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Heryl Holt - Destino Incerto (My True Love

Em 'Destino Incerto', Penélope Westmoreland, prometida a um conde devasso, se vê envolvida em um romance clandestino com Lucas Pendleton, que busca vingar-se do Duque que desonrou sua família. Lucas, ao confrontar o Duque, descobre que Penélope é mais do que um mero objeto em seu plano de vingança, pois se apaixona por ela. A história se desenrola em um cenário de intrigas e revelações familiares, onde amor e vingança se entrelaçam.

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Heryl Holt - Destino Incerto (My True Love

Em 'Destino Incerto', Penélope Westmoreland, prometida a um conde devasso, se vê envolvida em um romance clandestino com Lucas Pendleton, que busca vingar-se do Duque que desonrou sua família. Lucas, ao confrontar o Duque, descobre que Penélope é mais do que um mero objeto em seu plano de vingança, pois se apaixona por ela. A história se desenrola em um cenário de intrigas e revelações familiares, onde amor e vingança se entrelaçam.

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Cheryl Holt Destino Incerto

Cheryl Holt Destino Incerto

Estados Unidos, 1853


Em busca da vingança, ele a usou como um joguete... até ela se tornar seu grande e
único amor.
O sonho de Penélope Westmoreland era unir-se a um nobre e ser feliz para sempre.
Em vez disso, foi prometida a um conde idoso e devasso. Desesperada e sem nenhuma
opção diante de um destino cruel, cedeu aos encantos de um estrangeiro belo e corajoso
que lhe ofereceu a tábua da salvação. Ele a arrebatou em um romance clandestino
semelhante aos dos contos de fada.
Lucas Pendleton viera para a Inglaterra com um só objetivo: vingar-se do Duque
que desonrara sua família. Não demorou para ele traçar um plano perfeito e fazer o patife
pagar pelo que fizera: raptou-lhe a filha! Mas Lucas não contava ser apanhado na teia da
ingenuidade de Penélope. Não somente foi seduzido pela beleza da jovem, como também
perdeu o coração para ela!

Disponibilização: Marisa Helena


Digitalização: Marina
Revisão: So
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo I

Lucas Pendleton esgueirou-se pelo corredor comprido, atento a qualquer


movimento suspeito, contando as portas na passagem e anotando possíveis
esconderijos em caso de necessidade. Escutou risos ao longe e ruídos de talheres
batendo em porcelana.
O mapa rabiscado às pressas por Peggy, a criada da hospedaria, mostrara uma
exatidão surpreendente. Fora fácil localizar a alameda, as cavalariças, o portão
destrancado dos fundos, as cercas-vivas que garantiam a privacidade, a entrada do
terraço. Segundo Peggy, o Duque sempre ia até a biblioteca, acima e à direita, depois
do jantar.
Ainda que a moça estivesse enganada, Lucas esperaria o quanto fosse preciso
para forçar uma confrontação. Sentiu culpa e remorso ao lembrar-se de como adulara e
seduzira a jovem roliça e simpática para obter as informações sobre Harold
Westmoreland, Duque de Roswell. Esperava que a bolsinha com moedas que lhe enviara
junto com uma mensagem de despedida servisse para amenizar um pouco o desencanto
da pobrezinha.
Acertar as contas com o Duque de Roswell era uma questão familiar, e Lucas
assumia qualquer ônus ou risco quando se tratava de sua família. Com a morte
prematura dos pais, enfrentou uma infância difícil. Não demorou muito para tornar-se o
protetor do casal de irmãos mais novos, e por eles faria tudo, até mesmo enganar uma
pessoa bondosa como Peggy.
Durante sua permanência em Londres, as tentativas de encontrar-se com o Duque
revelaram-se infrutíferas. Roswell era poderoso, rico e poderia negar-lhe uma audiência,
se assim o desejasse. Por isso Lucas resolveu usar métodos alternativos, embora pouco
recomendáveis.
Batera na porta de Harold Westmoreland inúmeras vezes e escrevera várias cartas.
Empenhara-se em cruzar-lhe o caminho, mas o Duque nunca estava só. Rodeava-se de
um exército de criados eficientes e fiéis que impediam a aproximação de indesejáveis.
Para maior sucesso, Lucas deveria ter trazido seus próprios homens. Assim
competiria em igualdade de condições. Mas viera apenas com seu irmão, Matthew.
Como americano, fácil de se reconhecer pelo sotaque e pelo trajar descontraído, não
tivera oportunidade de infiltrar-se no círculo social do Duque.
Antes de vir para a Inglaterra, Lucas e Matthew concordaram em resolver a questão
da maneira mais discreta possível. Não pretendiam erguer um clamor público contra um
homem casado e pai de dois filhos crescidos. Só não haviam contado com o desinteresse
de Westmoreland em receber dois estrangeiros atrevidos. Era lógico que não iriam contar
ao porteiro os motivos daquela visita. Entretanto, empregar métodos mais drásticos teria
sido eficaz, se tivessem alguns bons camaradas.
Apesar de Matthew ser muito competente no desempenho de missões
complicadas, estava fora de cogitação duas pessoas dominarem os guardas do Duque.
Vê-lo de longe, subindo ou descendo da carruagem, foi o máximo que Lucas conseguiu
naqueles dias.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Isso logo vai mudar — Lucas murmurou a si mesmo.


Parou, olhou para os lados e entrou na biblioteca. Ninguém por perto.
O fogo crepitava na lareira, e o conhaque na mesa aguardava a presença de
Roswell. Lucas desistiu da idéia de esvaziar o cálice para o Duque desconfiar de sua
presença. Nenhuma gota de álcool deveria nublar-lhe os sentidos.
Foi até a extremidade do recinto e escondeu-se atrás de uma das cortinas pesadas
de veludo. Na passagem, foi impossível não observar a opulência fria do ambiente. O
lugar mais parecia um museu, pela quantidade de tesouros enfileirados. Artefatos
variados, pinturas clássicas e tapetes orientais. Papel de parede com incrustações em
ouro. Adornos brilhantes de cobre. Tudo muito limpo, polido, de muito valor. E exposto
para dar a dimensão exata da fortuna do dono, onipotente e supremo.
Aquele homem pagaria por tudo, Lucas refletiu, resoluto. O Duque de Roswell
haveria de cumprir as obrigações devidas a família Pendleton.
Em instantes a porta foi aberta, e Lucas espiou. Era Roswell que entrava. O Duque,
de costas para ele, acomodou-se na poltrona enorme, suspirou, recostou-se no couro
macio e fechou os olhos antes de alcançar o copo.
Lucas esperou Westmoreland beber alguns goles, deixar o recipiente de cristal
sobre o tampo e passar a mão sobre a barriga. Sem fazer o menor ruído, saiu do
esconderijo, postou-se atrás dele e encostou o cano da pistola em sua cabeça.
— Não se mova ou estouro seus miolos.
Westmoreland mexeu-se, e Lucas pressionou o metal mais fundo.
— Estou falando sério. Eu o matarei em um piscar de olhos.
— Acredito. — O Duque ficou imóvel. — O que deseja?
— Ponha suas mãos onde eu possa vê-las. Agora!
Roswell inclinou-se para a frente com lentidão e descansou as palmas no mogno
escuro.
— Se está querendo dinheiro, não tenho nada aqui...
— Fique quieto! Quero que me olhe de frente, e por isso darei a volta na
escrivaninha. Mantenha as mãos onde estão e a boca fechada até eu ordenar-lhe que
fale. — Lucas o viu mirar a porta e ameaçou-o. — Nem pense nisso. Eu o matarei antes
de alguém cruzar aquela soleira. Não me importa o que se dará depois e muito menos
importará a Milorde, quando for um defunto.
— Certo. Por favor, explique-se.
Lucas voltou a pistola para a cinta. Em seus trinta anos de vida já usara a arma um
número suficiente de vezes para sacá-la no instante em que fosse necessário. Porém
esperava com sinceridade que não precisasse atirar naquele suíno desprezível, os
porcos que o desculpassem. Por mais que lhe desse prazer atirá-lo em uma sepultura,
preferia o Duque vivo para fazê-lo pagar por seus pecados.
Sem perder Harold de vista, Lucas andou com cautela até encarar o inimigo pela
primeira vez. Para sua surpresa, Westmoreland era diferente do que imaginara. Vestia
um casaco de veludo azul-marinho e tinha aparência refinada de gente rica. A camisa
branca era imaculada, e o nó da gravata, perfeito. E muito mais jovem do que Lucas
supusera.
Embora soubesse que o Duque tinha quarenta e cinco anos, por algum motivo
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inexplicável esperara encontrar um velho decrépito. Que nada... Westmoreland era na


verdade atraente e vigoroso.
Lucas alimentou sua ira com visões ultrajantes de um ancião devasso que se
aproveitava de jovens inocentes para saciar seus apetites doentios. Mas aquele homem
era um representante perfeito de um nobre inglês. Esbelto e com expressão brincalhona,
era um daqueles sujeitos de sorte cuja aparência melhorava com a idade.
A ascendência aristocrata estava presente em seus traços, sem dúvida um tipo
masculino que atraía as mulheres. Os cabelos loiros começavam a branquear e estavam
amarrados em um pequeno rabo-de-cavalo. O casaco acentuava o azul-safira dos olhos
astutos e inteligentes que não perdiam um só detalhe da situação.
O Duque transmitia a idéia de comando e de energia, o que se devia, na certa, à
posição privilegiada que ocupava na vida. Lucas calculou que o lorde teria sido bem-
sucedido, independente de ter nascido em berço de ouro. Era um indivíduo acostumado
a dar ordens e sabia como fazê-lo. Não se intimidou em refletir que o Duque seria um
adversário difícil. Já esperava por isso.
Em suas lutas de menino aspirante a marinheiro e mais tarde de jovem que
começava seu próprio negócio com frota mercante, Lucas enfrentara as piores classes
de vilões. Brutos que eram mil vezes piores que o sujeito bem-nascido e mimado que o
fitava.
— Queira desculpar-me por toda essa encenação, sir, mas já faz algumas semanas
que venho tentando marcar um encontro com Milorde.
Westmoreland deu de ombros.
— Sou uma pessoa ocupada.
— E eu sou Lucas Pendleton.
O Duque não demonstrou o menor sinal de reconhecer o significado daquele nome.
No íntimo Lucas imaginara que Roswell o evitara de propósito por saber de quem se
tratava, e não ignorava os motivos que o tinham feito atravessar o oceano em busca de
uma audiência.
— Como tem passado? — O Duque inclinou a cabeça em um cumprimento.
— Minha irmã é Caroline Pendleton. — Lucas irritou-se ao máximo diante da
fisionomia impassível do Duque. — Antes que Milorde pense em fingir que não a
conhece, devo avisá-lo de que isso me fará dar a volta nessa escrivaninha e apertar-lhe
o pescoço até deixá-lo sem um sopro de vida.
Harold Westmoreland observava o jovem irado, refletindo no porquê de o destino
ter se encarregado de promover tal encontro logo naquele momento. Já não fora
suficiente a tortura de suportar o noivo intragável de sua filha Penélope durante o jantar?
Roswell odiou a desvantagem de estar sentado diante do adversário. Mas não lhe
pareceu inteligente a possibilidade de levantar-se e acuar o outro com o poder de sua
situação social. Pendleton não devia ser alguém que se intimidava com posições e títulos
ou não teria invadido aquela mansão.
Pendleton tinha mais de um metro e oitenta, o que também não daria vantagem a
Harold, que era alguns centímetros mais baixo. Movia-se com a graça predatória de um
felino, e sua compleição vigorosa fazia supor uma vida de trabalhos duros. Os ombros
musculosos e as mãos fortes não deixavam dúvidas de que cumpriria a promessa que
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fizera.
Harold permaneceu imóvel tanto pela fúria como pela superioridade física do
oponente. E sobretudo por saber que a indignação de Pendleton era justificada. Ele
parecia um barril de pólvora prestes a explodir, e Harold precisava manter a calma para
evitar o pior.
— Conheci Caroline, uma jovem adorável. Americana, creio eu. Encontrei-a há
alguns anos, quando ela esteve aqui visitando os primos ingleses.
— Sei disso. — Lucas sentiu-se aliviado com a admissão do conhecimento.
— Não a vejo há muito tempo.
Harold já tivera tanta mulheres que lhe escapavam detalhes a respeito delas. Mas
não dessa vez. O irmão parecia-se muito com Caroline. Cabelos negros e longos, olhos
castanhos e profundos. Recordava a jovem bonita e graciosa, magra e alta. Bem
diferente das inglesas loiras e pálidas que conhecera. Não havia como não gostar dela.
Era bem-educada e tinha senso de humor. Urna ótima ouvinte, além de conversar sobre
qualquer assunto. Dotada de inteligência vivaz e cultura acima da média. Era com uma
moça assim que Harold sonhara em casar-se.
Quando aprendeu as artes do amor, Caroline tornou-se uma parceira fogosa, fato
que não poderia ser comentado com Lucas Pendleton.
Quanta doçura envolvia Caroline! Como aquele verão maravilhoso passara
depressa!
— Como está ela?
— Morta.
— Ah, sinto muito... Minhas condolências. — Harold procurou não demonstrar
sentimentos que o denunciassem.
— Não queremos seus pêsames. Não quer nem saber como minha irmã morreu?
— Se quiser contar-me... — Harold não gostou de seus pressentimentos.
— Caroline veio a falecer logo após o parto, seis meses depois de ter deixado a
Inglaterra.
O Duque continuou imóvel. Não piscava e parecia não respirar.
— Mas que coisa triste. — Harold sentiu vontade de vomitar e engoliu em seco. —
Quando?
— Faz quase cinco anos.
— Perdão, mas não entendo os motivos que o trouxeram aqui. Imagino que se
relacione com o falecimento de Caroline, mas não sei o que isso tem a ver comigo.
— Cale essa boca mentirosa!
Lucas desejou ter a coragem de matar Westmoreland. Agressivo e sarcástico, usou
o prenome do Duque, apontando de novo a arma, agora para o peito dele.
— É um menino, Harold. Parabéns. Ele vai. completar cinco anos, e se me disser
que não é seu, atravessarei seu coração com uma bala antes de que pronuncie qualquer
outra palavra.
Harold passou a língua no lábio inferior, calculando as possibilidades. Teria deixado
Caroline grávida?
O caso entre eles fora intenso e rápido, sem oportunidade para maiores
sentimentalismos após a partida da jovem. Ficara poucas vezes a sós com Caroline. Os
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encontros secretos e proibidos tinham sido abreviados pelo retorno dela à América. Bem
que gostaria de ter lhe ensinado muito mais...
Uma criança? Impossível! Por que Caroline não lhe escrevera? Talvez o houvesse
feito, mas a notícia devia ter se extraviado em meio aos imprevistos que rondavam as
viagens oceânicas.
E, se ele tivesse sabido, o que poderia ter feito?
— Não estou dizendo que não sou o pai do menino...
— Harry é o nome dele — Lucas interrompeu-o. — Minha irmã pediu-nos para dar-
lhe seu nome.
O que não correspondia à verdade. Caroline jamais dissera quem era o pai de
Harry. Lucas usara de todos os meios para forçá-la a confessar, mas fora em vão. Ela
temia a reação dos irmãos.
Em seu leito de morte, pediu que o menino se chamasse Harold, sem mencionar o
motivo. Anos mais tarde, Lucas encontrou a carta escrita pela irmã e que nunca foi
enviada. E assim descobriu quem era o pai de seu sobrinho.
Os dois se entreolharam, e Harold não pôde deixar de admirar aquele americano
intrépido. Poucos teriam coragem de desafiá-lo daquela maneira. Talvez Pendleton fosse
também um tanto maluco.
— O que deseja de mim, Pendleton?
— O reconhecimento legal.
— Não pode estar falando sério!
— Torno a avisá-lo de que não estou brincando.
Ouviu-se o ruído da arma sendo engatilhada.
— Não tenho a menor intenção de fazê-lo.
Harold se sentiu mais ousado. Pendleton procurava uma declaração que
legitimasse seu sobrinho, por isso não haveria de matar a única pessoa que poderia
confirmar ou negar a alegação.
O Duque não pretendia corroborar o argumento. Tinha outra filha ilegítima, Maggie.
Apesar do passado tumultuado, no momento as relações entre ambos eram cordiais. Ele
ainda não a reconhecera publicamente, apesar de Maggie ser bem-aceita na sociedade,
depois de haver se casado com o marquês de Belmont. Ela nascera de um
relacionamento amoroso, quando Harold ainda era solteiro. E se não dera a Maggie o
benefício da identificação paternal, decerto não o faria em prol de um garoto que nunca
vira e do qual ouvira falar fazia poucos minutos.
— Já escutei demais. — Harold ergueu-se, confiante. — Está na hora de o senhor
retirar-se. A despeito de sua insistência e de sua ira, jamais me convencerá de que sou
o pai desse bastardo.
Lucas estremeceu, mas não comentou o emprego do termo. Westmoreland haveria
de facilitar a vida de Harry. Nem que isso custasse ao tio o último centavo e o último
suspiro.
Tirou do bolso do colete uma miniatura que fora pintada antes da partida da Virgínia.
— Veja o rosto do garoto e seus olhos azuis. — Lucas atirou a semelhança em
cima da mesa. — Agora tenha a desfaçatez de dizer que ele não é seu filho.
Com má vontade, Harold apanhou a moldura dourada e examinou a reprodução.
Cheryl Holt Destino Incerto

Era igual aos retratos dele mesmo naquela idade.


— Ninguém acreditará nisso.
— Compreendo que não queira envergonhar sua esposa e sua família com
minúcias acerca do nascimento de Harry. Também não faço questão de anúncios
públicos. Ficarei satisfeito em resolver isso entre nós.
— O senhor está louco! — o Duque esnobou, crente da insanidade de Pendleton.
Não pretendia escutar mais nada. Só queria aquele intruso longe dali. — Jensen!
O mordomo não deu sinal de vida. Harold gritou mais uma vez, sem resultado.
Ninguém apareceu. Na certa os criados haviam se afastado, cumprindo suas ordens de
não ser incomodado.
Para ser atendido, o Duque teria de alcançar a campainha do outro lado, mas Lucas
o impediria de fazê-lo.
Todavia, o fato de não ter sido alvejado por sua atitude mais intempestiva poderia
encorajá-lo. O irmão de Caroline não era tão cruel quanto tentava aparentar, mas era
imprudente. Pendleton não imaginava que o resgate seria improvável. Assim mesmo,
mantinha a calma.
Lucas ignorou a explosão do Duque, embora a vontade de matá-lo aumentasse a
cada segundo. Precisava dele vivo para o fim a que se propusera. Mais tarde exigiria a
contribuição final.
— Só necessito de sua assinatura nos papéis que tenho comigo. Depois de admitir
que é o pai do garoto, terá de abrir uma conta com investimentos que permanecerão
bloqueados até que Harry atinja vinte e um anos. Terá também de arcar com os custos
de qualquer negócio que meu sobrinho pretenda implantar, quando for adulto. Depois
disso, nunca mais ouvirá falar de nós.
— O senhor não passa de um chantagista parasitário!
Lucas escutou movimentos a distância. Contava com apenas mais alguns minutos.
Alguém se aproximaria dali sem tardança.
— Se persistir na recusa de aceitar meus termos, terei de executar uma vingança
manifesta contra sua família.
— Não ouse fazer isso!
— Não?
Lucas aproximou-se da lareira sobre a qual via-se pendurada a pintura de uma
mulher que devia ser a esposa do Duque e atirou no coração da Duquesa retratada.
Aturdido, Westmoreland sufocou um grito e recostou-se no espaldar. Ouviram-se
clamores do saguão, mas Lucas não se incomodou, pronto para partir. Tirou outra arma
das costas e apontou-a para o Duque.
— Concedo-lhe três dias para pensar em sua resposta. — Recuou, abriu a porta e
viu três servas alvoroçadas na escadaria. — Matarei qualquer um que pretenda seguir-
me! — Fitou Westmoreland por sobre o ombro. — Mandarei avisá-lo onde poderá achar-
me para comunicar sua decisão.
E desapareceu da residência enorme, tão depressa e tão rápido como nela entrara.
Imóvel em meio à fumaça, Harold ainda ouvia o eco do disparo. Nem mesmo sabia
por que se impressionara tanto com a encenação. Tratava-se apenas de um retrato e
dos menos apreciados por ele.
Cheryl Holt Destino Incerto

Contudo, o ato violento o perturbou. Pendleton atirara sem pestanejar, em um aviso


funesto. Harold nem conseguiu se erguer para puxar a campainha. Seria melhor o
lunático ir embora. O alarme poderia levar os criados a um enfrentamento com ele.
Continuou sentado, procurando retomar o fôlego. Demorou um pouco para o
metódico Jensen interromper o jantar e aparecer, ainda com o guardanapo engomado
no pescoço. Vários servos vinham atrás dele, ansiosos para ver o que acontecera.
Mais calmo ao constatar que o patrão estava são e salvo, o mordomo baixo e
atarracado puxou a bainha do casaco para recompor a postura.
— Sir... — Jensen fez uma mesura, com a reserva habitual. — ...posso perguntar-
lhe se está bem?
— Estou, Jensen.
— Necessita de algo?
— Um conhaque, por favor.
— Pois não, sir.
Jensen lançou um olhar fulminante aos que espiavam em volta dele, e os criados
fugiram às pressas. Foi até o aparador e encheu um cálice até a borda.
Harold tomou a bebida de uma só vez, e a queimação no estômago agiu sobre os
nervos em frangalhos.
"Outro filho bastardo!" Amaldiçoou a própria sorte. "Quantos mais surgiriam das
trevas?"
Por que Deus criara os homens com necessidades físicas incontroláveis? Como
resistir às tentação representadas por Caroline e por tantas outras?
— Tivemos um visitante indesejável.
— Foi o que imaginei. —O mordomo analisava a pintura destruída, sem nenhum
traço aparente de curiosidade.
— Mande chamar Purdy. Quero falar com ele ainda hoje. Preciso de informações
sobre um americano, Lucas Pendleton.
— Mandarei a mensagem neste minuto.
— Isso é tudo. — Harold fitou o tecido imaculada sob o queixo do serviçal. — Pode
voltar a seu jantar.
— Obrigado, Milorde. — Jensen deu um passo e virou-se. — Devo remover o
retrato da Duquesa?
— Mais tarde.
— Muito bem, sir. Desejo-lhe uma boa noite.
A porta foi fechada, e Harold ficou a sós com um grande sentimento de culpa.
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Capítulo II

Penélope Westmoreland passeava no jardim escuro de sua casa. Estremeceu e


agasalhou-se melhor com a capa escura. Pensou no contraste entre a peça caríssima
de pele que ganhara de uma condessa russa e seu vestido branco, seus cabelos loiros
e sua pele alabastrina.
O jantar fora um acontecimento tedioso. Ela nem mesmo sabia por que se
preocupara tanto com a aparência.
Devia ser por hábito, supôs. Admitiu que os cabelos presos no alto da cabeça
combinavam com seu rosto, e os cachos soltos nos ombros nus conferiam-lhe grande
sensualidade. A melhor modista francesa de Londres era responsável pelo traje, que
acentuava a silhueta recém-adelgaçada que adquirira. Os infortúnios dos últimos três
anos fizeram-na perder peso.
As jóias, colar, bracelete e pentes em pérolas, tinham sido tiradas do cofre da
família especialmente para o jantar de noivado.
Não duvidava da própria formosura, nem de seu aspecto impecável. Era uma
questão de hábito comparecer muito bem vestida à mesa de seu pai. Sempre fora a
garota mais bonita, mais rica e mais assediada de seu meio. Porém, adornar-se de
maneira tão meticulosa de fato não lhe valera o esforço.
Contava agora quase vinte e um anos, e fizera o début havia três. Tinha saudade
da época em que sua única preocupação era saber qual vestido usar. Tempos de grande
excitação por causa dos flertes e dos romances inocentes.
Filha única do Duque de Roswell, fora bajulada pela aristocracia. As anfitriãs
imploravam por sua presença em recepções. As demais jovens não escondiam a inveja
de perder os solteiros cobiçados para a bela Penélope.
Os cavalheiros se sucediam no gabinete do Duque com pedidos de casamento,
enquanto ela se dedicava a cuidar da pele com cremes e perfumes ou orquestrando o
destino ao lado de sua mãe. Nas festas e nas ruas, as mulheres elogiavam suas roupas
e suas jóias, para depois copiá-las.
Tudo isso fazia parte do passado.
Penélope evitava sair. Quando o fazia, todos riam a suas costas, comentando sua
infelicidade. As falsas amigas haviam se casado, tinham filhos e regozijam-se com a
desgraça alheia. Cumprimentavam-na com malícia, faziam comentários maldosos e não
escondiam uma aversão quase palpável.
Antes, passava as noites de sábado em bailes sucessivos. Aquela altura, cansada
e aborrecida, só queria ficar sozinha para encontrar uma maneira de dar outra direção
ao destino assustador que lhe haviam reservado.
Estavam em março, e a Duquesa mandara acender as luminárias para animar os
convidados a um passeio noturno, mas só Penélope se aventurara. Muitos dos círios já
tinham queimado, e a penumbra era providencial para uma boa privacidade. As moitas
e as cercas-vivas encarregavam-se de ocultá-la dos outros. Se Edward, seu atual noivo,
desse por sua falta e viesse procurá-la, Penélope não se responsabilizaria por seus atos.
— Oh, Senhor, como pôde fazer isso comigo?!
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Penélope lembrou-se da fisionomia imperturbável do pai durante aquela pérfida


refeição. O Duque queria a filha casada em junho. Depois de todos os cancelamentos,
maquinações e planos, a data aproximava-se a galope. Quando mais jovem, Penélope
acreditava que o enlace com um cavalheiro da mesma classe social faria sua felicidade.
Como se enganara!
Essa seria sua terceira tentativa de subir ao altar. Na primeira, estivera noiva de
Adam St. Clair, o marquês de Belinont, o homem com quem sonhara desde criança para
ser seu marido. Era mais velho uns doze anos, mundano e sofisticado. Fora apenas um
acordo entre famílias, mas Penélope acreditara estar apaixonada e imaginara que o
mesmo aconteceria com Adam.
Os meses de noivado foram de puro delírio. Penélope pensara que formariam o par
do século e que despertariam a cobiça da humanidade.
Mas, para sua vergonha, Adam desistira do enlace uma semana antes para casar-
se com a amante.
O Duque espalhou a notícia de que a desistência foi de Penélope, mas não
enganou ninguém. Adam preferiu outra, e a vida de Penélope Westmoreland nunca mais
foi a mesma. Passou meses trancada em seu quarto, sem coragem para enfrentar os
olhares irônicos, os dedos apontados e as palavras ferinas.
Então o pai encontrou outro candidato que não deu importância ao escândalo. Um
visconde que se tornaria conde algum dia e era da mesma faixa etária de Penélope. Ela
foi convencida de que um bom matrimônio seria uma maneira excelente de encerrar de
uma vez a humilhação. O noivo morava e trabalhava na Jamaica, nas propriedades da
família. Nada seria melhor que morar na Jamaica e fugir de insinuações odiosas.
Contudo, a segunda união também fracassou. O visconde teria morrido em um
acidente, antes de viajar para Londres. O Duque e a Duquesa insistiram que a carruagem
do infeliz virou em uma estrada lamacenta. Mas não demorou muito, e Penélope
começou a escutar histórias chocantes sobre ele. O rapaz era beberrão, conquistador,
jogador e vadio. Os familiares o mandaram para o exterior por não suportar mais seu
comportamento. E ele encontrou a morte em um duelo por causa de uma mulher...
casada.
Mesmo sem confessar a ninguém, Penélope sentiu alívio por ter escapado de um
tipo de existência como a da mãe A Duquesa suportava calada os tormentos e fingia não
notar os deslizes do marido, que se comprazia em conquistar qualquer uma que
passasse a sua frente.
Para a terceira tentativa, o Duque escolheu Edward Simpson. O conde tinha
sessenta e três anos, era três vezes viúvo, calvo, obeso, mas também rico e poderoso
como o pai de Penélope. Apesar de tudo, ela poderia ter ficado animada com a
perspectiva de tornar-se condessa.
No entanto, Penélope só desejava fugir da calamidade que se aproximava. Após o
segundo fracasso, implorara ao pai para encontrar outro que acabasse com os falatórios.
Mas não contava com algo tão deprimente. Chegou a perguntar-se os motivos da
escolha ao Duque, mas ele foi ríspido e franco como sempre. "Ninguém mais a aceitaria",
ele afirmou.
O Duque insistia que Penélope deveria casar-se com um aristocrata de grande
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prosperidade financeira. Os mais jovens e condizentes não se mostravam interessados.


Havia muitas donzelas disponíveis e bem melhor qualificadas que Penélope
Westmoreland.
Os boateiros afirmavam que ela era azarada e trazia má sorte para os outros. Que
era pomposa, tirana e só recebera o merecido. Alguns diziam que fora desonrada e por
isso o Duque enfrentava dificuldades para arranjar-lhe um marido. Aquela idéia a fez rir
alto.
Santo Deus, nem mesmo conhecia um beijo verdadeiro! Considerava-se a virgem
mais velha de toda a Inglaterra.
Ergueu a cabeça e perscrutou o céu. Esperava que a chuva ameaçadora não
chegasse. Caso contrário, teria de entrar e dar de encontro com Edward. Nem que
alegasse dor de cabeça a mãe a deixaria ir para o quarto. A pequena reunião era um
sinal para a família e para os amigos de que as festividades pré-nupciais estavam
oficialmente abertas.
Naquele instante, viu uma sombra atravessar o pátio. Hesitou, nervosa. Edward se
aproximava.
Penélope o conhecera ainda menina, como amigo do pai. Por causa do noivado,
Edward viera várias vezes àquela mansão, e Penélope pôde fazer nova avaliação. O
conde bebia e comia em excesso. Era pessoa de opiniões e temperamento fortes.
Despia-a com o olhar e não perdia ensejo de fazer observações libidinosas em voz baixa.
Nas poucas ocasiões em que conseguiu ficar a sós com a noiva, tentou apalpá-la e beijá-
la. Só em pensar nisso, Penélope arrepiou-se.
Roswell saberia disso e não se incomodava de entregar-lhe a filha? Penélope
rezava para o Duque descobrir as mazelas sobre o sujeito. Porém, depois das três horas
de jantar, ela concluiu que o pai estava satisfeito com o que planejara.
Foi informada sobre a decisão paterna no mês anterior. Aceitou com estoicismo a
proposta de Edward. Permaneceu sentada em silêncio durante o pesadelo. Permitiu a
Edward beijar-lhe a boca depois do "sim" e tentou sorrir, enquanto bebia xerez com a
família para celebrar a novidade.
Edward permaneceu a seu lado, segurando sua mão e tocando qualquer parte de
sua anatomia que ficasse a seu alcance, como se o acordo conferisse ao conde
autoridade sobre a noiva.
Aquela tarde custou uma eternidade para passar. Assim que Edward saiu,
Penélope correu para seus aposentos e vomitou sem parar no urinol. Chorou durante
horas e permaneceu na cama por dois dias. Depois disso, o Duque prometeu uma surra
se a filha não se aprontasse e saísse sem demora.
Era o que o pai lhe reservara. Um ancião malcheiroso, calvo, detestável, rotundo e
com hálito alcoólico. O conde caminhava com uma taça nas mãos, e Penélope perguntou
a si mesma se o pai a detestava. Só assim para não se incomodar com seu porvir.
— Enfim, eu a encontrei, doçura. — Edward arrastava as palavras e cambaleava.
— Ninguém soube informar-me de seu paradeiro.
— Eu precisava de ar fresco. — Penélope nunca foi tão sincera.
— Deveria ter me pedido que a acompanhasse. Ficaria muito feliz com isso.
— Obrigada. Da próxima vez, o avisarei.
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope não sabia como agir nem o que dizer na presença dele. Tinha medo e
necessidade de manter-se alerta. O olhar de Edward era assustador, como se
pretendesse viola-la a qualquer instante.
"Meu Deus, que castigo!"
— Assim será melhor. — Edward tornou-se ameaçador. Não quero que ande
sozinha no escuro. Nem mesmo na propriedade de seu pai.
— Não repetirei a imprudência.
— Muito bem, minha menina. — A corpulência do conde bloqueava o pouco de luz,
e o desconforto crescia com a proximidade. — Gosto de crianças obedientes. Minha
querida Penélope é uma delas, não é?
— Claro.
Penélope sorriu sem vontade e recuou. Edward acompanhou-lhe o passo. Estavam
muito afastados da mansão. Ninguém a ouviria, se chamasse. Atrás, o muro era alto e
comprido. A única maneira de escapar seria passando por Edward e correndo por onde
ele viera.
— A doce Penélope aprende depressa, não é mesmo?
Apavorada, ela lembrou-se do tanto que ele bebera no jantar e de quanto tempo os
homens saborearam vinho do Porto, depois da saída das mulheres.
Fingiu estar com frio e fechou melhor a capa.
— Está esfriando, não é verdade? Por favor, leve-me para dentro.
Edward grunhiu uma risada e enrolou em seu dedo um dos cachos de Penélope
até causar-lhe dor. Puxou-a pela madeixa mais para perto, e a saia dela enrolou-se nas
coxas dele.
— Ainda não quero entrar.
— Mas eu sim.
— Pensei em roubar um beijinho enquanto estamos aqui. Não se importa, não é,
meu bem? Tivemos poucas oportunidades de ficar a sós, e estou ansioso para
experimentar o gosto do que estou comprando.
Irritada pela crueza do comentário, Penélope evitou falar, mas o conde agarrou-a
pelo braço.
— Boa noite, Edward! — O tom feroz que costumava causar tremores nos
circunstantes não surtiu efeito.
— Não a deixarei ir embora tão fácil. — As pupilas dele brilhavam com um desejo
doentio.
— Milorde está embriagado...
— Nem tanto.
— ...e comporta-se com grosseria. Boa noite! — Penélope repetiu e procurou
desvencilhar-se, mas ele a segurou com mais energia. — Solte-me! Está me
machucando!
— Então obedeça, e eu não terei de usar a força. Penélope ficou imóvel, e ele
cumpriu a promessa.
— Ótimo. Detesto dar duas vezes a mesma ordem.
Ela tentou escapar, mas Edward reagiu rápido demais para um bêbado. Arrastou-
a até um banco próximo e derrubou-a sobre ele. Estendeu-se sobre Penélope e beijou-
Cheryl Holt Destino Incerto

a sem perda de tempo, abrindo-lhe a boca com a língua asquerosa c ávida.


Edward tinha gosto de tabaco rançoso, bebida velha e dentes sujos. Não demorou
e passou a morder e a sugar-lhe o pescoço alvo. Nauseada e sem ar, Penélope procurou
balançar a perna direita, que estava para fora do banco.
— Socorro! — gritou. — Alguém... me ajude!
No mesmo instante, ele tapou-lhe a boca com a mão gorda e grande. Edward se
esfregava entre as pernas de Penélope, e ela sentiu a rigidez tão comentada por Colette,
sua criada francesa.
— Ah, que deliciosa gata selvagem! — A respiração pesada exalava um cheiro
pútrido no rosto dela. — Passaremos horas maravilhosas brincando na cama. Mal posso
esperar por isso!
Aquele homem era revoltante! Ele imaginava que poderia conspurcar-lhe a virtude
em um banco de jardim, como se ela fosse uma serviçal!
Ultrajada, lutou para afastar-se, mas nada conseguiu. Edward era pesado demais.
Penélope tentou atingi-lo com o pé livre e virou a cabeça de um lado a outro, sem parar.
Por fim, conseguiu morder-lhe a mão, que o conde afastou com uma imprecação.
— Socorro! Ajudem-me!
De repente, Edward saiu de cima dela. Trêmula, Penélope ergueu-se sobre um
cotovelo e viu outro homem levantando-o pelas lapelas do casaco, rompendo as costuras
finas.
— Mas que... — Edward resmungou, e foi atingido por um soco na barriga.
O conde dobrou-se ao meio antes de levar outro murro. Dessa vez foi no queixo, e
deixou-o estendido na touceira.
O estranho vestia-se de preto, da camisa às botas de cano alto. Os cabelos longos
e negros estavam amarrados com uma fita da mesma cor. Os olhos escuros cintilavam,
ameaçadores. Era sem dúvida o rapaz mais bonito que Penélope já vira. Testa alta,
traços fortes, nariz aristocrático e boca perfeita.
Alto e espadaúdo, manteve-se com as pernas afastadas ao lado de Edward,
protegendo-a. Mesmo sem a conhecer e sem nenhum motivo para interferir, viera salvá-
la. Era um jovem magnífico, exemplo de fúria masculina, pronto para intervir de novo, se
necessário.
— Está tudo bem, senhorita? — ele indagou com voz de barítono e sotaque
americano.
— Sim... Não. Quero dizer, ele não teve tempo de machucar-me, mas estava
apavorada. Se o senhor não houvesse chegado a tempo, não sei o que teria acontecido.
O estranho deu um pontapé na ilharga de Edward, que gemeu e se encolheu.
— Pare! — o conde pediu, erguendo as mãos. — Foi apenas um jogo amoroso. Eu
não pretendia machucar ninguém.
O salvador de Penélope abaixou-se, agarrou o outro pela camisa e ergueu-o.
— Peça perdão à dama!
Edward engoliu em seco e murmurou um pedido de desculpas. Depois foi deixado
em pé, no chão.
— Bêbado imundo! Volte para dentro!
— Como ousa encostar um dedo em mim? — Edward esticou a roupa e alisou os
Cheryl Holt Destino Incerto

cabelos ralos. — Por acaso sabe quem sou?


— Não sei, nem me interessa saber.
— Pois eu afirmo que não pode chegar e fazer o que lhe der na cabeça!
— E eu digo que, se não sumir de minha frente, irá se arrepender. O senhor me
enoja.
Edward mirou Penélope como se a culpa fosse dela e avançou em sua direção,
mas foi contido pelo oponente:
— Estou lhe avisando pela última vez. Se eu o vir outra vez esta noite, considere-
se um homem morto.
O recém-chegado deu-lhe um empurrão, e Edward saiu, cambaleando.
Lucas não deixou de fita-lo, pronto para uma batalha, caso o covarde resolvesse
voltar. Não foi preciso. Pelo visto, o ancião era valente só com jovens indefesas.
Mais calmo, voltou-se para vítima. Penélope continuava sentada, trêmula, com a
mão na boca e horror nos olhos arregalados.
— Está tudo bem? — Lucas tornou a perguntar e sentou-se a seu lado devagar,
para não assustá-la ainda mais.
— Sim, mas não consigo parar de tremer.
Lucas sabia que deveria fugir do alcance de Harold Westmoreland, mas não podia
abandoná-la sem ter certeza de que nada lhe acontecera. Sempre fora um defensor de
donzelas em perigo, e não raro fizera papel de tolo por isso. Daquela vez não era
diferente. Amaldiçoou a si mesmo pela idiotice de não ter saído dali e ignorado todo o
resto.
Como não foi dado nenhum alarme por sua atitude intempestiva na biblioteca,
Lucas refletiu que poderia ficar mais alguns momentos. O refúgio não era longe, e a rota
de fuga já fora traçada. Ao menor sinal de ameaça, pularia o muro e seria tragado pela
noite.
Pelo comportamento, pelas jóias e roupas, a dama a seu lado deveria ser de família
rica. A capa de pele valia mais do que ele ganhara durante sua vida toda. Quem seria?
Teria ela, com toda a inocência de uma donzela, ignorado as más intenções do
camarada e vindo com ele para o jardim? Ou fora um encontro fortuito e o beberrão sem
escrúpulos pretendeu aproveitar-se? Irritou-se ao imaginar que os pais da jovem
permitiam que o incidente ocorresse tão próximo deles.
— Quer que a acompanhe até a residência? — O receio de deixá-la andar sozinha
na escuridão suplantou o perigo da oferta.
— Não se incomode, obrigada. Preciso apenas de alguns momentos para
recompor-me.
— Será conveniente informar o ocorrido. Seu pai está lá dentro?
— Acho que ele não se importaria.
— Deve estar brincando.
— É lamentável, mas não estou. — Uma lágrima deslizou, indiscreta. — Aquele
homem é meu noivo, e foi escolhido por meu pai.
— Agora tenho certeza de que se trata de um gracejo.
— Pois não é. Eles se conhecem há muito tempo, e papai sabe muito bem quem é
Edward.
Cheryl Holt Destino Incerto

Algumas nuvens se afastaram, e a lua tornou a brilhar. Lucas prendeu a respiração.


Se ela lhe parecera bela na penumbra, sob o luar era espetacular. O rosto oval lembrava
um camafeu, a pele era translúcida. O nariz, pequeno, era um pouco arrebitado na ponta,
e os lábios carnudos pediam beijos. Os cabelos loiros haviam se soltado na contenda e
brilhavam. Os olhos, azuis como duas safiras imensas. A desconhecida lutava contra o
pranto, que umedecia seus olhos.
— Senhor, o que deverei fazer?! — Penélope descansou os braços nas coxas,
baixou a cabeça e os ombros. — O casamento será realizado dentro de três meses. Nem
sei como suportarei o passar dos dias.
— Não existe ninguém que possa auxiliá-la?
— Não... — Penélope não conteve mais o choro.
Lucas achou-a ainda mais linda. Se tivesse juízo, iria embora naquele instante.
Mulheres chorosas deixavam-no enfraquecido. Teria coragem de deixá-la sozinha em
meio a tanto desgosto?
— Escute-me, por favor. Talvez o cenário não seja tão lúgubre.
— Pior. Muito pior. — Penélope teve a impressão de que seria esmagada pelo peso
do sofrimento e de que seu coração estava prestes a romper-se.
— Então, chore. Sentir-se-á melhor.
Lucas tirou um lenço do bolso. Sacudiu-o e entregou-o para Penélope. Ela soluçava
em silêncio, como se o ato fosse indigno de sua posição social.
Sem hesitação, Lucas acariciou-lhe as costas para confortá-la. Passado algum
tempo, o desabafo emocional cedeu, e ela descontraiu-se.
— Sinto muito. — Forçou um sorriso. — Não pretendia fazer uma cena dessas.
Lucas admitiu tratar-se da jovem mais encantadora que já cruzara seu caminho e
que pretendia tornar a encontrá-la.
— Qual seu nome, senhorita?
— Penélope Westmoreland.
Lucas teve de fazer esforço para respirar, como se houvesse levado uma facada
no peito.
— Harold é seu pai?
O Duque era mesmo conhecido...
— É.
Penélope endireitou-se, e Lucas admirou-se de não ter notado antes a semelhança
entre Harry e ela. Era mesmo uma Westmoreland. Imaginou como seu sobrinho seria,
quando crescesse.
Nisso, um tumulto teve início dentro da mansão, e Lucas olhou por sobre o ombro.
Várias pessoas juntavam-se no terraço. Uma delas era o Duque, rodeado por homens
armados.
— Tenho de ir. — Lucas levantou-se de um pulo.
— Por quê? — Penélope não compreendeu a mudança de comportamento. Nunca
se sentira tão à vontade na companhia de outra pessoa.
— Tenho de ir.
— Penélope? Está aí fora? — o Duque chamou-a de longe.
— É meu pai. Ele não deve estar procurando pelo senhor. Edward não teria a
Cheryl Holt Destino Incerto

audácia de contar o que houve.


— O Duque e seus homens vêm atrás de mim. — Lucas usou o sorriso sedutor que
encantava as mulheres. Avaliou a extensão do salto que teria de dar sobre o muro, sem
deixar de sorrir. — Preciso sair na frente. Por favor, não diga a ninguém que me viu.
— Não direi.
O desconhecido tornara-se um amigo em um mundo em que ninguém se
incomodava com ela. Penélope garantiu a si mesma que o protegeria a qualquer custo,
mesmo com a possibilidade de perigo.
Lucas curvou-se e tirou uma faca da bota.
— Guarde isto e traga-a da próxima vez que vier até aqui sozinha. Se o patife ousar
assediá-la uma segunda vez, não hesite em usar a arma!
Apesar de surpresa, Penélope aceitou a oferta. A faca era pequena, a lâmina,
afiada, e o cabo de marfim cabia dentro da curvatura de sua mão.
— Eu a deixarei a postos — Penélope prometeu.
O Duque permaneceu no terraço, perscrutando a propriedade, enquanto os
guardas desciam a escada.
— Qual seu nome?
— Lucas Pendleton. É importante guardar segredo sobre nosso encontro.
Penélope anuiu com um gesto de cabeça, deliciada com o clima de mistério.
— Poderei vê-lo outra vez?
— Sim — Lucas não hesitou. — Amanhã à noite. Aqui mesmo.
— A meia-noite. — Penélope não experimentou nenhuma apreensão. Sentia-se
segura diante dele.
Os passos estavam mais próximos.
— Lembre-se da promessa. Nem uma palavra! — Lucas segurou-a pelos ombros
e beijou-a na testa. — Até amanhã. — E sumiu.
Penélope piscou várias vezes. O Sr. Pendleton desaparecera tão depressa que mal
podia acreditar que não fora um sonho. Mas a faca e o lenço eram provas de sua
existência. Ergueu o lenço contra a luz e viu as iniciais bordadas em um canto: L.P.
— Penélope! — o Duque chamou-a outra vez.
— Lady Penélope! — outros gritavam.
Ela escondeu as duas lembranças sob a capa e rumou para a residência.
— Papai! Estou aqui. O que houve?
Um dos guardas chegou perto dela e fez uma mesura, sem deixar de examinar o
pátio.
— Milady está bem?
— Estou ótima. E por que não deveria estar? Roswell se aproximou.
— Há quanto tempo está aqui fora?
O que o Sr. Pendleton teria feito para desencadear aquele reboliço?
— Acredito que... perto de uma hora.
— Perdão, milady, mas não viu um cavaleiro vestido de preto por aqui? — outro
guarda quis saber.
— Não vi nada. Escutei apenas um cão latindo no pátio de lorde Wessington.
Penélope apontou a propriedade adjacente, do lado oposto ao lugar por onde Lucas
Cheryl Holt Destino Incerto

saíra. Os soldados correram na direção indicada.


Penélope preparou-se para entrar, mas foi impedida pelo pai.
— Para onde vai?
— Edward ainda está aí?
— Não. Sua mãe contou-me que ele veio para o jardim com muita pressa e voltou
um tanto agitado.
— Sério? — Penélope fingiu um tédio que estava longe de sentir.
O Duque fitava-a com severidade, à espera de uma explicação para a saída abrupta
de Edward. Penélope nada disse a respeito.
— Vou para meu quarto. Peça desculpas por mim. — Penélope afastou-se e deixou
o Duque no gramado deserto, enquanto os lacaios escalavam o muro do lado incorreto.
Fez uma prece pela boa sorte de Lucas Pendleton e passou a ponta dos dedos na
testa, onde ele a beijara. O local formigava e queimava como fogo.
Quando Penélope chegou à escadaria, Lucas já ia bem longe.
Entrou em uma taverna barulhenta e misturou-se com os fregueses, como se nada
mais lhe importasse no mundo. Matthew, seu irmão, viu-o no mesmo instante. Ambos
eram altos, o que facilitou a Lucas localizá-lo.
Matthew pediu outra caneca de cerveja para o taberneiro e foi logo atendido.
— O que o bastardo disse? — Matthew não perdeu tempo.
— Recusou-se.
— Grande surpresa. E daí?
— Agi conforme planejamos. Concedi-lhe três dias para decidir o contrário. —
Lucas bebeu o líquido espumoso. — Acredito que ele acabará concordando.
— E por quê?
Lucas considerou a doce reviravolta dos fatos e qual a melhor maneira usá-los a
seu favor.
— Aconteceu algo inacreditável. Por acaso, conheci Penélope, a filha dele.
Matthew engasgou e depois deu risada.
— Não me diga que foi isso o que o fez demorar tanto para voltar.
— E ela me agradou — Lucas confessou, conspirador e malicioso.
— Esse meu irmão sempre teve uma sorte danada com as mulheres! — Matthew
falou mais para si mesmo.
— Westmoreland arrumou para a jovem um casamento ultrajante. O candidato é
um velho bêbado e pervertido. E nisso deve haver grande interesse financeiro.
— Traduzindo... a moça vale o peso em ouro.
— Eu diria que Harold Westmoreland ficará feliz em atender a nosso pedido. Sem
dúvida, sua linda filha será utilíssima para fazê-lo mudar de idéia.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo III

As vinte e quatro horas que antecederam o encontro com Lucas Pendleton foram
as mais longas da vida de Penélope. Não conseguiu dormir, pensando em seu futuro
como esposa de Edward.
O que a fazia lembrar do Sr. Pendleton. Quando fechava os olhos, ouvia o barulho
dos socos dele na barriga e no queixo de Edward. Se o conde não se rendesse, o
intrépido americano teria continuado a batalha.
Quem seria o estranho misterioso que a defendera sem medir conseqüências? Até
mesmo ameaçara matar o rico e poderoso Edward Simpson! Penélope desconfiava de
que o Sr. Pendleton não hesitaria em executar a advertência.
Jamais vira um homem igual ao Sr. Pendleton. Nenhum de seus conhecidos se
comparava a ele em bravura, coragem e cavalheirismo. E muito menos em aparência,
Era um príncipe encantado, e como tal viera em seu auxílio como nos contos de fadas
de sua infância.
Na adolescência, sonhara com um herói intrépido e magnífico que a arrebataria e
por quem acabaria se apaixonando.
E viveriam felizes para sempre.
Contudo, nos últimos três anos, abrira os olhos para a realidade e deixara de lado
as fantasias idílicas. Apavorada, admitiu que o encontro com Lucas Pendleton apenas
sublinhara a necessidade de um esquema que lhe permitisse sobreviver nos meses que
se seguiriam. Se não desenvolvesse uma estratégia de conduta, seria impossível
suportar o dia... e a noite do casamento.
Não tinha experiência em questões referentes ao leito matrimonial. Mas Colette,
sua criada pessoal, encarregara-se de fornecer-lhe o histórico dos fatos, passo a passo.
Depois do comportamento desastroso de Edward, Penélope, desesperada, considerou
que seria preferível a morte a que submeter-se àquele conde libidinoso.
Nada menos factível. Ao longo de sua existência, recebera lições intermináveis
sobre a importância do dever. As responsabilidades impostas em sua consciência
dificultavam que agisse de acordo com a própria vontade. No círculo social em que
nascera e crescera, não havia como desobedecer às ordens de um pai que lhe impunha
um marido.
Às vezes, gostava de fantasiar que era uma pessoa valente, que fugiria e se
estabeleceria em um lugar onde ninguém a reconhecesse. Mas para onde ir e como
sustentar-se?
Não possuía ilusões naquele quesito. Dependia do pai. Não era como as mulheres
de classe inferior que trabalhavam para comer. Nem mesmo tinha habilidades que lhe
permitissem ganhar dinheiro. Fora criada para ser competente nos deveres de uma dama
nobre, fosse condessa ou Duquesa.
Sabia planejar um grande jantar de cerimônia e como distribuir convidados à mesa.
Tinha capacidade para comandar os servos e conhecimento de quantos deles seriam
necessários para o bom êxito das atividades de uma herdade. Porém, nenhuma dessas
aptidões era requerida nas ruas de Londres.
Cheryl Holt Destino Incerto

Outra opção seria pedir abrigo na residência de um parente. Qualquer um a


receberia de braços abertos, mas nenhum a deixaria ficar. Ninguém ousaria desafiar o
Duque, acolhendo a filha fugitiva. Seria taxada de imatura e importuna.
Em seu mundo, uma filha não questionava os motivos do pai e aceitava de forma
incondicional um enlace que não fosse de seu agrado.
Como desejava que o conde houvesse escolhido um marido como o Sr. Pendleton!
Forte e rijo, sem deixar de ser gentil e protetor. Como seria constituir uma família com
alguém semelhante? Nem seria bom pensar nisso.
Só lhe restava desejar que Lucas a visitasse algumas vezes. Assim teria um
punhado de memórias sensacionais para carregar durante o martírio que decerto
enfrentaria.
Naquele momento, Colette entrou. Era uma moça miúda, de vinte e cinco anos,
uma morena de beleza exótica. Fora contratada quando Penélope era menina, por sua
experiência em técnicas de penteados e organização de guarda-roupas.
Colette sabia tudo sobre a família do Duque e os criados da mansão. Em geral as
histórias tinham conteúdos românticos, e com a moça Penélope aprendera o que sabia
sobre amor físico.
A criada, embora solteira, era uma fonte interminável de informações sobre tópicos
que lhe deveriam ser desconhecidos. Conquistas amorosas e amantes. Instinto
masculino animal. Não havia certeza de que as aventuras relatadas por Colette fossem
verdadeiras. Mas ela gostava de escândalos, intrigas e lorotas. As aristocratas haveriam
de envergonhar-se se ouvissem os boatos narrados.
— Conte-me! — Penélope pediu, impaciente. — O que escutou?
— Ninguém sabe de nada — a criada conservava um sotaque francês acentuado
—, a não ser o que Sua Graça contou.
Penélope mandara Colette investigar quem era Lucas Pendleton e o que
acontecera com ele. E por que fora perseguido.
— E o que papai disse?
— Monsieur veio visitar Sua Graça por uma questão de negócios.
— E o tiro? Não me falou que todos escutaram uma detonação? Que Jensen viu o
buraco e cheirou a fumaça?
— Oui! Oui! — Colette gesticulou, animada.
— Então?
— Seu pai afirma que foi um accident. Que monsieur não pretendia estragar o
quadro da Duquesa. Houve algum problema com a pistola. — Colette ergueu os braços.
— Puf! Explodiu.
— Mas se foi um acidente, por que saíram atrás dele? A jovem deu de ombros.
— Ninguém soube responder tal coisa.
As duas passaram parte da manhã conjeturando sobre o Sr. Pendleton. Ele pedira
a Penélope para não revelar sua identidade. Mas Colette era de total confiança e jamais
divulgaria um segredo se Penélope lhe pedisse para não fazê-lo. Embora faladeira, a
moça sabia ficar de boca fechada, quando as circunstâncias requeriam.
A entrada de Lucas na vida de Penélope fora muito excitante, e ela partilhou a
animação com a serva. Mais ainda. Precisava da ajuda da francesa para o encontro
Cheryl Holt Destino Incerto

noturno.
Elas remoeram todas as passagens detalhadas à exaustão por Penélope, sem
chegar a nenhuma conclusão. Por que o Sr. Pendleton viera falar com o Duque? E por
que desaparecera sem deixar vestígios?
No final da tarde, examinaram os guarda-roupas de Penélope e separaram vestidos
escuros que não chamassem a atenção, convencidas de que agiam sob o efeito de
alguma força desconhecida.
Colette sempre lia as folhas de chá e consultava as estrelas, à procura de indícios
e sinais. A chegada do Sr. Pendleton tinha de ser significativa. Talvez o destino estivesse
estendendo a mão a sua patroa.
Qual outro prognóstico possível envolvendo o aparecimento de Lucas Pendleton?
Lucas andava de um lado a outro no convés do Sea Wind ancorado. Era um de
seus cinco navios usados para transportar mercadorias na Costa Leste dos Estados
Unidos e em viagens ocasionais ao velho mundo. As embarcações eram sua alegria e
orgulho, fruto de uma existência de muitas lutas e trabalhos intensos.
Quando tinha cinco anos, fora raptado no porto próximo à casa dos pais, na
Virgínia, e embarcado à força em um navio mercante.
Durante os anos em que trabalhou sem contrato, as memórias de seus familiares
tornaram-se responsáveis pela coragem de continuar a luta. Voltara à terra de origem já
rapaz-feito e tivera a tristeza de descobrir que seus pais haviam morrido de gripe. Seus
irmãos foram mandados para a casa de vizinhos, onde cresceram confusos e
maltratados.
Embora muito jovem, jurou a si mesmo que faria o impossível para sustentá-los,
sem depender dos outros. Para isso, trabalhou duro, mas também enganou, mentiu e
até roubou.
Aos quinze anos, ganhou o primeiro navio em um jogo de cartas. Uma escuna
enferrujada, com o madeirame comido pelos carunchos e que a custo flutuava. Mas
Lucas tinha a sensação de ser o rei dos mares quando ficava em pé na proa, cruzando
as ondas.
Aos vinte, comprou dois navios. Pouco mais tarde, tinha cinco das melhores
embarcações do mercado e uma pequena propriedade nas cercanias de Jamestown que
produzia tabaco de ótima qualidade.
Caroline, sua irmã, transformara-se em uma jovem de rara beleza. Cuidava da casa
e dos negócios na ausência dos irmãos. Nisso, primos distantes mandaram uma carta
convidando-a para visitar a Inglaterra.
Lucas, que nada recusava à irmã, cedeu ao desejo dela de conhecer Londres para
uma temporada de bailes e festas. Confiando na proteção dos anfitriões, calculou que
tomaria uma boa decisão se a deixasse viajar.
Caroline retornou diferente, e a explicação não tardou a aparecer. Lucas ainda se
lembrava da manhã em que uma das criadas lhe cochichou a suspeita. Durante o
confronto que se seguiu, sua irmã, muito alegre, deu a notícia, mas recusou-se a revelar
o nome do pai da criança.
Após sua morte, Lucas passou a culpar-se. Se ao menos não a tivesse deixado
visitar os parentes na Inglaterra, se houvesse viajado com ela, se a tivesse forçado a
Cheryl Holt Destino Incerto

revelar a paternidade antes de sua morte, se...


Não deixou de refletir sobre a identidade do homem que conseguiu seduzir uma
moça equilibrada como Caroline. O camarada que teve a coragem de mandá-la de volta
para a Virgínia depois de satisfeitos seus instintos básicos foi também um tipo de amante
capaz de inspirar ardor, devoção, lealdade e silêncio durante tanto tempo.
Então, descobriu que se tratava de Harold Westmoreland, cuja fama de
conquistador era conhecida de longa data. Relacionava-se com belas mulheres, uma
após outra, e deixava-as apaixonadas por décadas. O belo patife era um mestre na arte
da sedução, e Caroline, talvez por sua inexperiência, não soube defender-se de quem
atuava com astúcia e charme.
Mas daquela vez Westmoreland escolheu mal a moça que arruinou. Subestimou a
gravidade do pecado que cometeu. O Duque não conhecia a forte ligação familiar entre
os Pendleton, nem imaginava até aonde Lucas chegaria para vingar a irmã. Ele não
mediria conseqüências para fazer Westmoreland pagar caro pela desonra e pela morte
de Caroline.
Andando da proa à popa e vice-versa, Lucas procurava Matthew por entre a
multidão que lotava o cais. Apenas no Sea Wind não havia movimento. Dera folga e
dinheiro aos marinheiros que os acompanhavam desde a Virgínia.
Não gostava de quietude no convés, mas não havia outro jeito. A missão teria de
ser secreta.
Passos soaram a suas costas, e Lucas suprimiu um sorriso ao sentir a pequena
espada de brinquedo pressionada em sua cintura. Ergueu as mãos e demonstrou
surpresa.
— Quem está aí?
— O Barba Negra — o menino respondeu, esforçando-se para soar ameaçador. —
O dinheiro ou a vida!
— Hum... — Lucas fingiu pensar. — E se eu não tiver dinheiro, meu pirata
sanguinário?
— Eu o atirarei aos tubarões!
Lucas virou-se, pegou o garoto no colo e abraçou-o.
— Que jovem feroz!
— Ficou com medo?
— Fiquei apavorado, Harry.
— De verdade?
— Juro.
Lucas sentou o sobrinho em cima de uma barrica, emocionado como sempre
acontecia quando o fitava. Amava o menino sem restrições. Era uma linda criança. Tinha
olhos azuis, faces rosadas, cabelos loiros muito claros, que começavam a escurecer no
alto da cabeça.
Os Pendleton possuíam cabelos negros, o que fez Lucas suspeitar de que o pai de
Harry fosse loiro. Suspeita confirmada. De fato, Harry parecia-se muito mais com Harold
e Penélope do que com os Pendleton.
Outra dedução que não lhe agradava era que Harry tivesse o temperamento do pai.
Caroline sempre fora uma criatura doce. Lucas supôs que o caráter forte de Harry, sua
Cheryl Holt Destino Incerto

determinação e a facilidade de agir como um menino mimado de alta classe deviam ser
herança dos Pendleton masculinos.
Para seu desgosto, a visita a Westmoreland mudou sua opinião. Harry era um
representante perfeito da família poderosa e rica. Decidido e voluntarioso, encaixar-se-
ia com perfeição no meio dos Westmoreland, sem necessidade de ajustes. E esse
epílogo era, no mínimo, desalentador.
Porém, Harry era um Pendleton, e como tal fora criado. Que diferença faria se
tivesse alguns traços semelhantes aos dos Westmoreland?
— O que esteve fazendo, meu rapaz?
— Ajudando o mestre Fogarty.
Lucas gostava de saber que idoso e sensato marinheiro ocupava-se com o garoto.
— Como assim?
— Estávamos costurando, mas ele disse que ainda preciso praticar bastante.
— Costurar é uma habilidade importante para um homem do mar.
— Foi o que o mestre Fogarty explicou — Harry falava com uma maturidade
admirável para sua idade.
Enquanto conversavam, Lucas viu Matthew aproximar-se. Teve esperança de que
o irmão houvesse conseguido cumprir o combinado, depois de passarem parte da noite
discutindo sobre o caso.
— Tio Matt já está de volta, Harry.
Os dois observaram Matthew caminhar a passos Largos, evitando as carroças que
eram carregadas.
O menino pulou de cima do barril e correu até a amurada, acenando, com
animação.
— Tio Matt! Tio Matt!
A despeito do barulho, Matthew conseguiu ouvir os gritos do sobrinho. Levantou a
cabeça, sorriu e retribuiu os acenos.
Lucas acompanhou Harry e bateu-lhe com carinho no ombro.
— Por que não desce um pouco, Harry ? Preciso conversar com Matt a sós. Tenho
certeza de que o mestre Fogarty está precisando de seu precioso auxílio.
— Ah, tio Luc...
— Eu o chamarei assim que terminarmos. Depois iremos jantar em seu pub
preferido.
A promessa trouxe um sorriso ao rosto do pequeno, que sumiu pela escotilha antes
de Matthew subir a prancha de embarque.
Lucas gostou da expressão confiante do irmão. Conjeturou que a facilidade com
que o problema começava a ser solucionado era um bom sinal.
— Encontrei uma casa para nós.
— Ótimo, Matt!
— Acredito que servirá a nossos propósitos.
— Excelente.
— Não é muito longe da cidade.
— Poderemos cavalgar ida e volta para completar nosso trabalho?
— Isso mesmo. O lugar fica nos limites da aldeia. Perto o suficiente para ir a pé até
Cheryl Holt Destino Incerto

o mercado, mas longe o bastante para não chamar a atenção de vizinhos bisbilhoteiros.
— E as acomodações?
— Eu não diria que se trata de um palácio ducal. — Matthew deu de ombros para
esnobar o tipo de luxo a que o hóspede iminente estava acostumado. — Mas se prestará
muito bem ao que planejamos. A casa pertence a um mercador local que está fora do
país, cuidando de seu comércio exterior.
— E quando ele voltará?
— Dentro de alguns meses.
— Está mobiliada? — Lucas procurou fazer uma idéia da morada que lhe serviria
de lar por algum tempo.
— Até com roupa de cama. Aposto que vai gostar. Tenho outra surpresa.
— O que é?
— Há um belo pátio anexo. Um pomar com macieiras que podem ser escaladas e
um regato feito de encomenda para nadar... se a situação tiver de ser prolongada até o
verão.
— Nossa! Espero que terminemos muito antes disso. Não sei se meus nervos
suportariam tantas maquinações por período tão longo.
— Harry vai adorar a residência.
Aquele era o ponto fraco do planejamento. Os dois passaram horas a fio estudando
como lady Penélope Westmoreland poderia ajudá-los a demover o Duque, sem resolver
a questão de Harry.
O menino ficara confinado no navio durante semanas, ao cruzarem as águas do
Atlântico Norte em pleno inverno. Depois, perambulou pelas docas londrinas, enquanto
Lucas tentava encontrar-se com o Duque. Com a chegada da primavera, Harry
necessitaria de um local brincar e correr antes que iniciassem a longa jornada de volta
para a América.
Porém, um assunto era crucial. Como manter o pequeno em segurança quando
pusessem a estratégia em ação? Deixá-lo a bordo com Fogarty não era uma opção
viável. Harold Westmoreland poderia descobrir sem querer o paradeiro do garoto e
querer vingar-se nele pelo que estava para acontecer com lady Penélope.
Por outro lado, ousariam expor Harry aos acontecimentos na casa de campo?
— Deixe-me pensar até o final da semana, Matt. Depois tornaremos a discutir a
respeito.
— Como quiser. Quanto ao resto, já está tudo arranjado.
— Ainda bem. Sinto-me mais tranqüilo. — Lucas foi até a escotilha para chamar o
sobrinho. — Todos esses preparativos deixaram-me esfomeado. Vamos comer.
— Grande idéia! — Matthew deu uma palmada nas costas do irmão. — Está
preparado para a noite que se seguirá ao jantar?
— Pode ter certeza disso. — Lucas confiava em sua habilidade no trato com as
mulheres e em todos os tipos de encantos que empregava para conseguir delas o que
desejava. — Minha querida Penélope não sabe o que a espera.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo IV

Lucas deteve-se por cima do muro e examinou o pátio. Nenhum guarda à vista.
Westmoreland não contava com seu retorno para um ato tão diabólico como raptar-
lhe o bem mais precioso. Nem mesmo depois da violência com que Lucas agiu na biblio-
teca. A inocência, ou talvez o desdém, de Harold em julgar a determinação de um
vingador era o maior trunfo de Lucas possuía para o sucesso do plano.
Após alguns minutos, convencido de que não haveria surpresas, escorregou até o
chão e, sem o menor ruído, contornou a sebe até perto do banco onde conhecera lady
Penélope, mas não a localizou à primeira vista.
Teria ela desistido de vê-lo?
Foi então que a avistou, sentada, quieta, vestida de preto e com a capa de pele. O
luar refletia-se nos cabelos loiros e deixava-os quase prateados. Penélope era a imagem
de uma jovem à espera de seu amado.
O coração de Lucas disparou. Melhor impossível.
Os cabelos soltos, mal presos com uma fita preta, caíam pelos ombros até os
quadris. Na certa não quisera incomodar a criada para penteá-los. Lucas sentiu um
frêmito de excitação ao imaginar que ela os deixara soltos para encontrar-se com ele, o
que, de certa forma, facilitaria seu objetivo.
Porém, recriminou-se pela ponta de ansiedade provocada pela cabeleira
maravilhosa.
Para que uma avaliação masculina tão meticulosa? Aquilo de nada serviria a seu
projeto. Seria preciso encarar Penélope como um objeto, uma pessoa que lhe serviria
como um meio para chegar a um fim determinado: fazer justiça. Não deveria considerá-
la como um ser humano.
Entretanto, não conseguiu alterar o rumo de seus devaneios. As madeixas longas
eram brilhantes e sedosas. Impossível deixar de pensar em qual seria a sensação ao
acariciá-las. Imaginou passar nelas o rosto.
Sentiu os dedos formigarem com a possibilidade de tocar Penélope. A perspectiva
o fez cismar sobre o abandono puro e simples do esquema bem-planejado. Daria
qualquer coisa para que o encontro fosse na verdade amoroso.
Não havia dúvida de que Lucas Pendleton não raciocinava mais com o cérebro!
Desanimado por suas fantasias carnais, esforçou-se por afastá-las e fez uma
análise da loucura. Seus sentidos sempre se manifestavam quando uma bela dama
cruzava seu caminho.
Penélope Westmoreland era uma moça encantadora, agradável aos olhos e ao
espírito. Mas era também um alvo, e assim deveria ser considerada.
— Olá, minha linda Penélope. — Lucas saiu das sombras e parou a alguns passos
dela. Não pretendia assustá-la.
— Olá. — Penélope levantou-se e sorriu.
— Desculpe-me pelo atraso.
— Cheguei a crer que o senhor não viria.
— Eu não perderia este encontro por nada. — A interpretação dúbia dessa frase
Cheryl Holt Destino Incerto

com certeza não seria captada por Penélope.


Lucas aproximou-se devagar até que apenas alguns centímetros os separassem.
As saias dela se enroscaram nas pernas de Lucas, e a barra tocou-lhe as botas. Lady
Penélope não se afastou, o que o fez supor que a proximidade a agradava. Uma atitude
que ele não esperava, dado o pouco tempo de conhecimento, bem como a maneira
estranha como se conheceram.
Penélope mantinha-se calma e auto confiante. Lucas ficou contrariado ao
comprovar que uma energia sexual abundante os rodeava. E tão forte que ele se
surpreendeu por não ver centelhas chispando. Arrepiou-se.
Era um homem experimentado e sabia do que se tratava: atração física quente e
selvagem. Desejo absoluto e muito além de seu controle. Uma fascinação magnética e
potente que o fazia reagir diante de determinada mulher e não de outra.
Os sinais invisíveis emitidos por Penélope fizeram com que os sentidos de Lucas
de imediato se harmonizassem com ela e o tornaram consciente de tudo o que se
relacionava à presença de Penélope. O jeito como se movimentava, o espaço que
ocupava, a calidez de sua pele, a maneira como se arrepiara à aproximação dele.
A fragrância dela era inebriante. Um aroma natural e vigoroso, diferente de todos
que já experimentara. Era uma espécie de emanação química que se poderia apreciar e
distinguir, mesmo de olhos vendados e entre centenas de outras mulheres. Eram sem
dúvida destinados a fazer amor. O corpo dela o atraía como um farol na escuridão.
Sentia-se ansioso e pronto para tomar aquela donzela e fazê-la gemer de satisfação.
Era só o que lhe faltava!
Por que teria de ser daquela maneira, quando mais necessitava de sua
concentração para cumprir a tarefa a que se propusera? Se houvesse percebido o fato
na noite anterior, poderia ter tentado mudar o curso da ação. Tarde demais. Lady
Penélope, assim como ele, tinha um papel a desempenhar.
Resoluto, decidiu que não iria perder tempo, e nem mesmo tinha inclinação,
envolvendo-se com o prêmio em questão. Jurou que lutaria contra aquele encantamento
sexual até o último alento. O que estava em jogo não deveria ser arriscado com uma
diversão frívola. Porém, se erguesse um dedo, poderia passá-lo nos lábios carnudos e
rosados. A luminosidade do luar delineava o rosto belíssimo, e Lucas teve dificuldade
para respirar.
Por Deus, ela era magnífica! Era a jovem mais arrebatadora que já conhecera.
Lucas conteve um gemido. Apesar de sua determinação, como conseguiria não
experimentar o sabor das delícias que Penélope Westmoreland seria capaz de oferecer-
lhe?
— Estou feliz porque o senhor veio. — Penélope tocou-lhe o peito com a mão
espalmada.
Sem refletir, Lucas beijou-lhe os dedos.
— Eu também estou. — E fitou, alarmado, a profundeza daqueles olhos azuis.
Penélope lembrou-se de ter se sentado no banco bem antes da meia-noite, por
medo de que Lucas Pendleton chegasse mais cedo e fosse embora. Ao ouvir as doze
badaladas de um relógio distante, decidiu que aguardaria a noite inteira se fosse preciso.
Nem queria pensar na possibilidade de ele não comparecer ao encontro.
Cheryl Holt Destino Incerto

Sem compreender os motivos, era como se houvesse esperado por Lucas a vida
inteira. Apesar de terem trocado meia dúzia de palavras, Penélope acreditava que
partilhavam do mesmo destino.
De uma certa maneira era uma ligação que jamais experimentara com ninguém.
Uma afinidade que lhe permitia confessar coisas importantes e segredos antes
guardados a sete chaves. Além de pedir ajuda.
Sem conhecê-lo, tinha certeza de que o Sr. Pendleton era bondoso, cheio de
coragem e energia. Um amigo leal a quem valorizava. Jamais a desapontaria ou
abandonaria.
Não aceitava que o desespero era o que motivava aquele tipo de raciocínio. Tinha
esperança de que o Sr. Pendleton se transformasse em uma resposta a suas preces.
Ele seria um sonho realizado, a concessão de uma prece, um problema resolvido.
— Não quer se acomodar? — Lucas entrelaçou os dedos nos dela.
— Eu gostaria muito. — Penélope nunca ficara de mãos dadas com um cavalheiro.
Era gratificante.
Sentaram-se, colados dos ombros às coxas, e ela arrepiou-se outra vez.
Lucas voltou-se para fitá-la, e Penélope reafirmou para si mesma que nunca vira
homem mais belo.
— Tenho uma confissão a lhe fazer.
— O que é? — Ela sorriu. Adorava o timbre daquela voz e o calor que a invadia.
— Pensei em milady o dia todo.
— É mesmo? Também tenho de confessar algo.
— Do que se trata?
— Da mesma forma estive pensando no senhor.
— O dia todo?
— Bem, houve alguns segundos em que...
Lucas deu uma risada.
— Na realidade, sinto-me envergonhada por afirmar que o senhor não saiu de
minha cabeça.
— Fico contentíssimo por isso.
— Sempre fui um pessoa muito equilibrada. Não sei o que aconteceu comigo.
"Eu sei. Milady encontrou a afinidade existente entre nós."
As sensações eram fortes, mas Lucas, experiente na arte de amar, reconhecia os
impulsos desencadeados por Penélope e saberia como contê-los. Teve pena dela. Por
sua ingenuidade, ficaria confusa, aborrecida, sem entender o porquê.
— Espero que não tenha ficado perturbada com o que aconteceu ontem — Lucas
mudou de assunto de propósito.
— Não fiquei.
— Encontrou-se com seu noivo hoje?
— Não. Nada tinha sido programado e, mesmo que fosse o contrário, eu teria
desmarcado. Sempre suspeitei que Edward fosse um sem-vergonha. Jamais o perdoarei
por um comportamento tão ultrajante.
Segura de si, de cabeça erguida, Penélope não parecia a mocinha imatura e
mimada sobre a qual ele ouvira falar nas ruas de Londres. Apiedou-se do bêbado com
Cheryl Holt Destino Incerto

quem estava comprometida. Ela era a imagem do pai. Determinada e orgulhosa. O


velhote abjeto não tinha idéia do que iria enfrentar.
— Posso fazer-lhe uma indagação de caráter particular? Se não quiser, não precisa
responder.
— Pergunte à vontade, Sr. Pendleton.
— Como é que ficou noiva de uma criatura tão asquerosa?
— É uma longa história.
— Ele parece tão... — Imaginá-la com aquele patife era inquietante.
— Sei que é difícil de acreditar. Sempre sonhei que me casaria com...
"Alguém como o senhor."
Desde criança todos a mimavam e asseguravam-lhe que teria tudo o que
desejasse. Crescera esperando casar-se com o homem mais maravilhoso do mundo.
Antecipara que poderia ser alguém como Lucas Pendleton. Que poderiam casar-se por
dever, mas que viveriam por amor. A vida deles seria idílica e causaria inveja a todos.
— ...alguém de minha geração e com o mesmo tipo de pensamentos. No entanto,
meu pai não encontrou ninguém com fortuna e posição mais adequadas.
Para Lucas, um americano, era difícil aceitar a importância que os ingleses davam
aos status social.
— O grau de aristocracia é o que mais importa para ele, não é?
— Não é só isso. A riqueza e o patrimônio, devem aumentar. Papai tem vários
projetos de lei no Parlamento. Edward é um conde, e será um aliado poderoso na
aprovação deles.
Lucas teve vontade de esmurrar qualquer coisa. O valor da filha para o Duque era
imenso, e cresceria com o passar do tempo.
— Apesar de todas essas vantagens, não concebo um pai entregar a filha única a
um canalha daqueles.
Altiva, Penélope jamais repetiria que só Edward aceitara casar-se com ela.
— Acredito que nem meu pai tinha noção da verdadeira personalidade dele. Eles
eram apenas conhecidos. Com a aproximação do enlace, a convivência tornou-se mais
estreita e... bem, e isso tem sido terrível.
De repente, a carga pareceu ainda mais pesada para seus ombros, e as lágrimas
tornaram a aflorar. Mas Penélope não quis que Lucas a visse chorando de novo, e fez
pressão com a ponta do dedo sob os cílios inferiores.
— Não sei o que fazer. O casamento será dentro de três meses.
Lucas não se conformava por ficar tão comovido com a angústia dela. Para ter
sucesso com sua estratégia, os problemas pessoais de lady Westmoreland teriam de
ficar de fora da equação. Consternado, admitiu que não podia permanecer impassível.
Além da atração física, havia a emocional.
Sentia-se muito bem em sua companhia. Mais descontraído, mais contente. A
presença de Penélope acalmava sua impaciência e seus nervos. Era agradável ficar de
mãos dadas e encostado nela, observando as mudanças de expressão de acordo com
os tópicos. Se permanecesse muito tempo ao seu lado, acabaria agindo como um tolo
apaixonado.
Por mais terrível que lhe parecesse, iria ajudá-la. Vira e ouvira Edward em ação.
Cheryl Holt Destino Incerto

Não poderia abandoná-la à sanha daquele homem repelente e de hábitos pouco


recomendáveis. Apesar de pretender usar Penélope para atingir as metas, queria-a ilesa
e livre. E fez uma promessa a si mesmo. Apesar de tudo, não a abandonaria à mercê
das maquinações do Duque.
— Já procurou uma solução alternativa? Deve haver algum parente ou amigo que
a receba.
Penélope fez que não.
— Todos temem o poder de papai.
— Talvez milady pudesse encontrar outra casa para morar. Tem algum recurso
disponível?
— Nem um vintém em meu nome. Já pensei em pedir a minha aia para vender
algumas jóias. Todavia, a maioria das peças é muito valiosa, e receio que minhas
tentativas possam ser descobertas. Nem sei o que meu pai faria se desconfiasse que
pretendo fugir.
Lucas viu-a estremecer e envolveu-a em seu braços. Penélope não recuou, e
aconchegou-se mais. Embora tentasse convencer-se de que o abraço era de simples
conforto, ele teve a nítida impressão que lhe oferecia proteção e refúgio, como se fosse
a coisa mais natural do mundo.
Penélope pressionou o rosto no tórax largo e escutou o palpitar forte do coração. A
proximidade era ao mesmo tempo branda e excitante. Podia ficar ali para o resto de seus
dias.
— Não permitirei que o Duque cometa uma injustiça — Lucas assegurou com tanta
sinceridade que Penélope teve de crer, não obstante conhecê-lo tão pouco. —
Haveremos de encontrar uma maneira de mantê-la a salvo.
Ela chegou a imaginar que seu destino estaria seguro nas mãos do Sr. Pendleton.
— Sei que conseguirá.
A amizade entre eles fora estabelecida, assim como os laços de confiança e
entendimento. Mesmo sem ter passado pelas etapas normais que levavam duas pessoas
a alcançar um afeiçoamento recíproco. Não se discutiu mais nada, nem outras
informações foram trocadas. Penélope teve a impressão que se conheciam havia anos.
Fazia muito tempo que não encarava uma luz de esperança em seu porvir.
O sorriso de Lucas iluminava um olhar sincero. Penélope decidiu que o Sr.
Pendleton era um homem fenomenal, a pessoa mais extraordinária que já vira. Rezou
para que ele jamais se arrependesse de ter lhe oferecido ajuda, e sem dúvida seria grata
a ele até o fim da vida. Faria o que Lucas lhe pedisse, iria para onde a mandasse,
executaria qualquer tarefa que fosse necessária, seria o que ele quisesse. Em resumo,
faria o que estivesse a seu alcance para torná-lo muito feliz.
Lucas sentiu uma mudança. Penélope o fitava com um olhar intenso, que em outra
mulher seria o sinal de uma afeição profunda ou até de amor. Vindo de lady Penélope,
era muito cedo para isso.
Sendo assim, o que seria?
De uma forma realista, deveria celebrar a surpreendente ternura de lady Penélope.
Isso facilitaria manipular-lhe a ingenuidade e ganhar sua confiança. Mas nem seus
motivos dúbios o impediam de alegrar-se com a possibilidade daquela inclinação afetiva
Cheryl Holt Destino Incerto

por ele. O que era terrível.


Para a concretização de seus objetivos, teria apenas de divertir-se com Penélope,
e não desenvolver algum outro tipo de sentimento.
Porém, nada lhe pareceu mais adorável que a maneira como aquela linda dama o
fitava, como se ele fosse o homem mais corajoso e confiável que já encontrara. Talvez
até o sol não se erguesse se não fosse por ordem dele.
O interesse que nutria por Penélope só lhe criaria transtorno. Nem queria ponderar
sobre as conseqüências de um envolvimento mais sério. Mas era impossível deixar de
sentir-se um herói e um salvador diante dela, o que o agradava sobremaneira.
O demônio, determinado a conduzi-lo a seu destino, instigou-o a dar o passo
seguinte. Beijá-la pareceu-lhe a única opção. Ao inclinar-se para frente, teve a sensação
de que era outra pessoa, um desconhecido idiota que cometia um grave erro de
julgamento. E quando roçou os lábios nos dela, nada mais passou a importar a não ser
Penélope. Lucas cerrou as pálpebras.
Os lábios de Penélope eram macios e quentes, o hálito, doce e delicioso. Lucas só
percebeu o discreto perfume floral quando estava muito próximo.
O beijo foi suave, não invasivo. Nem por isso menos intenso ou menos gratificante.
Ficaram imóveis. Lucas não saberia dizer quanto durara o beijo. Seus ouvidos
zuniam, o coração batia forte, os dedos voltaram a formigar. E o pior de tudo: se não
estivesse sentado, estava convicto de que teria cambaleado, tal a fraqueza de suas
pernas. Uma carícia casta que jamais experimentara com mulher nenhuma despertara
nele um erotismo inusitado.
Envolveu-o uma impressão estranha de haver esbarrado em algo raro e soberbo.
Como aquilo que procurara desde sempre.
Estremeceu. Sentia-se a ponto de afogar, e não havia ninguém por perto para jogar-
lhe uma corda. Teria de controlar-se. E já, antes de cometer outros desatinos!
Penélope abriu os olhos. Desde menina sonhara com esse beijo romântico. Arfava,
com o pulso descompassado. A boca latejava pela energia que recebeu, e ela desejou
repetir a experiência.
Nada mais importava. Nem Edward, nem seu pai. Nem que a descobrissem
naquele instante. Alvoroçada, arriscaria qualquer coisa para ser beijada de novo. Então,
o pânico a atingiu.
O olhar do Sr. Pendleton, que lhe parecera tão afetuoso, tornara-se indecifrável. O
que poderia traduzir-se também por um desagrado profundo pelo que ocorrera.
Penélope agradeceu às sombras que o impediam de notar que ela enrubescia. Um
homem tão experiente na certa achava horrível o momento que ela classificava como o
mais fabuloso que já vivera.
— O que houve? — Penélope via-se como uma grande tola.
Lucas se espantou. Lady Westmoreland mostrava ter a capacidade de notar que
algo não estava certo com ele.
— Nada — mentiu. — Estamos aqui há um bom tempo. Tenho de ir.
— Tão cedo? — Ela se recriminou por não ocultar a ansiedade que sentia.
— Sim. Na verdade é tarde. Quanto mais nos demorarmos, maior a possibilidade
de darem por falta de milady.
Cheryl Holt Destino Incerto

O que em absoluto preocupava Penélope. Ela só queria que o Sr. Pendleton não
fosse embora. Entretanto, imitou-o ao vê-lo ficar em pé.
— Precisa mesmo ir? Tenho tantas perguntas a fazer...
— Eu poderia dizer o mesmo. O que acha de encontrarmos as respostas amanhã
à noite?
Era o mesmo que a esperança de cura para um moribundo. Não bancaria a
coquete, como fora doutrinada a agir no trato com os homens.
— Eu gostaria muito. A meia-noite?
— A meia-noite.
Lucas inclinou-se para beijá-la, mas desistiu. Se o fizesse, não seria responsável
pelos resultados. Encostou os lábios na testa de Penélope e afastou-os depressa.
— Até amanhã, milady.
Penélope tinha prática em disfarçar emoções. Assim, não demonstrou o menor
desapontamento por não ter sido beijada na boca.
— Até amanhã — respondeu para o vazio, pois Lucas Pendleton sumira pela
segunda vez.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo V

Harold Westmoreland, sentado atrás da imensa escrivaninha de carvalho, sentia


saudade da tranqüilidade que desfrutara em sua biblioteca. Lucas Pendleton, o
americano atrevido, invadira seus domínios.
Não se sentia seguro em sua própria casa. Nem na biblioteca! A paz e a serenidade
de seu santuário foram conspurcadas. Passou a entrar ali desconfiado, procurando por
algum movimento suspeito.
Tinha receio até de pegar o cálice de conhaque. Era de enlouquecer.
Durante anos era ali que levava a efeito as conversas privativas ou os negócios
importantes. A atmosfera pesada intimidava as pessoas e ajudava a reforçar o temor e
a autoridade de sua presença. Era sempre ali que se refugiava para refletir.
E o breve aparecimento de Pendleton desintegrara todo aquele poder.
O Duque jamais admitiria, mas não podia afastar a sensação de que, além de seu
espaço ter sido invadido, perdera o controle sobre sua propriedade e até sobre seus
servos, que não tinham sido capazes de impedir a entrada de um estranho. Era odioso.
Não lhe ocorria como exorcizar a presença do patife e poder voltar a usufruir o
sossego de seu abrigo privilegiado.
Esperava que a situação melhorasse assim que a lareira fosse consertada. A bala
passara pelo retrato da Duquesa e alojara-se no reboco. O quadro fora removido.
Restaram o papel de parede descorado, um buraco e marcas de pólvora.
Toda vez que olhava naquela direção, podia ver a fumaça e sentir o cheiro que se
originou do disparo. Apesar da limpeza criteriosa feita pelos servos, flocos brancos
continuavam caindo da parede sobre o tapete e a mobília. Uma recordação constante da
audácia de Pendleton.
Acostumara-se a permanecer grande parte do dia naquele ambiente para raciocinar
e planejar. Desde o ocorrido não pudera cumprir a mais simples das tarefas. Passava o
tempo todo pensando em Pendleton, na adorável Caroline e em Harry, seu filho bastardo.
Havia muito tempo não se lembrava de Caroline. Fora mais uma de suas
conquistas. Mais bela e encantadora que a maioria, porém uma entre muitas. E de
maneira irritante, Lucas entrou em sua vida e agora não lhe permitia esquecer nenhum
dos Pendleton. Ainda mais a criança. Um menino! Mesmo sendo bastardo, como um
homem suportaria a idéia de um filho crescendo nas sombras?
Harold já tinha um filho legítimo, seu herdeiro. Willie era um belo rapaz, possuidor
dos melhores e dos piores atributos do pai, o que o tornava um valoroso amigo ou
inimigo.
Vigoroso e inteligente, seria um excelente oitavo Duque de Roswell.
Um outro garoto fora o maior sonho para ele, e a Duquesa nunca foi capaz de gerar
mais um. Depois de tantos anos, saber que era pai de um menininho...
Não tinha intenção de fazer o que Pendleton pedira, mas não podia esquecer a
paternidade descoberta de maneira tão chocante. Destrancou a gaveta superior da mesa
e tirou a miniatura deixada por Lucas.
Era mesmo um menino muito bonito!
Cheryl Holt Destino Incerto

Escutou passos no hall e deu um pulo, antes de reconhecer que se tratava de


Penélope. Escondeu depressa o medalhão e trancou a gaveta no momento em que a
filha entrou.
Como sempre, ela estava bem trajada e penteada. Embora Penélope se
conservasse de cabeça erguida e com as emoções camufladas, o Duque entendeu que
ela sofrera uma transformação profunda. Parecia mais madura e mais sensata que uma
semana atrás.
Era como se não a conhecesse. A sua Penélope, egocêntrica e exigente, cuja tarefa
mais extenuante era decidir, todas as manhãs, que vestido usar. Pelo fato de ela ser uma
menina e de não ser a mais interessante das criaturas, nunca passara muito tempo a
seu lado. Na realidade, só pensava em Penélope quando para descobrir como poderia
usá-la em benefício próprio.
Depois de dominá-la durante vinte anos, sabia com lidar com a filha. Ou pelo menos
era o que imaginava até Pendleton aparecer. A partir daquele dia, passou a questionar
tudo, até mesmo a capacidade de interagir com Penélope.
Mais um crime cometido pelo embusteiro!
Durante anos só se encontrou com a filha quando surgia algum assunto pertinente
a ser discutido. Quase nunca conversavam. Na infância, Harold permitia a visita dela
uma vez ao dia, quando lhe perguntava sobre as lições. Após crescida, as visitas
continuaram a ser diárias, mas o assunto se modificou. Passou a ser sobre as
perspectivas de um bom casamento.
Com quem, como e quando. Era apenas sobre isso que conversavam.
Harold sentia-se muito mal a respeito do terceiro noivado de Penélope. Edward
Simpson era um grosseirão que o Duque não conseguia suportar.
No começo, achou a diferença de idade um benefício para Penélope. Ela sempre
necessitara de uma mão forte e experiente para orientá-la. Mas não podia supor que
Edward fosse um bêbado detestável e repugnante. Porém, jamais deixaria Penélope
perceber que ele mesmo achava a escolha horrenda.
O estrago fora feito, e os contratos tinham sido assinados. A união era inevitável.
Quanto antes resolvessem tudo, melhor.
— O senhor queria falar comigo, meu pai?
Harold não poderia tolerar o desafio presente na frase. Talvez o peso de sua
autoridade no relacionamento deles estivesse mudando. Afastou a noção absurda com
um menear de cabeça, atribuindo-a a outra tolice provocada pelo intruso americano.
— Isso mesmo. Sente-se.
Penélope obedeceu, aborrecida e petulante. Passou longos minutos arrumando a
saia.
— Bem, o que houve?
Harold a avaliou e não pôde afastar a impressão de que era necessário vigiá-la,
que ela estava para cometer algum ato ultrajante e até perigoso. Penélope o encarava
com olhar tão inflexível como o dele. O Duque sempre se desesperara pelo fato de a
filha não ser enérgica e sagaz como o irmão.
Em uma análise mais profunda, compreendeu que Penélope herdara boa parte de
sua natureza dominadora. A constatação apavorou-o. E se aquela não fosse mais a
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope que moldara com tanto cuidado? Como lidar com a desconhecida diante de
si?
— Então? — Penélope não escondeu a contrariedade e a impaciência.
Harold resolveu agir com cautela.
— Sua mãe me contou sobre o cancelamento do compromisso com Edward esta
noite.
— Isso mesmo.
— Posso perguntar por quê?
— Não, não pode.
A resposta incomum e inesperada confundiu o Duque. Passados alguns instantes,
recompôs-se e dardejou-lhe um olhar irado que nunca falhava em conseguir obediência.
— Terá de ir à soirée com ele.
— Não irei. Para ser franca, Edward não terá outra vez o prazer de estar comigo.
— Penélope levantou-se. — Se isso é tudo o que pretendia falar comigo, tenho coisas
mais importantes para fazer.
Aturdido por tamanha insolência, o Duque ergueu-se em seguida.
— Não pode sair sem minha ordem!
— Perdão, Vossa Graça — Penélope enfatizou o tratamento com ironia. —
Descobri que não tenho estômago para agüentar mais suas diatribes. Eu pediria que não
me mandasse chamar mais, pois não obedecerei a sua convocação.
Com um gesto gracioso, ela foi até a porta.
— Bom dia.
Atônito pelo desrespeito a sua posição de pai, Duque, lorde e senhor, Harold não
achou uma resposta. Ficou vermelho e seu coração disparou. Pela primeira vez em vinte
anos a filha o desafiava, e ele não sabia como reagir.
— E o que deverei dizer a seu noivo? — indagou irônico. Penélope deteve os
passos e espiou por sobre o ombro com uma calma assustadora.
— Diga-lhe que mandei minha criada comprar um pequeno punhal e o carregarei
comigo para onde for. Se Edward se aproximar, não hesitarei em usar a arma.
Penélope saiu em meio a um redemoinho de saias. Magnífica em sua fúria, régia
no porte, uma cópia fiel do pai. Apavorado, o Duque avaliou a mudança.
Quem seria aquela jovem? Pretendia ferir o noivo? Que tipo de insanidade a
acometera? Penélope pretendia romper o noivado?
Certo que Edward passara dos limites. Mas já estava na hora de Penélope aprender
alguma coisa sobre os instintos masculinos. Sempre fizera questão de mantê-la virtuosa
e, mesmo se ela achasse o desejo dos homens constrangedor, não era motivo para
recusar seu dever.
O matrimônio seria realizado, independente da vontade dela. Era um grande
equívoco da filha achar que possuía algum poder de decisão. Harold preferia expulsá-la
de casa a sofrer mais uma vergonha familiar.
Respirou fundo para receber o próximo visitante. Falaria com ela mais tarde.
Purdy, seu homem de confiança, entrou em seguida. Harold tratou de compor-se.
O subalterno não deveria perceber que o poderoso Duque de Roswell estivera
empenhado em uma discussão com a filha e que se abatera por isso.
Cheryl Holt Destino Incerto

— O que descobriu?
Purdy fora um dos mais eficazes ajudantes-de-ordens de Wellington, antes que os
ferimentos o afastassem do cargo. Era discreto, confiável e persistente. Harold
entregava-lhe tarefas que jamais confiaria a outro. Purdy fazia investigações com
competência, obtinha informações sensíveis e pagava subornos às pessoas certas. Faria
qualquer coisa de que Harold necessitasse e realizava um bom trabalho. Embora não
fosse brilhante, era tenaz, qualidade muito apreciada pelo Duque.
O homem abriu as anotações e começou a ler.
— Lucas Pendleton é americano...
— Sei disso, seu idiota. Eu mesmo lhe contei.
— Bem... — Purdy resmungou, desconcertado pela reprimenda. — Ele é da
Virgínia.
Harold quis interrompê-lo pelo motivo anterior, mas Purdy não lhe deu tempo:
— É dono de uma companhia de navegação que opera na Costa Leste dos Estados
Unidos e do Caribe, com viagens ocasionais à Europa. Quatro ou cinco navios.
— Uma empresa familiar?
— Não. Pelo jeito ele mesmo construiu tudo com o próprio esforço.
Era aquele o tipo de homem que Harold detestava. Nada mais exasperante do que
um camarada que ganhou a fortuna com o suor do próprio rosto.
— Então deve ter vindo para a Inglaterra em uma de suas embarcações.
Se encontrassem o navio, seria fácil agarrar o americano. Pendleton teria de pagar
pela afronta que cometera.
— Foi o que imaginei, mas ainda não a localizamos.
— Mas isso é o mais fácil!
Pendleton dera-lhe três dias de prazo, e dois já haviam se esgotado. Ameaçou a
família Westmoreland. O que aconteceria se Harold não fizesse o que ele exigira?
Era necessário agir sem demora. Pendleton deveria ser localizado o quanto antes.
O Duque nada disse a Purdy sobre os propósitos dele. Logo, Purdy não entendia a
urgência da missão. Harold mostrara-lhe o buraco na parede e informou apenas que se
tratava de um homem perigoso, instável e que teria de ser encontrado.
— Na verdade não é, Vossa Graça. O Sr. Pendleton pode ter aportado em uma
cidade distante e ter vindo a Londres de carruagem ou a cavalo. E possível que tenha
conseguido ancorar na parte mais remota do Tâmisa e usado um bote para chegar a
terra firme.
— E se ele for idiota para usar o cais público, onde todos podem encontrá-lo?
— Não é, sir. Pelo que podemos apurar, de idiota ele não tem nada.
"Apenas tolo e muito corajoso."
— Continue procurando, Purdy.
— É o que estamos fazendo. Encontraremos o navio e o americano.
— Ótimo. — Harold confiava na palavra de Purdy. — Agora conte-me o que sabe
sobre o patife.
— Tem trinta anos. Os pais estão mortos. Desde muito jovem, tem sido o guardião
da irmã e do irmão mais novos. Parece que a irmã também é falecida. Estamos tentando
confirmar o fato.
Cheryl Holt Destino Incerto

Harold decidiu nada revelar sobre Caroline. Seus relacionamentos amorosos não
eram do interesse de Purdy.
Rememorou como Caroline fora adorável, bem-educada, bondosa, sincera e nem
um pouco mimada. Via-se forçado a admitir que Pendleton fizera um bom trabalho. E na
certa o irmão gostara muito dela. Depois de tantos anos, cruzava o oceano para tirar
satisfações.
Começou a catalogar as características que conhecia sobre Pendleton. Teria de
entender cada detalhe para vencer o adversário.
Ele parecia ter qualidades admiráveis. Era corajoso, determinado, dinâmico, leal e
trabalhador. Por outro lado, impetuoso e imprudente. Assumiria uma situação de risco
sem medir as conseqüências.
E se Harold estivesse armado quando fora abordado por Pendleton? Se ele
houvesse sido descoberto e o alarme tocado antes que pudesse fugir? Se um dos
guardas estivesse com o Duque?
A intrepidez de Pendleton sem visar os resultados era perturbadora. Queria avançar
a despeito do perigo. Por isso Harold suspeitou que fosse uma pessoa instável que tinha
pouca consideração pela própria segurança e pela dos outros. Não deixava de enfrentar
uma situação, fosse ela qual fosse.
Era precipitado, emoções borbulhavam, embarcava em qualquer incumbência de
cunho moral que lhe parecesse correta.
Em resumo, tratava-se de um antagonista de respeito, que não hesitaria diante de
nada.
— Quero que o encontrem até amanhã cedo.
— Pode contar comigo. — Purdy fez uma reverência e saiu.
Lucas observava a rua apinhada de pessoas abastadas entrando e saindo das lojas
elegantes, interessado nos meninos que se esgueiravam por entre a multidão.
Quando criança, nos anos em que fora forçado a servir a marinha mercante,
passava grande parte do tempo nas docas, andando entre os adultos, em uma procura
furtiva de ganhos extras. Embora apanhado às vezes, tornara-se um gatuno experiente.
Certa ocasião, foi punido por roubar bolsas, e quase perdeu a mão. Teve sorte.
Conseguiu escapar da cadeia antes de a justiça ser feita.
Entendia bem de fome e de pobreza. O início de sua existência foi humilde e
desesperador. Cometeu atos extremos para sobreviver, e por isso não julgava as
crianças que agiam por ali. Além do mais, algumas moedas a menos não fariam falta aos
ricos.
Não decidira que tipo de menino escolheria para ajudá-lo no plano contra os
Westmoreland. Não devia ser muito novo para não ser intimidado, nem muito velho para
ser notado com facilidade. Nem tímido, nem ousado.
Precisava de uma criança capaz de raciocinar por si só. Nem tinha idéia de como
decidir só de olhar o garoto. Mas sabia que daria certo. Desde o começo a sorte se
achava a seu lado.
A dupla trabalhava em conjunto. Um dos meninos correu pela rua e deu um
encontrão em uma senhora idosa que descia da carruagem. Antes de ela recuperar-se
do susto, o outro apareceu para ajudá-la. Com uma das mãos, segurou-a pelo cotovelo
Cheryl Holt Destino Incerto

e evitou que caísse. Enfiou a outra mão na bolsa e tirou objetos de valor, que passou
para dentro da calça. Tudo com movimentos rápidos.
O garoto era pequeno, parecia ter sete ou oito anos, mas na realidade devia ter uns
doze. Os cabelos e olhos eram negros, e lembrava Lucas Pendleton naquela idade.
Como estavam próximos, o pequeno ladrão podia imaginar que Lucas vira suas
manobras furtivas, mas conservou a calma. E como um menino virtuoso, conduziu a
dama para dentro da loja onde ela pretendia entrar. Em seguida, virou-se e sumiu no
meio do povo, sem pressa e sem olhar para trás.
Ao preparar-se para correr na viela, teve o desprazer de encontrar Lucas, que já
examinara as várias rotas de fuga usadas pelas crianças. O instante de hesitação
permitiu a Lucas agarrá-lo pelo braço.
— Se não me soltar, gritarei até que alguém me socorra! — O rapazinho lutava para
livrar-se. Era ágil, magro e rijo.
Lucas deslocou-se para as sombras.
— Pode gritar. Se alguém aparecer, contarei sobre a bolsa que roubou.
Ele aumentou o esforço para escapar.
— Isso poderá custar-lhe um passeio até Newgate, amiguinho. Talvez uma
deportação. Não lhe parece interessante morrer de fome em um navio infestado de ratos
e cujo destino é a Austrália, não é?
— O que deseja de mim? — O garoto relaxou um pouco, mas Lucas não o soltou.
— Tenho uma proposta a fazer-lhe. — Lucas teve a intuição de que escolhera o
menino certo, pois ele estava furioso, mas não amedrontado.
— O senhor errou na escolha. Continue procurando até achar um rapaz mais de
acordo com seu padrão.
Lucas sabia muito bem o que era morar na rua. Na certa o pequeno meliante já
sofrera as piores atrocidades.
— Eu já achei. — Lucas tirou do bolso uma moeda de ouro. — E posso pagar...
— Não quero dinheiro de pervertidos! — O garoto cuspiu no chão.
Lucas suspirou, sentindo-se um tolo.
— Não é o que está pensando. Tenho um negócio secreto e quero contratá-lo para
uma tarefa.
— Ah, sei! — o larápio mirim zombou.
— Estou à procura de alguém que seja corajoso e esperto. — Esperou os elogios
fazerem efeito. — Também deve ser duro e leal. Eu o observei em ação e entendi que
se tratava da pessoa certa. Mas se não estiver interessado...
Lucas deu de ombros, soltou o ladrãozinho e apontou para a saída do beco escuro,
como se não lhe importasse a decisão dele.
O pequeno recuou alguns passos e tornou a fitar a moeda de ouro na mão de
Lucas.
— De quanto dinheiro estamos falando?
O menino fora fisgado. Era difícil resistir ao ganho fácil.
— Uma boa quantia, e o trabalho será simples.
— O que terei de fazer?
— Levar uma carta até a casa de um cavalheiro rico e depois sair correndo. Não
Cheryl Holt Destino Incerto

pode ser apanhado em hipótese nenhuma.


— Por quê?
— O homem vai querer saber onde me encontro e poderá usar de meios drásticos
para fazê-lo confessar.
— Eu jamais diria nada, mesmo sob ameaça.
— Já imaginava, por isso o preferi.
A criança endireitou-se, orgulhosa. Jamais fora escolhida para coisa nenhuma.
— Quanto o senhor quer pagar?
— Vinte libras. — Era uma fortuna para as condições do menino. — Serão duas ou
três entregas. Talvez mais. Não sei bem. — Lucas atirou a moeda nas mãos dele.
— Como saberei se o senhor está falando a verdade e que não se trata de uma
armadilha?
— Conhece a taverna Cabeça de Porco?
— Lá nas docas?
— É. Vá até lá e pergunte por mim a uma garçonete chamada Peg. Se achar que
vale a pena, encontre-me aqui ao meio-dia. Eu lhe direi o que fazer.
— Quanto vai demorar isso?
— Alguns dias. — Dependia do tempo que o Duque levasse para capitular. — Uma
semana no máximo.
— E se eu não voltar?
— Terei de achar outro que esteja precisando de dinheiro. Como é seu nome?
— Paulie.
— Quero o verdadeiro.
— Paulie. E o seu?
— Lucas Pendleton. Vá pedir informações a Peg. — E retornou à rua principal.
Só olhou para trás depois de garantir que Paulie sumira.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo VI

De costas para o banco do jardim, Penélope escutava, atenta. Pelo barulho das
folhas, entendeu que o Sr. Pendleton chegava. Podia sentir-lhe a presença, mesmo sem
se voltar.
Apesar de conhecê-lo havia apenas dois dias, era capaz imaginar como se movia,
qual sua fragrância ou o tom de sua voz. Lucas Pendleton invadira sua vida, seus
pensamentos e sonhos. Não podia comer, dormir ou raciocinar sem senti-lo a seu lado.
Sorriu e virou-se. Seu coração bateu mais forte. Ali estava ele, alto, ereto e ainda
mais bonito do que lhe parecera antes.
— Olá, Sr. Pendleton.
Os olhos negros brilharam com uma emoção que Penélope não saberia descrever.
Era como se a acariciasse e a desejasse... Muito.
— Como vai, minha bela Penélope? Por favor, apenas Lucas.
— Está bem.
Ela adiantou-se e experimentou o aroma de sabão da pele exposta ao ar frio
noturno, de cavalo, de fumo e de uísque. Além de um perfume almiscarado e primitivo
que a atraía. Ansiava tocar e ser tocada. Nunca tivera uma reação física diante de um
homem, por isso não sabia como comportar-se. Estendeu uma das mãos.
Lucas observou-a. Depois de reconhecer a atração que sentia por Penélope,
passara o dia todo tentando convencer-se de que poderia resistir à força natural que os
aproximava. Era um homem experiente, e ela, uma donzela ingênua que poderia ser
conduzida pelos arroubos de uma paixão. Os planos que fizera não deveriam incluir nada
além de um relacionamento superficial. Se tanto.
A despeito de não desejar mal a lady Penélope, teria de prosseguir no caminho
traçado, sem se importar com sentimentos. Dele ou dela.
No entanto, quando Penélope chegou perto, as boas intenções se foram. Lucas
segurou-lhe os dedos, abraçou-a e passou a mão por baixo da capa, segurando-a pela
cintura. Conteve o ímpeto de acariciar-lhe os seios e os quadris, e conservou uma
distância prudente entre ambos, embora ansiasse por apertá-la de encontro não só ao
peito.
Aquele era um jogo perigoso que apelava para seus instintos animais. A pulsação
acelerou, o sangue disparou nas veias e concentrou-se na virilha. A excitação violenta
estarreceu-o.
Inclinou-se depressa e beijou-a na testa, como fizera na véspera.
Penélope foi envolvida pela altura e pelo calor de Lucas. As carícias dele causaram
uma frio estranho que se irradiava do estômago para o corpo inteiro. Um arrepio interior
enfraqueceu-a, aqueceu sua feminilidade, deixou os seios intumescidos e os mamilos
rijos. Teve consciência de ser mulher e sedutora. Sem conseguir respirar, ergueu o rosto
e recebeu um beijo na testa.
Agarrou a frente da camisa dele e ficou na ponta dos pés.
— Beije-me — ordenou, com suavidade. Era com o que vinha sonhando horas a
fio.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Penélope... — Lucas tornou a oscular-lhe a testa. — Não posso.


— Pode, sim!
Penélope ergueu-se mais um pouco, disposta a beijá-lo de qualquer maneira.
Encostou os lábios nos dele.
Ele considerou que a cena era, no mínimo, hilariante. Lucas Pendleton, que se
imaginava um grande conquistador, em um jardim escuro, sozinho com a moça mais
bela que já vira, lutando para manter-se impassível. E Penélope mostrava-se mais do
que receptiva e ansiosa para aprender tudo o que estivesse disposto a ensinar-lhe. Se
pudesse, ele a afugentaria.
Era incompreensível. Ridículo mesmo.
Nisso, Penélope roçou a boca na dele, e foi maravilhoso.
Lucas nem mesmo tentou resistir. Ela era extraordinária. Desde sua infância
tormentosa, jurara não negar para si nada do que desejasse. E ele ansiava por Penélope
Westmoreland com uma intensidade jamais experimentada.
Com o pouco da lógica que lhe restava, refletiu que seria apenas mais uma
iniqüidade entre as muitas que preparava para ela.
Pretendia ganhar-lhe a amizade, os favores e a lealdade, com os propósitos mais
nefastos e ultrajantes, visando os próprios benefícios. Ele a confundiria, desprezaria sua
paixão, abusaria de sua confiança. Ao término do trajeto, Penélope o odiaria e
amaldiçoaria o dia em que se conheceram.
Um pequeno beijo representava um pecado menor dentro do contexto.
Lucas aproximou-a, e Penélope ficou pressionada nele da boca até as coxas. A
intensidade do contato foi surpreendente. Nunca lhe acontecera algo parecido. Estava
excitado a ponto de sentir angústia, e teve de controlar-se. Penélope era virgem e quase
fora estuprada duas noites atrás por um homem embriagado. Não teria cabimento fazê-
la enfrentar uma situação semelhante.
Era imprescindível conter-se, Lucas advertiu-se. Assim, passou os braços por fora
da capa, com esperança de que a pele suntuosa da zibelina servisse como barreira. Ledo
engano. Imaginou como seria deitar-se com Penélope nua sobre aquele manto e apreciar
o contraste da tez alabastrina com a negra.
Antes de cometer um ato do qual fosse arrepender-se, Lucas entrelaçou os dedos
por trás de Penélope. Aterrorizava-o imaginar até onde poderia chegar o nível daquela
atração.
Deixou escapar um gemido quando ela mordiscou-lhe o lábio inferior. Baixou a
cabeça para beijar-lhe o pescoço. Encontrou a nuca e o ombro sedosos. Gemeu mais
uma vez.
— O que foi, Lucas? Não está bem?
— Estou, mas temos de parar.
— Eu não quero.
— É preciso.
Mesmo no escuro, ele pôde enxergar a boca carnuda e úmida. Penélope mirava-o
com grande afetividade, e a parede de gelo que ele erguera contra emoções derretia-se
em seu peito. O olhar terno levou-o de volta aos tempos de menino, quando corava diante
da perspectiva de cometer alguma insanidade. Respirou fundo e procurou acalmar-se.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Penélope, se não pararmos agora, não poderemos refrear mais nossos atos.
Ela escutara as explicações de Colette sobre o desenrolar do amor entre homens
e mulheres, e a prática não lhe pareceu diferente. A rigidez de Lucas encontrava a
maciez dela. O tórax largo apertava-lhe o busto farto.
Lucas a desejava, e sua masculinidade comprimia-lhe o ventre, o que a deixou
agitada e imprudente. Seria capaz de fazer qualquer loucura. Sentia contrações nas
entranhas, o coração disparado e uma quentura intensa. Não queria ver terminado
aquele momento glorioso.
— Não me importo, Lucas. Quero saber como é... com você.
A sinceridade dela era singular e comovente.
— Eu sei. Mas quero crer que não saiba o alcance do que está dizendo.
— Entendo muito bem — Penélope insistiu. — Não sou tão bobinha quanto pensa.
Conquanto não houvesse vivenciado os ensinamentos da criada, atinava com o
que sucederia, se seguissem avante. Imersa em um mar de ansiedade, desejava Lucas
Pendleton. Colette dissera que isso aconteceria na hora certa e com o homem certo.
— Não duvido, mas também sei que não tem nenhuma experiência, e talvez não
consiga discernir as conseqüências. Milady oferece-me um presente generoso que não
posso aceitar. Ainda mais aqui, em um banco frio do jardim da casa de seu pai.
Lucas suspirou e passou as costas de dois dedos no rosto dela.
— Sua primeira vez tem de ser especial, com uma cama larga e um colchão macio.
Lençóis perfumados e luz de velas. Nada de atos rápidos no escuro com as saias levan-
tadas e grama nos cabelos. — Lucas segurou uma madeixa loira e aspirou-lhe a
fragrância.
Mesmo imaginando o cenário que ele descrevia, Penélope não resistiu a um pouco
de coquetismo.
— Eu não me importaria com algumas folhinhas em meus cabelos.
A risada quente e profunda de Lucas deixou Penélope ainda mais alvoroçada.
— Venha sentar-se um pouco.
— Está bem. — Penélope concordaria com qualquer coisa que ele lhe pedisse.
Assim mesmo, resistiu quando Lucas acenou para que ocupasse o espaço a seu
lado.
"Não aja com timidez", Colette a avisara havia pouco. "Mostre-lhe que não tem
medo. Permita que ele ouse até o ponto em que deixá-la se torne insuportável."
Penélope resolveu sentar-se no colo de Lucas, um ato inimaginável uma semana
atrás. Contudo, desde que o conhecera, tornara-se uma pessoa diferente. Ninguém
naquela mansão sabia mais como tratá-la. Os servos murmuravam e evitavam abordá-
la. Os pais trocavam olhares furtivos, tentando entender o que lhe acontecera e sem
coragem de perguntar.
Se o fizessem, Penélope teria dito que já não era uma jovem submissa, mas uma
mulher dona de sua vontade. Pretendia fazer bom uso do suprimento de intrepidez
adquirido no encontro inesperado com Lucas Pendleton. Enxergava com clareza o que
queria e estava disposta a alcançar seus propósitos.
Colette escolhera um vestido escuro, simples, com decote mais baixo que o usual
e com poucas anáguas. Penélope ergueu a barra e ajeitou-se com as pernas abertas
Cheryl Holt Destino Incerto

sobre as coxas de Lucas, em seguida cobrindo ambos com a capa de peles.


— Essa não foi uma boa idéia — Lucas afirmou, quando Penélope abraçou-o pelo
pescoço.
Ao respirar, ela roçava os mamilos no peito dele, e Lucas percebeu, surpreso, que
ela não usava espartilho. Entre os dois, apenas uma camada fina de tecido.
Lucas, atormentado, teve a noção exata do formato e do tamanho do busto
generoso. Os mamilos túrgidos imploravam por atenção. As pernas relaxadas permitiam
que sua feminilidade adejasse sobre a virilha, causando uma reação fora do comum. Foi
preciso uma enorme força de vontade para Lucas não tomá-la naquele instante, sem se
importar com mais nada.
— Aliás, uma idéia péssima.
— Acha mesmo? — Penélope arregalou os olhos.
— Tenho certeza.
— Está tão gostoso... Além disso, a noite fria torna mais prazeroso o aconchego.
— Ela se moveu e, com os seios firmes, desenhou dois círculos no tórax dele.
Aquilo não o agradou nem um pouco.
— Precisamos conversar e...
— Mas é o que estamos fazendo. — O tom rouco veio impregnado de promessas.
Lucas decidira não beijar aquela boca a poucos centímetros da sua. Nisso,
Penélope umedeceu o lábio inferior, como se fosse uma amante experimentada.
Ela se divertia muito, apesar dos conselhos de Colette não terem atingido por inteiro
os objetivos. A aia lhe dissera que era indispensável ficar no colo de um homem para
conquistá-lo. Penélope se colara nele do tronco até as coxas, sem conseguir a
participação de Lucas. Para atingir a meta a que se propusera, teria de deixá-lo
apaixonado a ponto de atender-lhe qualquer pedido sem hesitar.
Ansiosa para obter sucesso, abriu o fecho da capa.
Lucas procurava uma maneira de voltar a conversa para um terreno mais firme,
quando Penélope abriu o agasalho e ele cometeu o grave erro de olhar. O vestido saíra
do lugar, e um seio estava quase todo à mostra. Quando ela se inclinou, ambos
balançaram diante dos olhos cúpidos de Lucas.
Os mamilos pressionavam o decote para sair. Um ligeiro puxão e eles ficariam
livres. Era só um movimento, e Lucas poderia julgar-lhes o peso, sentir-lhes o formato,
manipular os botões róseos e eretos, acariciar o vale aveludado, passar a língua...
"Este é meu castigo por todas as maldades que irei causar-lhe", pensou.
— Algo errado?
— Não — Lucas mentiu. — Por que a pergunta?
— Tive a impressão de ver sofrimento em seu olhar. —
Penélope desamarrou a fita que prendia os cabelos dele e passou os dedos por
entre as mechas negras.
— Eu não...
Lucas não conseguiu terminar a frase, embriagado pelo deleite de ter a cabeleira
acariciada por Penélope. Achou dificuldade em lembrar-se dos próprios desígnios. Afinal,
era apenas um pobre ser humano.
Tornou-se necessário reagir. Primeiro passo: tirar Penélope do colo.
Cheryl Holt Destino Incerto

Lucas se pôs de pé. Por causa das saias enroladas nas pernas dela, ele tocou a
pele nua, renda, roupa íntima de seda e liga de babados. Com a palma da mãos na coxa
exposta, não resistiu à vontade de circular ali a ponta dos dedos.
— Oh, Senhor...
— O que foi, Lucas?
Uma candura exagerada, na opinião dele. O que deixara escapar? Quem estaria
usando quem?
— Diga-me por que veio procurar meu pai — Penélope pediu, entre gemidos suaves
de prazer.
— Seu pai? — Lucas engasgou. — Ah, sim, temos negócios a tratar. O Duque...
me deve dinheiro.
Tinha de tirá-la de cima de suas pernas de qualquer maneira! Antes que
acontecesse o inevitável e ambos viessem a lamentar o erro. Mas seu cérebro não lhe
obedeceu. Passou a acariciar-lhe as coxas com as duas mãos. Os dedos calosos
raspavam a renda cara.
— E verdade que tentou matar o Duque?
— Não, Penélope. Pretendia apenas atingir um alvo.
— Conseguir a atenção dele? — Penélope contorceu-se quando Lucas afagou-lhe
uma parte mais sensível.
— É...
— Isso pode ser difícil.
— Fala por experiência própria?
— Creio que sim. — Penélope massageou-lhe o pescoço e os ombros. — Mas
acabei descobrindo uma maneira de deixá-lo atento.
— Como assim? — Lucas não saberia dizer se gostava mais das mãos dela nos
cabelos ou nos ombros.
— Disse a meu pai que não me casaria com Edward e que se visse o canalha outra
vez, seria capaz de matá-lo... — Penélope arqueou as sobrancelhas com brejeirice —
...com minha faca.
— Bravo, minha linda dama!
De todas as histórias que ouvira sobre Penélope, nenhuma mencionara sua
determinação. Na certa ela escondera essa característica que, uma vez desperta,
deveria embasbacar os que a circundavam.
— E o que o Duque respondeu?
Penélope ficou imóvel. Era o momento de arriscar tudo, de tomar o que mais
precisava no mundo. Só lhe interessava a vitória.
— Que remarcaria a data do casamento. Apesar do que Edward fez ou de meus
sentimentos a respeito, papai foi categórico. É muito tarde para retroceder. Será
suprimida a ostentação que faria do enlace um grande evento social. Haverá apenas
uma cerimônia íntima, sem festa, nem baile. O matrimônio será realizado em três
semanas.
Se Westmoreland fazia tanta questão de casar a filha, o valor de Penélope
aumentava muito. O primeiro impulso de Lucas, o de alegrar-se por ter dado mais um
passo rumo ao sucesso, foi descartado. Sacudiu a cabeça, sem conseguir crer na
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existência de um pai tão cruel.


Naquele caso, qual a esperança de que reconhecesse Harry?
— Que rematado absurdo!
— Não posso aceitar o enlace, Lucas. Não posso.
— Está coberta de razão. Não deixarei que o Duque faça uma coisa dessas com a
filha.
Ele considerou que passara a ter dois filhos de Harold Westmoreland a seus
cuidados. Jamais abandonaria Penélope ao destino que o Duque planejara para ela.
Quanto mais tempo passava na companhia de Penélope, mais se convencia de que o
melhor caminho seria raptá-la e mantê-la em segurança longe das garras do pai.
A revelação surpreendente teve o efeito abençoado de abafar a volúpia que o
atormentava. Segurou Penélope pela cintura, sentou-a no banco de pedra, ajoelhou-se
diante dela e segurou-lhe as mãos.
— Milady viria comigo? Entendo que mal me conhece, que passamos pouco tempo
juntos, mas lhe garanto que sou um homem honrado. — Lucas rangeu os dentes diante
da imagem falsa que passava de si mesmo. — Não sou rico como seu pai, mas possuo
recursos que me permitem ter um bom padrão de vida. Possuo uma bela casa, minha
frota mercante garante uma renda substancial e...
— Sim — interrompeu-o, emocionada.
Embora houvesse Penélope vindo ao encontro com essa idéia fixa, a proposta de
Lucas trouxe-lhe grande alívio. A esperança de um futuro melhor voltava a acenar-lhe.
— Eu partirei consigo.
— Teremos de ir logo.
— Agora?
— Esta noite não. — Lucas não podia explicar que havia muitos preparativos para
serem concluídos.
— Amanhã?
— Seria melhor.
Os pensamentos zuniam na mente de Penélope. Seria preciso enumerar os
arranjos ocultos que teria de fazer.
— Estarei pronta a partir das dez. — Penélope sentiu-se na obrigação de prevenir
Lucas, mesmo sob o risco de intimidá-lo. — Papai sairá a minha procura.
— Não tenho dúvida a respeito.
— Poderemos correr perigo.
— Deixe essa preocupação a meu encargo.
Penélope ficou mais tranqüila ao comprovar que Lucas não receava o Duque. Nem
sua autoridade e seu poder.
— Para onde iremos? Como estaremos seguros?
— Nós nos casaremos. O mais rápido possível — Lucas anunciou a mentira que
daria suporte ao esquema.
Sozinho em seu navio, planejando os menores detalhes, pensara naquele
momento. Convencera-se de que seria fácil pronunciar a falsa promessa. Entretanto,
sentia-se um verme, e dos mais execráveis.
Penélope fitava-o com o coração nos olhos, e Lucas concluiu que ele não passava
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de um miserável. Quando tudo aquilo terminasse, ela jamais o perdoaria.


— Uma vez casados, o Duque não poderá causar-nos nenhum mal. No entanto,
quero que reflita um pouco, milady. Sua vida será diferente. Não tenho a riqueza, nem
os relacionamentos de sua família. Teremos uma casa confortável, um bom padrão, mas
nada que se compare a...
Ele mirou a mansão escura, onde apenas uma lamparina se achava acesa em um
dos aposentos superiores. Por um instante, desejou poder trazer de volta tudo o que ela
perderia. Após a fuga, nenhum aristocrata haveria de desposá-la. Sua consciência
apunhalava-o sem piedade, mas disse a si mesmo que precisava vingar Caroline e Harry!
— Claro que nos casaremos. — Para Penélope, Lucas era a pessoa mais
formidável que já conhecera. — Não necessito das futilidades mundanas para ser feliz.
Na verdade, a casa de meu pai é um lugar solitário.
— Quando entender o que está deixando...
"E também o que ganharei", ela pensou.
— Eu lhe prometo, Lucas Pendleton, que serei uma esposa digna.
A promessa de Penélope era espontânea, firme e sincera. Lucas limitou-se a
concordar com um aceno de cabeça. Daria tudo no mundo para assumir um
compromisso semelhante, mas já dissera mentiras suficientes por uma noite.
Levantou-se e puxou Penélope.
— Agora terei de ir.
— Tão cedo?
— Sim.
Ele passaria o resto da noite imprecando contra si mesmo por ser um espécime tão
abjeto. A extensão do sofrimento que causaria àquela pobre jovem indefesa suplantava
qualquer imaginação decente. Tinha de ficar sozinho para avaliar o tamanho de sua
loucura.
— Precisamos ser cuidadosos, milady. Se for apanhada aqui fora hoje, não
conseguirá fugir amanhã.
— Tem razão. E a que horas nos encontraremos?
— À meia-noite, no portão dos fundos, próximo das cavalariças. Uma carruagem
estará a nossa espera. Traga apenas uma pequena valise. Mais tarde compraremos o
que for necessário.
— Combinado Mal posso esperar!
— Também estou ansioso. — Lucas beijou-a de leve nos lábios, escalou o muro e
sumiu na escuridão.
— Serei uma ótima esposa — Penélope tornou a prometer para o vazio.
Excitada pela liberdade tão próxima, teve de fazer um esforço hercúleo para não
gritar de alegria. Retornou à mansão falando sozinha.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo VII

Naquela tarde fria e úmida, Paulie esperava nas sombras, em frente ao exclusivo
clube masculino. Alerta, paciente, não perdia de vista as carruagens que chegavam.
Diante da porta, os cavalariços ajudavam os cavalheiros a desembarcar ou a subir
nos veículos. Aquela hora do dia, os associados passavam para tomar um drinque, ler o
jornal ou apenas tagarelar. Fazia duas horas que Paulie observava o entra-e-sai das
pessoas.
Foi então que viu o coche luxuoso puxado por um grupo de quatro cavalos brancos
e conduzido por um cocheiro vestido de verde e dourado. Era o veículo do Duque de
Roswell.
O momento chegara. Sabia exatamente como agir.
Avaliou as roupas novas que Lucas lhe comprara. O traje, mais o banho que tivera
de suportar, fizeram dele outro garoto. Parecia um aprendiz ou um balconista. Ninguém
o olharia duas vezes.
Esperou mais alguns minutos até o Duque aparecer. Ao ver o homem de cabelos
brilhantes, a vestimenta caríssima e o grande anel de ouro, seus dedos formigaram ao
imaginar a fortuna que o nobre traria nos bolsos. Entretanto, prometera a Lucas
comportar-se. E Lucas era o único adulto que lhe parecera capaz e eficiente. Em pouco
tempo, conquistara sua admiração e seu respeito. Portanto, nem pensar em faltar-lhe
com a promessa.
O Duque saiu do clube na companhia de outro homem. Esse era calvo, obeso, mais
velho e também envergava os adornos custosos característicos de quem possuía
autoridade e riqueza.
Os nobres olharam o céu e as poças da rua. O Duque disse qualquer coisa aos
servos. Um deles aproximou-se com um pequeno dossel seguro no alto, e os dois
homens caminharam sob aquela proteção, até a carruagem do Duque.
Um dos cavalariços abriu a portinhola e baixou a escada. Naquele instante, Paulie
aproximou-se.
— Tenho uma mensagem de Lucas Pendleton. — O menino atirou a carta aos pés
do Duque.
O poderoso aristocrata virou-se e fuzilou Paulie com o olhar.
— Saia daí, garoto! — um dos servos gritou, com o braço erguido para uma
bofetada. — Que ousadia, falar assim com seus superiores!
Paulie nem piscou. Aprendeu, a duras penas, que distância lhe garantia ficar fora
do alcance.
Harold fez um gesto brusco e interrompeu a tentativa de agressão. Fitou o
envelope, como se o papel fosse uma cobra pronta para o bote e apontou a carta com o
dedo enluvado. Um dos cavalariços apressou-se a apanhá-la do chão e entregou-a ao
Duque, que abriu o envelope e leu a mensagem.
Paulie morria de vontade de saber o que estava escrito, mas nem adiantaria espiar.
Não sabia ler nem seu próprio nome. Mas deduziu que Lucas atingira o alvo. O Duque
ficou vermelho ao reler a missiva e veio em direção de Paulie. O olhar maldoso não
Cheryl Holt Destino Incerto

incomodou o garoto. Os adultos, com exceção de Lucas, nunca o fitaram de maneira


diferente. Por isso mesmo, Paulie queria completar a tarefa com sucesso. O capitão
Pendleton haveria de adorar.
Se fosse mais experiente e mais velho, teria sabido que Lucas Pendleton era o tipo
de homem que meninos perdidos sonhariam em ter como pai. Como nunca tivera pai, e
nem mesmo um tio, não podia identificar aquele desejo oculto. Importava-lhe apenas que
Lucas o escolhera, e por isso merecia o maior empenho na execução da tarefa pedida.
— O que mais deseja, pirralho?
Paulie impressionou-se com a estatura do Duque.
— O Sr. Pendleton disse para eu lhe entregar essa mensagem e também para eu
lhe perguntar se havia uma resposta — falou.
— Pois eu tenho uma réplica! — gritou, ameaçador.
— Pode falar. Tenho boa memória. Não esquecerei uma só palavra.
Esperto, Paulie recuou. Não teve medo. Era muito ágil. Até eles levantarem as
mãos rechonchudas e cheias de anéis, sumiria nos becos londrinos, e os nobres nunca
mais o veriam.
— Agora, se Milorde não tem nada para dizer, eu também darei o recado a ele.
— O Sr. Pendleton pretende que eu converse em público com a ralé?
— Quer dizer que não tem resposta? Nesse caso, ele pediu para lembrá-lo de que
prosseguirá com os planos. Esse é o único aviso que Milorde receberá.
— Ora vejam! — Chocado, um dos serviçais ameaçou Paulie.
O Duque o deteve.
— Seu filhote de cão sarnento! Acha mesmo que pode ameaçar-me impunemente?
O homem mais velho adiantou-se, endireitando a renda dos punhos.
— Quem é esse rufião mirim, Harold?
— Não é ninguém.
— É o que o senhor pensa, seu velho bastardo — Paulie murmurou, com o nariz
empinado.
Os servos arregalaram os olhos, espantados. Não queriam acreditar no que
presenciavam.
— É sua última chance de responder.
Paulie percebeu o Duque endereçar um aceno de cabeça para os vassalos e saiu
correndo, antes que o agarrassem. Meteu-se por entre as vielas que conhecia bem e
sumiu, escutando os gritos.
Olhou por sobre o ombro e depois para frente. O segundo de distração o fez colidir
com duas mulheres que saíam de uma loja, e os pacotes delas esparramaram-se no
chão. Com o impacto, Paulie caiu e bateu a cabeça nas pedras. Foi tempo suficiente
para que três homens o apanhassem.
Um agarrou-o pela perna e o outro pelo braço. Paulie debateu-se, e o terceiro
procurou alcançar-lhe o pescoço. Paulie mordeu-o. O camarada gemeu, surpreso, deu
um soco no rosto do menino, e ele tornou a cair.
— Parem com isso! — uma das mulheres indignou-se.
— Afaste-se, senhorita! — o homem gritou.
Para espanto de Paulie, a dama protegeu-o do ataque e enfrentou os asseclas do
Cheryl Holt Destino Incerto

Duque. De onde estava deitado, o menino só distinguiu o tecido caro da saia. A


desconhecida inclinou-se e fitou-o com compaixão. As gotículas de chuva nos cabelos
loiros brilhavam como minúsculos diamantes, e os olhos cor de safira deram a Paulie a
idéia de que se tratava de uma princesa de contos de fada. Apaixonou-se de imediato.
— Você está bem, menino?
Paulie anuiu, apesar do zumbido nos ouvidos, da dor na cabeça e das pontadas no
tornozelo. Sentou-se, usando o cotovelo como suporte.
— Três adultos — ela os repreendeu — contra um garoto! Deveriam envergonhar-
se de si mesmos! Espere... — Estreitou os olhos e fitou o libré de um deles. — O senhor
é John, o cocheiro! E trabalha para meu pai! Por que está brigando com uma criança no
meio da rua?!
O olhar irado que ela dirigiu ao homem o fez tirar o chapéu.
— Perdão, lady Penélope.
— Juro que o Duque saberá disso! — E voltou a atenção para Paulie.
A outra mulher, uma morena, ajudou-o a ficar em pé.
— Vamos — Penélope falou com a outra, que tirava a terra da calça de Paulie.
A morena respondeu em francês, e Paulie não entendeu uma só palavra. Mas a
bondade expressa no tom de voz fez com que se apaixonasse por ela também.
A princesa de contos de fada deu-lhe uma moeda, e um dos homens pigarreou.
— Sua Graça, o Duque, quer que peguemos o garoto, milady.
— Que pena! Ele já está indo embora.
Paulie suspirou, aliviado, mas naquele instante a carruagem suntuosa de duas
parelhas virou a esquina e parou. Harold desceu, com toda a pompa devida a alguém
tão rico e poderoso. Parecia mais o Príncipe Regente. Os transeuntes detinham os
passos para cochichar a identidade do nobre cavalheiro.
— Eu não fiz nada — Paulie sussurrou às costas de lady Penélope.
— Sei disso. Não tenha medo. São uns fanfarrões. Não deixarei que o machuquem.
— Nós o pegamos, sir.
— Bom trabalho. — Mas o Duque e parou de repente, ao reconhecer a filha na
frente do atrevido.
Harold ficou de novo vermelho de cólera. Só lhe faltava essa! Como se não
bastasse ter de agüentar aquele americano e o fedelho que o desacatara em frente do
clube! E na presença de Edward Simpson e de um batalhão de servos!
Nunca vira Penélope tão decidida e com expressão tão mortífera.
— O que está fazendo no meio dessa confusão? — o Duque rosnou.
— Eu estava parada, quando seus homens começaram a bater no pobrezinho
diante de uma porção de testemunhas. Francamente, meu pai, como pôde permitir uma
coisa dessas?!
"O que aconteceu com Penélope que me desafia a todo momento?!"
— Chega! — Recusava-se a discutir com ela, estando rodeados de curiosos.
— Eles bateram no garoto! Veja o rosto dele! — Penélope afastou-se para que o
Duque visse. — E disseram que estavam agindo sob suas ordens!
"O meliante teve o que mereceu."
— Bem, talvez tenham agido com rudeza excessiva.
Cheryl Holt Destino Incerto

— O que o senhor quer com uma criança? Ele não pode ter lhe feito nenhum mal.
Pelo ajuntamento que não parava de crescer, Harold teve certeza de que Londres
inteira saberia do ocorrido em menos de uma hora. Fitou o projeto de gente, que não
demonstrava nenhum receio. Talvez já houvesse sofrido tanto que nada mais o
amedrontava.
— Acho que houve algum engano. Esse aí não me interessa — desdenhou.
— Viram? — Penélope anunciou a decisão feliz para a multidão. — Eu não disse?
Qual seu nome, menino?
— Paulie, senhorita.
— Pode ir embora. — Penélope brindou-o com o sorriso mais lindo que ele já vira
e uma piscadela. — E se for esperto, não se demore.
— Não se preocupe.
Paulie apressou-se, mas o Duque deteve-o pelo braço e apertou-lhe com força o
ombro.
— Diga a seu Sr. Pendleton que tenho um laço preparado para ele. Bem antes do
que possa imaginar, estará balançando na ponta da verga de um daqueles navios que
ele ama tanto.
— Bem, para isso terá de achá-lo primeiro, não é? — Paulie desvencilhou-se e
desapareceu num segundo.
Harold endireitou-se. Ciente dos olhares raivosos dos circundantes, tratou de
acabar logo com o espetáculo.
— Entre na carruagem, Penélope. Vamos para casa. Edward espiou pela janela.
— Harold, conseguiu apanhar o pequeno patife?
"Mas que inferno!", o Duque blasfemou. Até a voz de Edward o irritava.
Penélope deu a volta no veículo e deteve-se ao ver Edward. Ergueu a cabeça e
encarou o pai, à espera de explicações.
Harold nunca se preocupara em saber se a filha gostava dele ou não. E pela
primeira vez teve a noção exata dos sentimentos dela. Penélope odiava o próprio pai!
A revelação chocante deixou o Duque perturbado.
— Vim com meu coche. E, mesmo se assim não fosse, preferiria ir embora a pé a
ter de acompanhá-lo. — Penélope afastou-se sem uma palavra de despedida. Deixou-o
sozinho com o asqueroso futuro genro.
O Duque subiu depressa no veículo. Não queria mais ser humilhado ante toda
aquela gente.
— Aquela não era Penélope? — Edward esforçou-se para enxergar.
— Não era — Harold mentiu, bateu no teto, e os cavalos arrancaram para a frente.
Lucas olhou pela janela da casa que Matthew alugara para servir de esconderijo.
Harry subira em uma das macieiras, e Lucas alegrou-se por vê-lo brincar. O menino
adorara poder sair do navio onde haviam permanecido por muito tempo no mar e nas
docas inglesas. Usava todo o tempo disponível para queimar as energias acumuladas.
Após muito confabular, os irmãos resolveram trazer o sobrinho. Embora confiassem
em seus homens, não podiam prever o que Harold Westmoreland preparava para eles.
Além disso, Lucas precisava de toda a atenção concentrada no plano, e as preocupações
com Harry acabariam por distraí-lo.
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope ficaria surpresa de encontrar um garoto morando com eles, mas Lucas
queria contar-lhe parte da verdade. Harry era seu sobrinho, filho de sua falecida irmã e
considerado como seu próprio filho. Seria um ponto positivo. Harry funcionaria como uma
espécie de amortização contra o desdém de Penélope, depois que tudo terminasse.
Ela se afeiçoaria ao pequeno, e Lucas esperava que essa ternura a fizesse pelo
menos entender por que fora obrigado a cometer atos tão terríveis. Mesmo sem perdoá-
lo.
Matthew entrou na cozinha, vindo do quintal.
— O garoto está se portando muito bem.
— Harry é um bom menino. Este lugar foi uma escolha excelente, Matt.
— Foi o que pensei assim que o vi.
Simples. Limpo. Perto da capital. Isolado. Perfeito.
— Tem certeza de que conseguirá mantê-la aqui pelo período que for necessário,
Luc? E feliz? Isto é muito diferente do que está acostumada.
Haviam conversado muito sobre a possibilidade de Penélope não se adaptar e
querer partir. Seria diferente se estivessem na Virgínia, na residência à beira do rio,
rodeados por um batalhão de criados, campos de tabaco e estábulos. Além de uma vida
social intensa e adequada à pequena burguesia. Mas naquela cabana pequena, quase
espartana... Teriam apenas uma cozinheira e uma empregada da aldeia que viriam
durante o dia. Lucas e Matthew tinham dúvidas quanto ao meio operacional que
deveriam empregar para evitar atritos.
Teriam de contar com a permanência de Penélope pelo menos até Harold ceder.
Por instinto, Lucas confiava que ela não lhes daria trabalho, pois parecia uma pessoa
determinada e prometera não voltar atrás.
— Não teremos problemas com Penélope, Matt.
— Agora não há como recuar.
— Tem razão. Não depois do que os homens de Westmoreland fizeram com Paulie.
Lucas sentiu o sangue ferver ao lembrar-se do ocorrido, e refletiu no poderia ter
acontecido. E por sua culpa.
Paulie voltara para o local de encontro com o olho roxo, a roupa rasgada e todo
machucado. Lucas passou-lhe um sermão pela imprudência. Teria apenas de entregar
a mensagem ao cocheiro e ir embora. O garoto teve sorte de sair vivo, depois de
enfrentar o Duque.
— Mais um crime para adicionar à lista. Matthew anuiu.
— Mais uma razão para ele pagar.
Lucas foi até o aparador, serviu conhaque em duas taças e ofereceu uma ao irmão.
— A Caroline.
— A Caroline.
— A lady Penélope, que nos ajudará a cumprir a meta.
— A lady Penélope. — Lucas não sentiu o menor entusiasmo ao pronunciar essas
palavras.
Penélope não imaginava o tamanho do sacrifício que teria de fazer, nem como sua
vida seria alterada. Se houvesse outra maneira de intimidar o Duque...
Suspirou. "Tudo por Caroline e por Harry."
Cheryl Holt Destino Incerto

Até conhecer Penélope Westmoreland, a vingança fora o mais importante. Pensar


no sorriso feliz dela, em como o beijara, em como o olhara, como se ele fosse o melhor
homem do mundo, tornava a desforra bem menos palatável.
Tomou a bebida de uma vez e levantou-se.
— Vamos acabar logo com isso.
Penélope caminhou devagar pelo hall magnificente, memorizando detalhes. Era
tarde. O pai e o irmão haviam saído para uma noite de festas. A mãe, como sempre,
estava enclausurada no quarto. Os servos dormiam, exceto os que ficariam à espera de
Harold e Willie.
Poucos tinham sido os dias felizes naquela residência de tamanho descomunal. Ela
e Willie foram criados como príncipes, e não como crianças que gostavam de brincar e
rir. Jamais lhe fora permitido rolar na grama ou sujar as mãos na terra.
Fitou as salas que deixaria para trás e admitiu que tivera poucos momentos de
satisfação, mesmo com suas menores vontades atendidas.
Viu o tapete onde tropeçara uma vez, quando criança. Os resultados foram um
dente quebrado e uma rajada de preocupações não usuais. Os pais afligiram-se por não
saber como o acidente afetaria o futuro aspecto de Penélope.
Escondera-se certa ocasião atrás das samambaias do solado para surpreender a
mãe sempre abstraída. E ouvira os comentários sobre a última conquista do pai. Um
assunto nunca mencionado, mas causador de tensões constantes.
Na cozinha, passou a mão na beira da mesa lateral. Ali, uma idosa cozinheira
oferecera biscoitos e contara histórias para a menina solitária. Até a tarde em que a
Duquesa descobriu o tempo excessivo que a filha passava com os criados e proibiu-lhe
a entrada no recinto. Penélope nunca mais viu a bondosa mulher. Desconfiava que fora
mandada embora pela ousadia de tratar com familiaridade a caçula dos Westmoreland.
Seguiu até a galeria dos retratos e deteve-se na pintura do pai e da mãe, recém-
casados. Não diferiam muito da atualidade, circunspetos, ostentando riqueza em todos
os poros e cheios de si. Não se via entre os dois o menor sinal de simpatia ou de calor
humano.
Teriam sido apaixonados algum dia? Teriam tido momentos de felicidade?
Penélope supunha que não. Fora um casamento arranjado, típico da aristocracia.
Os parceiros descobriam cedo que pouco tinham em comum e passavam a levar vidas
independentes. Fazia muito tempo que o Duque e a esposa encontravam-se apenas
para ir a algum evento social ou comparecer a um jantar em que a anfitriã tinha o bom
senso de sentá-los em pólos opostos da mesa.
O Duque era muito ocupado. Cuidava do grande número de propriedades, das idas
aos clubes, dos deveres no Parlamento, das amantes.
A Duquesa, por sua vez, preocupava-se com os amigos, a correspondência e os
acontecimentos sociais a que comparecia sozinha. Os servos eficientes cuidavam da
administração da casa.
A mãe sentiria solidão? Lamentaria a falta do marido? Teria aspirações a outro tipo
de vida, com alegrias e amizades verdadeiras, parecida com a que a filha iria desfrutar
ao lado de Lucas Pendleton? Gostaria de voltar ao passado para recomeçar de maneira
diferente?
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope jamais tocara no assunto com ela. De que adiantaria comentar sobre a
indiferença do pai, suas amantes, seus filhos bastardos e outros pecados? Ou sobre a
infância triste que ela e Willie tiveram?
A juventude deles fora semelhante à de tantos outros filhos de nobres. Cresceram
na companhia de governantas e tutores, quase sem contato com pai e mãe. Penélope
começou a meditar sobre aquele método terrível de criação nos últimos anos.
Teria adorado poder trocar idéias a respeito com a mãe. Mas, como os
Westmoreland não admitiam os problemas, não podiam conversar sobre o que não
existia.
Penélope queria sair da mansão para não perpetuar a existência que levara ali.
Tinha de escapar rumo a alguma coisa nova e melhor. Desejava encontrar a satisfação
de saber que alguém gostava dela.
Voltou a seus aposentos, onde Colette a esperava com paciência.
— Está pronta?
— Sim.
— Foi fazer as despedidas?
— Isso mesmo. — Penélope sorriu-lhe.
A sempre corajosa Colette temia as conseqüências do plano secreto delas. Insistiu
para Penélope refletir mais um pouco e com maior cautela.
Embora muito discreta sobre os anos de juventude, o pouco que mencionara fizera
Penélope descobrir que a mãe de Colette fora amante de um aristocrata, durante os anos
do Terror. A família dele fora assassinada. Colette, com seis ou sete anos, e a mãe
saíram de Paris no meio da noite. Fugiram para a Inglaterra com a roupa do corpo e
pouco dinheiro. A mãe morreu pouco depois da chegada. Colette conheceu a pobreza e
passou fome. Por isso temia os resultados advindos da decisão de Penélope. A francesa
preferia estabilidade e segurança a qualquer outra coisa.
— Tudo dará certo, Colette. — Penélope deu um tapinha amigável no ombro da
aia. — O Sr. Pendleton não deixará que nada de mal nos aconteça.
— Como milady pode garantir disso?
— Espere até conhecê-lo. Depois entenderá o que estou dizendo.
— Mas que espécie de homem é esse que pretende tirá-la do seio de sua família e
de seu lar? Isso não me soa bem.
A discussão recomeçou. Penélope foi incapaz de demover Colette da idéia de que
a fuga seria um grande erro, mesmo sem a francesa apoiar o casamento com Edward.
Embora convencida de que Lucas era a resposta a suas preces, Penélope não conseguiu
apaziguar Colette.
Era quase meia-noite. O tempo para argumentações terminara.
— Colette, é muito tarde para discutirmos. Além do mais, nada me fará recuar.
— Sei disso. Tentei o mais que pude.
— Se não quiser vir comigo...
— Imagine se eu a deixarei ir sozinha com seu américain! Alguém precisa protegê-
la.
Penélope apreciou sua devoção e lealdade.
— Obrigada. Fico contente com isso.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Eu também.
Colette foi até o quarto de vestir, voltou com as capas e duas malas grandes,
embora Lucas houvesse recomendado apenas uma valise. Penélope pedira algumas
coisas mais finas para o dia do casamento. Colette, sempre favorável ao amour,
selecionara as peças de baixo mais bonitas e transparentes para Penélope atrair o
marido.
A criada deixou a bagagem no chão e enganchou o fecho do manto de Penélope.
Ali sou a pele brilhante e levantou a barra.
— Costurei um punhado de moedas no forro, para o caso de uma necessidade. —
Colette ergueu a própria capa de lã, sacudiu-a, e Penélope escutou o chocalhar do metal.
— Também pus algumas em meu capote. Prometa-me que nada dirá ao Sr. Pendleton.
Assim também era demais!
— Colette...
— Prometa! As moedas serão nosso segredo.
— Está bem — Penélope concordou, relutante.
— Cautela nunca é demais para uma mulher. Não se sabe o que poderá
acontecer...
— Está bem, já disse. — Penélope irritou-se. Apreciava o cuidado de Colete, mas
sabia que dinheiro não seria problema para elas.
Por fim, faltava escrever uma mensagem de despedida dirigida aos pais. Resolveu
nada comentar sobre o Sr. Pendleton ou o casamento. O Duque se empenharia em uma
busca desenfreada e eles poderiam ser descobertos.

Mamãe e papai,
Não posso casar-me com Edward, por isso tive de ir embora. Estou bem.
Por favor, não se preocupem. Mandarei avisar depois de me estabelecer na nova
vida.
Penélope.

Gostaria de afirmar que os amava, mas demonstração de sentimentos não


combinava com os Westmoreland. Desejava apenas que a mãe não se afligisse. Fechou
a missiva e deixou-a sobre o travesseiro.
Emocionada, Penélope abraçou Colette. O que também nunca fizera.
— Está pronta, mon amie? — Penélope nunca a tratara por "amiga".
— Oui. — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Penélope relanceou um olhar
pelo quarto no qual vivera por vinte e um anos. Apertou a mão de Colette e, com os
dedos entrelaçados, elas desceram a escada e desapareceram nos jardins, rumo ao
futuro.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo VIII

Lucas não conseguia distinguir as horas no relógio. Estava escuro, e o nevoeiro,


denso. Uma atmosfera perfeita para atividades clandestinas.
Vestido de preto, observava o muro posterior da propriedade. Nada se movia, nem
mesmo os animais notívagos. Até os ratos haviam se escondido.
Era muito tarde. Teria Penélope voltado atrás? Ou se divertido à sua custa, sem
jamais ter pensado em acompanhá-lo?
— Não, de jeito nenhum! Ela prometeu com sinceridade.
Procurava convencer-se, mas não deixava de lado a apreensão. Devia ser o fog.
Um homem em meio àquela neblina cerrada começava a duvidar do mundo e do lugar
que ocupava dentro dele.
Em suas viagens, jamais vira nada parecido, e ainda não se acostumara ao
nevoeiro característico de Londres. Dava a impressão de que fantasmas se moviam,
prontos para agarrá-lo com dedos brancos, longos e translúcidos. O silêncio das ruas
incomodava, as sombras assustavam e os misteriosos ruídos ocasionais
impressionavam.
No momento em que se preparava para retornar ao navio, escutou passos. Quatro
pernas, e não duas. Imóvel, refletiu se Penélope revelara o segredo e os soldados do
Duque tinham vindo apanhá-lo.
— Tem certeza de que é aqui mesmo? — uma mulher falou, com sotaque francês.
— Tenho, mas o fog está muito cerrado. Não vejo minha mão.
"Penélope!"
— Estou aqui. — Lucas saiu do esconderijo e assustou-as pela proximidade.
— Lucas!
— Estava começando a achar que milady não viria.
— Eu? Na certa ficou maluco!
Lucas estendeu os braços, e Penélope aconchegou-se entre eles. O capuz caiu, e
os cabelos loiros cintilaram como uma tocha. Ele não resistiu e acariciou-os, antes de
escondê-los de novo. Beijou-a na testa por um tempo maior que o necessário.
Admitiu que o abraço modesto era um subterfúgio e uma maldade. Mas não pôde
evitar. Dominado pela atração física, foi impossível controlar as próprias mãos.
Mas se Penélope acreditava que fugiam para casar-se, por que não agir de acordo
com a situação hipotética? Não faria mal segurar-lhe os dedos ou beijá-la vez ou outra.
Aqueles gestos acalmariam os nervos dela, embora aumentassem, sem dúvida, o nível
de seu próprio desejo.
— Quem é? — Lucas sussurrou. Dentro do névoa, nunca se sabia quem estava
por perto.
— Colette, minha criada pessoal.
Lucas jamais teria imaginado que Penélope viria acompanhada. "Isso é o que
acontece quando se rapta uma desconhecida!", pensou.
A criada seria um benefício ou um perigo?, Lucas procurou raciocinar depressa.
Porém, o tempo era curto, e o local, perigoso. O que primeiro lhe ocorreu foi que um
Cheryl Holt Destino Incerto

segundo indivíduo significava uma possibilidade a mais de tudo dar errado. Uma pessoa
a mais para conter, para silenciar e para revelar o segredo. A moça teria de ser deixada
para trás.
— Não devia tê-la trazido. Tenho dinheiro e posso contratar quantas criadas eu
quiser.
Colette se adiantou. A primeira vista, o sotaque era agradável, mas tornou-se
inequívoca a ira que borbulhava debaixo:
— O senhor admitiria uma estranha em sua casa para cuidar de lady Penélope?
Com quem pensa que está lidando? Ela é Penélope Westmoreland, e não a filha de um
mercador qualquer!
— Sei disso. — Lucas procurou manter a calma diante da fúria da aia.
— Só eu sei tomar conta de milady! Jamais deixarei que alguém usurpe meu lugar.
Por isso, terei de acompanhá-lo, oui!
— Não!
— Oui! — Colette insistiu — Ou darei o alarme, certo? Não deixarei milady sozinha!
— Lucas, por favor. — Penélope apoiou a palma da mão no peito dele e traçou os
círculos que o inebriavam. — Estou muito nervosa e me sentirei muito melhor ao lado
dela. Peço-lhe que deixe-a vir junto.
Lucas sentiu o coração amolecer diante do pedido feito com tanta graça. Quem
poderia recusar-lhe alguma coisa? Não era à toa que ela conseguia tudo o que desejava.
— Mais uma pessoa dificultará a fuga.
— Nada disso, Lucas. Juro que Colette não representará nenhum inconveniente.
Ele previa que a mulher causaria vários tipos de problemas. Percebera a astúcia, a
agressividade, a devoção excessiva. Ela estaria pronta para dar a vida por Penélope.
— Por favor! — Penélope apertou-lhe a mão. A causa estava perdida.
— Está bem.
Seria sempre assim?, Lucas perguntava a si mesmo. Era urgente achar um meio
de diminuir o efeito de Penélope sobre ele. Teria de ser mais severo e dominar-se na
presença dela. Teria de...
Ora, não se tratava de uma aventura ou de uma brincadeira. Era um rapto, que
Deus o perdoasse! Apesar disso, não resistia à atração da refém. Apesar das más
intenções, queria vê-la feliz, e por isso encontrava-se à mercê dela. Poderia haver perigo
maior? Um belo começo para a carreira de seqüestrador...
Lucas apontou o dedo para Colette, fingindo assumir o comando da situação.
— A senhorita terá de fazer o que eu disser. Não pretenda atrapalhar-me. Cuide
apenas de seus deveres. Se me causar transtornos, eu a mandarei de volta.
— Obrigada. — Penélope ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o nos lábios —
Muito obrigada!
Lucas não teve alternativa a não ser aproveitar a oportunidade para prolongar o
beijo. A criada murmurou alguma coisa em francês e, pelo pouco que Lucas conhecia do
idioma, deduziu que não se tratava de um elogio. Roubou mais um beijo e sorriu para
Penélope.
— Vamos.
Animado, segurou as alças das duas malas. E resmungou, desanimado, ao levantá-
Cheryl Holt Destino Incerto

las. Eram tão pesadas que em instantes estaria coberto de suor.


— Pesam muito para você? — Penélope perguntou, pois ouvira-lhe o gemido.
— Não. — Lucas cerrou os dentes.
O que haveria dentro daquelas valises? Pedras?!
— Sei que são um pouco grandes. Quer que o ajudemos a carregá-las? Podemos
revezar-nos...
— Pode deixar, eu as levarei. — Lucas procurava ser galante, não obstante as
costas arqueadas por causa do peso.
O portão dos fundos foi aberto sem o menor barulho, e os três saíram pela viela.
Atravessaram várias ruas, em silêncio. Havia momentos em que a bruma era tão intensa
que Lucas tinha de tocar nas cercas das casas para ver o número ou se confundiriam no
desvio onde a carruagem os aguardava.
Um dos cavalos sentiu a aproximação, sacudiu as costas, e os arreios tilintaram.
— Quem vem lá? — Matthew, do banco do cocheiro, disfarçou a voz. Estava bem
agasalhado, o que também não permitia ser reconhecido. Se houvesse algum imprevisto,
poderia agir incógnito.
— Sou eu. Trouxe minha dama e sua criada.
Lucas baixou o degrau, ajudou Penélope e depois Colette a entrar. Antes de ele
fechar a portinhola, Penélope estendeu a mão, que Lucas apertou, maldizendo a rapidez
da reação de seu corpo.
— Iremos para a Escócia?
Na certa ela imaginava que seguiriam para Gretna Green, a aldeia próxima da
fronteira, onde os casais apressados se uniam em matrimônio.
— Não.
— Então para onde vamos?
Penélope embarcava em uma viagem com um homem que mal conhecia,
ignorando o destino. A fé absoluta que ele lhe inspirara era uma coisa admirável, e Lucas
sentiu-se um crápula por enganá-la.
— Aluguei uma casa no campo para o verão.
— Ah, que maravilha! Sempre adorei o campo.
— Imaginei que fosse gostar.
— Mas...
— O quê?
— Quando nos casaremos?
Lucas hesitou na resposta e teve certeza de que a aia escutava, atenta.
— Entendi que ambos tínhamos pressa...
— E temos. Já providenciei para que o casamento se realize assim que estivermos
instalados.
— Excelente! — Penélope concordou, mais tranqüila. — A residência é distante?
— Não muito. — Lucas fez menção de recuar, mas Penélope segurou-o.
— Por que não vem conosco? Tenho muitas indagações. Nada poderia ser mais
fantástico, e também horrível, que ficar preso com Penélope em um local apertado. O
encanto dela, seu sorriso lindo e sua vivacidade fariam com que passasse a gostar dela
ainda mais. As perguntas decerto ficariam sem resposta, pois não havia muitas
Cheryl Holt Destino Incerto

explicações para dar. Quanto menos ficassem juntos, melhor para todos. A distância,
evitaria questões pessoais. Todavia, nada lhe pareceu mais tentador do que ficar
aconchegado com Penélope naquela noite fria.
— Teremos muitas oportunidades de conversar, quando chegarmos. No momento
será melhor eu ir com os cavalos, pelo menos até nos afastarmos do rio. Espero que, ao
sairmos da cidade, também deixemos a neblina para trás.
— O fog está muito denso hoje, e muitos perigos podem estar rondando. —
Penélope inclinou-se para sussurrar: — Cuide-se... para mim.
— Pode ficar tranqüila. — Lucas experimentou uma dor intensa no peito.
O sol nascia a Leste, quando, enfim, chegaram ao novo lar. Lucas fez sinal para
Matthew de que seria necessário apressar-se. Queria as mulheres dentro da casa e
Matthew longe antes de o astro-rei aparecer.
Matthew abriu o portão, e Lucas desceu. Eles não tinham ouvido uma só palavra
das passageiras durante o trajeto. Teriam dormido? Ou seria algo mais sinistro?
Haveriam mudado de idéia? Planejariam uma fuga?
Lucas abriu a portinhola, sorridente e preparado para tudo.
— Já chegamos?
— Já, milady.
Penélope desceu, ajudada por Lucas. A viagem fora muito cansativa. A estrada era
ruim, e a carruagem tinha péssimo molejo. Os músculos estavam doloridos, as costas
ardiam e a cabeça latejava.
Colette passara o tempo todo sussurrando previsões desastrosas. Que seriam
roubadas e assassinadas. Ou roubadas e abandonadas. Vendidas como escravas.
Usadas sexualmente e descartadas.
A imaginação da francesa não conhecia limites. Com o passar das horas, o futuro
tornava-se ainda mais negro. Até Penélope perder a determinação e lamentar a decisão
tomada.
Mas ao ver a casa que Lucas encontrara para começarem uma vida nova, todos os
medos se desvaneceram.
A lamparina que Lucas carregava não era grande, mas permitiu uma visão
razoável. A moradia era linda, mesmo sem ter as dimensões a que se acostumara. A
construção de pedra cinzenta tinha dois andares, muitas vidraças com remates brancos
e venezianas. Nas jardineiras das janelas e das laterais da porta, flores de primavera
desabrochavam.
O caminho da entrada era circular e avermelhado. As cercas-vivas garantiam a
privacidade. Ao longe escutava-se o gorgolejar de um regato.
A apreensão de Penélope desapareceu.
— É adorável, Lucas! Nada poderia ser mais encantador.
— Gostou mesmo?
— Muito. É o tipo de habitação que eu esperava que encontrasse para nós.
Aconchegante, convidativa. Talvez muitos casais felizes houvessem passado a
vida ali. Existia conforto e isolamento. Por ser pequena, permitiria um contato mais
íntimo. Se precisassem de mais espaço, havia a propriedade externa.
Um imóvel ideal para recém-casados. Com o coração mais leve, Penélope concluiu
Cheryl Holt Destino Incerto

que fizera a escolha certa.


Lucas ajudou Colette a chegar ao chão e apanhou as maIas. O cocheiro estalou as
rédeas, e a carruagem sumiu no lusco-fusco, depois do portão fechado.
Penélope quis saber como iriam até a aldeia.
— O veículo é seu?
— Não. — Lucas fitou o portão alto que evitava olhares intrusos. — Ainda não pude
providenciar transporte para nós, mas o farei em seguida. Na verdade, tudo aconteceu
muito rápido, e vários assuntos não puderam ser resolvidos. Nem mesmo consegui
deixar a casa conforme imaginei que seria de seu agrado.
— Está tudo ótimo, e eu o ajudarei no que for necessário.
Enfim, Penélope iria administrar uma casa, em escala reduzida, pondo em prática
os ensinamentos que recebera da mãe.
— Apreciarei isso. Por enquanto, vamos entrar? Lucas e Penélope foram até a
porta de mãos dadas. Colette preparou-se para erguer as malas, mas ele a impediu,
dizendo que as apanharia em seguida.
Do lado de dentro, a lareira apagada deixava o ambiente escuro e frio. No primeiro
instante, Penélope irritou-se. Um servo deveria evitar que o fogo se apagasse como sinal
de boas-vindas, e deixar as luzes acesas para que ela pudesse inspecionar as
dependências. Mas em seguida refletiu que seria um absurdo.
Aquela era uma nova vida.
Talvez Lucas ainda não houvesse contratado a criadagem. Ou quem sabe já o
tivesse feito e os servos ignoravam que deveriam estar acordados para receber os novos
senhores. De qualquer modo, teriam de arrumar-se sozinhos, fato que não a desagradou.
Quando seu primeiro noivado com o marquês foi a pique, Penélope passou meses
escutando os pais culparem-na pelo fracasso. O marquês escolhera outra por achar
Penélope muito exigente, imatura, mimada e difícil de agradar.
Não daquela vez! Não deixaria Lucas perceber-lhe o descontentamento. Era tão
agradecida a ele por tê-la impedido de casar com Edward que só demonstraria
apreciação e complacência.
Por que não acender ela mesma o fogo? Não seria uma ótima aventura? Colette
poderia ensinar-lhe não só isso, como também muitas outras coisas. Penélope pretendia
aprender tudo o que fosse preciso para alegrar o lar deles.
Lucas haveria de ter pressa para voltar para casa, depois de um dia de trabalho
intenso. E quando entrasse, haveria de encontrá-la feliz e sorridente.
— No que está pensando, Penélope?
— Em como esta casa é encantadora.
— E fria como uma sepultura — Colette murmurou, irritada, fechando melhor a capa
da patroa. — O que os servos estão pensando? Deixaram tudo abandonado para receber
milady!
Penélope fitou-a, carrancuda.
— Há apenas uma mulher aqui — Lucas desculpou-se, com gentileza. — Como eu
não sabia a que horas chegaríamos, disse-lhe que seria dispensável esperar.
Poderemos dar um jeito nisso, não é, Penélope?
— Claro que sim!
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A sala da frente tinha mobília modesta. Um sofá, uma poltrona, um tapete colorido,
uma secretária e uma lareira. Sobre o consolo, uma pintura da casa e do pátio, em uma
bela reprodução.
— Milady deve estar exausta — Lucas avaliou, antes de Penélope ver o restante
do imóvel. — Eu a levarei até seu quarto. Amanhã poderá avaliar toda a propriedade.
— Para mim está ótimo. — Penélope fitou Colette com severidade por sobre o
ombro, para que ela se mantivesse calada.
Lucas conduziu Penélope pela mão. Foram escada acima até o primeiro aposento
à direita. Era pequeno e confortável, com uma cama com colchão espesso e uma manta
grossa, uma penteadeira e um guarda-roupa.
Lucas deixou a lamparina na mesa-de-cabeceira e acendeu outra. A um canto havia
uma salamandra e pedaços de lenha em um balde. Colette acendeu o fogo, enquanto
Lucas descia para buscar as malas.
— Espero que possa acomodar-se, pelo menos até amanhã — Lucas proferiu, à
guisa de desculpas, depois de voltar com a bagagem.
— Não se preocupe, ficarei muito bem.
— Está com fome? Não pensei em...
— Não tenho fome, obrigada.
Ele sentia-se nervoso e tímido como um adolescente. Precisava do conforto que
encontrava ao tocar Penélope, e segurou-lhe os dedos.
— Contratei duas mulheres da aldeia. Uma para cozinhar e outra para limpar. Elas
não dormirão aqui. Ajudarão durante o dia e irão para seus lares à noite.
— Nós daremos um jeito. — Penélope sorriu.
— Fico contente com sua compreensão. De qualquer forma, há um quarto de
empregada ao lado da cozinha. Como não será ocupado, a srta. Colette poderá usá-lo.
— Será muito bom, não é, Colette?
A francesa sussurrou qualquer coisa inexplicável.
— Contudo — Penélope continuou —, acredito que ela gostaria de ficar comigo
hoje. Não estamos familiarizadas com a casa nova.
— Se milady não se importar, poderemos dizer aos curiosos que somos casados
há algum tempo. Não sei até onde seu pai poderá chegar, mas creio que ele mandará
procurar um par de recém-casados.
— Isso mesmo. Que tal afirmarmos que nosso enlace foi há um ano?
— Razoável. Outra coisa: a vida no campo poderá aborrecê-la. Porém, acredito na
prudência de não freqüentar a aldeia ou receber visitas. Pelo menos até que tudo esteja
resolvido. Não podemos saber quais as atitudes que o Duque tomará.
— Muito sensato.
Lucas pigarreou.
— Ah, mais um detalhe...
— Sim?
— Mora alguém aqui. Meu sobrinho. Tem quase cinco anos.
— Uma criança? — Penélope não escondeu a surpresa. Com essa ela não contava.
— Sim. Ele é um bom menino. Respeitador e... em geral, bem comportado. E, como
toda criança, faz suas travessuras. É filho de minha irmã, que morreu logo após o parto.
Cheryl Holt Destino Incerto

Sempre cuidei dele e o considero como um filho. Para mim, seria muito importante se
milady pudesse ser bondosa com o garoto.
Penélope lembrou-se de que seu contato com crianças fora limitado. Em seu
mundo, elas eram separadas dos adultos. No incidente da véspera com aquele pobre
menino, fora a primeira vez que falara com uma criança daquela idade. Entretanto, faria
um esforço para entender-se com o pequeno, e assim satisfazer a vontade de Lucas.
— Pode ficar sossegado. Qual o nome dele?
— Harry. Sei que eu deveria ter lhe dito antes, mas houve muito pouco tempo para
confidencias.
— Está tudo bem. De verdade. — Penélope apertou-lhe a mão. — E quando será
o casamento, Lucas?
— Estou providenciando os papéis. Imagino que terei tudo acertado amanhã ou
depois.
— Maravilhoso!
— Amanhã cedo terei compromissos na cidade. Conversaremos em minha volta.
Harry ficará em casa, e as duas mulheres também. Terá bastante atividades com que
preencher seu dia.
— Não tenho dúvidas a respeito. Lucas, eu nunca lhe perguntei, mas qual o tipo de
negócio com que se ocupa?
— Marinha mercante. É de onde vem minha renda. Sou dono de cinco navios, e
estamos baseados na Virgínia. Fazemos um pouco de comércio na Costa Leste dos
Estados Unidos.
— Tem casa lá?
— Sim. Uma bela residência.
— Iremos para lá algum dia? — O coração de Penélope bateu apressado.
— Acabaremos indo — Lucas respondeu, depois de uma pausa mais longa de que
a devida.
— Mal posso esperar! — Penélope animou-se com tal perspectiva.
Além de algumas viagens até as propriedades do pai na Escócia, nunca deixara a
Inglaterra. Jamais sonhara ir para tão longe nem conhecer locais exóticos.
A fuga com Lucas Pendleton tornava-se mais excitante a cada momento. Penélope
sentia-se muito feliz com isso. A vida que levava até ali começava a parecer-lhe
enfadonha. Antes assim.
— Onde vai dormir?
— Do outro lado do hall — Lucas apontou.
Ela pensou na noite em que também dormiria lá. Sentiu um rubor cobri-la da cabeça
aos pés. Se apenas a imaginação lhe trazia tanto deleite, o que aconteceria depois?
"Mal posso esperar!"
— Boa noite, Lucas.
— Eu... Boa noite.
Ficaram parados por algum tempo no meio do dormitório, de mãos dadas, sorrindo
um para o outro como dois tolos apaixonados.
— Fico contente por tê-la aqui.
— Também estou, por ter vindo.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Até amanhã. — Lucas beijou-a de leve nos lábios.


Penélope Westmoreland nem teve tempo de abraçá-lo pelo pescoço, como gostaria
de fazer. Lucas Pendleton saiu como um raio e fechou a porta.
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Capítulo IX

Penélope acordou tarde. Não pretendera dormir tanto. As duas servas haveriam de
pensar que a nova senhora era uma preguiçosa. Se estivesse na mansão de seu pai,
não daria importância ao fato. Como era a primeira vez que tinha empregados próprios,
queria causar boa impressão.
Onde estaria Colette? Necessitava dela para vestir-se. E como chamar sua aia, se
não havia campainha e nenhum outro meio de pedir auxílio?
Ora, mesmo que houvesse um cordão de sino, não pensaria em puxá-lo. Se Colette
não ouvisse o chamado, qualquer uma das outras duas subiria. E Penélope não queria
recebê-las em trajes menores, mas sim mostrar-se confiante e preparada. Decidiu trocar-
se sozinha, o que quase nunca fazia.
Foi até o armário e examinou os poucos trajes que compunham o enxoval minguado
e simples que trouxera. Os vestidos mais elegantes teriam ocupado muito espaço na
sacola de viagem. Calculou que poderia arranjar-se com qualquer um dos que escolhera
para trazer.
Um espartilho estava fora de questão. Pôs uma camisa e uma vestimenta azul de
usar em casa que precisava apenas de uma anágua fina.
Alisou o tecido na altura do abdome e das coxas. Jamais andara sem espartilho,
por isso adorou poder respirar sem tormento. Repetiu a experiência várias vezes e
experimentou a fricção do tecido nos mamilos. Livres das barbatanas que os juntavam e
empurravam para cima, eles moviam-se livres, o que fez Penélope sentir como se
estivesse em trajes menores.
Foi até o espelho e avaliou o próprio reflexo. Gostou de ver o busto saliente e a
sombra dos mamilos sob o tecido fino. Depois de casada, poderia abandonar o espartilho
com maior freqüência. Seu marido haveria de gostar daquela visão.
Amarrou os cabelos longos com uma fita azul e mirou-se no espelho. Beliscou as
faces várias vezes para disfarçar a palidez.
A fuga de Londres fora estressante. O sono de várias horas não eliminou o cansaço.
Sentia-se meio zonza e desorientada. Desconfiava que demoraria bastante para
acostumar-se, mas isso devia ser normal. Teria muito tempo para aprender suas tarefas
e conhecer suas responsabilidades. Logo seu entusiasmo costumeiro estaria de volta.
Fazer uma verificação detalhada do pavimento superior foi uma questão de
minutos. Havia um banheiro e mais dois aposentos semelhantes àquele onde dormira.
Móveis maciços e simples, papéis de parede coloridos, tapetes, cortinas. Olhou tudo e
deteve-se no quarto de Lucas.
Duas sacolas abertas com roupas, todas do mesmo estilo. Penélope supôs que
fossem trajes de trabalhador, se é que esse seria o termo correto. Várias calças de lã e
calções de couro. Camisas de algodão e de linho. Um colete. Um par extra de botas. Em
uma das gavetas da cômoda, roupas íntimas que ela não teve coragem de remexer,
apesar da enorme curiosidade.
Segurou a manga de uma camisa pendurada no guarda-roupa e inalou a fragrância.
Recriminou-se pela tolice, mas prosseguiu na pesquisa. Apesar do cheiro de sabão de
Cheryl Holt Destino Incerto

lavanderia, sentiu o aroma de Lucas entranhado no tecido. Era como se ele estivesse ali
presente.
Em cima da penteadeira, os artefatos de barbear. Penélope apanhou cada uma das
peças e manuseou-as. Cheirou a correia de couro e o sabão da caneca. Testou o corte
da lâmina com o polegar. Esfregou a mãos nas cerdas macias da escova. Nunca vira
objetos masculinos de toucador. Perguntou a si mesma se ele a deixaria testemunhar
como os usava, após o casamento. Era excitante imaginar que faria parte daquele ritual
íntimo.
Admitiu alegrar-se por tocar no que pertencia a Lucas. Mas teve certeza de que
morreria de vergonha se ele soubesse que a futura esposa andara bisbilhotando suas
coisas. Com o coração batendo forte, arrumou tudo exatamente como encontrara. Pé
ante pé saiu daquele aposento, antes que alguém a descobrisse.
Desceu a escada, pronta para os cumprimentos. Ninguém apareceu para recebê-
la. Nem servos, nem Lucas. O que a deixou um pouco desiludida.
Aceitava que ele fosse um comerciante que dava primazia a seus negócios. Mas
esperava que, pelo menos naquele dia, ficasse um pouco com ela. Tinham de discutir
vários assuntos.
Lucas dissera que sua casa era na Virgínia e que viveriam lá. Penélope não podia
imaginar como seria a vida naquela terra distante, nem as conseqüências de cruzar o
oceano, ou como passaria o tempo na América.
Ah, como gostaria que aquele fosse o dia de seu casamento, e a próxima noite, a
de núpcias! Embora soubesse que Lucas viria para sua cama, não podia evitar uma certa
apreensão sobre o ato matrimonial e as intimidades entre marido e mulher. O que na
realidade a alarmava era nada saber sobre Lucas.
Deteve-se na cozinha. Limpa e bem montada, cheirava a assados. Alguém deixara
para ela uma refeição sobre a mesa. Pão, queijo, uma maçã e um copo de leite. A
simplicidade era gritante em comparação ao que o chef francês criava na residência do
Duque. Sentou-se e notou uma mensagem ao lado do prato. Era de Lucas e endereçada
a ela.
Bem... afinal ele não a esquecera! Sorrindo, leu o bilhete:

Minha linda Penélope,


Sei que ontem foi um dia difícil. Espero que hoje possa descansar e descontrair-se.
Se necessitar de algo, é só pedir às duas servas. Eu as instruí para que a tratem com o
maior carinho. Não estarei de volta para o chá, mas tentarei chegar para o jantar. Então
poderemos conversar mais. Por favor não me espere, se eu me atrasar. Lucas.

Leu a nota tantas vezes que a memorizou. Procurava descobrir o que existia nas
entrelinhas. Passou os dedos pela escrita, acariciando as frases. Dobrou o papel e
guardou-o na manga. O roçar na pele seria uma lembrança constante do que Lucas
escrevera.
Faminta, nem mesmo se recordava de quando se alimentara pela última vez. Na
véspera, a ansiedade a impedira de comer sequer um biscoito. Sem esperar mais,
começou a mastigar depressa e com vontade. Ainda bem que não tinha ninguém à vista
Cheryl Holt Destino Incerto

para testemunhar sua falta de modos.


Terminou a refeição, e o silêncio reinante passou a incomodá-la. Estava
acostumada ao barulho incessante na mansão paterna. Servos azafamavam-se para
todos os cantos, aflitos por cumprir com as tarefas. E Willie, que passava correndo e
rindo. Ouviam-se batidas constantes na porta da frente, carruagens que chegavam e
visitas no salão. Aquela hora, imaginou o fluxo de atividades sem fim no lar dos
Westmoreland.
Abatida e melancólica, sem nada para fazer, terminou o reconhecimento do piso
inferior. Além da sala de visitas e da cozinha, o quarto de Colette, onde ela pendurara as
roupas em cabides na parede. Achou uma despensa com prateleiras quase vazias, o
que denunciava um lar desocupado fazia algum tempo.
Saiu pela porta dos fundos. O quintal tinha um belo gramado, muitas árvores
frutíferas e canteiros de flores abandonados. Pediria a Lucas para contratar um
jardineiro, mas só depois de inteirar-se da situação financeira deles. Na verdade, nunca
tivera de preocupar-se com dinheiro, e economia doméstica não era seu forte. Poderiam
permitir-se restaurar os jardins?
Sorriu ao pensar em seu dote. Uma quantidade substancial em dinheiro e
propriedades iriam para seu marido assim que se casassem. Decerto o Duque não se
incomodaria de ceder tudo para Lucas, e não para Edward, ao comprovar a felicidade da
filha. Se o pai se recusasse a fazê-lo, haveria ainda os bens de sua avó que lhe seriam
entregues ao completar vinte e um anos. O Duque não poderia impedi-la de receber essa
herança.
Penélope nada dissera a Lucas sobre a fortuna que lhe caberia. Seria melhor
esperar até que a situação se definisse. Ficaria contente por poder presenteá-lo com
meios que tornariam a existência mais fácil. Lucas não teria de trabalhar tanto e ficaria
mais tempo com ela.
Isso haveria de acontecer. Eles estavam destinados a ficar juntos!
Penélope atravessou o gramado, no qual ervas-daninhas medravam, satisfeitas, e
foi até a entrada de um bosque que escondia a propriedade dos olhares indiscretos dos
vizinhos. Um menino sentado em um balanço amarrado a uma árvore impulsionava-se
para a frente e para trás.
Os cabelos dele eram loiro-claros como os dela e um pouco mais escuros no alto.
Talvez escurecessem com a idade. Penélope aproximou-se devagar e notou que o
garoto tinha olhos azuis. Parecia-se com Willie, quando criança.
— Olá! — Acenou e chegou mais perto dele. — Se não me engano, seu nome é
Harry, não é?
O pequeno parou de balançar-se e fitou-a, sério.
— É, sim.
Era uma criança bastante madura para sua pouca idade.
— Sou Penélope. Seu tio Lucas é muito meu amigo.
— Eu sei. Ele me disse que a senhorita viria.
Penélope sentou-se no banco que ficava a alguns passos do balanço. Sem
experiência com crianças, deduziu que o melhor início seria entabular uma conversa:
— Lucas foi para a cidade, a negócios.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Eu sei.
— Bem, fico feliz que esteja aqui, Harry. É um lugar muito quieto, e assim não me
sentirei solitária.
— Isso mesmo. Lucas pediu-me para tomar conta da senhorita — o menino falou.
— Sério? — Ainda bem que Lucas se preocupava com ela.
— Sim.
— Acha que poderá fazer isso?
— Lógico. Já sou crescido.
— Estou vendo.
— Tenho quase cinco anos.
— Mas que ótimo! Por acaso viu Colette, minha criada?
— Ela foi até a aldeia com as outras mulheres. Voltarão mais tarde.
— Entendi. — Penélope recostou-se e deixou o sol da tarde banhar-lhe o rosto.
Esperava que Colette se lembrasse de comprar-lhe um chapéu. — Por que não foi com
elas?
— Quis ficar para ver se Paulie viria. — Harry segurou a corda e tentou balançar-
se, sem sucesso.
— Paulie é seu amigo?
— É, mas só vem quando estou sozinho. Só eu posso vê-lo.
— Ele mora por aqui?
— Paulie não mora em lugar nenhum.
Na certa tratava-se de um amigo imaginário. Quando menina, Penélope costumava
inventar amigas para amenizar um pouco a solidão.
— Posso conhecê-lo?
— Não, adultos não podem vê-lo.
— Hum, parece até um menino mágico...
— Ele é. E também é velho. Tem quase treze anos.
— E bem velho. — Penélope disfarçou uma risada. — Também conheço um bom
menino chamado Paulie.
Penélope teve a sensação de que o incidente com o garoto acontecera fazia
tempos.
— Meu amigo Paulie também é ótimo. Ele só vem me ver à noite, e contou-me um
segredo a seu respeito.
— Sobre mim, Harry? E o que é?
— Ele disse que a senhorita era igual a uma princesa de conto de fadas.
— Acha que ele estava certo?
— Sem dúvida!
Como deixar de gostar daquele garoto?
— É muita bondade sua dizer isso.
— A senhorita parece a princesa do livro de histórias que ganhei de Lucas. Ele o
comprou em uma cidade chamada Boston.
— Esse livro deve ser seu favorito.
— É. Também tem a pintura de um anjo. Lucas disse para mim que o anjo se parece
com minha mãe. Sabia que ela era um anjo?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Sabia.
— Meu pai não é anjo. — Harry franziu a testa.
— E o que ele é?
— Um cafajeste sem-vergonha. O que quer dizer isso?
Penélope por pouco não engasgou e apertou os lábios para não desatar em
gargalhada. Inspirou fundo, antes de falar:
— Onde foi que ouviu uma coisa dessas?
— Escutei quando Lucas falava com tio Matthew. Penélope fez um esforço para
não rir. Lucas seria dispensável para conhecer os detalhes sobre a família da qual faria
parte. Harry lhe forneceria as informações necessárias.
— Quem é tio Matthew?
Harry fitou-a como se estivesse falando com uma pessoa obtusa.
— Ora, é tio Matthew!
— Ah, claro... — Penélope não entendeu a ligação entre Matthew e Lucas.
— Eu sei como saltar pedras.
Penélope alegrou-se por não ter de definir os adjetivos que Harry usara para
descrever o pai.
— Que beleza! Não gostaria de mostrar-me como é? Harry saltou do balanço, deu-
lhe a mão com a mais absoluta confiança e levou-a até o regato no interior da mata.
Brincaram na beira da água por quase uma hora. Depois, voltaram ao jardim e
divertiram-se mais um pouco. Penélope deu-lhe o que comer, falou com ele, aprendeu
alguns jogos e ensinou-lhe outros, leu livros infantis e contou histórias.
Todas as crianças teriam aquela energia sem fim?
Quando Colette retornou do vilarejo com a cozinheira, carregando um cesto repleto
de verduras, encontrou a patroa exausta e tonta de tanto ouvir Harry tagarelar. Arfava, e
as costas lhe doíam. Não poderia imaginar que um menino de quatro anos tivesse um
vocabulário tão extenso. Nem que falasse o tempo todo quase sem respirar.
Penélope descansou enquanto a criada preparava o jantar para Harry e deitou-o
para dormir. Mas ainda teve de contar-lhe uma história, pois o que menino se recusava
a fechar os olhos. Ele pediu o conto em que a princesa se parecia com Penélope, e o
anjo, com sua mãe. Após o "felizes para sempre", o menininho adormeceu.
Penélope então desceu para falar com a cozinheira que Lucas contratara. A mulher
explicou-lhe os hábitos do campo, onde as pessoas acordavam e deitavam-se cedo.
Contou que Lucas a dispensaria sempre depois de ela preparar o jantar, pois tinha nove
filhos que a esperavam para comer.
Ao ficar sabendo de sua situação, Penélope não teve coragem de pedir-lhe para
ficar até mais tarde naquela noite e servir uma refeição quente para Lucas. Jantou na
companhia de Colette. Enquanto saboreavam um cozido delicioso com pão, contou suas
impressões sobre a casa e o menino.
Colette falou sobre a aldeia e mostrou-se cansada. Penélope mandou-a dormir,
pensando em como faria para esquentar a comida. Na casa do pai, refeições podiam ser
servidas a qualquer hora. As cozinheiras estavam sempre a postos. Se acordasse no
meio da noite e pedisse um lanche, a criada sonolenta trataria de atendê-la.
Bem, mas um dia não mataria ninguém de fome. Além disso, a culpa era de Lucas,
Cheryl Holt Destino Incerto

que não viera comer enquanto a comida estava quente. Se necessitasse se alimentar,
haveriam de encontrar uma alternativa, e ele não teria de queixar-se.
E se aprendesse a cozinhar? Não devia ser tão difícil, pois muitas mulheres faziam
isso. A criada poderia ensinar-lhe a mexer no fogão e como preparar os ingredientes.
Nada do outro mundo.
Sem pretender queixar-se pelas mudanças bruscas, Penélope raciocinou que se
tornava cada vez mais óbvia a necessidade de conhecer algumas habilidades adicionais,
se quisesse obter sucesso no futuro. Não desejava que Lucas visse nela a incompetência
e a inutilidade. Ele teria de enxergá-la como uma esposa digna de ser levada para a
América, em quaisquer circunstâncias.
Acima de tudo, queria que Lucas se orgulhasse dela. E para isso, teria de esforçar-
se para torná-lo feliz. Se tivesse de cozinhar, era o que faria. Seria uma satisfação
observá-lo sentar-se à mesa para comer um prato preparado por ela. Pareceu-lhe uma
maneira apropriada de recém-casados se relacionarem.
O relógio sobre o consolo da lareira soou onze horas. Penélope cabeceava, e já
não conseguia ficar de olhos abertos. Subiu a escada, passou pelo quarto de Lucas,
acariciou seus pertences e retornou para seus aposentos.
Despiu-se e vestiu a camisola sem auxílio de ninguém. Deitou a cabeça no
travesseiro e adormeceu no mesmo instante.
Na manhã seguinte, acordou com a conversa alegre de Harry. Aprontou-se e
desceu. Descobriu que Lucas viera a altas horas da noite e saíra cedo, sem nem ao
menos deixar-lhe um bilhete.
Sentiu um aperto no coração.

Westmoreland estava furioso. Não porque Penélope fora embora. Nem porque
Pendleton a levara ou porque teria de submeter-se à chantagem dele para ter a filha de
volta.
O que mais o irritava era ninguém ter dado pela ausência de Penélope por quase
dois dias. Depois de interrogar todo mundo, descobrira que todos imaginavam que ela
estivesse em seus aposentos. Como vinha fazendo desde o noivado com Edward.
E para piorar foi o secretário de Harold quem descobriu tudo. Ao abrir a
correspondência do dia, achou a mensagem de resgate de Pendleton. O menino de rua
favorito do americano entregou a nota a um cocheiro da casa que saía a serviço. Leu as
palavras pela centésima vez, sem acreditar no que estava escrito:

Westmoreland,
Lady Penélope está comigo. Permita-me relembrá-lo de nossa discussão prévia.
Se Milorde concordar com meu pedido, eu a devolverei neste instante, sã e salva. Caso
contrário, não posso garantir a segurança de milady. A escolha é sua. Estou esperando
por uma resposta.
Lucas Pendleton.

O excomungado cumprira o prometido! Harold Westmoreland não quis acreditar


Cheryl Holt Destino Incerto

que Pendleton se vingaria contra sua família.


Que tipo de homem era aquele que cometia um ato tão insano? Por que logo
Penélope? Ela nada tinha a ver com o caso. Por que destruir-lhe a reputação se a
pendência era com o pai, e não com a filha? Se a notícia do rapto se espalhasse,
Penélope jamais teria chance de casar-se. Nem mesmo com Edward.
Perplexo, o Duque considerou que um cavalheiro inglês não saberia lidar com
aquele tipo de inimigo estrangeiro.
No centro da mesa, a mensagem deixada pela filha. E, pelas palavras dela,
Penélope não considerara o incidente como um rapto.
Como eles teriam se conhecido e como mantiveram isso em segredo? Penélope
pensaria que fugiam para casar-se? Pendleton teria a audácia de pretender torná-la sua
esposa? Harold começou a suar frio, só em imaginar.
Se Penélope partiu por vontade própria, na certa foi enganada pelo belo patife.
Abandonou o lar por amor, e o patife a enganou com promessas falsas.
Uma calamidade!
— Sr. Purdy, onde está o navio de Pendleton? — Harold grunhiu, sem poder gritar.
As paredes tinham ouvidos. — Eu lhe avisei que teria de encontrá-lo. Ontem!
— Ainda estamos procurando, Vossa Graça. — O homem teve coragem de encarar
o Duque.
Harold não duvidava de que, se achassem o navio com que o salafrário viera da
Virgínia, encontrariam Penélope. Era imprescindível que a encontrassem antes que os
fatos viessem a público.
— Diga-me o que mais soube sobre ele.
— Ele é esperto, sir. Honesto, corajoso e, infelizmente para nós, inspira confiança
e lealdade. Há semanas vem freqüentando as tavernas das docas. Tenho certeza de
que todos o conhecem e sabem de seu paradeiro. Porém ninguém mostrou-se disposto
a colaborar, nem mesmo por dinheiro. As pessoas gostam dele e acreditam nele. Não o
denunciariam.
— Continue tentando. Aumente a quantia que oferece como isca.
— Certo.
— Pendleton é um homem violento?
— Só se for provocado.
Harold estremeceu e refletiu se a recusa em reconhecer o filho de Caroline poderia
ter sido provocação suficiente para o cafajeste causar danos corporais a alguém.
— Ele machucaria Penélope? — Harold tinha um péssimo pressentimento.
— Não me parece possível. O Sr. Pendleton tem um jeito especial com as mulheres,
e elas o adoram.
A informação de Purdy era ainda mais assustadora.
Penélope seria mais uma vítima dos encantos de Pendleton? Voltaria para casa
desonrada, sem possibilidade de se casar, inutilizando os acordos financeiros de Harold
com Edward?
De repente, deu-se conta de que o mais importante era a volta dela em perfeitas
condições físicas e mentais.
Olhou atento as duas mensagens. Pendleton era um adversário inteligente e ladino.
Cheryl Holt Destino Incerto

O Duque estava convencido de que teria de agir da mesma maneira para ser bem-
sucedido. Afinal, não pretendia submeter-se à chantagem.
Uma vez que Pendleton entendesse a resolução do Duque, qual o benefício de
manter Penélope no cativeiro?
Pelos relatórios conseguidos, Harold poderia apostar tudo, até mesmo o futuro e a
vida da filha, que Pendleton jamais tocaria em um fio dos cabelos dela. Poderia ameaçar,
mas nada faria.
Se soubesse que o esquema de extorsão não funcionaria, Pendleton não teria outro
recurso a não ser trazê-la de volta.
Escreveu uma resposta e entregou-a a Purdy.
— Vá até Bond Street e procure o tal Paulie. Mande-o levar isto a Pendleton.
— Devemos agarrar o pequeno lazarento, sir? Não tenho muita experiência com
crianças, mas acredito que com um mínimo de tortura poderemos saber do paradeiro de
Pendleton.
— Ainda não.
— Devemos segui-lo?
— Se puder, mas não o detenha em hipótese nenhuma. Quero que Pendleton
receba meu recado. Depois disso... — Harold sorriu, malicioso — ...não duvido que
Penélope esteja em casa para o chá.
— Leia isto! — Matthew estendeu para Lucas o bilhete que trouxe de Londres a
galope. — Paulie entregou-me a resposta de Westmoreland. É inacreditável!
Estavam escondidos no bosque atrás da residência, onde mantinham vigilância
permanente por turnos, anotando quem entrava e quem saía. Nada de anormal ocorrera
naqueles dois dias.
Sob a luz de um toco de vela, os irmãos se inclinaram sobre o pergaminho, e Lucas
leu as palavras que Matthew já decorara:

Pendleton,
Pelo fato de ter raptado minha filha, deixou-a completamente arruinada para meu
propósitos. Por isso, ela perdeu o valor para mim. Faça o que quiser com Penélope.
Westmoreland, Duque de Roswell.

Lucas leu e releu, atônito.


— Mas que raios de resposta é esta?!
— Para mim não faz sentido.
— Ele levou dois dias para dizer "faça o que quiser com Penélope". O homem é
louco?
— Pode ser. — Matthew deu de ombros.
— O Duque não se importa com o que possa acontecer à filha?
— Pelo jeito, não.
— Que pai é esse?! — Lucas sacudiu a cabeça, desgostoso. — Como ousa atirar
sua única filha a um lobo desconhecido como eu? Poderia fazer qualquer coisa com ela...
— Mas não fará.
— Ele não sabe disso!
Cheryl Holt Destino Incerto

Confusos e perturbados, os irmãos se entreolharam. Jamais lhes ocorrera essa


espécie de desfecho. O que fariam a partir daquela atitude do Duque? Não poderiam
ficar com Penélope, e muito menos devolvê-la a um tratante desprezível como aquele.
Lucas jamais a condenaria a um destino tão pavoroso.
Não era de admirar que Westmoreland tivesse seduzido Caroline e depois
abandonado sem o menor remorso. Ou que nem se incomodasse com Harry, depois de
saber que era seu filho. O Duque tinha uma pedra no lugar do coração e gelo correndo
nas veias. Não se comoveu com o desaparecimento da única filha!
— O que faremos agora? — Matthew verbalizou a pergunta que ocorrera a ambos.
— Desistir? Aumentar as exigências? Cortar um pedaço da orelha de Penélope e mandar
entregar a ele?
— Seria bem feito para o Duque se o fizéssemos. Ficaram em silêncio por um longo
tempo.
— Estou exausto. — Lucas suspirou. — Não consigo raciocinar. Decidiremos o que
fazer amanhã cedo.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo X

Lucas foi até a estrada principal e conduziu o cavalo pelo portão dianteiro, como se
acabasse de voltar da cidade. Era tarde da noite.
A casa silenciosa estava às escuras. Havia apenas uma lamparina acesa ao lado
da porta. Na certa era obra de Penélope. Quem mais se preocuparia em iluminar-lhe o
caminho?
Escondido o dia inteiro entre as árvores, vira-a de relance. Quando ela brincara
com Harry, quando colhera flores para enfeitar o lar, Quando se descontraíra no banco,
aproveitando o sol da tarde. Conseguiu manter-se afastado dos encantos dela, para sua
sanidade. A proximidade não traria nenhum benefício. Quanto mais a fizesse crer que
se mantinha em Londres a negócios, melhor.
Penélope confiava nele, e em suas fantasias acreditava estar apaixonada. Fitava-
o com doçura, e Lucas comprovou a emoção profunda daquele olhar. Ela o encarava
como um herói salvador, quando na realidade ele não passava de um vilão que a usava
da pior maneira possível. Nem mesmo podia mirar no espelho a imagem do homem
desprezível em que se transformara.
Penélope lamentaria até o fim de seus dias o momento em que seus caminhos se
cruzaram. Lucas sentia-se infeliz toda vez que refletia em como a tratava. E não havia
alternativa. Não poderia se expor a uma situação de risco da qual viria a arrepender-se.
Ela despertava nele todos os apetites masculinos, mesmo os mais baixos, e Lucas
não via outra maneira de lutar contra essa atração, salvo ficar o mais longe possível dela.
Só voltava para a casa, para não despertar suspeitas.
Deixou o cavalo no estábulo do pátio de trás. Antes de alcançar a entrada dos
fundos, alguém saltou de uma moita. Por instinto, Lucas levou a mão à pistola. No mesmo
instante, reconheceu Colette.
Ele gemeu. Era a última pessoa no mundo com quem desejava conversar.
— Tive um dia estafante, srta. Colette. Deveria ser mais cautelosa. Imagine,
assustar-me no escuro! A senhorita não previu o que eu poderia fazer.
— Ah! — Colette fez pouco-caso e pôs as mãos na cintura. — Como se eu tivesse
medo de alguém como monsieur.
— Pois deveria. — Exausto, nem mesmo conseguia parecer ameaçador. Só queria
cair na cama e dormir.
Colette aproximou-se e fitou-o com o desdém habitual. Lucas teve a impressão de
que ela o cheirava. E para encontrar o quê?
— O que está fazendo?
— Tentando descobrir qual o perfume da mulher com quem o senhor passa o tempo
inteiro.
— O quê?
— Estou curiosa desse américain — Colette falou como se ele não estivesse
presente e tamborilou com o dedo nos lábios. — Esse tal Pendleton sobre quem milady
tem a melhor das impressões... apesar de ele não ficar com ela. Certo? Para onde irá
durante as ausências tão longas?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Que bobagens está dizendo?


Colette inclinou-se e procurou de novo por alguma fragrância condenatória na
camisa dele.
— Pare com isso! — Lucas ordenou, mas não foi atendido.
— A princípio, estou fazendo algumas especulações. Talvez esse Pendleton goste
de homens. Não vejo como um homem de verdade possa resistir a mulher tão
encantadora como lady Penélope. Mas Colette não crê nisso. Pendleton é um homem
que aprecia todas as mulheres. Então Colette pergunta: por que esse Pendleton não
gosta de milady?
— Eu gosto de lady Penélope. — Lucas tentou esquivar-se e entrar.
Colette impediu-lhe a passagem.
— Se é assim, fica a dúvida. Por que a demora nesse casamento que parecia tão
premente? Por que esse monsieur Pendleton disse que era preciso apressar-se, "Vite,
vi te, temos de escapar do Duque!" e ainda não houve nenhum casamento? — Colette
deu de ombros. — Será que tem a ver com o homem na floresta que observava a
residência durante todos esses dias?
Lucas arrepiou-se. A criada era muito astuta.
— Não sei do que a senhorita está falando. Se viu alguém na mata, deve ser um
salteador. Agora, se me permite, estou cansado. Quero dormir. Colette não arredou pé.
— A senhorita me permite?
Ela deu um riso gutural, com desprezo.
— Eu diria que isso me parece... como direi... suspeito?
— Sua imaginação corre solta.
— O que me fez decidir... — Colette não deu importância ao comentário de Lucas
— ...que, se milady não estiver casada até amanhã à noite, talvez deixemos este lugar.
— Boa noite.
Lucas agarrou-a pelos braços, tirou-a do caminho, entrou na despensa e pendurou
a capa no gancho ao lado da porta. A vela acesa na cozinha foi providencial. Caminhou
depressa, fugindo da francesa maluca.
E parou, de olhar esbugalhado.
Penélope tomava banho em uma bacia de cobre, diante da lareira. As chamas
esquentavam o recinto e lançavam sombras dançantes nas paredes. Do lado da
banheira, uma taça de vinho, uma barra de sabão e um pedaço de tecido felpudo. As
roupas dela estavam espalhadas. O espartilho pendia no encosto de uma cadeira, e as
rendas oscilavam com a brisa. Ao lado, um par de meias rendadas. A camisa de seda e
o calção de renda jaziam no piso.
De frente para a parede oposta, Penélope estava de joelhos. Escovava os cabelos
lavados que atingiam o final das costas nuas. Lucas traçou uma linha dos ombros até a
cintura fina e passou pelas nádegas voluptuosas. Ergueu-se da água como uma sereia.
Lucas não ficaria surpreso se Penélope começasse a cantar as primeiras notas da
canção que o atrairia para seus domínios.
A excitação foi instantânea e inacreditável.
Ela mergulhou o esfregão na água. Passou-o no pescoço, nos ombros, nos seios,
no ventre, entre as coxas e abaixou-se para ensaboar as pernas.
Cheryl Holt Destino Incerto

Mil alarmes soaram na cabeça de Lucas, ordenando-lhe que saísse dali naquele
minuto. Não poderia responsabilizar-se pelas conseqüências, se permanecesse. Nunca
presenciara nada tão erótico quanto o banho de Penélope.
Porém, permaneceu enraizado no mesmo lugar, como um voyeur.
Em agonia, presenciou Penélope tocar todos os lugares que ele desejava acariciar,
passando por picos e vales. Desejou entrar na água e encostar o rosto entre os seios
volumosos.
— Poderia lavar-me as costas? — Penélope pediu com voz quente e rouca, e olhou
por sobre o ombro.
Ao ouvir o pedido, Lucas pensou que fosse desmaiar. Ela arregalou os olhos,
surpresa. Virou-se e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, endireitou os ombros
e as costas. Não se intimidou, não escorregou para debaixo da água, não agarrou
nenhuma toalha, nem mesmo cruzou os braços para proteger-se da inspeção inflamada.
Lucas teve convicção de que ela era a mulher mais sedutora que já conhecera.
— Eu não esperava que fosse o senhor — afirmou, com um sorriso.
— Acabei de chegar.
— Escutei alguém entrando, mas achei que fosse Colette. — E umedeceu a língua
no lábio inferior.
Com o exercício de grande força de vontade, Lucas conservou as mãos abaixadas.
Tentou falar, em vão. Engoliu em seco duas vezes e pigarreou.
— Eu... acho... que vou sair.
— Antes poderia ajudar-me? Não sei para onde Colette foi.
Devagar, Penélope mergulhou o pano atoalhado. Tirou-o gotejando e estendeu-o
para Lucas. Com a outra mão, trouxe os cabelos para a frente e cobriu o busto, que o
excitava.
— Não sei... — Tudo o que ele queria era passar sabão por todo aquele corpo
branco e sedoso. — Acho melhor não. Quero dizer... bem...
— Nós nos casaremos logo. O que importa isso agora?
— Nada, mas... — Lucas procurou uma desculpa e decidiu-se pela verdade: —
Milady é tão tentadora que eu não conseguiria parar se lavasse suas costas.
— Talvez eu não fosse querer que parasse — afirmou, corajosa.
Como um homem poderia suportar tamanha tentação? Era como recuar no tempo
e estar no Paraíso diante de Eva.
— Isso não é certo, Penélope. Não aqui. A primeira vez deve ser em uma cama
macia e à luz de velas.
Penélope lembrou-se de ter ouvido dele palavras semelhantes.
— Então vamos subir.
— Não até estarmos casados. Para mim é importante fazer tudo de acordo.
— Nesse caso, lave minhas costas, Sr. Pendleton — Penélope mostrou-se
impaciente. — Tenho certeza de que saberá controlar-se diante de uma tarefa tão banal.
Ela deixou o pano na beira do tanque de cobre e virou-se de novo. Lucas teve uma
visão extraordinária. Os cabelos puxados para a frente deixavam a pele toda nua.
Aproximou-se devagar, pegou o pano e mergulhou-o na água. Em seguida, com
extremo cuidado para não tocá-la com os dedos, deslizou o atoalhado da nuca à cintura
Cheryl Holt Destino Incerto

e vice-versa, três vezes.


Em seguida, largou o pano na banheira e recuou, pronto para escapar.
— Pronto. Terminei.
— Poderia pegar a toalha? — Penélope apontou a mesa. Desviando o olhar, ele
atendeu ao pedido.
Lucas escutou-a sair da banheira e cerrou as pálpebras. Não queria presenciar
mais nada. Aguçando a audição, poderia descrever todos os movimentos de secagem e
os lugares que estavam sendo esfregados.
Ah, como desejava enxugá-la!
Penélope lançou a toalha aos pés dele, acertando uma das botas. O peso foi
semelhante a uma tonelada de problemas. Sem coragem de pegá-la, Lucas atirou o
tecido de lado com um pontapé e continuou a olhar a escuridão pela janela.
— Já estou decente. Pode virar-se.
Sem confiar muito, ele se virou com cautela. Aliviado, constatou que Penélope
vestira um robe e que a trouxa de roupas em suas mãos a protegia de olhares indiscretos.
Lucas não suportou encarar a fúria da rejeição. Por nada neste mundo queria vê-la
infeliz.
— Sinto...
— Poupe-me de suas explicações, Sr. Pendleton. Já escutei muitas para uma noite.
— Respirou fundo e apontou a parede oposta. — Se quiser tomar um banho, há mais
água quente, que é aquecida enquanto se faz a comida. A cozinheira mostrou-me o
reservatório atrás do fogão.
— Obrigado — Lucas agradeceu não só pela explicação, mas também a mudança
de tema.
— Não há por quê. Fico contente de ver que o senhor voltou são e salvo. Há uma
toalha seca sobre a mesa. Quer que lhe traga alguma coisa?
— Não se incomode.
— Não está com fome? Posso preparar-lhe um lanche. Temos pão e queijo.
— Não será necessário. — Lucas rezou para ela não escutar o roncar de seu
estômago. — Comi na cidade.
— Está bem. Boa noite.
Lucas não suportou a idéia de ficar sem ela. Mas o que poderia dizer ou fazer? Já
a humilhara demais. Sentia-se como a escória da humanidade.
— Penélope?
— Sim? — Ela o fitou por sobre o ombro, esperançosa e sem afetação.
— Nada.
Penélope saiu. Lucas ouviu-a subir a escada e não pôde impedir a ilusão que o
acometeu.
E se fossem mesmo casados? Se aquele fosse o lar deles, e Harry, seu filho?
Era muito agradável imaginar Penélope mexendo na cozinha, fazendo comida e
ajudando-o em suas abluções. Esperar ansioso pelo fim do dia, quando enfim pudessem
estar a sós.
Era mesmo um grande idiota!
Foi até a prateleira e procurou o conhaque da cozinheira. Serviu-se da bebida
Cheryl Holt Destino Incerto

horrível e tomou-a de um só gole. Ouviu Penélope andar no pavimento superior e teve


de ranger os dentes para não subir e deitar-se a seu lado, como sugerira ela.
Mais calmo pelo efeito da bebida, pegou o balde pendurado perto do fogão e
despejou o que restava da água quente na cuba. Tirou as roupas e entrou no que rotulou
como sendo uma bacia para crianças. Não entendeu como uma casa tão bem-feita não
tinha uma banheira decente. Era um homem alto e gostava de recostar-se para relaxar
dentro do banho.
Mesmo assim, foi uma sensação gratificante. A água morna tinha o odor do óleo de
rosas que Penélope adicionara. Com um pouco de sorte, o aroma permaneceria em sua
pele. Assim teria a impressão de estar com ela quando fosse negociar com o Duque.
Mexeu-se para imergir a maior parte possível do corpo com o que pouco atrás banhara
Penélope.
A imagem dela desnuda veio-lhe à memória, e a excitação foi inevitável. Procurou
afastar ambas, mergulhou a cabeça e esfregou os cabelos.
Voltou à tona, soltou o ar e sacudiu-se como um cão molhado. Se o seqüestro fosse
prolongar-se, teria de visitar algum bordel antes de retornar ao lar, à noite. Não havia
outro remédio. Duvidava que resistisse a um segundo encontro daqueles com Penélope.
Virou-se depressa, ao ouvir um ruído. Avistou Penélope à soleira, com a sala escura
às costas e iluminada apenas pela pouca luz da cozinha. Usava uma camisola branca,
transparente, presa nos ombros por duas tiras finas, que deixava quase nada à
imaginação.
O decote profundo expunha o busto amplo e perfeito até quase os mamilos róseos.
Mais abaixo, a sombra do umbigo. Descendo, o triângulo escuro.
— Penélope? — Lucas não conseguia respirar direito. Ela se transformara em uma
mulher confiante e ainda mais sedutora. Eva disposta a devorar o pobre Adão.
— Esqueci-me de algo... — E foi direto até a tina de cobre.
A fenda lateral do traje de dormir permitia que, a cada passo, se divisasse o alto da
perna. Mais um pouco e ele veria o centro de sua feminilidade.
Lucas agarrou a esponja improvisada e cobriu a virilha.
— O que é isso?!
Penélope sentou-se na beirada, e Lucas agarrou-se nas laterais com toda a força
que Deus lhe concedia. Se passasse um dedo no braço ou na coxa expostos, tudo
estaria perdido.
— Eu usei quase todo sabonete. — Penélope inclinou-se e deixou sobre o banco o
que trouxera.
No movimento vagaroso, o tecido leve esticou-se, e o busto ficou ainda mais à
mostra. Diante do rosto de Lucas, o colo fabuloso e os mamilos visíveis. Um simples
puxão e os seios ficariam desnudos, para seu deleite. Poderia apertar cada um daqueles
botões preciosos. Ele os mordiscaria e sugaria. Penélope haveria de gemer e contorcer-
se...
— Quer que eu lhe dê banho? — ela indagou, com sensualidade, e agarrou a
esponja que cobria Lucas.
Aquilo era uma tortura!, ele refletiu, em agonia, e segurou-lhe o pulso.
— Não é necessário.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Tem certeza?
Os lábios de Penélope estavam a centímetros dos dele. O hálito de menta lembrou-
o do beijo que haviam trocado. Poderia repeti-lo. Inclinar-se-ia para a frente, pressionaria
os lábios nos dela, sentiria o gosto, morderia e...
— Tenho.
— Lucas? — Penélope acariciou-lhe tórax com movimentos circulares, lentos e
pequenos.
— O que foi, amor? — Ele nem percebeu que usara o termo carinhoso.
Ela aumentou o raio da circunferência e raspou o mamilo plano com a unha.
— Quando nos casaremos?
— Ca... casar? — Lucas engasgou. Sentia o mundo fora de seu controle. Só
pensava em sua excitação e na unha que o arranhava de leve.
— Isso mesmo, querido — sussurrou com a boca encostada na dele, enquanto
mergulhava a mão debaixo da água para acariciar o que encontrasse. — Acho que não
poderei suportar... — Lambeu-lhe o lábio superior e depois o inferior — ...a espera.
— Não sei, Penélope...
A frente da camisola alargou-se e foi possível ver até o umbigo. A peça nada mais
escondia de Lucas.
Aquele era um tormento impossível de suportar. Lucas recostou-se, forçando um
espaço maior entre eles.
— Ainda não resolvi tudo.
— Não pode ser amanhã? — Penélope tornou a aproximar-se. — Por favor... Nem
pode imaginar o que significaria isso para mim.
— Amanhã?
— Sim.
— Amanhã — Lucas concordou, sem nem saber por quê.
— Promete?
— Prometo.
— Jure!
— Eu juro.
— Nunca se arrependerá de ter feito minha vontade. Lucas esticou os braços, mas
Penélope já saíra da cozinha.
Recostou a cabeça na banheira e pôs-se a ponderar sobre as ramificações do que
acabara de jurar.
Penélope entrou no quarto e trancou a porta. Colette esperava, impaciente,
empoleirada na beira da cama e ansiosa para saber das novidades de como transcorrera
a visita.
— Ele estava lá?
— Sim. — Penélope estremeceu. A casa estava fria, o hall, gelado, e a camisola
transparente era o mesmo de que nada. Apressou-se em pegar o robe de lã e vesti-lo.
— No banho.
— Nu?
— Lógico. Colette riu baixinho.
— Bon, três bon. Gostou da camisola de milady?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Adorou. — Penélope devia a Colette a insistência de trazer a peça sensual.


A camisola em estilo francês fazia parte de seu primeiro enxoval e nunca fora
usada. Penélope admitiu que a peça devia operar milagres em qualquer homem. Lucas
não a deixara de admirá-la um só momento.
— Então essa foi uma boa escolha?
— Perfeita.
Haviam conspirado o dia inteiro sobre como induzir Lucas a decidir-se. O plano de
ele encontrá-la no banho fora excelente. Porém a surpresa foi Lucas não querer aprovei-
tar-se da oportunidade.
A reunião se deu no quarto de Penélope, que não disfarçara a humilhação. Colette,
confusa, irritou-se pelo comportamento estranho daquele homem viril.
Por que Lucas não desejava Penélope? O que o faria perder a compostura? O que
acontecia com ele?
Nisso, Colette lembrou-se da camisola diáfana. Enquanto Penélope se vestia, ou
melhor, desvestia, a criada deu-lhe várias sugestões eróticas. Com a coragem renovada,
Penélope retornou à cozinha, disposta a travar uma batalha com o autocontrole dele. E
alcançou êxito. Com certeza Lucas ainda não entendera como Penélope o enfeitiçara.
— Perguntou-lhe sobre o casamento?
— Sim.
E Penélope relatou os acontecimentos em detalhes.
No dia anterior, Colette insistira em dizer que havia algo anormal. As duas
discutiram sobre Lucas, e Penélope o defendeu, afirmando que a cerimônia não ocorrera
ainda porque ele ainda não pudera efetuar os proclamas.
Mas sabia que seria impossível ficar ali para sempre. Se o Duque descobrisse seu
paradeiro antes que o ato fosse consumado, seria forçada a casar-se com Edward.
"Jamais!" Queria Lucas e precisava dele. Embora ele hesitasse, ela acreditava que
havia algo muito sério. Não se tratava de uma ojeriza masculina a casamentos. Nem
queria pensar na hipótese de Lucas tê-la enganado ou na de que suas intenções não
fossem honradas. Pela precariedade da situação presente e futura, teria de confiar nele.
Recusava-se a dar crédito às advertências lúgubres de Colette.
— E quando vai ser o casamento?
— Amanhã. — Penélope não conseguia suprimir a excitação de pensar nas
mudanças de sua vida que ocorreriam em breve.
— Ele prometeu?
— Prometeu.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XI

— Vai fazer o que?!


Os freqüentadores do restaurante da estalagem se viraram ao escutar o grito de
Matthew, o que era péssimo. Os irmãos procuravam não chamar a atenção. Vestiam-se
com roupas simples e falavam pouco com a garçonete para não denunciar o sotaque
americano.
— Vou ter de me casar com ela. A licença falsa de casamento já está preenchida?
Os dois inclinaram as cabeças sobre a mesa, e Matthew moderou o tom de voz:
— Sim, mas isso não quer dizer que teríamos de fazer uso dela!
— Não seja impertinente, Matt. Já havíamos discutido sobre a possibilidade de
utilizá-la.
— Mas em último caso. Seria um truque muito cruel para ser usado contra a srta.
Westmoreland.
— Sei disso. Mas não há outro jeito. Elas estão começando a questionar minhas
intenções.
— Mas se nem mesmo o viram nesses últimos três dias! Ou será que me enganei?
Lucas nem queria se lembrar da noite anterior. Além de deixá-lo perturbado,
Penélope ainda o fizera refletir sobre o domínio de sua masculinidade sobre o bom
senso. Fato que jamais ocorrera.
Passara horas angustiantes na cama. Virara-se sem parar de um lado a outro,
tentando convencer a si mesmo de que qualquer homem reagiria da mesma maneira
diante dos encantos de Penélope Westmoreland seminua.
O melhor seria guardar para si a atração que sentira por ela desde o momento em
que a conhecera. E mais ainda, de modo nenhum revelar ao irmão o poder de sedução
daquela deusa.
— Ontem à noite, a Colette me esperava...
— A francesa intrometida?
— ...do lado de fora da casa e com muitas suspeitas de que algo duvidoso estaria
se passando. Disse que, depois de convencer lady Penélope a fugir, eu nem mais
mencionara o casamento.
— Não vejo nada de estranho. Afinal, ambos nem se conhecem direito. Aquela
moça idiota deveria estar contente. É bastante razoável dar um prazo para a srta.
Westmoreland preparar-se.
— Mas não é o que ela pensa. Colette diz que a Penélope é muito bonita e...
Lucas falou para o irmão apenas que Penélope se parecia com Caroline, por causa
dos cabelos, dos olhos e dos traços fisionômicos. Evitava alongar-se no tema, pois não
queria que Matthew percebesse o quanto Penélope o seduzia. E resolveu mudar o rumo
da conversa:
— Bem, embora a srta. Westmoreland nada tenha mencionado, tenho certeza de
que ela tem um dote. A aia deve achar estranho que eu não tenha me apressado a tomá-
la para mim.
— Hum, pode ser...
Cheryl Holt Destino Incerto

— Além do mais, a criada afirmou ter visto um homem escondido na mata.


— Droga! Tenho sido tão cuidadoso!
— Eu também, mas Colette é muito arguta e devotada a milady. Não podemos
subestimá-la.
— Digamos que não.
— De qualquer maneira, a garota afirmou que, se o casamento não se realizasse
hoje, iria convencer Penélope a retornar a Londres.
Matthew engoliu em seco.
— Acha que ela conseguiria?
— Creio que sim. As duas se conhecem há muito tempo, e a srta. Westmoreland
respeita suas opiniões. A criada poderá persuadi-la com facilidade.
Matthew murmurou uma imprecação.
— Hoje pela manhã, antes de sair, acalmei-as quanto aos preparativos e disse-lhes
que o enlace seria à noite. — Lucas suspirou. — Sugeri que o sacerdote fosse até lá,
pois havia necessidade de discrição.
— E?
— Elas aceitaram sem pestanejar.
Lucas, de olhos baixos e fixos na xícara de chá, perguntava a si mesmo por que os
ingleses não aprendiam a fazer café forte.
Sem outro recurso para o momento, tomou a bebida quente aos goles e pensou em
Penélope naquela manhã. Amanhecia, e ele, de botas na mão planejara escapar
despercebido. Entrara na cozinha e a encontrara arrumada, sorrindo. Penélope
preparava o desjejum, como uma esposa faria para o marido.
Servira-lhe mingau de aveia, não muito quente e um pouco encaroçado, pão preto
e torrado, manteiga recém-batida e um pote com geléia. E tomara o silêncio dele, que
fora de puro espanto, como um sinal de que a refeição simples não o agradara.
Horrorizado, viu as lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto, enquanto ela se desculpava
por nunca ter aprendido a cozinhar. Penélope explicou que nunca lhe ocorreu ter de
aprender, pois sempre teve quem se preocupasse com isso. Ela começava a engatinhar
nos mistérios culinários, sob a supervisão da cozinheira.
Comovido, tanto pela ânsia dela em agradar quanto ao ponto a que chegou para
ser aceita, Lucas sentou-se à mesa, e conversaram como se fossem marido e mulher.
Durante aqueles momentos, não pôde afastar a sensação agradável de intimidade na
cozinha silenciosa, nem deixar de pensar que tal realidade seria muito bem-vinda.
Penélope tocou no assunto que a incomodava, e Lucas não encontrou coragem
para negar a promessa que fizera de casar-se naquele dia.
— Isso está ficando cada vez pior. — Matthew esfregou os olhos vermelhos. —
Antes, nunca tivéssemos ouvido falar de Harold Westmoreland.
— Concordo. Mas não podemos desistir agora que estamos tão perto do sucesso.
Matt, a cerimônia não será tão ruim. Como não terá validade, podem-se suprimir as
partes menos importantes. Terminará em questão de minutos.
Matthew oficiara muitos casamentos quando era capitão de um dos navios, e tinha
prática em tornar tudo crível.
— Assim espero.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Estamos apenas ganhando tempo. Temos de fazer com que o Duque aceite o
que lhe propusemos. Pensar assim alivia a tarefa e impede a vontade de vomitar. Vem
sendo muito difícil fingir que está tudo bem e, ao mesmo tempo, procurar evitá-la. O
enlace fictício aliviará um pouco essa carga de meus ombros. Hoje de manhã, Penélope
dizia...
Matthew fitou o irmão com a perspicácia que lhe era peculiar. Então exclamou:
— Deus, não me diga que está gostando dela!
— Claro que não! O que é isso agora, de onde tirou essa idéia?
— Não acredito! Lucas, você está mesmo apaixonado!
Lucas enrubesceu.
— E daí? Isso não quer dizer nada, e também não modifica coisa alguma.
— Sei! Eu o conheço. Está imaginando seduzi-la, enquanto conversamos.
— O que não significa que o farei. Apesar de tudo, gosto de acreditar que sou um
homem honrado.
Matthew gargalhou, e de novo cabeças se voltaram para eles. Dominou a vontade
de ironizar e recostou-se no espaldar. O espaço maior entre eles era fundamental para
avaliar o irmão.
— Ficou maluco? Nem deveria imaginar algo assim.
Lucas amassou o guardanapo. Seria inaceitável explicar o que vinha acontecendo
entre Penélope e ele, desde o momento em que se conheceram. E nada do que dissesse
poderia diminuir a consternação de Matthew ou explicar o poder das emoções que
Penélope despertava nele.
— Ela é diferente de todas as mulheres que já conheci — Lucas desabafou, depois
de minutos de embaraço, como um menino pego em uma falta.
— Oh, não... — Matthew suspirou.
— Eu nem saberia definir por quê.
— Céus, o caso é ainda pior do que eu pensava! Nem pense em encostar nela!
Escutou?
— Sim, senhor!
— Não se atreva a piorar o que já está ruim.
Lucas concordava com o irmão, mas era muito difícil não ceder à tentação. Matthew
entenderia se houvesse visto Penélope nua e ajoelhada no banho.
— Sei disso muito bem. — Deixou um punhado de moedas sobre a mesa e seguiu
Matthew até onde os cavalos estavam amarrados.
Os irmãos se alternavam entre vigiar a casa e ir para Londres.
— Talvez eu devesse ir para a capital hoje em seu lugar, Luc.
— O quê?
— Considerando-se o que acabei de descobrir, acho que na cabeça não estará
firme nos negócios. Quem sabe os erros que poderá cometer?
— Pelo amor de Deus, sei o que estou fazendo!
— Ah, poupe-me! Sua concentração desceu da mente para a virilha!
— Estou em perfeitas condições de conduzir meus deveres! Matthew meneou a
cabeça e decidiu encerrar o assunto.
Lucas era bem crescido e não necessitava de seus conselhos. Ademais, sabia que
Cheryl Holt Destino Incerto

ele não gostava de ouvir as verdades ditas por seu irmão mais novo. Mesmo assim, não
evitou as últimas recomendações:
— Não se esqueça de deixar o cavalo na estrebaria de aluguel, antes de chegar ao
centro.
Haviam decidido evitar a travessia da cidade no lombo dos animais. Por causa do
porte e da estatura elevada, chamariam menos atenção se caminhassem a pé.
— Sabe onde encontrar Paulie?
— Ele me achará.
— Está com a mensagem nova?
— Sim, eu a peguei. — Lucas bateu na camisa, onde escondera o papel. Tarde da
noite escrevera a missiva para Westmoreland e lembrava-se dela letra por letra. — Avisei
Penélope e Colette que eu chegaria tarde e que o casamento seria realizado depois das
nove.
— E se o Duque não aceitar as condições de hoje?
— Pensaremos nisso depois.
— Faremos a cerimônia mesmo se ele recusar?
— Ainda não podemos soltar Penélope, por isso não é possível adiar o enlace.
Causaria maiores suspeitas. Não se preocupe, Matt. O Duque aceitará, pode acreditar.
Qualquer outro desfecho seria desastroso.
— Ponha Harry para dormir antes de eu chegar — Matthew avisou. — Mesmo
disfarçado de pastor, ele me reconhecerá.
— Com a energia que aquele menino gasta durante o dia, sempre acaba dormindo
cedo.
— A srta. Westmoreland tem passado muito tempo com Harry?
— Ela gosta muito dele. — Muito mais do que seria aconselhável. — Penélope diz
que é um garoto maravilhoso.
— No que ela está certíssima.
No fundo, indagavam-se se não erraram em deixar que Harry e Penélope se
conhecessem. Afinal, ela se afeiçoara muito ao meio irmão.
— Bem, o que foi feito está feito — Lucas falou mais para si mesmo.
Depois de montados, Matthew virou o cavalo na direção da aldeia, e Lucas, na da
estrada que conduzia a Londres.
— Os homens do Duque estão em toda parte, procurando, fazendo perguntas —
Matthew preveniu o irmão, antes de se afastarem. — Tome cuidado.
— É o que sempre faço. Não tenho intenção de deixar que Westmoreland me
enforque.
A carruagem imponente chegou ao lar de Westmoreland. O Duque não via a hora
de poder descer. Tinha entre os dedos o último bilhete de resgate que fora deixado na
mão do cocheiro, quando ficaram parados em meio ao tráfego.
Por que Pendleton não mandara Penélope de volta?
O Duque deixou o veículo e apressou-se até a porta. Só na quietude e na solidão
da biblioteca poderia refletir sobre a guinada dos acontecimentos. "Oh, não é possível!"
— Olá, Harold — Edward Simpson o saudou, antes que Westmoreland pudesse
entrar.
Cheryl Holt Destino Incerto

"Droga!"
— Olá, Edward, o que o traz aqui?
Harold procurou sorrir. Sabia muito bem qual o motivo da vinda de Edward.
Penélope sumira fazia quatro dias, e o pai, certo de que ela voltaria a qualquer instante,
nada comentara com ninguém, nem mesmo com a Duquesa. Não existiam dúvidas de
que o noivo escutara rumores.
— Vim fazer uma visita a Vossa Graça e gostaria de falar com lady Penélope.
— Sim... bem...
— Eu já lhe falei que, da última vez que nos encontramos, tivemos uma pequena
altercação. Faz mais de uma semana que não a vejo.
— Tanto assim?
— Vossa Graça disse-me que lady Penélope foi para o campo.
Harold agradeceu pelo comentário providencial.
— Achei melhor assim.
— Por quê?
— Minha filha aborreceu-se por causa da discussão.
O Duque não podia culpar Penélope por nada ter lhe dito. Nunca dera abertura à
filha que lhes permitisse ter um relacionamento franco. Ao ver a agitação dela,
perguntara a Edward o que houvera. Apesar da resposta vaga do conde, não acreditou
nele. Conhecia-o e sabia do que ele era capaz.
Apenas duas pessoas tinham conhecimento do que ocorrera naquela noite no
jardim, e nenhuma das duas falaria. Harold suspeitava que o comportamento de Edward
motivara a fuga de Penélope.
— Ela está indecisa quanto a querer mesmo casar-se.
— E o que importa a opinião dela? Nós dois concordamos em adiantar a data.
Faltam apenas nove dias.
— Sei disso.
— Pensei que tudo estivesse resolvido.
— E está. Penélope precisa descansar um pouco para que a façamos concordar
com nossa decisão. Agora, se me dá licença... — Harold passou pelo conde, sem se
deter.
Caminhou a passos largos pelo hall, ouviu a esposa chamá-lo em um dos salões e
chegou à biblioteca. Pelo menos ali não seria interrompido.
Andou de um lado para outro, frustrado e com raiva. Ah, como desejava apertar o
pescoço daquele americano miserável até vê-lo espernear de agonia!
Um criado bateu na porta, o que lhe pareceu estranho. Mesmo sem ter idéia do que
acontecia, todos sabiam que era preciso evitar a ira do Duque.
— O que é?!
Jensen, o mais corajoso dos doze serviçais, girou a maçaneta e pôs a cabeça para
dentro.
— Milorde, a Duquesa pediu-me para avisá-lo de que deseja falar-lhe.
Harold sabia que, ao sair dali, o infame Jensen iria direto para a cozinha, onde
deliciaria os ouvintes com os últimos boatos, independente de qual fosse a resposta.
— Não quero ser incomodado. Por ninguém.
Cheryl Holt Destino Incerto

O mordomo competente ergueria uma muralha para impedir a entrada de quem


quer que fosse, mesmo a Duquesa.
— Muito bem, sir.
— Entrementes, tenho de falar com Purdy. Encontre-o e mande-o vir para cá agora
mesmo. Somente ele. Entendeu?
Jensen saiu. Harold sentou-se a sua mesa e rasgou o lacre.

Westmoreland,
Esta é sua última chance. O futuro de sua filha está na balança. O que acha disso?

Harold largou-se na cadeira, aliviado. Estivera certo. Pendleton não pretendia


machucá-la. Sabendo que Penélope estava segura, o jogo poderia continuar enquanto
seus homens prosseguiam na busca.
Com um brilho no olhar, pegou um pedaço de pergaminho, mergulhou a pena na
tinta e escreveu a resposta.
— Meus queridos... — o ministro começou.
Penélope nem escutou as palavras iniciais. O pastor era alto, devia ter quase trinta
anos e poderia ser até bem apessoado, se não fosse a expressão tão mal-humorada.
Fora escolhido por Lucas por ser um americano em visita ao país. Assim não teria
interesse em procurar os homens do Duque para revelar-lhes a novidade.
A única preocupação dela era de que o sacerdote não fosse oficialmente autorizado
pela Igreja para oficiai casamentos em solo inglês. Antes da cerimônia, sussurrara suas
dúvidas ao ouvido de Lucas, que lhe garantiu não haver problemas com credenciais ou
autoridade. Seu futuro marido estava com a licença especial no bolso, o religioso tinha
plenos poderes, e o matrimônio poderia ter início.
Penélope olhou ao redor. Ela e Colette passaram a manhã colhendo flores e
folhagens, enfeitando velas e decorando a sala, que ficara parecendo um caramanchão
encantado. Um local onde uma mulher poderia casar-se com o homem de seus sonhos
e viver feliz para sempre.
Vestiu-se depois da saída das duas empregadas, pois as mulheres acreditavam
que Lucas e ela já fossem casados. Quanto aos preparativos, disse tratar-se do primeiro
aniversário de casamento e ela queria surpreender o marido com uma festa surpresa.
As criadas acharam a idéia muito romântica e ajudaram no que puderam. Até fizeram o
longo trajeto até a aldeia para comprar os artigos de que Penélope necessitava.
Embora a cozinheira não fosse nenhum chef, esforçara-se bastante. Penélope
rezou para que os pratos houvessem ficado palatáveis, pois pretendia servi-los como
jantar de núpcias. No quarto.
No momento, as travessas decoradas, as garrafas de vinho e as taças de cristal
permaneciam ocultos. Ela esperava alegrar Lucas com a refeição e com muito mais.
Por fim, descobriu o que se sussurrava atrás da agitação dos leques abertos. Poria
em prática o que Colette lhe ensinou durante tanto tempo. Conheceria a alegria e o
prazer de deitar-se com um homem que significava tanto para ela.
Colette massageara-lhe a pele com óleos perfumados, polira suas unhas, penteara-
lhe os cabelos e fizera alterações de última hora no traje.
Cheryl Holt Destino Incerto

O vestido de noiva feito por uma modista parisiense para o primeiro casamento
ficou pendurado em um dos numerosos closets da mansão do pai. O grande número de
anáguas e barbatanas fez dele um volume inadequado para uma viagem apressada. Por
isso, escolheu um mais simples e mais adequado para uma cerimônia campestre. Era
de seda azul-clara que lhe realçava a cor dos olhos, de cintura alta e decote baixo, com
mangas bufantes. O tecido tinha fios prateados que davam vida ao modelo. No pescoço,
um colar de diamantes pequenos que faiscavam tanto quanto o par de brincos
combinados.
Colette escovara-lhe os cabelos loiros para cima com pentes incrustados de
diamantes. Os cachos desciam do alto e tocavam os ombros, tornando Penélope ainda
mais bela e desejável. E desde que descera a escada, Lucas não tirava os olhos dela.
De repente, fez-se silêncio no recinto.
— Então? — O pastor fitava-a, carrancudo.
— Então o quê?
— Aceita esse homem... — ele repetiu, devagar. — ...como seu marido legítimo?
— Ah! — Penélope corou e olhou para Lucas com um sorriso radiante. — Aceito!
Penélope escutou suspiros de alívio, como se temessem o inverso. Imagine se ela
iria recusar alguém tão maravilhoso quanto aquele.
Lucas chegara tarde e mal teve tempo de lavar-se. Mesmo com as roupas que
usara para trabalhar, era tão lindo que Penélope teve de baixar a vista.
Ele apertou-lhe a mão, e ela retribuiu. Fizeram todos os juramentos necessários, e
a cerimônia terminou. Sob os olhares de Colette e do pastor, Lucas beijou-a nos lábios.
Os noivos assinaram a licença, e o ministro fez menção de ir embora.
Lucas acompanhou-o, alegando ter de dar-lhe alguma recompensa monetária por
ter vindo fora de hora.
— Consegui! — Penélope declarou para Colette, assim que os homens se
retiraram.
— Oui, mon amie! — Colette chorava de emoção.
— O que achou?
— Magnifique! Milady é a noiva mais bela que já vi.
— E meu marido?
— Magnifique, aussi! Trèsbeau. Trêscharmant. Formam um casal maravilhoso, e
sem dúvida terão filhos lindos. — Colette beijou-lhe as faces coradas.
— Subirei antes que ele volte. Preciso trocar-me.
— Esta noite monsieur não resistirá a seus encantos.
Subiram a escada e Colette fechou a porta.
No celeiro, Lucas segurava a lamparina no alto, enquanto Matthew preparava o
cavalo para partir, sem ter dito uma só palavra até então.
— No que está pensando, Matt?
— No quê?! Que ela o ama, meu caro. Será que ainda não percebeu?
— Nada disso.
— Não tente diminuir os sentimentos de Penélope, negando-os.
— Bobagem sua. — Deu de ombros.
Lucas não queria que isso fosse verdade. Penélope não merecia tanta crueldade.
Cheryl Holt Destino Incerto

Não podia deixar de vê-la descendo a escada, tão esplêndida. Ela brilhara ao fazer o
juramento e ao término da cerimônia, sorrira com um encanto nunca visto.
E ele mesmo nem teve a decência de trocar-se. Chegou tarde de propósito e entrou
na sala como se nada de anormal estivesse acontecendo. E, apesar do aspecto
desleixado, Penélope o encarou como ele fosse o homem mais elegante e extraordinário
da face da terra.
Com a decoração da sala e as preocupações dela com os detalhes, o enlace nem
pareceu fictício. Ao fazer os votos, Lucas desejou de coração que eles fossem
verdadeiros. Mas não eram. E teve de admitir que isso lhe causara sofrimento.
— Eu não sabia que meu irmão era mentiroso. Lembro-me de ter escutado que lady
Penélope concordou com o esquema para enganar o pai e fugir dos planos dele. Que
seria um casamento de conveniência. — Matthew sacudiu a cabeça, desanimado. —
Como pôde permitir que as coisas chegassem a esse ponto?!
— Não fiz de propósito. Os acontecimentos se precipitaram... não sei. Desde a
primeira vez em que nos encontramos, sentimos atração um pelo outro. Não tive de fazer
nada. Os sentimentos apareceram. E pior: são verdadeiros.
— E quanto a ela? Já pensou nisso? — Matthew fitou por alguns minutos a noite
estrelada através da porta aberta e voltou-se. — Teremos de mandá-la para casa.
— Que absurdo, Matt! Nós ainda não conseguimos o que queríamos.
— O preço da vitória tornou-se alto demais, Luc.
— Não diga isso! Depois de tudo o que planejamos e após tanto trabalho!
— Luc, por favor, tente raciocinar.
— O que está querendo insinuar?
— Isso não terá um final feliz. A srta. Westmoreland acha que é sua esposa a partir
de agora. O único jeito de conseguir um bom desfecho seria casar-se com ela de fato.
— E não seria uma boa idéia? — Lucas se esforçaria para ser um bom marido, se
Penélope ainda o quisesse, depois do que ele fez.
— Mesmo que o perdoasse, não será um marido adequado para ela.
— E por que não?
— Lady Penélope transpira realeza. E você, meu irmão? Não passa de um
criminoso, jogador, namorador e pirata. Órfão de um fazendeiro falido que plantava
tabaco.
— Não sou... — Lucas desistiu de defender-se diante do olhar rancoroso de
Matthew.
— Isso já foi longe demais. Ela vai para casa amanhã cedo.
— Não. Leia isto! — Lucas estendeu a resposta do último pedido de resgate.
Matthew leu e não acreditou.
— Que espécie de homem é esse que não quer de volta a própria filha? "Faça o
que quiser com Penélope"! O Duque não é humano! E o que posso deduzir, depois de
conhecer a jovem e descobrir a jóia que é. Ou então Roswell é um demente.
— Talvez um pouco de cada. — Lucas suspirou, frustrado. — Pensei nisso o dia
todo. Não posso mandá-la de volta para um pai desses. Nem consigo imaginar o que ele
faria, caso ela voltasse.
— Não lhe tiro a razão. Mas qual a saída para isso tudo? Ficaram parados na porta
Cheryl Holt Destino Incerto

do celeiro, mirando as estrelas. Na casa, as velas do quarto de Penélope continuavam


acesas. Ela deveria estar se aprontando para recebê-lo. Penélope contava com uma
verdadeira noite de núpcias!
Que desastre! Com o passar do tempo, a lista e o peso dos pecados aumentavam.
— Jesus... — Lucas não sabia onde encontrar forças para continuar com a farsa.
— De quem é aquele quarto? — Matthew apontava o pavimento superior.
— O de Penélope.
— Ela o aguarda.
— Eu sei.
— O que pretende fazer?
— Não imagino... Acho que ficarei aqui por mais uma ou duas horas. Até ela se
cansar e assoprar as velas.
— Entendo que não há outra atitude a ser tomada, Luc, mas, levando-se em conta
o quanto Penélope o ama, devo dizer que nunca ouvi declaração mais impiedosa do que
essa.
Matthew montou e saiu a galope.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XII

Lucas abriu devagar a porta da frente e subiu a escada sem fazer o menor ruído,
preparado contra um ataque da empregada francesa, que lhe perguntaria por que ele
chegava tão tarde.
Nada disso aconteceu, e ele continuou. Passou pelo quarto de Penélope e entrou
no de Harry. Fitou os cabelos loiros e a respiração ritmada por minutos.
— Estou fazendo isso por sua causa, meu querido — murmurou, com carinho.
Harry era muito novo para compreender a maldade que seu pai cometera contra
sua mãe. Quando crescesse e soubesse de tudo, Lucas contava em ganhar o
entendimento e a gratidão do sobrinho. Talvez então fosse capaz de chegar a um acordo
consigo mesmo e aceitar o fato de ter usado Penélope para atingir os objetivos da família.
Acariciou a cabeça do sobrinho e saiu dali.
Hesitou diante da porta de Penélope, virou a maçaneta e entrou, mesmo sabendo
que não deveria fazê-lo. Tinha de se desculpar.
A cama não desfeita e iluminada pelo luar estava vazia. Penélope, acordada,
apoiava-se no parapeito da janela e olhava para fora. Vestia um conjunto diáfano
escarlate que nem chegava a cobrir-lhe as partes íntimas. Um traje perfeito para atrair o
mais venturoso dos noivos. Lucas envergonhou-se por não conseguir impedir a
excitação.
Ela se virou, segurando uma garrafa de vinho pela metade.
— Ora, se não é meu querido marido! — sarcástica, fitou-o de alto a baixo. — Até
que enfim você chegou! Lamento ter de dizer-lhe que estou indisposta e mal-humorada.
— Penélope, eu...
— Cale-se!
— ...sinto muito.
— Cale-se, eu já disse! Vá embora! Deixe-me sozinha! A fúria no olhar estreitado e
o tom de comando deixavam Penélope parecida com o pai. Ela o avaliou, como se Lucas
fosse o verme mais asqueroso.
— Não posso deixá-la nesse estado, sendo que a culpa é minha.
— Se não sair daqui agora mesmo, nem sei o que poderei fazer. Ainda tenho aqui
a faca que você me deu. E se tiver chance... — Olhou para seu baixo-ventre. —... saberei
muito bem o que cortar primeiro!
A ameaça foi tão vibrante que Lucas engoliu em seco e protegeu a genitália com
as mãos.
— Nesse caso, será melhor sair. Conversaremos pela manhã, quando você estiver
mais calma.
— Não estarei mais calma pela manhã. De fato, acho que jamais me acalmarei.
Lucas já teve dezenas de ligações afetivas e terminou todas ao primeiro sinal de
envolvimento emocional. Odiava meter-se em discórdias românticas. Amenizava as
separações e continuava a amizade com as amantes.
Era uma auto preservação necessária, pois não suportava ver uma mulher chorar.
As lágrimas femininas induziam-no a cometer as mais diversas tolices. Por isso,
Cheryl Holt Destino Incerto

escapava antes que a relação se deteriorasse. E muito menos saberia como lidar com a
ira de Penélope.
Na realidade, esperava por um pranto convulsivo, e não por uma explosão de
cólera. Teve certeza de que, se aceitasse o desafio daquela luta, seria um provável
fracassado. E, como um covarde, virou-se em direção da saída, quando um grito
furibundo o deteve:
— Não ouse mover-se! — Penélope saiu da janela e parou, cambaleando. Uma
demonstração de que bebera um pouco a mais de vinho. — Mudei de idéia. Quero
resolver isso de uma vez por todas.
— Não acho que seria bom conversarmos agora.
— Ah, que pena... — Penélope falou com se grunhisse, aproximando-se como uma
fera. — O que você acha pouco me interessa. Faremos o que tiver de ser feito!
Lucas lembrou a si mesmo que não conhecia aquela mulher, nem o que ela seria
capaz de fazer.
— Não há necessidade de trocarmos palavras ásperas.
— Pois eu discordo! Nada me agradaria mais que uma bela discussão com você!
— E isso resolveria o problema? — Lucas pensou em rotular aquele como o
momento mais crítico de sua vida, mas desistiu. O pior tinha sido ver Penélope no banho
e não poder tocá-la. — Não pretendo ficar aqui brigando no meio da noite.
— Está bem, Lucas. — Respirando fundo, ela procurou conter o ódio. — Sejamos
civilizados. Você deve imaginar o que passei durante quatro horas e meia, ansiosa, a
sua espera. Por favor, não minta. Não adianta afirmar que pretendeu encenar um jogo
amoroso, pois ninguém acreditaria em tal balela. Tenho certeza de que, por estar
acordada, interrompi sua fuga para o quarto.
Lucas passou a mão nos cabelos. Se houvesse previsto aquela altercação, jamais
teria entrado nos aposentos de Penélope. Conversariam na manhã seguinte, quando
estivesse mais descansado.
— Não sei o que dizer...
— Por que não começa explicando os motivos que o levaram a não consumar o ato
matrimonial?
— Não foi por minha vontade — mentiu.
— Então por que foi?
— Bem... nós mal nos conhecemos, e estou convencido de que seria bom para
milady se nos habituássemos primeiro um com o outro.
— Quer dizer que esse é seu raciocínio? — Penélope passou a mão na testa. —
Isso é de morrer de tanto rir. Eu fiquei aqui vestida com quase nada...
Ela se lembrou de seu corpo quase todo exposto e cobriu-se com um robe
transparente que pouco ajudou a melhorar a situação.
— ...e você resolve que devemos esperar até nos conhecermos melhor. O que está
havendo?!
— Achei que seria melhor assim
— Melhor para quem?
— Sei que está aborrecida, mas com o tempo haverá de compreender que eu tive
razão em adiar...
Cheryl Holt Destino Incerto

— Mas que asno presumido! Considerar-se como o dono da verdade! Por acaso
está lembrado de quem é meu pai? Pode imaginar o alcance de seu poder? Tem idéia
do que aconteceria a você e a mim se o Duque nos apanhasse antes de estarmos
casados com todas as letras?!
— Sei tudo sobre seu pai, Penélope. Estou consciente do que ele poderá fazer.
— Então por que não estamos na cama? Achei que quisesse me ajudar! Que
gostasse de mim!
— Eu queria. E gosto!
— Nesse caso, terá de proceder de maneira adequada para que não haja retorno.
Ou o Duque acabará me encontrando e levando de volta. Na certa, ele poderá anular
nosso casamento em uma questão de horas, e eu teria de aceitar Edward!
Os receios de Penélope eram genuínos e válidos.
— Eu entendo.
— Por que arrancou-me do seio de minha família? — Penélope bateu o indicador
no peito de Lucas. — O que eu teria a ganhar além do aumento da fúria de meu pai?
— Admitamos que milady obteve coisas importantes. Tempo. Distância.
— E de que servirão essas porcarias se eu tiver de ir embora com meu pai? —
Penélope deixou cair os ombros, desanimada. — Pensei que quisesse esse casamento,
Lucas. E que gostasse de mim.
— Já disse que gosto, Penélope.
— Prove!
— O que quer que eu faça? Que a atire no leito e me satisfaça?
— Isso mesmo. Agora! Mostre o quanto me deseja como esposa.
Bastava um passo. Lucas a agarraria pela cintura e a jogaria sobre o colchão macio,
onde afundariam. Poderia deitar-se sobre ela, cobrindo-a com seu peso. Sentiria
Penélope colada nele da cabeça aos pés, como tanto sonhara.
A tentação era extrema. Nunca vira nada parecido com aquele conjunto de dormir
que o excitava. Nem mesmo nas mais caras prostitutas. A camisola de seda com rendas
era transparente e não alcançava o umbigo. De decote baixo, deixava visíveis os
contornos dos mamilos e dos seios. Um pedaço pequeno do mesmo tecido cobria
metade das nádegas. Penélope usava meias, ligas e sapatilhas de salto de cor escarlate.
O robe era tão fino quanto o resto.
Lucas a desejava como nunca. Queria fazer amor com ela vestida daquele jeito,
com toda aquela seda vermelha e fria encostada em sua pele fervente!
As imagens deram lugar a outras. De Caroline, de Harry e do Duque. Do
desapontamento no rosto de Matthew ao saber que o irmão acabara por seduzir
Penélope.
Acima de tudo, via Penélope sofrendo a traição.
Lucas odiou a resposta que a desapontaria e sacudiu a cabeça em uma negativa.
— Não posso fazer o que me pede.
— Canalha! Responda-me apenas uma coisa.
— Se eu puder...
— Por que se casou comigo?
— Por vários motivos. Mas estou exausto demais para enumerá-los agora. Não
Cheryl Holt Destino Incerto

podemos deixar a disputa para mais tarde?


— Para amanhã? Depois de amanhã ou para a semana próxima?
— Amanhã estarei muito ocupado. Terei de ir logo cedo para Londres.
— Pois é o que você pensa!
Penélope foi até a porta, trancou-a, tirou a chave que estava na fechadura e atirou-
a para fora, onde as moitas eram altas. Em seguida, aproximou-se de Lucas com um
sorriso triunfante.
— Agora teremos muito tempo para conversar.
— Ficou louca?!
Ele a afastou, usando o cotovelo, e inclinou-se no parapeito para um procedimento
inútil: espiar o chão escuro. Como um tolo, estendeu a mão para fora. Estava preso em
um quarto com Penélope pelo menos até o amanhecer.
Por razões como essa, jamais se envolveu em atritos com mulheres. Uma mulher
nervosa podia cometer os atos mais desatinados.
Começou a entender por que um homem era levado à violência. Se Penélope fosse
um homem, não teria hesitado em dar-lhe uma lição. Mas permaneceu imóvel. Se
movesse um músculo, seria tentado a deitá-la sobre os joelhos e dar-lhe uma surra
merecida.
Suspirando, virou-se.
Em pé, perto de uma mesinha, Penélope batia compassadamente dois dedos no
tampo, calma e composta depois do que fizera.
Irritado, Lucas ameaçou-a com olhar feroz.
— Vai arrepender-se de ter cometido algo tão insano.
— Pois eu duvido.
Ele deu um passo na direção dela e depois outro. Desde que a conheceu, Penélope
se mostrara benévola, dócil e maleável. Quem era a jovem dominadora que o encarava?
Lucas reconheceu que seria preciso exercer autoridade sobre ela e lembrá-la de quem
era o responsável.
— Sou seu marido.
— Não é! Fizemos o juramento, mas enquanto não se deitar comigo, seremos duas
pessoas separadas.
— Sou seu marido! -— E adiantou-se, ameaçador. Penélope não se intimidou, nem
saiu do lugar.
— Disse-lhe que falaremos de manhã e ponto final! E se eu falei que adiaremos a
noite de núpcias, ela será adiada!
— Se não se deitar comigo esta noite, voltarei para casa de meu pai amanhã cedo.
Lucas teria coragem de prender Penélope e Colette até o final do processo?
— Milady não irá a lugar nenhum sem minha ordem.
— Tente me impedir.
— É o que farei.
— Nossa, veja como estou aterrorizada! — Penélope ainda teve a audácia de bater
os cílios.
Como Lucas gostaria de torcer-lhe o lindo pescoço!
— Pois deveria estar!
Cheryl Holt Destino Incerto

— O que fará se eu me recusar a cumprir suas ordens? Vai me bater? Trancar-me


no quarto? Impedir-me de jantar?
— Eu... eu... eu... — Lucas gaguejou, à procura de um castigo plausível, mas não
encontrou.
Não costumava tomar medidas drásticas contra mulheres. Qualquer ameaça soaria
vazia. Ambos sabiam disso.
— Foi o que pensei. Recebi ordens de homens muito mais brutais de que você. Por
isso, se espera exercitar uma dominação marital sobre mim, será melhor aprender
rápido. Caso contrário, irei embora em um... — Penélope estalou os dedos.
— E isso mesmo o que deseja? Se voltar para a mansão do Duque, ele a empurrará
de volta para aquele bêbado nojento que se intitula seu noivo.
— Pois prefiro isso a morar aqui dessa maneira, como se eu fosse uma pessoa
invisível e sem nenhum vínculo com você.
— O Duque poderá tomar atitudes impensáveis.
— Se for o caso, escaparei de novo. Dessa vez, talvez encontre um homem que
aprecie minha companhia.
Lucas se enfureceu. Penélope era dele! Ninguém mais a teria!
— Você é minha esposa!
— Então demonstre que sua consideração é verdadeira! Penélope conteve a
respiração e esperou.
Aquela fora a noite mais horrível que já tivera. Examinou o que acontecera nos
últimos três anos, e não encontrou motivos para ser tão mal amada.
Por que ninguém a queria?
Na adolescência, orgulhava-se de sua beleza, da posição social da família, de seu
próprio papel na aristocracia, das perspectivas matrimoniais.
Fora uma moça arrogante, fútil, autoritária, rude e insensível. Acreditava que as
dádivas divinas lhe pertenciam por direito. Esse comportamento causara ciúme e
sofrimento por onde passava.
Recebeu um grande choque quando o primeiro noivado terminou. Convenceu-se
de que ninguém gostava dela e de que suas amizades não eram verdadeiras. Os falsos
amigos alegraram-se com a queda e, sempre que podiam, atacavam-na com atitudes e
palavras odiosas.
Abandonada pelos conhecidos, Penélope reformulou seus conceitos e
transformou-se em outra pessoa. Tentou ressaltar todas as qualidades positivas.
Tornara-se atenciosa, interessada, envolvente. Leal, confiável, simpática. O tipo de
mulher que todos gostariam de chamar de amiga.
Ao conhecer Lucas, supôs ter chegado a uma evolução completa. Não lhe ocorreu
que ainda pudesse desagradar alguém. Era como se toda a transformação de nada
houvesse adiantado.
Por que ele não gostava dela?
Penélope passou a primeira hora arfando de ansiedade, tentando adivinhar o
significado de cada ruído. Na segunda hora, andou de um lado a outro, parou na janela
de quando em quando, procurando adivinhar para onde o marido teria ido. Na terceira,
ficou zangada, e na quarta, desconsolada.
Cheryl Holt Destino Incerto

Àquela altura, depois do retorno de Lucas, Penélope tinha uma certeza: gostava
dele, e desde a primeira vez em que o viu.
Lucas travava uma batalha interior. Queria Penélope, mas um fator desconhecido
impedia-o de admitir o fato e de seguir suas inclinações naturais. Ela não sabia o que se
passava, nem precisava, pois só desejava resolver o passado e começar o futuro.
A luta continuou sem tréguas e, infelizmente para ele, Penélope estava cansada de
esperá-lo. Ela afagou-lhe o baixo ventre e sentiu o intumescimento imediato.
— Por acaso é homem ou não?
— O que disse? — Lucas afastou-lhe a mão.
— Colette e eu estávamos apenas imaginando...
Penélope não teve oportunidade de terminar o insulto.
Lucas abraçou-a com energia e esmagou-lhe os seios de encontro ao peito. Grudou
as pernas musculosas em suas coxas e segurou-lhe as nádegas. A masculinidade da
qual ela duvidava pressionava-lhe o ventre, palpitando e querendo saltar da calça.
Lucas a encarou com um brilho irado no olhar, mas Penélope não se acovardou.
Arqueou-se para frente, como se fosse muito experiente.
— Eu vou possuí-la de todas as maneiras. Antes de a noite terminar, haverá de
implorar por um fim.
— Pois lanço o desafio de que dê o melhor de si.
— Depois não quero ouvir nenhuma queixa.
— De acordo. Nada de arrependimentos ou lamentações. Lucas beijou-a com
ferocidade. Segurou-lhe os cabelos e puxou-lhe a cabeça para trás. Mordiscou,
experimentou e sugou o sabor e a textura desconhecidos. Invadiu-lhe a boca com a
língua, para frente e para trás, em um ritmo alucinante. Penélope sentia comichão no
estômago e a ansiedade aumentar em espiral.
Ao mesmo tempo que a beijava, Lucas acariciava-lhe as costas de cima para baixo
e vice-versa. Voltou-se para a frente e abriu o robe pelas lapelas. Como a faixa da cintura
estava amarrada, o tecido desceu até os cotovelos e prendeu-lhe os braços. Penélope
não conseguiu desembaraçar-se.
Mantendo-a meio imobilizada, ele acariciou-lhe os braços e os ombros. Deixou a
boca para beijar-lhe as faces e sob o queixo, na área sensível do pescoço. Sugou-lhe a
pele alva com força suficiente para deixar marcas.
Penélope ficou zonza. Sentia calor, frio e vontade de gargalhar de felicidade. Mas
precisava soltar-se. O mundo fora reduzido àquele momento e àquele homem. Queria
tocar cada centímetro dele até conhecer-lhe o formato e a textura.
Lutava para desvencilhar-se, e a fricção deixava Lucas inflamado de paixão. Ele a
levantou pela cintura e jogou-a na cama com uma rapidez que a deixou ainda mais tonta.
Sem perder um segundo, atirou-se sobre Penélope e cobriu-a com o corpo, as mãos e a
boca.
O primeiro instinto dela foi sair de baixo daquele peso estranho, mas logo
reconheceu a imperiosa necessidade do momento e aceitou a imobilidade imposta.
Lucas beijou-a por toda parte. Testa, olhos, cabelos, pescoço, colo e peito. Evitou
os seios suplicantes, apenas roçando-os na passagem.
Com uma das coxas abriu-lhe as pernas e fez pressão no meio delas. Tomada por
Cheryl Holt Destino Incerto

uma energia desconhecida, Penélope virou ambos de lado e começou a cavalgar-lhe a


perna musculosa até chegar a uma velocidade alucinante. Ela delirava, sentia muito calor
e incerteza, incapaz de continuar e também de parar.
A cavalgada cessou aos poucos. Lucas voltou para cima dela e acomodou as duas
pernas entre as de Penélope. O tecido rústico da calça esfregava-se na parte interna das
coxas delicadas, deixando-as escoriadas e muito sensíveis.
— Por favor, Lucas. Por favor! — gemeu, sem saber pelo que implorava.
Penélope sentia-se em chamas. Era um verdadeiro caldeirão de agonia. As carnes
estavam quentes e retesadas. O busto, inchado a ponto de arrebentar. Os dedos das
mãos e dos pés formigavam. O coração disparava. A umidade entre as pernas ensopava
o pedaço de renda que lhe cobria a feminilidade.
Lucas abriu o nó da faixa que prendia o robe e libertou-lhe os braços. Apesar disso,
Penélope ficou impedida de movimentar-se sob o tamanho e o vigor dele.
Lucas baixou as tiras da blusa diminuta e expôs-lhe os seios. Observou-os durante
minutos com olhar tão intenso que Penélope sentiu como se ele os tocasse. Os mamilos
ficaram ainda mais duros, eretos e doloridos.
Lucas gemeu baixo e manipulou-os com o indicador e o polegar, o que fez Penélope
dar gritos abafados de prazer. Ela se contorcia, procurando escapar, mas continuava
presa, de pernas abertas, naquela tortura erótica insuportável.
Lucas se inclinou, circulou as auréolas com a língua e depois sugou-as. Penélope
ergueu as costas da cama, mas ele a empurrou para trás e continuou os movimentos.
Ela pensou que enlouqueceria se Lucas não parasse de atormentá-la.
Ele afastou os lábios e prosseguiu com massagens nos seios volumosos. Penélope
suspirava, com pesar. Os mamilos úmidos e pontiagudos não estavam satisfeitos.
— Tenho extremidades grandes — Lucas declarou, com o olhar escurecido pelo
desejo, e pressionou a masculinidade manifesta entre as coxas dela. — Talvez eu a
machuque.
— Não me importo. — Penélope arfava.
— Eu a cobrirei e a dominarei até que, em meio a contorções, ouça você implorar
por misericórdia.
— Nunca ouvirá isso de mim.
— A primeira vez sempre envolve sofrimento.
— Não faz mal.
Lucas passou a acariciar-lhe o ventre. Tornou a pressionar a protuberância em
Penélope, que arqueava os quadris no mesmo ritmo dos movimentos rudes. Ele
encostou a mão na carne palpitante e tenra, e retirou-a úmida.
— Deus, ela está pronta para me receber! — murmurou para si mesmo.
Então deslizou para dentro um dedo, depois outro e em seguida o terceiro. Explorou
e distendeu os tecidos. Sem muito cuidado e com pouca gentileza, apressado e sem dar-
lhe trégua, aprendeu o caminho da cavidade secreta. Penélope fechou as pálpebras
diante da invasão, intrigada e receosa por receber aquele tratamento.
— Por que faz isso, Lucas?
— Estou preparando meu caminho.
— É dolorido.
Cheryl Holt Destino Incerto

— E vai piorar.
Lucas não teve piedade. Rasgou a diminuta peça de seda rendada e expôs a
magnificência defronte de seus olhos libidinosos. Sem hesitar, baixou a cabeça, fungou,
cheirou e experimentou.
Sem importar-se com o gemido gutural de surpresa de Penélope, afastou os pêlos
com a língua e passou a provocar-lhe a intimidade. Com a mão direita torturava um
mamilo túrgido de cada vez, sem interromper os avanços e recuos impiedosos dos dedos
da mão esquerda na essência de Penélope.
O prazer foi intenso demais, e deu a ela a certeza de que irromperia em chamas se
alguma coisa não acontecesse logo. A sensação ia muito além do que um ser humano
poderia suportar.
Lucas a fez subir em espiral rumo ao desconhecido, perder o controle e desfazer-
se em milhões de partículas que se espalharam pelo Universo. Realidade e tempo
perdiam o sentido. A agitação continuava e parecia não ter fim.
Aos poucos a sanidade retornou, e Penélope descerrou as pálpebras. Lucas,
apoiado em um braço, abriu a calça e fez Penélope sentir entre as pernas o calor e a
insistência da rigidez. Pela tensão dos ombros dele, do suor em sua testa e pelo olhar
tenso, Penélope deduziu que se controlara ao máximo para dar-lhe a primazia da
satisfação. Alegrou-se ao reconhecer o próprio poder feminino, que o deixava tão
alucinado. Entendeu que esperara desde sempre para compartilhar aquele marco com
Lucas. Lucas Pendleton a possuiria, e Penélope Westmoreland seria dele até o fim de
seus dias.
— Abra os olhos. — Lucas investiu para dentro dela com todo o ímpeto. — Quero
que olhe para mim, enquanto eu a torno minha mulher. Olhe para mim! Jamais esqueça
que fui o primeiro e que serei o único!
— Eu sou sua — Penélope sussurrou, prendendo a respiração diante de outro
avanço fogoso.
Os tecidos virgens encontravam dificuldade para distenderem-se e se ajustar ao
tamanho excessivo. Tensa, Penélope mordeu o lábio inferior, com medo do que não
conhecia.
— Agora e sempre — Lucas terminou a promessa e mergulhou sem piedade.
Penélope enrijeceu, com uma vontade irracional de livrar-se da intrusão. O que
mais queria era unir-se a Lucas para a eternidade.
Ele encostou a testa na dela, e de olhos fechados respirou fundo e com dificuldade.
Sua postura denunciava a pressão que o acometia.
— Não se mova. — Lucas a segurou pela cintura.
— Está doendo...
— Vai passar.
A sensação desagradável começou a ceder, e Penélope descontraiu-se, facilitando
o processo de acomodação.
—Ah, que delícia! — O período de imobilidade tornou-se insuportável para Lucas.
— Desculpe-me, mas não posso esperar mais.
A princípio devagar e depois cada vez mais rápido, Lucas forçou a entrada até uma
profundidade que nem mesmo as explicações teóricas de Colette a tinham feito supor.
Cheryl Holt Destino Incerto

Uma loucura primitiva descontrolava os corpos em busca da realização.


Foram momentos selvagens, onde os sentidos se perderam em busca do prazer.
Lucas apoiou as palmas no travesseiro, uma de cada lado da cabeça de Penélope. Ela
se agarrou nos músculos dos braços retesados, feliz, apesar do desconforto, de poder
segui-lo até onde os levasse aquela jornada turbulenta.
Lucas atingiu mais uma vez o âmago e deteve os movimentos. Prendeu Penélope
pelas nádegas e imobilizou-a, enquanto alcançava o clímax, rosnando, feroz. A sensação
de calor que se espalhou no ventre dela foi tão maravilhosa que nem percebeu que Lucas
se soltou sobre seu corpo.
Enfim, Penélope pôde abraçá-lo, com as mãos e com as pernas. Com a alma toda.
Segurando Lucas de encontro a si, Penélope percebeu que os corações pulsavam
no mesmo ritmo. Aos poucos, a intensa satisfação física cedeu lugar a uma afeição
serena.
Ela acariciou-lhe os cabelos, os ombros e beijou-lhe os lábios com leveza. Segurou-
o firme com as pernas, quando Lucas demonstrou intenção de levantar-se. Foi o
suficiente para que a excitação fosse retomada.
Lucas recomeçou as investidas, e Penélope sentiu o aumento de volume dentro de
si. No olhar dele, a idéia de posse. Ainda não era amor, mas bastava por ora.
Penélope tirou a camisa de Lucas e atirou-a longe. Acariciou-lhe o tórax de
músculos definidos, a massa de pêlos escuros e os mamilos das auréolas achatadas.
Daquela vez o amor foi mais lento e suave, movido por forças diferentes. Os beijos
foram mais demorados, os toques, mais ternos, e o clímax chegou com velocidade
menor.
— Venha comigo desta vez — Lucas instigou-a, segurando-a de encontro a si.
Ele a beijou com ardor, e Penélope perdeu-se no delírio, enquanto o amado engolia
seus gritos de êxtase.
A onda agigantou-se, atingiu o ápice e recuou, mais forte por ter sido compartilhada.
A normalidade voltava, mas Penélope não permitiu que Lucas a abandonasse, apesar
dos esforços dele em contrário. Não demorou muito e a tensão recomeçou.
Ela entregou-se à imprudência daquela loucura. Rígida e rápida. Lenta e suave.
Fizeram amor de todas as maneiras possíveis até Penélope sentir cãibras, tontura
e as pernas trêmulas de fadiga. As coxas ficaram escoriadas, havia marcas de mordidas
e pêlos colados por todo lado. A feminilidade delicada doía e latejava. Apesar de tudo
isso, ela nunca se sentiu tão viva e cheia de energia, pronta para explodir de felicidade.
Fizeram amor cinco vezes durante a noite. Quando Lucas adormeceu de exaustão,
o sol já começava a raiar, e os pássaros cantavam perto da vidraça.
Penélope ouviu muito pouco do despertar da natureza. Fechou as pálpebras e
dormiu sorrindo, satisfeita por estar nos braços do marido.
Pela manhã, Lucas aproveitou a hora do banho de Penélope para escapar. Foi até
o esconderijo na mata para saber das últimas novidades, mas não encontrou Matthew.
Passou um bom tempo raciocinando sobre o que vinha acontecendo e quais seriam seus
sentimentos dentro do novo contexto.
Ao voltar para casa, foi recebido com beijos e abraços por Penélope.
— Como está se sentindo? — Lucas se preocupou com o excesso de entusiasmo
Cheryl Holt Destino Incerto

da véspera.
— Um pouco machucada. — Penélope deu uma piscadela que tornou a acender-
lhe o desejo.
Nisso, Harry chamou sua atenção puxando-lhe a calça, e tio e sobrinho acabaram
fazendo brincadeiras no quintal, sob o olhar sorridente de Penélope. Lucas passou a
tarde ocupado com tarefas domiciliares e até a ajudou a mudar móveis pesados de lugar.
Mais tarde, o jantar foi aquecido no fogão. Penélope preparou os pratos para "meus
homens", segundo suas palavras. Tímida, perguntou se o cozido estava saboroso e
acabou confessando que ela mesma o preparara.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XIII

— Agora Penélope é minha mãe?


— Não, Harry querido, sua mãe está no céu — Lucas respondeu, do outro lado da
mesa, na hora do jantar.
— Mas ela não está aqui. Quero uma mãe de verdade na terra. Não poderia ser
Penélope?
"Terei de fingir que ela é minha esposa."
— Sim, mas...
— Que bom! Gosto muito dela.
— Fico contente com isso — Lucas mentiu, tão infeliz se sentia com as palavras do
menino.
O desastre seria inevitável. Todos, inclusive ele próprio, iriam sair machucados por
causa de seu ato irrefletido. O mesmo que a princípio lhe parecera tão lógico e justificado.
Continuou pensando na receptividade de Penélope na noite em que ela acreditava
fosse de núpcias. Pretendera assustá-la, utilizando todos os tipos de relações físicas.
Mas ela não se intimidou. De fato adorou os jogos amorosos, sobretudo os bastante
eróticos.
E quanto mais faziam amor, mais Lucas a desejava. Nem mesmo sabia como
conseguiria viver sem tê-la a seu lado.
No dia seguinte à farsa, Lucas acordou no início da tarde, na cama de Penélope,
abraçado com ela. Avaliou todas as falhas que o fizeram ceder a seus encantos. E para
sua surpresa, diante do aconchego daquele corpo sensual cuja fragrância o inebriava,
não sentiu nenhum remorso.
Penélope abrira os olhos, espreguiçando-se, lasciva. Lucas não resistira à vontade
e a amou mais uma vez. Com cuidado, em respeito às escoriações e à sensibilidade
decorrentes das acrobacias anteriores.
Desde então, seu mundo virou de ponta cabeça. Só pensava em deitar-se com ela.
Mantinha-se em excitação permanente, como um rapazote que acabava de descobrir os
mistérios do sexo.
A ânsia por Penélope tornou-se insaciável. Seu desejo era tão forte que mal podia
conversar com Harry. Tudo o mais perdia o sentido. Só via Penélope, sonhando com a
próxima vez em que a teria nos braços. Naquele momento, após ter tomado banho e
removido os traços das brincadeiras rápidas que antecederam o jantar, a presença dela
permanecia inalterada em sua mente. Penélope se tornou parte integrante de sua
consciência.
Assombrado, não entendia a rapidez com que a paixão sem freios se instalou. E,
para seu desalento, os dias e as noites de combate sexual em nada contribuíram para
diminuir-lhe o apetite. Não imaginava como dominar urgências tão poderosas e concluiu
que seus problemas passaram a ser elevados ao cubo.
— Penélope vai morar conosco? — Harry continuou a tagarelice, pondo sal nas
feridas do tio.
— Claro.
Cheryl Holt Destino Incerto

Lucas arquitetava as mentiras que teria de dizer ao garoto, depois de que Penélope
fosse embora.
— Para sempre?
— Sim. Agora, por que não termina de comer e vai para a cama?
— Ah, tio Luc, não estou cansado!
— Eu lhe contarei uma história... mas só quando estiver debaixo das cobertas.
— Aquela dos piratas? Quando eles atacaram seu navio e você ainda era um
menino como eu?
Era a favorita de Harry.
— Essa mesma. Vá aprontar-se depressa.
— Muito bem, farei isso mesmo! — Harry afirmou com a presunção de um
verdadeiro Duque.
A herança paterna era surpreendente. Harry apresentava muitas das
características de Harold. E também de sua meia-irmã. O que Penélope diria, se
soubesse da verdade?
Naquele momento, ela entrou na cozinha. Usava um vestido de casa e um avental,
o que não disfarçava as curvas exuberantes. Lucas conhecia todos os segredos
inebriantes escondidos sob aqueles trajes. Como de costume, a excitação o tomou de
assalto só de olhar para ela, sentir-lhe o cheiro ou pela simples proximidade.
Penélope parou atrás da cadeira de Lucas e apoiou a mão em seu ombro. O gesto
de carinho foi tão maravilhoso que ele obrigou-se a olhar para a frente ou acabaria por
sentar Penélope no colo. O que seria muito inconveniente.
Ora, sim, senhor! Era um homem adulto e tinha de aprender a controlar seus
impulsos. Jurava todas as manhãs que haveria de impor-se restrições e que não
voltariam para debaixo dos lençóis. Descobriu que o menor motivo carregava-os direto
para a cama. Cada episódio era diferente e memorável. A mais leve sugestão de
Penélope, Lucas baixava a calça o mais depressa possível.
Penélope inclinou-se e acariciou-lhe os cabelos. Naquele movimento, encostou o
torso na parte superior das costas de Lucas, que sentiu a pressão dos seios lindos e a
rigidez dos mamilos.
Quanto sofrimento um homem poderia tolerar e assim mesmo sobreviver?
— Já terminou, jovem Harry?
— Sim, senhora.
— Nesse caso, está na hora de dormir.
— Só mais um pouquinho... — o menino pediu com a expressão de doçura dos
querubins pintados no forro das igrejas.
— Já está acordado mais tempo do que deveria.
Harry fitou Lucas, implorando por um aliado.
— Já dei minha opinião — ele esquivou-se.
— Nem pense em esquecer sua promessa — Harry ordenou de igual para igual ao
tio e deixou da cadeira.
Penélope passou a mão na cabeça do menino.
— Quando ele fala desse jeito, parece até meu pai.
Lucas engasgou com a cerveja que tentava engolir.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Vamos, Milorde. — Penélope estendeu a mão, e o garoto a aceitou.


— Não se esqueça, tio Luc.
Penélope arqueou as sobrancelhas, curiosa, fitando Lucas de soslaio.
— Prometi contar-lhe uma história — Lucas explicou, tentando manter um
raciocínio lógico.
— Verdadeira.
— É mesmo, Harry? E quais são suas preferidas?
— As de quando Luc era um menino como eu. E as de minha mãe.
— Eu também gostaria de ouvi-las.
— Tio Luc sabe contá-las muito bem. Ainda mais as de piratas...
Lucas não escutou mais nada. Harry e Penélope haviam subido a escada e sumido
no corredor.
Desditoso, apoiou a cabeça nas mãos. Ela não escondia a felicidade com o modo
de vida a que nem sequer estava acostumada. Cuidava de Harry como se fosse mãe
dele e tornara-se uma esposa apaixonada e maravilhosa. Em uma questão de dias, eles
se comportavam como uma família de verdade.
Sem que ninguém se esforçasse para isso, passaram a formar um grupo coeso.
O que deveria fazer? Lucas perguntou-se, antes de ouvir a suas costas a voz com
o sotaque inconfundível:
— Para um marido que desfrutou de uma noite fabulosa de prazer, o senhor não
parece muito contente, não é?
— Não me aborreça, Colette.
— Depois de tanta masculinidade satisfeita, deveria estar radiante, relaxado e com
vontade de enfrentar assuntos complicados. Por que me parece angustiado? Ah, devo
estar enganada... Está muito satisfeito, oui.
— Considero-me extasiado.
— Fico feliz de saber que milady soube servi-lo bem.
A mulher tinha o desplante de falar sobre temas tão particulares! Lucas corou ao
supor que a francesa ficara acordada no leito, escutando os ruídos provenientes do
quarto superior.
— Acredito que nossa intimidade não é de sua conta e não pretendo discuti-la com
você.
Colette estreitou os olhos, ameaçadora.
— Tudo o que diz respeito a milady é de minha conta!
— Se está tão preocupada com minhas intenções, porque não a leva de volta para
o Duque, conforme vem ameaçando?
— Por um único motivo.
— E qual seria?
— Milady está transbordando de alegria e acredita que o senhor lhe trará muita
felicidade.
— E se ela mudar de opinião?
— Iremos embora! — Colette bateu palmas, categórica.
— Como não pretendo torná-la infeliz — Lucas devolveu-lhe um olhar rancoroso —
, não há com que se preocupar, certo?
Cheryl Holt Destino Incerto

Colette praguejou em francês.


— Não conheço seus objetivos, Sr. Pendleton, mas se causar sofrimento a milady
eu o matarei com minhas mãos!
— Pelo amor de Deus! Não sou obrigado a escutá-la, Colette!
Lucas empurrou a cadeira, foi até a escada e subiu os degraus, escutando as
imprecações ditas na língua materna da aia. Sem entender uma só palavra, teve certeza
de que ela o degolaria se tivesse oportunidade.
Entrou no quarto de Harry. O menino já estava deitado sob as cobertas. Lucas
sentou-se na beira do colchão e contou a história da abordagem dos piratas.
O sobrinho não se cansava de ouvir como Lucas se escondera atrás de uma
barrica, quando um dos bandidos o procurava. Escapara, apunhalando a mão do
criminoso. Uma narrativa no mínimo horripilante, mas que sempre fascinava o pequeno.
Lucas omitia os aspectos mais terríveis do ataque dos piratas assassinos, e costumava
fazer do episódio uma aventura engraçada.
Assoprou a vela e esperou Harry adormecer. Beijou-lhe a testa e voltou para o
corredor, fechando a porta sem ruído. Quase colidiu com Penélope. Ela enrubesceu ao
ser flagrada.
— Não pude deixar de ouvir.
— Não faz mal.
— Isso aconteceu de verdade?
— Sim. — Lucas suspirou. Não gostava de lembrar-se daqueles anos de solidão.
— Mas são águas passadas.
— Quantos anos tinha na época?
— Oito.
— Meu Deus! Como é que foi parar naquele lugar?
— Fui raptado nas docas da Virgínia.
— Ah, Lucas...
O interesse sincero demonstrado por ela envolveu-o em emoções poderosas.
Lucas nunca se sentira daquela maneira. Todas as imagens que imaginava sepultadas,
ânsias desesperadas, fome, frio, pavor e chicotadas, vieram à tona, rasgando a
superfície, ansiosas para ver a luz do dia.
— Levei muito tempo para voltar para casa.
— Com quantos anos foi levado?
— Cinco.
— Seus pais não o procuraram?
— Creio que não tinham condições financeiras para isso, o morreram logo depois
de eu ter desaparecido.
— Meu querido! — Penélope abraçou-o com força. — O que houve com Caroline,
sua irmã? Harry contou-me que tem outro tio.
— Matthew — Lucas sussurrou.
Era impossível resistir ao consolo oferecido por ela. Lucas jamais tivera nenhum
tipo de conforto. Retribuiu o abraço e encostou o queixo na cabeça de Penélope, que
estava encostada em seu peito.
— Eles eram muito pequenos, e foram conduzidos para a casa de fazendeiros da
Cheryl Holt Destino Incerto

vizinhança. Foi péssimo... para todos nós.


— O que aconteceu depois??
— Voltei com quase quinze anos. Eu os descobri, e tornamos a formar uma família.
— Cerrou as pálpebras e apertou-a mais de encontro a si, muito emocionado. — Ainda
no navio, eu passava o tempo elaborando os mais diversos meios para poder encontrá-
los. Acredito que essa esperança impediu que definhasse e manteve minha coragem de
continuar vivo. Quando nos reunirmos, tive certeza de que daria a vida por eles, se
preciso fosse. Mais tarde, quando Caroline morreu... foi como se me arrancassem o
coração.
— Posso imaginar como se sentiu. — Penélope afastou- se e o encarou. — O pai
de Harry não se casou com ela?
— Não.
A pergunta feita de maneira tão delicada não trouxe a ira costumeira sempre que o
assunto era ventilado. Pela primeira vez, ele conseguiu falar na morte de Caroline sem
ódio.
— Ela nunca havia ficado longe de casa antes. Fora visitar alguns parentes. Embora
adulta, impressionava-se com facilidade. Se eu não a tivesse deixado ir, talvez o fim
fosse diferente.
— Querido, isso é bobagem. Não deve sentir-se culpado. Cada um tem seu destino.
E... o pai de Harry?
— Há pouco descobri sua identidade.
— Que homem vil era esse para ter um comportamento tão desprezível com
Caroline e Harry? Ela deve ter sido uma moça excelente, a julgar pelo filho e por seu
irmão. E quais são seus planos, agora que sabe de quem se trata?
— Ainda não decidi.
— Ele é americano?
— Não. É inglês, e por isso vim para cá. Mas não sei o que fazer.
— Talvez eu pudesse ajudá-lo. Conheço muitas pessoas, e minha família é muito
bem relacionada.
— É... talvez possa. Mas, como eu lhe disse, ainda não tomei uma decisão final.
— Se precisar de mim...
Lucas a estreitou, incapaz de suportar aquele olhar bondoso e sincero.
— Eu amava demais minha irmã e faria qualquer coisa para vingá-la.
— Entendo muito bem. — Suspirou. — Hoje foi um longo dia. Vamos dormir.
— Ah, Penélope... — Lucas odiou a si mesmo pelo que estava ocorrendo e afastou-
a com gentileza. — ...precisarei me ausentar por algumas horas.
— Lucas, abra seu coração, independente do que o estiver afligindo. Enfrentaremos
tudo juntos. Por isso é que estou
— Não há nada errado, Penélope.
— Está bem.
— Não espere por mim.
— Como queira.
— Boa noite.
Lucas recuou, aflito para livrar-se daquela situação que o sufocava.
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope piscou, maliciosa.


— Se por acaso resolver fugir de mim, passarei o resto de minha vida tentando
encontrá-lo e jamais desistirei da busca. Harry e eu manteremos sempre uma vela acesa
na janela para iluminar o caminho que o trará para nós.
Lucas saiu, foi até o celeiro e ficou esperando no escuro. Imaginou-a escovando os
cabelos e o busto subir e descer com os movimentos. Fechou os olhos. Viu-a erguer os
braços para vestir a camisola e assoprar a vela com os lábios rosados.
Penélope ficaria deitada na cama, olhando pela janela, perguntando a si mesma
aonde ele teria ido e quando retornaria para casa.
Sim, Penélope merecia muito mais do que as migalhas de emoção recebidas dele.
Na verdade, só a comprometera e arruinara-lhe a vida. Nenhum homem a aceitaria
depois do que acontecera. Apesar da razão com que procurava justificar tanta crueldade,
sentia a mais profunda vergonha de si mesmo.
Seria por acaso diferente de Harold Westmoreland? Não fazia com Penélope o que
o pai dela fizera com Caroline?
Penélope não fora seduzida e passara a acreditar em um monte de mentiras?
E se ela estivesse grávida? Lucas estremeceu diante da possibilidade apavorante.
Embora nada fosse mais natural, depois de tudo o que se dera entre eles.
Natural?
Teria de casar-se com Penélope!
E como, se ela supunha que já eram casados?
Se Penélope estivesse esperando um filho seu, não só o matrimônio seria
inevitável, mas também uma confissão.
O que ela faria em seguida? Na certa, o abandonaria para sempre. Afinal, a farsa
do enlace não fora, em última instância, uma grande traição? Penélope confiava demais
no "marido", e jamais o perdoaria, nem voltaria a acreditar nele.
Não haveria absolvição. O pai baniria a filha para uma propriedade rural isolada e
a aristocracia não ouviria mais falar de Penélope Westmoreland. Ou então o Duque a
faria casar-se em segredo e com data falsificada para esconder o escândalo. Algum outro
homem criaria o filho deles e passaria a fazer amor com Penélope.
O bebê seria menino ou menina? Como se chamaria? Seria saudável?
Essa criança abriria um vazio em seu coração que não poderia ser preenchido. O
sofrimento de sua honra não teria lenitivo.
Para que a desforra, se a própria atitude em nada diferia daquela adotada por
Harold Westmoreland?
Durante anos tentou localizar aquele que destruíra Caroline e fazê-lo pagar por
isso. Aquela altura, a um passo de conseguir seu intento, a vitória pareceu-lhe vazia. A
própria semelhança com o homem a quem odiava apagava toda tentativa de
racionalização.
Como encontrar a animosidade necessária para prosseguir com o plano, se odiar
o Duque era como odiar a si mesmo?
Confuso e angustiado, continuou imóvel, apesar de a luz dos aposentos de
Penélope ter se extinguido há um bom tempo.
Foi até o lugar secreto na mata onde se encontrava com Matthew e assobiou como
Cheryl Holt Destino Incerto

um pássaro para anunciar sua aproximação. O irmão esperava, paciente, recostado em


um carvalho centenário.
— Como foi o dia hoje?
— Difícil, Matt. E na cidade?
— Não muito diferente.
Matthew ficou em pé e passou as mãos na calça para tirar a terra e as folhas.
— Qual foi a resposta de Westmoreland a minha última mensagem?
— Ele continua a não desejar a volta da filha. Lucas respirou fundo.
— Ouviu algum boato sobre o desaparecimento dela?
— Não.
— Por que será que o Duque manteve silêncio?
— Não posso imaginar.
— Antes de Penélope fugir comigo, Roswell tinha antecipado a data do casamento.
Seria realizado em uma semana. Como ele vem explicando a ausência dela nos
preparativos?
— Talvez um homem na posição do Duque não se sinta na obrigação de dar
explicações.
— Pode até ser.
— Se lady Penélope não aparecer na casa paterna até a data marcada para o
enlace, perderemos poder para efetuar uma troca.
— Então precisamos terminar logo com isso. — Aquele era o maior desejo de
Lucas.
— Certo.
— Em no máximo dois dias, de um jeito ou de outro.
— Concordo.
— Diremos ao Duque que pretendemos matá-la. Escreverei o recado e
providenciarei para que seja entregue amanhã.
Despediram-se, e Lucas foi para casa. Seguiu até seu quarto no maior silêncio,
deitou-se sob as cobertas e arrepiou-se por causa dos lençóis frios. De olhar fixo no teto,
não conseguiu adormecer.
Nisso, ouviu passos no corredor. Penélope entrou, mesmo sem Lucas ter
demonstrado boa vontade anterior em recebê-la. E já a conhecia o suficiente para saber
que ela não iria embora, mesmo se lhe pedisse.
Penélope veio até a beira da cama e arregalou os olhos ao vê-lo acordado. Tirou a
camisola e ficou parada, gloriosa em sua nudez. Os cabelos loiros e brilhantes
alcançavam a cintura. O seios intumescidos e volumosos provocavam-no. Por causa do
frio, os mamilos ficaram enrugados.
— Meus pais sempre dormiram separados e nunca foram felizes. Não quero isso
para nós. — Ela ergueu o acolchoado e estirou-se ao lado de Lucas. — Não adianta
dizer-me para ir embora. Não irei.
— Era nisso que eu estava pensando.
— Ah, como ele é astuto! — Penélope sorriu e logo ficou séria. — Por que está
angustiado?
Impediu-o de negar, com um dedo nos lábios dele.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Ficaria surpreso de saber o quanto posso entendê-lo. E vim até aqui para aliviar
suas preocupações.
Penélope deitou-se sobre o marido e ergueu o tórax. O busto perfeito oscilou diante
dos lábios sequiosos de Lucas, que sentia a pressão do ventre dela em seu abdome. E
diante da imobilidade a que o parceiro se impunha, Penélope começou a mexer os
quadris em uma dança erótica.
— Por favor, leve-me de novo ao paraíso. — E ela o beijou.
Lucas compreendeu que estava perdido. Abocanhou uma das auréolas, indiferente
ao sibilo de Penélope por causa da sensibilidade devida aos excessos da véspera. Nada
mais importava, a não ser os dois ali, na intimidade do quarto.
Ele acariciou-lhe os seios até Penélope contorcer-se em agonia, e escorou os
quadris no colchão para facilitar-lhe os movimentos. Penélope começou uma cavalgada,
com a cabeça jogada para trás. Parecia uma deusa, com a densa cabeleira dançando
para cima e para baixo.
Atingiram o clímax ao mesmo tempo, e dali a segundos, Penélope largou-se sobre
Lucas, arfando e rindo.
Ele experimentou um sentido de virilidade diferente e concluiu que era um homem
afortunado.
A respiração deles se normalizou, mas Penélope não fez menção de afastar-se.
Lucas acariciou-lhe as costas, a cintura, as nádegas e as coxas. E parou, para não ceder
à vontade de recomeçar.
— Eu te amo e sempre amarei — Penélope sussurrou, calculando que ele estivesse
adormecido, e beijou-lhe pescoço.
Lucas continuou imóvel e absorveu as palavras que acabaram por mitigar-lhe a
angústia. Apesar de amar Penélope Westmoreland mais que a própria vida, manteve-se
calado Diante do mal que lhe causava, de que serviria a declaração?
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Capítulo XIV

— Tem certeza de que é aquela? — Westmoreland falou com Purdy, sem tirar os
olhos da escuna de três mastros ancorada.
Não havia tempo a perder. Depois da mensagem que recebera, não poderia
cometer nenhum erro. Teriam de encontrar Penélope sem demora!
— Estivemos observando o barco durante dois dias.
— Pensei que o navio dele fosse o Sea Wind.
— E é. Apenas recebeu um novo batismo. — Purdy apontou uma parte onde a
pintura não cobrira com perfeição o nome antigo.
— Algum sinal de Pendleton?
— Não, sir. Um velho marinheiro parece ser o único ocupante do barco.
— É um dos homens de Pendleton?
— Não sabemos, nem perguntamos, para não despertar suspeitas.
— O que o homem tem feito o dia inteiro?
— Parece estar preparando a embarcação para uma viagem longa.
"Para tirar Penélope da Inglaterra ou ajudar Pendleton a fugir?"
— Acha que minha filha pode estar presa embaixo?
— Tudo é possível. — Purdy deu de ombros.
— O camarada está lá agora?
— Sim, Milorde.
Harold continuou a mirar o navio por algum tempo. Não pretendia dar um passo em
falso. Mas depois da última ameaça, duvidava que pudesse agir com algum
discernimento.
— Vamos.
Purdy fez um aceno, e vários homens armados destacaram-se da multidão,
correram para a prancha de acesso do navio e espalharam-se pelo convés. No momento
em que Harold subiu a bordo, os guardas já haviam localizado o marinheiro e mantinham-
no de joelhos.
— Qual seu nome?
— Fogarty — respondeu com rudeza, sem baixar o olhar. — Theodore Fogarty. O
que vieram fazer em meu navio, canalhas miseráveis?!
— Olhe aqui, seu velho idiota, mostre um pouco mais de respeito por seus
superiores! — Purdy aproximou-se e estapeou-o no rosto, mas o homem encarquilhado
nem mesmo piscou.
— Onde está Pendleton? — Harold perguntou.
— Quem?
— Lucas Pendleton.
— Ah, o capitão Pendleton, o americano...
— Isso mesmo.
— E como eu poderia saber?
Harold baixou o braço de Purdy, por entender que um soco não amedrontaria o
velhinho.
Cheryl Holt Destino Incerto

— O navio é dele.
— Não é mais. Eu o comprei de Pendleton há várias semanas. Pegue os papéis
em minha cabine, se não acredita em mim.
"Mas que droga! Por isso o sujeito está sozinho, sem nenhuma tripulação."
— Enquanto fechavam o negócio, o americano lhe disse por que resolveu vender
a embarcação?
— Ele contou que comprou um navio novo em folha construído pelos Fitzsimmons
de Portsmouth. Portanto, não iria mais precisar deste.
Penélope estaria cativa em Portsmouth? Harold apavorou-se. Tinha poucos
contatos naquela cidade distante. Teria de enviar homens para lá. Se Pendleton
estivesse mesmo louco, poderia fugir na escuna nova, sem ser importunado. Quanto a
Penélope, não importava onde estivesse sendo mantida, ou não, em cativeiro. Ela seria
morta.
— Nem sinal de pessoas lá em baixo, sir — um dos homens de Purdy afirmou, ao
retornar ao convés com os comparsas. — Só as coisas desse velho maluco.
O homem entregou alguns documentos para Purdy, que os examinou e passou-os
às mãos do Duque. Era uma nota de venda, o que confirmava as palavras de Fogarty.
— Tem idéia do paradeiro de Pendleton ou de seus homens? — inquiriu.
— Eu não o conhecia. Soube por outros que o navio dele estava à venda. O contato
foi curto. O necessário para efetuar a transação. Nunca mais o vi.
Harold continuou a fazer perguntas, que Fogarty respondeu com negativas.
— Ele pode estar mentido, sir — Purdy cochichou-lhe. — Quer que descubramos?
Podemos levá-lo para baixo e saber da verdade bem depressa...
Harold fitou o ancião agachado e indagou a si mesmo se Purdy estaria certo.
Fogarty continuava com o mesmo olhar imperturbável do começo. Ou era um idiota
completo ou corajoso ao extremo. Sentiu o estômago embrulhado ao pensar no que
Purdy poderia fazer com o pobre coitado a portas fechadas. Além do mais, a história lhe
parecia convincente.
— Vamos embora.
Todos retornaram para as docas. Os asseclas dispersaram-se. Harold e Purdy
pararam ao lado do coche em que tinham vindo.
— E agora, Milorde?
— Teremos de mandar alguns homens para Portsmouth.
— Não acredito que ela esteja lá...
— E se o senhor estiver enganado?! — Harold gritou.
— Bem... Pendleton se encontra nas proximidades. Sabemos disso.
— O que não significa que Penélope também esteja.
— Nisso Milorde tem razão.
— Procure aquele menino de recados de Pendleton. Agarre-o! Ele e eu precisamos
ter uma longa conversa.
— Deixe isso por minha conta! — Purdy apressou-se, satisfeito pela perspectiva de
dar uma lição no rapazote.
Harold resolvera não mostrar a Purdy a mensagem que recebera de Pendleton. Se
não atendesse às exigências dele, mataria Penélope. Embora convencido de que
Cheryl Holt Destino Incerto

Pendleton não faria mal a sua filha, receava tê-lo provocado demais. O bilhete fora
deveras assustador.
Se Penélope fosse morta, Harold só poderia culpar a si mesmo pela tragédia. O
jogo de gato e rato que empreendeu teria sido inútil. Por isso nada disse a Purdy. Não
queria que o outro soubesse até onde poderia ser levado por um julgamento errôneo e
por seu orgulho. Não apenas Purdy, mas ninguém deveria saber.
— Pendleton jamais a mataria! — Harold murmurou para si mesmo, subindo na
carruagem. Era preciso acreditar nisso.
O que diria a Edward, que o aguardava? E à Duquesa? Era impossível continuar
evitando as perguntas da esposa. O casamento estava próximo, e nenhum deles se
conformava em não saber do paradeiro de Penélope. Inclusive ele mesmo.
— Edward, aquele grande patife! — Harold indignou-se. Não seria necessário usar
de desculpas. Eles não ousariam duvidar de sua palavra. Em poucos dias Penélope
estaria em casa, a tempo de fazer os preparativos finais no traje de noiva e no que mais
a mãe achasse necessário.
Também poderia adiar o enlace, alegando uma doença repentina da filha. Ou
inventar algum outro pretexto que a impedisse de retornar das férias no campo.
O importante era ninguém desconfiar de que Penélope seguira Pendleton por sua
própria vontade, ou o desastre seria completo. As conseqüências funestas fariam-na
desejar que Pendleton não a houvesse devolvido. Talvez ela nem mesmo conseguisse
sobreviver a uma terceira provação.
Edward desistiria do acordo, e o golpe jamais seria esquecido pela aristocracia.
Apesar de sua condição de Duque, Harold não poderia amenizar os efeitos de três
fracassos matrimoniais. Tinha inimigos em número suficiente que adorariam ver os
Westmoreland humilhados. Não haveria como convencer um lorde a aceitar Penélope
como esposa.
Com Edward, já haviam descido ao fundo do poço. Seria impossível baixar mais.
Penélope passaria o resto de seus dias como uma solteirona solitária, sem filhos ou
família, fatores básicos para a felicidade de uma mulher. E ele teria falhado por completo
em seus deveres de pai.
Tudo por causa de Pendleton.
Ora, mas nada disso aconteceria! Resolveria de maneira favorável a situação
penosa. Recusava-se a aceitar qualquer solução que não fosse ter a filha sã e salva sob
sua guarda.
E com uma batida no teto da carruagem, foi levado de volta a Mayfair.
Desconfiado, Fogarty esperou no convés, olhando para todos os lados. Talvez o
homem com aspecto de príncipe houvesse mesmo acreditado na história inventada e
ordenado a partida de todos.
Um pobre marinheiro como ele conversando com um camarada rico daqueles, que
tomava vinho com príncipes e reis!
Sentia-se satisfeito por haver seguido ponto a ponto as instruções do capitão
Pendleton, cujas atividades dúbias não conhecia, nem mesmo lhe interessavam.
Fogarty analisou mais uma vez os arredores e desembarcou. Misturou-se à
multidão e caminhou sem pressa até a cervejaria onde costumava almoçar. Diminuiu o
Cheryl Holt Destino Incerto

passo ao cruzar a viela, sem virar a cabeça. De soslaio, viu o menino parado.
— Diga ao capitão que eles acharam o navio e tudo correu como o previsto. — E
Fogarty seguiu seu caminho.
Paulie foi até a taverna e espiou pela janela. Estreitou os olhos, surpreso. Avistou
Lucas e Matthew sentados a uma mesa dos fundos. Em geral não vinham juntos para
Londres. Um ficava no campo, enquanto o outro se encarregava dos negócios,
mandando e recebendo as mensagens que Paulie entregava com presteza.
Os irmãos conversavam, inclinados para frente. Encaravam-se, furiosos.
Espectador atento, Paulie imitou os gestos das mãos e os movimentos faciais de Lucas.
Queria ser como ele quando crescesse. Enquanto perambulava pelas ruas da cidade,
fantasiava sobre o americano intrépido que preenchera sua existência triste de menino
sem lar com excitação e mistérios.
Com o dinheiro recebido de Lucas, poderia ter alugado uma cama e encontrado um
abrigo, mas não foi o que o fez. Continuava dormindo debaixo da escadaria deserta com
os outros garotos que ele considerava como parentes. Sentia-se seguro na pequena
barraca que ocupavam. Não desejara dar-se ares de importância só porque tivera um
pouco de sorte.
Deitado no catre de palha malcheirosa e coberto com uma manta rasgada, o único
lugar onde podia dormir, escutava o ruído dos garotos que se mexiam durante o sono e
das poucas carruagens que passavam. Olhava para o céu e imaginava onde Lucas se
encontrava ou o que estaria fazendo.
Com freqüência pensava na casa de campo. A que não deveria conhecer e nunca
ter visto, caso os asseclas do Duque o apanhassem e o forçassem a falar. Mas não
pudera evitar a vontade de seguir Lucas e testemunhar como ele vivia. Surpreendeu-se
ao encontrar a bela princesa, lady Penélope, morando ali também.
Imaginava-se sentado à mesa da cozinha que via quando ia fazer a visita secreta
a Harry. Em seus sonhos, Penélope servia-lhe o jantar.
Às vezes fechava os olhos e fingia que era o irmão mais velho de Harry, que
também morava na casa grande e que seus pais eram Lucas e Penélope. Era uma
imagem dolorosa que o deixava nauseado, sem saber por quê. Se fosse mais maduro,
saberia tratar-se de uma ânsia desesperada de alcançar a afeição e o amor que jamais
conhecera.
Isso quando não imaginava ser convidado para conhecer a América, pois o capitão
Lucas não podia prescindir de um garoto tão corajoso e esperto, um parceiro de valor
inestimável.
Paulie via os dois em pé no convés do Sea Wind, de braços cruzados e pernas
abertas, enquanto o navio subia e descia ao sabor das ondas do oceano. Singrariam os
mares, lutariam com os piratas, encontrariam tesouros e resgatariam belas mulheres em
perigo.
Os outros freqüentadores da taverna eram homens rudes que tomavam cerveja
sem parar. Um solitário observava os dois irmãos com maior interesse que o necessário.
Paulie teve de admitir que seria impossível não notar os dois americanos, tanto por sua
estatura como por sua aparência.
O camarada acabou de tomar a caneca de cerveja preta, deixou uma moeda sobre
Cheryl Holt Destino Incerto

a mesa e saiu, não sem antes lançar um último olhar para os dois irmãos, por sobre o
ombro. Paulie colou-se na parede, para não ser visto.
O sujeito caminhou a passos largos até a esquina, onde outro camarada saía de
uma hospedaria. Os dois conservaram em voz baixa. O primeiro apontou para a taverna
onde Lucas e Matthew acreditavam-se a salvo dos curiosos. O segundo anuiu, sussurrou
qualquer coisa e se foi, apressado. O primeiro voltou para frente do estabelecimento de
onde saíra, sem perder de vista a porta de entrada.
Paulie não gostou nem um pouco do aspecto sinistro dos estranhos e espiou pela
janela. Notou que a discussão entre Lucas e Matthew passava dos limites da cautela e
da discrição.
O sujeito da rua continuava a esperar. Não demorou muito e outros sujeitos
juntaram-se a ele. Rudes e fortes, sem dúvida escondiam armas e bastões sob os
capotes. O que parecia ser o líder fez um sinal e todos se dirigiram à taverna.
— Está dormindo no quarto de cima à esquerda?! — Matthew indagou, feroz.
— Isso mesmo. Por quê?
Apesar do perigo de serem vistos juntos, haviam resolvido ficar em Londres para
evitar a demora na troca de mensagens com Westmoreland. Embora tivessem vindo
para a cidade em horários diferentes e entrado na bodega um de cada vez, Lucas teve
a impressão de que eram sendo observados, mesmo sem ter notado nada de anormal.
Para não chamar a atenção, ele e Matthew vestiam-se como dois trabalhadores
que aproveitavam a tarde para beber. Os olhares atentos dos fregueses eram devidos à
freqüência de bandidos a quem não se podia dar as costas. Aquela era uma realidade
do local.
Lucas disse a si mesmo que a percepção exacerbada na certa era causada pelas
pressões de um comportamento furtivo que se tornara obrigatório. Sua paciência estava
no fim. A tolerância para com os absurdos, que nunca fora alta, desaparecera. A mente
encontrava-se exausta de tanto refletir sobre uma conclusão aceitável.
Um fato contributivo para aquele esgotamento era a falta de sono por causa das
brincadeiras noturnas com Penélope. Lucas tinha a impressão de ser um cão bravio
pronto a morder qualquer um que se aproximasse. Imerso em culpas e remorso, mentiras
e decepções, alegria e sofrimento, passara a viver em um inferno de exasperação e
irritabilidade. Tinha pena de quem ousasse aproximar-se.
Matthew, bastante preocupado com a situação deles, ainda não notara o
nervosismo extremo do irmão, a quem fitava com raiva e punhos fechados.
— Adivinhe quem eu vi a noite passada, quando fui ao celeiro para consertar minha
sela.
— Sei lá! — Lucas abanou a mão, mal-humorado.
— A srta. Westmoreland em pé atrás da janela de cima, à esquerda. E, se não me
engano, estava vestida apenas de sombras!
Os sussurros não escondiam a ira dos irmãos.
— E daí?
— Daí eu gostaria de saber por que a moça se encontrava nua em um quarto que
não era o dela!
— Por acaso não lhe ocorre o motivo?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Seu patife maluco!


— Eu não tive escolha!
A altercação começava a chamar a atenção dos circunstantes.
— Não teve? Por acaso é algum adolescente?!
— Ela acredita que somos casados. Apenas tive de agir de acordo com o que o
esperado.
— Quando trouxemos lady Penélope para cá, concordamos que a mandaríamos
de volta tão donzela quanto na chegada.
— Bem, não foi o que aconteceu, não é?
— Esse foi um erro irreparável!
— E por acaso acha que não sei?!
Matthew inclinou-se bem para a frente, cada vez mais irritado.
— E se ela estiver grávida?
— Esqueça o assunto, Matt! Estou lhe avisando!
— De maneira nenhuma! — Cutucou o peito do irmão com o indicador. — Terá de
consertar o mal de qualquer jeito. Irá se casar com ela. Amanhã, se eu puder abreviar
os trâmites da lei.
— Ora, será que não mudou o discurso rápido demais?
Lucas afastou a mão de Matt com violência. Alguns homens pegaram suas canecas
e afastaram-se, prevendo uma briga.
— Não sei quem foi que disse que eu estava muito abaixo dela para cogitar
casamento!
— Em vista do que fez, eu diria que é muito tarde para se importar com detalhes.
Tentarei conseguir uma licença especial. Do contrário, nós a levaremos a bordo. Partirei
com o barco pelo rio e farei eu mesmo a cerimônia! A verdadeira!
— E como faremos isso? Nós a carregaremos gritando e esperneando pelas
docas?
— Aja como bem entender. O problema é seu.
— Acontece, Matt, que Penélope crê que já somos casados e não aceitará
nenhuma explicação, por mais razoável que possa parecer.
— Terá de dar um jeito!
Lucas sacudiu a cabeça diante da ingenuidade de Matthew.
— Mesmo que eu possa convencê-la, o que acho improvável, o Duque haverá de
perseguir-nos até o fim do mundo por isso. Atrás de minha cabeça, lógico.
— Se a mandarmos desonrada para casa, ele não fará o mesmo? Embora dando
mostras de que a despreza, há indignidades que nem mesmo o pior dos pais pode
tolerar.
Lucas batia com o punho fechado no tampo, controlando-se a custo para não pular
no pescoço de Matthew.
— Está bem, Matt. — Respirou fundo. — Mandaremos chamar a tripulação,
içaremos âncoras e levaremos Penélope conosco. Depois resolveremos o que fazer.
— Não, senhor. Primeiro terá de reparar a honra da jovem.
— Não existe reparação que eu possa fazer!
-— Essa é boa! Em toda essa história, encontrei justificativas afirmando para mim
Cheryl Holt Destino Incerto

mesmo que éramos homens de bem tentando retificar uma grave injustiça. Vejo agora
que Lucas Pendleton não é melhor que Westmoreland.
— Retire o que disse! — Lucas gritou, indiferente à platéia. Já concluíra o mesmo,
mas não admitia ser condenado por outro.
— Jamais! Essa é a mais pura verdade!
Os dois ficaram de pé, furiosos, e a mesa caiu longe, junto com as canecas de
cerveja. Lucas deu o primeiro soco, e Matthew revidou com outro.
Os fregueses não os conheciam, e por isso não tomaram partido. Os golpes se
sucediam, sem que os contendores demonstrassem senti-los, tamanha a indignação que
os movia. O suor voava, o sangue escorria e a roupa era rasgada.
O barman procurou intervir e bateu com um porrete no balcão. Sem conseguir a
atenção dos lutadores, tratou de afastar a mobília. Teria de salvar o maior número
possível de mesas.
Quanto tempo demoraria para que a raiva deles se esgotasse?, Lucas perguntou-
se, em meio ao caos. Matar-se-iam antes?
Matthew cambaleou, e Lucas investiu para aproveitar os segundos de fraqueza.
Mas uma criatura pequena pulou em suas costas e segurou-o pelo pescoço, fazendo-o
perder o fôlego.
— O que é isso?! — Lucas murmurou, arfante, tentando livrar-se do aperto,
enquanto os espectadores riam. Deu uma volta rápida, e Paulie deslizou até o chão.
— Os capangas do Duque estão lá fora. Alguém o denunciou — informou.
Lucas hesitou, tentando compreender o que o garoto dizia, embora não pudesse
vê-lo por causa do olho inchado e do ferimento na testa, que sangrava.
— Quantos são?
— Uns seis.
— Armados?
— Sim.
— Há algum outro meio de sair daqui? — Lucas falou com o dono da taverna.
O camarada não se dignou a responder até Lucas tirar do bolso um saquinho cheio
de moedas e jogá-lo nas mãos dele. Então, o homem indicou os fundos com um gesto
de cabeça.
— Pode ajudar-me a escapar pelas vielas, Paulie?
— Posso, mas tem de ser já!
Lucas olhou ao redor e improvisou uma desculpa.
— Cavalheiros, é a lei. E terei de dizer adeus a meu pescoço, se me pegarem.
Agradecerei qualquer ajuda que puderem me prestar.
Alguns dos mais espertos apressaram-se em retornar mesas e cadeiras para o
lugar, e sentaram-se, aparentando descontração.
— Não imagine que já resolvemos o caso, Luc.
— Não mesmo, Matt.
— Vá embora! — Limpou o sangue do rosto e apontou a saída que o barman
sugerira. — Antes de que seja tarde demais.
Lucas anuiu, e Paulie puxou-o pela mão através da porta que a garçonete abrira.
— Boa sorte — a moça desejou-lhes.
Cheryl Holt Destino Incerto

Lucas e Paulie correram pelo beco. Estavam a dois quarteirões dali, quando os
homens de Purdy invadiram a taverna.
Não encontraram nenhum sinal de Lucas, de luta, nem do homem com quem
Pendleton estivera conversando. No lugar em que Lucas fora visto, havia dois fregueses
bebendo. Nenhum deles lembrava em nada o procurado.
Os semblantes sombrios e os silêncios pétreos diante das indagações de praxe
convenceram os perseguidores de que ou Pendleton escapara ou nunca estivera ali.
Em desvantagem pelo grande número de mal-encarados presentes no salão, os
asseclas de Westmoreland saíram tão depressa quanto entraram. Não tiveram tempo de
ver Matthew escondido atrás do balcão, pressionando uma toalha úmida nos ferimentos.
Nem pernas de cadeiras e mesas quebradas, empurradas contra a paredes e
disfarçadas pelos pés e calças dos fregueses.
Os capangas do Duque procuraram inutilmente pela vizinhança.
Lucas e Paulie escapavam pelo labirinto de becos e vielas estreitas. Lucas sentia
a energia abandoná-lo. Tinha algumas costelas partidas e o pulso torcido. O sangue
continuava a escorrer, manchando a camisa e a calça. Nem mesmo a insistência de
Paulie conseguia fazê-lo prosseguir com maior rapidez.
O menino olhava a todo instante para trás, com medo de que estivessem sendo
seguindo. Com esforço, conduziu Lucas até uma construção abandonada e sentou-o no
chão imundo, atrás de uma porta. Tirou a pistola da bota de Lucas, pôs a arma na mão
do amigo e posicionou-lhe os dedos no gatilho. Saiu correndo e evitou pensar que Lucas
poderia ser descoberto antes de seu retorno.
Meia hora depois, Paulie suspirou, aliviado. Encontrou o capitão no mesmo lugar
onde o deixara, encostado na parede.
O cano da arma apareceu assim que Paulie entrou, o que o fez supor que os
reflexos de Lucas não estavam tão apagados quanto o dono.
— Paulie?
— Sim, senhor.
— Achou o que precisava?
— Achei. — Paulie adiantou-se, depois de espiar de novo a retaguarda.
Do outro lado, apenas um bando de meninos que não lhes davam atenção. Deixou
sobre o assoalho estragado os itens roubados e ficou mais contente ao ver o esboço de
sorriso de Lucas, que teve de conter-se, quando o lábio recomeçou a sangrar.
— Uma coleção de objetos de valor inestimável, meu rapaz.
— Sou um camarada muito prestativo.
— Estou começando a perceber.
— O senhor terá de cooperar — Paulie advertiu-o, orgulhoso pelo elogio.
Lucas inclinou-se para a frente, e Paulie ajudou-o a tirar a camisa rasgada pela
cabeça. A região das costelas apresentava-se inchada e com grandes hematomas. A
pele dilacerada sangrava em numerosos pontos.
Paulie baixou os olhos para que Lucas não lhe visse as lágrimas de compaixão e o
chamasse de bebê. A camisa apanhada de um varal ficou um pouco apertada nele, mas
serviu ao propósito. Paulie abotoou-a depressa, para não ver os ferimentos.
— O senhor é um louco.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Não é a primeira vez que me dizem isso. — Lucas mexeu-se e gemeu por causa
da dor intensa. — Eu não lembrava de que meu irmão era tão forte.
Paulie não respondeu, concentrado em sua tarefa. Segurou um pano na testa
lacerada e limpou os ferimentos das mãos de Lucas. Depois de estancar o sangramento,
cobriu a cabeça dele com o chapéu surrupiado e puxou a aba. O rosto e os machucados
ficaram ocultos.
— Por que estavam brigando?
— Por causa de uma mulher, Paulie. Nunca cometa tal absurdo.
O menino concordou com a advertência, a não ser que a mulher em questão fosse
a srta. Penélope. E pelo que ouvira, desconfiava que ela tinha sido mesmo o motivo da
briga. Embora a princesa estivesse na casa com Lucas, Paulie não compreendia todas
as circunstâncias do fato.
— Não farei isso.
— Tenho de sair da cidade, Paulie, e para isso, preciso de meu cavalo.
— Sei onde o senhor o deixou.
Nos últimos dias, Paulie seguira seu ídolo por toda parte, como uma sombra, e
descobriu a localização da estrebaria de aluguel. Lucas fitou o menino com o cenho
franzido, mas não o recriminou.
— Sendo assim, vamos caminhar, meu pequeno campeão. — Lucas cambaleou
para ficar em pé e gemeu ao respirar.
Logo, chegaram à cavalariça. Paulie auxiliou Lucas a montar e, sem pedir licença,
subiu atrás. Alguém teria de proteger-lhe as costas e sustentá-lo, para o caso de ele não
agüentar cavalgar até o destino.
O trajeto foi lento e doloroso para Lucas. De vez em quando, Paulie quebrava a
quietude para assegurar-se de que o capitão estava acordado.
Chegaram à casa de campo ao anoitecer. Tudo estava quieto. Lucas deteve o
cavalo na frente do alpendre. Paulie desceu primeiro e ajudou-o a apear.
— Tudo bem com o senhor? — Paulie preocupava-se.
— Tudo. — Lucas andou com passos incertos até a entrada. — E melhor dar o fora,
meu amiguinho. Se Penélope o vir...
— Sei o que devo fazer, senhor. Ela jamais me verá.
— Gosto de sua agilidade mental, Paulie. — Lucas deu um sorriso e Paulie retribuiu.
— Pode dormir no celeiro. Amanhã cedo daremos um jeito de mandá-lo para a cidade.
— Não se preocupe comigo. Sei voltar sozinho.
— Assim mesmo terá de esperar por mim, entendeu?
— Sim, meu capitão.
Lucas bateu-lhe no ombro.
— Fez um belo trabalho, meu rapaz. Estou orgulhoso de meu amigo.
Para disfarçar o nó na garganta, Paulie bateu com a aldrava na porta. Ao ouvir
passos, piscou para Lucas, eclipsou-se nas sombras e parou a um canto do celeiro para
observar a cena que se desenrolaria.
Penélope abriu a porta, e a luz da sala fez com que parecesse um anjo dourado
parado à soleira.
— Lucas? — Ela prendeu a respiração ao ver o estado do marido.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Olá, minha linda Penélope. Acredito que devo estar horrível.


— Lucas! Onde esteve? Colette! — Penélope gritava, dividida entre o espanto, o
medo e a repreensão. — Meteu-se em uma briga?
— Sim, minha querida. Será que poderá perdoar-me?
— Está cheirando a cerveja. — Penélope abanou o nariz com a mão. — Eu não
sabia que era um beberrão, Sr. Pendleton!
— Em geral não sou.
— Que vergonha! Beber e brigar! — Penélope censurou-o, antes de beijá-lo no
rosto. — Meu Deus! Está parecido com um pugilista que vi uma vez na feira!
— Ele venceu a luta?
— Não, perdeu. E nem estava nesse estado deplorável. Colette! Entre logo, Lucas.
A criada abraçou-o pela cintura e o ajudou a entrar, fechando a porta em seguida.
Paulie continuou a observação por um bom tempo. A lâmpada acesa na cozinha o
fez imaginar o recinto aquecido, o murmúrio suave das vozes das mulheres e os ruídos
de objetos sendo reunidos para os curativos. Ousou aproximar-se e espiou pela janela.
Lucas estava dentro de uma banheira com água. Penélope limpava-lhe os
ferimentos do rosto e das mãos inchadas. Mais tarde uma vela foi acesa em um dos
quartos superiores. A silhueta de Penélope apareceu através da cortina, antes de a
chama ser extinta e a residência mergulhar no silêncio.
Paulie levou o cavalo de Lucas ao celeiro, tirou-lhe os arreios e espalhou feno.
Pensou em dormir, mas o estômago roncava. Foi até a casa, entrou por uma janela e,
na cozinha, achou pão e queijo. Retornou ao galpão, onde saboreou a refeição. Levou
várias mantas de sela ao mezanino e arrumou uma cama confortável. Aconchegou-se
no calor da forragem cheirosa.
Apesar de exausto, demorou para adormecer. Pensava em Lucas, na srta.
Penélope e em Harry. Os três dormiam dentro da casa. Fingiu ser um deles e acabou
por pegar no sono.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XV

Penélope perambulava pelo regato, apreciando a tranqüilidade da região. Apesar


de seus protestos, Lucas voltara para a cidade. Harry, Colette e as duas empregadas
tinham ido à aldeia. Penélope não os acompanhou, com vontade de ficar um pouco
sozinha.
Depois do que houvera na noite anterior, Lucas admitira que não ficariam ali por
muito tempo, e Penélope necessitava de uma oportunidade para refletir. Embora
consciente de que a casa não seria uma moradia permanente, acabara por afeiçoar-se
à propriedade.
Naquele lugar se tornara esposa e mulher. Naquela residência apaixonara-se pelo
marido, aprendera a cozinhar e a cuidar da família. Se Deus permitisse, talvez estivesse
grávida.
Sorriu ao pensar em Lucas. Que belo marido ele se revelara! Era o oposto dos
cavalheiros engomados e sisudos que sempre conhecera. Adorava a excitação que
Lucas trouxera a sua existência monótona. Sempre ficava à espera de alguma
extravagância.
Lucas bebera, brigara e voltara para o lar envolvido em diabruras e malícia,
contando bazófias e fazendo alarde de si mesmo. Com discrição, Penélope o fez
entender que não acreditava em uma só palavra daquelas invencionices.
Cuidar de Lucas era maravilhoso, e Penélope sentiu-se útil. Foi gratificante
descobrir que, ferido e sofredor, o marido viera a sua procura. Não queria imaginar Lucas
a ocultar-lhe as particularidades do encontro nefando que tivera. Tinha certeza de que
ele acabaria confessando a verdade. Recusava-se a atormentá-lo com dúvidas no
começo da terceira semana de casados. Ele viera para casa, e era isso o que importava.
Por enquanto.
Disfarçou a decepção, lavando os cortes e beijando os ferimentos. E sua
recompensa foi ser admitida na cama dele, sem os resmungos costumeiros. Por causa
das dores nas costelas e nas mãos, o amor deles foi mais gentil e vagaroso, sem os
arroubos das ocasiões anteriores.
Lucas demonstrou uma ternura tocante, o que a fez supor que começava a amá-la.
Mesmo achando que o otimismo era exagerado, Penélope não duvidava de que ele a
desejasse com ardor. Corou ao lembrar-se das peripécias que haviam cometido.
O marido despertara nela um lado simples que até então desconhecia. Passara a
gostar do escuro e dos prazeres de que desfrutavam à noite. Contava as horas que
faltavam para ficar a sós com Lucas.
E imaginar que haviam se conhecido nos jardins de seu pai!
— Tinha de ser — Penélope disse para si mesma.
Ela e Lucas formavam um par perfeito. Considerava-se muito feliz ao lado do
marido, e por isso concluía que o destino fora o responsável pelo encontro deles.
Por entre as árvores, podia ver-se o imóvel. As flores das jardineiras
desabrochavam. Tulipas, segundo a cozinheira. Penélope aprendeu muitas coisas com
a experiência daquela camponesa. Durante toda a vida rodeada de criados, não
Cheryl Holt Destino Incerto

imaginara que viria a interessar-se por coisas tão singelas como o crescimento das
flores. Não lhe haviam ensinado a costurar, a cozinhar, a fazer compras para abastecer
o lar, a barganhar por mercadorias e serviços. Sentia-se inútil, uma mulher adulta sem
condições de enfrentar o mundo.
Bem, haveria tempo para aperfeiçoar suas habilidades. Dedicava-se com afinco ao
papel de esposa. Era uma aluna aplicada, cheia de determinação e não conhecia a
preguiça. Lucas iria se orgulhar dela quando chegassem à Virgínia.
Consultou o relógio. Lucas fora para Londres, apesar de todos os argumentos que
empregou para dissuadi-lo do intento. Embora acordasse cheio de dores e mal
humorado, insistiu na viagem, alegando negócios urgentes, e, antes do beijo de
despedida, prometeu se manter longe de encrencas.
Do que ela duvidava.
Lucas era dono de muitos segredos e estava sempre pronto a fazer pouco das
dificuldades. Por isso, só restava a Penélope esperar e imaginar qual seria o estado dele
quando retornasse.
Resolveu ocupar a mente e as mãos e deixar as aflições de lado. Caminhou de
volta a casa, onde a massa de pão já deveria estar crescida. Quanta satisfação sentiria
quando um dos pães fosse servido no jantar!
Quem haveria de crer que lady Penélope Westmoreland, exigente, mimada e
vestida de acordo com a última moda parisiense, viria a gostar de assar pães? Ou que
suas mãos ineficientes haveriam de adaptar-se tão depressa à rotina?
Encantou-se desde a primeira vez em que viu a cozinheira sovar a massa. Adorara
sentir o cheiro de fermento que flutuava por todo lado, e demonstrou uma habilidade
inimaginável na panificação caseira.
Alcançou a porta dos fundos e levou um susto ao vê-la entreaberta. Em questão de
segundos, um garoto de cabelos escuros saiu correndo, com algumas coisas escondidas
sob o casaco curto.
O malandrinho os estava roubando! Magro e miúdo, talvez até passasse fome.
Penélope manteve-se imóvel. O menino fechou a porta devagar, supondo que
conseguira escapar.
— Pare aí, meu bom rapaz.
— Oh, não... — O larápio hesitou por um instante. Depois, empreendeu uma
carreira e deixou cair os itens furtados.
Penélope percebeu que se tratava de comida, antes de correr, agarrá-lo e trazê-lo
de volta.
— Eu o conheço! — Penélope admirou-se.
— Sim, senhora.
— Paulie... Seu nome é Paulie.
— Sim, senhora.
— Nós nos encontramos em Londres, na rua.
— É...
Penélope estreitou os olhos, procurando entender.
— O que faze aqui, no campo? Paulie passou a língua nos lábios.
— Não posso dizer, Sra. Penélope.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Isso não é resposta. Depois de assaltar minha casa e roubar minha comida,
recusa-se a dizer por que veio aqui? — Penélope fitou-o com a mesma severidade do
pai. — Por favor, meu jovem, tente algo melhor.
— Não é que eu não possa dizer. Bem... acho que não devo contar.
— Ah, entendi... Pelo jeito, deve estar faminto. Vamos entrar. Prepararei uma
refeição decente. Talvez se sinta mais à vontade para falar.
Ela o segurou pelo casaco, com receio de que Paulie escapasse na primeira
oportunidade. Abriu a porta com a mão livre, mas ele não saiu do lugar.
— Não sei se eu gostaria... Penélope inclinou-se e encarou-o.
— Isso não é um pedido, Paulie. Agora, vamos!
O garoto era leve como uma pluma. Penélope levantou-o, carregou-o para dentro
e o sentou em uma cadeira em um canto atrás da mesa. Seria difícil fugir dali. Havia
móveis e objetos atrapalhando o trajeto até a porta. Atenta a qualquer possibilidade de
evasão, Penélope serviu-lhe um prato de sopa quente e algumas fatias de pão com
manteiga.
Acomodou-se ao lado de Paulie, com semblante severo.
— Obrigado, senhora — Paulie murmurou, de olhar fixo na comida.
— Não há por quê. — Penélope escutou o estômago dele roncar e pôs a colher em
sua mão. — Coma.
Paulie começou devagar e terminou em questão de segundos. Penélope tornou a
encher a tigela, e a sopa foi devorada num instante. Ela o contemplava calada, usando
a força do olhar para intimidá-lo. Resolveu empregar o método que vinha funcionando
muito bem com Harry.
Paulie deixou a colher dentro da tigela vazia, sem erguer o olhar. Depois de um
silêncio opressivo, empurrou a cadeira para trás e fez menção de erguer-se.
— Obrigado, senhora, mas tenho de ir embora. Penélope pôs a mão no ombro
magro e obrigou-o a sentar-se de novo.
— Nós ainda não tivemos nossa conversa.
O garoto suspirou.
— Diga-me o que está fazendo aqui e eu o deixarei ir — Penélope mentiu, disposta
a falar com Lucas antes de soltá-lo. Não suportava a idéia de mandá-lo sozinho de novo
para as ruas londrinas.
— Talvez fosse melhor a senhora perguntar ao capitão sobre mim.
— Que capitão?
— A senhora sabe.
— Não sei.
— O capitão Pendleton.
— Ah! — Se era assim que os outros o chamavam, ela também poderia fazê-lo,
quando estivesse aborrecida com sua conduta. — Então conhece meu marido, não é?
— Sim, senhora. Não sei do que se trata. O capitão saberá explicar-lhe melhor. Ele
está aqui?
— Não, foi para a cidade.
— Então... — Paulie tentou ficar em pé pela segunda vez. — ...a senhora poderá
perguntar-lhe quando...
Cheryl Holt Destino Incerto

— Sente-se!
Impaciente, Paulie não parava quieto e mexia as pernas sem cessar.
— Sabe de uma coisa, Paulie? Estou começando a achar que isso é uma grande
coincidência.
— Por que diz isso, senhora?
— Eu o encontrei em Londres, e agora aqui. Embora me pareça estranho, você
conhece meu marido. Espere um pouco. Também conhece Harry, não é? Trata-se do
amigo a quem ele se referiu.
— Pode ser. — Paulie balançava os pés para frente e para trás e coçava a perna.
Penélope sentiu-se uma tola por não ter somado dois mais dois e não ter
desconfiado que o amigo de Harry não era imaginário.
O que significava tudo aquilo?
Paulie conhecia a todos e estava familiarizado com os hábitos deles. Harry e Lucas
não desejavam que ela soubesse da existência do menino.
Por quê?
Uma voz interior e aguda começou a adverti-la de que estavam em jogo elementos
perigosos que não entendia e que seria melhor até não entender. Circunstâncias que
envolviam Lucas e ela mesma.
Colette sempre insistia que havia enigmas sob uma aparência de normalidade.
Apesar de mais calma por causa do casamento, a fiel criada continuava desconfiada,
ouvindo atrás das portas, espiando o pátio à noite e ajudando na limpeza do quarto de
Lucas para descobrir algo.
Penélope sempre fez pouco caso das suspeitas da criada, a quem atribuía a
qualidade de não confiar em ninguém. Mesmo que desse crédito ao ceticismo de Colette,
a recente felicidade não permitiu que examinasse as circunstâncias de maneira acurada.
Ou talvez ela se recusasse a ver tudo com clareza.
E as más notícias acabavam surgindo quando menos se esperava.
— Tem vindo visitar Harry com freqüência?
— Eu diria de vez em quando.
— Os encontros são na floresta?
— Sim.
— Por que não bate na porta?
— Não sei se o capitão iria gostar de minha presença.
O que estava acontecendo?
— Então por que está aqui hoje?
— Ontem à noite ajudei o capitão a vir para cá e...
— Voltou com ele ontem?
— Dormi no celeiro. Eu esperava uma condução para...
— Nesse caso, sabe o que se passou com o capitão.
— Sei.
— Conte-me. — Penélope segurou-lhe o queixo e forçou Paulie a encará-la. — O
que aconteceu?
— O capitão não lhe falou?
— Falou.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Então a senhora já sabe.


— Será que não tem nada a acrescentar?
— Não.
— Nada?
— Nada!
— Como foi que conheceu o capitão?
— Trabalho para ele.
— Em que setor?
— Sou mensageiro.
— Entrega que tipo de mensagens?
— Não sei ler, por isso... — Paulie deu de ombros.
— No dia em que colidiu comigo, prestava serviços para ele?
— Pode ser.
— Mas por que os homens de meu pai o perseguiam? — O coração de Penélope
batia em descompasso pela imagem que começava a delinear-se. — Para quem
costuma entregar as cartas?
— Quem? — Paulie começou a coçar a perna com insistência.
— Isso mesmo! Quem? — Penélope impacientou-se. — Está com a perna
machucada?
Paulie prendeu a mão embaixo da coxa.
— Não.
Ela puxou a ponta do casaco para ver se havia sangue. Nem sinal. Mas achou um
envelope enfiado no cós da calça. Arrancou-o e afastou-se depressa. Inconformado com
o desastre, Paulie largou-se na cadeira, derrotado e receoso.
O pergaminho era da melhor qualidade. "Pendleton" estava escrito do lado de fora.
— O que é isto?
— Eu teria de entregar ontem a carta ao capitão e, no tumulto, acabei esquecendo.
Por isso entrei aqui. Não vi o cavalo dele no celeiro, mas esperava que ainda estivesse
na casa para entregar-lhe a mensagem. O mestre Fogarty também me pediu para dizer
ao capitão que eles encontraram o navio. Mas a briga com o irmão foi repentina e
terrível...
— Com o irmão?
Paulie continuou, indiferente à interrupção:
— ...e eles quase foram apanhados. O capitão estava ferido e fugimos às pressas.
Nem me lembrei dos recados. Pretendia falar com o capitão pela manhã, antes de ele
voltar à cidade. Mas já havia saído, e não sei o que fazer agora. Custei muito a dormir,
preocupado com Lucas e o incidente na cidade. Na certa Lucas melhorou e eu não o
escutei partir. Estava muito cansado e dormi demais. Se o capitão não recebeu a carta,
a culpa é toda minha. Trata-se de uma coisa importante, pois Lucas esperou-a chegar
durante o dia inteiro. E hoje a missiva não chegará, porque está aqui comigo. Depois vi
tanta comida no balcão e estava faminto... Achei que não dariam por falta de pouca coisa.
Não pretendia roubar nada, porque eu jamais faria nada para aborrecê-la. Ainda mais...
— Está bem, Paulie. — Penélope voltou a sentar-se e deu uma pancadinha de
conforto no braço do garoto.
Cheryl Holt Destino Incerto

Ficou arrasada pela torrente de palavras e por Lucas ter envolvido uma criança em
suas maquinações. Paulie, muito preocupado com os acontecimentos, na certa não
entendia os percalços que envolviam os adultos. E para piorar o pobrezinho ainda se
achava culpado pelos revezes dos outros.
Imóveis, olharam o pergaminho dobrado por algum tempo. Penélope virou o
envelope e reconheceu o lacre do Duque.
— É de meu pai.
— Não abra, por favor, senhora. Por favor.
— Conhece o conteúdo?
— Não. E a senhora também não vai querer saber, não é? — Paulie segurou-lhe a
mão. — Vamos fingir que a senhora não viu nada. Irei até a cidade e entregarei o
envelope para o capitão Pendleton, como deveria ter feito ontem. Melhor ainda: vamos
queimá-la e será como se a carta nunca houvesse existido.
— Tenho de saber o que está escrito.
Penélope passou o dedo por baixo da dobra e quebrou o pedaço de cera que
mantinha o envoltório fechado. Dentro, uma folha dobrada ao meio que Penélope tirou,
desdobrou c esticou sobre a mesa. Sem dúvida, a letra era de seu pai.

Pendleton,
Repito o que lhe disse antes. Não pagarei nenhum resgate para ter Penélope de
volta. Seu retorno ou não me é indiferente. A reputação dela foi conspurcada, por ter
ficado sozinha em sua companhia. Por conseguinte, não tem mais nenhum valor para
mim. Repito: não adianta esperar nada de nós. Se quiser, pode matá-la. Não me importo.
Westmoreland.

Penélope sufocou um grito e cobriu a boca com a mão, para impedir o vômito.
— Oh, Senhor...
— O que foi, senhora? Se eles a magoaram, eu irei... eu irei...
Penélope fitou de soslaio o jovem defensor. A sinceridade de Paulie fez com que
ela especulasse sobre os riscos que o garoto assumiria em seu favor. Teve de engolir
em seco três vezes antes de conseguir falar:
— Não é nada, Paulie.
— Não acredito.
Naquele momento ouviram vozes, e Paulie esticou o pescoço fino.
— Quem é?
Ela espiou pela janela.
— Harry e nossas criadas.
Paulie deu um pulo, pronto para disparar, mas Penélope negou-lhe a intenção, com
um gesto de cabeça.
— Quero que fique.
— O capitão Pendleton não vai gostar.
— Na atual conjuntura, não me importo com o que ele goste ou deixe de gostar.
— Se a senhora tem mesmo certeza...
— Tenho.
Cheryl Holt Destino Incerto

As mulheres se aproximavam da porta dos fundos. Penélope não se sentia com


coragem de encarar nenhuma delas, sobretudo Colette. O que dizer a ela que
amortecesse o choque daquela...
"Traição!"
Fora traída pelo pai e por Lucas. Necessitava de tempo para pensar sobre o que
acabava de tomar conhecimento. Os dois empenhavam-se em um jogo incompreensível
em que ela era a bola. Pelo que pudera captar, a fuga fizera parte de um plano de
extorsão. O Duque não a queria de volta. E Lucas...
Era evidente que a afeição dele era fingida. Começava a duvidar até de que
estivessem casados.
Nem o pai, nem o marido gostavam dela.
Decerto Lucas dissera ao poderoso Westmoreland que mataria a filha, se as
exigências não fossem cumpridas.
Lucas teria coragem de fazer isso, depois de terem partilhado de tantas
intimidades? Estaria em perigo naquele instante, dentro de sua própria cozinha?
Pegou uma toalha do balcão e enxugou os olhos.
— Por favor, Paulie, não diga nada do que se passou aqui.
— Não direi.
A porta foi aberta, e Harry irrompeu o recinto, correndo, com sua carga habitual de
energia. Estacou ao ver quem estava sentado à mesa.
— Paulie? Paulie! Que bom! — Harry começou a pular em volta do outro. — Ele é
meu amigo. Eu já lhe contei sobre ele, não é, Penélope?
— Contou, Harry.
— Mas isso é ótimo, não é, Penélope?
— É, sim. — Forçou um sorriso que não alcançou os olhos. Esperava que as
mulheres não percebessem o desalento que lhe invadira a alma.
— Ele pode ficar, não pode?
— Por quanto tempo Paulie quiser, Harry. Colette? — Esperava conseguir falar com
alguma firmeza. — Este é Paulie. Ele trabalha para o Sr. Pendleton e é amigo de Harry.
— É meu melhor amigo! — Harry declarou.
— Paulie ficará conosco — Penélope disse, sem se dirigir a ninguém em particular.
— Ele pode dormir comigo?
— Claro, Harry. Mas antes precisa tomar um banho.
— Banho? — Paulie arregalou os olhos, horrorizado.
— Penélope é perita em banhos. Não se preocupe. Quando a gente se acostuma
com eles, acaba até gostando.
— Poderemos lavar as roupas dele. — Penélope suspirou, pensando em outros
assuntos. — Elas secarão durante a noite.
— E emprestar-lhe um camisão de dormir. — Colette intuía que algo estava errado.
— Obrigada. — Penélope pôs-se de pé. Cambaleando, passou pela mesa. Tinha
de sair dali, antes de sucumbir ao desespero que se tornara óbvio para qualquer pessoa
com mais de quatro anos.
— Senhora? — Paulie falou, hesitante. — Há alguma coisa...
— Falaremos amanhã. — Ela esfregou a área entre os olhos, onde uma dor de
Cheryl Holt Destino Incerto

cabeça começava a incomodar. — Não vá embora antes disso.


— Eu esperarei — o menino prometeu.
— Agora, se me derem licença, não estou me sentindo bem. Não quero ser
incomodada.
— Gostaria que eu lhe mandasse a travessa com o jantar?
— Não, Colette. Não conseguiria comer. Apenas deixem-me em paz.
Penélope subiu a escada, entrou em seu quarto e trancou a porta.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XVI

Lucas levou o cavalo até a baia, escovou-o e deixou feno à disposição do animal.
Demorou-se bem mais do que o necessário nas tarefas, embora duvidasse de que um
pouco mais de tempo o ajudaria a encontrar as respostas que vinha procurando. Já
ponderara sobre isso nas longas horas em que esteve em Londres e no trajeto de volta.
Como um plano tão simples resultou em um erro tão grande?
Harold Westmoreland cometeu um erro grave contra a família de Lucas, que
procurou retificar o mal cometido. Em um acontecimento imprevisível, a filha de Harold
conheceu Lucas e encantou-se com ele. Aproveitando aquele golpe de sorte, uma
resolução plausível foi tomada. Lucas atrairia lady Penélope e a manteria escondida em
uma casa de campo por alguns dias. Em seguida, usaria de ameaças e intimidações
para alcançar seu objetivo.
Em vez de uma solução rápida, os dias converteram-se em semanas. O Duque
recusou-se a cooperar, indiferente ao destino da filha. Lucas apaixonou-se por Penélope,
mas não ousou confessar-lhe. Penélope acreditava que eram casados, e Harry a via
como sua nova mãe, embora em breve ela fosse deixá-los para sempre. Paulie sumiu
como que por encanto. No momento, Matthew, decidido a voltar com ou sem Lucas,
ajudava Fogarty a preparar o Sea Wind para a viagem à América.
Lucas sempre se julgara um homem capaz, forte e inteligente. Por que diante dos
Westmoreland, não importava o que fizesse ou o que tentasse fazer, sempre acabava
por desempenhar o papel de tolo?
Suspirou e foi até a porta do celeiro olhar para a casa quieta e escura. Seria aquela
uma tranqüilidade anormal?
Colette deveria estar escondida nas sombras, pronta para atacá-lo. Penélope na
certa o esperava na cama, desejosa, nua e quente, e ele não resistiria a seus encantos.
Embora consciente de que não deveria entrar, não tinha disposição para obedecer
à advertência mental. Em se tratando de Penélope, não havia alternativa. Desejava-a
durante as vinte e quatro horas do dia. Não podia conceber uma noite em que não a
abraçasse.
Jamais experimentara conexão semelhante, nem mesmo achava que fosse
possível tal afinidade com uma mulher. Sempre supusera que tais fatos fossem absurdos
alardeados a sonhadores românticos e poetas. Porém a ligação entre ambos era real e
avassaladora.
Nem poderia ser diferente.
Em um período muito curto, Penélope se transformou em outra pessoa, cujo
objetivo era agradar o marido de todas as maneiras. Abandonou o luxo em que foi criada
e adaptou-se a circunstâncias bem mais simples, com a idéia de tornar Lucas feliz.
Encarregava-se com alegria e boa vontade de tarefas que desconhecia. Devotava-se de
corpo e alma ao conforto do marido.
Combinado a tudo isso, havia o ardor e o fato de Penélope ser possuidora de uma
beleza incomum. Mesmo sem ter experimentado as características da união entre
homens e mulheres, Penélope abraçou com vontade os aspectos físicos do
Cheryl Holt Destino Incerto

relacionamento deles. Aprendia rápido e procurava descobrir do que Lucas mais


gostava.
Com Harry, Penélope se superou. Assumiu sem esforço o papel de amiga e
companheira, uma influência feminina carinhosa que Harry nunca teve. Ela os
considerava "meus homens" e cuidava deles com a ferocidade de um guardião. Harry e
Lucas apegaram-se muito a Penélope. Lucas nem mesmo tinha idéia de como fariam
para sobreviver sem tê-la ao lado.
Dependendo do ponto de vista, era o mais feliz ou o mais infeliz dos homens.
Sem saber que atitude tomar, sentia-se ainda mais desventurado que antes.
Onde se metera Paulie? Pela manhã, Lucas o procurou por todos os cantos da
pequena propriedade e concluiu que o garoto deveria ter voltado sozinho para a cidade.
Mas não o localizou em Londres. Ninguém o viu ou teve notícias de seu paradeiro.
Sentia-se um egoísta por ter explorado o menino e deixado que se expusesse ao
perigo. Atraíra-o com dinheiro e camaradagem. Se algo acontecesse a Paulie, a culpa
seria de Lucas Pendleton e de mais ninguém.
Aquele seria mais um dos pecados a acrescentar à longa lista dos que vinha
acumulando desde que chegou à Inglaterra. Deveria passar o resto de seus dias de
joelhos na igreja, pedindo perdão a Deus. Por certo não encontraria horas suficientes
para confessar todos os erros cometidos contra pessoas que lhe eram muito caras.
O próprio irmão se recusava a ajudá-lo dali para a frente. Matthew insistiu para
casá-lo com Penélope no navio. Lucas não aceitou. Matthew pediu-lhe que devolvesse
Penélope ao pai. Lucas negou, alegando que mandaram uma mensagem avisando que
pretendiam matar a filha, e o miserável não deu resposta.
Segundo Matthew, o desaparecimento de Paulie foi a gota d'água que fez
transbordar o copo. Afirmou que retornaria para a Virgínia, com ou sem Lucas, levando
Harry. Acusou Lucas de pretender esquadrinhar a Inglaterra em busca de uma vingança
mesquinha e de retribuições inúteis, só para tentar salvar o próprio orgulho ferido.
Conclusão: Harry e Matthew, a família que Lucas adorava acima de tudo, iriam
deixá-lo.
Com o coração pesado e o moral no fundo do poço, rumou para a casa e, como
não poderia deixar de ser, foi interceptado por Colette.
— Chegou, mon ami!
— Oh, não...
Por que ela sempre aparecia nos piores momentos?
— Enfim resolveu voltar.
— O que foi agora, Colette?
— Está pensando que vai para a cama de milady, não é?
— Já lhe disse antes que meus momentos íntimos com lady Penélope não são de
sua conta.
Colette não se deu por achada.
— Bem, sinto muito dizer-lhe que ela não quer vê-lo hoje, e talvez nunca mais.
O olhar cruel dela era odioso. Não era à toa que o silêncio não lhe parecera natural.
— Está delirando?
— Seu amigo Paulie é um menino tão doce...
Cheryl Holt Destino Incerto

— Paulie?!
— Um pouco... como dizer... sem verniz, mas...
— Paulie está aqui?!
Lucas pretendeu entrar correndo, mas Colette agarrou-o pelo braço com força
surpreendente.
— Os meninos estão dormindo. Paulie ficou muito orgulhoso de ter vestido uma
das camisas do capitão como traje de dormir. Acredita que o capitão Pendleton é um
grande homem. — Cuspiu no chão. — Eu me pergunto: o que o garoto sabe a respeito
do amado capitão que destruiu o coração de minha senhora? Por que será que esse
americano caiu como um raio sobre nossas cabeças?
— Penélope está acordada?
Colette fez comentários em francês que deram a impressão de que amaldiçoava
para a eternidade todos os Pendleton vivos, mortos e os que estavam por nascer.
— Eu o avisei, mon capitaine!
Lucas percebeu um brilho no escuro. Colette portava uma faca que lhe pareceu
familiar. Tentou arrancá-la das mãos dela, antes que a tresloucada ferisse um deles. A
francesa foi mais rápida e recuou, apontando a lâmina para o baixo-ventre de Lucas.
— Tenha certeza de que descobrirei o que o senhor fez, e quando determinar a
profundeza de sua má-fé, eu lhe arrancarei as tripas para dar aos abutres!
Ela era mesmo louca.
Lucas passou por Colette e entrou. Pisando com cuidado, foi até a cozinha.
Sentada à mesa e encostada na parede, Penélope, ainda vestida, podia vigiar as
duas portas. No recinto escuro, os raios de luar iluminavam-lhe os cabelos, deixando-os
quase brancos. A aparência era etérea, fantasmagórica. Gelada.
O móvel entre eles assumiu um tamanho descomunal. De lado na cadeira, ela
olhava, sem ver, o quintal pela vidraça. Na certa vira-o chegar, demorar-se na entrada
do celeiro, dirigir-se até ali e ser detido por Colette.
— Penélope? O que faz de pé a esta hora?
Ela não respondeu, nem se virou. Era como se não o ouvisse.
— Vou acender uma lamparina.
A pouca luminosidade clareou o ambiente sombrio, mas foi insuficiente para
aquecer o pavor que congelava o coração de Lucas.
Penélope continuava a olhar para fora, dedilhando a barra da cortina de renda.
Lucas gostaria de implorar que ela falasse, embora não quisesse ouvir uma só palavra
do que teria para dizer.
— Estava pensando em Adam St. Clair.
— Quem é Adam?
— Meu primeiro noivo. — Penélope suspirou, perdida nas memórias. — Desde
menina, fui informada por meu pai que teria de casar-me com Adam. Quando completei
dezessete anos, ficamos noivos. E em minha santa ingenuidade, acreditei que ele
estivesse apaixonado por mim.
— Por que diz isso? A realidade é muito difícil de ser compreendida por uma jovem.
Não deve culpar-se pelo que aconteceu.
— Lembra-se de eu ter lhe contado que Adam resolveu casar-se com outra?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Sim.
— Era uma mulher a quem ele amava, e não se tratava de mim, é óbvio.
Lucas esperava ter resistência para suportar a dor que lhe causariam as palavras
que Penélope diria sobre o assunto deles.
— Garanto-lhe que ele saiu perdendo, Penélope.
— Nunca lhe revelei que Adam se casou com minha meio-irmã, filha de um antigo
relacionamento de meu pai.
Penélope abanou os dedos, em uma implicação de que deveria haver muitos outros
filhos ilegítimos espalhados pelo país.
Quantos irmãos Harry teria?, Lucas perguntava-se. Quantos já teriam feito
Penélope sofrer? Não era de admirar que a esposa de Harold decidira não freqüentar a
sociedade. Devia ser por receio de encontrar uma amante do marido a cada passo.
— Depois que o noivado foi desfeito, inúmeras pessoas não se cansavam de
anunciar que a outra era minha irmã. Espalhavam aos quatro ventos que meu pai e a
mãe dela tinham vivido um grande amor. Adoravam apunhalar minhas feridas. Riam,
dizendo que eu deveria ser muito desagradável, já que Adam se decidira por uma
bastarda.
—: Tenho certeza de que a preferência dele nada teve de pessoal.
— Eu os vi uma vez, no ano passado, em uma festa. A anfitriã era italiana, não
sabia o que acontecera e por isso convidou a todos. Ainda bem que os vi antes de entrar.
Estavam com a filha pequena... e pareciam muito felizes. Escondida atrás dos outros
convidados, ousei espiar e comprovei como Adam os amava. O engraçado é que fiquei
contente por ele, e admirei a coragem que teve ao romper nosso compromisso. O que
me ajudou a entender que de fato gostava dela.
— Digo-lhe que...
— Refleti que eu deveria sentir-me satisfeita por ter escapado de um casamento
sem amor, como o de meus pais, e de ter a chance de descobrir a alegria com outro.
Meu maior desejo era encontrar alguém que me amasse como Adam amava minha irmã.
— Foi quando Penélope se virou para a ele. — Lucas, existe amor em seu coração por
mim?
Ele nunca admitira aquele sentimento. Àquela altura, de que adiantaria Penélope
saber disso? Não mudaria nada.
— Então?
Lucas estremeceu, procurando ousadia para a confissão.
— Sim, Penélope, eu te amo.
— Muito conveniente! — ela zombou, amarga. — Está armado?
— O quê?
— Carrega uma arma?
— Sim, tenho uma comigo.
Atônito, viu-a tirar a mão de baixo da mesa. Penélope segurava uma pistola
pequena e apontava, como Colette fizera, para sua virilha.
Teria de passar o resto da noite sendo atacado por mulheres iradas?
— Onde conseguiu isso? — Lucas notou o dedo firme no gatilho e precisou conter
o ímpeto de pular por cima da mesa e arrancar-lhe a arma da mão.
Cheryl Holt Destino Incerto

— É surpreendente o número de utilidades que estão escondidos aqui. Acha que


não sei usar isto, Lucas Pendleton?
Apesar da tensão, Penélope segurava a pistola de maneira correta.
— Não duvido que saiba.
— Meu irmão ensinou-me a atirar. — Penélope indicou o tampo. — Eu agradeceria
se deixasse sua arma aí em cima. Com cuidado.
— O que está havendo? Primeiro, Colette ameaçou-me com uma faca. Agora isso!
— Faça o que eu disse — Penélope ordenou, ríspida. Lucas não acreditava que
ela atirasse de propósito, mas acidentes aconteciam.
— Tenho de pegá-la nas costas.
— Faça-o bem devagar. Lucas a obedeceu.
— Não tem mais nenhuma? No bolso ou talvez na manga?
— Nada — ele mentiu. Não pretendia revelar-lhe o esconderijo na bota.
Penélope afastou as duas armas para o lado, mas manteve a dela próxima da mão.
Pelo menos não apontava mais nada para ele.
— Posso me sentar?
Penélope anuiu, e Lucas afastou uma cadeira.
— Mantenha as mãos onde eu possa vê-las.
— Pelo amor de Deus, Penélope! O que houve?
Ela tirou um envelope do bolso do avental e jogou-o para ele.
— Acredito que a carta lhe foi destinada.
Lucas arregalou os olhos. Na certa tratava-se da resposta de Westmoreland do dia
anterior. Não conseguiu entender como Penélope a conseguiu. E, pela adversária
perigosa e rude que enfrentava, o conteúdo da mensagem deveria ser terrível.
O envelope no meio da mesa começou a girar em círculos desconexos. Lucas deu-
se conta de que ficava tonto. Não podia se mover, nem para pegar o pedaço de
pergaminho. Conhecia Westmoreland, seu estilo e suas opiniões sobre a filha. As
palavras do Duque deviam ser brutais. Chocantes.
— Leia!
A inflexão desvairada deu a Lucas a coragem de que precisava. Puxou para fora a
folha de pergaminho e percorreu o texto com a vista. Mesmo esperando algo semelhante,
ler aquela barbaridade era algo repulsivo.
O que Penélope deveria ter pensado?!
"Se quiser, pode matá-la. Não me importo."
Sentimentos implacáveis de um homem impiedoso. Lucas não se surpreendeu com
a nova prova de crueldade. Lamentou apenas que Penélope houvesse feito uma
descoberta tão arrasadora, apesar de suspeitar que o pai fosse um maquinador frio e
inclemente.
Lucas gostaria de encontrar as palavras certas para explicar-lhe por que não a
mandara de volta para casa.
— Vou lhe dar uma única oportunidade para esclarecer o que ocorre. Sugiro,
portanto, que use seu tempo com inteligência. Eu o conheço muito bem, Lucas
Pendleton, e sei que planejou no mínimo meia dúzia de histórias com o fito de acalmar-
me. Torno a adverti-lo: minha paciência está no fim. Não o ouvirei uma segunda vez.
Cheryl Holt Destino Incerto

Será melhor usar essa chance para justificar seus atos, antes que eu o deixe para
sempre. Se resolver mentir, o problema será só seu.
Lucas apavorou-se com idéia de Penélope partir. Tinha de alterar isso.
— Não é o que está pensando.
— Sobre o quê? Meu rapto? A extorsão que está fazendo contra meu pai? Ou o
fato de ele não querer pagar para ter-me de volta? Ou ainda que é mentira que você
pretendia matar-me?
— Eu jamais a faria sofrer, Penélope.
— Tarde demais! Já fez! — Penélope arfava de ódio. — Quer dizer que tudo isso é
verdade?
— É.
— Disse a meu pai que iria me matar?
— Sim, mas jamais faria isso.
— Que sorte a minha! Era tudo o que eu precisava saber. Boa noite, Lucas.
Lucas a agarrou pelo braço. Mesmo sem fazer esforço para soltar-se, os olhos dela
faiscaram. Ele não a soltou, entretanto. Era impensável deixá-la partir.
— Você falou que me ouviria.
— É, mas acho que não valerá a pena escutar o que tem para me dizer.
— Não quer saber de tudo? Juro que não omitirei nenhum detalhe.
— Agora? E eu deverei dar crédito a qualquer história maluca que resolva inventar?
Que descaramento! Na certa deve imaginar que sou a criatura mais estúpida que Deus
pôs na face da terra!
Por sorte, Penélope não tornou a pegar a arma. Ou Lucas Pendleton seria um
homem morto.
— Desde o começo, eu queria contar tudo, mas não sabia como.
— Nós somos casados?
— Não.
A resposta abrupta fez Penélope cambalear, e Lucas teve de sentá-la em uma
cadeira.
— Mas quero que nos casemos.
— Por favor, cale-se!
— Nada disso. Nosso casamento é o que mais desejo neste mundo. Eu queria
reparar a confusão em que a deixei, mas como confessar que...
— ...a cerimônia foi um farsa? — Penélope terminou a frase por ele.
— Foi.
— Por acaso não tem sentimentos?! — Lágrimas deslizavam pelas faces dela. —
Será que nunca teve um minuto sequer de ternura por mim?
— Sempre tive, e muita, Penélope. Nosso relacionamento foi especial desde o
começo. Sabe disso tanto quanto eu.
— Tem razão. Para mim foi. Para você tratou-se apenas de baixar a calça. Não
posso suportar que, depois de afastar-me de meu lar e de minha família, de ter feito tudo
o que fez, ainda tenha a petulância de dizer que me ama.
— Não imaginei que a situação fosse chegar a este ponto.
— Pare! — Penélope tapou as orelhas. — Pare! Não tolero seus álibis e suas
Cheryl Holt Destino Incerto

justificativas de qualidade inferior!


— Por favor, quero que entenda todas as circunstâncias.
— Quem representou o papel de reverendo?
— Matt, meu irmão.
— Ah, sim, seu sparing. Deus, como sou idiota!
— Não diga isso! — Lucas acariciou-lhe as costas, mas ela se esquivou. — A culpa
foi minha, só minha.
Lucas não podia vê-la chorar ou sofrer. Tentou abraçá-la, mas Penélope se afastou
e interpôs uma cadeira entre eles. Como barreira. Como proteção.
— Admiro sua audácia de tentar confortar-me! — Estremeceu, repugnada.
Seria aquele o fim? Penélope iria embora carregando ódio contra ele? Lucas disse
a si mesmo que não deixaria isso ocorrer.
— Tudo começou com uma discussão entre seu pai e mim.
— O que meu pai teria feito contra você que o levou a cometer tantas maldades
contra a filha dele?
Lucas fez um sinal para que Penélope tornasse a sentar-se. Relutante, ela se
acomodou.
— Lembra-se daquela noite em que falamos sobre Harry e a mãe dele?
— Sim, você me falou que havia descoberto quem era o pai da criança. Que era
inglês e que estava tentando...
— ...imaginar como resolver a situação. Bem, depois de ter decidido o que poderia
ser feito, não pude entrar em acordo com o canalha. — Lucas hesitou, certo de que
Penélope desconfiava da verdade. — Foi seu pai quem seduziu Caroline, quando ela
veio para a Inglaterra. Alguns meses mais tarde, minha irmã voltou para casa e deu à luz
Harry.
Penélope não teve nenhuma reação tipicamente feminina. Não desmaiou, não
sofreu vertigem, nem negou com veemência a culpa do pai.
Apenas esboçou um sorriso cansado.
— Então é mais um dos filhos de Harold que veio pedir abrigo. O que torna Harry
meu irmão. Por que deixou que ele e eu nos tornássemos amigos, se não nos veríamos
mais? Queria que eu me fosse apenas mãe temporária? Ou foi a suposição de eu era
tão insignificante que o menino me esqueceria de imediato?
— Nada disso. Eu estava ansioso para que o conhecesse. Tive uma esperança,
egoísta, reconheço, de que o afeto por Harry pudesse diminuir o impacto da descoberta
de meu plano e ajudá-la a entender.
— Sinto ter de informá-lo de que jamais aceitarei o que fez, apesar de Harry.
— Amo minha família, Penélope.
— Admiro sua facilidade de atirar a palavra "amor" para todos os lados, como se
isso servisse de desculpa para qualquer devastação insana que tenha levado a efeito.
Pois quer que lhe diga uma coisa, Lucas Pendleton? Duvido que saiba o significado
disso.
— Claro que sei! É o que passei a sentir depois que a conheci. Embora tenha de
admitir que lutei contra esse amor. Teria sido muito mais fácil atingir meus objetivos com
o coração livre. Eu te amo, Penélope, mais do que a mim mesmo. Nem posso imaginar
Cheryl Holt Destino Incerto

o que acontecerá comigo se tiver de viver sem a sua companhia.


— É mesmo um artista de talento. Colette sempre me alertou, dizendo que você
não passava de trapaceiro. Eu não quis acreditar, e ela estava certa. Tem uma habilidade
interessante, Lucas. Sabe usar as frases certas nos momentos adequados. Sossegue.
Não será preciso atuar mais com tanta perfeição. Estou de olhos bem abertos. Seu
palavreado não tem mais efeito sobre mim. Não há porque continuar usando esse ardil.
— Não é nenhum ardil! Não preciso do maldito dinheiro do Duque! Não quero que
ele reconheça Harry! Nem estou preocupado com nenhuma de minhas exigências.
Nada mais a enternecia. Penélope se tornara uma estranha, porém Lucas não
desistiu:
— Dentro de alguns dias rumarei para a América com Harry e Matthew. Case-se
comigo. Venha conosco. Nós a amamos. Venha fazer parte de nossa família.
Os minutos de espera pareceram uma eternidade.
— Partirei amanhã cedo — Penélope afirmou, com voz pausada.
— Para onde?
— Para a casa de meu pai. Para onde mais eu poderia ir?
— Não posso permitir isso. Ainda não entendeu quem ele é? Ou o pouco que
representa para o Duque?
— Entendi muito além do que pode imaginar. Porém prefiro passar o resto de meus
dias com pessoas que nunca esconderam o descaso. Não ficarei mais um dia em sua
presença, escutando suas mentiras. Pelo menos com meu pai sei onde piso. Não tenho
ilusões.
— Por favor, não vá embora desse jeito.
— Quer saber a parte mais irônica da história? Você fez tudo isso por dinheiro.
— Não foi só por isso!
— Ora, poupe-me, Lucas! Tudo girou em torno das moedas de ouro. Saiba que
herdarei uma fortuna e que lhe teria dado tudo com a maior alegria. Como meu marido,
teria apenas o trabalho de pedir.
Lucas teve raiva de si mesmo, de Penélope, do Duque, de Matthew, da pobre
Caroline. Do mundo inteiro. Reconheceu que era tarde para reparações. Mas teria de
tentar.
— Eu falhei! De todas as maneiras possíveis! Errei muito, fiz uma grande
embrulhada! Aceito a acusação e concordo com ela! Sou um tolo! Um asno! Um homem
desprezível! Não era isso o que queria ouvir de mim? Está feliz agora?!
— Não. — Penélope fitava-o, impassível. — Na realidade, acredito que jamais
tornarei a ver um laivo sequer de felicidade.
A porta dos fundos foi aberta e Colette entrou. Um leve erguer de sobrancelhas foi
a única demonstração de seus muitos anos de experiência, quando Penélope pegou as
duas armas carregadas de cima da mesa, entregou-lhe uma e ficou com a outra.
— Colette, dormirei em seu quarto. — Em seguida, Penélope voltou-se para Lucas.
— Não posso crer em nada do que me disse. Você sustenta que não pretendia ferir-me,
e eu tenho o direito de supor que não me contou todas as suas intenções. Por
conseguinte, protegeremos a porta com barricada. Uma de nós ficará acordada,
vigiando. Acredito que não seria uma boa idéia forçar a entrada.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Penélope... — Lucas estendeu a mão em súplica.


— Outra coisa. Em minha opinião, depois de tudo o que fez, deveria tomar conta
de Paulie. Seria bom tirá-lo das ruas e levá-lo para a Virgínia. Você lhe deve muito mais
do que isso, não é?
— Era o que eu pretendia fazer.
Ficava evidente que Penélope também não acreditava naquilo.
— E eu espero... — Penélope lutou contra as lágrimas que lhe toldavam a visão.
— ...espero...
Ela engasgou, passou correndo por Lucas e entrou no quarto de Colette. A serva
brindou-o com um olhar mortífero e seguiu sua senhora.
Lucas ficou na cozinha e escutou uma peça de mobília sendo arrastada até a porta.
Após alguns sussurros, o silêncio.
A ele só restou sair na escuridão e lutar contra a tortura em seu peito.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XVII

Penélope parou no corredor, ao lado do quarto de Harry. Ouviu-o conversar com


Paulie sobre um cavalo de Lucas que estava na fazenda deles na Virgínia.
Entusiasmado, Harry contou que era muito bonito, rápido e que vencera uma corrida em
uma feira. Acrescentou ainda que Lucas o deixara sentar-se no lombo do animal, no
desfile da vitória.
Não obstante o relato ser feito na linguagem de uma criança de quatro anos,
Penélope imaginou a beleza da zona rural americana. A pista de argila, o gramado verde
brilhante, os camarotes dos proprietários enfeitados com bandeiras vermelhas e azuis.
Na certa a competição fora levada a efeito em uma tarde quente de verão, com os
homens em traje esporte e as mulheres com vestidos floridos de festa, chapéus de palha
e sombrinhas de renda.
Fechou os olhos. Imaginou Lucas e Harry acariciando o cavalo, enquanto recebiam
congratulações de amigos e vizinhos. Divisou a si mesma de braço dado com Lucas,
orgulhosa, fazendo parte de uma família feliz. Semelhante ao que fantasiava com
freqüência, desde que o conhecera. A representação tornou-se tão vivida que foi possível
sentir o cheiro da grama recém-cortada e do suor dos animais cansados.
Aquilo era uma loucura!
Nenhum de seus sonhos poderia realizar-se. Seria inútil torturar-se. As esperanças
envolvendo Lucas e Harry foram frutos de uma mente ingênua e tola que acreditava em
romances e grandes paixões. Na realidade, nada daquilo existia. As ilusões juvenis
teriam de ser esquecidas.
A vida não passava de um tônico amargo que era necessário engolir.
Estava mais do que na hora de fazer o que teria de ser feito, por mais apavorante
que pudesse parecer-lhe. Não haveria viagem para a América, nem uma casa na
Virgínia. Um adeus encerraria aquele futuro convidativo.
Suspirou, desanimada, e tratou de descontrair a fisionomia para entrar no quarto
de Harry. Nisso, Paulie começou a falar. E pelo que o garoto dizia e perguntava, concluiu
que Paulie também tinha suas fantasias.
Ele falava em ir para a Virgínia com Harry e Lucas. Penélope esperava que pelo
menos houvesse alegria no porvir de um menino que enfrentara tanta miséria. Paulie
encontraria uma família, e Harry, um irmão mais velho.
— Olá, meninos.
Penélope entrou, sem conseguir dar um sorriso. A agonia em seu coração era
imensa e impossível de ser disfarçada. Nem mesmo por causa das duas crianças, a
quem queria tão bem.
— Ei, Penélope!
Os dois, acompanhando o abatimento dos adultos, haviam brincado no quarto sem
fazer barulho. A despeito de ignorar o que acontecera, percebiam o ambiente pesado
que acompanhava as más notícias. Penélope não viera vê-los, e passara a manhã no
aposento com Colette, iniciando os preparativos da partida.
— O que houve?—Paulie, sempre observador, adiantou-se.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Eu queria conversar um pouco com Harry, em particular.


Diante da tristeza do garoto por ser excluído, Penélope teve de corrigir-se:
— Depois será a vez de nós dois conversarmos. — Ao ver que Paulie se
tranqüilizou, Penélope anuiu um agradecimento. — Pode descer. Eu o encontrarei lá
embaixo.
O garoto hesitou e se foi. Penélope parou diante de Harry, memorizando cada traço
de sua fisionomia. Queria lembrar-se de sua aparência para sempre.
No curto período em que estiveram juntos, chegou a pensar nele como filho. Em
várias ocasiões disse a si mesma que, por causa de sua afeição crescente por Lucas,
tornava-se fácil amar aquele menininho, parente dele por consangüinidade. Descobrir
que Harry era seu meio irmão chegava a ser emocionante.
Harry recordar-se-ia dela com o passar dos anos? Em suas recordações haveria
ternura? Penélope esperava que, quando ele ficasse mais velho, Lucas não só lhe
contasse sobre o parentesco, mas também as razões por que ela tivera de deixá-los.
Penélope não gostaria que Harry pensasse mal dela, e muito menos que se
achasse o causador de sua partida. Pressupôs que Lucas trataria do tema com sutileza,
e com a idade Harry acabaria por entender a história do passado.
E como prever como seria? Depois de tudo o que descobrira sobre Lucas, o íntimo
dele transformara-se em um dos maiores mistérios do mundo.
Sem ter dormido um minuto sequer, Penélope sabia que Lucas saíra e não o ouvira
voltar. Assim que o dia clareou, pediu a Colette para verificar no celeiro. Nem sinal dele
e de seu cavalo. Essa pelo menos era uma atitude característica. Só retornaria após ela
ter ido embora. Não surgiria outra ocasião para se falarem, ela não tornaria a vê-lo e o
último cenário seria a das palavras dolorosas que resultaram na separação.
Sentiu o peito impregnado com o chumbo da melancolia. Trouxera muitas ilusões
para aquela casa, e todas tinham sido esmagadas. Em lugar do amor que nutria por
Lucas, restavam o arrependimento e a desilusão.
Nem mesmo entendia como se adaptara tão bem a uma nova vida em apenas três
semanas.
Como ir para Londres e portar-se como se nada tivesse havido? Não era mais a
jovem que aceitava sem discutir a vontade do pai. Para ser franca, depois de conhecer
Lucas não sentia mais nenhuma conexão com a própria família. A corda que unia os
Westmoreland fora rompida.
Seu destino estava ali. Sentia-se como esposa de Lucas e como mãe de Harry,
embora não fosse nenhuma das duas coisas.
O que seria de fato, e qual era seu lugar?
— O que houve, Penélope? — Harry interrompeu-lhe os devaneios tristes, ao
repetir a pergunta de Paulie.
— Posso sentar-me?
Ele bateu na cama, mas ela preferiu uma cadeira, para ficarem face a face, com os
joelhos que se tocavam e fitando-lhe os olhos azuis.
— Ouvi Colette dizer que as duas iriam para a cidade.
— Sim.
— Quanto irá demorar?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Bastante — Penélope respondeu, com a voz embargada.


— Voltará até a hora do jantar?
— Não, Harry. Sendo sincera, vim dizer-lhe adeus.
— O que significa "dizer adeus"? — Harry franziu a testa.
— Que irei para não mais voltar.
— Mas para onde vai? Seu lugar é aqui conosco!
"Eu também pensei que fosse."
— Não. Tenho meu próprio lar, minha mãe e meu pai. Eles estão sentindo minha
falta. — Engraçado como a mentira saíra com facilidade. Talvez houvesse aprendido
com Lucas.
Nem mesmo supunha qual a recepção que os familiares lhe ofereceriam. E isso
também pouco importava. Não pretendia ficar com eles. Bastariam alguns dias de abrigo,
para clarear o raciocínio e desafogar o coração ferido. Quanto estivesse mais confiante,
decidiria o que fazer.
— Não estou gostando nada disso, Penélope. Você não prometeu que seria minha
nova mãe?
Penélope não se lembrava de ter feito tal promessa, mas Harry assim interpretara
a amizade entre eles.
Deus, como Lucas fora imprudente! Trazê-la para junto de Harry, sabendo que o
final teria de ser a separação...
— Sua mãe está no céu, querido, lembra? Eu nunca poderia tomar o lugar dela.
— E quem vai cuidar de mim, se você se for?
— Seus tios e a cozinheira. Há muita gente pronta para tomar meu lugar.
—E tio Lucas? Ele precisa de você. O que será dele, se não estiver aqui?
—Lucas ficará bem. Nós dois já conversamos a respeito e decidimos que seria
melhor assim. Minha mãe ficará muito sozinha se eu for para a América.
—Não acho que essa seja uma boa idéia. —Harry parecia o Duque em miniatura,
até na maneira altiva de falar. — Gostaria de falar com a senhora sua mãe. Eu a
convenceria do contrário sem demora.
O que a Duquesa pensaria daquele menino? Uma criança adorável, filho de Harold
e Caroline, que se parecia com o pai e que agia como ele. Harry era o retrato de William
quando menino. Como a Duquesa receberia mais uma prova da contínua infidelidade do
marido?
— Ah, Harry, sentirei tanta saudade! — Penélope abraçou-o forte. — Quero que
me prometa uma coisa.
— O quê?
— Que tomará conta de Paulie. Sabia que ele não tem ninguém no mundo?
— Sim.
— Espero que lhe permita fazer parte da sua família.
— Paulie pode ser meu irmão mais velho. Já falei isso para ele.
__Fico contente, amor... — Penélope sentiu um nó na garganta e ficou em pé. —
Tenho de ir.
— Ainda não. É cedo. Estou com fome. Pelo cheiro que vem da cozinha, sei que
está na hora de jantar. Também quero mostrar-lhe uma pedra que achei no rio.
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope sacudiu a cabeça, desanimada. Harry era muito novo para entender o
conceito "para sempre", e ela não encontrou nenhum método adequado para definir uma
despedida. O garoto entenderia aquele significado com a passagem dos dias e das
semanas, sem que ela retornasse.
— Quer descer comigo?
Harry anuiu, e Penélope segurou-lhe a mãozinha.
No momento em que chegavam ao pavimento inferior, uma carroça parava na
frente da residência. Pela janela, Penélope viu a cozinheira descer. Um homem idoso
ocupava o banco, com as rédeas no colo. A cozinheira disse-lhe qualquer coisa e deu a
volta na casa. Assim que a ouviu entrar, Penélope mandou Harry pedir-lhe comida.
Paulie a aguardava, com o cenho franzido.
— A senhorita vai embora?
— Sim, Paulie, vou.
— E não voltará?
— Não.
— E para onde irá?
— Para a casa de meu pai.
Consternado, Paulie não escondeu o medo e a preocupação. Penélope comoveu-
se ao constatar o quanto o menino a estimava.
— Ah, srta. Penélope, não acho que seja uma atitude sensata!
— Por que diz isso? Ele é meu pai. Tudo dará certo.
— Conheci seu pai e tenho de admitir que não gostei muito dele. O Duque não
merece o carinho de uma pessoa tão maravilhosa quanto a senhorita.
— É muita bondade sua dizer isso, Paulie. — Penélope acariciou-lhe os cabelos.
— Tudo se ajeitará. Meu lugar é na mansão de meu pai.
— O capitão sabe que a senhorita vai embora?
— Sabe.
— E não fez caso disso?
— Não, porque não diz respeito a ele. Paulie olhou a carroça pela janela.
— Não quer que a acompanhe até a cidade? Eu poderia ajudá-la.
— Obrigada, mas não há necessidade. Eu gostaria de pedir-lhe um favor.
— O que quiser, srta. Penélope! — Paulie entusiasmou-se.
— Peço-lhe que fique aqui e tome conta de Harry. Não consegui fazê-lo entender
o que está havendo. Creio que ficará aborrecido quando descobrir que não retornarei.
— Ele é muito jovem — Paulie afirmou, do alto de sua experiência.
— E por isso precisa de você. Eu me sentirei muito melhor se ficar com ele.
— Sempre tomo conta de meninos pequenos. Daqueles que não têm ninguém que
olhe por eles. Entendo do assunto.
Penélope creditou a frase à vida miserável que Paulie tivera nas ruas londrinas.
Suspirou, aliviada. Paulie teria um lar e não iria passar a juventude faminto, cuidando de
outros órfãos.
— Isso é excelente.
— Srta. Penélope, tomarei conta de Harry. Todo o tempo. Eu juro. — Paulie pensou
um pouco. — Tem convicção do que pretende fazer?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Tenho — Penélope mentiu mais uma vez. A única certeza era que teria de partir,
enquanto lhe restassem forças para fazê-lo. — Há outra coisa de que eu gostaria de
falar-lhe. O capitão Pendleton decidiu levá-lo para a Virgínia. Ele me prometeu. Mas se
não cumprir sua palavra, lembre-o dessa promessa. Fará isso?
— É lógico! — Os olhos do menino brilharam com a perspectiva de acompanhar
seu herói.
— E também espero que peça ao capitão para que o ensine a ler e a escrever.
Depois, mande-me uma carta, contando todas as novidades.
— Farei o que me pede, srta. Penélope.
A despedida foi silenciosa e sombria. As criadas e os meninos mostravam-se
confusos e desanimados. Penélope gostaria de ir embora com abraços e beijos efusivos,
além de desejos de boa sorte para o porvir.
Mal teve energia para subir no veículo rústico. Se não fosse Colette segurá-la, teria
caído.
— Eu a protegerei, mon amie — Colette, emocionada, sentou-a no banco duro ao
lado do cocheiro.
— Merci.
Colette atirou as duas malas na parte de trás da carroça e subiu também. Penélope
agradeceu a Deus pelo fato de a criada não ter o costume de fazer perguntas indiscretas,
nem de apontar o dedo, vangloriando-se por ter razão. A moça contentou-se em
permanecer ao lado dela, como a companheira forte e resoluta que sempre fora.
O condutor sacudiu as rédeas, e os cavalos deram um impulso para a frente.
Penélope não conseguiu erguer o braço para um aceno final.
Começava a chover. Colette pegou a capa de zibelina que estava atrás e amarrou-
a no pescoço da patroa. O homem virou a carroça para a estrada, rumo a Londres.
Edward Simpson andava de um lado a outro da sala de estar do Duque. Com olhar
crítico, avaliava a mobília e os ornamentos.
Mesmo sendo dono de uma fortuna substancial, sua casa não tinha a aparência
daquele museu dedicado à ostentação. Nem mesmo sabia por que sua residência não
mostrava aquele aspecto resplandecente, embora houvesse concedido a suas três
esposas anteriores a liberdade de decorar os ambientes para receber bem os
convidados.
Supôs que fosse uma questão de estilo da Duquesa de Roswell. Esperava que lady
Penélope houvesse herdado o gosto refinado da mãe.
— Penélope, Penélope... — Edward murmurou, servindo-se de mais um dose de
conhaque.
Porém aquele assunto não era prioritário. Dentre os inúmeros planos que reservara
para milady, tornar atraente a propriedade estava no final da lista. Havia itens
merecedores de atenção muito maior.
A terceira esposa morrera fazia mais de quatro anos, e Edward se achava mais do
que ansioso para desfrutar de noites de prazer que não fossem em companhia de uma
prostituta. Detestava bordéis, mesmo os que ofereciam as mais belas garotas. Preferia
usufruir do sexo na privacidade de seu quarto com uma mulher atraente de sua própria
escolha.
Cheryl Holt Destino Incerto

Muito bem que Penélope era um tanto atrevida e trazia vários problemas consigo.
Quando Westmoreland lhe acenara com a idéia, Edward chegou a fingir desinteresse,
como se Penélope representasse um grande peso. Mas se tratava, isso sim, do tipo de
companheira que vinha procurando.
Edward tinha preferência por jovens. Se fossem belas, melhor ainda. No entanto,
um homem em sua posição não podia sair pelas ruas seduzindo adolescentes sem que
as repercussões fossem sérias. Por isso, casava-se com elas. Gostava mais das que
tinham acabado de deixar a escola, que não fossem mimadas e que apresentassem total
ingenuidade quanto às obrigações maritais.
Embora Penélope fosse um pouco mais velha que as outras, Edward mal podia
conter a ansiedade de alcançar seu objetivo: levá-la para a cama. Ela era muito bonita,
embora demonstrasse um temperamento arisco. E ele se considerava perito em domar
rebeldias, por meio de um treinamento apropriado, que ele aperfeiçoara com o passar
dos anos.
Aos trinta anos, casara-se pela primeira vez com uma moça de dezesseis. Aos
quarenta, também escolhera uma adolescente. Aos cinqüenta, decidira-se por uma de
dezessete. As três eram virgens. Tanto as famílias quanto as garotas haviam se
mostrado ansiosas pela união, em nome da influência e dos títulos que viriam com o
matrimônio.
Para sua sorte, elas o favoreceram com a morte quando a aparência começou a
fenecer, dando oportunidade para que outra donzela partilhasse de seu leito. Tinha muita
prática em fazê-las cumprir suas obrigações.
Aos sessenta e três, teria Penélope Westmoreland, a mais bela e rica de todas,
embora fosse portadora de inúmeros maus hábitos. Os piores eram retrucar, fazer
comentários falsos e insinuações rudes. Ele a ensinaria a usar a boca de maneiras bem
mais agradáveis.
Patrícia Westmoreland entrou na sala, vestida de seda azul da melhor qualidade.
Na juventude, Patrícia, loira de olhos azuis, esbanjara beleza. Tivera uma educação
primorosa e fora levada a casar-se com Harold. Os pais de ambos contrataram o enlace
quando ela ainda era criança.
Patrícia suportara com estoicismo os desatinos de Harold. Embora se tratasse mais
de um acordo que de um casamento, a tendência do Duque por amores ilícitos esgotara
a paciência ilimitada da esposa. Harold chegava a extremos para manter seus casos em
segredo, mas a Duquesa sempre encontrava quem a informasse de tudo e com detalhes
suculentos. A discórdia matrimonial resultou na separação de deveres e interesses.
Os efeitos desastrosos eram visíveis no semblante de Patrícia, apesar da pintura
facial, dos retoques nos cabelos e de outros recursos femininos. Magra demais, perdera
o viço, e sentia-se de longe o cheiro de álcool que ela exalava. Passar os dias trancada
em seus aposentos facilitava-lhe o vício.
Embora Edward bebesse bastante, jamais toleraria o mesmo em uma mulher, ainda
mais em uma de alta posição. Admirava-se de que Harold ainda não tinha tomado uma
providência.
— O que foi que ele disse, milady?
— Não pude falar com o Duque. Jensen me falou que meu marido não está em
Cheryl Holt Destino Incerto

casa.
— Jensen?
— Nosso mordomo. — A Duquesa sorriu, sem jeito.
Se Patrícia tinha de perguntar ao mordomo pelo marido, como esperar que
soubesse do paradeiro da filha?
A impaciência de Edward chegava ao fim. Havia mais de duas semanas que tentava
localizar o paradeiro de Penélope, e teve de recorrer à família dela, que se mostrara
expert em manter segredos bem guardados.
— Milady, permita-me lembrá-la de que o casamento se realizará em três dias.
— Não é necessário, Edward. Estou consciente da data do enlace de minha filha.
— Se me permite, Vossa Graça, alguém deve chamar a atenção para a rapidez
com que o prazo está se esgotando.
Edward não se arrependeu do comentário rude. Havia algo errado, e pretendia
descobrir do que se tratava.
Rumores circulavam sobre o desaparecimento de Penélope. Os mais insistentes
diziam que ela apanhara muito do pai por não querer casar-se. E por causa dos
hematomas os parentes tiveram de escondê-la até as marcas sumirem.
Edward acreditava, entretanto, que Harold recebera uma oferta melhor. Ah, mas o
Duque teria uma surpresa, se pretendesse romper o acordo! O conde estava disposto a
esperar o quanto fosse pelo reaparecimento de Penélope e casar-se com ela.
Os papéis tinham sido assinados, as escrituras, minutadas. Haviam sido tomadas
as providências para o almoço do casamento. Nada o faria mudar de idéia, portanto.
Tudo pronto. Menos a noiva.
De fato, a má vontade de Penélope não o incomodava. A noite de núpcias seria
ainda mais maravilhosa se ela relutasse em aceitá-lo.
Ouviram a porta de entrada abrir-se e, pela bajulação do porteiro, tiveram certeza
de tratar-se do Duque.
Edward precipitou-se na direção do hall, com Patrícia em seu encalço, receoso de
que Harold pudesse escapar de novo. Se o Duque fosse para o interior da mansão, só
um explosivo poderia tirar do caminho o batalhão de servos eficientes que o impediriam
de conseguir uma audiência.
— Harold! — Edward chamou-o, antes que o Duque tirasse o capote.
— Agora não, Edward. — O Duque o fitou com desinteresse e nem se dignou a
lançar um olhar de viés para a esposa.
— Agora sim, Harold!
O tom do noivo fez o Duque parar.
— Como queira, mas estou com os minutos contados. Diga logo o que tem para
dizer.
— Vim conversar com lady Penélope.
— Já lhe informei que minha filha não está aqui.
— Não sou surdo, mas acho muito estranha essa ausência. — Edward não se
intimidou com o olhar gélido de Harold.
— O que exatamente está estranhando? — Harold aproximou-se, ameaçador.
— Rumores têm circulado e...
Cheryl Holt Destino Incerto

— Edward! Agora deu para dar importância a boatos?


— Não pude deixar de ouvi-los. São desconexos e vis. Talvez se eu soubesse a
verdade...
— Que verdade?! O que está insinuando? Por acaso duvida de minha palavra? Ou
pretende contestar-me?
— Nada disso.
— Então fale de uma vez! — O Duque aproximou-se mais, pronto para o ataque.
— Estou apenas curioso, só isso.
— E a respeito do quê? Se tem algo consistente para falar, fale sem rodeios. Não
posso sujeitar-me a escutar insinuações espúrias sobre mim ou sobre minha filha.
— Por favor, Milorde — Patrícia interveio. — Seria melhor levarmos lorde Simpson
para a sala de estar, onde poderemos discutir com privacidade. — Indicou o grande nú-
mero de servos bisbilhoteiros que os rodeavam.
— Não será necessário nada disso, milady. Eu já lhes disse onde Penélope se
encontra. No campo. Ela voltará amanhã ou depois. Agora, se me permitem...
— Eu não permito nada! — A Duquesa surpreendeu a todos, sobretudo o marido.
— Quero falar-lhe na sala de estar. Agora!
Patrícia não erguera a voz, mas a entonação cortante espantou os presentes.
Virou-se e seguiu para a porta, sem olhar para trás para ver se o Duque e o conde a
seguiam. Nem precisaria. Os dois lordes jamais tinham visto um descontrole emocional
por parte da Duquesa, e o tom de comando não permitiu a alternativa da recusa.
Edward encolheu-se diante do olhar malévolo do Duque e afirmou para si mesmo
que, uma vez casado com Penélope, jamais pisaria naquele asilo de lunáticos.
Cauteloso, o conde retornou à sala luxuosa e foi direto até o cálice de conhaque
que deixara sobre a mesa. Os olhares rancorosos do Duque e da Duquesa o fizeram
desejar nunca ter perguntado onde Penélope se encontrava.
— Muito bem, Harold, onde minha filha está?
— Duvida de mim, Patrícia?
— Talvez pudéssemos discutir o assunto mais tarde... — Edward experimentava
tremendo mal-estar.
— Cale-se, Edward! — Patrícia gritou.
— Pois não, milady.
— Responda, Harold. Já! Não sairá deste recinto enquanto não me disser onde
Penélope se encontra.
— Ela foi para nossa casa de campo em Sussex.
— Posso mandar um mensageiro até lá com uma carta?
— Claro. — Harold apontou uma mesinha perto da janela. — Escreva.
— Mentiroso!
Edward tornou a lamentar ter se metido em uma contenda conjugai. Aquilo era
demais, fossem eles futuros sogros ou não.
— Milorde sempre foi um mestre em ocultar a verdade! Agora diga-me para onde
ela foi ou eu...
— Milady o quê? — Harold questionou, cínico. — Irá para seus aposentos e passará
o resto do dia bebendo? Faça isso, querida.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Que homem odioso! Se alguma coisa aconteceu a Penélope... Se fez alguma


coisa contra ela...
Naquele momento, uma grande comoção teve origem no hall. Saudações em voz
alta e correria dos servos. O mordomo bateu na porta e abriu-a, antes de ouvir a resposta.
— Sir! — Jensen dirigiu-se ao Duque, como se não houvesse ouvido os gritos do
casal, que discutia. — Lady Penélope chegou.
Edward estranhou ao ver Harold agarrar-se no espaldar da poltrona para não cair.
Não houve tempo para mais nada.
Jensen fez uma mesura e Penélope entrou, ainda vestida com a capa de peles, os
cabelos molhados da chuva e o nariz vermelho por causa do frio.
— Olá, meu pai — cumprimentou-o com um brilho malicioso nos olhos. — Surpreso
por me ver viva? Esperava que estivesse morta e enterrada?
A Duquesa desfaleceu. Um sofá a suas costas permitiu-lhe obter um efeito
dramático sem ter de cair no solo.
— Penélope querida...
— Não exagere, mamãe.
O Duque tentou aproximar-se da filha, que recuou.
— Não se aproxime, sir. No estado de espírito em que me encontro, não me
responsabilizo pelo que poderei fazer.
O Duque estendeu-lhe a mão.
— Tenho estado tão preocupado, minha filha...
— Ora, que lástima, meu pai! O Sr. Pendleton salvou-me da indignidade de ler suas
respostas anteriores à tentativa de chantagem dele...
— Chantagem?! — Patrícia e Edward gritaram em uníssono.
— ...mas eu vi a última e adorei a delicadeza da frase final: "Se quiser, pode matá-
la. Não me importo". — Penélope meneou a cabeça. — Céus, meu pai, como pôde?
— Não é o que está pensando, filha.
— Mas que engraçado, Vossa Graça! Quando descobri a trama que ambos
executavam, interroguei o Sr. Pendleton, e o início da frase dele foi idêntico a sua! Não
se importe com justificativas. Não as escutei dele, nem quero ouvir as suas!
— Quem é o Sr. Pendleton?—Simpson indagou, bastante enjoado àquela altura.
— Olá, Edward. Meu pai não lhe contou?
— Contar-me o quê?
— Estive fora com outro homem, durante três semanas — Penélope anunciou, com
aparente alegria.
— O quê?! Harold me disse que milady se encontrava no campo.
— E estava. Com Lucas Pendleton, um americano encantador e impetuoso. Tenho
de admitir, Edward, que estive com ele dia e noite.
— Oh, não... — Harold gemeu, arrasado. — Pendleton é um homem morto! Eu o
matarei com minhas próprias mãos!
— Filha, diga que isso é uma brincadeira! — Patrícia implorou.
— O que quer dizer tudo isso? — Edward estava confuso.
— Explique-se!
— Fui raptada.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Não... — Patrícia sufocou um grito. — E durante esse tempo todo...


pensávamos...
— O quê, mamãe? Meu pai não lhe contou o que estava acontecendo?
Se o olhar pudesse matar, o Duque estaria morto.
— Não!
— Vejam só, Milorde! — Penélope encarou-o com ódio.
— Qual seria sua desculpa se me encontrassem assassinada?
— Penélope, escute... Eu tinha certeza de que ele jamais a mataria.
— E como podia estar tão confiante disso?
— Meus homens seguiam pistas por toda parte. O que eu escrevia para Pendleton
era para enganá-lo. Pretendia ganhar tempo até poder localizá-la. Lucas jamais a
machucaria.
— Pois está enganado, Milorde. — Penélope tinha lágrimas nos olhos. — Lucas
me feriu de tantas maneiras, que eu nem saberia como descrever.
— O que fez aquele canalha?! Eu mandarei enforcá-lo...
— Deixe estar. Estou enojada de ambos, de suas artimanhas e conspirações
machistas. Voltei para casa apenas para anunciar que estou partindo.
— O que está pensando?! — Harold não conseguiu imprimir autoridade, dessa vez.
— Aonde pensa que vai?
— Pretendo comprar uma pequena propriedade. Como pagamento pelo que me fez
passar, Milorde adquirirá o imóvel e eu o reembolsarei quando completar vinte e um
anos. Ou seja, no próximo ano.
— De maneira nenhuma!
— Não estou lhe pedindo, meu pai, mas lhe comunicando! Daqui para frente,
pretendo viver por minha própria conta, sem me submeter à vontade de nenhum homem.
Se Milorde se recusar a ajudar-me, encontrarei um modo de fazer isso sozinha. Tenho
certeza de que haverá uma boa alma que me emprestará o dinheiro em confiança diante
da extensão de meus bens. Mamãe, está convidada a morar comigo. Não terá de ficar
com ele por mais tempo.
— Eu?—Patrícia pareceu não entender a quem Penélope se dirigia. — Filha, jamais
deixaria seu pai. O que houve com você? Não pode estar falando sério. O que as
pessoas comentarão de algo tão ultrajante? Veja bem, acabou de chegar e está exausta
por tudo o que aconteceu. Seu casamento será dentro de três dias...
— Esqueça isso! Jamais me casarei, e não desejo mais falar sobre o assunto.
— E quanto a mim? — Edward interveio, irado. Embora também não a quisesse,
não pretendia tornar-se alvo de chacotas. E muito menos ser apontado como um tolo por
ter se comprometido com uma jovem insana, contrariando a imensidão de avisos que
recebera.
— O que deverei anunciar? — Edward caprichou no ar de noivo ofendido.
— Diga o que quiser. — Penélope deu de ombros. — Pouco me importa. O senhor
dará sua versão, e eu, a minha!
Como se atrevia a desrespeitá-lo?!
— Olhe aqui, sua pequena Messalina...
— Modere sua língua, cão dos infernos! — Harold veio em defesa da filha, e agarrou
Cheryl Holt Destino Incerto

as lapelas do casaco do desafeto. — Você tem grande parte da culpa por essa catástrofe.
E se disser mais uma palavra, eu lhe arrancarei a língua!
— Eu tenho culpa?! — Edward soltou-se do Duque. — Milorde deixou-a sair
acompanhada de um americano, ela Voltou vangloriando-se de ter sido comprometida
e...
— Eu?! — O Duque tornou a agarrar o casaco dele. — Acha que gostei disso, seu
bêbado imundo?!
— Deveria ter imaginado que não se podia confiar em um rato miserável!
Foi então que a luta começou. Cadeiras e poltronas foram derrubadas, e os insultos
atingiram níveis nunca vistos, um procurando atirar a responsabilidade sobre o outro.
Um ruído violento os fez parar e olhar para trás.
Penélope atirara no chão um vaso chinês de valor incalculável. Água, flores e cacos
da mais fina porcelana espalhavam-se pelo piso.
Patrícia, imóvel como uma estátua, tapava a boca. Jensen permaneceu parado à
soleira, entre surpreso e divertido, com uma sobrancelha arqueada. Aquela era uma das
únicas vezes de sua vida que demonstrava um pouco de emoção no rosto pálido. Afinal,
jamais presenciara comportamento tão vergonhoso entre membros da aristocracia.
— Parem! — Penélope tremia de nervosismo. — Nem sei por que gastar energias
para discutir por minha causa, sendo que se importam tão pouco comigo!
— Não é verdade! — Harold protestou. — Tentei tudo... fiz o impossível para trazê-
la ilesa de volta e...
— Chega, meu pai. O Sr. Pendleton confessou tudo. Guarde suas mentiras para
alguém mais ingênuo do que eu. Minha mãe, tive um dia muito cansativo. Irei para meu
quarto. Não quero ser perturbada. Descerei assim que decidir onde irei morar. Até lá,
deixem-me sozinha!
— Espere um pouco, mocinha. — Edward pretendia exercer seus direitos de noivo
enquanto os possuía, visto que os pais não se manifestavam. — Ainda não terminamos
a conversa!
— Saia daqui, seu patife embriagado e imundo! Vá preparar outra armadilha para
alguma criança inocente. — Penélope foi até a porta e parou na frente de Jensen. —
Ponha Simpson para fora! E nunca mais o deixe entrar aqui! Homens! Odeio todos eles...
E Penélope Westmoreland se foi, com a dignidade de uma rainha.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XVIII

— Então esse é seu plano? — Matthew perguntou.


— É. — Lucas, encostado na amurada do Sea Wind, não demonstrava nenhuma
emoção.
— Simplesmente desaparecer, depois de tudo o que enfrentamos?
— É.
— Içar as velas amanhã à tarde quando a maré mudar e descer o Tâmisa. É isso?
— Não conheço outra rota para o oceano.
— Está me dizendo que voltaremos para a América sem mais e sem menos?
— O que mais eu poderia fazer?!
Matthew ergueu as mãos, derrotado. Falar com Lucas era o mesmo que conversar
com as paredes.
— Ir até a mansão magnífica da qual eles tanto se orgulham, bater na porta com a
aldrava e pedir uma audiência com o asno real. Se aquele mordomo idiota não o deixar
entrar, dê um pontapé na porta e procure Westmoreland. Quando o encontrar, segure-o
pelo colarinho e peca-lhe a mão da filha. E seja bem claro. Diga-lhe que pretende casar-
se com a jovem, independente do querer dela.
— Não tenho a menor vontade de ser preso. Acontece que dou bastante valor à
cabeça que está em cima de meu pescoço.
— Westmoreland não fará nada disso.
— O que lhe dá tanta certeza?
— Ele não tem saída. Seja como for, o Duque é o pai e entenderá que essa é a
melhor solução para todos.
— Poderá optar por minha morte como o melhor final.
— Se fosse esse o caso, o Duque já o teria agarrado, Luc. Acredite, neste momento,
ele deve estar matutando sobre o que fazer com a filha. Seu pedido seria uma bênção.
— Como tirar um peso dos ombros dele?
— Acertou.
— Acontece que você está se esquecendo de um pequeno detalhe.
— Qual?
— Penélope. — Lucas suspirou.
— Ela te ama, meu irmão! No momento está ferida, nervosa e triste. E tem todo o
direito de assim estar. Nós a levaremos pelo oceano, onde não haverá como fugir.
Ambos terão muitas semanas pela frente para reconciliar-se.
— Não sei, não...
Lucas fitava as docas. Anoitecia, e o comércio intenso dera uma parada. O tráfego
diminuíra, assim como a agitação e o barulho. Os negociantes retornavam a seus lares.
Os carroceiros e os estivadores lotavam as tavernas, gastando o pagamento do dia. Os
marinheiros perambulavam, procurando encrenca. As prostitutas exibiam-se, ansiosas
para ganhar algum dinheiro.
— Existe outro pormenor a ser considerado, Luc.
— Qual é?
Cheryl Holt Destino Incerto

— Suponha que Penélope esteja grávida.


— Não está!
— Que excesso de confiança! Depois de cometer um ato tão abominável, sua honra
lhe permitirá que a abandone depois de arruiná-la? E assim que pretende ser lembrado
por aquela gente? Eu o conheço bem, meu irmão. Não fugirá sem conhecer seu filho. E
se for um menino? Além do mais, a srta. Westmoreland terá o bebê na casa dos pais, e
a criança será criada pelo Duque. É esse seu desejo?
— Pare com isso! — Nem queria pensar em seu filho sendo educado pelo Duque.
— Não existe criança nenhuma.
— Como garantir? A única maneira de evitar uma tragédia é casar-se com ela. Já.
Antes de partirmos. Vá buscar a srta. Westmoreland. E a única solução aceitável.
— Quanta bobagem! — Lucas não queria continuar a discussão. A ferida era
dolorosa demais. — Aprendi a conhecê-la, Matt, e sei qual a visão que Penélope tem do
mundo. Jamais me perdoaria, nem me aceitaria de volta.
— E o amor que tem por ela, Luc?
— Não faz a menor diferença. Meu único objetivo é fazer o que for melhor para
Penélope. Ficar em Londres e tentar falar com ela só aumentará os danos. Eu não
suportaria piorar seu sofrimento. Penélope merece um pouco de paz. E só a terá se eu
for embora.
Lucas bateu no ombro do irmão.
— Quem foi que disse uma vez que eu não a merecia?
— Não foi bem o que eu quis dizer.
— Você tinha toda a razão. Esqueça, Matt. Isso não daria certo. Deixe estar. Verá
que a minha decisão foi a melhor.
Lucas desceu apressado e sumiu na obscuridade, sem ouvir a resposta de
Matthew:
— Melhor para quem, seu grande tolo?

Penélope brincava com a comida, sentada à mesa de jantar. Sem apetite, não tinha
energia necessária sequer para sentir fome. A abstinência nutricional a fez emagrecer.
As roupas folgadas pendiam sobre a silhueta esbelta. Sentia-se enfraquecida e sem
coragem para se cuidar.
Tudo perdera o significado. Passava os dias trancada em seus aposentos,
recusava os convites para eventos sociais, imersa em uma rotina tediosa.
Não encontrava nenhum propósito em acordar sem ter Lucas a seu lado ou Harry
para tomar conta. Não havia pão para ser assado, nem jardim para ser tratado. E
sobretudo não havia um marido desejoso de fazer amor com a esposa, que adorava ter
as costas lavadas durante o banho e que a beijava antes de sair para o trabalho.
O pouco tempo que passara na companhia deles fora suficiente para mudar sua
visão da vida e do mundo. Não era capaz de imaginar como passara dia após dia, meses
e anos a fio naquele casarão sufocante, ao lado de pais infelizes e de um irmão frívolo.
Muitas vezes a quietude se tornava tão dolorosa que ficava à escuta de um passo, uma
tossidela ou um riso perdido. Qualquer sinal de que houvesse pessoas vivas naquela
propriedade.
Cheryl Holt Destino Incerto

Continuava a não ter nada para fazer ou com que ocupar-se, exceto as bobagens
inerentes a sua alta posição social e que não a seduziam mais. Via-se desvinculada de
quaisquer laços que outrora a mantinham presa ao universo dos pais.
Após seu retorno, transbordante de indignação, Penélope queria apenas um lugar
onde pudesse sofrer em paz. Tentou convencer a mãe a morar com ela, em um espaço
onde homens não as fariam lamentar o dia em que nasceram. A Duquesa considerou a
idéia um despropósito, e Penélope não falou mais com o pai a respeito.
Não suportaria encontrar-se com o Duque, encará-lo e discutir sobre custos e
prazos. Muito machucada, não se achava em condições de entregar-se a um diálogo
civilizado.
O plano permanecia como uma abstração viável, relegado à margem da
consciência, à espera da vitalidade necessária para ser posto em prática. Um arrazoado
diante do Duque haveria de requerer referências a Lucas, e Penélope não queria
descrever o que acontecera.
Até aquele momento, os pais nada perguntaram. Evitavam a todo custo perturbá-
la, como se estivesse doente. Afinal, tocar no tema exporia também os sentimentos
deles. O que não seria conveniente para ninguém.
"Não se fala mais nisso" era a mensagem silenciosa que percorria os corredores
vazios do "lar" dos Westmoreland. E Penélope admitiu que o ideal seria mesmo evitar
explosões emocionais. Em uma conversa com o pai, ele haveria de querer pormenores.
E para ela seria impossível confessar o que lhe ia na alma para alguém que a estimava
tão pouco.
Mesmo sem supor que o Duque lhe dedicasse muito amor e carinho, sempre
acreditara que havia um certo nível de afeição. Nem em suas piores avaliações poderia
crer que o pai desse tão pouca importância à possibilidade de ela ser assassinada. E
isso era demais para ela.
Impossível explicar Lucas ou o período que passaram juntos. Nem mesmo para
Colette, seu único apoio, que presenciara sua alegria e seu atual desalento.
Penélope sofria muito. Perdera seu grande amor, a vida que poderia ter tido ao lado
de Lucas e de Harry, seu casamento e a felicidade que imaginara ter encontrado. A pior
de todas as perdas fora a terrível descoberta de que não estava grávida. Teve essa
confirmação duas semanas depois de voltar a Londres.
Mesmo assegurando a si mesma que uma gestação teria sido um fim desastroso,
seu coração não aceitava tal premissa. Um bebê seria uma parte de Lucas que ficaria
para sempre com ela e a ajudaria a recordar-se dos dias maravilhosos que antecederam
o desastre.
A grande aventura tenderia a fenecer, as memórias se tornariam menos vibrantes
até chegar ao ponto de parecer que tudo não passara de um sonho. Um balanço patético
sobre o fato mais extraordinário que lhe ocorrera.
O Duque e a Duquesa estavam sentados às cabeceiras da mesa e, como
excelentes anfitriões que eram, tagarelavam com extrema finura com os convidados. E
como de costume ignoravam a presença do respectivo cônjuge na sala. O desdém mútuo
se transformara em uma arte de convivência. Seria até engraçado se não fosse trágico.
Tratava-se de uma reunião da família e de amigos mais chegados. Dez pessoas ao
Cheryl Holt Destino Incerto

todo. Bem diferente das que Patrícia costumava oferecer naquela época do ano. Após o
anúncio do rompimento com Edward, os boateiros começaram a aparecer, à cata de um
possível convite para um dos famosos jantares da Duquesa.
Como Penélope deixara de freqüentar as rodas sociais, a nobreza ficara ansiosa
para comparecer à mansão Westmoreland e verificar se as histórias ouvidas tinham
algum fundo de verdade. Patrícia tratou de pôr um ponto final no enxame de visitantes.
Uma consideração comovente pelo fato de estarem em meados de abril, com outra
temporada em início e todo o grand monde presente para as festividades.
Entretanto Penélope não se iludia. A escassez de celebrações não se devia a seu
estado depressivo, mas sim à ojeriza que sua mãe tinha de ter o nome deles vinculado
a falatórios. Os festejos continuariam despretensiosos até que os aristocratas
encontrassem outras pessoas merecedoras de atenção e bisbilhotices.
— Uma pequena disputa marítima — a voz do Duque ergueu-se acima do alarido
dos convivas.
— Com um americano? — o convidado a seu lado perguntou.
— Ele se chama Lucas Pendleton. Está tentando sair do país, mas pedi que seu
navio fosse detido. Se possível, aprisionado.
— Com carga e tudo?
— Isso mesmo. O camarada aproveitou-se de uma coisa muito preciosa e que me
pertence. Vou fazê-lo pagar caro por isso.
Penélope ergueu o olhar do prato. O Duque a fitava com intensidade, como se
esperasse ter sido ouvido. Desde que retornara à mansão, três semanas atrás, era a
primeira vez que o nome de Lucas era mencionado.
Penélope imaginou que os irmãos Pendleton haviam partido assim que a tentativa
de chantagem fracassou. Nem lhe ocorreu que o Duque pudesse estar à caça de Lucas
e que pretendesse usar de hostilidade contra ele.
Será que o Duque não entendia que ela só queria Lucas fora da vida deles? Nunca
mais pretendia vê-lo, nem mesmo a distância, para não sofrer ainda mais.
— O que Milorde fará com o americano depois de prendê-lo? — Penélope notou
que todos a fitavam, por ser a primeira vez que falava durante o jantar.
— Ainda não me decidi pelo castigo que seja severo o suficiente.
Estaria o pai querendo dar a impressão de que pretendia vingar-se por ela? Ou
seria pelo mesmo motivo de sempre? Roswell era um par do reino poderoso e rico que
não admitia ser enganado por ninguém. As conseqüências poderiam também recair
sobre Harry e Paulie, além de prejudicar Lucas.
O Duque mandaria chicoteá-lo em público? Ou providenciaria um exílio terrível?
Lucas seria enforcado?
Penélope não queria nem imaginar o que o Duque seria capaz de fazer com o
homem a quem ela amara.
— Poderiam dar-me licença? — Penélope desculpou-se, com a voz embargada.
— Claro, minha querida — a mãe concedeu, sem ao menos fitá-la.
Penélope foi até os fundos da residência, passou pelo jardim de inverno e saiu no
terraço. O caminho até o jardim era iluminado por algumas lâmpadas. Fitou o céu e
perguntou-se onde Lucas poderia estar.
Cheryl Holt Destino Incerto

Escutou passos. Harold a seguira. Conseguira apanha-Ia em uma armadilha.


Talvez até tivesse o direito de interpelá-la.
— Notei que a referência ao capitão Pendleton a abalou bastante.
Penélope deu de ombros.
— Não mais do que qualquer tópico que Milorde pudesse ter mencionado.
— Eu gostaria de ter sua opinião antes de prosseguir com as providências. O que
seria mais apropriado para aquele homem?
— Não quero que faça nada contra ele, nem contra sua família. Tanto Milorde
quanto Lucas já causaram muito sofrimento. — Penélope virou-se para o gramado.
Temia que o pai lesse o que lhe ia na alma. — Deixe-o em paz. Permita que vá embora
daqui com sua gente e a tripulação. Nunca mais quero vê-lo.
Harold se aproximou e segurou-a pelos braços, com gentileza. Penélope não se
lembrava de ter recebido uma prova de carinho do Duque. O gesto causou-lhe vontade
de chorar.
— Filha, não suporto mais vê-la imersa em tanta agonia. O navio dele está pronto
para zarpar. Como poderei deixá-lo partir, vendo-a nesse estado?
— Simples, meu pai. Esqueça-o. Lucas que vá para onde quiser.
— Penélope, por que nunca me disse... Bem, quando partiu com ele, deixou-me
um bilhete. Tive a impressão de que sua fuga foi por vontade própria.
— Fui uma grande tola.
— Nunca lhe perguntei o que aconteceu entre ambos... — O Duque encostou-se
na balaustrada, mirou-a dentro dos olhos e tomou-lhe as mãos. Um acontecimento
histórico! — Poderia contar-me?
— Não. Jamais quero falar sobre isso.
— Por esse motivo tenho de impedir a partida de Pendleton. Ele a fez sofrer em
demasia e devo descobrir de qual pecado deverá ser culpado.
— Nada de tão terrível como está imaginando. Agruras do coração. Só isso. Nada
que mereça a tortura de um ser humano.
— Ele lhe prometeu casamento.
— Pensei que... Não importa o que pensei.
— Posso forçá-lo a cumprir a promessa. Se o quer para marido, basta dizer-me.
Minha filha, se as núpcias trouxerem de novo o sorriso a seu lindo rosto, elas serão
realizadas imediatamente.
— Não quero casar-me com ele e com ninguém mais.
— Por acaso está...
— Não se aflija, meu pai. Não estou grávida.
O suspiro de alívio do Duque a fez dizer depressa:
— Mas adoraria estar.
— Ah, Penélope, minha querida...
Ela se desvencilhou do pai. Ele se atrasara em vinte anos para oferecer-lhe
consolo.
— Para mim, o caso está encerrado. Não pretendo ver Lucas Pendleton nunca
mais. Deixe-o partir. Talvez assim cessem meus tormentos pessoais. — As lágrimas em
seus olhos brilhavam como diamantes. — Esse é meu pedido, depois de muito tempo
Cheryl Holt Destino Incerto

sem solicitar-lhe coisa alguma. Deixe-o ir embora.


— Não sei se poderei concordar com isso, querida.
— Por favor! — Penélope implorou e foi correndo para dentro da casa.
Lucas escondeu-se nos fundos do jardim dos Westmoreland. Depois de deixar o
navio, pôs-se a andar a esmo e foi parar ali, onde encontrou Penélope pela primeira vez.
As imagens pareciam mais concentradas naquele lugar, onde ela passara a vida com a
família e onde começaram a apaixonar-se um pelo outro.
Céus, mas era Penélope quem estava no terraço! Parecia tão desanimada e infeliz!
Mesmo na penumbra era possível perceber como emagrecera. Lucas teve de conclamar
toda sua força de vontade para não sair correndo e estreitá-la em seus braços.
Mesmo enquanto caminhava até a mansão, não imaginou que chegaria a vê-la.
Observou-a examinar o firmamento, como se procurasse uma mensagem nas estrelas.
Ficou tenso ao ver o Duque aproximar-se da filha, mas descontraiu-se ao comprovar a
maneira como conversavam. O pai segurou-lhe a mão e prestou atenção ao que ela
dizia.
E, de repente, Penélope desapareceu. Lucas quis correr atrás dela, mas
permaneceu imóvel, repetindo várias vezes para si mesmo que não adiantaria falar-lhe,
pois jamais o perdoaria.
Para que aborrecê-la com sua presença? Se tentasse salvar o que restava de seu
orgulho com um relatório sobre as próprias decepções, acabaria sendo à custa de
Penélope.
E recusava-se a fazê-la sofrer de novo.
O Duque permaneceu no terraço após a saída da filha. Lucas notou que ele
envelhecera naqueles dois meses. Harold também olhou o céu à procura de respostas,
e na certa não as encontrou. Após algum tempo, suspirou e entrou.
Imerso em recordações, não ouviu os passos leves a sua direita.
— Ei, mon ami.
Lucas virou-se, tenso.
— Colette... — Saudou-a, erguendo as sobrancelhas. — Que surpresa!
— Monsieur...
— O que faz aqui?
— Eu poderia perguntar-lhe o mesmo, mon capitaine. Porém posso afirmar-lhe que
não me surpreendo por vê-lo escondido nas trevas como um ladrão! — Colette estreitou
os olhos. — Tenho esperado pelo senhor todas as noites. Suspeitava que acabaria vindo.
É um covarde, Lucas Pendleton. Tem receio de enfrentar milady à luz do dia!
Ele fitou as mãos agitadas da criada francesa.
— Ora, nenhuma faca, nem pistola? Mas que deslize!
— Acha mesmo que eu iria gastar munição com um cachorro imundo?
— Como sempre, sinto-me honrado com sua opinião a meu respeito, Colette.
— Esperei com paciência, Sr. Pendleton, porque tive certeza de que acabaria
mostrando quem na verdade era. Um homem falso e traiçoeiro. Pusilânime.
— Esqueça. Estou muito cansado e sem disposição para ouvir suas críticas. Além
do mais, nada do que me disser será muito diferente do que eu já disse a mim mesmo.
— Por fim mostrou sua face desprezível neste lugar onde causou tanta dor. E o que
Cheryl Holt Destino Incerto

fará agora? Voltará para a América com o rabo entre as pernas?


— Não estou fugindo.
— Ah, não? — Furiosa, Colette gesticulou em direção à mansão. — Vai deixá-la
desse jeito? Que tipo de homem o senhor é?!
— Deixá-la como?
— Milady chora todas as noites, desesperada. Ela pensa que não sei, mas eu a
escuto derramar um oceano de lágrimas por sua causa. Fica na cama o dia inteiro sem
comer, sem dormir... só pensando no senhor!
— Isso não pode ser verdade. Não pode!
— Milady avisou ao pai que jamais se casaria. E tudo por sua culpa! Porque a feriu
mortalmente!
— Penélope não me perdoará, Colette. Se eu soubesse que haveria uma chance...
— O senhor não é um homem, Lucas Pendleton! Não passa de um garoto
brincando de gente grande. O senhor e o pai dela são duas crianças. Ambos estão
empenhados em seus jogos odiosos de meninos, e sempre à custa de milady!
— Nunca pretendi fazer-lhe mal!
— Mentira! E, apesar de tudo, milady desperdiça energias de tanto amá-lo e sentir
sua falta. O senhor não merece a estima de uma mulher assim.
— E o que sugere que eu faça?
— Se eu tiver de explicar-lhe o curso que deve seguir, então minhas suspeitas
estão confirmadas. O senhor não é homem para lady Penélope. Vá embora, Lucas
Pendleton, não precisamos do senhor. Volte para a América e deixe-nos em paz!
Colette se foi para dentro da residência, e Lucas continuou no mesmo lugar,
remoendo suas dúvidas.
Colette estaria certa? Matthew teria razão?
Começou a entender que, embora não fossem casados perante a lei, considerava
Penélope como sua mulher. Ele a desposara em seu coração, onde Deus haveria de
abençoá-los. As legalidades poderiam ficar para mais tarde.
Se ela pensasse da mesma maneira, haveria esperança?
Apesar do sofrimento que lhe causara, Penélope lhe pertencia de corpo e alma. Ele
era seu marido e a amava acima de tudo no mundo. Se fosse para a América sem ela,
nem mesmo sabia se poderia sobreviver.
Penélope viria com ele! Não a deixaria escapar!
Jamais!
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XIX

Lucas percorreu o corredor longo da mansão suntuosa, contando as portas na


passagem e atento a alguma possível movimentação. Por sorte, não encontrou nenhum
servo no caminho.
Escutou risos e barulho de talheres ao longe. Colou-se nas sombras da parede e
esperou. Ninguém apareceu. Deu um suspiro e prosseguiu.
Sua disputa com o Duque de Roswell devia-se a um assunto familiar. E em se
tratando de sua família, Lucas assumiria qualquer ônus ou risco para protegê-la.
Caminhou até a biblioteca, entrou e constatou que estava vazia. As chamas
crepitavam na lareira, e o conhaque estava servido.
Na ponta dos pés, escondeu-se atrás de uma das cortinas pesadas de veludo.
Não teve de esperar muito. A porta foi aberta e passos ressoaram até a mesa.
Lucas espiou, a tempo de ver a cabeça de Westmoreland, que se sentava na poltrona.
O movimento vagaroso do braço que pegou o copo fez supor exaustão.
Sem o menor ruído, Lucas saiu de seu esconderijo e encostou o cano da arma na
nuca do lorde.
— Não se mova.
— Capitão Pendleton?
— Ele mesmo.
— O que deseja? Seja rápido, por favor.
— Deixe suas mãos onde eu possa vê-las.
— Ora, Senhor! Pelo menos tenha a decência de dar a volta na mesa e me encarar!
Lucas hesitou, avaliou o recinto para detectar possíveis locais onde se poderiam
guardar armas e conferiu a rota de fuga. Nada de anormal. Rodeou a escrivaninha sem
largar a pistola e encarou o Duque.
— Deixe de lado essa coisa antes que um de nós possa se machucar. E não ouse
atirar naquele retrato! — Westmoreland apontou a nova pintura da Duquesa acima da
lareira. — Se destruir mais um quadro desses, não terei paz até o fim de meus dias.
— Procurarei conter-me. — Lucas não pôde deixar de sorrir e guardou a arma no
cós da calça.
— Eu lhe agradeço.
— Estou aqui para falar sobre Penélope.
— Ah, que surpresa — o Duque expressou-se em tom monocórdio e apontou uma
poltrona. — Fale logo.
Lucas sentou-se.
— Vim pedir-lhe a mão dela.
— Mas não é que alguém se tornou de repente um namorado cortês?
Lucas deixou passar o comentário maldoso.
— Não pedi antes, por isso peço agora. Quero casar-me com Penélope.
— Como se ela o quisesse! — O Duque fez ar de pouco-caso. — E pelo que deduzi,
o senhor teve ocasião de desposá-la e não o fez. Por que eu a deixaria sofrer outra vez?
— Porque ela pode estar grávida.
— Não está.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Não? — Lucas ficou desconsolado. Esperava que um bebê forçasse


Westmoreland a concordar. — Como pode estar certo disso?
— Perguntei a ela. Convenhamos que para o senhor é uma sorte. Ou me sentiria
tentado a torcer-lhe o pescoço.
— Eu não poderia culpá-lo. — Lucas surpreendeu o Duque pela humildade. —
Peço-lhe perdão por tê-la usado em meus planos. Penélope nada tinha a ver com o
assunto, e eu não deveria ter feito o que fiz. Reconheço que agi da pior maneira possível.
O Duque respirou fundo e suavizou a entonação.
— O senhor a enganou e a fez infeliz.
— Eu sei.
— E também causou sofrimento a minha família.
— Pelo que também me arrependo.
— Ora, ora! Pois não é que alguém se tornou o epítome da decência?
— Não vejo motivo para minimizar a gravidade de meus atos. Estou aqui para
retificar a situação... se Milorde me permitir.
— E por que eu deveria fazê-lo?
— Porque amo Penélope.
— Mas ela não o ama.
— Se fosse Milorde, não teria tanta certeza.
— Há pouco minha filha me garantiu desejar que o senhor fosse embora para
sempre. — Harold deu de ombros. — Ela não quer vê-lo nunca mais. Eu não diria que
esses são os sentimentos de uma mulher apaixonada.
— Pois há menos de trinta minutos conversei com a criada dela.
— A francesa?
O pai estava tão envolvido nos problemas da filha, que nem mesmo sabia o nome
da aia que a servia por dez anos.
— Sim, e Colette me contou uma história bem diferente.
— Que ótimo! E em que pretende que eu acredite? Que o senhor e minha filha
formam um casal apaixonado? Que foram unidos pelo destino e que eu deveria permitir
que Penélope o acompanhasse?
— Mais ou menos isso.
— E que a paixão de Penélope é imensa e por isso ela está sofrendo tanto?
— Sim.
— Que o mal de Penélope é um coração partido?
— Justo.
— Que vai atirar-se em seus braços assim que eu lhe conceder uma oportunidade?
— Bem... eu não chegaria a extremos. Afinal, está magoada comigo.
— Perdoe-me, mas não posso comprar seu peixe. Eu o entendo muito bem e sei
que deve haver mais alguma coisa escondida por trás. — Harold tomou um gole de
conhaque e fitou Lucas com os olhos estreitados. — Diga-me a razão verdadeira pela
qual veio aqui.
— Vim por causa de Penélope, somente isso.
— Jura?
— Juro.
Cheryl Holt Destino Incerto

— E quanto a suas exigências acerca do filho de Caroline?


Era doloroso escutar Westmoreland referir-se a Harry como um menino sem pai.
Porém, Penélope era tudo o que importava.
— Esqueça-as. Harry tem um lar estável e uma família que o adora. Não
precisamos de nada do senhor para tornar a vida dele feliz.
— Sei... Explique-me uma coisa.
— Se eu puder...
— Como foi que Penélope o acompanhou? E por que ela voltou para casa?
— Eu a fiz crer que iríamos fugir para nos casar. — Lucas corou, envergonhado. —
Engendramos uma cerimônia falsa, e Penélope acreditou que fosse autêntica. Depois,
ela achou sua última mensagem e deduziu que tudo não passara de uma farsa.
— Então ela tem sido sua esposa... de fato.
— Sim, Milorde. Mas não quero desculpar-me pelo que houve entre nós. Foram
dias e noites maravilhosos, e ela estava muito feliz.
Lucas levantou-se e começou a andar de um lado para outro. Não percebia nenhum
progresso, apesar de seus argumentos. Pela fisionomia de Roswell era impossível des-
cobrir algum indício de suas intenções.
— Milorde não sabe quem sou, e o pouco que conheceu não é lá essas coisas...
— Sem dúvida.
— Permita-me uma descrição rápida. Sou um homem sem vícios. Honesto, leal e
trabalhador. Devoto-me a minha família, e se Penélope vier a fazer parte dela, a mesma
devoção lhe será devida. Tenho um negócio sólido e uma bela casa na Virgínia.
Plantamos tabaco e criamos cavalos, o que me fornece uma excelente renda, além do
lucro obtido com minha frota mercante. Claro que não é igual ao que Penélope está
acostumada, mas nada lhe faltará. Tenho muitos servos antigos que irão tratá-la com
grande consideração e com o maior respeito. Posso dar-lhe os filhos que ela deseja e
prover o necessário para todos.
— Penélope quer uma família grande?
— Sim.
O Duque pareceu perplexo e triste pelo que perdera ao longo dos anos.
— Eu não sabia...
— Ela será muito feliz. Eu a amarei até o fim de minha vida. Tem minha palavra.
— E devo aceitá-la, mesmo sem conhecê-lo?
— Correto.
— Depois de tudo o que o senhor fez, entra aqui sem pedir licença, expõe seus
propósitos e espera que eu aceite todas suas afirmações... — O Duque recostou-se. —
E um patife corajoso, não é, Pendleton?
— Tive de ser, ou não chegaria onde estou hoje.
— Eu sei. Ficará espantado de saber o quanto conheço a seu respeito.
Harold levantou-se, foi até o aparador, serviu-se de mais conhaque e pôs uma dose
para Lucas. Retornou até a mesa e ofereceu o segundo copo ao visitante, o que foi
bastante animador.
— Por que Milorde se deu ao trabalho de esquadrinhar meu passado?
— Era imprescindível que eu soubesse o tipo de homem levara minha Penélope.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Quer dizer que Milorde sabia que eu nada faria contra ela.
— Entendi isso desde o começo.
— Eu estava convencido de que Vossa Graça não se importava com sua filha.
— Que absurdo! Talvez eu não tenha sabido demonstrar meus sentimentos como
deveria. Diga-me, qual o pai que não amaria Penélope e não se orgulharia dela? Minha
menina é uma jovem esplêndida.
— É mesmo. — Lucas se alegrou ao constatar a ternura no olhar de Westmoreland.
Ainda bem que se enganara.
— Pelos detalhes que pude compilar, tenho certeza de que será um bom marido
para ela. Mas há um probleminha.
— E qual é?
— Penélope está tão furiosa conosco que será impossível convencê-la.
— Bem, tenho uma idéia. — Lucas esboçou um sorriso confiante.
— Imaginei que o senhor preparava alguma artimanha. Está bem, vamos ouvir...

— Qual é a surpresa, meu pai? — Penélope abanava o leque, sem conseguir


refrescar-se dentro do coche.
O veículo colidiu com uma pedra, e ela foi jogada de encontro a Colette.
— Está bem, eu lhe contarei — Harold concedeu —, mas gostaria de esperar até
pararmos.
— Pararmos onde?
— Encontrei uma casa que poderá lhe servir. Achei que gostaria de vê-la.
— Verdade, meu pai? Fez isso por mim?!
— Não sou nenhum monstro, Penélope. Faço votos de que se lembre disso daqui
para frente. Desejo apenas seu bem, e rezo com ardor para que a felicidade não a
abandone. É tudo o que sempre almejei.
— Se diz assim...
Penélope não pretendia ser rude, mas o comportamento estranho do Duque e o
calor roubavam-lhe a paciência. Também não soube definir o significado do olhar intenso
do pai, uma ocorrência inesperada.
Seria remorso? Desejo de ver-se livre dela? Amor paternal?
Independente dos motivos que ocasionaram o ataque de bondade, Penélope
achava prudente manter um otimismo cauteloso.
Reparou que não se dirigiam para fora da cidade. Pelo cheiro de peixe podre, da
água fétida e do barulho do lado de fora da carruagem, supôs que estivessem perto do
rio. Ergueu a cortina e arriscou uma espiadela. Aproximavam-se das docas.
—O senhor disse que iríamos olhar uma casa — Penélope irritou-se. — O que
estamos fazendo aqui?
— Antes, terei de atender a um pequeno compromisso. A carruagem parou, com
ruído surdo e prolongado. Os passageiros permaneceram sentados, enquanto o cocheiro
descia, baixava a escada e destrancava a porta.
Harold desceu, e Penélope observou. Diante deles, um belo veleiro com pintura
nova. Os acessórios de verniz e de latão refletiam o sol da tarde. Nunca estivera em um
navio antes, e aquele era magnífico. Inclinou-se, analisou o cais onde haviam parado e
Cheryl Holt Destino Incerto

apontou para a embarcação brilhante.


— Que navio é esse, meu pai?
— É o Sea Wind. Faz parte da frota de Lucas Pendleton. — Harold afastou-se. —
Enfim decidi o que fazer com o Sr. Pendleton, e por esse motivo tenho de falar com o
irmão dele. O rapaz deve estar preocupado porque Lucas não voltou ao navio, e devo
informá-lo de alguns detalhes antes da partida. Lucas Pendleton não fará companhia ao
irmão no retorno ao lar. Aliás, não irá a lugar nenhum por um bom tempo.
— O quê?! — Penélope gritou. — O que o senhor fez?! Caminhando em meio à
multidão e rumo ao navio, o Duque não se dignou a responder-lhe.
Lucas não tinha ido para a Virgínia? O Duque mandara prendê-lo? Na certa por
isso tinham vindo avisar Matthew.
Penélope se enfureceu. O pai não dera a menor importância a seu pedido.
O que teria preparado para Lucas e para sua família? Roswell jamais se modificaria.
— Esse é o navio do capitão, non? — Colette espiava a embarcação reluzente.
— É sim, Colette.
— Milady não acha...
— O quê?
— Apenas uma curiosidade. E se mon petit Harry estiver a bordo? Seu pai poderá
encontrar-se com o garoto, e isso poderá não ser interessante.
— Claro que não! Nem para um, nem para o outro. Penélope desceu correndo e foi
atrás do Duque, gritando por ele. Harold já subira a prancha de acesso. Ao ver o navio
deserto, Penélope também subiu, seguida por Colette.
Assim que pisou no convés, seus piores receios se realizaram, quando Harry saiu
pela escotilha.
— Penélope! Penélope!
Paulie acompanhou-o, e os dois meninos correram para a amiga, incapazes de
conter a excitação. Ela os abraçou, sem esconder a alegria pelo reencontro. Harry falava
sem respirar, tentando resumir em minutos o que acontecera naquelas três semanas.
Penélope esforçou-se para evitar as lágrimas, mas elas deslizavam sem demora por
suas faces.
— Srta. Penélope! — Paulie ficou desgostoso. — Nós a fizemos chorar!
— Não queríamos isso. — Harry sacudiu a cabeça. — Juro que não.
— Ninguém me fez nada. É que estou muito feliz por encontrá-los.
— A senhorita passou bem esses dias?
— Muito bem — mentiu. — E quanto a meus rapazes?
— Para nós foi formidável — Harry afirmou. — Estamos indo para casa, e Paulie
irá junto. Tio Lucas disse que fará dele um marinheiro.
Lucas mantivera ao menos uma promessa.
— Que ótimo! Como está encorpado, Paulie!
— O que a senhorita faz aqui? Decidiu viajar conosco?
— Por favor, diga que sim! — Harry interveio. — Por favor!
Era embaraçoso fitar os rostinhos esperançosos e ter de negar.
— Não mudei de idéia. Vim apenas acompanhar meu pai. Ele precisa falar com seu
tio Matthew.
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope fitou o Duque de relance. Sem fala e muito pálido, Harold Westmoreland
dava a impressão de que iria desfalecer.
— Está tudo bem, meu pai? — Penélope foi para o lado dele, aflita.
— Preciso...
— Venha sentar-se. — Penélope levou-o até um monte de cordas enroladas e olhou
para os meninos, que não escondiam o espanto. — Paulie, poderia chamar Matthew?
— Neste minuto! — E saiu correndo. Emocionado, o Duque não se desviava do
filho que via pela primeira vez. Os dois eram cópias fiéis um do outro, embora os cabelos
loiros de Harry fossem de um tom mais escuro. Maçãs do rosto altas e olhos azuis,
inteligentes e vivazes. A silhueta do menino era uma miniatura do físico do Duque.
— Meu Deus... Mas que belo garoto!
— Ele é uma criança maravilhosa, meu pai.
— Poderia apresentar-nos? — Harold esfregou o peito no ponto onde o coração
palpitava forte.
— Pois não. — Penélope puxou o menininho pela mão. — Harry, este é meu pai,
Harold Westmoreland. Papai, este é meu bom amigo, Harry Pendleton.
— Olá, Harry. — Pasmo, o Duque não escondia o orgulho.
— Como está, senhor? — Harry pareceu mais velho do que era. — O senhor é o
rei?
— Não, não sou. — O Duque sorriu, caloroso.
— Pois se parece com um rei.
Harold levantou o braço para abraçar o garoto, mas desistiu. Continuou de olhar
fixo no filho.
— Eu conheci sua mãe.
— O senhor era amigo dela?
— Digamos que sim.
— Foi bom para ela, Milorde? Harold engoliu em seco.
— Não, Harry — o Duque admitiu, com franqueza. — Não fui.
— Então eu o odeio.
Harry soltou-se de Penélope, avançou contra o Duque e deu-lhe um pontapé na
canela. Harold curvou-se, contendo um grito de dor.
— Meu Deus... — Entre atrapalhada e divertida, Penélope afastou o irmão.
Mas Harry ainda não se conformara. Endireitou as costas, em postura idêntica ao
do lorde quando irritado.
— Como pôde ser cruel com minha mãe? Ela é um anjo que está no céu. Como
pôde não amá-la?! — A voz autoritária de Harry ecoava no convés, e Penélope notou
lágrimas nos olhos do Duque.
— Sinto muito, meu pai. Eu nunca imaginei que ele...
— Acho que eu merecia isso. — O Duque esfregou a perna e encarou Harry com
respeito.
Matthew Pendleton subiu e aproximou-se do cenário constrangedor. Penélope mal
o fitou. Recusava-se a ser educada com o patife que ajudara Lucas.
— Harry, meu pai deseja falar em particular com seu tio. Enquanto isso, não quer
mostrar-me suas acomodações? Nunca estive em um navio.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Sério?
— É, sim. Não quer dar uma volta comigo?
— Eu adoraria, Penélope. — Harry se virou, sem perder o Duque de vista.
— Vamos lá, meu pequeno Duque. — Ela se perguntava quanto tempo o pai levaria
para recuperar-se do choque.
Penélope acompanhou Harry e não notou o olhar de triunfo que Colette dirigiu ao
Duque e a Matthew, antes de ajudá-la a descer a escada.
Assim que Penélope desapareceu, Lucas subiu ao deque e aproximou-se de
Harold.
— Nosso plano deu certo. Nem tivemos de amarrá-la.
— É melhor eu ir embora. — Harold enxugou os olhos com as costas da mão.
— Algo errado, Milorde?
— Não me ocorreu que o menino pudesse estar a bordo, Lucas...
— O que houve? — Lucas indagou ao irmão, em voz baixa.
— O Duque e Harry acabaram de se conhecer. — Matthew inclinou-se para
murmurar: — Harry não gostou muito dele.
Roswell ficou de pé, apesar das pernas bambas.
— Ela ficará muito brava no começo — o Duque assegurou aos irmãos. — Não
invejo o que terão de enfrentar nos primeiros dias.
— Não estou preocupado com isso. Penélope vai se recuperar. A viagem até a
Virgínia é muito demorada.
O Duque tirou um envelope do bolso do paletó e entregou-o a Lucas.
— Mostre a ela, quando achar oportuno. Na carta, esclareço por que resolvi ajudá-
lo. É importante para mim que minha filha entenda meu ponto de vista. Espero que um
dia venha a perdoar-me.
Lucas bateu com afeto no ombro do Duque.
— Tenho certeza de que Penélope acabará entendendo. Harold tirou mais um
envelope de outro bolso.
— Lucas, este contém as informações sobre a herança e os bens dela.
— Eu os administrarei com propriedade.
— Não me importo com esse dinheiro. Só quero a satisfação de Penélope. Faça-a
feliz ou terá de haver-se comigo!
— É o que pretendo, Milorde, do fundo de meu coração. Harold deu alguns passos,
parou e virou-se.
— Escreva-me sobre o garoto. Conte a ele sobre mim. Explique tudo o que quiser
que eu faça. Pensarei no assunto.
— Obrigado. — Lucas admirou-se pela súbita mudança de opinião. — O senhor
não se arrependerá.
— Sei disso. Cuide bem de ambos.
— Fique tranqüilo. É o que farei, nem que tenha de empenhar minha vida. — Lucas
estendeu a mão, e Harold apertou-a.
Parceiros em um delito. Colegas. Cúmplices. Em breve parentes.
Sem dizer mais nada, Harold desceu a plataforma.
— Zarpar — Lucas disse ao irmão.
Cheryl Holt Destino Incerto

Matthew deu uma ordem discreta. Marinheiros surgiram de todos os lados, prontos
para as tarefas. Devagar e de maneira imperceptível, a embarcação afastou-se da
margem e foi levada pela corrente forte do rio.
Harold Westmoreland esperou ao lado da carruagem, enquanto o navio começava
a distanciar-se.

Fascinada, Penélope pediu a Harry e Paulie que lhe mostrassem todos os cantos
do Sea Wind.
Nas histórias românticas de piratas e heróis marítimos que lera na adolescência,
não se mencionavam a escuridão, a exigüidade e a melancolia das cabines.
A cozinha era a única área de tamanho significativo. Além da preparação dos
alimentos, ali também se faziam as refeições. Naquele espaço os marinheiros dormiam
em turnos, nas redes penduradas a um canto. Não havia vigias para entrar luz, e o teto
era muito baixo. Muitas vezes, Penélope teve de ajoelhar-se para ir de um trecho a outro.
Não fazia idéia de como uma pessoa poderia permanecer meses a fio em um lugar
daqueles. O que a fez se lembrar de que o Sea Wind não era um navio de recreio.
Na popa, viam-se várias cabines para os oficiais. Dentro delas, apenas um catre
estreito e uma pequena arca. O corredor central terminava no quarto do capitão.
Apertado, em nada lembrava as acomodações luxuosas concebidas por sua imaginação
juvenil.
O trajeto pela passagem estreita e pouco iluminada pareceu-lhe mais difícil que no
início. Uma oscilação leve não lhe permitiu encontrar ponto de apoio. Enfim, apareceu a
base da escada perto da proa e o brilho da luz do sol tentando entrar.
Sem demora, ela pisou no primeiro degrau em espiral e começou a subir. Perto do
último, encontrou uma mão estendida através da escotilha. Grata pelo auxílio, foi erguida
e alcançou o convés. Piscou por causa do brilho intenso que a cegava. Quando a visão
clareou, pôde ver quem a ajudara.
— Olá, minha linda Penélope. — Lucas sorriu, com expressão de amor e de desejo
intensos.
Incrédula, Penélope tornou a piscar, várias vezes. Não se tratava de uma ilusão de
ótica. E por um segundo o olhar dela também brilhou com o mesmo amor e desejo. A
atração por Lucas estava mais presente do que nunca. A proximidade acelerava-lhe a
pulsação e fazia sua pele formigar. Arfando e com as faces coradas, procurava o que
dizer.
Santo Deus, como era bom revê-lo! O dia pareceu mais alegre, o céu, mais azul, a
dor em seu coração, menos intensa. Mas Penélope tratou de sufocar os sentimentos
absurdos e fortes que começavam a aflorar.
Pois junto com essa ansiedade, ela também se lembrava da traição, da perda de
confiança e da falência do amor.
Ah, como o odiava!
— O senhor! — Recuou, cambaleando.
— Calma. — Lucas segurou-lhe o braço.
— Não ouse tocar em mim!
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope desvencilhou-se e olhou ao redor. Perguntou a si mesma se não estaria


sonhando. Nada lhe parecia familiar. Era como se houvesse entrado em uma dimensão
alterada. Não conseguiu entender o que acontecia.
Não via mais as docas. Os navios ao longe diminuíam de tamanho, e Londres
desaparecia aos poucos. Pôde distinguir, a distância, o pai imóvel junto à carruagem
luxuosa.
Penélope via-se rodeada pela água a perder de vista. À frente, o Tâmisa tornava-
se mais caudaloso, aguardando a oportunidade de carregá-la para o oceano.
— O que fez dessa vez, Lucas? — Penélope correu até a amurada e agitou os
braços. — Papai! Papai!
Não acreditava que o Duque pudesse ter concordado com aquilo! Não podia!
Penélope virou-se, enfurecida. Se tivesse uma arma nas mãos, Lucas seria um
homem morto. Pela primeira vez entendeu as circunstâncias que levavam uma pessoa
a cometer assassinato.
E, com uma intuição que não deixava dúvidas, inferiu o que o Duque e Lucas
tramaram.
Concluiu onde fora o encontro e quais os acordos que resultaram daquela
ignomínia.
Colette e os meninos teriam ajudado? Será que não contava com nenhum amigo
no mundo?!
E se ela não houvesse entrado no navio por livre e espontânea vontade? Até onde
eles teriam chegado? Teriam-na amarrado, amordaçado e levado a bordo, apesar de
estar esperneando?
Considerou-se uma criatura patética. Jamais tivera o amor do pai. Roswell a atraíra
em uma armadilha para entregá-la nas mãos de Lucas Pendleton, o homem que não se
incomodara em arrancar-lhe o coração do peito a sangue-frio!
"Idiota!", recriminava-se. Permitira que o pai a traísse outra vez.
O navio aumentava a velocidade, à medida que as velas eram içadas, conduzindo-
a para longe da Inglaterra e do Duque. À mercê de Lucas.
Chegou a considerar a possibilidade de jogar-se no rio, mas logo descartou um ato
de tanta covardia. Seu ódio era tamanho que pretendia passar o resto de seus dias
planejando uma vingança contra os dois. Nem cinco décadas seriam suficientes para
aplacar sua ira.
Que descaramento! Pretenderem decidir seu futuro, como se ela fosse um ser sem
vontade!
— Sr. Pendleton! Vire este barco agora!
— Sinto muito, mas não posso.
— Por que fez isso comigo? Não estava satisfeito com o sofrimento que me
causou?
— Penélope, eu queria que viesse comigo. — Aproximou-se, cauteloso.
— Eu o odeio!
— Não é verdade.
— É, sim!
— Notei como me olhava há pouco.
Cheryl Holt Destino Incerto

Lucas estava a um passo de Penélope, e ela viu o corte no rosto feito com a navalha
de barbear.
— Ilusão sua!
— Sei que está contente por ter-me a seu lado.
— De jeito nenhum! Se eu portasse uma pistola, atiraria nesse seu peito insensível!
— Sei que não faria isso.
— Quem me dera ter um revólver e eu lhe mostraria! Você é um desclassificado!
— Será que me ama por isso?
— Eu não te amo! Além de tudo, é presunçoso e...
Lucas interrompeu-a com um beijo tão leve que Penélope nem mesmo teve certeza
de que acontecera de fato.
Mas foi suficiente para fazer explodir a fúria de Penélope. Ela deu um passo para
trás e desferiu uma bofetada no rosto de Lucas, com toda a força. Em seguida, desceu
e procurou uma cabine onde pudesse chorar em paz.
Lucas ficou por um bom tempo esfregando o queixo dolorido, mas um largo sorriso
distendia-lhe dos lábios.
Cheryl Holt Destino Incerto

Capítulo XX

Penélope permaneceu na cabine durante seis dias. Ou pelo menos foi o que lhe
pareceu. Não havia janela, e os momentos escuros sucediam-se sem que se pudesse
notar diferenças razoáveis, a não ser a alteração do nível de ruído. Algumas vezes era
possível escutar murmúrios vindo da cozinha, que ficava na outra extremidade, o que a
levava a supor que os marinheiros estariam comendo ou trocando de turno.
Sua cabine era um dos espaços minúsculos que se alinhavam na popa. Abafada,
quente, sombria. Penélope não deixou o catre estreito. Sentia o balanço do casco e
escutava o ranger do madeiramento.
Duas vezes por dia, Colette deixava no corredor uma bandeja de comida morna e
uma bacia com água para as abluções. Batia na porta e perguntava se Penélope
precisava de alguma coisa. A resposta invariável era para a criada sair dali.
Os meninos apareciam de vez em quando, falando baixinho e tentando fazê-la sair
do cubículo. Não os culpava por terem participado do plano. Afinal, eram apenas
crianças. Por isso pedia-lhes, sem agressividade, que a deixassem só.
Em sua luta contra o mundo, Penélope ergueu uma barricada. Escorou a porta com
um dos baús pesados, pois não dispunha de fechadura. Mas os inimigos não fizeram
nenhuma tentativa de invasão. Deixaram-na sofrer em paz.
Deitada no colchão disforme, mirava sem parar o teto baixo e as paredes estreitas,
tentando encontrar um ponto positivo no comportamento de todos. Em vão. Fora encar-
cerada sem a menor consideração ou piedade.
Por serem muito limitados, os espaços do navio não permitiam privacidade. Se
fosse para o corredor, acabaria por encontrar as pessoas que detestava e que nunca
mais desejava ver em sua vida. Não tinha lugar para dar um passeio, nenhum canto
sossegado para ler um livro ou para contemplar as ondas. Por isso, continuava deitada
em sua cabine.
A viagem para a América levaria muitas semanas. Penélope não poderia ficar
trancada ali aquele período todo ou enlouqueceria. Teria de encontrar forças para sair,
fazer um pouco de exercício e respirar ar puro.
Seria preciso encontrar uma maneira de movimentar-se no convés e de controlar a
ira para não matar ninguém.
Além do mais, a perspectiva de uma interação pacífica com a quadrilha estava
descartada.
O que aconteceria depois que chegassem à América? Regressar para a Inglaterra
seria impossível, pois não possuía recursos para a compra da passagem. E mesmo se
voltasse, para onde iria? Nem pensar em retornar à toca do leão, ou seja, à casa do
Duque. Não permitiria que ele fizesse nova tentativa de orquestrar-lhe o futuro. Bastava
o que já enfrentara sob as asas do pai.
Havia duas opções. Convencer o Duque a financiar o retorno ou encontrar algum
meio de sobreviver sozinha na América. Contudo, duvidava que Lucas fosse concordar
com alguma uma delas depois do trabalho que tivera para raptá-la. Penélope nem
mesmo podia pensar em ter uma conversa racional com ele, porque pretendia, que Deus
Cheryl Holt Destino Incerto

a ajudasse, jamais dirigir-lhe a palavra.


Uma única solução lhe ocorria. Ficar na casa de Lucas até tornar-se uma hóspede
permanente. Passaria os anos em um dos aposentos superiores, andando de um lado a
outro e falando consigo mesma como uma solteirona louca e velha.
A visão dela mesma naquele estado e dependente de Lucas provocou-lhe um
acesso de riso. Intensificaram-se as suspeitas de já ter começado a perder a razão.
Pelo silêncio, Penélope deduziu que era noite, embora lhe parecesse difícil acertar.
Ficara trancada muito tempo. Esperava que todos estivessem dormindo e que só
encontrasse os marinheiros encarregados de manejar as velas no escuro.
Apressada, tirou a camisola e enfiou um vestido pela cabeça. Afastou a arca e abriu
a porta. Descalça e na ponta dos pés foi até uma escada de mão apoiada em uma
escotilha aberta. Por ali poderia alcançar o convés, caminhar um pouco, tomar um pouco
de ar e voltar para a cabine, antes que alguém a notasse.
Aflita, subiu os degraus tropeçando na saia. Sem anáguas, o comprimento
aumentava e o tecido enrolava-se em seus pés. Alcançou o deque de madeira e teve
uma surpresa. A chuva pesada e quente a encharcou.
Ao longe, relâmpagos iluminavam o horizonte, e os trovoes se sucediam,
poderosos. As tonalidades do firmamento variavam entre o cinza e o negro. O vento e o
sal exalavam cheiros característicos.
Penélope aproximou-se da amurada e apoiou-se para não cair. A borrasca
continuava. O vestido fino colava-se no corpo como uma segunda pele. A ventania
empurrava o tecido molhado para trás, realçando os seios, os mamilos eretos e o ventre
liso.
Saboreou o alívio que sentia depois de ficar trancafiada durante tantos dias. Ergueu
os braços, saudando a alegria e a liberdade de poder integrar-se na tempestade
devastadora e selvagem. Absorveu a energia com um entusiasmo que beirava a
sensualidade. Teve a impressão de que se transformava em um dos elementos do
temporal.
O navio afundou em uma onda enorme. A água salgada cobriu-a e espalhou-se
pela proa. Um relâmpago iluminou o céu e o convés. Foi então que Penélope percebeu,
a sua direita, Lucas em pé, vestido apenas com um calção apertado. A peça ensopada
moldava-lhe as coxas e as panturrilhas musculosas. Ela estremeceu aos lembrar-se
daquelas pernas entrelaçadas às suas ou abrindo caminho entre suas coxas.
Os ombros largos emolduravam o peito descoberto e cheio de pêlos. A pele
molhada reluzia sob a claridade dos relâmpagos.
Lucas estava excitado, era impossível deixar de ver. Penélope lembrou-se de que
Lucas adorava ser acariciado de maneira erótica e de que a ensinara a deleitar-se com
o gosto especial da excitação.
Não soube explicar se a ânsia que experimentava se devia à violência da borrasca
ou da intensidade do vento. A única certeza era de que desejava repetir tudo o que
haviam feito em suas horas de paixão. Queria cair de joelhos e experimentar o júbilo da
atração que exercia sobre Lucas, embarcar em outra daquelas escaladas loucas que a
levavam ao êxtase.
Apesar da escuridão, comprovou que os olhos dele cintilavam em carícias tórridas.
Cheryl Holt Destino Incerto

Sentiu-as nos lábios, nos seios, no abdome e na parte interna das pernas.
— Penélope! — Lucas gritou com a mão estendida, antes de ela sair correndo.
Penélope desceu a escada, entrou na cabine, fechou a porta e acendeu uma
lamparina. Enxugou o rosto e os cabelos com uma toalha e tirou o vestido molhado. Nua,
estremeceu, mas não de frio.
Virou-se ao ouvir o ranger de dobradiças. Tarde demais, constatou que se
esquecera de escorar a porta com a arca.
Lucas entrou, e seu físico avantajado ocupou grande parte do espaço diminuto.
Não havia como fugir. A água pingava de seus cabelos e de sua calça. As narinas de
Penélope alargaram-se com o odor daquele homem sensual e viril.
Permaneceu imóvel, pronta para uma batalha. Lucas aproximou-se e avaliou-a com
olhar abrasador. Tocou-lhe o busto com os dedos ásperos e rodeou o mamilo com o
polegar. No mesmo instante, Penélope sentiu a umidade da volúpia. Seu corpo também
a traía!
— Senti sua falta.
— Pois eu não. — Penélope o encarou com desdém.
— Mentirosa e ainda mais linda do que antes...
Lucas ajoelhou-se e segurou-lhe os quadris. Abocanhou um dos mamilos eretos e
sugou-o em um verdadeiro jogo doce de prazer.
— Não faça isso... — Penélope desmentiu as próprias palavras, acariciando-lhe a
nuca.
Lucas deu a mesma atenção ao outro, depois juntou os dois seios fartos e beijou
os mamilos alternadamente até Penélope não distinguir em qual estavam a língua e os
dentes de Lucas. E contra sua vontade, começaram as contorções.
Ele a abraçou e levou-a até a cama estreita, onde a deitou. Penélope afastou as
coxas. Lucas fez um caminho de beijos do busto até o umbigo e depois desceu até
encontrar o que procurava.
Com maestria, executou na cavidade secreta uma dança insana com a ponta da
língua. Penélope arqueou-se de encontro à pressão da boca de Lucas.
Ele pôs sobre os ombros os joelhos dela e apertou-lhe os seios em um ritmo
constante, forte e lento. Penélope não pensava mais em protestar. Nem poderia.
Sucumbira aos caprichos de Lucas. Quando ele mordiscou o ponto de maior prazer,
Penélope contorceu-se com selvageria, sem medir conseqüências.
Lucas deitou-se sobre ela e beijou-a. Com os lábios fundidos, procuraram o interior
das bocas com línguas ávidas e duras. Penélope sentiu o próprio gosto nos lábios dele,
o que a deixou ainda mais excitada.
Lucas pôs a mão na braguilha, recuou e aprontou-se para o ato supremo. Penélope
afastou-lhe a mão e fez questão de guiá-lo ela mesma.
Os olhos de Lucas cintilaram com a satisfação de ter sido aceito, e Penélope
arqueou os quadris para recebê-lo. Ele a penetrou e deteve-se, com um suspiro. Apoiou-
se em uma das mãos e acariciou-lhe o rosto, o pescoço e o busto.
— Penélope... senti tanta saudade! Pensei que nunca mais a teria. Diga que
também sentiu minha falta. — Beijou-a com suavidade. — Diga.
— Não posso. — As lágrimas ameaçavam escorrer-lhe pelas faces.
Cheryl Holt Destino Incerto

— Pode, sim. Diga o quanto queria fazer amor comigo e o quanto me deseja.
— Não posso...
— Diga, amor. Faça isso por mim.
Lucas começou uma exploração gentil e terna das profundezas dela. A viagem foi
branda, cuidadosa. A cada nova pressão dos quadris de Lucas, Penélope constatava o
desaparecimento gradual de sua determinação, de sua raiva, e sobretudo de sua
sensatez. Ele conseguia dominar-lhe a autodefesa com grande facilidade.
Porém, teve de admitir que no íntimo também não queria resistir àquele redemoinho
humano.
O ritmo das investidas aumentou, e ela abandonou-se ao deleite da paixão.
Agarrou-o pelos braços, enquanto a excitação crescia. Lucas penetrava-a, voltava e
tornava a investir.
— Chegarei tão fundo e com tanta força que semearei uma vida nova em seu
ventre. Quero um filho seu, Penélope.
— Ah... Lucas...
— Posso tentar, não posso, meu amor? Fale que deseja um filho meu mais do que
tudo no mundo ou mande-me parar. — A hesitação foi imperceptível. — A escolha é sua.
Penélope extasiou-se com a devoção dele. As memórias tristes haviam
desaparecido junto com a animosidade. Não havia mais lugar para um coração partido
e para o sofrimento. As únicas lembranças presentes eram os dias felizes que passaram
na casa de campo. Lucas a fizera sentir-se adorada e necessária. Muito amada.
Penélope prendeu-lhe as costas com as pernas, e aquela era a resposta que Lucas
queria. Exultante, segurou-lhe as nádegas com firmeza.
— Juro que jamais se arrependerá dessa decisão.
— Tenho certeza disso, Lucas.
— Terá de casar-se comigo pela segunda vez. Meu irmão é insistente.
— Aquele trapaceiro...
— Depois de conhecê-lo melhor, verá que é um bom sujeito. Se lhe servir de
consolo, Matt me considera um patife. E acertou-me com vontade por sua causa.
— Então esse foi o motivo da briga?
— Sim.
— Bem... talvez ele não seja mesmo um mau-caráter.
— Matt ficará muito feliz com sua anuência. Como também Colette e os meninos.
— Lucas beijou-lhe os lábios. — E eu mais do que todos. Penélope, conceda-me a honra
de ser seu marido. Formaremos uma família, meu amor. Faremos tudo certo desta vez,
e poderei dizer aos quatro ventos que Penélope Westmoreland é minha adorada esposa.
Juro que agirei sempre com bondade e que a protegerei com unhas e dentes. Prometo
que a amarei e que lhe demonstrarei minha afeição até o fim de meus dias.
Qual a mulher poderia resistir a semelhante declaração? Não havia sentido recusar
um destino escrito nas estrelas.
— Lucas Pendleton, eu aceito ser sua esposa.
— Ah, meu amor! — Lucas abaixou a cabeça e beijou-a. De repente, a urgência
recomeçou e nada mais teve mérito a não ser o amor e a união dos corpos, que poderia
gerar um filho para eles.
Cheryl Holt Destino Incerto

Penélope acompanhou o ritmo de Lucas até o fim, e as ondas gloriosas da


libertação envolveram os amantes com energia extraordinária.
Penélope voltou à terra, amparada pelos braços do amado. Ele se deitou de lado,
sem soltá-la. Em seguida, acariciou-lhe, gentil, as costas e os quadris.
— Eu me esforçarei para ser uma boa esposa, Lucas Pendleton — Penélope
prometeu pela segunda vez. A primeira fora no jardim da casa de seu pai.
— Sei disso, meu amor.
Ela fez-lhe um carinho preguiçoso e adormeceu com um sorriso nos lábios.

FIM

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