discriminação entre o bem e o mal, o recebimento de instrução, atitude (ou mentalidade) e o exercício
do juízo correto e habilidades corretos. O escopo da palavra é amplo, abrangendo a totalidade da
experiência intelectual, de vida e de atuação de alguém. Não temos um termo equivalente na língua
inglesa. Nossa própria palavra “sabedoria”, por outro lado, está empobrecida. É uma palavra que, de fato,
rapidamente parece estar em vias de desaparecer do nosso vocabulário. Fundamentalmente, a palavra
bíblica sabedoria reúne três fatores: conhecimento, vida e ministério. É conhecimento, entendimento a
partir da perspectiva de Deus, tornado proveitoso para o viver diário para Deus; e (como parte disso)
compartilhado com outras pessoas e usado para ministrar a elas.[25]

A filosofia bíblica da educação, portanto, abrange mais do que a mecânica da aquisição de


conhecimento ou informação técnica. Ela objetiva muito mais que a “autorrealização” da criança.
Nem tampouco se preocupa simplesmente em que a criança “desempenhe um papel útil na
sociedade”. Ela está preocupada com a obtenção de sabedoria, e isso envolve uma atitude ou
orientação na vida de submissão à Palavra de Deus e compromisso com a verdade nela revelada.
Seu propósito é capacitar a criança a cumprir seu verdadeiro chamado de viver em comunhão
pactual com Deus e, assim, “glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”.

O lugar da escola
A ausência de escolas para a educação de crianças na sociedade bíblica não deve ser interpretada
como se sugerisse que as escolas como tais são coisas erradas ou inconsistentes com a filosofia
da educação estabelecida na Escritura.
É verdade que a escola não é, em sentido algum, uma instituição bíblica, vale dizer, não é
uma instituição ordenada por Deus com um papel a desempenhar definido biblicamente na
estrutura pactual da nação.[26] A instituição ordenada por Deus responsável pela educação é a
família. Assim, a escola não deve ser vista como uma instituição separada na vida, com sua
própria esfera de autoridade em questões relativas à educação. Ao contrário, a escola oferece um
serviço à família em cumprimento das responsabilidades educacionais desta. Como serviço de
formação especializada em assuntos específicos, a escola é um recurso válido disponível para
uso dos pais. Mas, ao fazerem uso do serviço oferecido pela escola, os pais cristãos devem
garantir que sua filosofia e prática educacionais sejam consistentes com a perspectiva pactual
cristã, que deve governar a educação da criança em todos os níveis, e que irão apoiar e encorajar
essa perspectiva.
Contudo, a ideia moderna de que a educação mesma é responsabilidade da escola ― e no
sentido mais amplo da escola como agente do Estado paternalista ―, e uma área da vida da
criança que está separada da vida pactual da família sob a autoridade e liderança de seu cabeça, é
certamente inconsistente com a filosofia bíblica da educação. A diferenciação institucional em
que a responsabilidade e autoridade na educação da criança são transferidas da instituição da
família ordenada por Deus para a escola como um órgão do Estado é produto do humanismo e
uma tentativa do homem de estabelecer sua independência de Deus e de seu padrão pactual para
a vida do homem. É uma forma de revolução social contra o modelo de aliança apresentado na
Palavra de Deus; como tal, os cristãos devem resistir ferozmente a essa diferenciação, e ela deve
ser denunciada publicamente pela igreja.
A escola particular, como ferramenta auxiliar que os pais podem utilizar na educação dos
filhos, presta hoje um serviço válido na sociedade; mas, devemos repetir, ela não deve ser vista
como uma instituição em favor da qual os pais possam abdicar de suas responsabilidades
educacionais.
Obviamente, visto que Erasmo foi o último a saber tudo o que havia para saber no seu
tempo, não é possível aos pais se especializar hoje em todas as áreas de estudo que eles desejem
oferecer aos filhos. Assim, a escola é um serviço muito mais necessário hoje do que era nos
tempos bíblicos. A extensão do conhecimento disponível para o povo hebreu nos tempos bíblicos
era bem mais limitada que a disponível para nós hoje. Era possível a um pai educar seus filhos
pelo menos no básico da maioria das matérias, e provavelmente mais além, num grau que hoje
não é possível.[27] Assim, escolas e professores independentes com competências especializadas
— como instrumentistas musicais peripatéticos — e outras ferramentas auxiliares para facilitar a
aprendizagem em áreas fora da competência dos pais, por exemplo, cursos por correspondência,
devem ser empregados na medida do necessário. Isso se torna mais importante nos níveis mais
elevados de estudo. Mas, ao usarem essas facilidades, os pais não estão na liberdade de entregar
a formação da cosmovisão de seus filhos a instituições ou indivíduos que sejam na sua
perspectiva pagãos e contrários à aliança.

Conclusão
Os pais são responsáveis pelo tipo de cosmovisão que seus filhos absorvem e pelo tipo de
educação que recebem em assuntos específicos. Os objetivos e perspectivas educacionais gerais,
bem como as disciplinas específicas ensinadas, enquadram-se na área da responsabilidade
parental. Assim, diz-se que os professores estão in loco parentis, isto é, ocupando o lugar dos
pais na educação dos filhos. É, portanto, responsabilidade dos pais garantir que seus filhos sejam
educados em termos da fé cristã e não da religião do humanismo e do Estado Moloque. Deus
requererá isso de nós.
4. Educação e domínio

Como vimos, a educação é um aspecto central das responsabilidades parentais do cristão sob a
aliança que Deus estabeleceu com seu povo. Para apreciar o significado do papel que a educação
ocupa na concretização dessa aliança, precisamos entender o ensino bíblico sobre a aliança. Já
havíamos analisado brevemente a natureza da aliança.[28] Consideraremos agora o propósito e o
âmbito da aliança e a influência que isso tem na educação. A importância do papel que a
educação desempenha na vida da aliança do povo de Deus se tornar evidente quando vista nesse
contexto mais amplo e, ainda mais, a necessidade de uma filosofia e prática especificamente
cristãs de educação, pois é esse contexto mais amplo que confere à educação sua orientação
adequada, isto é, seu propósito e sua visão em termos práticos.

O mandato da criação
O propósito da relação de aliança que Deus firmou com a humanidade é capacitar o homem a
servir e glorificar a Deus, cumprindo seu mandato cultural como vice-regente de Deus na terra.
Esse mandato cultural é claramente apresentado em Gênesis:
E criou Deus o homem à sua imagem… macho e fêmea os criou. E Deus os abençoou e Deus lhes disse:
Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as
aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. (Gn 1.27-28, ARC)

Este é o mandato da criação ou cultural do homem, seu chamado em termos do propósito de


Deus, e uma consequência necessária do fato de o homem ter sido criado à imagem de Deus.
Portanto, corretamente, o Breve Catecismo de Westminster une de maneira inseparável estes dois
aspectos da natureza do homem: “Deus criou o homem, macho e fêmea, conforme a sua própria
imagem, em conhecimento, retidão e santidade, com domínio sobre as criaturas” (P. 10, R.).
De fato, o mandato cultural é um aspecto da imagem de Deus no homem. Como Deus é o
governante soberano de sua criação, tendo autoridade absoluta e domínio total, o homem, criado
à sua imagem, deve refletir à maneira da condição de criatura esse domínio e governança através
de sua mordomia da terra sob a orientação da lei de Deus. Ou seja, assim como a imagem de
Deus no homem consiste em conhecimento, retidão e santidade porque Deus é um Deus
onisciente, reto e santo, ela também envolve propriamente o domínio sobre as criaturas, já que
Deus é o Senhor soberano da criação em cuja imagem o homem foi criado e, portanto, cujos
atributos comunicáveis, incluindo o domínio, ele deve refletir como imagem de Deus na terra.
Em outras palavras, uma vez que o homem é criado à imagem de Deus, ele pensa os
pensamentos de Deus e faz as obras de Deus depois dele, não de forma original e criativa, mas na
forma imitativa e de recriação. Portanto, o mandato da criação dado em Gênesis 1.28 estipula
que o homem deve assumir o domínio sobre a terra e sujeitá-la para a glória de Deus e para o
próprio benefício do homem, assim como Deus, num sentido muito mais elevado como o Senhor
soberano da criação, governa sobre sua criação e faz todas as coisas cooperarem para sua própria
glória.
Por conseguinte, também o apóstolo Paulo, em Efésios, capítulo 5, nos instrui a ser
“imitadores de Deus” (v. 1). Um pouco mais adiante (v. 22 ss.) ele nos mostra o que isso
significa, como isso se concretiza em termos práticos na nossa vida familiar. Somos instruídos a
agir de certa maneira e a fazer certas coisas porque é assim que Deus tem agido e é o que tem
feito por nós. Somos instruídos de que o marido deve ser o cabeça da esposa, assim como Cristo
é o cabeça da igreja. Portanto, assim como a igreja está sujeita a Cristo, a esposa deve estar
sujeita ao seu marido. De igual modo, os maridos devem amar sua esposa, como também Cristo
amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela (v. 23-25). Da mesma forma, o pai deve
disciplinar e castigar seus filhos, assim como Deus disciplina e castiga o seu povo; e isso deve
ser feito no contexto de um cuidado amoroso, assim como Deus disciplina seu povo a partir de
um cuidado amoroso por eles. E sem isso não pode haver domínio em nossa vida familiar, como
nossa época infelizmente o tem demonstrado tão bem. Sem essa disciplina e castigo amorosos, os
filhos não aprenderão a governar-se sob a aliança de acordo com a lei de Deus e, por
conseguinte, não serão capazes de assumir o domínio piedoso sobre a terra.
O domínio na nossa vida doméstica, portanto, é alcançado ao espelhar ou imitar Deus na
forma como nos relacionamos uns com os outros como membros de uma família. Assim
também, em todas as outras áreas da vida e do pensamento, devemos espelhar Deus na terra,
pensando os pensamentos de Deus e fazendo as obras de Deus depois dele. Espelhar Deus à
maneira da condição de criatura é a forma como o homem assume o domínio como vice-regente
de Deus e, assim, cumpre seu mandato cultural; e Deus em sua lei-palavra tornou claramente
conhecido ao homem como ele deve fazer isso.
Esse domínio, como escreveu R. J. Rushdoony, é “em primeiro lugar sobre nós mesmos,
em segundo relativamente ao nosso chamado e, em terceiro lugar, sobre o reino natural, o
mundo que nos rodeia, do ponto de vista biológico, agrícola, comercial, histórico, e assim por
diante”.[29] Como Rushdoony corretamente salienta, esse domínio “não é dominação; é o
exercício de autoridade, poder e supervisão piedosos onde quer que Deus nos dê a
responsabilidade”.[30] A extensão desse mandato da criação é claramente apresentada em Gênesis
1.28: o homem deve sujeitar toda a terra e governar toda criatura viva que se move sobre a face
da terra. O domínio do homem deve ser mundial e abrangente. Ele é o mordomo da criação de
Deus e, portanto, responsável perante Deus pela exploração produtiva e pela gestão da terra e
seus recursos. Portanto, o chamado do homem é o domínio piedoso sobre toda a terra e em todas
as áreas de sua vida, pensamento e trabalho. Ele deve desenvolver tanto o seu próprio potencial
quanto o do mundo que foi incumbido de governar, como o meio pelo qual deve servir e
glorificar seu Criador.
A aliança regula e governa como o homem deve dominar a terra no cumprimento desse
mandato da criação. O chamado do homem para sujeitar a terra e dominá-la é totalmente
abraçado pela aliança, e é em termos dos requisitos dessa aliança, ou seja, em termos da lei
pactual, que ele deve realizar esse chamado. Assim, a aliança, como já vimos, é o fato supremo e
abrangente da vida para o homem. O homem não pode escapar das suas exigências; nem das
responsabilidades que ele tem debaixo dela. Como guardador da aliança, o homem vive em
comunhão com Deus e recebe as bênçãos e privilégios da adoção na família de Deus em Cristo.
Como violador da aliança, está sob a maldição da lei pactual e da sentença de morte eterna que
ela pronuncia contra todos os que transgridam seus mandamentos. Em ambos os casos, as
sanções da aliança são inescapáveis para o homem, já que o homem é em todas as coisas, por
causa de sua criação à imagem de Deus, uma criatura pactual e obrigado por Deus a pensar e agir
em conformidade e obediência à aliança abrangente que Deus estabeleceu como o princípio
básico da existência humana.
Queda e redenção
Quando Adão pecou, rejeitou a interpretação definitiva da realidade apresentada pela Palavra de
Deus e tentou fabricar sua própria definição e interpretação do mundo no qual se encontrava,
determinar por si mesmo como deveria viver e impor seu próprio conceito de ordem e lei à
realidade. Ele faria, assim, de si mesmo e suas próprias ideias de autoridade última o árbitro final
em toda predicação. Este foi o pecado original de Adão e é este pecado que constitui o
fundamento de todos os pecados. É nesta condição de rejeição a Deus e à sua autoridade que
nascem naturalmente todos os homens desde a Queda.
Nessa condição de rebelião, o homem tenta livrar a si mesmo e o mundo à sua volta de
Deus e sua Palavra como a base de todo entendimento, rejeitando Deus e seu propósito criativo
como o princípio fundamental de interpretação da realidade, em todos os aspectos de seu ser. O
homem tenta privar a ordem criada, tenta privá-la de Deus e de seu propósito para ela, e como
resultado ele se torna totalmente depravado, já que se recusa a reconhecer Deus em todas as
coisas. Em todos os aspectos do seu ser ele nega Deus e a sua vontade e busca, em vez disso,
uma vida de autonomia. Este é o significado da doutrina da depravação total: não é que o homem
seja incapaz de fazer qualquer coisa boa em si mesma, pois é evidentemente capaz de fazer isso;
mas que em tudo o que o homem é e faz neste estado caído e não redimido, bom ou mau, ele
nega Deus e seu propósito. Assim, o homem nega Deus e seu domínio na totalidade da vida e
vive sob o domínio do pecado. Só nos seus próprios termos o homem permitirá que Deus volte
ao esquema das coisas, conforme determinado por sua própria racionalidade autônoma; isto é, só
um Deus que seja basicamente uma construção da própria racionalidade do homem, um Deus
feito à imagem do homem, é considerado aceitável ou razoável. Assim, o homem fabrica sua
própria religião com seu próprio deus, uma “religião dentro dos limites da razão pura”, como o
homem a vê. Essa rebelião contra a autoridade de Deus, portanto, visa a derrubar a ordem da
criação tal como Deus a planejou. É uma desfiguração radical da realidade por parte do homem,
uma tentativa de derrubar aquele que unicamente pode dar sentido ao mundo em que o homem
vive e, portanto, o fim dela é a morte do homem e de sua cultura.
Somente através da graça salvadora de Deus em Jesus Cristo é o homem libertado dessa
condição e restaurado à sua posição original como legítimo vice-regente de Deus sobre a terra.
Fora de Cristo, o homem está sob o domínio do pecado. Em Cristo, o homem é libertado desse
domínio para o domínio da graça e do reino de Deus e seu mandato original de domínio é
restaurado. Contudo, uma bênção muito maior aguarda a humanidade em Cristo do que aquela
antes da Queda. Em Cristo, o povo de Deus é predestinado à adoção como filhos na casa de
Deus. Sua perseverança é certa e eles vivem como reis e sacerdotes de Deus em Cristo, o cabeça
da nova aliança.
Portanto, em Cristo o mandato de domínio do homem é renovado e expandido para dar
conta do propósito redentor de Deus. O chamado do homem como vice-regente de Deus sobre a
terra é restaurado, uma vez que a relação de aliança entre Deus e o homem é renovada e sua
substância ratificada em Cristo. Mas a forma da aliança é nova. O homem é restaurado à
comunhão com Deus pela graça através da fé, e portanto ela é uma aliança de graça redentora em
Jesus Cristo. Isso significa que o mandato original da criação dado ao homem é agora ampliado
para levar em conta a Grande Comissão dada por Cristo à sua igreja, de pregar o evangelho e
fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20). Assim, o mandato cristão incorpora o
mandato da criação e a Grande Comissão. O povo de Deus deve fazer o Evangelho de Cristo
influenciar todas as coisas e deve sujeitar todo pensamento e ação à autoridade e governo de
Jesus Cristo (2Co 10.4-5).

A aliança[31]
A relação de aliança à qual o homem é restaurado pela fé em Cristo é, portanto, uma aliança de
domínio em Jesus Cristo. A obra de Cristo trouxe uma renovação de todas as coisas.
Evidentemente, essa renovação de todas as coisas encontra a consumação final na eternidade;
todavia, o fato histórico da encarnação, morte, ressurreição e ascensão de Cristo significa que
essa obra de renovação já começou na história e progredirá no decurso do tempo até sua
consumação no fim das eras. O calvário, portanto, é o ponto focal de toda a história, o evento
sobre o qual gira a história dos homens e das nações e, na verdade, de todo o mundo. Através de
Cristo o homem é redimido e restaurado no seu chamado como vice-regente de Deus na terra.
Em Cristo ele é mais uma vez profeta, sacerdote e rei, proclamando a boa nova da redenção por
meio de Cristo e sujeitando todas as coisas a Cristo. Sua tarefa é levar o governo de Cristo a
todas as áreas e aspectos da vida. A Grande Comissão é, portanto, a renovação do mandato
original da criação dado ao homem, mas levando em conta a queda do homem no pecado e sua
redenção através da fé em Jesus Cristo. É o mandato da criação, somado à proclamação da
libertação do homem do domínio do pecado e de sua restauração à comunhão pactual com Deus
em Cristo.
A lei de Deus estabelece os termos dessa aliança com suas promessas e bênçãos da parte de
Deus e obrigações por parte do homem, bem como maldições e juízos contra aqueles que
transgridam os mandamentos dela. Aqueles que pela fé olham somente para Jesus Cristo para a
salvação são libertados desses juízos da lei contra o pecado, uma vez que Cristo suportou a
maldição da lei em seu lugar, como está escrito: “Cristo nos resgatou da maldição da lei,
fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar” (Gl 3.13). Aqueles que colocam sua fé em
Cristo são assim libertados da lei como uma acusação contra o pecado. Eles não estão mais
debaixo da lei — isto é, debaixo da sentença da lei —, mas debaixo da graça. Na regeneração, o
crente tem a lei de Deus escrita no seu coração pela obra interna do Espírito Santo, de modo que
ele obedece voluntariamente aos mandamentos de Deus por amor a Deus e não por medo do
julgamento.
Assim, o homem é restaurado à comunhão pactual com Deus por meio da graça gratuita
de Deus através da fé em Cristo. Como crente, ele não está sob uma aliança de obras como meio
de justificação; mas é pela graça, por meio da fé, libertado do pecado — que é a transgressão da
lei — e renovado no homem interior, de modo que se deleita em servir a Deus e obedecer à sua
lei. A lei continua a ser para o crente a definição perfeita de justiça e, portanto, o padrão pelo
qual ele é santificado à imagem de Cristo — pois Cristo guardou a lei perfeitamente. A lei,
portanto, permanece um fator constante na aliança da graça e, assim, também na vida do crente,
mas sob a aliança da graça o relacionamento do crente com a lei é mudado (Rm 7.1-4). Ele não
está mais debaixo da lei como sentença de morte, pois Cristo suportou essa sentença de morte em
seu lugar. Mas está debaixo da lei como um modo de vida, uma regra de conduta, vale dizer,
como um modo de viver em retidão e cumprir seu chamado de sujeitar a terra e exercer domínio
sobre ela; e através da habitação do Espírito ele é renovado e recebe graça e auxílio para
obedecer à lei de Deus (Rm 8.4). A aliança da graça é, portanto, a restauração do homem na
comunhão pactual com Deus por meio da graça através da fé em Cristo.
Essa aliança sob a qual o homem é redimido em Jesus Cristo abrange toda a vida do
homem, assim como a aliança original com Adão abrangia toda a vida. Limitar o escopo dessa
aliança é limitar a natureza da redenção que Cristo comprou para os seus eleitos. Cristo morreu
para redimir o homem inteiro, ou seja, sua morte foi um preço pago pela redenção de todo o
homem e, portanto, de todas as áreas e aspectos de sua vida, não apenas da “alma”. A obra
redentora de Cristo abrange o homem inteiro, no curso inteiro de sua vida. Ela afeta sua vida
interior e exterior, sua vida privada e sua cultura.
A aliança cristã, portanto, envolve e governa toda a vida do homem. Abrange não apenas
sua vida privada, vocacional e familiar (áreas de responsabilidade pessoal), mas também a igreja
e o Estado (áreas de responsabilidade pública). Desde que Cristo morreu para redimir o homem
inteiro no curso inteiro de sua vida, essas áreas de responsabilidade pública estão sob o governo
de Jesus Cristo e são aspectos da nossa vida de aliança nele. A aliança cristã é abrangente; cobre
a vida pessoal e vocacional do homem e também as esferas da família, da igreja e do Estado. A
relação de aliança à qual o homem é restaurado em Cristo encontra sua expressão adequada no
exercício fiel do mandato da criação e na Grande Comissão em obediência à lei de Deus,
confirmada por Cristo em Mateus 5.17 e 28.18-20. Tanto o mandato da criação quanto a Grande
Comissão são necessários para o chamado do homem como vice-regente de Deus na terra; pois
somente quando ambos receberem todo o seu significado é que a comunidade cristã representará
verdadeiramente o corpo de Cristo na terra, reinando como reis através do exercício de um
domínio piedoso em obediência ao seu mandato da criação, ministrando como profetas de Cristo
pela proclamação de sua Palavra a um mundo caído e exercendo seu chamado sacerdotal de
sujeitar todas as coisas a Jesus Cristo em obediência à Grande Comissão.[32] A aliança que Deus
firmou com seu povo, portanto, é uma aliança de graça e domínio redentores em Jesus Cristo.[33]

O papel da educação
Como já vimos, a família tem um papel de vital importância a desempenhar na sociedade através
de suas responsabilidades educacionais. É no contexto da vida familiar que a criança aprende a
se governar através da disciplina e educação que recebe dos pais e daqueles a quem estes podem
delegar sua autoridade nas escolas, etc. À medida que aprende e cresce dessa maneira, ela é
equipada para a responsabilidade na sua vocação futura, na sua vida familiar como pai e também
para a responsabilidade na igreja e no Estado, caso seja para isso vocacionada.
É em termos de sua compreensão do alcance da aliança que a educação encontra
significado para o cristão. A educação é o meio pelo qual a criança é treinada para a vida no
papel que Deus lhe deu como vice-regente na terra, governando todas as coisas sob a autoridade
dela segundo a Palavra de Deus, proclamando a Palavra soberana de Deus em todas as coisas e
sujeitando todas as coisas a Cristo. A fim de que a criança esteja equipada para cumprir esse
chamado, é importante que uma filosofia e prática cristãs de educação sejam seguidas em todos
os níveis do desenvolvimento da criança e em todas as disciplinas do currículo, acadêmicas ou
não.
Em todas as disciplinas e em todas as áreas da vida, e em todas as idades, na igreja, em
casa, na escola, no trabalho, etc., estamos, como cristãos, crescendo e aprendendo nosso dever
para com Deus em Cristo. É o que acontece com todos os cristãos em todas as épocas. É
importante, contudo, que a criança seja desde o início educada nessa vida de serviço. A ordem
para nós é “revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne” (Rm 13.14, cf. Gl
3.27, Ef 4.24). Isso não significa apenas que devemos abster-nos de pecados sexuais óbvios, etc.,
mas que todo o curso da nossa vida deve ser caracterizado pela conformidade com a imagem de
Deus em Cristo e que nada devemos dispor para a negação de Deus e sua Palavra em nossa vida.
Isso tem implicações importantes e de longo alcance para o tipo de educação que
oferecemos aos nossos filhos. Uma educação que negue Deus e sua Palavra como princípio
interpretativo de todas as coisas, incluindo todas as disciplinas acadêmicas, é uma educação que
nega implicitamente toda a verdade bíblica e a validade da fé cristã. Sujeitar nossos filhos a tal
educação é negar a soberania e senhorio de Deus sobre os nossos filhos e, portanto, apostasia da
fé. Como cristãos, devemos sujeitar todas as coisas ao governo de Cristo e à autoridade de sua
Palavra; e devemos entender todas as coisas em termos de sua Palavra, seja nos campos da
teologia, moralidade, história, artes, comércio, arqueologia, cosmologia, filosofia, seja qual for a
área da vida que busquemos compreender e desenvolver. Para os pais, isso significa que em
todos os níveis e em todas as áreas do crescimento e desenvolvimento da criança, do ponto de
vista moral e acadêmico, ela deve ser educada na Palavra de Deus e instruída em termos de uma
cosmovisão cristã que reúna todos os aspectos de sua educação sob a interpretação definitiva da
realidade que é apresentada na Palavra de Deus. Todos os assuntos, portanto, devem ser
colocados em conformidade com a revelação de Deus e ensinados com base na cosmovisão cristã
estabelecida nessa revelação.
Sem tal educação, a criança não amadurecerá no seu chamado de espelhar Deus como
seu vice-regente na terra, pois a educação é o campo de treinamento para essa tarefa. A criança
deve ser treinada no autogoverno sob Deus em sua vida pessoal, vocacional e familiar — e é
somente quando ela aprende a governar a si mesma e sua família dessa maneira que se torna
equipada e, portanto, autorizada pela Palavra de Deus a ocupar um cargo na igreja e no Estado,
caso ela seja chamada para essa tarefa. Sua educação, portanto, deve ser em todos os pontos
orientada para o domínio, vale dizer, deve prepará-la para exercer autoridade, poder e supervisão
piedosos onde quer que lhe seja dada a responsabilidade. O propósito da educação cristã é
equipar o homem para o domínio em Cristo durante todo o curso de sua vida, pois sua vice-
regência na terra é um aspecto de sua criação à imagem de Deus.

O significado da disciplina
A disciplina cristã deve visar à realização dessa tarefa de domínio dada por Deus. Deve ser uma
disciplina orientada para o domínio, isto é, um regime de autogoverno sob Deus, de acordo com
o propósito criativo de Deus para o homem. É importante aqui não confundirmos disciplina com
punição. Não se tratam da mesma coisa, embora ambas sejam essenciais para o desenvolvimento
e crescimento da criança em Cristo. Punição é o que acontece, ou deveria acontecer, quando a
disciplina falha. Disciplina, na primeira acepção segundo o dicionário Houaiss, é “obediência às
regras, aos superiores, a regulamentos”. Disciplina piedosa, ou disciplina cristã, é a conduta
segundo as regras estabelecidas por Deus, conforme firmadas em sua lei. Além disso, a palavra
disciplina vem da palavra latina para discípulo, discipulus, ela mesma derivada do verbo disco,
que significa aprender. Assim, como apontou R. J. Rushdoony, “ser discípulo e estar debaixo de
disciplina é ser um aprendiz em um processo de aprendizagem. Se não há aprendizagem e
nenhum crescimento na aprendizagem, não há disciplina”.[34]
Deve ser óbvio, portanto, que a disciplina piedosa é impossível sem a aprendizagem
piedosa. Nenhuma quantidade de punição isoladamente pode produzir a disciplina cristã por si
só. Sem aprendizagem piedosa, a punição não produz nada. É apenas no contexto de um
ambiente amoroso, no qual a criança esteja aprendendo a pensar e a agir obedientemente em
todas as coisas, que a punição pode ter valor e significado.
Como pais cristãos, somos ordenados a educar nossos filhos na disciplina e admoestação
do Senhor, isto é, a treiná-los na disciplina piedosa por meio da aprendizagem piedosa. Como
isso pode ser feito se nossos filhos recebem uma aprendizagem ímpia nas escolas públicas e
pagãs? A aprendizagem ímpia produz disciplina em termos de princípios ímpios. Submeter
nossos filhos a uma aprendizagem ímpia é submetê-las a uma disciplina ímpia e, deste modo,
treiná-las para ser pagãs sob uma disciplina pagã. Essa educação é uma inversão total do padrão
bíblico de educação e uma apostasia bem mais séria da fé que os desvios insignificantes da
tradição da igreja estabelecida que tantos que enviam seus filhos para escolas públicas se
esforçam continuamente em expor nos seus irmãos de fé. Essas picuinhas e julgamentos dos
outros podem ser observados nas igrejas em todo o país todos os domingos, especialmente entre
as igrejas reformadas e evangélicas. É realmente surpreendente como cristãos podem sentar-se na
igreja e criticar seus irmãos por não observarem tradições e regras de menor importância, para
dizer o mínimo, que são inventadas pelo homem, e até mesmo guardar febrilmente seus púlpitos
e mesas de comunhão daqueles que não aderem a seus padrões confessionais específicos, e ainda
assim, sem pestanejar, enviar seus filhos a escolas públicas para receberem uma aprendizagem
ímpia e disciplina ímpia. Essa conduta ímpia não está de acordo com a disciplina cristã, com as
regras de conduta estabelecidas por Deus para os pais; é farisaísmo da pior espécie, pois aqueles
que se envolvem nela não apenas viciam seu próprio testemunho, como trazem ruína para a
geração seguinte, ao não proporcionarem uma educação para os filhos em termos da
aprendizagem piedosa. Aqueles que assim submetem seus filhos à aprendizagem ímpia deveriam
considerar as palavras de Cristo: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam” (Lc 18.16,
NVI).
Sujeitar nossos filhos à aprendizagem ímpia é sujeitá-los a uma disciplina ímpia e
impedi-los de virem a Cristo. É, portanto, uma negação da aliança que Deus estabeleceu com seu
povo. A Bíblia condena isso. É nosso dever — e deveria ser nosso prazer — criar nossos filhos
na aprendizagem e disciplina da fé cristã, e isso significa proporcionar uma educação piedosa,
uma aprendizagem em termos de princípios piedosos, em todas as esferas da vida e em todos os
níveis. Significa também educar a criança para o domínio sob a aliança que Deus firmou com o
seu povo. A criança deve aprender a ocupar seu lugar no mundo adulto como vice-regente de
Deus; portanto, deve ser treinada para explorá-lo de acordo com a lei de Deus para o seu próprio
benefício e para benefício da humanidade, pois ao fazê-lo glorifica seu Criador, cujo propósito
ela assim serve. O chamado do cristão é de domínio em Cristo, não de fuga do mundo, e portanto
o objetivo de uma educação cristã deve ser o de treinar a criança para esse domínio.
O cristão deve vencer o mundo (1Jo 5.4), e isto só pode ser alcançado pela aprendizagem
piedosa e disciplina piedosa em todas as coisas e pela obediência às regras de conduta
estabelecidas por Deus. Evidentemente, isto só é possível pela influência do Espírito Santo em
nossa vida. Mas é assim que ele trabalha para capacitar o povo de Deus a vencer o mundo. Da
mesma forma, na educação dos nossos filhos, a aprendizagem piedosa combinada com a conduta
segundo as regras de conduta estabelecidas por Deus, sua lei, deve caracterizar todo o
empreendimento educacional.

Conclusão
A educação é uma responsabilidade pactual dos pais cristãos, ou seja, ela encontra seu devido
contexto e significado em termos da aliança que Deus firmou com seu povo e sob a qual eles são
redimidos por Cristo do domínio do pecado, a fim de que possam ter uma vida de serviço a Deus
em todas as coisas. A educação de nossos filhos, portanto, deve ser buscada em conformidade
com a natureza e as condições dessa aliança, em todos os aspectos. Como temos visto, essa
aliança é uma aliança de graça redentora e domínio em Jesus Cristo; devemos, portanto, educar
nossos filhos para o domínio em Cristo como membros do seu povo da aliança.
5. Dando nome aos animais: um estudo de caso na aprendizagem
piedosa

Compreender o mundo que nos cerca é essencial para o nosso domínio sobre ele. Mas nossa
compreensão deve estar de acordo com a verdade. Só podemos assumir domínio sobre a terra de
maneira adequada, isto é, de acordo com a vontade de Deus, à medida que compreendermos a
natureza e função adequadas dos vários aspectos e elementos do mundo que nos rodeia, à luz do
propósito criativo daquele que trouxe esse mundo à existência em primeiro lugar.
Esse é o significado, em Gênesis 2.19-20, de Adão dar nome aos animais. O Senhor
Deus trouxe os animais a Adão para que ele pudesse nomeá-los e assim ter domínio sobre eles.
De maneira bastante clara, esse foi um processo de aprendizagem, de educação no sentido mais
amplo da palavra, levando a um maior domínio sobre os animais. A história, portanto, representa
um claro exemplo do papel da educação e da aprendizagem segundo princípios piedosos no
chamado do homem, como portador da imagem de Deus e vice-regente na terra.
Há uma série de pontos importantes a serem considerados nesta explicação. Primeiro,
dar nome a algo nos tempos bíblicos significava mais do que na cultura ocidental hoje.
Significava muito mais que meramente atribuir um rótulo arbitrário a alguma coisa, e portanto é
fácil ignorarmos a importância que a tarefa dada a Adão tem para nossa compreensão do
empreendimento educacional. Na Escritura, dar nome a algo significa descrever, definir o
significado de algo. Um nome na Escritura significa algo, portanto. Assim, Abraão significa pai
de uma multidão (do hebraico ’ab, “pai”, e rabah, “multidão” em árabe), um nome que
certamente exigia grande fé por parte de Abraão, já que ele não tinha filhos quando recebeu esse
nome de Deus.
Assim, para que pudesse dar nome aos animais, Adão tinha primeiro de compreendê-los
e compreender seu lugar na ordem criada das coisas. Dar nome significa descrever, definir;
portanto, requer entendimento. Adão recebeu a tarefa de compreender o reino animal, de
aprender sobre ele, de classificar os animais e dar nomes descritivos apropriados às diversas
espécies, etc. Essa foi uma tarefa zoológica importante que exigia trabalho árduo e grande
capacidade de compreensão.
Em segundo lugar, esse é um relato da experiência de aprendizagem e domínio do
homem antes da Queda e, portanto, é instrutivo no que diz respeito a como o homem deve buscar
o conhecimento obedientemente. A forma como Adão empreendeu essa tarefa, os princípios de
interpretação que utilizou para classificar os dados e determinar seu significado e propósito e,
mais importante ainda, a base epistemológica sobre a qual operou devem ser considerados
normativos para o pensamento e a aprendizagem obedientes do cristão de hoje. A nomeação dos
animais por Adão, portanto, representa um verdadeiro paradigma para a aprendizagem humana
em todas as coisas.
Em terceiro, somos informados de que o Senhor Deus criou e trouxe os animais a Adão
para que este pudesse dar-lhes um nome. Todo o relato ocorre no contexto de um universo criado
e interpretado por Deus, ordenado de acordo com o seu propósito e sob o seu governo. Os
animais que Adão nomeou, portanto, não eram meros fatos, dados desordenados flutuando em
um universo desordenado e que não tinha sentido até que a mente do homem impusesse sua
própria ideia de ordem e significado sobre ele. Os dados aos quais Adão aplicou seu
entendimento e suas capacidades interpretativas já estavam definidos e interpretados segundo o
propósito criativo de Deus. As faculdades racionais de Adão eram faculdades criadas por Deus
operando em um contexto dado e interpretado por Deus. Todos os fatos com os quais Adão lidou
já eram fatos interpretados por Deus, e Adão esteve envolvido em um processo de aprender a
verdade sobre esses fatos ao pensar os pensamentos de Deus depois dele. Ele assumiu, pelo
menos neste estágio, a natureza dada e interpretada por Deus do assunto que tinha ante si. Ele
não começou presumindo que o reino animal pudesse ser compreendido e interpretado
independentemente do Deus que havia criado e dado significado a esse reino. Em vez disso,
Adão entendeu, interpretou, classificou e nomeou os animais assim que Deus os trouxe a ele, isto
é, em termos do propósito dado por Deus. Sua aprendizagem, definição, categorização e
nomeação teve por base a natureza da realidade conforme dada e interpretada por Deus; portanto,
o entendimento que Adão tinha dos animais se baseava no significado deles em termos do
propósito criativo de Deus.
Só depois da Queda Adão rejeitaria essa natureza da realidade e dos dados com que se
deparou, conforme dada e interpretada por Deus, optando em vez disso por determinar a natureza
e o significado da realidade independentemente de Deus, de acordo com sua própria razão
autônoma — um movimento que levaria a conclusões drasticamente incorretas sobre a
confiabilidade da Palavra de Deus e a natureza da realidade, resultando na morte do homem,
como Deus havia alertado. Se Adão tivesse dado esse passo para o raciocínio humano autônomo
e negado a natureza dos dados que tinha diante de si, conforme dada por Deus, quando começou
a tarefa de dar nome aos animais, não poderia ter entendido e definido seu verdadeiro significado
e propósito no mundo de Deus e então os teria nomeado incorretamente. O conhecimento e
aprendizado de Adão neste ponto tinham por pressuposto a natureza da realidade criada por Deus
e o fato de que somente quando pensasse os pensamentos de Deus depois dele seu conhecimento
estaria de acordo com a verdade e seria, portanto, confiável.
Visto que a nomeação dos animais por Adão é um paradigma para a aprendizagem
obediente, ou seja, um modelo normativo para o processo de aprendizagem humana em todas as
coisas, isso significa que no início de todo o nosso pensamento, aprendizado e ensino devemos
aceitar a interpretação definitiva da realidade estabelecida na Palavra de Deus como um guia
assertivo e confiável para o significado da realidade e de todas as coisas nela. Só na medida em
que fizermos isso teremos uma base sólida para nossa compreensão dos dados com que nos
deparamos à medida que buscamos interpretar o mundo em que vivemos. A alternativa a isso é a
mera especulação humana baseada em nada mais substancial que a fantasia humana. Assim, todo
conhecimento se baseia em última análise na fé, ou em Deus e sua interpretação definitiva da
realidade apresentada na sua revelação, ou então na capacidade do homem da especulação
criativa — isto é, na fantasia humana.[35]
Obviamente, o conhecimento buscado em termos de uma falsa compreensão da realidade
e uma falsa interpretação dos dados baseada nessa visão da realidade — por ex., o mito evolutivo
— nos afastará da verdade conforme definida pelo propósito criativo de Deus e nos levará ao
erro, como aconteceu com Adão na questão do fruto da árvore do conhecimento do bem e do
mal, resultando na morte da humanidade e na sujeição da terra à maldição de Deus (Gn 3.14-19).
Somente quando abordarmos um determinado assunto tendo como alicerce de nosso pensamento
um compromisso com a verdade fundamental da natureza da realidade criada e interpretada por
Deus, como o tinha Adão ao dar nome aos animais, é que nossas tentativas de compreender o
mundo que nos cerca irão render frutos.[36]
Em quarto lugar, o conhecimento da ordem criada que Adão obteve com essa tarefa não
foi mera teoria, mas levou a uma maior maturidade e sabedoria que resultou numa compreensão
mais plenamente desenvolvida do seu mandato da criação e num maior progresso cultural. Há
dois aspectos nisto:
(1) Ao executar esse trabalho, Adão aprendeu não apenas sobre a natureza do reino
animal, mas também descobriu algo sobre sua própria natureza e papel no mundo como portador
da imagem de Deus que era vital para a humanidade, tanto física quanto psicologicamente:
“Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o
homem não se achava ajudadora idônea” (Gn 2.20, ACF). A humanidade foi feita macho e
fêmea segundo o propósito de Deus. Através dessa tarefa, Adão descobriu sua necessidade de
companhia, e assim Eva foi criada a partir de Adão para ser sua esposa e ajudadora. Além disso,
a procriação é importante para o domínio do homem sobre a terra; e isso era assim antes da
Queda, portanto, antes da entrada da morte. De fato, a procriação é essencial para o cumprimento
do mandato da criação. O desenvolvimento do domínio do homem sobre a terra, a exploração
dos recursos naturais da terra e o progresso cultural geralmente só se tornam possíveis com a
divisão do trabalho e a especialização do conhecimento e da tecnologia. Isso exige procriação:
“Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a” (Gn 1.28).
(2) O reino animal constitui de inúmeras maneiras um recurso valioso para a
humanidade, e o maior conhecimento que Adão tinha dos animais permitiu-lhe explorar esse
recurso de forma mais racional e produtiva para o seu próprio benefício e para benefício do
próprio reino animal, e tudo para a glória de Deus. O conhecimento que Adão adquiriu com essa
tarefa iria permitir-lhe treinar e utilizar os animais de forma mais eficaz na sua vocação de
cultivar a terra. O desenvolvimento da pecuária, a criação de espécies particularmente úteis ao
homem, a utilização de animais para a produção de peles e couro, etc., eram resultados práticos
dessa tarefa. A preservação de espécies raras e a criação de melhores animais também eram
resultados benéficos para o próprio reino animal (cf. Gn 30.41-42). Assim, a nomeação dos
animais permitiu a Adão estender seu domínio sobre a terra. Esta tarefa foi o início do processo
de civilizar a terra no nível prático.
A tarefa de dar nome aos animais, portanto, foi claramente definida no contexto do
mandato de domínio de Adão; de fato, era um aspecto essencial desse mandato. Ela era um
programa educacional que visava estender o domínio de Adão sobre o mundo que ele deveria
governar. Este processo de educação, de aprendizagem e crescimento na compreensão da criação
de Deus e do papel do homem nela, é essencial para a mordomia da terra pelo homem e para o
seu chamado de ter domínio sobre ela. Não é algo que existe por si só, um fim em si mesmo. Ele
tem um propósito. Esse propósito é treinar o homem em seu chamado sob Deus e, portanto,
somente é cumprido quando ele exerce esse chamado. A educação é o meio de preparar o
homem para a tarefa que Deus lhe confiou, de sujeitar a terra e reabastecê-la como portador da
imagem de Deus.
O contexto da tarefa educacional para o cristão, portanto, é a aliança, que como vimos é
uma aliança de domínio e graça redentora em Jesus Cristo. Educação é o processo de treinar o
homem no seu chamado para exercer domínio sobre a terra sob a aliança que Deus firmou com
seu povo. Para explorar a terra de forma adequada e produtiva, o homem deve ser treinado em
seu papel de mordomo e gestor dos recursos da terra. Esse papel envolve compreender o
propósito de Deus para a criação, observando os limites e as fronteiras das ações do homem para
chegar a esse domínio, os quais estão firmados na lei-palavra de Deus, e usar da terra e seus
recursos de maneira produtiva para o melhoramento da humanidade e da própria terra. Este é o
chamado do homem em termos do propósito de Deus para a humanidade e para o mundo no qual
ele vive; e, à medida que segue esse chamado com obediência, trabalha para Deus e para sua
glória e, assim, adora seu Criador de acordo com a sua Palavra.[37]
A educação é o processo de treinamento pelo qual o homem aprende a arcar com esse
chamado; portanto, é de vital importância que, em todas as disciplinas e em todos os níveis, esse
processo de aprendizagem pressuponha a natureza da realidade criada e interpretada por Deus e
seja do começo ao fim seguido em termos de princípios piedosos de pensamento e ação.
É por isso que a nomeação dos animais por Adão é tão importante e instrutiva para nós.
Ela foi um processo de aprendizagem orientado para o mandato da criação de exercer domínio
sobre a terra. A educação não pode ser adequadamente separada da vocação do homem em
termos do propósito de Deus, pois ele será educado para o domínio como vice-regente de Deus
ou então para a autonomia, e isso significará no fim a dominação do homem pelo homem e a
subjugação dos homens não a Deus e seu propósito, mas aos homens e seus desejos corruptos e
até mesmo à própria criação. A educação é o programa de treinamento para o chamado do
homem de ter domínio sobre a terra, e esse chamado é o contexto de toda a vida do homem. Ou
ele seguirá esse chamado segundo o propósito de Deus como revelado na sua Palavra, ou fará
uma de duas coisas: abusará de seus poderes e capacidades e do seu senhorio sobre a terra para
obter poder e autoridade para si mesmo de forma desobediente ou renunciará ao seu chamado
como senhor da terra e se sujeitará aos elementos da natureza para ser por eles governado em vez
de governá-los. Qualquer das opções significará escravizar a maior parte da humanidade à ordem
criada. Ambas têm uma longa história e ainda estão conosco ― por ex., a tirania totalitária e a
prática de religiões pagãs, como o hinduísmo.[38]
Assim, a provisão de educação para nossos filhos deve levar em conta o chamado do
homem no propósito de Deus, se quisermos que seja uma educação piedosa, uma “educação na
justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra” (2Tm 3.16-17). Esse chamado requer uma compreensão adequada do homem e do mundo
no qual ele vive em termos do propósito de Deus. Só no contexto desse chamado é que os vários
aspectos da tarefa educacional encontram seu devido significado; e só na medida em que o
conteúdo da educação que ministramos aos nossos filhos levar em conta esse chamado é que ela
lhes permitirá amadurecer em termos da imagem de Deus.
Para o cristão, a educação é o meio pelo qual o homem é treinado na sua tarefa pactual
de domínio; é um treinamento em “piedosa autoridade, poder e supervisão onde quer que Deus
nos dê a responsabilidade”,[39] sobre nós mesmos, sobre nossas vocações e sobre o domínio
natural. Para o cristão, portanto, a educação não pode ser separada do contexto onipresente do
propósito de Deus para o homem sob a aliança da graça redentora e domínio em Jesus Cristo.
Buscar a autonomia humana, e educar para a autonomia humana, é perverter o ser do homem e
impedir seu crescimento para tornar-se uma criatura madura em termos do propósito de Deus. É
perverter a natureza e a vocação do homem, que foi feito à imagem de Deus para pensar os
pensamentos de Deus depois dele. É assim uma negação da humanidade conforme criada e
definida à imagem de Deus. Não é de admirar, portanto, que numa época de ateísmo desenfreado
e autonomia humana levada aos extremos haja tanta depressão, alienação, suicídio, aborto, etc.
Nas escolas humanistas do nosso país as crianças são constantemente educadas para a frustração
e negação de sua humanidade como criada por Deus, e o fim é a morte, tanto do indivíduo
quanto de sua cultura.
Por outro lado, a tarefa educacional empreendida por Adão na sua nomeação dos animais
foi um processo de aprendizagem piedosa que levou ao maior cumprimento de seu chamado
como vice-regente de Deus na terra e, por conseguinte, a uma maior maturidade como ser
humano feito à imagem de Deus. Adão deu nome aos animais em termos do propósito criativo de
Deus; e isso levou à maturidade na compreensão e extensão do domínio do homem sobre a terra
para a glória de Deus.
6. Educação e civilização

Negar a natureza pactual da vida do homem e seu domínio do mundo é desumanizar a


humanidade. Como vice-regente de Deus e, portanto, senhor da terra, o homem está acima de
todas as outras criaturas. Ao contrário dos animais, o homem é feito fisicamente da terra mas seu
espírito vem de Deus, ou seja, ele é criado à imagem de Deus. Essa imagem consiste em uma
natureza moral criada para a comunhão com Deus e para o domínio da terra. Negar essa natureza
necessariamente moral e dominial do homem é desumanizá-lo, pois é despojá-lo de tudo o que
propriamente constitui a imagem de Deus no homem. Portanto, na sua tentativa fútil — e,
evidentemente, impossível — de escapar de Deus e da natureza moral de seu ser, o homem
recorre a todo tipo de práticas degradadas e perversas. Ele tenta degradar-se ao nível dos animais,
embora ao fazê-lo vá ainda mais longe e recorra a práticas que não são encontradas nem mesmo
entre os animais.

O ressurgimento pagão
De maneira bastante lógica, portanto, dada a sua cosmovisão antiteísta, o satanismo proclama
como sua doutrina mais fundamental que o homem não é diferente dos animais, portanto não é
superior a eles. Pelo menos é isso o que o satanismo afirma e, sem dúvida, muitos acreditam.
Nossa época tem demonstrado a aplicação desse princípio de muitas maneiras e em muitos níveis
e por muitos grupos diversos — e todos ou mesmo a maioria das pessoas de modo algum
reconheceriam ou poderiam reconhecer conscientemente seu compromisso com os princípios do
satanismo. Estes vão desde práticas degradantes e bestiais de perversão sexual à postura mais
filosófica e ideológica do Partido Verde e de movimentos ecológicos, do neopaganismo do
movimento Nova Era e de defensores dos direitos dos animais que recorrem a táticas anti-
humanas de terrorismo, na tentativa de defender sua posição e impor sua ideologia à sociedade.
Tudo isso é decorrência natural do desejo do homem caído de livrar-se do seu Criador. Uma vez
que a vida do homem é inextricavelmente pactual e, portanto, de natureza moral — o homem foi
criado à imagem de Deus —, ele tenta desafiar e negar Deus subvertendo a ordem natural da
criação, que foi portanto ordenada por Deus, e negando como homem sua própria natureza
moral; e ao fazê-lo necessariamente desfigura sua própria humanidade.
Isso não é uma digressão do ponto em questão, qual seja, a educação, pois não devemos
ignorar a capacidade atual da maioria dos grupos acima mencionados, incluindo os pervertidos
sexuais, o Partido Verde, os movimentos da Nova Era e dos direitos dos animais, bem como o
humanismo em geral, de impor seus pontos de vista através do sistema educacional. Nossa
sociedade está experimentando um retorno muito real ao paganismo, cujas consequências serão
de grande alcance na nossa vida, porém ainda mais na vida dos nossos filhos e netos. Não
devemos subestimar a importância estratégica do sistema educacional nesta “repaganização” da
sociedade. Não é simplesmente que as escolas, faculdades e universidades do nosso país não são
imunes à influência do neopaganismo; elas são essenciais para a transmissão da cosmovisão de
uma cultura; e, para a cultura ser capturada pelo neopaganismo, são estas instituições que devem
estar na vanguarda. Capture as escolas e faculdades e você terá o controle da próxima geração
através da formação de sua perspectiva religiosa e filosofia de vida.
Dificilmente se pode negar que o humanismo capturou a maior parte das nossas
instituições educacionais, públicas ou particulares, seculares ou religiosas. Mas muitos podem
não estar cientes do grau em que grupos como o movimento Verde, os defensores dos direitos
dos animais e os seguidores da Nova Era — e, em certa medida, até mesmo o lobby
homossexual[40] — estão buscando, e com não pouco sucesso, infiltrar-se e influenciar as
instituições educacionais do nosso país. Foi salientado por professores do sistema público que
esses grupos procuram cada vez mais oferecer seus serviços “educacionais” às escolas,
proporcionando cursos para crianças e treinamento para seus funcionários sobre a sua
perspectiva específica. Estes professores representam provavelmente aqueles poucos que
reconheceram essa influência pelo que ela é e a rejeitaram. Muitos mais, bem menos conscientes
das questões envolvidas, são indubitavelmente acolhidos por esses grupos ou até mesmo
abraçam a sua perspectiva de todo o coração. Tais grupos são capazes de exercer uma influência
subliminar na nossa cultura através de “serviços” que oferecem às escolas, bem como através do
trabalho docente contínuo daqueles comprometidos dentro do sistema público com tal
perspectiva. O aumento da representação dessas visões nos meios de comunicação ajuda a
amolecer a sociedade e a levar a um crescimento geral na aceitação delas, o que por sua vez
significa que há muito menos resistência dentro do sistema educacional à influência desses
grupos.
É importante compreender o tipo de influências que ajudaram a formar e a informar
ideologias como as dos movimentos do Partido Verde e da Nova Era. Muitas pessoas hoje
aceitam pelo menos alguns aspectos da Agenda Verde e da Nova Era, embora muitas vezes a
aceitação da cosmovisão que estas representam seja subliminar. Contudo, a aceitação geral
dessas visões é prejudicial para a nossa cultura e nossos filhos, pois elas ajudam a formar uma
cosmovisão que é de natureza essencialmente pagã. O grau em que a antiga religião pré-cristã —
que tem gozado de um reavivamento neste século — influenciou esses movimentos não é
geralmente apreciado. A seguinte citação deve servir para ilustrar isso:
As pessoas hoje em dia finalmente estão compreendendo as consequências de se terem tornado o que
Dion Fortune chamou de “órfãos da Grande Mãe”. Estamos começando a observar o que aconteceu e o
que está acontecendo com o nosso planeta. Pelo menos já registramos que, quaisquer que sejam as
utopias prometidas pelos políticos, se o próprio planeta estiver destruído, essas promessas não serão mais
do que areia soprada pelo vento. Nosso destino está ligado ao da Mãe Terra, de quem somos filhos. Esta é
a origem da chamada “política verde”.
Esta é, na minha opinião, outra indicação da chegada da Era de Aquário. É o momento em que devemos
entender e usar o passado para, sobre ele, construir o futuro. A Antiga Religião deve também buscar isto
e continuar a sua evolução. Se assim o fizer, poderá desempenhar um papel vital na Nova Era. Na
verdade, o paganismo, em formas várias, já está começando a fazer.[41]

Essa citação foi tirada de um livro chamado Feitiçaria: tradição renovada. Existem áreas
fundamentais de terreno comum entre a bruxaria, ou a “antiga religião”, como os autores deste
livro gostam de chamá-la, e os modernos movimentos Verde e da Nova Era. De fato, o
ressurgimento da perspectiva pagã tem sido geralmente um estímulo para o crescimento dos
movimentos Verde e da Nova Era.
Além do mais, embora a bruxaria tenha sido por séculos uma fé praticada secretamente por
causa da influência da igreja e da cultura cristã em geral, está hoje se revelando cada vez mais
abertamente, juntamente com outras práticas que eram endêmicas na antiguidade pagã, como as
práticas homo e bissexuais. Os autores citam a presente situação como uma razão para serem
mais abertos: “certamente haverá alguns que condenarão John e a mim por ‘falar demais’ ou
‘revelar segredos’… Entretanto, acho que devemos reconhecer as mudanças dos tempos e estar
prontos para, se necessário, mudar com eles”.[42] O “papel vital” que a bruxaria está
desempenhando no nascimento da Nova Era é de importância suficiente para os autores pedirem
“àqueles que considerem esse livro perturbador… que reflitam nesse enfoque sobre o assunto”.
[43]
Assim, devemos suportar os atos vis da bruxaria, ainda que os detestemos, simplesmente por
causa da importância que ela desempenhará no nascimento da Nova Era, em ajudar-nos a voltar à
veneração da “Mãe Natureza, Gaia ou Magna Mater, Mãe Terra”,[44] chame-a como quiser, pois
“ela é, naturalmente, a Inteligência por trás da Natureza, que é, como originalmente concebida,
uma força feminina”.[45] Também nos é dito que “seu filho e consorte é o antigo Cornudo, que
nossos ancestrais primitivos retratavam nas paredes de suas cavernas-santuários”.[46]
Poderíamos ficar tentados a rir de tudo isso, não fosse o fato de tais crenças estarem se
tornando mais populares em nossa sociedade. Até certo ponto, a “Antiga Religião” está mais
uma vez saindo da clandestinidade; e, embora não seja propriamente evangélica na sua postura, é
certamente mais militante na sua exigência de tolerância: “Estamos num momento crítico na
história da humanidade”, somos informados, que é “a mudança da Era de Peixes para a Era de
Aquário”. Assim,
aqueles de nós que preservaram o conhecimento que é chamado de “oculto”, palavra que significa
simplesmente “escondido”, devem usar de maneira construtiva esse conhecimento. Além disso, devemos
construir um ponto de resistência contra a ignorância ou o fanatismo e ajudar no reconhecimento de nossa
antiga fé como religião legítima.[47]

É improvável que tenhamos um ressurgimento da bruxaria como um conjunto coerente de rituais


praticados regularmente por mais do que alguns entusiastas; mas muitas das ideias e
pressuposições religiosas e filosóficas básicas que a sustentam, que era comuns ao antigo
paganismo e, de fato, a todas as formas de paganismo, já são amplamente aceitas em nossa
cultura.[48] A “ciência” popular — uma combinação absurda de especulação científica, exagero
midiático e estatísticas mal interpretadas — adotou agora muitas dessas ideias e, ao batizá-las
com jargão pseudocientífico, deu-lhes uma aparência de respeitabilidade. Como resultado disso,
elas representam agora um componente significativo da cosmovisão eclética da sociedade
ocidental moderna e desempenham um papel cada vez mais proeminente na formulação de
ideologias políticas.
Num artigo intitulado “O homem verde: o ressurgimento de um espírito vital — o Pai
Terra”, publicado em novembro de 1990 na World Magazine, uma publicação da BBC, somos
informados de que
sem dúvida, o Homem Verde, o equivalente masculino dinâmico da Mãe Natureza, é mais uma vez uma
força que devemos considerar. Tradicionalmente ligado a tudo o que é mais vital num determinado
período — a fertilidade nos tempos pagãos, a criatividade nos tempos romanos e góticos e a
aprendizagem na Idade Média —, ele coincide hoje com a consciência cada vez maior da necessidade de
existir um equilíbrio entre nós e o nosso ambiente.[49]

Segundo Julian Henriques, o Homem Verde está


dizendo-se algo sobre a nossa relação humana com o mundo natural. Como um ícone que incorpora
antigas raízes celtas, ele parece validar a busca moderna por estilos de vida que sejam mais “naturais” que
os nossos ecodestrutivos e materialistas atuais. De fato, o Partido Verde norueguês tem concentrado sua
campanha antichuva ácida na imagem do Homem Verde como o protetor das florestas.[50]

O coautor William Anderson, também autor de um livro intitulado Green Man: the Archetype of
our Oneness with the Earth [Homem verde: o arquétipo da nossa unicidade com a terra], conclui:
Hoje estamos aprendendo a ver a terra mais uma vez como a Grande Deusa, como Gaia, e ele, seu filho,
amado e guardião, volta para nos ajudar, para alertar e confrontar-nos com os desafios impossíveis de se
viver em harmonia com a natureza.[51]

O aparecimento desse artigo coincide com um filme Omnibus da BBC sobre o Homem Verde e
uma série de filmes televisivos ficcionais sobre o Homem Verde. A British Broadcasting
Company certamente não é uma editora de ocultismo clandestino, e a World Magazine é uma das
revistas de interesse geral de melhor qualidade à venda na Grã-Bretanha. Tanto o artigo da
revista como os filmes são um indicativo da extensão em que essas ideias estão começando a se
infiltrar na cultura ocidental moderna.
A premissa básica por trás de tudo isso, e por trás dos movimentos Verde e da Nova Era,
etc., é que a natureza é normativa; na verdade, a natureza é deus, e o homem, se quiser achar seu
verdadeiro lugar na ordem das coisas, deve reconhecer e sujeitar-se a isso. O homem deve parar
de agir como se fosse o senhor da natureza, papel que lhe é atribuído na Bíblia, e sujeitar-se ao
senhorio da Mãe Terra. O homem não é visto como criado à imagem de um Deus transcendente
para governar a terra, mas simplesmente como outra parte do deus panteísta Natureza, Gaia ou
como quer que o homem moderno o chame. Se o planeta deve sobreviver, e com ele o homem —
embora não se possa deixar de pensar que o último não faz parte da agenda dos grupos dos
direitos dos animais —, este deve se submeter ao governo de uma Mãe Natureza indomada como
algo normativo. Ele deve aceitar o jugo dela e uma submissão aos elementos da natureza, em vez
de assumir o papel devido, que lhe foi dado por Deus, como senhor da terra. A ideia básica é que
o homem tem se vangloriado acima de sua posição e, em seu orgulho e arrogância, levado o
mundo natural à ruína através da exploração excessiva dos recursos da terra, etc. O senhorio do
homem sobre a terra é visto como prejudicial e destrutivo da ordem natural. O pecado do homem
é que ele interferiu na natureza. Devemos restaurar o equilíbrio, portanto, e isso significa voltar à
adoração da Mãe Natureza e à aceitação da nossa posição na ordem pagã das coisas.

A perspectiva cristã
Vemos agora a diferença radical que existe entre a cosmovisão pagã e a do cristianismo
ortodoxo. A visão pagã da natureza e do lugar do homem nela é totalmente idólatra. O homem na
verdade se vangloriou acima de sua posição, mas o fez reivindicando uma espécie de divindade e
usurpando a autoridade de Deus, não reivindicando o senhorio da terra. Debaixo de Deus, o
homem é senhor da terra. Esta é sua posição correta na ordem divina das coisas. Seu senhorio da
terra é legítimo quando ele se submete a Deus. Mas ao vangloriar-se acima de Deus e sua
autoridade ele colocou a si mesmo e o mundo natural em um estado de desordem. O homem está
agora debaixo do domínio do pecado, que é a desobediência a Deus, até que seja redimido em
Jesus Cristo, e a terra está sob a maldição de Deus como resultado desse pecado. É claro, o
pecado leva os homens a abusar da criação de Deus, mas a resposta a isso não é a subjugação do
homem à natureza, já que isso é resultado do pecado.
A resposta cristã ao abuso da criação por parte do homem é a sujeição a Deus e a
restauração do domínio do homem sobre a natureza[52] em Jesus Cristo. Em Cristo o homem mais
uma vez se submete a Deus, e portanto o domínio piedoso da terra se torna novamente normativo
para o homem e para o mundo natural. Em vez de abusar do mundo, o cristão busca — ou pelo
menos deveria buscar — explorá-lo para a glória de Deus e para a melhoria da humanidade. Isso
envolve a subjugação e controle do mundo natural, animado e inanimado. O homem não é
simplesmente outro animal nem uma parte insignificante da natureza que deve aprender a viver
harmoniosamente com a natureza para que ele e a terra possam sobreviver. Ele é senhor da terra,
e para que a terra possa sobreviver ele deve começar a exercer esse senhorio em obediência a
Deus e em conformidade com a sua lei pactual.
O domínio da terra pelo homem certamente não pode ser alcançado pelo homem
degradando-se ao nível dos animais, mas pelo governo da terra e dos animais e pela sujeição dos
mesmos ao homem como o seu senhor, já que foi para isso que Deus criou o homem. O domínio
e controle da terra pelo homem é um aspecto importante do propósito de Deus para a
humanidade; mas só pode ser alcançado com sucesso se o homem se sujeitar a Deus e buscar
esse domínio em obediência à sua lei. Isso porque a aliança que Deus estabeleceu com a
humanidade, e que define a existência do homem, rege toda a vida, os pensamentos e as ações do
homem: rege não só a relação vertical do homem com seu Criador, mas também sua relação
horizontal com a ordem criada, com o mundo dos homens e das coisas. Assim, uma ruptura na
relação vertical entre Deus e o homem através do pecado e da rebelião do homem contra Deus
leva a uma perversão e subversão da relação horizontal entre o homem e o mundo em que ele
vive.
É por isso que todas as formas de paganismo levam à subjugação do homem ao mundo que
o rodeia e não à sujeição do mundo ao governo do homem. O paganismo em todas as suas
formas envolve, na verdade tem por base, a adoração da criação e não do Criador. E o homem se
sujeita àquilo que ele adora. Ele se torna assim escravo daquilo que adora. A adoração do mundo
natural, portanto, leva à escravização do homem aos elementos da natureza e, por conseguinte, à
morte do homem e da civilização.
Sempre que o homem rejeita a lealdade e serviço ao seu Criador e tenta se livrar da aliança
vinculativa de Deus, sujeita-se a algum aspecto da ordem criada como o princípio governante da
vida e não à Palavra infalível de Deus. Toda essa rebelião, independentemente de sua linguagem
e simbolismo religiosos, ou da falta destes, é um retorno ao paganismo e seu fim é a escravização
do homem à criação. Isso é evidente em formas tão diversas de paganismo como, por um lado, o
comunismo marxista, que alega status “científico” através da sua apropriação da linguagem da
economia e da sociologia, e, por outro, as religiões pagãs e cultos místicos do mundo antigo, tão
evidentemente revividos no movimento da Nova Era hoje.

O paganismo clássico
Como ilustração do poder e dos efeitos devastadores da escravidão do homem caído à ordem
criada, examinaremos brevemente um exemplo clássico deste paganismo: o hinduísmo. O fato de
o hinduísmo ser praticado há tanto tempo e estar tão arraigado na cultura do subcontinente
indiano proporciona um exemplo claro e revelador dos efeitos do paganismo tanto na sociedade
humana quanto no mundo natural, bem como um vislumbre preocupante do futuro do homem
sob a influência do ressurgimento neopagão.
Para os hindus a vaca é sagrada, assim como outros animais, como o macaco. Esses
animais vagueiam livremente pela terra e destroem colheitas valiosas cultivadas para consumo
humano.[53] Mas são considerados sagrados e por isso os hindus se recusam a afastá-los das suas
colheitas por medo dos seus deuses. Os hindus se recusam a assumir o domínio do mundo e dos
animais que vagueiam na terra e, portanto, sua produção agrícola é algo irracional. Como
resultado, as colheitas desesperadamente necessárias à sobrevivência humana são destruídas e
consumidas pelos animais. O problema, contudo, é muito maior que simplesmente a veneração
das vacas. O professor P. T. Bauer, então principal economista de desenvolvimento da Grã-
Bretanha, coloca a questão com clareza:
Uma grande parcela da população indiana opõe-se à matança de animais. Para além dos seus efeitos
imediatos e diretos sobre o abastecimento alimentar, essa atitude obviamente restringe o âmbito da
pecuária, severamente cerceia as operações agrícolas e obstrui o progresso na agricultura. Um exemplo
extremo é o dos jainistas, uma seita considerável, cujos adeptos não aceitam conscientemente tirar
qualquer forma de vida animal, mesmo a dos insetos e bactérias. Eles se opõem à matança de gafanhotos,
ao uso de inseticidas e até mesmo a medidas como a cloração da água, destinada a matar os agentes ou
vetores da cólera, da febre tifoide ou da malária e de outras doenças fatais ou debilitantes das pessoas, do
gado e da vegetação.[54]

Outro efeito sério dessa atitude idólatra para com o mundo natural pode ser visto no fato de que
as ratazanas nas docas consomem até cinquenta por cento das importações anuais de alimentos
da Índia.[55]
O hindu se torna assim escravo do mundo ao seu redor e fica à sua mercê. E isso ocorre
porque ele adora a criatura e não o Criador e se recusa a agir em obediência ao seu Criador e
assumir o domínio da terra e dos animais. É, portanto, governado pelo mundo que lhe foi dado
para governar. Tendo feito deuses do seu ambiente e dos animais que Deus lhe ordenara sujeitar
para o seu próprio avanço e favor no serviço a Deus, ele se tornou sujeito ao seu ambiente. Sua
vida é governada por uma relação servil com o mundo natural em vez de o mundo natural ser
utilizado de uma forma piedosa e produtiva para o próprio benefício do hindu e para benefício da
humanidade e do reino animal.
Sob o raj britânico, a Índia era um exportador líquido de alimentos.[56] A independência
trouxe uma mudança drástica, como se pode ver no título de um documento oficial publicado em
1959, chamado Crise alimentar na Índia.[57] P. T. Bauer destacou que “mesmo no ano favorável
de 1958-59 ainda houve tumultos alimentares, enquanto em 1957-58 a escassez aguda era
generalizada”.[58] A legislação que proibia o abate de gado e a venda para o abate, além da venda
e transporte de produtos de carne bovina sob qualquer forma, foi aprovada em 1956.[59]
Isso é paganismo institucionalizado; e seu fim é a subjugação do homem ao mundo
natural, com toda a pobreza, atraso social e miséria humana que a acompanham. Tais efeitos
sempre serão encontrados como o resultado natural do paganismo. O hinduísmo, como todas as
demais religiões pagãs, é a subversão da ordem criada por Deus e do lugar nela ordenado por
Deus para o homem; é portanto satânico na sua natureza e nos seus efeitos. O homem, que
deveria ser senhor da terra, é escravizado ao mundo natural, que é permitido correr solto e estar
portanto à sua mercê, em vez de domá-lo, como Deus pretendia que ele o fizesse.
Todas as coisas sofrem debaixo de tal religião. O homem sofre: vive na pobreza e num
estado de semi-inanição devido à subutilização e gestão dos recursos de que dispõe. O mundo
natural, que foi criado para o exercício da mordomia pelo homem e portanto é normativo apenas
sob a sua gestão, torna-se um semideserto e deixa de atingir seu pleno potencial, já que isso
também depende da exploração e gestão piedosas de seus recursos pela humanidade (Gn 2.15).

Um contraste dos efeitos do paganismo e do cristianismo


Sempre e onde quer que o homem se recuse a assumir o domínio piedoso da terra, de acordo com
a lei pactual revelada por Deus, o resultado é a escravidão e o sofrimento humanos. Quando o
homem se recusa a ser servo de Deus e, como resultado, senhor da terra, torna-se servo da
criação em vez do Criador e fica então sob a escravidão do mundo natural. Assim, os homens
morrem de fome em um mundo de abundância criado por um Deus de generosidade. E isso
ocorre porque o homem se recusa a viver debaixo de Deus e sua lei. Pois há espaço e comida
suficientes neste mundo para todos os que vivem hoje ou viverão nele, desde que o homem use
da terra de forma produtiva e obediente de acordo com a Palavra revelada de Deus. Mas o
homem caído prefere viver em autonomia de Deus e morrer, em vez de servir ao Deus da criação
e viver.
Como servo de Deus, o homem ocupa a posição privilegiada de ser o vice-regente de
Deus na terra e, portanto, senhor do mundo natural. Como rebelde contra Deus, ele se escraviza
ao mundo que deveria governar. O pecado, a rebelião contra Deus, subverteu a ordem criada não
apenas entre o homem e seu Criador, mas também entre o homem e seu ambiente (Gn 3.17-19).
Isso porque a aliança que Deus estabeleceu com a humanidade é abrangente: ela define não só a
relação do homem com Deus, mas também, como já vimos, sua relação adequada com o mundo
que o rodeia. Assim, quebrar a aliança e rebelar-se contra ela é perverter e destruir não só a
relação do homem com o Criador, mas também sua relação adequada, e ordenada por Deus, com
a criação.
Quando, em vez disso, rejeita seu Criador como seu Senhor e Soberano e idolatra algum
aspecto da ordem criada, o homem deixa de ser o vice-regente legítimo de Deus e senhor do
mundo natural. Seu domínio se transforma na dominação de alguns homens por outros e sua
idolatria leva à subjugação de todos os homens à ordem criada. O poder do pecado sobre a
humanidade, sua capacidade de escravizar a humanidade, é portanto muito real e a causa das
condições deploráveis e da miséria humana prevalentes em grande parte do mundo.
É por isso que foi apenas à medida que a religião cristã avançou no curso dos últimos
dois mil anos, e especialmente desde a Reforma, que a fome, as doenças, a miséria e o
sofrimento humanos, bem como a tirania[60] e a escravidão material, foram superados em algum
grau significativo, pois o cristianismo restaura o relacionamento do homem com Deus e, por sua
vez, o relacionamento adequado do homem com a ordem criada. As partes do mundo em que
essa escravidão e servidão ainda se mostra grande são aquelas onde o cristianismo teve menos
influência.[61] Verdadeiramente, a fé cristã trouxe liberdade e libertação a um mundo que esteve
escravizado ao paganismo e a toda a miséria e morte que o acompanha. “Se, pois, o Filho vos
libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36).

A ordem natural
O humanista quer ser livre de Deus, mas isso significa a escravização dos homens. O Movimento
Verde, os defensores dos direitos dos animais, etc. querem que o mundo natural seja livre do
governo e domínio do homem sobre ele, mas isso significa que o homem está à mercê da
natureza e, portanto, no cativeiro dela. Assim, liberdade e servidão não são para o homem
valores absolutos entre os quais ele possa ou deva escolher. O homem não pode escapar às suas
limitações de criatura; portanto, jamais pode ser totalmente livre no sentido de conseguir
determinar seu próprio destino sem referência ao Deus que o criou e à criação da qual ele faz
parte e na qual encontra seu verdadeiro propósito e significado. A questão com que o homem se
depara, portanto, não é se ele deve escolher a liberdade, por um lado, ou a servidão, por outro —
a servidão, de uma forma ou de outra, é um fato inescapável da vida para o homem —, mas a
quem ele servirá e no que consiste sua verdadeira liberdade, sua liberdade original ordenada por
Deus?
Os humanistas, o movimento verde e os seguidores da Nova Era querem que o homem
seja livre de Deus e sua lei para que possam determinar por si mesmos o que constitui a
verdadeira natureza e lugar do homem no mundo. Querem recriar a si mesmos e o mundo à sua
volta de acordo com suas próprias imagens e ídolos. Mas isso os leva, de uma forma ou de outra,
a ser escravos do mundo ou dos aspectos dele que idolatraram. Isso é completamente contrário à
ordem de vida que Deus criou e ao mandato da criação que Deus deu ao homem. O homem deve
governar a natureza e deste modo servir a Deus. Sua verdadeira liberdade consiste no
cumprimento de seu propósito de vida ordenado por Deus, e isso só é possível quando ele se
submete a Deus em obediência à sua Palavra. Servir ao Deus vivo é a única verdadeira liberdade
que o homem pode conhecer. Rebelar-se contra Deus significa para o homem servidão e
escravidão.
O fim do humanismo e de todas as formas de paganismo, incluindo os movimentos verde
e da Nova Era, etc., é a subjugação do homem ao mundo que o rodeia — a escravização dos
homens uns aos outros e aos elementos da natureza — e, então, a morte do homem e a destruição
da civilização. Pois a natureza não é normativa; não se trata da ordem natural das coisas
ordenada por Deus. Se o homem não a governa, a natureza é selvagem e indomada. Ela nunca foi
criada para ser deixada por conta própria, mas para o homem administrá-la. O deserto é o
resultado da abdicação do homem de sua responsabilidade de governar a terra. E num deserto o
homem não pode sobreviver, deve passar fome. A ordem natural das coisas, aquela ordenada por
Deus, é que o homem governe a natureza, assuma o domínio da terra e dos animais. Seu
verdadeiro propósito e, por conseguinte, sua felicidade e prosperidade só podem ser encontrados
na obediência a esse chamado, uma vez que essa é a vontade de Deus para ele e o dever dele para
com Deus.
É de vital importância, portanto, que os cristãos proclamem a natureza moral e pactual da
vida humana e trabalhem para desenvolver uma filosofia, antropologia e ética educacionais que
se baseiem em todos os pontos nessa aliança. Os movimentos verde e ecológico têm travado até
agora uma guerra bem sucedida de propaganda. E, de fato, alguns elementos do que eles dizem
estão corretos, já que o homem deve administrar a terra com responsabilidade e zelar por ela.
Mas a filosofia subjacente é antiteísta, antipactual e, portanto, anti-humana, porque é pró-
natureza no sentido de que a natureza é vista como normativa. Os cristãos devem deixar claro
que isso não procede. É o domínio da terra pelo homem sob Deus que é normativo — isto é, a
ordem original das coisas ordenada por Deus — e não a sua subjugação a ela. Subjugação ao
mundo natural significa morte para o homem, e à medida em que a cosmovisão pagã é
promovida e ganha credibilidade em nossa sociedade, e é passada às gerações futuras por meio
do sistema educacional, nossa civilização fica sob a escravidão dos elementos da natureza. Ela se
torna pagã em todos os sentidos, e o juízo e a morte são a sua justa recompensa.

Religião e civilização
A cultura de uma civilização é claramente uma decorrência de seus pressupostos religiosos
básicos. Cultura é religião externalizada. A civilização, portanto, é determinada religiosamente,
como argumenta Henry Van Til em seu livro O conceito calvinista de cultura.[62] O caso da
Índia, como já vimos, dá amplo testemunho dessa verdade. Os exemplos de civilizações
atrasadas que se baseavam em cosmovisões religiosas pagãs poderiam ser multiplicados por todo
o mundo.[63] Por outro lado, historicamente a influência primordial no Ocidente tem sido a
religião cristã. A cultura e a civilização ocidentais resultam em grande parte das influências e
ideais cristãos.
Isso não quer dizer que não houve outras influências sobre o Ocidente vindas de fora da
tradição judaico-cristã. Houve, particularmente, influências do mundo greco-romano que
ajudaram a moldar a cultura ocidental. Mas mesmo estas influências não apareceram no Ocidente
completamente nuas em sua forma original, mas foram elas próprias modificadas e moldadas de
acordo com crenças cristãs ao longo da história do Ocidente. No geral, a cultura ocidental foi
influenciada por uma forte compreensão cristã da natureza e significado da vida.
Assim, a democracia,[64] que não é uma ideia peculiarmente cristã, tornou-se no Ocidente
um tipo particular de democracia fortemente embasado em princípios e ideais cristãos. Isso é
demonstrado pelo fato de que praticamente todas as tentativas de governos ocidentais modernos
de implantar ideais democráticos ocidentais em culturas não cristãs falharam miseravelmente. A
democracia de estilo ocidental simplesmente entra em colapso nas culturas pagãs porque elas não
têm os ideais cristãos básicos do devido processo legal, da liberdade, moralidade, justiça,
compaixão e misericórdia, etc., que caracterizaram a cultura ocidental sob a influência do
cristianismo e que são, portanto, essenciais para a existência de um sistema democrático estável
do tipo encontrado no Ocidente.[65] Foi necessário mais de um milênio para que o processo
democrático ocidental se desenvolvesse na sua forma moderna. Simplesmente não é realista
esperar que ele se enraíze da noite para o dia numa cultura pagã que ainda não foi emancipada da
adoração do mundo natural. De fato, mesmo a Índia, apesar de ser a maior democracia do mundo
e ter-se beneficiado grandemente com a influência civilizadora do raj britânico no século
passado, não foi capaz de se inserir no século XX seguindo o padrão da cultura ocidental e
alcançar o padrão de vida desfrutado pela sociedade ocidental hoje. Em alguns aspectos,
regrediu. E isso se deve em grande parte à cultura religiosa predominante.

A civilização ocidental após a Reforma

O que foi dito acima sobre a influência dominante do cristianismo na cultura ocidental tem sido
particularmente relevante desde a Reforma. Como resultado da Reforma, a Bíblia foi traduzida
para o vernáculo das nações protestantes. Isso levou a uma influência muito maior dos ideais e
princípios cristãos na Europa protestante. A Reforma foi o grande divisor de águas na transição
da cultura ocidental do feudalismo para uma civilização moderna.
A fé protestante dava grande prioridade à compreensão da fé e, portanto, ao ensino da fé
ao povo. Daí a tradução da Bíblia para o vernáculo. Em contraste, o catolicismo romano
encorajava as pessoas a depositar sua confiança na Igreja e nos seus sacerdotes profissionais e a
confiar nestes como o meio de salvação. Compreender a fé não tinha a mesma importância; o
que contava era a missa — na realidade, um rito mágico — e o mérito dos santos, etc. A fé
protestante colocou a ênfase de volta nos princípios bíblicos da graça operando através da fé
pessoal. Isso exigia entendimento por parte do crente.
Essa ênfase na fé e entendimento pessoais, em contraste com a confiança católico-
romana na igreja, em que o entendimento da fé era visto como um dever dos sacerdotes e
desencorajado entre os leigos, responde em larga medida pela grande transformação ocorrida na
cultura europeia protestante após a Reforma. O resultado foi a racionalização da vida em muitos
aspectos. A tese de Max Weber acerca da racionalização do empreendimento econômico após a
Reforma devido ao desenvolvimento de uma compreensão distintamente protestante da vocação
nos dá um exemplo do tipo de mudança que isso produziu na área da ética do trabalho e da
economia.[66]
Na Inglaterra, o resultado dessa mudança de ênfase da igreja e seu sacerdócio
profissional para o princípio protestante do sacerdócio de todos os crentes — com a
concomitante necessidade de todos os crentes serem ensinados e compreenderem seu dever para
com Deus e sua vocação no mundo como um meio de apresentar culto racional a Deus (Rm 12.1)
— foi a conversão da nação e a transformação da sociedade. Os homens foram desencorajados
de chafurdar na ignorância e de confiar nas superstições e ritos mágicos da Igreja Católica
Romana para a salvação. Em vez disso, foram encorajados a entender a fé e a viver e agir à luz
desse entendimento em todas as áreas de sua vida. O sacerdotalismo e o sacramentalismo não
mais eram considerados o conteúdo da religião cristã. A igreja e seu papel, inclusive sua
natureza, foram desmistificados e o ensino, como dever da igreja perante Deus e
responsabilidade para com o povo, substituiu a realização de ritos mágicos.
Houve, portanto, uma mudança fundamental na compreensão do papel da igreja. Sob o
catolicismo romano, a igreja abraçou muito do paganismo, embora fortemente sincretizado com
o entendimento católico-romano da fé cristã. Na Igreja Católica Romana, entendia-se que a
salvação deveria ser administrada aos membros leigos da igreja pelas manipulações mágicas de
um sacerdócio profissional. O protestantismo, em vez disso, voltou-se para o ensino da fé ao
povo, para que estes pudessem assumir suas responsabilidades no mundo como o povo de Deus,
fazendo a sua Palavra se aplicar a todos os aspectos da vida deles. Isso levou à transformação da
vida e da cultura em todas as áreas. Visto que a fé cristã é relevante para toda a vida, o
entendimento da vocação e dever do homem em termos do propósito de Deus era estendido a
toda a vida.
Essa ênfase educacional da Reforma teve um imenso efeito em toda a cultura protestante.
Ela ultrapassou os limites da educação “religiosa” no sentido mais estrito, ou educação teológica,
para abranger a totalidade da vida e da sociedade. Ademais, o mundo é criação de Deus e uma
revelação de seu eterno poder e divindade (Rm 1.20) e deve, portanto, ser entendido pelo crente
não menos do que a revelação que Deus faz de si mesmo na Escritura. Mais propriamente, a
visão protestante era que o mundo natural deveria ser entendido através do ensino da Escritura.
Desta maneira, todas as coisas eram submetidas à autoridade da Palavra de Deus e ao governo de
Cristo para a glória de Deus.
O efeito desse ressurgimento do cristianismo bíblico foi o nascimento da sociedade
ocidental moderna, uma civilização cristã renovada e caracterizada pelo crescimento da
aprendizagem e ciência,[67] da exploração e missão mundial, da melhoria social, etc. Essa
transformação da civilização ocidental foi provocada pela abertura da mente dos homens para o
mundo que os rodeia e para seu lugar e dever nele como homens com a vocação de levar todas as
coisas à obediência da Palavra de Deus. Os protestantes abriram escolas e faculdades que
desafiaram a qualidade e superioridade até mesmo das antigas universidades estabelecidas,
especialmente em termos de aprendizagem aplicada, ciência e tecnologia, que haviam ficado
para trás nas antigas universidades por muitos anos. A educação protestante foi um fator
importante na transformação de nossa nação de uma sociedade feudal para uma moderna
civilização industrial.
Nossa civilização é, ou pelo menos foi, em grande parte uma civilização cristã, e uma
civilização cristã só pode criar raízes e florescer onde os homens são ensinados a compreender a
fé cristã e suas implicações para toda a vida e cultura. A civilização cristã necessita de uma
cosmovisão cristã e da elaboração dessa cosmovisão na totalidade da vida, tanto a nível
individual quanto social.
A Cristandade medieval, no que diz respeito a isso, estava viciada por causa de sua
virtual negação do sacerdócio de todos os crentes e sua limitação da natureza do sacerdócio
cristão às esferas eclesiástica e teológica. O nítido contraste entre o sagrado e o secular que
caracterizava a Cristandade medieval significou que a aplicação da Palavra de Deus a grande
parte da vida foi negligenciada. As vocações seculares não eram vistas como vocações
sacerdotais, e portanto faltava a influência dominante dos princípios cristãos naquelas esferas.
Isso também acontecia entre as disciplinas acadêmicas. A filosofia, por exemplo, a despeito de
ser o domínio da Igreja Medieval, era vista como uma disciplina governada por princípios
racionais neutros. O intelecto era considerado na essência não caído e, portanto, em vez de
submeter todo pensamento filosófico à autoridade da Palavra de Deus, a ideia da racionalidade
humana autônoma foi aceita e a teologia natural e filosofia aristotélica dominaram a disciplina. A
influência da igreja foi certamente muito grande sobre a sociedade, mas a influência da fé cristã
foi limitada, em comparação com a Europa pós-Reforma, já que sua esfera de operação era vista
como sendo quase exclusivamente eclesiástica. A cultura cristã, portanto, não conseguiu se
desenvolver adequadamente. Em vez disso, houve regressão, e depois a regressão transformou-se
em opressão e desenvolveu-se a tirania católico-romana à medida que a igreja se tornava cada
vez mais corrupta.
Somente depois da Reforma foi a sociedade ocidental capaz de se desenvolver em uma
cultura cristã mais consistente. Com o entendimento protestante da vocação e da redenção de
todas as esferas da vida e da atividade como um meio de servir a Deus de acordo com a sua
Palavra, a sociedade experimentou um resultado prático da fé cristã que levou ao maior
progresso em todo o espectro da vida e atividade humanas, sendo não menos importante a
melhoria social e econômica em grande escala. A ênfase que a igreja da Reforma colocava no
entendimento e na educação, e na vocação divina do homem no mundo, desempenhou um
importante papel neste processo, e o crescimento da educação em geral também foi resultado
disso.

A cultura ocidental contemporânea


Hoje abandonamos em grande parte, embora ainda não totalmente, a religião cristã como a base
de nosso modo de vida, de nossa cultura. Ela sobrevive nominalmente em nossas instituições
porque tradição é algo difícil de morrer. Mas, como força cultural animadora, ela desapareceu.
Infelizmente, a igreja, por causa das influências dominantes do pietismo e escapismo entre as
igrejas reformadas e evangélicas e do liberalismo nas denominações protestantes maiores, não
ofereceu resistência às influências secularizantes do humanismo moderno. A educação cristã
praticamente cessou na igreja e foi entregue toda ela ao Estado humanista secular. Com exceção
de alguns detalhes cosméticos, as escolas da Igreja da Inglaterra, por exemplo, são simplesmente
escolas públicas sem praticamente nenhuma filosofia ou prática distintamente cristã na educação
que oferecem.
A civilização cristã declinou à medida que o humanismo secular avançou desta maneira.
Pouco a pouco, numa área após outra, a igreja se rendeu às hordas humanistas: primeiro entregou
a soberania de Deus, depois a história, depois a moralidade, e agora está à beira de entregar a
própria fé; de fato, na maioria das grandes faculdades denominacionais ela já o fez ― a
progressão é lógica, uma vez que a jurisdição soberana de Deus sobre a vida do homem seja
negada. O antigo humanismo iluminista, que pelo menos defendia a fé cristã da boca para fora,
está ele próprio em declínio e em seu lugar um neopaganismo mais virulento e consciente
começa a dominar a nossa cultura. Não é incomum hoje ouvir ordinandos da Igreja da Inglaterra
expressarem dúvidas quanto à validade exclusiva da fé cristã e religiões pagãs serem
consideradas formas válidas de buscar a Deus, etc. Em larga medida, esses desenvolvimentos
podem ser atribuídos ao declínio da educação cristã em nosso país em todos os níveis, em casa,
nas escolas e nas faculdades e universidades.
À luz desse fato, a provisão da educação cristã deve certamente ser vista como uma das
principais tarefas a ser empreendida pela Igreja Cristã hoje na sua comissão de submeter a nação
à disciplina de Cristo (Mt 28.19-20). Sem uma filosofia e prática de educação especificamente
cristãs, a nação não será em última análise disciplinada para Cristo. A educação é de importância
central em qualquer cultura. Os princípios religiosos que alicerçam a filosofia de educação
vigente em qualquer sociedade irão determinar a cosmovisão dessa sociedade. A educação é de
importância central na transmissão para a próxima geração do entendimento que uma civilização
tem da natureza e significado da vida e, portanto, na preservação do modo de vida dessa
civilização. Sem o ressurgimento de uma filosofia e prática de educação especificamente cristãs
como meio de transmitir nosso modo de vida aos nossos filhos, a civilização cristã se extinguirá
em nosso país nas próximas gerações. É impossível cristianizar uma cultura sem proporcionar
uma educação para essa cultura que se baseie em uma cosmovisão cristã. A civilização cristã
necessita de uma educação cristã, em todos os níveis e em todas as esferas, em casa, na igreja, na
escola e na faculdade.

Conclusão
É através da educação de nossos filhos que nossa cosmovisão é transmitida às futuras gerações e
assim nossa civilização preservada. Os cristãos, portanto, têm uma escolha bastante simples: ou
educam seus filhos em termos da aprendizagem e disciplina piedosas e uma cosmovisão cristã,
uma cosmovisão pactual e orientada para o domínio, ajudando assim a construir e preservar a
civilização cristã, ou entregam a educação de seus filhos a pagãos que irão educá-los em termos
da aprendizagem e disciplina ímpias e uma cosmovisão pagã, ajudando assim a construir uma
civilização pagã que irá escravizar seus filhos ao mundo que são chamados a governar.
Citando mais uma vez Rushdoony: “O homem cria, pela totalidade de sua vida e de suas
ações, uma cultura; ela é a forma visível de sua fé e vida. A questão, portanto, é: que tipo de
cultura ele produzirá?”[68] Ou educamos nossos filhos em termos de uma cultura cristã, ou os
entregamos para serem educados por humanistas como pagãos. Nossas ações nesta matéria
ajudarão a determinar e moldar a cultura da próxima geração. Ou construímos em termos da fé
cristã, ou destruímos a cultura cristã que nossos antepassados construíram: “Quem não é por
mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” (Mt 12.30). A educação é o fator mais
importante na preservação da cultura de uma sociedade. Da educação dos nossos filhos depende
o futuro da nossa civilização.
É dever do cristão educar seus filhos na fé cristã para o domínio, para assumirem o
mandato da criação dado ao homem, de sujeitar toda a terra a si mesmo como mordomo de Deus
e vice-regente na terra e, por conseguinte, sujeitá-la a Deus e à sua Palavra. Isso requer uma
cultura cristã e a construção de uma civilização cristã; e isto, por sua vez, requer uma filosofia e
prática de educação cristã, pactual e orientada para o domínio.
7. Algumas observações sobre o papel da igreja na oferta de
educação

Afirmei na Introdução que é de vital importância que a igreja assuma uma posição positiva sobre
a questão da educação, que faça um esforço determinado e constante para reverter as tendências
dentro da igreja que tanto militam contra a provisão de uma educação cristã e que comece a
promover e mediar, da melhor forma possível, um programa de reeducação nessa área de vital
importância. Isso precisa ser esclarecido agora, e examinado o papel e lugar adequados da igreja
na área da educação.

(1) A educação pública e a igreja


Em primeiro lugar, nunca é demais enfatizar que, do ponto de vista bíblico, a educação não é
responsabilidade do Estado. A educação, como argumentei no Capítulo 3, é responsabilidade da
família. A escola não é uma instituição divinamente ordenada com um mandato dado por Deus
no campo da educação. Na Bíblia, a família é uma instituição ordenada por Deus com
responsabilidade pela educação dos seus membros. Assim, o Estado, que na Bíblia é um
ministério de justiça, excede a autoridade que lhe foi dada por Deus quando toma para si a tarefa
de estabelecer padrões educacionais e de prover educação através de escolas geridas e
financiadas pelo Estado. É tirania o Estado exigir conformidade a tais padrões ou impor a
frequência em escolas geridas ou regulamentadas pelo Estado. Não existe Estado de bem-estar
social na Bíblia. O bem-estar é responsabilidade da família, fundamentalmente, e quando a
família não consegue provê-lo, torna-se responsabilidade da igreja. A educação é um aspecto da
responsabilidade social da família, e portanto somente quando a família já não é capaz de suprir
as necessidades é que a educação se torna responsabilidade da igreja ― mas nunca se torna
responsabilidade do Estado.
O controle e financiamento públicos da educação através de receitas fiscais é um golpe
de martelo na fé cristã, pois ao controlar a oferta de educação de acordo com os seus próprios
padrões e sua filosofia o Estado usurpa as responsabilidades dadas por Deus aos pais; e, ao
financiar a educação pública com impostos, não só viola o oitavo mandamento, como também
anula a capacidade dos pais de proporcionarem aos filhos uma educação que esteja fora do
sistema público. Esta situação é agravada para aqueles que não utilizam o sistema público,
porque o financiamento da educação pública através de receitas fiscais torna a educação pública
gratuita sem ônus para o usuário final, arruinando assim efetivamente o mercado para a
educação privada. Assim, apenas os membros mais ricos da sociedade aguentam pagar as taxas
cobradas pelas escolas públicas.
Se o Estado se retirasse totalmente da educação, não só os pais teriam mais recursos
disponíveis para a educação de seus filhos ― assumindo, é claro, que o Estado reduzisse
consequentemente as taxas de impostos ―, como o mercado para a educação privada seria mais
saudável, mais variado e mais eficiente do ponto de vista econômico. A oferta de educação
também seria orientada às demandas dos clientes com uma visão realista do produto fornecido,
em vez de a população ficar à mercê dos mais recentes caprichos e teorias de estimação dos
acadêmicos e burocratas apoiados pelo Estado. A situação resultante seria mais vantajosa para
todos e a partir de todos os pontos de vista. A escolha do consumidor e a concorrência entre os
fornecedores iriam maximizar a qualidade e minimizar os custos, uma vez que a educação seria
uma mercadoria à venda no mercado assim como qualquer outro bem econômico.
O papel da igreja nesta questão deve ser o de fornecer ensino bíblico sobre o
funcionamento adequado do Estado e os limites da sua autoridade. Os cristãos devem ser
ensinados a observar estes limites estabelecidos na Escritura e a afastar-se da educação pública.
A igreja deve encorajar o estabelecimento de novas escolas e faculdades cristãs e o
desenvolvimento daquelas que já existem. Nosso objetivo deve ser criar uma situação em que a
educação esteja livre de todas as formas de financiamento e controle estatais. No ínterim,
enquanto as escolas públicas e privadas coexistem, as escolas cristãs devem ser encorajadas a
resistir a toda interferência estatal no seu trabalho e a recusar todo apoio estatal na forma de
subvenções, etc. As escolas e os pais cristãos não devem depender de forma alguma do
financiamento estatal.

(2) O papel da igreja em circunstâncias normais


Nem a igreja é a instituição ordenada por Deus responsável pela educação dos filhos em
primeiro lugar. Mais uma vez, devemos enfatizar que a educação é responsabilidade da família, e
portanto os pais devem obter serviços oferecidos por escolas privadas que proporcionem uma
educação consistente com os ensinamentos da fé cristã ou devem proporcioná-la aos filhos por
meio do ensino domiciliar (home schooling). O papel principal da igreja é o ministério da
Palavra e dos sacramentos. Como regra geral a igreja não deve, em circunstâncias normais,
financiar ou subsidiar a educação dos filhos.[69]

Evangelismo e assistência da igreja

Há, entretanto, duas exceções a essa regra geral em que a educação pode estar sob a tutela devida
da igreja no exercício de seu ministério: (1) parte do ministério da igreja é ajudar os pobres e
necessitados e curar os enfermos. Assim, a igreja tem um papel de assistência a desempenhar na
ajuda aos necessitados. É preciso enfatizar, contudo, que o papel da igreja como distribuidora de
assistência está relacionado aos necessitados, os pobres e desamparados, e àqueles que são
incapazes de ajudar a si próprios. O papel da igreja nesta área é de natureza caritativa. A
educação, como um aspecto da assistência, pode ocasionalmente estar sob a responsabilidade do
ministério da igreja nesta área.
Há três maneiras em que a igreja pode proporcionar isso: primeiro, podem ser
estabelecidas escolas patrocinadas por igrejas e escolas geridas por igrejas. Isso pode ocorrer no
contexto de um ministério mais amplo para os necessitados, como lares para órfãos, para mães
solteiras desamparadas, para famílias genuinamente vivendo na pobreza, etc. Assim, orfanatos e
escolas de igreja podem trabalhar juntos no contexto do ministério geral da igreja. Em segundo
lugar, a igreja poderia fornecer bolsas de estudo a escolas cristãs independentes para as crianças
de famílias necessitadas. Em terceiro, empréstimos sem juros poderiam ser concedidos às
famílias necessitadas, permitindo-lhes assegurar a educação dos filhos, seja através de escolas
cristãs pagas, seja por meio do ensino domiciliar. Por exemplo, quando um aperto financeiro
exige que ambos os pais trabalhem, mas o rendimento ainda é insuficiente para permitir o
pagamento das mensalidades escolares, um empréstimo sem juros poderia ser feito para colocar a
criança numa escola cristã ou permitir que um dos pais ficasse em casa para realizar o ensino
domiciliar. Os pais decidiriam de acordo com as suas circunstâncias e capacidades qual seria o
melhor curso de ação. Este tipo de empréstimo deveria ter um limite máximo de quitação de sete
anos, após o que qualquer dívida pendente deveria ser cancelada (veja Êx 22.25, Lv 25.35-36, Dt
23.19-20 e Dt 15.1-11).
Onde os filhos ainda fazem parte da família — isto é, não são órfãos — essa terceira
opção é provavelmente uma forma melhor de prestar ajuda do que simplesmente dar escolaridade
gratuita ou bolsas de estudo, pois confere a responsabilidade pela educação dos filhos aos pais, a
quem cabe o dever, em vez de desobrigá-los de sua responsabilidade. A igreja então fornece
ajuda, mas, ao remover da órbita das decisões e ações dos pais o mínimo possível da
responsabilidade pela educação dos filhos, fortalece a estrutura familiar e a autoridade parental
em vez de enfraquecê-la. Um requisito para esses empréstimos seria as escolas escolhidas
funcionarem com base numa filosofia e prática cristãs de educação, ou, feita a opção pelo ensino
domiciliar, a escolha do currículo e dos materiais utilizados ser consistente com uma visão cristã
da educação. As escolas geridas por igrejas e as bolsas de estudo diretas seriam então reservadas
aos órfãos.
Embora essa seja a forma preferível de a igreja fornecer ajuda às famílias necessitadas, o
curso real da ação tomada seria determinado pelas circunstâncias específicas das necessidades
familiares individuais, e as igrejas teriam de determinar por si mesmas qual a melhor maneira de
agir à luz dessas circunstâncias. Não estou defendendo que esta seja uma regra rígida e fixa, mas
simplesmente apontando o que considero ser a melhor opção de modo geral. Cheguei a essa
conclusão levando em conta primordialmente a capacitação da família para o cumprimento, tanto
quanto possível, de suas responsabilidades dadas por Deus, em vez de retirar delas essas
responsabilidades. A caridade cristã deve sempre visar ao restabelecimento da situação normal.
(2) A igreja também tem um ministério de evangelismo e obra missionária, e às vezes a
provisão de educação também pode estar sob o ministério da igreja nessa área. Numa situação
missionária, a provisão de educação é um aspecto legítimo e necessário da tarefa de
evangelização realizada pela igreja.
Essas duas exceções à situação normal aludem respectivamente ao crente e ao incrédulo.
A provisão de assistência onde a família é incapaz de manter-se é uma função legítima da igreja
no seu ministério aos crentes. A provisão do mesmo a não crentes também é legítima no contexto
mais amplo do ministério de evangelismo da igreja (toda provisão de assistência a não crentes
pela igreja deveria estar ligada a essa missão evangelística, já que essa caridade é um meio de
vivenciar a fé e o testemunho prático da salvação do homem em Jesus Cristo).

A situação normal

Em condições normais, entretanto, a família deve prover e pagar a educação de seus próprios
membros. Condições normais, aqui, significa a família não ser necessitada ou demasiado pobre
para poder sustentar-se e onde a igreja não esteja envolvida em obra missionária. Portanto, em
condições normais, a educação cristã deve ser disponibilizada através da educação domiciliar ou
por escolas particulares cristãs pagas. Neste último caso, porém, a educação não deixa de ser
responsabilidade da família nem pode o dever dos pais tampouco ser abdicado em favor da
escola. As escolas cristãs particulares simplesmente fornecem um serviço que os pais adquirem
como parte do exercício de sua responsabilidade. A obrigação de assegurar que tais serviços
estejam em conformidade com a filosofia e prática cristãs de educação ainda cabe aos pais, que
têm a responsabilidade final pela educação de seus filhos perante Deus.

(3) O papel da igreja em circunstâncias especiais


Até agora estive considerando a situação que deveria existir em circunstâncias normais. Coloca-
se agora a questão de saber se a existência de circunstâncias anormais modifica isso e, em caso
afirmativo, em que medida? Especificamente, será que a situação que enfrentamos hoje na Grã-
Bretanha, e na verdade nas sociedades ocidentais em geral, constitui circunstâncias anormais
suficientes para levar a igreja ao papel de fornecer educação cristã de qualquer outra forma que
não a acima exposta? Antes de responder a essa questão, considerarei primeiro brevemente a
situação que enfrentamos neste país.

A situação atual
Na Grã-Bretanha, todos os contribuintes são obrigados a pagar pela oferta de educação pública
através dos seus impostos, quer usem o sistema, quer não. A despeito da exigência legal das
assembleias cristãs e da estipulação da Lei de Reforma Educacional de 1988 de que a educação
religiosa nas escolas públicas deva “refletir principalmente as tradições religiosas cristãs”, o tipo
de educação fornecido pelo sistema público não é cristão, por mais que se faça um esforço de
imaginação; de fato, o etos predominante é o do humanismo ateísta. Não é possível, portanto, aos
pais cristãos cumprir as suas responsabilidades educacionais segundo os critérios bíblicos se
enviam seus filhos a escolas públicas, mesmo tendo sido forçados a pagar pelo sistema público
através de seus impostos — nem tampouco é possível fazerem isso do ponto de vista do ensino
da Bíblia sobre política e economia, mas deixarei isto de lado aqui, uma vez que minha principal
preocupação é estritamente com o aspecto educacional da questão.
Além do mais, como indicado acima, o sistema público reduziu significativamente as
opções disponíveis para os pais que buscam educação privada para seus filhos ao excluir do
mercado a maioria de seus concorrentes privados. A oferta de educação pública gratuita, sem
ônus para o usuário final, tem significado que poucas escolas particulares conseguem existir
tendo condições de oferecer um serviço com preço suficientemente baixo para motivar a maioria
das pessoas a utilizá-lo.[70] Só os membros mais ricos da sociedade podem dar-se ao luxo de
educar seus filhos em escolas públicas e particulares sem fazer um sacrifício financeiro
significativo que impacta a vida familiar noutras áreas.
Uma proporção significativa das receitas fiscais locais e nacionais é utilizada para financiar
a educação pública, e não há reembolso de impostos para aqueles que não utilizam o sistema
público. Há nesta situação um duplo aguilhão para os cristãos que querem educar seus filhos fora
do sistema público: primeiro, têm de pagar em dobro, na verdade, pela educação de seus filhos e,
segundo, são forçados a subsidiar a educação dos filhos das outras pessoas em termos de uma
filosofia de educação com a qual não concordam e uma cosmovisão religiosa — o humanismo
secular — na qual não acreditam e com dinheiro que deveria estar disponível para financiar, de
acordo com as suas crenças, a educação de seus próprios filhos. Esta situação representa uma
injustiça fundamental perpetrada pela própria instituição que, acima de todas as outras, tem a
responsabilidade dada por Deus de defender a justiça e punir a irregularidade: o Estado. Assim,
ao aventurar-se ilegitimamente na área do bem-estar social, o Estado não apenas excedeu sua
autoridade, como distorceu sua própria função devida de ministro da justiça. O resultado é que
os cristãos são forçados a subsidiar um sistema pagão de educação e também financiar a
educação cristã para os seus próprios filhos. E isto ocorre numa situação em que a prevalência do
socialismo tornou a sociedade mais pobre em geral, havendo portanto, no todo, menos
rendimento disponível para os pais cristãos proverem a educação dos filhos do que seria o caso
sob a organização da sociedade no modelo cristão alternativo.
As questões que devemos agora responder são as seguintes: primeiro, isso constitui uma
situação especial? Em segundo, se constitui, até que ponto modifica o papel normal que a igreja
deve desempenhar? Em particular, o fato de o Estado ser capaz de subsidiar seu programa de
educação com receitas fiscais ― ou seja, roubo ― justificaria o subsídio da educação cristã pela
igreja numa escala maior que a estabelecida acima em circunstâncias normais? Dito de outra
forma, poderíamos perguntar: será que a situação atual, em que o Estado saqueia ilegitimamente
os recursos que são necessários à família para garantir sua própria subsistência de acordo com os
princípios bíblicos não leva efetivamente essas famílias, que normalmente não seriam
consideradas pobres ou em situação de pobreza, para a categoria dos necessitados, colocando-as
assim na órbita do ministério assistencial da igreja? Em terceiro, será que a existência de uma
educação financiada pelo Estado, que tem subsidiado e promovido a repaganização da nossa
sociedade em vasta escala e contribuído para o declínio da cultura cristã e sua influência na
sociedade, não significa que o atual estado das coisas constitui uma situação missionária?

Uma resposta provisória


A solução a este problema ― vale dizer, se e até que ponto a igreja deve estar envolvida na
oferta de educação cristã em circunstâncias anormais ― não é simples, e talvez seja sensato
considerar a resposta à qual chegamos como, em certa medida, provisória. Aqui, mais uma vez,
pode acontecer de não se conseguir estabelecer regras rígidas e rápidas e, devido a uma
variedade de circunstâncias individuais, o problema poder ser resolvido por diferentes pessoas e
diferentes igrejas de diferentes maneiras.
Minha opinião é que a resposta é “sim” a todas as três questões até certo ponto, mas não
em todas as situações e para todas as pessoas. A resposta, parece-me, será determinada em
grande parte pelas circunstâncias individuais das famílias e igrejas envolvidas. Acho difícil dar
um “sim” sem reservas, embora ao mesmo tempo pareça bastante óbvio que em muitos aspectos
a situação atual constitui circunstâncias especiais.
Se respondermos “não” a essas questões, os pais cristãos simplesmente terão de lutar
para fornecer uma educação cristã aos filhos por meio de escolas particulares pagas ou pelo
ensino domiciliar, e a igreja apenas intervirá para ajudar onde há pobreza e dificuldades. Se
respondermos “sim”, haverá muito mais opções abertas à comunidade cristã. O financiamento da
educação cristã será considerado um uso legítimo dos fundos de dízimo pelas igrejas e
indivíduos, e assim as escolas financiadas por igrejas e escolas geridas por igrejas, bem como as
escolas cristãs independentes sustentadas por dízimos, tornar-se-ão uma alternativa ao sistema
público assim como as escolas particulares pagas e a educação domiciliar. Isso provavelmente
resultará numa participação bem maior na escolaridade cristã do que seria o caso de outra forma
e não apenas por razões financeiras ― o sentimento de segurança nos números é um fator
psicológico real para muitos que não são pioneiros naturais e que hesitariam, portanto, em se
lançar por conta própria em um programa de educação domiciliar, por exemplo.
Talvez deva ser observado aqui que, assim como as escolas geridas por igrejas, as
escolas cristãs particulares que dependem de doações para manter o seu trabalho têm com efeito
respondido positivamente a essa questão, uma vez que essas escolas são financiadas não apenas
pelo pagamento de taxas ou doações dos pais ― que normalmente respondem por menos da
metade dos fundos necessários ―, mas pelo uso do dinheiro do dízimo, que deve ser usado para
o ministério cristão, e por doações feitas por aqueles que consideram a escola uma causa digna
de caridade.
Caso se decida que as circunstâncias atuais constituem uma situação especial para os pais
cristãos, é importante que vejamos isso como uma situação temporária e trabalhemos para mudar
essas circunstâncias o mais rapidamente possível. As escolas geridas e escolas financiadas por
igrejas devem provavelmente esforçar-se para se tornar, assim que puderem, escolas particulares
que operem independentemente do financiamento e controle da igreja.

Oportunidades missionárias
À luz da rápida deterioração da educação pública, tanto em termos de padrões acadêmicos
quanto da disciplina, a situação atual apresenta à igreja um valioso terreno missionário e uma
oportunidade para alcançar os não crentes e seus filhos através de escolas cristãs e escolas
religiosas; e esta oportunidade provavelmente aumentará significativamente no futuro próximo.
As igrejas e instituições de caridade cristãs devem considerar seriamente as possibilidades de
missão através da oferta de educação cristã. A educação dos filhos dos não crentes, entretanto,
não deve ser subsidiada pelo dízimo ou fundos da igreja, a menos que haja genuína pobreza; e
então essas ofertas realizadas pela igreja devem estar vinculadas a um acordo de que aqueles que
recebem a ajuda frequentem a igreja com seus filhos. Isso pode ser mais difícil de implementar
onde as escolas religiosas são financiadas em parte por taxas e em parte por subsídios
provenientes dos fundos da igreja. Em tais casos, as vagas nas escolas deveriam ser oferecidas
primeiro aos pais cristãos e, depois, havendo vagas disponíveis, aos não crentes que desejassem
matricular nelas seus filhos; mas, novamente, deveria haver alguma estipulação de que os pais e
os filhos frequentassem a igreja.
Nos casos em que os pais não crentes estejam preparados para pagar as taxas integrais,
essa estipulação de frequência à igreja pode não ser possível ou aconselhável, embora os pais não
crentes ainda possam ser incentivados a frequentar a igreja. Esses pais estariam enviando seus
filhos às escolas cristãs por perceberem que a educação pública está fracassando e deixando de
proporcionar uma educação decente aos filhos. Eles valorizam mais a qualidade da educação
fornecida pelas escolas cristãs do que a sua descrença. É aqui que o pragmatismo dos não crentes
pode levar a uma vantagem missionária para a igreja, já que seus filhos, através da frequência às
escolas cristãs, ficariam sob a influência da cosmovisão cristã; e isso até certo ponto daria frutos,
a despeito do ateísmo dos pais.
Quando uma escola cristã privada independente oferece empréstimos ou bolsas de estudo
a não crentes, deve naturalmente exigir a frequência à igreja por parte dos pais e filhos. Se um
empréstimo ou bolsa de estudos é concedido por uma igreja a uma escola independente, isso
naturalmente também se aplicará.
(4) O principal papel da igreja na educação
Por fim, são necessárias algumas palavras sobre o papel da igreja no ensino da Palavra de Deus à
congregação. Faz parte da responsabilidade e do ministério da igreja ensinar e encorajar seus
membros a iniciarem a reconstrução cristã da nossa sociedade em todas as áreas da vida.
Quaisquer que sejam as decisões tomadas sobre o papel da igreja na educação e a validade das
escolas religiosas e escolas independentes sustentadas por dízimos em oposição às escolas
particulares pagas, é evidente que a educação é o ponto alto na batalha do cristão contra o
humanismo hoje; portanto, é de vital importância que a igreja reconheça e cumpra a sua
responsabilidade de pregar sobre a necessidade da educação cristã e instrua os membros nas suas
responsabilidades perante Deus de educar os filhos em conformidade com a aliança sob a qual
eles foram redimidos. E a igreja deve encorajar e apoiar aqueles que já começaram a tarefa, seja
nas escolas particulares cristãs, seja em casa.
Infelizmente, em vez de apoio e encorajamento, muitos que buscam uma educação cristã
para seus filhos são condenados ao ostracismo dentro das congregações, particularmente nas
igrejas reformadas e evangélicas, e criticados tanto por pastores quanto por membros. Que tais
coisas aconteçam é uma acusação terrível contra o ministério da igreja. Os pastores que se
comportam assim devem considerar a advertência da Escritura: “Maldito aquele que fizer a obra
do SENHOR relaxadamente!” (Jr 48.10).
A igreja, e particularmente a liderança na igreja, deve apoiar e encorajar a educação
cristã. Em particular, deve ficar claro do púlpito que a educação pública ateísta não é uma opção
para os pais cristãos e que colocar os filhos em tais instituições é uma negação da fé e traição a
Deus. A igreja, portanto, deve ativamente promover a filosofia e prática cristã da educação como
a única forma válida e obediente de os pais cristãos educarem seus filhos na fé. Este deve ser o
ensinamento contínuo da igreja, quer seja numa situação missionária, quer não, pois é um
princípio permanente da fé cristã que nossos filhos sejam criados e educados na disciplina e
instrução da fé cristã. É da maior importância que a igreja lembre aos cristãos as suas
responsabilidades e encoraje constantemente a fidelidade nessa área.
O principal papel da igreja na educação, portanto, dá-se através do ministério de ensino
da Palavra de Deus. Somente quando a igreja começar a cumprir seu chamado, que foi dado por
Deus, de ensinar aos membros seu dever nesta área é que começaremos a ver uma mudança
significativa na prática da comunidade cristã em geral. Até lá, a prática da educação cristã
continuará a ser a atividade de uns poucos empenhados com espírito pioneiro e motivação para
se lançar ao mar de um mundo hostil contra a maré de uma igreja apóstata. Para os poucos que o
fazem, porém, o remanescente dos fiéis, há a certeza da vitória final, não obstante as dificuldades
da atual tempestade. Esta fé é aquela que, contra todas as probabilidades, vence o mundo (1Jo
5.4).

Conclusão
Nosso objetivo deve ser trabalhar no sentido de estabelecer a situação normal descrita acima,
reconhecendo ao mesmo tempo que a realidade da situação atual pode necessitar de medidas
especiais para possibilitar que os pais cristãos proporcionem uma educação piedosa aos filhos. O
estabelecimento de escolas religiosas e de escolas cristãs independentes financiadas por dízimos
pode ajudar a nos mover no sentido de uma mudança nos padrões gerais de oferta de educação
entre os cristãos — e provavelmente também até certo ponto entre os não cristãos, no futuro
próximo — que sejam mais consistentes com princípios e critérios bíblicos. Quer sejam adotadas
escolas religiosas e escolas financiadas por dízimos, quer não, nosso objetivo deve ser
estabelecer uma filosofia e prática cristã alternativa de educação e disponibilizá-la tão
amplamente quanto possível. Antes de isso poder acontecer, contudo, a igreja e particularmente
sua liderança devem mudar de atitude e os pastores começarem a ensinar, para as suas
congregações, a necessidade da educação cristã. Com comprometimento, motivação e fé em
Deus, em cujo trabalho estamos engajados, podemos ter certeza de que prevaleceremos, pois a
Escritura nos diz que chegará um tempo em que “a terra se encherá do conhecimento do SENHOR,
como as águas cobrem o mar” (Is 11.9).
Apêndice A. A Escritura e as alianças
Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme
a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles
anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é a aliança que firmarei
com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração
lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.
(Jeremias 31.31-33)

É um fato triste que muitos cristãos professos hoje não levam a sério a maior parte da Escritura.
Três quartos da Bíblia foram relegados à virtual obscuridade, a saber, o Antigo Testamento. É
comum a opinião de que os ensinos do Antigo Testamento foram suplantados pelos ensinos do
Novo e, portanto, não são mais aplicáveis à vida cristã. A doutrina do Antigo Testamento,
particularmente a lei, é vista como inadequada e bárbara ou pelo menos imprópria para os termos
modernos. Essa atitude não se limita aos cristãos nominais, que frequentam a igreja todas as
semanas por hábito, senso de dever ou por um desejo de manter a tradição. Nem é uma atitude
que encontramos apenas entre os elementos teologicamente liberais da vida da igreja. O fato é
que essa visão da Escritura tem tido uma forte influência sobre os elementos supostamente
reformados e evangélicos dentro de nossas igrejas. Eu iria ainda mais longe e diria que, para
vergonha dos ditos evangélicos, essa atitude é cada vez mais um traço característico do
evangelicalismo moderno.
Naturalmente, a maioria dos evangélicos negaria isso e afirmaria defender a visão ortodoxa
tradicional da infalibilidade de toda a Escritura. Mas essa isenção de responsabilidade é, em
grande parte, meramente uma defesa da boca para fora da doutrina da autoridade plena da
Escritura. Na prática, a história é muito diferente. Na prática, a Escritura é frequentemente
abandonada em favor da sabedoria dos homens. Embora isto seja especialmente verdade no que
se refere aos ensinos do Antigo Testamento, não é incomum no que se refere aos ensinos do
Novo Testamento. Essa tendência pode ser observada em todos os aspectos da vida cristã hoje.
Individualmente e na organização e funcionamento da maioria das igrejas, tanto administrativa
quanto pastoralmente, a fidelidade à Escritura está em baixa. A maioria dos cristãos
provavelmente teria dificuldade em pensar em uma igreja hoje que não esteja no meio de algum
tipo de crise ou controvérsia debilitante ― seja devido a problemas disciplinares e de
personalidade, seja devido simplesmente a um mau governo da igreja por presbíteros e pastores
negligentes pouco talhados para a tarefa de liderança.
Deve ser dito que essa situação deplorável se resume em grande parte à falta de vontade de
muitos cristãos em levar a sério a Palavra de Deus na sua totalidade. De fato, não é incomum
encontrar tanto os presbíteros quanto a congregação em aberta rebelião contra a Palavra de Deus,
mostrando desrespeito e até mesmo desdém pelo ensino claro da Escritura. No entanto, para que
uma igreja seja edificada corretamente, ela deve ser edificada sobre o fundamento da Palavra de
Deus. Se abandonarmos esse fundamento, tanto no plano individual quanto corporativo, nas
nossas relações uns com os outros e na vida da igreja, o resultado será inevitavelmente o juízo. O
estado da igreja na Grã-Bretanha hoje é um testemunho vívido desta verdade. A condição
espiritual da igreja hoje em nossa nação é alarmante, e isso é um juízo sobre nós por causa da
nossa infidelidade à Palavra de Deus. E a principal responsabilidade por esta situação é daqueles
que ocupam posições de liderança.
Por causa da gravidade dessa situação, é vital que compreendamos e apreciemos a
importância da adesão à Escritura. No que se refere ao Novo Testamento, penso que a maioria
dos cristãos concordaria aqui. Em princípio ― embora certamente nem sempre na prática ― o
Novo Testamento é aceito como nosso guia pela maioria dos cristãos, quando menos por aqueles
que se denominam reformados ou evangélicos. É quanto às escrituras do Antigo Testamento que
o problema é mais agudo. Muitos simplesmente não acreditam que o Antigo Testamento seja
importante. Ele é lido geralmente com o propósito de ilustração ou analogia; ou então seus
ensinamentos são espiritualizados. A aplicação da escritura do Antigo Testamento é
praticamente inexistente na maioria das igrejas hoje.
Sendo este o caso, considerarei aqui em termos bastante gerais: 1. O que o Novo
Testamento tem a dizer sobre a natureza dos escritos do Antigo Testamento. 2. Por que as
escrituras do Antigo e do Novo Testamento devem ser vistas como um todo. 3. O que toda a
Escritura contém, e 4. Por que é tão importante que compreendamos e apliquemos à nossa vida e
cultura os ensinamentos de toda a Escritura, incluindo o Antigo Testamento.
1. A visão que o Novo Testamento tem da escritura do Antigo Testamento. Que percepções
podemos obter sobre a natureza e validade perene do Antigo Testamento a partir dos escritos do
Novo Testamento?
Em primeiro lugar, fica bastante claro, mesmo a partir de uma leitura apressada do Novo
Testamento, que ele foi escrito do começo ao fim na perspectiva do Antigo Testamento. Os
escritores do Novo Testamento estavam imersos nas escrituras do Antigo. Eles assumiam a
validade, autoridade e confiabilidade desses escritos e os citavam livremente. Indubitavelmente,
consideravam as escrituras do Antigo Testamento inspiradas por Deus e, portanto, infalíveis.
Assim, o apóstolo Pedro escreve: “Sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da
Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por
vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito
Santo” (2Pe 1.20-21).
Em segundo, os autores do Novo Testamento consideravam as escrituras do Antigo
Testamento uma revelação da graça de Deus suficiente para levar os homens à salvação por meio
da fé em Cristo. O apóstolo Paulo escreve a Timóteo: “Tu, porém, permanece naquilo que
aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes
as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm
3.14-15). Essas escrituras não apenas são suficientes para levar os homens à fé em Cristo, como
também aptas para nos treinar e equipar com o ensino e a orientação necessários para uma vida
de retidão e boas obras, pois Paulo segue a dizer: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17). As
escrituras às quais Paulo está aqui se referindo são mui obviamente aquelas do Antigo
Testamento. Os primeiros cristãos não tinham um Novo Testamento. Sua Bíblia consistia
inteiramente nas escrituras do Antigo Testamento e seu respeito pela autoridade desses escritos é
indiscutível.
Estes argumentos por si só deveriam ser fortes o bastante para nos livrar de qualquer ideia
de que os escritos do Antigo Testamento são de pouca importância. Mas há mais.
Em terceiro lugar, e mais importante, o próprio Cristo validou as escrituras do Antigo
Testamento e declarou em termos inequívocos que a sua autoridade era permanente:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em
verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo
se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos
homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será
considerado grande no reino dos céus. (Mt 5.17-19)

Cristo ensina aqui, de maneira bastante clara, que a lei e os profetas têm validade permanente. Os
ensinamentos deles, portanto, são aplicáveis a nós hoje não menos do que àqueles que viveram
antes de Cristo. A fé cristã é aqui firmemente estabelecida pelo próprio Cristo sobre as escrituras
do Antigo Testamento.
Assim, os autores do Novo Testamento consideravam os escritos do Antigo Testamento de
origem divina, infalíveis e, portanto, dotados de autoridade para a era cristã.
Em quarto lugar, na sua segunda epístola, o apóstolo Pedro fala daqueles que deturpam as
Escrituras para a sua própria destruição (2Pe 3.16). É preciso dizer aqui que a excessiva
espiritualização do Antigo Testamento, tão comum hoje, não faz justiça ao seu conteúdo. O
Antigo Testamento simplesmente não é esse tipo de documento. As escrituras do Antigo
Testamento são textos muito concretos e realistas. Não foram escritos para serem
espiritualizados. O caráter terreno do Antigo Testamento nem sempre aparece na tradução com a
mesma força que tem na língua original. A língua e o conteúdo dessas escrituras frequentemente
têm um impacto bruto que não conseguimos apreciar pela leitura de muitas de nossas traduções,
especialmente traduções modernas. Espiritualizar o Antigo Testamento é na verdade esvaziá-lo
do seu verdadeiro conteúdo. Além do mais, essa espiritualização era estranha à cosmovisão da
nação hebraica daquela época. O tipo de espiritualização praticado hoje teria sido estranho à
mente hebraica; ler portanto o Antigo Testamento dessa maneira é perder o significado do que
ele está dizendo.
Isso não quer dizer que o Antigo Testamento não seja útil para fins de ilustração e
analogia. Mas ele não deve ser visto apenas nestes termos. Seus ensinamentos são adequados
para a aplicação concreta em nossos tempos. Uma compreensão adequada dos ensinamentos do
Antigo Testamento é vital se quisermos recuperar aquela cosmovisão verdadeiramente bíblica
que é indispensável para uma reconstrução eficaz e contínua de nossa vida, igreja e nação em
termos da fé cristã.
2. A unidade da Escritura. As Escrituras contêm o desdobramento progressivo da
revelação especial redentora de Deus. Essa revelação encontra seu desfecho no evangelho de
Jesus Cristo. Mas a revelação da graça salvadora de Deus em Jesus Cristo pressupõe a revelação
que antecedeu a Cristo e, como temos visto, Cristo confirmou esta revelação e deu testemunho
de sua validade permanente. Assim, a revelação de Deus deve ser vista como um todo; e, porque
as Escrituras são o registro escrito inspirado dessa revelação, as próprias Escrituras devem ser
vistas como um todo.
É da maior importância, portanto, que não dividamos as Escrituras em partes que ainda são
válidas e outras que não o são; ou que façamos distinções injustificadas e forçadas entre elas.
Cristo aceitou as escrituras do Antigo Testamento e viu a sua própria obra como nosso redentor
como a continuação e cumprimento dos ensinamentos delas. A lei e os profetas foram o
fundamento sobre o qual ele construiu, e isso acontece porque são a lei e os profetas que falam
das coisas relativas a Cristo (Lc 24.27). Diminuir os ensinamentos do Antigo Testamento é,
portanto, diminuir os ensinamentos e a obra do próprio Cristo.
As Escrituras são um todo, compreendendo o Antigo e o Novo Testamento, cada parte
encontrando seu pleno significado somente em relação ao esquema total da revelação bíblica. Em
nossa interpretação de qualquer parte da Escritura, portanto, devemos ser guiados pelos
ensinamentos de toda a Escritura. Somente ao aplicar esta regra à nossa leitura da Escritura é que
seremos capazes de evitar o erro de nos desviar para ensinos desequilibrados e antibíblicos.
3. O conteúdo pactual da Escritura. As Escrituras contêm a doutrina da aliança e a história
da aliança. A aliança é a maneira de Deus se relacionar com a humanidade. O homem é uma
criatura pactual e seu relacionamento com Deus ocorre sempre em termos de uma aliança.
Essa aliança pode ser e tem sido descrita como um tratado.[71] Ao descrever a aliança como
um tratado, contudo, deve-se tomar cuidado para não dar a impressão de que ela é resultado de
um processo de negociação em que Deus e o homem chegam a um tipo de acordo no que diz
respeito aos seus respectivos direitos e reivindicações uns contra os outros. Tal processo pode ser
uma característica dos tratados que os homens fazem entre si, mas há uma diferença essencial
entre os tratados dos homens e a aliança que Deus estabeleceu com o seu povo.[72] A aliança não
é um tratado negociado entre Deus e o homem; é um fato da criação, e os termos da aliança são
definidos e firmados pela autoridade divina somente. O homem foi criado como um ser pactual e
não pode ser definido adequadamente senão em termos de seu relacionamento pactual com Deus.
O homem pode aceitar ou rejeitar os termos da aliança, mas não pode escapar do fato da aliança
nem de sua criação como um ser pactual. Em outras palavras, pode ser um guardador da aliança
ou um violador da aliança, mas seu relacionamento com Deus é inescapavelmente pactual e ele
deve arcar, na vida e na morte, com as consequências de sua resposta a essa aliança.
O conceito de aliança é central para o ensino da Bíblia. Sem compreender e apreciar o
significado da aliança, não conseguiremos compreender a Bíblia. As Escrituras não podem ser
compreendidas adequadamente senão em termos da aliança. A aliança define a relação que existe
entre Deus e o homem e, assim, também a relação que existe entre o homem e o resto da criação.
A primeira relação é expressa na Escritura em termos como “andarei entre vós e serei o vosso
Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv 26.12, cf. 2Co 6.16); a última, em termos de domínio, como
por exemplo “sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a” (Gn 1.28). Os termos da
aliança regulam ambas as relações. Assim, a aliança abrange toda a vida do homem.
A aliança que Deus estabeleceu com seu povo é uma aliança de graça e na qual se entra,
portanto, pela fé somente. Isso vale para os tempos do Antigo Testamento assim como vale hoje.
O Antigo Testamento não estabelece uma aliança de salvação pelas obras. Não menos que o
cristão hoje, o crente do Antigo Testamento era salvo pela graça por meio da fé. Contudo, estar
sob uma aliança de graça — em outras palavras, ser salvo pela graça ― significa estar sob a lei
dessa aliança como um modo de vida; e isso é assim hoje como era nos tempos do Antigo
Testamento.
O Antigo Testamento nos dá a história dos acordos pactuais de Deus com o seu povo antes
de Cristo. Também firma os termos, ou lei, dessa aliança para todos os tempos, e Cristo
confirmou isso quando disse que não veio abolir a lei, mas fazê-la abundar (Mt 5.17). O Novo
Testamento nos mostra como a aliança é aplicada na era cristã. Mas é a mesma aliança renovada
em Cristo.
O conceito de aliança é algo que permeia toda a Escritura. Deus estabeleceu sua aliança
com os patriarcas e, depois deles, com sua posteridade; libertou o povo de Israel da escravidão
no Egito e deu-lhes a sua lei no monte Sinai. Mas com o passar do tempo o povo voltou as costas
para Deus e desprezou sua lei. Praticaram idolatria e quebraram a aliança que seus antepassados
haviam firmado. O resultado foi julgamento, pois a lei da aliança estabelece bênçãos e promessas
para os fiéis e maldições e juízos para os infiéis e rebeldes (Dt 28).
Todavia, Deus preservou um remanescente fiel do seu povo para que o propósito de Deus
pudesse ser estabelecido e suas promessas cumpridas; e depois restabeleceu ou renovou sua
aliança com esse remanescente fiel. Desta forma, a única aliança de graça redentora foi renovada
com as gerações seguintes, quando estas perceberam que haviam pecado e se afastado de seu
Deus e posteriormente se voltaram para ele com fé e arrependimento.
Essa renovação da aliança com sucessivas gerações dá a impressão de várias alianças; e
evidentemente, em certo sentido, é correto dizer que houve várias alianças — por exemplo, as
alianças abraâmica, mosaica, davídica, etc. No entanto, estas são alianças distintas apenas em
forma, não em substância. São renovações da única aliança sob a qual Deus redime o seu povo
pela sua livre graça e estabelece seu governo entre elas. A nova aliança, da qual fala Jeremias no
capítulo 31, é a renovação final dessa aliança de graça redentora em Jesus Cristo, para quem
todas as alianças anteriores haviam apontado e em quem elas encontram o seu verdadeiro
significado e propósito.
Objeção. Pode-se objetar aqui que, se a aliança nova ou cristã é a mesma que prevaleceu
nos tempos do Antigo Testamento, por que ela é chamada de nova aliança nas Escrituras, e em
que sentido é nova?
Existem, é claro, diferenças e ajustes significativos entre as antigas e as novas alianças; e
todos giram em torno do fato de que a figura central da única aliança eterna de graça redentora,
Jesus Cristo, veio agora em carne e realizou a obra de redenção na história. Essas diferenças são
importantes, e é vital que as compreendamos. Mas devemos também lembrar que a substância ou
conteúdo da aliança permanece a mesma; é apenas a forma que mudou. A aliança nova ou cristã,
portanto, é a renovação da mesma aliança de graça redentora que prevaleceu nos tempos do
Antigo Testamento.
Entretanto, o fato de Jesus Cristo ter agora vindo em carne e realizado a redenção do seu
povo na história significa que a aliança cristã é uma nova aliança num sentido bastante especial.
Existem quatro maneiras pelas quais a aliança cristã pode ser considerada uma aliança nova ou
melhor.
A primeira diferença se relaciona com o fato de que com a vinda de Cristo há uma
revelação plena do propósito redentor de Deus: “No passado, Deus falou muitas vezes e de várias
maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas, nestes últimos dias, nos falou por
meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas” (Hb 1.1-2).
O propósito redentor de Deus foi revelado progressivamente em todo o período da história
do Antigo Testamento. A revelação não foi dada de uma só vez, mas desdobrou-se gradualmente
a partir da promessa de libertação dada a Adão após a Queda, a saber, que a semente da mulher
esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15, ARC). Há aqui uma promessa de libertação, mas a
forma e os meios pelos quais essa libertação seria realizada estão quase totalmente velados. Esta
promessa é como uma semente da qual cresce o propósito redentor de Deus. À medida que a
história se desdobra, há também um desdobramento da revelação da graça redentora de Deus até
que finalmente, com a vinda de Cristo, temos a plena revelação da graça salvadora de Deus.[73] A
revelação cessou após a era apostólica, portanto, uma vez que em Jesus Cristo o propósito
redentor de Deus é plenamente revelado.
A aliança cristã, portanto, é caracterizada pela plena revelação do propósito redentor de
Deus em Jesus Cristo. O véu foi levantado. Vemos mais claramente que os patriarcas e os
profetas, e o cânon da Escritura está fechado porque a revelação que Deus fez de si mesmo e de
sua graça salvadora é revelada plenamente em Jesus Cristo.
A segunda maneira na qual a aliança cristã é uma aliança nova ou melhor tem a ver com a
lei sacrificial da antiga aliança. A lei sacrificial regulava os sacrifícios e as cerimônias que
ocorriam sob a antiga aliança. Ela estabelecia a necessidade de um ato de expiação antes de o
pecado poder ser perdoado. Especificava o que era aceitável como oferta e regulava a maneira
como essa oferta deveria ser feita. Também especificava quem poderia oficiar essas cerimônias,
a saber, os sacerdotes.
Esses sacrifícios, assim como o sacerdote que os administrava, tipificavam Cristo. Na
epístola aos Hebreus nos é dito que “é impossível que o sangue de touros e de bodes remova
pecados” (Hb 10.4). Não eram os sacrifícios desses animais, portanto, que removiam os pecados
das pessoas, mas o fato de que eles prefiguravam e, assim, encontravam seu verdadeiro
significado em Cristo, cujo único ato de expiação remove os pecados. Pela fé eles receberam a
promessa de Cristo e sua obra de expiação, e portanto o perdão dos pecados, embora isso lhes
tenha sido administrado sob a forma de uma sombra ou tipo do Cordeiro de Deus.
É, sem dúvida, verdade que a obra expiatória de Cristo na cruz era velada nessas
cerimônias e sacrifícios e que, portanto, as pessoas não viam claramente aquilo a que essas
cerimônias e sacrifícios apontavam. Todavia, o fato de que a plena revelação da graça salvadora
de Deus em Jesus Cristo não se mostra presente até ele vir como homem e habitar entre nós não
altera a substância ou conteúdo da revelação anterior; e o que é exigido do povo de Deus é a
obediência que brota da fé em Deus ― quem unicamente estipula o que é um sacrifício aceitável
pelo pecado. Sem fé esses sacrifícios não significavam nada. A salvação não vinha pelas obras
da lei aos crentes do Antigo Testamento mais do que aos cristãos hoje. A salvação sempre foi
pela graça e somente pela graça de Deus em Cristo por meio da fé. A diferença entre o crente do
Antigo Testamento e o crente do Novo Testamento está apenas no fato de que, antes da
encarnação de Cristo, seu sacrifício expiatório pelo pecado era apresentado e administrado de
forma velada sob os sacrifícios e cerimônias que formam o conteúdo da lei sacrificial.
Agora que Cristo veio e realizou sua obra de redenção na história, esses sacrifícios foram
cumpridos em seu único ato de expiação na cruz. O sacerdócio que administrava esses sacrifícios
também foi cumprido em Cristo. Seu único ato de expiação e reconciliação tem validade
permanente. A observação das cerimônias e sacrifícios cessou agora, portanto. Mas a substância
da lei sacrificial ainda é válida, a saber, que “sem derramamento de sangue, não há remissão”
(Hb 9.22). A diferença agora é que Cristo derramou seu sangue de uma vez por todas. O
propósito ou significado da lei sacrificial foi assim finalmente realizado na morte de Cristo.
Desde a vinda de Cristo, portanto, a lei sacrificial é observada apenas quando olhamos para
Jesus Cristo em fé e colocamos nossa confiança no seu sacrifício expiatório pelos pecados em
nosso favor. Assim, a substância ou conteúdo das alianças no que diz respeito à necessidade de
uma expiação para o perdão dos pecados e a reconciliação com Deus é a mesma, mas na aliança
cristã a eficácia daquele que faz a expiação é nova e eterna.
Em terceiro, embora a substância da nova aliança seja a mesma da antiga, desde a vinda de
Cristo e o derramamento do Espírito Santo no Pentecostes a dinâmica é nova. Os profetas
haviam prometido que chegaria um tempo em que Deus derramaria seu Espírito sobre toda a
humanidade. Joel diz:
E acontecerá, depois disso, que derramarei o meu Espírito sobre toda a humanidade. Os filhos e as filhas
de vocês profetizarão, os seus velhos sonharão, e os seus jovens terão visões. Até sobre os servos e sobre
as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias… E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do
SENHOR será salvo. (Jl 2.28-32, NAA)

Isaías diz: “minha salvação está prestes a vir, e a minha justiça, prestes a manifestar-se” (Is 56.1).
Evidentemente, há muitas outras profecias dizendo a mesma coisa. A vinda de Cristo foi o
grande evento que os profetas do Antigo Testamento haviam esperado. Agora que Cristo havia
chegado, todas essas profecias estavam se cumprindo. E, com a plena revelação da graça de Deus
em Jesus Cristo, surgiu uma nova dinâmica e um derramamento, maior do que nunca antes, do
Espírito de Deus. A nova aliança se caracteriza, portanto, por uma manifestação nova e mais
poderosa do Espírito Santo, embora a substância da aliança permaneça a mesma.
A quarta diferença entre a antiga e a nova aliança resulta diretamente da terceira, a saber,
que o propósito da maior manifestação do Espírito na era cristã é capacitar o povo de Deus a
pregar o Evangelho com ousadia e, assim, fazer a aliança transcender os limites da nação de
Israel para todo o mundo.
Antes de Cristo, Israel era a única nação da aliança. É claro que indivíduos das nações
gentias podiam converter-se e se convertiam ao judaísmo, e era responsabilidade dos judeus
proclamar e dar testemunho da mensagem de salvação que lhes havia sido confiada (Rm 2.19-20,
3.2), porque Deus havia escolhido e designado Israel para ser luz para as nações gentias (Is 42.6).
Mas Israel era a única nação em aliança com Deus. Desde Cristo, porém, isso havia mudado. A
aliança agora é para todas as nações. A grande comissão que Cristo deu aos seus discípulos
confirma isso. Cristo nos ordenou: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-
os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). A tradução inglesa deste
versículo, contudo, não transmite realmente o verdadeiro significado. Temos a tendência de ler
uma frase assim como se dissesse: “Ide, portanto, fazei discípulos dentre todas as nações”. Isso
ocorre porque a língua inglesa não tem um verbo que signifique fazer um discípulo de.[74] O
grego contudo tem, e a frase “todas as nações” é o objeto direto deste verbo. Em outras palavras,
Cristo está aqui comissionando seus seguidores a fazer discípulos das nações em si e não
simplesmente discípulos dentre as nações. A aliança, portanto, não se limita mais a Israel; é para
todas as nações como nações.
Mais uma vez, a substância da aliança permanece a mesma, mas na era cristã o escopo e a
aplicação da aliança são novos. Todas as nações devem ser agora reivindicadas para Cristo e
disciplinadas sob o seu governo e autoridade. Os reinos do mundo devem se tornar o reino de
nosso Senhor e do seu Cristo (Ap 11.15).
Assim, para resumir: a aliança é um contrato ou tratado vinculativo entre Deus e a
humanidade que define a relação do homem com Deus e com o resto da criação, com a seguinte
qualificação: que para o homem a aliança existe em virtude de sua criação à imagem de Deus,
isto é, ela é um fato de sua condição de criatura e não um acordo que o homem celebra como
parte autônoma e anuente. Esta aliança vincula todos os homens e, através do homem, toda a
criação. Pelo seu pecado, o homem quebrou a aliança, mas isso não altera a natureza pactual da
vida, e portanto ele ainda deve enfrentar as consequências do seu relacionamento rompido com
Deus. Após a queda, Deus redimiu seu povo por sua livre graça e deste modo restabeleceu ou
renovou sua aliança com eles. Essa relação renovada de aliança é iniciada pela fé, resultando em
arrependimento ― isto é, no afastamento do pecado ― e na obediência à vontade de Deus
conforme estabelecida na lei pactual. A nova aliança é a renovação em Jesus Cristo daquela
única aliança de graça redentora que prevaleceu desde a Queda e da promessa de libertação dada
a Adão no jardim do Éden, mas é uma aliança nova ou melhor em quatro aspectos significativos:
(1) em Cristo temos a plena revelação do propósito redentor de Deus, (2) a lei sacrificial foi
cumprida e aperfeiçoada na morte de Cristo como uma expiação pelo pecado e, portanto, não
deve mais ser observada, (3) desde o Pentecostes e o derramamento do Espírito, a dinâmica é
nova e muito maior do que nunca antes, e assim (4) o escopo da aliança é agora muito mais
amplo, como nunca antes, abrangendo o mundo inteiro e todas as nações da terra.
Também é preciso dizer aqui que a novidade da aliança cristã não afeta a validade
permanente dos termos da aliança, ― isto é, a lei ― uma vez que é apenas a forma da aliança
que foi mudada e não a substância dela. Cristo não revogou a lei. Em princípio, a lei sacrificial
não foi revogada, foi consumada na obra de Cristo na cruz, e esta é a razão por que os rituais
sacrificiais do Antigo Testamento não devem mais ser observados. A substância da lei sacrificial
foi colocada em vigor permanentemente pela morte de Cristo, e isso resultou numa mudança na
forma de sua observância ― isto é, nós agora olhamos somente para Jesus Cristo e sua morte na
cruz como a propiciação pelos nossos pecados e, portanto, o meio pelo qual somos reconciliados
com Deus. Em outras palavras, nós agora observamos a lei sacrificial em Cristo somente. Assim,
a cruz, em vez de anular a lei, testifica a sua validade permanente. Cristo veio e morreu pelo
pecado precisamente porque a lei não podia ser anulada; e ao fazê-lo estabeleceu a sua
inviolabilidade. A lei de Deus, portanto, deve ser nosso guia para a vida hoje assim como o foi
para a nação de Israel muito tempo atrás.
4. O objetivo da aliança. Por que tudo isso é tão importante? É realmente necessário saber
tudo isso para viver a vida cristã? A resposta é sim. Não é necessário saber tudo isso para
simplesmente se tornar cristão, mas é necessário para viver consistentemente como cristão.[75] O
que quero dizer com isso?
Diz-se que é possível ter uma alma salva e uma vida desperdiçada. Isso não apenas é
possível, como infelizmente é um fato na vida de muitos cristãos hoje. Isso ocorre porque a
salvação é vista hoje principalmente em termos de uma experiência pessoal privada ou, na
melhor das hipóteses, como uma experiência ou modo de vida confinado aos limites da igreja
institucional. Mas esta é uma visão seriamente distorcida da fé cristã tal como apresentada na
Bíblia. É uma visão que tem tornado a comunidade cristã totalmente impotente e irrelevante na
nossa sociedade hoje; deve, portanto, ser desafiada e rejeitada se quisermos viver
consistentemente como cristãos.
A fé cristã é um modo total de vida. É um modo de pensar e viver que abrange todos os
aspectos da vida e do ser do homem. Se pretendemos vivenciar essa fé na totalidade da nossa
vida, devemos compreender o que as Escrituras têm a dizer sobre como devemos viver. Isso nos
traz de volta à aliança. Não podemos escapar da aliança. O cristianismo é a aliança. A vida da fé
gira em torno da aliança. Por quê?
A aliança é o plano de Deus para a vitória. No que consiste essa vitória? É a redenção
deste mundo caído. Essa redenção foi realizada definitivamente na morte e ressurreição de
Cristo. Mas essa vitória no Calvário deve ser agora concretizada na história, na vida do povo de
Deus. Somos ordenados a reivindicar o mundo para Cristo. O apóstolo Paulo diz:
Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não
são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que
se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo.
(2Co 10.3-5)

Esse é o mandato que Deus deu ao seu povo. Devemos sujeitar o mundo ao governo de Cristo.
Esse é o objetivo, o propósito que a aliança apresenta diante de nós. Essa aliança é uma aliança
de graça, ou seja, um relacionamento estabelecido na obra redentora de Jesus Cristo e no qual se
entra somente pela fé; mas é também uma aliança de domínio em Jesus Cristo. Em outras
palavras, fomos salvos pela graça por meio da fé para que pudéssemos subjugar a terra para a
glória de Deus. A vitória já foi conquistada. Resta agora ao povo de Deus concretizar essa vitória
na história.
Assim, a aliança nos dá uma meta, um propósito para viver, qual seja, o domínio em
Cristo. Mas também nos dá um meio de alcançar essa meta, a saber, a lei. É a lei que nos guia e
instrui sobre como devemos viver, tanto como indivíduos quanto como sociedade. Somos salvos
pela graça de Deus para que possamos viver para Cristo. A lei nos mostra como devemos viver
para Cristo e, assim, como devemos alcançar o domínio ao qual somos chamados em Cristo. Ao
aplicar a lei de Deus à nossa vida e nossa sociedade, daremos início a um processo de reforma ou
reconstrução em nosso país.
Isso deve começar conosco, com nossa própria vida e aqueles por quem somos
responsáveis perante Deus. Mas deve ir além do pessoal e abarcar também as dimensões sociais
da vida e, assim, finalmente abarcar a totalidade da vida e da sociedade em todo o mundo. Somos
ordenados a ir por todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Mc 16.15). Desta forma,
o reino de Deus crescerá e o governo de Cristo será estendido por toda a terra.

Conclusão
A vitória de Cristo no Calvário é concretizada na história à medida que as nações são
evangelizadas e colocadas sob a disciplina de Cristo. Esta é a Grande Comissão para a qual o
povo de Deus foi chamado. Mas não podemos esperar cumprir essa missão se não buscarmos
compreender e aplicar as escrituras do Antigo e Novo Testamentos, porque são estas escrituras
que apresentam a aliança sob a qual Deus se determinou a redimir o mundo. Sem um
crescimento em nosso conhecimento dos ensinos das Escrituras e um compromisso com eles,
seremos, na melhor das hipóteses, almas salvas com vidas desperdiçadas.
Volto agora para onde comecei, com as escrituras do Antigo Testamento. As escrituras do
Antigo Testamento são vitais para a vida cristã porque apresentam os termos, ou a lei, da aliança
sob a qual fomos redimidos e agora vivemos. O Novo Testamento pressupõe a validade
permanente das doutrinas do Antigo Testamento; e a nova aliança em Jesus Cristo só pode ser
entendida adequadamente em termos da perspectiva dessas escrituras.
É impossível, portanto, viver consistentemente como cristãos e cumprir nossa Grande
Comissão de fazer discípulos de todas as nações se não estivermos preparados para estudar e
aplicar à nossa vida e nossa sociedade os ensinos do Antigo Testamento e a lei da aliança que ele
estabelece para todas as nações.
Apêndice B. Culto e domínio

Somos ensinados na Escritura por nosso Senhor que aqueles que adoram a Deus “[devem adorar]
em espírito e em verdade” (Jo 4.23). É de fundamental importância, portanto, que
compreendamos a verdadeira natureza da adoração que Deus exige de nós.
Em hebraico, as duas palavras básicas para adoração são shachah, que significa “prostrar-
se, humilhar-se”, e habad, que significa “servir, trabalhar para”. Shachah é equivalente à palavra
grega proskuneo, traduzida como “adoração” em João 4.23, e é um ato físico de inclinar ou
curvar-se em humildade. Com referência a Deus é sem dúvida totalmente inútil, a menos que
simbolize uma submissão humilde e voluntária a Deus e à sua vontade.
O termo habad tem um escopo bem mais amplo, pois inclui a totalidade da vida e das
ações do homem. Significa o serviço que Deus requer do homem. É significativo que o
substantivo habodah também significa “móveis”. Isso pode parecer estranho, mas a lógica é
bastante simples e instrutiva. Os móveis servem a um propósito, e esse propósito é determinado
por quem os cria. Eles são criados totalmente para uso e serviço do homem. Os móveis existem
meramente para servir o homem e as suas necessidades e, portanto, não têm um propósito fora da
vontade e controle de quem os possui ou utiliza. Da mesma forma, o homem foi criado para
servir a Deus de acordo com a sua vontade. A vida do homem é totalmente abrangida pela
vontade soberana de Deus. Nenhum homem tem um propósito legítimo fora do desígnio de
Deus, e virar as costas para Deus e buscar uma vida de autonomia é tornar-se alguém sem
propósito, sem verdadeiro significado na vida. É tornar-se o refugo da criação; e é apropriado
que a morada eterna daqueles que buscam essa vida de autonomia seja descrita no Novo
Testamento como Geena, uma vez que Geena era um depósito de lixo nos arredores de
Jerusalém onde todos os tipos de lixo, incluindo criminosos mortos e ídolos quebrados, eram
queimados ― a palavra Geena é traduzida como “inferno” na Versão Autorizada. O propósito
legítimo do homem está inteiramente associado à vontade de Deus; e no cumprimento desse
propósito o homem serve, ou trabalha, ou cultua através do seu serviço e trabalho, o Deus que o
criou. Assim, negar Deus e seu propósito para o homem é fazer de si um habitante de Geena.
A natureza do culto que Deus requer do homem é explicada com mais clareza no Novo
Testamento pelo apóstolo Paulo, quando escreve: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias
de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o
vosso culto racional” [algumas traduções dizem “culto espiritual”] (Rm 12.1). A palavra
traduzida aqui como “serviço” é latreia, que significa primeiramente “serviço” e depois “serviço
divino” ou “culto”.[76] É essa a palavra usada para traduzir habodah na tradução Septuaginta do
Antigo Testamento. Assim, o apóstolo estabelece a natureza básica do culto ao chamar atenção
para o fato de que o verdadeiro culto é um serviço inteligente e racional prestado a Deus pelo
homem como um todo. Isso tem implicações importantes.
Primeiro, o caráter básico do culto é o serviço, não a experiência. Nem shachah nem
habad, nem seus equivalentes no Novo Testamento, referem-se a uma experiência ou a um
estado emocional subjetivo da mente. Ambos se referem à submissão do homem a Deus, o
primeiro no ato de curvar-se a Deus em adoração e humildade como uma expressão de
deferência e submissão ao seu senhorio e soberania, o último numa vida de serviço e obediência
a Deus. Culto é serviço, não experiência.
Em segundo lugar, o culto abrange a totalidade da vida. Devemos tornar nosso corpo —
vale dizer, todo o nosso ser e não apenas a mente ou espírito — um sacrifício santo a Deus em
todas as coisas. O corpo está envolvido na totalidade da vida. Assim, com tudo o que somos e em
tudo o que fazemos e pensamos, devemos servir a Deus segundo a sua vontade. Qualquer que
seja o campo de estudo em que estejamos engajados, qualquer que seja a nossa vocação, o que
quer que façamos em nosso tempo livre, devemos servir a Deus segundo a sua vontade; e
somente ao fazer isso é que estaremos prestando a Deus o verdadeiro culto que ele exige de nós.
Ao reduzir o significado do culto ao que acontece na igreja aos domingos, os cristãos
tornaram a religião cristã irrelevante para a vida, e consequentemente a igreja se tornou
irrelevante como força cultural na sociedade. Prevaleceu assim um conceito de fé essencialmente
monástico. De maneira similar, os pietistas enxergam o culto meramente como algo feito pelo
homem interior, enquanto na Bíblia o culto é algo feito pelo homem no seu todo, durante todo o
curso de sua vida; abrange a totalidade de sua vida e seu ser, nos pensamentos e nas ações.
Assim, em terceiro, o culto na igreja, ou serviço religioso dominical, é apenas um aspecto
do culto que Deus exige de seu povo, embora seja essencial e de vital importância. Na igreja, o
povo de Deus se envolve coletivamente em louvor, oração, ação de graças e recebe ensino e
instrução da Palavra de Deus. Também são recebidos os sacramentos do batismo e da santa ceia.
Todos estes são elementos importantes na vida cristã, mas não constituem a totalidade do culto
que Deus requer de nós; e, quando existem apenas por si mesmos, como um evento realizado
para ter efeito uma vez por semana, temos uma indicação clara na Escritura de que Deus
considera inaceitável esse tipo de culto da boca para fora. O que fazemos no serviço religioso
dominical, portanto, é real e válido apenas no contexto mais amplo de uma vida de culto, isto é,
de serviço a Deus.
Em quarto lugar, somos informados de que o culto que Deus exige de nós deve ser um
culto racional. A palavra traduzida aqui como “racional” (logikos) vem do mesmo grupo de
palavras do qual obtemos as palavras lógica [substantivo] e lógico [adjetivo]. Isso precisa ser
especialmente lembrado nos dias de hoje, quando a natureza do culto é vista quase totalmente
como de caráter emocional e desprovida de conteúdo racional. Esse culto não é aceitável a Deus.
Somos ordenados a amar o Senhor nosso Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e
de todo o nosso entendimento (Mt 22.37); em outras palavras, com a totalidade de nosso ser.
Toda a natureza e curso da nossa vida, incluindo o culto coletivo aos domingos, deve ser um
serviço religioso racional a Deus. Assim, tentar cultuar a Deus numa língua desconhecida, seja
através da participação na Missa Tridentina, seja no “falar em línguas”, é uma contradição do
primeiro e maior mandamento, conforme exposto por nosso Senhor.
Isso não significa que devemos idolatrar o intelecto; mas tampouco devemos negligenciá-
lo. Nosso intelecto foi dado por Deus e devemos usá-lo da melhor maneira possível, com todas
as nossas forças, no serviço religioso a Deus, assim como devemos submeter nossa vida
emocional ao serviço de Deus. Nem a idolatria nem a negligência são a abordagem correta para a
nossa mente, como cristãos. O cristianismo não é uma religião do coração; nem é uma religião da
cabeça. É uma religião do homem integral que exige o uso total da vida e ser do homem no
serviço a Deus. Assim, prestar um culto — em nossa vida diária ou no serviço religioso coletivo
na igreja — que não seja racional é oferecer a Deus menos do que ele requer de nós.
Em quinto, o exercício do domínio em Cristo, uma vez que é essencial para o cumprimento
do mandato da criação dado ao homem e, portanto, o propósito de Deus ao criar o homem, é um
ato de culto. Somos chamados a dedicar nossa vida e nossas vocações ao serviço de Deus de
acordo com seu propósito revelado para a sua criação. Este é o mandato da criação ou mandato
cultural do homem, dado primeiro em Gênesis 1.28 e renovado e reafirmado pelo nosso Senhor
Jesus Cristo em Mateus 28.19-20. Este mandato é a ordem de exercer domínio em nome do
Senhor e, assim, de sujeitar todas as coisas, todo pensamento e prática do homem e todos os
aspectos do mundo que ele foi incumbido de governar, a Jesus Cristo. O exercício do domínio
em Cristo é, por conseguinte, um elemento essencial do serviço que Deus requer do homem.
Deixar de buscar esse domínio em Cristo significa deixar de prestar a Deus o culto que ele requer
do homem por meio de uma vida de total serviço a Deus em sua vontade revelada para a criação.
É deixar de glorificar a Deus da maneira que ele exige; e é prestar um culto inferior a quem exige
e de maneira legítima reivindica toda a nossa vida para o seu serviço.
O exercício do domínio em Cristo é, portanto, uma parte importante do culto que Deus
exige do seu povo. Assim, em Salmos 149.5-9, o culto e o domínio estão inextricavelmente
ligados:

Exultem de glória os santos,


no seu leito cantem de júbilo.
Nos seus lábios estejam os altos louvores de Deus,
nas suas mãos, espada de dois gumes,
para exercer vingança entre as nações
e castigo sobre os povos;
para meter os seus reis em cadeias
e os seus nobres, em grilhões de ferro;
para executar contra eles a sentença escrita,
o que será honra para todos os seus santos.
Aleluia!

Segundo os tradutores da Bíblia de Genebra (1560), este salmo é “uma exortação à igreja para
louvar o Senhor pela vitória e conquista que dá aos seus santos contra todo o poder do homem”.
Referindo-se ao versículo 7 nos é dito que “isto é consumado principalmente no reino de Cristo,
quando o povo de Deus, por causas justas, executa o juízo de Deus contra os inimigos dele”. Os
puritanos falavam, evidentemente, no contexto de uma civilização cristã. Eles compreendiam que
a vitória da Igreja Cristã deve levar a uma civilização cristã e ao estabelecimento da justiça de
Deus em toda a terra.
Este é o futuro pelo qual trabalha o cristão ao servir ao seu Senhor aqui na terra. O
Evangelho deve ser pregado em todo o mundo. A vitória é certa, pois Deus deu as nações por
herança ao seu Filho (Sl 2.8-12); haverá aumento do seu governo e a paz não terá fim (Is 9.7).
Como povo de Deus, temos um papel glorioso no plano de Deus para a criação e aguardamos
ansiosamente a vitória que é sua, e através de Cristo também nossa, tanto aqui na terra como na
ressurreição. Nossa participação no propósito de Deus para a sua criação, e portanto na sua
vitória e conquista sobre o pecado e o mal, é o serviço que Deus requer de nós; e é a totalidade
desse serviço que constitui o verdadeiro culto que Deus exige do seu povo.
Em sexto lugar, isso tem implicações de longo alcance para a educação. Somos ensinados
nas Escrituras que nossos filhos devem ser criados na disciplina e na admoestação do Senhor (Ef
6.4). Poucos cristãos duvidariam de que isso envolve ensinar nossos filhos a cultuar a Deus de
acordo com a sua Palavra. Se quiserem crescer na graça e na fé, nossos filhos devem
compreender a natureza do culto que Deus requer do homem. Mas muitos não percebem que o
culto que Deus exige do seu povo é muito mais que o louvor coletivo na congregação aos
domingos e a busca de uma vida devocional privada. Cultuar a Deus significa a pessoa laborar
ou trabalhar para Deus e seu propósito em todo o curso de sua vida. A menos que procuremos
servir a Deus, trabalhar para Deus, em tudo o que fizermos, buscando o domínio que ele requer
do seu povo, não estaremos cultuando a Deus de acordo com a sua Palavra.
Além disso, se não educarmos nossos filhos para o domínio, não os estaremos educando
para o culto no sentido mais amplo e, deste modo, estaremos impedindo-os de chegar a Deus em
Cristo (Lc 18.16). Toda a vida do homem deve ser um culto de adoração a Deus, e portanto as
crianças devem ser educadas para trabalhar para Deus, laborar “como ao Senhor”, em todas as
coisas (Ef 6.5-7). Isso exige uma educação baseada na disciplina e aprendizagem piedosas em
todas as coisas, todos os aspectos da vida, todas as disciplinas acadêmicas, etc.
Uma educação verdadeiramente cristã, portanto, é muito mais ampla que a ideia tradicional
de “educação religiosa” ensinada na maioria das escolas do nosso país. Não é um só assunto que
trata de um aspecto particular da vida, mas abrange a totalidade da vida. Pois em todo o curso de
nossa vida, e em tudo o que fazemos, devemos servir ou trabalhar para Deus e, deste modo,
cumprir o propósito para o qual ele nos criou e redimiu em Jesus Cristo. Somente então ao
trabalhar para Deus, em todas as coisas, poderemos cultuar a Deus de acordo com a sua Palavra;
e, portanto, somente ao educar nossos filhos em conformidade com isso, poderemos prepará-los
para uma vida de serviço e culto.
O culto que Deus exige do seu povo requer a oferta de uma educação piedosa para os
nossos filhos, isto é, de uma educação baseada na disciplina piedosa e na aprendizagem piedosa
em todas as disciplinas acadêmicas. O domínio para o qual somos chamados como povo de
Deus, e portanto o culto que devemos oferecer ao nosso Redentor, necessita desse processo de
disciplina e aprendizagem piedosas; e negá-lo aos nossos filhos significa recusar-se a cultuar a
Deus de acordo com a sua Palavra, significa impedi-los de fazerem isso também e, portanto,
significa apostasia da fé.
Bibliografia
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R. J. Rushdoony, The Messianic Character of American Education (Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1963).
R. J. Rushdoony, The One and the Many (Fairfax, VA: Thoburn Press, [1971] 1978).
S. L. Jaki, Science and Creation: From eternal cycles to an oscillating universe (Edimburgo: Scottish Academic Press, 1986).
William Boyd, The History of Western Education (Londres: Adam and Charles Black, [1921] 1966).
Leitura adicional

Cornelius Van Til, Essays on Christian Education (Nutley, NJ: P&R Publishing, [1971] 1977).
David B. Cummings (org.), The Basis for a Christian School (Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1982).
David B. Cummings (org.), The Purpose of a Christian School (Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1979).
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Foundation, P. O. Box 158, Vallecito, California 95251).
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Louis Berkhof e Cornelius Van Til (organizado por Dennis E. Johnson), Foundations of Christian Education (Phillipsburg, NJ:
P&R Publishing, 1990).
R. J. Rushdoony, A filosofia do currículo cristão (Brasília, DF: Monergismo, 2017). Tradução Felipe Sabino de Araújo Neto e
Márcio Santana Sobrinho.
R. J. Rushdoony, By What Standard? An Analysis of the Philosophy of Cornelius Van Til (Tyler, TX: Thoburn Press, [1958]
1983).
Robert L. Thoburn, The Children Trap: Biblical Principles for Education (Ft. Worth, TX: Dominion Press, 1986).
Samuel L. Blumenfeld, How to Tutor (Boise, Idaho: The Paradigm Company).
Samuel L. Blumenfeld, NEA: The Trojan Horse in American Education (Boise, ID: The Paradigm Company, 1984).
Samuel L. Blumenfeld, The New Illiterates and How to Keep Your Child from Becoming One (Boise, ID: The Paradigm
Company, [1973] 1988).
Acerca do autor

Stephen C. Perks é diretor da Kuyper Foundation. Nascido em Yorkshire, em 1956, hoje vive perto de Taunton, Somerset
(Inglaterra). É editor da revista Christianity & Society, daquela fundação, e já contribuiu com diversos artigos sobre vários
assuntos para revistas da Europa e dos EUA. Suas palestras, proferidas em conferências em países europeus, EUA, Austrália,
Nova Zelândia e África, abrangem temas diversificados, incluindo teologia e cosmovisão cristã, economia, política, educação,
história jurídica e música. É convidado com frequência para participar de programas de rádios locais e lida com diversas questões
éticas contemporâneas.
Seu ministério tem o foco particular de promover a cosmovisão cristã, aplicar a fé cristã às questões sociais e políticas
enfrentadas pela igreja e pela sociedade no mundo contemporâneo, e desafiar os ídolos intelectuais, políticos e culturais
predominantes na vida moderna ocidental. Perks já foi descrito como o “missionário da cosmovisão”. Ordenado ministro do
Evangelho e evangelista em 1990 (presbiteriano), hoje é membro da Igreja da Inglaterra. É autor de diversos livros, dentre eles A
adoração a Baal, A grande descomissão e O problema do “orador talentoso”, todos publicados pela Editora Monergismo.

[1]
Pelo muito que tenho a dizer aqui sobre epistemologia e por minha compreensão desse assunto em geral, estou em dívida com
os escritos de Cornelius Van Til. Entretanto, uma vez que a maioria dos seus livros não possui um índice ― e, mesmo havendo,
normalmente não é exaustivo ―, fui incapaz de fornecer referências específicas aos seus escritos quanto a algumas das ideias que
expressei; portanto, este reconhecimento genérico deve bastar. Para aqueles que desejam se aprofundar no assunto, os seguintes
três livros de Cornelius Van Til são excelentes pontos de partida: A Survey of Christian Epistemology, The Defense of the Faith e
A Christian Theory of Knowledge, todos publicados pela P&R Publishing.
[2]
Escrevendo sobre a secularização da ciência, afirma Herman Dooyeweerd: “O novo ideal da ciência secularizou o motivo
bíblico da criação. O poder criativo foi atribuído ao pensamento teorético, ao qual foi dada a tarefa de demolir metodicamente as
estruturas da realidade, tais como dadas na ordem divina da criação, para criá-las novamente, teoreticamente, à própria imagem
dele.

“A afirmação orgulhosa de Descartes, repetida por Kant, ‘Dê-nos material e construiremos um mundo para você’, e a afirmação
de Thomas Hobbes, de que o pensamento teorético pode criar exatamente assim como Deus, são ambas inspiradas pelo mesmo
motivo humanístico, o motivo da liberdade criativa do homem concentrado no pensamento científico” (The Secularization of
Science [Memphis, TN: Christian Studies Centre, 1954], p. 19).
[3]
A diferença entre essas duas abordagens pode talvez ser resumida dizendo que essa verdade é para o cristão o ponto de partida
mais próximo no ato de conhecer, enquanto para o humanista é o ponto de partida último.
[4]
Assim, afirma Van Til: “Em oposição a esse tipo de deus que surge do princípio do homem autônomo está o Deus da
Escritura. Ele se apresenta na Escritura como aquele em termos de quem o próprio homem deve renunciar à sua autonomia e
permitir-se ser interpretado por Deus. Em outras palavras, a Escritura apresenta Deus como último. Consequentemente, a
Escritura se apresenta como o princípio final pelo qual todas as coisas devem ser medidas. Os deuses produzidos pelo
pensamento do homem à parte da Escritura são ídolos. Apegar-se a qualquer deus assim é quebrar o primeiro mandamento do
Deus da Escritura” (A Christian Theory of Knowledge [Nutley, New Jersey: P&R Publishing, 1969], p. 224).
[5]
Van Til expõe assim a questão: “De acordo com a Escritura, Deus criou o ‘universo’. Deus criou o tempo e o espaço. Deus
criou todos os ‘fatos’ da ciência. Deus criou a mente humana. Nessa mente humana, Deus estabeleceu as leis do pensamento
segundo as quais ela deve operar. Nos fatos da ciência, Deus estabeleceu as leis do ser de acordo com as quais eles funcionam.
Em outras palavras, o carimbo do plano de Deus está em toda a criação. “Podemos caracterizar toda essa situação dizendo que a
criação de Deus é uma revelação de Deus. Deus se revelou na natureza e Deus também se revelou na mente do homem. Assim, é
impossível que a mente do homem funcione exceto numa atmosfera de revelação. E todo pensamento do homem, quando
funcionasse normalmente nessa atmosfera de revelação, expressaria a verdade tal como estabelecida na criação por Deus.
Podemos, portanto, chamar a epistemologia cristã de epistemologia revelacional” (A Survey of Christian Epistemology
[Phillipsburg, New Jersey: P&R Publishing, 1969], p. 1).
[6]
Essas ideias filosóficas foram descritas por Herman Dooyeweerd em Raízes da cultura ocidental: as opções pagã, secular e
cristã (Cultura Cristã, 2015), No crepúsculo do pensamento ocidental: estudo sobre a pretensa autonomia do pensamento
filosófico (Monergismo, 2018), e The Secularization of Science, citado acima.
[7]
Terreno comum não deve ser confundido com graça comum. Por causa da graça comum de Deus para a humanidade, o
incrédulo compreende, até certo ponto, o mundo em que vive e é capaz de chegar à verdade no que concerne a muitos aspectos da
realidade. Mas, como argumentei acima, isso ocorre apesar e não por causa dos pressupostos básicos que governam o seu
pensamento. Em outras palavras, o incrédulo é inconsistente com sua própria epistemologia, e a razão disso é que ele foi criado à
imagem de Deus e é incapaz de negar ou desfigurar totalmente essa imagem. De fato, é só por causa de sua criação à imagem de
Deus que o incrédulo pode funcionar como um ser humano racional, mesmo quando usa todos os seus poderes como ser racional
para negar seu criador ― isto é, quando tenta usar argumentos racionais para negar a existência do Deus da Escritura. O fato de
que a imagem de Deus no homem não foi totalmente obliterada pela queda e, portanto, o fato de que o incrédulo ainda é capaz de
chegar a certo grau de verdade a respeito do mundo em que vive é um aspecto da graça comum de Deus para a humanidade; mas
isso não significa que existe, em termos de uma epistemologia consistente de qualquer das partes, qualquer terreno comum entre
o crente e o incrédulo relativamente a qualquer aspecto ou fato da realidade.
[8]
Karl R. Popper, Conjecturas e refutações, trad. Sérgio Bath (Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 2008), p. 208.
[9]
Citado em ibid., p. 209.
[10]
Ibid.
[11]
Para considerar a filosofia subjacente a essa polarização, veja R. J. Rushdoony, The One and the Many, Studies in the
Philosophy of Order and Ultimacy (Fairfax, Virginia: Thoburn Press, 1978).
[12]
Ibid., p. 368.
[13]
R. J. Rushdoony, Revolt Against Maturity, A Biblical Psychology of Man (Fairfax, Virginia: Thoburn Press, 1977), p. 6 s.
[14]
Essa mentalidade também desempenhou um grande papel no crescimento do socialismo e do estatismo em geral, uma vez
que é através da promessa de tal estilo de vida que os políticos socialistas recrutam seus eleitores. A salvação pela política, em
que o proletariado é libertado das responsabilidades e fardos da vida pela burocracia estatal, é uma força motriz básica da
ideologia socialista. Nessa perspectiva, a responsabilidade equivale ao mal, e a “justiça social” — a versão socialista da salvação
— é, em parte, a libertação dos problemas e demandas da vida adulta. Os socialistas não conseguem compreender, entretanto, que
liberdade sem responsabilidade é puro sonho e que a real consequência da abdicação da responsabilidade para o Estado é a
escravidão.
[15]
Stanley L. Jaki, Science and Creation: From eternal cycles to an oscillating universe (Edimburgo: Scottish Academic Press,
1986). Porém, o conceito de tempo linear não deve ser visto como o único conceito distintamente bíblico que foi necessário para
o desenvolvimento da ciência moderna. Efetivamente, ele constitui uma precondição intelectual necessária para os esforços do
homem para desenvolver e controlar o mundo natural. Juntamente com o conceito de tempo linear, as doutrinas bíblicas do
mandato cultural e da validade do domínio do homem sobre a terra foram igualmente importantes. Ambos os conceitos são
conceitos peculiarmente bíblicos, e essa é preeminentemente a razão por que o progresso científico é produto de uma matriz
cultural especificamente cristã e tem acompanhado a difusão da civilização cristã. Em contraste com essa ênfase bíblica no
domínio legítimo avançando ao longo do tempo para um resultado definido está o paganismo, em que o homem tenta melhorar
suas condições de vida, quer buscando um domínio ilegítimo sobre os outros através do uso da força, por ex. fascismo e
comunismo, quer através do controle do mundo espiritual por meio de magia, por ex. animismo, hinduísmo, etc. Essas duas
abordagens diferentes da condição do homem produzem civilizações radicalmente diferentes, cujas características gerais podem
ser vistas comparando-se as sociedades do primeiro e terceiro mundos.
[16]
Herman Hoeksema, Dogmática reformada, vol. 1, trad. Valter Graciano Martins (Brasília, DF: Monergismo, 2023), p. 292.
[17]
R. J. Rushdoony, The Institutes of Biblical Law (Phillipsburg, New Jersey: P&R Publishing, 1973), p. 417.
[18]
Ibid., p. 418.
[19]
Não estou defendendo aqui um governo patriarcal da sociedade — pelo menos não no sentido em que o termo é geralmente
usado. Na Bíblia, a autoridade da família não reina suprema. A família é uma das três instituições principais — sendo a igreja e o
Estado as outras duas. Sua autoridade, como a da igreja e do Estado, é limitada na Escritura e não deve ultrapassar a esfera
legítima de autoridade de qualquer destas outras duas instituições, como nem tampouco devem estas ultrapassar a da família. Não
estou argumentando, portanto, que a autoridade da família deva se estender além de suas fronteiras institucionais, mas
simplesmente que sua influência o faz inevitavelmente, a razão disso sendo que ela é a instituição fundacional da sociedade, a
cuja autoridade Deus confiou as tarefas essenciais do bem-estar, da economia (no sentido mais amplo) e da educação. Ela tem,
portanto, um papel formativo a desempenhar no desenvolvimento do caráter intelectual e moral de seus membros e, por
conseguinte, da sociedade como um todo.
[20]
É verdade que uma tribo, a de Levi, foi apontada como a tribo sacerdotal e recebeu a responsabilidade especial de ensinar a
lei de Deus à nação. Mas os levitas não eram responsáveis pela educação geral das crianças. Em vez disso, eram responsáveis
pela educação religiosa (no sentido mais estrito) da nação. Eles eram análogos aos presbíteros ensinadores que trabalhavam na
Palavra e na doutrina na era cristã (1Tm 5.17).
[21]
Sabedoria de Salomão 7.17-22 (Bíblia de Jerusalém).
[22]
Talmude Babilônico, Kidushin 29a.
[23]
Esses comentários não devem ser tomados principalmente como uma contribuição para o debate entre batistas e pedobatistas
sobre a validade do pedobatismo. Infelizmente, as linhas não são traçadas de maneira tão clara e conveniente. Há batistas que de
fato educam seus filhos na disciplina e admoestação do Senhor, proporcionando-lhes assim uma educação que é fiel à aliança, e
há pedobatistas que claramente não o fazem.
[24]
É preciso enfatizar que essa promessa é feita aos pais cristãos como pais. A ideia de que se pode ter fé pelos filhos, às vezes
defendida como argumento a favor do pedobatismo, é absurda e antibíblica. É evidente que a pessoa só pode ter fé por conta
própria. Nossa fé não pode salvar outra pessoa. Mas a promessa é feita aos pais que são membros da aliança em Cristo. Sua
fidelidade à aliança tem claramente implicações para os filhos que eles representam diante de Deus, não porque possam ter fé em
nome dos filhos, mas porque estão agindo com fé e obediência a uma promessa feita a eles próprios como membros da aliança no
papel de pais. Em outras palavras, a promessa de salvação para os nossos filhos é feita aos pais cristãos no seu papel como pais.
O texto diz: “a promessa é para vocês e para os seus filhos” (NAA). É, portanto, uma promessa feita aos pais cristãos que deve
ser recebida e cumprida com fé pelos pais cristãos; e, por isso, é dever dos pais cristãos batizar seus filhos na fé e criá-los de
acordo.
[25]
Jay E. Adams, Back to the Blackboard: Design for a Biblical Christian School (Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 1982), p.
87 ss.
[26]
Cf. J. E. Adams, op. cit., p. 77 ss. As escolas primárias foram estabelecidas na cultura judaica no início do período pós-
bíblico. Até cerca do final do século II d.C., eram geralmente estabelecimentos privados. Depois disso, tornaram-se intimamente
associadas à sinagoga. Sobre o desenvolvimento da educação primária judaica, veja Nathan Morris, The Jewish School, An
Introduction to the History of Jewish Education (London: Eyre and Spottiswood, 1937).
[27]
Muitos estudiosos parecem assumir que as pessoas comuns na sociedade bíblica eram analfabetas (cf. Morris, op. cit., p. 20-
21 e 45). Porém, essa é uma conclusão precipitada, muito baseada nas percepções do que era provável em termos de modelos
sociológicos modernos. Pelo contrário, é evidente a partir de textos como Dt 6.8-9, 11.20, Is 8.1, 10.19 que a alfabetização era
mais difundida do que muitos estudiosos modernos estão preparados para aceitar. De acordo com A. R. S. Kennedy, “É
impossível hoje estimar de forma exata a extensão em que a educação, conforme testada pela capacidade de ler e escrever, era
comum entre o povo. O padrão de aprendizagem seria naturalmente mais elevado nas cidades que nos distritos rurais e mais
elevado ainda nas cercanias da corte. Contudo, Amós e Miquéias, dentre os profetas letrados, pertenciam às fileiras do povo;
Mesa, rei de Moabe, podia contar com leitores para a estela comemorativa de suas vitórias; os trabalhadores que escavaram o
túnel da nascente da Virgem até o tanque de Siloé esculpiram na rocha o modo do seu trabalho — estes fatos, tomados em
conjunto com mais de uma passagem em Isaías (8.1, 10.19: ‘um menino saberá escrever o número delas’; cf. 29.11-12, a
distinção entre o alfabetizado e o analfabeto), deveriam nos fazer refletir antes de traçarmos demasiado alto a linha do
analfabetismo na escala social” [“Education”, em James Hastings, org., A Dictionary of the Bible (Edimburgo: T. & T. Clark,
1904), vol. I, p. 647a]. Não é absurdo, portanto, suspeitar que a relutância de alguns em aceitar um nível mais generalizado de
alfabetização entre os hebreus desse período se deva mais a um compromisso prévio com a ideia de evolução do que com uma
investigação minuciosa das fontes adequadas nas quais as conclusões da pessoa se baseiam ― a saber, os registros bíblicos e
arqueológicos.
[28]
Veja acima, p. 52 ss.
[29]
R. J. Rushdoony, “Calvinism and Culture”, em Calvinism Today, vol. I, n.º 1 (janeiro de 1991), p. 4a.
[30]
Ibid.
[31] Consulte o apêndice A para uma declaração mais detalhada da natureza da aliança.
[32]
Sobre o papel do homem como profeta, sacerdote e rei, veja R. J. Rushdoony, Salvation and Godly Rule (Vallecito: Ross
House Books, 1983), p. 437 ss.
[33]
Como prova disso, precisamos apenas considerar que Deus deu as nações e os confins da terra como herança ao seu Filho,
que ele as rege com vara de ferro (Sl 2.8-9) e que os filhos de Deus por adoção na família de Deus através da fé em Cristo são
coerdeiros com Cristo e compartilham sua herança e domínio sobre a terra (Rm 8.16-17, Ef 1.5, Mt 5.5).
[34]
R. J. Rushdoony, The Institutes of Biblical Law, p. 766.
[35]
Não pretendo de forma alguma negar ou condenar a capacidade do homem para o pensamento criativo. Este é um aspecto
muito necessário da sua criação à imagem de Deus. Deus é o criador e, portanto, o homem também pensa e age criativamente ao
espelhar Deus na terra. Mas a capacidade criativa do homem não é original; é um atributo comunicável de Deus e, portanto, o
homem cria ao imitar Deus. A vida seria impensável para o homem sem essa capacidade criativa; de fato, deixaria de ser humana,
pois sem os frutos da criatividade do homem sua cultura seria reduzida ao nível da dos animais. O que se nega aqui é que as
habilidades criativas do homem sejam autônomas, originais e, portanto, definitivas da realidade, como os cientistas e filósofos
pagãos nos querem fazer acreditar (veja as citações de Karl Popper e Immanuel Kant na p. 33 ss. Cf. a citação de H. Dooyeweerd
no capítulo um, p. 15n).
[36]
Veja o capítulo 1 para uma discussão de como o incrédulo faz isso involuntariamente, ao basear seu conhecimento em
princípios emprestados de uma compreensão da realidade como criada por Deus, e os resultados disso quando ela entra em
conflito com o princípio da autonomia da razão humana.
[37]
Sobre a natureza e significado da adoração em relação ao mandato de domínio do homem, consulte o Apêndice B.
[38]
Veja o capítulo 6 para uma discussão mais detalhada sobre isso.
[39]
R. J. Rushdoony, “Calvinism and Culture”, em Calvinism Today, vol. I, n.º 1 (janeiro de 1991), p. 4a.
[40]
Um exemplo disso é o caso recente de uma autoridade educacional na Inglaterra que permitiu a colocação em escolas
primárias públicas de um livro que promovia um estilo de vida homossexual como forma moralmente aceitável de vida familiar.
[41]
Evan John Jones e Doreen Valiente, Feitiçaria: tradição renovada, trad. Ângela do Nascimento Machado (Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1992), p. 13.
[42]
Ibid., p. 14.
[43]
Ibid.
[44]
Ibid., p. 24.
[45]
Ibid., p. 12.
[46]
Ibid.
[47]
Ibid., p. 14.
[48]
Veja G. North, Unholy Spirits: Occultism and New Age Humanism (Ft. Worth, TX: Dominion Press, 1986).
[49]
Julian Henriques e William Anderson, “The Green Man: The Reemergence of a vital spirit — Father Earth”, em World
Magazine (novembro de 1990), n.º 43, p. 25.
[50]
Ibid., p. 26.
[51]
Ibid., p. 32.
[52]
A palavra “natureza” aqui significa simplesmente o mundo natural em contraste com o mundo dos assuntos humanos que são
governados pela ética. Neste sentido, natureza é simplesmente outro termo para a criação de Deus. Contudo, o termo é usado por
humanistas e pagãos para significar uma entidade inteligente em si mesma. Assim, os movimentos Verde e da Nova Era
resgataram o conceito de alma mundial que era comum na antiguidade. Na verdade, essa é a decorrência natural da posição deles.
A natureza, para o pagão, é um deus vivo; e o mundo e todas as coisas nele são aspectos desse deus. Essa concepção da natureza
é panteísta e animista; e ela tem um número crescente de seguidores mesmo no Ocidente “científico”, como é evidenciado pelos
movimentos ocultistas e da Nova Era. Para o cristão, esse conceito de natureza é idólatra. A natureza, ou mundo natural, é a arena
de domínio do homem, não de Deus. Portanto, para o cristão a lei natural se referiria simplesmente àquelas causas secundárias
por meio das quais Deus governa o mundo natural, as leis da natureza de Deus, em contraste com a lei ética, que governa a vida
do homem como uma criatura moral responsável perante Deus pelos seus pensamentos e ações.
[53]
P. T. Bauer, Indian Economic Policy and Development (Londres: George Allen and Unwin Ltd., 1961), p. 23-25.
[54]
Ibid., p. 23.
[55]
David Chilton, Productive Christians in an Age of Guilt Manipulators (Tyler, TX: Institute for Christian Economics, 3.ª
edição, 1985), p. 119.
[56]
Ibid.
[57]
P. T. Bauer, op. cit., p. 67.
[58]
Ibid.
[59]
Ibid., p. 23 ss.
[60]
Na Europa, onde tal tirania se concretizou, ela foi concomitante com ideologias que rejeitaram conscientemente a religião
cristã, por ex., o marxismo e, no caso do nazismo, até mesmo um regresso consciente ao paganismo ocultista.
[61]
Não incluo aqui o catolicismo romano no termo “cristianismo”. É evidente que a Igreja Católica Romana hoje é não trinitária
e sincrética na sua essência. De fato, em muitos lugares onde o catolicismo romano floresceu, os nativos simplesmente
acrescentaram o Deus católico romano ao seu panteão de ídolos. Assim, na América Central e do Sul, o catolicismo romano e os
cultos animistas primitivos existem lado a lado e são praticados igualmente pelos nativos. Em alguns casos, a Igreja Católica
Romana nem sequer tentou extirpar a idolatria, e simplesmente apresentou formas acomodadas de símbolos cristãos que
funcionam como ídolos alternativos ou, em certa medida, complementares para a população. O resultado disso é um tipo de
situação parecida com a apresentação do bezerro de ouro por Arão aos israelitas como uma representação válida de seu Deus.
Desta forma, a Igreja Católica Romana provou ser essencialmente uma religião pagã. O efeito distintivo da melhoria social
experimentada pelas culturas que ficaram sob a influência da religião cristã ficou assim significativamente defasado onde o
catolicismo romano havia se consolidado como a principal influência religiosa. Até mesmo os países da Europa Ocidental onde o
catolicismo romano era tradicionalmente forte ficaram atrás de seus vizinhos protestantes em matéria de avanço social e
econômico geral.
[62]
Henry Van Til, O conceito calvinista de cultura (São Paulo: Cultura Cristã, 2010).
[63]
Veja Stanley L. Jaki, Science and Creation. Jaki demonstra que a ciência esteve ausente ou era natimorta em todas as antigas
culturas pagãs por causa da visão religiosa prevalente de que o tempo tinha natureza cíclica. Em contraste, a ciência no mundo
ocidental emergiu de uma matriz cultural cristã embasada na visão bíblica do tempo como linear, provendo assim uma base
conceitual para o progresso.
[64]
É preciso observar, contudo, que o sistema parlamentar inglês não se desenvolveu sob a influência do pensamento grego. Não
há comparação real entre a democracia grega inicial e o governo parlamentar inglês. O sistema parlamentar inglês se desenvolveu
ao longo de centenas de anos e só assumiu uma forma reconhecível como tal no século XVII; e isto ocorreu sob a influência
predominante do pensamento puritano, que se baseava fortemente em precedentes bíblicos. O governo por representantes eleitos
foi sancionado tomando como referência a eleição de governantes em Israel e presbíteros na igreja do Novo Testamento.
Portanto, pelo menos na Inglaterra, e também na América, que tem raízes políticas e jurídicas na Inglaterra, o governo
parlamentar desenvolveu-se sob a influência de ideais judaico-cristãos.
[65]
A extensão em que o Ocidente está agora abandonando esses ideais cristãos significa que a sobrevivência da democracia
ocidental é incerta, na verdade improvável, na sua forma atual.
[66]
Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalism, trad. Mário Moraes (São Paulo: Martin Claret, 2023).
[67]
O crescimento da ciência é erroneamente atribuído por muitos ao Renascimento. Frances Yates mostra que o Renascimento
foi caracterizado não pelo nascimento da ciência moderna, mas por um ressurgimento da antiga “ciência” ocultista. A cabala era
o grande fetiche dos homens do Renascimento, que não eram portanto cientistas no sentido moderno, mas místicos ocultistas. O
Renascimento não reavivou a antiga ciência grega — que, em qualquer caso, era insignificante (veja Jaki, op. cit.), mas sim o
antigo ocultismo pagão. Veja Frances A. Yates, Giordano Bruno and the Hermetic Tradition (Chicago: University of Chicago
Press, [1964] 1991), The Occult Philosophy in the Elizabethan Age (Routledge and Kegan Paul, 1979, edição Ark 1983).
[68]
R. J. Rushdoony, “Calvinism and Culture”, em Calvinism Today, vol. I, n.º 1 (janeiro de 1991), p. 5b.
[69]
Como parte de seu ministério da Palavra, entretanto, a igreja precisa treinar líderes e ministros da igreja; e faculdades e
centros de treinamento teológicos geridos por igrejas e dedicados a este propósito são bastante legítimos em princípio ― mas, se
os tipos que geralmente existem hoje na Grã-Bretanha são exemplos válidos do princípio ou não, é outra questão. No treinamento
de ministros há apenas certa medida do que pode ser feito efetivamente no ambiente de faculdade, e talvez muita ênfase seja
colocada hoje no sistema de faculdade para o treinamento de ministros, resultando em muitos casos de igrejas sendo lideradas por
acadêmicos sem contato com o mundo real e incapazes de ministrar às necessidades da igreja no mundo de hoje. O sistema de
faculdade também tende a fomentar um etos irrealista de pietismo que separa os ministros das pessoas comuns, e isso certamente
deve explicar muitos dos problemas que eles enfrentam hoje na gestão das igrejas, assim como a incapacidade desses ministros
de relacionar-se com as pessoas com os pés no chão. Contudo, a educação teológica é muito necessária para aqueles envolvidos
no ministério e liderança da igreja; e isso pode ser fornecido, dentre outras formas, em faculdades geridas pela igreja — embora
não passe despercebido que muitos que hoje frequentam faculdades teológicas parecem adquirir muito pouco do que está no
caminho de uma educação teológica sólida. Em princípio, porém, faculdades teológicas geridas pela igreja são uma parte legítima
e permanente do ministério da igreja em circunstâncias normais.
[70]
Em contraste com isso, as escolas pagas e religiosas na Inglaterra do século XIX, antes da Lei da Educação de 1870,
forneciam à nação uma educação que até as classes trabalhadoras podiam pagar e que estava, em termos de qualidade e
quantidade, acima da média mundial, mesmo pelos padrões de hoje. Veja E. G. West, Education and the Industrial Revolution
(Londres e Sydney: B. T. Batsford Ltd., 1975), capítulos 3 e 4.
[71]
Sobre a aliança como um tratado, veja Meredith G. Kline, The Structure of Biblical Authority (Grand Rapids, Michigan:
Eerdmans, [1972] 1978).
[72]
Isso não quer dizer que não existem semelhanças entre as alianças ou tratados dos homens e a aliança que Deus estabeleceu
com a humanidade. Na verdade, existe uma semelhança e conexão necessárias entre eles. A propensão do homem para formar
tratados é reflexo e consequência do fato de ser ele, no nível mais fundamental, uma criatura pactual — isto é, feito à imagem de
Deus como um ser moral e, por conseguinte, sujeito à lei soberana absoluta de Deus. Portanto, embora existam diferenças,
também existem semelhanças entre a aliança de Deus com a humanidade e os tratados dos homens. Estes últimos decorrem e são
possíveis graças à primeira porque um tratado entre homens requer como fundamento a natureza pactual do homem. As
semelhanças entre os dois estão enraizadas no fato de que todos os homens são criaturas de Deus e partilham, portanto, a mesma
natureza pactual. A diferença reside no fato de que, como Criador, o relacionamento de Deus com o homem é de uma ordem
totalmente diferente do relacionamento do homem com o seu semelhante.
[73]
Ao dizer que há um desenvolvimento ou crescimento no conteúdo da revelação bíblica, não estou sugerindo haver, em
qualquer sentido, um desenvolvimento ou evolução na mente de Deus. Sugerir isso seria bastante antibíblico. Deus conhece o fim
desde o início; e conhece o fim desde o início porque planejou o fim desde o início (Is 46.10). Deus é totalmente autoconsciente,
autossuficiente e onisciente; não há crescimento ou desenvolvimento em seu conhecimento quer de si mesmo, quer de sua
criação. Mas há um desenvolvimento no processo histórico da revelação. Em tempos passados, Deus falou através dos profetas de
muitas maneiras, mas agora falou definitivamente em seu Filho, e o propósito redentor de Deus é plenamente revelado em Jesus
Cristo. Sobre a natureza progressiva da revelação bíblica, veja Geerhardus Vos, Teologia bíblica: Antigo e Novo Testamentos,
trad. Alberto Almeida de Paula, 2.ª ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2019).
[74]
O Oxford English Dictionary registra o verbo arcaico to disciple [discipular], mas sua ocorrência é rara. O verbo atual mais
próximo é to discipline [disciplinar], um termo que, embora possa ter uma nuance normalmente não associada a ser um discípulo
de Cristo em nossos dias, certamente não deixa de ter mérito em transmitir a verdadeira natureza do discipulado cristão.
[75]
Um conhecimento salvífico de Cristo, embora pressuponha um conhecimento do pecado e, portanto, uma compreensão básica
da doutrina da lei, não pressupõe um conhecimento avançado ou detalhado da Escritura. A fé salvadora é singela. Contudo, este
fato não deve ser usado como uma desculpa para a negligência e preguiça na compreensão da fé cristã (Hb 2.1-3). Aqueles que
pregam o que insistem em chamar de “o Evangelho simples” ― na verdade, sua versão simplista do Evangelho ― e que se
recusam resolutamente a aceitar o conteúdo completo da Escritura e as exigências que ela faz sobre toda a vida do homem, não
podem esconder-se atrás da natureza singela da fé salvadora. O progresso à maturidade na compreensão, como um aspecto
essencial do processo de santificação, é necessário naqueles que são verdadeiros crentes, e o fracasso disso indica que há um
problema básico na vida cristã.
[76]
Na versão inglesa do autor, reasonable service. Na língua portuguesa, cf. o dicionário Houaiss, “serviço” também pode ter o
sentido de celebração de cerimônia religiosa. [N. do T.]

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