Teoria Geral Dos Direitos Fundamentais - Felipe Carvalho
Teoria Geral Dos Direitos Fundamentais - Felipe Carvalho
Sendo assim, cabe uma retomada da Terminologia do que se conhece, hoje, por Direitos Fundamentais:
1. Direitos Naturais e Direitos Inatos
José Adércio da Silva lembra que os filósofos e cientistas políticos racionalistas falavam em “direitos naturais”
ou “direitos inatos” — que seriam os direitos inerentes à condição humana e, por isso, não poderiam ser
objeto de alienação. O processo de positivação, para os direitos naturais, seria a consagração normativa de
exigências que são prévias à própria positivação, ou seja, o reconhecimento, no plano das normas jurídicas,
de faculdades que correspondem ao homem pelo simples fato de sê-lo. Seriam direitos que, portanto, não
incumbe ao Estado outorgar, mas sim reconhecer e aprovar formalmente, pois eles se fundamentariam na
própria natureza humana.
a. Objeção Ontológica: Em uma visão ontológica, essa concepção seria errada porque desconhece a
característica essencial dos direitos fundamentais – a historicidade. Os direitos fundamentais não podem
ser vistos como algo inerente à condição humana porque pode-se mudar a própria condição humana, bem
como esses mesmos direitos ao longo do tempo. A perspectiva cultural se modifica, não necessariamente
evolui porque não é algo linear.
Exemplo: O direito à educação hoje é tido como direito fundamental, mas essa concepção não
era a mesma há 100 anos atrás. Isso ocorre dada a mudança de perspectiva cultural e
constitucional local.
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b. Objeção Pragmática: O direito é uma categoria pragmática – utilizada para interferir na vida de outras
pessoas; não é meramente uma especulação. Essa ideia de que há “direitos inatos” e “direitos naturais”
tem pouca praticidade, porque pouco se sabe sobre que direitos são esses.
Exemplo: Pode-se ter mais de uma referência para o que seriam esses “direitos inatos”. Os
jusnaturalistas recorriam à ideia de “estado de natureza” e “contrato social” para descobrir quais
seriam esses direitos irrevogáveis antes mesmo de uma organização política. Para Hobbes,
irrevogável seria o direito à vida. Para Espinoza, não podemos ceder o direito de pensar e
racionalizar. E Rousseau, por fim, fala sobre autodeterminação política (a própria ideia de
liberdade como um direito indispensável). Para cada um deles se tem uma perspectiva diferente,
qual usar? No direito deve-se ter a mínima certeza de aplicação, por isso há uma objeção
pragmática.
Observação 2: há doutrinadores que separam “direitos naturais” de “direitos inatos”, mas pouco muda de um
para o outro. O termo “inato” refere-se à condição de existência do indivíduo. Foi mencionado nas Declarações
Modernas, como na Declaração de Virgínia de 1776 ao falar que um indivíduo possui direitos inatos dos quais
não podem privar-se ao adentrar em estado de sociedade.
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Civil Liberties = direitos oponíveis na esfera privada, nas relações entre indivíduo e Estado.
4. Liberdades Públicas
Era a nomenclatura mais utilizada na França, embora os textos revolucionários falassem de liberté (no
singular). Somente na restauração monárquica, no século XIX, consagra-se o termo “liberdades públicas”.
Atualmente, doutrinadores contemporâneos utilizam tanto Droits Fondamentaux quanto Libertés Publiques
para se referir à mesma categoria de direitos. No Brasil, tal terminologia foi utilizada no começo do ensino de
Direitos Fundamentais para designá-los como um todo — mas no cenário atual do constitucionalismo
brasileiro, Liberdades Públicas passou a ser associado somente aos direitos de face individual, aqueles
marcados pela predominância da abstenção do Estado (o não fazer). Pelo sentido de status negativus atribuído
ao termo, não é possível utilizá-lo para definir direitos de atuação.
Segundo André Ramos Tavares, o termo “liberdades” passa a noção de poder agir, não englobando,
gramaticalmente falando, as noções de poder de exigir, ou seja, a noção de exigir uma atuação por parte
do Estado. Partindo-se da constatação de que o Estado constitucional e os direitos fundamentais se afirmam
contra a soberania monárquica, não se estranha que os primeiros direitos humanos sejam, lógica e
cronologicamente falando, do tipo negativo, destinados a garantir aos cidadãos o status negativus ou status
libertatis.
Como lembra José Adércio Sampaio, o termo “liberdades públicas” carece de sentido, pois a própria noção
de liberdade demanda atuação do Estado para seu exercício. Assim, não há que se falar em “liberdades
públicas”, já que não existe sentido para “liberdades privadas”.
É uma expressão utilizada na Constituição Federal de 1988, no artigo 60º. Contudo, existem, também, Direitos
Fundamentais Coletivos (como o de associação sindical) — e outros mais que coletivos: os difusos,
transindividuais, como o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, um direito para futuras
gerações, já que todos possuem direito a ele. Por conta disso, não se pode utilizar Liberdades Individuais como
sinônimo de Direitos Fundamentais. Segundo José Adércio Sampaio, os dois termos, em princípios, foram
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utilizados como sinônimos dos “direitos naturais ou inatos”, por conta da ideologia liberal que via o indivíduo
como fim em si mesmo e a sociedade, um meio a seu serviço para satisfação de seus interesses.
6. Direitos Humanos
Os franceses empregaram “direitos do homem” (Droits de l’homme), para designar direitos naturais ou
inerentes, contrapostos aos políticos e positivos. Vem da tradução do francês para o inglês, que pode significar
uma investigação não sobre o ordenamento constitucional brasileiro, mas para entender os motivos que
levaram à escolha desses direitos, as teorias políticas por trás desses direitos — em uma dimensão que não é
estritamente jurídica. Pode significar, também, os direitos protegidos internacionalmente. Há uma corrente
minoritária que reclama a utilização de Direitos Humanos ao invés de Direitos Fundamentais. Na retórica
política, fala-se mais de Direitos Humanos, o que fica notório até mesmo em órgãos públicos, como a
“Secretaria de Direitos Humanos”, que na verdade trabalha com Direitos Fundamentais.
a. Vantagens
Direitos humanos é uma boa expressão porque não faz alusão a nenhum tipo de ser humano (pode ser aplicado
para qualquer um, independente de questões de gênero, por exemplo), o que desloca qualquer discussão sobre
a titularidade dos direitos. Falar de Direitos Humanos não estabelece uma hierarquia entre esses direitos.
Segundo Flávia Piovesan (USP), no mundo contemporâneo é cada vez mais frequente a interpelação entre o
documento que protege direitos no plano internacional e nacional – por isso a expressão “direitos humanos”
seria mais correta para tratar da realidade trabalhada.
b. Desvantagens
A aplicação da terminologia de “Direitos Humanos” induz a pensar que os direitos são derivados da natureza
humana, independente do reconhecimento da Constituição. Também, é importante lembrar que os direitos
reconhecidos constitucionalmente não se reduzem a direitos impostos pelo Direito Natural — são produtos
históricos da percepção que temos das necessidades fundamentais de salvaguardas contra a opressão e a favor
de uma vida digna. Além disso, além de ser um anglicismo, é bastante especifista (deixando à margem os
direitos de outras espécies que não do ser humano).
Direitos Humanos seriam os direitos protegidos internacionalmente – pela Convenção Americana de Direitos
Humanos ou a Declaração Universal de Direitos Humanos. Existe a desvantagem porque associa ao
jusnaturalismo, que alude uma realidade que não é de direito constitucional, mas do direito internacional
público. Ficou convencionado no Brasil ao longo do tempo falar de direitos humanos como direitos protegidos
na esfera supranacional.
Artigo 5, § 3º (CF): Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
7. Direitos
respectivos membros, serão equivalentes Fundamentais
às emendas constitucionais.
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A escolha da nomenclatura tem implicação metodológica. Os direitos deste componente são estudados
conforme a proteção dada pela Constituição de 1988. A terminologia de “direitos fundamentais” começou a
ser utilizada na Alemanha, a partir da Constituição de 1948, e se espalhou pelo mundo como a definição de
direitos previstos em Constituição. No Brasil, tem-se referência expressa em jurisprudência, como na ADPF
347 (quando o ministro Marco Aurélio se refere à violação massiva de direitos fundamentais).
Essa expressão, no entanto, traz um problema: quando agrega adjetivo "fundamentais" ao substantivo
"direito", restringe-se o termo. Quando fala de direitos que são fundamentais, imagina-se que há direitos que
não são. A corrente doutrinária de Mariana Mendes é verdade em termos, porque não se deve dizer que um
direito fundamental é mais importante que outro (direito à vida e direito à liberdade de pensamento).
Entretanto, existe uma diferença que tange sobre direitos fundamentais e direitos que não são fundamentais.
E não é escolhendo a nomenclatura “humana”, sem um sentido contrário, que vai resolver essa questão. Ocorre
que, com os movimentos Neoconstitucionalistas, especialmente no âmbito latino-americano e após a
redemocratização, há uma maior abertura para a proteção internacional dos direitos humanos. Fala-se,
portanto, do estudo dos direitos que compõem o universo que corresponde à proteção jurídica nacional.
• Corresponde ao vocabulário da Constituição Federal de 1988, mesmo que essa escolha não tenha sido
seguida com rigor em todo o seu texto. Os direitos garantidos na Constituição são fundamentais porque se
encontram no texto que regulamenta os fundamentos da organização política e social de um Estado.
• É bastante genérica, podendo abranger os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais e políticos,
os direitos de liberdade e os de igualdade.
• Indica que nem todos os direitos reconhecidos no ordenamento jurídico são tratados no âmbito do
direito constitucional. Aqui interessam apenas os direitos que gozam de proteção constitucional, isto é, da
peculiar força jurídica que lhes oferece a supremacia das normas constitucionais, retirando-os da
disposição do legislador ordinário. Os direitos fundamentais constituem um mínimo de direitos garantidos,
podendo o legislador ordinário acrescentar outros, mas não tendo a possibilidade de abolir os tidos como
fundamentais.
Segundo Peces-Barba, também, deve-se evidenciar a vantagem de que existe um sentido de vigência numa
determinada ordem institucional, para proteger o ser humano nos contextos de vida concretos em que se
encontra, diferentemente da inspiração abstrata, universalista e atemporal.
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Desenvolvimento Histórico
Quando surgiram os Direitos Fundamentais? A primeira tendência ao responder esse questionamento é olhar
para a história do Ocidente e dizer que a origem dos direitos fundamentais é na Antiguidade Clássica, na
Grécia e Roma, embora evidentemente tenhamos influências dos sistemas jurídicos africanos e indígenas. É
inequívoco, no entanto, que pelo resultado do processo de colonização da América do Sul, as matrizes jurídicas
europeias se preponderem em nosso ordenamento. Dessa forma, a resposta da pergunta inicial seria: a ideia
dos Direitos Fundamentais surge na Grécia Antiga.
Por outro lado, em uma análise contemporânea, fica entendido que os direitos fundamentais como conhecemos
são frutos da modernidade. Segundo Dimitri Dimoulis, os direitos, hoje, considerados fundamentais só
apareceram quando foi possível reunir três coisas distintas: estado, indivíduo e sociedade.
1) Estado
Formações pré-estatais existem há muito tempo, mas somente quando a realidade de Estado (sobre
determinado território e povo, que exerce o controle mediante o direito) se apresenta é que há direitos
fundamentais. Foi preciso ter a presença de um ente politicamente organizado que fosse capaz de neutralizar
as fontes normativas que com ele competiam. Somente quando a nova realidade se impõe, quando o Estado
diminui influência da Igreja e coloca à margem outras fontes, assumindo para si o monopólio de produção de
direito, é que se pode falar de uma instância única garantidora desses direitos – se não tem a quem cobrar,
não tem como falar desses direitos fundamentais.
Na Idade Média Europeia, existiam direitos e deveres a depender do estamento ao qual o indivíduo
pertencesse. Podia-se recorrer para garantir a esses direitos a diversas instâncias que não o Estado. Havia uma
realidade plurinormativa (diversos centros de produção do direito) e, na maior parte das vezes, esses centros
eram os garantidores dos direitos. A proteção dos direitos não se dava por um ente estranho, mas por um ente
que participava e moldava essas relações. Essa época de tomada de poder por parte do estado ficou conhecida
como Absolutismo. E nisso há um paradoxo importantíssimo para compreensão do assunto, pois somente
nesse momento que há uma grande concentração de poder no Estado é que há possibilidade de cobrar a uma
instância centralizada o respeito aos direitos. Antes, algumas fontes poderiam garantir direitos e outras não.
2) Indivíduo
Para concretização dos direitos fundamentais, era preciso que houvesse demanda de indivíduos frente à nova
realidade absolutista. O ser humano nem sempre foi concebido como alguém merecedor de proteção
individual, apenas como parte de um todo — ele fazia parte de algo maior, do coletivo. Ele não era indivíduo,
ou, ao menos, não se percebia como tal. A dimensão coletiva era muito mais forte que a individual.
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Essa noção era muito presente na Grécia Antiga. Sócrates, quando condenado injustamente, teve condições
de fugir, mas ainda assim não o fez porque precisava se submeter à vontade da polis: era a força do coletivo.
Aquele para a Grécia Antiga que não se ocupasse para os negócios da polis, mas do próprio destino, era
chamado de "idiota”. Isso muda com a Modernidade, muito por conta dos movimentos da Reforma e
Contrarreforma: há uma percepção dos indivíduos de que a salvação é algo individual (“eu vou para o
céu/inferno por razão dos meus atos”).
Segundo Benjamin Constant, existe diferença entre liberdade dos antigos para liberdade dos modernos; a
liberdade dos antigos era liberdade de participar; enquanto a liberdade para os modernos seria relacionada à
autonomia. Em Ciência Política, quando se debate a noção de Nação é preciso ter uma atenção para
relativização, porque essa definição é racista e potencialmente excludente, uma vez que tenta neutralizar
diversidades ao afirmar que determinado povo possui mitos comuns, religiões comuns. Para essa análise, basta
pensar na Alemanha, dividida entre Norte protestante e Sul católico – mas isso não significa que há menos
percepção de que se tem um só povo, apesar das diferenças religiosas. Mas por que o Sul ficou
majoritariamente católico e o Norte protestante? Por conta das decisões tomadas pelos governantes: havia o
princípio de que a religião do povo deveria ser do príncipe. Caso o indivíduo não concordasse, ele deveria ir
para outro campo.
Até que, nesse contexto do Ocidente, pensa que ninguém, nem mesmo o Estado, tem direito de escolher como
cada indivíduo pode manifestar a própria religião. Na modernidade, quando os "eus" começam a se
pronunciar nos campos políticos e filosóficos, nós temos a segunda condição de existência dos direitos
fundamentais. A afirmação do indivíduo: o ser detentor de direitos e passível de imposição de deveres.
O que é ser autônomo? À época da reforma protestante, a religião de um povo era a religião do seu rei. Na
época, tinha-se a prática religiosa privativamente – os novos cristãos. Depois disso, as pessoas passam a lutar
pelo direito de ter a própria religião, direito que passa a ser reconhecido. Começa, então, a criar a noção de
indivíduo. E, assim, demanda-se do Estado que ele proteja determinados direitos que o indivíduo tem enquanto
indivíduo.
3) Constituição
Com o surgimento desse novo fenômeno limitador do poder, esses direitos, agora vistos como fundamentais,
são abrigados nessa instância de contenção de poder e, com isso, o indivíduo consegue proteção frente a essa
nova realidade do Estado. Assim, a Constituição é a forma de garantir esses direitos para cima do Estado,
diferenciando-o dos direitos ordinários; os fundamentais são mais protegidos que outros. A Declaração do
Homem e do Cidadão, no movimento constitucionalista, trazia a noção de que não tem constituição que não
declare direitos fundamentais/universais. A demanda de uma Constituição não necessariamente implica em
um documento escrito, como o caso do Reino Unido ou Israel.
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Gerações ou Dimensões
Cada Direito Fundamental tem sua história distinta. Somente com uma simplificação muito rasa é que
percebemos uma história conjunta, sendo, em grande medida, uma pura abstração. Segundo o jurista Karel
Vasak, caberia uma divisão dos direitos humanos em plano internacional por gerações. Na leitura de Norberto
Bobbio sobre essa teoria, essa divisão se aplicaria aos direitos fundamentais, sendo:
1. Primeira Geração
Seria marcada pelo caráter de abstenção do Estado, de status negativo, o “não-fazer”, criados à época de
grandes revoluções, como a Revolução Francesa ou o movimento de Independência da Colônias Americanas.
Encontram-se na primeira geração: liberdade de não pensamento, liberdade de locomoção (ir, vir,
permanecer), liberdade de reunião.
2. Segunda Geração
São os direitos prestacionais – os direitos fundamentais sociais. Tem-se novos direitos que foram criados na
época do Constitucionalismo Social (inspirados pela constituição do México) e que se caracterizam pela
atuação do Estado, de status positivo – ele não é mais o opositor do indivíduo, e sim um aliado, que vai
fornecer algo. Encontra-se aqui o direito à educação.
3. Terceira Geração
Corresponde a direitos que na década de 70 eram vistos como novos – os direitos transindividuais e difusos,
que pertencem a âmbitos coletivos. O direito ao meio ambiente é um grande exemplo dessa terceira geração,
bem como o patrimônio histórico.
Observação (Quarta Geração?): Paulo Bonavides estruturou uma 4ª Geração, o que gerou uma corrida
armamentista de novas gerações no Brasil. Mas Wolfgang Sarlet fala que deveremos ficar somente com as
três únicas gerações, pois as novas se reconduzem às antigas.
Maurício Fioravanti, professor da Universidade de Florença, fala que se olharmos a história da primeira leva
de direitos fundamentais (como direito à propriedade, à liberdade de locomoção, liberdade de imprensa) e
depois para os direitos sociais, veremos que a transição entre um grupo e o outro acontece em razão da
universalização dos direitos fundamentais políticos. Com as reformas eleitorais, as populações do Reino
Unido e da França conseguem abolir o voto censitário e, com isso, tem-se eleição de representantes dos
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trabalhadores, de tal modo que a agenda política do parlamento reconheça esses novos direitos da classe
trabalhadora. Nesse momento de afirmação de direitos políticos, dá-se um passo seguinte: o da afirmação de
direitos sociais. Essa relação entre os direitos políticos e sociais fica muito clara quando analisamos países
onde essa universalização não aconteceu, ou ocorreu de forma tardia; neles, a agenda de direitos fundamentais
sociais também se afirmou de forma tardia, como no caso dos Estados Unidos da América – lá, os direitos
políticos só se universalizaram de fato com a Revolução dos Direitos Civis, quando uma parcela importante
da população afro-americana ingressa nesses direitos políticos e, ao participar desses direitos, consegue fazer
com que a agenda política os inclua.
Para a doutrina, há muitos problemas técnicos e de nomenclatura na teoria de Vasak. Em primeiro ponto, a
terminologia “geração” implica em exclusão dos antigos direitos pelos novos. Alguns autores brasileiros
optaram pelo uso do termo “dimensões”, que também gera confusão, uma vez que esse termo já existia no
assunto de direitos fundamentais e dizia respeito às dimensões objetivas e subjetivas. O problema se dá na
essência da terminologia.
Há, também, a questão da linearidade, já que em cada país a aquisição de direitos pode ter acontecido de
formas diferentes. Na constituição do ano 1, na França, o direito à educação (pertencente à 2ª geração) já era
presente, da mesma forma que na Constituição do Império, no Brasil, em 1824. Os direitos políticos, por
exemplo, foram universalizando progressivamente: primeiro, a questão de renda, depois a de gênero e, por
fim, dos trabalhadores. Na realidade, tem uma pressão do sistema político pelos novos votantes, que exigem
novos direitos.
Também, há um erro de estruturação. Sendo a primeira geração caracterizada por abstenção; a segunda, por
prestação; e a terceira pelo critério de titularidade – direitos que são difusos e coletivos - fica evidente que não
há uma constância no critério da classificação – ela começa com um modelo e finaliza com outro.
Ainda, nenhum direito é puramente de prestação ou abstenção. Todo direito envolve deveres de abstenção de
um lado e prestação do outro. O direito de prestação, tem em si mesmo, direitos de abstenção, ainda que haja
predominância de um dos lados.
i. Direito à educação (direito de prestação): envolve prestação, mas o Estado também tem abstenção
de não fazer algumas coisas – por exemplo, o professor não pode impor de discurso de ódio nas salas
de aula, ele tem a obrigação de não fazer algumas coisas.
ii. Liberdade de imprensa (direito de abstenção): o Estado não deve intervir na divulgação de
conteúdos pela imprensa. Mas o Estado também deve garantir o acesso de determinados grupos sociais
à imprensa, para que esses grupos sejam ouvidos. Gomes Canotilho acredita em um direito de acesso
à imprensa, por isso existem emissoras públicas de rádio e televisão.
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iii. Liberdade de locomoção (direito de abstenção): o Estado não deve impedir a livre locomoção,
mas mais que isso, é preciso fornecer uma boa locomoção. Entretanto, o direito de ir e vir está sendo
progressivamente negligenciado, o que exige atuação positiva do Estado.
Quando falamos de primeira, segunda e terceira gerações, procuramos por direitos políticos e sua inserção
nessa divisão. Eles fariam parte de qual geração, afinal? Considerando que o direito de voto foi afirmado à
época das revoluções liberais, ele deveria aparecer por lá – mas só foi universalizado entre a primeira e segunda
geração nos países centrais, e posteriormente naqueles países de modernidade periférica. Os direitos sociais,
também, foram universalizados posteriormente aos políticos, salvo em casos de dinâmicas peculiares como
no Brasil. Mas de todo modo, pode-se dizer que a criação e reconhecimento desses direitos é precedida pela
realização dos direitos políticos.
De tal forma, a história de dimensões/gerações não tem espaço para os direitos políticos. Além disso, ela conta
uma história errada dos direitos fundamentais, pois existem aqueles que são participantes da chamada segunda
geração do ponto de vista formal, mas que estão presentes na primeira geração.
Exemplo: o Direito à Propriedade. Ele é afirmado como sagrado como na primeira geração, mas só ganha
uma função social na segunda geração (ali, ele é outro direito, pois muda de fisionomia, com outros
condicionantes e limitadores). Ele pertenceria a qual geração, enfim?
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“Universalidade” pode implicar em sentidos diferentes, mas para o estudo de Direitos Fundamentais iremos
centrar em dois. No primeiro deles, os Direitos Fundamentais são universais porque logo no início de sua
história eles eram entendidos como detidos por todos — ao menos, era como se proclamava nas constituições
liberais. Na verdade, não funcionava assim, já que diversos seres humanos eram excluídos de tais direitos,
sobretudo em meios às sociedades escravocratas. Em outro momento, diz respeito a uma perspectiva de
atribuições de proteções específicas a grupos de pessoas: à medida que o direito constitucional foi se
modificado, havia proteções especiais mais intensas para categorias de pessoas (como povos indígenas e
quilombolas), como se conciliaria essa proteção específica com a universalidade? Protege-se de forma
universal a todos que se enquadram nessa categoria: se há direitos para os povos indígenas, eles valem para
todos os indígenas.
O segundo sentido pode ser aplicado em relação aos direitos humanos, na expansão de um grupo específico
de direitos humanos por todo Ocidente e depois por todo planeta, repleta de contradições e expansão da visão
ocidental sobre outras partes do planeta.
2. Historicidade
Os Direitos Fundamentais são produtos de um processo histórico, modificando-se ao longo do tempo, de modo
que direitos reconhecidos como hoje podem não ser como fundamentais no futuro — como no caso americano
do direito de porte de arma, que acompanha os estadunidenses desde a edição da constituição, mas em algum
momento pode deixar de assim ser. Também, há direitos que não eram reconhecidos como tal, mas depois
passaram a ser fundamentais, como o direito à inclusão digital. Em meio à pandemia, o direito à inclusão
digital foi meio para alcançar outros direitos.
3. Inalienabilidade/Indisponibilidade
Nega a possibilidade de dispor mão dos direitos, bem como de alienar. Os Direitos Fundamentais são
impassíveis de alienação ou disposição. Essa é uma característica de proclamação política que propriamente
jurídica. Entretanto, existem direitos fundamentais que são transmissíveis (como à propriedade ou autoral, é
possível transferi-los a terceiros). O que não pode se alienável é o direito a ter direitos. Mas o direito a ter
direitos é algo inerente à condição de ser pessoa: ele não se liga a todos os direitos fundamentais, mas ao
direito de ser pessoa. Direito de ter direitos não é característica intrínseca aos fundamentais, pois não é de
todos os direitos fundamentais e não se confina somente a eles.
A inalienabilidade é fruto de uma conjunção política. Era para justificar um momento de ruptura na formação
das constituições liberais.
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4. Caráter Absoluto
Os direitos fundamentais são absolutos frente aos não fundamentais. Há uma hierarquia, pois os direitos
fundamentais são garantidos e protegidos pela constituição e assim sendo são dotados de hierarquia superior
frente aos não fundamentais. Mas quando se confronta direitos fundamentais, nenhum deles vai ter caráter
absoluto, mas sim são relativizados. Eles são absolutos à primeira vista, apenas.
5. Constitucionalização
É uma consequência da historicidade dos direitos, sendo um processo de reconhecimento progressivo nas
constituições. Frequentemente, não é a constituição a primeira fonte normativa a reconhecer um direito
fundamental: normalmente, esse direito é reconhecido nas leis e depois nas Constituições. Leis e Constituição
são espécies normativas com hierarquia diferente. As leis podem criar novos direitos desde que respeitam as
constituições. Normalmente, novos direitos são reconhecidos pela lei, e depois de um grau de consenso social
necessário para que sejam incorporados às constituições.
7. Interdependência
É uma característica dos Direitos Humanos que passa a ser reconhecida nos fundamentais: nenhum direito
fundamental é mais importante que o outro. Todos devem ser protegidos conjuntamente, pois ela pressupõe a
interdependência deles. Não há como proteger saúde, vida, sem levar em conta o meio-ambiente equilibrado.
Todo dever implica para o Estado e a particulares a obrigação de observância de direitos — mas os Direitos
Fundamentais não se resumem apenas a isso, então, é preciso não pensar na antiga forma de que “todo direito
corresponde um dever”. A coalizão dos Direitos Fundamentais serve para Deveres Fundamentais.
Exemplo: Dever de educar. Existe direito ao ensino, mas a depender da faixa etária do educando, os
responsáveis possuem o dever de educá-lo, dever esse fundamental previsto na Constituição, já que se destina
a promover um direito fundamental.
Deveres e direitos fundamentais andam, muitas vezes, de mãos dadas. Mas não necessariamente, porque em
muitos casos os deveres têm existência autônoma, já que alguns deles não trazem direito associado.
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Exemplo: Dever de pagar impostos. Não é algo que pagamos porque queremos, mas ele vem de uma faculdade
unilateral do Estado, que tem poder de tributar fatos que aconteçam dentro de seu território. E o imposto é
pago porque assim é preciso. Ao contrário da taxa e do pedágio, ele não dá direito algum. É preciso contribuir
porque se tem capacidade contributiva para tal, como o Imposto de Renda de Pessoa Física. O dever de pagar
imposto não está associado a direito fundamental específico.
2. Garantias Fundamentais
Não são direitos fundamentais, mas protegem-nos. Existe o “direito de se locomover” e a garantia do habeas
corpus. Existe o “direito de matrícula no ensino superior” e a garantia de impetrar mandado de segurança.
Existe “liberdade religiosa” e a garantia de proteção aos locais de cultos.
Existem direitos, normas que enunciam direitos fundamentais e garantias que protegem esses direitos
enunciados. No constitucionalismo comparado, dizer que se deve ter direitos e garantias é dizer implicitamente
que se eu tiver um direito e não tiver uma garantia associada expressa, significa dizer que ele vale menos. No
entanto, se não há uma garantia específica, a Constituição como um todo serve para tal. E como a Constituição
serve de garantia, não faz muito sentido falar de garantias específicas, pois os direitos valem quer tenham ou
não garantias específicas.
Observação (Garantias institucionais): existem normas que protegem determinadas formações sociais ou
determinadas instituições que, também, atuam na proteção de direitos fundamentais. Por exemplo, garantia
institucional do Ministério Público, da existência do Poder Judiciário, da Defensoria Pública. Caso não se
consiga o respeito aos direitos, busca-se esses órgãos para protegê-los.
Fundamentalidade
Bibliografia: Ingo Wolfgang Sarlet
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ontológica): o que é fundamental para uma pessoa, não é para outra, porque não é possível alcançar 100% de
acordo com direitos fundamentais em sociedades plurais. Uma alternativa de resposta é olhando para a
essência, pensando com o conceito da dignidade da pessoa humana, no entanto, também recai no mesmo
problema de rigor conceitual, de risco de interferência excessiva da subjetividade de quem aplica e interpreta
o direito. Para tentar evitar essa interferência, pensou-se em outro tipo de conceito: direito fundamental em
sentido formal.
Mas esses direitos fundamentais em sentido material que não sejam no sentido formal? E o contrário? É
evidente que se for pensar pelos conceitos, sim, sobretudo se houver usurpação do poder constituinte, assim
existirão direitos fundamentais em sentido formal que não no material.
i. Supremacia Normativa
ii. Impossibilidade de Supressão
iii. Aplicabilidade Imediata
Supremacia Normativa
Um direito fundamental prevalece sobre qualquer outro que não seja fundamental. Em Estados sem
constituições escritas, a forma de reconhecimento de um direito fundamental tem sua particularidade pautada
numa perspectiva/supremacia axiológica. Isso significa dizer que há um conjunto de valores a proteger. O
parlamento britânico, por exemplo, poderia extinguir, caso assim entendesse, os direitos fundamentais – mas
justamente pela existência dessa perspectiva axiológica, o estudo dos valores, assim não o fazem. Já em países
com constituições escritas, tem-se a supremacia normativa, que significa dizer que quando um direito é
escolhido como fundamental, ele ganha a mesma supremacia que o restante da Constituição – e o que difere
uma Lei normal de uma Constituição é justamente a supremacia desta em relação àquela - ficando no topo da
hierarquia normativa, axiológica e social.
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Impossibilidade de Supressão
Não há que se falar em supressão de direito fundamental, uma vez que esse eles constituem parte do rol das
chamadas “cláusulas pétreas” – expressão popularizada por Ruy Barbosa. Existe um problema na terminologia
de “cláusulas pétreas”, porque pode-se ampliar a ampliação do direito ou reformular, desde que não suprima
o direito. O Supremo Tribunal Federal, ao longo do tempo, afirma que não é somente questão de direito
individual, mas de todos os direitos.
Aplicabilidade imediata
O constituinte brasileiro de 1988, à luz do constituinte português de 1976, inseriu no texto constitucional a
norma do artigo 5, §1º, de modo a garantir aos direitos fundamentais aplicabilidade imediata, ainda que não
tenha uma lei específica dispondo sobre ela. Historicamente, desde o Império, uma forma de negar a aplicação
dos direitos fundamentais era fazer com que as normas inferiores à constituição não existissem; assim, ainda
que o direito à educação fosse assegurado, não havia uma lei que regulamentava sobre a inclusão, por exemplo,
o que deixava lacunas. Na tentativa de denunciar esse costume, em 1968, José Afonso da Silva propõe uma
classificação das normas constitucionais.
O propósito dessa classificação era denunciar a quantidade de normas constitucionais que não eram aplicadas
por conta da ausência das leis que deveriam ser criadas, mas não eram, na época da Ditadura Militar.
Entretanto, a teoria de Afonso da Silva caiu no uso, inclusive, do próprio Supremo Tribunal Federal da época,
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porque, não sendo do interesse aplicar um direito fundamental, bastaria classificá-lo como “Norma de Eficácia
Limitada e de Aplicabilidade Mediata” – a exemplo do artigo 7, I.
A classificação, na verdade, poderia mudar o entendimento de um mesmo assunto. Qual a diferença de tratar
a greve do servidor público entre eficácia contida e eficácia limitada? Se for contida, o servidor pode entrar
de greve e exercê-la, até que se tenha uma lei para dispor. Mas se for eficácia limitada, existe o direito, mas o
servidor público não pode executar até que a lei apareça para disciplinar sobre.
O grande problema dessa classificação é que ela se baseia no jeito como as normas são redigidas – e a norma
é muito mais que o texto. Segundo Virgílio Afonso da Silva, a classificação do seu pai desempenhou um papel
histórico, mas que é equivocada cientificamente porque toda norma constitucional tem ao menos duas
eficácias distintas: uma eficácia positiva e outra negativa. A eficácia positiva tem a ver com o que se pode
construir efetivamente a partir dessa norma. A eficácia negativa (ou paralisante, segundo Canotilho), é tudo
aquilo que a norma impede – ainda que não se tenha a norma positiva, a negativa paralisa tudo aquilo que é
contrária a ela. Toda norma é de eficácia plena na sua eficácia negativa, mesmo nas normas classificadas como
de eficácia limitada por José Afonso da Silva.
O inciso XXVI, do artigo 5, dispõe sobre a pequena propriedade rural. Dessa forma, deve haver lei para definir
o que seria essa pequena propriedade, bem como uma outra lei para definir como será o financiamento da
atividade ali produzida. Na leitura da eficácia positiva, fala-se de tudo que pode ser criado a partir da norma
– mas na classificação de José Afonso da Silva, essa seria uma norma de eficácia limitada; enquanto não
houver lei, não se pode proteger a pequena propriedade da penhora.
José Afonso propôs uma classificação equivocada com suas limitações quanto à eficácia e aplicabilidade das
normas, mas ele mesmo foi responsável pela inserção da norma do artigo 5, §1º na Constituição de 1988.
Artigo 5, XXVI/CF: a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.
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Importante: A maioria dos direitos fundamentais em sentido formal também o são em material, mas no
sistema pode ter direitos apenas no sentido formal ou material – mas que não seja possível ver essa
manifestação da dignidade da pessoa humana.
Segundo Bobbio, as Constituições após a Segunda Guerra Mundial consagraram muito mais direitos
fundamentais que as do passado. Como as sociedades mudam, as formas de encarar os direitos pré-existentes
também mudam – por isso é importante destacar a historicidade desses direitos. Bobbio une a
fundamentalidade entre sentido formal e material, mas ele erra porque ao fazê-lo, ele não considera que em
momentos de crise econômica a aplicação desses direitos tende a diminuir.
i. Histórico
Na época de criação da Constituição americana, existiam poucos direitos fundamentais. E para evitar que
alguns estados não aderissem, esses direitos foram colocados em emendas, que se deram de forma tão
prematura por conta, principalmente, da pressão que a população da Virgínia fez. Dessa forma, a 9ª emenda
deu origem à cláusula de abertura material, que significa dizer que todos os direitos presentes na Constituição
Americana (e nas emendas anteriores e posteriores) não excluem outros que possam ser reconhecidos por
conta de sua ligação com a própria ideia republicana da época.
ii. Conceituação
A constituição contém os direitos fundamentais em sentido formal, mas constituições como a americana,
argentina, mexicana de 1917, a republicana de 1891, admitem expressamente que além dos direitos que estão
escritos, outros direitos também podem ser reconhecidos no futuro. Ruy Barbosa, inspirado na constituição
americana, trouxe consigo, dentre outras coisas, a Cláusula de Abertura Material, na constituição imperial
de 1891 – etimologicamente, “abertura” porque reconhece novos direitos e “material” porque o que faz
reconhecer esses novos direitos não é um conteúdo formal - o que reconhece é ser direito fundamental em
sentido material.
Em 1988, a Constituição brasileira se afastou um pouco da inspiração e inovou, no artigo 5, §2º, ao trazer que
além dos direitos decorrentes dos regimes dos princípios, também se admite, por meio da cláusula de abertura
material os adquiridos dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil faça parte.
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Art. 5, §2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja partes nos tratados e convenções de Direitos
Humanos.
São duas categorias distintas apresentadas pela Cláusula de Abertura Material: na primeira, trata de direitos
fundamentais implícitos, derivados do próprio regime; na segunda, sobre aqueles decorrentes de tratados
internacionais em que o Brasil seja consignatário.
A partir disso, o reconhecimento de direitos pela Constituição Federal não exclui outros decorrentes do regime
dos princípios adotados pelo Brasil (os direitos fundamentais implícitos), nem os direitos provindos de
Tratados e Convenções de Direitos Humanos, desde que sejam aprovados com o quórum de emenda da
constituição (3/5 dos votos, dois turnos de votação).
Art. 5, §3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
® Direito ao nome: A nossa constituição em nenhum momento fala sobre direito ao nome, mas, ainda assim,
é um direito fundamental. É um direito importante, principalmente para povos tradicionais, ou pessoas
transsexuais. Pela proximidade com dignidade humana, o direito ao nome foi reconhecido como direito
fundamental pelo Supremo Tribunal Federal em 1993.
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A inovação da Constituição Federal de 1988 foi colocar (ou tentar) em igualdade os direitos humanos
reconhecidos em tratados e convenções como os fundamentais. Os tratados e convenções passam pelo
Congresso Nacional, quando ele adota com quórum de emenda. Atualmente, dois tratados/convenções foram
eleitos ao mesmo patamar de norma constitucional: a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e Tratado de Marraqueche.
i. Podem ser supraconstitucionais (acima das constituições) – é o que ocorre na União Europeia
ii. Podem ser constitucionais (mesmo valor da constituição) – é o caso do Uruguai e Argentina
iii. Podem ser supralegais (acima das leis, mas infraconstitucional) – o caso do Brasil após interpretação do
STF
iv. Podem ser leis (valor de lei) – a CF brasileira na época da ditadura adotava esse modelo.
O artigo 5, §2º dá a entender que os direitos advindos de tratados e convenções de direitos humanos deveriam
ter a mesma força que os direitos implícitos e, dessa forma, da mesma forma que os direitos fundamentais em
sentido formal. O Supremo Tribunal Federal repetiu a jurisprudência anterior a de 1988, afirmando que esses
tratados tinham apenas força de lei. Em 2004, com a reforma do judiciário (emenda 45), criaram o artigo 5,
§3º - “os tratados e convenções sobre direitos humanos que vierem a ser aprovados valem como norma
constitucional.” Os que não passarem por esse processo de aprovação, não tem força constitucional (o que
anula, por completo, o parágrafo anterior).
Esse é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos assinada antes de 2004. Existem duas correntes
distintas: na primeira delas, Flavia Piovesan, acredita que como não havia exigências antes da EC nº 45, o
Congresso Nacional não podia supô-la, então esses direitos deveriam valer como norma constitucional
anteriores à emenda 45. O STF revisou a jurisprudência e criou, em 2008, um “armengue” constitucional – a
partir de então, normas e tratados sobre direitos humanos, dos quais o Brasil faça parte, têm caráter supralegal;
acima das leis ordinárias, mas sem força constitucional, sendo infraconstitucional. Para ter força
constitucional, é preciso passar pelo rito de emenda constitucional.
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5) Conclusão
O artigo 5, §2º, consagra a Cláusula de Abertura Material que permite a expansão dos direitos fundamentais
em sentido formal, compondo o bloco de constitucionalidade não somente o conjunto de direitos previstos na
Constituição, mas também outros que são materialmente fundamentais, que acabam se incorporando porque
se decorrem dos princípios (implícitos) ou porque decorrem de tratados e convenções ratificados pelo Brasil.
Direitos Fundamentais Implícitos têm estatura normativa idêntica aos fundamentais expressos. Já os
decorrentes de Tratados e Convenções, o STF, ao longo do tempo, adotou uma postura diferente: se esses
direitos humanos se tornarem fundamentais pelo processo do quórum de emenda, eles valem como direitos
fundamentais expressos, mas se passarem pelo processo de incorporação, e não se atingir o quórum, para
aprovação, eles valem como direitos supralegais, porém infraconstitucionais.
Nesse interim, vale mais a pena ser reconhecido como um Direito Fundamental Implícito que recorrente de
Tratado ou Convenção.
i. Estrangeiros: O estrangeiro tem direitos fundamentais compatíveis com sua condição de estrangeiro, mas
não tem direitos políticos, exceto o português equiparado, já que a Constituição de 1988 abrigou a igualdade
em relação aos portugueses com o Princípio da Reciprocidade: o português tem os mesmos direitos que os
brasileiros, desde que em Portugal também assim o seja. Ainda assim, a Constituição fez errado porque deveria
ser com todo cidadão de língua portuguesa, não somente com Portugal, o que é um sintoma claro de racismo
estrutural, já que os outros países de língua portuguesa são africanos. Um turista também tem direitos
fundamentais, como o Direito à Vida e ao Trabalho.
ii. Pessoas Jurídicas: Para o direito penal, uma Pessoa Jurídica é uma ficção, não tendo direitos fundamentais;
para o direito civil, ela teria direitos e alguns seriam compatíveis. Entretanto, para que o direito funcione, as
PJs precisam ter direitos fundamentais, desde que não sejam ligados à questão da existência física, como, por
exemplo, o Direito de Propriedade. Também, pode ser praticante de crime ambiental, mas não pode usar
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Habeas Corpus para trancar a ação penal em função da Pessoa Jurídica, porque ela não tem Direito à
Locomoção – a pessoa jurídica pode ser impetrante, mas não paciente.
iii. Seres não-humanos: é uma questão para pós-humanidade. A tendência é que se forem dotados de
racionalidade e se partilharem de características semelhantes aos de humanos, é de se imaginar que eles
tenham direitos fundamentais, como o direito à existência.
Friedrich Muller: a norma constitucional é composta por um programa normativo (conjunto de sentidos
que é criado a partir do significado do texto, seria a parte externa de um iceberg); também algo para além do
enunciado, porque quando se aplica a norma, tem-se todos aqueles dados de realidade, ou seja, o âmbito da
norma.
Observação (Âmbito de proteção e âmbito de regulação): professor Dimitri Dimoulis faz essa
diferenciação em seu livro de constitucional, mas o professor André Batista afirma que não faz muito sentido
esse debate no Brasil.
i. Teorias Absolutas ou Internas: pensa os limites como imanentes, que já existem nos direitos
fundamentais, e cabem aos intérpretes reconhecê-los.
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2. Restrições Constitucionais
Em regra, todos possuem o direito de sindicalização e greve. Entretanto, para o servidor público, esse direito
necessita de lei (e como não tem lei, o STF suprime essa omissão até que o Congresso Nacional o faça). Já
para os militares, o art. 142, IV, restringe o direito, impossibilitando os militares de executarem greves. Para
opinião majoritária, vinda de José Carlos de Vieira Andrade, o que acontece é uma Restrição/Limite
Constitucional quanto o próprio direito – embora Virgílio Afonso tenha algumas objeções. Não há que se
analisar Proporcionalidade na Restrição Constitucional.
Isso significa que a Constituição Federal pode impor restrições aos Direitos Fundamentais, não necessitando
para isso vir no mesmo texto. Ela deve ser interpretada como um conjunto sistematicamente.
Art. 5, XV. é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer
pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
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A Constituição não se limita a dizer que uma Lei vai restringir o direito fundamental, ela estabelece condições
especiais, fins a ser perseguidos ou meios utilizados. É como se ela dissesse ao Congresso que a lei pode ser
feita, mas não podendo faltar determinados tópicos elencados. Caso os fins não sejam obedecidos, a lei será
inconstitucional.
Art. 5º, XXXVIII Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Observação: A lei pode determinar qualquer coisa? Será que não haverá ofensa ao núcleo desse direito
fundamental? No Brasil, desde a década de 90, há uma compreensão de que, ainda com a autorização da
Constituição Federal, a lei não pode ofender o núcleo essencial do direito fundamental. E para isso ele deve
obedecer ao Princípio da Proporcionalidade, não apenas à Reserva Legal.
Em Salvador, o poder Executivo proibiu que os locais de culto funcionassem – os cultos de todas as
naturezas estão fechados, assim determina a regra jurídica. Se lermos o texto da constituição, percebemos que
a lei deveria proteger as liturgias, como o decreto, abaixo da lei, pode proibir o funcionamento
temporariamente de um local de culto? Como isso funciona? É uma discussão sobre as restrições dos direitos
fundamentais. Um decreto pode restringir se for fundado em lei.
É possível limitar uma norma da Constituição, se a própria Constituição autorizar dentro ou fora dessa
norma. Batista não gosta muito dessa discussão, mas para o momento é o aceitável. Esses limites, contudo,
podem aparecem da própria conformação/estruturação do direito. No inciso VI, do artigo 5º, a CF faz uma
remissão à lei ao falar que “na forma da lei”, para dizer que o legislador deva criar uma lei determinando como
será essa proteção. Isso é chamado de Reserva Legal: que, nos direitos fundamentais, consiste na autorização
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que a Constituição dá para que uma lei, infraconstitucional, limite o que a Constituição diz; às vezes, essa
Reserva Legal está dentro do próprio direito; noutra, fora.
Artigo 139º. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só
poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - Obrigação de permanência em localidade determinada.
No Estado de Sítio, pode existir um decreto do presidente que autorize o interventor (aquele que vai executar
o Estado de Sítio) a fazer restrição do direito fundamental dessa forma. No contexto da pandemia em 2020, o
presidente Jair Bolsonaro quis dizer que o que os governadores estão fazendo é algo que só poderia acontecer
em Estado de Sítio. Uma das medidas do Estado de Sítio é exatamente essa. Aqui, a Constituição autoriza
uma restrição não no próprio corpo da Liberdade de Locomoção, mas em outro dispositivo. É preciso
interpretar a Constituição de forma sistemática, de modo uno, em que uma restrição pode vir de extremidades
da Constituição, mas é preciso entendê-la de modo uno.
Um decreto pode limitar se for fundado em lei, se a lei tiver autorização para existir, e essa autorização é
chamada de Reserva Legal. Também, a própria Constituição pode limitar direitos fundamentais, como no caso
dos direitos de sindicalização e de greve que não abarcam os militares, pois existe, em outra parte do texto,
uma restrição para essa classe.
Por exemplo, o decreto que o presidente Jair Bolsonaro regulamentou sobre posse de armas. Na visão de
Batista, há um excesso do poder regulamentário e, por isso, esses decretos são ilegais – não é inconstitucional.
O grande problema dessa teoria é que, às vezes, não se encontra na Constituição autorização para que a lei
exista, e ainda assim ela é compatível com o texto constitucional. Diz-se que há uma Reserva Legal Implícita:
implicitamente, a Constituição autorizaria o legislador a limitar a liberdade religiosa. Isso é muito complicado,
porque o legislador pode “inventar” uma reserva legal implícita onde não existe, o que dilui a força normativa
da Constituição. É difícil distinguir a Reserva Legal Implícita real da Reserva Legal Implícita inventada.
iii. Os direitos fundamentais podem ser encarados de forma estática. Olhar a norma, ver o significado e
entender as restrições, para entender as reservas legais e, posteriormente, as restrições que as leis
impõem. Depois, verifica-se se essa lei é proporcional, porque existe a necessidade de saber se ela
obedece ao Princípio da Proporcionalidade, porque se ela for, agride o núcleo central do Direito
Fundamental. É preciso pensar entre os meios e fins que se desejam alcançar.
iv. O direito precisa interagir com demais direitos, quase cinemática, de coalizão de Direitos
Fundamentais. Quando isso acontece, tem-se ainda mais restrições na prática, não porque a lei
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restringiu, mas porque na situação concreta existe um direito mais importante, no caso de Salvador, o
direito à saúde.
4. Concorrência de Direitos Fundamentais
Ocorre quando tem um ou mais direitos fundamentais que incidem na mesma hipótese fática, mas eles não
colidem entre si, eles somam – a proteção de um não exclui a proteção de outro.
Exemplo: Uma procissão religiosa. Nela, as pessoas que ali estão têm a liberdade de religião, ao mesmo
tempo, elas se locomovem, também no exercício da liberdade de locomoção. Ainda, elas mantêm uma reunião,
num local público, sem armas e de modo pacífico. São três direitos fundamentais incidindo na mesma situação.
Exemplo: Manifestação que ocorra na entrada de um hospital. Os manifestantes ao mesmo tempo obstruem
a entrada e impedem o exercício do direito à saúde. O que acontece? Impede-se totalmente a manifestação
para proteger a saúde ou não protege a saúde em prol da manifestação? Existem duas formas principais para
resolver conflitos dessa natureza.
i. Precedência Fixa: antes mesmo do conflito existir, já se estabelece qual direito ganha em relação aos
outros. Direitos que são preferíveis, em abstrato, a outros. Nos Estados Unidos, por exemplo, o caso
de Liberdade de Manifestação de Pensamento, que prevalece sobre todos os outros, exceto a vida. O
Supremo Tribunal Federal diz que não adota a regra da Precedência Fixa, mas em alguns poucos
julgados o Supremo sinaliza a possibilidade de adoção dessa regra, especialmente em casos de
Liberdade de Manifestação de Pensamento. Nossa doutrina segue o que os alemães construíram com
um sistema de Precedência Condicionada.
ii.
iii. Precedência Condicionada: sem que se avalie a situação concreta, não tem como dizer qual direito
vai prevalecer. Robert Alexy disse que diante de certas circunstâncias do caso concreto, um princípio
precede o outro. A dimensão a ser avaliada não é de validade, mas sim de peso de cada princípio.
1. O princípio 1 prevalece no princípio 2 na situação A.
2. O princípio 2 prevalece no princípio 1 na situação B.
Isso significa dizer que, com as formas de precedência condicionada, o que acontece é que um direito
prevalece sobre o outro, nas circunstâncias do conflito analisado, não abstratamente. Não significa dizer que
um direito tenha prerrogativa de excluir completamente outro, como outro é igualmente fundamental, tem que
entender como mandamentos de otimização. Mandamentos de otimização significa que vai realizar o direito
que vai prevalecer no máximo possível, mas vai sacrificar o direito no mínimo possível.
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Exemplo (RE 407688): O ministro Cezar Peluso disse que o direito de moradia e o direito de propriedade
eram coisas diferentes, afinal pode-se garantir o direito de moradia sem que o indivíduo seja proprietário. Se
o Supremo Tribunal Federal diz que é inconstitucional a conduta de quem involuntariamente coloca seu
imóvel para dispor a fiança, automaticamente pessoas que têm imóveis para alugar, sabendo que não possuem
garantias idôneas, retiram esse imóvel do mercado ou sobem o preço absurdamente. Então, a pretexto de
proteger o direito subjetivo de moradia que está no processo, se prejudicaria o valor de moradia porque tem
menos oferta de imóvel a alugar. Por isso, a penhorabilidade do bem de família do fiador no Contrato de
Princípio da Presunção de Inocência: também tem uma dimensão subjetiva (de quem se vê processado), mas
também há uma dimensão objetiva com irradiação de toda maneira. Como ficaria a dimensão objetiva do
Princípio de Presunção de Inocência?
Fiação não ofende o direito de moradia. O direito de moradia tem uma dimensão subjetiva, que é o direito de
cada um tem de possuir uma moradia (diferente do direito de propriedade). Mas o julgador tem que tomar
decisões que sejam compatíveis com a promoção do valor moradia para todo ordenamento.
A partir do caso Lüth, toda doutrina passou a ver os Direitos Fundamentais como detentores de Dimensão
Subjetiva e de uma Ordem Objetiva de Valores, gerando consequências.
2.1) Consequências:
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i. Eficácia irradiante dos direitos fundamentais: eles passam para todo ordenamento, de modo que
todas as normas, públicas ou privadas, precisam ser interpretadas à luz dos direitos fundamentais.
ii. Deveres de proteção por parte do Estado, cada direito fundamental tem seus deveres de proteção
associados, ainda que o principal obrigado não seja o Estado;
iii. Proibição do excesso;
iv. Proibição da proteção deficiente;
v. Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas;
A concepção de que o único obrigado com relação ao respeito dos Direitos Fundamentais é o Estado deu
origem a state action doctrine nos Estados Unidos e outros países como Canadá e Austrália. Nos EUA, essa
corrente diz que todos os direitos fundamentais valem apenas contra o Estado, havendo apenas uma exceção:
o Direito à Não Escravização, consagrado pela 13ª Emenda, entendido como válido para as relações privadas.
Por isso, existem programas estadunidenses com cláusulas contratuais que aqui seriam vistas como abusivas,
pois é o Estado quem garante esses direitos, não os particulares.
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II – a dignidade da pessoa humana.
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e
destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário
e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
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Basta pensar nas plataformas que utiliza dos trabalhos das pessoas (Uber, iFood) e se essas pessoas deveriam
ter essas relações como trabalhistas. Essa discussão perpassa pela questão da eficácia dos direitos
fundamentais das relações privadas.
1. (STF) Um indivíduo brigou com a união brasileira de compositores, um escritório de arrecadação de direitos
autorais, e é demitida com base no Código Civil antigo. O ECAD é um sistema que existe para abranger
compositores, musicistas, que recebem direitos autorais toda vez que a música de sua posse é tocada. Mas
seria impossível ir em cada evento, rádio para receber os serviços autorais. Haveria um custo muito grande
para essa fiscalização, ainda que fossem compositores de grande sucesso. Por isso, foi criado o ECAD –
sistema privado -- baseado em ideia de associações, de modo que seja pago um valor para associação, o sistema
ECAD fiscaliza os locais que executam. O indivíduo que participava dessa associação brigou e foi expulso.
Ele entra na justiça, antes do CC/2002, e diz que foi expulso, alegando que a Constituição garante a todos o
direito ao contraditório e ampla defesa, pedindo ao juiz que obrigue a associação a reintegrá-lo. A entidade
respondeu que responderia como quisesse, com base na autonomia privada. E se não quisesse dar espaço para
defesa, assim não o faria.
2. (STF) Um indivíduo trabalha para uma multinacional francesa no Brasil, que possuía um regulamento
(conjunto de normas internas) que dizia que determinados postos só poderiam ser ocupados por franceses. O
indivíduo sabia disso ao entrar. Ele acaba progredindo na empresa, sendo reconhecido pelos empregadores.
Fica provado no processo que ele somente não alcançou cargos mais altos porque era francês. Entrou na justiça
e alegou que foi discriminado por ser brasileiro, sendo que a Constituição garante igualdade. O fato de ser ou
não brasileiro não é um critério razoável. Ele solicitou ao juiz que pedisse à empresa para que lhe fosse pago
aquilo que não recebeu por não ter ganhado o que tinha direito e condenar a empresa pela prática
discriminatória. A multinacional também se defendeu dizendo que se organizava como queria por ser uma
empresa privada.
3. (TST) Quando o indivíduo se acidenta ou adquire uma deficiência no trabalho, o empregador, pela legislação
® brasileira,
Resolução: tem obrigação de readaptá-lo: treiná-lo para que ele exerça outra função. O indivíduo foi readaptado
(mantido no emprego), mas foi colocada em um local exposto, sem receber trabalho, mesmo com um vínculo
empregatício. Os colegas o viam sem nada fazer, sem receber repasse de funções do empregado. O indivíduo
entregou na justiça e alegou direito à igualdade, alegando discriminação. A empresa alegou ser uma inciativa
privada, organizando-se como queria.
Desde o caso Lüth, é reconhecida a incidência/eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Existem várias formas de resolver, mas duas maneiras específicas.
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Adotada na Alemanha de forma minoritária, em Portugal e no Brasil. Para ela, Direitos Fundamentais têm
supremacia normativa. O espaço de liberdade de indivíduos é maior ou menor de acordo ao dito na
Constituição, que limita a autonomia privada e estatal, dizendo coisas que não devem ser feitas. Tendo, então,
supremacia normativa, e havendo um contrato que contraria o que a Constuição diz, aplica-se o que ela diz.
A autonomia privada não é mais importante que a Constituição.
Assim, sendo, no primeiro caso, o STF disse que o compositor seria reintegrado, tendo direito a se defender e
expor seu ponto de vista na Assembleia Geral. No segundo caso, com base na igualdade, a discriminação na
multinacional francesa contraria a Constituição, devendo indenizar o trabalhador por aquilo que ele sofreu.
Por último, no terceiro, o trabalhador, o TST exigiu indenização do empregador, que teve conduta
discriminatória.
Princípio da Proporcionalidade
Biografia: Teoria dos Direitos Fundamentais (Robert Alexy), Dimitri Dimoulis, Ingo Sarlet, Humberto Ávila
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judiciária) precisa ter congruência entre os fins que busca e os meios que o Estado utiliza – substantive due
process. Ele deve alcançar, ou tentar, a razoabilidade.
2) Princípio da Razoabilidade
Deriva da ideia do Devido Processo Legal Substantivo. O Princípio da Razoabilidade ainda é indeterminado
em sua aplicação. Dizer que uma medida estatal precisa ser razoável é um avanço, mas ainda pouco, se for da
vontade de controlar quem decide, de evitar um poder arbitrário de decisão. Mas há um desacordo sobre o que
é razoável para um ou para outro.
Isso chega na Alemanha, que não tinha um Controle de Constitucionalidade, mas depois que consagram essa
ideia, eles importam uma parte da doutrina americana e reinterpretam de acordo à própria concepção de direito
germânico. E quando eles trabalharam com a ideia do Devido Processo Legal Substantivo, eles tentavam
conter a indeterminação reprocessando o Devido Processo Legal Substantivo, dando o nome de Princípio da
Proporcionalidade.
3) Princípio da Proporcionalidade
Um campo de utilização do Princípio de Proporcionalidade é para o Controle de Constitucionalidade de
Leis que restringem direitos fundamentais, não fazendo sentido aplicá-lo para normas já existentes da
Constituição, nem para aquelas que surgem a partir do Poder Constituinte Reformador – essas normas, trazidas
via emenda, podem ser inconstitucionais ao que viola as “cláusulas pétreas”.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Art. 28 (Lei n. 12.663/2012). São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais
Oficiais de Competição, entre outras:
IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de
caráter racista, xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação;
V - não entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;
§ 1º É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de
expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.
Observação: Os incisos IV e V, do art. 28, existiam para proteger direitos fundamentais que naquele momento
eram importantes, mesmo em detrimento da Liberdade de Manifestação. O PSDB entrou com um ADI, falando
que era inconstitucional que só poderia se manifestar em defesa da dignidade da pessoa humana. O PSDB quis
afastar de que não era possível fazer manifestação política que não a defesa da dignidade da pessoa humana.
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Aluno: Felipe Carvalho
Em uma democracia, se desejam fazer manifestações contra governo, o que impediria? O parágrafo primeiro
diz que o direito está ressalvado em defesa da dignidade da pessoa humana. A FIFA quis dizer que só poderia
realizar manifestação sobre dignidade da pessoa humana. O PSBD, por outro lado, afirmou que essa
interpretação era inconstitucional — o problema é o que estava implicitamente passível de proibição.
Passos de identificação:
Observação: ainda assim, a lei não pode fazer tudo a pretexto de restringir um direito fundamental, pois
poderia acabar eliminando o núcleo essencial dele – retirando toda sua normatividade ou agredir em excesso
um direito que potencialmente com ele colida.
3.1) Subprincípios
Os subprincípios são analisados sucessivamente (primeiro, adequação/idoneidade, depois necessidade, e por
fim proporcionalidade em sentido estrito).
Exemplo:
Existe lei (Código Penal) que criminaliza o aborto. A discussão era se a lei era ou não constitucional. O relator
disse que: punir com pena o aborto não atende à adequação ou idoneidade, sendo, portanto, inconstitucional
o Código Penal.
Em Adequação ou Idoneidade se analisa se a lei, que restringe direitos fundamentais, promove algum outro
direito. Avalia-se se essa lei realmente protege o direito a que ele se destina fomentar. Busca-se saber se
restringindo a liberdade de locomoção das pessoas, conseguiria se proteger a vida dos nascituros, porque, caso
não consiga minimamente, a lei já perde eficácia. Para a maioria dos autores, não se avalia se a lei protege
mais ou menos, mas se protege minimamente. Avalia-se se a restrição vale a pena. Proibir e ameaçar de
punição penal as mulheres que abortam é capaz de proteger a vida dos nascituros? Existem abortos
clandestinos, de modo que a punição não seja capaz de proteger a vida dos nascituros.
No Subprincípio da Necessidade se avalia se dentre as várias medidas que existem, e que são igualmente
idôneas à proteção daquele direito, tal medida seria a menos restritiva de direitos fundamentais?
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Direitos Fundamentais — Prof. André Batista Neves
Aluno: Felipe Carvalho
Necessidade não tem a ver com “ser necessário”, mas se existe uma alternativa que restringe menos o direito
fundamental (no caso em questão, a Liberdade de Locomoção). Como não atendia à idoneidade dos nascituros,
o Ministro não precisaria seguir adiante, mas ainda assim ele o fez. Ainda que se protegesse a idoneidade dos
nascituros, existiriam alternativas (para Batista, campanhas educativas, restrição administrativa).
A Constituição veda a tortura. Para quem defende direitos fundamentais absolutos, seriam eles: o direito a não
ser reduzido a questão de escravo e a impossibilidade de tortura. Para alguns autores, seria impossível
relativizar esses direitos. Além dos subprincípios e, com eles, ser possível construir um parâmetro para saber
se leis que restringem direitos fundamentais são proporcionais ou não – e consequentemente constitucionais
ou não – existem outras duas aplicações, servindo como Proibição do Excesso e Proibição da Proteção
Deficiente.
HC 99832, STF, Rel. Min. Celso de Mello, 17.11.2009: ficou entendido que o artigo 44 da Lei 11.343 violava
o Princípio da Proporcionalidade como Proibição do Excesso. A Lei 11.343 é a lei que pune o tráfico de
drogas. O Artigo 44 dizia que a pessoa condenada por tráfico de drogas não poderia ser beneficiária de induto
de graça (por ser equiparado ao crime hediondo) e o processado não poderia receber liberdade provisória,
devendo responder a todo processo presa. Isso foi entendido como violador do princípio da dignidade da
pessoa humana.
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