Heryl Holt - Destino Incerto (My True Love
Heryl Holt - Destino Incerto (My True Love
Capítulo I
fizera.
Harold permaneceu imóvel tanto pela fúria como pela superioridade física do
oponente. E sobretudo por saber que a indignação de Pendleton era justificada. Ele
parecia um barril de pólvora prestes a explodir, e Harold precisava manter a calma para
evitar o pior.
— Conheci Caroline, uma jovem adorável. Americana, creio eu. Encontrei-a há
alguns anos, quando ela esteve aqui visitando os primos ingleses.
— Sei disso. — Lucas sentiu-se aliviado com a admissão do conhecimento.
— Não a vejo há muito tempo.
Harold já tivera tanta mulheres que lhe escapavam detalhes a respeito delas. Mas
não dessa vez. O irmão parecia-se muito com Caroline. Cabelos negros e longos, olhos
castanhos e profundos. Recordava a jovem bonita e graciosa, magra e alta. Bem
diferente das inglesas loiras e pálidas que conhecera. Não havia como não gostar dela.
Era bem-educada e tinha senso de humor. Urna ótima ouvinte, além de conversar sobre
qualquer assunto. Dotada de inteligência vivaz e cultura acima da média. Era com uma
moça assim que Harold sonhara em casar-se.
Quando aprendeu as artes do amor, Caroline tornou-se uma parceira fogosa, fato
que não poderia ser comentado com Lucas Pendleton.
Quanta doçura envolvia Caroline! Como aquele verão maravilhoso passara
depressa!
— Como está ela?
— Morta.
— Ah, sinto muito... Minhas condolências. — Harold procurou não demonstrar
sentimentos que o denunciassem.
— Não queremos seus pêsames. Não quer nem saber como minha irmã morreu?
— Se quiser contar-me... — Harold não gostou de seus pressentimentos.
— Caroline veio a falecer logo após o parto, seis meses depois de ter deixado a
Inglaterra.
O Duque continuou imóvel. Não piscava e parecia não respirar.
— Mas que coisa triste. — Harold sentiu vontade de vomitar e engoliu em seco. —
Quando?
— Faz quase cinco anos.
— Perdão, mas não entendo os motivos que o trouxeram aqui. Imagino que se
relacione com o falecimento de Caroline, mas não sei o que isso tem a ver comigo.
— Cale essa boca mentirosa!
Lucas desejou ter a coragem de matar Westmoreland. Agressivo e sarcástico, usou
o prenome do Duque, apontando de novo a arma, agora para o peito dele.
— É um menino, Harold. Parabéns. Ele vai. completar cinco anos, e se me disser
que não é seu, atravessarei seu coração com uma bala antes de que pronuncie qualquer
outra palavra.
Harold passou a língua no lábio inferior, calculando as possibilidades. Teria deixado
Caroline grávida?
O caso entre eles fora intenso e rápido, sem oportunidade para maiores
sentimentalismos após a partida da jovem. Ficara poucas vezes a sós com Caroline. Os
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encontros secretos e proibidos tinham sido abreviados pelo retorno dela à América. Bem
que gostaria de ter lhe ensinado muito mais...
Uma criança? Impossível! Por que Caroline não lhe escrevera? Talvez o houvesse
feito, mas a notícia devia ter se extraviado em meio aos imprevistos que rondavam as
viagens oceânicas.
E, se ele tivesse sabido, o que poderia ter feito?
— Não estou dizendo que não sou o pai do menino...
— Harry é o nome dele — Lucas interrompeu-o. — Minha irmã pediu-nos para dar-
lhe seu nome.
O que não correspondia à verdade. Caroline jamais dissera quem era o pai de
Harry. Lucas usara de todos os meios para forçá-la a confessar, mas fora em vão. Ela
temia a reação dos irmãos.
Em seu leito de morte, pediu que o menino se chamasse Harold, sem mencionar o
motivo. Anos mais tarde, Lucas encontrou a carta escrita pela irmã e que nunca foi
enviada. E assim descobriu quem era o pai de seu sobrinho.
Os dois se entreolharam, e Harold não pôde deixar de admirar aquele americano
intrépido. Poucos teriam coragem de desafiá-lo daquela maneira. Talvez Pendleton fosse
também um tanto maluco.
— O que deseja de mim, Pendleton?
— O reconhecimento legal.
— Não pode estar falando sério!
— Torno a avisá-lo de que não estou brincando.
Ouviu-se o ruído da arma sendo engatilhada.
— Não tenho a menor intenção de fazê-lo.
Harold se sentiu mais ousado. Pendleton procurava uma declaração que
legitimasse seu sobrinho, por isso não haveria de matar a única pessoa que poderia
confirmar ou negar a alegação.
O Duque não pretendia corroborar o argumento. Tinha outra filha ilegítima, Maggie.
Apesar do passado tumultuado, no momento as relações entre ambos eram cordiais. Ele
ainda não a reconhecera publicamente, apesar de Maggie ser bem-aceita na sociedade,
depois de haver se casado com o marquês de Belmont. Ela nascera de um
relacionamento amoroso, quando Harold ainda era solteiro. E se não dera a Maggie o
benefício da identificação paternal, decerto não o faria em prol de um garoto que nunca
vira e do qual ouvira falar fazia poucos minutos.
— Já escutei demais. — Harold ergueu-se, confiante. — Está na hora de o senhor
retirar-se. A despeito de sua insistência e de sua ira, jamais me convencerá de que sou
o pai desse bastardo.
Lucas estremeceu, mas não comentou o emprego do termo. Westmoreland haveria
de facilitar a vida de Harry. Nem que isso custasse ao tio o último centavo e o último
suspiro.
Tirou do bolso do colete uma miniatura que fora pintada antes da partida da Virgínia.
— Veja o rosto do garoto e seus olhos azuis. — Lucas atirou a semelhança em
cima da mesa. — Agora tenha a desfaçatez de dizer que ele não é seu filho.
Com má vontade, Harold apanhou a moldura dourada e examinou a reprodução.
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Capítulo II
Penélope não sabia como agir nem o que dizer na presença dele. Tinha medo e
necessidade de manter-se alerta. O olhar de Edward era assustador, como se
pretendesse viola-la a qualquer instante.
"Meu Deus, que castigo!"
— Assim será melhor. — Edward tornou-se ameaçador. Não quero que ande
sozinha no escuro. Nem mesmo na propriedade de seu pai.
— Não repetirei a imprudência.
— Muito bem, minha menina. — A corpulência do conde bloqueava o pouco de luz,
e o desconforto crescia com a proximidade. — Gosto de crianças obedientes. Minha
querida Penélope é uma delas, não é?
— Claro.
Penélope sorriu sem vontade e recuou. Edward acompanhou-lhe o passo. Estavam
muito afastados da mansão. Ninguém a ouviria, se chamasse. Atrás, o muro era alto e
comprido. A única maneira de escapar seria passando por Edward e correndo por onde
ele viera.
— A doce Penélope aprende depressa, não é mesmo?
Apavorada, ela lembrou-se do tanto que ele bebera no jantar e de quanto tempo os
homens saborearam vinho do Porto, depois da saída das mulheres.
Fingiu estar com frio e fechou melhor a capa.
— Está esfriando, não é verdade? Por favor, leve-me para dentro.
Edward grunhiu uma risada e enrolou em seu dedo um dos cachos de Penélope
até causar-lhe dor. Puxou-a pela madeixa mais para perto, e a saia dela enrolou-se nas
coxas dele.
— Ainda não quero entrar.
— Mas eu sim.
— Pensei em roubar um beijinho enquanto estamos aqui. Não se importa, não é,
meu bem? Tivemos poucas oportunidades de ficar a sós, e estou ansioso para
experimentar o gosto do que estou comprando.
Irritada pela crueza do comentário, Penélope evitou falar, mas o conde agarrou-a
pelo braço.
— Boa noite, Edward! — O tom feroz que costumava causar tremores nos
circunstantes não surtiu efeito.
— Não a deixarei ir embora tão fácil. — As pupilas dele brilhavam com um desejo
doentio.
— Milorde está embriagado...
— Nem tanto.
— ...e comporta-se com grosseria. Boa noite! — Penélope repetiu e procurou
desvencilhar-se, mas ele a segurou com mais energia. — Solte-me! Está me
machucando!
— Então obedeça, e eu não terei de usar a força. Penélope ficou imóvel, e ele
cumpriu a promessa.
— Ótimo. Detesto dar duas vezes a mesma ordem.
Ela tentou escapar, mas Edward reagiu rápido demais para um bêbado. Arrastou-
a até um banco próximo e derrubou-a sobre ele. Estendeu-se sobre Penélope e beijou-
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Capítulo III
As vinte e quatro horas que antecederam o encontro com Lucas Pendleton foram
as mais longas da vida de Penélope. Não conseguiu dormir, pensando em seu futuro
como esposa de Edward.
O que a fazia lembrar do Sr. Pendleton. Quando fechava os olhos, ouvia o barulho
dos socos dele na barriga e no queixo de Edward. Se o conde não se rendesse, o
intrépido americano teria continuado a batalha.
Quem seria o estranho misterioso que a defendera sem medir conseqüências? Até
mesmo ameaçara matar o rico e poderoso Edward Simpson! Penélope desconfiava de
que o Sr. Pendleton não hesitaria em executar a advertência.
Jamais vira um homem igual ao Sr. Pendleton. Nenhum de seus conhecidos se
comparava a ele em bravura, coragem e cavalheirismo. E muito menos em aparência,
Era um príncipe encantado, e como tal viera em seu auxílio como nos contos de fadas
de sua infância.
Na adolescência, sonhara com um herói intrépido e magnífico que a arrebataria e
por quem acabaria se apaixonando.
E viveriam felizes para sempre.
Contudo, nos últimos três anos, abrira os olhos para a realidade e deixara de lado
as fantasias idílicas. Apavorada, admitiu que o encontro com Lucas Pendleton apenas
sublinhara a necessidade de um esquema que lhe permitisse sobreviver nos meses que
se seguiriam. Se não desenvolvesse uma estratégia de conduta, seria impossível
suportar o dia... e a noite do casamento.
Não tinha experiência em questões referentes ao leito matrimonial. Mas Colette,
sua criada pessoal, encarregara-se de fornecer-lhe o histórico dos fatos, passo a passo.
Depois do comportamento desastroso de Edward, Penélope, desesperada, considerou
que seria preferível a morte a que submeter-se àquele conde libidinoso.
Nada menos factível. Ao longo de sua existência, recebera lições intermináveis
sobre a importância do dever. As responsabilidades impostas em sua consciência
dificultavam que agisse de acordo com a própria vontade. No círculo social em que
nascera e crescera, não havia como desobedecer às ordens de um pai que lhe impunha
um marido.
Às vezes, gostava de fantasiar que era uma pessoa valente, que fugiria e se
estabeleceria em um lugar onde ninguém a reconhecesse. Mas para onde ir e como
sustentar-se?
Não possuía ilusões naquele quesito. Dependia do pai. Não era como as mulheres
de classe inferior que trabalhavam para comer. Nem mesmo tinha habilidades que lhe
permitissem ganhar dinheiro. Fora criada para ser competente nos deveres de uma dama
nobre, fosse condessa ou Duquesa.
Sabia planejar um grande jantar de cerimônia e como distribuir convidados à mesa.
Tinha capacidade para comandar os servos e conhecimento de quantos deles seriam
necessários para o bom êxito das atividades de uma herdade. Porém, nenhuma dessas
aptidões era requerida nas ruas de Londres.
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noturno.
Elas remoeram todas as passagens detalhadas à exaustão por Penélope, sem
chegar a nenhuma conclusão. Por que o Sr. Pendleton viera falar com o Duque? E por
que desaparecera sem deixar vestígios?
No final da tarde, examinaram os guarda-roupas de Penélope e separaram vestidos
escuros que não chamassem a atenção, convencidas de que agiam sob o efeito de
alguma força desconhecida.
Colette sempre lia as folhas de chá e consultava as estrelas, à procura de indícios
e sinais. A chegada do Sr. Pendleton tinha de ser significativa. Talvez o destino estivesse
estendendo a mão a sua patroa.
Qual outro prognóstico possível envolvendo o aparecimento de Lucas Pendleton?
Lucas andava de um lado a outro no convés do Sea Wind ancorado. Era um de
seus cinco navios usados para transportar mercadorias na Costa Leste dos Estados
Unidos e em viagens ocasionais ao velho mundo. As embarcações eram sua alegria e
orgulho, fruto de uma existência de muitas lutas e trabalhos intensos.
Quando tinha cinco anos, fora raptado no porto próximo à casa dos pais, na
Virgínia, e embarcado à força em um navio mercante.
Durante os anos em que trabalhou sem contrato, as memórias de seus familiares
tornaram-se responsáveis pela coragem de continuar a luta. Voltara à terra de origem já
rapaz-feito e tivera a tristeza de descobrir que seus pais haviam morrido de gripe. Seus
irmãos foram mandados para a casa de vizinhos, onde cresceram confusos e
maltratados.
Embora muito jovem, jurou a si mesmo que faria o impossível para sustentá-los,
sem depender dos outros. Para isso, trabalhou duro, mas também enganou, mentiu e
até roubou.
Aos quinze anos, ganhou o primeiro navio em um jogo de cartas. Uma escuna
enferrujada, com o madeirame comido pelos carunchos e que a custo flutuava. Mas
Lucas tinha a sensação de ser o rei dos mares quando ficava em pé na proa, cruzando
as ondas.
Aos vinte, comprou dois navios. Pouco mais tarde, tinha cinco das melhores
embarcações do mercado e uma pequena propriedade nas cercanias de Jamestown que
produzia tabaco de ótima qualidade.
Caroline, sua irmã, transformara-se em uma jovem de rara beleza. Cuidava da casa
e dos negócios na ausência dos irmãos. Nisso, primos distantes mandaram uma carta
convidando-a para visitar a Inglaterra.
Lucas, que nada recusava à irmã, cedeu ao desejo dela de conhecer Londres para
uma temporada de bailes e festas. Confiando na proteção dos anfitriões, calculou que
tomaria uma boa decisão se a deixasse viajar.
Caroline retornou diferente, e a explicação não tardou a aparecer. Lucas ainda se
lembrava da manhã em que uma das criadas lhe cochichou a suspeita. Durante o
confronto que se seguiu, sua irmã, muito alegre, deu a notícia, mas recusou-se a revelar
o nome do pai da criança.
Após sua morte, Lucas passou a culpar-se. Se ao menos não a tivesse deixado
visitar os parentes na Inglaterra, se houvesse viajado com ela, se a tivesse forçado a
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determinação e a facilidade de agir como um menino mimado de alta classe deviam ser
herança dos Pendleton masculinos.
Para seu desgosto, a visita a Westmoreland mudou sua opinião. Harry era um
representante perfeito da família poderosa e rica. Decidido e voluntarioso, encaixar-se-
ia com perfeição no meio dos Westmoreland, sem necessidade de ajustes. E esse
epílogo era, no mínimo, desalentador.
Porém, Harry era um Pendleton, e como tal fora criado. Que diferença faria se
tivesse alguns traços semelhantes aos dos Westmoreland?
— O que esteve fazendo, meu rapaz?
— Ajudando o mestre Fogarty.
Lucas gostava de saber que idoso e sensato marinheiro ocupava-se com o garoto.
— Como assim?
— Estávamos costurando, mas ele disse que ainda preciso praticar bastante.
— Costurar é uma habilidade importante para um homem do mar.
— Foi o que o mestre Fogarty explicou — Harry falava com uma maturidade
admirável para sua idade.
Enquanto conversavam, Lucas viu Matthew aproximar-se. Teve esperança de que
o irmão houvesse conseguido cumprir o combinado, depois de passarem parte da noite
discutindo sobre o caso.
— Tio Matt já está de volta, Harry.
Os dois observaram Matthew caminhar a passos Largos, evitando as carroças que
eram carregadas.
O menino pulou de cima do barril e correu até a amurada, acenando, com
animação.
— Tio Matt! Tio Matt!
A despeito do barulho, Matthew conseguiu ouvir os gritos do sobrinho. Levantou a
cabeça, sorriu e retribuiu os acenos.
Lucas acompanhou Harry e bateu-lhe com carinho no ombro.
— Por que não desce um pouco, Harry ? Preciso conversar com Matt a sós. Tenho
certeza de que o mestre Fogarty está precisando de seu precioso auxílio.
— Ah, tio Luc...
— Eu o chamarei assim que terminarmos. Depois iremos jantar em seu pub
preferido.
A promessa trouxe um sorriso ao rosto do pequeno, que sumiu pela escotilha antes
de Matthew subir a prancha de embarque.
Lucas gostou da expressão confiante do irmão. Conjeturou que a facilidade com
que o problema começava a ser solucionado era um bom sinal.
— Encontrei uma casa para nós.
— Ótimo, Matt!
— Acredito que servirá a nossos propósitos.
— Excelente.
— Não é muito longe da cidade.
— Poderemos cavalgar ida e volta para completar nosso trabalho?
— Isso mesmo. O lugar fica nos limites da aldeia. Perto o suficiente para ir a pé até
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o mercado, mas longe o bastante para não chamar a atenção de vizinhos bisbilhoteiros.
— E as acomodações?
— Eu não diria que se trata de um palácio ducal. — Matthew deu de ombros para
esnobar o tipo de luxo a que o hóspede iminente estava acostumado. — Mas se prestará
muito bem ao que planejamos. A casa pertence a um mercador local que está fora do
país, cuidando de seu comércio exterior.
— E quando ele voltará?
— Dentro de alguns meses.
— Está mobiliada? — Lucas procurou fazer uma idéia da morada que lhe serviria
de lar por algum tempo.
— Até com roupa de cama. Aposto que vai gostar. Tenho outra surpresa.
— O que é?
— Há um belo pátio anexo. Um pomar com macieiras que podem ser escaladas e
um regato feito de encomenda para nadar... se a situação tiver de ser prolongada até o
verão.
— Nossa! Espero que terminemos muito antes disso. Não sei se meus nervos
suportariam tantas maquinações por período tão longo.
— Harry vai adorar a residência.
Aquele era o ponto fraco do planejamento. Os dois passaram horas a fio estudando
como lady Penélope Westmoreland poderia ajudá-los a demover o Duque, sem resolver
a questão de Harry.
O menino ficara confinado no navio durante semanas, ao cruzarem as águas do
Atlântico Norte em pleno inverno. Depois, perambulou pelas docas londrinas, enquanto
Lucas tentava encontrar-se com o Duque. Com a chegada da primavera, Harry
necessitaria de um local brincar e correr antes que iniciassem a longa jornada de volta
para a América.
Porém, um assunto era crucial. Como manter o pequeno em segurança quando
pusessem a estratégia em ação? Deixá-lo a bordo com Fogarty não era uma opção
viável. Harold Westmoreland poderia descobrir sem querer o paradeiro do garoto e
querer vingar-se nele pelo que estava para acontecer com lady Penélope.
Por outro lado, ousariam expor Harry aos acontecimentos na casa de campo?
— Deixe-me pensar até o final da semana, Matt. Depois tornaremos a discutir a
respeito.
— Como quiser. Quanto ao resto, já está tudo arranjado.
— Ainda bem. Sinto-me mais tranqüilo. — Lucas foi até a escotilha para chamar o
sobrinho. — Todos esses preparativos deixaram-me esfomeado. Vamos comer.
— Grande idéia! — Matthew deu uma palmada nas costas do irmão. — Está
preparado para a noite que se seguirá ao jantar?
— Pode ter certeza disso. — Lucas confiava em sua habilidade no trato com as
mulheres e em todos os tipos de encantos que empregava para conseguir delas o que
desejava. — Minha querida Penélope não sabe o que a espera.
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Capítulo IV
Lucas deteve-se por cima do muro e examinou o pátio. Nenhum guarda à vista.
Westmoreland não contava com seu retorno para um ato tão diabólico como raptar-
lhe o bem mais precioso. Nem mesmo depois da violência com que Lucas agiu na biblio-
teca. A inocência, ou talvez o desdém, de Harold em julgar a determinação de um
vingador era o maior trunfo de Lucas possuía para o sucesso do plano.
Após alguns minutos, convencido de que não haveria surpresas, escorregou até o
chão e, sem o menor ruído, contornou a sebe até perto do banco onde conhecera lady
Penélope, mas não a localizou à primeira vista.
Teria ela desistido de vê-lo?
Foi então que a avistou, sentada, quieta, vestida de preto e com a capa de pele. O
luar refletia-se nos cabelos loiros e deixava-os quase prateados. Penélope era a imagem
de uma jovem à espera de seu amado.
O coração de Lucas disparou. Melhor impossível.
Os cabelos soltos, mal presos com uma fita preta, caíam pelos ombros até os
quadris. Na certa não quisera incomodar a criada para penteá-los. Lucas sentiu um
frêmito de excitação ao imaginar que ela os deixara soltos para encontrar-se com ele, o
que, de certa forma, facilitaria seu objetivo.
Porém, recriminou-se pela ponta de ansiedade provocada pela cabeleira
maravilhosa.
Para que uma avaliação masculina tão meticulosa? Aquilo de nada serviria a seu
projeto. Seria preciso encarar Penélope como um objeto, uma pessoa que lhe serviria
como um meio para chegar a um fim determinado: fazer justiça. Não deveria considerá-
la como um ser humano.
Entretanto, não conseguiu alterar o rumo de seus devaneios. As madeixas longas
eram brilhantes e sedosas. Impossível deixar de pensar em qual seria a sensação ao
acariciá-las. Imaginou passar nelas o rosto.
Sentiu os dedos formigarem com a possibilidade de tocar Penélope. A perspectiva
o fez cismar sobre o abandono puro e simples do esquema bem-planejado. Daria
qualquer coisa para que o encontro fosse na verdade amoroso.
Não havia dúvida de que Lucas Pendleton não raciocinava mais com o cérebro!
Desanimado por suas fantasias carnais, esforçou-se por afastá-las e fez uma
análise da loucura. Seus sentidos sempre se manifestavam quando uma bela dama
cruzava seu caminho.
Penélope Westmoreland era uma moça encantadora, agradável aos olhos e ao
espírito. Mas era também um alvo, e assim deveria ser considerada.
— Olá, minha linda Penélope. — Lucas saiu das sombras e parou a alguns passos
dela. Não pretendia assustá-la.
— Olá. — Penélope levantou-se e sorriu.
— Desculpe-me pelo atraso.
— Cheguei a crer que o senhor não viria.
— Eu não perderia este encontro por nada. — A interpretação dúbia dessa frase
Cheryl Holt Destino Incerto
Sem compreender os motivos, era como se houvesse esperado por Lucas a vida
inteira. Apesar de terem trocado meia dúzia de palavras, Penélope acreditava que
partilhavam do mesmo destino.
De uma certa maneira era uma ligação que jamais experimentara com ninguém.
Uma afinidade que lhe permitia confessar coisas importantes e segredos antes
guardados a sete chaves. Além de pedir ajuda.
Sem conhecê-lo, tinha certeza de que o Sr. Pendleton era bondoso, cheio de
coragem e energia. Um amigo leal a quem valorizava. Jamais a desapontaria ou
abandonaria.
Não aceitava que o desespero era o que motivava aquele tipo de raciocínio. Tinha
esperança de que o Sr. Pendleton se transformasse em uma resposta a suas preces.
Ele seria um sonho realizado, a concessão de uma prece, um problema resolvido.
— Não quer se acomodar? — Lucas entrelaçou os dedos nos dela.
— Eu gostaria muito. — Penélope nunca ficara de mãos dadas com um cavalheiro.
Era gratificante.
Sentaram-se, colados dos ombros às coxas, e ela arrepiou-se outra vez.
Lucas voltou-se para fitá-la, e Penélope reafirmou para si mesma que nunca vira
homem mais belo.
— Tenho uma confissão a lhe fazer.
— O que é? — Ela sorriu. Adorava o timbre daquela voz e o calor que a invadia.
— Pensei em milady o dia todo.
— É mesmo? Também tenho de confessar algo.
— Do que se trata?
— Da mesma forma estive pensando no senhor.
— O dia todo?
— Bem, houve alguns segundos em que...
Lucas deu uma risada.
— Na realidade, sinto-me envergonhada por afirmar que o senhor não saiu de
minha cabeça.
— Fico contentíssimo por isso.
— Sempre fui um pessoa muito equilibrada. Não sei o que aconteceu comigo.
"Eu sei. Milady encontrou a afinidade existente entre nós."
As sensações eram fortes, mas Lucas, experiente na arte de amar, reconhecia os
impulsos desencadeados por Penélope e saberia como contê-los. Teve pena dela. Por
sua ingenuidade, ficaria confusa, aborrecida, sem entender o porquê.
— Espero que não tenha ficado perturbada com o que aconteceu ontem — Lucas
mudou de assunto de propósito.
— Não fiquei.
— Encontrou-se com seu noivo hoje?
— Não. Nada tinha sido programado e, mesmo que fosse o contrário, eu teria
desmarcado. Sempre suspeitei que Edward fosse um sem-vergonha. Jamais o perdoarei
por um comportamento tão ultrajante.
Segura de si, de cabeça erguida, Penélope não parecia a mocinha imatura e
mimada sobre a qual ele ouvira falar nas ruas de Londres. Apiedou-se do bêbado com
Cheryl Holt Destino Incerto
O que em absoluto preocupava Penélope. Ela só queria que o Sr. Pendleton não
fosse embora. Entretanto, imitou-o ao vê-lo ficar em pé.
— Precisa mesmo ir? Tenho tantas perguntas a fazer...
— Eu poderia dizer o mesmo. O que acha de encontrarmos as respostas amanhã
à noite?
Era o mesmo que a esperança de cura para um moribundo. Não bancaria a
coquete, como fora doutrinada a agir no trato com os homens.
— Eu gostaria muito. A meia-noite?
— A meia-noite.
Lucas inclinou-se para beijá-la, mas desistiu. Se o fizesse, não seria responsável
pelos resultados. Encostou os lábios na testa de Penélope e afastou-os depressa.
— Até amanhã, milady.
Penélope tinha prática em disfarçar emoções. Assim, não demonstrou o menor
desapontamento por não ter sido beijada na boca.
— Até amanhã — respondeu para o vazio, pois Lucas Pendleton sumira pela
segunda vez.
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo V
Penélope que moldara com tanto cuidado? Como lidar com a desconhecida diante de
si?
— Então? — Penélope não escondeu a contrariedade e a impaciência.
Harold resolveu agir com cautela.
— Sua mãe me contou sobre o cancelamento do compromisso com Edward esta
noite.
— Isso mesmo.
— Posso perguntar por quê?
— Não, não pode.
A resposta incomum e inesperada confundiu o Duque. Passados alguns instantes,
recompôs-se e dardejou-lhe um olhar irado que nunca falhava em conseguir obediência.
— Terá de ir à soirée com ele.
— Não irei. Para ser franca, Edward não terá outra vez o prazer de estar comigo.
— Penélope levantou-se. — Se isso é tudo o que pretendia falar comigo, tenho coisas
mais importantes para fazer.
Aturdido por tamanha insolência, o Duque ergueu-se em seguida.
— Não pode sair sem minha ordem!
— Perdão, Vossa Graça — Penélope enfatizou o tratamento com ironia. —
Descobri que não tenho estômago para agüentar mais suas diatribes. Eu pediria que não
me mandasse chamar mais, pois não obedecerei a sua convocação.
Com um gesto gracioso, ela foi até a porta.
— Bom dia.
Atônito pelo desrespeito a sua posição de pai, Duque, lorde e senhor, Harold não
achou uma resposta. Ficou vermelho e seu coração disparou. Pela primeira vez em vinte
anos a filha o desafiava, e ele não sabia como reagir.
— E o que deverei dizer a seu noivo? — indagou irônico. Penélope deteve os
passos e espiou por sobre o ombro com uma calma assustadora.
— Diga-lhe que mandei minha criada comprar um pequeno punhal e o carregarei
comigo para onde for. Se Edward se aproximar, não hesitarei em usar a arma.
Penélope saiu em meio a um redemoinho de saias. Magnífica em sua fúria, régia
no porte, uma cópia fiel do pai. Apavorado, o Duque avaliou a mudança.
Quem seria aquela jovem? Pretendia ferir o noivo? Que tipo de insanidade a
acometera? Penélope pretendia romper o noivado?
Certo que Edward passara dos limites. Mas já estava na hora de Penélope aprender
alguma coisa sobre os instintos masculinos. Sempre fizera questão de mantê-la virtuosa
e, mesmo se ela achasse o desejo dos homens constrangedor, não era motivo para
recusar seu dever.
O matrimônio seria realizado, independente da vontade dela. Era um grande
equívoco da filha achar que possuía algum poder de decisão. Harold preferia expulsá-la
de casa a sofrer mais uma vergonha familiar.
Respirou fundo para receber o próximo visitante. Falaria com ela mais tarde.
Purdy, seu homem de confiança, entrou em seguida. Harold tratou de compor-se.
O subalterno não deveria perceber que o poderoso Duque de Roswell estivera
empenhado em uma discussão com a filha e que se abatera por isso.
Cheryl Holt Destino Incerto
— O que descobriu?
Purdy fora um dos mais eficazes ajudantes-de-ordens de Wellington, antes que os
ferimentos o afastassem do cargo. Era discreto, confiável e persistente. Harold
entregava-lhe tarefas que jamais confiaria a outro. Purdy fazia investigações com
competência, obtinha informações sensíveis e pagava subornos às pessoas certas. Faria
qualquer coisa de que Harold necessitasse e realizava um bom trabalho. Embora não
fosse brilhante, era tenaz, qualidade muito apreciada pelo Duque.
O homem abriu as anotações e começou a ler.
— Lucas Pendleton é americano...
— Sei disso, seu idiota. Eu mesmo lhe contei.
— Bem... — Purdy resmungou, desconcertado pela reprimenda. — Ele é da
Virgínia.
Harold quis interrompê-lo pelo motivo anterior, mas Purdy não lhe deu tempo:
— É dono de uma companhia de navegação que opera na Costa Leste dos Estados
Unidos e do Caribe, com viagens ocasionais à Europa. Quatro ou cinco navios.
— Uma empresa familiar?
— Não. Pelo jeito ele mesmo construiu tudo com o próprio esforço.
Era aquele o tipo de homem que Harold detestava. Nada mais exasperante do que
um camarada que ganhou a fortuna com o suor do próprio rosto.
— Então deve ter vindo para a Inglaterra em uma de suas embarcações.
Se encontrassem o navio, seria fácil agarrar o americano. Pendleton teria de pagar
pela afronta que cometera.
— Foi o que imaginei, mas ainda não a localizamos.
— Mas isso é o mais fácil!
Pendleton dera-lhe três dias de prazo, e dois já haviam se esgotado. Ameaçou a
família Westmoreland. O que aconteceria se Harold não fizesse o que ele exigira?
Era necessário agir sem demora. Pendleton deveria ser localizado o quanto antes.
O Duque nada disse a Purdy sobre os propósitos dele. Logo, Purdy não entendia a
urgência da missão. Harold mostrara-lhe o buraco na parede e informou apenas que se
tratava de um homem perigoso, instável e que teria de ser encontrado.
— Na verdade não é, Vossa Graça. O Sr. Pendleton pode ter aportado em uma
cidade distante e ter vindo a Londres de carruagem ou a cavalo. E possível que tenha
conseguido ancorar na parte mais remota do Tâmisa e usado um bote para chegar a
terra firme.
— E se ele for idiota para usar o cais público, onde todos podem encontrá-lo?
— Não é, sir. Pelo que podemos apurar, de idiota ele não tem nada.
"Apenas tolo e muito corajoso."
— Continue procurando, Purdy.
— É o que estamos fazendo. Encontraremos o navio e o americano.
— Ótimo. — Harold confiava na palavra de Purdy. — Agora conte-me o que sabe
sobre o patife.
— Tem trinta anos. Os pais estão mortos. Desde muito jovem, tem sido o guardião
da irmã e do irmão mais novos. Parece que a irmã também é falecida. Estamos tentando
confirmar o fato.
Cheryl Holt Destino Incerto
Harold decidiu nada revelar sobre Caroline. Seus relacionamentos amorosos não
eram do interesse de Purdy.
Rememorou como Caroline fora adorável, bem-educada, bondosa, sincera e nem
um pouco mimada. Via-se forçado a admitir que Pendleton fizera um bom trabalho. E na
certa o irmão gostara muito dela. Depois de tantos anos, cruzava o oceano para tirar
satisfações.
Começou a catalogar as características que conhecia sobre Pendleton. Teria de
entender cada detalhe para vencer o adversário.
Ele parecia ter qualidades admiráveis. Era corajoso, determinado, dinâmico, leal e
trabalhador. Por outro lado, impetuoso e imprudente. Assumiria uma situação de risco
sem medir as conseqüências.
E se Harold estivesse armado quando fora abordado por Pendleton? Se ele
houvesse sido descoberto e o alarme tocado antes que pudesse fugir? Se um dos
guardas estivesse com o Duque?
A intrepidez de Pendleton sem visar os resultados era perturbadora. Queria avançar
a despeito do perigo. Por isso Harold suspeitou que fosse uma pessoa instável que tinha
pouca consideração pela própria segurança e pela dos outros. Não deixava de enfrentar
uma situação, fosse ela qual fosse.
Era precipitado, emoções borbulhavam, embarcava em qualquer incumbência de
cunho moral que lhe parecesse correta.
Em resumo, tratava-se de um antagonista de respeito, que não hesitaria diante de
nada.
— Quero que o encontrem até amanhã cedo.
— Pode contar comigo. — Purdy fez uma reverência e saiu.
Lucas observava a rua apinhada de pessoas abastadas entrando e saindo das lojas
elegantes, interessado nos meninos que se esgueiravam por entre a multidão.
Quando criança, nos anos em que fora forçado a servir a marinha mercante,
passava grande parte do tempo nas docas, andando entre os adultos, em uma procura
furtiva de ganhos extras. Embora apanhado às vezes, tornara-se um gatuno experiente.
Certa ocasião, foi punido por roubar bolsas, e quase perdeu a mão. Teve sorte.
Conseguiu escapar da cadeia antes de a justiça ser feita.
Entendia bem de fome e de pobreza. O início de sua existência foi humilde e
desesperador. Cometeu atos extremos para sobreviver, e por isso não julgava as
crianças que agiam por ali. Além do mais, algumas moedas a menos não fariam falta aos
ricos.
Não decidira que tipo de menino escolheria para ajudá-lo no plano contra os
Westmoreland. Não devia ser muito novo para não ser intimidado, nem muito velho para
ser notado com facilidade. Nem tímido, nem ousado.
Precisava de uma criança capaz de raciocinar por si só. Nem tinha idéia de como
decidir só de olhar o garoto. Mas sabia que daria certo. Desde o começo a sorte se
achava a seu lado.
A dupla trabalhava em conjunto. Um dos meninos correu pela rua e deu um
encontrão em uma senhora idosa que descia da carruagem. Antes de ela recuperar-se
do susto, o outro apareceu para ajudá-la. Com uma das mãos, segurou-a pelo cotovelo
Cheryl Holt Destino Incerto
e evitou que caísse. Enfiou a outra mão na bolsa e tirou objetos de valor, que passou
para dentro da calça. Tudo com movimentos rápidos.
O garoto era pequeno, parecia ter sete ou oito anos, mas na realidade devia ter uns
doze. Os cabelos e olhos eram negros, e lembrava Lucas Pendleton naquela idade.
Como estavam próximos, o pequeno ladrão podia imaginar que Lucas vira suas
manobras furtivas, mas conservou a calma. E como um menino virtuoso, conduziu a
dama para dentro da loja onde ela pretendia entrar. Em seguida, virou-se e sumiu no
meio do povo, sem pressa e sem olhar para trás.
Ao preparar-se para correr na viela, teve o desprazer de encontrar Lucas, que já
examinara as várias rotas de fuga usadas pelas crianças. O instante de hesitação
permitiu a Lucas agarrá-lo pelo braço.
— Se não me soltar, gritarei até que alguém me socorra! — O rapazinho lutava para
livrar-se. Era ágil, magro e rijo.
Lucas deslocou-se para as sombras.
— Pode gritar. Se alguém aparecer, contarei sobre a bolsa que roubou.
Ele aumentou o esforço para escapar.
— Isso poderá custar-lhe um passeio até Newgate, amiguinho. Talvez uma
deportação. Não lhe parece interessante morrer de fome em um navio infestado de ratos
e cujo destino é a Austrália, não é?
— O que deseja de mim? — O garoto relaxou um pouco, mas Lucas não o soltou.
— Tenho uma proposta a fazer-lhe. — Lucas teve a intuição de que escolhera o
menino certo, pois ele estava furioso, mas não amedrontado.
— O senhor errou na escolha. Continue procurando até achar um rapaz mais de
acordo com seu padrão.
Lucas sabia muito bem o que era morar na rua. Na certa o pequeno meliante já
sofrera as piores atrocidades.
— Eu já achei. — Lucas tirou do bolso uma moeda de ouro. — E posso pagar...
— Não quero dinheiro de pervertidos! — O garoto cuspiu no chão.
Lucas suspirou, sentindo-se um tolo.
— Não é o que está pensando. Tenho um negócio secreto e quero contratá-lo para
uma tarefa.
— Ah, sei! — o larápio mirim zombou.
— Estou à procura de alguém que seja corajoso e esperto. — Esperou os elogios
fazerem efeito. — Também deve ser duro e leal. Eu o observei em ação e entendi que
se tratava da pessoa certa. Mas se não estiver interessado...
Lucas deu de ombros, soltou o ladrãozinho e apontou para a saída do beco escuro,
como se não lhe importasse a decisão dele.
O pequeno recuou alguns passos e tornou a fitar a moeda de ouro na mão de
Lucas.
— De quanto dinheiro estamos falando?
O menino fora fisgado. Era difícil resistir ao ganho fácil.
— Uma boa quantia, e o trabalho será simples.
— O que terei de fazer?
— Levar uma carta até a casa de um cavalheiro rico e depois sair correndo. Não
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo VI
De costas para o banco do jardim, Penélope escutava, atenta. Pelo barulho das
folhas, entendeu que o Sr. Pendleton chegava. Podia sentir-lhe a presença, mesmo sem
se voltar.
Apesar de conhecê-lo havia apenas dois dias, era capaz imaginar como se movia,
qual sua fragrância ou o tom de sua voz. Lucas Pendleton invadira sua vida, seus
pensamentos e sonhos. Não podia comer, dormir ou raciocinar sem senti-lo a seu lado.
Sorriu e virou-se. Seu coração bateu mais forte. Ali estava ele, alto, ereto e ainda
mais bonito do que lhe parecera antes.
— Olá, Sr. Pendleton.
Os olhos negros brilharam com uma emoção que Penélope não saberia descrever.
Era como se a acariciasse e a desejasse... Muito.
— Como vai, minha bela Penélope? Por favor, apenas Lucas.
— Está bem.
Ela adiantou-se e experimentou o aroma de sabão da pele exposta ao ar frio
noturno, de cavalo, de fumo e de uísque. Além de um perfume almiscarado e primitivo
que a atraía. Ansiava tocar e ser tocada. Nunca tivera uma reação física diante de um
homem, por isso não sabia como comportar-se. Estendeu uma das mãos.
Lucas observou-a. Depois de reconhecer a atração que sentia por Penélope,
passara o dia todo tentando convencer-se de que poderia resistir à força natural que os
aproximava. Era um homem experiente, e ela, uma donzela ingênua que poderia ser
conduzida pelos arroubos de uma paixão. Os planos que fizera não deveriam incluir nada
além de um relacionamento superficial. Se tanto.
A despeito de não desejar mal a lady Penélope, teria de prosseguir no caminho
traçado, sem se importar com sentimentos. Dele ou dela.
No entanto, quando Penélope chegou perto, as boas intenções se foram. Lucas
segurou-lhe os dedos, abraçou-a e passou a mão por baixo da capa, segurando-a pela
cintura. Conteve o ímpeto de acariciar-lhe os seios e os quadris, e conservou uma
distância prudente entre ambos, embora ansiasse por apertá-la de encontro não só ao
peito.
Aquele era um jogo perigoso que apelava para seus instintos animais. A pulsação
acelerou, o sangue disparou nas veias e concentrou-se na virilha. A excitação violenta
estarreceu-o.
Inclinou-se depressa e beijou-a na testa, como fizera na véspera.
Penélope foi envolvida pela altura e pelo calor de Lucas. As carícias dele causaram
uma frio estranho que se irradiava do estômago para o corpo inteiro. Um arrepio interior
enfraqueceu-a, aqueceu sua feminilidade, deixou os seios intumescidos e os mamilos
rijos. Teve consciência de ser mulher e sedutora. Sem conseguir respirar, ergueu o rosto
e recebeu um beijo na testa.
Agarrou a frente da camisa dele e ficou na ponta dos pés.
— Beije-me — ordenou, com suavidade. Era com o que vinha sonhando horas a
fio.
Cheryl Holt Destino Incerto
— Penélope, se não pararmos agora, não poderemos refrear mais nossos atos.
Ela escutara as explicações de Colette sobre o desenrolar do amor entre homens
e mulheres, e a prática não lhe pareceu diferente. A rigidez de Lucas encontrava a
maciez dela. O tórax largo apertava-lhe o busto farto.
Lucas a desejava, e sua masculinidade comprimia-lhe o ventre, o que a deixou
agitada e imprudente. Seria capaz de fazer qualquer loucura. Sentia contrações nas
entranhas, o coração disparado e uma quentura intensa. Não queria ver terminado
aquele momento glorioso.
— Não me importo, Lucas. Quero saber como é... com você.
A sinceridade dela era singular e comovente.
— Eu sei. Mas quero crer que não saiba o alcance do que está dizendo.
— Entendo muito bem — Penélope insistiu. — Não sou tão bobinha quanto pensa.
Conquanto não houvesse vivenciado os ensinamentos da criada, atinava com o
que sucederia, se seguissem avante. Imersa em um mar de ansiedade, desejava Lucas
Pendleton. Colette dissera que isso aconteceria na hora certa e com o homem certo.
— Não duvido, mas também sei que não tem nenhuma experiência, e talvez não
consiga discernir as conseqüências. Milady oferece-me um presente generoso que não
posso aceitar. Ainda mais aqui, em um banco frio do jardim da casa de seu pai.
Lucas suspirou e passou as costas de dois dedos no rosto dela.
— Sua primeira vez tem de ser especial, com uma cama larga e um colchão macio.
Lençóis perfumados e luz de velas. Nada de atos rápidos no escuro com as saias levan-
tadas e grama nos cabelos. — Lucas segurou uma madeixa loira e aspirou-lhe a
fragrância.
Mesmo imaginando o cenário que ele descrevia, Penélope não resistiu a um pouco
de coquetismo.
— Eu não me importaria com algumas folhinhas em meus cabelos.
A risada quente e profunda de Lucas deixou Penélope ainda mais alvoroçada.
— Venha sentar-se um pouco.
— Está bem. — Penélope concordaria com qualquer coisa que ele lhe pedisse.
Assim mesmo, resistiu quando Lucas acenou para que ocupasse o espaço a seu
lado.
"Não aja com timidez", Colette a avisara havia pouco. "Mostre-lhe que não tem
medo. Permita que ele ouse até o ponto em que deixá-la se torne insuportável."
Penélope resolveu sentar-se no colo de Lucas, um ato inimaginável uma semana
atrás. Contudo, desde que o conhecera, tornara-se uma pessoa diferente. Ninguém
naquela mansão sabia mais como tratá-la. Os servos murmuravam e evitavam abordá-
la. Os pais trocavam olhares furtivos, tentando entender o que lhe acontecera e sem
coragem de perguntar.
Se o fizessem, Penélope teria dito que já não era uma jovem submissa, mas uma
mulher dona de sua vontade. Pretendia fazer bom uso do suprimento de intrepidez
adquirido no encontro inesperado com Lucas Pendleton. Enxergava com clareza o que
queria e estava disposta a alcançar seus propósitos.
Colette escolhera um vestido escuro, simples, com decote mais baixo que o usual
e com poucas anáguas. Penélope ergueu a barra e ajeitou-se com as pernas abertas
Cheryl Holt Destino Incerto
Lucas se pôs de pé. Por causa das saias enroladas nas pernas dela, ele tocou a
pele nua, renda, roupa íntima de seda e liga de babados. Com a palma da mãos na coxa
exposta, não resistiu à vontade de circular ali a ponta dos dedos.
— Oh, Senhor...
— O que foi, Lucas?
Uma candura exagerada, na opinião dele. O que deixara escapar? Quem estaria
usando quem?
— Diga-me por que veio procurar meu pai — Penélope pediu, entre gemidos suaves
de prazer.
— Seu pai? — Lucas engasgou. — Ah, sim, temos negócios a tratar. O Duque...
me deve dinheiro.
Tinha de tirá-la de cima de suas pernas de qualquer maneira! Antes que
acontecesse o inevitável e ambos viessem a lamentar o erro. Mas seu cérebro não lhe
obedeceu. Passou a acariciar-lhe as coxas com as duas mãos. Os dedos calosos
raspavam a renda cara.
— E verdade que tentou matar o Duque?
— Não, Penélope. Pretendia apenas atingir um alvo.
— Conseguir a atenção dele? — Penélope contorceu-se quando Lucas afagou-lhe
uma parte mais sensível.
— É...
— Isso pode ser difícil.
— Fala por experiência própria?
— Creio que sim. — Penélope massageou-lhe o pescoço e os ombros. — Mas
acabei descobrindo uma maneira de deixá-lo atento.
— Como assim? — Lucas não saberia dizer se gostava mais das mãos dela nos
cabelos ou nos ombros.
— Disse a meu pai que não me casaria com Edward e que se visse o canalha outra
vez, seria capaz de matá-lo... — Penélope arqueou as sobrancelhas com brejeirice —
...com minha faca.
— Bravo, minha linda dama!
De todas as histórias que ouvira sobre Penélope, nenhuma mencionara sua
determinação. Na certa ela escondera essa característica que, uma vez desperta,
deveria embasbacar os que a circundavam.
— E o que o Duque respondeu?
Penélope ficou imóvel. Era o momento de arriscar tudo, de tomar o que mais
precisava no mundo. Só lhe interessava a vitória.
— Que remarcaria a data do casamento. Apesar do que Edward fez ou de meus
sentimentos a respeito, papai foi categórico. É muito tarde para retroceder. Será
suprimida a ostentação que faria do enlace um grande evento social. Haverá apenas
uma cerimônia íntima, sem festa, nem baile. O matrimônio será realizado em três
semanas.
Se Westmoreland fazia tanta questão de casar a filha, o valor de Penélope
aumentava muito. O primeiro impulso de Lucas, o de alegrar-se por ter dado mais um
passo rumo ao sucesso, foi descartado. Sacudiu a cabeça, sem conseguir crer na
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo VII
Naquela tarde fria e úmida, Paulie esperava nas sombras, em frente ao exclusivo
clube masculino. Alerta, paciente, não perdia de vista as carruagens que chegavam.
Diante da porta, os cavalariços ajudavam os cavalheiros a desembarcar ou a subir
nos veículos. Aquela hora do dia, os associados passavam para tomar um drinque, ler o
jornal ou apenas tagarelar. Fazia duas horas que Paulie observava o entra-e-sai das
pessoas.
Foi então que viu o coche luxuoso puxado por um grupo de quatro cavalos brancos
e conduzido por um cocheiro vestido de verde e dourado. Era o veículo do Duque de
Roswell.
O momento chegara. Sabia exatamente como agir.
Avaliou as roupas novas que Lucas lhe comprara. O traje, mais o banho que tivera
de suportar, fizeram dele outro garoto. Parecia um aprendiz ou um balconista. Ninguém
o olharia duas vezes.
Esperou mais alguns minutos até o Duque aparecer. Ao ver o homem de cabelos
brilhantes, a vestimenta caríssima e o grande anel de ouro, seus dedos formigaram ao
imaginar a fortuna que o nobre traria nos bolsos. Entretanto, prometera a Lucas
comportar-se. E Lucas era o único adulto que lhe parecera capaz e eficiente. Em pouco
tempo, conquistara sua admiração e seu respeito. Portanto, nem pensar em faltar-lhe
com a promessa.
O Duque saiu do clube na companhia de outro homem. Esse era calvo, obeso, mais
velho e também envergava os adornos custosos característicos de quem possuía
autoridade e riqueza.
Os nobres olharam o céu e as poças da rua. O Duque disse qualquer coisa aos
servos. Um deles aproximou-se com um pequeno dossel seguro no alto, e os dois
homens caminharam sob aquela proteção, até a carruagem do Duque.
Um dos cavalariços abriu a portinhola e baixou a escada. Naquele instante, Paulie
aproximou-se.
— Tenho uma mensagem de Lucas Pendleton. — O menino atirou a carta aos pés
do Duque.
O poderoso aristocrata virou-se e fuzilou Paulie com o olhar.
— Saia daí, garoto! — um dos servos gritou, com o braço erguido para uma
bofetada. — Que ousadia, falar assim com seus superiores!
Paulie nem piscou. Aprendeu, a duras penas, que distância lhe garantia ficar fora
do alcance.
Harold fez um gesto brusco e interrompeu a tentativa de agressão. Fitou o
envelope, como se o papel fosse uma cobra pronta para o bote e apontou a carta com o
dedo enluvado. Um dos cavalariços apressou-se a apanhá-la do chão e entregou-a ao
Duque, que abriu o envelope e leu a mensagem.
Paulie morria de vontade de saber o que estava escrito, mas nem adiantaria espiar.
Não sabia ler nem seu próprio nome. Mas deduziu que Lucas atingira o alvo. O Duque
ficou vermelho ao reler a missiva e veio em direção de Paulie. O olhar maldoso não
Cheryl Holt Destino Incerto
— O que o senhor quer com uma criança? Ele não pode ter lhe feito nenhum mal.
Pelo ajuntamento que não parava de crescer, Harold teve certeza de que Londres
inteira saberia do ocorrido em menos de uma hora. Fitou o projeto de gente, que não
demonstrava nenhum receio. Talvez já houvesse sofrido tanto que nada mais o
amedrontava.
— Acho que houve algum engano. Esse aí não me interessa — desdenhou.
— Viram? — Penélope anunciou a decisão feliz para a multidão. — Eu não disse?
Qual seu nome, menino?
— Paulie, senhorita.
— Pode ir embora. — Penélope brindou-o com o sorriso mais lindo que ele já vira
e uma piscadela. — E se for esperto, não se demore.
— Não se preocupe.
Paulie apressou-se, mas o Duque deteve-o pelo braço e apertou-lhe com força o
ombro.
— Diga a seu Sr. Pendleton que tenho um laço preparado para ele. Bem antes do
que possa imaginar, estará balançando na ponta da verga de um daqueles navios que
ele ama tanto.
— Bem, para isso terá de achá-lo primeiro, não é? — Paulie desvencilhou-se e
desapareceu num segundo.
Harold endireitou-se. Ciente dos olhares raivosos dos circundantes, tratou de
acabar logo com o espetáculo.
— Entre na carruagem, Penélope. Vamos para casa. Edward espiou pela janela.
— Harold, conseguiu apanhar o pequeno patife?
"Mas que inferno!", o Duque blasfemou. Até a voz de Edward o irritava.
Penélope deu a volta no veículo e deteve-se ao ver Edward. Ergueu a cabeça e
encarou o pai, à espera de explicações.
Harold nunca se preocupara em saber se a filha gostava dele ou não. E pela
primeira vez teve a noção exata dos sentimentos dela. Penélope odiava o próprio pai!
A revelação chocante deixou o Duque perturbado.
— Vim com meu coche. E, mesmo se assim não fosse, preferiria ir embora a pé a
ter de acompanhá-lo. — Penélope afastou-se sem uma palavra de despedida. Deixou-o
sozinho com o asqueroso futuro genro.
O Duque subiu depressa no veículo. Não queria mais ser humilhado ante toda
aquela gente.
— Aquela não era Penélope? — Edward esforçou-se para enxergar.
— Não era — Harold mentiu, bateu no teto, e os cavalos arrancaram para a frente.
Lucas olhou pela janela da casa que Matthew alugara para servir de esconderijo.
Harry subira em uma das macieiras, e Lucas alegrou-se por vê-lo brincar. O menino
adorara poder sair do navio onde haviam permanecido por muito tempo no mar e nas
docas inglesas. Usava todo o tempo disponível para queimar as energias acumuladas.
Após muito confabular, os irmãos resolveram trazer o sobrinho. Embora confiassem
em seus homens, não podiam prever o que Harold Westmoreland preparava para eles.
Além disso, Lucas precisava de toda a atenção concentrada no plano, e as preocupações
com Harry acabariam por distraí-lo.
Cheryl Holt Destino Incerto
Penélope ficaria surpresa de encontrar um garoto morando com eles, mas Lucas
queria contar-lhe parte da verdade. Harry era seu sobrinho, filho de sua falecida irmã e
considerado como seu próprio filho. Seria um ponto positivo. Harry funcionaria como uma
espécie de amortização contra o desdém de Penélope, depois que tudo terminasse.
Ela se afeiçoaria ao pequeno, e Lucas esperava que essa ternura a fizesse pelo
menos entender por que fora obrigado a cometer atos tão terríveis. Mesmo sem perdoá-
lo.
Matthew entrou na cozinha, vindo do quintal.
— O garoto está se portando muito bem.
— Harry é um bom menino. Este lugar foi uma escolha excelente, Matt.
— Foi o que pensei assim que o vi.
Simples. Limpo. Perto da capital. Isolado. Perfeito.
— Tem certeza de que conseguirá mantê-la aqui pelo período que for necessário,
Luc? E feliz? Isto é muito diferente do que está acostumada.
Haviam conversado muito sobre a possibilidade de Penélope não se adaptar e
querer partir. Seria diferente se estivessem na Virgínia, na residência à beira do rio,
rodeados por um batalhão de criados, campos de tabaco e estábulos. Além de uma vida
social intensa e adequada à pequena burguesia. Mas naquela cabana pequena, quase
espartana... Teriam apenas uma cozinheira e uma empregada da aldeia que viriam
durante o dia. Lucas e Matthew tinham dúvidas quanto ao meio operacional que
deveriam empregar para evitar atritos.
Teriam de contar com a permanência de Penélope pelo menos até Harold ceder.
Por instinto, Lucas confiava que ela não lhes daria trabalho, pois parecia uma pessoa
determinada e prometera não voltar atrás.
— Não teremos problemas com Penélope, Matt.
— Agora não há como recuar.
— Tem razão. Não depois do que os homens de Westmoreland fizeram com Paulie.
Lucas sentiu o sangue ferver ao lembrar-se do ocorrido, e refletiu no poderia ter
acontecido. E por sua culpa.
Paulie voltara para o local de encontro com o olho roxo, a roupa rasgada e todo
machucado. Lucas passou-lhe um sermão pela imprudência. Teria apenas de entregar
a mensagem ao cocheiro e ir embora. O garoto teve sorte de sair vivo, depois de
enfrentar o Duque.
— Mais um crime para adicionar à lista. Matthew anuiu.
— Mais uma razão para ele pagar.
Lucas foi até o aparador, serviu conhaque em duas taças e ofereceu uma ao irmão.
— A Caroline.
— A Caroline.
— A lady Penélope, que nos ajudará a cumprir a meta.
— A lady Penélope. — Lucas não sentiu o menor entusiasmo ao pronunciar essas
palavras.
Penélope não imaginava o tamanho do sacrifício que teria de fazer, nem como sua
vida seria alterada. Se houvesse outra maneira de intimidar o Duque...
Suspirou. "Tudo por Caroline e por Harry."
Cheryl Holt Destino Incerto
Penélope jamais tocara no assunto com ela. De que adiantaria comentar sobre a
indiferença do pai, suas amantes, seus filhos bastardos e outros pecados? Ou sobre a
infância triste que ela e Willie tiveram?
A juventude deles fora semelhante à de tantos outros filhos de nobres. Cresceram
na companhia de governantas e tutores, quase sem contato com pai e mãe. Penélope
começou a meditar sobre aquele método terrível de criação nos últimos anos.
Teria adorado poder trocar idéias a respeito com a mãe. Mas, como os
Westmoreland não admitiam os problemas, não podiam conversar sobre o que não
existia.
Penélope queria sair da mansão para não perpetuar a existência que levara ali.
Tinha de escapar rumo a alguma coisa nova e melhor. Desejava encontrar a satisfação
de saber que alguém gostava dela.
Voltou a seus aposentos, onde Colette a esperava com paciência.
— Está pronta?
— Sim.
— Foi fazer as despedidas?
— Isso mesmo. — Penélope sorriu-lhe.
A sempre corajosa Colette temia as conseqüências do plano secreto delas. Insistiu
para Penélope refletir mais um pouco e com maior cautela.
Embora muito discreta sobre os anos de juventude, o pouco que mencionara fizera
Penélope descobrir que a mãe de Colette fora amante de um aristocrata, durante os anos
do Terror. A família dele fora assassinada. Colette, com seis ou sete anos, e a mãe
saíram de Paris no meio da noite. Fugiram para a Inglaterra com a roupa do corpo e
pouco dinheiro. A mãe morreu pouco depois da chegada. Colette conheceu a pobreza e
passou fome. Por isso temia os resultados advindos da decisão de Penélope. A francesa
preferia estabilidade e segurança a qualquer outra coisa.
— Tudo dará certo, Colette. — Penélope deu um tapinha amigável no ombro da
aia. — O Sr. Pendleton não deixará que nada de mal nos aconteça.
— Como milady pode garantir disso?
— Espere até conhecê-lo. Depois entenderá o que estou dizendo.
— Mas que espécie de homem é esse que pretende tirá-la do seio de sua família e
de seu lar? Isso não me soa bem.
A discussão recomeçou. Penélope foi incapaz de demover Colette da idéia de que
a fuga seria um grande erro, mesmo sem a francesa apoiar o casamento com Edward.
Embora convencida de que Lucas era a resposta a suas preces, Penélope não conseguiu
apaziguar Colette.
Era quase meia-noite. O tempo para argumentações terminara.
— Colette, é muito tarde para discutirmos. Além do mais, nada me fará recuar.
— Sei disso. Tentei o mais que pude.
— Se não quiser vir comigo...
— Imagine se eu a deixarei ir sozinha com seu américain! Alguém precisa protegê-
la.
Penélope apreciou sua devoção e lealdade.
— Obrigada. Fico contente com isso.
Cheryl Holt Destino Incerto
— Eu também.
Colette foi até o quarto de vestir, voltou com as capas e duas malas grandes,
embora Lucas houvesse recomendado apenas uma valise. Penélope pedira algumas
coisas mais finas para o dia do casamento. Colette, sempre favorável ao amour,
selecionara as peças de baixo mais bonitas e transparentes para Penélope atrair o
marido.
A criada deixou a bagagem no chão e enganchou o fecho do manto de Penélope.
Ali sou a pele brilhante e levantou a barra.
— Costurei um punhado de moedas no forro, para o caso de uma necessidade. —
Colette ergueu a própria capa de lã, sacudiu-a, e Penélope escutou o chocalhar do metal.
— Também pus algumas em meu capote. Prometa-me que nada dirá ao Sr. Pendleton.
Assim também era demais!
— Colette...
— Prometa! As moedas serão nosso segredo.
— Está bem — Penélope concordou, relutante.
— Cautela nunca é demais para uma mulher. Não se sabe o que poderá
acontecer...
— Está bem, já disse. — Penélope irritou-se. Apreciava o cuidado de Colete, mas
sabia que dinheiro não seria problema para elas.
Por fim, faltava escrever uma mensagem de despedida dirigida aos pais. Resolveu
nada comentar sobre o Sr. Pendleton ou o casamento. O Duque se empenharia em uma
busca desenfreada e eles poderiam ser descobertos.
Mamãe e papai,
Não posso casar-me com Edward, por isso tive de ir embora. Estou bem.
Por favor, não se preocupem. Mandarei avisar depois de me estabelecer na nova
vida.
Penélope.
Capítulo VIII
segundo indivíduo significava uma possibilidade a mais de tudo dar errado. Uma pessoa
a mais para conter, para silenciar e para revelar o segredo. A moça teria de ser deixada
para trás.
— Não devia tê-la trazido. Tenho dinheiro e posso contratar quantas criadas eu
quiser.
Colette se adiantou. A primeira vista, o sotaque era agradável, mas tornou-se
inequívoca a ira que borbulhava debaixo:
— O senhor admitiria uma estranha em sua casa para cuidar de lady Penélope?
Com quem pensa que está lidando? Ela é Penélope Westmoreland, e não a filha de um
mercador qualquer!
— Sei disso. — Lucas procurou manter a calma diante da fúria da aia.
— Só eu sei tomar conta de milady! Jamais deixarei que alguém usurpe meu lugar.
Por isso, terei de acompanhá-lo, oui!
— Não!
— Oui! — Colette insistiu — Ou darei o alarme, certo? Não deixarei milady sozinha!
— Lucas, por favor. — Penélope apoiou a palma da mão no peito dele e traçou os
círculos que o inebriavam. — Estou muito nervosa e me sentirei muito melhor ao lado
dela. Peço-lhe que deixe-a vir junto.
Lucas sentiu o coração amolecer diante do pedido feito com tanta graça. Quem
poderia recusar-lhe alguma coisa? Não era à toa que ela conseguia tudo o que desejava.
— Mais uma pessoa dificultará a fuga.
— Nada disso, Lucas. Juro que Colette não representará nenhum inconveniente.
Ele previa que a mulher causaria vários tipos de problemas. Percebera a astúcia, a
agressividade, a devoção excessiva. Ela estaria pronta para dar a vida por Penélope.
— Por favor! — Penélope apertou-lhe a mão. A causa estava perdida.
— Está bem.
Seria sempre assim?, Lucas perguntava a si mesmo. Era urgente achar um meio
de diminuir o efeito de Penélope sobre ele. Teria de ser mais severo e dominar-se na
presença dela. Teria de...
Ora, não se tratava de uma aventura ou de uma brincadeira. Era um rapto, que
Deus o perdoasse! Apesar disso, não resistia à atração da refém. Apesar das más
intenções, queria vê-la feliz, e por isso encontrava-se à mercê dela. Poderia haver perigo
maior? Um belo começo para a carreira de seqüestrador...
Lucas apontou o dedo para Colette, fingindo assumir o comando da situação.
— A senhorita terá de fazer o que eu disser. Não pretenda atrapalhar-me. Cuide
apenas de seus deveres. Se me causar transtornos, eu a mandarei de volta.
— Obrigada. — Penélope ergueu-se na ponta dos pés e beijou-o nos lábios —
Muito obrigada!
Lucas não teve alternativa a não ser aproveitar a oportunidade para prolongar o
beijo. A criada murmurou alguma coisa em francês e, pelo pouco que Lucas conhecia do
idioma, deduziu que não se tratava de um elogio. Roubou mais um beijo e sorriu para
Penélope.
— Vamos.
Animado, segurou as alças das duas malas. E resmungou, desanimado, ao levantá-
Cheryl Holt Destino Incerto
explicações para dar. Quanto menos ficassem juntos, melhor para todos. A distância,
evitaria questões pessoais. Todavia, nada lhe pareceu mais tentador do que ficar
aconchegado com Penélope naquela noite fria.
— Teremos muitas oportunidades de conversar, quando chegarmos. No momento
será melhor eu ir com os cavalos, pelo menos até nos afastarmos do rio. Espero que, ao
sairmos da cidade, também deixemos a neblina para trás.
— O fog está muito denso hoje, e muitos perigos podem estar rondando. —
Penélope inclinou-se para sussurrar: — Cuide-se... para mim.
— Pode ficar tranqüila. — Lucas experimentou uma dor intensa no peito.
O sol nascia a Leste, quando, enfim, chegaram ao novo lar. Lucas fez sinal para
Matthew de que seria necessário apressar-se. Queria as mulheres dentro da casa e
Matthew longe antes de o astro-rei aparecer.
Matthew abriu o portão, e Lucas desceu. Eles não tinham ouvido uma só palavra
das passageiras durante o trajeto. Teriam dormido? Ou seria algo mais sinistro?
Haveriam mudado de idéia? Planejariam uma fuga?
Lucas abriu a portinhola, sorridente e preparado para tudo.
— Já chegamos?
— Já, milady.
Penélope desceu, ajudada por Lucas. A viagem fora muito cansativa. A estrada era
ruim, e a carruagem tinha péssimo molejo. Os músculos estavam doloridos, as costas
ardiam e a cabeça latejava.
Colette passara o tempo todo sussurrando previsões desastrosas. Que seriam
roubadas e assassinadas. Ou roubadas e abandonadas. Vendidas como escravas.
Usadas sexualmente e descartadas.
A imaginação da francesa não conhecia limites. Com o passar das horas, o futuro
tornava-se ainda mais negro. Até Penélope perder a determinação e lamentar a decisão
tomada.
Mas ao ver a casa que Lucas encontrara para começarem uma vida nova, todos os
medos se desvaneceram.
A lamparina que Lucas carregava não era grande, mas permitiu uma visão
razoável. A moradia era linda, mesmo sem ter as dimensões a que se acostumara. A
construção de pedra cinzenta tinha dois andares, muitas vidraças com remates brancos
e venezianas. Nas jardineiras das janelas e das laterais da porta, flores de primavera
desabrochavam.
O caminho da entrada era circular e avermelhado. As cercas-vivas garantiam a
privacidade. Ao longe escutava-se o gorgolejar de um regato.
A apreensão de Penélope desapareceu.
— É adorável, Lucas! Nada poderia ser mais encantador.
— Gostou mesmo?
— Muito. É o tipo de habitação que eu esperava que encontrasse para nós.
Aconchegante, convidativa. Talvez muitos casais felizes houvessem passado a
vida ali. Existia conforto e isolamento. Por ser pequena, permitiria um contato mais
íntimo. Se precisassem de mais espaço, havia a propriedade externa.
Um imóvel ideal para recém-casados. Com o coração mais leve, Penélope concluiu
Cheryl Holt Destino Incerto
A sala da frente tinha mobília modesta. Um sofá, uma poltrona, um tapete colorido,
uma secretária e uma lareira. Sobre o consolo, uma pintura da casa e do pátio, em uma
bela reprodução.
— Milady deve estar exausta — Lucas avaliou, antes de Penélope ver o restante
do imóvel. — Eu a levarei até seu quarto. Amanhã poderá avaliar toda a propriedade.
— Para mim está ótimo. — Penélope fitou Colette com severidade por sobre o
ombro, para que ela se mantivesse calada.
Lucas conduziu Penélope pela mão. Foram escada acima até o primeiro aposento
à direita. Era pequeno e confortável, com uma cama com colchão espesso e uma manta
grossa, uma penteadeira e um guarda-roupa.
Lucas deixou a lamparina na mesa-de-cabeceira e acendeu outra. A um canto havia
uma salamandra e pedaços de lenha em um balde. Colette acendeu o fogo, enquanto
Lucas descia para buscar as malas.
— Espero que possa acomodar-se, pelo menos até amanhã — Lucas proferiu, à
guisa de desculpas, depois de voltar com a bagagem.
— Não se preocupe, ficarei muito bem.
— Está com fome? Não pensei em...
— Não tenho fome, obrigada.
Ele sentia-se nervoso e tímido como um adolescente. Precisava do conforto que
encontrava ao tocar Penélope, e segurou-lhe os dedos.
— Contratei duas mulheres da aldeia. Uma para cozinhar e outra para limpar. Elas
não dormirão aqui. Ajudarão durante o dia e irão para seus lares à noite.
— Nós daremos um jeito. — Penélope sorriu.
— Fico contente com sua compreensão. De qualquer forma, há um quarto de
empregada ao lado da cozinha. Como não será ocupado, a srta. Colette poderá usá-lo.
— Será muito bom, não é, Colette?
A francesa sussurrou qualquer coisa inexplicável.
— Contudo — Penélope continuou —, acredito que ela gostaria de ficar comigo
hoje. Não estamos familiarizadas com a casa nova.
— Se milady não se importar, poderemos dizer aos curiosos que somos casados
há algum tempo. Não sei até onde seu pai poderá chegar, mas creio que ele mandará
procurar um par de recém-casados.
— Isso mesmo. Que tal afirmarmos que nosso enlace foi há um ano?
— Razoável. Outra coisa: a vida no campo poderá aborrecê-la. Porém, acredito na
prudência de não freqüentar a aldeia ou receber visitas. Pelo menos até que tudo esteja
resolvido. Não podemos saber quais as atitudes que o Duque tomará.
— Muito sensato.
Lucas pigarreou.
— Ah, mais um detalhe...
— Sim?
— Mora alguém aqui. Meu sobrinho. Tem quase cinco anos.
— Uma criança? — Penélope não escondeu a surpresa. Com essa ela não contava.
— Sim. Ele é um bom menino. Respeitador e... em geral, bem comportado. E, como
toda criança, faz suas travessuras. É filho de minha irmã, que morreu logo após o parto.
Cheryl Holt Destino Incerto
Sempre cuidei dele e o considero como um filho. Para mim, seria muito importante se
milady pudesse ser bondosa com o garoto.
Penélope lembrou-se de que seu contato com crianças fora limitado. Em seu
mundo, elas eram separadas dos adultos. No incidente da véspera com aquele pobre
menino, fora a primeira vez que falara com uma criança daquela idade. Entretanto, faria
um esforço para entender-se com o pequeno, e assim satisfazer a vontade de Lucas.
— Pode ficar sossegado. Qual o nome dele?
— Harry. Sei que eu deveria ter lhe dito antes, mas houve muito pouco tempo para
confidencias.
— Está tudo bem. De verdade. — Penélope apertou-lhe a mão. — E quando será
o casamento, Lucas?
— Estou providenciando os papéis. Imagino que terei tudo acertado amanhã ou
depois.
— Maravilhoso!
— Amanhã cedo terei compromissos na cidade. Conversaremos em minha volta.
Harry ficará em casa, e as duas mulheres também. Terá bastante atividades com que
preencher seu dia.
— Não tenho dúvidas a respeito. Lucas, eu nunca lhe perguntei, mas qual o tipo de
negócio com que se ocupa?
— Marinha mercante. É de onde vem minha renda. Sou dono de cinco navios, e
estamos baseados na Virgínia. Fazemos um pouco de comércio na Costa Leste dos
Estados Unidos.
— Tem casa lá?
— Sim. Uma bela residência.
— Iremos para lá algum dia? — O coração de Penélope bateu apressado.
— Acabaremos indo — Lucas respondeu, depois de uma pausa mais longa de que
a devida.
— Mal posso esperar! — Penélope animou-se com tal perspectiva.
Além de algumas viagens até as propriedades do pai na Escócia, nunca deixara a
Inglaterra. Jamais sonhara ir para tão longe nem conhecer locais exóticos.
A fuga com Lucas Pendleton tornava-se mais excitante a cada momento. Penélope
sentia-se muito feliz com isso. A vida que levava até ali começava a parecer-lhe
enfadonha. Antes assim.
— Onde vai dormir?
— Do outro lado do hall — Lucas apontou.
Ela pensou na noite em que também dormiria lá. Sentiu um rubor cobri-la da cabeça
aos pés. Se apenas a imaginação lhe trazia tanto deleite, o que aconteceria depois?
"Mal posso esperar!"
— Boa noite, Lucas.
— Eu... Boa noite.
Ficaram parados por algum tempo no meio do dormitório, de mãos dadas, sorrindo
um para o outro como dois tolos apaixonados.
— Fico contente por tê-la aqui.
— Também estou, por ter vindo.
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo IX
Penélope acordou tarde. Não pretendera dormir tanto. As duas servas haveriam de
pensar que a nova senhora era uma preguiçosa. Se estivesse na mansão de seu pai,
não daria importância ao fato. Como era a primeira vez que tinha empregados próprios,
queria causar boa impressão.
Onde estaria Colette? Necessitava dela para vestir-se. E como chamar sua aia, se
não havia campainha e nenhum outro meio de pedir auxílio?
Ora, mesmo que houvesse um cordão de sino, não pensaria em puxá-lo. Se Colette
não ouvisse o chamado, qualquer uma das outras duas subiria. E Penélope não queria
recebê-las em trajes menores, mas sim mostrar-se confiante e preparada. Decidiu trocar-
se sozinha, o que quase nunca fazia.
Foi até o armário e examinou os poucos trajes que compunham o enxoval minguado
e simples que trouxera. Os vestidos mais elegantes teriam ocupado muito espaço na
sacola de viagem. Calculou que poderia arranjar-se com qualquer um dos que escolhera
para trazer.
Um espartilho estava fora de questão. Pôs uma camisa e uma vestimenta azul de
usar em casa que precisava apenas de uma anágua fina.
Alisou o tecido na altura do abdome e das coxas. Jamais andara sem espartilho,
por isso adorou poder respirar sem tormento. Repetiu a experiência várias vezes e
experimentou a fricção do tecido nos mamilos. Livres das barbatanas que os juntavam e
empurravam para cima, eles moviam-se livres, o que fez Penélope sentir como se
estivesse em trajes menores.
Foi até o espelho e avaliou o próprio reflexo. Gostou de ver o busto saliente e a
sombra dos mamilos sob o tecido fino. Depois de casada, poderia abandonar o espartilho
com maior freqüência. Seu marido haveria de gostar daquela visão.
Amarrou os cabelos longos com uma fita azul e mirou-se no espelho. Beliscou as
faces várias vezes para disfarçar a palidez.
A fuga de Londres fora estressante. O sono de várias horas não eliminou o cansaço.
Sentia-se meio zonza e desorientada. Desconfiava que demoraria bastante para
acostumar-se, mas isso devia ser normal. Teria muito tempo para aprender suas tarefas
e conhecer suas responsabilidades. Logo seu entusiasmo costumeiro estaria de volta.
Fazer uma verificação detalhada do pavimento superior foi uma questão de
minutos. Havia um banheiro e mais dois aposentos semelhantes àquele onde dormira.
Móveis maciços e simples, papéis de parede coloridos, tapetes, cortinas. Olhou tudo e
deteve-se no quarto de Lucas.
Duas sacolas abertas com roupas, todas do mesmo estilo. Penélope supôs que
fossem trajes de trabalhador, se é que esse seria o termo correto. Várias calças de lã e
calções de couro. Camisas de algodão e de linho. Um colete. Um par extra de botas. Em
uma das gavetas da cômoda, roupas íntimas que ela não teve coragem de remexer,
apesar da enorme curiosidade.
Segurou a manga de uma camisa pendurada no guarda-roupa e inalou a fragrância.
Recriminou-se pela tolice, mas prosseguiu na pesquisa. Apesar do cheiro de sabão de
Cheryl Holt Destino Incerto
lavanderia, sentiu o aroma de Lucas entranhado no tecido. Era como se ele estivesse ali
presente.
Em cima da penteadeira, os artefatos de barbear. Penélope apanhou cada uma das
peças e manuseou-as. Cheirou a correia de couro e o sabão da caneca. Testou o corte
da lâmina com o polegar. Esfregou a mãos nas cerdas macias da escova. Nunca vira
objetos masculinos de toucador. Perguntou a si mesma se ele a deixaria testemunhar
como os usava, após o casamento. Era excitante imaginar que faria parte daquele ritual
íntimo.
Admitiu alegrar-se por tocar no que pertencia a Lucas. Mas teve certeza de que
morreria de vergonha se ele soubesse que a futura esposa andara bisbilhotando suas
coisas. Com o coração batendo forte, arrumou tudo exatamente como encontrara. Pé
ante pé saiu daquele aposento, antes que alguém a descobrisse.
Desceu a escada, pronta para os cumprimentos. Ninguém apareceu para recebê-
la. Nem servos, nem Lucas. O que a deixou um pouco desiludida.
Aceitava que ele fosse um comerciante que dava primazia a seus negócios. Mas
esperava que, pelo menos naquele dia, ficasse um pouco com ela. Tinham de discutir
vários assuntos.
Lucas dissera que sua casa era na Virgínia e que viveriam lá. Penélope não podia
imaginar como seria a vida naquela terra distante, nem as conseqüências de cruzar o
oceano, ou como passaria o tempo na América.
Ah, como gostaria que aquele fosse o dia de seu casamento, e a próxima noite, a
de núpcias! Embora soubesse que Lucas viria para sua cama, não podia evitar uma certa
apreensão sobre o ato matrimonial e as intimidades entre marido e mulher. O que na
realidade a alarmava era nada saber sobre Lucas.
Deteve-se na cozinha. Limpa e bem montada, cheirava a assados. Alguém deixara
para ela uma refeição sobre a mesa. Pão, queijo, uma maçã e um copo de leite. A
simplicidade era gritante em comparação ao que o chef francês criava na residência do
Duque. Sentou-se e notou uma mensagem ao lado do prato. Era de Lucas e endereçada
a ela.
Bem... afinal ele não a esquecera! Sorrindo, leu o bilhete:
Leu a nota tantas vezes que a memorizou. Procurava descobrir o que existia nas
entrelinhas. Passou os dedos pela escrita, acariciando as frases. Dobrou o papel e
guardou-o na manga. O roçar na pele seria uma lembrança constante do que Lucas
escrevera.
Faminta, nem mesmo se recordava de quando se alimentara pela última vez. Na
véspera, a ansiedade a impedira de comer sequer um biscoito. Sem esperar mais,
começou a mastigar depressa e com vontade. Ainda bem que não tinha ninguém à vista
Cheryl Holt Destino Incerto
— Eu sei.
— Bem, fico feliz que esteja aqui, Harry. É um lugar muito quieto, e assim não me
sentirei solitária.
— Isso mesmo. Lucas pediu-me para tomar conta da senhorita — o menino falou.
— Sério? — Ainda bem que Lucas se preocupava com ela.
— Sim.
— Acha que poderá fazer isso?
— Lógico. Já sou crescido.
— Estou vendo.
— Tenho quase cinco anos.
— Mas que ótimo! Por acaso viu Colette, minha criada?
— Ela foi até a aldeia com as outras mulheres. Voltarão mais tarde.
— Entendi. — Penélope recostou-se e deixou o sol da tarde banhar-lhe o rosto.
Esperava que Colette se lembrasse de comprar-lhe um chapéu. — Por que não foi com
elas?
— Quis ficar para ver se Paulie viria. — Harry segurou a corda e tentou balançar-
se, sem sucesso.
— Paulie é seu amigo?
— É, mas só vem quando estou sozinho. Só eu posso vê-lo.
— Ele mora por aqui?
— Paulie não mora em lugar nenhum.
Na certa tratava-se de um amigo imaginário. Quando menina, Penélope costumava
inventar amigas para amenizar um pouco a solidão.
— Posso conhecê-lo?
— Não, adultos não podem vê-lo.
— Hum, parece até um menino mágico...
— Ele é. E também é velho. Tem quase treze anos.
— E bem velho. — Penélope disfarçou uma risada. — Também conheço um bom
menino chamado Paulie.
Penélope teve a sensação de que o incidente com o garoto acontecera fazia
tempos.
— Meu amigo Paulie também é ótimo. Ele só vem me ver à noite, e contou-me um
segredo a seu respeito.
— Sobre mim, Harry? E o que é?
— Ele disse que a senhorita era igual a uma princesa de conto de fadas.
— Acha que ele estava certo?
— Sem dúvida!
Como deixar de gostar daquele garoto?
— É muita bondade sua dizer isso.
— A senhorita parece a princesa do livro de histórias que ganhei de Lucas. Ele o
comprou em uma cidade chamada Boston.
— Esse livro deve ser seu favorito.
— É. Também tem a pintura de um anjo. Lucas disse para mim que o anjo se parece
com minha mãe. Sabia que ela era um anjo?
Cheryl Holt Destino Incerto
— Sabia.
— Meu pai não é anjo. — Harry franziu a testa.
— E o que ele é?
— Um cafajeste sem-vergonha. O que quer dizer isso?
Penélope por pouco não engasgou e apertou os lábios para não desatar em
gargalhada. Inspirou fundo, antes de falar:
— Onde foi que ouviu uma coisa dessas?
— Escutei quando Lucas falava com tio Matthew. Penélope fez um esforço para
não rir. Lucas seria dispensável para conhecer os detalhes sobre a família da qual faria
parte. Harry lhe forneceria as informações necessárias.
— Quem é tio Matthew?
Harry fitou-a como se estivesse falando com uma pessoa obtusa.
— Ora, é tio Matthew!
— Ah, claro... — Penélope não entendeu a ligação entre Matthew e Lucas.
— Eu sei como saltar pedras.
Penélope alegrou-se por não ter de definir os adjetivos que Harry usara para
descrever o pai.
— Que beleza! Não gostaria de mostrar-me como é? Harry saltou do balanço, deu-
lhe a mão com a mais absoluta confiança e levou-a até o regato no interior da mata.
Brincaram na beira da água por quase uma hora. Depois, voltaram ao jardim e
divertiram-se mais um pouco. Penélope deu-lhe o que comer, falou com ele, aprendeu
alguns jogos e ensinou-lhe outros, leu livros infantis e contou histórias.
Todas as crianças teriam aquela energia sem fim?
Quando Colette retornou do vilarejo com a cozinheira, carregando um cesto repleto
de verduras, encontrou a patroa exausta e tonta de tanto ouvir Harry tagarelar. Arfava, e
as costas lhe doíam. Não poderia imaginar que um menino de quatro anos tivesse um
vocabulário tão extenso. Nem que falasse o tempo todo quase sem respirar.
Penélope descansou enquanto a criada preparava o jantar para Harry e deitou-o
para dormir. Mas ainda teve de contar-lhe uma história, pois o que menino se recusava
a fechar os olhos. Ele pediu o conto em que a princesa se parecia com Penélope, e o
anjo, com sua mãe. Após o "felizes para sempre", o menininho adormeceu.
Penélope então desceu para falar com a cozinheira que Lucas contratara. A mulher
explicou-lhe os hábitos do campo, onde as pessoas acordavam e deitavam-se cedo.
Contou que Lucas a dispensaria sempre depois de ela preparar o jantar, pois tinha nove
filhos que a esperavam para comer.
Ao ficar sabendo de sua situação, Penélope não teve coragem de pedir-lhe para
ficar até mais tarde naquela noite e servir uma refeição quente para Lucas. Jantou na
companhia de Colette. Enquanto saboreavam um cozido delicioso com pão, contou suas
impressões sobre a casa e o menino.
Colette falou sobre a aldeia e mostrou-se cansada. Penélope mandou-a dormir,
pensando em como faria para esquentar a comida. Na casa do pai, refeições podiam ser
servidas a qualquer hora. As cozinheiras estavam sempre a postos. Se acordasse no
meio da noite e pedisse um lanche, a criada sonolenta trataria de atendê-la.
Bem, mas um dia não mataria ninguém de fome. Além disso, a culpa era de Lucas,
Cheryl Holt Destino Incerto
que não viera comer enquanto a comida estava quente. Se necessitasse se alimentar,
haveriam de encontrar uma alternativa, e ele não teria de queixar-se.
E se aprendesse a cozinhar? Não devia ser tão difícil, pois muitas mulheres faziam
isso. A criada poderia ensinar-lhe a mexer no fogão e como preparar os ingredientes.
Nada do outro mundo.
Sem pretender queixar-se pelas mudanças bruscas, Penélope raciocinou que se
tornava cada vez mais óbvia a necessidade de conhecer algumas habilidades adicionais,
se quisesse obter sucesso no futuro. Não desejava que Lucas visse nela a incompetência
e a inutilidade. Ele teria de enxergá-la como uma esposa digna de ser levada para a
América, em quaisquer circunstâncias.
Acima de tudo, queria que Lucas se orgulhasse dela. E para isso, teria de esforçar-
se para torná-lo feliz. Se tivesse de cozinhar, era o que faria. Seria uma satisfação
observá-lo sentar-se à mesa para comer um prato preparado por ela. Pareceu-lhe uma
maneira apropriada de recém-casados se relacionarem.
O relógio sobre o consolo da lareira soou onze horas. Penélope cabeceava, e já
não conseguia ficar de olhos abertos. Subiu a escada, passou pelo quarto de Lucas,
acariciou seus pertences e retornou para seus aposentos.
Despiu-se e vestiu a camisola sem auxílio de ninguém. Deitou a cabeça no
travesseiro e adormeceu no mesmo instante.
Na manhã seguinte, acordou com a conversa alegre de Harry. Aprontou-se e
desceu. Descobriu que Lucas viera a altas horas da noite e saíra cedo, sem nem ao
menos deixar-lhe um bilhete.
Sentiu um aperto no coração.
Westmoreland estava furioso. Não porque Penélope fora embora. Nem porque
Pendleton a levara ou porque teria de submeter-se à chantagem dele para ter a filha de
volta.
O que mais o irritava era ninguém ter dado pela ausência de Penélope por quase
dois dias. Depois de interrogar todo mundo, descobrira que todos imaginavam que ela
estivesse em seus aposentos. Como vinha fazendo desde o noivado com Edward.
E para piorar foi o secretário de Harold quem descobriu tudo. Ao abrir a
correspondência do dia, achou a mensagem de resgate de Pendleton. O menino de rua
favorito do americano entregou a nota a um cocheiro da casa que saía a serviço. Leu as
palavras pela centésima vez, sem acreditar no que estava escrito:
Westmoreland,
Lady Penélope está comigo. Permita-me relembrá-lo de nossa discussão prévia.
Se Milorde concordar com meu pedido, eu a devolverei neste instante, sã e salva. Caso
contrário, não posso garantir a segurança de milady. A escolha é sua. Estou esperando
por uma resposta.
Lucas Pendleton.
O Duque estava convencido de que teria de agir da mesma maneira para ser bem-
sucedido. Afinal, não pretendia submeter-se à chantagem.
Uma vez que Pendleton entendesse a resolução do Duque, qual o benefício de
manter Penélope no cativeiro?
Pelos relatórios conseguidos, Harold poderia apostar tudo, até mesmo o futuro e a
vida da filha, que Pendleton jamais tocaria em um fio dos cabelos dela. Poderia ameaçar,
mas nada faria.
Se soubesse que o esquema de extorsão não funcionaria, Pendleton não teria outro
recurso a não ser trazê-la de volta.
Escreveu uma resposta e entregou-a a Purdy.
— Vá até Bond Street e procure o tal Paulie. Mande-o levar isto a Pendleton.
— Devemos agarrar o pequeno lazarento, sir? Não tenho muita experiência com
crianças, mas acredito que com um mínimo de tortura poderemos saber do paradeiro de
Pendleton.
— Ainda não.
— Devemos segui-lo?
— Se puder, mas não o detenha em hipótese nenhuma. Quero que Pendleton
receba meu recado. Depois disso... — Harold sorriu, malicioso — ...não duvido que
Penélope esteja em casa para o chá.
— Leia isto! — Matthew estendeu para Lucas o bilhete que trouxe de Londres a
galope. — Paulie entregou-me a resposta de Westmoreland. É inacreditável!
Estavam escondidos no bosque atrás da residência, onde mantinham vigilância
permanente por turnos, anotando quem entrava e quem saía. Nada de anormal ocorrera
naqueles dois dias.
Sob a luz de um toco de vela, os irmãos se inclinaram sobre o pergaminho, e Lucas
leu as palavras que Matthew já decorara:
Pendleton,
Pelo fato de ter raptado minha filha, deixou-a completamente arruinada para meu
propósitos. Por isso, ela perdeu o valor para mim. Faça o que quiser com Penélope.
Westmoreland, Duque de Roswell.
Capítulo X
Lucas foi até a estrada principal e conduziu o cavalo pelo portão dianteiro, como se
acabasse de voltar da cidade. Era tarde da noite.
A casa silenciosa estava às escuras. Havia apenas uma lamparina acesa ao lado
da porta. Na certa era obra de Penélope. Quem mais se preocuparia em iluminar-lhe o
caminho?
Escondido o dia inteiro entre as árvores, vira-a de relance. Quando ela brincara
com Harry, quando colhera flores para enfeitar o lar, Quando se descontraíra no banco,
aproveitando o sol da tarde. Conseguiu manter-se afastado dos encantos dela, para sua
sanidade. A proximidade não traria nenhum benefício. Quanto mais a fizesse crer que
se mantinha em Londres a negócios, melhor.
Penélope confiava nele, e em suas fantasias acreditava estar apaixonada. Fitava-
o com doçura, e Lucas comprovou a emoção profunda daquele olhar. Ela o encarava
como um herói salvador, quando na realidade ele não passava de um vilão que a usava
da pior maneira possível. Nem mesmo podia mirar no espelho a imagem do homem
desprezível em que se transformara.
Penélope lamentaria até o fim de seus dias o momento em que seus caminhos se
cruzaram. Lucas sentia-se infeliz toda vez que refletia em como a tratava. E não havia
alternativa. Não poderia se expor a uma situação de risco da qual viria a arrepender-se.
Ela despertava nele todos os apetites masculinos, mesmo os mais baixos, e Lucas
não via outra maneira de lutar contra essa atração, salvo ficar o mais longe possível dela.
Só voltava para a casa, para não despertar suspeitas.
Deixou o cavalo no estábulo do pátio de trás. Antes de alcançar a entrada dos
fundos, alguém saltou de uma moita. Por instinto, Lucas levou a mão à pistola. No mesmo
instante, reconheceu Colette.
Ele gemeu. Era a última pessoa no mundo com quem desejava conversar.
— Tive um dia estafante, srta. Colette. Deveria ser mais cautelosa. Imagine,
assustar-me no escuro! A senhorita não previu o que eu poderia fazer.
— Ah! — Colette fez pouco-caso e pôs as mãos na cintura. — Como se eu tivesse
medo de alguém como monsieur.
— Pois deveria. — Exausto, nem mesmo conseguia parecer ameaçador. Só queria
cair na cama e dormir.
Colette aproximou-se e fitou-o com o desdém habitual. Lucas teve a impressão de
que ela o cheirava. E para encontrar o quê?
— O que está fazendo?
— Tentando descobrir qual o perfume da mulher com quem o senhor passa o tempo
inteiro.
— O quê?
— Estou curiosa desse américain — Colette falou como se ele não estivesse
presente e tamborilou com o dedo nos lábios. — Esse tal Pendleton sobre quem milady
tem a melhor das impressões... apesar de ele não ficar com ela. Certo? Para onde irá
durante as ausências tão longas?
Cheryl Holt Destino Incerto
Mil alarmes soaram na cabeça de Lucas, ordenando-lhe que saísse dali naquele
minuto. Não poderia responsabilizar-se pelas conseqüências, se permanecesse. Nunca
presenciara nada tão erótico quanto o banho de Penélope.
Porém, permaneceu enraizado no mesmo lugar, como um voyeur.
Em agonia, presenciou Penélope tocar todos os lugares que ele desejava acariciar,
passando por picos e vales. Desejou entrar na água e encostar o rosto entre os seios
volumosos.
— Poderia lavar-me as costas? — Penélope pediu com voz quente e rouca, e olhou
por sobre o ombro.
Ao ouvir o pedido, Lucas pensou que fosse desmaiar. Ela arregalou os olhos,
surpresa. Virou-se e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, endireitou os ombros
e as costas. Não se intimidou, não escorregou para debaixo da água, não agarrou
nenhuma toalha, nem mesmo cruzou os braços para proteger-se da inspeção inflamada.
Lucas teve convicção de que ela era a mulher mais sedutora que já conhecera.
— Eu não esperava que fosse o senhor — afirmou, com um sorriso.
— Acabei de chegar.
— Escutei alguém entrando, mas achei que fosse Colette. — E umedeceu a língua
no lábio inferior.
Com o exercício de grande força de vontade, Lucas conservou as mãos abaixadas.
Tentou falar, em vão. Engoliu em seco duas vezes e pigarreou.
— Eu... acho... que vou sair.
— Antes poderia ajudar-me? Não sei para onde Colette foi.
Devagar, Penélope mergulhou o pano atoalhado. Tirou-o gotejando e estendeu-o
para Lucas. Com a outra mão, trouxe os cabelos para a frente e cobriu o busto, que o
excitava.
— Não sei... — Tudo o que ele queria era passar sabão por todo aquele corpo
branco e sedoso. — Acho melhor não. Quero dizer... bem...
— Nós nos casaremos logo. O que importa isso agora?
— Nada, mas... — Lucas procurou uma desculpa e decidiu-se pela verdade: —
Milady é tão tentadora que eu não conseguiria parar se lavasse suas costas.
— Talvez eu não fosse querer que parasse — afirmou, corajosa.
Como um homem poderia suportar tamanha tentação? Era como recuar no tempo
e estar no Paraíso diante de Eva.
— Isso não é certo, Penélope. Não aqui. A primeira vez deve ser em uma cama
macia e à luz de velas.
Penélope lembrou-se de ter ouvido dele palavras semelhantes.
— Então vamos subir.
— Não até estarmos casados. Para mim é importante fazer tudo de acordo.
— Nesse caso, lave minhas costas, Sr. Pendleton — Penélope mostrou-se
impaciente. — Tenho certeza de que saberá controlar-se diante de uma tarefa tão banal.
Ela deixou o pano na beira do tanque de cobre e virou-se de novo. Lucas teve uma
visão extraordinária. Os cabelos puxados para a frente deixavam a pele toda nua.
Aproximou-se devagar, pegou o pano e mergulhou-o na água. Em seguida, com
extremo cuidado para não tocá-la com os dedos, deslizou o atoalhado da nuca à cintura
Cheryl Holt Destino Incerto
— Tem certeza?
Os lábios de Penélope estavam a centímetros dos dele. O hálito de menta lembrou-
o do beijo que haviam trocado. Poderia repeti-lo. Inclinar-se-ia para a frente, pressionaria
os lábios nos dela, sentiria o gosto, morderia e...
— Tenho.
— Lucas? — Penélope acariciou-lhe tórax com movimentos circulares, lentos e
pequenos.
— O que foi, amor? — Ele nem percebeu que usara o termo carinhoso.
Ela aumentou o raio da circunferência e raspou o mamilo plano com a unha.
— Quando nos casaremos?
— Ca... casar? — Lucas engasgou. Sentia o mundo fora de seu controle. Só
pensava em sua excitação e na unha que o arranhava de leve.
— Isso mesmo, querido — sussurrou com a boca encostada na dele, enquanto
mergulhava a mão debaixo da água para acariciar o que encontrasse. — Acho que não
poderei suportar... — Lambeu-lhe o lábio superior e depois o inferior — ...a espera.
— Não sei, Penélope...
A frente da camisola alargou-se e foi possível ver até o umbigo. A peça nada mais
escondia de Lucas.
Aquele era um tormento impossível de suportar. Lucas recostou-se, forçando um
espaço maior entre eles.
— Ainda não resolvi tudo.
— Não pode ser amanhã? — Penélope tornou a aproximar-se. — Por favor... Nem
pode imaginar o que significaria isso para mim.
— Amanhã?
— Sim.
— Amanhã — Lucas concordou, sem nem saber por quê.
— Promete?
— Prometo.
— Jure!
— Eu juro.
— Nunca se arrependerá de ter feito minha vontade. Lucas esticou os braços, mas
Penélope já saíra da cozinha.
Recostou a cabeça na banheira e pôs-se a ponderar sobre as ramificações do que
acabara de jurar.
Penélope entrou no quarto e trancou a porta. Colette esperava, impaciente,
empoleirada na beira da cama e ansiosa para saber das novidades de como transcorrera
a visita.
— Ele estava lá?
— Sim. — Penélope estremeceu. A casa estava fria, o hall, gelado, e a camisola
transparente era o mesmo de que nada. Apressou-se em pegar o robe de lã e vesti-lo.
— No banho.
— Nu?
— Lógico. Colette riu baixinho.
— Bon, três bon. Gostou da camisola de milady?
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XI
— Estamos apenas ganhando tempo. Temos de fazer com que o Duque aceite o
que lhe propusemos. Pensar assim alivia a tarefa e impede a vontade de vomitar. Vem
sendo muito difícil fingir que está tudo bem e, ao mesmo tempo, procurar evitá-la. O
enlace fictício aliviará um pouco essa carga de meus ombros. Hoje de manhã, Penélope
dizia...
Matthew fitou o irmão com a perspicácia que lhe era peculiar. Então exclamou:
— Deus, não me diga que está gostando dela!
— Claro que não! O que é isso agora, de onde tirou essa idéia?
— Não acredito! Lucas, você está mesmo apaixonado!
Lucas enrubesceu.
— E daí? Isso não quer dizer nada, e também não modifica coisa alguma.
— Sei! Eu o conheço. Está imaginando seduzi-la, enquanto conversamos.
— O que não significa que o farei. Apesar de tudo, gosto de acreditar que sou um
homem honrado.
Matthew gargalhou, e de novo cabeças se voltaram para eles. Dominou a vontade
de ironizar e recostou-se no espaldar. O espaço maior entre eles era fundamental para
avaliar o irmão.
— Ficou maluco? Nem deveria imaginar algo assim.
Lucas amassou o guardanapo. Seria inaceitável explicar o que vinha acontecendo
entre Penélope e ele, desde o momento em que se conheceram. E nada do que dissesse
poderia diminuir a consternação de Matthew ou explicar o poder das emoções que
Penélope despertava nele.
— Ela é diferente de todas as mulheres que já conheci — Lucas desabafou, depois
de minutos de embaraço, como um menino pego em uma falta.
— Oh, não... — Matthew suspirou.
— Eu nem saberia definir por quê.
— Céus, o caso é ainda pior do que eu pensava! Nem pense em encostar nela!
Escutou?
— Sim, senhor!
— Não se atreva a piorar o que já está ruim.
Lucas concordava com o irmão, mas era muito difícil não ceder à tentação. Matthew
entenderia se houvesse visto Penélope nua e ajoelhada no banho.
— Sei disso muito bem. — Deixou um punhado de moedas sobre a mesa e seguiu
Matthew até onde os cavalos estavam amarrados.
Os irmãos se alternavam entre vigiar a casa e ir para Londres.
— Talvez eu devesse ir para a capital hoje em seu lugar, Luc.
— O quê?
— Considerando-se o que acabei de descobrir, acho que na cabeça não estará
firme nos negócios. Quem sabe os erros que poderá cometer?
— Pelo amor de Deus, sei o que estou fazendo!
— Ah, poupe-me! Sua concentração desceu da mente para a virilha!
— Estou em perfeitas condições de conduzir meus deveres! Matthew meneou a
cabeça e decidiu encerrar o assunto.
Lucas era bem crescido e não necessitava de seus conselhos. Ademais, sabia que
Cheryl Holt Destino Incerto
ele não gostava de ouvir as verdades ditas por seu irmão mais novo. Mesmo assim, não
evitou as últimas recomendações:
— Não se esqueça de deixar o cavalo na estrebaria de aluguel, antes de chegar ao
centro.
Haviam decidido evitar a travessia da cidade no lombo dos animais. Por causa do
porte e da estatura elevada, chamariam menos atenção se caminhassem a pé.
— Sabe onde encontrar Paulie?
— Ele me achará.
— Está com a mensagem nova?
— Sim, eu a peguei. — Lucas bateu na camisa, onde escondera o papel. Tarde da
noite escrevera a missiva para Westmoreland e lembrava-se dela letra por letra. — Avisei
Penélope e Colette que eu chegaria tarde e que o casamento seria realizado depois das
nove.
— E se o Duque não aceitar as condições de hoje?
— Pensaremos nisso depois.
— Faremos a cerimônia mesmo se ele recusar?
— Ainda não podemos soltar Penélope, por isso não é possível adiar o enlace.
Causaria maiores suspeitas. Não se preocupe, Matt. O Duque aceitará, pode acreditar.
Qualquer outro desfecho seria desastroso.
— Ponha Harry para dormir antes de eu chegar — Matthew avisou. — Mesmo
disfarçado de pastor, ele me reconhecerá.
— Com a energia que aquele menino gasta durante o dia, sempre acaba dormindo
cedo.
— A srta. Westmoreland tem passado muito tempo com Harry?
— Ela gosta muito dele. — Muito mais do que seria aconselhável. — Penélope diz
que é um garoto maravilhoso.
— No que ela está certíssima.
No fundo, indagavam-se se não erraram em deixar que Harry e Penélope se
conhecessem. Afinal, ela se afeiçoara muito ao meio irmão.
— Bem, o que foi feito está feito — Lucas falou mais para si mesmo.
Depois de montados, Matthew virou o cavalo na direção da aldeia, e Lucas, na da
estrada que conduzia a Londres.
— Os homens do Duque estão em toda parte, procurando, fazendo perguntas —
Matthew preveniu o irmão, antes de se afastarem. — Tome cuidado.
— É o que sempre faço. Não tenho intenção de deixar que Westmoreland me
enforque.
A carruagem imponente chegou ao lar de Westmoreland. O Duque não via a hora
de poder descer. Tinha entre os dedos o último bilhete de resgate que fora deixado na
mão do cocheiro, quando ficaram parados em meio ao tráfego.
Por que Pendleton não mandara Penélope de volta?
O Duque deixou o veículo e apressou-se até a porta. Só na quietude e na solidão
da biblioteca poderia refletir sobre a guinada dos acontecimentos. "Oh, não é possível!"
— Olá, Harold — Edward Simpson o saudou, antes que Westmoreland pudesse
entrar.
Cheryl Holt Destino Incerto
"Droga!"
— Olá, Edward, o que o traz aqui?
Harold procurou sorrir. Sabia muito bem qual o motivo da vinda de Edward.
Penélope sumira fazia quatro dias, e o pai, certo de que ela voltaria a qualquer instante,
nada comentara com ninguém, nem mesmo com a Duquesa. Não existiam dúvidas de
que o noivo escutara rumores.
— Vim fazer uma visita a Vossa Graça e gostaria de falar com lady Penélope.
— Sim... bem...
— Eu já lhe falei que, da última vez que nos encontramos, tivemos uma pequena
altercação. Faz mais de uma semana que não a vejo.
— Tanto assim?
— Vossa Graça disse-me que lady Penélope foi para o campo.
Harold agradeceu pelo comentário providencial.
— Achei melhor assim.
— Por quê?
— Minha filha aborreceu-se por causa da discussão.
O Duque não podia culpar Penélope por nada ter lhe dito. Nunca dera abertura à
filha que lhes permitisse ter um relacionamento franco. Ao ver a agitação dela,
perguntara a Edward o que houvera. Apesar da resposta vaga do conde, não acreditou
nele. Conhecia-o e sabia do que ele era capaz.
Apenas duas pessoas tinham conhecimento do que ocorrera naquela noite no
jardim, e nenhuma das duas falaria. Harold suspeitava que o comportamento de Edward
motivara a fuga de Penélope.
— Ela está indecisa quanto a querer mesmo casar-se.
— E o que importa a opinião dela? Nós dois concordamos em adiantar a data.
Faltam apenas nove dias.
— Sei disso.
— Pensei que tudo estivesse resolvido.
— E está. Penélope precisa descansar um pouco para que a façamos concordar
com nossa decisão. Agora, se me dá licença... — Harold passou pelo conde, sem se
deter.
Caminhou a passos largos pelo hall, ouviu a esposa chamá-lo em um dos salões e
chegou à biblioteca. Pelo menos ali não seria interrompido.
Andou de um lado para outro, frustrado e com raiva. Ah, como desejava apertar o
pescoço daquele americano miserável até vê-lo espernear de agonia!
Um criado bateu na porta, o que lhe pareceu estranho. Mesmo sem ter idéia do que
acontecia, todos sabiam que era preciso evitar a ira do Duque.
— O que é?!
Jensen, o mais corajoso dos doze serviçais, girou a maçaneta e pôs a cabeça para
dentro.
— Milorde, a Duquesa pediu-me para avisá-lo de que deseja falar-lhe.
Harold sabia que, ao sair dali, o infame Jensen iria direto para a cozinha, onde
deliciaria os ouvintes com os últimos boatos, independente de qual fosse a resposta.
— Não quero ser incomodado. Por ninguém.
Cheryl Holt Destino Incerto
Westmoreland,
Esta é sua última chance. O futuro de sua filha está na balança. O que acha disso?
O vestido de noiva feito por uma modista parisiense para o primeiro casamento
ficou pendurado em um dos numerosos closets da mansão do pai. O grande número de
anáguas e barbatanas fez dele um volume inadequado para uma viagem apressada. Por
isso, escolheu um mais simples e mais adequado para uma cerimônia campestre. Era
de seda azul-clara que lhe realçava a cor dos olhos, de cintura alta e decote baixo, com
mangas bufantes. O tecido tinha fios prateados que davam vida ao modelo. No pescoço,
um colar de diamantes pequenos que faiscavam tanto quanto o par de brincos
combinados.
Colette escovara-lhe os cabelos loiros para cima com pentes incrustados de
diamantes. Os cachos desciam do alto e tocavam os ombros, tornando Penélope ainda
mais bela e desejável. E desde que descera a escada, Lucas não tirava os olhos dela.
De repente, fez-se silêncio no recinto.
— Então? — O pastor fitava-a, carrancudo.
— Então o quê?
— Aceita esse homem... — ele repetiu, devagar. — ...como seu marido legítimo?
— Ah! — Penélope corou e olhou para Lucas com um sorriso radiante. — Aceito!
Penélope escutou suspiros de alívio, como se temessem o inverso. Imagine se ela
iria recusar alguém tão maravilhoso quanto aquele.
Lucas chegara tarde e mal teve tempo de lavar-se. Mesmo com as roupas que
usara para trabalhar, era tão lindo que Penélope teve de baixar a vista.
Ele apertou-lhe a mão, e ela retribuiu. Fizeram todos os juramentos necessários, e
a cerimônia terminou. Sob os olhares de Colette e do pastor, Lucas beijou-a nos lábios.
Os noivos assinaram a licença, e o ministro fez menção de ir embora.
Lucas acompanhou-o, alegando ter de dar-lhe alguma recompensa monetária por
ter vindo fora de hora.
— Consegui! — Penélope declarou para Colette, assim que os homens se
retiraram.
— Oui, mon amie! — Colette chorava de emoção.
— O que achou?
— Magnifique! Milady é a noiva mais bela que já vi.
— E meu marido?
— Magnifique, aussi! Trèsbeau. Trêscharmant. Formam um casal maravilhoso, e
sem dúvida terão filhos lindos. — Colette beijou-lhe as faces coradas.
— Subirei antes que ele volte. Preciso trocar-me.
— Esta noite monsieur não resistirá a seus encantos.
Subiram a escada e Colette fechou a porta.
No celeiro, Lucas segurava a lamparina no alto, enquanto Matthew preparava o
cavalo para partir, sem ter dito uma só palavra até então.
— No que está pensando, Matt?
— No quê?! Que ela o ama, meu caro. Será que ainda não percebeu?
— Nada disso.
— Não tente diminuir os sentimentos de Penélope, negando-os.
— Bobagem sua. — Deu de ombros.
Lucas não queria que isso fosse verdade. Penélope não merecia tanta crueldade.
Cheryl Holt Destino Incerto
Não podia deixar de vê-la descendo a escada, tão esplêndida. Ela brilhara ao fazer o
juramento e ao término da cerimônia, sorrira com um encanto nunca visto.
E ele mesmo nem teve a decência de trocar-se. Chegou tarde de propósito e entrou
na sala como se nada de anormal estivesse acontecendo. E, apesar do aspecto
desleixado, Penélope o encarou como ele fosse o homem mais elegante e extraordinário
da face da terra.
Com a decoração da sala e as preocupações dela com os detalhes, o enlace nem
pareceu fictício. Ao fazer os votos, Lucas desejou de coração que eles fossem
verdadeiros. Mas não eram. E teve de admitir que isso lhe causara sofrimento.
— Eu não sabia que meu irmão era mentiroso. Lembro-me de ter escutado que lady
Penélope concordou com o esquema para enganar o pai e fugir dos planos dele. Que
seria um casamento de conveniência. — Matthew sacudiu a cabeça, desanimado. —
Como pôde permitir que as coisas chegassem a esse ponto?!
— Não fiz de propósito. Os acontecimentos se precipitaram... não sei. Desde a
primeira vez em que nos encontramos, sentimos atração um pelo outro. Não tive de fazer
nada. Os sentimentos apareceram. E pior: são verdadeiros.
— E quanto a ela? Já pensou nisso? — Matthew fitou por alguns minutos a noite
estrelada através da porta aberta e voltou-se. — Teremos de mandá-la para casa.
— Que absurdo, Matt! Nós ainda não conseguimos o que queríamos.
— O preço da vitória tornou-se alto demais, Luc.
— Não diga isso! Depois de tudo o que planejamos e após tanto trabalho!
— Luc, por favor, tente raciocinar.
— O que está querendo insinuar?
— Isso não terá um final feliz. A srta. Westmoreland acha que é sua esposa a partir
de agora. O único jeito de conseguir um bom desfecho seria casar-se com ela de fato.
— E não seria uma boa idéia? — Lucas se esforçaria para ser um bom marido, se
Penélope ainda o quisesse, depois do que ele fez.
— Mesmo que o perdoasse, não será um marido adequado para ela.
— E por que não?
— Lady Penélope transpira realeza. E você, meu irmão? Não passa de um
criminoso, jogador, namorador e pirata. Órfão de um fazendeiro falido que plantava
tabaco.
— Não sou... — Lucas desistiu de defender-se diante do olhar rancoroso de
Matthew.
— Isso já foi longe demais. Ela vai para casa amanhã cedo.
— Não. Leia isto! — Lucas estendeu a resposta do último pedido de resgate.
Matthew leu e não acreditou.
— Que espécie de homem é esse que não quer de volta a própria filha? "Faça o
que quiser com Penélope"! O Duque não é humano! E o que posso deduzir, depois de
conhecer a jovem e descobrir a jóia que é. Ou então Roswell é um demente.
— Talvez um pouco de cada. — Lucas suspirou, frustrado. — Pensei nisso o dia
todo. Não posso mandá-la de volta para um pai desses. Nem consigo imaginar o que ele
faria, caso ela voltasse.
— Não lhe tiro a razão. Mas qual a saída para isso tudo? Ficaram parados na porta
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XII
Lucas abriu devagar a porta da frente e subiu a escada sem fazer o menor ruído,
preparado contra um ataque da empregada francesa, que lhe perguntaria por que ele
chegava tão tarde.
Nada disso aconteceu, e ele continuou. Passou pelo quarto de Penélope e entrou
no de Harry. Fitou os cabelos loiros e a respiração ritmada por minutos.
— Estou fazendo isso por sua causa, meu querido — murmurou, com carinho.
Harry era muito novo para compreender a maldade que seu pai cometera contra
sua mãe. Quando crescesse e soubesse de tudo, Lucas contava em ganhar o
entendimento e a gratidão do sobrinho. Talvez então fosse capaz de chegar a um acordo
consigo mesmo e aceitar o fato de ter usado Penélope para atingir os objetivos da família.
Acariciou a cabeça do sobrinho e saiu dali.
Hesitou diante da porta de Penélope, virou a maçaneta e entrou, mesmo sabendo
que não deveria fazê-lo. Tinha de se desculpar.
A cama não desfeita e iluminada pelo luar estava vazia. Penélope, acordada,
apoiava-se no parapeito da janela e olhava para fora. Vestia um conjunto diáfano
escarlate que nem chegava a cobrir-lhe as partes íntimas. Um traje perfeito para atrair o
mais venturoso dos noivos. Lucas envergonhou-se por não conseguir impedir a
excitação.
Ela se virou, segurando uma garrafa de vinho pela metade.
— Ora, se não é meu querido marido! — sarcástica, fitou-o de alto a baixo. — Até
que enfim você chegou! Lamento ter de dizer-lhe que estou indisposta e mal-humorada.
— Penélope, eu...
— Cale-se!
— ...sinto muito.
— Cale-se, eu já disse! Vá embora! Deixe-me sozinha! A fúria no olhar estreitado e
o tom de comando deixavam Penélope parecida com o pai. Ela o avaliou, como se Lucas
fosse o verme mais asqueroso.
— Não posso deixá-la nesse estado, sendo que a culpa é minha.
— Se não sair daqui agora mesmo, nem sei o que poderei fazer. Ainda tenho aqui
a faca que você me deu. E se tiver chance... — Olhou para seu baixo-ventre. —... saberei
muito bem o que cortar primeiro!
A ameaça foi tão vibrante que Lucas engoliu em seco e protegeu a genitália com
as mãos.
— Nesse caso, será melhor sair. Conversaremos pela manhã, quando você estiver
mais calma.
— Não estarei mais calma pela manhã. De fato, acho que jamais me acalmarei.
Lucas já teve dezenas de ligações afetivas e terminou todas ao primeiro sinal de
envolvimento emocional. Odiava meter-se em discórdias românticas. Amenizava as
separações e continuava a amizade com as amantes.
Era uma auto preservação necessária, pois não suportava ver uma mulher chorar.
As lágrimas femininas induziam-no a cometer as mais diversas tolices. Por isso,
Cheryl Holt Destino Incerto
escapava antes que a relação se deteriorasse. E muito menos saberia como lidar com a
ira de Penélope.
Na realidade, esperava por um pranto convulsivo, e não por uma explosão de
cólera. Teve certeza de que, se aceitasse o desafio daquela luta, seria um provável
fracassado. E, como um covarde, virou-se em direção da saída, quando um grito
furibundo o deteve:
— Não ouse mover-se! — Penélope saiu da janela e parou, cambaleando. Uma
demonstração de que bebera um pouco a mais de vinho. — Mudei de idéia. Quero
resolver isso de uma vez por todas.
— Não acho que seria bom conversarmos agora.
— Ah, que pena... — Penélope falou com se grunhisse, aproximando-se como uma
fera. — O que você acha pouco me interessa. Faremos o que tiver de ser feito!
Lucas lembrou a si mesmo que não conhecia aquela mulher, nem o que ela seria
capaz de fazer.
— Não há necessidade de trocarmos palavras ásperas.
— Pois eu discordo! Nada me agradaria mais que uma bela discussão com você!
— E isso resolveria o problema? — Lucas pensou em rotular aquele como o
momento mais crítico de sua vida, mas desistiu. O pior tinha sido ver Penélope no banho
e não poder tocá-la. — Não pretendo ficar aqui brigando no meio da noite.
— Está bem, Lucas. — Respirando fundo, ela procurou conter o ódio. — Sejamos
civilizados. Você deve imaginar o que passei durante quatro horas e meia, ansiosa, a
sua espera. Por favor, não minta. Não adianta afirmar que pretendeu encenar um jogo
amoroso, pois ninguém acreditaria em tal balela. Tenho certeza de que, por estar
acordada, interrompi sua fuga para o quarto.
Lucas passou a mão nos cabelos. Se houvesse previsto aquela altercação, jamais
teria entrado nos aposentos de Penélope. Conversariam na manhã seguinte, quando
estivesse mais descansado.
— Não sei o que dizer...
— Por que não começa explicando os motivos que o levaram a não consumar o ato
matrimonial?
— Não foi por minha vontade — mentiu.
— Então por que foi?
— Bem... nós mal nos conhecemos, e estou convencido de que seria bom para
milady se nos habituássemos primeiro um com o outro.
— Quer dizer que esse é seu raciocínio? — Penélope passou a mão na testa. —
Isso é de morrer de tanto rir. Eu fiquei aqui vestida com quase nada...
Ela se lembrou de seu corpo quase todo exposto e cobriu-se com um robe
transparente que pouco ajudou a melhorar a situação.
— ...e você resolve que devemos esperar até nos conhecermos melhor. O que está
havendo?!
— Achei que seria melhor assim
— Melhor para quem?
— Sei que está aborrecida, mas com o tempo haverá de compreender que eu tive
razão em adiar...
Cheryl Holt Destino Incerto
— Mas que asno presumido! Considerar-se como o dono da verdade! Por acaso
está lembrado de quem é meu pai? Pode imaginar o alcance de seu poder? Tem idéia
do que aconteceria a você e a mim se o Duque nos apanhasse antes de estarmos
casados com todas as letras?!
— Sei tudo sobre seu pai, Penélope. Estou consciente do que ele poderá fazer.
— Então por que não estamos na cama? Achei que quisesse me ajudar! Que
gostasse de mim!
— Eu queria. E gosto!
— Nesse caso, terá de proceder de maneira adequada para que não haja retorno.
Ou o Duque acabará me encontrando e levando de volta. Na certa, ele poderá anular
nosso casamento em uma questão de horas, e eu teria de aceitar Edward!
Os receios de Penélope eram genuínos e válidos.
— Eu entendo.
— Por que arrancou-me do seio de minha família? — Penélope bateu o indicador
no peito de Lucas. — O que eu teria a ganhar além do aumento da fúria de meu pai?
— Admitamos que milady obteve coisas importantes. Tempo. Distância.
— E de que servirão essas porcarias se eu tiver de ir embora com meu pai? —
Penélope deixou cair os ombros, desanimada. — Pensei que quisesse esse casamento,
Lucas. E que gostasse de mim.
— Já disse que gosto, Penélope.
— Prove!
— O que quer que eu faça? Que a atire no leito e me satisfaça?
— Isso mesmo. Agora! Mostre o quanto me deseja como esposa.
Bastava um passo. Lucas a agarraria pela cintura e a jogaria sobre o colchão macio,
onde afundariam. Poderia deitar-se sobre ela, cobrindo-a com seu peso. Sentiria
Penélope colada nele da cabeça aos pés, como tanto sonhara.
A tentação era extrema. Nunca vira nada parecido com aquele conjunto de dormir
que o excitava. Nem mesmo nas mais caras prostitutas. A camisola de seda com rendas
era transparente e não alcançava o umbigo. De decote baixo, deixava visíveis os
contornos dos mamilos e dos seios. Um pedaço pequeno do mesmo tecido cobria
metade das nádegas. Penélope usava meias, ligas e sapatilhas de salto de cor escarlate.
O robe era tão fino quanto o resto.
Lucas a desejava como nunca. Queria fazer amor com ela vestida daquele jeito,
com toda aquela seda vermelha e fria encostada em sua pele fervente!
As imagens deram lugar a outras. De Caroline, de Harry e do Duque. Do
desapontamento no rosto de Matthew ao saber que o irmão acabara por seduzir
Penélope.
Acima de tudo, via Penélope sofrendo a traição.
Lucas odiou a resposta que a desapontaria e sacudiu a cabeça em uma negativa.
— Não posso fazer o que me pede.
— Canalha! Responda-me apenas uma coisa.
— Se eu puder...
— Por que se casou comigo?
— Por vários motivos. Mas estou exausto demais para enumerá-los agora. Não
Cheryl Holt Destino Incerto
Àquela altura, depois do retorno de Lucas, Penélope tinha uma certeza: gostava
dele, e desde a primeira vez em que o viu.
Lucas travava uma batalha interior. Queria Penélope, mas um fator desconhecido
impedia-o de admitir o fato e de seguir suas inclinações naturais. Ela não sabia o que se
passava, nem precisava, pois só desejava resolver o passado e começar o futuro.
A luta continuou sem tréguas e, infelizmente para ele, Penélope estava cansada de
esperá-lo. Ela afagou-lhe o baixo ventre e sentiu o intumescimento imediato.
— Por acaso é homem ou não?
— O que disse? — Lucas afastou-lhe a mão.
— Colette e eu estávamos apenas imaginando...
Penélope não teve oportunidade de terminar o insulto.
Lucas abraçou-a com energia e esmagou-lhe os seios de encontro ao peito. Grudou
as pernas musculosas em suas coxas e segurou-lhe as nádegas. A masculinidade da
qual ela duvidava pressionava-lhe o ventre, palpitando e querendo saltar da calça.
Lucas a encarou com um brilho irado no olhar, mas Penélope não se acovardou.
Arqueou-se para frente, como se fosse muito experiente.
— Eu vou possuí-la de todas as maneiras. Antes de a noite terminar, haverá de
implorar por um fim.
— Pois lanço o desafio de que dê o melhor de si.
— Depois não quero ouvir nenhuma queixa.
— De acordo. Nada de arrependimentos ou lamentações. Lucas beijou-a com
ferocidade. Segurou-lhe os cabelos e puxou-lhe a cabeça para trás. Mordiscou,
experimentou e sugou o sabor e a textura desconhecidos. Invadiu-lhe a boca com a
língua, para frente e para trás, em um ritmo alucinante. Penélope sentia comichão no
estômago e a ansiedade aumentar em espiral.
Ao mesmo tempo que a beijava, Lucas acariciava-lhe as costas de cima para baixo
e vice-versa. Voltou-se para a frente e abriu o robe pelas lapelas. Como a faixa da cintura
estava amarrada, o tecido desceu até os cotovelos e prendeu-lhe os braços. Penélope
não conseguiu desembaraçar-se.
Mantendo-a meio imobilizada, ele acariciou-lhe os braços e os ombros. Deixou a
boca para beijar-lhe as faces e sob o queixo, na área sensível do pescoço. Sugou-lhe a
pele alva com força suficiente para deixar marcas.
Penélope ficou zonza. Sentia calor, frio e vontade de gargalhar de felicidade. Mas
precisava soltar-se. O mundo fora reduzido àquele momento e àquele homem. Queria
tocar cada centímetro dele até conhecer-lhe o formato e a textura.
Lutava para desvencilhar-se, e a fricção deixava Lucas inflamado de paixão. Ele a
levantou pela cintura e jogou-a na cama com uma rapidez que a deixou ainda mais tonta.
Sem perder um segundo, atirou-se sobre Penélope e cobriu-a com o corpo, as mãos e a
boca.
O primeiro instinto dela foi sair de baixo daquele peso estranho, mas logo
reconheceu a imperiosa necessidade do momento e aceitou a imobilidade imposta.
Lucas beijou-a por toda parte. Testa, olhos, cabelos, pescoço, colo e peito. Evitou
os seios suplicantes, apenas roçando-os na passagem.
Com uma das coxas abriu-lhe as pernas e fez pressão no meio delas. Tomada por
Cheryl Holt Destino Incerto
— E vai piorar.
Lucas não teve piedade. Rasgou a diminuta peça de seda rendada e expôs a
magnificência defronte de seus olhos libidinosos. Sem hesitar, baixou a cabeça, fungou,
cheirou e experimentou.
Sem importar-se com o gemido gutural de surpresa de Penélope, afastou os pêlos
com a língua e passou a provocar-lhe a intimidade. Com a mão direita torturava um
mamilo túrgido de cada vez, sem interromper os avanços e recuos impiedosos dos dedos
da mão esquerda na essência de Penélope.
O prazer foi intenso demais, e deu a ela a certeza de que irromperia em chamas se
alguma coisa não acontecesse logo. A sensação ia muito além do que um ser humano
poderia suportar.
Lucas a fez subir em espiral rumo ao desconhecido, perder o controle e desfazer-
se em milhões de partículas que se espalharam pelo Universo. Realidade e tempo
perdiam o sentido. A agitação continuava e parecia não ter fim.
Aos poucos a sanidade retornou, e Penélope descerrou as pálpebras. Lucas,
apoiado em um braço, abriu a calça e fez Penélope sentir entre as pernas o calor e a
insistência da rigidez. Pela tensão dos ombros dele, do suor em sua testa e pelo olhar
tenso, Penélope deduziu que se controlara ao máximo para dar-lhe a primazia da
satisfação. Alegrou-se ao reconhecer o próprio poder feminino, que o deixava tão
alucinado. Entendeu que esperara desde sempre para compartilhar aquele marco com
Lucas. Lucas Pendleton a possuiria, e Penélope Westmoreland seria dele até o fim de
seus dias.
— Abra os olhos. — Lucas investiu para dentro dela com todo o ímpeto. — Quero
que olhe para mim, enquanto eu a torno minha mulher. Olhe para mim! Jamais esqueça
que fui o primeiro e que serei o único!
— Eu sou sua — Penélope sussurrou, prendendo a respiração diante de outro
avanço fogoso.
Os tecidos virgens encontravam dificuldade para distenderem-se e se ajustar ao
tamanho excessivo. Tensa, Penélope mordeu o lábio inferior, com medo do que não
conhecia.
— Agora e sempre — Lucas terminou a promessa e mergulhou sem piedade.
Penélope enrijeceu, com uma vontade irracional de livrar-se da intrusão. O que
mais queria era unir-se a Lucas para a eternidade.
Ele encostou a testa na dela, e de olhos fechados respirou fundo e com dificuldade.
Sua postura denunciava a pressão que o acometia.
— Não se mova. — Lucas a segurou pela cintura.
— Está doendo...
— Vai passar.
A sensação desagradável começou a ceder, e Penélope descontraiu-se, facilitando
o processo de acomodação.
—Ah, que delícia! — O período de imobilidade tornou-se insuportável para Lucas.
— Desculpe-me, mas não posso esperar mais.
A princípio devagar e depois cada vez mais rápido, Lucas forçou a entrada até uma
profundidade que nem mesmo as explicações teóricas de Colette a tinham feito supor.
Cheryl Holt Destino Incerto
da véspera.
— Um pouco machucada. — Penélope deu uma piscadela que tornou a acender-
lhe o desejo.
Nisso, Harry chamou sua atenção puxando-lhe a calça, e tio e sobrinho acabaram
fazendo brincadeiras no quintal, sob o olhar sorridente de Penélope. Lucas passou a
tarde ocupado com tarefas domiciliares e até a ajudou a mudar móveis pesados de lugar.
Mais tarde, o jantar foi aquecido no fogão. Penélope preparou os pratos para "meus
homens", segundo suas palavras. Tímida, perguntou se o cozido estava saboroso e
acabou confessando que ela mesma o preparara.
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XIII
Lucas arquitetava as mentiras que teria de dizer ao garoto, depois de que Penélope
fosse embora.
— Para sempre?
— Sim. Agora, por que não termina de comer e vai para a cama?
— Ah, tio Luc, não estou cansado!
— Eu lhe contarei uma história... mas só quando estiver debaixo das cobertas.
— Aquela dos piratas? Quando eles atacaram seu navio e você ainda era um
menino como eu?
Era a favorita de Harry.
— Essa mesma. Vá aprontar-se depressa.
— Muito bem, farei isso mesmo! — Harry afirmou com a presunção de um
verdadeiro Duque.
A herança paterna era surpreendente. Harry apresentava muitas das
características de Harold. E também de sua meia-irmã. O que Penélope diria, se
soubesse da verdade?
Naquele momento, ela entrou na cozinha. Usava um vestido de casa e um avental,
o que não disfarçava as curvas exuberantes. Lucas conhecia todos os segredos
inebriantes escondidos sob aqueles trajes. Como de costume, a excitação o tomou de
assalto só de olhar para ela, sentir-lhe o cheiro ou pela simples proximidade.
Penélope parou atrás da cadeira de Lucas e apoiou a mão em seu ombro. O gesto
de carinho foi tão maravilhoso que ele obrigou-se a olhar para a frente ou acabaria por
sentar Penélope no colo. O que seria muito inconveniente.
Ora, sim, senhor! Era um homem adulto e tinha de aprender a controlar seus
impulsos. Jurava todas as manhãs que haveria de impor-se restrições e que não
voltariam para debaixo dos lençóis. Descobriu que o menor motivo carregava-os direto
para a cama. Cada episódio era diferente e memorável. A mais leve sugestão de
Penélope, Lucas baixava a calça o mais depressa possível.
Penélope inclinou-se e acariciou-lhe os cabelos. Naquele movimento, encostou o
torso na parte superior das costas de Lucas, que sentiu a pressão dos seios lindos e a
rigidez dos mamilos.
Quanto sofrimento um homem poderia tolerar e assim mesmo sobreviver?
— Já terminou, jovem Harry?
— Sim, senhora.
— Nesse caso, está na hora de dormir.
— Só mais um pouquinho... — o menino pediu com a expressão de doçura dos
querubins pintados no forro das igrejas.
— Já está acordado mais tempo do que deveria.
Harry fitou Lucas, implorando por um aliado.
— Já dei minha opinião — ele esquivou-se.
— Nem pense em esquecer sua promessa — Harry ordenou de igual para igual ao
tio e deixou da cadeira.
Penélope passou a mão na cabeça do menino.
— Quando ele fala desse jeito, parece até meu pai.
Lucas engasgou com a cerveja que tentava engolir.
Cheryl Holt Destino Incerto
— Ficaria surpreso de saber o quanto posso entendê-lo. E vim até aqui para aliviar
suas preocupações.
Penélope deitou-se sobre o marido e ergueu o tórax. O busto perfeito oscilou diante
dos lábios sequiosos de Lucas, que sentia a pressão do ventre dela em seu abdome. E
diante da imobilidade a que o parceiro se impunha, Penélope começou a mexer os
quadris em uma dança erótica.
— Por favor, leve-me de novo ao paraíso. — E ela o beijou.
Lucas compreendeu que estava perdido. Abocanhou uma das auréolas, indiferente
ao sibilo de Penélope por causa da sensibilidade devida aos excessos da véspera. Nada
mais importava, a não ser os dois ali, na intimidade do quarto.
Ele acariciou-lhe os seios até Penélope contorcer-se em agonia, e escorou os
quadris no colchão para facilitar-lhe os movimentos. Penélope começou uma cavalgada,
com a cabeça jogada para trás. Parecia uma deusa, com a densa cabeleira dançando
para cima e para baixo.
Atingiram o clímax ao mesmo tempo, e dali a segundos, Penélope largou-se sobre
Lucas, arfando e rindo.
Ele experimentou um sentido de virilidade diferente e concluiu que era um homem
afortunado.
A respiração deles se normalizou, mas Penélope não fez menção de afastar-se.
Lucas acariciou-lhe as costas, a cintura, as nádegas e as coxas. E parou, para não ceder
à vontade de recomeçar.
— Eu te amo e sempre amarei — Penélope sussurrou, calculando que ele estivesse
adormecido, e beijou-lhe pescoço.
Lucas continuou imóvel e absorveu as palavras que acabaram por mitigar-lhe a
angústia. Apesar de amar Penélope Westmoreland mais que a própria vida, manteve-se
calado Diante do mal que lhe causava, de que serviria a declaração?
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XIV
— Tem certeza de que é aquela? — Westmoreland falou com Purdy, sem tirar os
olhos da escuna de três mastros ancorada.
Não havia tempo a perder. Depois da mensagem que recebera, não poderia
cometer nenhum erro. Teriam de encontrar Penélope sem demora!
— Estivemos observando o barco durante dois dias.
— Pensei que o navio dele fosse o Sea Wind.
— E é. Apenas recebeu um novo batismo. — Purdy apontou uma parte onde a
pintura não cobrira com perfeição o nome antigo.
— Algum sinal de Pendleton?
— Não, sir. Um velho marinheiro parece ser o único ocupante do barco.
— É um dos homens de Pendleton?
— Não sabemos, nem perguntamos, para não despertar suspeitas.
— O que o homem tem feito o dia inteiro?
— Parece estar preparando a embarcação para uma viagem longa.
"Para tirar Penélope da Inglaterra ou ajudar Pendleton a fugir?"
— Acha que minha filha pode estar presa embaixo?
— Tudo é possível. — Purdy deu de ombros.
— O camarada está lá agora?
— Sim, Milorde.
Harold continuou a mirar o navio por algum tempo. Não pretendia dar um passo em
falso. Mas depois da última ameaça, duvidava que pudesse agir com algum
discernimento.
— Vamos.
Purdy fez um aceno, e vários homens armados destacaram-se da multidão,
correram para a prancha de acesso do navio e espalharam-se pelo convés. No momento
em que Harold subiu a bordo, os guardas já haviam localizado o marinheiro e mantinham-
no de joelhos.
— Qual seu nome?
— Fogarty — respondeu com rudeza, sem baixar o olhar. — Theodore Fogarty. O
que vieram fazer em meu navio, canalhas miseráveis?!
— Olhe aqui, seu velho idiota, mostre um pouco mais de respeito por seus
superiores! — Purdy aproximou-se e estapeou-o no rosto, mas o homem encarquilhado
nem mesmo piscou.
— Onde está Pendleton? — Harold perguntou.
— Quem?
— Lucas Pendleton.
— Ah, o capitão Pendleton, o americano...
— Isso mesmo.
— E como eu poderia saber?
Harold baixou o braço de Purdy, por entender que um soco não amedrontaria o
velhinho.
Cheryl Holt Destino Incerto
— O navio é dele.
— Não é mais. Eu o comprei de Pendleton há várias semanas. Pegue os papéis
em minha cabine, se não acredita em mim.
"Mas que droga! Por isso o sujeito está sozinho, sem nenhuma tripulação."
— Enquanto fechavam o negócio, o americano lhe disse por que resolveu vender
a embarcação?
— Ele contou que comprou um navio novo em folha construído pelos Fitzsimmons
de Portsmouth. Portanto, não iria mais precisar deste.
Penélope estaria cativa em Portsmouth? Harold apavorou-se. Tinha poucos
contatos naquela cidade distante. Teria de enviar homens para lá. Se Pendleton
estivesse mesmo louco, poderia fugir na escuna nova, sem ser importunado. Quanto a
Penélope, não importava onde estivesse sendo mantida, ou não, em cativeiro. Ela seria
morta.
— Nem sinal de pessoas lá em baixo, sir — um dos homens de Purdy afirmou, ao
retornar ao convés com os comparsas. — Só as coisas desse velho maluco.
O homem entregou alguns documentos para Purdy, que os examinou e passou-os
às mãos do Duque. Era uma nota de venda, o que confirmava as palavras de Fogarty.
— Tem idéia do paradeiro de Pendleton ou de seus homens? — inquiriu.
— Eu não o conhecia. Soube por outros que o navio dele estava à venda. O contato
foi curto. O necessário para efetuar a transação. Nunca mais o vi.
Harold continuou a fazer perguntas, que Fogarty respondeu com negativas.
— Ele pode estar mentido, sir — Purdy cochichou-lhe. — Quer que descubramos?
Podemos levá-lo para baixo e saber da verdade bem depressa...
Harold fitou o ancião agachado e indagou a si mesmo se Purdy estaria certo.
Fogarty continuava com o mesmo olhar imperturbável do começo. Ou era um idiota
completo ou corajoso ao extremo. Sentiu o estômago embrulhado ao pensar no que
Purdy poderia fazer com o pobre coitado a portas fechadas. Além do mais, a história lhe
parecia convincente.
— Vamos embora.
Todos retornaram para as docas. Os asseclas dispersaram-se. Harold e Purdy
pararam ao lado do coche em que tinham vindo.
— E agora, Milorde?
— Teremos de mandar alguns homens para Portsmouth.
— Não acredito que ela esteja lá...
— E se o senhor estiver enganado?! — Harold gritou.
— Bem... Pendleton se encontra nas proximidades. Sabemos disso.
— O que não significa que Penélope também esteja.
— Nisso Milorde tem razão.
— Procure aquele menino de recados de Pendleton. Agarre-o! Ele e eu precisamos
ter uma longa conversa.
— Deixe isso por minha conta! — Purdy apressou-se, satisfeito pela perspectiva de
dar uma lição no rapazote.
Harold resolvera não mostrar a Purdy a mensagem que recebera de Pendleton. Se
não atendesse às exigências dele, mataria Penélope. Embora convencido de que
Cheryl Holt Destino Incerto
Pendleton não faria mal a sua filha, receava tê-lo provocado demais. O bilhete fora
deveras assustador.
Se Penélope fosse morta, Harold só poderia culpar a si mesmo pela tragédia. O
jogo de gato e rato que empreendeu teria sido inútil. Por isso nada disse a Purdy. Não
queria que o outro soubesse até onde poderia ser levado por um julgamento errôneo e
por seu orgulho. Não apenas Purdy, mas ninguém deveria saber.
— Pendleton jamais a mataria! — Harold murmurou para si mesmo, subindo na
carruagem. Era preciso acreditar nisso.
O que diria a Edward, que o aguardava? E à Duquesa? Era impossível continuar
evitando as perguntas da esposa. O casamento estava próximo, e nenhum deles se
conformava em não saber do paradeiro de Penélope. Inclusive ele mesmo.
— Edward, aquele grande patife! — Harold indignou-se. Não seria necessário usar
de desculpas. Eles não ousariam duvidar de sua palavra. Em poucos dias Penélope
estaria em casa, a tempo de fazer os preparativos finais no traje de noiva e no que mais
a mãe achasse necessário.
Também poderia adiar o enlace, alegando uma doença repentina da filha. Ou
inventar algum outro pretexto que a impedisse de retornar das férias no campo.
O importante era ninguém desconfiar de que Penélope seguira Pendleton por sua
própria vontade, ou o desastre seria completo. As conseqüências funestas fariam-na
desejar que Pendleton não a houvesse devolvido. Talvez ela nem mesmo conseguisse
sobreviver a uma terceira provação.
Edward desistiria do acordo, e o golpe jamais seria esquecido pela aristocracia.
Apesar de sua condição de Duque, Harold não poderia amenizar os efeitos de três
fracassos matrimoniais. Tinha inimigos em número suficiente que adorariam ver os
Westmoreland humilhados. Não haveria como convencer um lorde a aceitar Penélope
como esposa.
Com Edward, já haviam descido ao fundo do poço. Seria impossível baixar mais.
Penélope passaria o resto de seus dias como uma solteirona solitária, sem filhos ou
família, fatores básicos para a felicidade de uma mulher. E ele teria falhado por completo
em seus deveres de pai.
Tudo por causa de Pendleton.
Ora, mas nada disso aconteceria! Resolveria de maneira favorável a situação
penosa. Recusava-se a aceitar qualquer solução que não fosse ter a filha sã e salva sob
sua guarda.
E com uma batida no teto da carruagem, foi levado de volta a Mayfair.
Desconfiado, Fogarty esperou no convés, olhando para todos os lados. Talvez o
homem com aspecto de príncipe houvesse mesmo acreditado na história inventada e
ordenado a partida de todos.
Um pobre marinheiro como ele conversando com um camarada rico daqueles, que
tomava vinho com príncipes e reis!
Sentia-se satisfeito por haver seguido ponto a ponto as instruções do capitão
Pendleton, cujas atividades dúbias não conhecia, nem mesmo lhe interessavam.
Fogarty analisou mais uma vez os arredores e desembarcou. Misturou-se à
multidão e caminhou sem pressa até a cervejaria onde costumava almoçar. Diminuiu o
Cheryl Holt Destino Incerto
passo ao cruzar a viela, sem virar a cabeça. De soslaio, viu o menino parado.
— Diga ao capitão que eles acharam o navio e tudo correu como o previsto. — E
Fogarty seguiu seu caminho.
Paulie foi até a taverna e espiou pela janela. Estreitou os olhos, surpreso. Avistou
Lucas e Matthew sentados a uma mesa dos fundos. Em geral não vinham juntos para
Londres. Um ficava no campo, enquanto o outro se encarregava dos negócios,
mandando e recebendo as mensagens que Paulie entregava com presteza.
Os irmãos conversavam, inclinados para frente. Encaravam-se, furiosos.
Espectador atento, Paulie imitou os gestos das mãos e os movimentos faciais de Lucas.
Queria ser como ele quando crescesse. Enquanto perambulava pelas ruas da cidade,
fantasiava sobre o americano intrépido que preenchera sua existência triste de menino
sem lar com excitação e mistérios.
Com o dinheiro recebido de Lucas, poderia ter alugado uma cama e encontrado um
abrigo, mas não foi o que o fez. Continuava dormindo debaixo da escadaria deserta com
os outros garotos que ele considerava como parentes. Sentia-se seguro na pequena
barraca que ocupavam. Não desejara dar-se ares de importância só porque tivera um
pouco de sorte.
Deitado no catre de palha malcheirosa e coberto com uma manta rasgada, o único
lugar onde podia dormir, escutava o ruído dos garotos que se mexiam durante o sono e
das poucas carruagens que passavam. Olhava para o céu e imaginava onde Lucas se
encontrava ou o que estaria fazendo.
Com freqüência pensava na casa de campo. A que não deveria conhecer e nunca
ter visto, caso os asseclas do Duque o apanhassem e o forçassem a falar. Mas não
pudera evitar a vontade de seguir Lucas e testemunhar como ele vivia. Surpreendeu-se
ao encontrar a bela princesa, lady Penélope, morando ali também.
Imaginava-se sentado à mesa da cozinha que via quando ia fazer a visita secreta
a Harry. Em seus sonhos, Penélope servia-lhe o jantar.
Às vezes fechava os olhos e fingia que era o irmão mais velho de Harry, que
também morava na casa grande e que seus pais eram Lucas e Penélope. Era uma
imagem dolorosa que o deixava nauseado, sem saber por quê. Se fosse mais maduro,
saberia tratar-se de uma ânsia desesperada de alcançar a afeição e o amor que jamais
conhecera.
Isso quando não imaginava ser convidado para conhecer a América, pois o capitão
Lucas não podia prescindir de um garoto tão corajoso e esperto, um parceiro de valor
inestimável.
Paulie via os dois em pé no convés do Sea Wind, de braços cruzados e pernas
abertas, enquanto o navio subia e descia ao sabor das ondas do oceano. Singrariam os
mares, lutariam com os piratas, encontrariam tesouros e resgatariam belas mulheres em
perigo.
Os outros freqüentadores da taverna eram homens rudes que tomavam cerveja
sem parar. Um solitário observava os dois irmãos com maior interesse que o necessário.
Paulie teve de admitir que seria impossível não notar os dois americanos, tanto por sua
estatura como por sua aparência.
O camarada acabou de tomar a caneca de cerveja preta, deixou uma moeda sobre
Cheryl Holt Destino Incerto
a mesa e saiu, não sem antes lançar um último olhar para os dois irmãos, por sobre o
ombro. Paulie colou-se na parede, para não ser visto.
O sujeito caminhou a passos largos até a esquina, onde outro camarada saía de
uma hospedaria. Os dois conservaram em voz baixa. O primeiro apontou para a taverna
onde Lucas e Matthew acreditavam-se a salvo dos curiosos. O segundo anuiu, sussurrou
qualquer coisa e se foi, apressado. O primeiro voltou para frente do estabelecimento de
onde saíra, sem perder de vista a porta de entrada.
Paulie não gostou nem um pouco do aspecto sinistro dos estranhos e espiou pela
janela. Notou que a discussão entre Lucas e Matthew passava dos limites da cautela e
da discrição.
O sujeito da rua continuava a esperar. Não demorou muito e outros sujeitos
juntaram-se a ele. Rudes e fortes, sem dúvida escondiam armas e bastões sob os
capotes. O que parecia ser o líder fez um sinal e todos se dirigiram à taverna.
— Está dormindo no quarto de cima à esquerda?! — Matthew indagou, feroz.
— Isso mesmo. Por quê?
Apesar do perigo de serem vistos juntos, haviam resolvido ficar em Londres para
evitar a demora na troca de mensagens com Westmoreland. Embora tivessem vindo
para a cidade em horários diferentes e entrado na bodega um de cada vez, Lucas teve
a impressão de que eram sendo observados, mesmo sem ter notado nada de anormal.
Para não chamar a atenção, ele e Matthew vestiam-se como dois trabalhadores
que aproveitavam a tarde para beber. Os olhares atentos dos fregueses eram devidos à
freqüência de bandidos a quem não se podia dar as costas. Aquela era uma realidade
do local.
Lucas disse a si mesmo que a percepção exacerbada na certa era causada pelas
pressões de um comportamento furtivo que se tornara obrigatório. Sua paciência estava
no fim. A tolerância para com os absurdos, que nunca fora alta, desaparecera. A mente
encontrava-se exausta de tanto refletir sobre uma conclusão aceitável.
Um fato contributivo para aquele esgotamento era a falta de sono por causa das
brincadeiras noturnas com Penélope. Lucas tinha a impressão de ser um cão bravio
pronto a morder qualquer um que se aproximasse. Imerso em culpas e remorso, mentiras
e decepções, alegria e sofrimento, passara a viver em um inferno de exasperação e
irritabilidade. Tinha pena de quem ousasse aproximar-se.
Matthew, bastante preocupado com a situação deles, ainda não notara o
nervosismo extremo do irmão, a quem fitava com raiva e punhos fechados.
— Adivinhe quem eu vi a noite passada, quando fui ao celeiro para consertar minha
sela.
— Sei lá! — Lucas abanou a mão, mal-humorado.
— A srta. Westmoreland em pé atrás da janela de cima, à esquerda. E, se não me
engano, estava vestida apenas de sombras!
Os sussurros não escondiam a ira dos irmãos.
— E daí?
— Daí eu gostaria de saber por que a moça se encontrava nua em um quarto que
não era o dela!
— Por acaso não lhe ocorre o motivo?
Cheryl Holt Destino Incerto
mesmo que éramos homens de bem tentando retificar uma grave injustiça. Vejo agora
que Lucas Pendleton não é melhor que Westmoreland.
— Retire o que disse! — Lucas gritou, indiferente à platéia. Já concluíra o mesmo,
mas não admitia ser condenado por outro.
— Jamais! Essa é a mais pura verdade!
Os dois ficaram de pé, furiosos, e a mesa caiu longe, junto com as canecas de
cerveja. Lucas deu o primeiro soco, e Matthew revidou com outro.
Os fregueses não os conheciam, e por isso não tomaram partido. Os golpes se
sucediam, sem que os contendores demonstrassem senti-los, tamanha a indignação que
os movia. O suor voava, o sangue escorria e a roupa era rasgada.
O barman procurou intervir e bateu com um porrete no balcão. Sem conseguir a
atenção dos lutadores, tratou de afastar a mobília. Teria de salvar o maior número
possível de mesas.
Quanto tempo demoraria para que a raiva deles se esgotasse?, Lucas perguntou-
se, em meio ao caos. Matar-se-iam antes?
Matthew cambaleou, e Lucas investiu para aproveitar os segundos de fraqueza.
Mas uma criatura pequena pulou em suas costas e segurou-o pelo pescoço, fazendo-o
perder o fôlego.
— O que é isso?! — Lucas murmurou, arfante, tentando livrar-se do aperto,
enquanto os espectadores riam. Deu uma volta rápida, e Paulie deslizou até o chão.
— Os capangas do Duque estão lá fora. Alguém o denunciou — informou.
Lucas hesitou, tentando compreender o que o garoto dizia, embora não pudesse
vê-lo por causa do olho inchado e do ferimento na testa, que sangrava.
— Quantos são?
— Uns seis.
— Armados?
— Sim.
— Há algum outro meio de sair daqui? — Lucas falou com o dono da taverna.
O camarada não se dignou a responder até Lucas tirar do bolso um saquinho cheio
de moedas e jogá-lo nas mãos dele. Então, o homem indicou os fundos com um gesto
de cabeça.
— Pode ajudar-me a escapar pelas vielas, Paulie?
— Posso, mas tem de ser já!
Lucas olhou ao redor e improvisou uma desculpa.
— Cavalheiros, é a lei. E terei de dizer adeus a meu pescoço, se me pegarem.
Agradecerei qualquer ajuda que puderem me prestar.
Alguns dos mais espertos apressaram-se em retornar mesas e cadeiras para o
lugar, e sentaram-se, aparentando descontração.
— Não imagine que já resolvemos o caso, Luc.
— Não mesmo, Matt.
— Vá embora! — Limpou o sangue do rosto e apontou a saída que o barman
sugerira. — Antes de que seja tarde demais.
Lucas anuiu, e Paulie puxou-o pela mão através da porta que a garçonete abrira.
— Boa sorte — a moça desejou-lhes.
Cheryl Holt Destino Incerto
Lucas e Paulie correram pelo beco. Estavam a dois quarteirões dali, quando os
homens de Purdy invadiram a taverna.
Não encontraram nenhum sinal de Lucas, de luta, nem do homem com quem
Pendleton estivera conversando. No lugar em que Lucas fora visto, havia dois fregueses
bebendo. Nenhum deles lembrava em nada o procurado.
Os semblantes sombrios e os silêncios pétreos diante das indagações de praxe
convenceram os perseguidores de que ou Pendleton escapara ou nunca estivera ali.
Em desvantagem pelo grande número de mal-encarados presentes no salão, os
asseclas de Westmoreland saíram tão depressa quanto entraram. Não tiveram tempo de
ver Matthew escondido atrás do balcão, pressionando uma toalha úmida nos ferimentos.
Nem pernas de cadeiras e mesas quebradas, empurradas contra a paredes e
disfarçadas pelos pés e calças dos fregueses.
Os capangas do Duque procuraram inutilmente pela vizinhança.
Lucas e Paulie escapavam pelo labirinto de becos e vielas estreitas. Lucas sentia
a energia abandoná-lo. Tinha algumas costelas partidas e o pulso torcido. O sangue
continuava a escorrer, manchando a camisa e a calça. Nem mesmo a insistência de
Paulie conseguia fazê-lo prosseguir com maior rapidez.
O menino olhava a todo instante para trás, com medo de que estivessem sendo
seguindo. Com esforço, conduziu Lucas até uma construção abandonada e sentou-o no
chão imundo, atrás de uma porta. Tirou a pistola da bota de Lucas, pôs a arma na mão
do amigo e posicionou-lhe os dedos no gatilho. Saiu correndo e evitou pensar que Lucas
poderia ser descoberto antes de seu retorno.
Meia hora depois, Paulie suspirou, aliviado. Encontrou o capitão no mesmo lugar
onde o deixara, encostado na parede.
O cano da arma apareceu assim que Paulie entrou, o que o fez supor que os
reflexos de Lucas não estavam tão apagados quanto o dono.
— Paulie?
— Sim, senhor.
— Achou o que precisava?
— Achei. — Paulie adiantou-se, depois de espiar de novo a retaguarda.
Do outro lado, apenas um bando de meninos que não lhes davam atenção. Deixou
sobre o assoalho estragado os itens roubados e ficou mais contente ao ver o esboço de
sorriso de Lucas, que teve de conter-se, quando o lábio recomeçou a sangrar.
— Uma coleção de objetos de valor inestimável, meu rapaz.
— Sou um camarada muito prestativo.
— Estou começando a perceber.
— O senhor terá de cooperar — Paulie advertiu-o, orgulhoso pelo elogio.
Lucas inclinou-se para a frente, e Paulie ajudou-o a tirar a camisa rasgada pela
cabeça. A região das costelas apresentava-se inchada e com grandes hematomas. A
pele dilacerada sangrava em numerosos pontos.
Paulie baixou os olhos para que Lucas não lhe visse as lágrimas de compaixão e o
chamasse de bebê. A camisa apanhada de um varal ficou um pouco apertada nele, mas
serviu ao propósito. Paulie abotoou-a depressa, para não ver os ferimentos.
— O senhor é um louco.
Cheryl Holt Destino Incerto
— Não é a primeira vez que me dizem isso. — Lucas mexeu-se e gemeu por causa
da dor intensa. — Eu não lembrava de que meu irmão era tão forte.
Paulie não respondeu, concentrado em sua tarefa. Segurou um pano na testa
lacerada e limpou os ferimentos das mãos de Lucas. Depois de estancar o sangramento,
cobriu a cabeça dele com o chapéu surrupiado e puxou a aba. O rosto e os machucados
ficaram ocultos.
— Por que estavam brigando?
— Por causa de uma mulher, Paulie. Nunca cometa tal absurdo.
O menino concordou com a advertência, a não ser que a mulher em questão fosse
a srta. Penélope. E pelo que ouvira, desconfiava que ela tinha sido mesmo o motivo da
briga. Embora a princesa estivesse na casa com Lucas, Paulie não compreendia todas
as circunstâncias do fato.
— Não farei isso.
— Tenho de sair da cidade, Paulie, e para isso, preciso de meu cavalo.
— Sei onde o senhor o deixou.
Nos últimos dias, Paulie seguira seu ídolo por toda parte, como uma sombra, e
descobriu a localização da estrebaria de aluguel. Lucas fitou o menino com o cenho
franzido, mas não o recriminou.
— Sendo assim, vamos caminhar, meu pequeno campeão. — Lucas cambaleou
para ficar em pé e gemeu ao respirar.
Logo, chegaram à cavalariça. Paulie auxiliou Lucas a montar e, sem pedir licença,
subiu atrás. Alguém teria de proteger-lhe as costas e sustentá-lo, para o caso de ele não
agüentar cavalgar até o destino.
O trajeto foi lento e doloroso para Lucas. De vez em quando, Paulie quebrava a
quietude para assegurar-se de que o capitão estava acordado.
Chegaram à casa de campo ao anoitecer. Tudo estava quieto. Lucas deteve o
cavalo na frente do alpendre. Paulie desceu primeiro e ajudou-o a apear.
— Tudo bem com o senhor? — Paulie preocupava-se.
— Tudo. — Lucas andou com passos incertos até a entrada. — E melhor dar o fora,
meu amiguinho. Se Penélope o vir...
— Sei o que devo fazer, senhor. Ela jamais me verá.
— Gosto de sua agilidade mental, Paulie. — Lucas deu um sorriso e Paulie retribuiu.
— Pode dormir no celeiro. Amanhã cedo daremos um jeito de mandá-lo para a cidade.
— Não se preocupe comigo. Sei voltar sozinho.
— Assim mesmo terá de esperar por mim, entendeu?
— Sim, meu capitão.
Lucas bateu-lhe no ombro.
— Fez um belo trabalho, meu rapaz. Estou orgulhoso de meu amigo.
Para disfarçar o nó na garganta, Paulie bateu com a aldrava na porta. Ao ouvir
passos, piscou para Lucas, eclipsou-se nas sombras e parou a um canto do celeiro para
observar a cena que se desenrolaria.
Penélope abriu a porta, e a luz da sala fez com que parecesse um anjo dourado
parado à soleira.
— Lucas? — Ela prendeu a respiração ao ver o estado do marido.
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XV
imaginara que viria a interessar-se por coisas tão singelas como o crescimento das
flores. Não lhe haviam ensinado a costurar, a cozinhar, a fazer compras para abastecer
o lar, a barganhar por mercadorias e serviços. Sentia-se inútil, uma mulher adulta sem
condições de enfrentar o mundo.
Bem, haveria tempo para aperfeiçoar suas habilidades. Dedicava-se com afinco ao
papel de esposa. Era uma aluna aplicada, cheia de determinação e não conhecia a
preguiça. Lucas iria se orgulhar dela quando chegassem à Virgínia.
Consultou o relógio. Lucas fora para Londres, apesar de todos os argumentos que
empregou para dissuadi-lo do intento. Embora acordasse cheio de dores e mal
humorado, insistiu na viagem, alegando negócios urgentes, e, antes do beijo de
despedida, prometeu se manter longe de encrencas.
Do que ela duvidava.
Lucas era dono de muitos segredos e estava sempre pronto a fazer pouco das
dificuldades. Por isso, só restava a Penélope esperar e imaginar qual seria o estado dele
quando retornasse.
Resolveu ocupar a mente e as mãos e deixar as aflições de lado. Caminhou de
volta a casa, onde a massa de pão já deveria estar crescida. Quanta satisfação sentiria
quando um dos pães fosse servido no jantar!
Quem haveria de crer que lady Penélope Westmoreland, exigente, mimada e
vestida de acordo com a última moda parisiense, viria a gostar de assar pães? Ou que
suas mãos ineficientes haveriam de adaptar-se tão depressa à rotina?
Encantou-se desde a primeira vez em que viu a cozinheira sovar a massa. Adorara
sentir o cheiro de fermento que flutuava por todo lado, e demonstrou uma habilidade
inimaginável na panificação caseira.
Alcançou a porta dos fundos e levou um susto ao vê-la entreaberta. Em questão de
segundos, um garoto de cabelos escuros saiu correndo, com algumas coisas escondidas
sob o casaco curto.
O malandrinho os estava roubando! Magro e miúdo, talvez até passasse fome.
Penélope manteve-se imóvel. O menino fechou a porta devagar, supondo que
conseguira escapar.
— Pare aí, meu bom rapaz.
— Oh, não... — O larápio hesitou por um instante. Depois, empreendeu uma
carreira e deixou cair os itens furtados.
Penélope percebeu que se tratava de comida, antes de correr, agarrá-lo e trazê-lo
de volta.
— Eu o conheço! — Penélope admirou-se.
— Sim, senhora.
— Paulie... Seu nome é Paulie.
— Sim, senhora.
— Nós nos encontramos em Londres, na rua.
— É...
Penélope estreitou os olhos, procurando entender.
— O que faze aqui, no campo? Paulie passou a língua nos lábios.
— Não posso dizer, Sra. Penélope.
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— Isso não é resposta. Depois de assaltar minha casa e roubar minha comida,
recusa-se a dizer por que veio aqui? — Penélope fitou-o com a mesma severidade do
pai. — Por favor, meu jovem, tente algo melhor.
— Não é que eu não possa dizer. Bem... acho que não devo contar.
— Ah, entendi... Pelo jeito, deve estar faminto. Vamos entrar. Prepararei uma
refeição decente. Talvez se sinta mais à vontade para falar.
Ela o segurou pelo casaco, com receio de que Paulie escapasse na primeira
oportunidade. Abriu a porta com a mão livre, mas ele não saiu do lugar.
— Não sei se eu gostaria... Penélope inclinou-se e encarou-o.
— Isso não é um pedido, Paulie. Agora, vamos!
O garoto era leve como uma pluma. Penélope levantou-o, carregou-o para dentro
e o sentou em uma cadeira em um canto atrás da mesa. Seria difícil fugir dali. Havia
móveis e objetos atrapalhando o trajeto até a porta. Atenta a qualquer possibilidade de
evasão, Penélope serviu-lhe um prato de sopa quente e algumas fatias de pão com
manteiga.
Acomodou-se ao lado de Paulie, com semblante severo.
— Obrigado, senhora — Paulie murmurou, de olhar fixo na comida.
— Não há por quê. — Penélope escutou o estômago dele roncar e pôs a colher em
sua mão. — Coma.
Paulie começou devagar e terminou em questão de segundos. Penélope tornou a
encher a tigela, e a sopa foi devorada num instante. Ela o contemplava calada, usando
a força do olhar para intimidá-lo. Resolveu empregar o método que vinha funcionando
muito bem com Harry.
Paulie deixou a colher dentro da tigela vazia, sem erguer o olhar. Depois de um
silêncio opressivo, empurrou a cadeira para trás e fez menção de erguer-se.
— Obrigado, senhora, mas tenho de ir embora. Penélope pôs a mão no ombro
magro e obrigou-o a sentar-se de novo.
— Nós ainda não tivemos nossa conversa.
O garoto suspirou.
— Diga-me o que está fazendo aqui e eu o deixarei ir — Penélope mentiu, disposta
a falar com Lucas antes de soltá-lo. Não suportava a idéia de mandá-lo sozinho de novo
para as ruas londrinas.
— Talvez fosse melhor a senhora perguntar ao capitão sobre mim.
— Que capitão?
— A senhora sabe.
— Não sei.
— O capitão Pendleton.
— Ah! — Se era assim que os outros o chamavam, ela também poderia fazê-lo,
quando estivesse aborrecida com sua conduta. — Então conhece meu marido, não é?
— Sim, senhora. Não sei do que se trata. O capitão saberá explicar-lhe melhor. Ele
está aqui?
— Não, foi para a cidade.
— Então... — Paulie tentou ficar em pé pela segunda vez. — ...a senhora poderá
perguntar-lhe quando...
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— Sente-se!
Impaciente, Paulie não parava quieto e mexia as pernas sem cessar.
— Sabe de uma coisa, Paulie? Estou começando a achar que isso é uma grande
coincidência.
— Por que diz isso, senhora?
— Eu o encontrei em Londres, e agora aqui. Embora me pareça estranho, você
conhece meu marido. Espere um pouco. Também conhece Harry, não é? Trata-se do
amigo a quem ele se referiu.
— Pode ser. — Paulie balançava os pés para frente e para trás e coçava a perna.
Penélope sentiu-se uma tola por não ter somado dois mais dois e não ter
desconfiado que o amigo de Harry não era imaginário.
O que significava tudo aquilo?
Paulie conhecia a todos e estava familiarizado com os hábitos deles. Harry e Lucas
não desejavam que ela soubesse da existência do menino.
Por quê?
Uma voz interior e aguda começou a adverti-la de que estavam em jogo elementos
perigosos que não entendia e que seria melhor até não entender. Circunstâncias que
envolviam Lucas e ela mesma.
Colette sempre insistia que havia enigmas sob uma aparência de normalidade.
Apesar de mais calma por causa do casamento, a fiel criada continuava desconfiada,
ouvindo atrás das portas, espiando o pátio à noite e ajudando na limpeza do quarto de
Lucas para descobrir algo.
Penélope sempre fez pouco caso das suspeitas da criada, a quem atribuía a
qualidade de não confiar em ninguém. Mesmo que desse crédito ao ceticismo de Colette,
a recente felicidade não permitiu que examinasse as circunstâncias de maneira acurada.
Ou talvez ela se recusasse a ver tudo com clareza.
E as más notícias acabavam surgindo quando menos se esperava.
— Tem vindo visitar Harry com freqüência?
— Eu diria de vez em quando.
— Os encontros são na floresta?
— Sim.
— Por que não bate na porta?
— Não sei se o capitão iria gostar de minha presença.
O que estava acontecendo?
— Então por que está aqui hoje?
— Ontem à noite ajudei o capitão a vir para cá e...
— Voltou com ele ontem?
— Dormi no celeiro. Eu esperava uma condução para...
— Nesse caso, sabe o que se passou com o capitão.
— Sei.
— Conte-me. — Penélope segurou-lhe o queixo e forçou Paulie a encará-la. — O
que aconteceu?
— O capitão não lhe falou?
— Falou.
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Ficou arrasada pela torrente de palavras e por Lucas ter envolvido uma criança em
suas maquinações. Paulie, muito preocupado com os acontecimentos, na certa não
entendia os percalços que envolviam os adultos. E para piorar o pobrezinho ainda se
achava culpado pelos revezes dos outros.
Imóveis, olharam o pergaminho dobrado por algum tempo. Penélope virou o
envelope e reconheceu o lacre do Duque.
— É de meu pai.
— Não abra, por favor, senhora. Por favor.
— Conhece o conteúdo?
— Não. E a senhora também não vai querer saber, não é? — Paulie segurou-lhe a
mão. — Vamos fingir que a senhora não viu nada. Irei até a cidade e entregarei o
envelope para o capitão Pendleton, como deveria ter feito ontem. Melhor ainda: vamos
queimá-la e será como se a carta nunca houvesse existido.
— Tenho de saber o que está escrito.
Penélope passou o dedo por baixo da dobra e quebrou o pedaço de cera que
mantinha o envoltório fechado. Dentro, uma folha dobrada ao meio que Penélope tirou,
desdobrou c esticou sobre a mesa. Sem dúvida, a letra era de seu pai.
Pendleton,
Repito o que lhe disse antes. Não pagarei nenhum resgate para ter Penélope de
volta. Seu retorno ou não me é indiferente. A reputação dela foi conspurcada, por ter
ficado sozinha em sua companhia. Por conseguinte, não tem mais nenhum valor para
mim. Repito: não adianta esperar nada de nós. Se quiser, pode matá-la. Não me importo.
Westmoreland.
Penélope sufocou um grito e cobriu a boca com a mão, para impedir o vômito.
— Oh, Senhor...
— O que foi, senhora? Se eles a magoaram, eu irei... eu irei...
Penélope fitou de soslaio o jovem defensor. A sinceridade de Paulie fez com que
ela especulasse sobre os riscos que o garoto assumiria em seu favor. Teve de engolir
em seco três vezes antes de conseguir falar:
— Não é nada, Paulie.
— Não acredito.
Naquele momento ouviram vozes, e Paulie esticou o pescoço fino.
— Quem é?
Ela espiou pela janela.
— Harry e nossas criadas.
Paulie deu um pulo, pronto para disparar, mas Penélope negou-lhe a intenção, com
um gesto de cabeça.
— Quero que fique.
— O capitão Pendleton não vai gostar.
— Na atual conjuntura, não me importo com o que ele goste ou deixe de gostar.
— Se a senhora tem mesmo certeza...
— Tenho.
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Capítulo XVI
Lucas levou o cavalo até a baia, escovou-o e deixou feno à disposição do animal.
Demorou-se bem mais do que o necessário nas tarefas, embora duvidasse de que um
pouco mais de tempo o ajudaria a encontrar as respostas que vinha procurando. Já
ponderara sobre isso nas longas horas em que esteve em Londres e no trajeto de volta.
Como um plano tão simples resultou em um erro tão grande?
Harold Westmoreland cometeu um erro grave contra a família de Lucas, que
procurou retificar o mal cometido. Em um acontecimento imprevisível, a filha de Harold
conheceu Lucas e encantou-se com ele. Aproveitando aquele golpe de sorte, uma
resolução plausível foi tomada. Lucas atrairia lady Penélope e a manteria escondida em
uma casa de campo por alguns dias. Em seguida, usaria de ameaças e intimidações
para alcançar seu objetivo.
Em vez de uma solução rápida, os dias converteram-se em semanas. O Duque
recusou-se a cooperar, indiferente ao destino da filha. Lucas apaixonou-se por Penélope,
mas não ousou confessar-lhe. Penélope acreditava que eram casados, e Harry a via
como sua nova mãe, embora em breve ela fosse deixá-los para sempre. Paulie sumiu
como que por encanto. No momento, Matthew, decidido a voltar com ou sem Lucas,
ajudava Fogarty a preparar o Sea Wind para a viagem à América.
Lucas sempre se julgara um homem capaz, forte e inteligente. Por que diante dos
Westmoreland, não importava o que fizesse ou o que tentasse fazer, sempre acabava
por desempenhar o papel de tolo?
Suspirou e foi até a porta do celeiro olhar para a casa quieta e escura. Seria aquela
uma tranqüilidade anormal?
Colette deveria estar escondida nas sombras, pronta para atacá-lo. Penélope na
certa o esperava na cama, desejosa, nua e quente, e ele não resistiria a seus encantos.
Embora consciente de que não deveria entrar, não tinha disposição para obedecer
à advertência mental. Em se tratando de Penélope, não havia alternativa. Desejava-a
durante as vinte e quatro horas do dia. Não podia conceber uma noite em que não a
abraçasse.
Jamais experimentara conexão semelhante, nem mesmo achava que fosse
possível tal afinidade com uma mulher. Sempre supusera que tais fatos fossem absurdos
alardeados a sonhadores românticos e poetas. Porém a ligação entre ambos era real e
avassaladora.
Nem poderia ser diferente.
Em um período muito curto, Penélope se transformou em outra pessoa, cujo
objetivo era agradar o marido de todas as maneiras. Abandonou o luxo em que foi criada
e adaptou-se a circunstâncias bem mais simples, com a idéia de tornar Lucas feliz.
Encarregava-se com alegria e boa vontade de tarefas que desconhecia. Devotava-se de
corpo e alma ao conforto do marido.
Combinado a tudo isso, havia o ardor e o fato de Penélope ser possuidora de uma
beleza incomum. Mesmo sem ter experimentado as características da união entre
homens e mulheres, Penélope abraçou com vontade os aspectos físicos do
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— Paulie?!
— Um pouco... como dizer... sem verniz, mas...
— Paulie está aqui?!
Lucas pretendeu entrar correndo, mas Colette agarrou-o pelo braço com força
surpreendente.
— Os meninos estão dormindo. Paulie ficou muito orgulhoso de ter vestido uma
das camisas do capitão como traje de dormir. Acredita que o capitão Pendleton é um
grande homem. — Cuspiu no chão. — Eu me pergunto: o que o garoto sabe a respeito
do amado capitão que destruiu o coração de minha senhora? Por que será que esse
americano caiu como um raio sobre nossas cabeças?
— Penélope está acordada?
Colette fez comentários em francês que deram a impressão de que amaldiçoava
para a eternidade todos os Pendleton vivos, mortos e os que estavam por nascer.
— Eu o avisei, mon capitaine!
Lucas percebeu um brilho no escuro. Colette portava uma faca que lhe pareceu
familiar. Tentou arrancá-la das mãos dela, antes que a tresloucada ferisse um deles. A
francesa foi mais rápida e recuou, apontando a lâmina para o baixo-ventre de Lucas.
— Tenha certeza de que descobrirei o que o senhor fez, e quando determinar a
profundeza de sua má-fé, eu lhe arrancarei as tripas para dar aos abutres!
Ela era mesmo louca.
Lucas passou por Colette e entrou. Pisando com cuidado, foi até a cozinha.
Sentada à mesa e encostada na parede, Penélope, ainda vestida, podia vigiar as
duas portas. No recinto escuro, os raios de luar iluminavam-lhe os cabelos, deixando-os
quase brancos. A aparência era etérea, fantasmagórica. Gelada.
O móvel entre eles assumiu um tamanho descomunal. De lado na cadeira, ela
olhava, sem ver, o quintal pela vidraça. Na certa vira-o chegar, demorar-se na entrada
do celeiro, dirigir-se até ali e ser detido por Colette.
— Penélope? O que faz de pé a esta hora?
Ela não respondeu, nem se virou. Era como se não o ouvisse.
— Vou acender uma lamparina.
A pouca luminosidade clareou o ambiente sombrio, mas foi insuficiente para
aquecer o pavor que congelava o coração de Lucas.
Penélope continuava a olhar para fora, dedilhando a barra da cortina de renda.
Lucas gostaria de implorar que ela falasse, embora não quisesse ouvir uma só palavra
do que teria para dizer.
— Estava pensando em Adam St. Clair.
— Quem é Adam?
— Meu primeiro noivo. — Penélope suspirou, perdida nas memórias. — Desde
menina, fui informada por meu pai que teria de casar-me com Adam. Quando completei
dezessete anos, ficamos noivos. E em minha santa ingenuidade, acreditei que ele
estivesse apaixonado por mim.
— Por que diz isso? A realidade é muito difícil de ser compreendida por uma jovem.
Não deve culpar-se pelo que aconteceu.
— Lembra-se de eu ter lhe contado que Adam resolveu casar-se com outra?
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— Sim.
— Era uma mulher a quem ele amava, e não se tratava de mim, é óbvio.
Lucas esperava ter resistência para suportar a dor que lhe causariam as palavras
que Penélope diria sobre o assunto deles.
— Garanto-lhe que ele saiu perdendo, Penélope.
— Nunca lhe revelei que Adam se casou com minha meio-irmã, filha de um antigo
relacionamento de meu pai.
Penélope abanou os dedos, em uma implicação de que deveria haver muitos outros
filhos ilegítimos espalhados pelo país.
Quantos irmãos Harry teria?, Lucas perguntava-se. Quantos já teriam feito
Penélope sofrer? Não era de admirar que a esposa de Harold decidira não freqüentar a
sociedade. Devia ser por receio de encontrar uma amante do marido a cada passo.
— Depois que o noivado foi desfeito, inúmeras pessoas não se cansavam de
anunciar que a outra era minha irmã. Espalhavam aos quatro ventos que meu pai e a
mãe dela tinham vivido um grande amor. Adoravam apunhalar minhas feridas. Riam,
dizendo que eu deveria ser muito desagradável, já que Adam se decidira por uma
bastarda.
—: Tenho certeza de que a preferência dele nada teve de pessoal.
— Eu os vi uma vez, no ano passado, em uma festa. A anfitriã era italiana, não
sabia o que acontecera e por isso convidou a todos. Ainda bem que os vi antes de entrar.
Estavam com a filha pequena... e pareciam muito felizes. Escondida atrás dos outros
convidados, ousei espiar e comprovei como Adam os amava. O engraçado é que fiquei
contente por ele, e admirei a coragem que teve ao romper nosso compromisso. O que
me ajudou a entender que de fato gostava dela.
— Digo-lhe que...
— Refleti que eu deveria sentir-me satisfeita por ter escapado de um casamento
sem amor, como o de meus pais, e de ter a chance de descobrir a alegria com outro.
Meu maior desejo era encontrar alguém que me amasse como Adam amava minha irmã.
— Foi quando Penélope se virou para a ele. — Lucas, existe amor em seu coração por
mim?
Ele nunca admitira aquele sentimento. Àquela altura, de que adiantaria Penélope
saber disso? Não mudaria nada.
— Então?
Lucas estremeceu, procurando ousadia para a confissão.
— Sim, Penélope, eu te amo.
— Muito conveniente! — ela zombou, amarga. — Está armado?
— O quê?
— Carrega uma arma?
— Sim, tenho uma comigo.
Atônito, viu-a tirar a mão de baixo da mesa. Penélope segurava uma pistola
pequena e apontava, como Colette fizera, para sua virilha.
Teria de passar o resto da noite sendo atacado por mulheres iradas?
— Onde conseguiu isso? — Lucas notou o dedo firme no gatilho e precisou conter
o ímpeto de pular por cima da mesa e arrancar-lhe a arma da mão.
Cheryl Holt Destino Incerto
Será melhor usar essa chance para justificar seus atos, antes que eu o deixe para
sempre. Se resolver mentir, o problema será só seu.
Lucas apavorou-se com idéia de Penélope partir. Tinha de alterar isso.
— Não é o que está pensando.
— Sobre o quê? Meu rapto? A extorsão que está fazendo contra meu pai? Ou o
fato de ele não querer pagar para ter-me de volta? Ou ainda que é mentira que você
pretendia matar-me?
— Eu jamais a faria sofrer, Penélope.
— Tarde demais! Já fez! — Penélope arfava de ódio. — Quer dizer que tudo isso é
verdade?
— É.
— Disse a meu pai que iria me matar?
— Sim, mas jamais faria isso.
— Que sorte a minha! Era tudo o que eu precisava saber. Boa noite, Lucas.
Lucas a agarrou pelo braço. Mesmo sem fazer esforço para soltar-se, os olhos dela
faiscaram. Ele não a soltou, entretanto. Era impensável deixá-la partir.
— Você falou que me ouviria.
— É, mas acho que não valerá a pena escutar o que tem para me dizer.
— Não quer saber de tudo? Juro que não omitirei nenhum detalhe.
— Agora? E eu deverei dar crédito a qualquer história maluca que resolva inventar?
Que descaramento! Na certa deve imaginar que sou a criatura mais estúpida que Deus
pôs na face da terra!
Por sorte, Penélope não tornou a pegar a arma. Ou Lucas Pendleton seria um
homem morto.
— Desde o começo, eu queria contar tudo, mas não sabia como.
— Nós somos casados?
— Não.
A resposta abrupta fez Penélope cambalear, e Lucas teve de sentá-la em uma
cadeira.
— Mas quero que nos casemos.
— Por favor, cale-se!
— Nada disso. Nosso casamento é o que mais desejo neste mundo. Eu queria
reparar a confusão em que a deixei, mas como confessar que...
— ...a cerimônia foi um farsa? — Penélope terminou a frase por ele.
— Foi.
— Por acaso não tem sentimentos?! — Lágrimas deslizavam pelas faces dela. —
Será que nunca teve um minuto sequer de ternura por mim?
— Sempre tive, e muita, Penélope. Nosso relacionamento foi especial desde o
começo. Sabe disso tanto quanto eu.
— Tem razão. Para mim foi. Para você tratou-se apenas de baixar a calça. Não
posso suportar que, depois de afastar-me de meu lar e de minha família, de ter feito tudo
o que fez, ainda tenha a petulância de dizer que me ama.
— Não imaginei que a situação fosse chegar a este ponto.
— Pare! — Penélope tapou as orelhas. — Pare! Não tolero seus álibis e suas
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XVII
Penélope sacudiu a cabeça, desanimada. Harry era muito novo para entender o
conceito "para sempre", e ela não encontrou nenhum método adequado para definir uma
despedida. O garoto entenderia aquele significado com a passagem dos dias e das
semanas, sem que ela retornasse.
— Quer descer comigo?
Harry anuiu, e Penélope segurou-lhe a mãozinha.
No momento em que chegavam ao pavimento inferior, uma carroça parava na
frente da residência. Pela janela, Penélope viu a cozinheira descer. Um homem idoso
ocupava o banco, com as rédeas no colo. A cozinheira disse-lhe qualquer coisa e deu a
volta na casa. Assim que a ouviu entrar, Penélope mandou Harry pedir-lhe comida.
Paulie a aguardava, com o cenho franzido.
— A senhorita vai embora?
— Sim, Paulie, vou.
— E não voltará?
— Não.
— E para onde irá?
— Para a casa de meu pai.
Consternado, Paulie não escondeu o medo e a preocupação. Penélope comoveu-
se ao constatar o quanto o menino a estimava.
— Ah, srta. Penélope, não acho que seja uma atitude sensata!
— Por que diz isso? Ele é meu pai. Tudo dará certo.
— Conheci seu pai e tenho de admitir que não gostei muito dele. O Duque não
merece o carinho de uma pessoa tão maravilhosa quanto a senhorita.
— É muita bondade sua dizer isso, Paulie. — Penélope acariciou-lhe os cabelos.
— Tudo se ajeitará. Meu lugar é na mansão de meu pai.
— O capitão sabe que a senhorita vai embora?
— Sabe.
— E não fez caso disso?
— Não, porque não diz respeito a ele. Paulie olhou a carroça pela janela.
— Não quer que a acompanhe até a cidade? Eu poderia ajudá-la.
— Obrigada, mas não há necessidade. Eu gostaria de pedir-lhe um favor.
— O que quiser, srta. Penélope! — Paulie entusiasmou-se.
— Peço-lhe que fique aqui e tome conta de Harry. Não consegui fazê-lo entender
o que está havendo. Creio que ficará aborrecido quando descobrir que não retornarei.
— Ele é muito jovem — Paulie afirmou, do alto de sua experiência.
— E por isso precisa de você. Eu me sentirei muito melhor se ficar com ele.
— Sempre tomo conta de meninos pequenos. Daqueles que não têm ninguém que
olhe por eles. Entendo do assunto.
Penélope creditou a frase à vida miserável que Paulie tivera nas ruas londrinas.
Suspirou, aliviada. Paulie teria um lar e não iria passar a juventude faminto, cuidando de
outros órfãos.
— Isso é excelente.
— Srta. Penélope, tomarei conta de Harry. Todo o tempo. Eu juro. — Paulie pensou
um pouco. — Tem convicção do que pretende fazer?
Cheryl Holt Destino Incerto
— Tenho — Penélope mentiu mais uma vez. A única certeza era que teria de partir,
enquanto lhe restassem forças para fazê-lo. — Há outra coisa de que eu gostaria de
falar-lhe. O capitão Pendleton decidiu levá-lo para a Virgínia. Ele me prometeu. Mas se
não cumprir sua palavra, lembre-o dessa promessa. Fará isso?
— É lógico! — Os olhos do menino brilharam com a perspectiva de acompanhar
seu herói.
— E também espero que peça ao capitão para que o ensine a ler e a escrever.
Depois, mande-me uma carta, contando todas as novidades.
— Farei o que me pede, srta. Penélope.
A despedida foi silenciosa e sombria. As criadas e os meninos mostravam-se
confusos e desanimados. Penélope gostaria de ir embora com abraços e beijos efusivos,
além de desejos de boa sorte para o porvir.
Mal teve energia para subir no veículo rústico. Se não fosse Colette segurá-la, teria
caído.
— Eu a protegerei, mon amie — Colette, emocionada, sentou-a no banco duro ao
lado do cocheiro.
— Merci.
Colette atirou as duas malas na parte de trás da carroça e subiu também. Penélope
agradeceu a Deus pelo fato de a criada não ter o costume de fazer perguntas indiscretas,
nem de apontar o dedo, vangloriando-se por ter razão. A moça contentou-se em
permanecer ao lado dela, como a companheira forte e resoluta que sempre fora.
O condutor sacudiu as rédeas, e os cavalos deram um impulso para a frente.
Penélope não conseguiu erguer o braço para um aceno final.
Começava a chover. Colette pegou a capa de zibelina que estava atrás e amarrou-
a no pescoço da patroa. O homem virou a carroça para a estrada, rumo a Londres.
Edward Simpson andava de um lado a outro da sala de estar do Duque. Com olhar
crítico, avaliava a mobília e os ornamentos.
Mesmo sendo dono de uma fortuna substancial, sua casa não tinha a aparência
daquele museu dedicado à ostentação. Nem mesmo sabia por que sua residência não
mostrava aquele aspecto resplandecente, embora houvesse concedido a suas três
esposas anteriores a liberdade de decorar os ambientes para receber bem os
convidados.
Supôs que fosse uma questão de estilo da Duquesa de Roswell. Esperava que lady
Penélope houvesse herdado o gosto refinado da mãe.
— Penélope, Penélope... — Edward murmurou, servindo-se de mais um dose de
conhaque.
Porém aquele assunto não era prioritário. Dentre os inúmeros planos que reservara
para milady, tornar atraente a propriedade estava no final da lista. Havia itens
merecedores de atenção muito maior.
A terceira esposa morrera fazia mais de quatro anos, e Edward se achava mais do
que ansioso para desfrutar de noites de prazer que não fossem em companhia de uma
prostituta. Detestava bordéis, mesmo os que ofereciam as mais belas garotas. Preferia
usufruir do sexo na privacidade de seu quarto com uma mulher atraente de sua própria
escolha.
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Muito bem que Penélope era um tanto atrevida e trazia vários problemas consigo.
Quando Westmoreland lhe acenara com a idéia, Edward chegou a fingir desinteresse,
como se Penélope representasse um grande peso. Mas se tratava, isso sim, do tipo de
companheira que vinha procurando.
Edward tinha preferência por jovens. Se fossem belas, melhor ainda. No entanto,
um homem em sua posição não podia sair pelas ruas seduzindo adolescentes sem que
as repercussões fossem sérias. Por isso, casava-se com elas. Gostava mais das que
tinham acabado de deixar a escola, que não fossem mimadas e que apresentassem total
ingenuidade quanto às obrigações maritais.
Embora Penélope fosse um pouco mais velha que as outras, Edward mal podia
conter a ansiedade de alcançar seu objetivo: levá-la para a cama. Ela era muito bonita,
embora demonstrasse um temperamento arisco. E ele se considerava perito em domar
rebeldias, por meio de um treinamento apropriado, que ele aperfeiçoara com o passar
dos anos.
Aos trinta anos, casara-se pela primeira vez com uma moça de dezesseis. Aos
quarenta, também escolhera uma adolescente. Aos cinqüenta, decidira-se por uma de
dezessete. As três eram virgens. Tanto as famílias quanto as garotas haviam se
mostrado ansiosas pela união, em nome da influência e dos títulos que viriam com o
matrimônio.
Para sua sorte, elas o favoreceram com a morte quando a aparência começou a
fenecer, dando oportunidade para que outra donzela partilhasse de seu leito. Tinha muita
prática em fazê-las cumprir suas obrigações.
Aos sessenta e três, teria Penélope Westmoreland, a mais bela e rica de todas,
embora fosse portadora de inúmeros maus hábitos. Os piores eram retrucar, fazer
comentários falsos e insinuações rudes. Ele a ensinaria a usar a boca de maneiras bem
mais agradáveis.
Patrícia Westmoreland entrou na sala, vestida de seda azul da melhor qualidade.
Na juventude, Patrícia, loira de olhos azuis, esbanjara beleza. Tivera uma educação
primorosa e fora levada a casar-se com Harold. Os pais de ambos contrataram o enlace
quando ela ainda era criança.
Patrícia suportara com estoicismo os desatinos de Harold. Embora se tratasse mais
de um acordo que de um casamento, a tendência do Duque por amores ilícitos esgotara
a paciência ilimitada da esposa. Harold chegava a extremos para manter seus casos em
segredo, mas a Duquesa sempre encontrava quem a informasse de tudo e com detalhes
suculentos. A discórdia matrimonial resultou na separação de deveres e interesses.
Os efeitos desastrosos eram visíveis no semblante de Patrícia, apesar da pintura
facial, dos retoques nos cabelos e de outros recursos femininos. Magra demais, perdera
o viço, e sentia-se de longe o cheiro de álcool que ela exalava. Passar os dias trancada
em seus aposentos facilitava-lhe o vício.
Embora Edward bebesse bastante, jamais toleraria o mesmo em uma mulher, ainda
mais em uma de alta posição. Admirava-se de que Harold ainda não tinha tomado uma
providência.
— O que foi que ele disse, milady?
— Não pude falar com o Duque. Jensen me falou que meu marido não está em
Cheryl Holt Destino Incerto
casa.
— Jensen?
— Nosso mordomo. — A Duquesa sorriu, sem jeito.
Se Patrícia tinha de perguntar ao mordomo pelo marido, como esperar que
soubesse do paradeiro da filha?
A impaciência de Edward chegava ao fim. Havia mais de duas semanas que tentava
localizar o paradeiro de Penélope, e teve de recorrer à família dela, que se mostrara
expert em manter segredos bem guardados.
— Milady, permita-me lembrá-la de que o casamento se realizará em três dias.
— Não é necessário, Edward. Estou consciente da data do enlace de minha filha.
— Se me permite, Vossa Graça, alguém deve chamar a atenção para a rapidez
com que o prazo está se esgotando.
Edward não se arrependeu do comentário rude. Havia algo errado, e pretendia
descobrir do que se tratava.
Rumores circulavam sobre o desaparecimento de Penélope. Os mais insistentes
diziam que ela apanhara muito do pai por não querer casar-se. E por causa dos
hematomas os parentes tiveram de escondê-la até as marcas sumirem.
Edward acreditava, entretanto, que Harold recebera uma oferta melhor. Ah, mas o
Duque teria uma surpresa, se pretendesse romper o acordo! O conde estava disposto a
esperar o quanto fosse pelo reaparecimento de Penélope e casar-se com ela.
Os papéis tinham sido assinados, as escrituras, minutadas. Haviam sido tomadas
as providências para o almoço do casamento. Nada o faria mudar de idéia, portanto.
Tudo pronto. Menos a noiva.
De fato, a má vontade de Penélope não o incomodava. A noite de núpcias seria
ainda mais maravilhosa se ela relutasse em aceitá-lo.
Ouviram a porta de entrada abrir-se e, pela bajulação do porteiro, tiveram certeza
de tratar-se do Duque.
Edward precipitou-se na direção do hall, com Patrícia em seu encalço, receoso de
que Harold pudesse escapar de novo. Se o Duque fosse para o interior da mansão, só
um explosivo poderia tirar do caminho o batalhão de servos eficientes que o impediriam
de conseguir uma audiência.
— Harold! — Edward chamou-o, antes que o Duque tirasse o capote.
— Agora não, Edward. — O Duque o fitou com desinteresse e nem se dignou a
lançar um olhar de viés para a esposa.
— Agora sim, Harold!
O tom do noivo fez o Duque parar.
— Como queira, mas estou com os minutos contados. Diga logo o que tem para
dizer.
— Vim conversar com lady Penélope.
— Já lhe informei que minha filha não está aqui.
— Não sou surdo, mas acho muito estranha essa ausência. — Edward não se
intimidou com o olhar gélido de Harold.
— O que exatamente está estranhando? — Harold aproximou-se, ameaçador.
— Rumores têm circulado e...
Cheryl Holt Destino Incerto
as lapelas do casaco do desafeto. — Você tem grande parte da culpa por essa catástrofe.
E se disser mais uma palavra, eu lhe arrancarei a língua!
— Eu tenho culpa?! — Edward soltou-se do Duque. — Milorde deixou-a sair
acompanhada de um americano, ela Voltou vangloriando-se de ter sido comprometida
e...
— Eu?! — O Duque tornou a agarrar o casaco dele. — Acha que gostei disso, seu
bêbado imundo?!
— Deveria ter imaginado que não se podia confiar em um rato miserável!
Foi então que a luta começou. Cadeiras e poltronas foram derrubadas, e os insultos
atingiram níveis nunca vistos, um procurando atirar a responsabilidade sobre o outro.
Um ruído violento os fez parar e olhar para trás.
Penélope atirara no chão um vaso chinês de valor incalculável. Água, flores e cacos
da mais fina porcelana espalhavam-se pelo piso.
Patrícia, imóvel como uma estátua, tapava a boca. Jensen permaneceu parado à
soleira, entre surpreso e divertido, com uma sobrancelha arqueada. Aquela era uma das
únicas vezes de sua vida que demonstrava um pouco de emoção no rosto pálido. Afinal,
jamais presenciara comportamento tão vergonhoso entre membros da aristocracia.
— Parem! — Penélope tremia de nervosismo. — Nem sei por que gastar energias
para discutir por minha causa, sendo que se importam tão pouco comigo!
— Não é verdade! — Harold protestou. — Tentei tudo... fiz o impossível para trazê-
la ilesa de volta e...
— Chega, meu pai. O Sr. Pendleton confessou tudo. Guarde suas mentiras para
alguém mais ingênuo do que eu. Minha mãe, tive um dia muito cansativo. Irei para meu
quarto. Não quero ser perturbada. Descerei assim que decidir onde irei morar. Até lá,
deixem-me sozinha!
— Espere um pouco, mocinha. — Edward pretendia exercer seus direitos de noivo
enquanto os possuía, visto que os pais não se manifestavam. — Ainda não terminamos
a conversa!
— Saia daqui, seu patife embriagado e imundo! Vá preparar outra armadilha para
alguma criança inocente. — Penélope foi até a porta e parou na frente de Jensen. —
Ponha Simpson para fora! E nunca mais o deixe entrar aqui! Homens! Odeio todos eles...
E Penélope Westmoreland se foi, com a dignidade de uma rainha.
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Capítulo XVIII
Penélope brincava com a comida, sentada à mesa de jantar. Sem apetite, não tinha
energia necessária sequer para sentir fome. A abstinência nutricional a fez emagrecer.
As roupas folgadas pendiam sobre a silhueta esbelta. Sentia-se enfraquecida e sem
coragem para se cuidar.
Tudo perdera o significado. Passava os dias trancada em seus aposentos,
recusava os convites para eventos sociais, imersa em uma rotina tediosa.
Não encontrava nenhum propósito em acordar sem ter Lucas a seu lado ou Harry
para tomar conta. Não havia pão para ser assado, nem jardim para ser tratado. E
sobretudo não havia um marido desejoso de fazer amor com a esposa, que adorava ter
as costas lavadas durante o banho e que a beijava antes de sair para o trabalho.
O pouco tempo que passara na companhia deles fora suficiente para mudar sua
visão da vida e do mundo. Não era capaz de imaginar como passara dia após dia, meses
e anos a fio naquele casarão sufocante, ao lado de pais infelizes e de um irmão frívolo.
Muitas vezes a quietude se tornava tão dolorosa que ficava à escuta de um passo, uma
tossidela ou um riso perdido. Qualquer sinal de que houvesse pessoas vivas naquela
propriedade.
Cheryl Holt Destino Incerto
Continuava a não ter nada para fazer ou com que ocupar-se, exceto as bobagens
inerentes a sua alta posição social e que não a seduziam mais. Via-se desvinculada de
quaisquer laços que outrora a mantinham presa ao universo dos pais.
Após seu retorno, transbordante de indignação, Penélope queria apenas um lugar
onde pudesse sofrer em paz. Tentou convencer a mãe a morar com ela, em um espaço
onde homens não as fariam lamentar o dia em que nasceram. A Duquesa considerou a
idéia um despropósito, e Penélope não falou mais com o pai a respeito.
Não suportaria encontrar-se com o Duque, encará-lo e discutir sobre custos e
prazos. Muito machucada, não se achava em condições de entregar-se a um diálogo
civilizado.
O plano permanecia como uma abstração viável, relegado à margem da
consciência, à espera da vitalidade necessária para ser posto em prática. Um arrazoado
diante do Duque haveria de requerer referências a Lucas, e Penélope não queria
descrever o que acontecera.
Até aquele momento, os pais nada perguntaram. Evitavam a todo custo perturbá-
la, como se estivesse doente. Afinal, tocar no tema exporia também os sentimentos
deles. O que não seria conveniente para ninguém.
"Não se fala mais nisso" era a mensagem silenciosa que percorria os corredores
vazios do "lar" dos Westmoreland. E Penélope admitiu que o ideal seria mesmo evitar
explosões emocionais. Em uma conversa com o pai, ele haveria de querer pormenores.
E para ela seria impossível confessar o que lhe ia na alma para alguém que a estimava
tão pouco.
Mesmo sem supor que o Duque lhe dedicasse muito amor e carinho, sempre
acreditara que havia um certo nível de afeição. Nem em suas piores avaliações poderia
crer que o pai desse tão pouca importância à possibilidade de ela ser assassinada. E
isso era demais para ela.
Impossível explicar Lucas ou o período que passaram juntos. Nem mesmo para
Colette, seu único apoio, que presenciara sua alegria e seu atual desalento.
Penélope sofria muito. Perdera seu grande amor, a vida que poderia ter tido ao lado
de Lucas e de Harry, seu casamento e a felicidade que imaginara ter encontrado. A pior
de todas as perdas fora a terrível descoberta de que não estava grávida. Teve essa
confirmação duas semanas depois de voltar a Londres.
Mesmo assegurando a si mesma que uma gestação teria sido um fim desastroso,
seu coração não aceitava tal premissa. Um bebê seria uma parte de Lucas que ficaria
para sempre com ela e a ajudaria a recordar-se dos dias maravilhosos que antecederam
o desastre.
A grande aventura tenderia a fenecer, as memórias se tornariam menos vibrantes
até chegar ao ponto de parecer que tudo não passara de um sonho. Um balanço patético
sobre o fato mais extraordinário que lhe ocorrera.
O Duque e a Duquesa estavam sentados às cabeceiras da mesa e, como
excelentes anfitriões que eram, tagarelavam com extrema finura com os convidados. E
como de costume ignoravam a presença do respectivo cônjuge na sala. O desdém mútuo
se transformara em uma arte de convivência. Seria até engraçado se não fosse trágico.
Tratava-se de uma reunião da família e de amigos mais chegados. Dez pessoas ao
Cheryl Holt Destino Incerto
todo. Bem diferente das que Patrícia costumava oferecer naquela época do ano. Após o
anúncio do rompimento com Edward, os boateiros começaram a aparecer, à cata de um
possível convite para um dos famosos jantares da Duquesa.
Como Penélope deixara de freqüentar as rodas sociais, a nobreza ficara ansiosa
para comparecer à mansão Westmoreland e verificar se as histórias ouvidas tinham
algum fundo de verdade. Patrícia tratou de pôr um ponto final no enxame de visitantes.
Uma consideração comovente pelo fato de estarem em meados de abril, com outra
temporada em início e todo o grand monde presente para as festividades.
Entretanto Penélope não se iludia. A escassez de celebrações não se devia a seu
estado depressivo, mas sim à ojeriza que sua mãe tinha de ter o nome deles vinculado
a falatórios. Os festejos continuariam despretensiosos até que os aristocratas
encontrassem outras pessoas merecedoras de atenção e bisbilhotices.
— Uma pequena disputa marítima — a voz do Duque ergueu-se acima do alarido
dos convivas.
— Com um americano? — o convidado a seu lado perguntou.
— Ele se chama Lucas Pendleton. Está tentando sair do país, mas pedi que seu
navio fosse detido. Se possível, aprisionado.
— Com carga e tudo?
— Isso mesmo. O camarada aproveitou-se de uma coisa muito preciosa e que me
pertence. Vou fazê-lo pagar caro por isso.
Penélope ergueu o olhar do prato. O Duque a fitava com intensidade, como se
esperasse ter sido ouvido. Desde que retornara à mansão, três semanas atrás, era a
primeira vez que o nome de Lucas era mencionado.
Penélope imaginou que os irmãos Pendleton haviam partido assim que a tentativa
de chantagem fracassou. Nem lhe ocorreu que o Duque pudesse estar à caça de Lucas
e que pretendesse usar de hostilidade contra ele.
Será que o Duque não entendia que ela só queria Lucas fora da vida deles? Nunca
mais pretendia vê-lo, nem mesmo a distância, para não sofrer ainda mais.
— O que Milorde fará com o americano depois de prendê-lo? — Penélope notou
que todos a fitavam, por ser a primeira vez que falava durante o jantar.
— Ainda não me decidi pelo castigo que seja severo o suficiente.
Estaria o pai querendo dar a impressão de que pretendia vingar-se por ela? Ou
seria pelo mesmo motivo de sempre? Roswell era um par do reino poderoso e rico que
não admitia ser enganado por ninguém. As conseqüências poderiam também recair
sobre Harry e Paulie, além de prejudicar Lucas.
O Duque mandaria chicoteá-lo em público? Ou providenciaria um exílio terrível?
Lucas seria enforcado?
Penélope não queria nem imaginar o que o Duque seria capaz de fazer com o
homem a quem ela amara.
— Poderiam dar-me licença? — Penélope desculpou-se, com a voz embargada.
— Claro, minha querida — a mãe concedeu, sem ao menos fitá-la.
Penélope foi até os fundos da residência, passou pelo jardim de inverno e saiu no
terraço. O caminho até o jardim era iluminado por algumas lâmpadas. Fitou o céu e
perguntou-se onde Lucas poderia estar.
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XIX
— Quer dizer que Milorde sabia que eu nada faria contra ela.
— Entendi isso desde o começo.
— Eu estava convencido de que Vossa Graça não se importava com sua filha.
— Que absurdo! Talvez eu não tenha sabido demonstrar meus sentimentos como
deveria. Diga-me, qual o pai que não amaria Penélope e não se orgulharia dela? Minha
menina é uma jovem esplêndida.
— É mesmo. — Lucas se alegrou ao constatar a ternura no olhar de Westmoreland.
Ainda bem que se enganara.
— Pelos detalhes que pude compilar, tenho certeza de que será um bom marido
para ela. Mas há um probleminha.
— E qual é?
— Penélope está tão furiosa conosco que será impossível convencê-la.
— Bem, tenho uma idéia. — Lucas esboçou um sorriso confiante.
— Imaginei que o senhor preparava alguma artimanha. Está bem, vamos ouvir...
Penélope fitou o Duque de relance. Sem fala e muito pálido, Harold Westmoreland
dava a impressão de que iria desfalecer.
— Está tudo bem, meu pai? — Penélope foi para o lado dele, aflita.
— Preciso...
— Venha sentar-se. — Penélope levou-o até um monte de cordas enroladas e olhou
para os meninos, que não escondiam o espanto. — Paulie, poderia chamar Matthew?
— Neste minuto! — E saiu correndo. Emocionado, o Duque não se desviava do
filho que via pela primeira vez. Os dois eram cópias fiéis um do outro, embora os cabelos
loiros de Harry fossem de um tom mais escuro. Maçãs do rosto altas e olhos azuis,
inteligentes e vivazes. A silhueta do menino era uma miniatura do físico do Duque.
— Meu Deus... Mas que belo garoto!
— Ele é uma criança maravilhosa, meu pai.
— Poderia apresentar-nos? — Harold esfregou o peito no ponto onde o coração
palpitava forte.
— Pois não. — Penélope puxou o menininho pela mão. — Harry, este é meu pai,
Harold Westmoreland. Papai, este é meu bom amigo, Harry Pendleton.
— Olá, Harry. — Pasmo, o Duque não escondia o orgulho.
— Como está, senhor? — Harry pareceu mais velho do que era. — O senhor é o
rei?
— Não, não sou. — O Duque sorriu, caloroso.
— Pois se parece com um rei.
Harold levantou o braço para abraçar o garoto, mas desistiu. Continuou de olhar
fixo no filho.
— Eu conheci sua mãe.
— O senhor era amigo dela?
— Digamos que sim.
— Foi bom para ela, Milorde? Harold engoliu em seco.
— Não, Harry — o Duque admitiu, com franqueza. — Não fui.
— Então eu o odeio.
Harry soltou-se de Penélope, avançou contra o Duque e deu-lhe um pontapé na
canela. Harold curvou-se, contendo um grito de dor.
— Meu Deus... — Entre atrapalhada e divertida, Penélope afastou o irmão.
Mas Harry ainda não se conformara. Endireitou as costas, em postura idêntica ao
do lorde quando irritado.
— Como pôde ser cruel com minha mãe? Ela é um anjo que está no céu. Como
pôde não amá-la?! — A voz autoritária de Harry ecoava no convés, e Penélope notou
lágrimas nos olhos do Duque.
— Sinto muito, meu pai. Eu nunca imaginei que ele...
— Acho que eu merecia isso. — O Duque esfregou a perna e encarou Harry com
respeito.
Matthew Pendleton subiu e aproximou-se do cenário constrangedor. Penélope mal
o fitou. Recusava-se a ser educada com o patife que ajudara Lucas.
— Harry, meu pai deseja falar em particular com seu tio. Enquanto isso, não quer
mostrar-me suas acomodações? Nunca estive em um navio.
Cheryl Holt Destino Incerto
— Sério?
— É, sim. Não quer dar uma volta comigo?
— Eu adoraria, Penélope. — Harry se virou, sem perder o Duque de vista.
— Vamos lá, meu pequeno Duque. — Ela se perguntava quanto tempo o pai levaria
para recuperar-se do choque.
Penélope acompanhou Harry e não notou o olhar de triunfo que Colette dirigiu ao
Duque e a Matthew, antes de ajudá-la a descer a escada.
Assim que Penélope desapareceu, Lucas subiu ao deque e aproximou-se de
Harold.
— Nosso plano deu certo. Nem tivemos de amarrá-la.
— É melhor eu ir embora. — Harold enxugou os olhos com as costas da mão.
— Algo errado, Milorde?
— Não me ocorreu que o menino pudesse estar a bordo, Lucas...
— O que houve? — Lucas indagou ao irmão, em voz baixa.
— O Duque e Harry acabaram de se conhecer. — Matthew inclinou-se para
murmurar: — Harry não gostou muito dele.
Roswell ficou de pé, apesar das pernas bambas.
— Ela ficará muito brava no começo — o Duque assegurou aos irmãos. — Não
invejo o que terão de enfrentar nos primeiros dias.
— Não estou preocupado com isso. Penélope vai se recuperar. A viagem até a
Virgínia é muito demorada.
O Duque tirou um envelope do bolso do paletó e entregou-o a Lucas.
— Mostre a ela, quando achar oportuno. Na carta, esclareço por que resolvi ajudá-
lo. É importante para mim que minha filha entenda meu ponto de vista. Espero que um
dia venha a perdoar-me.
Lucas bateu com afeto no ombro do Duque.
— Tenho certeza de que Penélope acabará entendendo. Harold tirou mais um
envelope de outro bolso.
— Lucas, este contém as informações sobre a herança e os bens dela.
— Eu os administrarei com propriedade.
— Não me importo com esse dinheiro. Só quero a satisfação de Penélope. Faça-a
feliz ou terá de haver-se comigo!
— É o que pretendo, Milorde, do fundo de meu coração. Harold deu alguns passos,
parou e virou-se.
— Escreva-me sobre o garoto. Conte a ele sobre mim. Explique tudo o que quiser
que eu faça. Pensarei no assunto.
— Obrigado. — Lucas admirou-se pela súbita mudança de opinião. — O senhor
não se arrependerá.
— Sei disso. Cuide bem de ambos.
— Fique tranqüilo. É o que farei, nem que tenha de empenhar minha vida. — Lucas
estendeu a mão, e Harold apertou-a.
Parceiros em um delito. Colegas. Cúmplices. Em breve parentes.
Sem dizer mais nada, Harold desceu a plataforma.
— Zarpar — Lucas disse ao irmão.
Cheryl Holt Destino Incerto
Matthew deu uma ordem discreta. Marinheiros surgiram de todos os lados, prontos
para as tarefas. Devagar e de maneira imperceptível, a embarcação afastou-se da
margem e foi levada pela corrente forte do rio.
Harold Westmoreland esperou ao lado da carruagem, enquanto o navio começava
a distanciar-se.
Fascinada, Penélope pediu a Harry e Paulie que lhe mostrassem todos os cantos
do Sea Wind.
Nas histórias românticas de piratas e heróis marítimos que lera na adolescência,
não se mencionavam a escuridão, a exigüidade e a melancolia das cabines.
A cozinha era a única área de tamanho significativo. Além da preparação dos
alimentos, ali também se faziam as refeições. Naquele espaço os marinheiros dormiam
em turnos, nas redes penduradas a um canto. Não havia vigias para entrar luz, e o teto
era muito baixo. Muitas vezes, Penélope teve de ajoelhar-se para ir de um trecho a outro.
Não fazia idéia de como uma pessoa poderia permanecer meses a fio em um lugar
daqueles. O que a fez se lembrar de que o Sea Wind não era um navio de recreio.
Na popa, viam-se várias cabines para os oficiais. Dentro delas, apenas um catre
estreito e uma pequena arca. O corredor central terminava no quarto do capitão.
Apertado, em nada lembrava as acomodações luxuosas concebidas por sua imaginação
juvenil.
O trajeto pela passagem estreita e pouco iluminada pareceu-lhe mais difícil que no
início. Uma oscilação leve não lhe permitiu encontrar ponto de apoio. Enfim, apareceu a
base da escada perto da proa e o brilho da luz do sol tentando entrar.
Sem demora, ela pisou no primeiro degrau em espiral e começou a subir. Perto do
último, encontrou uma mão estendida através da escotilha. Grata pelo auxílio, foi erguida
e alcançou o convés. Piscou por causa do brilho intenso que a cegava. Quando a visão
clareou, pôde ver quem a ajudara.
— Olá, minha linda Penélope. — Lucas sorriu, com expressão de amor e de desejo
intensos.
Incrédula, Penélope tornou a piscar, várias vezes. Não se tratava de uma ilusão de
ótica. E por um segundo o olhar dela também brilhou com o mesmo amor e desejo. A
atração por Lucas estava mais presente do que nunca. A proximidade acelerava-lhe a
pulsação e fazia sua pele formigar. Arfando e com as faces coradas, procurava o que
dizer.
Santo Deus, como era bom revê-lo! O dia pareceu mais alegre, o céu, mais azul, a
dor em seu coração, menos intensa. Mas Penélope tratou de sufocar os sentimentos
absurdos e fortes que começavam a aflorar.
Pois junto com essa ansiedade, ela também se lembrava da traição, da perda de
confiança e da falência do amor.
Ah, como o odiava!
— O senhor! — Recuou, cambaleando.
— Calma. — Lucas segurou-lhe o braço.
— Não ouse tocar em mim!
Cheryl Holt Destino Incerto
Lucas estava a um passo de Penélope, e ela viu o corte no rosto feito com a navalha
de barbear.
— Ilusão sua!
— Sei que está contente por ter-me a seu lado.
— De jeito nenhum! Se eu portasse uma pistola, atiraria nesse seu peito insensível!
— Sei que não faria isso.
— Quem me dera ter um revólver e eu lhe mostraria! Você é um desclassificado!
— Será que me ama por isso?
— Eu não te amo! Além de tudo, é presunçoso e...
Lucas interrompeu-a com um beijo tão leve que Penélope nem mesmo teve certeza
de que acontecera de fato.
Mas foi suficiente para fazer explodir a fúria de Penélope. Ela deu um passo para
trás e desferiu uma bofetada no rosto de Lucas, com toda a força. Em seguida, desceu
e procurou uma cabine onde pudesse chorar em paz.
Lucas ficou por um bom tempo esfregando o queixo dolorido, mas um largo sorriso
distendia-lhe dos lábios.
Cheryl Holt Destino Incerto
Capítulo XX
Penélope permaneceu na cabine durante seis dias. Ou pelo menos foi o que lhe
pareceu. Não havia janela, e os momentos escuros sucediam-se sem que se pudesse
notar diferenças razoáveis, a não ser a alteração do nível de ruído. Algumas vezes era
possível escutar murmúrios vindo da cozinha, que ficava na outra extremidade, o que a
levava a supor que os marinheiros estariam comendo ou trocando de turno.
Sua cabine era um dos espaços minúsculos que se alinhavam na popa. Abafada,
quente, sombria. Penélope não deixou o catre estreito. Sentia o balanço do casco e
escutava o ranger do madeiramento.
Duas vezes por dia, Colette deixava no corredor uma bandeja de comida morna e
uma bacia com água para as abluções. Batia na porta e perguntava se Penélope
precisava de alguma coisa. A resposta invariável era para a criada sair dali.
Os meninos apareciam de vez em quando, falando baixinho e tentando fazê-la sair
do cubículo. Não os culpava por terem participado do plano. Afinal, eram apenas
crianças. Por isso pedia-lhes, sem agressividade, que a deixassem só.
Em sua luta contra o mundo, Penélope ergueu uma barricada. Escorou a porta com
um dos baús pesados, pois não dispunha de fechadura. Mas os inimigos não fizeram
nenhuma tentativa de invasão. Deixaram-na sofrer em paz.
Deitada no colchão disforme, mirava sem parar o teto baixo e as paredes estreitas,
tentando encontrar um ponto positivo no comportamento de todos. Em vão. Fora encar-
cerada sem a menor consideração ou piedade.
Por serem muito limitados, os espaços do navio não permitiam privacidade. Se
fosse para o corredor, acabaria por encontrar as pessoas que detestava e que nunca
mais desejava ver em sua vida. Não tinha lugar para dar um passeio, nenhum canto
sossegado para ler um livro ou para contemplar as ondas. Por isso, continuava deitada
em sua cabine.
A viagem para a América levaria muitas semanas. Penélope não poderia ficar
trancada ali aquele período todo ou enlouqueceria. Teria de encontrar forças para sair,
fazer um pouco de exercício e respirar ar puro.
Seria preciso encontrar uma maneira de movimentar-se no convés e de controlar a
ira para não matar ninguém.
Além do mais, a perspectiva de uma interação pacífica com a quadrilha estava
descartada.
O que aconteceria depois que chegassem à América? Regressar para a Inglaterra
seria impossível, pois não possuía recursos para a compra da passagem. E mesmo se
voltasse, para onde iria? Nem pensar em retornar à toca do leão, ou seja, à casa do
Duque. Não permitiria que ele fizesse nova tentativa de orquestrar-lhe o futuro. Bastava
o que já enfrentara sob as asas do pai.
Havia duas opções. Convencer o Duque a financiar o retorno ou encontrar algum
meio de sobreviver sozinha na América. Contudo, duvidava que Lucas fosse concordar
com alguma uma delas depois do trabalho que tivera para raptá-la. Penélope nem
mesmo podia pensar em ter uma conversa racional com ele, porque pretendia, que Deus
Cheryl Holt Destino Incerto
Sentiu-as nos lábios, nos seios, no abdome e na parte interna das pernas.
— Penélope! — Lucas gritou com a mão estendida, antes de ela sair correndo.
Penélope desceu a escada, entrou na cabine, fechou a porta e acendeu uma
lamparina. Enxugou o rosto e os cabelos com uma toalha e tirou o vestido molhado. Nua,
estremeceu, mas não de frio.
Virou-se ao ouvir o ranger de dobradiças. Tarde demais, constatou que se
esquecera de escorar a porta com a arca.
Lucas entrou, e seu físico avantajado ocupou grande parte do espaço diminuto.
Não havia como fugir. A água pingava de seus cabelos e de sua calça. As narinas de
Penélope alargaram-se com o odor daquele homem sensual e viril.
Permaneceu imóvel, pronta para uma batalha. Lucas aproximou-se e avaliou-a com
olhar abrasador. Tocou-lhe o busto com os dedos ásperos e rodeou o mamilo com o
polegar. No mesmo instante, Penélope sentiu a umidade da volúpia. Seu corpo também
a traía!
— Senti sua falta.
— Pois eu não. — Penélope o encarou com desdém.
— Mentirosa e ainda mais linda do que antes...
Lucas ajoelhou-se e segurou-lhe os quadris. Abocanhou um dos mamilos eretos e
sugou-o em um verdadeiro jogo doce de prazer.
— Não faça isso... — Penélope desmentiu as próprias palavras, acariciando-lhe a
nuca.
Lucas deu a mesma atenção ao outro, depois juntou os dois seios fartos e beijou
os mamilos alternadamente até Penélope não distinguir em qual estavam a língua e os
dentes de Lucas. E contra sua vontade, começaram as contorções.
Ele a abraçou e levou-a até a cama estreita, onde a deitou. Penélope afastou as
coxas. Lucas fez um caminho de beijos do busto até o umbigo e depois desceu até
encontrar o que procurava.
Com maestria, executou na cavidade secreta uma dança insana com a ponta da
língua. Penélope arqueou-se de encontro à pressão da boca de Lucas.
Ele pôs sobre os ombros os joelhos dela e apertou-lhe os seios em um ritmo
constante, forte e lento. Penélope não pensava mais em protestar. Nem poderia.
Sucumbira aos caprichos de Lucas. Quando ele mordiscou o ponto de maior prazer,
Penélope contorceu-se com selvageria, sem medir conseqüências.
Lucas deitou-se sobre ela e beijou-a. Com os lábios fundidos, procuraram o interior
das bocas com línguas ávidas e duras. Penélope sentiu o próprio gosto nos lábios dele,
o que a deixou ainda mais excitada.
Lucas pôs a mão na braguilha, recuou e aprontou-se para o ato supremo. Penélope
afastou-lhe a mão e fez questão de guiá-lo ela mesma.
Os olhos de Lucas cintilaram com a satisfação de ter sido aceito, e Penélope
arqueou os quadris para recebê-lo. Ele a penetrou e deteve-se, com um suspiro. Apoiou-
se em uma das mãos e acariciou-lhe o rosto, o pescoço e o busto.
— Penélope... senti tanta saudade! Pensei que nunca mais a teria. Diga que
também sentiu minha falta. — Beijou-a com suavidade. — Diga.
— Não posso. — As lágrimas ameaçavam escorrer-lhe pelas faces.
Cheryl Holt Destino Incerto
— Pode, sim. Diga o quanto queria fazer amor comigo e o quanto me deseja.
— Não posso...
— Diga, amor. Faça isso por mim.
Lucas começou uma exploração gentil e terna das profundezas dela. A viagem foi
branda, cuidadosa. A cada nova pressão dos quadris de Lucas, Penélope constatava o
desaparecimento gradual de sua determinação, de sua raiva, e sobretudo de sua
sensatez. Ele conseguia dominar-lhe a autodefesa com grande facilidade.
Porém, teve de admitir que no íntimo também não queria resistir àquele redemoinho
humano.
O ritmo das investidas aumentou, e ela abandonou-se ao deleite da paixão.
Agarrou-o pelos braços, enquanto a excitação crescia. Lucas penetrava-a, voltava e
tornava a investir.
— Chegarei tão fundo e com tanta força que semearei uma vida nova em seu
ventre. Quero um filho seu, Penélope.
— Ah... Lucas...
— Posso tentar, não posso, meu amor? Fale que deseja um filho meu mais do que
tudo no mundo ou mande-me parar. — A hesitação foi imperceptível. — A escolha é sua.
Penélope extasiou-se com a devoção dele. As memórias tristes haviam
desaparecido junto com a animosidade. Não havia mais lugar para um coração partido
e para o sofrimento. As únicas lembranças presentes eram os dias felizes que passaram
na casa de campo. Lucas a fizera sentir-se adorada e necessária. Muito amada.
Penélope prendeu-lhe as costas com as pernas, e aquela era a resposta que Lucas
queria. Exultante, segurou-lhe as nádegas com firmeza.
— Juro que jamais se arrependerá dessa decisão.
— Tenho certeza disso, Lucas.
— Terá de casar-se comigo pela segunda vez. Meu irmão é insistente.
— Aquele trapaceiro...
— Depois de conhecê-lo melhor, verá que é um bom sujeito. Se lhe servir de
consolo, Matt me considera um patife. E acertou-me com vontade por sua causa.
— Então esse foi o motivo da briga?
— Sim.
— Bem... talvez ele não seja mesmo um mau-caráter.
— Matt ficará muito feliz com sua anuência. Como também Colette e os meninos.
— Lucas beijou-lhe os lábios. — E eu mais do que todos. Penélope, conceda-me a honra
de ser seu marido. Formaremos uma família, meu amor. Faremos tudo certo desta vez,
e poderei dizer aos quatro ventos que Penélope Westmoreland é minha adorada esposa.
Juro que agirei sempre com bondade e que a protegerei com unhas e dentes. Prometo
que a amarei e que lhe demonstrarei minha afeição até o fim de meus dias.
Qual a mulher poderia resistir a semelhante declaração? Não havia sentido recusar
um destino escrito nas estrelas.
— Lucas Pendleton, eu aceito ser sua esposa.
— Ah, meu amor! — Lucas abaixou a cabeça e beijou-a. De repente, a urgência
recomeçou e nada mais teve mérito a não ser o amor e a união dos corpos, que poderia
gerar um filho para eles.
Cheryl Holt Destino Incerto
FIM