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Os Escritos de Marx Sobre Educação

O documento analisa a perspectiva de Marx sobre a educação, destacando que, embora não tenha elaborado uma teoria educacional específica, suas obras contêm importantes reflexões sobre o tema. Marx defende a combinação de trabalho e educação, propondo que crianças e jovens trabalhadores devem ser educados em conjunto com o trabalho produtivo, enfatizando a necessidade de instrução intelectual, física e politécnica. O texto também menciona três momentos-chave na obra de Marx que abordam a educação, evidenciando sua relevância na luta dos trabalhadores por direitos e formação.
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Os Escritos de Marx Sobre Educação

O documento analisa a perspectiva de Marx sobre a educação, destacando que, embora não tenha elaborado uma teoria educacional específica, suas obras contêm importantes reflexões sobre o tema. Marx defende a combinação de trabalho e educação, propondo que crianças e jovens trabalhadores devem ser educados em conjunto com o trabalho produtivo, enfatizando a necessidade de instrução intelectual, física e politécnica. O texto também menciona três momentos-chave na obra de Marx que abordam a educação, evidenciando sua relevância na luta dos trabalhadores por direitos e formação.
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Os escritos de Marx sobre educação

SAVIANI, Dermeval. Debate Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 10, n.


1, p. 72-83, mai. 2018. ISSN: 2175-5604 74
Sabe-se – e isso é reiterado por todos quantos tomam a iniciativa de abordar a educação a
partir dos escritos de Marx – que ele não se ocupou direta e especificamente da elaboração
teórica no campo da educação. Não obstante isso, encontramos em seus escritos várias
manifestações explícitas e específicas sobre educação que atestam a importância conferida
por ele a essa matéria, como podemos constatar pela obra de Manacorda, primeiro
rastreando todos os textos na sua integralidade, o que resultou no livro Il marxismo e
l’educazione, publicado em 1964. Depois, destacando os aspectos mais significativos, como
podemos ver no livro Marx e a pedagogia moderna. Por meio de um cuidadoso estudo
filológico visando, como ele mesmo diz, “devolver a Marx o que é de Marx, a Lênin o que é
de Lênin e aos outros o que é deles” (MANACORDA, 1991, p. 102), distingue três momentos:
a) 1847-1848, quando sobressai o texto do “Manifesto do Partido Comunista”, de 1848,
correlacionado aos “Princípios do Comunismo”, redigido por Engels em 1847; b) 1866-1867,
momento em que foi redigido o texto das “Instruções aos delegados do Conselho Geral
Provisório do I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores”, entrelaçado e
sobreposto às passagens de “O Capital” referidas à educação. Recorde-se que nessa época
Marx estava concentrado na redação do Capital, motivo que o levou à decisão de não
comparecer ao Congresso que se reuniu no início de setembro de 1866; c) 1875, ano da
redação das “Notas à margem do Programa do Partido Operário Alemão”, conhecidas como
“Crítica ao Programa de Gotha”.
No primeiro momento (1847-48), o texto de Engels “Princípios do comunismo”, redigido em
novembro de 1847 na forma de catecismo com perguntas e respostas, refere-se à “Educação
de todas as crianças, a partir do momento em que podem passar sem os cuidados maternos,
em estabelecimentos nacionais e a expensas do Estado. Combinar a educação e o trabalho
fabril”. No início de 1848, agora já contando com a redação de Marx, esse texto dá origem
ao “Manifesto do Partido Comunista” no qual destaca-se a seguinte passagem: “Ensino
público e gratuito a todas as crianças. Abolição do trabalho das crianças nas fábricas em sua
forma atual. Unificação do ensino com a produção material” (idem, p. 21).
O segundo momento (1866-67), corresponde ao texto de Marx, “Instruções aos Delegados
do Conselho Geral da AIT”, entrelaçado com “O Capital”.
A Associação Internacional dos Trabalhadores foi fundada em 28 de setembro de 1864,
tendo formulado, em suas primeiras sessões, uma primeira versão do regimento e dos
princípios que deveriam reger as ações da entidade. Reformulando inteiramente a referida
versão, Marx redigiu, entre 21 e 27 de outubro o texto que veio a ser o Manifesto de
Lançamento da AIT acompanhado da versão provisória de seus Estatutos. Fundamentado na
própria imprensa burguesa e em relatórios oficiais, Marx mostra, no referido Manifesto, o
contraste entre o extraordinário crescimento da produção capitalista e a persistente miséria
das massas trabalhadoras que em nada se reduziu entre 1848 e 1864. De fato, tendo
conquistado o poder político especialmente na França e na Inglaterra e impulsionada pela
Revolução Industrial, a burguesia foi se firmando tendo atingido, na década de 1860, um
crescimento sem precedentes da indústria e da expansão comercial.
Se entre 1830 e 1848 as revoltas contra o domínio burguês na Europa eram conduzidas
principalmente por membros esclarecidos das classes altas que integravam as camadas
intelectuais, nos anos de 1860 a classe trabalhadora havia se ampliado, tornando-se mais
forte e relativamente mais coesa, contando com membros mais escolarizados em melhores
condições, portanto, de exercer a liderança e formular ideias sobre as formas de luta em
defesa dos direitos dos trabalhadores. E se até então os trabalhadores haviam criado apenas
organizações regionais e nacionais agora era necessário ampliar o movimento transpondo os
limites nacionais para enfrentar os desafios representados pela eliminação, por parte dos
governos burgueses, das barreiras internacionais ao comércio, que cresceu 260% entre 1850
e os anos finais de 1860.
Após dois anos funcionando conforme as normas dos Estatutos provisórios, a Associação
realizou seu primeiro Congresso em Genebra, entre 3 e 8 de setembro de 1866. Para
subsidiar a participação dos delegados do Conselho Central da AIT nesse congresso Marx
redigiu, no final de agosto de 1866, o texto que ficou conhecido como “Instruções para os
delegados do Conselho Geral Provisório. As diferentes questões”.
As referidas “instruções” contém onze pontos, assim nomeados: 1. Organização da
Associação Internacional; 2. Combinação internacional de esforços, por ação da Associação,
na luta entre trabalho e capital; 3. Limitação do dia de trabalho; 4. Trabalho juvenil e infantil
(ambos os sexos); 5. Trabalho cooperativo; 6. Uniões de Ofícios. O seu passado, presente e
futuro; 7. Tributação direta e indireta; 8. Crédito internacional (deixar à iniciativa dos
Franceses); 9. Questão polaca; 10. Exércitos; 11. Questão religiosa (deixar à iniciativa dos
Franceses). Marx teceu breves considerações sobre cada um desses pontos, exceto em
relação aos itens 8. Crédito internacional e 11. Questão religiosa, nos quais ele anota que
deixa esses pontos à iniciativa dos franceses.
Para efeitos dessa minha exposição, limitar-me-ei ao ponto 4. Trabalho juvenil e infantil, pois
é aí que aparece a proposta de Marx para a educação, sendo conveniente manter presente
que essas notas se entrelaçam com as passagens d’O Capital referidas à educação, pois
foram redigidas no mesmo momento em que Marx estava concentrado na escrita d’ O
Capital, motivo que o levou à decisão de não comparecer ao Congresso que se reuniu no
início de setembro de 1866 em Genebra. Vamos, então, ao texto2:
Consideramos a tendência da indústria moderna para levar as crianças e
jovens de ambos os sexos a cooperarem no grande trabalho da produção
social como uma tendência progressiva, sã e legítima, embora sob o capital
tenha sido distorcida numa abominação. Num estado racional da
sociedade qualquer criança que seja, desde a idade dos 9 anos, deve
tornar-se trabalhador produtivo da mesma maneira que todo o adulto
saudável não deveria ser eximido da lei geral da natureza: Trabalhar para
comer, e trabalhar não só com o cérebro, mas também com as mãos
(MARX, 1982).
Essa consideração está em consonância com o entendimento de que o homem não nasce
homem. Ele se forma homem pelo trabalho derivando daí o enunciado gramsciano do
conceito e do fato de o trabalho (ser considerado) como princípio educativo. E Marx
prossegue:
No entanto, presentemente, nós temos apenas de tratar de crianças e jovens de ambos os
sexos pertencentes ao povo trabalhador. Por motivos físicos devemos dividi-los em três
classes, a serem tratadas de maneira diferente: a primeira classe englobando dos 9 aos 12
anos; a segunda, dos 13 aos 15; e a terceira compreendendo as idades dos 16 e 17 anos.
Propomos que o emprego da primeira classe em qualquer oficina ou local de trabalho seja
legalmente restringido a duas horas; a segunda classe, a quatro horas; e o da terceira classe
a seis horas. Para a terceira classe terá de haver um intervalo pelo menos de uma hora para
refeições ou descontração (idem).
A alguns colegas do campo marxista soou estranha essa proposta de trabalho para as
crianças considerando uns, que Marx teria se equivocado e outros, que tal posição estaria
limitada às condições da época, hoje já ultrapassadas, o que torna indefensável a defesa do
trabalho para crianças. No entanto, o que está em causa, aqui, é o entendimento do
trabalho como princípio educativo, o que se explicita na sequência do texto com um maior
detalhamento da proposta. Assim, prossegue Marx:
Poderá ser desejável começar a instrução escolar elementar antes da idade
de 9 anos; mas aqui tratamos apenas dos mais indispensáveis antídotos
contra as tendências de um sistema social que degrada o operário a mero
instrumento para a acumulação de capital, e que transforma pais, devido
às suas necessidades, em proprietários de escravos, vendedores dos seus
próprios filhos. O direito das crianças e dos jovens deve ser tutelado. Eles
não são capazes de agir por si próprios. É, por isso, dever da sociedade agir
em nome deles (idem).
Vê-se que Marx não generaliza a junção entre trabalho e instrução, pois reconhece que é
desejável que o ensino comece antes do momento em que ele considera que se deva
efetuar a articulação entre instrução e trabalho produtivo. E, além disso, ele tem o cuidado
de dosar a participação no trabalho começando com duas horas e aumentando
gradativamente conforme as faixas etárias. Tal encaminhamento se apoia na concepção
histórico-dialética da gênese e desenvolvimento do ser humano sobre a base do trabalho
como atividade teórico-prática e também na constatação empírica evidenciada pelas leis
fabris conforme os relatórios dos inspetores de fábrica que constataram o influxo recíproco
positivo da articulação entre trabalho e instrução, como se pode ver nesta citação contida n’
O Capital:
A coisa é simples. Aqueles que só permanecem na escola metade do dia
estão sempre lépidos, em regra dispostos e desejosos de aprender. O
sistema de metade trabalho e metade escola torna cada uma das duas
ocupações descanso e recreação em relação à outra, sendo por isso mais
apropriado para a criança do que a continuação ininterrupta de uma das
duas. Um menino que desde cedo fica sentado na escola, especialmente no
verão, não pode concorrer com outro que chega alegre e animado de seu
trabalho (MARX, 1968, p. 553-554, citando um relatório de inspeção de
fábrica).
E Marx prossegue focando na situação da classe operária em contraste com as classes média
e superior:
Se as classes média e superior negligenciam os seus deveres para com a
sua descendência, a culpa é delas. Partilhando os privilégios dessas classes,
a criança está condenada a sofrer dos seus preconceitos. O caso da classe
operária apresenta-se bem diferente. O operário não é um agente livre. Em
muitos casos, ele é até demasiado ignorante para compreender o
verdadeiro interesse do seu filho, ou as condições normais do
desenvolvimento humano. No entanto, a parte mais esclarecida da classe
operária compreende inteiramente que o futuro da sua classe, e, por
conseguinte, da humanidade, depende completamente da formação da
geração operária nascente. Ela sabe, antes de tudo o mais, que as crianças
e os jovens trabalhadores têm de ser salvos dos efeitos esmagadores do
presente sistema. Isto só poderá ser efetuado convertendo a razão social
em poder político e, em dadas circunstâncias, não existe outro método de
o fazer senão através de leis gerais impostas pelo poder do Estado.
Impondo tais leis, a classe operária não fortifica o poder governamental.
Pelo contrário, ela transforma esse poder, agora usado contra ela, em seu
próprio agente. Ela efetua por uma medida [act] geral aquilo que em vão
tentaria atingir por uma multidão de esforços individuais isolados (MARX,
1982).
Esse aspecto é relevante porque indica a estratégia a ser adotada na luta da classe operária
contra a burguesia em relação ao papel do Estado. Estabelecidos estes pressupostos, Marx
vai especificar o que ele entende por educação:
Partindo deste ponto, dizemos que nenhum pai nem nenhum patrão
deveria ser autorizado a usar trabalho juvenil, exceto quando combinado
com educação. Por educação entendemos três coisas:
Primeiramente: Instrução intelectual.
Segundo: Educação física, tal como é dada em escolas de ginástica e pelo
exercício militar.
Terceiro: Instrução politécnica, que transmite os princípios gerais de todos
os processos de produção e, simultaneamente, inicia a criança e o jovem
no uso prático e manejo dos instrumentos elementares de todos os ofícios.
Um programa gradual e progressivo de instrução intelectual, física e
politécnica deve corresponder à classificação dos trabalhadores entre 9 e
17 anos nas três faixas etárias indicadas. Com exceção da primeira classe,
os custos das escolas politécnicas deveriam ser em parte pagos pela venda
dos seus produtos.
A combinação de trabalho produtivo remunerado, formação intelectual,
exercício físico e instrução politécnica, elevará a classe operária bastante
acima do nível das classes superior e média.
É evidente que o emprego de todas as pessoas dos 9 aos 17 anos (inclusive)
em trabalho noturno e em todos os ofícios nocivos à saúde tem de ser
estritamente proibido por lei (idem).

Esse texto das “Instruções” se entrelaça com o comentário feito n’ O Capital quando Marx
efetuou a análise da legislação fabril inglesa: Seu sucesso demonstrou, antes de tudo, a
possibilidade de conjugar educação e ginástica com trabalho manual, e consequentemente o
trabalho manual com educação e ginástica (MARX, 1968, p. 553). E, algumas linhas à frente,
afirma:
Do sistema fabril, conforme expõe pormenorizadamente Robert Owen,
brotou o germe da educação do futuro que conjugará o trabalho produtivo
de todos os meninos além de uma certa idade com o ensino e a ginástica,
constituindo-se em método de elevar a produção social e de único meio de
produzir seres humanos plenamente desenvolvidos (idem, p. 554).
Essa potencialidade da “educação do futuro” se manifesta sobre a base da grande indústria,
como explicita esta outra passagem d’ O Capital:
As escolas politécnicas e agronômicas são fatores desse processo de
transformação, que se desenvolveram espontaneamente na base da
indústria moderna; constituem também fatores dessa metamorfose as
escolas de ensino profissional onde os filhos dos operários recebem algum
ensino tecnológico e são iniciados no manejo prático dos diferentes
instrumentos de produção. A legislação fabril arrancou ao capital a
primeira e insuficiente concessão de conjugar a instrução primária com o
trabalho na fábrica. Mas, não há dúvida de que a conquista inevitável do
poder político pela classe trabalhadora trará a adoção do ensino
tecnológico, teórico e prático, nas escolas dos trabalhadores. Também não
há dúvida de que a forma capitalista de produção e as correspondentes
condições econômicas dos trabalhadores se opõem diametralmente a
esses fermentos de transformação e ao seu objetivo, a eliminação da velha
divisão do trabalho. Mas, o desenvolvimento das contradições de uma
forma histórica de produção é o único caminho de sua dissolução e do
estabelecimento de uma nova forma (idem, p. 559).
O terceiro momento se materializa, em 1875, com a intervenção de Marx no programa de
unificação dos dois partidos operários Alemães quando observa, sobre a educação:
Educação popular (ou ensino elementar) para todos? O que se quer dizer
com essas palavras? Acredita-se, talvez, que na sociedade atual (e apenas
dessa se trata) o ensino possa ser igual para todas as classes? Ou, então,
pretende-se que as classes superiores devam ficar coativamente limitadas
àquele pouco de ensino – a escola popular – única compatível com as
condições econômicas, tanto dos trabalhadores assalariados quanto dos
camponeses?... Ensino geral obrigatório, instrução gratuita... O parágrafo
sobre as escolas deveria, pelo menos, pretender escolas técnicas (teóricas
e práticas) em união com a escola popular... Proibição (geral) do trabalho
das crianças... Sua efetivação – se fosse possível – seria reacionária porque,
ao regulamentar severamente a duração do trabalho segundo as várias
idades e ao tomar outras medidas preventivas para a proteção das
crianças, o vínculo precoce entre o trabalho produtivo e o ensino é um dos
mais potentes meios de transformação da sociedade atual (idem, p. 38-39).
Estão aí, de forma sucinta, as principais menções de Marx ligadas à educação e ao ensino.
Derivações de sentido da obra de Marx para a educação
Quanto às derivações de sentido para a educação, obtidas a partir da consideração do
conjunto da obra de Marx e Engels, quem talvez melhor exemplifique esse esforço é
Suchodolski que chegou a publicar, em 1961, o livro “Teoria marxista da educação”.
O ponto de partida dessa obra é uma análise da “evolução dos problemas pedagógicos nos
escritos de Marx e Engels” (Cap. I) em que considera a trajetória de seus escritos, desde os
primeiros textos até O Capital, abordando o começo das atividades de Marx e de Engels; os
fundamentos do materialismo histórico e sua importância para a pedagogia; o conhecimento
dos fatos; a luta pela criação de um partido operário; o caráter de classe da educação; os
problemas da economia e da pedagogia; o método dialético; e a última etapa da luta pela
formação dos trabalhadores.
O segundo capítulo, denominado “Diagnóstico da atualidade” é dedicado a mostrar o
desenvolvimento histórico do capitalismo com a divisão do trabalho e as implicações para os
indivíduos e as classes, em particular para o proletariado, o problema do tempo livre, a
derrocada da ordem classista e a libertação do homem.
O terceiro capítulo trata dos problemas da alienação e do fetichismo operando a crítica da
concepção hegeliana da alienação e abrindo caminho para uma teoria materialista da
alienação. Na sequência aborda a necessidade de superação da alienação para concluir com
o esclarecimento do significado pedagógico da alienação.
No quarto capítulo, denominado “O significado da revolução socialista para a educação”, é
abordado o caráter de classe do sistema de ensino na sociedade burguesa, o ensino dos
filhos de operários, o vínculo ensino-trabalho como gérmen da educação socialista, a
organização das massas e a luta pela concepção materialista revolucionária da educação. O
capítulo se encerra mostrando que a visão socialista da educação moral se opõe “tanto aos
sistemas burgueses do hedonismo e utilitarismo como também aos sistemas do rigorismo
ético e do formalismo” (SUCHODOLSKI, 1966, p. 160).
O Capítulo V versa “sobre os fundamentos da teoria marxista da cultura” analisando a crítica
à concepção naturalista da cultura que culmina com o destaque à iniciação na cultura como
preparação para o futuro.
O objeto do Capítulo VI é a “crítica da concepção metafísico-idealista do homem”,
envolvendo a crítica das concepções espiritualistas e naturalistas, da mistificação e do
utilitarismo burguês, assim com a crítica da educação burguesa do “homem” e do “cidadão”
(aspas do autor).
A temática do materialismo metafísico tem sequência no Capítulo VII, denominado “Acertos
e erros do materialismo metafísico na análise do homem” com a apresentação da crítica do
materialismo sensualista, da filosofia de Feuerbach e da “reforma da consciência”,
concluindo com a apresentação das características da pedagogia socialista.
No Capítulo VIII, denominado “luta pela teoria materialista da personalidade”, Suchodolski
mostra a crítica elaborada por Marx e Engels à pedagogia dos utópicos. Mas a maior parte
desse capítulo é dedicada à crítica a Stirner, abordando a origem classista da pedagogia
individualista, seus fundamentos idealistas e o conceito de individualidade de Stirner.
Constata que Marx surpreendeu ao destinar tanto tempo e trabalho a analisar o livro de
Stirner, O único e sua propriedade, dedicando-lhe um manuscrito de 424 páginas, quase de
igual extensão ao texto criticado. Mas Suchodolski justifica esse empenho ao considerar que
“tal concepção sobre o egoísmo real predominava especialmente até fins do século XIX nos
círculos dos entusiastas de Nietzsche, para os quais Stirner foi um trágico e esquecido
precursor do autor de Also Sprach Zarathustra (Assim falava Zarathustra)” (idem, p. 269).
Conforme Balibar (1995, p.46), no livro A filosofia de Marx, Stirner não se limita a demolir os
gêneros metafísicos tradicionais, de ressonância teológica, como o Ser, a Substância, a Ideia,
a Razão, o Bem. Sua crítica “engloba todas as noções universais, antecipando certos
desenvolvimentos de Nietzsche e o que se chama hoje pós-modernismo”. Stirner não admite
nenhuma “grande narrativa”. É interessante observar que essa voga pós-moderna, que se
reporta a autores como Foucault, e daí a Nietzsche, teria sido antecipada por Max Stirner a
cuja crítica Marx se dedicou, estendendo-se por quase dois terços da Ideologia alemã. O livro
de Stirner, O único e sua propriedade, objeto da contestação de Marx, foi publicado em
1844. Para lá de irônico, me parece algo que exige detida meditação o fato de que uma
concepção que hoje relega o marxismo a uma visão ultrapassada, própria do século XIX,
tenha sido minuciosamente criticada por Marx em 1845.
Contrariamente, portanto, ao que é divulgado hoje pela onda pós-moderna, Marx, situando-
se no ponto culminante da trajetória da modernidade, representado por Hegel, buscou
empreender a sua crítica de forma contundente, ao mesmo tempo em que procurou
desenvolver os elementos da concepção hegeliana que rompiam com o pensamento
moderno, cuja expressão máxima nos é dada pela síntese kantiana.
Finalmente, o capítulo IX tem caráter de síntese conclusiva versando sobre “o significado de
Marx e Engels para a história da pedagogia”. Aborda, aí, a pedagogia burguesa antes de
Marx; as tendências principais do posterior desenvolvimento da pedagogia; a característica
geral do significado de Marx e Engels para a pedagogia; a teoria metafísica da essência do
homem e a crítica de Marx a essa teoria; a teoria existencialista do homem seguida também
da crítica de Marx a essa teoria. E esse capítulo final do livro se encerra com a explicitação
do tema relativo à pedagogia da prática revolucionária.
Conteúdo educativo da concepção marxiana de mundo, de homem e de sociedade
Como sabemos, a atividade educativa pressupõe sempre uma determinada concepção de
mundo, de homem, de sociedade e, consequentemente, de educação. Esta última, quando
assume o caráter de uma teoria que orienta de forma intencional a prática educativa, se
chama pedagogia. Portanto, as pedagogias se diferenciam, num primeiro nível que se situa
no âmbito dos pressupostos, pela concepção de mundo, de homem e de sociedade.
A concepção de mundo, de homem e de sociedade elaborada por Marx, que está na base da
pedagogia histórico-crítica, parte da constatação do homem como um ser corporal que se
produz materialmente ao produzir seus meios de existência.
Diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm de adaptar a
natureza a si. No processo de transformação da natureza o homem entra em contradição
com ela necessitando negá-la, para afirmar a sua humanidade. É este o acontecimento
dialético primordial que distingue os homens dos animais.
É na existência efetiva dos homens, nas contradições de seu movimento real e não numa
essência externa a essa existência, que se descobre o que o homem é: “tal e como os
indivíduos manifestam sua vida, assim são. O que são coincide, por conseguinte, com sua
produção, tanto com o que produzem como com o modo como produzem” (MARX e
ENGELS, 1974, p. 19).
Conforme essa concepção, o homem é definido a partir de fatos reais, da produção e das
relações sociais que ela engendra: “a primeira premissa de toda história humana é,
naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro estado de fato
comprovável é, portanto, a organização corpórea destes indivíduos e, como consequência
disso, seu comportamento diante do resto da natureza” (idem, Ibidem).
É nesse contexto da prática material, da atividade física, que cabe compreender a diferença
entre os homens e os outros animais.
Na mesma direção vai Gramsci quando formula a pergunta: que coisa é o homem? Na busca
da resposta ele começa pelo entendimento comum e corrente que reporta o homem ao
indivíduo, para observar que, na verdade, não nos interessa saber o que cada indivíduo, isto
é, cada homem singular é, em cada momento singular. Quando pensamos na questão “o que
é o homem”, de fato estamos interessados em saber em que o homem pode tornar-se, o
que o homem pode vir a ser. Em suma, queremos saber se o homem pode dominar seu
destino, fazer-se a si mesmo, criar sua própria vida. Portanto, “o homem é um processo e
precisamente é o processo de seus atos” (GRAMSCI, 1975, vol. II, p. 1344).
Em síntese, a definição do homem como o conjunto das relações sociais indica que o
indivíduo se põe como um sujeito histórico e social. Isto significa que “o indivíduo só pode se
tornar um homem se assimilar e incorporar à sua própria vida, à sua própria atividade, as
forças, formas de comportamento e ideias que foram criadas pelos indivíduos que o
precederam e que vivem ao seu redor” (MARKUS, 1974, p.88). Assim, o indivíduo só pode se
constituir como homem e, nessa condição, como sujeito de seus próprios atos, nas relações
cotidianas com os outros homens por meio do processo educativo.
A essência humana se constitui, pois, a partir do modo como os próprios seres humanos
produzem sua existência. Eis, então, o elemento chave que nos permite compreender o
movimento que conduz à ruptura de determinado modo de produção e sua transformação
em outro. Diz Marx:
A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente,
toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário
sempre distinguir entre a alteração material – que se pode comprovar de
maneira cientificamente rigorosa – das condições econômicas de
produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas,
em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam
consciência deste conflito, levando-o às últimas consequências (MARX,
1973, p.29).
Destaco, nessa passagem, as formas ideológicas como resumo da superestrutura, sendo o
âmbito em que os homens tomam consciência dos conflitos (entre as forças produtivas e as
relações de produção) e os levam às últimas consequências. Daí a importância de se prover
as condições subjetivas para a transformação da sociedade; daí a importância da educação
como o âmbito que possibilita o desenvolvimento da consciência enquanto compreensão da
situação em que vivemos esclarecendo sobre seus determinantes objetivos e as
possibilidades de ação sobre eles.
O conhecimento das contradições da vida material expressas no conflito entre as forças
produtivas sociais e as relações sociais de produção implicam, também, o trabalho educativo
como elemento destinado a fazer amadurecer as condições subjetivas sem o que, ainda que
as condições objetivas estejam maduras, as transformações não poderão acontecer.
Potencial educativo das categorias elaboradas por Marx
Uma pedagogia de orientação marxista, porque baseada na teoria do conhecimento
elaborada por Marx que tem como categoria central a noção de concreto, se configura como
uma pedagogia concreta.
Uma pedagogia concreta é aquela que considera os educandos como indivíduos concretos,
isto é, como sínteses de relações sociais. Assim, enquanto a pedagogia tradicional considera
os educandos como indivíduos abstratos, isto é, como expressões particulares da essência
universal que caracterizaria a realidade humana, a pedagogia moderna considera os
educandos como indivíduos empíricos, isto é, como sujeitos singulares que se distinguem
uns dos outros pela sua originalidade, criatividade e autonomia, constituindo-se no centro
do processo educativo. Por esse caminho a pedagogia moderna elide a história,
naturalizando as relações sociais, como se os educandos pudessem se desenvolver
simplesmente a partir de suas disposições internas, de suas capacidades naturais, inscritas
em seu código genético.
Diferentemente, a pedagogia histórico-crítica, fundamentando-se diretamente nas
categorias teóricas formuladas por Marx, considera que os educandos, enquanto indivíduos
concretos, se manifestam como unidade da diversidade, “uma rica totalidade de
determinações e de relações numerosas”, síntese de relações sociais. Portanto, o que é do
interesse deste aluno concreto diz respeito às condições em que se encontra e que ele não
escolheu. Assim, também a geração atual não escolhe os meios e as relações de produção
que herda da geração anterior e a sua criatividade não é absoluta, mas se faz presente. Sua
criatividade vai se expressar na forma como assimila estas relações e as transforma. Então,
os educandos, enquanto concretos, também sintetizam relações sociais que não escolheram.
Isto anula a idéia de que o aluno pode fazer tudo pela sua própria escolha. Essa idéia não
corresponde à realidade humana.
Daí, a grande importância de distinguir, na compreensão dos interesses dos alunos, entre o
aluno empírico e o aluno concreto, firmando-se o princípio de que o atendimento aos
interesses dos alunos deve corresponder sempre aos interesses do aluno concreto. O aluno
empírico pode querer determinadas coisas, pode ter interesses que não necessariamente
correspondem aos seus interesses concretos. É nesse âmbito que se situa o problema do
conhecimento sistematizado, que é produzido historicamente e integra o conjunto dos
meios de produção. Esse conhecimento sistematizado pode não ser do interesse do aluno
empírico, ou seja, o aluno, em termos imediatos, pode não ter interesse no domínio desse
conhecimento; mas ele corresponde diretamente aos interesses do aluno concreto, pois
enquanto síntese das relações sociais, o aluno está situado numa sociedade que põe a
exigência do domínio desse tipo de conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua da
escola viabilizar o acesso a esse tipo de saber.
Compreende-se, então, porque, ao formular a proposta da pedagogia histórico-crítica,
recorri a alguns textos fundantes de Marx, especificamente à distinção entre produção
material e não-material (MARX, 1978), tendo em vista a caracterização da natureza e
especificidade da educação (SAVIANI, 2013, p. 11-20). Igualmente recorri ao texto “O
método da economia política” (MARX, 1973, p. 228-240) ao estruturar o método da
pedagogia histórico-crítica, ocasião em que indiquei de onde eu retirava o critério de
cientificidade do método pedagógico proposto: “não é do esquema indutivo tal como o
formulara Bacon; nem é do modelo experimentalista ao qual se filiava Dewey. É, sim, da
concepção dialética de ciência tal como a explicitou Marx no ‘método da economia
política’”, concluindo que o movimento que vai da síncrese (‘a visão caótica do todo’) à
síntese (‘uma rica totalidade de determinações e relações numerosas’) pela mediação da
análise (‘as abstrações e determinações mais simples’) constitui uma orientação segura
tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como
para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino)
(SAVIANI, 2007a, p.74).
Em suma, a tarefa precípua da teoria crítica da educação consiste em resgatar, no plano da
consciência, as características essenciais da educação que se fazem presentes em sua prática
há séculos e que as teorias correntes, não as alcançando ou delas se afastando, acabam por
desvirtuar seu sentido contribuindo para sua alienação. Com efeito, o primeiro momento do
processo de elaboração de uma teoria verdadeiramente crítica é a aproximação das
características estruturais do objeto, de modo a apreendê-lo em sua concreticidade.
Espero, enfim, ter abordado os elementos básicos que constituem o rico legado educacional
que Marx nos deixou e que se revela plenamente válido de modo especial nas condições
atuais quando a sociedade capitalista entra em profunda crise estrutural impondo-se a
exigência de sua transformação numa forma superior, de caráter socialista, tal como
concluiu Marx a partir de sua profunda análise da origem, desenvolvimento, transformações
e tendências de esgotamento do modo de produção capitalista.
Debate Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 10, n. 1, p. 72-83, mai.
2018. ISSN: 2175-5604
Referências bibliográficas:

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SUCHODOLSKI, Bogdan. Teoría marxista de la educación. México, Grijalbo, 1966.

Notas: 1 É Professor Emérito da UNICAMP, Pesquisador Emérito do CNPq e Coordenador Geral do


Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR). Email:
[email protected]

2 Na abordagem desse texto tomei como referência a tradução portuguesa de José Barata-Moura
(MARX, 1982) confrontando-a com a tradução italiana de Manacorda diretamente do alemão
(MANACORDA, 1964, p. 82-84) a partir da qual introduzi uma ou outra alteração na tradução.
Recebido em: 20/05/2018 - Aprovado em: 05/2018

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