PSICODÉLICOS:
O FUTURO
DA MEDICINA? Mente Afiada
Curiosidades - Ano 1,
Nº 14 - Março, 2025
R$ 14,90
O USO
SAGRADO
Daimista descreve
suas experiências
com a ayahuasca
COGUMELOS
CONTRA O
VÍCIO?
Em breve, sim,
mas só com
indicação
O QUE A
CIÊNCIA DIZ
Pesquisas indicam sucesso no
tratamento de transtornos mentais
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editorial
O FUTURO DA MEDICINA?
Será que, daqui a alguns anos, os psico- Enquanto especialistas destacam os
délicos serão a melhor escolha quando avanços e os possíveis benefícios, os
o assunto for tratamento de transtornos riscos também são debatidos: o uso re-
mentais e dependências químicas? Pode creativo pode ser perigoso? Como ga-
ser que sim! Isso porque a ciência está rantir a segurança dos pacientes?
cada vez mais próxima de uma revolução Além da medicina, viajamos pela in-
no tratamento da saúde mental. Mas até fluência da psicodelia na arte, na música
onde vai o potencial terapêutico dessas e na cultura. Prepare-se para uma leitura
substâncias? que promete expandir seus horizontes!
Nesta edição da Mente Afiada
Curiosidades, exploramos as descober-
tas mais recentes sobre o uso controla- Abraço e boa leitura!
do de psicodélicos no combate à depres- Gabrielle Aguiar
[email protected]
são, ansiedade e dependência química.
PRODUÇÃO DE CAPA Roberta Lourenço MONTAGEM COM ILUSTRAÇÕES gg_tsukahara e mechichi/Shutterstock Images
NOTAS OS RISCOS DOS PSICODÉLICOS
Curiosidades interessantes sobre tratamentos NA TERAPIA
com psicodélicos Especialista alerta sobre os perigos do uso
dessas substâncias em pacientes vulneráveis
PSICODÉLICOS: O FUTURO DA MEDICINA?
Pesquisas indicam potencial no tratamento de MDMA: O PSICODÉLICO MAIS
transtornos mentais e dependência química ESTUDADO DO MUNDO
A substância se destaca em pesquisas
E CONTRA OS VÍCIOS, ELES FUNCIONAM? por seus efeitos terapêuticos no tratamento
O uso de psicodélicos sob prescrição médica do TEPT
pode ser um poderoso aliado contra o abuso de
outras substâncias PSICODELIA É ARTE,
TRANSFORMAÇÃO E CULTURA
TERAPIA X USO RECREATIVO Seja nas artes visuais, na música ou na literatura,
É preciso salientar os riscos do uso recreativo e os psicodélicos seguem sendo catalisadores
indiscriminado culturais
sumário
UMA REVOLUÇÃO NA SAÚDE MENTAL A VIDA APÓS O ENCONTRO
Estudos apontam para substâncias que podem Uma daimista explica o que mudou após suas
transformar os tratamentos, mas há embates experiências com a ayahuasca
COORDENADORA DE REVISTAS DIGITAIS Hérica Rodrigues ([email protected])
REDAÇÃO Ana Carvalho (
[email protected]), Ana Kubata (
[email protected]),
Fernanda Villas Bôas (
[email protected]) e Gabrielle Aguiar (
[email protected]) ©2024 EDITORA ALTO
ASTRAL LTDA. TODOS OS
DESIGN Lilian Flaitt (
[email protected]) e Roberta Lourenço (
[email protected])
DIREITOS RESERVADOS.
Ano 2, nº 14 - Março 2025 PROIBIDA A REPRODUÇÃO.
DIREÇÃO João Carlos de Almeida e Pedro José Chiquito CONTATO [email protected]
ENDEREÇO Rua Joaquim Anacleto Bueno, 1-70, Setor M83 - Jardim Contorno, Bauru - SP - CEP: 17047-281
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NOTAS DA
Texto: Ana Carvalho
CIÊNCIA
Ilustração: Yalenika_art/Shutterstock Images
PARECE QUE FUNCIONA! sadores por sua rapidez em apresentar
Um medicamento ansiolítico à base de resultados. O estudo promissor foi apre-
LSD, de dose única, conseguiu uma re- sentado no congresso anual da American
dução de cerca de 50% da ansiedade Psychiatric Association (APA) em 2024, e
em 65% dos pacientes avaliados em sua a medicação seguiu para a fase final de
segunda fase de testes, ao longo de 12 testes, que garantirá que o medicamento
semanas, impressionando os pesqui- é seguro para uma ampla população.
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COMBATE AO TRAUMA? mas estavam sob efeito de psi-
Quando o grupo Hamas atacou o cotrópicos. Agora, cientistas da
festival de música Nova, em 7 de Universidade de Haifa, em Israel,
outubro de 2023, na fronteira entre tentam entender até que ponto
Israel e a Faixa de Gaza, houve um o relaxamento promovido pelos
efeito que ninguém imaginaria: um entorpecentes pode proteger o
teste acidental sobre o efeito de dro- cérebro de traumas intensos. Os
gas psicodélicas diante de situações primeiros resultados devem sair
traumáticas, já que muitas das víti- nos próximos meses.
Ilustração: GoodStudio/Shutterstock Images
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É DO BRASIL! desvendar seus efeitos, desde psico-
A Ayahuasca - uma espécie de chá trópicos até terapêuticos. Até agora,
com diversas ervas - é uma substân- as conclusões preliminares indicam
cia sagrada para diversos povos in- que a substância pode auxiliar no
dígenas e religiões. Há cerca de 20 combate à depressão e ao sofrimento
anos, centenas de cientistas tentam relacionado à tensão pré-menstrual,
a famosa TPM. E o mais interessan-
te: o maior polo de pesquisa sobre
Ilustração: TA design/Shutterstock Images
esse tema em todo o mundo fica aqui
no Brasil. Trata-se do setor de Estu-
dos com Alucinógenos Psicodélicos
e Saúde Mental (PhantasticalLab),
vinculado ao Departamento de Neu-
rociências e Ciências do Comporta-
mento da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto, da Universidade de
São Paulo (USP).
PASSOS LENTOS
Se a regulamentação de psicodélicos para
uso medicinal no Brasil praticamente não
avança, mesmo o uso da cannabis medicinal
segue a passos lentos. Embora, teoricamen-
te, existam leis que assegurem o uso de
maconha para fins de saúde no nosso país, Ilustração: inspiring.team/Shutterstock Images
na prática, segundo dados do Conselho de
Justiça, menos de 20% das ações judiciais
pedindo a liberação desses medicamentos
e produtos à base de canabinoides pelo
SUS terminam de forma favorável para os
pacientes. Infelizmente, o desconhecimen-
to e o preconceito sobre esse tema ainda
persiste na sociedade brasileira.
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PSICODÉLICOS:
O FUTURO DA
MEDICINA?
Pesquisas indicam potencial no tratamento de
transtornos mentais e dependência química
Texto: Gabrielle Aguiar
s psicodélicos vêm ganhando
O espaço na medicina como
uma alternativa promissora
para tratar transtornos como depres-
são resistente, transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT) e dependência
química. Mas a pergunta que não quer
calar é: como essas substâncias atuam
no cérebro a ponto de ajudarem no tra-
tamento dessas doenças e vícios?
Ilustração: BUNDITINAY/Shutterstock Images
DEVIDO A SUA ALTERAÇÃO
“Psicodélicos são substâncias que al-
teram a percepção, o humor e a cogni-
ção, geralmente ativando receptores de
serotonina no cérebro, principalmente o
5-HT2A. Essa ativação gera mudanças
na comunicação entre diferentes regiões
cerebrais, promovendo maior conectivi-
dade e plasticidade neural, o que pode
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ser benéfico para tratar diversas con- POTENCIAIS BENÉFICOS
dições psiquiátricas”, explica Michele Os benefícios potenciais dos psicodélicos
Teles, psiquiatra na Unimed de Franca/ incluem a redução de sintomas de de-
SP, especialista em Álcool e Drogas pressão e ansiedade, especialmente em
pelo Hospital Psiquiátrico de Itupeva. pacientes com resistência ao tratamento
convencional, melhora na qualidade de
AS MAIS CONHECIDAS vida de pacientes terminais, auxílio no tra-
Entre as substâncias mais estudadas tamento do TEPT e da dependência quími-
para uso terapêutico estão a psiloci- ca, além de promover mudanças positivas
bina (presente em cogumelos mági- na percepção e no comportamento.
cos), o MDMA (eficaz no tratamento No entanto, a psiquiatra reforça a
do TEPT), a cetamina (utilizada como necessidade de regulamentação cuida-
antidepressivo) e a ibogaína (focada dosa: “O uso deve ser acompanhado por
no combate à dependência química). profissionais treinados e seguir protoco-
Inclusive, querido(a) leitor(a), em bre- los rigorosos para garantir segurança e
ve você terá uma matéria exclusiva- eficácia, evitando riscos de abuso e efei-
mente sobre o MDMA. tos adversos”, finaliza Michele.
POPULARIZAÇÃO AO REDOR pendência química”, afirma. “Pesqui-
DO GLOBO sas realizadas por instituições como
Atualmente, diversos países já per- Johns Hopkins e Imperial College Lon-
mitem o uso controlado dessas don mostram que a psilocibina, por
substâncias. “Canadá, Estados Uni- exemplo, pode proporcionar melhorias
dos (em alguns estados), Austrália, significativas e duradouras, muitas ve-
Suíça e Portugal já regulamentaram zes com apenas uma ou duas sessões,
psicodélicos em contextos clínicos quando combinada com psicoterapia”,
e de pesquisa”, aponta Michele. Já completa.
no Brasil, a cetamina já é utiliza- Embora os psicodélicos tenham
da para depressão resistente, e há sido amplamente utilizados nos anos
discussões sobre o uso de outras 1950 e 1960, Michele relata que as
substâncias. pesquisas foram interrompidas devi-
A psiquiatra destaca que as do à proibição dessas substâncias.
pesquisas mais recentes demons- “Nos últimos 20 anos, com o avanço
tram resultados animadores. “Es- da ciência e maior compreensão do
tudos clínicos indicam que psico- cérebro, o interesse por essas terapias
délicos podem ser eficazes para voltou com força, resultando em novos
depressão resistente, TEPT e de- ensaios clínicos”, explica.
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E CONTRA
OS VÍCIOS, ELES
FUNCIONAM?
Muito além do discurso de guerra às drogas, o uso de
psicodélicos sob prescrição médica pode ser um poderoso
aliado contra o abuso de outras substâncias
Texto: Ana Carvalho
Ilustração: BeataGFX/Shutterstock Images
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xistem dores que só
E
LUZ NO FIM DO TÚNEL?
quem conviveu com o ví- As substâncias psicodélicas vêm sen-
cio de perto conhece do cada vez mais estudadas pela ciência
bem: os desaparecimentos por nas últimas décadas. Em 2022, por exem-
dias, as brigas constantes, a sen- plo, uma pesquisa publicada no periódico
sação de que aquele pesadelo JAMA Psychiatry concluiu que cápsulas de
nunca vai passar. Em muitos mo- psilocibina (presente nos famosos cogu-
mentos, tudo o que as famílias e melos mágicos), em combinação com tra-
amigos do adicto desejam é que tamento psicológico, reduziram em 83% a
houvesse uma pílula mágica que dependência de álcool entre os pacientes,
acabasse com esse sofrimento. todos alcoólatras diagnosticados. “Além
E bem, ela não existe, mas isso da psilocibina, outra substância bastante
não quer dizer que a luta contra o estudada atualmente é o MDMA (ecstasy).
vício seja um beco sem saída. A A teoria mais aceita atualmente é que os
busca por tratamento psicológi- psicodélicos agem diretamente nos recep-
Ilustração: Simple Line/Shutterstock Images
co, desenvolvimento de hobbies, tores de serotonina, aumentando a janela
laços sociais mais saudáveis e a de aprendizado do cérebro e auxiliando a
reflexão sobre um novo propósito pessoa a enfrentar melhor os pensamentos
de vida e a reelaboração de trau- ruminantes que levam ao vício, fortalecen-
mas, tudo isso pode ajudar. E, em do a neuroplasticidade”, explica a psicote-
meio à luta contra o abuso de rapeuta e nutricionista Pollyanna Esteves,
substâncias, a ciência parece ter que defende o uso de psicodélicos em con-
encontrado um aliado inespera- textos medicinais.
do: os psicodélicos. Segundo a especialista, ao utilizar o
psicodélico com supervisão médica e dire-
cionado para o tratamento, o paciente pode
acessar traumas e questões de forma mais
profunda, facilitando a luta contra o vício.
“Muitos pacientes descrevem o tratamen-
to como um retorno para casa após muito
tempo. Durante a sessão, a pessoa é capaz
de vivenciar experiências que a ajudam a
compreender as raízes do vício. A partir daí,
desenvolve-se um senso de amor próprio,
essencial para aceitar que aquele compor-
tamento nocivo e viciado não tem mais lu-
gar em sua vida.”
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ACOMPANHAMENTO MÉDICO Tanto ele, quanto Pollyana, concor-
É ESSENCIAL dam que os principais pontos positivos
Apesar das maravilhas que os psicodé- das terapias com psicodélicos são os
licos podem operar na saúde mental, a pouquíssimos efeitos colaterais e a ra-
Ilustração: Simple Line/Shutterstock Images
automedicação com essas substâncias pidez dos resultados. “Uma vez enfren-
não é recomendada. “Alguns psicodé- tada a aventura emocional de uma dose
licos exigem mais cuidados durante o dissociativa, o que resta depois é a dis-
manejo, como, por exemplo, a ibogaí- posição para colocar em prática tudo
na, uma raiz africana que pode ser tóxi- que foi vivenciado durante o tempo de
ca. Além disso, os resultados positivos psicodelia. No caso da psilocibina, uma
do uso estão relacionados também à sessão já apresenta resultados bastan-
psicoterapia. Não basta apenas usar a te consistentes e duradouros, mudando
substância, ela precisa ser utilizada com a visão de mundo e, consequentemen-
um propósito, voltado para o tratamen- te, a vida do paciente”, comenta.
to”, explica Wilson Gonzaga, médico psi-
quiatra pela Faculdade de Ciências Mé- “O principal benefício dessa terapia
dicas da Santa Casa de São Paulo. é mudar o sistema de crenças e,
com isso, naturalmente diminuir a
compulsão de maneira controlada”,
esclarece Wilson.
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A RENASCENÇA DOS délicos são estritamente proibidos, ex-
TRATAMENTOS PSICODÉLICOS ceto para fins religiosos ou de pesqui-
O uso de substâncias para promover es- sa. “A legislação brasileira, assim como
tados de ‘faxina’ interior não é novidade, e a legislação do resto do mundo, ainda
diversos povos indígenas (inclusive bra- aguarda mais trabalhos científicos para
sileiros) são inventores e adeptos dessas que dados estatísticos forneçam a se-
práticas há milhares de anos. O que vem gurança necessária para que os órgãos
acontecendo agora é que a medicina reguladores aprovem esse uso terapêu-
tradicional está ‘redescobrindo’ os psi- tico”, esclarece.
codélicos, pensando especialmente em Avançada a fase de estudos, a ex-
transtornos mentais persistentes para pectativa de Wilson é que, após a terapia
os quais não há grandes novidades em com psicodélicos ser regulamentada por
tratamentos, o que inclui os vícios em ta- órgãos como o FDA (Food and Drug Ad-
baco, álcool e outras drogas. “A ciência ministration, equivalente estadunidense
hoje se debruça no estudo dos psicodé- à nossa ANVISA), esses tratamentos
licos como uma esperança de resolver possam ser disponibilizados o mais ra-
Ilustração: mentalmind/Shutterstock Images
problemas que a medicação atual não pidamente possível via políticas públi-
resolve ou faz com muita precariedade e cas, como no SUS. “É bem compreensí-
abundância de efeitos colaterais”, acres- vel que os órgãos reguladores esperem
centa Wilson. a certeza estatística que a ciência hoje
Para o especialista, o desafio ago- já tem. A normalização deste tipo de te-
ra é justamente reunir mais dados so- rapia é apenas uma questão de tempo,
bre a segurança dessas substâncias, pois será inevitável, já que os resultados
que possam tornar a sociedade mais são altamente promissores e também
receptiva às mudanças na legislação muito diferentes de tudo aquilo que co-
sobre o tema, já que, atualmente, psico- nhecemos até agora”, conclui.
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TERAPIA X
USO RECREATIVO
Os estudos acerca dos psicodélicos abrem portas para
novos tratamentos, mas é preciso salientar os riscos do
uso recreativo e indiscriminado
Texto: Ana Kubata
Ilustração: cybermagician/Shutterstock Images
ão é de hoje que as substân- haviam sido travados por um tempo, mas
N cias psicodélicas como psi-
locibina, LSD e MDMA têm
despertado o interesse da
comunidade científica. O principal moti-
isso vem mudando nos últimos anos.
Pesquisas mais recentes indicam que,
quando administradas de forma contro-
lada e com acompanhamento profissio-
vo? Seus inúmeros potenciais terapêuti- nal, essas substâncias podem auxiliar no
cos. Apesar de ser um interesse antigo, tratamento de transtornos como depres-
os estudos acerca dessas substâncias são, ansiedade e estresse pós-traumáti-
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co. No entanto, o uso recreativo desses NÃO É BRINCADEIRA
compostos ainda gera debates e preo- Por outro lado, o uso recreativo de psi-
cupações na área da saúde. Afinal, qual codélicos, ou seja, quando ingeridos
a diferença entre o uso terapêutico e o só para ‘curtir a onda’, apresenta riscos
uso recreativo de psicodélicos? consideráveis, principalmente devido à
ausência de um ambiente controlado e
SEGURANÇA EM de acompanhamento profissional. “Sem
PRIMEIRO LUGAR um contexto adequado, a experiência
Para esclarecer essa questão, o psi- pode ser desorientadora e até desenca-
quiatra e neurocientista Diogo Lara, dear transtornos psiquiátricos latentes.
especialista no tema e idealizador do Há um risco maior de episódios de an-
método INSIDELIC — que integra téc- siedade intensa ou de experiências psi-
nicas terapêuticas ao uso consciente cóticas”, alerta o especialista.
dessas substâncias —, responde al- Outro ponto importante citado pelo
gumas dúvidas sobre o assunto. De profissional é a imprevisibilidade das
acordo com ele, o uso terapêutico de doses e da pureza das substâncias ad-
psicodélicos ocorre em um ambien- quiridas fora do meio clínico. “Diferen-
te controlado, com orientação pro-
fissional e propósitos bem definidos.
“Os psicodélicos, quando utilizados
de forma terapêutica e com a devida
orientação, têm mostrado resultados
promissores no tratamento de condi-
ções como depressão, ansiedade e
transtorno de estresse pós-traumáti-
co”, explica.
As pesquisas recentes apontam
que essas substâncias podem ajudar
Ilustração: mdr.Stock/Shutterstock Images
na neuroplasticidade, permitindo que
os pacientes revisitem traumas sob
uma nova perspectiva. Além disso, o
método INSIDELIC, criado pelo médi-
co, propõe um protocolo específico
para o uso seguro dessas substâncias
dentro de um contexto terapêutico,
minimizando riscos e potencializando
benefícios.
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temente do ambiente terapêutico, onde diversos benefícios para muitos pacien-
há uma dosagem controlada e um su- tes que não respondem bem aos trata-
porte profissional para lidar com as rea- mentos convencionais disponíveis nas
ções, no uso recreativo há uma maior redes de saúde. “A regulamentação do
exposição a efeitos adversos”, alerta. uso terapêutico dessas substâncias é
fundamental para garantir a segurança
É PRECISO REGULAMENTAR dos pacientes e evitar que o uso des-
Por essas e outras, com o avanço das controlado traga prejuízos para a saúde
pesquisas, cresce o debate sobre a ne- mental”, pontua Diogo Lara.
cessidade de regulamentação do uso
terapêutico dos psicodélicos. Países TÊM DIFERENÇAS E DEVEM
como Estados Unidos e Canadá já de- SER TRATADOS COM
ram os primeiros passos para a legali- RESPONSABILIDADE
zação de substâncias como a psiloci- Portanto, fica aqui a conclusão mais im-
bina em contextos clínicos. No Brasil, portante: a distinção entre o uso terapêu-
o tema ainda é discutido, mas especia- tico e o uso recreativo dos psicodélicos
listas defendem que uma abordagem é mais que essencial para entender os
científica e regulamentada pode trazer benefícios e, principalmente, os possí-
veis riscos da ingestão dessas substân-
cias. Isso porque, enquanto o primeiro
ocorre sob supervisão profissional, den-
tro de protocolos específicos e com fins
terapêuticos, o segundo pode
expor os indivíduos a expe-
riências negativas e conse-
quências imprevisíveis.
O que fica claro é que a ciên-
cia caminha para um novo
Ilustração: Alphavector/Shutterstock Images
entendimento sobre os psico-
délicos: não como meras subs-
tâncias recreativas, mas como
ferramentas promissoras para
a saúde mental, e esse
é o debate que realmente
deve ser relevante e levado para
frente no atual momento em
que vivemos.
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UMA REVOLUÇÃO
NA SAÚDE
Estudos recentes apontam para substâncias psicodélicas
que podem transformar os tratamentos psiquiátricos,
mas há embates...
Texto: Ana Kubata
Ilustração: Olena Go/Shutterstock Images
Durante muito tempo, as subs- seu potencial terapêutico. Porém, nas
D tâncias psicodélicas foram vis-
tas apenas como drogas recrea-
tivas, sem a devida atenção voltada ao
últimas duas décadas, as pesquisas cien-
tíficas têm confrontado essa perspecti-
va e vêm mostrando que substâncias
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como LSD, psilocibina, ayahuasca e MDMA UMA HISTÓRIA ANTIGA,
podem ser ferramentas valiosas no trata- MAS COM MUITOS ENTRAVES
mento de transtornos mentais, como de- Os primeiros estudos sobre psicodé-
pressão, ansiedade e transtorno de es- licos na psiquiatria ocorreram entre
tresse pós-traumático (TEPT). as décadas de 1950 e 1970. Porém,
Antes de tudo, é preciso entender a criminalização dessas substâncias
que a reabilitação dessas substâncias e sua associação a movimentos de
na psiquiatria não é apenas uma ques- contracultura — que questionavam pa-
tão de inovação médica, mas também drões e tabus — levaram à proibição
representa o esforço para reverter déca- das pesquisas. Isso começou a mudar
das de proibicionismo e estigmatização nos anos 2000, quando universidades
que interromperam pesquisas altamente como Johns Hopkins, Imperial College
promissoras em meados dos anos 1970. London e a Universidade da Califórnia
Hoje, um novo movimento científico está retomaram os estudos sobre o poten-
levando os psicodélicos de volta aos labo- cial terapêutico dos psicodélicos.
ratórios e clínicas, revelando seu potencial Estudos mais recentes mostram
de revolucionar a saúde mental. que essas substâncias, quando admi-
nistradas em ambientes clínicos contro-
lados e combinadas com psicoterapia,
podem promover mudanças duradou-
ras na cognição, emoção e percepção
dos pacientes. A seguir, exploramos
as evidências científicas de cada uma
dessas substâncias:
PSILOCIBINA
A psilocibina, presente nos cogumelos
Ilustração: Gorbash Varvara/Shutterstock Images
alucinógenos (os famosos “cogume-
los mágicos”), é uma das substâncias
mais estudadas atualmente. Pesquisa-
dores da Universidade Johns Hopkins
demonstraram que uma única dose
de psilocibina pode reduzir significa-
tivamente os sintomas de depressão,
com efeitos que duram semanas ou
até meses (Carhart-Harris et al., 2018).
Em um estudo de 2021 publicado na
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New England Journal of Medicine, a psi- depressão. Um estudo de 2022 publi-
locibina foi comparada ao antidepressi- cado na Nature Medicine mostrou que
vo escitalopram e apresentou eficácia o LSD pode reduzir significativamente
semelhante, mas com benefícios mais os sintomas de ansiedade em pacientes
rápidos e profundos. terminais, proporcionando uma sensação
Acredita-se que a psilocibina promo- de paz e aceitação da morte.
ve a neuroplasticidade, ajudando o cére- Além disso, o LSD tem sido estudado
bro a formar novas conexões e reestru- por seu impacto na criatividade e flexibi-
turar padrões de pensamento negativos. lidade cognitiva. Pesquisadores sugerem
Esse efeito é especialmente promissor que ele pode ser útil no tratamento de
para pacientes com depressão resistente transtornos como o TOC (Transtorno
aos tratamentos convencionais. Obsessivo-Compulsivo), ajudando os
pacientes a escaparem de padrões rígi-
LSD dos de pensamento.
O LSD, uma das substâncias mais icô-
nicas — e polêmicas — da história dos AYAHUASCA
psicodélicos, tem demonstrado potencial A ayahuasca, uma bebida tradicional
para tratar transtornos de ansiedade e utilizada por povos indígenas da Ama-
zônia, contém DMT (dimetiltriptamina),
uma substância psicodélica que tem
efeitos profundos na percepção e no
processamento emocional. Estudos da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) indicam que a ayahuasca
pode reduzir significativamente os
sintomas de depressão e TEPT em
apenas uma sessão.
De modo geral, a experiência com
a ayahuasca é frequentemente
Ilustração: Marish/Shutterstock Images
descrita como introspectiva
e emocionalmente intensa,
permitindo que os pacientes
revisitem traumas, os confrontem
e reavaliem experiências passadas.
Esse efeito, combinado com a neuro-
plasticidade induzida pela substância,
pode explicar seu potencial terapêutico.
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MDMA
O MDMA (3,4-metilenodioximetanfeta-
mina), popularmente conhecido como
ecstasy, é um dos psicodélicos mais pro-
missores no tratamento de transtorno
de estresse pós-traumático. Diferente
das outras substâncias mencionadas,
o MDMA não causa alucinações, mas
promove maior conexão emocional e
reduz o medo. Isso ocorre por meio da
liberação de serotonina, dopamina e oxi-
tocina, ajudando os pacientes a enfren-
tarem traumas com menor resistência
emocional.
Ensaios clínicos conduzidos pela
Multidisciplinary Association for Psyche-
delic Studies (MAPS) mostraram que
mais de 67% dos pacientes com TEPT
que receberam terapia assistida por
Ilustração: mentalmind/Shutterstock Images
O FUTURO DO MDMA NAS MÃOS DO MERCADO?
Apesar do otimismo em relação ao potencial terapêutico do MDMA, a MAPS
tem sido alvo de críticas devido à forma como conduz seus testes clínicos e
à recente parceria com investidores privados. A organização, que historica-
mente se apresentava como uma entidade sem fins lucrativos, criou uma sub-
sidiária comercial para acelerar a aprovação regulatória e a comercialização
do MDMA. Isso gerou preocupações entre pesquisadores e profissionais da
área sobre a possibilidade de priorização do lucro em detrimento do acesso
acessível ao tratamento.
Além disso, houve relatos de sucateamento dos profissionais envolvi-
dos nos ensaios clínicos. Em uma denúncia recente publicada na Science,
terapeutas que participaram dos estudos relataram sobrecarga de trabalho,
baixa remuneração e falta de suporte adequado. Outro ponto de controvérsia
envolve a falta de diversidade nos estudos, já que a maioria dos participantes
das pesquisas pertence a grupos sociais privilegiados, o que levanta questões
sobre a aplicabilidade dos tratamentos para populações mais amplas.
ines249
MDMA deixaram de atender aos critérios dessas substâncias. Além disso, é es-
diagnósticos para o transtorno após o sencial que os tratamentos sejam rea-
tratamento. lizados em ambientes supervisionados
por profissionais treinados, minimizando
EM RESUMO: NOVAS riscos psicológicos e garantindo suporte
PERSPECTIVAS PARA adequado aos pacientes.
VELHOS PROBLEMAS Embora ainda haja muito a ser es-
Apesar das diferenças entre essas subs- tudado, os psicodélicos estão se conso-
tâncias, todas parecem atuar em meca- lidando como uma das áreas mais pro-
nismos cerebrais semelhantes. Elas afe- missoras da psiquiatria moderna. Para
tam a rede de modo padrão do cérebro os pacientes que já esgotaram todas
(DMN), uma estrutura ligada à autorre- as opções convencionais, essas subs-
flexão e padrões fixos de pensamento. tâncias oferecem uma nova esperança
Pacientes com depressão e ansiedade de cura e transformação... é torcer pelo
frequentemente apresentam uma DMN futuro!
hiperativa, levando a pensamentos ob-
sessivos e ruminação. Os psicodélicos
Ilustração: NStafeeva/Shutterstock Images
ajudam a “desligar” temporariamente
essa rede, o que, por sua vez, promove
novas conexões neurais e uma visão mais
ampla e flexível da realidade.
Outro mecanismo importante é o
aumento da plasticidade neural. Pes-
quisas indicam que substâncias como
psilocibina e ayahuasca estimulam a neu-
rogênese e a sinaptogênese, ajudando
o cérebro a se regenerar e se adaptar a
novas experiências.
LUZ NO FIM DO TÚNEL?
Ou seja, apesar dos resultados promis-
sores, a reintegração dos psicodélicos
na psiquiatria ainda enfrenta alguns de-
safios. Questões como regulamentação,
segurança e protocolos de administração
precisam ser devidamente definidos para
evitar o uso indevido e indiscriminado
ines249
OS RISCOS DOS
PSICODÉLICOS
NA TERAPIA
Especialista alerta sobre os perigos do uso dessas
substâncias em pacientes considerados vulneráveis
Texto: Gabrielle Aguiar
Ilustração: Mushakesa/Shutterstock Images
ines249
mbora o uso terapêutico de psico-
E délicos tenha ganhado destaque
em pesquisas recentes e tenha se
tornado uma opção para quem busca ou-
GATILHOS
A psiquiatra também destaca que
os psicodélicos podem ser gatilhos
tros tipos de tratamento, Michele Teles, para transtornos psiquiátricos em
psiquiatra da Unimed de Franca/SP e es- indivíduos vulneráveis. “Pessoas
pecialista em Álcool e Drogas pelo Hospi- com predisposição a transtornos
tal Psiquiátrico de Itupeva, alerta para os psiquiátricos, como esquizofrenia,
potenciais riscos envolvidos. transtorno bipolar ou psicose, po-
Ilustração: Vectorium/Shutterstock Images
Segundo a médica, os efeitos adver- dem ter seus sintomas desenca-
sos podem ser significativos e exigem deados ou agravados pelo uso de
atenção cuidadosa. “Durante a experiên- psicodélicos. Essas substâncias al-
cia, o paciente pode enfrentar ansiedade teram significativamente a percep-
intensa, pânico, paranóia e até alucina- ção e a cognição, o que pode levar a
ções perturbadoras. Além disso, há o ris- episódios psicóticos ou maníacos
co de desorientação e dissociação, que em pessoas vulneráveis. Por isso,
podem ser desconfortáveis. Em alguns uma triagem cuidadosa é essencial
casos, a experiência pode reativar trau- antes de qualquer tratamento com
mas emocionais, exigindo suporte psico- psicodélicos.”
lógico adequado”, explica a especialista.
ines249
NÃO DEIXE O ACOMPANHAMENTO
OS EFEITOS COLATERAIS MÉDICO DE LADO!
Os efeitos colaterais físicos tam- Outro perigo é o uso não supervisio-
bém são motivo de preocupação, nado ou recreativo. “Isso pode levar a
pois podem variar de acordo com a experiências desorientadoras, ataques
Ilustração: charactervectorart/Shutterstock Images
substância. “Podem incluir aumento de pânico, lesões físicas por perda de
da frequência cardíaca, hipertensão, senso de realidade e até traumas psi-
náuseas, vômitos, sudorese, tontu- cológicos duradouros”, alerta Michele.
ra e, em alguns casos, convulsões”, Apesar do entusiasmo crescente em
aponta. “A cetamina, por exemplo, torno dos psicodélicos como tratamen-
pode causar sedação e aumento da to para depressão e dependência quími-
pressão arterial, enquanto a ibogaína ca, a psiquiatra reforça a necessidade
pode provocar alterações cardíacas de cautela. “Essas substâncias devem
graves, exigindo monitoramento mé- ser usadas com critérios rigorosos, em
dico rigoroso.” ambiente clínico seguro e sob acompa-
nhamento especializado”, conclui.
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MDMA:
O PSICODÉLICO
MAIS ESTUDADO
DO MUNDO
A substância se destaca em pesquisas por seus efeitos
terapêuticos no tratamento do Transtorno de Estresse
Pós-Traumático (TEPT)
Texto: Gabrielle Aguiar
Ilustração: svtdesign/Shutterstock Images
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ntre os psicodélicos que vêm MAS PARA QUE ELA SERVE?
E sendo investigados para uso te-
rapêutico, o MDMA (3,4-metile-
nodioximetanfetamina) é, sem dúvida, o
O principal motivo do interesse científico
no MDMA é seu potencial no tratamento
do Transtorno de Estresse Pós-Traumá-
mais estudado do mundo. Michele Te- tico (TEPT), uma condição difícil de tra-
les, psiquiatra na Unimed de Franca/SP tar com abordagens convencionais. “Os
e especialista em Álcool e Drogas pelo estudos avançaram rapidamente, com
Hospital Psiquiátrico de Itupeva, explica ensaios clínicos em fase final nos Esta-
que a substância possui características dos Unidos, demonstrando eficácia sig-
únicas, tendo propriedades tanto psico- nificativa”, explica Michele. “Além disso,
délicas quanto estimulantes. “Diferente seu perfil de segurança controlada e os
de psicodélicos clássicos, como a psilo- resultados positivos da terapia assistida
Ilustração: topvector/Shutterstock Images
cibina e o LSD, que atuam principalmen- por MDMA aceleraram o interesse cien-
te nos receptores de serotonina (5- tífico e regulatório.”
HT2A), o MDMA também libera grandes Outras pesquisas investigam seu
quantidades de serotonina, dopamina e uso para ansiedade social em pessoas
noradrenalina. Isso gera um efeito de autistas, depressão e traumas psicológi-
euforia, conexão emocional e redução cos complexos. “O MDMA é sempre utili-
do medo, tornando-o especialmente útil zado em contexto terapêutico, sob super-
para psicoterapia assistida”, afirma. visão profissional”, ressalta a psiquiatra.
OS PRINCIPAIS ACHADOS
DA SUBSTÂNCIA
Os achados científicos indicam que
a substância pode facilitar a psicote-
rapia ao reduzir o medo e aumentar a
empatia, permitindo que os pacientes
processem traumas de forma mais efi-
caz. “Ensaios clínicos mostram que,
após poucas sessões de terapia assis-
tida por MDMA, muitos pacientes com
TEPT apresentam melhorias duradou-
ras, com algumas pessoas deixando de
atender aos critérios diagnósticos da
condição. Os efeitos positivos parecem
persistir por meses ou até anos após o
tratamento”, finaliza a psiquiatra.
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PSICODELIA
É ARTE,
TRANSFORMAÇÃO
E CULTURA
Seja nas artes visuais, na música ou na literatura,
os psicodélicos foram e seguem sendo importantes
catalisadores culturais
Texto: Ana Kubata
Ilustração: Abramova Aleksandra/Shutterstock Images
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uando falamos em substân-
Q
REVOLUCIONOU A MÚSICA
cias psicodélicas, também é Na história da música, os psicodélicos
preciso dizer o quanto elas es- chegaram com tudo e revolucionaram
tão intrinsecamente ligadas a movimen- as sonoridades e estruturas tradicio-
tos e à transformação da arte, da música nais existentes, dando, assim, origem
e da literatura. Desde seus primeiros ex- ao rock psicodélico dos anos 1960 e in-
perimentos do século XX, até a ascensão fluenciando gêneros eletrônicos como
de movimentos contraculturais – aque- o Goa Trance e, mais adiante, o Psytran-
les que questionam e quebram tabus e ce. Bandas icônicas como The Beatles,
padrões –, os psicodélicos sempre atua- Pink Floyd e Grateful Dead também
ram como catalisadores de novas for- experimentaram uma transformação
mas de expressão e percepção da reali- em seus sons com essas substâncias,
dade. Mais do que substâncias apenas, criando, a partir disso, álbuns que de
eles se tornaram verdadeiros símbolos certa forma desafiavam a linearidade e
de uma busca por uma maior liberdade trabalhavam diferentes estímulos sen-
criativa e expansão da própria consciên- soriais. Hoje, festivais como Boom Fes-
cia, o que também tem efeitos coletivos. tival e Ozora ainda celebram essa co-
nexão, com artistas e público em uma
NADA DE APOLOGIA! experiência sinestésica que vai além
Antes de mais nada, é importante desta- da pista de dança.
car que apoiar a cultura psicodélica não O álbum Rubber Soul dos Beatles,
significa, necessariamente, apoiar o uso lançado em 1965, é frequentemente ci-
das substâncias em si. A psicodelia vai tado como um marco na era psicodéli-
muito além de seus aspectos químicos, ca. Andrew Loog Oldham, empresário e
mas sim representa um movimento artís- produtor dos Rolling Stones na época,
tico, filosófico e social que influenciou – descreveu Rubber Soul como “o álbum
e segue influenciando – gerações. Suas que mudou o mundo musical em que
contribuições para a música, a arte e a vivíamos naquela época para aquele
literatura são inegáveis, independente- em que ainda vivemos hoje”.
mente da experiência individual com psi-
codélicos. Então, valorizar essa cultura é MAIS VIDA ÀS IMAGENS
reconhecer seu impacto na criatividade, Já nas artes visuais, movimentos como
na busca por autoconhecimento e na o psicodelismo fizeram com que as
transformação da percepção humana, pessoas criassem gosto por cores vi-
sem que isso implique em uma apologia brantes, formas mais fluidas e uma es-
ao uso de substâncias. tética ‘alucinante’, que remetia às expe-
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riências induzidas pelas substâncias. como Aldous Huxley, Terence Mc-
Obras do artista norte-americano Kenna e Carlos Castañeda explora-
Alex Grey, por exemplo, eram conhe- ram os efeitos dessas substâncias
cidas por explorar e ilustrar a interco- em suas obras, seja em relatos de
nexão entre corpo, mente e espírito, experiências pessoais, seja ao ana-
através de imagens que representam lisarem o impacto dessas substân-
visões que ressoam com quem já ex- cias na espiritualidade e também
plorou esses estados alterados de no comportamento humano. Obras
consciência. como As Portas da Percepção e O
Caminho do Xamã ajudaram a disse-
OBRAS QUE minar algumas ideias sobre estados
TRANSCENDEM GERAÇÕES expandidos de consciência e, com a
E, claro, também precisamos fa- força desses trabalhos, inspiraram
lar sobre o papel e influência dos gerações a questionar a realidade
psicodélicos na literatura. Figuras convencional.
Ilustração: HelloSSTK/Shutterstock Images
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NADA MAIS DO QUE UM CONVITE e, claro, a atual ressurgência da pesqui-
PARA DESACELERAR sa acerca das substâncias psicodélicas
Ou seja, a arte psicodélica não se limita – seja para fins terapêuticos ou até mes-
a uma época específica: ela continua a mo recreativos. Seja através da música
evoluir, incorpora os avanços tecnoló- que transporta, da arte que hipnotiza ou
gicos e digitais, assim como os novos da literatura que provoca e inspira, os
formatos de mídia, para expandir ainda psicodélicos continuam desempenhan-
mais as fronteiras da criatividade e da do papel fundamental na maneira como
imaginação. nos expressamos e percebemos a rea-
O impacto dos psicodélicos na cul- lidade. Afinal, em um mundo cada vez
tura vai além da arte. Sua influência e mais acelerado e fragmentado, a cultu-
a disseminação de ideias surgidas das ra psicodélica segue como um convite
experiências moldaram movimentos in- à introspecção, à imaginação e à redes-
teiros, como a contracultura dos anos coberta do que significa estar verdadei-
1960, o movimento rave dos anos 1990 ramente presente, aqui e agora.
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A VIDA APÓS
O ENCONTRO
Uma daimista reflete sobre o que mudou após suas
experiências com a ayahuasca
Texto: Ana Carvalho
Ilustração: VectorMine/Shutterstock Images
com a religião do Santo Daime e sua co-
C
aroline Apple é uma jornalista
com mais de 20 anos de pro- nexão espiritual com a ayahuasca, subs-
fissão, atualmente a coordena- tância sagrada para alguns povos indí-
dora de projetos do Brasil de Fato e a genas e crenças religiosas.
mente por trás da coluna Psicodelia Bra-
sileira, do mesmo portal, que se debruça MAS, O QUE É SANTO DAIME?
em temas relacionados a psicodélicos Doutrina espiritual fundada no início do
com um viés popular. Dessa vez, ela apa- século XX, essa religião faz um hibridismo
rece aqui na Mente Afiada Curiosidades com várias outras, desde o catolicismo
como a nossa entrevistada diante da e o espiritismo, passando pelo xama-
experiência espiritual que mudou a sua nismo indígena e em alguns casos pela
vida e percepção de mundo: o contato umbanda, e se volta para a busca por
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sabedoria e autoconhecimento. Para isso, Sua história na religião começa
seus adeptos fazem uso da ayahuasca, quando, após um período de problemas
rebatizada de Daime, uma bebida cerimo- pessoais, ela sentiu uma profunda ne-
nial produzida com algumas plantas. “A cessidade de se espiritualizar. No come-
doutrina do Santo Daime não existe sem ço, com a meditação, a qual descreve
a ayahuasca. Ele surgiu das experiências como “olhar para dentro”, mas depois
do mestre Irineu Serra, um maranhense veio a vontade de conhecer a doutrina.
que teve contato com essa substância “Sinto que foi a espiritualidade mesmo
após ir para a floresta amazônica, durante me dizendo que era algo que eu preci-
o ciclo da borracha. É uma doutrina muito sava, então me aproximei de um grupo
voltada para a irmandade, tudo na religião ecumênico e universalista, que tem a
é feito em conjunto”, inicia Caroline. espiritualidade do Daime como base. Foi
Como em qualquer outra religião, a um despertar, não tenho outra palavra.”
a doutrina do Santo Daime se divide en-
tre diversas linhas, mas todas mantêm a O DEPOIS
busca pelo autoconhecimento como pilar. Finalmente, em seu aniversário de 33
“Existem formatos de trabalho diferen- anos, Caroline decidiu visitar uma das
tes, por exemplo, desde sessões de Daime nes-
“A Ayahuasca me interiorizou.
momentos mais festivos se grupo ecumênico. E
Mas aprendi que a gente não
a mais introspectivos. Em nunca mais saiu de lá.
deve se interiorizar só por si,
todos cantamos hinários. “Eu vinha de um momen-
mas também para o coletivo,
A doutrina é uma cultura to de muita falta de fé na
para promover espaços mais
viva e, por isso, você vai vida, muito sofrimento,
saudáveis no mundo.”
encontrar algumas diferen- mas me aproximar da
ças de centro para centro, mas existe um religião mudou tudo. Comecei a estudar
fundamento”, acrescenta. mais sobre, já participava das cerimô-
nias e tive rapidamente a oportunidade
SEM GRANDES PRETENSÕES de fazer uso da ayahuasca na floresta
Até meados de 2017, o Daime era, para amazônica, no Acre, em uma aldeia do
Caroline, apenas mais uma religião, embo- povo indígena Huni Kuin”, descreve.
ra alguns conhecidos seus fossem seus E suas experiências com a substân-
grandes defensores. “Na verdade, eu tinha cia foram viscerais. “Chorei muito nas
uma grande resistência, porque o Daime é sessões, toda a percepção que eu tinha
uma doutrina cristã, e eu até pouquíssimo do mundo foi mudando. Entrei em um
tempo era ateia. Eu respeitava, claro, mas processo de aceitar a impermanência
nem passava pela minha cabeça passar e tudo o que não consigo mudar. Hoje,
a frequentar”, relembra. caminho com a vida de forma muito
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mais harmônica”, diz, já que parte de seu Toda aquela tristeza, aquele mal que eu
‘despertar’ envolveu o abandono de vários fazia a mim, era o sintoma de algo maior,
vícios e o cuidado com a alimentação. e com a ayahuasca eu pude encontrar a
Outra coisa que mudou foi a profis- raiz dessas dores, mas não é assim com
são, já que a jornalista decidiu se espe- todo mundo”, reflete.
cializar na cobertura de psicodélicos. “Eu Entretanto, também é crítica à abor-
sempre fui próxima da defesa dos direitos dagem sobre psicodélicos que envolve
humanos, mas percebi que poderia usar apenas ciência. “Para os povos originários,
esse meu dom de me comunicar para que lidam há milênios com a ayahuasca
ajudar outras pessoas a entenderem me- e outros expansores de consciência, há
lhor sobre a expansão da consciência. uma ligação muito importante dessas
No início, falava de um ponto de vista substâncias com o mundo espiritual, com
pessoal, mas, com o tempo, voltei toda os espíritos e a subjetividade, e isso não
a minha carreira para essa área.” pode ser desconsiderado”, complementa.
Para ela, a ayahuasca lhe deu a ca-
NEM ROMANTISMO, pacidade de enfrentar o sofrimento de
NEM CIENTIFICISMO forma diferente. “Claro que ainda sofro,
Caroline explica que, para ela, a ayahuas- mas já não entro na dinâmica desse
ca não teve um lado negativo, mas que sofrimento do mesmo jeito. Reconhe-
reconhece que essa não é a experiência ço até onde eu posso ir, minhas crises
de todos e deixa claro que não é por ser de ansiedade cessaram e causo muito
daimista que romantiza as questões psi- menos danos a mim e aos outros. En-
codélicas. “Vejo a ayahuasca, e, conse- xergo na ayahuasca um convite, uma
quentemente, o Daime, como um caminho oportunidade de aceitar a vida e a sub-
espiritual e um encontro comigo mesma. jetividade”, conclui.
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