A NOIVA FUGITIVA DO PRÍNCIPE
GERTTY RUDRAW
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Este livro é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, ou lugares,
eventos ou locais é mera coincidência.
Created with Vellum
CO NT E NT S
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epilogue
C A P ÍT U L O 1
OLEIA
ocê realmente não faz ideia do que é o casamento, não é? Você
—V nem o conheceu ainda, e pelo que ouvi, seu príncipe encantado
pode ser bonito, mas também está bastante perturbado da cabeça
— Astrid murmura, tomando seu suco de laranja.
Ignorando minha irmã, me inclino, passando os dedos adornados pelo tecido
de renda branca. Meu sorriso se alarga, as bochechas coram. Deslumbrante,
mamãe diria se estivesse aqui. Não havia dúvida de que ele iria adorar. Ele.
Meu marido.
Bem, ainda não somos casados, mas em algumas horas, saberei como é ser
beijada, tocada, amada, possuída. Mordo o lábio inferior, um riso alegre
borbulhando em meu peito, e Astrid faz um som de nojo.
Ajeitando meus cachos ao redor da tiara, Lena intervém. — Não é tão ruim
assim.
— O que acho particularmente desafiador, porém, é que ninguém está
falando sobre como a diferença de idade é diabólica! — Astrid se inclina para
frente, levantando seu copo e gesticulando de uma forma que me diz que há
mais álcool do que suco ali. — Você está sendo vendida para um homem tão
velho quanto o Pai! Ele viveu por mais de um século e você tem o quê?
Dezesseis anos? Isso não é estupro de vulnerável?
— Eu acabei de fazer dezoito anos, mas você já sabe disso — murmuro
distraidamente, alisando as camadas do meu vestido. E Valerian tem cento e
cinquenta e dois, não acrescento. Dificilmente pode ser descrito como
estupro se eu escolhi isso e fantasiei sobre ser desvirginada por ele durante
meses.
— Duvido que faria alguma diferença o quão jovem você é quando ele drenar
seu sangue e te matar durante a consumação. Ouvi dizer que é um fetiche
deles, a experiência de quase morte. Deve ser assim que suas outras três
esposas morreram.
Era mais um dia onde minhas irmãs, Astrid, Lena e Penelope discutiam sobre
minhas escolhas de vida. Não conseguia dizer se queriam me ver afundada
em autopiedade e tristeza, em vez de encontrar qualquer alegria que pudesse
na minha situação.
Me viro, encarando Astrid, mas Penelope chia enquanto fecha os botões atrás
do meu vestido. — Fique parada, Olly! E pela primeira vez, eu concordo com
a Astrid. — O tecido range e eu aperto os lábios enquanto minha empregada
pessoal, Crystal, pinta minha boca com um rosa discreto. — Você não acha
que está criando expectativas altas demais? Normalmente eu sou a positiva,
mas isso... — ela puxa com força. — Isso está errado. Ele é um assassino.
Não acredito que o pai está permitindo isso...
Quando Penelope começa a falar, ela nunca para. Geralmente, não tenho
problema com isso, mas hoje, isso só consegue me dar calafrios. Sim, ainda
não conheci o Príncipe Valerian Ivashkov, mas ele me conquistou. Não foram
tanto as flores que comecei a receber alguns dias após o nosso casamento ser
arranjado, mas as pequenas notas que ele me deixava. Suas palavras se
tornaram minha âncora nos momentos em que tudo o que eu sentia era medo.
Eu tinha um dever para com o povo, mas também tinha sonhos. Queria um
laço de companheirismo como o de Penelope e um casamento como o de
Astrid. Queria um companheiro que me amasse de forma tão intensa e
profunda quanto Alpha Kieran amava Astrid, mas também de maneira suave
e inocente como Fenris amava Penelope. Eu não era contra a ideia de
casamentos arranjados, já que o casamento de Astrid com Alpha Kieran foi
um e ainda assim deu certo maravilhosamente, mas minha situação era
diferente.
Pior ainda, se eu levar a sério as palavras das minhas irmãs.
Eu posso não ser a primeira a ser sacrificada por razões políticas e pelo bem
maior, mas fui a primeira do meu tipo a se casar com um vampiro.
Sanguinários, frios de maneira antinatural e cruéis. Quando a primeira onda
de ataque aconteceu há cinquenta anos, os vampiros vieram em hordas,
impulsionados apenas por sua sede, atacando os humanos. Ligados pelo
tratado aos humanos, nós os protegemos, caçando os predadores que
preferiam a cobertura da noite para perpetuar o pior tipo de mal.
Corpos eram deixados para trás em seu rastro, humanos eram roubados e
transformados, e aqueles que tinham o azar de ser enviados de volta para
casa, para suas famílias, depois de serem alimentados, frequentemente
acordavam com uma sede tão visceral que fariam qualquer coisa para saciá-
la, mesmo que isso significasse matar seus entes queridos. Ou transformá-los.
Era como uma praga mortal, se espalhando rápido demais, e levou meio
século para que o rei Thadius, meu avô, com a ajuda de sua companheira,
contivesse o que se acreditava ser a última ameaça vampírica, e mesmo
assim, nós os perdemos no processo, deixando meu pai como o novo Alpha
Rei.
O que não sabíamos era que os vampiros não haviam sido caçados. Eles
apenas recuaram, ganhando tempo e força, multiplicando seus números e
alimentando nossa falsa sensação de segurança por anos. Eles nos
observaram, aprenderam nossos costumes e os dos humanos. Eles se
misturaram, tornando-se nossos amigos, escondendo suas presas, sede e
cheiros, disfarçando-se de humanos, adotando comportamentos e empregos
humanos. Eles se integraram, e muito bem.
Alguns casos isolados foram caçados ao longo do tempo, mas nenhum jamais
exibiu inteligência suficiente para nos alertar sobre o que estava por vir.
Nenhum para nos avisar que estávamos presos em uma teia, peões no jogo de
uma mente bastante perversa.
Dizem que a segunda onda de ataque foi tão brutal, tão sangrenta, que a
própria deusa da lua chorou, pois a lua sangrou vermelho naquele dia. Eles
estavam por toda parte. Eram velhos amigos, vizinhos e professores, chefes e
governadores, ministros e presidentes. Os humanos perderam o poder em um
piscar de olhos e fomos deixados para defender duas raças sem acesso a
armas.
Talvez, meu pai deveria ter se curvado naquela época, renunciado à sua
autoridade como rei, como alguns cortesãos costumam dizer, mas todos
sabiam a verdade. O Rei Vampiro não teria se importado. A única razão pela
qual não fomos exterminados foi porque lutamos. Com força.
Foi uma surpresa que o Rei Vampiro Marcus estendesse o ramo de oliveira
primeiro, oferecendo-se para acabar com o derramamento de sangue se
nossas raças se unissem. Os detalhes de uma reunião realizada pelo conselho
resultaram nisso. Meu casamento com o príncipe Valerian.
Eu estava assustada, fiquei de mal humor por semanas quando meu pai me
informou que eu seria o sacrifício pelo bem maior. Com cada morte
registrada nas terras selvagens e cada novo corpo encontrado sem sangue, eu
me perguntava se estava lentamente chegando ao meu fim. Se este casamento
era minha sentença de morte e eu seria apenas mais um corpo queimado sob a
luz da lua, minhas cinzas flutuando ao vento e morrendo. Se eu nunca
experimentaria aquela paixão que tanto sonhava.
Mas recebi o primeiro presente de Valerian. Era um colar que pertencia à sua
mãe, uma pedra rara que brilhava a cada movimento e capturava a luz. Mas
foram aquelas poucas palavras que interromperam meu choro de raiva.
Isso pertencia à minha mãe – ela gostaria que você tivesse, e eu também.
Eu sei que isso não era o que você planejava, mas se você me permitir,
prometo que farei com que seja seu, de uma maneira que importe.
— Pronto — sussurra Lena, dispersando meus pensamentos, e eu me levanto,
meus punhos se fechando nervosamente, borboletas explodindo em meu
estômago. Ela enxuga uma lágrima do canto do olho. — Você parece toda
crescida, é assustador.
Astrid resmunga. — Olhe bem. Pode ser a última vez que a vemos viva —
Uma porta balança ao longe e meu estômago parece se esvaziar. O som
pesado de botas em passos rítmicos anuncia a presença do meu pai antes que
sua aura sufocante o faça. O colar em meu pescoço fica terrivelmente
apertado e minha pele esquenta quando sua voz, dura e áspera como o som de
aço contra aço, me envolve. — Está na hora.
Segurando a cauda do meu vestido, eu me viro e encontro seu olhar verde
escuro. Mais frio que o inverno, mais duro que a pedra. Olhar para ele era
como olhar para um espelho. Uma beleza atemporal que não murchava, nem
mesmo com a idade. Enquanto seus traços eram masculinos, os meus eram
mais suaves, femininos e delicados.
Às vezes, eu me perguntava se ele me odiava porque odiava ver seu rosto em
uma mulher tão... diferente, nada como o homem cruel e astuto que ele era.
Suponho que fosse o castigo da Deusa da Lua, afinal, que nenhuma de suas
filhas herdou seu coração de pedra. Podíamos nos parecer com ele, mas
tínhamos o coração de nossa mãe.
O Rei Alfa me estuda com tanto interesse quanto teria por uma pulga, e eu
baixo a cabeça, assim como minhas irmãs, em reverência. — E-Está... do seu
agrado? — pergunto, sentindo seu olhar firme perfurando minha pele,
julgando e avaliando minha aparência.
O peso no meu peito some quando ele diz: — Notável. — Uma leve pausa e
o som pesado de seus passos segue, antes que eu veja seus dedos longos se
estendendo em minha direção. — Venha.
Meus dedos estão quentes e úmidos quando eu pego os dele, gelados, e eu
franzo a testa com a força que ele usa para puxar-me para frente, levando-me
para fora do meu quarto. Os guardas caem em marcha atrás de nós e eu lanço
um olhar para trás, para a vida que estava deixando para trás, para minhas
irmãs com expressões de luto enquanto nos seguem, como se fosse meu
funeral e não meu casamento.
O frio da armadura do meu pai atravessa o tecido fino da minha manga
enquanto avançamos para o ar livre. O pátio se estende à nossa frente,
decorado com flores silvestres e vinhas, um caminho coberto de flores que se
desfaz rapidamente sob meus pés calçados com salto alto. A cauda do meu
vestido arrasta-se, varrendo o chão, e suaves "oohs" e "aahs" enchem o ar
enquanto passamos pela última fila de assentos.
— Eu sei o peso que coloquei sobre seus ombros, Oleia — diz meu pai de
repente, e eu roubo um olhar para ele, forçando um sorriso orgulhoso como o
dele em meu rosto, mesmo que eu sinta perfeitamente a tensão sob sua
armadura, o frio no ar. Sua coroa brilha sob o sol da tarde e ele olha para
frente, sem vacilar um passo. — Por mais pesado que seja, é importante que
você entenda que sua força é o que o povo precisa.
O povo.
Sempre foi sobre o que o povo precisava quando se tratava do meu pai.
Eu caminho pela longa trilha que parecia terrivelmente significativa, como a
ponte entre duas raças. A parte esquerda da multidão era ocupada por... eles.
Impressionantes e elegantes, com orelhas pontudas que despontam de cabelos
sedosos e brilhantes, os vampiros irradiam uma altivez régia, arrogantes na
forma como nos observavam, como se fossem a raça superior e nós os
selvagens, sofisticados em seus maneirismos e estilo. Eles agem e parecem
estar em um século diferente, onde a graciosidade de alguém frequentemente
gritava riqueza e poder, e embora pareçam um pouco mais pálidos que nós,
era de uma forma que me deixava com inveja. Sob o sol da tarde, eles
brilham, e eu sei que não sou a única que os acha terrivelmente belos.
Era a aura deles que me assustava. Era como caminhar no Ártico, cercada por
gelo tão frio que queima, e uma escuridão antiga e sufocante que engolia a
luz.
Imperceptivelmente, eu me aproximo mais do meu pai.
À minha direita estavam rostos familiares e auras mais quentes, e eu luto
contra a vontade de trocar de lado com meu pai quando um rosnado ecoa em
algum lugar à minha esquerda.
— Eu entendo — digo baixinho, enquanto o fim do caminho se aproxima, e
eu avisto o cabelo vermelho flamejante. — Farei o meu melhor.
A mão do pai cai sobre o meu antebraço e aperta com força. — Não o seu
melhor, filha. Tudo o que você tem. — Ele inclina a cabeça para a direita,
para os olhares atentos e tensos do meu povo, uma corrente de emoções que
não nos permitimos sentir há tempos transbordando neles. Esperança. — Eles
sofrem se você falhar em suas obrigações. Eles perdem seus filhos e filhas,
suas esposas e maridos se você não conquistar o afeto do seu marido e de seu
povo. Finja se precisar, minta se for necessário, mas o trono deve ser seu. Só
assim, isso realmente vai parar.
— Hoje — ele continua, a voz baixa, mas endurecendo com uma certa
firmeza. — Você se torna mais do que apenas minha filha. Você se torna o
escudo para todos nós. Um farol de esperança, uma razão para aqueles que
perderam continuarem. Persevere, Oleia, porque sua maior força é o seu amor
e paciência, e independentemente do que acontecer, você não pode fugir.
Ele disse essas mesmas palavras exatas para Astrid seis anos atrás, antes de
mandá-la para o Alfa Kieran, que era um rei renegado e bárbaro. Um
movimento político para obter mais suprimentos e homens. Às vezes, eu me
perguntava se éramos apenas isso para ele; peças de barganha.
— Eu não vou fugir — eu digo a ele com uma segurança que não sinto.
A música suave que tocava ao fundo toma um rumo mais intenso enquanto eu
passo pelas últimas fileiras que me separam do altar. Lá na frente está o meu
noivo, mas ainda não tenho coragem de encará-lo. Eu esperei ansiosamente
por este dia por semanas e agora, a ideia de sucumbir ao seu olhar e atenção
me faz querer me esconder atrás da armadura do meu pai.
Então, eu olho para outro lugar. Para a primeira fila, e eu desejo não ter
olhado.
Meus olhos se chocam com olhos negros e vazios, e um calafrio percorre
minha coluna. O que olha de volta para mim faz meu estômago revirar e meu
coração acelerar em trepidação. Antigo, calculista e algo... mais sombrio,
mais cruel.
Eu posso nunca tê-lo visto antes, mas eu sei quem ele é.
O Rei Marcus me olha como se eu fosse um experimento, um que ele deseja
dissecar para entender minha composição. Seu rosto é pálido, mas refinado,
como se tivesse sido esculpido em gelo. Sua expressão é solene, sua aura
irradiando uma intensidade que faz meus joelhos tremularem com a
necessidade de baixar a cabeça e confessar meus desejos mais profundos e
sombrios, de me submeter e me render a ele. Seus lábios parecem se curvar
com desgosto quando eu continuo a olhar para ele, e eu desvio o olhar
rapidamente, mas não antes que ele avance, juntando-se a Valerian no altar.
Meus chinelos macios roçam o tapete suave, e não há nada de gracioso no
som que fazem quando Valerian se vira.
E sorri.
Meu coração vacila e para, reiniciando com um salto. Meus lábios se
separam, e eu só tenho senso o suficiente para conter meu suspiro engasgado.
As fotos não fizeram justiça a ele.
Valerian é de tirar o fôlego, bonito de uma maneira que é clássica, atemporal
e perigosa. Seu rosto é afiado, mas perfeitamente proporcionado, com um
tipo de beleza que prende olhares, acelera pulsações e incita luxúria e
admiração. Eu quero passar meus dedos pela pele que parece ter sido
esculpida em mármore, uma perfeição alabastrina que faz as sombras se
agarrarem a ele em admiração, mesmo sob a luz do sol.
Minha pele formiga de consciência, meu sangue correndo rápido demais para
estar seguro em uma sala cheia de sugadores de sangue.
Deuses, ele é... ele é... perfeito.
E o cabelo dele... deuses, o cabelo dele, parece que queima. É uma
contradição absurda e tola à sua tez clara, e, ah, isso o torna tão
impressionante que meu cérebro luta para compreender.
Como todo vampiro, ele é mais esbelto, com músculos definidos, mais alto
que a maioria dos lobisomens e, oh, tão gracioso. Demais até. Até a leve
inclinação da cabeça enquanto ele me avalia com a mesma intensidade parece
deslizar na direção do vento.
Os olhos dele. São negros como breu... não... são vermelhos... na verdade,
não consigo dizer, porque eles oscilam entre uma escuridão sem fundo e um
vermelho sangue. Eles são incomuns... ele parece não ter íris, mas, ao
observar mais profundamente, suas pupilas estão tão dilatadas que as íris
foram reduzidas ao tamanho de alfinetes.
Ele está bêbado, drogado ou com fome, mas a clareza em seu olhar diz o
contrário.
Seu nariz arrogante se dilata levemente, e seus lábios convidativos que
revelam dentes brancos e perfeitos fazem meu coração acelerar, enquanto
beijos invisíveis pululam em minha pele ao avistar suas presas, que deveriam
me assustar.
Ele caminha e eu hesito, incapaz de lidar com a súbita excitação que invade
meu sangue.
Feromônios, eles chamam isso. Não tenho ideia se a sede e a fome que se
estabelecem no fundo do meu ventre são isso, ou a súbita vontade de abrir
meu pescoço e minhas coxas para ele. A necessidade de sentir sua pele
pressionada contra a minha e seus lábios no meu pulso, perfurando a pele e
me reivindicando como sua.
Minha pele queima intensamente e minha respiração ofegante é rápida
demais, e eu sei que já falhei. Não há um único osso em mim que queira
conquistar esse homem.
É o contrário. Quero que ele me conquiste, me possua em todos os sentidos
da palavra.
— Oleia.
É um sussurro e eu estremeço, esticando o pescoço enquanto olho para cima,
cada vez mais. Abro os lábios para dizer o nome dele, mas as palavras não
saem. Não me lembro do nome dele.
Meus dedos se enterram na armadura do meu pai enquanto ele fala com o
homem belo, na tradição de me entregar ao noivo, mas tudo o que ouço é a
batida do coração dele, que combina com o meu— errática, mesmo que sua
postura calma diga o contrário.
Me pergunto se ele me acha sem vergonha por devorá-lo com os olhos, mas,
se acha, não dá nenhum indício, enquanto meu pai retira meus dedos do braço
dele e os coloca sobre... os dele.
O fogo percorre minha pele imediatamente e eu suspiro, retirando os dedos
rapidamente.
A testa dele— de Valerian— se franze em confusão enquanto ele olha para
sua mão, o único sinal de que ele também sentiu aquilo, e quando seu olhar se
fixa no meu, é com algo novo, algo suave, como admiração e uma emoção
diferente.
Isso me deixa fraca nos joelhos. E na cabeça, e eu esqueço completamente de
fazer uma reverência, de abaixar a cabeça em submissão, como me
ensinaram.
Ainda assim, ele estende a mão para mim novamente, segurando meus dedos,
e seu polegar acaricia minhas juntas com ternura, provocando um gemido do
fundo da minha garganta.
Ele levanta minha mão e passa os lábios sobre minhas juntas, e cada nervo do
meu corpo se concentra na sensação de sua boca quente em minha pele. —
Talvez o destino tenha um olhar melhor para a beleza do que eu esperava.
Um rubor sobe pelo meu pescoço e eu sei que fiquei vermelha como um
tomate quando ele dá uma risadinha. Ele se inclina, e o ar ao nosso redor se
enche de um silêncio tenso enquanto todos nos observam com uma mistura
de medo... ou expectativa. Não sei dizer ao certo. Os lobisomens acham que
ele pode afundar os dentes em mim, e os vampiros provavelmente querem
que ele faça isso.
Mas tudo o que ele faz é sussurrar no meu ouvido: — Eu também estou
nervoso.
Eu solto uma risada de descrença, mas o som sai mais alto do que o
planejado, ecoando pela multidão, e a única coisa que me impede de desejar
que o chão me engula é a risada de Valerian.
Ele tem um sotaque e acha que eu sou engraçada.
Eu poderia continuar assim, feliz, na verdade.
— Mais como saltitante. — Meus olhos percorrem seu terno verde floresta,
que tem um design bastante único, algo entre a roupa de um príncipe
medieval e um smoking. — Ouvi dizer... — Minha voz baixa. — Que a
cerimônia pode envolver... mordidas.
Uma sobrancelha se eleva e eu mal percebo que ele está me levando até o
sacerdote enquanto diz: — E eu presumo que a ideia te repugna?
— N-não... Quer dizer... Não sei como me sinto sobre isso.
Há aquela inclinação graciosa e pensativa da cabeça dele, como se pudesse
ouvir segredos no vento que eu não consigo. — Na verdade... — Algo em seu
olhar me queima. — Eu sou bastante fã da tradição. Em minha experiência, a
maioria acha isso... inesquecível.
Meu rosto queima com a consciência de que estamos falando sobre algo mais
do que a 'mordida', mesmo que eu não tenha ideia do quê.
Seus olhos brilham com malícia e deleite perverso enquanto ele acrescenta:
— Não vou tirar sangue de você, a não ser que você queira.
Ele mentiu.
Com os votos e as alianças trocados, tudo o que restava era selar o ritual com
um beijo. Meu estômago se contrai quando ele segura meu pescoço com uma
suavidade que cura feridas que eu nem sabia que tinha.
E então, tudo vai a mil.
Tudo começa com um gemido tão baixo que acho que posso ter imaginado, e
então, os dedos que envolviam minha bochecha deslizam até a nuca,
brincando com os cachos loiros soltos e, sem aviso, ele puxa minha cabeça
para trás.
Pode ter havido suspiros na plateia, mas tudo se mistura com a música,
virando um ruído branco enquanto ele aprofunda o beijo. O leve cócegas de
seus dentes agarrando meu lábio inferior faz a umidade se acumular em meu
ventre.
Ele me corta, e eu não ligo. O sabor do meu sangue em seus lábios é afiado e
escuro, como o vinho mais rico, e com ele, o calor se desdobra em meu
ventre, se espalhando com uma intensidade que me joga para frente, incapaz
de ficar de pé sozinha.
E então, ele suga.
Meu corpo se torna dele, aquecendo em lugares que eu não sabia que
existiam, e meus joelhos se curvam com a necessidade de... atrito. Se eu
soubesse que beijos eram tão bons, tão intoxicantes, talvez tivesse explorado
isso antes.
Mas de alguma forma eu sabia que não era tanto o ato, mas sim o homem.
Eu me agarro aos seus braços inutilmente, impotente diante da dor
vertiginosa entre minhas pernas que não entendo. Eu conheço livros, flores,
roupas bonitas e acessórios. Conheço cavalos e a melhor forma de puxar as
rédeas para empurrá-los mais longe e mais rápido. Conheço carros e a
emoção eletrizante e viciante de acertar a linha perfeita e deslizar além de um
oponente nas pistas de corrida por uma fração de segundo.
Eu sei viver de forma bonita, como meu pai espera que eu faça, e sei viver no
limite, fugindo com Darian, meu guarda-costas, e Crystal, minha empregada
e melhor amiga, para as pistas, fazendo coisas nada principescas.
Mas eu nem mesmo conheço meu corpo, ou como é ser tocada por um
homem.
Eu fiquei curiosa, confiando nos deuses e no universo para me trazer o meu, e
neste momento, sendo beijada por meu príncipe, nunca fui tão possuída na
vida.
C A P ÍT U L O 2
OLEIA
ma coisa sobre os vampiros já se provou verdadeira.
U Eles festejam tão intensamente quanto lutam.
A festa diante de mim é algo que nunca vi antes. É crua, sensual e
incrivelmente sombria. Há algo na música e na forma desinibida como os
vampiros aceitam o que são e se deleitam nisso.
Minha família foi embora há horas, e o lado esquerdo da minha bochecha
ainda carrega o batom vermelho de Astrid, da sua despedida apressada.
Crystal e Darian foram levados aos seus aposentos quando chegamos ao
castelo, e, embora quisessem ficar até o fim da festa, dava para ver que
estavam exaustos de tanto dançar.
Eu também estou, mas com Valerian dançando pela sala e a música ecoando
profundamente no meu sangue, a fadiga se tornou irrelevante.
Em algum momento, ele perdeu o casaco, e eu não consegui mais manter as
minhas mãos sob controle. Eu nem percebi até que só restasse uma camisa
social entre nós. Valerian é um sonho molhado ambulante, irresistivelmente
carnal, masculino e tentador. Seu peito é esculpido em músculos, e, embora
nunca tenha achado os ombros e costas largas de um homem particularmente
atraentes, a visão dos de Valerian me deixa com a boca seca. Sem vergonha,
deslizo as mãos pelos seus abdominais definidos, rindo internamente com um
deleite tipicamente feminino. Às vezes, não acredito na sorte que tenho, ter
esse homem sedutoramente perverso só para mim. Quando ele me levanta
nos braços, sinto força, contida e controlada, enquanto ele me toca com a
delicadeza de uma pétala de rosa. A garota dentro de mim grita, e minha
vagina se contrai de felicidade.
Acho que enlouqueci.
A barra do meu vestido de noite está molhada de bebida, manchada de poeira,
e meus saltos já sumiram há muito tempo. Mas me sinto livre e... feliz.
Genuinamente.
— Isso é incrível! — digo no ouvido do príncipe Valerian, apertando as mãos
em seu ombro enquanto balançamos junto com a multidão. — Obrigada.
Valerian sorri, mas há algo em seu olhar que me faz morder o lábio inferior.
Sua mão desliza ao longo da minha coluna, parando na região lombar. —
Não consigo... tirar isso da minha cabeça.
— Tirar o quê? — começo a perguntar, mas então ele pressiona o nariz
contra o meu pescoço. — O seu cheiro.
Suas palavras saem um pouco arrastadas. Depois de ser presenteado com taça
atrás de taça de vinho que ele absolutamente não podia recusar, entendi que
ele estava bêbado, mas uma pontada de decepção me atravessa. Eu não o
queria bêbado esta noite, na nossa primeira noite juntos. Mas o pensamento
desaparece quando ele passa a língua pelo meu pulso, dispersando meus
pensamentos. — Você disse que faria isso...
— Eu disse? — murmura ele, com o hálito quente na minha pele.
Meus olhos se fecham ao sentir a vibração. — Sim, em uma das notas que me
enviou. Algo sobre enterrar o nariz no meu pescoço e ficar lá para sempre.
Ele ri, e o som me faz contrair por dentro. — Eu não te enviei notas, *Oleia*.
Pisco, surpresa, e me afasto para encará-lo. Ele sorri, e eu reviro os olhos,
dando um tapinha no seu peito. — Não brinca assim, Valerian. — Encosto-
me nele novamente, saboreando o calor do seu corpo, o seu cheiro, a sua
presença. — Seu sotaque... o que é isso?
— Russo — ele diz, passando os dedos pelos meus cabelos. — Eu cresci em
Moscou.
O reinado do meu pai não se estendia a muitas partes do mundo, assim como
os efeitos da guerra ainda não haviam tocado todos os cantos da Terra. A
Rússia era um dos muitos países que se recusaram a fazer parte do tratado,
confiando em sua autossustentação, armas e força, e agora eu entendo o
porquê. Teria estragado a cobertura deles. Provavelmente, estava repleta de
mais vampiros do que poderíamos enfrentar.
Distanciando-me do pensamento, afasto uma longa mecha de cabelo
vermelho que cobria suas orelhas, e Valerian estremece ao toque. — Tenho
tantas perguntas, tanto que quero aprender. Mas hoje, apenas uma. — Sei que
é inapropriado. Sei que posso estar indo longe demais, mas se ele está tão
interessado em mim quanto diz, ele me perdoará. — Você não é um
assassino, é?
Ele para, e sei que disse algo errado. Ele vai me afastar e me trancar fora
e —
— Se proteger os meus significa ser um assassino, então sim, eu sou. — Seus
olhos se fixam nos dedos que queimam minha pele. — Essas mãos têm
sangue nelas. — Ele pressiona um beijo suave contra minha têmpora. —
Esses lábios se alimentaram de humanos e roubaram a vida da sua espécie.
Ele se afasta, mas suas mãos continuam ao meu redor, e sinto a franqueza em
cada palavra que ele me diz. — Mas não me arrependo de um único ato, não
quando se trata de manter o que é meu em segurança. Você também é minha
agora, e por você, eu mataria e mutilaria sem hesitar. Cada vida que tirei,
cada rosto é um fardo que carrego de bom grado. Este é o mundo em que
nasci, escondido e sendo caçado como animais desde antes do tempo pelos
seus predecessores e pelos que vieram antes deles. É quem eu tive que me
tornar para proteger o meu povo. Espero que você não me culpe por tudo que
fiz para chegar a 'isso'. — Ele gesticula em direção ao salão e às pessoas que
circulam ao nosso redor, dançando e rindo.
Como eu poderia? Eu entendia, perfeitamente, o peso das responsabilidades e
dos sacrifícios. Há um lampejo de vulnerabilidade quando olho em seus olhos
novamente. — Mas eu quero ser digna disso. De você. Agora, hoje, e pelo
resto de nossas vidas —
Fico na ponta dos pés e puxo sua cabeça para a minha, selando nossos lábios.
Ele me disse tudo o que eu precisava ouvir. Eu estava certa, e minhas irmãs
estavam terrivelmente erradas. Não há nada de errado na cabeça de Valerian.
Ele é um homem maravilhoso, e os deuses não poderiam ter sido mais
bondosos comigo.
*Isso não parece bom demais para ser verdade? Encenado? Como palavras
saindo de um livro que você leu em algum lugar?*
Assim como os avisos surgem em minha mente, eles desaparecem. Sinto
como se o conhecesse a vida toda. E daí se parece bom demais para ser
verdade? É permitido ter momentos assim na vida.
Aquele estranho pressentimento de mau agouro surge novamente no meu
estômago quando Valerian, de repente, se inclina e prende meu braço sob
meus joelhos, levantando-me do chão.
A multidão aplaude e ergue seus copos, e eu escondo meu rosto no pescoço
de Valerian quando os comentários começam a voar sobre quais são as
melhores posições para fazer herdeiros.
Eu avisto o rei Marcus enquanto seguimos para o final do salão, e ele ergue
seu copo mais alto, um sorriso sombrio e conhecedor se formando em seus
lábios. Não consigo decifrar o que seus olhos parecem dizer, mas deixa um
gosto ruim na minha boca da mesma forma.
Meu coração bate forte contra as costelas quando o chuveiro desliga. Fechei
os olhos com força, forçando minha respiração a se acalmar.
Apertando os dedos nos lençóis, concentro-me nos passos silenciosos no
banheiro e no aroma picante e intoxicante de Valerian que enche o ar.
Talvez eu devesse ter usado outra coisa. A simples camisola branca não era
nada favorecedora, não destacava nada dos meus seios generosos e de uma
figura que sempre causava um pouco de confusão toda vez que eu escapava
do castelo disfarçada de guarda. Até a terrível armadura e o uniforme não
conseguiam esconder minha parte traseira, mas, de alguma forma, essa
maldita camisola não dava nenhuma pista do que havia por baixo. Mas meu
pai cuidou para que eu aparecesse assim. Pura. Ingênua. Ele tinha certeza de
que Valerian encontraria atrativo nisso.
Não que ele estivesse longe da verdade, de qualquer forma. E se minha
inexperiência o decepcionar? Ouvi dizer que os vampiros são criaturas
passionais, facilmente entediadas e em busca de uma constante adrenalina
para adicionar um certo mistério ou excitação às suas vidas. Eu conseguiria
corresponder a alguma de suas expectativas? Quais eram suas expectativas?
Giro o anel no meu dedo nervosamente, lançando olhares furtivos ao redor do
quarto banhado pela luz da lua e pelos tons quentes de vermelho e dourado.
As velas tremulam e as pétalas de rosa roçam minha pele enquanto me viro
de lado, levantando minha perna de uma forma que deixa meu traseiro
bastante convidativo. Um sorriso bobo se espalha pelos meus lábios, e fecho
os olhos rapidamente quando a porta se abre.
Então, começo a me sentir tímida, nervosa e insegura ao mesmo tempo,
enquanto ouço os passos suaves de chinelos contra o mármore. A cama cede
ao meu lado e, por um longo momento, nada acontece.
Meu coração bate tão violentamente que me sinto um pouco enjoada. Ele não
vai me tocar? Será que ele adormeceu? Sua respiração irregular diz o
contrário. Meus olhos furam o retrato artístico de Valerian na parede
enquanto tento entender o que ele poderia estar pensando. Um silêncio tenso
envolve o quarto, alterado apenas por nossa respiração pesada, e a decepção
começa a pesar no meu coração.
De repente, um braço envolve minha cintura, e eu suo com o frio de sua pele
contra a minha. Talvez a minha esteja muito quente. Minhas costas
encontram seu peito, e meu traseiro pressiona suas panturrilhas musculosas.
Algo duro cutuca entre cada nádega, e minha respiração fica instável, mais
alta. — Você está tensa. Eu não vou te machucar, Oleia.
A mão ao redor do meu torso relaxa, e dedos longos e ágeis traçam círculos
suaves ao redor do meu umbigo, quebrando a tensão nos meus músculos.
Minhas costas relaxam contra seu peito duro e musculoso, e meus dedos
soltam os lençóis. A cada exalação trêmula, meus medos e inseguranças
escapam.
Ouço a lentidão constante de seu batimento cardíaco e me concentro nele,
desejando que o meu se iguale e confie nele.
— Isso — ele elogia, acomodando meu cabelo sob o queixo. — Se você não
quiser...
— Não! — Eu me viro para olhar em seus olhos negros, e a severidade de sua
beleza sobrenatural me atinge. Os ângulos afiados de seu rosto, a dureza dele.
E então, ele me olha daquela forma, completamente, profundamente, como se
eu fosse tudo que importa neste mundo para ele. — Eu quero isso. Eu... —
Eu mordo meu lábio inferior, roendo nervosamente. — Esperei demais para
sentir seu toque, Valerian. Não me faça esperar mais. São só os nervos, é
tudo.
Longos cílios acariciam maçãs do rosto altas, e Valerian balança a cabeça
uma vez em concordância.
Em um movimento fluido, estou debaixo dele, presa em uma gaiola de seu
corpo e mãos em ambos os lados de mim.
Minha respiração fica áspera na garganta, e meu peito se levanta ao encontro
do dele quando ele se inclina, nossos rostos a apenas centímetros de
distância, fechando os olhos enquanto se envolve em uma batalha silenciosa.
— Oleia — ele sussurra, suas sobrancelhas se franzem e seu rosto se desfaz,
como se estivesse com dor. Ele envolve meu pescoço, pressionando sua testa
contra a minha. — Você não faz ideia do que está fazendo comigo. — O
cheiro de álcool está quente em seus lábios, mas isso só me deixa tonta e
atordoada.
Ele pressiona seu nariz contra minha bochecha, cheirando, e então meu
pescoço e meu cabelo. Ele rosna para dentro, e eu suo quando ele agarra a
carne da minha coxa, abrindo minhas pernas para se acomodar.
Ele arrasta suas presas sobre meu pulso acelerado e passa a língua sobre mim.
Meus olhos rolam para trás enquanto meu sangue corre dolorosamente para
aquele ponto. Eu me arqueio instintivamente, desejando algo que não consigo
nomear.
Talvez Astrid estivesse certa, afinal. Se ele perdeu suas três esposas
anteriores dessa forma, eu entenderia. Eu queria... Eu precisava que ele
perfurasse minha pele e me provasse. Eu queria ver em que tom de vermelho
seus olhos se transformariam quando ele estivesse com fome. Eu queria ver
se ele perderia sua fachada calma e se tornaria um monstro. Ou se ele me
levaria com a mesma fome, me seguraria com a mesma força.
Ele puxa para trás, olhando ao longo do meu corpo, seus olhos famintos.
Vejo meu reflexo em seus olhos. Cabelos loiros espalhados ao meu redor,
pele corada, olhos verdes âmbar que brilhavam dourados, correspondendo à
minha fome, lábios cheios entreabertos enquanto eu puxo a respiração,
mamilos duros aparentes pelo tecido fino da camisola, e minhas pernas
envoltas em seu torso.
Valerian respira fundo e, muito lentamente, levanta a barra da seda pelas
minhas pernas, até que eu esteja completamente desnuda diante dele.
Desvio o olhar dele, com medo de ver sua expressão, o que ele pensa de mim
neste momento.
Após um momento de apenas olhar, Valerian continua levantando minha
camisola até tirá-la por cima da cabeça e arremessá-la.
Luto contra a vontade de me cobrir enquanto ele observa meu corpo nu. O
brilho da excitação em seus olhos é substituído por algo mais sombrio. Ele
fecha os olhos por um breve momento, parecendo travar aquela batalha
mental novamente, e quando os abre, vejo seu controle, sinto-o na forma
como ele me toca e abre meus lábios, explorando minha boca com sua língua.
Meus dedos mergulham em seus cabelos, sentindo a textura sedosa e densa, e
ele desce com lábios quentes, capturando meu mamilo pesado e dolorido em
sua boca. Eu suspiro, me contorcendo com a sensação, e meus quadris se
agitam, esfregando-me contra sua coxa.
Ele passa a língua pelo mamilo eriçado e arrasta uma presa pelo centro. Eu
gemo, contraindo-me internamente, com flashes brancos na mente.
Não entendo a onda de emoções que me dominam quando ele chupa com
força, lambendo cada mamilo com a língua, a dor entre minhas cochas parece
atingir um ponto de... de...
Ele retrai o joelho do meu meio, substituindo-o pelos dedos, e morde meu
lábio ao sentir o fluido escorrer por minhas dobras. Ele diz algo em russo,
com uma voz rouca e mortal.
Minhas cochas câimbras de tanto apertar os músculos, e eu grito quando ele
empurra um dedo dentro de mim. — Deuses, Oleia — ele geme contra meus
seios, seu membro pendendo mais grosso, duro e pesado contra minhas
coxas. — Apertada. Puta que... apertada.
Ele avança em mim, lambendo, mordendo e sugando meus mamilos até que
eu começo a me mover contra seus dedos, me contraindo por mais. Minhas
unhas rasgam os lençóis, e eu as sinto se alongarem.
Não sei por que faço isso, mas as passo pelas costas dele, cortando-o, e meu
corpo se incendeia quando ele geme, sua ereção pulsando, molhando minha
cocha com fluido.
De repente, um dedo não é suficiente, os sons de sucção enchem o ar. Eu
fecho os olhos, perseguindo o prazer que se desenrola no meu ventre, a
tensão apertando meus músculos, mas está muito longe, e eu preciso sentir
ele... em todo lugar.
— Mais — eu arquejo. — Por favor.
Quando ele continua a bombear dentro de mim com apenas um dedo, eu
alcanço, envolvendo meus dedos ao redor dele. Meus dedos mal cabem.
Valerian sibila, afastando minha mão, sem agressividade. — Não faça isso.
Você não vai querer isso na nossa primeira vez juntos, garanto.
Acredito nele e paro.
Ele é grande, e não sei como vamos conseguir encaixar. Doeria, pra caramba.
Outro dedo entra, e meu corpo se contrai em dor e prazer, mas a dor logo é
esquecida ao sentir ele pressionando lugares que eu nem sabia que existiam.
Meu corpo relaxa, e em poucos minutos, me movo contra ele, acompanhando
as investidas e bombadas com meus quadris batendo, e de repente é demais.
Dedos molhados me esticam, a outra mão apertando meu seio, beliscando e
puxando até começar a me enlouquecer.
Minha coluna arqueia da cama enquanto as sensações me levam ao clímax,
me consumindo por completo e me levando a um lugar onde só existe prazer.
Sons jorram dos meus lábios. Gemidos. O nome de Valerian. Talvez eu tenha
chamado pelos deuses, até.
Perco a noção de mim e do lugar, espasmos destruindo meu corpo, e só
quando sinto Valerian pressionar minha entrada que meus olhos se abrem e
eu olho para baixo.
A dor me atravessa quando ele empurra, e lágrimas enchem meus olhos, meu
corpo confuso entre o clímax e tanta dor.
— Valerian — eu chamo, e seus olhos se voltam de onde estamos unidos
para os meus. Eles estão vermelhos, arregalados e confusos, e eu engulo
minhas palavras, sem saber o que ia dizer de qualquer forma.
Tento me ajustar a ele, mas quando me contraio para aliviar a dor, ele emite
um som gutural, como se fosse ele quem estivesse sofrendo, caindo para
frente e se apoiando ao meu lado.
Um pequeno grito escapa dos meus lábios quando mais uma polegada grande
me impala, e Valerian para completamente. Ele expira, narinas dilatadas com
uma emoção que oscila entre raiva e desejo em uma escala imensurável. —
Por que você não me disse?
Franzo a testa. — O quê?
Seus quadris se agitam, e ele fecha os olhos, mais russo saindo dos seus
lábios. Ele balança a cabeça, rindo. — Você é virgem.
Sinto diversos níveis de confusão. Eu achava que minha virgindade era o que
me tornava a escolha preferida em vez de Lena. A raiva surge levemente, e eu
o encaro. — Eu acabei de fazer dezoito anos, e você sabe disso porque me
enviou lilases e uma nota com parabéns. Esperava uma noiva mais experiente
nessa idade?
Valerian tem uma expressão engraçada por um breve momento, como se não
tivesse a menor ideia do que estou falando, mas ela é substituída por uma
necessidade sombria enquanto ele olha para nós, para a cena que fazemos
juntos. Ele se retira um pouco de mim, dando uma pausa gentil antes de
tentar novamente.
Ele é bastante gentil, beijando meu pulso novamente de uma forma que tira
minha concentração de onde estamos unidos para o quão perto suas presas
estão da minha veia. Ele poderia facilmente arrancar minha garganta assim, e
eu não seria capaz de detê-lo ou fazer nada a respeito. Mas, de alguma forma,
sei que ele não fará isso.
Talvez eu só tenha aprendido o cheiro dele e a sensação de sua pele hoje, mas
parece que o conheço há mais tempo, e a gentileza com que ele me segura é
prova suficiente.
Ele faz amor comigo gentilmente, devagar, até que a dor não passa de uma
sensação distante e o prazer beira o extremo. Meu corpo relaxa para ele, meus
braços o abraçam enquanto ele penetra fundo e certeiro.
Mantenho seu olhar o tempo todo, observando sua expressão mudar de
sombria para vulnerável e depois para desfeita. Nos sincronizamos
lindamente, como li tantas vezes nos livros, e quase parece irreal o quão
perfeitos somos juntos. Não é tanto sexo, mas... conexão. Fusão.
Aprendizado.
Ou pelo menos era o que eu pensava.
Eu tremo ao seu redor quando a segunda onda de orgasmo me atinge,
causando arrepios violentos que percorrem meu corpo, e quando ele se
derrama em mim, é com um gemido, e ele me beija com força, me segurando
firme, como se a ideia de me soltar o assustasse.
Sorrindo contra seu peito, respiro fundo, segurando-o com a mesma força.
Sem me soltar, ele escorrega na cama ao meu lado, passando os dedos pelos
meus cabelos e acariciando meu couro cabeludo. Minha alegria ultrapassa a
tampa que costumo manter sobre minhas emoções, e de alguma forma, as
cores do quarto parecem mais brilhantes agora, mais bonitas. Me levanto um
pouco, apoiando-me no cotovelo enquanto procuro as palavras para dizer.
Não encontro nada e sorrio timidamente, me aconchegando mais nele.
Seu batimento cardíaco se normaliza junto com sua respiração pesada. Fico
assim, meus ouvidos pressionados contra seu peito, nossos membros
entrelaçados e suas mãos acariciando meus cabelos.
E deixo meus pensamentos intrusivos assumirem o controle. Digo a ele o que
estava esperando para dizer desde que recebi a quinta nota, seis meses atrás.
É bobo, mas quando sai dos meus lábios, sei que falo com cada fibra do meu
ser. — Eu... te amo.
Sua mão em meus cabelos para, seus músculos se tensionam. Meus deuses,
eu deveria ter ficado quieta. Será que foi cedo demais para dizer isso?
Minhas bochechas queimam, e quero correr e me esconder no banheiro, ou
cobrir meu rosto com um travesseiro.
Ele retoma o movimento de acariciar meus cabelos e a ponta afiada da minha
orelha, e sua voz é um murmúrio profundo quando diz, com certa sonolência:
— Minha.
Eu sorrio como uma idiota, enterrando meu rosto ainda mais na curva de seu
pescoço enquanto adormeço assim, com uma felicidade percorrendo meu
corpo e uma sensação de completude que nunca tive antes, um sentimento de
pertencimento.
Mas eu logo descobriria, da maneira mais difícil, o que realmente significava
ser de Valerian e que as primeiras impressões não valiam de nada.
E tudo começou na manhã seguinte, quando acordei sozinha e com frio.
C A P ÍT U L O 3
OLEIA
ais rápido, Crystal. Está solto aqui. — Bati na minha cintura, me
—M posicionando na frente do grande espelho para ver meu reflexo.
— Se apertar mais, você não vai conseguir respirar, Princesa. — Ela me
disse, mas puxou as cordas mesmo assim. — Você parece bem descansada
para uma noiva recém-casada. Talvez os rumores estejam certos?
Rumores de que os homens vampiros eram especialmente amargos por causa
de sua falta de habilidade na cama. Eu me virei, batendo nela no braço. —
Não diga isso em voz alta! — Meu olhar foi para a porta, mas era apenas
Darian, como de costume, fazendo a guarda. — E não. Ele foi... bastante
doce.
Crystal deu risada, seus olhos azuis brilhando de travessura. — Sempre achei
difícil conectar a descrição que você faz dele ao homem sobre quem ouvi
tanto falar. — Ela caminhou ao meu redor, puxando a última corda, e o
vestido rosa claro ficou ajustado. — Sempre disse que a forma como um
homem interage com os outros ao seu redor mostra quem ele realmente é,
mas depois de ver vocês dois ontem, decidi que quero um vampiro para mim
também.
Darian bufou, mas não disse nada. Ele raramente fala a menos que seja
interpelado, mas sempre esteve lá, desde que nos conhecemos quando
crianças. Em troca de uma maçã para o menino bonito de roupas rasgadas,
ganhei uma amizade para a vida toda que valorizo muito. Recentemente,
porém, ele parou de parecer o menino com quem eu me esgueirava debaixo
da mesa nas festas do meu pai para roubar goles de vinho e compartilhar, e
mais como um homem. Seus olhos cinza parecem de algum modo mais
velhos, seus traços mais angulares. Seus braços passaram de magros a
musculosos, e mais vezes do que eu gostaria de admitir, notei mulheres
olhando para ele e corando quando ele tirava a camisa para treinar.
Mas Darian nunca percebe nada disso, nem mesmo quando tento combiná-lo
com alguém.
Se eu não soubesse melhor, diria que ele nem gosta de mulheres.
— Terminamos? —
Crystal pulou, me entregando um colar. A pedra da lua turquesa brilhava,
quase como se a gema dentro ganhasse vida a cada giro na luz do sol. — Isso
veio junto com seu novo guarda-roupa. — Ela pegou de mim e o prendeu no
meu pescoço. Pingentes turquesas combinavam pendurados nas minhas
orelhas, e quando ela tentou cobrir minhas orelhas redondas, como meu pai
havia pedido a ela ontem, bati suavemente em suas mãos. — Deixa assim.
Seria algo que chamaria atenção em um castelo cheio de criaturas de orelhas
arredondadas, mas agora que eu tinha um dia para me vestir, não via a
necessidade de esconder o que eu era. Estava na cor e na tonalidade rica da
minha pele. Estava nos meus dentes alinhados. Estava na minha figura.
Estava no meu perfume e na maneira como me movia, muito diferente da
rapidez assustadora dos vampiros. Estava na vida e no brilho do meu olhar.
Esconder minhas orelhas não mudaria o fato de que eu não era um deles.
Não havia nada de errado em ser de uma raça diferente. Levou algum tempo
para os humanos se acostumarem conosco também, aceitando o que éramos.
Estou aqui por essa mesma razão. Para fazer com que meu povo...
lobisomens e vampiros, percebam que podemos aprender a viver juntos e que
há beleza na diversidade.
Eu sigo pelos corredores, tentando encontrar o salão de café da manhã.
Crystal sai para se juntar às outras criadas, mas Darian permanece ao meu
lado. Sou grata pela companhia dele. Facilita andar e respirar com os olhos de
muitos fixos em mim, com curiosidade e desprezo.
A verdade é que eu sabia que não aconteceria imediatamente, eles se
acostumarem comigo. Poxa, hoje é apenas o meu primeiro dia aqui, mas não
consigo evitar o desconforto de ser olhada como se eu fosse uma exposição.
Darian se aproxima mais, sua mão repousando no cabo de suas adagas
gêmeas e seu rosto assume uma expressão ameaçadora. Subir nas fileiras
como capitão da guarda do meu pai em pouco tempo não tinha nada a ver
com o fato de ele ser um macho Alfa, mas tudo a ver com suas habilidades.
Darian era um executor bastante talentoso.
Eu já havia visto isso muitas vezes nos últimos anos, quando um vampiro ou
um rebelde achava que seria uma boa ideia me atacar. Ele nunca hesitou
quando se tratava de me proteger. Nunca.
Seu olhar é eficaz, fazendo com que os olhos se desviem de mim rapidamente
e a pressão em minha garganta diminui enquanto dobramos a esquina. —
Você está assustando eles, Dar — digo.
— De nada — ele responde.
Meus lábios se contraem, mas se transformam em um sorriso completo
quando capto um cheiro familiar perto das portas imponentes à direita,
guardadas por dois homens enormes.
Eu seguro meu vestido, levantando-o enquanto apresso os passos. Logo, me
vejo em um grande salão, com criados carregando talheres e cloches indo e
vindo, um aroma delicioso preenchendo o ar.
Há uma mesa longa com mais de uma dúzia de pessoas já sentadas, e meu
coração acelera ao avistar um cabelo vermelho. Acordar sozinha havia sido
confuso, inicialmente, mas eu sabia que Valerian era um homem ocupado.
Ele provavelmente acorda cedo, ao contrário de mim.
— Ah, finalmente ela se junta a nós — a voz do rei Marcus ecoa pelo salão e
arrepios percorrem minha pele enquanto vários pares de olhos se fixam em
mim. Curiosidade. Julgamento. Desdém. Nojo. Irritação. Admiração.
Valerian não olha para mim, mas eu me dirijo para o assento ao lado dele. É
o único livre e... é o meu lugar agora. Ao lado dele.
— Desculpe pelo atraso — digo baixinho, me esforçando com a cadeira
pesada, que faz barulhos constrangedores ao ser arrastada. Eu aceno
desconfortavelmente em cumprimento ao outro homem à minha direita, um
loiro vestido de couro de combate marrom da cabeça aos pés, com uma
cicatriz que desce pela sobrancelha esquerda, parando logo antes dos olhos.
Ele me ignora.
Meu rosto esquenta quando finalmente me sento e eu dou uma olhada rápida
em Valerian, que parece mais interessado no vinho do que em mim. Ele não
deveria estar tentando me ajudar?
Algo sobre isso dói, mas eu descarto como sendo minha natureza de pensar
demais assumindo o controle novamente. Eu me inclino em sua direção,
roçando nossos braços, e ele se enrijece ao toque. — Bom dia, Val — digo
com um sorriso, me aproximando para beijar sua bochecha.
Ele se afasta de repente, se distanciando de mim antes que meus lábios
possam tocá-lo.
Alguém ri, e eu olho ao redor, percebendo que todos viram. O
constrangimento me invade, e eu me endireito, mantendo os olhos no prato
chique à minha frente enquanto torço nervosamente o anel no dedo.
Que diabos foi aquilo?
Enquanto os criados circulam, colocando montes de comida em cada prato,
faço uma contagem adequada das pessoas sentadas à mesa. Quinze. Mal
reconheço mais da metade delas, e das poucas que reconheço, não consigo
lembrar de todos os nomes de ontem. Havia sido apresentada a tantos que
parei de tentar memorizar seus nomes.
Eu me lembrei de Cyril, o primo de Valerian, sentado à minha frente com
olhos escuros que ficavam voltando entre Valerian e eu, procurando sabe-se
lá o quê. Ele tem um sorriso inquieto, mas algo nele me deixa desconfortável.
Ao lado dele está Kathleen, a mãe de Cyril e tia de Valerian. Ela me olha,
sem se importar em esconder seu óbvio desagrado com minha presença. Ela
era bonita, mesmo com os lábios curvados daquela forma, e achei seu vestido
dourado elaborado deslumbrante, quase chique demais para o café da manhã.
Outra mulher, uma morena com mechas loiras brilhando em seu cabelo,
ergue seu cálice, com um olhar de curiosidade ao me pegar já observando-a.
— Conte-nos, *Olenka* — ela diz com o mesmo sotaque de Valerian,
embora o dela tenha um tom mais leve e sensual. — Como está achando sua
nova casa?
As conversas silenciam, e o suor brota entre meus seios com a atenção
indesejada. Nem me importo em tentar corrigir o erro dela com meu nome,
ouvindo o óbvio gracejo em seu tom. Sorrio brilhantemente. — Adoro.
Embora ainda não tenha visto —
— Não, não — ela diz ao criado que começa a colocar mais costelas em seu
prato, aproximando sua taça para mais vinho, e vejo o copo sendo
reabastecido com o vermelho. Começo a continuar, mas percebo que ela já
está conversando com outra pessoa e ninguém está realmente prestando
atenção. Até Valerian está envolvido em uma conversa profunda com o
homem ao lado dele.
Ok, grosseira.
Pego o garfo e a faca, espetando minha comida, e na primeira mordida, eu
engasgo. O veado poderia muito bem estar cru, o sabor do sangue jorrando
pela minha garganta, e eu engasgo novamente, pegando um guardanapo e
pressionando-o com força contra meus lábios.
Meus olhos percorrem a mesa, em cada pessoa mastigando com sofisticação
e engolindo com facilidade. O sabor não era ruim?
— Não está do seu agrado? —
Encontro os olhos vazios do Rei Marcus em mim, observando, e a vontade de
me inclinar para trás e me encolher na cadeira me domina. Baixo os olhos,
segurando o garfo novamente. — Não. Está perfeito, obrigada. —
Eu poderia aprender. Talvez suas papilas gustativas fossem diferentes e
gostassem do sabor de metal devido às suas preferências. Seria rude chamar
isso de horrível e ser desrespeitosa.
Determinada a engolir, tento novamente, ignorando completamente o homem
à minha esquerda. Talvez ele estivesse tendo um dia ruim, mas por que me
tratar daquela maneira? Eu nem fiz nada de errado.
Outra mordida, e eu luto contra a vontade de vomitar. Talvez o vinho ajude a
lavar o gosto terrível.
Eu deveria ter percebido que algo estava errado no momento em que peguei o
copo e senti aquela atenção ardente novamente, mas estava à beira de
esvaziar o conteúdo do meu estômago sobre a mesa.
Valerian pode ter chamado meu nome e dito para não beber, mas um gole já
havia passado pela minha garganta antes que eu sentisse o sabor.
Amargo. Ácido. Metálico.
Sangue.
Eu não poderia me envergonhar —
Era tarde demais. Não conseguia respirar, e meu corpo se contorceu
violentamente enquanto eu vomitava tudo, os arcos forçando meu corpo
como um vulcão, terminando com meu corpo mole e minha cadeira caindo no
chão.
Risadas frias me seguem enquanto eu corro para fora do salão, incapaz de me
conter. Abandono a procura pelo corredor que leva ao meu quarto e vou para
o lado de fora, cambaleando sobre a grama enquanto vomito.
Lágrimas brotam em meus olhos, meu punho bate no peito, e mesmo quando
não há mais nada além de ânsias secas, permaneço presa ao local, olhando ao
redor dos jardins, embora mal consiga enxergar além da névoa em meus
olhos.
Sinto Darian antes de ver o lenço que ele estende para mim. Pego sem olhar
para ele, limpando meu lábio inferior.
— Você... vai voltar lá? — ele pergunta atrás de mim quando começo a
caminhar de volta para o salão de jantar.
Dou-lhe meu sorriso mais radiante, mesmo que não combine com o que sinto
por dentro. — O que vão pensar de mim se eu fugir e ficar o dia todo no meu
quarto, chorando? Nunca vão me respeitar se eu quebrar tão rápido, tão
facilmente.
Como disse, eu sabia que levaria algum tempo até que alguém se aquecesse a
mim. Mas o que doeu foi sentar ao lado de Valerian e ser tratada como se eu
não importasse. Eles riram de mim e ele não disse nada. Ele me chamou de
sua e procedeu a agir como se eu não existisse, me envergonhando em frente
à sua família.
Eu não entendi e só pude concluir que algo que eu fiz deve tê-lo irritado. Ou
talvez fosse outra coisa. Teríamos a conversa mais tarde.
— Devo me desculpar, Princesa — diz o rei Marcus quando retorno, mas sua
expressão não é nada além de desculpável. — Deve ter escapado à minha
mente mandar os criados prepararem algo mais adequado ao seu... paladar.
Meu filho, claro, cuidou disso. Seus pratos favoritos serão servidos a partir de
agora.
Enquanto ele fala, passos rápidos enchem o salão e o cheiro de carne assada
provocam minhas narinas. De jeito nenhum eles prepararam isso em
segundos. Recosto-me, meu apetite perdido enquanto sou servida mais uma
vez, e ao forçar cada mordida, percebo que minha raiva só aumenta.
Eles fizeram aquilo de propósito, ainda assim, não posso ficar brava.
Reservada. Silenciosa. Paciente. Submissa. Eu não poderia ser nada além
dessas quatro coisas.
— Obrigada, por antes. A comida estava ótima.
Valerian acena uma vez, seguindo para o caminho da garagem. Seus olhos
estão escuros hoje, seu rosto sem qualquer emoção, como se ele visse tudo no
mundo pelo que é e não encontrasse nenhuma alegria ou diversão nisso.
O contraste entre quem ele foi ontem e o homem caminhando com propósito,
imperturbável e aparentemente entediado, é demais para assimilar, e meus
lábios tremem, minha voz falha ao perguntar: — Eu fiz algo errado?
— Não.
— Por que você está sendo tão frio?
Há um Rolls-Royce à frente e três guardas estão em volta dele com os braços
cruzados. Valerian trocou seu casaco de estilo principesco, capa e botas altas
por um terno preto, e ele parece tão bonito e estiloso quanto quando vi a
primeira foto dele na seção editorial do Vampire Times. — Não tenho certeza
se entendo o que você quer dizer, Oleia.
Meu vestido de repente parece pesado demais e meus cachos muito
apertados. — Eu entendo quando estou sendo excluída, Valerian. Você está
fechado, me tratando como uma estranha, e isso não é você. Ao menos tenha
a decência de me dizer o que eu fiz para merecer o tratamento frio que você
está me dando.
Ele para de caminhar, virando-se lentamente. Não consigo suportar o vazio
em sua expressão, nem o modo como seus olhos deslizam pela minha figura
com um olhar quase mecânico. — Isso não sou eu? — Ele inclina a cabeça.
— Você nem me conhece.
— Mentira — retruco, dando um passo à frente. Estamos tão perto que sinto
o leve cheiro de loção pós-barba. — Nos conhecemos há seis meses, e o
homem que me escreveu aquelas cartas e me segurou ontem não é o mesmo
que está na minha frente agora.
Aquele silêncio perturbador surge novamente. — Já te disse que não te enviei
bilhetes. Minha tia cuidou dos presentes e das flores. Talvez você precise
conhecê-la para encontrar o homem 'afetuoso' que está procurando.
Pisco rapidamente, observando-o chegar ao carro, e a escuridão invade minha
visão. Um gemido escapa da minha garganta, e meu rosto se desfaz, as
lágrimas turvando minha visão. Isso não pode estar certo. Ele está mentindo.
Mas que motivo ele teria para mentir assim e partir meu coração?
Corro atrás dele, agarrando seu cotovelo. — E ontem? As coisas que você
disse? A noite passada?
Algo breve brilha em seus olhos, mas é rapidamente engolido por aquele
vazio. — Eu estava alterado na maior parte do tempo. Mal consigo lembrar
do que você está falando. — Seus olhos caem sobre meus dedos envolvendo
seu pulso. — Se me der licença, estou atrasado.
A peça central do quebra-cabeça que criei se desfaz, e tudo desmorona
lentamente. Para lidar com isso, me dei esperança. Valerian era um bom
homem e se importava comigo, então eu não estaria completamente sozinha
neste lugar, nesta terra estrangeira. Acreditei que as palavras escritas em uma
frágil folha de papel fossem suficientes para confiar nele.
Elas nem eram suas palavras, e eu me deixei apaixonar completamente. Por
ele.
— E as minhas? Você recebeu minhas cartas?
— Os criados provavelmente as guardaram em algum lugar. — Ele olha para
o relógio com impaciência, e eu o solto, meus dedos frios e dormentes.
Seis meses.
Alguém tinha que estar pregando uma brincadeira muito cruel comigo. Olho
para Valerian, e quanto mais eu procuro algo em seus olhos e não encontro
nada, mais ele parece um estranho para mim. Ainda assim, meu coração dói
tanto que não consigo evitar que as lágrimas escorram pelo meu rosto.
Seus olhos escuros se fixam na lágrima que rapidamente enxugo, e uma
expressão de irritação cruza seu rosto. Ele se vira para ir embora, mas eu dou
um passo à frente, me recusando a desistir do que acho que sei sobre ele, me
recusando a esquecer o que me manteve sã durante todas as conversas sobre
gerar herdeiros e ser dócil, como meu marido precisa que eu seja. — Onde
você vai? Nós acabamos de nos casar ontem. Você não pode ir trabalhar
apenas um dia após o nosso casamento. A tradição não aprova. Além disso, o
que as pessoas vão dizer? Ele mal conseguia suportar sua noiva e preferiu
estar no trabalho do que vê-la? Você vai me transformar em motivo de
ridículo.
Incredulidade brilha em seus olhos. — Tradições? Suas ou minhas?
— Nossas — digo, furiosa. — Não há eu nem você. Somos nós, nós e nosso.
Suas narinas se dilatam, o primeiro sinal de emoção que vejo nele hoje, e ele
avança em minha direção, esfregando o peito no meu. Meu corpo, a
traiçoeira, se contrai de desejo, especialmente quando a mão direita de
Valerian se ergue até minha bochecha, enxugando uma lágrima que escorre
por meu rosto. Sua voz baixa, para que só eu possa ouvi-lo: — Eu posso sair
para trabalhar porque eu bem que quero. — Seus dedos passam pelo meu
pescoço, e eu me contorço quando ele agarra minha nuca com força, as unhas
cravando-se em minha carne. — Eu não sei que noções você criou naquela
cabecinha bonita sua sobre o que é este casamento, mas eu sugiro fortemente
que você se livre delas. Se falar comigo daquele jeito de novo, eu arranco a
sua maldita língua.
Eu quero cuspir na cara dele e mandá-lo tentar. Quero dar um tapa nele.
Quero odiá-lo e xingá-lo. Mas não consigo, minha mente ainda lutando para
entender o que diabos está acontecendo comigo e por quê.
Reprima.
Embora meus lábios tremam, me forço a sorrir levemente: — Eu entendo,
mas se você precisa sair, me leve com você, então.
Sua mão cai, e ele começa a caminhar em direção ao carro: — Não.
Pai ficaria decepcionado se eu pelo menos não acertasse nisso.
— Val--
Ele se vira bruscamente, mostrando os dentes para mim em um rosnado mal
contido: — Você não consegue captar a dica?! — Sua voz é áspera, carregada
de violência e desdém. — Eu nunca quis isso, e também não preciso de você
se grudando ao meu lado, agindo como se se importasse. Este é um
casamento de conveniência, então porra, aja como tal e saiba o seu lugar.
Fique longe do meu caminho e cumpra seus deveres. É tão difícil de
entender?
Suas palavras parecem golpes físicos que arrancam minha confiança, e minha
garganta se fecha sob o peso do que só posso descrever como desprezo.
Valerian se vira sem esperar minha resposta, me deixando ali com o coração
sangrando e o orgulho em pedaços. Os guardas e cortesãos ao redor desviam
o olhar, fingindo não ter presenciado a cena que se desenrolou, e o calor da
vergonha me invade.
Por um momento, eu considero gritar atrás dele, dizer que ele é um idiota e
uma pessoa tão horrível por rasgar meu coração em pedaços daquela maneira,
sem piedade, mas algo me detém.
Talvez seja a fria realização, enquanto ele entra no banco de trás do Rolls-
Royce com o telefone no ouvido, falando em um russo suave e com sua
risada charmosa, de que o homem com quem pensei ter me casado nunca
existiu.
Isso me deixa com a pergunta: Quem é Valerian Ivashkov? O homem que me
chamou de sua na noite passada ou o bastardo cruel atrás do vidro
escurecido?
C A P ÍT U L O 4
OLEIA
s vezes, eu odiava meu coração sensível.
A Nenhuma quantidade de humilhação parecia endurecê-lo. Não
importava que, sempre que eu passava por um corredor, ouvia sussurros
sobre os acontecimentos daquela tarde. Até as empregadas riam de mim logo
depois de me cumprimentar, garantindo que eu ouvisse claramente que eu era
uma idiota que ainda não entendia onde estava nem o que fazia.
Nada disso importava porque, quando a dor crua da minha raiva e tristeza
finalmente diminuía, algo mais ficava para trás.
Esperança.
Por mais amarga que fosse, eu me agarrei a ela. Esperança de que, de alguma
forma, eu pudesse consertar as coisas e salvar a situação.
Afinal, este era seu quarto casamento. Se suas alegações de não querer esse
casamento fossem verdadeiras, então sua reação ao meu afeto fazia sentido.
Isso, somado ao fato de que ele nunca enviara aquelas notas ou recebera as
minhas. Ele provavelmente me achava bem estranha.
Eu havia entrado nesse casamento com uma ideia de quem eu pensava que
ele era, e minhas expectativas correspondiam a essas ideias. Mas eu estava
errada, e precisava aprender quem Valerian realmente era para conquistá-lo.
Se eu o amasse o suficiente, poderia mudar isso. Eventualmente, ele poderia
me ver de outra forma. Talvez, até sentisse algo próximo ao amor.
Na tradição dos lobisomens, os parceiros costumavam preparar refeições um
para o outro depois de aceitar o vínculo de acasalamento, como uma
demonstração de afeto. Era algo importante e, às vezes, ajudava a suavizar os
corações depois de uma briga.
Era a única coisa em que eu conseguia pensar e passei horas na cozinha,
incomodando a Chef que não parava de me encarar enquanto eu invadia seu
espaço, aprendendo a preparar uma refeição adequada para ele. Era a
primeira vez que eu entrava em uma cozinha para cozinhar na vida, mas
ninguém precisava saber disso.
Deixei meu cabelo solto naquela noite e vesti a lingerie mais ousada que eu
tinha, esperando por ele.
Ele não apareceu. Nem naquela noite, nem nas noites seguintes.
Soube mais tarde que Valerian tinha seus aposentos em um andar diferente
do castelo, tão longe dos meus que poderíamos estar vivendo em mundos
separados. A única forma de nos encontrarmos seria se ele quisesse que isso
acontecesse. Ou durante o café da manhã, onde ele nunca me dava atenção. E
nos raros momentos em que eu tentava iniciar uma conversa, era recebida
com indiferença.
Em questão de dias, ficou dolorosamente claro que meu título, minha aliança
de casamento, minha reivindicação sobre ele não significavam nada, e eu era
apenas mais uma peça do castelo, ocupando espaço em algum quarto de
hóspede.
Mas isso nem era o pior de tudo.
— É o mais rápido que ele se cansou de uma mulher. — O pássaro não
parava de chilrear, e a pulsação entre minhas sobrancelhas só piorava
enquanto eu fingia me ocupar com as flores no canto mais distante do salão
de recepções. — Ouvi dizer que ele já tem mulheres aquecendo sua cama.
Minha empregada afirma que viu Elena saindo de seu quarto nas primeiras
horas da manhã.
Sussurros encheram o ambiente, e minhas mãos tremeram sobre a areia do
vaso de flores enquanto elas se aglomeravam.
Outra, Anushka, acho, sussurrou: — Eu não queria contar. Você sabe o
quanto eu odeio fofocar. — Eu sabia que ela deu uma olhada rápida para mim
porque conseguia ver seus reflexos na grande janela. — Havia sangue nos
lençóis da noite de núpcias!
Risadas estridentes preencheram o ar, rapidamente silenciadas com um leve
movimento da minha cabeça. — Ninguém disse a ela que o príncipe nunca
dorme com virgens? Deve ter sido terrivelmente entediante se ele procurou as
criadas para saciar suas necessidades tão rapidamente.
— Claro que foi — acrescentou uma voz docemente irritante. — Imagine Val
como um doce de baunilha, fazendo amor, ao invés de foder. É ridículo, não
é? Ele é um maldito sádico.
— E como você sabe disso?
— Ele corteou Irina por um mês inteiro, alimentando a crença de que eles
poderiam se casar, apenas para seguir em frente com a irmã dela. Claro, ela
sabe como ele é entre os lençóis. — Anushka se inclinou para frente. — É
verdade, então? A resistência dele? As marcas roxas? O tamanho dele —
Gritos ecoaram quando um copo se espatifou no chão, cacos espalhados perto
demais de seus pés. Num só movimento, elas se viraram para me encarar com
olhares surpresos. Sorri, mesmo tremendo de raiva. — Perdoem-me. —
Limpei o suor da testa. — Estou um pouco cansada hoje. Talvez possamos
continuar de onde paramos amanhã?
Ou melhor, nunca. Nunca gostei de receber na corte e ficar cercada por
nobres que fofocam sem parar. Mas esta é a primeira vez que estou do lado
receptor de suas línguas afiadas, e não aguento mais.
Kathleen se levantou primeiro, suas sobrancelhas quase tão altas quanto sua
linha do cabelo, e o pó espalhado em suas bochechas pálidas fazendo-a
parecer mais um fantasma do que uma vampira. Seus lábios se curvaram em
um sorriso desdenhoso antes de ela sair, sua empregada correndo para
acompanhá-la.
Uma após a outra, elas saíram e, quando a última delas cruzou a porta,
desabei na cadeira, incapaz de me manter em pé.
Elas tinham que estar mentindo. Como alguém passa de me chamar de sua
para me trair? Passei tempo suficiente na corte de meu pai para saber que as
damas espalham fofocas apenas para ferir e se divertir. Tinha que ser mentira.
— Princesa Oleia?
A voz preocupada de Crystal me tirou dos pensamentos. Ela tocou meu
ombro, apontando para o sangue escorrendo de um pedaço de vidro cravado
em minha palma. — Você está sangrando.
Eu nem tinha notado a picada. Entorpecida, tirei o vidro e vi minha pele se
regenerar. Enquanto Crystal tomava o caco de mim, percebi marcas leves de
hematomas circulando seu pulso. Marcas que se pareciam com marcas de
dedos.
Seus olhos se arregalaram ao perceber que eu as havia notado, e ela puxou a
manga comprida para escondê-las. — Eu... eu me queimei na... na cozinha.
Vou buscar o unguento e limpar a bagunça. — Crystal desapareceu
rapidamente do salão, seus passos parecendo desequilibrados. Quase
dolorosos.
Pensamentos distintos me atacaram de uma só vez, combinados com as
palavras que acabara de ouvir das mulheres, e os afastei, incapaz de suportar
o peso do que isso significava. Se Crystal disse que se queimou, então foi
isso que aconteceu. Eu a conheço desde antes de me lembrar. Ela nunca
mentiu para mim.
É este castelo, colocando pensamentos em minha cabeça, me fazendo perder
a mente de ansiedade e medo.
Enrolando meus dedos uns nos outros, acaricio minha pele suavemente, como
minha mãe costumava fazer quando eu chorava. — Está tudo bem. Você está
bem — sussurro repetidamente, até que o peso se levanta. Até que consigo
respirar novamente.
Mas a semente havia sido plantada no meu coração, e meu momento de paz
temporária chegou ao fim mais tarde naquela noite, quando Valerian ainda
não visitou minha cama.
Aperto o roupão em volta de mim com força, percorrendo os corredores em
passos silenciosos. Meus dentes atacam meu lábio inferior ao chegar ao
terceiro andar da minha nova casa.
Há apenas três portas neste andar, estendendo-se por todo o corredor, e fica
bastante óbvio que uma quantidade elevada de luxo foi investida neste andar
e ala.
— Os quartos dele ficam na ala esquerda — Darian me dissera minutos atrás,
seus olhos brilhando de preocupação e tristeza. — Não vá lá, Olly.
Até Darian conhecia meu marido muito mais do que eu.
Fico em frente à porta, o coração acelerado, e contemplo a ideia de descer as
escadas e proteger minha paz por um pouco mais de tempo.
Meus dedos torcem a maçaneta antes que eu possa mudar de ideia, e me
deparo com um quarto vazio, repleto apenas de opulência e classe.
Momentaneamente acalmada pelo fato de que ele não está na cama com
alguma criada, permito-me dar uma olhada em seu espaço pessoal.
Era como o próprio homem, que parecia ter grande dificuldade em deixar a
era medieval para trás e abraçar os tempos modernos, então ele mesclou
ambos em uma grandiosidade muito maior do que o orgulhoso castelo do
meu pai.
Cortinas de veludo, ornatos dourados ao redor de uma janela em arco que
parecia saída de um filme gótico e dava vista para os jardins do castelo, uma
majestosa cama de dossel grande o suficiente para caber um grupo de oito
pessoas —
Meu coração tropeça ao avistar um roupão de marfim, pequeno e rendado
demais para pertencer a um homem, estendido sobre a cama.
Inspiro, confiando nos meus sentidos, e, de fato, um aroma feminino se
mistura ao de Valerian— carnal, como homem, sexo e sangue, e um tom
avermelhado tinge o canto da minha visão.
Meus ouvidos captam um suspiro suave, e encontro uma porta à minha
direita, levemente aberta. Pela fresta da porta, vejo ele. Eles.
Respirando um ar que parece mais frio que gelo, observo a mulher de cabelos
escuros se contorcer contra sua coxa, suas mãos a segurando tão firmemente
que posso ver o sangue onde seus dedos afundam em sua pele.
Ela geme, o pescoço dobrado de maneira incômoda, e Valerian suspira,
beijando o ponto entre seu pescoço e o ombro, para frente e para trás de uma
forma que faz minhas narinas se dilatarem e a fome se apertar no fundo do
meu ventre.
Cambaleio, atordoada pela indignação e um desejo ardente que ameaça
despedaçar todo o meu ser. Anseio pelo toque dele. Meu corpo sente falta
dele, e eu... eu... a odeio porque quero ser ela.
Meus chinelos batem contra o chão de mármore polido, e a cabeça de
Valerian se levanta.
Prendo a respiração enquanto seus olhos se fixam nos meus— um vermelho
profundo e sem fundo. Não há nada neles, apenas fome— fome infinita,
atemporal.
Ele nunca sequer olhou para mim daquela maneira.
Viro nos calcanhares para fugir, mas um vento estranho passa por mim,
agitando meus cabelos e roupas, e grito ao encontrar Valerian apoiado
casualmente na porta. — Você se importaria — ele passa o polegar sobre o
lábio inferior, manchando sangue em seu queixo, presas brilhando com
intenção — de explicar por que está aqui?
Eu olho dele para a mulher nua, que parece estar em uma sala de jogos,
inclinada contra a mesa de sinuca, esperando. Eu aponto para ela, lágrimas
brotando em meus olhos. — É por isso que você está agindo assim? Se
deitando por aí como um lobo no cio? É por isso que você me desrespeita e
esmaga meus sentimentos? É por isso que você ignorou meu chamado todas
as noites e me humilhou? Porque encontrou uma substituta? Por que se casar
se você não tinha planos de ser fiel?!
Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas e eu as enxugo com raiva. — Se
um casamento aberto era o que você queria, você poderia ter dito. Nunca
deveria ter me chamado de sua e me feito me sentir especial.
Valerian inclina a cabeça, o brilho da diversão em seu olhar rubi. — Você é
especial, da forma como reprodutores reais são. Ainda mais. Você tem meu
nome. Será rainha quando eu subir ao trono. Só você carregará meus filhos.
O que mais você poderia querer?
— Você! — eu grito, e seus olhos se arregalam. — Eu entendo que você não
queria isso! Eu também não! Eu não queria ser casada com um estranho!
Ainda assim, aqui estou, tentando! Eu te chamo, espero por você, tento me
aproximar de você, e tudo o que você fez foi me excluir e agora... — Outro
soluço fraco. — Esta não é a vida que eu queria...
— Então volte para casa, para o seu pai, princesa. — A última palavra é
carregada de zombaria. Seus olhos se tornam afiados de ódio. — E se você
não puder fazer isso, sugiro que se ajuste e pare de reclamar sobre coisas que
não pode controlar e não entende.
Ele se afasta da porta e inclina a cabeça na direção dela em uma ordem
silenciosa, e um soluço feio escapa dos meus lábios. Ele está me expulsando
do seu quarto, apenas para continuar de onde parou com sua amante.
Não me lembro de me mover, nem de cerrar o punho.
A dor percorre meus dedos quando meu punho atinge seu rosto, mas poderia
ter batido em uma parede. Ele permanece imperturbável, embora seus olhos
endureçam.
Num momento, estou ofegando, olhando para ele com ódio e raiva, e no
seguinte, estou encostada na porta, com uma mão em meu pescoço.
O calor percorre minha coluna enquanto o hálito de Valerian faz cócegas em
minha bochecha, o músculo duro de seu corpo cobrindo o meu
completamente, nos moldando juntos em uma zombaria de um encaixe
perfeito. Algo na forma como seus dedos se movem em meu pescoço faz
meus seios pesarem e meu núcleo queimar com o prazer de estar tão perto
dele, e o som que sai da minha garganta não é de desprezo.
É vergonhoso e nojento.
Os lábios de Valerian tocam minhas bochechas e meus joelhos enfraquecem.
— Seja grata pelo que você é, esposa. Eu já matei por menos.
Eu forço meu queixo para cima e olho nos seus olhos. — Faça isso, então.
Me mate.
Algo escuro passa no olhar de Valerian e suas calças de repente formam um
volume duro que pressiona meu estômago. Ele emite um som de irritação e,
antes que eu possa entender, ele me puxa para frente, abre a porta com aquela
rapidez assustadora e me expulsa de seu quarto.
O som da porta se fechando nunca foi tão alto.
C A P ÍT U L O 5
OLEIA
odos sabiam que a Deusa da Lua criou os lobisomens, mas ninguém
T realmente sabe como os Vampiros vieram a existir. Eles sempre
estiveram lá, desde o início dos tempos, e todos concluímos que haviam
escapado dos abismos mais sombrios de Hel, onde apenas as piores criaturas,
ofensores e demônios residiam.
Eu estava começando a acreditar que era verdade.
No castelo espreitavam pessoas de diferentes dignidades, cores e tamanhos.
Mas eram todos os mesmos demônios cacarejantes, buscando prazer na
minha dor e desconforto.
Até a tutora que ocupava duas horas do meu horário diário se deleitava em
cutucar minhas coxas internas e seios em busca de sinais de que eu pudesse
ter engravidado, e quando não encontrava nenhum, começava a me ensinar
maneiras de agradar meu próprio marido na cama.
Aparentemente, Valerian era um homem de gosto distinto, e todos sabiam
disso.
Eu odiava todo mundo.
Eu odiava este castelo. E a mim mesma, por cada vez que acordava de
manhã, ansiando por um rolo nos lençóis, um beijo suave... Eu nem me
importava se fosse um beijo rude, um toque gentil. Eu só queria, precisava
ser abraçada, e a cada dia que passava, meus sorrisos forçados se tornavam
dolorosos, minha atitude alegre mais falsa.
Vazio era tudo o que eu sentia por dentro, e angústia. Eu não conseguia
encontrar em mim forças para fingir que estava feliz ou sorrir e viver tão
brilhantemente como costumava fazer.
Parei bruscamente ao som de música, o ódio congelando meu sangue.
Minha vida poderia estar desmoronando, mas isso não significava que a de
todos os outros também estivesse. O som da festança sacudindo o segundo
andar é prova suficiente. O que eles estavam celebrando desta vez? A
humilhação da Princesa Lobisomem?
Começo a ir em direção às portas, meu ser vibrando de raiva, mas uma mão
se enrola em meu pulso, me detendo. Eu sabia que era Darian antes mesmo
de me virar. Era seu suave aroma de chuva no verão, nublando minhas
narinas.
Era calmante, em um dia normal, mas hoje, eu não sentia nada além de
desespero.
Olhos cinza-escuros perscrutam os meus e lábios cheios se esticam finos. —
Vamos lá fora. Os jardins...
Arranco meu pulso dele. — Pare de me tratar como uma criança. Eu não
preciso dar um passeio nos jardins para controlar minhas emoções. Estou
simplesmente magoada, não estúpida.
— Eu sei que você não é estúpida, Olly — Darian sussurra, sua voz grossa de
frustração. Suas mãos nas adagas se apertam e se soltam, e ele separa os
lábios como se fosse dizer mais, mas balança a cabeça no último minuto,
girando e saindo pelo corredor, sua raiva evidente em cada passo.
Talvez eu não devesse ter sido ríspida com ele. Suspirando, começo a refazer
meus passos atrás dele, mas um casal bêbado de repente tropeça pelas portas
no final do corredor, a loira se esfregando contra o homem na parede, as
mãos dele sob suas saias, empurr...
Minhas bochechas queimam enquanto me forço a desviar o olhar, mas meu
olhar só pousa nas portas novamente, e não consigo impedir meus pés de se
moverem para frente. Eu culpei a música. Era diferente de tudo que eu já
tinha ouvido antes. Fazia meu coração acelerar e minha boca secar de sede.
O cheiro de sexo enche minha garganta à medida que me aproximo, e meu
corpo formiga com consciência, minhas costas se arqueando e meus seios
doendo através do material fino.
Estou na frente da porta antes que possa registrar o movimento e deslizo para
dentro do salão.
A música cresce ao meu redor, seu ritmo assombroso vibrando através dos
meus próprios ossos. Eu balanço levemente, o ar pesado demais para respirar
com feromônios e uma doçura enjoativa, e esbarro em um homem alto com
cabelos ralos. Ele me lança um sorriso vermelho enquanto suas mãos
deslizam pela minha cintura, e não deixo de notar o brilho sinistro de presas e
o sangue em seu queixo. — Ora, ora, pomba. Você está perdida?
Empurrando-o para longe, tropeço para trás, apenas para ser puxada para a
multidão por outro par de mãos que não consigo ver. E outro. O cotovelo de
alguém cava em minhas costelas, e uma mulher cujo hálito fede a álcool
podre pressiona um beijo sensual contra meu pescoço.
Estremeço de nojo, lutando para abrir caminho pela multidão, mas é inútil,
pois sou puxada mais para dentro dela, para frente e para trás e para os lados,
mãos me tocando em todos os lugares, e um rosnado frustrado escapa da
minha garganta quando sou empurrada para...
Oh, deuses.
Meu almoço vira chumbo enquanto observo um grupo de três amontoados
perto de mim, se beijando. Dois homens e uma mulher. O homem mais alto
tem as mãos nos seios nus dela e o outro tem suas presas no pescoço dela, se
alimentando. Ela geme, e eu odeio que meu pulso bata entre minhas coxas.
Sei que são os feromônios que sufocam todo o salão por ter muitos vampiros
de alto escalão em um só lugar, mas não consigo desviar o olhar do trio
enquanto o homem atrás abaixa as calças e acaricia...
Alguém esbarra em mim com força, e eu caio em outra pessoa. Este, um rosto
que posso reconhecer.
É Cyril, e ele não se parece em nada com o homem charmoso que finge ser
no café da manhã. Seus olhos estão negros de fome, e ele inclina a cabeça
para mim, os olhos caindo para meu decote no vestido azul-claro. Eu grito
quando ele agarra meu ombro e me pressiona contra seu peito.
— Me solte, Cyril — eu grito, lutando contra ele.
— Oleia? — ele respira, seus lábios a apenas alguns centímetros do meu
pescoço. Ele rosna, seu aperto afrouxando levemente e apertando novamente,
como se não conseguisse me soltar. — Que porra você está fazendo aqui?
Você tem desejo de morte?
Eu luto contra o seu aperto, e ele sibila uma respiração aguda, enterrando o
nariz em meu pescoço. — Pare de lutar. Isso alimenta a excitação — ele
ronrona. — Você cheira deliciosamente.
— Vai se ferrar — eu disparo, mesmo enquanto fico imóvel, meu coração
saltando de medo.
Rindo baixinho, ele se desvencilha de mim, muito mais devagar do que eu
gostaria, e inclina a cabeça para a esquerda. — É menos caótico por ali.
Apresse-se agora, antes que confundam você com uma humana e a usem
como um animal — Seus lábios se curvam em um sorriso malicioso e seus
olhos negros brilham com interesse enquanto percorrem minha figura. — Eu
não me importaria de assistir, no entanto.
Meu temperamento explode com uma velocidade vertiginosa, mas mantenho
minha boca fechada. Pelo menos, ele não se aproveitou de mim e me apontou
na direção certa. Foi a coisa mais gentil que alguém da minha recém-
descoberta família havia feito por mim desde que cheguei.
Mas conforme sigo na direção que ele apontou, fica dolorosamente claro que
não havia nenhum traço de bondade em nenhum deles. Porque Cyril tinha me
direcionado para o tablado, onde Valerian estava sentado em um trono
menor.
Mulheres vestidas de forma decadente — humanas, pela cor exuberante de
sua pele — dançam aos seus pés, enquanto ele observa com tédio, o queixo
apoiado em seu punho. Ele parece tão bonito que temporariamente esqueço
que é um bastardo egoísta e traidor, e fico admirando seu rosto, seu peito
naquele belo casaco branco, suas coxas poderosas e tonificadas em calças
pretas e suas botas pretas de cano alto.
Ele levanta um dedo em direção à ruiva no centro do grupo e o curva, uma
vez.
Com a graça de uma dançarina, ela sobe os degraus, quadris balançando
sedutoramente ao som da música, e ergue o peito coberto por um sutiã
dourado pequeno demais para conter seus seios. Um véu dourado
transparente cobre a maior parte de seu rosto, exceto pelos olhos fortemente
delineados com kohl, e eu não podia negar que ela era de fato bonita.
Ela segura os dois braços do trono e se abaixa sobre o colo dele, dançando,
rebolando os quadris contra sua virilha. Meus punhos se fecham enquanto os
dedos dele percorrem as coxas dela através da fenda naquela saia obscena.
Uma dor profunda começa em meu peito quando ela pressiona o busto contra
o dele, provocando com a língua ao longo da linha dos lábios dele.
Ele levanta uma mão até os cachos exuberantes dela e puxa com força,
inclinando a cabeça dela para trás bruscamente, e eu sei que aquilo deve doer,
mas ela continua dançando, movendo-se com um charme que faz os olhos
dos homens ao redor devorarem-na.
Valerian mostra seus dentes brancos perfeitos, e minha respiração fica presa
na garganta enquanto observo seus caninos se alongarem em presas.
Ele lambe a pele do pescoço dela, e os quadris dela se contorcem, seu peito
esfregando desesperadamente contra o dele de uma maneira que não tem
nada a ver com a dança.
E então, ele enterra os dentes na carne dela.
A mulher se contorce, agarrando a camisa dele, e seu rosto se contorce, como
se estivesse em um mundo de dor. Mas o som que escapa de seus lábios é um
gemido, uma súplica. — Mais — ela parece dizer, puxando meu marido para
mais perto e suas presas mais fundo.
Minha respiração está superficial, aquela dor surda aumentando, e como se
sentisse o peso do meu olhar sobre ele, duas piscinas negras se erguem e se
fixam em mim, exatamente onde estou, sem procurar.
Seus olhos endurecem, e ele não os tira de mim enquanto a puxa para mais
perto, os gemidos dela ecoando alto demais em meus ouvidos.
A fadiga pesa em meus ossos enquanto me viro, passando por corpos nus —
escorregadios, brilhando de suor, olhos reluzindo com fome primitiva e a
névoa de sexo erótico e perigo. Risadas, risadas baixas ecoam por todo o
salão, e luto contra a vontade de cobrir meus ouvidos e gritar para que parem.
Eu ando-corro até a porta e bato com força em uma parede, ricocheteando,
mas antes que eu possa cair no chão, uma mão agarra meu braço, me
estabilizando.
Um arrepio inquietante percorre minha espinha quando encontro o olhar
vermelho do Rei Marcus. A pele sob seus olhos parece machucada pela falta
de sono, e sua pele parece ter um brilho doentio. Sua presença, no entanto,
permanece sinistra, fazendo minha pele se arrepiar.
— Como você se sente? — ele pergunta, os olhos se voltando para minha
barriga.
Sentindo-me bastante desconfortável, eu me liberto de seu aperto. — Muito
bem, eu acho — Olho para trás ao som de outro gemido alto e extasiado,
arrepios invadindo minha pele. Meus olhos encontram Valerian novamente, e
desvio o olhar bruscamente, os olhos ardendo com lágrimas.
Não tenho certeza por que olho para o Rei Marcus, ou o que espero
encontrar, mas não é o sorriso se espalhando por suas bochechas ao ver
minha miséria. — Você deveria voltar para seu quarto, Princesa Oleia. Parece
pálida — Ele junta as mãos atrás das costas, metros de seda vermelha
farfalhando contra o chão de mármore. — Você tem tomado os tônicos?
— Tônicos? — repito.
— Para concepção.
Meus lábios tremem. — Você prometeu ao meu pai que eu seria bem
cuidada. Você disse a ele que eu seria tratada como rainha. No entanto, meu
marido se diverte com outras, na corte, na frente de tantas pessoas. Ele me
desrespeita abertamente, e tudo que lhe preocupa é se eu engravidei? É isso
que realmente sou para todos vocês? Uma égua reprodutora?!
Os olhos vermelhos brilham com uma diversão sombria. — O que mais,
diga-me, você pensou que seu papel aqui fosse? — Um lamentável 'tsk' e ele
ri. — Você é ainda mais ingênua do que disseram que era.
Uma égua reprodutora, penso, olhando para os céus tingidos de vermelho.
Abraço-me, uma lágrima provocando a linha dos meus lábios. As palavras do
Rei cavaram fundo em meu coração, deixando raízes para trás.
Cumpra seus deveres, Valerian tinha gritado comigo. Deveres como esposa
ou como reprodutora?
Eu tinha percorrido todo o castelo, examinando o quadril de cada mulher,
perguntando aleatoriamente às mais jovens criadas vampiras que encontrava
quantos anos elas tinham.
Eu estava tão consumida por pensamentos sobre Valerian que demorei muito
para perceber que não havia crianças vampiras. A criada mais jovem que
encontrei tinha mais de cinquenta anos, e a informação foi difícil de
conseguir dela.
Tentar entender a situação e juntar as peças só me deixava mais confusa. Os
Vampiros eram incapazes de procriar? Se esse fosse o caso, o que meu
casamento com Valerian tinha a ver com isso?
Passos do lado de fora da minha porta interrompem meus pensamentos, e eu
me viro quando minha porta se abre com força, batendo contra a parede. Uma
risadinha segue, e eu congelo ao ver Valerian. — Desculpe — ele murmura,
suas palavras fortemente acentuadas e arrastadas. — Seu guarda brutamontes
não queria me deixar entrar.
Permaneço junto à janela, enrijecendo a coluna. — Você precisa de alguma
coisa?
Seus olhos se clareiam por um momento, e há tanta tristeza neles que faz meu
estômago se contorcer, mas logo é substituída por uma arrogância
embriagada. — Sim, sim. Você ainda não tem um bebê dentro de você. Nós
devemos... — Ele aponta para a cama. — Copular, mais uma vez.
Copular?
É assim que estamos chamando isso agora? Que palavra feia e bárbara, mas
ainda assim mexe com minhas entranhas. De um jeito que nunca admitirei.
Ele tira a jaqueta, largando-a na superfície mais próxima, e quando se move
em minha direção, tropeça em suas pernas compridas, caindo de joelhos.
Forço minhas pernas a ficarem paradas, sem vontade de ajudá-lo a se
levantar, mas ele dá um jeito mesmo assim, cambaleando de pé. Ele me lança
um sorriso charmoso. — Isso é o que você queria, não é?
Escondo minhas mãos trêmulas e imploro à Deusa que ele não perceba a
mudança no meu cheiro, a excitação. — Não tenho certeza se entendo o que
você quer dizer. — Minhas narinas se contraem. — Você não poderia ao
menos tentar tirar o cheiro das suas amantes? Você fede a perfume barato e
gozo.
Ele me encara, e eu não ouso piscar enquanto espero por uma resposta. Em
uma fração de segundo, o quarto se distorce de uma maneira estranha, e ele
não está mais do outro lado do cômodo, mas na minha frente, me assustando
mortalmente.
Valerian segura minhas bochechas com as mãos, me forçando a olhar para
ele. — Eu gostaria de remediar isso agora mesmo, se isso te desagrada tanto,
zvezdochka.
Deusa. Por que minha pele de repente parece tão quente? Por que não
consigo pensar direito? Por que ele cheira tão bem? Por que não consigo me
lembrar do motivo pelo qual estou brava com ele? Eu me irrito, procurando
as muitas razões pelas quais deveria recusá-lo e não encontro nenhuma.
Então, eu desvio. — Passe a noite com uma das suas muitas prostitutas...
Ele me vira tão repentinamente que o movimento me pega desprevenida, me
deixando atordoada. Estou pressionada contra a janela, a vista da cachoeira
no jardim é hipnotizante deste ângulo.
O tecido se rasga e a camisola cai da minha pele, feita em pedaços. Eu tremo,
meus mamilos duros como pedras roçam contra a superfície fria da janela.
Cortesãos e guardas circulam pelo jardim. Se olhassem para cima, me veriam
completamente nua. — Você não pode me descartar e me pegar de volta
quando quiser.
— Posso sim — ele murmura contra meu pescoço, sua respiração fria como
gelo, um contraste com seu toque quente na minha bunda, apertando com
força. — Você pertence a mim.
Seus dedos deslizam entre minhas nádegas e minhas bochechas queimam
quando eles saem molhados. — Veja, você está toda molhada por mim
enquanto finge me odiar. Esses joguinhos te excitam?
— Não — sussurro, minha cabeça caindo para trás contra seu peito. Eu não
queria ceder, mas não podia negar ao meu corpo o que ele queria. Mas nunca
teria um momento melhor para encontrar as respostas que preciso do que
agora. — Você me chamou de reprodutora real. Por quê?
O som de roupas se movendo preenche o ar e Valerian se apoia na janela ao
lado da minha cabeça, me prendendo. Eu expiro, balançando meus quadris
contra os dele quando sinto o comprimento quente e duro dele separando
minhas nádegas, sua ponta roçando contra meu clitóris. Luzes explodem atrás
dos meus olhos e eu gemo, pressionando meus seios contra a superfície,
desesperada por qualquer toque que me faça explodir.
— Faz mais de meio século desde que nossas fêmeas conceberam. — Ele
segura sua ereção e eu sinto o metal frio de sua aliança contra meu calor
enquanto ele empurra para dentro de mim. Minhas paredes colapsam ao seu
redor e eu gemo, ouvindo suas palavras pela metade. — Mas mesmo antes
disso, crianças eram raras, a fertilidade da minha espécie diminuindo até o
nada.
Meus seios batem contra a janela a cada estocada, fazendo o som mais
obsceno que já ouvi, junto com o de meu sexo molhado enquanto ele se move
dentro de mim. Lentamente. Ele me provoca, saindo até a ponta e me
possuindo com movimentos languidos. Ele me toma assim por longos
minutos, passando as mãos pela minha pele como se memorizasse a textura.
Uma mão agarra um seio e seu polegar trabalha ao redor e através,
beliscando, provocando, acariciando, puxando.
Minhas coxas tremem e a umidade escorre pela minha coxa enquanto me
jogo contra ele, desesperada por mais daquele comprimento. Eu grito quando
meu mundo se estreita para os movimentos lentos e medidos e eu me
incendeio, chamando seu nome enquanto alcanço o paraíso acima das
nuvens.
Valerian nos move enquanto desço do auge do orgasmo, e me encontro com a
barriga contra o colchão macio, minha bunda erguida no ar. Ele mergulha,
profundo demais, rápido demais e meu gemido é de pura dor. — Uma
maldição da Deusa, a sacerdotisa disse. Sua divindade estava entristecida
com a perda de seus filhos e nos amaldiçoou com a incapacidade de criar
vida.
Começo a levantar minha cabeça, mas Valerian empurra meu rosto contra os
travesseiros, investindo mais fundo. A dor se mistura com o calor enquanto
ele se move e meus músculos tensos começam a relaxar, acolhendo-o,
abraçando seu pau enquanto ele encontra seu lugar, atingindo um ponto que
faz a pressão se acumular na minha bexiga. Ele geme, xingando baixinho em
russo e marcando minha pele com seus punhos enquanto seu aperto se
intensifica. Haverá hematomas amanhã. Odeio que o pensamento de ter
marcas do sexo com ele me excite. — Engraçado que depois de anos
tentando, as únicas fêmeas que podiam levar um filhote a termo eram uma de
vocês. Uma fêmea de poderoso Sangue Alfa, para ser específico.
Minha mente junta as peças do quebra-cabeça no exato momento em que os
quadris de Valerian se arqueiam, me preenchendo com sua essência e o
último resquício de calor sob minha pele morre. Percebo então que a posição
em que ele me colocou permite que cada gota de esperma permaneça dentro
de mim.
Reprodutora. A palavra me ataca. Se é para lhe dar filhos, nenhuma gota deve
ser desperdiçada. Eu nem sequer importava no grande esquema das coisas.
Nem esposa eu era. Eu era útil apenas porque o sangue do meu pai corria em
minhas veias. Eu não era diferente das reprodutoras que os bandos
mantinham quando as Lunas eram estéreis ou doentes demais para produzir
herdeiros. A aliança de casamento, os votos, são apenas coleiras para garantir
a propriedade completa. Para garantir que, mesmo se eu corresse para os
confins mais distantes da terra, ainda pertenceria a Valerian. Meus ovários,
meu útero, minha vagina pertenciam a ele para usar como bem entendesse.
Sinto frio quando ele sai de dentro de mim.
Roupas farfalham brevemente e quando sinto suas mãos nas minhas costas,
me afasto de seu toque, virando-me para deitar de costas como ele deve ter
querido que eu ficasse para a "retenção de esperma".
Puxo os lençóis sobre meu corpo nu, protegendo-o de seu olhar, e culpa reluz
em seus olhos antes de ser engolida pela névoa de embriaguez.
Valerian caminha ao redor da cama e senta-se na borda. Seu pulso se move e
eu me encolho novamente quando seus dedos traçam os contornos do meu
rosto, descendo até meu queixo delicado.
— Ela tem mesmo um senso de humor cruel, sua Deusa — Ele inclina a
cabeça, observando as lágrimas caírem dos meus olhos com a compreensão
de tudo. O horror. — Você é linda, mesmo quando chora. Eu desprezo muito
isso, Oleia, porque me faz querer abraçá-la.
— Saia — consigo dizer, embora seja pouco mais que um soluço.
Seus dedos roçam minha bochecha, enxugando uma lágrima perdida.
— Você é como um raio de sol na escuridão, zvezdochka. E isso torna tudo
muito mais difícil de fazer.
Fazer o quê, eu quero perguntar, mas mal consigo falar além da dor no meu
peito.
Ele se levanta, ajeitando suas roupas com um último olhar demorado.
— Eu queria que não tivesse sido você.
C A P ÍT U L O 6
OLEIA
u vou embora.
E Nas primeiras horas após Valerian ter saído do meu quarto na noite
passada, eu chorei até não conseguir ver além dos meus olhos inchados. E
então, joguei os cobertores de lado, tropecei até minha cômoda e comecei a
atirar tudo para fora.
Não tenho interesse em ser a mulher que espera ser montada sempre que o
marido decidir 'copular'. Não tenho interesse em ser uma reprodutora. Eu
quero filhos— filhos de amor, mas já vi de perto o que acontece com as
mulheres quando perdem valor em suas casas ou matilhas.
Não vou viver uma vida sem rumo, vagando pelos corredores do castelo sem
propósito, comparecendo a eventos e sorrindo para as câmeras enquanto
minha vida está em ruínas. Certamente não vou educar meus filhos nos
corredores de um castelo onde só existem as piores atrocidades e eles veem o
pouco respeito que o pai tem pela mãe.
Minha decisão está tomada. Eu vou embora.
Mesmo enquanto caminho pelos corredores, conduzida por Darian até a sala
de recepção onde minha convidada espera, o pensamento permanece em
minha cabeça, fervendo a cada risada dirigida a mim quando ouso erguer o
queixo, e os fofoqueiros que se calam com minha presença. Eu devo ter
parecido mesmo uma tola, preparando o jantar para Valerian, tentando beijá-
lo na mesa do café da manhã e estendendo minha mão para entrelaçar nossos
dedos, apenas para vê-lo se afastar de mim.
Chega—
Meu coração pula de alegria, lágrimas brotando instantaneamente em meus
olhos ao ver a figura parada perto das janelas com os dedos entrelaçados atrás
das costas. Cabelos loiros dourados caem pelas costas de seu casaco bordô e,
com as mãos nos bolsos, as pernas levemente apoiadas em saltos altos
brancos, percebo que ela esteve no trabalho hoje.
Atrás dela está o Gamma da matilha de Alpha Kieran, Landon, que a segue a
maior parte do tempo quando ela sai sozinha, por ordens rigorosas do marido.
Astrid inclina ligeiramente a cabeça, como se me tivesse ouvido, e quando
nossos olhos se encontram, eles endurecem. — Me diz quem eu tenho que
matar, Olly.
Nunca fui de correr para minhas irmãs em lágrimas, mas atravesso a sala em
questão de segundos, me atirando em seus braços que me envolvem em calor
e me lembram demais de casa.
Desabo em seu ombro e ela afaga meus cabelos, fazendo círculos com as
palmas das mãos na minha lombar. Não sei por quanto tempo ficamos assim,
agarradas uma à outra como se fossemos salva-vidas, mas seu cheiro, sua
presença, o murmúrio suave que ela emite cura algo dentro de mim.
Minutos depois, ela está acomodada na cadeira bergère rosa ao lado da
minha, os dedos tamborilando nos braços dourados enquanto eu seguro uma
xícara de café. — Você acha que o Pai sabia de tudo?
Ela encolhe os ombros. — Nada passa despercebido por ele, e eu não
duvidaria que ele tivesse planejado dessa forma. Mas suponho que isso seja
tudo especulação e há uma chance de ele não saber sobre isso. Mesmo assim,
você conhece o Pai. Ele nunca vai aceitar você de volta em casa se você
fugir.
Como ele não fez naquela noite, seis anos atrás, quando Astrid fugiu da casa
do Alfa Kieran, poucos dias após o ritual de acasalamento, e pensou em
buscar refúgio no que deveria ser seu lar. Ela entrou sorrateiramente no meu
quarto e me fez prometer que não contaria a ninguém.
Eu não contei, mesmo sem entender por que ela fugiria do Alfa Kieran, seu
marido. Ele era um selvagem, um bárbaro, e o casamento deles havia sido
arranjado, assim como o meu, mas ele havia sido gentil comigo. Todos
diziam que ele era cruel, mas ele nunca levantou a mão contra ela. Ela tremia
tanto, chorando nos meus travesseiros, e eu fiquei com medo por ela, porque
Astrid nunca chorava, nem mesmo quando se machucava gravemente.
Ela era a mais forte entre nós quatro irmãs.
No dia seguinte, nosso pai a enviou de volta, apesar de seus gritos,
xingamentos e súplicas. E agora, o Alfa Kieran está tão apaixonado por
minha irmã que parece incapaz de ficar longe dela por mais de algumas horas
sem voltar correndo para o seu lado.
Só muito tempo depois que Penelope, Lena e eu descobrimos que, por vários
meses, a alcateia do Alfa Kieran havia intimidado Astrid porque odiavam
nosso pai. Ela foi tratada como uma escrava em sua própria casa, e a mãe e as
irmãs de Kieran, ao contrário da fachada que mantinham, eram as lobas mais
cruéis que existiam, trancando Astrid sempre que Kieran estava ausente, por
dias a fio, deixando-a passar fome. E Kieran, que também não queria o
casamento arranjado, se esforçava para evitar Astrid, inconsciente dos maus-
tratos que ela sofria até mais tarde.
Eu não sei como Astrid conseguiu. Como ela aguentou.
E nosso pai nunca se importou. Ele definitivamente não se importaria agora.
Ele me avisou naquela manhã, enquanto me acompanhava pelo corredor.
Persevere, Oleia, pois sua maior força é o seu amor e paciência, e,
independentemente do que aconteça, você não pode fugir.
Isso me atinge como um golpe na cabeça: ele sabia.
Meus dedos tremem ao redor da xícara, e uma lágrima cai no meu café. —
Não posso viver assim, Astrid — digo a ela, mesmo me sentindo como uma
criança birrenta. Pelo menos, eu não estava sendo intimidada, passando fome
ou sendo ativamente odiada. Eu só era ignorada até... a cópula. Eu tinha a
fortuna do meu marido, seu nome, o título de rainha me aguardando quando
Marcus abdicasse, e tempo de lazer para fazer o que quisesse.
Por que reclamar da única coisa que não posso ter? Talvez, se eu não tivesse
chegado aqui com expectativas tão altas, não me sentiria tão profundamente
ferida.
Estendendo a mão, ela pega a xícara da minha mão, seus olhos verdes-claros
assumindo um tom mais suave e pálido enquanto a coloca no banquinho. —
Por mais que eu odeie dizer isso, Olly, você vai ter que aguentar um pouco
mais. Você não faz ideia do que está acontecendo lá fora. Os ataques podem
ter cessado desde o casamento, mas ainda há muitas baixas. Seu marido está
trabalhando com o pai e Kieran para conter os vampiros renegados que ainda
estão matando nossa espécie e se banqueteando com os humanos nas regiões
do norte, mas isso é apenas o começo. O sul pede por ajuda, e há poucos
sobreviventes no leste. A ajuda de Valerian é a única razão pela qual
conseguimos salvar tantas vidas quanto salvaram. Seu casamento salvou a
todos nós.
Posso ouvir as palavras que ela não diz. Se eu sair agora, o tratado não se
manterá. Tudo terá sido em vão. Todos nós morreremos.
— Como você conseguiu? — pergunto, minha voz pouco acima de um
sussurro.
Seus olhos se perdem em uma memória distante, uma que faz seus lábios se
curvarem em um sorriso assustador. — Eu arranquei a orelha dela.
Pisco os olhos. — O quê?
O sorriso sinistro de Astrid só aumenta. — A bruxa da minha sogra. Ela
tentou me matar, e eu arranquei a orelha dela. Rasguei-a completamente.
Claro, ela fez uma cirurgia e a substituiu, mas foi a última vez que ela me
tocou. Minhas cunhadas se tornaram mais sutis em suas tentativas de me
expulsar. Mas o importante é que eu revidei, Olly.
Ela pega minha mão e a acaricia com o polegar. — Eu odiava o pai por me
jogar fora — ainda odeio — , mas não seria Luna hoje se ele não tivesse feito
isso. Eu não teria encontrado minha força e revidado com a mesma
intensidade. Não deixe que eles passem por cima de você, Oleia. Nunca deixe
esses filhos da puta roubarem a coisa mais bonita que você tem. — Ela
aponta um dedo para o meu peito. — Seu coração. Mas saiba que eu
congelaria o próprio Hel e mataria Valerian com minhas próprias mãos se
algo acontecer com você.
Eu aceno com a cabeça, me sentindo mais leve do que há dias. Revidar. Hel,
se eu soubesse como fazer isso ou por onde começar.
Astrid abre o botão do casaco e o sacode, e eu me surpreendo ao ver seu
peito, esquecendo momentaneamente de Valerian enquanto tento decidir para
onde olhar — Seus seios estão maiores.
Ela fica vermelha. — Sim, bem, estou... grávida.
Eu dou um gritinho, pulando instantaneamente para os pés, e é minha vez de
puxá-la para um abraço apertado. — Nossa! Por que você não me contou?!
Há quanto tempo?! Meu Deus, vou ser tia! Parabéns, Astrid!
— Você está me sufocando, Olly — ela murmura no meu cabelo. — E eu
mandei uma mensagem. Você nunca checa o celular!
— Não tem sinal lá dentro, mas você sabe que eu nunca gostei muito de usá-
lo mesmo. Me conta tudo!
Ela me olha de maneira estranha. — Sobre Kieran e eu transando e como eu
engravidei?
Eu bato no ombro dela. — Claro. Como mais vou aprender? Além disso,
você tem as histórias mais malucas. Tipo quebrar a cama na primeira vez de
vocês juntos —
— Cala a boca! — ela grita, o rubor se espalhando pelo pescoço quando
percebe Darian e Landon rindo perto da porta.
Eu me sento, ouvindo Astrid falar animadamente sobre Alpha Kieran.
Embora ela finja se irritar com ele na presença dele, todos sabemos que
Astrid é tão louca por ele quanto ele por ela. E, de repente, algo quente
floresce no meu peito.
Parece esperança. Fé. Se Astrid conseguiu conquistar o coração de Alpha
Kieran, então, com certeza, eu posso conquistar Valerian e mudar tudo. Vou
amar ele até que ele me ame de volta. Vou lutar contra a frieza dele e impor
minhas regras. Dizem que insanidade é tentar a mesma coisa várias vezes
esperando um resultado diferente.
Vou tentar mais, de forma diferente. Se vou ficar ao lado de Valerian pelo
resto da vida, será nos meus termos.
É quase hilário o quão rápido eu engulo minhas palavras.
— Sra. Ivashkov, como é ser a primeira loba casada com um vampiro?
Darian afasta um microfone do meu rosto, mas outro aparece
instantaneamente enquanto caminho pelo tapete vermelho, chegando perto
demais, como se a proximidade sozinha pudesse arrancar as respostas dos
meus lábios. — O que você diria para os humanos que estão no meio desse
conflito? Você realmente acredita que a doação do seu marido hoje vai
ajudá-los a recuperar as vidas que perderam? Conte-nos, Sra. Ivashkov!
Suas vozes se misturam, insistindo, chegando mais perto, e um desconforto
sufocante se instala no meu peito. As câmeras disparam, machucando meus
olhos, e um sentimento de desconforto se instala profundamente em meus
ossos ao sentir muitas mãos me tocando. Darian abre caminho e quatro
guardas nos cercam, rosnando e mordendo os paparazzi e jornalistas que
inundam a entrada do City Hall de Nova Romênia.
— É verdade que os lobos estão se reunindo contra a decisão do Rei Aamon?
O que você diria para aqueles que acham que você está traindo o seu povo?
Eu odeio as perguntas e odeio o sorriso contido e ensaiado que eu coloco nos
lábios enquanto forço um pé na frente do outro. Eu odeio o vestido que
Valerian escolheu para mim. Ele é bonito, mas me faz parecer com uma
deles. Eu nunca mostrei tanta pele na minha vida, nem usei algo que se
colasse às minhas curvas como uma segunda pele.
É um design moderno, comparado aos espartilhos e metros de seda que nossa
raça prefere, mas o evento de Valerian é para os humanos, afinal. Eu tenho
que parecer a parte.
Enquanto começo a subir os degraus, uma figura com um capuz verde escuro
me empurra, me jogando fora do equilíbrio, murmurando tão baixo que eu
quase não ouço suas palavras. — Puta de sangue podre. O veneno em suas
palavras me dá um calafrio, e eu tropeço, o coração falhando enquanto Darian
me segura pela cintura antes que eu caia nas escadas.
— Você está bem? — ele murmura enquanto eu olho para trás e ao redor,
procurando pelo capuz verde sem sucesso. Quando encontro os olhos de
Darian, descubro que ele já estava me encarando. Seus olhos cinzentos
percorrem meu rosto, suavizando a cada centímetro que cobrem, e então
descem para meus lábios, quase como se fossem atraídos para lá. A
preocupação em seus olhos é rapidamente substituída por um calor que nunca
havia notado antes. Ele persiste, e suas narinas se dilatam. Ele engole, o
movimento de sua garganta tenso, algo semelhante à fome brilhando em seu
olhar. A intensidade disso faz meu coração acelerar, não de empolgação, mas
de medo do que significa. Seus lábios se separam e suas palavras são
forçadas quando ele diz: — Você parece —
— Você ofusca as estrelas esta noite, esposa. —
Eu congelo, sentindo as palavras cortarem o barulho como uma lâmina.
Minha cabeça se ergue rapidamente, e eu me afasto do abraço de Darian
enquanto Valerian avança, olhos escuros estreitados, seu rosto uma máscara
de calma que não consegue esconder completamente o lampejo de irritação
em seu olhar. A multidão se abre, nos dando espaço, e eu sou grata, aliviada
por vê-lo aqui. Seus olhos alternam entre mim e Darian, fixando-se em
Darian com uma ferocidade que corta. Minha língua parece grossa com uma
vontade de explicar— mas por quê? Eu não fiz nada de errado.
— O-obrigada — eu consigo dizer, mas Valerian não está olhando para mim
quando seus lábios firmes se curvam em um sorriso que faz minha pele corar
e meus dedos se enrolarem dentro dos sapatos. Ele se posiciona entre Darian
e eu, sua presença instantaneamente preenchendo o espaço ao nosso redor
como um escudo. Embora sua aura pareça escurecer, envolvendo-me de
forma protetora e possessiva, seu toque na minha cintura é gentil, me
ancorando. Meu coração palpita quando ele abaixa a cabeça para pressionar
um beijo quente e prolongado na minha têmpora, enquanto mantém Darian
cativo em seu olhar negro.
Então, ele se afasta e inclina o queixo em direção ao grupo de guardas que
vigia as muralhas do lado de fora, dispensando Darian sem sequer considerá-
lo importante o suficiente para usar palavras. Os olhos de Darian brilham por
um segundo, mas ele controla sua expressão, mantendo-a neutra, fazendo
uma reverência e recuando, mas não antes que eu perceba seu maxilar se
contrair.
— Ele é meu guarda-costas, Valerian. Ele deveria estar próximo —
— Quão próximo, zvezdochka? Próximo o suficiente para sentir seu hálito?
Próximo o suficiente para ele roubar um beijo dos seus lábios? — Valerian
pondera, cada palavra carregada de elegância sedutora. Seus dedos deslizam
lentamente ao longo dos meus dedos, suficientemente sedutores para me
distrair da implicação de suas palavras. Talvez fosse seu perfume me
confundindo. Sua colônia, a proximidade, a maneira como o prata brilha em
seus olhos negros, ou a parte de seu longo cabelo vermelho que cai sobre seus
ombros em ondas sedosas. — Ou devo te arrumar uma câmara privada neste
salão para examinar quão próxima você pretende ficar do guarda? —
A inveja mal disfarçada entrelaçada em suas palavras me deixa tanto corada
quanto frustrada. Eu tento tirar minha mão da dele, mas seu aperto só se
firma, me puxando tão perto que meu peito roça no dele. — Por quê? Você
deixa o guarda te tocar... — Seus dedos percorrem a pele nua da minha
cintura, seu calor queimando minha pele e dissipando o último resquício do
calor de Darian. — Mas o meu te deixa desconfortável? —
A última vez que ele me tocou assim em público foi no casamento, e embora
as palavras mais horríveis saiam de sua boca, não consigo deixar de olhar
para seus lábios. Firmes, rosados, macios. Perversos. Eu odeio que eu me
incline em sua direção, mesmo enquanto digo: — Você está sendo paranóico,
mas eu entendo. Só porque você corre atrás de tudo que veste uma saia, você
acha que todo mundo é como você. —
Ele ri suavemente, esfregando a bochecha na minha, e apesar de mim, meus
olhos se fecham, saboreando a sensação de sua pele contra a minha. Seus
lábios roçam minha orelha, seus dentes arranhando levemente a ponta em um
movimento que percorre todo o caminho até a cabeça do meu clitóris,
fazendo-o pulsar de desejo. — Touché. —
Não sei por quê, mas eu sorrio. Eu o deixo me levar para dentro e me guiar
pelo salão deslumbrante. Tudo brilha e cintila. Cada cristal dos lustres reflete
cores nos pisos de mármore polido. Meus lábios se separam em admiração
enquanto meu olhar percorre os detalhes dourados polidos dos enormes arcos,
as escadarias majestosas cobertas por veludo vermelho rico e as bandejas de
prata circulando com o champanhe mais fino.
O ar vibra com risos, conversas sussurradas, o delicado tilintar de copos e
feromônios. Este é um evento de caridade para os humanos que sofreram as
consequências da guerra, suas casas e vidas destruídas pelos próprios seres
que riem nesta sala? Definitivamente não. É mais como um encontro entre
magnatas dos negócios, políticos e socialites da elite. Uma performance em
um palco onde fortunas são exibidas, acordos comerciais são fechados e
alianças são formadas.
Isso explica por que estou vestida com diamantes e alças pretas que mostram
mais do que escondem. Meus saltos vermelhos estalam, meus lábios pintados
de uma cor correspondente tremem. Enquanto os convidados exibem sua
riqueza em pedras preciosas e grandes diamantes, eu sou o verdadeiro
espetáculo, a raridade em exibição. Valerian garantiu que eu parecesse assim.
Puta de sangue podre. Ele não estava errado.
Meus músculos se tensionam e meus passos desaceleram conforme me
aproximo do centro, o peso de tantos olhares me sufocando. Sinto o toque
suave de Valerian em minhas costas, acariciando círculos calmantes em
minha pele. Às vezes ele age assim, como se estivesse sintonizado com cada
uma de minhas emoções, e então, outras vezes, ele é um idiota. Seja qual for
o caso hoje, sou grata por sua presença sólida atrás de mim.
Ele me apresenta, me segura perto como se eu fosse especial, ri de coração
enquanto interpretamos o casal perfeito e apaixonado. Ele beija meus nós dos
dedos às vezes, cheira meu cabelo, respira contra meu pescoço. E em algum
ponto, eu esqueço que é tudo uma atuação. Meu sorriso para de ser dolorido e
falso. Quando ele me toca, eu me inclino. Eu o encaro por baixo das cílios e
também lambo meus lábios.
Meu corpo ganha vida e esqueço que estou em uma sala cheia de estranhos, e
quando ele se dirige ao salão, não consigo evitar suspirar de admiração e
perceber como eles também o observam maravilhados. Ele é a estrela do
evento desta noite. Sempre o encantador, mesmo que o sorriso e o calor
nunca alcancem seus olhos. Mesmo que sob a superfície haja algo frio e letal,
esperando ser desencadeado. E isso o torna ainda mais atraente.
— Para onde você está indo? — pergunto, segurando Valerian pelo braço,
impedindo-o de passar pela multidão em direção às arcadas na extremidade
do salão. As doações começaram e a multidão está mais animada. Ficar
sozinha com Cyril, uma Kathleen bêbada e mulheres mais velhas que não
param de me perguntar sobre meu pai, se ele está interessado em ter amantes
ou se eu engravidei de Valerian, pode me deixar louca.
Os olhos de Valerian caem sobre meus dedos ao redor de seu casaco preto, e
ele tem aquele olhar de novo. Como se estivesse passando por algum tipo de
turbulência ou luta interna. Sua mão se levanta como se fosse tocar meu
cabelo, e suas sobrancelhas se franzem em confusão, como se ele só agora
percebesse o que fez. Sua mandíbula se contrai e um brilho vermelho aparece
em seus olhos. — Tenho alguns negócios para resolver. Voltarei.
Observo suas costas altas enquanto ele se move pela multidão e finalmente
desaparece atrás das cortinas carmesim.
— Quer ir atrás dele?
Eu me assusto com a proximidade repentina e Cyril gargalha, seu hálito
quente com uísque. — Relaxe, cunhada. Você não vai durar muito em nossas
terras se for tão... — Sinto o polegar dele nas minhas costas. — Tensionada.
Virando para encará-lo com um sorriso doce e ácido, me inclino, o suficiente
para escovar meus nós dos dedos contra o cinto dele. Faço a melhor imitação
da cara dura de Astrid que consigo e deixo minha voz endurecer. — Não
acho que vampiros se regenerem quando perdem membros. Quer testar isso?
Coloque seus dedos sujos em mim de novo, eu te desafio.
Seus olhos brilham de excitação e ele sorri, recuando. — Se você fosse
minha, eu não precisaria de procurar outras. — Seus olhos passam
deliberadamente sobre meu corpo. — Seria muito divertido domar você. Mas
suponho que todos temos nossos vícios. Valerian... — Ele ri, bebendo um
gole de seu copo, e quando fala novamente, sua voz baixa para que só eu
possa ouvir. — Ele provavelmente está fodendo alguma puta contra a parede
agora mesmo...
— Cale. A. Boca. — eu rosnarri, o coração acelerado.
Cyril sorri ainda mais. — Devo dizer, ouvir o palavrão saindo da sua boca
tem um impacto diferente. Repete, vai?
Saio de lá a passos largos, cada passo desequilibrado, os olhos ardendo, o
coração martelando, e as palavras que Cyril cuspiu em mim repetindo como
uma provocação em minha mente. Ele provavelmente está fodendo alguma
puta contra a parede agora mesmo.
A frase me envolve como videiras espinhosas, cortando fundo, apertando
mais a cada segundo que passa. Algo quente e selvagem desliza sob minha
pele, e é difícil dizer se o que o provoca é medo ou raiva. Mal me lembro de
pegar uma taça de vinho da bandeja e beber de uma vez. E outra.
Mas isso não a reprime, e minha respiração fica irregular enquanto empurro
meu caminho pela multidão, quase não notando os rostos ao meu redor que se
confundem. Tudo parece mais alto, o burburinho e as risadas ecoando em
meus ouvidos, mas não abafam meus pensamentos. Há um gosto azedo na
minha boca, e minha visão fica um pouco turva. É verdade? Ele realmente...?
O arco por onde Valerian passou me chama, e meus passos vacilam, minha
velocidade diminui. Começo a me dirigir para lá, mas descubro que sou
muito covarde para ir até lá. Prefiro não descobrir. Prefiro não fazer isso
comigo mesma hoje à noite. É a primeira vez em dias que sinto verdadeira
felicidade, e prefiro preservá-la. Se Valerian diz que tem negócios para
resolver...então devem ser negócios. Ele não faria isso comigo. Pelo menos
não aqui.
Mas no último segundo, quando estou tão perto da saída, do esquecimento,
viro bruscamente, indo em direção ao arco. Atravesso-o, caminhando
levemente pelo longo corredor mal iluminado. Uma música mais pesada e
intensa do que os clássicos suaves tocados no salão lá fora flutua pelo ar, e
paro em frente a uma porta.
Forço meu coração a se acalmar e ergo o queixo. — Ser a esposa de Valerian
é reserva suficiente para você?
Ele inclina a cabeça e cheira. Um reconhecimento brilha em seus olhos, e ele
faz um aceno curto, abrindo a porta para mim. É como estar na festa
novamente. O cheiro, a música, a iluminação, mulheres dançando, sendo
alimentadas, e, nos bancos mais privados, ouço gemidos e o som de pele
contra pele. Mas... aí acaba a similaridade. Aqui é menos apertado, com uma
multidão mais organizada. Vampiros circulam, bebendo e conversando.
Parece uma seção diferente da Prefeitura dedicada mais à alimentação.
Uma mulher se aproxima, vestindo apenas saltos altos rosa-choque e marcas
de perfurações que pontilham seu pescoço, pulsos e coxas internas, e ela as
exibe como se fossem joias. Com orgulho, inclinando-se de perto para que eu
veja os hematomas, como se isso devesse me excitar. Ela sorri, sensual,
jogando seu cabelo loiro tingido sobre o pescoço. — Mas vai custar.
Custar? Já ouvi falar de prostitutas de sangue — humanos que dão seus
corpos e sangue livremente pela sensação de serem alimentados, sexo incrível
com vampiros e pilhas de dinheiro, mas nunca, em meus sonhos mais loucos,
imaginei que encontraria uma. Ou várias. — Valerian. Você sabe onde ele
está?
Ela estreita os olhos para mim, os brancos nacarados brilhando em um sorriso
sabido. — Você o perdeu por alguns minutos, amore. — Ela acena em
direção a uma porta discreta no fundo do salão. — O chefe já fez sua escolha
hoje à noite.
Vou em direção à porta, o suor frio cobrindo minha pele. Uma guerra se trava
em minha mente. Eu sei o que 'escolha' significa, mas ele não poderia ter se
esgueirado para cá logo após me dizer que voltaria. Ele precisaria ser um
pedaço de merda sem coração para fazer isso. O pior. Escória. Hesito, a mão
roçando a maçaneta de metal fria antes de ceder e empurrar suavemente.
Cyril estava certo. Eles não estão... transando ainda, mas se eu chegasse
alguns minutos mais tarde, teria testemunhado. Ela está pressionada contra a
parede como Cyril previu, as mãos empurrando o casaco dele, sentindo seus
braços, gemendo pelo quão maravilhosos são. Eu entendo porque sei como é,
quão seguros eles provavelmente são enquanto ele a levanta, suas longas
pernas envolvendo sua cintura.
O cansaço me invade, e solto a maçaneta. Muito cansada para pensar, muito
cansada para chorar ou gritar. A maçaneta range, e Valerian olha para trás.
Espero que isso venha. A escuridão sob minha pele. Eu achava que era raiva,
mas estava errada. Era... frio.
Eu ando para longe, sem ouvir, sem ver. Eu esfrego meu peito, esfregando
meus braços descobertos. Sempre foi tão frio?
Estou no meio do corredor quando ouço passos pesados atrás de mim. Eu o
cheiro antes de ouvi-lo falar. Dou uma leve risada. Talvez ele goste do cheiro
de perfume barato?
— Oleia.
Não paro de andar. Sinto aquela conhecida rajada de vento passar antes de
encontrar Valerian parado na minha frente, com a camisa amarrotada, e não
consigo dizer se a mancha vermelha em seus lábios é sangue ou batom. Ele
passa os dedos pelos cabelos, e é a primeira vez que o vejo tão... agitado.
Quando ele me olha novamente, não há mais paredes de gelo por trás de seus
olhos. Apenas pânico e medo selvagens. — O que você viu —
— Te vejo em casa, Valerian.
C A P ÍT U L O 7
OLEIA
alerian não veio até mim, e eu também não o procurei. Eu o via no café
V da manhã e no jantar. Eu o via sempre que olhava pela janela para a
paisagem, e às vezes nossos olhos se encontravam. Eu esperava que
viesse, a raiva. Mas ela nunca veio. Esse era o problema, não era? Eu não
sentia nada. Nem traição. Nem frustração. Nem raiva. Nem mesmo uma
pitada de tristeza.
O frio entorpecente que havia começado nas minhas mãos na Prefeitura
espalhou-se pelo meu peito, congelando até o sangue nas minhas veias, e eu
deixei. Eu o abracei.
Eu entendia perfeitamente qual era o meu lugar e nunca me desviei dele. Eu
passava o sal para ele na mesa, mas nunca olhava para o seu rosto. Eu
respondia apenas quando me dirigiam a palavra, e às vezes, nem isso. As
cores haviam esvaído das paredes do castelo, deixando tudo em um estado
constante de... cinza. Eu encontrava conforto nisso, uma forma estranha de
beleza.
Os dias passavam em um borrão repetitivo. Minhas manhãs eram gastas com
Galadriel, aprendendo etiqueta e costumes adequados, história, clãs e
hierarquias, apresentação e sedução. Eu nunca tive a intenção de usar a última
parte, mas ela não precisava saber disso. Ela disse que eu havia mudado e
parado de tagarelar e fazer muitas perguntas. Ela disse que eu era uma
aprendiz rápida e, por essa razão, começou a me ensinar algo mais.
Diplomacia. Astúcia. Influência. Autodefesa— não do tipo físico. Gal me
disse que, embora a coerção mental tivesse sido proibida na corte de Valerian
para proteger os servos humanos e as prostitutas de sangue, ainda havia
alguns que praticavam tal coisa, forçando as pessoas a fazerem sua vontade,
incluindo traição e, às vezes, machucando-se, apenas para se divertir. Se eu
fosse ser rainha, precisava aprender a me defender disso.
Mas eu já sabia disso. Meu pai me ensinou. Mas Galadriel disse que aprender
com um vampiro como bloquear outro vampiro era mais eficaz. Eu não podia
discordar dessa lógica.
Minhas tardes eram passadas com as damas da corte e, às vezes, nas festas.
Havia um fluxo ininterrupto de comida, vinho e humanos. Eu me sentava,
observando com total desinteresse. Às vezes, as dançarinas se moviam
especialmente para os olhos de Valerian, mas eu nunca olhava para ver se ele
as observava.
Embora, em várias ocasiões, eu jurasse sentir o olhar ardente dele sobre mim
e não sobre elas.
As noites eram melhores. Eu dava passeios pelos jardins. Às vezes lia livros.
Às vezes, me sentava em silêncio, cuidando das flores com uma ternura que
minha alma não desejava mais.
Um casaco foi colocado sobre meu ombro, aquecendo-me, e eu olhei para
cima, encontrando os olhos de Darian. Eu odiava o jeito que ele vinha me
olhando ultimamente. Como se eu estivesse quebrada. Até a Crystal, que
sempre foi tagarela, mal dizia duas palavras para mim nesses dias. Às vezes,
eu me sentia uma pessoa horrível por também ter me fechado para eles, mas,
se não o fizesse, temia que os sentimentos pudessem se infiltrar novamente
pelas frestas. — Obrigada, Darian.
— Me diga o que fazer para te ajudar, Olly.
Lá estava de novo. Piedade. Preocupação. Autoaversão. Eu me perguntava
por que Darian se culpava pelas coisas que haviam acontecido comigo. Ele
sempre foi assim, assumindo mais culpa do que deveria em situações que ele
não podia controlar. Ele achava que poderia ter me protegido de ter meu
coração despedaçado. Ele achava que poderia ter me protegido do meu
destino.
— Eu estou bem. Você deve estar cansado de —
Seus dedos apertaram meu ombro, e o desespero cintilou em seus olhos. —
Pare de se esquivar, Oleia. Você não está bem. Não está há três semanas. Eu
odeio te ver assim, sem saber o que fazer, como lidar com isso —
— Isso não é sobre você — murmurei, minha voz mantendo o tom monótono
e frio que vinha usando nas últimas semanas. — E eu estou bem. Você quer
ajudar? Pare de me tratar como se eu estivesse à beira de um colapso mental.
Eu não estou quebrada. Eu ouço você e a Crystal conversando, sabia?
Seu olhar baixou, o vento agitando seus cabelos negros. Seus lábios firmes se
separaram e, em vez de dizer as palavras que todos os outros diziam, ele se
inclinou e beijou o topo da minha cabeça. Eu me enrijeci, recuando, meus
olhos procurando ao redor por olhares curiosos. — O que —
— Chocolate quente? — Ele sorriu, endireitando-se, e eu sorri levemente,
lembrando de todas as vezes que ele me trazia isso quando eu estava chateada
e trancada no meu quarto. Eu acenei com a cabeça e nunca o vi andar tão
rápido.
Eu olhei para meus dedos por um momento e levantei a mão para tocar o topo
da minha cabeça, onde o calor de seus lábios ainda permanecia, me
lembrando de alguém, alguém que eu não queria lembrar. Mas, como dizem,
pense no diabo e ele aparece.
Botas arrastaram-se silenciosamente pelo caminho de paralelepípedos, e
minha espinha formigou da maneira que sempre fazia para me alertar que
Valerian estava por perto. Meu coração podia estar entorpecido, mas meu
corpo se lembrava.
Ainda assim, fingi não notar sua presença, forçando-me a ler cada linha do
romance de cortar o coração, enquanto meus dedos acariciavam levemente o
girassol.
— Imaginei que te encontraria aqui.
Não havia gelo em sua voz hoje. Era suave, terno. Eu me perguntei por que.
Fiz questão de parecer surpresa ao olhar para cima. Levantei minhas saias ao
me levantar e fiz uma reverência baixa e respeitosa, que deixaria Galadriel
absolutamente encantada. — Isso quer dizer que você estava me procurando.
Em que posso ajudar?
Um som escapou dele. Parecia impaciência ou irritação. Eu não tinha certeza.
— Pare com isso, Oleia.
Eu olhei para cima. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo baixo com
uma fita preta. Seu casaco preto caía abaixo dos joelhos, quase tocando as
botas marrons. Sua camisa branca colava ao peito de uma forma que teria
feito minha boca salivar semanas atrás. Seu rosto estava devastador, como
sempre. Nada peculiar ou diferente hoje. — Não sei se te entendo. Eu te
desagradei de alguma forma? Peço desculpas.
Levou algum tempo para me acostumar com sua velocidade, mas, quando ele
se moveu agora, eu não gritei nem pulei. — Você não vai me fazer
perguntas? Não tem nada a dizer? Nenhuma acusação para jogar na minha
cara, como de costume?
Inclinei a cabeça, imitando-o. — A respeito de?
Suas narinas se dilataram. — Aquela noite. Devo acreditar que você
realmente esqueceu tudo sobre isso? E que isso não tem contribuição alguma
para a maneira como você tem se comportado nas últimas semanas? Me
ignorando, destruindo os vestidos que compro para você, se recusando a
aparecer nos eventos que devemos frequentar juntos como um casal —
— Valerian — Minha raiva ameaçou explodir, mas eu a reprimi, cada vez
mais fundo. — Não acredito que você veio até aqui só para reclamar e
implicar porque eu finalmente entendi o recado e fiz exatamente o que você
queria. Prometi jantar com a Duquesa Adelina, que será daqui a poucos
minutos. Então, sugiro que vá direto ao ponto, e se não for o caso, por favor,
me dê licença.
— Esta noite — ele diz de repente, e meu coração dá um salto para fora de
sua gélida prisão. Meus passos vacilam levemente quando ele acrescenta: —
Eu vou te ver esta noite.
Olho para trás, com minha expressão mais vazia e digo: — Mal posso
esperar.
Não se pode amar um homem e se desprender dele de verdade,
completamente. Seu corpo ainda pode cantar ao seu toque, seu coração ainda
pode voar quando ele sussurra seu nome. A única coisa que se pode controlar,
no entanto, é como você reage.
Então, eu olho para o teto, traçando cada detalhe intrincado do design e
mordo meu lábio até sangrar para evitar gemer.
A cabeça de Valerian cai na curva do meu pescoço, e seus cabelos fazem
cócegas em minhas narinas. Ele cheira a shampoo e óleos ricos. Sua pele
cheira a especiarias, e ele sua, espalhando seu cheiro por todo o meu corpo.
Eu seguro os lençóis com força, rasgando-os e minhas palmas com minhas
unhas compridas para evitar me contorcer. Ele saberia se eu o fizesse. Ele
saberia que eu quero que ele continue. Os movimentos lentos e gentis não
parecem me satisfazer hoje. Estou com muita raiva para ser tratada com
delicadeza. O frio e sufocante abraço do ódio quer algo menos terno, algo
mais selvagem.
Por que me tratar com carinho se ele deixa hematomas nas outras? O que me
torna diferente?
O desprezo brota no meu peito, e eu solto um suspiro irritado, desviando meu
olhar ardente para a porta.
Valerian para e apoia os braços, tirando seu peso de cima da minha pele. —
Olhe para mim.
Eu não olho, contando cada linha desenhada na porta. Todas as vinte e sete.
— Você quer que eu pare com isso?
Eu pisco devagar, ainda olhando para a porta. — Claro que não. Você nem
ejaculou ainda.
Ele se retira abruptamente, e eu me contraio tão forte que minha visão
escurece. Deusa. Eu não queria que ele parasse. Mas nunca vou admitir isso.
Nunca vou pedir. Nunca vou buscar mais ou implorar por isso.
A cama ao meu lado afunda, e as roupas sussurram. — Precisamos conversar.
Sobre isso. Sobre tudo. Sua atitude está começando a me irritar —
— Dito pelo homem que provavelmente faria sexo com uma parede se ela
consentisse — sento, pegando meu robe azul. — Estou entediada, cansada e
preciso tomar um banho. — Faço uma careta de nojo para meu corpo —
mesmo que seja a última coisa que sinto, antes de voltar meu olhar para ele.
Ele apenas senta, os punhos cerrados, os lábios apertados.
— E então? Vá embora, Valerian.
Seus olhos se fecham. Ele expira profundamente. Seus punhos se abrem e
fecham, seu pescoço se inclina de forma graciosa, mas assustadora, e um
aviso silencioso ecoa no fundo da minha mente antes que meu robe seja
arrancado da minha pele e eu esteja deitada de costas mais uma vez.
— Você quer brincar assim, Oleia? — Ele rosna, os dedos circulando meu
pescoço, repousando sobre meu pulso acelerado. — Tudo bem.
O desgraçado se inclina e enterra os dentes no meu ombro. Eu grito, fogo,
ardente e cru, queima através da minha pele, espalhando-se até os dedos dos
meus pés. Meu corpo se arqueia instintivamente para tentar me livrar dele,
minha mão agarrando seus braços, mas ele não solta. A dor penetra mais
fundo, implacável, arrancando outro grito enquanto meu corpo se debate
contra ele.
Meus membros enfraquecem, meu mundo se reduz à queimadura excruciante
e, justo quando eu acho que ele vai me matar, seus lábios sugam com força, e
eu morro de uma morte diferente.
Algo escuro e elétrico pulsa no meu sangue, inundando minhas veias com
uma onda febril. Eu arfao, sentindo ele entrar em mim com uma enfiada
impiedosa e furiosa. Meus membros ficam moles enquanto uma necessidade
ardente crepita dentro de mim como lenha em uma lareira acesa.
A luxúria queima cada terminação nervosa, apagando minha raiva, meu
orgulho, o frio terrível no meu peito, tudo, exceto a necessidade primitiva e
enlouquecedora de tê-lo. Sua mordida venenosa se espalha como fogo
líquido, consumindo todo pensamento racional enquanto ele me fode com
força, agarrando meu pescoço firmemente.
Eu luto por mais. Quero subir no seu colo e levar o pau dele mais fundo
dentro de mim, até sentir apenas dor. Até eu ser uma bagunça trêmida e
molhada, uma vadiazinha sem pensamentos. Quero cavalgá-lo até minha
força me abandonar, até eu estar ofegante, gemendo e tremendo.
Suas presas se retraem levemente e suas palavras são emboladas, quase
inaudíveis, quando ele diz: — Isso é o que acontece quando eu me alimento.
— Ele geme um som erótico que me transforma em um animal selvagem. —
Não consigo parar, Oleia. Você é a melhor que já tive.
Eu não sei o que isso significa e não me importo.
Minhas coxas se travam nas dele e seus quadris empurram para frente. Eu
gemo, enterrando minhas unhas o mais fundo que podem ir em seus braços.
O suor escorre da minha pele, apesar do frio, minhas coxas internas
escorregadias e molhadas enquanto batem contra Valerian.
Suas presas mergulham mais fundo e, na próxima sugada profunda, eu me
contorço, meus quadris girando por conta própria enquanto cavalgo com
força e rapidez, caindo em um oceano negro de desejo, onde nada mais existe
além do pulso de sua boca na minha pele e dos sons que seu pau faz ao entrar
com força.
Eu me sinto febril, sem fôlego, como se não conseguisse ar suficiente, mesmo
agarrada a ele. Uma estranha náusea que não combina com o calor no meu
núcleo, mas o interrompe, agita meu estômago.
Meus olhos se abrem e o mundo desfoca e inclina. A náusea golpeia meu
peito, quente e afiada o suficiente para que eu pare, piscando rapidamente. —
Valerian — eu alerto, agarrando seu pulso, tentando tirá-lo do meu pescoço.
Sua pegada só aperta mais. — Não consigo... — ele suspira, sua voz tensa.
Eu quero explicar que não me sinto bem e talvez precise de ar, mas meu
mundo gira novamente, uma onda de tontura me varrendo. Meu estômago se
contorce violentamente, algo errado subindo pelo meu peito.
— Sai de cima de mim! — eu grito, e ele se afasta bruscamente, mas já é
tarde demais.
Eu engasgo com minhas palavras, o gosto amargo de bile enchendo minha
boca, e eu me contorço, tentando me virar o melhor que posso — o que não é
muito — e vomito tudo no peito de Valerian.
C A P ÍT U L O 8
VALERIAN
risada de Cyril ecoa pelo estudo como unhas arranhando um quadro
A negro. — Quem diria que um dia eu veria uma mulher tão horrorizada
por você que vomitaria e desmaiaria durante o sexo? — Ele ri mais
alto, como se fosse uma piada que ele não consegue parar de saborear, e eu
nunca o odiei tanto quanto neste momento.
Tudo mudou no momento em que eu a vi. Tudo. Tudo se tornou... difícil.
Eu não sabia sobre o casamento até que os preparativos estavam sendo feitos.
Era apenas mais um acordo, mais uma transação. Isso, no entanto, puxou a
corda e a esticou. Vampiros, eu entendia. Humanos, toleráveis. Lobisomens?
Meu sangue fervia só de pensar nisso por dias. Por que me amarrar às
mesmas criaturas às quais dediquei quase metade da minha vida a profanar?
Eles eram irrefletidos, raivosos, incontroláveis, desajeitados, e o sangue deles
tinha um gosto horrível.
Mas passei a vida inteira obedecendo às leis. As palavras do meu pai são lei.
Aprendi da pior maneira o que acontece quando o desobedeço. Pessoas de
quem eu gosto morrem. Então, seria minha culpa, porque todos os outros
eram descartáveis. Exceto meu pai e eu. Somos o futuro do nosso povo, ele
costumava dizer.
Isso não quer dizer que eu desprezava quem eu era. Eu gostava da atenção
que recebia em minha juventude, quando percebi que era mais bonito que a
maioria. Mesmo aos catorze anos, as mulheres comprometidas e casadas da
corte do meu pai me procuravam e pensavam em coisas tão vis. Eu gostava
dos meus privilégios principescos. Eu gostava de transar e me alimentar. Eu
gostava da dor e do medo que eu causava e, muitas vezes, quanto maior
fosse, maior era o prazer que eu sentia.
Mas isso se tornou terrivelmente entediante em algum momento. Eu buscava
mais do que o leve bater da carne entre as coxas de uma mulher ou o viciante
sabor de canela do sangue humano. Eu buscava um propósito. Um sentido.
Uma conexão mais profunda do que meu pau em uma boceta apertada.
Encontrei isso anos mais tarde, no grande coração de uma escrava humana.
Ela foi a primeira mulher que eu amei e a primeira que eu matei. Eu não sabia
na época que eu a tinha condenado a uma morte dolorosa ao amá-la e deitá-
la. Ela engravidou de mim, e meu pai, apesar de sua firme reprovação, de
repente a acolheu, como se tudo estivesse bem. A saúde dela se deteriorou
rapidamente nas primeiras semanas. Mas eu não percebi até que era tarde
demais. Ela sangrou até a morte e, em seu último suspiro, me amaldiçoou.
Me chamou de monstro.
Ela não foi a última mulher a fazer isso.
Eu amei, eu perdi e eu estava cheio disso. Cheio dos casamentos, das noivas
que cresciam em mim e que acabariam odiando cada fibra do meu ser em
seus leitos de morte. Mas aquela vida não tinha terminado comigo, parece.
Para sobreviver a outra cerimônia tediosa, eu tinha bebido até cair daquela
maldita sacada. Mal me lembro de me vestir naquela noite, de chegar ao
evento ou da advertência severa do meu avô para não estragar tudo. Mas
lembro do gosto do batom de Oleia e de como o primeiro cheiro do perfume
dela me deixou com tanta sede. Lembro da sua respiração cortante quando
nossos olhares se encontraram e se prenderam, ela me sondando como se
tentasse entender algo em mim que eu mesmo não entendia. Lembro da
risada nervosa dela e do calor dos seus dedos quando eles envolveram os
meus. Como me senti estranho, como se o calor fluísse das mãos dela para as
minhas. Como aquilo parecia certo.
Quando a beijei, mordi seu lábio e provei o seu sangue, entendi a fome. Fome
de verdade. O álcool a tinha abafado, mas tudo o que eu conseguia pensar era
em arrancar o vestido de noiva dela. Era lindo — caramba, tudo parecia
absurdamente deslumbrante nela, mas ela mal conseguia respirar naquele
espartilho, e eu podia perceber, toda vez que ela ajustava a tiara, que estava
machucando o seu couro cabeludo.
Eu a encarei naquela noite, me perguntando por que diabos ela passou por
todo aquele esforço por um homem que não conhecia. Por que usou meu
nome tão formalmente, como se fôssemos amigos há anos. Por que me olhou
com aquele sorriso. Como se eu não fosse um monstro que se orgulhava de
empalar as cabeças do seu povo. Ela parecia o sol nas minhas mãos,
incrivelmente quente e pura. Eu precisava de um pouco disso, ao menos para
me livrar das bordas cinzentas e frias do meu mundo.
E quando a levei para a cama, nem consegui fodê-la como queria. Tive medo
de quebrá-la. Ela era tão frágil, tão nervosa, tão ansiosa. Fiquei me
perguntando se tinha medo de mim, e, embora isso normalmente fosse um
grande estímulo, me deu vontade de beijá-la com mais força, machucá-la de
maneiras que ela teria amado, arrebentá-la... protegê-la de mim mesmo e
daquela fome interminável.
Senti a boceta dela apertar em volta do meu pau e soube que ela era minha.
Sempre achei que transar com virgens era tedioso — além de ter que guiá-las,
elas sempre se apegavam. De alguma forma, a visão do sangue dela
despertou em mim uma excitação sombria e possessiva. Uma necessidade
feroz ardia em mim, profunda e violenta, como se alguma parte escura, antiga
e desconhecida de mim tivesse acordado de anos de letargo. Aquilo me
impulsionava, me instigando a marcá-la de várias maneiras, a mergulhar nela
e nunca mais emergir, a tomar tudo o que ela era e tornar isso parte de mim, a
ser o último, o único que ouviria os gemidos dela e nunca a soltaria. Possuir.
Era irracional e eu não conseguia lidar com aquilo.
Por causa dela, me reduzi a um virjão faminto, gemendo com seus toques
tímidos. Ela nem sequer entendia como eu precisava que os joelhos dela se
dobrassem ao contrário, sua pele coberta pelas minhas marcas e sua boceta
machucada. Mas eu não podia fazer isso. Toda vez que o pensamento vinha,
era dominado por aquele impulso de preservar. Proteger.
Eu menti para ela. Como eu poderia esquecer aquela noite? Ela abriu aqueles
lábios doces e inocentes e disse que me amava.
— Vai à merda — rosnê, andando de um lado para o outro do meu escritório,
impaciente. Ainda cheirava a sexo e vômito, mas tinha coisas mais
importantes com que me preocupar. Ela está doente? Ela tem comido menos
recentemente, sua cor está mais pálida e sua figura mais magra. Ela nunca
comia os pratos que eu mandava para o quarto dela, e na mesa, quase não
tocava na comida. Muitas vezes me peguei no chão do castelo dela, decidindo
explicar que eu não tinha fodido as outras porque não cheiravam nem sentiam
como ela. Merdas sempre acontecem durante a alimentação, e os feromônios
ampliam o desejo delas. Mas eu não estava a fim de me explicar para uma
mulher da qual eu não queria me importar. Ou para qualquer pessoa, aliás.
E era melhor que ela me odiasse, de qualquer forma. Seria muito mais fácil
lidar com o que viria depois, quando ela descobrisse que meu pai não deu a
mínima para o tratado ou para a paz entre nossas raças.
O Rei Marcus trabalhou duro demais para nos trazer até aqui, duro demais
para nos manter seguros daqueles que nos condenaram à morte, nos viram
como ameaças ao mundo e nos caçaram para entregar tudo isso pela grande
ilusão da paz. Meu pai quer o poder absoluto, com apenas um rei, e, por
muito tempo, enquanto eu era sua mão direita, sua arma mais letal, eu quis a
mesma coisa. Não consigo lembrar quando comecei a odiar isso ou quando o
olhar de puro medo nos rostos de cada um que eu matei começou a persistir,
pintando as paredes do meu quarto de escuridão, assombrando meus sonhos.
Não me lembro quando a sensação da água escorrendo pela minha pele me
lembrou do sangue, ou quando os pesadelos se tornaram tão vívidos que eu
mal conseguia dormir sem acordar com o gosto de sangue na boca. É por isso
que sempre durmo sozinho. Ainda não consigo controlar isso — a sede de
sangue.
Cyril levanta as mãos em uma rendição falsa, o licor derramando da taça
sobre o raro Tabriz do século XIX que ganhei de presente de uma amante
querida anos atrás. Ele se move com um murmúrio de desculpas, jogando-se
no meu sofá e cruzando os sapatos polidos. — Relaxa, Val. Não imaginei que
você se importasse tanto com aquela ali.
Minha resposta é rápida e seca. — Eu não me importo com ela. A verdade é
que eu não queria me importar. Odeio que eu me importe. Odeio que toda vez
que entro no quarto dela e a toco, esqueço por que estou lá e assumo uma
vulnerabilidade que não faz parte de quem eu sou.
— Uh-huh — ele sorri com ar de quem sabe de algo, tomando um gole do
copo. — Então eu posso ter a minha vez com ela?
Fidelidade entre a minha espécie era tão rara quanto um eclipse. Não era um
requisito em qualquer relacionamento. De qualquer forma, a maioria de nós
tende a relações abertas. A luxúria é e sempre foi parte da nossa natureza, e,
ao contrário dos lobos, não existem laços ou acasalamento para a vida toda.
Isso é entediante pra caralho.
Ainda assim, a ideia dos dedos de Cyril na pele quente de Oleia me faz
mostrar os dentes de forma selvagem antes que eu possa pensar. Ele ri,
erguendo levemente o copo, e eu começo a reconsiderar minhas escolhas de
amizades. Cyril é um bastardo psicótico, mas é por isso que nos damos tão
bem. Eu sorrio. — Então você vai me deixar ter a Alice também?
Cyril me lança um olhar perigoso que congelaria o gelo. — Só se você
prometer que será um ménage. Como nos velhos tempos.
Ele não está falando sério. O último homem que a tocou foi encontrado morto
no bueiro fora de sua mansão, com os dedos faltando. Eu rio, sentando ao
lado dele no sofá e relaxando um pouco, mesmo que meus ouvidos estejam
atentos a cada som lá fora, na esperança de que o médico entre e me diga o
que pode estar errado com Oleia. — O que você descobriu?
— A arrogância de Aamon é apenas uma fachada. Seus cofres estão quase
vazios. Se o seu pai decidir atacar novamente, haverá pouca resistência desta
vez. Isso me faz pensar se o acordo para o casamento não foi apenas por
poder, mas também por dinheiro. — Ele se levanta para encher o copo com o
meu vinho mais caro e, quando cai na cadeira novamente, pergunta: — Eu
não tenho amor por esses filhos da puta, mas não acha que já é demais? Essa
merda de dominação mundial. Já conquistamos o suficiente para sermos
temidos. Não haverá graça se os lobos forem extintos.
Meus dedos batem no braço do sofá. — Nós também seremos, se ele
continuar com isso.
— Você não acha que já está na hora dele abdicar?
Eu lanço um olhar afiado para Cyril. — Cuidado com o que diz antes que
alguém quebre o seu pescoço por falar em traição.
Os olhos de Cyril escurecem com um foco predatório e sua expressão se
torna amarga. — Ele perdeu a cabeça e você sabe disso. Deixou de ser sobre
recuperar nossas vidas quando ele matou as crianças deles e manteve as
mulheres para si, apenas para matá-las depois de as desonrar. Deixou de ser
sobre o bem do nosso povo quando ele arrancou o pescoço da própria esposa
por sugerir que ele estava exagerando e que haveria consequências.
Consequências que todos nós agora sofremos —
— Vou fingir que não tivemos essa conversa. Você está bêbado —
— Quando você vai parar de ser um merda e fazer a coisa certa?! — ele
rosna.
Eu solto um suspiro agudo e, num piscar de olhos, tenho sua gravata xadrez
em minha mão, puxando-o por ela. — Eu sou o merda? Não é você quem
segue cada ordem dele, esperando por ele como um maldito cão pronto para
buscar? E quando ele matou o seu pai pela mesma traição que você
menciona, quem ficou ao lado dele, ao seu lado e segurou a sua mão? Fui eu.
— Eu o empurro e ele dá um passo para trás, abrindo a boca sem dúvida para
retrucar. — Não me provoque, Cy. Você e eu sabemos que o meu pai pode
estar fora da realidade, mas ele sempre está três passos à frente.
Ele respira fundo, os olhos negros brilhando com desafio, e justo quando eu
penso que ele vai soltar e rir como sempre faz, ele diz: — Ela te viu no
lounge? É por isso que ela não fala mais com você?
Meus músculos se tensionam. — Como você…
Os lábios de Cyril se curvam em um sorriso, e de repente tudo faz sentido. Eu
estava chocado por tê-la encontrado no salão, mas imaginei que sua
curiosidade havia tomado conta. — Por que diabos você a levou para lá,
sabendo que eu fui me alimentar?!
Ele se encolhe, caminhando novamente até minha mesa e pegando a garrafa
inteira. — Eu estava entediado, e ela é um bom passatempo.
Meus punhos coçavam para arrancar aquela expressão indiferente do rosto
dele, mas não era culpa dele que minha esposa tivesse o dom de aparecer nas
piores horas.
Uma batida suave na porta interrompe meus pensamentos, e eu viro a cabeça
para o médico, seus olhos velhos e marejados piscando atrás de lentes
circulares. — Ela está acordada e bem agora. Ela chamou por você.
Hesito por um segundo, meu orgulho lutando contra a preocupação, mas
estou fora da porta antes que eu possa repensar, o riso estrondoso de Cyril me
seguindo enquanto desço as escadas dois degraus por vez. Preciso verificar se
ela está bem e se eu não a machuquei ao extrair muito sangue e ser tão
intenso. Me arrependi no momento em que ela cambaleou e caiu para trás,
inconsciente e pálida como a morte, sua pele tão fria que eu perdi o controle,
correndo para chamar o médico com apenas um roupão cobrindo minha
nudez.
Eu me envergonho ao pensar nisso. Não entendo o que há nela que me faz
perder a cabeça. Eu nem gosto dela.
Meus passos diminuem quando chego ao patamar e vejo o guarda-costas. Um
gelo percorre minha pele, e um gosto amargo enche minha boca quando ele
me lança um olhar cheio de ódio. Isso deveria me divertir como na primeira
vez que ele me deu esse olhar em nossa noite de núpcias, mas não mais. Não
depois de vê-lo pressionar os lábios contra a pele dela mais cedo. Não depois
de notar a forma como ele a olhava em frente à prefeitura.
Me irrita profundamente que ela tenha sorrido para ele quando não olhou
para mim por vinte e um dias. Eles têm um relacionamento mais profundo do
que o meu com ela, e eu me pergunto o que é isso. Eu me pergunto se ela
sabe que seu guarda a observa com profundo anseio. Eu me pergunto se ela
sabe que, toda vez que eu apareço perto de sua porta, a raiva e a frustração
dele se tornam tão fortes que eu quase posso sentir o cheiro. Eu me pergunto
se ela sabe que ele a ama. Eu me pergunto se isso mudaria alguma coisa se
ela descobrisse.
Estendendo a mão para a maçaneta, entro no quarto, fechando a porta
suavemente atrás de mim.
Ela está no sofá, encarando o fogo com uma expressão vazia. As roupas de
cama foram trocadas, assim como suas roupas. Seus cabelos loiros, tão claros
que lembram prata, estão pingando molhados em seu robe de seda vermelho,
e ela seca distraidamente com uma toalha branca.
A luz do fogo ilumina seu perfil, e o que quer que o médico lhe tenha dado
deve ter ajudado, pois a cor voltou a sua pele clara e lábios. Eu olho para
estes últimos por um momento a mais, engolindo a secura repentina em
minha garganta. Seu lábio inferior luxuriante, ligeiramente mais cheio que o
superior, me atrai enquanto ela desliza a língua sobre ele e depois o prende
entre os dentes.
Suas sobrancelhas loiras se franzem enquanto uma expressão perturbada
toma conta dela, e eu me vejo me afastando da porta, dando um passo à
frente. — Você me chamou.
Sua pele macia se tensiona, mas ela acena de qualquer maneira, sua expressão
se suavizando. Eu comecei a odiar isso também. Aquele olhar vazio. Odeio
não conseguir lê-la. Isso me irrita, rastejando sob minha pele e vivendo ali,
me instigando a desvendar os mistérios que ela esconde atrás da parede de
gelo que mantém entre nós.
Ela inclina levemente a cabeça prateada, e meu pau se mexe ao ver seus olhos
verdes de sereia. Isso acontece sempre que ela está por perto, me olha ou me
toca. Nunca estive tão louco por uma mulher assim, nem mesmo quando
estava apaixonado.
Ajusto-me de um pé para o outro para esconder o volume em minhas calças,
meus lábios se curvando em um sorriso irritado. Estar perto dela está
lentamente se tornando um incômodo.
Por um momento, ela apenas me encara, seus dedos se enrolando no colo,
antes de soltar a bomba. — Estou grávida.
C A P ÍT U L O 9
OLEIA
ão imaginava que duas palavras pudessem mudar meu mundo de forma
N tão drástica.
Por um bom tempo após o médico dar a notícia, pressionei meus dedos contra
o estômago, curiosa, esperando sentir... algo. Não senti. Então me levantei,
esfregando a extensão da barriga, virando para a esquerda e direita na frente
do espelho.
Não sabia como me sentir a respeito. Estava confusa. Até perturbada. Tudo
de repente se tornou tão real, que me atingiu como um soco no estômago.
Mãe aos dezoito anos. O que eu sabia sobre maternidade? E aqui? Neste
lugar horrível? Eu queria criar uma criança aqui?
Dar a notícia ao Valerian eu mesma... Eu precisava ver o que ele pensaria
sobre isso. Esperava irritação ou indiferença. Mas ele sorriu. Aqueles tipos de
sorrisos que iluminam os olhos como estrelas e ele atravessou o quarto,
envolvendo-me em seus braços. Por um minuto inteiro, ele ficou todo meigo
comigo. Beijou meu pescoço, meu cabelo, minhas sobrancelhas. Ele riu e me
abraçou mais forte. Então sussurrou algo em russo e riu de novo, beijando o
ponto sob minha orelha e a curva da minha boca.
Meus olhos se arregalaram por uma fração de segundo, antes que ele de
repente se afastasse e se desculpasse, seu rosto correspondendo ao mesmo
tom de escarlate que corria pelo meu. Então, uma sombra repentina cruzou
seus olhos. Parecia muito com medo para ignorar, mas eu não perguntei.
De alguma forma, o castelo inteiro soube até a manhã seguinte.
Lentamente, começou com novos guardas postados do lado de fora da minha
porta. Quatro deles, além de Darian. Eles me seguiam para todo lugar. Para as
aulas, para os jardins, para a corte. Mantinham uma distância segura, mas eu
conseguia senti-los ao redor, sempre.
No dia seguinte, fui informada de que faria as refeições no meu quarto, por
ordem direta do rei. Minhas caminhadas noturnas foram interrompidas. Quem
sabia? Eu poderia machucar o "bebê real" se acabasse escorregando nos
degraus curtos que levavam ao jardim externo. Eu não sabia que era "tão"
desastrada.
No dia seguinte, veio algo ainda mais absurdo. Eu não podia mais me lavar,
ou, na verdade, levantar um dedo. Foram designadas mais três empregadas,
além da Crystal, que tinha estado visivelmente ausente e cada vez mais
distante recentemente.
Não perdi o medo nos olhos dela quando dei a notícia, ou como aquele olhar
assustado nunca saía de seus olhos. Como se ela soubesse de algo que eu não
sabia. Mas toda vez que eu perguntava, ela ria e mudava de assunto de
maneira tão inteligente que eu parecia nunca me lembrar do que queria dizer.
No quinto dia, comecei a receber presentes, congratulações de pessoas que eu
não conhecia. Às vezes, do Valerian.
Este último começou com uma caixa de doces com um pequeno bilhete que
eu não me dei ao trabalho de ler antes de jogar fora. E então vieram as flores
e os vestidos lindos, sapatos, livros e joias raras. Era um bilhete atrás do
outro, e minha curiosidade logo superou, levando-me a lê-los.
Não sei seus favoritos pessoais, mas sua irmã— a selvagem— mencionou que
você é fascinada por fantasia e safadeza. Talvez, um dia, você mesma me
conte seus favoritos.— V
Vire o papel, há uma linha riscada, escrita no canto, com letra pequena,
parece que ele não queria que eu encontrasse:
Nunca escrevi uma carta para ninguém e temo que você possa achar isso
inadequado.
Me pego sorrindo, mesmo sem querer. Ele havia falado com Astrid. Eu não
poderia jogá-la fora. Não conseguia fazer isso, então a escondi no livro que
ele me enviou, debaixo dos meus travesseiros e lençóis, mesmo que já tivesse
lido o livro antes.
Logo, comecei a receber visitas dele. Logo percebi que ele só estava presente
por causa do bebê, assim como todos os outros. E então, recebi inúmeros
chamados para seu quarto, nenhum dos quais atendi, fingindo cansaço ou
doença. A ideia de estar no quarto dele, onde ele sem dúvida dormiu com
todas as mulheres da corte, me incomodava. Os chamados logo pararam e as
visitas logo se tornaram opressivas, entrando e saindo do meu quarto sempre
que ele bem entendia.
— Meu pai estará presente? — pergunto, sentada imóvel enquanto arrumam
meu cabelo.
Valerian está sentado no meu sofá, esperando para me levar ao baile em
homenagem às boas notícias. — Ele recebeu um convite, mas isso ainda está
para ser visto.
— E minhas irmãs? Elas aceitaram os convites? — Elas não têm motivo para
recusar. A Deusa sabe o quanto sinto falta delas. Quero tê-las aqui, mesmo
que seja só por uma noite. Quero ouvir Penélope falar sem parar, os
comentários ácidos de Astrid e as risadas e teorias malucas de Lena.
Vejo Valerian se inclinar para frente, entrelaçando os dedos. — Decidi que
era melhor diminuir o número de convidados do outro lado —
— Convidados? — ecoo, provando a palavra na língua e achando-a ofensiva.
— Elas são família, mais do que você ou os seus jamais serão para mim.
Uma das empregadas suspira. A outra puxa meus cabelos com força, e
quando eu sibilo, ela se desculpa, não comigo, mas com Valerian.
Seus olhos negros encontram os meus no espelho e se fixam. Sua mandíbula
se contrai e, sem desviar o olhar, ele diz: — Vocês estão dispensadas.
Permaneço sentada enquanto elas saem, alcançando as lágrimas azuis e o
colar combinando. Sinto o calor de Valerian atrás de mim antes que seus
dedos rocem os meus, pegando o colar. Ele está frio contra minha pele
enquanto ele o prende suavemente ao redor do meu pescoço. — Já
conversamos sobre isso várias vezes, Oleia. Se tem alguma coisa contra mim,
faça isso em privado. — Seus dedos acariciam a extensão da minha orelha
antes que ele coloque os brincos em seus respectivos furos. — Não pense que
sou tão tolerante a ponto de condonar sua constante falta de respeito comigo
em público.
Uma risada ofegante sacode meus ombros nus. — E o que você fará comigo?
Me negligenciar? Levar outra mulher para a cama? Ou... você vai arrancar
minha garganta depois de drenar meu sangue? Você e eu sabemos que eu não
me importo mais com quem você compartilha sua cama, e você não pode me
matar porque precisa de mim. Você se tornou terrivelmente previsível,
marido.
Brilhante, o vestido vermelho desliza ao chão e se acumula em volta dos
meus pés como uma poça de sangue. Mais um dos vestidos bonitos e
escandalosos de Valerian. Meus seios estão mais cheios e o decote cavado faz
maravilhas para o meu colo. As fendas laterais sobem perigosamente,
parando logo antes dos meus quadris, mas as saias as escondem o suficiente
para dar a ilusão de um vestido de baile. Isto é, até eu andar.
É deslumbrante. Caótico e perigoso, sim, mas combina com tudo o que sinto
neste momento. Talvez tenha demorado um pouco para eu perceber, mas sou
importante para Valerian. Pode não ser da forma que eu queria quando
cheguei, mas não me importo mais com uma história de amor de tirar o
fôlego que parecia mágica. Não me importo mais com as afeições ou a
aprovação de Valerian.
Minha cadeira é movida de repente, silenciosamente, suavemente, sem um
único rangido, e seguro minha respiração enquanto Valerian se ajoelha entre
minhas coxas, suas sobrancelhas se franzindo de concentração enquanto ele
calça meus pés em um par de salto agulha vermelho de quatro dedos que
alongam minhas pernas. Suas pontas dos dedos deslizam levemente sobre
meu tornozelo esquerdo, e eu arranco meu pé de seu aperto com o calor que
se desenrola em meu ventre.
Mas ele não solta, seu aperto se firma até que eu faço uma careta. —
Previsível? — murmura, pressionando um beijo na curva do meu pé, seus
olhos se fixando nos meus conforme sobem. Seus lábios se curvam em um
sorriso contra minha pele. — Vou te mostrar o que é previsível.
Eu só disse aquilo para irritá-lo. Fingir que ele não existe, notar todo mundo
menos ele em uma reunião, agir como se o toque dele não me afetasse,
estreitar os olhos com uma expressão entediada e vazia — essas coisas o
deixam furioso. Eu gosto de deixá-lo furioso.
Mas isso... definitivamente não é previsível quando ele puxa minha coxa
direita para frente, enganchando-a sobre o ombro dele. Ele não desvia o olhar
de mim enquanto se inclina, pressionando o nariz contra a pele, inalando.
Eu deveria mandá-lo parar, mas estou presa no abismo sem fundo dos olhos
negros dele, as partículas prateadas neles dançando de excitação, que ele
mantém controladas sob uma pele firme e assustadoramente bela e um
smoking preto e impecável que grita riqueza e poder. E, embora eu odeie
admitir, a visão dele de joelhos, vestido como o sonho erótico de qualquer
mulher, me faz sentir coisas pelas quais vou me amaldiçoar depois.
O relógio frio dele desliza sobre minhas coxas quentes enquanto ele abre a
fenda esquerda do meu vestido até que minha calcinha nuda de alças finas
fique à vista. Os olhos dele brilham em vermelho por um breve momento, e
ele me puxa para a borda da cadeira, minha coxa sobre o ombro dele subindo
mais alto. Meus dedos se curvam em punhos, cravando-se na madeira
enquanto eu controlo minha respiração.
As presas dele arranham a parte interna da minha coxa, logo abaixo da borda
da minha calcinha, e o gume afiado do sangue enche o ar. Meu sangue. Eu
arfo enquanto ele lambe, devagar, até que a picada acalma e meu interior se
contrai. É preciso toda a minha força de vontade para não mover meus
quadris para a esquerda, para forçar a língua dele para onde eu preciso.
— Isso é... grotescamente inapropriado — eu arfao, enquanto leva uma
eternidade dolorosa para ele afastar minha calcinha.
A risada dele reverbera ao longo da minha pele, e meus mamilos já doloridos
apertam-se contra o tecido do vestido, precisando de uma carícia. Ou duas.
Ou um beliscão. Talvez um forte. Ou um toque violento. — Ah, você gosta
quando eu sou grotescamente inapropriado, zvezdochka — . Os dedos
indicador e médio dele deslizam sob minha calcinha e pressionam contra
minha entrada úmida, rudemente, sem remorso, e de forma... possessiva. —
Muito, aparentemente.
Eu geralmente não xingo, mas tenho uma enxurrada de palavrões na ponta da
língua para atirar nele. A boca dele volta àquele ponto sensível que ele
marcou, e eu esqueço a primeira e a segunda palavra enquanto a língua dele
traça sobre a mordida que está cicatrizando no exato momento em que os
dedos dele entram. Minha cabeça cai contra o encosto da cadeira, e eu mordo
o lábio inferior para engolir. Eu não vou. Não vou gemer para ele.
Minhas unhas cravam-se na madeira. Minha coxa treme contra o ombro dele
enquanto ele empurra mais fundo, enganchando o dedo dentro de mim,
arranhando minhas paredes. Lágrimas surgem nos meus olhos, e de repente
sinto uma pressão na parte inferior do meu ventre. É tão bom que meus
quadris se arqueiam da cadeira, sugando ele para dentro.
Ele me arranha de novo, me saboreia, lambe até a ferida cicatrizar. E ele
simplesmente repete, movendo os dedos para dentro e para fora de mim até
que eu esteja escorrendo pelos dedos dele, pelo meu vestido. Ainda assim, me
recuso a fazer um som para ele. Me recuso a dizer que preciso que ele vá
mais rápido e mais fundo. Mas ele sabe, porque o ritmo aumenta e me vejo à
beira do orgasmo e da insanidade. E justo quando minhas paredes internas
começam a tremer, ele sai de mim, empurrando meu orgasmo para trás, e um
rosnado de raiva escapa da minha garganta.
Meus dedos deslizam para o cabelo perfeitamente arrumado dele, e sinto
tanta satisfação ao puxar os fios, espalhando-os pelo rosto dele, puxando-o
para perto com a mesma violência com que ele me puxou. De alguma forma,
ele parece ainda mais atraente despenteado. — Termine o que começou ou
caia fora.
— Diga por favor.
— Apodreça no Inferno — eu digo.
Os olhos dele apenas escurecem. — Já estou lá, Oleia. — Ele se inclina para
frente, pressionando o nariz contra meu clitóris, e meus quadris se arqueiam
duas vezes, uma fome incontrolável me enchendo, lembrando-me de como
estou vazia sem os dedos dele. — O evento pode esperar. A única maneira de
eu sair daqui é quando tiver minha língua enterrada fundo na sua buceta, seu
gozo escorrendo pela minha língua, sua voz rouca implorando por mais e seu
corpo tremendo.
Meu peito sobe e desce, as bordas da minha contenção se desfazendo. Eu o
odeio. Odeio a boca suja dele. Odeio que alguém provavelmente já tenha
ouvido essa frase. E o pensamento não me deixa menos molhada. — Por que
você está fazendo isso comigo?
Ele se afasta apenas para me olhar nos olhos. — Porque eu posso.
É a resposta errada, mas, pelo amor de Deus, se isso não faz a puta dentro de
mim gemer. Mas eu morreria e deixaria a terra me engolir antes de admitir
isso. Ou de dizer por favor. Talvez se eu continuar falando, a ardência no
meu íntimo diminua e eu tenha neurônios suficientes para lembrar por que o
excluí em primeiro lugar e o evitei por dias a fio. — E para quantas mulheres
você já disse isso?
Ele puxa minha calcinha e a estala de volta contra meu clitóris, arrancando
um suspiro afiado e uma contração intensa. — Apenas uma. Aquela que luta
contra isso toda maldita vez — e deseja mais do que jamais admitirá.
Mordo o lábio inferior e olho fundo em seus olhos, deixando que ele veja
quanta paciência me resta para suas palhaçadas — nenhuma. Repito, com
tom condescendente, porém rouco. — Termina ou vai embora.
É uma batalha de vontades entre nós, e eu não cedo. Ele pisca, longos cílios
acariciando suas maçãs do rosto, e geme internamente, cedendo primeiro.
Ótimo, porque qualquer segundo a mais com ele respirando contra mim e eu
teria cedido no lugar dele.
Engasgo com um suspiro quando ele aplaina a língua ao longo do meu
clitóris e arrasta tão devagar que fico sem ar. Sua língua desce, parando logo
antes da entrada, e a única coisa que me mantém na cadeira é o aperto que ele
tem na minha coxa. Ele geme, e eu estou mais aliviada do que jamais
admitiria por não ter que implorar por isso. Porque, se ele repetisse aquilo de
novo, eu teria chorado por isso.
— Oh — começo quando sua língua ultrapassa a entrada. Nunca
experimentei isso antes, e, nos primeiros segundos, estou confusa e tão
excitada que dói. Sua boca é calor e seda contra mim, sua língua criando um
ritmo pecaminoso que faz meus dedos dos pés se enrolarem. Ele toma seu
tempo, cada beijo e carícia construindo uma tensão tão deliciosamente
insuportável que eu grito: — Valerian!
Meus quadris se movem sozinhos, impulsionados por uma necessidade
primitiva, seus movimentos indo mais fundo, enviando pulsos elétricos pelas
minhas veias. Seus movimentos se intensificam, circulando, cutucando,
mergulhando, devorando como um banquete que ele talvez nunca mais prove.
E então, ele retrai a língua, substituindo-a pelos dedos. Ele chupa meu
clitóris, belisca o botão com suas presas, provoca com a língua quando eu
grito novamente e me estica com outro dedo. Eu me contorço, ajusto, gemo,
precisando de mais, e ele me dá mais.
Mal consigo pensar além de tudo isso — o cheiro dele... é tão doce que me
deixa com sede, seus dedos habilidosos que trabalham meu ponto mais
sensível implacavelmente, minuciosamente, o toque de seus cabelos contra
minhas partes sensíveis, o olhar faminto em seus olhos que faz meu pulso
saltar e...
De repente, estou me despedaçando em um milhão de pedaços, sua boca
provoca meu clímax, prolonga-o, extrai cada último tremor até que eu estou
suspirando, tremendo acima dele, completamente desfeita. Quando ele
finalmente recoloca minha calcinha no lugar e se endireita, é para se inclinar
sobre mim e capturar meus lábios em um beijo, enchendo minha boca com o
gosto do meu orgasmo. É um movimento sujo e nojento, mas eu gemo,
puxando-o mais perto para chupar o gosto de sua língua.
Quando ele se afasta, há um olhar de satisfação em seus olhos, sabendo que
ele me arruinou para qualquer outro.
— À princesa — diz Cyril, erguendo uma taça de cristal fina, o líquido claro
capturando a luz. Várias taças ao redor do salão são levantadas em minha
homenagem, tilintando, e eu imito o gesto.
Como se um feitiço tivesse sido quebrado, a música retoma de onde parou, e
o som de fofocas e risadas enche o ar. Pés batem no chão enquanto o salão se
abre para a dança, e o que começa como uma valsa lenta logo se transforma
em uma alegria desenfreada.
Mal ouvi uma palavra do discurso do Rei Marcus ou do brinde de Cyril. Eu
deveria ter prestado atenção, mas tudo o que consegui — consigo — focar é
na mão pousada em minha coxa nua, exposta pela fenda miserável. Começo a
pensar que o motivo pelo qual Valerian escolheu este vestido em particular é
mostrar ao mundo inteiro o quanto ele tem controle sobre mim.
O que seria quase nada se eu não estivesse me esforçando tanto para manter
meu desejo sob controle, minha expressão estoica e minhas mãos de quebrar
o copo que segurava ao apertá-lo com força. Um orgasmo deveria ser
suficiente para a noite, mas o momento anterior só me deixou mais excitada.
Meus mamilos doem cada vez que me mexo. Meu núcleo esquenta toda vez
que cruzo as coxas. Meu corpo ferve e eu quero. Eu quero. Eu quero ser
pressionada contra uma parede, nua, arregaçada. Que a Deusa tenha piedade
de mim. Quero montar nele naquele trono, mover meus quadris para cima e
para baixo em seu pau, e não me importo se há uma plateia —
O copo racha e eu pisco, sentindo o calor subir pelo pescoço quando percebo
Valerian me observando com aquela expressão despreocupada, sua mão
desaparecendo novamente sob meu vestido. — Algo errado?
— Não — digo, mas sai como um guincho. Limpo a garganta e tento
novamente, com um sorriso. — Não. Estou apenas morrendo de tédio.
Seu dedo pressiona levemente meu clitóris e um sorriso malévolo surge em
seus lábios. Estou completamente encharcada. A vergonha aquece minha pele
e eu olho para frente, incapaz de encarar seu rosto sem sentir a vontade de me
inclinar e lamber sua pele.
Algo está terrivelmente errado comigo esta noite. Meus hormônios
enlouqueceram.
— Dançar?
Eu balanço a cabeça. — Posso acabar vomitando em seu terno caro. —
Despeço o copo vazio e quebrado na bandeja de uma criada, e não perco o
jeito como ela se abaixa diante de Valerian, expondo sua pele oliva e seios
grandes para ele. Ele parece não notar, no entanto, seu olhar caindo em meu
peito e voltando rapidamente para meu rosto.
As pontas de suas orelhas ficam vermelhas e tenho uma vaga suspeita de que
não sou a única que quer sujar as mãos aqui e agora. Ele retira abruptamente
a mão da minha coxa, alisando a calça, mesmo que não haja vincos nela. Seus
lábios se abrem quando Kathleen se aproxima, fazendo uma reverência
irônica ao pé do estrado. — Parabéns, suas... altezas. Devo dizer que estou
ansiosa para ouvir os gritos de crianças dentro destas paredes do castelo
novamente. — Seus olhos castanhos claros, profundamente delineados com
kajal, se fixam em mim e ela dá um suspiro, levando uma mão à boca. — Um
híbrido!
Isso não existia. Pelo menos, não que ninguém soubesse. Kathleen está
bêbada perdida.
Ela pega o suco de toranja que chega na bandeja de prata e suas tranças
intrincadas balançam enquanto ela sobe os últimos degraus, entregando-o
para mim. — Já pensou em um nome? Talvez, Mikhail Jr.?
— Júnior? — ecoo, dando um gole no copo. Sabores explodem em minha
boca e eu engulo tudo de uma só vez, sem graça alguma.
— Que bobeira não saber o nome do meio do seu marido, criança — ela
comenta, estendendo a mão para dar um tapinha no braço de Valerian. Seus
olhos brilham com algo tão suave que me faz pausar. É a primeira vez que
vejo qualquer forma de emoção nos olhos de Kathleen— ou em qualquer um
dos meus sogros, aliás. — Outro pequeno Val correndo por esses corredores.
Uma tosse repentina arranha meu peito. Devo ter bebido rápido demais.
Coloco uma mão na boca, mas outra tosse força sua saída, áspera e dura,
arranhando minha garganta como vidro farpado.
— Você está bem? — pergunta Kathleen, batendo nas minhas costas com
mais força do que o necessário, e eu começo a mostrar os dentes para ela
quando outra tosse violenta sobe em minha garganta. O ar aqui está ficando
rarefeito. Como eles podem estar bem? Eles não sentem isso também?
— Sim, eu— — levanto-me. — Só preciso de um pouco de ar— — Meus
dedos dos pés começam a formigar com um frio estranho e entorpecente que
se infiltra nos meus ossos e eu grito quando minha perna cede, fazendo-me
cair para frente, batendo nos degraus com força.
Um grito alarmado ecoa, mas mal consigo sentir algo além do frio terrível.
Meus dedos dos pés, mãos, coluna e articulações... estão virando gelo. Mãos
quentes me encontram, envolvendo-me, segurando-me e eu capto o pânico
nos olhos mais bonitos que já vi antes que meu corpo se contorça por conta
própria. Uma vez. Duas vezes. Baba se acumula em minha boca e...e...mais
frio...Deusa...não consigo respirar. Meus pulmões estão congelados.
Alguém grita meu nome à distância. É tão cru, tão doloroso, que me arranca
temporariamente do frio. Meus olhos se abrem...não percebi que estavam
fechados.
Meu próprio pesadelo sempre foi minha cabeça. Especialmente porque sou
um híbrido. Não há como fingir que sou uma humana normal agora que
minhas orelhas são a única coisa que me diferenciam. O dia antes disso
acontecer, eu estava do outro lado, sabendo de Valerian, mas sem me associar
a ninguém do círculo real Ruzban. Talvez eu nunca deveria ter me envolvido.
Talvez eu nunca deveria ter vindo aqui. Agora estou aqui, com meus ossos
congelando e minha boca virando gelo.
Tudo se resume a um fato simples: sei que algo está prestes a acontecer, mas
não sei o quê.
Há uma multidão se formando acima, mas só consigo ver ele. Meus deuses, o
que eu não daria para que ele me olhasse assim um mês atrás.
Aparentemente, eu precisava estar morrendo para despertar sentimentos no
meu marido.
Ele está gritando algo para mim, me abraçando com força contra o peito, sua
força me machuca enquanto ele me impede de me machucar enquanto tento
alcançar meus pulmões, aquecê-los, arrancar o gelo de dentro. Seus lábios
continuam se movendo, e acho que leio as palavras — Fique comigo — nos
lábios dele, mas de repente minha coluna se arqueia, uma dor aguda indo do
peito até a barriga. Agulhadas afiadas surgem em todos os cantos, até virar
um fogo excruciante, queimando-me viva por dentro. Grito, meu corpo se
contorcendo contra uma força invisível. A escuridão toma minha visão, e a
dor me consome por completo.
C A P ÍT U L O 1 0
VALERIAN
into muito, Vossa Alteza. A senhora perdeu o bebê. O veneno se
—S espalhou demais, muito profundamente. É um milagre que a
senhora não tenha sido afetada.
Essas palavras pesam sobre mim, tornando cada passo em direção ao quarto
dela mais pesado com o fracasso. E fria raiva.
Pode ter sido há horas desde que Horace deu a notícia, horas desde que ela
recebeu a notícia com leveza, apenas com um aceno e se afastou, mas eu não
conseguia esquecer nada disso. Suas lágrimas. Seus gritos. Seus dedos se
enrolando em minha camisa enquanto ela se debatia e tossia sangue. O fedor
de sangue envenenado me segue. Seu chamado por seu pai, suas irmãs. O
breve momento em que aqueles olhos cor de avelã encontraram os meus e
transmitiram as palavras que ela estava com muita dor para dizer.
Me ajude.
E eu não pude fazer nada além de vê-la sangrar na mesa do médico, suas
coxas encharcadas de sangue.
Foi naquele momento que entendi que não era a criança que me levava ao
quarto dela todas as noites. Isso era apenas uma desculpa. A única outra
explicação para o pânico e o medo que me dominaram no momento em que
ela caiu, a dor crua que me atravessou quando ela gritou, o desespero
enquanto ela sangrava em meus braços... Não importa. Não até eu encontrar o
miserável tolo que achou prudente se infiltrar em minha casa e envenenar
minha esposa.
Mesmo isso era fútil. O suco tinha sido feito especificamente para Oleia, já
que eu a proibi de beber álcool. Os criados estão sendo interrogados, mas eles
trabalham no castelo há muitos anos. Eles conhecem a penalidade da traição e
a viram muitas vezes nas cabeças exibidas nos portões pretos e pontiagudos
lá fora ao longo dos anos, o sangue escorrendo pelo ferro e coagulando, a
pele apodrecendo lentamente até que tudo o que restava eram cascas.
Os convidados também estão sob suspeita, mas é quase impossível tirar uma
conclusão. Tivemos mais de mil convidados para o baile, uma quantidade
pequena comparada aos números habituais para as festividades. Poderia ter
sido qualquer um. Embora fosse tradição sediar bailes em ocasiões tão
alegres, eu deveria ter sido mais prudente. Eu deveria ter decidido contra o
convite em massa de meu pai e trazido apenas aqueles que importavam para
ela.
Sua família.
Talvez Cyril estivesse certo e eu não passasse de um covarde. Se eu não
fosse, ela não teria sido envenenada e eu não estaria indo para o quarto dela
agora com uma caixa de chocolates para... Não faço ideia. Ouvi dizer que as
lobas fêmeas adoravam doces e sorvete quando estavam tristes, muito
parecido com os humanos, então fui à cidade e enchi meu carro com tudo o
que pude encontrar. Agora cheira muito a chocolates enjoativos e açúcar
derretido.
— É verdade, então? — Minha terceira tia, Zephyr, se junta a mim na soleira,
me tirando de meus pensamentos, enlaçando seu braço no meu. — Olenka o
perdeu?
Não respondo, minha paciência se esgotando. Você pensaria que depois de
semanas aqui e em sua corte, ela pelo menos aprenderia a dizer o nome de
Oleia corretamente.
— Pobre coitada — ela sussurra, seus saltos batendo forte contra os degraus
de mármore, aumentando minha dor de cabeça latejante. — Ela deve estar
arrasada. Você deve saber que nenhum de nós o trairia dessa maneira.
Esperamos muito tempo por isso, deixando de lado nosso nojo por eles se
isso significa que podemos ter os nossos próprios. Eu não duvidaria daquela
criada asquerosa dela que não sabe quando manter a boca fechada. Ou do
guarda. Talvez uma antiga amante sua? Seria difícil de identificar, vendo que
você tem uma horda inteira delas--
— Como Dimitri está se saindo esses dias? — pergunto, minha voz afiada
como facas. — Entendo que ele tem passado bastante tempo nos hospitais.
Que conveniente. Só se pode imaginar a paz e o silêncio que isso lhe
proporciona.
Seu sorriso vacila e até eu sei que fui longe demais. Zephyr pode falar
demais, mas ela era a única bondosa em toda a família. Nem mesmo seu
marido, Dimitri, cruel como era, conseguiu tirar isso dela.
O constrangimento enrubesce suas bochechas e ela desenlaça suas mãos das
minhas. — Sua boca suja é a razão pela qual você não tem amigos. Transmita
minhas mais sinceras desculpas a ela. — Seus olhos, que combinam com os
destaques dourados em seu cabelo, caem sobre a caixa em minhas mãos. —
Embora, pensando bem, você deveria ter estado com ela mais cedo. Uma
caixa de chocolates é um presente terrível para uma mãe em luto.
Paro diante da porta de Oleia, amassando os chocolates em minhas mãos e
escondendo-os atrás das costas. Eu aceitaria o ombro frio e o tratamento
silencioso se fosse tudo o que ela me desse. Eu tinha jurado que não voltaria
até ter um nome. Até encontrar quem a machucou.
Mas eu nem consegui fazer isso.
Abro a porta silenciosamente, e minha garganta se aperta com a cena diante
de mim. Suaves soluços femininos enchem o ar, e eu assisto, pregado no
lugar, enquanto Oleia enterra a cabeça mais fundo na curva do pescoço do
guarda, seus braços apertando-se ao redor dos ombros dele.
Um gosto amargo enche minha boca e meu maxilar se aperta com força
quando as mãos dele percorrem as costas dela, lentamente, outra se
envolvendo ao redor da minha cintura.
Algo escuro e furioso desliza sob minha pele, um silvo subindo por minha
garganta. Eu o sufoco quando outro soluço suave sacode o corpo de Oleia. —
Eu odeio isso aqui — ela sussurra, o som mais quebrado do que odioso. —
Ultimamente, não consigo mais lembrar como é... viver. Pensei que tinha
encontrado uma razão para isso, mas eles tiraram isso de mim também.
— Eu deveria ter--
— Não. — Ela treme novamente. — Não ouse se culpar. — Um soluço,
acompanhado por uma exalação trêmula. — Estou exausta, Dar. Deste
casamento. De Valerian... deveres... aparências. Eu detesto tudo isso.
Sinto em cada sílaba, vejo no curvar de seus ombros contra ele, sinto o cheiro
em suas lágrimas salgadas. O guarda se afasta e ele segura o rosto dela,
enxugando as lágrimas de sua pequena face. — Você deveria descansar.
Como uma criança recebendo uma ordem de um dos pais, ela se recosta
contra o colchão, virando-se de lado e dando-lhe as costas. Ele começa a se
levantar quando a voz dela, pequena e cansada, corta o ar: — Você não vai
embora, vai?
Ele se acomoda novamente à beira da cama, puxando as cobertas sobre sua
forma magra, tão pequena na grande cama. — Não. Nunca.
Fecho a porta silenciosamente e giro nos calcanhares. Jogo a caixa no lixo ao
voltar para meus aposentos. Não deveria doer — eu não deveria sentir dor,
mas é como se fosse uma faca em minha espinha e um punhal em meu
coração.
— É cedo demais.
Olhos negros como a noite se voltam para mim, e um desejo sufocante de
tirar as mãos dos bolsos e apagar a expressão despreocupada do meu rosto me
domina. Estive nos aposentos privados do meu pai apenas algumas vezes ao
longo dos meses, e cada vez que fui convocado, não foi nada agradável.
— Cedo demais? — ele repete, sua voz tão morta quanto seus olhos, mas o
tom cortante por trás dela sinaliza um aviso muito familiar.
Fico tenso. — Oleia não está bem. A cópula pode esperar até que ela esteja
totalmente recuperada.
Era uma mentira. Oleia se recuperou o suficiente para desfilar por esses
corredores nas roupas mais provocantes compradas com meu dinheiro, para
causar tumulto correndo com meus cavalos pelos campos e para comparecer
a festas com sorrisos coquetes, aceitando danças de todos os homens
presentes, exceto eu. Relatos de suas últimas travessuras chegavam um após
o outro, cada um mais ultrajante que o anterior, o mais recente envolvendo
ela fugindo com meu SUV e retornando com ele batido e completamente
arruinado.
Ela está reagindo, como esperado. As pessoas respondem a experiências de
quase morte de maneiras diferentes. Algumas seguem suas vidas com mais
facilidade, outras adotam uma abordagem mais sóbria. E então, há Oleia, que
parece determinada a queimar cada regra, cada expectativa até o chão.
Não resta nada da mulher doce e dócil com quem me casei. É como se cada
vez que olho para ela, descubro um novo lado — quente como o sol em uma
semana, fria como gelo na outra, vulnerável em outra, e agora essa fase
imprudente que não tenho certeza se consigo acompanhar.
Na verdade, eu me sentia torturado. Não transei com outra pessoa, nem
mesmo para me alimentar, desde que ela me pegou perdendo
monstruosamente o controle naquela reunião de alimentação, e eu ia explicar
tudo a ela.
Por que me incomodar, no entanto? Não sou eu que ela precisa. Ou quer,
aliás.
E eu tenho muito com que me preocupar, de qualquer forma. Como as
alarmantes taxas de mortalidade de nobres importantes nas últimas duas
semanas e os movimentos organizados dos rebeldes que pareciam estar
crescendo em número e força — lobisomens e vampiros alike.
Tinha sido mais fácil conter, mas tornou-se preocupante recentemente. Os
lobos guerreiam contra a decisão de seu rei pela paz, acreditando ser uma
traição aos seus mortos e enterrados. Oleia era um símbolo disso e porra se
ela sabe quantas tentativas houve contra sua vida na semana passada.
Cinco provadores de comida mortos. Mas ela não sabe disso. Não quando ela
se tornou a própria arma forjada contra minha paz de espírito, provocando
minha fome e luxúria a novos níveis imperdoáveis.
Pior ainda, a proibição e restrição de alimentações só funciona a favor
daqueles que podem pagar por escravos de sangue e bancos. Trabalhar para
facilitar o acesso aos bancos de sangue tem sido bastante tedioso, embora
tenha havido resultados positivos.
Ainda assim, mais problemas parecem surgir com os vampiros rebeldes
transformando humanos tolamente.
A taxa de sucesso de uma transformação era menor que um por cento, mas no
caso de sucesso, frequentemente levava a alimentações em massa e
assassinatos. Por um tempo, era o que fazíamos para aumentar nossos
números, para lutar e vencer a guerra, uma vez que a procriação se tornou
impossível, mas quando os riscos começaram a superar os benefícios, foi
rapidamente proibido. No entanto, com a nova onda de ataques e os humanos
ainda morrendo, os lobos ainda sendo mortos, isso trouxe a força do tratado
em questão.
O que eu suponho ser o objetivo de quem quer que lidere os rebeldes.
É surpreendente que, com o estado atual das coisas, tudo que meu pai possa
se preocupar é com a frequência com que eu transo com minha esposa.
Os lábios do Rei Marcus se contorcem em um sorriso de escárnio, o mais
leve lampejo de nojo sombreando seu olhar frio, e ele estica os dedos sobre a
mesa, levantando-se sem tirar seu peso dela. — Você tem um dever, um que
supera em muito quaisquer fragilidades que aflijam a princesa. Preciso
lembrá-lo do que está em jogo?
Mantenho minha compostura o melhor que posso, sabendo que meu ato de
indiferença e tédio é a única maneira de realmente desafiá-lo. — Deixei
perfeitamente claro que não queria outra noiva. No entanto, você aceitou a
palavra da sacerdotisa e a enfiou goela abaixo. Já é ruim o suficiente que ela
tenha sido reduzida a uma reprodutora com uma ilusão de título. Agora devo
persuadi-la a deitar-se comigo, apenas para gerar um herdeiro? Posso ter
herdado sua brutalidade, Pai, mas não sou estuprador.
A temperatura na grande sala cai drasticamente, e não vejo isso chegando.
Nunca vejo.
Sua velocidade inumana fecha o espaço entre nós, e um golpe com as costas
da mão me atinge no rosto, rasgando minha pele com suas garras. Uma dor
cega e repentina irradia pelo meu pescoço enquanto minha cabeça gira para a
esquerda. Sangue inunda minha boca, metálico e espesso, e luto contra a
vontade de cuspi-lo e dar-lhe a satisfação de saber que mesmo após anos de
seus ataques, ainda sangro.
— Repita isso de novo, garoto — ele resmunga, seu hálito frio, sua raiva uma
coisa antiga e viva rastejando sob minha pele e deslizando para minha
corrente sanguínea, tentando me despojar de anos de força acumulada.
Engulo tudo. O sangue. A bile. A raiva que tem fermentado sob minha pele
por anos. O desejo de mutilar, pintar as paredes de vermelho como ele fez há
tantos anos, com o sangue de sua esposa. — Não haverá mais 'cópulas'. Sem
tônicos forçados. Sem mais inspeções invasivas de Galadriel. Nada mais —
até que ela deseje, até que ela esteja verdadeiramente pronta para tentar
novamente.
Pai se endireita, inclinando a cabeça em um ângulo que me faz odiar o quão
incomumente parecidos somos. — Você não desejar não significa que não
haja uma infinidade de machos com um pouco de sangue real que não o
farão. Talvez, eu deixe Dimitri tocá-la, quebrar sua carne e mente. — Ele dá
um pequeno sorriso conhecedor ao ouvir o salto em meu pulso. — Cyril pode
recusar, mas eu poderia ter Adrian aqui de Moscou na próxima semana, e ele
ficaria feliz em atender.
Adrian é apenas um primo em quarto grau, mas de todos os sete, ele é o mais
favorecido por meu pai. Talvez seja porque ambos são loucos. Seu conjunto
particular de torturas o tornou notório e o último homem com quem qualquer
mulher escolheria se deitar voluntariamente, a menos que não se importasse
muito com sua vida.
— Então — ele ronrona, soando muito parecido comigo. — Diga-me, filho.
Com quem você preferiria compartilhar a buceta apertada de sua esposa?
Adrian? Dimitri? Cyril? — Seus olhos cintilam com um prazer sombrio. —
Comigo?
Eu rosno, ousando dar um passo à frente. — Eu vou te matar.
Uma risada áspera irrita meus nervos. — E pensar que eu achava que você
teria aprendido da última vez que tentou. — Ele estala a língua, seu olhar se
elevando para a porta, onde Sergei, seu guarda mais confiável, está. —
Mande Adrian...
— Tudo bem! — eu grito com raiva.
Meu pai acena com a cabeça, como se já esperasse minha resposta, embora
eu não tenha dúvidas de que ele trará Adrian aqui até o final da semana se eu
me recusar. Então, Oleia pode realmente morrer. O pensamento me perturba
demais.
Virando-se, ele retorna à sua mesa. — Você deve atender Aamon esta noite.
Eu me sobressalto. — Esta noite?
Ele me dispensa com um gesto, seu selo incrustado no anel de ouro em seu
polegar refletindo a luz. — Ele tem algumas... preocupações. Nada que você
não possa lidar, tenho certeza... — De repente, ele tosse, um som violento e
rouco.
Minhas sobrancelhas se franzem ao ver o lampejo na mão que cobre sua
boca, e quando ele percebe que estou observando, ele dispara, seu
temperamento subitamente inflamado: — Saia daqui.
Saio furioso do escritório, dirigindo-me para a ala esquerda enquanto limpo o
resto de sangue dos meus lábios. Dizer que eu odeio meu pai é um
eufemismo. Às vezes, sinto que é o mesmo quando nossas posições são
invertidas.
Um cheiro estranho paira ao redor da minha porta e meus lábios se curvam
com desgosto ao sentir o odor de perfume e suor humano. A porta se abre
revelando uma mulher empoleirada na beira da minha cama.
Minha garganta se aperta com os sinais de um rosnado começando. Ela salta
de pé, suas bochechas cheias e escarlates enquanto seus olhos pousam em
mim, se arregalando. Eles se dilatam enquanto ela me examina, praticamente
salivando de desejo. Seus dedos se curvam no robe rosa, puxando-o para
perto de seu corpo voluptuoso e eu vejo um pedaço de seda branca por baixo.
— Eu sou Anna. O Mestre Cyril disse... que você precisava... se alimentar.
Eu sou... não marcada. — Seus olhos cor de mel continuam viajando do meu
rosto ao meu peito, subindo para ficar em meus lábios antes de encontrar meu
olhar e se acovardarem novamente. — Ele disse que você gostaria disso.
Eu não me alimentei desde o incidente. O pensamento disso me leva de volta
aos lençóis na enfermaria encharcados com o sangue de Oleia. Nunca tendo
passado um dia na minha vida me abstendo, eu deveria estar fora de mim de
fome. Eu deveria querer rasgar sua carne e tomar, e tomar, até não haver mais
nada para tomar.
Mas a única fome que sinto é pelo calor dos lábios de Oleia nos meus, sua
língua deslizando ao lado da minha e o gemido rouco e sensual feito
unicamente para levar um homem ao limite.
— Saia.
Ela tira o robe mesmo assim e meus olhos se voltam para os dela. — Eu o
desagradei? Sinto muito. Eu... é minha primeira vez e eu...
Um suspiro insuportável escapa dos meus lábios. — Outra hora — digo, mais
suavemente. — Minha esposa, ela não gosta muito de compartilhar.
Os olhos de Anna se arregalam e ela ri um pouco, timidamente, colocando o
robe sobre os ombros. — Se você mudar de ideia, eu trabalho nas cozinhas.
Depois que ela sai, me vejo descendo as escadas, abandonando papelada
importante que precisa de aprovação e indo para os jardins, onde sei que a
encontrarei. Ou não, não com sua recente mudança de horários.
Eu a encontro nos campos, em vez disso.
Observo, imóvel, enquanto seu cabelo voa selvagemente ao redor de seu
rosto, seus lábios se erguendo em um sorriso enquanto ela salta da sela a cada
galope alto. Ela maneja as rédeas com uma mão, as costas retas como uma
haste, um ar gracioso sobre ela, mesmo que esteja apenas com uma camisola
e calças de montaria, suas botas castanhas combinando com a cor da égua.
Minhas palmas ficam úmidas no meu bolso e uma sensação estranha se
espalha no meu estômago. Devo ter comido algo ruim. Apenas mulheres
experimentam borboletas na barriga.
Neste momento, decido que gosto da maneira como o sol pega em seus olhos,
presenteando-os com um anel de ouro em um mar de avelã raro.
O galope diminui, e logo, eles se movem em um andar lento antes de parar.
Meus pés começam a se mover em direção ao final da pista quando alguém
me vence em ajudá-la a descer da besta.
É o guarda. De novo.
Observo enquanto as mãos dele repousam na cintura dela e seus lábios se
movem, dizendo algo que lhe rende uma risadinha encantada enquanto ele a
coloca no chão. É muito conveniente que ele a abaixe tão perto que o peito
dela esfrega contra o dele. E então, eles estão se encarando e eu quero
quebrar o pescoço dele por deixar as mãos na cintura dela. *Minha* cintura.
Talvez seja a frustração da discussão com meu pai sobre uma mulher que
claramente prefere a companhia de um guarda comum a mim. Talvez seja
ciúme — uma palavra com a qual não sou geralmente associado. Mas seja o
que for, eu culpo isso pelas minhas próximas ações.
Estou andando a passos largos, o calor do sol impregnando meu cabelo e
pele. Meu sangue ferve. A raiva implode.
Eles finalmente desviam o olhar um do outro por tempo suficiente para ver a
tempestade que se aproxima deles. Os olhos de Oleia se arregalam e o guarda
se coloca na frente dela, protetoramente. Pelo amor de Deus.
Ela deve ver o assassinato no meu olhar porque de repente dá um passo à
frente, protegendo-o de mim. Como se isso não piorasse as coisas, de alguma
forma.
— Val... Ei! — Ela grita quando agarro seu pulso e a arrasto comigo, em
direção ao lado oposto do campo, mais para perto do lago. — Você está me
machucando! — Outro grito alto. — Para onde você está me levando?!
Ela puxa, chuta minha traseira e soca minhas costas. E então ela geme
quando seu pulso direito começa a doer e murmura baixinho enquanto
diminuímos o passo: — Babaca.
Eu poderia ter me divertido com o som de um palavrão em seus lábios
inocentes, se não estivesse praticamente vibrando de raiva.
Meus passos diminuem quando chegamos ao lago. É uma vista deslumbrante
que não posso aproveitar com ela porque fui abençoado com outra que nunca
poderei esquecer. Eu a giro para me encarar e ela grita comigo: — O que há
de errado com você?!
— Eu deveria estar perguntando isso a você! — eu grito, meus olhos se
fixando no tecido frágil ao redor de seu torso. Eu poderia ver seus mamilos se
olhasse com atenção suficiente. — E por que diabos você está vestindo isso?
Ela me empurra com uma força surpreendente, seus olhos verdes de raiva. —
Porque eu posso! E agora? — Ela gesticula ao nosso redor. — Você decidiu
se livrar de mim me afogando?!
Dou um passo à frente e ela recua, mesmo me encarando sem medo nos
olhos.
— Você está fodendo com ele?
Suas sobrancelhas loiras se juntam em confusão.
— Como é que é?
— Seu guarda particular. Você está fodendo com ele? É por isso que não me
quer mais?
Seus punhos se cerram ao lado do corpo e por um momento, penso que ela
possa me bater. Me socar. Eu poderia ter preferido isso às suas próximas
palavras.
— E se eu estivesse? Que diferença faz? Nosso casamento já não é aberto?
Minha respiração fica presa na garganta.
— O quê?
Ela ergue o queixo, com reflexos dourados em seus olhos queimando em
mim.
— Eu disse que te amava e você me humilhou. Mandou que eu ficasse fora
do seu caminho. Eu dei tudo de mim e tentei me comunicar com você,
mesmo sendo difícil! Eu tentei! E tudo o que você fez foi me excluir e trair--
— Eu não--
— Não me importa! De onde eu venho, é assim que se chama, mesmo que
nenhum de vocês aqui pareça entender o que isso significa! Você me disse
para entender a indireta e eu entendi! E daí se eu quisesse -- nas suas palavras
-- foder com ele?! O que é que você tem a ver com isso?! Não deveria ser um
problema, desde que eu não deixe ele gozar dentro de mim.
— Oleia! — rosno, tremendo, meu autocontrole escorregando.
— O quê?! — ela rosna de volta, dando um passo à frente. — Meu único
papel aqui é ser a mãe dos seus filhos. Não é? Por que eu deveria me guardar
para um homem que não fez nada para merecer isso? Por que eu deveria
esperar até que você esteja pronto para me usar de novo, antes que eu possa
sentir o toque suave de um homem? Desde que eu não tenha o bebê dele,
nosso acordo permanece intacto, não é?
Quando as palavras me falham, ela arqueia uma sobrancelha arrogante que
personifica a realeza, mesmo estando vestida como um garoto de estábulo.
— O quê? Não consegue conceber a possibilidade de que 'o meu' mundo não
gire em torno de você?
Sei que estou completamente fodido quando a única coisa em que consigo
pensar, depois de todas as coisas vis que saíram dos lábios dela, é o quanto eu
preciso prová-los novamente.
— Você não me ama mais — digo, mais para me distrair.
Ela bufa, como se a palavra em si fosse ridícula.
— Claro que não. Você foi o meu primeiro e eu estava embriagada de
hormônios, acho.
Eu odeio quando ela fala assim. O tom gélido. O tédio implacável. Como se
eu não tivesse importância. Insignificante.
— Mentirosa — digo, antes de dar um grande passo à frente, pegando-a pela
cintura antes que ela possa fugir de mim e prendendo-a com meus braços. —
Diga isso de novo. Eu desafio você.
Seus lábios se entreabrem, mas eu fecho os meus sobre eles, engolindo suas
mentiras antes que possam sair e me machucar. Ela não me beija de volta,
ficando perfeitamente imóvel. Ela nem mesmo respira. No entanto, seu pulso
a trai, batendo com ferocidade perigosa.
— Mentirosa suja — digo, arrastando seu lábio inferior mais cheio entre
meus dentes.
Ela cheira a almíscar e jasmim, e algo cítrico. Seus lábios têm o gosto de sua
pele -- quente e erótica, e eu agarro a nuca dela, flexionando seu maxilar com
meus polegares até que ela abra a boca para sugar o ar. Invado sua boca com
minha língua e seu corpo se tensa. Ainda assim, ela se recusa a fazer qualquer
som.
Minha mão viaja da cintura dela, subindo para agarrar um seio e ela sibila,
mordendo meu lábio inferior com força. Meu pau pulsa nas calças e eu gemo,
apalpando com mais força, esfregando um mamilo entre os dedos.
Ela engasga com a respiração, suas mãos pousando em meus ombros, prontas
para me empurrar. Aperto seu mamilo com mais força e ela ofega,
balançando para frente em meus braços.
— Eu te odeio — ela murmura contra meus lábios, antes de passar sua língua
quente pelo céu da minha boca e soltar o gemido mais profundo que já ouvi
dela.
Meus dedos brincam com seu cabelo, agarrando as raízes e ela espelha a
ação, sua outra mão serpenteando pela minha coluna para agarrar minha
bunda e apertar, puxando-me contra ela enquanto se esfrega em mim. Uma
vez.
Deuses. Não posso esperar. Preciso possuí-la aqui e agora--
Ela se afasta abruptamente, seus olhos arregalados e lábios inchados. Ela
limpa os lábios, olhos brilhando com desprezo.
— Estou ovulando — ela me diz, como se fosse uma explicação
perfeitamente sensata para o que aconteceu entre nós. — Mas Darian faz
melhor.
Sinto o cheiro da mentira suja no momento em que sai de seus lábios, mas
nunca fui alguém que lida bem com mentiras ou provocações, e
definitivamente não depois do que testemunhei nas pistas.
Então, agarro-a pelos ombros e a jogo na piscina. Ela grita comigo indignada,
mas já estou me afastando.
Cyril estava certo. A gentileza realmente não me caía bem e estou cansado de
fingir ser o que não sou.
C A P ÍT U L O 1 1
OLEIA
ou ia embora sem me ver?—
— Y O Rei Aamon se enrijece, o traje azul real sob sua capa escura
moldando-se ao seu corpo alto e de ombros largos, cada centímetro dele
parecendo estar coberto de músculos. A coroa dourada pousa torta em seus
cabelos loiros que parecem ter mais áreas grisalhas desde a última vez que o
vi. O ar ao seu redor pulsa com uma aura tão pesada que o salão parece
encolher ao seu redor.
Não deveria ser chocante, mas afinal, eu havia perdido meu filho e quase
morrido também. Você pensaria que, mesmo que ele viesse apenas por
negócios, seria uma simples cortesia verificar a filha que não via desde o seu
casamento.
Ele se vira, e um calor aperta meu coração. Eu senti falta dele. Ele não se
importava com o meu bem-estar, mas eu senti tanta falta dele que dói no
fundo do meu estômago.
Mas o Rei Aamon apenas me observa, me desmontando com os olhos e me
remontando, como se fosse tudo o que ele precisasse fazer para descobrir
como eu estava. — Recebi notícias do seu... acidente. Uma pena, isso.—
Não é um "Como você está, Oleia?" ou "Está machucada?" ou "Você quer
voltar para casa?", mas nada disso descreve meu pai, de qualquer forma. Isso
é todo o afeto que eu vou receber dele, e está tudo bem.
Ainda assim, como ele poderia ir embora sem me ver? Como ninguém me
contou que meu pai estava visitando? Se eu não tivesse esbarrado no Beta
Landon e em alguns guardas no meu caminho de volta da piscina,
encharcada, eu nem saberia que ele estava aqui. E mesmo assim, ele passou
horas no escritório de Valerian; eu tinha adormecido esperando vê-lo.
E ele ia embora assim.
— É só isso que você tem para me dizer?— Minha voz ecoa pelo salão, e
todos parecem encontrar algo para fazer, fingindo que não estão ouvindo
quando meu pai olha para cima, notando a plateia.
Suas narinas se dilatam delicadamente. — Parece que o tempo longe de casa
fez você perder suas boas maneiras.—
— Oh, me perdoe, pai,— eu ironizo, levantando minhas saias e fazendo uma
reverência tão baixa que se assemelha a um agachamento. — Estou tão
ocupada tentando superar o choque de que quase morri! E meu pai viajou por
horas, trazendo presentes para as pessoas que tentaram me matar!—
Suas sobrancelhas se erguem no topo de seu rosto bonito. — Cuide da sua
língua.—
— Por quê? Não é nada que eles já não saibam.—
Desorientação. Essa é a única palavra que consigo encontrar para descrever
adequadamente a expressão no rosto do meu pai. Seus olhos vasculham os
meus, e embora eu não saiba o que ele espera encontrar neles, sei o que ele
não vai encontrar. A mulher ingênua que ele acompanhou pelo corredor
naquela noite, aquela que riu à ideia de se casar. Seus lábios se contraem,
algo como aprovação brilhando em seus olhos claros. — Você cresceu,
desenvolveu força.— Ele sorve abertamente. — Claro que sim. Afinal, você é
filha do seu pai.—
Eu não sei de onde vêm as palavras. — Às vezes, eu gostaria de não ser.—
O sorriso desaparece do rosto dele. Meu pai me encara demoradamente, sua
aura ameaçando roubar o ar dos meus pulmões, seu rosto estoico, seus olhos
duros como pedra. Por um breve instante, algo suave brilha em seus olhos,
algo semelhante a remorso, mas devo ter imaginado, porque desaparece tão
rápido quanto veio, e seus olhos se movem abruptamente para repousar em
algo atrás de mim. — Às vezes. — Ele inclina a cabeça em um aceno breve e
sai pelas portas duplas sem mais uma palavra.
Lágrimas rolam pelas minhas bochechas. E mais uma enquanto o vejo descer
os degraus e me abandonar, mais uma vez.
Uma mão toca meu ombro, hesitantemente, e eu estremeço, olhando para
trás, me afogando em raiva e ódio ao encontrar os olhos negros de Valerian.
Eles estão ternos, e eu me pergunto por quê, porque ele não é diferente do
meu pai. Ou do dele. — Não me toque. —
Seus olhos parecem feridos, mas eu já não me importo porque estamos de
volta ao ponto em que estávamos semanas atrás. Em lugar nenhum. Qualquer
momento que compartilhamos foi reduzido a cinzas, junto com qualquer
esperança que eu tivesse.
Os dias se transformam em semanas e as semanas em meses, todos os quais
eu passei tentando preencher o buraco aberto no meu coração. Não recebi
mais visitas, não me importei com elas. Valerian e eu... é complicado.
Meus sentimentos em relação a ele não mudaram, mas isso não significa que
eu não gostava do que ele fazia comigo. Pelo contrário, eu esperava cada
noite reservada para a intimidade com a respiração suspensa. Era um alívio
da escuridão sombria que parecia envolver tudo. Era sexo quente, intenso,
implacável, desenfreado.
Naqueles momentos, eu esquecia por que o odiava. Naqueles momentos, eu
xingava mais do que nunca na minha vida. Naqueles momentos, tudo o que
eu conhecia era ele. Tudo o que eu conhecia era como ele me chamava.
*Zvezdochka*. Nunca perguntei o que significa, talvez porque eu ainda não
esteja pronta para aceitar.
Às vezes, ele era lento e suave. Na maioria das vezes, ele era intenso. A cama
parou de ser meu lugar favorito. A cômoda é, atualmente. Talvez o parapeito
da janela. Adicione a banheira.
Eu não o amava, mas amava o corpo dele. O pau dele. Os dedos, e, meu
Deus, a língua dele. Eu amava quando ele dizia aquelas coisas sujas e
depravadas para mim. Isso me fazia gozar mais forte. Eu amava o cabelo
sedoso dele quando escovava meus mamilos e a parte interna da minha coxa.
Eu amava as presas dele quando roçavam meu clitóris e mordiam.
Eu mudei, de alguma forma. A pessoa que eu era três ou quatro meses atrás
nunca babaria com a ideia de ter o pau de Valerian na minha boca.
Mas isso é tudo o que há entre nós. Sexo. Nunca compartilhei minha vida
com ele, e ele nunca me disse onde passava seus dias. Ou noites. Porque eu
descobri que ele raramente dormia na própria cama.
Ele está mais ocupado do que o normal, pulando cafés da manhã e jantares,
por uma semana inteira às vezes, me deixando sozinha para lidar com sua
família e, infelizmente, com o pai dele.
Marcus quase não fala comigo, mas algo nele me incomoda. Ele está sempre
me observando, e sempre que eu olho de volta, ele nunca desvia o olhar. Ele
parece mais pálido, e algo nisso, junto com as olheiras, o faz parecer doente.
Mas, então, pode ser a falta de exposição ao sol— nunca o vi fora do castelo
antes, exceto no casamento. Não posso ter certeza.
Eu ainda não gosto de Cyril, e Kathleen me enlouquece. Zephyr, a única
relativamente sã do grupo, inicia conversas de vez em quando, mas ela
sempre parece esquecer sobre o que estamos conversando no meio da
conversa. Os filhos dela, Kirill e Mat, não são nada como ela, entretanto.
Cada refeição é uma situação tediosa e tensa, mas eu lido com isso de
qualquer maneira porque não tenho ninguém para lutar minhas batalhas por
mim.
— Sim! — Bato palmas, apoiando minha lombar dolorida contra os
travesseiros. — Foi como naquela vez em que você e eu apostamos quanto
tempo levaria para o Alpha Kieran aparecer na sala para verificar a Astrid.
Você se lembra... —
Minha voz se perde enquanto levanto o olhar e vejo Crystal distraidamente
dobrando minha roupa íntima limpa, olhando para o nada enquanto a coloca
de volta com a roupa suja. De novo. — Crystal — chamo, mas ela não me
ouve, seus olhos azuis vidrados, perdidos em uma memória distante.
Fechei o livro e o deixei cair no meu colo. — Crystal!
Ela pisca, surpresa, e a cabeça se volta para a esquerda. — Você disse algo?
— O que está acontecendo com você ultimamente, Crys? — pergunto, minha
voz carregada de preocupação. — Tem algo te incomodando?
Ela levanta as mãos trêmulas e alisa o cabelo, puxando-o para cobrir o
pescoço, como se a pele lá já estivesse coberta pela gola alta. — N-não. Só
estou cansada. Não tenho dormido bem.
Era óbvio. Sob seus olhos havia olheiras, sua pele estava pálida e os lábios
rachados. — Por quê? — Sentei-me, ignorando a dor incômoda na região
lombar que tem limitado meus movimentos desde a última visita de Valerian.
Acho que podemos ter quebrado algo.
— Não é nada para se preocupar, Oleia. — Ela sorri suavemente, e quando
acrescenta — Obrigada — , parece pesar de alguma forma.
Eu a observo enquanto ela volta a dobrar minha roupa íntima, meus olhos
percorrendo sua figura. Não consigo ver sob as mangas, mas não há
hematomas nas pernas. Então, ela não está sendo intimidada.
Algo aconteceu em casa? Com a mãe e o irmão? Algo que ela não se sente à
vontade para compartilhar comigo? Suspirei, esfregando a testa. — Estou
aqui, Crystal. Sempre que quiser conversar, estarei aqui.
Ela assente, mas não me olha. E, de repente, ela congela, virando-se com
minha camisola branca pendurada nos dedos. Seus olhos azuis caem sobre os
lençóis brancos debaixo de mim e meu roupão. Eles se arregalam. — Você
está atrasada!
— Não. Não vou me juntar a eles para o café da manhã hoje.
Ela bate na testa. — Não! Seu ciclo menstrual! Está atrasado. Em... — Seus
olhos se movem para os lados enquanto ela faz os cálculos. — Quase duas
semanas, Oleia!
Meu coração acelera, e tento lembrar da última vez que, de fato, sangrei.
Tenho estado tão ocupada com meus pensamentos ultimamente que nem
pensei nisso, mas solto um suspiro de horror com a realização. Aperto os
lençóis e me afundo neles. — Oh, deuses.
C A P ÍT U L O 1 2
VALERIAN
álida.
P A pele de Oleia está anormalmente pálida, com suor escorrendo pelo
pescoço. Sua pele roça na minha enquanto ela se senta na cadeira que puxei
para ela, e me assusto com o calor que emana dela.
— Obrigada — ela murmura, mas é apático, cansado o suficiente para meu
olhar permanecer nela antes de eu me sentar ao seu lado. Ela alisa a franja do
vestido roxo enquanto os provadores dão uma mordida em tudo, levando em
consideração a possibilidade de que o copo e os talheres possam estar
envenenados.
— É um pouco exagerado, você não acha? — Kathleen revolve o copo, os
lábios rubi marcando a borda antes de falar. — Me lembra Marcus. Ele era
pior com sua mãe, a assustou até a morte.
Eu enrijeço. A mesa fica em silêncio. Cyril murmura um palavrão, enquanto
o olhar do Pai para Kathleen fica frio e afiado como uma lâmina. Ninguém
fala da minha mãe. Não porque ela era alguém especial ou respeitada. Pelo
contrário, na verdade. Eu não sei o nome dela, assim como todos os outros.
Ela era uma empregada que o Pai forçou quando estava bêbado. Enquanto a
rainha favorita dele não conseguia conceber, uma empregada frágil de
alguma forma foi abençoada com um herdeiro. Foi a única razão pela qual a
esposa do meu pai não a matou. Não que isso importasse. Ela morreu logo
após me dar à luz, vítima de uma doença.
Não é que eu queira preservar a memória ou a imagem dela — é difícil sentir
afeição por uma pessoa que você nunca viu ou conheceu. É que falar dela é
um lembrete de quão sujos nós realmente somos. Quantos pecados foram
acobertados em nome do bem maior, quanto sangue e sujeira o trono que
herdo foi construído sobre. Isso se espreita, até mesmo no meu sangue, o
produto de uma violação.
— Sergei — a voz do Pai ecoa pelo salão, e Kathleen se senta mais ereta, os
dedos tremendo no copo. — Acompanha Kat ao seu quarto. Acredito que ela
bebeu demais. — Ele não tira os olhos dela enquanto os lábios se esticam em
um pequeno sorriso que é todo presas e desejo de violência. — Talvez um
pouco de descanso a lembre de que nesta corte, não falamos de fantasmas a
menos que estejamos preparados para encontrá-los.
Mal noto o empurrão não tão sutil de Sergei enquanto ele conduz Kathleen
para fora, com o tremor nos meus dedos enquanto corto o bife. Quase espero
o olhar curioso de Oleia e uma porção de perguntas em seus olhos cor de
avelã, mas quando dou uma olhada para o lado, suas pálpebras estão pesadas,
o rosto quase caindo no ensopado. Ela se recupera, um suspiro quieto saindo
de seus lábios.
— Você está bem? — É uma pergunta que me pego fazendo muitas vezes
nos últimos dias desde que a notícia veio à tona. Mal consigo ficar parado
quando não estou em casa, me perguntando como ela está, preocupado, tenso
como um lobo no cio.
Ela acena rapidamente— muito rapidamente. — Sim. — Ela esvazia o copo
d’água e seus olhos ficam vidrados enquanto agarra o jarro. — Está... um
pouco quente... — A voz dela some enquanto ela o inclina diretamente para a
boca, a água escorrendo pelo peito, encharcando o corpete do vestido.
Meus olhos se fixam na sua cleave reluzente e na água desaparecendo entre o
volume dos seios, encharcando o vestido. Uma fome tão forte se aperta no
meu estômago que um rosnado sobe pela minha garganta. Viro o rosto
bruscamente, levantando o olhar para o rosto dela antes que pensamentos
inapropriados tomem conta. Faz muito tempo desde que a toquei, a cheirei, a
observei dormir e saí do quarto dela antes que ela pudesse se mexer e me
pegar observando. Era mera curiosidade. E preocupação. É da minha natureza
desvendar, desmontar as coisas pedaço por pedaço para aprender, me adaptar.
Era só isso.
Pego o jarro antes que eu possa pensar, assustando toda a mesa ao colocá-lo
de volta. — O que foi? Você não parece bem.
As sobrancelhas loiras dela se franzem de confusão, os olhos seguindo meu
olhar até onde eles lutam para não ficar nos seus seios, e ela sorri, o sorriso
parecendo o de um pirata ladrão que encontrou um tesouro perdido. — Você
está com aquele olhar faminto. — Ela se inclina, e o cheiro dela preenche o
ar. Está diferente ultimamente, mais rico e doce, como flores silvestres e
frutas. Ele enche minha boca, deixando o gosto do sangue sem graça. Meus
olhos se fecham e meus pulmões lutam para reter o cheiro dela. Meu pau
endurece instantaneamente. Merda.
Olho sob pálpebras caídas enquanto ela estica a mão entre nós, colocando-a
contra meu peito, empurrando levemente, para que meu coração acelerado
escape entre aqueles dedos elegantes. O anel dela brilha suavemente na luz
enquanto ela desabotoa um botão da minha camisa preta com atenção. — Eu
também estou.
O mundo que havia desaparecido ao meu redor momentos antes volta com
um soco no peito, e, pela primeira vez, percebo mais de meia dúzia de olhos
nos observando com uma mistura de diversão e confusão. Nunca tivemos
uma interação à mesa, nem mesmo para trocar palavras. Isso... isso é
incomum.
Há algo errado com Oleia.
Pego seu pulso, mais gentil do que eu gostaria e sussurro baixinho: — Você
está queimando.
O foco dela se estreita nos meus dedos ao redor do pulso, como se isso a
irritasse em um nível mais pessoal, e ela me afasta. — Febre. Fiquei fora até
mais tarde do que deveria ontem à noite. Fui pega pela chuva. — Ela
redireciona a atenção para a comida, o garfo pairando sobre o prato, mas ela
não pega nada. A voz dela está arrastada de cansaço, mas há uma ponta de
humor que não combina. — Parece que meu apetite fugiu.
As palavras dela arrancam uma risada profunda de Cyril, e eu o encaro com
uma expressão letal o suficiente para fazê-lo repensar qualquer besteira que
ele possa ter para dizer, mas é o Pai quem quebra o silêncio. — Uma visita ao
médico pode ser sensata — ele comenta, o som do metal raspando contra a
prata adicionando uma ameaça às suas palavras. — Horace me informou que
você ignorou minhas ordens para exames diários. Você deve entender, Oleia,
o quão vital é manter sua saúde— pelo bem da criança. Se você a perder por
negligência, precisaremos reavaliar sua... utilidade nesta casa.
O ar fica pesado, o peso das suas palavras afundando, e eu me odeio por não
conseguir revidar e mandá-lo calar a boca. Me odeio por continuar sentado
diante da insinuação, do insulto, mesmo na presença de estranhos. Me
desprezo por manter uma expressão de tédio e desinteresse enquanto ele
desmonta Oleia com olhos de obsidiana pura.
O riso suave de Oleia ecoa no ar e eu me enrijeço quando ela se levanta,
empurrando a cadeira com agressividade. — Minha utilidade? Por que você
não tenta carregar esta criança você mesmo, já que está tão preocupado com a
sobrevivência dela? — Ela se inclina, segurando a borda da mesa, e algo
como orgulho surge no meu peito quando ela encara o olhar dele, desafiando
o Rei Vampiro de cima para baixo, imitando a mesma expressão de desdém
que ele costuma usar, como se estivesse olhando para o pó debaixo de seus
sapatos. — E se eu não atender a essa... avaliação, você me mandará de volta
para meu pai? Que pensamento emocionante, Sua Majestade. — Suas últimas
palavras são pontuadas por uma mesura falsa, e o medo se mistura ao ânimo
enquanto ela sai em disparada.
Os olhos do pai seguem-na até que ela deixa o salão. Ninguém se move.
Ninguém come. Em toda a minha vida, nunca vi alguém falar com ele
daquela forma e sair vivo. Haverá retribuição, tenho certeza, e isso me
assusta. Porque meu pai é um homem terrivelmente criativo.
Como se sentisse meu olhar sobre ele, ele volta seu olhar para mim, seu
descontentamento tão evidente que um calafrio me percorre. — Mantenha
sua puta raivosa na linha, senão eu o farei.
Não fale dela. Não sequer olhe para ela, ou eu arrancarei seus olhos. Essas
palavras sobem pela minha garganta, implorando para serem ditas,
implorando que eu ignore as consequências e a defenda, mas meu telefone
toca alto no meu bolso, cortando o silêncio tenso como uma faca afiada. —
Com licença — digo, mas a aspereza na minha voz não está completamente
disfarçada.
— Pensei que você considerasse a comunicação humana inconveniente,
Aamon — falo ao celular, ignorando as empregadas que se curvam enquanto
percorro os corredores sinuosos. Uma em particular não se incomoda, seus
olhos vazios e fundos. Num segundo olhar, reconheço-a como a empregada
de Oleia. Ela empalidece quando percebe que estou a observando, curvando-
se rapidamente em uma mesura trêmula.
Há marcas de perfuração em seu pescoço, recentes... possivelmente de duas
horas atrás, e um cheiro demasiado familiar se mistura ao seu odor terroso.
Ela cheira como o Pai. Franzo a testa, desviando o olhar de seu pescoço. O
resto de sua pele está coberta pelo uniforme preto, mas se ela realmente
esteve se entregando aos prazeres do Pai, há uma grande chance de que haja
mais feridas e cicatrizes escondidas sob aquele vestido.
O que não entendo, no entanto, é o porquê. Deixando Oleia de lado, o sangue
de lobisomem tem um gosto horrível, e nosso olfato excessivamente intenso
torna bastante desconfortável estar perto deles. Eles cheiram a terra e musgo,
e gostamos de acreditar que é por causa de sua preferência em permanecer
conectados à terra, mesmo que os lobisomens quase não se transformem mais
nos dias de hoje, preferindo permanecer em suas formas humanas ou, se
necessário, adaptando-se ao "meio-termo".
Basicamente, eles não costumam ser a melhor opção para se alimentar ou
transar. Da mesma forma, eles nos acham repulsivos, frios, e não nos deixam
perto de suas gargantas, nem mesmo por acidente. Não somos exatamente
compatíveis uns com os outros. É por isso que meu... crescente interesse por
Oleia me confunde. Ela cheira e tem um gosto delicioso... como um prato que
nunca vou parar de desejar, um do qual nunca vou me cansar até o dia em que
morrer. Estou divagando.
Mas por que, então, meu pai estaria se envolvendo com a empregada
lobisomem?
— Tínhamos um acordo — Aamon corta, trazendo-me de volta ao presente.
— Tínhamos — murmuro, olhando pelo mezanino para Oleia, que parece
incapaz de encontrar seu próprio quarto. Ou andar direito, aliás. Ela tromba
com Elena, derrubando uma pilha de toalhas dobradas, murmura um
"desculpa" silencioso e depois tropeça na pilha caída desastradamente,
levando Elena junto na tentativa de se segurar em algo.
— Cuidado! — grito, segurando o corrimão, e todas as cabeças ao redor se
viram na minha direção. A dela incluída, e eu dou um passo para trás antes
que nossos olhos se encontrem, minhas orelhas queimando de vergonha.
Gemo ao telefone, mais irritado comigo mesmo e minha absoluta falta de
controle. — Imagino que isso tenha tudo a ver com as invasões na Estrada
Real. Isso mal é território Ivashkov. Não tenho nada a ver em enviar meus
homens para ajudá-lo em assuntos relacionados à sua corte.
A voz do Rei Aamon continua agradável, melodiosa, como sempre, mesmo
que eu consiga ouvir o afiar de aço contra aço ao fundo. — Vamos precisar
de mais armas então, principinho, e suprimentos.
— Mandei caminhões —
— Você queria consertar as coisas, corrigir os erros do seu pai. Acha que
alguns caminhões de suprimentos e armas podem apagar a praga que você e
seus irmãos trouxeram contra nós? Acho que não. Espero você esta noite.
Como de costume.
Olho para Oleia, que parece ter entrado em outro quarto de hóspedes e visto
algo que não deveria. Ou seja, Lady Madge e seu amante humano. Observo
Oleia tropeçar em seu belo vestido na tentativa de fugir e gemo internamente.
— Estou ocupado esta noite. Você os receberá amanhã. — Desligo.
Resmungando novamente, desço as escadas com passos pesados e a encontro
sentada na base delas, com a cabeça apoiada nas mãos. Minhas palmas coçam
para tocar os cachos prateados e macios que brincam com a parte inferior de
suas costas.
— Você deveria estar no seu quarto — digo, meus botões batendo
silenciosamente nos degraus ao lado dela.
Ela inclina a cabeça para trás, apertando os olhos vermelhos e inchados para
me olhar. — Não consigo encontrar a curva certa. Tudo parece igual. Minha
cabeça dói. Tudo dói.
Olho ao redor, notando a estranheza pela primeira vez. — E o guarda?
Oleia se apoia cansada na parede. — Os pais dele morreram há onze anos
hoje. Ele tirou o dia de folga. Suas perguntas estão começando a aumentar
minha dor de cabeça. Deixa eu adivinhar, o Papai Querido não está feliz com
a minha tagarelice e te mandou me torturar com mais cobranças. Esta é a
parte em que você me lembra do meu lugar?
Eu me ofenderia por ela pensar tão pouco de mim, mas eu que dei o tom para
isso. Eu mereço isso. Baixo a mão. — Vamos, vou te levar para o seu quarto.
Ela olha para meus dedos por um tempo antes de segurá-los. — Leve-me
para o seu.
Eu paro, seus dedos macios apertando os meus. Meus lábios se separam, em
algum lugar no meu peito começa uma agitação, e tenho aquela experiência
irritante de estar fora do corpo, onde me vejo caindo de um penhasco, sem
nenhuma corda à vista para me puxar de volta. — Por quê?
Olhos verdes brilham e estão abertos e vulneráveis, como na primeira vez que
a vi. — Estou cansada de estar sozinha. — Ela pisca, como se surpresa com
suas próprias palavras. — Não esta noite.
— Vou mandar Horace passar para te examinar —
— Se eu quisesse ser examinada pelo maldito médico, eu mesma estaria lá —
ela corta. — Não podemos fingir ser um casal normal, só por esta noite? Não
pode fingir que... se importa comigo, mesmo que seja só por algumas horas?
É só uma febre. Não sou uma fracote que seria derrubada por isso.
Me esforço para ficar parado, mesmo que os centímetros entre nós de repente
se carreguem, cheios de palavras não ditas e emoções reprimidas. Nunca
consigo encontrar as palavras certas para dizer, não achava que ela pudesse
me entender, nem mesmo eu consigo entender os pensamentos que explodem
na minha cabeça. Então, levo-a até o meu quarto, como se não me
incomodasse, a ideia daquele perfume se misturando com o meu, suas mãos
tocando meus pertences e o calor dela permanecendo, mesmo depois que ela
partir.
Faz tanto tempo desde que tive isso, e isso causa um tipo estranho de pânico
crescer dentro de mim. Deixar alguém entrar. Perdê-la. Matá-la. — Um
banho quente te faria se sentir melhor — ofereço no silêncio desconfortável.
Ela apenas balança a cabeça.
Já no quarto, ela tira os sapatos de salto, sua altura diminuindo alguns
centímetros, e eu vou até o banheiro para preparar seu banho. Parece quase
natural fazer isso, e fico furiosamente envergonhado ao pensar no que Cyril
diria se me encontrasse fazendo coisas como verificar se a temperatura da
água não seria muito forte para sua pele. Meus deuses.
Quando volto para o quarto, ela está cochilando perto do sofá, e algo em mim
derrete enquanto paro na frente dela, agachando-me levemente. — Oleia —
sussurro, mas ela não se mexe. Não sei por que estendo a mão e toco seu
cabelo. Meus dedos percorrem as linhas delicadas de seu rosto, e vê-la se
inclinar em direção ao meu toque me assusta tanto que puxo a mão de volta,
acordando-a no processo. — Seu banho... — digo, com as orelhas ficando
vermelhas. — Está pronto.
— Obrigada — ela diz suavemente, piscando através da névoa do sono, e eu
a observo se arrastar até o banheiro e fechar a porta atrás de si.
Frustração — sexual e emocional — arrepia minha pele enquanto o som de
respingos suaves de líquido sobre a pele nua chega aos meus ouvidos. Com
os pelos arrepiados, entro acelerado na sala de jogos e no escritório além
dela, para me manter ocupado.
Quando volto uma hora depois, não há sinal dela na sala principal, a água
ainda está correndo, e não há sons vindo do banheiro.
Um medo genuíno me faz agir rápido, mas paro dentro do banheiro, ao ver
sua cabeça encostada na parte de trás da banheira, seus lábios entreabertos
enquanto ela respira calmamente, adormecida. Não... morta. Ou se afogando.
Estendendo a mão, a tiro da banheira. Ela está fria ao toque, mas sua
respiração na minha pele é quente como chamas. Uma visita a Horace não
deveria ser adiada por mais tempo, mas... talvez, amanhã.
É estranho como eu não penso duas vezes ao tocá-la enquanto a visto com
uma das minhas camisas, seco seu cabelo o melhor que posso e puxo as
cobertas sobre seus ombros. É instintivo.
Quando sua respiração se acalma e eu começo a me levantar do colchão, uma
mão envolve meu pulso, me parando. Olho para baixo, para ela, para seu
olhar prateado, seu rosto pequeno e bonito, e seus lábios protuberantes
enquanto se movem. — Fica.
Ela está meio adormecida e delirante pela febre. Provavelmente nem se
lembrará disso de manhã, deixando-me atormentado sozinho com as
memórias de como seria acordar ao seu lado e lutar contra a vontade de me
alimentar enquanto dormo, para não machucá-la. Um incômodo. Ainda
assim... tiro meus sapatos e entro na cama ao lado dela. — Melhor?
Oleia ri, enfiando as mãos debaixo da minha camisa, até que ela fique colada
à minha pele. Ela envolve meus braços ao redor do meu torso e se aconchega
mais perto, até que sua cabeça repouse no meu peito, seu cabelo úmido
fazendo cócegas nas minhas narinas. — Muito. — Sua pele está começando a
esquentar novamente, e meu estômago se contrai enquanto ela explora
minhas abdominais sem pudor. — Como você consegue ter isso?
Dou de ombros, relaxando um pouco e encaixando sua cabeça sob meu
queixo. Suas pernas se entrelaçam com as minhas. Isso quase parece normal,
fazer isso com ela. Conversar. Apenas... conversar. Aponto para a porta no
canto mais distante da parede direita, ao lado do sofá. — Há uma academia
aberta ao lado do rancho, mas eu tenho uma mais privada.
Ela balança a cabeça, segurando mais firme e tremendo. Envolvo meus
braços ao redor dela e sua respiração se acalma levemente. — Me conta
alguma coisa. Qualquer coisa — ela sussurra roucamente.
É a primeira vez que ela expressa curiosidade em relação a mim, mas isso
não significa que eu saiba o que dizer. Que eu testemunhei a morte pela
primeira vez aos oito anos, e anos depois, ainda não consegui tirar o som da
garganta da mulher da minha cabeça? Ou como meu pai não parou de bater
em sua esposa até que os respingos de sangue estivessem por toda parte, seu
coração morto e imóvel? Ou que, mesmo tendo fugido disso, eu ainda era
filho do meu pai, sem dúvida, e tinha matado acidentalmente a primeira
mulher com quem me deitei, sem nem perceber que ela havia se ido até que
seu sangue ficasse rançoso em minha boca?
Ela realmente fugiria de mim, então. Me chamaria de monstro, mesmo que
isso não seja nem metade do que sou.
Então, opto por algo mais fácil. — Por um tempo, eu quis uma... vida mais
simples. Sem título. Sem expectativas. — Toquei seu cabelo com um carinho
leve, e ela estremece, o batimento cardíaco dela pulsando ritmicamente contra
minha caixa torácica. É mais que isso. Eu odiava as guerras, o sangue e estar
na ponta da coleira do meu pai, que ele puxava sempre que lhe agradava.
Odiar o trono. Odiava tudo que me conectava a ele. Odiava ser seu filho.
Eu ainda sinto isso, mesmo que tenha aprendido a conviver melhor. Não digo
essas palavras, mas Oleia as escuta, surpreendendo-me com a próxima
pergunta.
— Se uma oportunidade surgisse, você iria embora? Do trono? Do seu pai?
Faço uma pausa, refletindo. Já tentei e aprendi há muito tempo que estou
ligado a ambos para sempre, gostando ou não, querendo ou não. — Não
posso.
— Então talvez você não odeie isso... ou odeie ele tanto quanto pensa. Nós
nunca odiamos de verdade — ela sussurra, a voz carregada de uma dor que se
desdobra. — Nosso pai nos ensinou que a família vinha acima de tudo, mas
nos abandonava sempre que as coisas ficavam difíceis. Mesmo assim,
nenhum de nós conseguiu odiá-lo. Nem eu. Nem Astrid, a quem ele falhou
repetidas vezes. Talvez seja por isso que você também não pode abandonar
seu pai.
Eu gostaria muito que fosse esse o caso, que eu não pudesse deixar essa vida
para trás porque, no fundo, ainda desejo o amor e a aceitação do meu pai.
Mas essa não é a razão.
Talvez fosse Cyril. Ou a tia Zephyr morrendo misteriosamente se eu de
alguma forma partisse. É por isso que não posso me permitir sentir. Já tenho
sangue demais nas minhas mãos. Mais um pouco e acho que não conseguirei
me olhar no espelho.
Conversamos um pouco mais depois disso. Oleia me conta um pouco sobre
sua infância. Por mais protegida que tenha sido, ela viveu. Realmente viveu.
Eu não pergunto como sua mãe morreu, e ela não pergunta sobre a minha.
Contornamos assuntos leves, cuidadosos para não desencadear memórias
passadas um do outro.
A inveja aparece sempre que ela menciona Darian, que parece ter sido uma
parte importante de sua vida, mas chego a uma conclusão. Ela não o ama
daquela maneira. Fala dele como eu falaria de Cyril. Como um irmão. Isso
me deixa um pouco mais tranquilo.
Ela adormece com os dedos dentro da minha cueca, quase segurando minha
bunda, e murmura algumas vezes durante o sono sobre como ela é macia, ao
contrário do meu coração de pedra, quase inexistente.
Só por esta noite, vou fingir que somos um casal normal. Vou fingir que é
normal, seus braços envolvendo-me assim, o rosto dela enterrado no meu
peito, a respiração suave e provocando cócegas, o longo cabelo loiro prateado
espalhado. E quando fecho os olhos, é com um pequeno sorriso.
E meu peito parece mais leve do que há anos, o ar fresco com o cheiro dela.
Sonho com cores e uma voz alegre gritando meu nome com empolgação.
Sonho com flores silvestres em cabelos loiros prateados. Sonho com olhos
verdes salpicados de ouro, capturando a luz do sol, e um sorriso igualmente
brilhante, afastando o frio e a escuridão que constantemente me cercam.
Mas logo sou acordado pelo cheiro enjoativo de sangue em minhas narinas e
um grito aterrorizado que me arranca dos sonhos com mãos de aço.
Por um momento, o medo aperta meu coração como um torno. Por um
momento, vejo outra pessoa na cama ao meu lado, cabelos pretos, pele
pálida, olhos sem luz nem vida, e duas marcas de perfuração no pescoço, tão
profundas que a pele está arrancada e destruída.
Por um momento, sou puxado de volta há alguns anos, o corpo de uma
prostituta de sangue descoberto ao meu lado pela empregada.
Mas minha visão clareia e vejo Oleia, chorando, em pânico, minha camisa
azul clara que ela veste encharcada de sangue. — V-Val... Valerian, eu não...
Eu não entendo. Não pode ser... Meus deuses — ela soluça, puxando a
camisa e eu vejo o filete escorrendo entre suas coxas.
Grito para os guardas chamarem Horace, mas uma sensação incômoda de
déjà vu se espalha por mim.
— Isso foi por causa de sua negligência! Se ela tivesse sido trazida antes, um
antídoto poderia ter sido administrado, seu idiota! — o rei Marcus berra, os
lábios curvados para trás em um rosnado feroz.
Até Horace não sabia que tipo de veneno foi administrado a Oleia, e embora
o sangramento tenha parado, deixou Oleia pálida e quase sem vida, sua pele
úmida e fria ao toque.
Ela teve outro aborto espontâneo, mas não é isso que me preocupa.
É o como e o porquê. Por que alguém sentiria a necessidade de ir a tais
extremos para evitar que um herdeiro nascesse. Nenhum provador de comida
passou por algo semelhante, mas Horace disse que o alvo era o bebê e não a
mãe, então mesmo que o provador tivesse ingerido o veneno, não haveria
efeito algum. Ainda assim, Horace disse que haveria efeitos colaterais. Como
micção frequente e uma leve febre.
Nenhum deles experimentou algo desse tipo. Isso me levou a uma conclusão.
O que ela ingeriu não deve ter vindo das cozinhas.
Eu não conseguia me forçar a perguntar a ela, no entanto. Ou olhar para ela.
Era mais fácil descontar minha raiva nos funcionários e em todas as outras
pessoas do que olhar para ela e saber que, se eu não tivesse cedido ao pedido
dela na noite passada, ela não teria quase morrido de perda de sangue hoje.
— Eu me desculpo — digo pela enésima vez, mesmo sem saber pelo que
estou me desculpando.
— Aamon vai querer respostas — ele rosna, andando de um lado para o
outro, cada pedaço dele um predador. — Se ele acreditar que a vida de sua
filha está verdadeiramente ameaçada e que somos incapazes de protegê-la,
tudo o que construímos — tudo — desmoronará.
Ele bate os punhos na mesa, a madeira gemendo sob o impacto. Eu me
encolho quando a superfície racha, se fragmentando.
O telefone fixo toca novamente, o som estridente cortando o silêncio pela
quinta vez em minutos, e ele sibila. — Prepare o conselho para amanhã. —
Seus olhos negros piscam para o telefone preto. — Ela não foi envenenada.
Eu pisco, minhas sobrancelhas se franzindo em confusão. — Ela não foi?
Seus olhos negros se fixam nos meus, brilhando com uma intensidade
perigosa. — É um dos dois demônios, garoto. Governamos instilando medo,
controlamos explorando suas fraquezas e retomamos o que é nosso pela força
e pura força. Isso implica que falhamos em proteger os nossos. Isso cria uma
imagem de fraqueza que devemos eliminar. Rapidamente.
Minha mente gira, juntando suas palavras, assim como as implicações.
Ele continua: — Se os lobos acreditarem que sua preciosa princesa, que se
ofereceu pela 'paz', está realmente à beira da morte, mantê-los subjugados se
tornará... complicado. — Ele inclina a cabeça, seus lábios se abrindo em um
sorriso que me congela até os ossos, demasiado sombrio, demasiado
calculista. — A filha de Aamon não pode levar uma gravidez a termo. Essa é
a verdade que vamos divulgar.
Meu maxilar se contrai. — Com que objetivo? Oleia e eu já estamos casados.
Você não pode afirmar que ela de repente está danificada e devolvê-la. — A
ideia de tirarem ela de mim me perturba, fazendo com que minhas presas
rangerem contra meus dentes, mas eu insisto, esperando romper qualquer
loucura que isso seja. — O tratado foi assinado. O que você espera ganhar ao
encurralar Aamon dessa forma?
Ele faz um som de reprovação, seu desgosto esticando seus lábios. — Outra
filha, talvez.
— O quê?
— Outra filha — ele repete. — Sua preciosa Oleia ainda pode servir como
rainha troféu, mas você ouviu muito bem Horace. Outra gravidez, outro
envenenamento e podemos perdê-la para sempre. Aamon nos deverá uma
restituição por essa falha e não terá outra escolha senão nos fornecer outra
fêmea para cumprir o que ela não pode.
Um pânico rápido e agudo surge em mim, uma dor lancinante que fecha
minha garganta. — Você não pode simplesmente substituí-la! Você não o
fará!
Eu havia dito as mesmas palavras meses atrás, e ainda acabei naquele altar.
Desta vez será diferente. Tem que ser. Não há volta disso, não há como salvar
algo com Oleia se a irmã dela, ou outra mulher, for trazida aqui como
reprodutora. Eu não consigo, de jeito nenhum, fazer isso de novo. Não posso
mais ser a puta dele, transando com qualquer mulher que ele quiser. Já era
ruim o suficiente quando tive que vender minha alma, minha vontade, para
nos trazer até aqui.
Tudo foi pelo povo, ele disse. Pelo nosso futuro.
Eu odiava isso. Desprezava cada um deles, dançando nas festas enquanto eu
dava tudo de mim para garantir que nós chegássemos aqui.
Por um momento, a sala fica em silêncio. Então, Marcus dá uma risada, um
som sem alegria e morto. — Cuidado agora. Você está começando a agir
como eles.
Meu rosnado de resposta faz as paredes tremerem. — Não.
Marcus avança, suas botas marrons raspando silenciosamente contra o
mármore. Eu espero seus surtos habituais de violência. No entanto, tudo o
que ele faz é me encarar com um olhar entediado. — Você acha que eu não
vejo seu apego a ela? Sua fraqueza? — Ele cospe a palavra como um insulto.
— Isso te cega, Valerian, te deixa mole. Mas você precisa entender isso: se
você se recusar a cooperar, a vida de Oleia será perdida.
Eu me enrijeco, um frio entorpecente inundando minhas veias. — Você não
ousaria —
— Não ousaria? — ele me interrompe, os olhos brilhando com uma diversão
cruel. — Você esquece quem você é, garoto. Eu sou o Rei, e faço o que deve
ser feito pelo nosso povo, pela nossa sobrevivência. Se Oleia não puder
carregar um herdeiro, ela se torna dispensável. Sua fragilidade já a torna um
problema. Um empurrão— um acidente— e ela se vai. Uma tragédia, sim.
Mas uma aceitável. Aamon vai chorar, mas ele entenderá a importância de
substituí-la por outra filha e manter o tratado válido. Você dará seu
depoimento amanhã no conselho, ou não hesitarei em remover a única coisa
que está te segurando.
— Você é insano. — Garras rasgam minhas palmas. — Você é maluco.
Mataria ela para provar um ponto?
Ele encolhe os ombros. — Isso depende inteiramente da sua resposta.
C A P ÍT U L O 1 3
VALERIAN
e conte novamente como foi o dia antes de ontem — pedi, mais
—M uma vez.
O vento balança seus cabelos e roupas. Embora a cor ainda não tenha voltado
à sua pele, ela parece melhor do que da última vez que a vi. Sentada no
jardim, ela arranca pétalas de um dente-de-leão, deixando-as cair na grama
com uma calma tão perturbadora que aperta meu peito.
— Tomei café da manhã. Peguei as chaves do seu carro do seu paletó quando
você me levou ao meu quarto — ela joga outra pétala no chão. — Fui pega
pelos seus guardas antes de chegar à garagem. Dei uma volta para limpar a
cabeça. A Crystal me trouxe um mocktail de cerveja de gengibre —
Eu me aproximo um pouco. — Você não mencionou isso antes.
Ela não olha para mim, jogando o cabelo sobre o ombro e retomando a tarefa
de arrancar as pétalas metodicamente. — Não achei que precisasse te
atualizar sobre tudo o que comi. Além disso, é a Crystal. Somos amigas
desde a infância. Se não estou segura com ela, não estou segura com
ninguém.
Suas palavras se perdem no fundo enquanto meus pensamentos giram.
Virando-me, mal registro sua voz me chamando.
A empregada. Por que ela? Não faz sentido. Não há motivo —
Sou puxado de volta por uma mão no meu braço, e olho para baixo para ver
Oleia. Seus olhos verdes estão arregalados de pânico— a primeira reação
genuína que vejo desde que Horace lhe deu a notícia sobre os riscos de outra
gravidez e que não havia como saber se e quando seria seguro tentar
novamente. — Não foi a Crystal! —
Libertar meu braço de seu aperto é um castigo que inflijo a nós dois, mas não
posso permitir que ela me toque, nem posso encarar seu olhar. Não quando
concordei com algo tão... condenável. Uso minha expressão mais fria e
impiedosa. — Decidirei isso depois de interrogá-la.
— Ela é minha melhor amiga! — Oleia grita, lutando para acompanhar meus
passos enquanto atravesso o caminho de paralelepípedos. Sua voz se eleva,
atraindo olhares dos funcionários e cortesãos próximos. — Não vou permitir
que você a torture como se fosse uma criminosa! —
Mas meu instinto não mente.
Quando chego aos aposentos dos serviçais, guardas enchem o corredor. Eu
havia ordenado a Sergei que liderasse a busca pelo castelo para encontrar o
culpado. E, pelo que parece, encontraram o que eu temia.
Sergei se aproxima, com dois frascos em suas mãos, enquanto Crystal, a
empregada pessoal de Oleia, é acompanhada por guardas que a puxam para
fora do pequeno quarto com força. Oleia passa por mim, sua raiva palpável
ao agarrar o pulso de Crystal e puxá-la de volta, protegendo a empregada
com seu corpo. — O que está acontecendo? Para onde estão levando ela? —
Sergei ergue os frascos. — O quarto dela cheirava estranho. Não demorou
para descobrir o porqué.
Já se formou uma multidão em ambos os lados do corredor, sussurros e
suspiros ecoando pelo espaço. Oleia agarra os ombros de Crystal, a
desesperança estampada em suas feições. — Alguém deve ter plantado isso.
Não foi, Crys? Você não —
— Fui eu. — A resposta da empregada é suave, tão suave que parece que as
palavras não têm peso. — E não me arrependo.
O mundo para. Por um segundo horrível, vejo a respiração da minha esposa
ficar ofegante, o mundo dela desmoronando e o coração se partindo. E minha
visão embaça. A única coisa que me impede de arrancar a garganta da
empregada é a confusão e a negação absoluta nos olhos de Oleia.
Aceno para Sergei, o comando claro. Seus homens agarram Crystal e a levam
embora.
Oleia me agarra o braço novamente, as unhas cravando na minha pele
enquanto ela suplica, a voz falhando. — Valerian, por favor. Ela está
mentindo. Crystal não faria mal a uma mosca. Deixa eu falar com ela. Por
favor.
Seus olhos me atraem, suplicantes, e sinto o gelo em volta do meu coração
derreter um pouco. Droga se eu sei como ela conseguiu ter esse efeito sobre
mim.
Mas eu me sacudo, encarando-a com um olhar frio. — Você não fala com
ela. Você não chega nem perto dela até que eu diga. Sua segurança vem em
primeiro lugar, e não vou deixar que sua confiança mal colocada a coloque
em perigo de novo.
Os olhos dela se arregalam, e as lágrimas que finalmente caem cavalgam algo
afiado e vazio no meu peito. Eu me viro antes que eu possa vacilar e beijar
aquelas lágrimas preciosas, deixando-a lá e erguendo as paredes entre nós
ainda mais alto do que acho que minha sanidade pode aguentar.
— Ela se recusa a falar — diz Sergei horas depois, o suor brilhando em sua
testa. Ele gesticula em direção à mulher quebrada acorrentada à cadeira.
Entro na câmara, o cheiro de sujeira e desespero de meses atrás é esmagador.
O rosto de Crystal está ensanguentado, as unhas arrancadas, mas seus olhos
queimam com uma defesa que poderia ser admirável em outras
circunstâncias.
Nenhum remorso.
Ela inclina a cabeça para a esquerda, e seus olhos, inchados e mal abertos, se
fixam em mim. Eles se seguram enquanto ela cospe sangue e um dente
quebrado. — Você me honra com uma visita, meu príncipe. — A voz dela é
úmida, doentia, cheia de ódio e riso zombeteiro, e o guarda à sua esquerda
golpeia o punho em seu nariz.
— Você vai falar com ele com respeito, vadia.
O som de ossos quebrando enche o ar, e ela geme, o sangue escorrendo do
nariz para a boca, manchando os dentes. — Ouvi dizer que ela não vai poder
te dar filhos depois disso. Ela é inútil para você, então você deve ter planos
de mandá-la de volta para o Rei Aamon, não é?
Meu maxilar se tensiona, minhas presas coçando por violência. Em vez disso,
eu levanto uma mão, dispensando Sergei e os guardas. — Deixem-nos.
Ele hesita, seus olhos prateados se estreitando. — Eu tenho que relatar ao
rei —
Ela se enrijece com isso, e eu guardo essa informação para mais tarde,
fixando-o com toda a força da minha aura. — Agora.
A porta se fecha com um baque estrondoso, me deixando trancado com a
mulher que observa cada um dos meus movimentos com olhos azuis
assombrados. — Se você vai me matar, acaba logo com isso — ela cospe,
embora a voz tremule, traindo o medo.
Eu me aproximo, cada movimento deliberado, calculado e fluido. — Por
quê? — exijo, minha voz um rosnado baixo. — Por que envenená-la? Qual
era o seu objetivo?
Ela encara, e encara, considerando minhas palavras indignas de uma resposta.
A violência no meu sangue crepita, clamando por mais sangue e morte. —
Ela confiava em você.
— Ela sempre foi uma tola confiante. — Palavras precisas e sem remorso que
entram em mim com a mesma força, me lembrando que eu posso ser o
carrasco, mas não sou melhor que ela.
Eu me ergo diante dela, minhas sombras se enrolando nas bordas do mal
iluminado quarto. — Você tem dormido com meu pai. Queria mais do que
ele podia oferecer? Talvez você tenha imaginado dar à luz um herdeiro antes
de sua princesa e tentou ir além dos seus limites. Uma serva humilde e
miserável não pode ser rainha, mas se ela gerasse um herdeiro onde a rainha
não pode, teria um status tão poderoso, não é?
Ela encara o vazio, sem resposta. É a única dedução que faz sentido, além do
fato de que, talvez, Oleia esteja certa e ela esteja sendo incriminada. Mas por
que admitir algo que não fez?
Eu lhe dou a ponta mais curta da corda, esperando, pelo bem de Oleia, que
ela não se enforque com ela. — Ou talvez alguém a ameaçou, coagiu-a a
assumir a culpa?
Ainda nada.
Meus dentes rangem e eu fecho a distância entre nós, curvando-me sobre ela.
Encontro seu olhar com o meu, observando suas pupilas dilatarem enquanto
deixo minha aura se estabelecer entre nós, deslizando além de suas barreiras.
Compulsão nem sempre é agradável, uma violação de privacidade que vai
muito além do físico. São necessários anos de prática e cuidado absoluto para
invadir a mente de alguém sem quebrá-la, e mesmo assim, até os mais
habilidosos entre nós ainda experimentam deslizes de vez em quando.
Tento evitar isso o máximo possível, exceto em situações como essa que
exigem. Fico surpreso, no entanto, quando encontro uma parede sólida,
reforçada com algo mais duro que o aço.
A mulher geme, seus olhos se fecham firmemente enquanto ela se debate
contra mim para proteger sua mente. Ela luta com mais força, me fazendo
pensar no que poderia ser tão importante que ela enterrou tão profundamente,
trancado atrás de tantas barreiras que não consigo ultrapassar sem quebrar sua
mente completamente.
Dou um passo para trás, meu peito ofegante com o esforço de contenção, e
ela desaba cansada na cadeira, as correntes tilintando em sintonia com seus
soluços quebrados.
— Você não pode começar a compreender o que fez — digo, minha voz
tremendo de raiva. — E não. Oleia permanecerá aqui, ao contrário do seu
plano. Teremos um novo membro na família e suponho que temos você a
agradecer por isso.
Sua pele empalidece. — Do que você está falando?
Eu rio com amargura. O conselho já começou a se reunir e, em algumas
horas, terei mais um motivo para Oleia me odiar. — Vim aqui por causa dela,
porque ela acreditava fortemente que não poderia ter sido você. Você não
merece nenhuma daquela confiança. De manhã, terei sua confissão, ou o que
restar de você depois que Sergei a despedaçar. Devagar. Um sorriso sombrio
curva meus lábios. — Seus gritos ecoarão por essas paredes como os dela.
Você aprenderá o som do sangue borbulhando, se familiarizará rapidamente
com a sensação de lutar por ar que nunca virá.
Sua respiração acelera e ela se debate contra as correntes. Posso sentir seu
medo no ar. — Aproveite o dia. Pode muito bem ser o seu último.
O ar estava tenso desde o início da reunião, e piorou a cada segundo que
passava. Havia uma mesa quebrada pendurada fora de lugar na outra
extremidade do salão, cortesia do rei Aamon. A única humana na reunião,
uma mulher em seus sessenta e poucos anos, a Chefe de Estado, Sofia
Dumitru, parecia querer estar em qualquer lugar menos nesse encontro.
Mas acabou. Quatro longas horas de gritaria, discordância, auras poderosas se
confrontando e ameaçando derrubar o pequeno salão oficial. O tratado foi
assinado com tinta e sangue, e não haveria retorno da minha traição.
Pai conversa com Sofia sobre os novos planos de construção de um abrigo
para receber mais humanos, seus risos forçados, altos demais enquanto ela
caminha pela porta com ele.
Meus dedos deslizam para os bolsos enquanto eu sigo o exemplo, mas meus
pés param no limiar diante do tom severo de Aamon. — Não pense nem por
um segundo que eu acredite nas suas mentiras.
Viro levemente e inclino a cabeça em sua direção. — Então por que aceitou?
A raiva ferve em seus olhos. — Porque até eu entendo que há batalhas que
não posso vencer. — Seus lábios se apertam e suas próximas palavras são um
rosnado. — Se algo acontecer à minha filha, Principezinho, eu arrancarei sua
língua e enfiarei goela abaixo. Farei com que você seja pendurado pelas
entranhas naquelas mesmas estacas que você se orgulha de usar para enforcar
traidores.
É exatamente isso que estou tentando fazer, não digo enquanto ele sai, com
os guardas marchando atrás dele.
Uma voz feminina familiar corta o corredor, afiada e trêmula, e eu me
estremeço. Apoiando-me contra o batente da porta, me acalmo e ouço.
— É verdade, então? Você vai mandar Lena? Como pôde concordar com
isso?
— Você tinha um dever, Oleia — ele corta, com palavras cortantes. — Se
não consegue cumpri-lo, não me culpe por encontrar uma alternativa que
garanta a sobrevivência da nossa família.
— Uma alternativa? — A voz dela quebra. — Você está trocando a vida
dela! Será que nem se importa com o que está condenando...
— Chega! — Seu tom se endurece, mais afiado que antes. — Se você tivesse
feito sua parte, não estaríamos nesta situação. Se tivesse servido ao seu
marido com metade da paixão com que o desafia, talvez ele não tivesse se
cansado e buscado outra.
Dou um passo à frente instintivamente, alcançando o limiar, justo quando o
grito angustiado dela ecoa da base da escada. — Você já arruinou minha vida
com suas maquinações. Não vou deixar que faça o mesmo com Lena. Uma
filha já foi suficiente. Até onde você vai, Pai? E se eles exigirem mais, você
venderá outra das minhas irmãs?
Meu olhar vai da expressão ferida de Oleia para a do rei Aamon, que se
suaviza em algo perigosamente próximo à pena. — Se você quiser proteger
Lena, sabe o que é esperado de você. Isso não é um jogo, Oleia. Os cofres e o
arsenal não se reabastecem sozinhos. Os feridos, desabrigados e órfãos não
sobrevivem apenas pela graça da Deusa. Suas irmãs não estão protegidas dos
bandidos somente pela minha força, e nem suas alianças são garantidas
apenas por palavras. Isso é sobre nossa sobrevivência, e eu faço o que for
necessário por nossa família, quer você veja isso ou não.
Ele desce os degraus em espiral, e, ao passar por ela, ela sussurra: — Eles
detiveram Crystal por envenenar.
Seus ombros se tensionam, indicando que ele a ouviu, mas ele não diz nada,
apenas continua andando.
Oleia respira fundo, pressionando os dedos contra a boca e soluçando. Eu
recuo um passo, covarde demais para encará-la agora, mas ela deve ter me
ouvido, porque seus olhos se levantam para onde estou.
Seu rosto se desfaz e um soluço, tão profundo e doloroso, escapa de sua
garganta. — Por quê? Por que nada do que eu faço é suficiente para você?
Como pôde fazer isso comigo? Nós acabamos de perder nosso filho. Eu
significo tão pouco para você? Isso não significa nada?
Sem palavras. Impotente. Inútil. Meus lábios se abrem e eu os fecho, sabendo
que não há nada que eu possa dizer para salvar a situação. Ainda assim,
minha mente se recusa a recuar. — Significa...
— Você vai transar com a minha irmã! — ela grita para mim, suas palavras
ecoando pelas paredes do castelo e pela minha mente, viciosas e venenosas.
— Você é o homem mais desprezível que já conheci. Só o mais vil e
repugnante, e eu amaldiçoo o dia em que te conheci.
Eu amaldiçoo o dia em que te conheci.
Ela não é a primeira a me dizer essas palavras. Já ouvi dizer que minha mãe
as disse ao meu pai também. E também ouvi que ela me desprezava e não me
tocava ou olhava após o parto. Maldição. Talvez isso seja tudo o que eu
represento para aqueles que amo — porque, porra, eu me importava com
Oleia.
Coloco as mãos nos bolsos e me afasto dela, mais uma vez. Aamon estava
certo, no fim das contas. Haviam batalhas que não podíamos vencer, às vezes
por estarmos em desvantagem numérica, outras por falta de força.
Isso era outra coisa. Algo para o qual não estou pronto para enfrentar. Uma
batalha que não estou preparado para lutar, a menos que ela me consuma por
completo.
Dirijo bem longe do castelo, mesmo que só para evitar a fúria de uma mulher
por quem eu não queria sentir nada, sentimentos que me envolveram como
uma algema, me sufocando.
Mais tarde naquela noite, embriagado de euforia e sangue, atendo
relutantemente a ligação de Sergei.
A empregada morreu na câmara de tortura. Crystal cometeu suicídio ao
engolir a própria língua.
C A P ÍT U L O 1 4
OLEIA
inha vida está desmoronando em ondas de dor e agonia, e parece que
M não consigo ter um mísero momento de paz.
Lena chega hoje e... Eu enxugo a lágrima debaixo dos meus olhos, mordendo
o lábio inferior para conter o choro. Crystal está morta. Não me deixaram vê-
la, nem participar do seu funeral, nem falar com a mãe dela, que veio buscar
o corpo. Eu não acreditei por um segundo que ela tivesse me envenenado,
mas todos os outros pareciam achar que eu era ingênua.
Eles não entendiam. Crystal e eu tínhamos um laço que valia tanto para mim
quanto o que eu compartilhava com minhas irmãs. Morreríamos uma pela
outra.
Para garantir que eu permanecesse no meu quarto e não fugisse, Valerian
dobrou a guarda do lado de fora, e como Darian ainda está fora, estou presa,
sem nem mesmo poder me despedir dela na passagem para o Além.
— Não fique tão triste, Olenka — Kathleen diz com voz melosa enquanto
observamos a limusine do meu pai entrar na garagem. — Ela é família, afinal.
Certamente, dividir com ela não pode ser tão ruim assim.
Meus dedos se fecham em punhos, mas eu ignoro a provocação dela.
Valerian, vestindo um terno preto impecável, desce as escadas com passos
graciosos, e o ódio se torna uma coisa viva no meu peito. Ele para perto do
carro, charmoso como sempre, e meus músculos se tensionam quando dedos
femininos e suaves se apertam em volta da mão dele.
Eu me assusto ao ver o cabelo escuro e —
Aquela não é Lena. Eu olho incrédula para o rosto familiar. Meu pai não
tinha enviado Lena, ou qualquer uma das minhas irmãs, na verdade. Ele tinha
enviado Lyra, que é a melhor amiga de Astrid. E, pelo visto, Marcus não
esperava por isso, se a expressão de irritação dele for uma indicação. Lyra
também tem sangue de Alpha, embora de uma matilha extinta, então acho
que faz sentido.
O alívio me invade, mas é passageiro. Fico aliviada que minha irmã não
tenha sido vendida para esse mesmo poço de inferno; no entanto, significa
apenas que Lyra tomou o lugar dela. A tristeza me invade enquanto a vejo
cometer o mesmo erro que eu cometi, se apaixonando por Valerian e pela
imagem que ela tem dele. Seus olhos âmbar, realçados por maquiagem
escura, se arregalam ao olhar para ele, cheios de admiração e encantamento, e
por um minuto inteiro ela parece incapaz de tirar os olhos dele.
Um rosnado territorial ecoa no meu peito, mas eu o reprimo, sabendo que não
é culpa dela de forma alguma. Sabendo que é só uma questão de tempo até
que ela experimente as mesmas coisas que eu vivi. Meu breve momento de
ciúme me enche de culpa, e eu engulo seco, mantendo meu olhar em outro
lugar.
Valerian abaixa a cabeça, pressionando os lábios contra os nós dos dedos
dela. Eu ouço, mais do que vejo, a respiração dela prender, e um fogo de
desespero se aperta no meu estômago. Eu parecia da mesma forma no meu
dia do casamento? Tão apaixonada? Tão encantada? Tão ingênua? Meu pai
teria ouvido minhas palavras e enviado Lyra no lugar? O que isso dizia sobre
minha importância para ele?
Valerian se endireita e eu leio a palavra "Bem-vinda" em seus lábios. Eu
deveria ir embora. É humilhante demais dar as boas-vindas à nova
reprodutora do meu marido, sabendo que hoje à noite, amanhã, em breve,
eles vão compartilhar uma cama.
Mas me afastar me faria parecer patética.
Os olhos castanhos de Lyra deixam Valerian por tempo suficiente para piscar
em nossa direção. Ela faz uma reverência e congela quando nossos olhos se
encontram. E então desvia o olhar bruscamente quando Valerian fala com ela
novamente, pressionando-se contra o lado dele.
— Sua casa é encantadora, meu príncipe. Eu adoraria vê-la.
Valerian bate levemente nos dedos dela, seus olhos negros iridescentes
fixando-se em mim enquanto diz com rigidez: — Claro.
Eu me viro e caminho, com os olhos ardendo. Talvez, tenha sido naquele
momento que percebi que estava verdadeiramente perdida. As paredes da
minha casa, as paredes do castelo e cada pessoa dentro dele agiam como uma
prisão. Não importava se eu ficava fria e insensível, os sentimentos sempre
voltariam porque aqueles eram apenas remendos temporários.
Assuma o controle da sua vida, eu havia ouvido alguém dizer anos atrás.
Poderia ter sido minha mãe. Não havia nada disso para pessoas como eu,
cujas vidas nem sequer lhes pertenciam.
E se em algum momento eu quisesse mudar isso, teria que ser fora dessas
paredes.
Eu tinha que sair.
Por volta da meia-noite, enquanto encaro a janela, incapaz de dormir com
tantos pensamentos me pressionando, algo passa zunindo pelo meu ouvido
direito e bate no chão de mármore atrás de mim.
Olho para trás, franzindo a testa ao ver um pedaço de pano enrolado em uma
pequena pedra. Apertando o cobertor sobre meus ombros com mais força,
agacho-me para pegá-lo, desenrolando-o três vezes antes de ver a tinta e os
rabiscos apressados no pergaminho dourado que cheira a flores de cerejeira.
— Estarei nos jardins. É importante.
Cheirando o papel novamente, franzo a testa. Eu não faço nem gosto de
suspense. Deveria ter havido tempo mais que suficiente para adicionar um
nome.
Amasso-o em minhas mãos, prestes a jogá-lo no lixo, mas o gato curioso em
mim abre um olho, fazendo-me encarar o bilhete por mais um tempo.
Suspirando, eu cedo. Pegando uma capa e jogando-a sobre o ombro, saio pela
porta, apenas para encontrar três guardas de olhos arregalados me encarando.
Deuses, sinto falta do Darian.
Levanto o queixo, olhando para eles com superioridade. — Vou dar uma
volta lá fora. Está muito quente aqui dentro. Vocês não vão me seguir.
Um garoto pálido que não pode ser mais velho do que eu por um ano olha
para os outros rapidamente antes de encontrar meu olhar e responder
tremendo: — Temo que não possamos fazer isso, Sua Alteza. Ordens do
Príncipe.
Bato a porta com força, a frustração sendo suficiente para me fazer arrancar
os cabelos. Me jogo no sofá, expirando furiosa. Ele está monitorando cada
passo meu enquanto se diverte com outra mulher. Ouvi das criadas que os
quartos de Lyra ficam em uma ala oposta à dele. Seria tão fácil se
encontrarem. Talvez até se beijassem no corredor.
Tentei o dia todo me convencer de que não era culpa de Lyra ter ficado presa
com Valerian, mas não consigo evitar a sensação de que ela aceitou isso com
muita facilidade.
As bordas do bilhete amassado cortam meus dedos e eu olho pela janela. O
caminho para os jardins geralmente está livre nessa hora, devido à troca dos
guardas. Não hesito em escorregar da cadeira e dar um salto.
Caio em um canteiro de flores, com pétalas e galhos na boca. Cuspo um
punhado de pétalas e gemo com os arranhões nos cotovelos, que cicatrizam
muito lentamente. Meu vestido farfalha enquanto me endireito e caminho ao
longo das paredes, olhos esquivando-se para a esquerda e para a direita
enquanto me arrasto silenciosamente em direção aos jardins, evitando os
guardas da melhor forma possível.
O ar frio beija minha pele e eu jogo o capuz para trás ao avistar o rosa
choque. Uma figura encapuzada está ao lado do caminho de paralelepípedos,
rosto voltado para a lua, como se procurasse respostas, e, quando meus pés
fazem as pedras voarem, uma cabeça se vira em minha direção.
Não sei o que me choca mais — o suspiro repentino de Lyra ou ela correndo
e me envolvendo em seus braços. — Estou tão feliz que você está bem. Não
sabíamos o que pensar depois de ouvir as notícias.
Piscando rapidamente, eu a encaro enquanto ela se afasta e caminha ao meu
redor em círculos, me inspecionando em busca de ferimentos. — Nós?
Lyra acena, seus olhos castanhos se aquecendo como eu me lembrava. —
Astrid me enviou no lugar de Lena. — Ela segura meus ombros, seu perfume
preenchendo o espaço entre nós, e seu maxilar se firma. — Estou aqui para te
tirar daqui.
— Me tirar daqui? — Afastando-a, dou um passo para trás. — E como você
planeja fazer isso se tornando a procriadora dele? Esse era o plano da Astrid?
Odetto a aspereza na minha voz, mas não consigo controlá-la; minha
confusão e frustração. Mas, se Lyra percebe, ela não responde, porque
continua. — Deveria ter sido Lena, mas Astrid, você sabe como ela é. Ela
não deixaria seu pai mandar sua irmã, não depois das notícias sobre seu
envenenamento. O importante é que estou aqui —
— Não. Não. Não. Não estou entendendo nada. E a Lena? Eu pensei que o
pai tinha te enviado —
— Astrid disse que seria arriscado deixá-la saber dos nossos planos. Não foi
difícil sedar Lena. Ela estava estressada e furiosa, e Astrid colocou um pouco
de sonífero no drink dela. Ela dormiu e, bem, você pode imaginar o resto.
— Então, uma troca de princesas? — Murmuro, uma risada surgindo no meu
estômago. — E o pai? Como você passou por ele?
Lyra encolhe os ombros, os olhos brilhando de travessura. — Furioso,
provavelmente, mas já estávamos longe demais quando ele deve ter
percebido. Astrid disse que cuidaria disso. — A luz em seus olhos diminui
um pouco. — Deve ter sido difícil.
Engulo em seco, olhando para todo lugar, exceto para o rosto dela, enquanto
digo: — Eu não posso ir embora. Valerian vai me encontrar, e mesmo que ele
não encontre, o pai vai.
Há pequenas cidades intocadas por nós ou pelos vampiros. Uma pequena
cidade de humanos e meio-sangues, fortemente protegida por antigas
barreiras que os mantêm afastados e fora de vista. Como Veneza. Minha irmã
mora lá com o marido. Você poderia ir para lá e ele nunca te encontraria,
Oleia. Nem seu pai. Nem Valerian. Se é isso que você deseja.
Não me permito esperar, não permito que meu coração acelere enquanto
considero isso. A possibilidade de deixar os últimos meses para trás, ir
embora e começar de novo. Ser uma verdadeira garota de dezoito anos. Viver
de verdade, plenamente.
— Quando? — Sussurro, uma tensão se enrolando no fundo do meu ser.
Lyra sorri. — Um mês. Segure firme, apenas o tempo suficiente para distrair
Valerian e o rei Marcus, enquanto preparamos todo o resto.
Não acredito, mas aceno, perguntando: — Ao distrair Valerian, você quer
dizer...
Um olhar assombrado ofusca seus olhos, e ela estende a mão para tocar meu
ombro, apertando de uma maneira que não me conforta em nada. — Farei o
que for necessário para tirar você daqui, mas você deve saber que é a única
maneira. Não quero ter que me deitar com seu marido e evitarei ao máximo,
mas se for questão de sua segurança, então não terei escolha. Eu devo uma
dívida de vida à Astrid. Pagarei a ela ou morrerei tentando.
Há apenas certeza em seus olhos, porque, há muito tempo, minha irmã havia
lutado para salvar uma estranha de um vampiro que tinha Lyra sob seu
controle, seus dentes cravados em seu pescoço e suas saias rasgadas enquanto
ele a violentava. Astrid havia trazido Lyra para casa e rosnou diretamente
para o pai, dizendo que a manteria consigo.
Era algo que nós, irmãs, tínhamos em comum— colecionar desgarrados,
como o pai costumava chamar.
Minha garganta se fecha com lágrimas reprimidas, e eu empurro para baixo a
raiva e o ciúme. Para baixo. Para baixo. Para baixo. Até não ver ou sentir
mais nada disso. — Você vai embora comigo?
— Claro. — Lyra ri, mas o riso não chega aos seus olhos, e não consigo me
livrar da sensação de que isso também é uma mentira.
C A P ÍT U L O 1 5
VALERIAN
mundo inclina e balança, a grande escadaria dobrando sob meus pés.
O Cada passo parece mil ecos reverberando em meu crânio, e eu sibilo,
atirando a garrafa vazia no poço, um grito surpreso ecoando ao se
espatifar.
Começou com uma, e então, não consegui parar. Eu tinha que fazer. Era a
única maneira de evitar enfrentar o que eu tinha que fazer esta noite.
O lustre acima parece incrivelmente brilhante, sua luz dourada se
fragmentando em cores demais que ardem meus olhos e me forçam a piscar
várias vezes.
Meus sentidos, afiados como uma navalha, são um borrão de aromas,
tingindo-os de cores. Flores de cerejeira, o sabor metálico de sangue em meus
lábios e camisa, o cheiro pesado de flores silvestres, frutas vermelhas e um
toque de óleos ricos. O último aroma faz minha boca salivar, minhas presas
doerem enquanto se alongam. O ar pulsa em sintonia com meu batimento
cardíaco, e eu sei que meus sentidos estão confusos.
Eu a via por toda parte, podia senti-la de longe, sonhava com ela, acordava
com seu nome na ponta da língua e minhas mãos tentando segurar as últimas
imagens dela antes que o sonho desaparecesse.
Amaldiçôo o dia em que te conheci.
Um rosnado feroz ecoa no ar enquanto as palavras ricocheteiam em meu
crânio. Não conseguia parar de ouvi-las, independente de quantas veias eu
bebesse, quantas garrafas eu esvaziasse. Não conseguia parar de ver aqueles
olhos que me deixavam miserável. Que se dane ela. Que se dane tudo. Estou
cheio disso.
Isso não faz seu cheiro desaparecer no momento em que cambaleio até minha
ala privada, um lembrete mortal de que seguir em frente com isso significava
que eu nunca mais poderia tocá-la ou saboreá-la. Ela nunca me permitiria,
nunca me perdoaria. Isso somado à minha descoberta ao retornar à câmara de
tortura, onde a criada havia tirado a própria vida. O aroma persistindo
naquele corpo. Não, eu não achava que Crystal havia cometido o crime.
Acredito que meu pai teve algo a ver com sua morte, mas eu não podia falar
nada sobre esse fato horrível, com medo de que Oleia encontrasse mais uma
razão para me odiar.
Eu mereço isso, de qualquer forma.
Eu tropeço na porta, quase perdendo um degrau, e outro som imprudente e
angustiado escapa de mim ao sentir o cheiro estranho pairando em meu
quarto. Eu gemo de frustração. Por que diabos Lyra está no meu quarto? Pai
deixou claro que, quanto mais cedo eu fizesse sua vontade, mais cedo estaria
livre desse inferno, mas isso não significava que eu não planejava lutar contra
isso dessa vez.
Não significava que eu estava ansioso para terminar isso. Pelo contrário, a
ideia me repulsa. Ela é bonita, Lyra. Mas quando ela se agarrou ao meu
braço, eu não queria nada além de arrancá-lo, junto com meu próprio maldito
braço.
Eu passo pela porta apenas para dizer a ela para cair fora, mas minhas
entranhas se contorcem ao ver a mulher sentada à minha cama, sua imagem
oscilando para frente e para trás a cada piscada.
A mulher se levanta, totalmente vestida, e se vira para encontrar meu olhar, e
por um momento, o marrom se transforma em âmbar e o cabelo preto ganha
um brilho prateado. Eu bebi demais e estou perdendo a cabeça.
Ela morde o lábio inferior nervosamente, os olhos desviando para minha
camisa e as pontas das garras ensanguentadas. — Você está bem? A imagem
muda e Lyra dá um passo em minha direção, outro piscar de olhos e é Oleia
novamente. Eu balanço a cabeça, e quando a imagem se fixa em Oleia, sei
que meus sentidos não estão me enganando, especialmente não quando ela
me olha daquela maneira familiar que me lembra um gato curioso.
— Não é meu — murmurou, fazendo uma careta com a força da minha
própria voz. Algo mais, algo vulnerável em mim faz a fachada dura rachar e
eu sussurro: — Não.
Oleia acena com a cabeça, seus olhos cheios de uma dor tão profunda, que é
instintivo reduzir a distância entre nós e envolver seu pescoço, puxando-a
para frente e sentindo sua pele, seu corpo se moldar ao meu em um abraço
esmagador. Eu enterro o nariz em seus cabelos, soltando um ronronar suave e
satisfatório enquanto absorvo ainda mais aquele cheiro.
As mãos dela deslizam pelas minhas costas. Para cima. E para baixo. Ela
arfa, torcendo-se para beijar minha clavícula. Meu pau desperta, pressionando
sua barriga, e eu gemo suavemente, curvando-me. Beijo a ponta de sua orelha
redonda e digo que ela será a minha morte.
Prendo o lóbulo da orelha dela entre meus dentes, mordiscando suavemente,
e ela geme, os dedos cavando nas minhas costas, esticando, rasgando minha
carne. De alguma forma, eu sabia que, se ela se transformasse, seria uma loba
prateada. Nem sempre a pelagem deles assumia a cor de seus cabelos, mas
simplesmente não havia outra opção. E de repente, eu também quero ver isso,
quero conhecer cada parte de Oleia que existe. Dominá-la. Conquistar isso
também.
Oleia me empurra com uma força chocante, jogando-me sobre o colchão, e
mais rápido do que qualquer criatura tem o direito de ser, ela sobe no meu
colo, montando em mim. Seus cabelos se espalham sobre o rosto dela e o
meu, provocando minha pele com sua maciez sedosa.
— Você tocou nela? — Sua voz é diferente, mais sombria, dominadora, e eu
mostro os dentes diante do tom. Ela me mostra caninos brancos em um
rosnado de resposta, seus olhos verdes flamejantes tornando-se assassinos.
Eu seguro sua cintura, arremessando-a sobre meu pau pulsante. — Não.
Um rosnado. — Você vai tocá-la?
Seus mamilos endurecidos provocam meus lábios através de sua chemise, e é
um esforço manter meu olhar no dela, um esforço para me concentrar na
pergunta. Quero dizer não. Mas só consigo permanecer em silêncio.
Ela se inclina e eu rugo quando ela afunda os dentes profundamente no vão
do meu pescoço, um ato primitivo de agressão. Uma mordida tão forte, tão
possessiva, que fico tão atordoado que não consigo me mover. Ninguém,
nenhum maldito ser, jamais me mordeu. Nem por acidente durante guerras,
nem durante a intimidade.
Seus caninos apertam com mais força e meu quadril se contrai,
impulsionando-se para frente por vontade própria. Deuses. Eu exponho meu
pescoço como uma maldita cadela e gemo, meus dedos cavando em seu
quadril com força suficiente para machucar.
Tortuosamente devagar, os caninos de Oleia se retraem, e ela rosnida
novamente, lambendo a pele ferida, provando meu sangue... gostando disso.
Algo sobre aquilo rasga meu autocontrole e eu a prendo debaixo de mim em
menos de um segundo.
Ela arfa, seus lábios vermelhos de sangue — meu sangue. — Você é meu —
ela arfa, a língua saindo para lamber meu sangue do lábio inferior, e não há
nada de inocente no modo como seus olhos me devoram. — Meu.
A palavra se estabelece como uma pedra nas profundezas do meu ser. Por um
instante, algo afiado e brilhante como um raio atravessa-me, tirando-me o
fôlego a cada segundo que se intensifica. Seus olhos se arregalam um pouco e
eu pondero sobre o sentimento crescente, incapaz de compreender o
momento que passa entre nós.
Tenho apenas um segundo enquanto suas pernas se levantam, apertando ao
redor do meu torso, e eu a deixo nos virar, de modo que ela está sentada
sobre mim, os dedos em meu peito, uma mão envolta em minha garganta,
delicadamente, mas não deixo passar despercebido as garras cavando no
ponto do meu pulso.
Se eu não estivesse lutando contra a amarração que me puxa em sua direção,
estaria sorrindo para a ilusão de controle que ela pensa ter alcançado sobre
mim. Talvez, não seja realmente uma ilusão, porque neste momento,
encarando seu rosto a partir deste ângulo, nossos quadris perfeitamente
unidos como se tivéssemos sido esculpidos um para o outro, seu pulso
batendo junto com o meu, se ela me pedisse o mundo, eu o colocaria aos seus
pés.
— Toca-me — ela diz, seus olhos brilhando com um anel de ouro. Mãos
quentes percorrem meu peito, botões estourando conforme ela rasga a
camisa, narinas dilatadas ao sentir o cheiro de outras mulheres. — Mentiroso,
traidor — ela me chama, antes de traçar uma linha para baixo no meu peitoral
com lábios sensuais. Ao retornar, ela arranha a pele acima do meu coração,
como se quisesse gravar seu nome ali.
Deslizo minhas mãos pelas coxas dela, e ela se endireita, ajudando-me a tirar
o vestido transparente pela cabeça. Eu suspiro, sentindo a curva dos quadris
até a cintura. Seus seios são suculentos nas minhas mãos, e ela balança o
calor nu contra minha calça em um movimento lento e circular.
Ela repete o movimento, com a graça de uma dançarina, felina e elegante, e
meus olhos se fecham enquanto me deleito na sensação de seu clitóris
esfregando desesperadamente contra o zíper.
Não sei o que está diferente na minha esposa, mas gosto disso. Demais, na
verdade.
Suas mãos alcançam meu cinto, e meus olhos se abrem abruptamente. Há
uma fome selvagem em seus olhos que se sobrepõe à minha, fazendo-a arder
perigosamente. Ela solta meu cinto e o joga em algum lugar no chão, e eu
estremeço quando seus dedos envolvem meu pau, pequenos demais para
segurá-lo por completo.
Não é tanto a ação, mas a forma como ela recua e olha para minha cabeça
inchada, seu polegar deslizando pelo líquido pré-ejaculatório. E, caramba, ela
chupa o dedo, soltando o som mais safado que já ouvi. Então, ela estica a
língua e a arrasta ao longo do meu comprimento, lentamente, como se
saboreasse o gosto de seu pirulito favorito.
Ela é inexperiente, mas sua determinação faz toda a diferença. É o que gosto
de dizer a mim mesmo quando ela me envolve com sua boca quente, me
deixando mais duro do que nunca. Convenço-me de que é sua inocência que
é terrivelmente erótica, ensiná-la, arruiná-la, dominar seus pensamentos,
sabendo que sou o primeiro e serei o único. Mas está longe disso e tem tudo a
ver com o fato de ser ela. Ela poderia apenas estar respirando, e meu pau já se
ergueria, como se a sentisse.
Seu olhar prende o meu enquanto ela chupa, forte. Tão forte que a dor
percorre os músculos, misturando-se ao toque suave de sua língua, e eu
rosnóleo, me contorcendo com abandono imprudente.
Em segundos, tenho um punhado de seus cabelos na mão, puxando sua boca
sensual para longe do meu pau antes que eu possa gozar em seus lábios.
Ela protesta, mas logo se cala quando a beijo. No momento em que ela
prende meu lábio inferior entre os dentes e me morde novamente, eu perco o
controle.
Não me lembro de puxá-la para debaixo de mim, ou de tirar minha calça, nem
das palavras que posso ter sussurrado em seu ouvido enquanto me enterro
profundamente nela. A madeira debaixo de nós estilhaça durante golpes
brutais e bárbaros que não combinam com realeza, e os sons que fazemos não
são totalmente sãos.
Reivindicando — áspero e animalesco.
As mãos de Oleia se fecham com força sobre meus ombros, seus gemidos e
gritos sufocados em meu ombro. Ela sussurra palavras vis em meus ouvidos,
xingando-me a cada empurrão, cada movimento de prazer enlouquecedor. Ela
diz que eu a deixo louca, me chama dos piores nomes que já ouvi, e então me
beija suavemente, logo antes de enterrar seus caninos em minha pele.
É intoxicante. Ela é, e enquanto me lembro de como gritei contra ela durante
o orgasmo, todo o resto se mistura em um borrão.
Quando acordo na manhã seguinte, é com uma batida na porta e uma dor de
cabeça latejante. A maçaneta gira, e sinto o cheiro do colônia afiado de Cyril
antes que ele anuncie sua presença. — Por que diabos está um cheiro de
atrocidade aqui? — ele murmura, torcendo o nariz, e talvez seja porque ele
menciona, que eu respiro fundo.
E endureço.
Meu olhar se volta para o lado e minhas narinas dilatam com o espaço vazio
ao meu lado. Cheira a... Lyra. E Oleia. E meu sangue.
Eu saio da cama em pânico, e Cyril emite um som áspero, jogando minha
calça em minha direção. — Vista alguma coisa.
Ignorando-o, olho em volta, tentando lembrar como diabos cheguei aqui
depois da boate, por que meu quarto cheira a Oleia e Lyra. Foi um sonho?
Estive com Lyra e não com Oleia?
Cyril anda em volta da estrutura da cama, alheio ao meu turbilhão interno. —
Houve uma falha de segurança em Constanta. Não tenho os detalhes, mas
ouvi dizer que o líder dos lobos renegados, Basil, tinha alguém infiltrado. —
Constanta é uma das bases mais seguras para armazenamento de armas. A
notícia me tira do horror do que fiz.
— Armas foram roubadas. O inventário ainda não foi concluído, mas muitas
foram levadas. Todas de prata... — A voz de Cyril se perde quando seus
olhos negros se desviam dos meus para o meu pescoço, enquanto eu enrolo
uma toalha na cintura. Seus olhos se arregalam com leve diversão. — Eu não
achava que ela tinha isso nela. Ela te marcou.
Eu pauso. — O quê?
O desgraçado dá uma risada, apontando para o lado direito do pescoço, e eu
imito o gesto, tocando a pele do meu ombro. Caminho até o espelho e minha
boca seca ao ver a cicatriz em forma de crescente no ombro, quase tão escura
quanto uma tatuagem. Eu cutuco a pele com uma unha afiada, arrancando a
camada superior da pele, mas ela se cura imediatamente, a marca intacta.
De olhos arregalados, viro-me para Cyril. — O que isso significa? — Uma
breve memória surge no fundo da minha mente, daquele momento, daquela
ligação. Minha confusão triplica ao esfregar a pele com mais força. — Isso
não pode ser real.
Cyril dá uma risadinha. — Melhor acreditar que é. Acasalamentos. Rituais de
marcação. — Seu sorriso fica selvagem. — E você, meu amigo, está perdido.
— Você não está fazendo sentido nenhum — rosnou.
Ele dá de ombros, espiando para dentro da sala de jogos. — Eu não saberia,
de qualquer forma. Eu não sou um lobo. Talvez você até desenvolva pelos até
a meia-noite e se junte a eles na floresta, uivando. — Ele faz um som longo
de uivo, irritando meu temperamento, e eu assobio.
— Eles nem se transformam mais. E suas mordidas não transformam as
pessoas como as nossas... — Minha voz se perde ao ver o sorriso provocador
no rosto dele. Ele está me zombando, o idiota.
Ele tira um fiapo do casaco jeans, enfiando as mãos nas calças brancas. —
Você devia conversar com a Oleia, não comigo.
— Oleia? — murmuro.
Ele me olha como se eu fosse burro. — Sua esposa? Pequeno raio de sol?
Cabelo loiro? Olhos castanhos? Lábios carnudos? Peitos bo— — Ele tem
bom senso para calar a boca quando eu rosnou. Levantando as mãos em sinal
de rendição, ele acrescenta: — Só estou dizendo. Você nem cheira mais como
você. Além do sangue e do sexo, você está coberto pelo cheiro dela. — Ele
inclina a cabeça e cheira o ar. — Só que não foi com ela que você passou a
noite?
Às vezes, tenho sonhos tão vívidos que não consigo distinguir a realidade
deles. Não sei o que é real e o que não é.
Não escondo o pânico nos olhos quando sussurro: — Eu não me lembro.
O sorriso de Cyril vacila. — Ah, bem, merda.
C A P ÍT U L O 1 6
OLEIA
u perdi a cabeça ontem à noite.
E Eu estava voltando de um encontro com Lyra e ouvi o guarda dizer a ela
que estava sendo enviada para os aposentos de Valerian.
Eu tentei, juro que tentei. Não consegui lidar com aquilo. Não conseguia
pensar, respirar, funcionar. Enlouquecida por uma raiva e necessidade
incontroláveis, dei os passos, não para o meu próprio quarto, mas para o de
Valerian, e bastou Lyra olhar para o meu rosto para sair correndo, suas vestes
varrendo o chão atrás dela.
Talvez eu devesse tê-la tratado melhor. Mais gentilmente. Ela teria ido
embora mesmo assim. Mas não havia um único osso no meu corpo que
quisesse implorar a outra mulher sobre meu marido e dividi-lo. Eu olhei para
ela sentada na cama onde eu havia deitado apenas alguns dias antes e perdi o
controle.
Quando Valerian está envolvido, às vezes parece que coisas maiores que eu
me empurram a agir, reagir, e nunca houve um momento em que eu venci
isso.
Eu não queria fazer sexo com ele. Estava prestes a sair... me afastando
quando ele cambaleou para dentro, cheirando a sangue, álcool e outras
mulheres. Eu juntei os pontos, sabendo que o sangue nele não era dele, mas
ele olhou para mim com olhos tão cansados e pesados, e parecia que o estava
vendo pela primeira vez na minha vida.
Um homem cansado. Desamparado. Odioso. E eu o odiei tanto naquele
momento. Por estar cansado. E desamparado. Por nunca lutar por mim. Por
escolher tudo mais em vez do que poderíamos ter. Eu o odiava por se odiar,
por qualquer razão. Que toda vez que ele olhava nos meus olhos, ele nunca
baixava suas defesas o suficiente para me mostrar por que queria que eu
também o odiasse.
E ainda assim...
Eu me traí e o envolvi nos meus braços. Respirei o seu cheiro e parecia... lar.
E eu me agarrei àquele cheiro, me agarrei ao calor do seu corpo, apesar de ter
chegado à súbita realização de que, embora Lyra estivesse lá apenas para me
tirar de lá, Valerian não tinha ideia do plano. Ele a tinha chamado para seu
quarto. Ele havia querido outra pessoa.
Então, eu enlouqueci e fiz algo tão estúpido quanto marcá-lo.
Ao longo das gerações, a habilidade de se transformar foi diluída, nossas
tradições nativas e mais sagradas quase se tornaram inúteis. Apenas os
Alphas podiam se transformar à vontade agora, mas a maioria escolhe não
fazer isso. Não desde a guerra. Embora eles fossem mais fortes em sua forma
de lobo, também eram mais vulneráveis. Isso não nos fez menos predadores,
mas nos tirou algo vital; a conexão com nossos lobos, a capacidade de nos
comunicar com nossas feras internas.
Ontem à noite, no entanto, eu senti isso se agitar dentro de mim, e pela
primeira vez em meus dezoito anos, nunca me senti tão próxima do meu lobo
quanto no momento em que afundei meus dentes em seu pescoço e provei seu
sangue. Pareceu como voltar para casa após um longo tempo. Dividiu o meu
mundo em dois e o uniu novamente, tornando todas as cores mais brilhantes e
mais nítidas do que antes.
Mas eu fui uma tola em pensar que isso mudaria alguma coisa. Eu fui uma
tola em correr para fora do quarto dele depois de montá-lo com mais força do
que nunca, com um sorriso idiota no meu rosto e uma satisfação estranha no
fato de que... ele era meu.
Eu sabia que ela estaria em seus aposentos. Ela não me viu quando entrei.
Meu coração batia tão forte enquanto eu estava aos pés da cama dela que eu
temia que ela ouvisse o barulho ensurdecedor.
Ela não ouviu, descansando pacificamente, e isso me acalmou um pouco,
embora eu ainda não conseguisse parar o batimento acelerado do meu
coração enquanto estendia a mão para tocar seu braço.
— Sinto muito — sussurrei, e minha voz falhou. As lágrimas que eu estava
segurando até então caíram livremente, encharcando o cobertor debaixo de
mim.
— Foi minha culpa. Eu te amo tanto.
Valerian nunca poderia ser meu, penso enquanto observo Lyra bajulá-lo à
mesa de jantar, e seu olhar cair sobre ela com carinho, enquanto os dias
passam voando. Ele pertence a tudo— a todos, menos a mim, e isso é
confirmado quando ele não fala sobre aquela noite, ou sobre aquilo que pulsa
entre nós, vivo e mais forte. Ele age como se eu não estivesse na sala e, após
alguns dias de confusão, não é totalmente difícil deslizar de volta para aquele
lugar de indiferença.
Darian voltou em algum momento daquela semana, mas as coisas estavam
diferentes. Novas. Eu não sabia como falar com ele, ou me comunicar, não
quando sua presença constantemente me lembrava de quem ambos havíamos
perdido— Crystal. Não quando eu o pegava me olhando com pena, dor e algo
mais. Ainda não lhe contei sobre o plano maluco de Lyra e Astrid, e eu vou.
Não é que eu não confie nele. É que eu não sei onde estão suas lealdades—
comigo ou com meu pai. E se eu realmente fosse escapar daqui, meu pai seria
a última pessoa que eu gostaria que soubesse disso. Foi egoísta abandonar
todos eles. Foi tão egoísta da minha parte deixá-los todos à mercê da ira de
Valerian e do Rei Marcus, um possível tratado quebrado e outra guerra.
Até agora, eu sou avessa à ideia disso, lutando contra todos os desejos de
fazer as malas e fugir. Até agora, eu procuro razões pelas quais seria uma
péssima ideia sair, por que eu ainda posso viver nesse buraco infernal, por
que seria bom administrar minhas emoções e lidar com isso como Astrid fez.
A culpa me consome constantemente, e às vezes, quando Lyra me chama, eu
não atendo. Vidas dependem de mim. As vidas de tantos dependem da minha
capacidade de aguentar isso.
Eu dou um pulo quando uma mão de repente agarra meu antebraço, puxando-
me para o lado. Olhos castanhos furiosos brilham na noite escura, narinas
dilatadas. — Você está me evitando.
Enrolando meus punhos, eu empurro Lyra, mas poderia muito bem estar
empurrando uma pedra. — Estive ocupada — digo, desistindo
completamente.
Lyra se inclina, seu cabelo preto lustroso se agitando a cada movimento, e a
raiva brilha em seus olhos e em seu pequeno nariz arrebitado. — Eu arrisquei
minha vida! — Eu franzo os olhos ligeiramente enquanto ela se controla com
uma respiração profunda. Quando eu encontro seu olhar novamente, a raiva
se foi, substituída por algo que não consigo decifrar. — Nós vamos para
Veneza amanhã.
Eu pisco. Cedo demais. É cedo demais. Além disso... — Amanhã é o
aniversário de Valerian.
Ela se afasta de mim, seu vestido azul marinho quase preto na noite. —
Exatamente. Essas celebrações reais são sempre grandiosas e caóticas. Os
sentinelas estarão sobrecarregados, cuidando dos portões da frente e
patrulhando o terreno. Ninguém estará observando os portões de trás com
atenção suficiente para nos ver escapando.
É o plano perfeito, mas não consigo evitar o pânico que surge do meu
estômago, ameaçando sufocar cada respiração minha.
Como se visse as emoções conflitantes em meus olhos, Lyra se aproxima o
suficiente para eu sentir o leve cheiro de chá de jasmim em seus lábios. —
Nunca haverá uma chance mais perfeita do que esta. Você faz uma escolha
agora, Oleia. Você vem comigo ou não? O carro organizado por Astrid vai
sair de Sibiu com ou sem você —
— Eu não posso simplesmente ir embora! — eu arrebento, meu peito
ofegante e os olhos ardendo com lágrimas estúpidas e patéticas.
Os olhos de Lyra endurecem. — O que você vai fazer então? Fingir e receber
seus herdeiros com outras mulheres? Sentar-se bonitinha no trono ao lado
dele enquanto ele desaparece pelo corredor e fode outra mulher? E quando a
próxima mulher não puder mais ter filhos e você tiver que receber uma
terceira, quarta, quinta procriadora? Você voltará para casa apenas para ser
rejeitada por seu pai? Você vai ouvir eles te chamarem de estéril todas as
vezes que passar pelos corredores? Vai continuar a abaixar a cabeça quando
rirem de você, dormirem com seu marido e te chamarem de vadia burra? É
essa a vida que você quer?
— Você se esquece de quem você é, Lyra! — eu grito, mas as lágrimas já
estão escorrendo pelo meu rosto.
Ela continua, suas palavras cortando ainda mais fundo, destruindo minhas
defesas. — Você poderia cair de um penhasco e morrer, e eles nem mesmo
chorariam por você. — Ela estala as unhas pintadas duas vezes. — Tão
rápido, os reis terão você substituída. Você não tem nada aqui. Nada! Nem
mesmo a si mesma! Quando você decide que já aguentou o suficiente?
Quando sua paciência se esgota e quebra irrevogavelmente?
Minhas costas batem na parede e meus joelhos cedem. — O tratado —
Lyra rosna. — Se as pessoas que você considera proteger não veem o valor
de uma mulher que se vendeu ao inimigo por uma chance de paz, que
suportou a humilhação e o desprezo sem lutar, que ainda deseja arruinar o
resto de sua vida, seu futuro, apenas para que eles possam sobreviver, então
elas não merecem você de qualquer forma, e podem todas arder no inferno.
Ela agarra meus dedos trêmulos e aperta com força, seus olhos castanhos
buscando os meus. — Você merece mais do que isso. É muito jovem para ter
olhos tão vazios, Olly.
Eu mordo o lábio inferior para conter o soluço que sobe pela minha garganta.
— O que eu preciso fazer?
Lyra sorri tristemente, seu polegar alcançando para enxugar uma lágrima da
minha bochecha. — Desapareça da reunião uma hora antes da meia-noite
amanhã. Eu te encontrarei. Seus olhos buscam os meus com uma intensidade
pesada. — Você entende o que estou pedindo, Oleia?
Minha garganta está apertada, e meu coração parece estar a segundos de
explodir do meu peito. Eu fecho os olhos, inspirando profundamente
enquanto outra onda de dor ataca meu peito. — Estarei pronta — prometo a
ela.
Os salões de festa não conseguiam conter os convidados, que transbordavam
pelos corredores, enchendo os pátios e jardins decorados. Eles estavam por
toda parte e, como Lyra previu, era caótico.
— Certamente, você deve achar isso difícil, Vossa Graça. Já viu como ela o
prendeu em seus dedos encantadores? — Anushka diz com rispidez, seguindo
atrás de mim com um grupo de damas da corte que parecem incapazes de
parar de falar sobre Lyra e como eu devo estar miserável. Eu mal havia saído
do castelo quando elas me abordaram com suas perguntas e fofocas.
Meu olhar varre a multidão, procurando por um ruivo familiar, e eu o avisto
no momento em que Irina, uma das gloriosas ex de Valerian, diz: — Duvido
que isso tenha algo a ver com encantamento. Val sempre teve uma queda por
beldades selvagens, de cabelos escuros e voluptuosas.
— Ainda assim, você sempre pode reconhecer as ambiciosas olhando. Ela já
se considera acima da princesa, mesmo que ainda não tenha dado à luz um
herdeiro...
Suas palavras se misturam com o barulho enquanto eu observo Valerian
próximo à fonte iluminada, seus lábios esticados em um sorriso pleno. Eu me
permito olhá-lo pela última vez, admirar a beleza sombria dele.
Seus cabelos ruivos estão puxados para trás em um rabo de cavalo baixo e
impecável, orelhas pontudas e maçãs do rosto altas acentuadas. Hoje, ele
parece algo saído de um conto de fadas medieval, não o príncipe que beija a
princesa de volta à vida, mas aquele que a rouba e a mantém cativa.
Talvez seja o casaco pesadamente bordado, ajustado para enfatizar sua
estrutura musculosa, com filetes de ouro e prata brilhando no material sedoso
de onix, alguns deles refletindo em seus cabelos a cada movimento que ele
faz. Ou talvez seja o raro sorriso que chega aos seus olhos quando Cyril dá
uma palmada no seu ombro em uma piada que está longe demais para eu
entender. Pode ser sua postura, a aura arrogante de príncipe que ele tem,
misturada com aquela escuridão misteriosa que ainda não consegui decifrar
após meses de ser sua esposa. Ou pode ser porque eu vou embora em
algumas horas, e minha mente quer ver algo a mais. Algo para me agarrar.
Mas ele parece excepcional, de alguma forma. Como uma obra-prima
singular, uma edição rara que nunca poderia ser replicada. Perfeito, perfeito
demais para se olhar, como se o simples ato de observar diminuísse seu...
brilho. Há rostos de beleza selvagem e inexplicável ao meu redor, mas
Valerian deve ter sido esculpido por um deus diferente, um que teve todo o
tempo do mundo para tornar sua beleza tão mortal quanto uma arma.
Uma raça completamente diferente, meu marido.
Eu me viro para as damas. — Agradeço muito sua preocupação, e se eu
precisar de conselhos sobre como evitar que meu casamento desmorone —
meu sorriso se torna felino enquanto encaro cinco delas com olhares gélidos
— sei a quem recorrer.
Anushka fica vermelha, sua cabeça cuidadosamente trançada se abaixando
em uma reverência, mas eu já estou passando pela multidão, me dirigindo a
Valerian. Como tenho feito no último dia, eu me misturo entre os convidados,
cheia de sorrisos e risadas charmosas. Também posso aproveitar meu último
dia aqui.
As costas de Valerian enrijecem, mesmo antes de eu chegar perto dele, e isso
me faz pensar se ele está tão sintonizado comigo quanto eu estou com ele.
Enlaço meu braço no dele e forço um sorriso excessivamente doce nos lábios
enquanto encaro Cyril e o vampiro desconhecido que me observa com uma
sobrancelha arqueada e olhos que disparam avisos direto para o meu cérebro.
— Oi, Cy. Você está... — Faço questão de percorrer o terno dele com o olhar.
— Chique.
Ele ri, abaixando o copo. — Alguém está de bom humor hoje. — Seus olhos
caem sobre o meu vestido, uma obra de arte em azul. — Você ofusca até o
anfitrião da festa.
Dando uma risadinha, faço uma falsa reverência, meu vestido formando um
pequeno oceano ao meu redor. — Eu quero agradar. — Meus olhos se voltam
para o homem que não parou de me olhar com intensidade, como se, dada a
chance, ele arrancasse as camadas de tule para ver minha carne nua, e mesmo
assim, isso não seria suficiente. Há algo em seu olhar que parece grudento,
como óleo preto, e me incomoda da pior maneira possível. Começo a falar,
mas ele me interrompe, estendendo a mão.
Valerian se tensiona, mas permanece calado, parecendo mais interessado na
reunião do que na conversa.
— Acredito que não nos conhecemos. Sou Adrian Ivashkov, primo de
Valerian.
— Oleia, — digo, pegando a mão dele e me recusando a adicionar meu
sobrenome. Isso me deixa desconfortável saber que compartilho algo com o
estranho, e quando ele se abaixa para beijar meu dedo sem anel, reprimo o
nojo que revira meu estômago e a vontade de fugir.
Como se percebesse a tensão crescente em seu primo enquanto Adrian não
solta meus dedos imediatamente, Cyril se coloca entre nós, forçando Adrian a
recuar um passo, mesmo que seus olhos continuem queimando minha pele.
— Você está realmente sorrindo. Hoje deve ser realmente especial.
Encolho os ombros, sem deixar o sorriso cair dos lábios. Sem deixar
transparecer que já faz duas semanas desde que marquei Valerian, desde que
trocamos uma palavra, desde que estive tão perto dele, desde que o toquei, e
até essa proximidade está mexendo com minha mente e hormônios. —
Afinal, é o aniversário do Val. Falando nisso, você não se importaria que eu o
roubasse um pouco, não é?
— Claro que não, — diz Cyril, lançando um olhar rápido para Valerian que
eu não capto completamente antes de conduzi-lo para longe.
Quando estamos longe dos olhos e ouvidos curiosos de seus primos, sinto o
olhar de Valerian no lado do meu rosto. — Phillipa disse que você não viria.
Minha nova camareira parecia relatar até meus menores movimentos para
Valerian. Aceno com a cabeça para alguns convidados que passam curvando-
se. — Mudei de ideia.
Levo-o para a frente da reunião, onde pés arrastam-se pelo chão em danças
alegres e bêbadas, paro e coloco minhas mãos em seus ombros. — Dance
comigo.
Olhos escuros escaneiam meu rosto intensamente por um momento antes que
mãos grandes se acomodem na curva da minha cintura. Ainda assim, seus
olhos se estreitam com desconfiança. — Pensei que você me detestasse.
Sorrio levemente. — Estou propondo uma trégua, apenas por esta noite. —
Ele começa a nos balançar ao som de clássicos suaves, e fica cada vez mais
difícil olhar para ele, então mantenho o olhar na multidão atrás de seu ombro.
— Comprei algo para você. Você encontrará na sua mesa de cabeceira
quando a festa acabar.
— Por que não agora? — ele murmura, lábios aveludados acariciando
brevemente o topo da minha cabeça.
Dou uma olhada direta para a pilha de presentes ao lado da área iluminada do
tapete vermelho. — Você já tem o suficiente para desembrulhar hoje. Além
disso, sou um pouco tímida. Não tenho certeza se gostaria de estar presente
para ver se você gosta ou não.
É uma mentira. Uma mentira brutal e vil, mas ele merece. Se ele nem
percebeu ainda o que está faltando no meu visual, então ele merece o que está
por vir.
— Oleia. — Há algo pesado em sua voz que me faz olhar para cima. Parece
muito com culpa. — As últimas semanas —
— Não me insulte ainda mais se desculpando, Valerian. — A tensão na
minha garganta não cede, e as lágrimas que surgem nos meus olhos não são
inteiramente falsas. — A essência das desculpas é mostrar não apenas
remorso, mas responsabilidade. Para reparar. O que resta entre nós para ser
reparado? Nosso relacionamento foi uma farsa, e isso também chegou ao fim.
Eu, pelo menos, entendo isso. Você entende?
Seus olhos brilham com emoções muito escuras para decifrar, e quando ele
quebra o contato visual primeiro, eu rio. — É um assunto bastante tedioso
para discutir hoje, eu sei. Podemos falar sobre outra coisa--
— Não foi uma farsa. — Sua mão desliza pelo meu braço e repousa no meu
pescoço. O polegar acaricia minha bochecha, quase afetuoso, e algo no meu
peito se contrai em resposta ao seu toque. — Há tantas coisas que ainda tenho
para te contar. Muitas que você não entenderia se eu dissesse agora. Mas
talvez, em breve, quando for seguro, eu consiga explicar.
Unhas afiadas arranham levemente minha pele enquanto ele retira os dedos,
apenas para levantar meu queixo. — E sei que não mereço pedir isso de você,
mas me dê tempo, zvezdochka.
Meus lábios tremem, não de simpatia ou tristeza, mas de raiva quase contida.
Tudo que eu fiz foi ser paciente. Eu esperei, eu esperançei, eu roguei. Como
uma tola.
Não serei mais uma.
Então eu sorrio e aceno com a cabeça, enxugando o canto dos olhos e
relaxando meus músculos ao cair em seus braços de bom grado, como ele
espera que eu faça. — Leve todo o tempo que precisar.
Deixo que ele me segure firme e me guie em giros até meus pés doerem. Eu
rio para ele, me agarro a ele como se ele fosse o próprio ar que respiro. Eu
inalo seu cheiro, o memorizo, o guardo nas partes mais íntimas do meu
coração partido.
E quando o grande relógio bate onze horas, eu o solto com um beijo na
bochecha e um murmúrio rápido. — Feliz aniversário, Valerian.
Não consigo dizer se seu sorriso é de crueldade astuta ou de verdadeira
alegria. Não importa. Eu não poderia me importar menos. Não é difícil me
desculpar da reunião, já que um grupo de mulheres que vem buscando até
mesmo uma única dança com o príncipe vampiro se lança sobre ele no
momento em que eu saio de vista, e quando esbarro em Darian no caminho,
dou a ele a mesma mentira que contei a Valerian.
Uma ida ao banheiro. Minha bexiga está a segundos de explodir porque bebi
muito vinho.
Ele acredita e não suspeita de nada enquanto eu me afasto dele, deixando meu
título, meu casamento e minha miséria para trás. Para sempre.
C A P ÍT U L O 1 7
VALERIAN
u tinha um desgosto considerável por aniversários em geral, e pelo meu
E mais ainda, mas meu pai tinha o hábito cruel de torná-lo extravagante,
como se as festividades pudessem afastar as mentes daqueles que
sabiam a verdade dela. Como se isso pudesse distraí-los de pensar justamente
nos pensamentos que atormentavam minha mente toda vez que alguém me
desejava algo.
Um ano mais velho, e ainda sem nada para mostrar.
Ainda um maldito fantoche a ser controlado, uma figura decorativa usada
pelo ser no trono sempre que ele quisesse.
Centenas de presentes empilhados e eu não abriria nenhum, como de
costume, oferecendo-os aos criados para que cuidassem ou usassem como
achassem melhor.
Por isso é que eu estava ansioso para subir as malditas escadas e ver o que
Oleia tinha me dado. Eu sabia que seria perfeito, sabia que seria especial e
algo que eu nunca esqueceria.
Levei quatro horas de celebrações intermináveis, dança e entretenimento com
Adrian, o desgraçado, antes que eu tivesse um momento de descanso.
Oleia não tinha voltado para a festa, mas eu sabia que ela não voltaria. Ela
não gostava muito dessas coisas, de qualquer forma. Eu planejava dar algo a
ela esta noite, oferecer-lhe alguma verdade. Sabia que não havia muito mais
que eu pudesse lhe oferecer além disso. Ainda assim, queria que significasse
algo quando eu finalmente contasse a verdade a ela.
Tempo. Um pouco mais de tempo para trocar mais favores e dívidas por
poder. Um pouco mais de tempo e eu seria capaz de protegê-la do meu pai.
Eu não esperava que ela aceitasse, mas ela concordou com o meu pedido.
Isso, por si só, era o melhor presente que eu poderia ter pedido.
Ainda assim, uma estranha excitação infantil enche meu peito ao entrar em
meus aposentos e encontrar uma pequena caixa embrulhada de fato sobre o
meu criado mudo. É algo que nunca senti na vida e o papel está em pedaços
antes mesmo de eu processar o pensamento.
Uma caixa azul de veludo repousa na minha palma e eu inclino a cabeça ao
levantar a tampa e encaro, confuso por um minuto inteiro, o anel de prata
com o coração de diamantes pretos e prateados. É o anel que eu coloquei no
dedo dela no altar, aquele que ela gira em volta do dedo sempre que está
nervosa.
Por que ela me daria seu anel de casamento...
Meu coração para de bater e a caixa cai dos meus dedos enquanto eu corro
porta afora, descendo as escadas, algo quente preenchendo meu peito.
Só pode significar uma coisa, mas me recuso a admitir, enquanto subo as
escadas de três em três, esbarrando em pessoas e corrimões, quase arrancando
meu tornozelo do pé por pura imprudência.
Ela não faria isso. Para onde ela iria? Mal passaria dos portões antes que os
guardas a pegassem... mas esta noite estava lotada e os sentinelas estavam
sobrecarregados... Não. Ela não faria isso. Não a Oleia.
Um espesso desespero corroía meu estômago enquanto eu buscava aquele
cheiro pelos corredores, encontrando-o velho, obsoleto, com quase quatro
horas.
Chego ao quarto dela em segundos e não encontro sinais dela, exceto pelo
vestido que usara na festa, jogado de qualquer jeito na cama, junto com os
diamantes que usara. Um sapato está perto da porta, o outro perto do armário,
como se ela os tivesse arrancado com raiva.
Ela não está no banheiro, nem no armário ou na pequena biblioteca.
Afrouxo os botões do meu gibão, minhas respirações ficam curtas e me viro,
indo para sabe-se lá onde.
Não a encontro no castelo nem nos jardins lá fora. Os sentinelas e cortesãos
também não a viram.
— Relaxa, Val...
Rosno na cara de Cyril, e isso é mais que suficiente para calar a boca maldita
dele. A sensação incômoda no meu peito se expande, e um estranho vazio
ocupa o lugar do calor que brotara desde aquela noite, duas semanas atrás. A
marca no meu ombro não formigava, e, de alguma forma, nas profundezas do
meu ser, eu sabia que ela não estava aqui.
Mas meu cérebro ainda não era capaz de compreender isso.
Que Oleia poderia partir. Sem um adeus. Talvez ela não precisasse. Que
mensagem mais clara poderia haver além de seu anel de casamento?
O que resta entre nós para consertar?
Uma série de palavrões sai dos meus lábios e eu percorro os jardins, enquanto
Cyril e os sentinelas revistam o resto da propriedade. Quando me encontram
no lago com expressões tensas, sei que não pode ser uma boa notícia.
— Me digam — sussurro. — Me digam como diabos ela saiu e nenhum de
vocês percebeu. Me digam, me deem uma razão para não arrancar as
gargantas de vocês.
Reagan, o chefe da guarda, empalidece, recuando um passo. — S-
suspeitamos que ela possa ter usado os portões leste, perto do velho moinho
de vento. Não encontramos nada dela nas filmagens das câmeras de
segurança, mas algumas empregadas usam o mesmo caminho para sair do
castelo por volta da meia-noite. Ela deve ter saído disfarçada de uma delas.
E, por causa da multidão e do número reduzido de guardas nos portões, eles
não poderiam ter revistado adequadamente cada empregada. Não quando não
estavam procurando por uma princesa fugitiva.
Inteligente. Era algo muito inteligente. Oleia é uma mulher esperta, mas foi
protegida a vida toda. Ela não poderia ter feito isso sozinha...
Fico paralisado. — Onde está ele? O guarda pessoal dela?
O suor escorre pela pele de Reagan, e seu medo absoluto me enche de
repulsa. — Os sentinelas o viram deixar as dependências há mais de duas
horas... — Suas palavras deixam um espaço aberto para eu preencher com
minhas imaginações, porque Reagan sabe muito bem que expressar suas
suspeitas e teorias o levaria a ser morto por minhas mãos.
Quatro horas e eu não tinha percebido. Eu não poderia muito bem tê-los
expulsado pelas ruas se nem eu mesmo havia notado que ela havia ido
embora, ou que os dedos que haviam envolvido meu braço mais cedo
estavam despidos.
Uma sensação doentia e azeda se espalha pelo meu estômago, e eu passo por
eles, acelerando em direção à garagem.
— Valerian! — Cyril me chama, mas sua voz parece tão distante. Há uma
razão para os portões leste não serem usados com frequência. Aquela estrada
está infestada de marginais. Ela não poderia saber, indo direto para o perigo.
O anel crava na minha palma enquanto dirijo pelas estradas vazias e desertas,
tentando e falhando em encontrar pistas. Olhos famintos atrás das árvores me
observam, alguns brilhando em um vermelho intenso, outros de diferentes
cores turvas. Meu pulso bate com uma mistura de medo, pânico e algo mais.
Algo doloroso.
Quatro horas. Qualquer coisa poderia ter acontecido. Qualquer coisa. Bato no
volante, acelerando além dos limites, procurando. A coisa no meu peito não
esquenta, permanecendo tão fria quanto o rastro dela.
Não sei por quanto tempo dirigi, mas logo me encontro nos portões do
castelo de seu pai. Era o único lugar para onde ela poderia ter ido depois de
levar quase nada consigo.
— Oleia! — grito, sibilando com o início de uma chuva forte. — Oleia!
Há guardas por todos os lados, rosnando, empurrando-me, exigindo que eu
permaneça na sala do trono enquanto informam seu soberano da minha
presença. Mas estou além de ser capaz de palavras ou mera lógica, não
quando não consigo sentir o cheiro dela aqui.
— Você parece o próprio Hel — uma voz diz docemente atrás de mim, e me
viro para encontrar uma versão mais velha de Oleia diante de mim, com
olhos esmeralda profundos que me lembram o Ártico.
Astrid Moonbeam segura seu roupão vermelho, ousando dar um passo à
frente. — Meu pai se juntará a você em breve. — Seu olhar afiado me
percorre como se eu fosse uma presa, e seu cabelo loiro cai sobre um dos
ombros enquanto ela inclina a cabeça. — Oleia já te contou o que eu fiz com
o último vampiro que tentou machucá-la?
Leva um momento para que as palavras se encaixem, para o sorriso cruel em
seus lábios se transformar em um sorriso cheio de segredos e uma promessa
de violência, se necessário. Para defender. Para proteger Oleia. — Onde ela
está?
Ela me ignora, as sobrancelhas loiras se franzindo enquanto bate os lábios
distraidamente, como se tentasse lembrar. — Oleia, ela sempre foi gentil e de
coração mole. Ser atacada no caminho de volta de uma de suas corridas de
vitória e quase se matar, junto com seu escolta, nas mãos de um foragido não
despertou a sede de sangue nela. Você acreditaria que ela deixou o
desgraçado ir e deu todo o seu ouro para que ele comprasse uma refeição
decente?
Isso parece muito com Oleia, mas toda a sua história só alimenta meu pânico.
— Onde vocês estão escondendo ela? Na matilha de Brandon?
— Não foi difícil encontrá-lo — ela continua, ainda me ignorando. — Eu
sabia que ela ficaria brava se descobrisse que o matei, mas ninguém toca ou
machuca alguém da minha família. — Seu sorriso é quase gelado. — Eu
estripei o desgraçado e o queimei até que só restassem cinzas negras.
Seu sorriso desaparece. — Se não fosse pela sua importância no grande
esquema das coisas, você já seria outro cadáver apodrecendo no chão pelo
que fez com ela. Finja ser o príncipe desamparado o quanto quiser, mas você
sabe a verdade. Uma coisa é ser desamparado, outra é ser completamente
inútil. E mesmo assim, no dia em que você trocou os votos e prometeu
protegê-la com sua vida, ela se tornou sua responsabilidade. No entanto, tudo
o que você fez foi falhar, falhar, falhar. Você tirou a inocência dela, seu afeto
e pisoteou nisso. Você partiu o coração dela e ainda assim ela manteve a
esperança. Aquela mulher carregou seu filho duas vezes e quase morreu por
causa disso, mas você e seu pai acharam melhor traí-la. Exigirem outra da
minha família. Se Lena tivesse sido enviada, você teria deitado com ela
também e repetido o ciclo de dor e traição.
Cada palavra é uma adaga no meu estômago, uma repreensão, uma censura
de uma irmã e de uma mãe. — Nossa mãe morreu cedo demais, deixando-me
três meninas para criar. Uma delas você conseguiu arruinar. Uma criança
choramingando esperando a próxima ordem do pai. Estou feliz que ela te
deixou, Valerian Ivashkov. Estou feliz que ela cresceu uma espinha dorsal e
foi embora antes que você tivesse a chance de matá-la como fez com suas
outras esposas. — Suas narinas se dilatam de nojo, mas ela ri na minha cara.
— Pensar que você acreditou que tinha o direito de vir aqui e procurá-la. Vá
para casa, príncipe, e encontre outra presa, porque Oleia não está aqui. E eu
oro à Deusa da Lua que você e seu miserável pai nunca a encontrem de novo.
—
Eu não perco a dica de que ela pode ter uma pista de onde Oleia está, mas
nunca entregaria essa informação. Farei com que meus homens investiguem a
alcateia de Alpha Brandon e monitorem todos os movimentos de Astrid, até
suas ligações. Certamente, Oleia não estaria muito longe de casa —
Por quê? uma voz sombria ressoa na minha cabeça. Por que ir atrás dela e
trazê-la de volta só para sofrer? Nada mudou, nada vai mudar, não por um
bom tempo ainda. Especialmente quando seu pai chamou Adrian para cá...
Eu mesmo não entendo, mas eu tinha que encontrá-la. É o medo de que ela
possa cair nas mãos erradas, entrar em perigo e eu não estaria lá para salvá-la.
É o desespero de que sua irmã está certa e eu nunca terei a chance de
explicar, nunca conseguirei tirar o ódio do seu coração. É a raiva de que ela
me deixou, e ainda por cima com o maldito guarda que sem dúvida roubaria
suas afeições. É o desprezo que vem com saber que ela foi embora enquanto
tudo que eu fiz até agora foi protegê-la. Ela simplesmente foi embora sem um
adeus.
Ela nem sequer poderia começar a entender o quão profundo era, o ferimento
que vem com o abandono. A cicatriz que deixaria para trás e que ampliaria
outras que eu coletei ao longo da vida.
O vento sopra, enviando um calafrio pela minha espinha, e eu me endireito,
fitando Astrid com um olhar mortal. — Reze para que eu a encontre, Astrid,
ou este castelo e tudo o que você possui, tudo o que você já amou, será
reduzido a cinzas. Consequências, loba. Haverá consequências por roubar
algo que é meu. —
C A P ÍT U L O 1 8
OLEIA
rio.
F Não havíamos contado com o temporal, e passei a maior parte da
jornada protegendo os suprimentos na bolsa que Lyra me forneceu com meu
corpo.
Ela não veio comigo, Lyra.
— Seguir você colocaria você em risco de ser descoberta rapidamente. Eles
saberão para onde estamos indo assim que investigarem o suficiente,
ameaçando não apenas você, mas minha irmã e as crianças escondidas em
segurança em Veneza. Preciso ficar, Oleia, por mais um tempo. Até que seu
rastro esfrie, até que seu desaparecimento não possa ser rastreado até mim
ou minha família. —
Quanto mais eu caminho pelas montanhas íngremes de Faragas, mais eu
penso que este foi um plano péssimo. Como eu devo ser burra por não ter
feito mais perguntas ou por não ter dito que não sei ler um maldito mapa.
Talvez eu não devesse ter mentido para Darian e o evitado.
Meus dentes batem, minhas roupas estão molhadas e encharcadas, e eu gemo,
irritada com a poça dentro dos meus sapatos. Meu cabelo coça sob a horrível
peruca preta, mas não ouso tirá-la. Meus cabelos prateados seriam como um
farol para criaturas com visão mais aguçada.
De vez em quando, meus ouvidos captam o som de galhos e ramos
quebrados, um rugido gutural que sacode as florestas, um uivo doloroso
como o de uma loba procurando por seu filhote.
Mantenho o olhar à frente, como Lyra instruiu, nunca olhando por muito
tempo para a escuridão e seguindo o caminho esculpido ao longo do riacho
que me levará a Victoria. Só então poderei descansar e tirar essas roupas
molhadas.
De repente, um rosnado surge a leste, sacudindo as árvores, e outros rosnados
ecoam ao meu redor, muito próximos para meu conforto. Tiro a arma da
bolsa, segurando-a firmemente enquanto forço um pé após o outro, meus pés
mergulhando em poça após poça.
Troquei o uniforme preto por um moletom, calças de moletom e botas baixas
no caminho até aqui, mas isso não ajuda contra o frio cruel que entorpece
minha pele. Pelas descrições de Lyra, Victoria não deve estar muito longe.
Uma ou duas milhas e eu chegaria à pequena cidade —
As folhas farfalham e meu coração dispara, fazendo com que eu vire a cabeça
para procurar a origem. Mal consigo ouvir algo acima do som da chuva
batendo na grama, e meu olfato está sobrecarregado por pólen e o cheiro da
terra molhada.
Isso é estúpido. Absolutamente estúpido. Eu deveria ter ficado e esperado por
outra oportunidade. Talvez roubado um dos carros de Valerian. Mas,
conhecendo sua influência e riqueza, ele me encontraria tão rápido.
É por isso que a floresta era a melhor opção. E agora, vou ser morta e
possivelmente devorada por estar correndo.
Quando o farfalhar se intensifica, aponto para o bosque de árvores à
esquerda, densamente unidas. Elas poderiam, deveriam me esconder.
Começo a correr quando um arrepio percorre a base da minha espinha, olhos
brilhando na escuridão, coaxando, rastejando.
Uma sombra escura passa por mim e eu paro em seco, girando enquanto
meus olhos se adaptam à escuridão. Esquadrinho as árvores à frente e atrás de
mim, e não encontro nada.
Talvez seja a ansiedade e minha mente pregando peças em mim —
Algo zune passando por mim, roçando em meu ombro, e o mau cheiro me faz
lacrimejar e o estômago revirar. Decadência e morte.
Meus dedos apertam o metal frio do cano e eu o levanto, inclinando para a
esquerda e para a direita, apontando para cada som, meus sentidos em alerta
máximo.
Ainda assim, não o vejo a tempo. Um punho atinge meu pulso com uma
velocidade assustadora e eu grito quando meu dedo trava no gatilho,
puxando-o com força. Um tiro ecoa, apenas para ser engolido por um trovão.
Outro golpe no meu ombro e eu perco a sensação no braço por segundos,
deixando o rifle cair. Eu me movo na direção oposta, apenas para bater em
uma superfície dura e ricochetear, caindo em uma grande poça que respinga
em todas as direções.
Ofegante, olho para cima e encontro três pares de olhos vermelhos e famintos
fixos em mim, a criatura diante de mim é apenas um invólucro de pele flácida
e ossos finos. Presas brilham na escuridão, manchadas de amarelo e marrom
sujo.
Meu coração bate forte contra a caixa torácica quando uma língua sai para
lamber lábios rachados e machucados. — Você está perdida, querida? Eu
poderia te levar para casa com algumas direções. Aposto que você tem irmãs
tão bonitas quanto você. — Ele coloca a mão na virilha com um grunhido e
se agacha em um movimento predatório rápido. Seus olhos percorrem meu
rosto, meu peito e minhas calças de grife. Ele nota as alças no meu ombro e
seu sorriso é algo repugnante. — O que você tem aí atrás?
— Nada que seja seu. — Minha voz treme, traindo o medo que tento
esconder, e eu seguro as alças ainda mais forte.
Seu sorriso se alarga e, com um rápido movimento da cabeça, uma mão atrás
de mim puxa a mochila com tanta violência que ela se abre, roupas e
suprimentos para uma semana caindo na lama.
— Nada de valor — um homem atrás de mim grunhe, enquanto o outro revira
os itens caídos, resmungando de descontentamento a cada segundo.
O homem agachado diante de mim move o pulso rápido demais para
acompanhar, agarrando meu queixo e puxando-me por ele. Eu me afasto, mas
unhas afiadas e fedorentas cavam profundamente no meu queixo. — Nós... já
nos conhecemos?
Todos que usam a internet na Romênia e em outros países governados por
Valerian e meu pai sabem quem é a noiva do Príncipe Vampiro. É por isso
que eu tive que usar aquela peruca idiota— para esconder isso dos foras-da-
lei. — Tire suas mãos sujas de mim — eu rosnar, o som não inteiramente
humano.
O homem pisca e seu rosto se transforma de repulsa. — Maldita loba. —
Suas narinas se dilatam e ele balança a cabeça. — Seu sangue pode ter um
gosto ruim, mas seu corpo não. Ouvi dizer que vocês, porcos, gostam tanto de
violência quanto nós.
Uma mão agarra meu cabelo, me puxando do chão, e eu me torço,
arranhando com as garras a mão que me segura. Um sibilo e algo duro atinge
meu olho esquerdo. A dor explode na parte de trás da minha cabeça e eu
perco segundos enquanto a escuridão cobre minha visão.
Meu peito é jogado contra a árvore mais próxima e mãos frias puxam minhas
roupas, unhas rasgando o tecido. Lágrimas escorrem pelo meu rosto e meus
gritos por ajuda e súplicas são abafados pela chuva torrencial. Quando
aquelas unhas rasgam a cintura da minha calça, o tecido afrouxando e
cedendo, tudo se torna muito real.
Quando os homens riem ao ver minha calcinha rosa e eu ouço um deles
rosnar, — Me passe ela quando terminar, Gav — , isso me atinge como um
tapa. Ninguém virá me salvar. Ninguém me rastrearia até aqui. Eu caminhei
por quase quatro horas. Estou muito longe da civilização para que meus
gritos sejam ouvidos.
Eu nunca deveria ter saído. Nunca lutei um dia na minha vida, não consigo
me transformar, nem mesmo sei como usar minhas garras para machucar
outro ser vivo.
Indefesa. Sozinha. Ninguém virá.
Uma mão tateia meus seios, procurando uma abertura para, sem dúvida,
sentir ainda mais, e eu engulo uma súplica, a fúria substituindo o desespero.
Alcançando em um ângulo estranho, eu prendo meus dentes em dois dedos
nodosos e mordo com força.
Um rugido furioso sacode a floresta e o homem se debate, golpeando minha
coluna, minhas costas, minha cabeça. Mas eu não solto até sentir o gosto do
sangue, até sentir meus caninos se alongarem e perfurarem a pele e o osso, e
quando ele puxa, seus dedos e o sangue imundo ficam na minha boca.
— Meus dedos! — ele grita. — Ela arrancou eles!
Astrid ficaria orgulhosa de mim.
Sem o peso dele pressionando-me, eu cambaleio em pernas trêmulas,
segurando minhas roupas enquanto tento fugir do grupo, mas uma mão me
agarra pela cintura, me levantando do chão. Eu rosnar, me debato, chuto,
espetando minhas unhas em sua pele e na minha em uma tentativa de causar
dor.
Ele me derruba com um rosnado e, quando eu caio de bunda no chão, ele já
está me esperando, empurrando minhas costas com todo o seu peso enquanto
cobre meu corpo com o dele. Seus dedos ensanguentados envolvem minha
garganta, apertando até eu sentir meus ossos se moverem e quebrarem,
enquanto meu corpo tenta se curar. Seus olhos estão homicidas e injetados de
sangue enquanto ele cospe: — Vou te matar agora, sua vadia, e depois vou
foder o seu rabo!
Eu revido cegamente, minhas garras arranhando seu rosto, seu olho, mas ele
não parece sentir a dor enquanto me estrangula.
Meus pulmões queimam enquanto eu luto, ofegante. Os outros latem para ele
— eles ainda não tiveram sua diversão— e algo fundamental em mim se
quebra enquanto eu alcanço sua garganta e corto.
Sangue quente respinga no meu rosto e um som de gorgolejo ecoa no ar. Eu
não percebo que ainda estou golpeando, pedaços de carne e sangue caindo na
minha boca. Também não percebo que estou gritando de raiva, enquanto a
carne se solta como fitas, ossos quebram como gravetos, e só quando o corpo
cai sobre o meu é que eu me dou conta do que fiz, com não pouco horror.
Seu sangue gruda nas minhas mãos, meus lábios, minha própria pele, como
se quisesse se fundir com o meu. Eu grito, empurrando-o para longe e rastejo
para trás, fugindo de seus olhos sem vida.
Gritos alarmados ecoam ao meu redor, mas se perdem no fundo enquanto
eles descobrem o que eu fiz. Mas eu não consigo desviar o olhar dele. Do que
eu fiz. Há sangue nas minhas mãos.
Um rosnado rompe meu torpor, um subalterno colidindo comigo, e uma dor
horrível me rasga enquanto ele crava suas presas no meu pescoço.
Eu percebo em uma fração de segundo que isso não é nada parecido com o
que sinto quando Valerian tem suas presas em mim. Ele nunca me mordeu
para me machucar. Isso... isso é morte, dor e sofrimento. Fogo desce pelo
meu peito e braço, consumindo tudo, e —
Nada.
Eu sinto a mudança no ar antes de ouvir o rugido selvagem e ensurdecedor
que o corta. O homem enrijece, suas presas começando a se retrair, mas ele é
repentinamente arrancado de mim por algo maior, mais escuro e peludo.
E então, ele começa a gritar.
O último do trio olha para mim com puro terror quando o som dos gritos
cessa. Eu cheiro urina, bem antes da fera peluda reaparecer do nada,
colidindo com ele.
Eu tremo, cansada demais, fraca demais para correr, enquanto vejo o lobo
despedaçar o vampiro, até que só restem pedaços de carne e ossos.
Uma pequena luz pisca e eu devo ter desmaiado, porque sinto mãos quentes
percorrendo meu rosto e uma voz familiar gritando meu nome repetidamente.
— Oleia! Oleia!
Eu pisco, meus olhos encontrando olhos cinza escuros. — D-Darian. Um
tremor violento sacode meu corpo e um soluço quebrado escapa da minha
garganta. Há tanto e nada a dizer para ele. Minhas palavras são incoerentes,
distorcidas pela dor e algo diferente. — Eu matei ele.
Os olhos de Darian se suavizam, gotas de chuva caindo de sua testa para a
minha. — Ele teria te matado se você não o tivesse feito. Isso não te faz uma
assassina. Isso te faz uma lutadora, uma sobrevivente. Você me entende,
Oleia?
Eu aceno com a cabeça, mesmo que a chuva não lave a pegajosidade do
sangue dos meus dedos. Eu quase espero que ele grite comigo e me chame de
burra por isso, me culpe por ter sido atacada, mas seus olhos percorrem o
estado das minhas roupas e suas narinas se dilatam delicadamente. —
Estamos a vinte minutos de Victoria. Dez se eu correr. Há uma pousada nos
arredores. Vamos passar a noite lá e começar em direção a Rasnov ao
amanhecer —
— Nós? Você não está vindo comigo, Darian.
— Por que não? Isso... — Ele gesticula ao nosso redor. — Isso é leve
comparado ao que espreita no escuro. Você quer fugir? Não tenho problema
com isso, mas deixe-me garantir que você chegue em segurança, pelo menos.
— Meu pai tirará sua insígnia e seus títulos por isso.
Seu sorriso é suave, mas não chega aos olhos. — Eu não jurei lealdade ao seu
pai, Oleia. Eu jurei a você. Minha insígnia e meu título não significam nada
se eu não puder te proteger. Eu te dei minha palavra. Onde você for, eu irei.
Minha garganta se fecha e eu solto um tremor. Eu discutiria com ele, mas eu
conheço Darian bem o suficiente para entender aquele brilho em seus olhos.
Ele nunca me deixará aqui. Não até eu estar em mãos seguras. — Estou indo
para Veneza. Precisamos chegar a Bucareste até o final da semana. — Eu
faço uma pausa, observando o sangue em sua bochecha, não dele, e eu seguro
as lágrimas enquanto sussurro: — Obrigada por salvar minha vida.
Quando chegamos a Victoria, as fronteiras estão repletas de sentinelas —
sentinelas reais — descubro, com os emblemas mistos de dragões e lobos
prateados.
Mal conseguia suportar o frio nos ossos ou permanecer acordada enquanto
Darian nos guiava por uma rota diferente para Rasnov, e acabamos passando
a noite em um galho de árvore caído, com Darian de vigia.
Meus sonhos são preenchidos com sangue, morte e mãos que agarram e
estrangulam. Nos meus sonhos, ninguém vem me salvar, e eu sangro até
morrer no chão da floresta, engasgando e sufocando no meu próprio sangue.
Darian e eu mal trocamos palavras nos próximos dias enquanto vagamos por
Rasnov, evitando as sentinelas que parecem estar em cada canto, à procura de
uma princesa loira que fugiu do marido com seu suposto amante.
Quando chegamos à Cidadela, descobrimos que uma recompensa foi
colocada em nossas cabeças. Um milhão de RON por informações que levem
à minha captura, cinco milhões pelo meu "retorno seguro", e dez milhões
pelo retorno de mim e de Darian, este último morto ou vivo.
O cheiro da raiva e do desespero de Valerian é evidente, mas o povo compra
a ideia, praticamente babando com a oferta absurda. Loiras que se encaixam
na minha descrição são entregues quase três vezes ao dia, só para serem
liberadas quando percebem que não sou eu.
A culpa pesa tanto quanto a fadiga, sabendo que Darian nunca poderá
retomar sua vida porque me seguiu. Ele nunca age como se isso o afetasse,
nem quando caça pela manhã e me prepara uma refeição antes mesmo de eu
acordar. Nem quando cuida de mim todas as noites, colocando seu casaco
sobre mim quando o frio penetra meus ossos.
Isso me faz pensar no que fiz na vida para merecer tal tratamento, tal
lealdade, além de ser uma membro da realeza.
Minha mente também vagueia para outras coisas. Como Lyra e como ela
deve estar lidando sozinha no castelo, e o que ela pode ter feito com Astrid
para partir. Se ela sequer conseguiria partir depois disso.
Mais pesado. O peso da minha decisão sobre as vidas ao meu redor cresce a
cada dia, e, no quarto dia, chegar cambaleando a Sibiu não é tão libertador
quanto eu imaginava.
Talvez seja a náusea que revira meu estômago enquanto me sento em um
canto da Praça Grande, com roupas sujas, enquanto Darian, que trocou suas
roupas de combate por uma jaqueta de hóquei roubada, um boné de beisebol
e jeans largos, tenta encontrar o contato chamado Simon Lochan.
Um doce cai no meu colo e eu levanto o olhar, enquanto puxava fios da
minha meia-calça, para encontrar uma menininha sendo puxada pela mãe,
sorrindo para mim. — Princesa — ela diz, massacrando a palavra com um
linguajar infantil, acenando animadamente e puxando a mãe enquanto aponta,
repetindo a mesma palavra.
A mulher se vira, seus olhos passando por mim, e eu me pergunto como devo
estar horrível, pois ela repreende a menina, ralhando por ela ter dado o doce a
uma mendiga.
Viro o doce na mão, tentando abrir o papel, quando ouço passos se
aproximando. — Olly — Darian diz, e eu me endireito, meu olhar se
voltando para o homem atrás dele. — Este é Simon.
Com um metro e oitenta e quase tão alto quanto Darian, o humano tem uma
aura que é reconfortante, calmante. Podem ser as rugas de sorriso nos cantos
dos lábios e dos olhos, ou o calor em seu olhar âmbar, mas quando ele sorri
para mim e faz uma leve reverência, percebo que a desconfiança e o receio
que construí em relação a qualquer homem que se aproxima, resultantes de
ter sido agredida e quase estrangulada até a morte, desaparecem por um
momento. — Oi — digo, minha voz pouco mais que um grunhido. — Vamos
usar pseudônimos por enquanto — acrescento, com um olhar significativo
para a multidão e possíveis ouvidos indiscretos.
Ele aperta minha mão com firmeza, seu sotaque estranho carregado ao se
apresentar. — Sou o marido da Alice. Esperávamos vocês ontem. Não
achamos que ainda viriam, mas Alice tem o hábito de arrancar cabeças
quando se trata da irmã... — Sua voz diminui enquanto olha ao meu redor,
procurando. Seus lábios se apertam em uma linha fina. — Ela não vem.
Meus lábios tremem e percebo que não consigo encontrar o olhar dele. —
Não.
Simon Lochan acena com a cabeça, levando o celular ao ouvido enquanto nos
guia até o carro. Eu tento não bisbilhotar a conversa que ele tem com a
esposa enquanto passa a notícia para ela, mas é difícil não ouvir, já que o
pânico da irmã mais velha de Lyra pode ser sentido através do telefone.
A viagem é longa e pesada. De alguma forma, eu acabo dormindo o
suficiente para sonhar com ele. Valerian, e em seu olhar rubi, encontro uma
ira implacável.
C A P ÍT U L O 1 9
OLEIA
arte II — Dois anos depois.
P — Dar? — Chamo, correndo pelo corredor para pegar minha bolsa no
sofá. — Você pode levar o Azrael para a consulta médica? Estou atrasada!
— Você está sempre atrasada, Olly! — Alice ri na cozinha, e eu bufo,
rolando os olhos enquanto passo mais um pouco de batom na boca,
simultaneamente enfiando os pés nos sapatos pretos de salto. Correndo em
direção à pequena mesa de café da manhã arrumada para cinco, pego uma
fatia de torrada, mastigando rápido enquanto dou a volta na cadeira e beijo a
bochecha de Darian, a barba de um dia arranhando meu lábio inferior. — Por
favor? — Pisco de maneira charmosa, e ele pisca para mim, seu rosto bonito,
ao qual já me acostumei, aparecendo na minha vida de vez em quando, se
contorcendo de forma brincalhona.
— Você não vai esquecer o jantar de novo esta noite, vai?
Certo.
Darian e eu começamos a namorar há mais de seis meses, e, embora tenha
sido maravilhoso, não pude evitar a sensação de que tudo estava acontecendo
rápido demais. Eu ainda estava me curando... Contei isso a ele quando ele me
convidou para sair três vezes antes, e eu rejeitei totalmente suas investidas.
Na quarta vez, porém, eu estava celebrando meu primeiro emprego de
verdade com alguns colegas e tinha bebido até cair.
Ele tinha vindo me buscar e manteve uma distância respeitável durante todo o
trajeto, mas eu o olhei, realmente o olhei pela primeira vez, e me perguntei
por que ainda me agarrava ao passado, por que, mesmo depois de quase um
ano e meio, eu não conseguia seguir em frente e parar de pensar nele.
Naquela noite, me inclinei, beijei Darian e disse que estava pronta para deixar
tudo isso para trás. Eu queria recomeçar, com ele e com Azrael, meu filho.
Ele ficou radiante, mas eu disse que precisava de tempo. Tempo para me
acostumar com a presença e o toque de outro homem. Tempo para me
acostumar... a ser amada e tratada da maneira certa. Contei a ele a verdade
naquela noite: eu não achava que conseguiria esquecer o Valerian, mas estava
mais do que disposta a tentar.
Ele aceitou bem, me beijou com firmeza, gemendo enquanto me puxava para
cavalgar nele no banco do carro.
Seis meses se passaram desde então e não fizemos sexo. Nos beijamos muito,
na verdade. Em todos os lugares. Darian é um homem de sangue quente, com
sangue alfa correndo em suas veias. É um milagre ele ter aguentado até
agora, esperando que eu tomasse essa decisão.
Mas eu não conseguia me permitir fazer isso. Toda vez que ele me deixava
nua embaixo dele, me tratando com reverência, me segurando como se eu
fosse algo precioso, sussurrando o quanto me ama, eu entrava em pânico.
Porque eu nunca conseguia responder.
Ele entendia, ele sempre entende, mas quando ele me disse para me arrumar
para um encontro hoje à noite, com aquele olhar ardente, eu sabia que isso ia
acontecer. E de alguma forma, isso fez com que todas as notícias se
tornassem verdade.
Que eu realmente havia fugido com meu amante.
— Eu estarei lá — prometi, e meus dedos se enrolaram quando ele virou
minha mão e beijou o pulso onde meu coração pulsava.
Meus olhos caíram sobre a criança no colo de Darian, que mordiscava os
ovos mexidos no pratinho, com o olhar concentrado, e o orgulho inchou em
meu peito. Seu olhar rubro-negro, peculiar assim como seu delicado aroma,
encontrou o meu, e quando ele sorriu, suas presas, maiores que seus dentes de
leite, se alongaram. — Ir ao parque com Darian?
Eu ri um pouco, beijando o topo de sua cabeça loira. — Só se você prometer
ser um bom menino no médico.
— Não gosto de agulhas, mamãe — ele reclamou, seus dedinhos batendo na
colher de plástico. Segurei seu punho pequeno e me abaixei até o nível dos
seus olhos.
— Mais uma vez. Você quer melhorar, não quer?
Ele inclinou a cabeça naquele movimento que faz meu coração parar por um
segundo, me lembrando demais de seu pai. Como se lesse meus pensamentos,
Darian ficou tenso, observando a troca. — Você sempre diz isso, mas a dor
volta — Azrael murmurou, suas narinas se dilatando delicadamente.
O desenvolvimento do lobo frontal de Azrael é bastante avançado para sua
idade. É por isso que não posso deixá-lo se misturar com outras crianças,
além do fato de que não há como esconder o que ele é. Existem escolas para
lobisomens, mas nenhuma para híbridos. Na verdade, não existem híbridos
no mundo.
Isso tornava as coisas complicadas.
Azrael está doente, já faz vários meses, mas os médicos nunca conseguiram
descobrir o que havia de errado com ele. Ninguém em Veneza sabia como
tratar ou o que fazer com uma criança híbrida. O diagnóstico sempre era
impreciso, os tratamentos funcionavam até que meu filho tivesse uma recaída
ainda pior.
Não havia sintomas ou avisos.
Muitas vezes acordávamos com seus gritos, — Tira isso de mim! — , seus
pedidos abafando todos os sons, e nada que fizéssemos podia ajudá-lo. Nem
mesmo Alice, que era enfermeira e havia criado três filhos, podia nos ajudar
nessas horas.
Por pura sorte, Darian ouviu falar de um novo médico na cidade, que era
versado no tratamento de vampiros e lobisomens, e a esperança floresceu em
meu coração. Pode funcionar... Não. Vai funcionar.
Tem que funcionar, porque a única outra solução seria voltar para a Romênia.
E isso não é uma opção.
Estiquei meu dedinho e incentivei Azrael a fazer o mesmo, antes de
entrelaçar o meu com o dele. — Mais uma vez, meu amor. Você confia na
mamãe, não é?
Ele me olhou com cautela, cada linha, cada movimento rápido pertencente ao
homem que tentei tanto esquecer. Um homem que passei a odiar
profundamente, nada disso se estendendo a Azrael, é claro. Eu amo meu filho
mais que tudo. Azrael concordou com a cabeça, sua concentração se
dividindo quando Darian balançou um copo de suco de laranja na frente dele.
Ele riu feliz e eu murmurou um rápido 'obrigada' para Darian antes de sair
correndo pela porta.
Eu odeio o cheiro de hospitais, aquele cheiro esterilizado que não consegue
esconder completamente o odor da morte que o permeia, me transportando de
volta a uma certa noite que eu mal consigo esquecer, não importa o quanto eu
tente.
Enquanto caminho até o consultório do Dr. Moretti, tento acalmar meu
humor. Trabalhar em RH sempre foi e sempre será desgastante. Os sorrisos
falsos, os malditos e-mails educados endereçados a pessoas que não
mereciam nem um pingo de respeito, as ameaças de funcionários demitidos
em alguns dias, lidar com conflitos e crises que às vezes não tinham
absolutamente nada a ver comigo, mas que acabavam sendo colocados como
minha culpa no final do dia— é irritante para cacete.
Mas o salário compensa, e depois de morar com Alice e Simon por um ano e
me sentir como uma parasita, mesmo que Darian tenha se esforçado ao
máximo para pagar as contas em nosso nome, fiquei mais do que feliz em
aceitar o emprego.
Entro no consultório com um sorriso no rosto, mas paro ao perceber o
ambiente tenso. Darian está sentado na frente do médico, balançando a perna
sobre a qual Azrael dorme em um ritmo constante, mas o rosto dele...
Meu coração afunda enquanto me sento na cadeira vazia ao lado dele,
olhando para o médico que me observa através de lentes embaçadas,
acenando em cumprimento, sua cabeça bem raspada brilhando sob a luz. —
Sra. Davenport, estou feliz que você pôde vir.
Escondo meus dedos trêmulos embaixo da mesa, mesmo enquanto espero que
ele me dê a notícia que já suspeito. — Há algo que possa ser feito pelo meu
Azrael?
Ele cruza as mãos sobre a mesa que nos separa. — O diagnóstico não
mostrou nada. Não há nada de errado com o seu filho, pelo menos não
medicamente. Ele me disse... com uma inteligência impressionante,
exatamente como se sente durante cada recaída, e eu fiz alguns testes —
Meus olhos se voltam para Darian em alarme, mas ele balança a cabeça
lentamente, em seu jeito silencioso de me dizer que posso confiar no médico.
— e não encontrei nada de errado. Mas... — Ele pausa, tirando os óculos e se
recostando na cadeira. — Acho que ele pode estar em transição.
Eu pisco, inclinando-me para frente. — Transição? Você quer dizer... se
estabilizando?
Ele acena com a cabeça.
Toda criança lobisomem passa por esse processo antes de completar seis
anos. Quando nossos corpos deixam de ser mortais e frágeis para se tornarem
algo mais— ossos se fortalecendo, sentidos se apurando, se estabelecendo no
meio-termo, onde garras e caninos afiados também se desenvolvem.
Ouvi uma vez que os vampiros passam pelo mesmo processo, mas na época
eu estava mais fascinada em absorver o máximo de informação possível
sobre o homem com quem eu ia me casar.
Dr. Moretti murmura algo em italiano baixinho enquanto observa Azrael com
uma curiosidade leve antes de continuar. — Por causa do que ele é, seu corpo
parece incapaz de decidir para o que está em transição, daí a dor.
Eu mordo o lado interno da bochecha para me manter ancorada no presente.
— O que você recomendaria, então?
— Leve-o ao pai dele. Ele saberá o que fazer.
As palavras tocam uma corda tão profunda em mim que eu me contraio,
quase mostrando os dentes para o humano ao dizer: — O pai dele está morto.
Uma expressão pensativa cruza o rosto dele. — Apesar de eu nunca ter lidado
com uma transição antes, já que não há crianças vampiras, acredito que há
um médico velho o suficiente para ter ajudado em transições vampíricas.
Horace Vlasin, ouvi dizer, reside com a realeza na Romênia...
Eu paro de ouvi-lo, paro de escutar. Levantando-me de um salto, eu tiro
Azrael dos braços de Darian. — Vamos embora.
Horace. Tinha que ser Horace. A Deusa da Lua deve ter um senso de humor
cruel. O único homem que poderia ajudar meu filho tinha que estar na
Romênia, e ele tinha que residir justamente no castelo de onde eu fugi.
Darian me chama, usando meu nome falso, mas eu já estou saindo,
caminhando pelo corredor como uma mulher perseguida pelo seu passado.
Tem que haver outro jeito. Existem médicos em todo o mundo. Certamente,
eu poderia encontrar alguém que não estivesse na Romênia. Alguém que não
informaria Valerian que ele tem um filho.
Eu não confiava que ele não arrancaria o mundo inteiro para tirar Azrael de
mim.
— Oleia, espera — Darian implora enquanto eu me atrapalho com a chave do
carro por um minuto inteiro. — Olly — ele sussurra, agarrando minha mão e
interrompendo meu ataque à fechadura.
Minha mão treme enquanto acaricia as costas de Azrael, e eu me viro,
encontrando os olhos cinza de Darian. — Eu não vou voltar lá, Dar. Eu não
vou.
Seus dedos calejados percorrem a extensão da minha bochecha, acariciando-
a. — Nós tentamos, Oleia. Viajamos por meses, procurando. Ninguém mais
tinha respostas para nós. Ninguém. — Seu polegar remove a lágrima de
debaixo dos meus olhos, e seu olhar se suaviza. — Eu, mais do que qualquer
um, entendo por que você não quer voltar para a Romênia. Entendo sua
preocupação, a dor que aquele lugar te causou, mas a vida de Azrael está em
perigo. Se Moretti estiver certo —
— Ele não está. Azrael é muito jovem para a transição.
— Ele também é muito jovem para formar frases completas, mas de alguma
forma ele fala melhor do que a maioria dos adultos que conhecemos. Por
Deus, Oleia, o garoto já aprendeu um pouco de italiano. — Ele se inclina para
mais perto, olhos perfurando profundamente os meus. — Se Moretti estiver
certo, precisamos levar Az de volta à Romênia o mais rápido possível, antes
que a transição o mate.
Eu apenas comecei a viver. Fui promovida há um mês a gerente, não porque
eu tivesse as melhores qualificações ou educação para o cargo, mas porque
trabalhei dia e noite para aprender mais rápido do que qualquer recruta ou
estagiário. Trabalhei cada segundo aprendendo e fazendo tantos cursos
quanto pude para passar na rigorosa entrevista. Darian e eu temos planos de
sair da casa dos Lochans e conseguir nosso próprio espaço em algumas
semanas. A papelada está quase pronta.
Essa é a vida que eu construí em dois anos. É minha, tanto quanto Darian e
Azrael são meus. Não vou deixar que ela desmorone ao meu redor. Não vou
deixar que Valerian, ou o rei Marcus, ou meu pai tirem nada disso de mim.
Não vou deixar que me drenem até a morte ao ponto de eu achar normal
querer ficar em um ambiente tóxico.
Mais importante, eu não poderia deixar meu filho crescer naquele lugar
horrível.
Minha voz é carregada de aço e fogo quando digo: — Nós vamos encontrar
um jeito diferente.
C A P ÍT U L O 2 0
OLEIA
u suspiro, tapando a boca com a mão. — Você não fez isso!
E Darian ri, entrando no estacionamento do Belmond Hotel, e meu suspiro
se transforma em um gritinho. — Meu Deus! — Meus dedos apertam a coxa
dele, e mal consigo conter minha empolgação ao avistar o homem de terno se
aproximando com um buquê de rosas.
Meu sorriso se alarga quando Darian contorna o carro, pega as flores do
maître e abre a porta para mim, estendendo a mão. Eu a aceito, rindo ao sair
do carro. — Quando foi que você fez todos os preparativos? — Entre o
trabalho e Azrael, mal tínhamos tempo para essas coisas.
— Eu tenho meus meios — ele sussurra, inclinando-se para beijar minhas
bochechas. — Você está... — Ele engole, passando os olhos pelo vestido
curto metálico prateado que abraça cada centímetro do meu corpo. Eu optei
por algo mais curto para mostrar minhas pernas, mas o efeito foi meio...
pecaminoso. Até para mim. Fiquei cinco minutos inteiros me olhando no
espelho, pensando se deveria trocar para algo menos justo.
A maternidade me deixou com curvas generosas que parecem deixar os
homens menos coerentes ao meu redor, os olhos deles lutando para
permanecerem no meu rosto e não se perderem. Isso geralmente me fazia
escolher roupas largas para esconder, mas em noites como esta, eu me solto.
— Deslumbrante, irresistível, desconcertante — completo e pisco para ele,
brincando. — Eu sei.
Mas os olhos dele permanecem fixos, uma fome insaciável cobrindo-os, e de
repente sinto que o vestido pode ser demais para Darian. Para essa coisa entre
nós que arde como fogo e queima com a mesma intensidade. Ele balança a
cabeça, como se se censurando, e limpa a garganta ao me entregar as flores.
— Leve meu coração, Oleia. Ele bate só por você, de qualquer forma.
Eu rio, aceitando as flores, enganchando meu braço no dele enquanto ele nos
guia pelo hotel. Minhas sobrancelhas se levantam diante da luxúria atemporal
do lugar, os lustres que pendem como aglomerados de diamantes lançando
um brilho dourado sobre os pisos de mármore polido, os murais venezianos
ornamentados que adornam as paredes. O suave murmúrio das conversas
ecoa, acentuado pelo leve tilintar de copos. Tudo parece familiar, de alguma
forma, me lembrando de um tempo que não quero recordar.
Como se ouvisse meus pensamentos, Darian vira à esquerda, nos guiando
pelo saguão grandioso, e minhas sobrancelhas se erguem ainda mais, meu
sorriso se alarga ao passarmos pelos arcos, revelando o terraço expansivo e
uma piscina que capta a luz da lua em sua superfície cintilante. Buganvílias
magenta brilhantes caem sobre treliças de ferro forjado intrincadas,
destacando-se contra os tons suaves e neutros das colunas de pedra.
— Você superou a si mesmo, Dar — sussurro, com a garganta apertada,
enquanto meus saltos estalam contra pétalas de flores espalhadas pelo chão,
criando um caminho até a mesa solitária ao lado da piscina com a melhor
vista de tudo. — Está lindo — consigo dizer, de repente me sentindo a pior
namorada do mundo.
Ele havia feito um esforço tão impressionante, dias antes, e eu nem sequer
havia querido o encontro até algumas horas atrás, concordando apenas porque
Alice e Simon prometeram cuidar de Azrael esta noite e juraram que não me
perdoariam se eu estragasse as coisas com Darian por causa da minha
constante impontualidade e esquecimento.
— Obrigada — digo, sentando-me na cadeira que ele puxou para mim. O
calor queima minhas bochechas com a atenção, totalmente proveniente de
seus olhos cinza brilhantes, e eu desvio o olhar, incapaz de suportar o calor
neles. Não é desconfortável — nunca me sinto desconfortável perto de
Darian. É apenas...
Ele me olha como se estivesse apaixonado por mim, e o peso de seus
sentimentos, que eu mais do que gostaria de poder retribuir, pode ser pesado
às vezes. Ele sabe que eu nunca poderia amá-lo como amei Valerian, e ele
nunca me pediu isso, nunca nem sequer pediu algo próximo a isso. Tudo o
que ele fez foi pedir que eu o deixasse me amar da forma que eu mereço ser
amada.
O problema era que eu não achava que merecia um homem como Darian, e
constantemente me repreendia, meu coração estúpido por não tê-lo escolhido
no lugar.
O jantar é lindo. Comemos e conversamos sobre tudo. A conversa sempre é
fácil com Dar. Ele é um ouvinte maravilhoso e, embora não seja o melhor
conversador — porque nunca foi um homem que fala muito, mas prefere me
observar falar e acenar, sem tirar os olhos de mim — , ele compensa isso com
o jeito que me faz sentir ouvida e vista.
— E com o conselho? Você disse que houve alguns problemas para
convencê-los — murmuro, bebendo do meu copo de champanhe.
— Isso foi quase dois meses atrás, Olly — Darian ri.
Eu tosso, quase engasgando com o vinho. — Já faz tanto tempo assim? — A
culpa me deixa vermelha. — Sinto muito.
Ele abre mão com um gesto. Ele nunca fica bravo comigo. Às vezes é
irritante, especialmente quando eu estou errada. Houve dias em que criar
Azrael foi difícil, dias em que eu chorei como uma criança porque não sabia
nada sobre ser mãe, dias em que Alice estava ocupada com o trabalho e não
podia me ajudar. E eu descontava minha frustração em Darian.
Mas ele nunca foi embora. Ele parecia sempre entender o que eu precisava.
Ele beijava minha testa e levava Azrael de mim, dizia que me amava, mesmo
quando eu estava sendo uma péssima pessoa, e me mandava para o meu
quarto descansar.
Não sei como teria passado pelos últimos dois anos da minha vida sem ele.
— Não está totalmente resolvido, mas tenho o voto da maioria — ele sorri, os
dentes perfeitos brilhando à luz, e não passa despercebido para mim que os
suspiros que capto com minha audição sensível, vindo das mesas na outra
extremidade da piscina, são por causa disso. — Você pode me chamar de
Alfa Darian de agora em diante. Alguns papéis a mais e será oficial.
— Isso é maravilhoso! — exclamo, apertando suas mãos. — Isso não
significa que você terá que voltar para a Romênia em breve?
Um encolher de ombros. — Talvez. Talvez não. Na verdade, estou um pouco
confuso. A alcateia é tudo que me resta do meu pai, mas aqui... — O polegar
dele acaricia a palma da minha mão, e um calor aperta meu interior. — Eu
tenho algo especial aqui. Tenho uma família. Tenho você. Se voltar para a
Romênia significar perder tudo isso, então talvez eu não queira ser Alfa,
afinal.
Meus lábios tremem. — Eu nunca tiraria isso de você, Dar. — Pisco para
segurar a umidade que se acumula nos meus olhos. — Como tudo mais,
vamos resolver isso. Você poderia visitar, trazer alguns daqueles Jeleuri que
eu adorava quando éramos pequenos para o Azrael...
— Ou vocês dois poderiam vir comigo.
Meu coração tropeça e meus pés viram gelo. — Você sabe o que fariam
conosco se aparecêssemos juntos. Sabe muito bem por que não posso ir com
você e por que mantenho meu filho escondido do mundo.
Os dedos de Darian apertam os meus antes que eu possa puxá-los de volta. —
Seria diferente. Você seria minha Lua. Não precisamos ficar fugindo pelo
resto das nossas vidas como fugitivos. Suas irmãs sentem sua falta.
Pisco. — Você tem falado com elas?
Pânico brilha nos olhos dele. — Quase nada. Elas só queriam saber se você
estava bem. Foi tudo que eu disse. — Quando não respondo, ele repete: —
Foi tudo que eu disse. Elas não sabem sobre o Azrael ou onde estamos.
Mas as linhas delas podem ter sido grampeadas. E Valerian e seus sentinelas
podem estar a caminho para arrasar Veneza e me encontrar. E se o fizerem, e
levarem o Azrael embora, não sei se conseguirei sobreviver à separação. Mal
ouço a cadeira arrastando no chão antes que duas mãos grandes envolvam
meu rosto e forcem minha cabeça para a esquerda.
Darian se agacha no chão ao lado da minha cadeira, mas ele é tão alto, tão
grande, que poderíamos estar sentados lado a lado. — Respira, Olly. Fui
cuidadoso. Nada disso vai acontecer. Prometo. — Ele repete as palavras uma
e outra vez, até minha respiração se acalmar, e mesmo assim, seus lábios
roçam levemente nos meus, para me distrair do pânico selvagem que fervilha
sob minha pele.
Seus lábios são tão macios, suas presas tão suaves, tão diferentes das de
Valerian. Meus olhos se fecham e eu me inclino para ele, deixando que ele
roube o ar dos meus pulmões e os pensamentos da minha cabeça. Quando nos
separamos, não passo de uma geleia derretida e respirações ofegantes.
Mas Darian agarra meu pulso, sem força, e seus olhos brilham quando diz: —
Você já deve ter ouvido falar da vista do topo do Belmond.
Aquele sorriso de menina volta ao meu rosto. — Você conseguiu um quarto
no último andar. O que você é agora, meu Gênio?
Deixo que ele me puxe e me leve para dentro do hotel, como se já tivesse
estado aqui tantas vezes antes, imaginando fazer isso comigo e
aperfeiçoando. O elevador, como uma cápsula de vidro, dispara para o céu, e
Darian ri quando eu grito, agarrando seu braço. Nunca tive medo de altura.
Só pareceu que estava em uma bolha de ar, sendo lançada a uma velocidade
absurda. Meu coração teria estourado no peito se não parasse de repente e
fizesse um *ding* brincalhão.
— Você está tentando me matar? — Grito em falso furor, mas ele já me guia
por um corredor, para o primeiro quarto à direita. Observo, paralisada,
enquanto ele me leva, não para o quarto, mas para as janelas de vidro do chão
ao teto, e além, para a varanda.
Não tenho palavras para a visão que me cumprimenta quando me inclino
sobre ela, meus dedos apertados na borda. Toda a cidade de Veneza me cerca,
a Cidade Flutuante, iluminada à noite como um pequeno paraíso, e as águas
ao redor se estendendo por toda parte.
Completamente sem palavras, viro para Darian, só para encontrá-lo me
observando com aquele olhar perdido. — Há quanto tempo? — Sussurro.
— Desde o primeiro dia em que nos conhecemos. Eu estava meio convencido
de que você era minha alma gêmea.
Meus dedos tremem levemente. — Por que esperar, então? Você devia saber
que meu pai me casaria com alguém por razões políticas. Por que esperar por
mim?
Ele olha para as estrelas por um longo momento, o vento agitando seu cabelo
negro. — Poderia dizer que era uma esperança de tolo, mas isso não é
totalmente verdade. Cuidar de você já era suficiente. Ser seu confidente e
amigo era mais que suficiente. Ver você sorrir para mim era tudo. Eu queria
mais, mas se fosse tudo o que eu pudesse ter, vislumbres, pedaços de você,
isso já teria sido o suficiente para mim.
Nesse exato instante, eu mergulho dentro de mim e rompo o medo que me
segurou por meses. Olho para o homem que esteve ao meu lado por anos, me
protegendo, me amando, e decido acabar com a espera no meu subconsciente.
Nunca mais voltarei para o lado de Valerian, nunca serei aquela mulher
novamente. Não depois de ter experimentado o que o amor genuíno sente, o
quão bonito e inofensivo ele é.
Tiro os grampos do meu cabelo, deixando-os cair no chão enquanto ando.
Paro quando meu peito roça contra o dele, minhas mãos apoiadas em seu
peito. Seu braço envolve minha cintura suavemente, puxando-me para mais
perto até que seu sopro faça cócegas no meu ouvido. — Não precisamos, se
você não quiser.
— Eu quero — digo e é verdade, ficando na ponta dos pés e pressionando
meus lábios suavemente contra os dele.
Sua mão encontra meu pescoço, mergulhando suavemente no meu cabelo
mais curto, e ele geme, nos torcendo até que minhas costas estejam contra a
parede. Eu empurro seu casaco azul e seus movimentos se sincronizam com
os meus. Mal percebo onde ele cai ou onde meus sapatos vão parar quando
ele me levanta, curvando minhas pernas ao redor do seu torso. Eu não havia
percebido o quão grande ele era até agora, o quão forte, o quão brutalmente
esculpido ele é, e me maravilho a cada centímetro de músculos tonificados e
abdômen moldado por anos de guerra.
Desabotoo sua camisa em segundos, interrompendo o beijo para saborear sua
pele dourada. Ele tem o sabor do verão e do calor, e algo em meu coração
derrete com isso. Eu me inclino, me permitindo sentir isso. Ele.
Seus quadris balançam contra os meus e ele rosna, enterrando o nariz no meu
pescoço, acariciando, beijando com movimentos lentos e preguiçosos que
fazem meus olhos revirarem e meu interior se contrair. Meus seios, mais
cheios agora, doem de desejo e eu me agarro a ele com força, gemendo em
seu ouvido enquanto ele agarra minhas costas, algo terrivelmente respeitoso
nesse movimento que me faz rir. — Com medo?
— Não — ele diz, mas sua voz está tensa, carregada de desejo. — Apenas
não consigo acreditar que estou te abraçando assim. Você é tão linda, Oleia.
Um som de impaciência sobe pela minha garganta e ele deixa cair qualquer
muro que tenha erguido entre nós. E então ele me beija como um homem
morrendo, com uma desesperança que sacode meu núcleo. Suas mãos sobem
pelo meu vestido e minha coluna se arqueia ao sentir seus dedos deslizando
pelas minhas costelas, e eu não poderia me importar menos por estar meio
nua na sacada de um hotel, as estrelas sendo as únicas testemunhas enquanto
ele arranca meu vestido por cima da cabeça.
Ele nos leva para dentro e mal chegamos ao quarto antes que eu tira sua
camisa e calça dele. Acalorado, o calor entre nós, e eu sei que não haverá
voos esta noite, nem desculpas. Eu quero isso hoje, eu quero Darian.
Eu caio no colchão macio, gemendo enquanto ele beija uma linha pelo meu
decote, alcançando por baixo de mim para soltar o sutiã. Seus olhos vão de
cinza para dourado puro ao ver meus seios nus e ele pragueja suavemente. Eu
me contorço sob o peso total de seu olhar, arqueando, querendo, e assim que
sua mão roça na curva do meu seio, meu celular toca.
Ele vira a cabeça rapidamente, mas eu o puxo para baixo, murmurando contra
sua boca. — Não atenda.
Minhas coxas se fecham em torno das dele, e ele solta uma respiração
ofegante. Tudo o que nos separa são sua cueca e meu fio preto —
Outro toque.
Os quadris de Darian pressionam os meus, e ele cai para frente, agarrando os
lençóis com força. Vejo a pergunta em seus olhos e sei que, se eu dissesse
que não estava pronta para fazer sexo com ele, ele rolaria para o lado e me
daria a privacidade de que preciso. Sorrio maliciosamente, aceno com a
cabeça, e seus olhos se arregalam um pouco —
Outro toque. Dessa vez no celular. Só podia significar uma coisa. Alice.
— Não — reclamo.
— Pode ser importante — murmura ele, relutante em se afastar, e eu admiro
como sua bunda fica boa na cueca preta enquanto ele tira o celular da calça e
o leva ao ouvido. — Alô —
Eu ouço antes mesmo de ela falar, o lamento ao fundo, o grito que corta meu
coração em mil pedaços, e estou fora da cama num instante, juntando minhas
roupas enquanto Alice fala freneticamente. — Os remédios não estão
funcionando.— O grito de Azrael aperta meu coração com um punho de
medo gelado. — Não sei o que fazer. Dessa vez não há intervalos... Já tentei
de tudo— Outro grito, e ouço Simon cantando suavemente, o que
normalmente o distrai da dor por um tempo, mas meu filho não para de
chorar, de gritar.
— Estamos indo — diz Darian.
Eu enxugo a lágrima que escorre pelo meu rosto enquanto passo as mãos
pelos cachos loiros de Azrael repetidamente. Ele chorou a noite toda,
mantendo toda a casa acordada. Os filhos de Alice estavam de mau humor no
café da manhã, sonolentos antes de ir para a escola. Riley, o mais velho dos
três, foi compreensivo, mas os gêmeos de onze anos, Victor e Varrish, não se
preocuparam em esconder o cansaço ou a irritação.
Alice os repreendeu, mas isso não mudou a verdade. Até o pobre Simon mal
conseguiu dormir um pouco antes de sair para o trabalho, e eu sabia que pedir
desculpas não mudaria nada.
Não faria Azrael melhorar.
Nenhum dos medicamentos prescritos funcionou. Ele só adormeceu quando
não teve mais forças para chorar, e mesmo assim, ele se contorcia, acordava,
gritava e cochilava de novo.
Meus lábios tremem, e eu sinto o sal das minhas lágrimas. A mera ideia de
voltar ao castelo me paralisava de medo, mas eu esgotei minhas opções. A
condição de Azrael estava piorando, e todos sabiam as implicações de uma
transição mal-sucedida.
Não havia medo maior no meu coração do que o de perder meu filho. Eu me
humilharia diante de Valerian, se necessário, se isso significasse aliviar a dor
dele. Eu vi Azrael chorar, e a impotência me matou por dentro. Partiu meu
coração completamente. Não consigo— não vou aguentar mais.
— Eu vou com você.
Levanto os olhos, sem surpresa de que, apenas olhando para mim, Darian já
percebeu minha decisão. — Não há necessidade — respondo, mas minha voz
sai mais fria do que eu pretendia. — Vou pegar um voo. Vamos ficar bem.
— Você não vai voltar para lá sozinha.— Há uma severidade na voz dele, e
eu sei que ele está preocupado comigo, com Azrael, mas aparecer com ele...
tornaria mais difícil convencer Valerian. Eu precisaria falar com ele para
chegar a Horace.
Não é uma interação que estou ansiosa para ter, mas a Deusa realmente tem
um senso de humor cruel.
— Seria melhor se —
— E quando ele der suas condições e exigir a custódia total de Azrael, o que
você fará então? Você é a mãe do filho dele, seu único herdeiro. Você
realmente acha que ele vai deixar você sair da vida dele de novo? O pai dele
não hesitaria em acusá-la de roubar o herdeiro e prendê-la por isso, e Valerian
não faria nada para impedir —
— E a sua presença faria alguma diferença?—
Uma expressão de dor aparece em seus olhos, mas seu rosto se torna
determinado, um músculo se contraindo em sua mandíbula forte. — Eu te
disse, Oleia. Se você apenas aprendesse a confiar em mim. As coisas são
diferentes agora. Eu não sou só um guarda-costas qualquer. Sou um Alfa, e
reivindicar você e Azrael como meus colocaria ambos sob minha proteção.
Fazer isso seria —
— É disso que se trata?— Eu olho fixamente para ele, meu sangue pulsando
nos ouvidos. — Você tem medo de Valerian reivindicar a mim e ao filho
dele?—
Os olhos de Darian endurecem. — O filho *dele*? Você nem mesmo foi
embora, nem mesmo o conheceu, e Azrael já é o filho dele. Eu também o
criei, sabe. Eu estive aqui, todos os dias. Enquanto você o corrigia toda vez
que ele me chamava de "pai", enquanto você dizia a ele que o pai estava
morto— mesmo que eu estivesse aqui e pudesse ser isso para ele, enquanto
você chamava por Valerian no seu sono, eu estive aqui.— Sua voz falha nas
últimas palavras. — Você acha que eu não sei o que nos espera na Romênia?
Que isso— Ele gesticula entre nós e Azrael. — Nós, só existe por um tempo
emprestado?—
Eu engulo em seco. — Você não confia em mim —
— Isso não tem nada a ver com confiança, Oleia!— Ele grita, e quando
Azrael se mexe, seus olhos se suavizam. — Você ainda cheira como ele.
Quando você ia me contar que o marcou?— O cinza em seus olhos quase
desaparece. — Você ia me contar alguma vez?—
Meus dedos se fecham em punhos. — Eu não achei que fosse importante, já
que eu te escolhi e não ele.—
— Você e eu sabemos muito bem que nunca houve uma escolha entre
Valerian e eu.—
Meu coração afunda, e lágrimas se acumulam em meus olhos. — Isso não é
justo.—
Suas narinas se dilatam, e sua raiva é algo profundo e cortante, algo cru e
vulnerável. — Eu não pensei que você seria minha quando te segui aqui.
Oferecer minha ajuda, minha proteção não tem nada a ver com meus medos.
Você está voltando sozinha para um lugar onde foi machucada, de novo e de
novo, completamente sozinha. Estou oferecendo apoio porque sei que você
vai precisar por todo o tempo que levar para tomar uma decisão. Por todo o
tempo que levar para você se curar o suficiente para decidir se ainda quer
voltar para ele ou ficar de pé por conta própria. Isso nunca foi sobre mim.—
Eu vou responder, mas Darian já está indo embora, ombros tensos, saindo do
quarto.
Pressionando meus dedos contra os lábios, eu choro. Eu não devia ter
explodido com ele, devia ter contado sobre Valerian. Sim, ele tinha dito que
esperaria até eu estar pronta, mesmo quando eu disse que ainda amava
Valerian e não podia dar meu coração para ele ainda. Eu ainda devia a ele
saber que a mulher por quem ele esperou havia marcado outro homem como
dela.
Eu odeio que ele acredite que é apenas um substituto na minha vida, que ele
me ache tão fraca a ponto de voltar para os braços de Valerian, mas eu vou
provar que ele está errado.
C A P ÍT U L O 2 1
VALERIAN
taça parecia se esvaziar de vinho muito rápido. Solstício... Verão,
A Inverno, celebrações tão entediantes. Não eram tanto os humanos
gritando "Feliz Natal" e "Boas Festas" do lado de fora do salão, mas
sim o rei lobisomem e o resto de sua comitiva, honrando esses salões com
presentes, como se isso fosse suficiente para fechar a lacuna que crescia entre
nós.
Um dia de cada vez, eu me dizia, mas já faziam dois anos e eu ainda tinha a
marca dela no meu ombro, o cheiro dela no meu nariz.
Eu sonho com ela, sinto o cheiro dela, ouço ela. Alguns dias atrás, senti uma
centelha de desejo no peito, tão quente, que me acordou e me deixou se
contorcendo de dor o dia todo. Essa tem sido a minha vida há dois anos.
Miséria. Dor. Amargura e um ódio tão fervilhante. Nem um sussurro sobre o
paradeiro dela, mas ela assombrava— perseguia meus sonhos e meus
momentos de vigília, imaginando com quem diabos ela estava se deitando. E
talvez eu fosse um idiota, como Cyril costuma me chamar.
Por sentir saudade de Oleia. Talvez demais.
— Um momento — diz Adrian, afastando-se de nós com seu olhar negro fixo
em Lyra. Não sei quando isso começou. Deve ter sido durante aqueles
momentos em que eu estava tão abatido com o desaparecimento de Oleia, que
o apoio ou gestos de bondade de Lyra frequentemente terminavam com um
surto e minha porta batendo na cara dela.
Não foram meus melhores momentos, mas eu simplesmente não conseguia
ficar com ela daquela forma. Saber que o pai constantemente a enviava para
meu quarto, na esperança de que em um momento de fraqueza, eu cedesse e a
possuísse, só alimentava minha raiva.
Não me arrependo de tê-la mandado embora, e algo em sua disposição
naquele dia me fez sentir que ela também não queria ficar.
E, de alguma forma, no meio disso tudo, Lyra e Adrian haviam se tornado
amigos. Eu apostaria minha fortuna no fato de que era algo mais, visto que
ele raramente voltava para Moscou, mas Cyril não conseguia fazê-lo admitir
nada. Eu não me importo particularmente com a profundidade de seu
relacionamento, desde que ela continuasse fazendo o que quer que fosse que
o fazia agir como um homem melhor.
Cyril suspira profundamente. — Pelo menos um de nós parece estar se dando
bem. Ally nem fala comigo.
— Talvez você não devesse ter traído, então.
Seu olhar se transforma em um glare zombeteiro. — Você não é mais
divertido de ficar por perto. — Ele se afasta, desaparecendo na multidão para
perseguir sua ex, e eu fico sozinho para fervilhar de raiva ao ver meus sogros.
Uma em particular me irritando os nervos enquanto levanta uma taça de
champanhe em minha direção, um sorriso debochado brincando em seus
lábios.
Se eu não soubesse melhor, pensaria que Oleia deixou sua irmã mais velha,
Astrid, com a tarefa de me atormentar. Um olhar para frente me coloca cara a
cara com o olhar desaprovador do meu pai. Nosso relacionamento tem sido
tudo menos cordial desde a partida de Oleia. Passei a dormir em um
apartamento diferente no centro para evitá-lo completamente.
Mas suas ordens incessantes diminuíram ao longo dos anos, limitando-se
apenas a negócios e mais política. Nada relacionado a casamento, porém. Eu
pensaria que ele entenderia que eu estava cuidando de um coração partido,
mas o Pai raramente se importava com essas coisas. Desde que eu estou vivo,
sempre há novas parcerias para explorar.
Eu me inclino, lutando contra a intensa vontade de me humilhar sob o peso
de sua aura por quase um minuto inteiro, mas um silêncio repentino varre o
salão, seguido de suspiros chocados.
E isso se aproxima mais e mais. O suficiente para desviar a atenção do meu
pai e a minha por tempo suficiente para... minhas narinas se dilatam e minha
cabeça se vira bruscamente, observando a multidão se abrindo, os olhos que
se voltam para mim com pena, curiosidade e interesse. Os murmúrios que
chegam aos meus ouvidos antes que eu veja o motivo do súbito silêncio no
ar.
— Como ela pode voltar aqui? Com ele?
O sangue lateja em meus ouvidos, uma onda enebriante me capturando em
seu domínio, e eu o vejo primeiro. O guarda com quem ela fugiu. Fácil de
identificar na multidão por sua altura, seus olhos de aço cinza escaneiam a
multidão em busca de ameaças, desafiando-as a se aproximarem.
— Não. Ela não faria isso.
Mas a multidão se abre mais, revelando a mulher atrás dele, seus dedos
entrelaçados com os dela enquanto ele a guia.
Cabelos prateados brilham, mais curtos agora, parando logo abaixo dos
ombros. Olhos avelã que brilham verdes na luz dourada observam o salão
com um olhar afiado muito velho para sua idade. Minha respiração falha ao
ver aquele rosto, meus joelhos enfraquecidos com... sentimentos me
atingindo rápido demais para processar.
Ela parece diferente. É o mesmo rosto, mas poderia muito bem estar
conhecendo-a pela primeira vez. São as linhas de sorriso, o olhar franco,
nenhum traço de ingenuidade restante, as sobrancelhas franzidas e a
observação cuidadosa. O olhar sábio em seus olhos. A plenitude de seus
lábios e seu rosto que perdeu o ar de fofura infantil, substituído por um
charme selvagem. Deslumbrante— não. Arrebatadora. Não havia nada de
inocente na mulher que caminhava em minha direção, o queixo erguido em
leve irritação e arrogância, como se ela não desse a mínima para os
pensamentos ou opiniões de ninguém.
Como se ela tivesse crescido acima deles. Não haveria súplicas dessa mulher,
nem lágrimas.
Meu olhar se desvia de seu rosto e o mundo ao meu redor se despedaça,
como vidro fino. Quase posso ouvir o tinir.
Há um menino em seu quadril.
A força disso me atinge em cheio no peito, de uma só vez. Oleia está aqui.
Após dois anos de busca incansável, ela entra em minhas terras com seu
amante. E uma criança.
Eu olho fixamente para a criança. — Não pode ser. — Ela não estava grávida
quando me deixou, fugiu da minha vida como uma maldita ladra na noite. Ela
não poderia ter ido embora e escondido algo tão importante de mim.
Mas eu estou olhando para uma versão muito mais jovem de mim mesmo. Os
olhos astutos da criança se fixam em mim por um breve momento e
permanecem. Ele inclina a cabeça e meu coração... para e recomeça.
E mesmo quando Oleia e seu amante param a alguns metros de onde estou,
eu não consigo desviar meu olhar do menino.
Muito lentamente, levanto o olhar. Sem saber para onde olhar primeiro,
escolho o segundo. O guarda-tornado-amante olha para minha esposa com
olhos suaves e cheios de amor, e ela acena com a cabeça. — Eu vou ficar
bem.
Ele desenreda os dedos dela e me lança um olhar longo e firme que promete
violência se eu fizer algo — qualquer coisa — para machucá-la. Eu poderia
ter rido se Oleia não tivesse olhado diretamente para mim naquele momento.
Não há emoção naqueles olhos. Apenas um frio sem coração.
— Precisamos conversar.
— Eu te procurei.
Estamos sozinhos na varanda, com vista para a festa barulhenta no térreo.
Tento me controlar. A raiva, a amargura, a sufocação que sobe pela minha
garganta, apertando como um torno, mas não consigo evitar a agonia na
minha voz.
Ela não responde, colocando o polegar na boca do menino, e ele grita,
mordendo a pele com... Eu engulo, desviando rapidamente o olhar dele.
Presas. O menino tem presas. — Me diga como foi olhar nos meus olhos
naquela noite e mentir para mim. Deixar meu anel como um presente para eu
encontrar. Evadir os meus sentinelas enquanto fugia com o seu amante.
Finalmente, aqueles olhos se voltam para mim. Não há nada familiar no olhar
que percorre meu rosto. Apenas uma avaliação vazia, e isso mexe comigo em
um nível mais profundo quando seus lábios vermelhos como sangue se
curvam em um sorriso cruel, revelando dentes brancos e perfeitos que já
afundaram na minha pele e deixaram uma marca muito mais profunda do que
poderia ser vista na superfície. — Foi... libertador.
Minha boca se contrai e meus nós dos dedos ficam brancos de tanto apertar o
corrimão. — Eu era um parceiro tão ruim? Você nem se despediu.
Ela levanta uma sobrancelha perfeitamente arqueada, com uma diversão cruel
brilhando naqueles olhos, e eu quase posso ver sua resposta. Ruim nem
começa a cobrir. Eu alcanço, puxo minha gola para baixo, expondo a carne
marcada. Deixe-a ver o que fez comigo. Deixe-a ver quantas cicatrizes ganhei
tentando queimar a marca e a posse que ela deixou em mim. — Foi uma
punição? Você fez isso sabendo que me deixaria sofrendo em agonia pelo
resto da vida?
— Nem todo mundo é como você, Valerian, fazendo movimentos calculados
para arruinar vidas inocentes. — Não há rancor ou raiva em sua voz, como se
ela não se importasse em gastar suas emoções comigo. — Eu não voltei por
isso, no entanto. — Seus olhos caem sobre o menino, cuja fixação agora está
na festa abaixo, seus bracinhos em volta do pescoço dela. — Eu estou aqui
por causa dele.
E eu permito que eu o observe pela primeira vez. Ele tem cachos prateados
loiros como a mãe, e por baixo deles estão as pontas das orelhas que o
marcam como um dos nossos, se as presas já não fossem suficientes. Eu sei a
resposta, mas minha mente se recusa a compreendê-la ainda, tanto que me
vejo perguntando: — Ele é meu?
Oleia inclina a cabeça com uma graça casual. — Vejo que os últimos dois
anos foram duros com você, prejudicando sua visão. — Ela o levanta e ele
balbucia suavemente enquanto ela acaricia seu queixo e o empurra
levemente, para que eu possa ver seu rosto por completo. — Viu? Ele até tem
o seu nariz bonito.
Não é uma mentira, mas isso não torna a verdade mais fácil de suportar. —
Isso não tem graça, Oleia.
Uma emoção cruza seus olhos, muito rápida para ser lida, e desaparece antes
que eu possa entendê-la. — O nome dele é Azrael. — Ela espera por uma
eternidade antes de acrescentar: — Mikhail Ivashkov.
Engasgo-me ao respirar. Ela deu a ele meu segundo e último nome. As
emoções queimam meu olhar, e é um esforço respirar com o gelo em meus
pulmões. Dois anos inteiros. Eu perdi tudo isso. Seu primeiro sorriso, seus
primeiros passos, o som de sua primeira palavra— todos esses momentos
roubados que nunca poderei recuperar. Abro a boca para falar, mas ela ergue
uma mão, calando-me. — Mas nem pense por um segundo que isso lhe dá
direito sobre ele. Azrael é meu, tanto quanto é de Darian.
Isso… é demais. A pressão sob minha pele pedindo uma liberação daquele
poder sombrio e sobrenatural. Em um momento, eu era um homem
amargurado sofrendo pela ex-esposa que me deixou por um simples guarda.
No seguinte, eu era o pai do menino mais lindo que meus olhos já haviam
visto. E, em menos de um segundo, descubro que meu direito sobre a criança
é apenas no papel, e minha esposa achou por bem reivindicar meu filho como
dela e de seu amante.
Um rosnado escapa de mim, ecoando pelas paredes, e um grito agudo surge
da criança. — Diga-me, esposa, o meu chama *aquele lobinho* de pai?
Seus lábios se curvam levemente com raiva, mas ela consegue mantê-la fora
da voz ao dizer: — Ainda não. Mas em breve. — E, pela primeira vez,
percebo o anel na mão que acaricia as costas do nosso filho. — Darian e eu
nos casaremos em breve.
O chão parece desaparecer sob meus pés. — E a guarda?
— Seja grato por eu permitir que você o veja — ela rosnou com fúria, dando
um passo para trás, mas eu agarrei seu pulso mais rápido do que poderia
pensar.
— Dois anos, Oleia! Você foi embora sem dizer uma palavra! Escondeu meu
filho de mim! Diga-me o que mudou agora. Por que agora? Por que se
importar de qualquer jeito?!
Ela arranca o pulso de minha mão como se meu toque queimasse e ela o
odiasse. — Você mal pode culpar minhas escolhas, quando tudo o que fez foi
tirar e tirar de mim. Você me viu definhar dia após dia, e tudo o que
importava para você era um herdeiro, copular, fazer o que seu pai queria. Às
vezes, eu me perguntava se você me desprezava. Eu tentei, eu tentei pra
caralho, e toda vez havia algo novo para me derrubar. Você nunca explicou,
nunca me considerou relevante o suficiente para me dar algo além de miséria
absoluta, e ainda assim eu tentei. Eu — ela aponta para si mesma, mostrando
os dentes em um sorriso vicioso. — Eu ignorei sua rejeição constante, a
humilhação, o ódio e nojo que via em seus olhos. Achei que poderia derretê-
lo. Criamos vida juntos, e duas vezes eu quase morri por você. E o que você
me deu? Traição.
Seus olhos brilham com anos de raiva, e eu me encolho enquanto ela
continua furiosa. — Dar à luz não foi fácil. Sangrei até quase morrer. Pensei
que morreria— eu estava morrendo. E naquele momento, pensei em você.
Pensei se teria sido diferente se você estivesse lá. Imaginei se você teria
segurado minha mão, como Darian fez, ou qual seria sua decisão quando o
médico disse que era minha vida ou a de Azrael.
Ela dá um passo adiante, o cheiro de angústia e ira turvando meus sentidos.
— Você e eu sabemos que você nunca teria escolhido a mim. Talvez uma
pequena parte de você tivesse, mas nem eu sou importante o suficiente para
sacrificar um herdeiro precioso. Seu pai teria dado a ordem, e eu estaria
morta. — Um meio sorriso levanta o canto de sua boca. — A escolha ficou
bem fácil depois disso. Ter Azrael arrancado de meu ventre, vivenciar o
milagre dele viver… ainda assim, eu sabia que o manteria longe de você,
longe dessa vida, ou morreria tentando.
Oleia inspira profundamente, contendo-se, e quando fala novamente, é com a
voz e a aura de… uma rainha. — Saiba que a única razão pela qual estou aqui
é porque não me restou escolha. Azrael está em transição. Me disseram que
Horace é o único médico experiente o suficiente para guiar uma criança
híbrida por esse processo —
— E depois que tudo estiver feito, você vai embora de novo, levando-o para
sabe-se lá onde e nunca mais voltar? — Estou me descontrolando, rápido
demais para parar, e talvez seja o medo e o pânico de perdê-la novamente que
afiam aquela parte antiga e congelada dentro de mim, fazendo-me focar. Mas
quando ela diz — Sim — , no tom mais frio e desalmado que já ouvi dela, eu
inspiro profundamente e deixo isso assumir o controle.
— Você deve entender, Oleia, que não posso deixar que isso aconteça.
Ela me encara. — Você não pode me manter aqui contra a minha vontade.
— Não — digo, forçando um ar de indiferença na minha voz. — Mas posso
decidir se desejo oferecer minha ajuda ao seu filho.
Seus olhos avelã escurecem e eu me odeio por seguir por esse caminho. Mas
sei que não adiantaria implorar, me humilhar ou tentar convencê-la com
palavras doces a ficar. Conheço Oleia o suficiente para entender que, quando
ela toma uma decisão, dificilmente volta atrás. E aquele anel no dedo dela diz
mais do que o suficiente sobre o meu lugar na vida dela agora.
— A transição vai matá-lo se ele não receber ajuda logo. Você não se importa
se... se... — Há uma pequena fissura na voz dela, e eu sei que a tenho, por
mais cruel que isso seja.
— Esse é o seu problema e do Darian agora, já que ele só é meu no nome. —
Dou um tapinha no ombro dela. — Tenho certeza de que você vai descobrir,
eventualmente.
Me pare, penso enquanto passo por ela, me aproximando do arco.
Sem surpresas, ela o faz.
Ouço, mais do que vejo, ela se virar. — Valerian. — Uma pausa breve. —
Por favor.
Olhando por cima do ombro, capto um vislumbre do desespero nos olhos
dela. E um ódio tão profundo. Não importa o que eu faça; ela sempre me verá
como o vilão. Não parece um lugar tão terrível para estar, se isso a impedir de
sair da minha vida novamente e se casar com algum idiota. Então, deixo a
máscara deslizar no lugar, uma que ela já viu muitas vezes. O príncipe cruel.
O bastardo egoísta. — Diga-me, Oleia, você está disposta a fazer o que eu
mandar para salvar a vida dele?
Seus dedos se fecham em punhos, e eu diria que 'disposta' é um exagero. Ela
parece que, se tivesse a chance, arrancaria minha garganta. Pelo menos, ela
ainda sente algo por mim. Significa que tenho uma chance. Uma chance de
nos salvar, uma chance de reacender aqueles sentimentos. Dizem que há uma
linha tênue entre o amor e o ódio. Estou disposto a ver o quão tênue ela é.
— O que você quer de mim?
Eu sorrio. — Muitas coisas, Oleia — murmuro, passando os olhos pelas suas
curvas exasperantes de uma forma que sei que a irrita, antes de encontrar o
olhar dela novamente. — Mas, por agora, vamos nos ater a uma. Volte para
casa.
— Não — ela sibila quase imediatamente. — Mesmo agora, mesmo depois
de tudo, a minha vida ainda é uma piada para você. Aquele lugar nunca foi
meu lar.
Arqueio uma sobrancelha divertida. — Então você não deve estar muito
desesperada, zvezdochka.
— Eu vou me casar — ela rosna, como se isso fosse resposta suficiente.
Normalmente seria, mas nunca houve nada de normal no meu relacionamento
com Oleia.
Minhas mãos se enfiam nos bolsos. — Ainda somos casados, então
tecnicamente não seria considerado traição, se é isso que te preocupa. Mas se
isso te incomoda tanto — eu lhe dou um sorriso encantador. — Podemos
manter isso em segredo.
Oleia se enche de irritação e xinga em... em italiano... enquanto passa por
mim, saindo furiosa da sacada. Ela me chamou de porco no cio. Eu mereço,
mas isso não me impede de segurar os corrimãos e desmoronar sozinho, na
suave escuridão, com apenas as estrelas testemunhando a única lágrima que
escorre pelo meu rosto pelo que eu perdi.
C A P ÍT U L O 2 2
OLEIA
em sei por que me dei ao trabalho. Sabia que não seria fácil convencer
N Valerian a me ajudar, mas nunca pensei que ele fosse tão egoísta. Ele
teve a audácia de pedir que eu o aquecesse na cama antes de me ajudar
— ajudar nosso filho. Acho que fui a única que mudou.
Ao sair da varanda, fui recebida por... bem, todo mundo. Todos queriam
respostas. Minhas irmãs não conseguiam decidir se estavam furiosas comigo
ou se queriam uma chance de carregar Azrael. Até a Chefe de Redação da
People's Magazine queria uma entrevista, mas recusei educadamente e disse
que não estava aqui para ficar. E então, ela perguntou onde eu estava, e não
fui muito gentil ao dizer que não era da conta dela.
— Você só nos trouxe desgraça, arrastando nossa família para a lama com
suas aventuras — o Pai rosnou, suas narinas dilatadas de desgosto ao fixar o
olhar no anel de diamante em meu dedo. — O que é isso?
Eu piscei. — Parece o quê, Pai? Darian e eu estamos noivos e vamos nos
casar em um mês.
Era uma mentira bem elaborada, algo que Darian e eu decidimos ontem. Era
a maior proteção que ele podia oferecer a mim e a Azrael, um senso de
pertencimento em um mundo que me condenaria por ser uma mãe solteira
que fugiu de casa com outro homem.
Uma raiva gelada desceu pela minha coluna, e uma aura punitiva consumiu o
ar que eu respirava. — Você não fará nada disso.
Eu ri, embora o som fosse tenso pela raiva. — Não me lembro de ter pedido
sua permissão, Sua Majestade. Minha decisão de deixar tudo para trás inclui
meu lugar em sua casa. Não quero nada com um homem que vende suas
filhas ao melhor lance por um pouquinho de poder. Não vou mais servi-lo
nem fazer sua vontade.
Garras arranharam o aço, e eu me esforcei para não estremecer com o som.
— Você deseja viver o resto de seus dias sendo Luna? Quando poderia ter o
mundo a seus pés? Sabia que você era ingênua, mas nunca imaginei que fosse
uma tola.
Azrael gritou de alegria em algum lugar atrás de mim, e minhas irmãs riram,
fazendo carícias e mimando-o. Sabia que os convidados ao redor pensavam a
mesma coisa enquanto observavam com uma mistura de admiração, inveja e
medo. O primeiro filho vampiro em décadas. O primeiro híbrido em...
sempre. Estou começando a me perguntar se trazê-lo aqui foi um erro.
— Não, Pai. Desejo viver o resto da minha vida muito, muito longa feliz, não
confinada às gaiolas de um castelo como uma mera égua reprodutora.
Também não desejo morrer, sem notoriedade, por esse propósito. Você não
entenderia isso, no entanto. — Minha voz estava carregada de gelo. — É fácil
julgar e atirar pedras quando você não mora em um castelo de vidro.
— Cuide da sua língua, criança. — Um aviso dito tão suavemente que eu o
ouço pelo que é. E o levo a sério. O temperamento do meu pai era e sempre
foi algo bastante assustador. Seu olhar desvia-se para trás de mim, e eu sei
que ele está encarando Azrael pelo franzir que se forma ao redor dos seus
olhos. — Pelo menos, você fez uma coisa certa.
Engulo meu orgulho, minha raiva, e digo: — Ele está doente.
Meu pai inclina a cabeça enquanto eu repasso os mesmos detalhes que dei a
Valerian. Talvez... apenas talvez ele pudesse me ajudar. Reis costumavam
fazer favores uns aos outros, trocando pedidos reais que eram frequentemente
aprovados.
Olhos verdes e frios se estreitam. — Presumo que seja por isso que você
pediu uma audiência com o príncipe. E qual foi a resposta dele?
Não olho diretamente para ele enquanto murmuro: — Ele quer que eu...
aqueça a sua cama.
Uma risada pesada e divertida me recebe, e o constrangimento queima
minhas bochechas. Observo com humilhação enquanto meu pai ri na minha
cara e diz: — Então é melhor você começar logo, não é? Certamente, você
deve saber que quaisquer favores que vieram com seu casamento morreram
quando você fugiu. Nossa relação é... tênue na melhor das hipóteses. Além
disso, Valerian pessoalmente supervisiona os pedidos. Ele decide se são
importantes o suficiente para serem encaminhados a Marcus, e na maioria
dos dias, ele os aprova sozinho.
Então, de qualquer forma, estou f-o-d-i-d-a. Presa. Encurralada.
Eu odeio meu marido.
— Não pode haver apenas um médico vampiro tão antigo quanto Horace no
mundo inteiro. Tentei procurar, mas meus recursos não são de forma alguma
tão vastos quanto os seus. Se você pudesse apenas...
Um grunhido. — Você estaria melhor tentando se seduzir de volta para as
boas graças do seu marido do que me convencendo a ajudá-la. Você não quer
ser relacionada a mim, lembra? Não posso ser associado a uma filha que
carrega a marca da infidelidade e do desprezo. Se quer minha ajuda e
influência, volte para o seu marido e implore por seu perdão. Conserte o
relacionamento que você quebrou e jogue aquela coisa horrível fora. Nós dois
sabemos que você é uma péssima mentirosa. — Ele franze a testa para o anel
novamente.
Risque Valerian. Eu odeio mais o meu pai. Por que diabos ele parece o
Valerian? Por que continuo encontrando obstáculos a cada passo? Por que a
resposta gira em torno de voltar para Valerian e ser sua prostituta? O que há
de errado com a minha vida?
— É por isso que eu fui embora e teria ficado contente em permanecer
escondida pelo resto da minha vida. Para você, eu sempre serei uma
mercadoria a ser vendida sempre que e onde for. E mesmo agora, você não
tem utilidade para mim.
Afasto-me furiosa, juntando-me a Darian onde ele está com alguns Alfas.
Kieran me lança um olhar preocupado, e eu retribuo com um meio sorriso ao
marido da minha irmã. Astrid deve ter contado tudo a ele. Ele também deve
estar se perguntando por que voltei. Nem eu sei por que voltei. Foi tudo em
vão.
Os dedos de Darian encontram os meus brevemente, e ele levanta uma
sobrancelha em questionamento.
— Ele recusou — sussurro quando seus companheiros encontram o entorno
mais interessante do que nós. — Ele não vai ajudar porque está bravo.
Compreensão e tristeza carregam-se nas suas profundezas cinzentas. —
Nenhuma condição?
— Nada sensato — resmungo, não disposta a compartilhar os detalhes da
minha conversa chocante com Valerian, mais porque sei que incomodaria
Darian se ele soubesse o que Valerian estava pedindo, e, conhecendo-o, ele
me diria que entenderia se eu escolhesse aceitar.
Sei que ele entenderia, mas não vou machucá-lo dessa forma. Fiz uma
promessa a mim mesma, e estou disposta a cumpri-la. O capítulo com
Valerian está encerrado. Para sempre.
Eu odeio o universo.
Até certo ponto, eu desprezava a deusa da lua por me testar constantemente.
Escolhemos ficar na casa da alcateia do pai de Darian, a que ele mal
conseguiu recuperar, e mal havíamos passado a noite quando ela voltou. A
recaída.
Foi repentino. Um momento ele estava dormindo entre Darian e eu, e no
seguinte, ele gritava. E engasgava com a própria respiração.
Darian pegou as chaves do carro antes mesmo que eu pedisse, e, de alguma
forma, ele sabia, da mesma forma que sempre está sintonizado com meus
sentimentos, ele sabia que deveríamos vir aqui. Para o castelo.
Seguro um Azrael chorando contra meu peito enquanto espero que o
sentinela volte. Minha garganta apertada de desespero e os olhos úmidos de
medo, espero, mal conseguindo pensar ou funcionar. — Sinto muito —
sussurro, balançando os braços para frente e para trás enquanto Azrael se
contorce, chorando, o rosto avermelhado, os dedinhos apertados firmemente
ao redor do meu indicador. — Eu sinto muito.
Passos ecoam pelo corredor, e eu me viro a tempo de ver Valerian entrar na
sala de recepção, suas roupas negras varrendo o chão atrás dele. Seus passos
hesitam ao ver o terror nos meus olhos e a criança chorando, e eu só consigo
formar uma palavra. — Por favor.
Olhos negros buscam os meus por apenas um instante, e então Valerian cruza
o quarto, tirando Azrael dos meus braços. Quase imediatamente, o som de
engasgo diminui e Azrael se acalma enquanto Valerian o observa. O maxilar
de Valerian se tensiona e ele diz, com a voz rouca: — Ele vai ficar bem. — E
eu aceno, enxugando as lágrimas sob os meus olhos.
Posso chamar de tolice ou ingenuidade, mas eu confio nele.
Espero por minutos, andando de um lado para o outro no quarto, e nem
mesmo os comentários tranquilizadores de Darian conseguem me acalmar.
Ele está mais quieto esta noite, observando atentamente, e eu sei que isso é
difícil para ele, estar aqui, ter que confiar Azrael, o garoto que ele cuida como
um filho, nas mãos de Valerian, mas ele não diz nada sobre isso, sua
preocupação e cuidado superando seus sentimentos pessoais no assunto.
Demora um longo momento até que Valerian volte, durante o qual tento ir
procurá-lo, mas os sentinelas do lado de fora não nos deixam sair da sala de
recepção. Ordens do príncipe.
— Horace diz que o garoto vai ficar bem — ele diz, com a voz tingida de
tédio. — Você pode voltar amanhã para uma visita.
A pressão no meu peito diminui. — Nós vamos ficar —
— Você não está em posição de fazer exigências, Oleia. Minha ajuda não
vem de graça. A transição durará dois meses inteiros. O garoto ficará aqui,
sob observação cuidadosa e recebendo o melhor cuidado médico. Do meu
ponto de vista, cumpri minha parte do acordo. Você conhece minhas
condições. Fique a noite, se quiser, mas pela manhã, você decide se as aceita
ou vai embora.
Minha boca seca. — Ir embora?
Um sorriso completo que o torna terrivelmente bonito surge em seus lábios
cheios e perversos. — Eu não tenho obrigação de entregar meu filho para a
mulher que o roubou de mim em primeiro lugar.
Encurralada. O ar sai dos meus pulmões. — Você não pode fazer isso.
Ele inclina a cabeça em direção aos homens corpulentos de guarda. Uma
palavra dele e serei expulsa, perdendo Azrael também. — Não posso?
Darian previu isso, e eu não o detenho quando ele fica entre Valerian e eu,
caninos afiados à mostra. — Você é um tipo especial de canalha, não é?
Usando uma criança doente para seu benefício. Você pode ter os recursos
para salvar Azrael, mas não confunda isso com impotência. Se você quiser
ficar com o garoto sem o consentimento de seu único parente legal, terá que
levar isso ao tribunal, não apenas com Oleia, mas terá que lidar comigo
também.
Valerian solta uma risada suave e obscura. — E você acha que é uma batalha
que pode vencer?
Não. Não, não é.
Dou um passo à frente antes que Darian nos jogue em um buraco mais fundo.
Já vi essas coisas acontecerem. Ir ao tribunal pela custódia contra um homem
que colocou o juiz atual em seu cargo era uma jogada estúpida. Eu acabaria
sem Azrael e possivelmente me veria enfrentando acusações de sequestro
parental por esconder a existência de Azrael de Valerian, apesar de saber o
quão importantes são os herdeiros, ou, pior ainda, se o rei Marcus estivesse se
sentindo particularmente vingativo, ele poderia me acusar de negligência
médica, por me recusar a buscar ajuda de Valerian, mesmo que a saúde de
Azrael tivesse se deteriorado. Eu nunca mais veria Azrael.
Esta não é uma luta que eu possa vencer, e Valerian sabe muito bem disso,
brincando conosco e nos encurralando em mais uma armadilha perfeitamente
executada. Eu aprecio o esforço de Darian, mas ele não sabe o quão cruel
Valerian pode ser quando deseja algo.
— Tudo bem.
Ambos os homens se viram para mim, mas não consigo suportar olhar para o
rosto de Darian enquanto encaro meu ex-marido e sussurro: — Eu farei isso.
— Oleia — Darian começa, mas eu avaliei todas as opções desde que
encontrei Valerian ontem à noite, e isso era inevitável. Lágrimas ardem em
meus olhos e a amargura arranha minha garganta ao ver o olhar presunçoso
no rosto de Valerian. Tivemos relações muitas vezes durante nosso
casamento. Quando eu estava a fim, quando estava com raiva dele, quando o
desprezava. Desta vez, eu estaria fazendo isso por Azrael, porque
simplesmente não tenho outra escolha.
Eu gostaria de poder explicar para Darian, explicar por que eu tenho que
ceder, mas acho que não tenho forças para isso esta noite. Não com o que
estou prestes a fazer. Então, eu olho para ele e forço um sorriso. — Confie
em mim.
Sua resposta brilha em seus olhos, que traem sua postura calma e controlada.
Não é você em quem eu não confio. — Eu vou te buscar pela manhã. Sem
perguntas. Sem raiva. Apenas uma compreensão profunda e infinita, e eu me
pergunto novamente esta noite o que eu fiz para merecer tamanha lealdade.
Eu aceno com a cabeça e Darian segura meu rosto, acariciando levemente
com o polegar. Não sei por que, mas meu olhar se volta para Valerian e vejo
suas narinas se contraírem suavemente no mesmo momento em que Darian
deixa um beijo no topo da minha cabeça e uma luz perigosa afia o olhar dele.
— A qualquer momento, Oleia — ele sussurra como o diabo pousado no meu
ombro esquerdo, enviando calafrios nostálgicos pela minha espinha.
Eu observo as costas tensas de Darian enquanto ele se afasta e quase dou um
pulo ao sentir o hálito que faz cócegas no meu ouvido. — Você não contou a
ele, não é? Minhas condições.
Meus ombros se enrijecem e eu me viro para encontrar os olhos dele
percorrendo minha figura, vestindo meu pijama ridiculamente grande que só
se ajusta à minha pele nos quadris. — Você é nojento.
Ele dá uma risada e seu ombro passa pelo meu enquanto ele sai do grande
salão. — Vamos.
Tudo parece intocado, de alguma forma. Os pisos polidos dos corredores, as
paredes cinza de pedra com peças de arte de bom gosto e retratos dos reis que
existiam antes de eu nascer, estátuas de gárgulas que uma vez chamaram
minha atenção quando eu havia visitado o castelo, buscando saber mais sobre
a casa de Valerian. Subimos as escadas até o mezanino e noto a falta de...
presença. Como se ouvisse meus pensamentos, Valerian diz: — As
festividades foram reduzidas. Razões de segurança.
Talvez seja o leve tremor de seus dedos entrelaçados atrás das costas, mas eu
sinto a mentira no meu estômago, assim como a leve atração que tenho
tentado ignorar desde que pus os pés na Romênia. Tinha algo a ver comigo,
mas mal consigo me importar.
— Então... Veneza?
Eu congelo, meus olhos se arregalando levemente. Como ele descobriu isso
em meras horas me assusta profundamente. Quando não respondo, ele
continua: — Chefe de RH, Sanna Holdings. Caroline Davenport. — Uma
risada encantada. — Uma carta de recomendação de Simon Lochan, marido
de Alice Lochan.
Meu coração acelera e meus pés arranham o chão enquanto ele para em frente
a um quarto familiar. Valerian se vira lentamente, seus olhos negros me
devorando. — Não fazia sentido. Não até eu me lembrar de uma conversa em
particular com Lyra...
— Ela não teve nada a ver com isso...
— Por quanto tempo vocês duas conspiraram e fizeram esses planos às
minhas costas? — Seus olhos se enrugam e a ira os torna de um tom peculiar
de rubi. — Você gostou de me fazer de bobo?
No fundo, algo quente e irritado desperta. — Você não tem o direito de me
perguntar isso, ou de me pintar de uma forma negativa. Eu não devo
satisfações a você. Eu fiz uma escolha e não me arrependo de te deixar. Se
você acha que tentar me fazer sentir culpa vai mudar o que eu sinto por você,
está muito enganado. Você quer que eu aqueça sua cama para retribuir o
favor? Vamos acabar logo com isso, marido. Não temos a noite toda.
Valerian me encara.
Por muito tempo, aqueles olhos me fitam e, a cada segundo que passa, parece
que as paredes ao nosso redor se fecham sobre mim, as luzes ficam cada vez
mais fracas. Leva um momento para eu perceber a aura sombria que escapa
dele.
E então ele se move, e eu fico tão atordoada que não consigo reagir quando
sinto o frescor de dedos suaves tocarem meu pescoço e sua boca quente roçar
a minha.
Todas as luzes se apagam. O mundo para, consumido inteiramente pelo
homem à minha frente. Ou talvez eu seja eu que estou sendo consumida por
ele. Dedos se apertam contra meu pulso acelerado, puxando-me para mais
perto, e um rosnado tão profundo e gutural ecoa em sua garganta que soa
completamente diferente do homem refinado que Valerian finge ser.
Não o beijo de volta. Só porque sou forçada a fazer isso não significa que
tenho que facilitar para ele.
O desgraçado me morde.
Presas afundam em meu lábio inferior e sinto o gosto do meu sangue em seus
dentes. Abro os lábios para gritar que ele se afaste de mim, mas ele engole o
som com uma profunda passada de sua língua no céu da minha boca.
Minhas mãos se levantam e eu o empurro. Forte.
Ele nem se move, agarrando ambos os meus pulsos em menos de um
segundo, prendendo-os em uma mão com uma força que deixa marcas. Bato
meu joelho para cima, acertando o ponto entre suas pernas, mas minha rótula
encontra o músculo duro de sua coxa e o mundo gira ao meu redor. Minhas
costas batem contra a porta.
Valerian encaixa seu joelho entre minhas coxas e eu suspiro quando ele o
empurra para cima, pressionando-o forte contra meu calor. Tão quente... sua
pele parece uma chama viva e —
Ele desvia o olhar do meu e as emoções que encontro lá enfraquecem meus
joelhos. — Nós nunca vamos terminar um com o outro. — Não é uma
ameaça. É uma promessa.
— Conte isso a si mesmo, se isso curar seu ego estúpido, — rosno, e ele
aperta a garganta com mais força, expondo longas presas perigosamente
próximas do meu pulso. Uma só mordida e eu estaria morta ou dele. Uma
lágrima traiçoeira e furiosa escorre pela minha bochecha diante da minha
impotência. Dois anos e ainda era tão fácil irritar-me e me encurralar assim.
Me prender assim.
Os olhos de Valerian se estreitam sobre a única lágrima, observando-a rolar
pela minha bochecha, e quando ela chega ao canto da minha boca, ele se
inclina e a lambe. — Decidi mudar os termos do nosso acordo. Tive muito
tempo para pensar em como vou arruinar você pelo que fez comigo, e
pretendo saborear isso pelo tempo que puder. — Seu nariz pressiona meu
pescoço, afagando. — Não quero você por uma noite, Oleia. Isso não é nem
de longe suficiente para fazê-la sentir toda a dor que você me causou. Você
vai se mudar de volta para cá durante toda a transição. Quando você sair
amanhã, será para pegar o resto das suas coisas. Se você fugir de novo, Lyra
encontrará coisas interessantes e famintas que guardamos debaixo de nossas
masmorras.
Um — Não— desesperado paira na minha língua, mas ele ainda não
terminou. — Certamente, dois meses não são nada comparados à vida do seu
filho.
Um soluço ameaça escapar de meus lábios enquanto seus dedos se achatam
sobre os meus, acariciando o anel de Darian em meu dedo, e eu digo com
toda a profundidade do meu ser: — Eu te odeio.
Ele beija meu pescoço e ronrona: — Que bom, porque então você vai pensar
em mim com frequência.
Valerian me deixa na porta do meu antigo quarto, tremendo e incapaz de
impedir que as lágrimas caiam.
C A P ÍT U L O 2 3
OLEIA
alerian não estava blefando.
V Recebo uma ligação na manhã seguinte e um e-mail sobre uma
transferência da Sanna Holdings para sua filial na Romênia. Rapidamente,
um verdadeiro séquito de guardas é posicionado fora da minha porta e
janelas.
A noite havia passado rapidamente, deixando-me desolada. Incapaz de
pensar, dormir ou forçar meu corpo a descansar. Eu não conseguia aceitar o
fato de que, após dois anos fugindo, estou de volta aqui. Tudo isso foi em vão
— não. Não foi em vão. Foi por Azrael. Eu não era mais a mesma mulher que
fugiu dois anos atrás.
Estava encurralada, é verdade, mas não era fraca. Nem inútil.
Esse pensamento, sozinho, me impulsiona durante toda a manhã, preparando-
me para enfrentar meus ex-sogros novamente. Ou não. Eu não precisava
fingir ser parte daquela família. Nunca fui e nunca seria.
Opto pelo vestido mais simples e menos complicado que consigo encontrar.
Foi uma surpresa encontrar o quarto intocado, como se alguém tivesse se
esforçado para garantir que tudo estivesse intacto. Como se estivessem
esperando que eu voltasse. Minha cama estava — está encharcada com o
cheiro de Valerian, o suficiente para me fazer questionar se ele passava as
noites aqui.
Minhas suspeitas foram confirmadas quando tentei pegar um livro na
prateleira e uma cópia de Dante caiu — junto com... cartas. Sentei na cama,
olhando cada rabisco furioso, e não sabia o que sentir. Não havia datas de
entrada, mas eu podia dizer a idade de cada carta pela frescura do cheiro de
Valerian.
Não havia nada de romântico em suas palavras.
Apenas raiva. Agonia. Ódio. E, às vezes, uma tristeza esmagadora. E eu
fechei o livro tão rápido, porque não era da minha conta ler os sentimentos do
meu ex em uma página.
Ainda assim, aquilo me perturbou tão profundamente que, horas depois, eu
ainda não conseguia tirar aquele parágrafo da cabeça:
Achei que poderia odiá-la por isso, pelo jeito que você se arrancou da minha
vida, mas tudo o que encontro é saudade. Sinto sua falta tão intensamente
que é uma dor que tira meu fôlego. Quão cruel é que o coração não aprende
a parar de bater por alguém que não quer mais ouvi-lo.
Ele tinha que saber que eu as encontraria. Ele está jogando comigo de novo,
mexendo com a minha cabeça porque se recusa a aceitar que acabou.
Um som de alegria me tira dos meus pensamentos enquanto me dirijo
desajeitadamente para o salão. — Olenka!
Ah, pelo amor da deusa.
Zephyr, a tia de Valerian, sorri calorosamente enquanto caminha rapidamente
até onde estou, me puxando para um abraço apertado. Seu sotaque russo é
espesso quando ela diz, beijando ambas as minhas bochechas: — Eu sabia
que você voltaria a si, querida. — Seus olhos são tão calorosos quanto eu me
lembro, intocados por seja lá o que transforma vampiros em monstros. — Ele
é um garoto tão lindo, Olenka. Obrigada por trazê-lo de volta para casa.
A culpa me atinge forte e verdadeira, e eu me solto do abraço dela,
enterrando-a. Não tenho nada para me desculpar, nada para me sentir
culpada. Fico surpresa ao encontrar minha voz firme e carregada de frieza
quando digo: — Eu não vou ficar, e este não é o lar de Azrael.
Os olhos de Zephyr se fecham. — Eu também fugi. Uma vez.
O surpresa abre meus olhos.
— Marcus... ele nos criou quando perdemos nossos pais para os caçadores.
Todos os oito de nós. Ele nos protegeu, mesmo quando nosso sangue real era
tudo o que tínhamos, nossa herança em ruínas. E mesmo quando perdemos
nossas irmãs e irmãos para o seu tipo, ele não teve um momento de luto,
assumindo facilmente o papel de pai, irmão e rei. É por isso que, quando ele
ordenou meu casamento com Dimitri por força e alianças mais fortes, eu
confiei nele. Porque ele sempre soube o que era melhor para nós. — Seus
olhos estão distantes, presos em uma memória de séculos atrás. — Mas meu
casamento com Dimitri não foi nada como eu esperava. Eu tinha 26 anos e
ele tinha mais de meio milênio para dominar o seu...
Ela balança a cabeça, parando para me olhar com olhos desolados. — Eu não
te culpo por fugir ou por proteger seu filho deles. Eu levei Adrian comigo
para preservar sua inocência e salvá-lo da crueldade do pai. Mas... eu criei
Valerian, e acredite em mim quando digo que ele não é nada como o pai ou o
tio. Sempre houve bondade nele, nada do que ele gosta de aceitar por medo
de revelar suas fraquezas, mas eu conheci muitos homens bons na minha
longa vida e, para um homem que cresceu nas circunstâncias em que Valerian
cresceu, ele pode muito bem ser o melhor de todos. Um dia, você verá isso.
Se você ficar por tempo suficiente, se der uma chance a ele. Dê uma chance
ao seu casamento.
— Eu já dei várias chances. Não é minha responsabilidade ficar esperando
por um adulto decidir qual é o melhor momento para mudar. Ou me amar
como eu mereço ser amada. Eu encontrei isso em outro lugar e não tenho
planos de arriscar meu futuro por alguns momentos de cuidado e uma
eternidade de crueldade egoísta. Quaisquer que sejam as razões que você teve
para ficar, espero que tenham valido a pena.
Zephyr acena com a cabeça, mas um sorriso se abre em seus lábios. — Você
saiu daqui como uma loba e voltou com a língua bifurcada de um dragão.
Ela me deixa então, indo em direção ao salão de café da manhã, e eu de
repente não tenho forças nesta manhã para enfrentar qualquer um deles ou
quaisquer comentários sarcásticos que possam ter para mim. Especialmente
não quando meu celular toca e vejo que é Darian.
A viagem até a casa do bando é silenciosa e tensa, e passar pela conversa
pendente várias vezes na minha cabeça não me deixa menos nervosa sobre
onde isso pode levar. E assustada.
Os olhos claros de Darian permanecem na estrada, mas seus dedos estão
apertados no volante, os nós dos dedos brancos.
— Me diga — ele diz, quando continuo a dar olhares para ele.
Meu peito aperta e eu olho para o meu colo, brincando com a barra do meu
velho suéter. — Ele quer que eu volte a morar lá. Durante a transição.
— Ontem à noite...
— Nada aconteceu — digo rapidamente, minha voz muito tensa para essa
resposta. Quando ele me lança um olhar duro e conhecedor, seus olhos
caindo na minha boca e percorrendo o comprimento do meu pescoço como se
ele pudesse dizer exatamente onde os lábios de Valerian estiveram, eu cerro
os punhos. — Ele me beijou, mas não significou nada. Eu prometo.
Seus olhos endurecem. — Você é uma péssima mentirosa, Olly. Silêncio, e
então, — Suponho que você já concordou.
— O quê? Não. Eu queria conversar com você sobre isso primeiro.
— E se eu dissesse que não estou de acordo, você não me veria como egoísta
e controlador?
Eu o olho, observando as olheiras sob seus olhos, o cansaço gravado em suas
feições, e balanço a cabeça. — Não, Dar. Como eu poderia? Eu entendo o
quanto tudo isso é difícil para você. Se você fosse realmente egoísta e
controlador, nunca teria me deixado ir para a Romênia, muito menos teria
vindo comigo.
Seus dedos batem no volante. — Ele falou sobre seus termos ontem à noite.
O que ele pediu especificamente de você?
Meu coração falha. Eu não pensei que ele perguntaria, não tinha considerado
esse ângulo da conversa, não sei como dizer a ele o que Valerian me pediu.
Eu respiro fundo, ponderando. — Eu mesma não tenho certeza. Tudo o que
ele disse foi 'volte para casa'.
Não era exatamente a verdade, mas era uma verdade, a única inofensiva que
eu poderia oferecer a ele, e concentro minha respiração para me acalmar e
meu cheiro para permanecer inalterado, caso ele perceba a mentira.
— Eu não quero você naquela casa com ele, Oleia. Você não pode voltar a
morar lá. Ele sabe que você está desesperada. — Seus olhos estão desolados
ao se fixarem em mim. — Ele vai continuar usando essa vantagem contra
você, até que você ceda completamente, até que você volte para aquela casa
como sua esposa e procriadora.
De repente, minha pele parece estar muito apertada, e a frustração tem gosto
de cinzas e fumaça na minha língua. — E o que você quer que eu faça? Não é
mais sobre o que eu quero. Eu tenho que fazer isso, ou a Deusa sabe o que ele
fará com Azrael ou Lyra. A menos que você tenha uma ideia melhor.
Seus lábios se apertam, e eu sei que ele pensou em todas as maneiras
possíveis de me tirar disso, de me tirar dessa situação e não encontrou
nenhuma. Estendendo a mão, coloco meus dedos sobre os dele, maiores, e
sinto a raiva nele diminuir um pouco. — Sinto muito que nosso
relacionamento não tenha sido exatamente... tranquilo. Sinto muito por ter te
colocado nessa situação. Você tem sido bom comigo e tudo o que eu te dei
foi —
— Não se atreva, Oleia, — Darian interrompe bruscamente. — Eu sabia no
que estava me metendo quando te pedi para ser minha.
— Isso não torna nada disso certo —
Ele pisa fundo no freio, forçando o carro a parar de forma abrupta, e percebo
vagamente que estamos diante dos portões altos da casa de sua matilha,
sentinelas se aglomerando ao redor. Seus olhos, no entanto, são uma fornalha
ardente repleta de agonia. — Você está terminando comigo?
— Não... não! Eu quis dizer quando disse que te queria. Eu te escolhi!
— Só porque ele não estava no cenário!
De repente, me sinto tão, tão cansada, como se estivesse presa em um
redemoinho, a força que me afoga e me arrasta está me partindo. É preciso
toda a minha força apenas para falar: — Eu entendo sua insegurança e medo.
Mas, Darian, eu não posso lidar com isso agora, não com minha vida indo por
água abaixo.
Ele começa a responder, mas eu já estou fora do carro, batendo a porta com
força.
— Eu não achava que você voltaria, — Lyra ri, levantando uma taça aos
lábios.
Eu franzo a testa, servindo outro shot para mim mesma. — Eu também não.
Eu havia saído da casa de Darian com minhas coisas e recusado sua oferta de
me dar uma carona. Eu não estava brava com ele. Apenas cansada de vê-lo
sofrendo — a dor que eu causei a ele. Eu estava começando a voltar ao
castelo quando encontrei o presente que Alice insistiu que eu desse a sua irmã
para o Solstício de Inverno.
Encontrar o apartamento dela e esvaziar sua reserva de vinho foi uma
distração bem-vinda dos meus próprios pensamentos melancólicos. Além
disso, eu não tinha nada para fazer hoje e voltar ao trabalho de mau humor
teria sido caótico.
— Ele sentiu sua falta, sabe.
Eu pisco para o borrão nas bordas da minha visão. — Duvido muito. Ele
estava apenas bravo por ter perdido sua boneca favorita. — Minhas palavras
começam a ficar arrastadas, e já perdi meu suéter, preferindo ficar de
camisola e jeans, encostada sem rumo na ilha da cozinha dela.
Lyra aponta para mim, o piercing no lábio inferior brilhando no escuro.
Aparentemente, namorar um vampiro mudou o paladar dela. Eu sabia que
algo estava diferente quando entrei no apartamento dela e encontrei uma
pintura obscena de uma vagina pendurada na parede mais longa. Ela deu a
entender que Adrian pintou aquilo.
Foi um momento constrangedor, perceber que eu estava encarando as paredes
internas da vagina de outra mulher. Da Lyra.
— Você ficaria surpresa. Sabe, por um mês inteiro, ele foi um desastre
melancólico. Ele destruiu seu quarto, só para reformá-lo e destruir de novo e
de novo. O ápice, porém, foi vê-lo mandando o pai dele se foder. — Lyra dá
uma risada. — E eu teria engasgado de tanto rir nos dias em que ele estava
tão bêbado que chamava todo mundo de Oleia — até sua tia Kathleen, se eu
não começasse a sentir pena dele.
Algo quente floresce no meu peito, e eu instantaneamente engulo mais
daquele álcool de gosto horrível diretamente do copo. O líquido balança, e eu
limpo meus lábios molhados. — Chega de falar de Valerian. Quando você e
Adrian começaram a se entender?
Um sorriso malicioso surge em seus lábios, e o prata de seu piercing se move
em sincronia com sua boca. — Eu poderia te contar, mas acho que você não
vai querer ouvir os detalhes. Isso, posso compartilhar. Nossa primeira vez foi
perto da fonte.
Meu queixo cai. — Mas isso é... isso é logo do lado de fora... bem no centro
do castelo.
Lyra dá uma risadinha, sua maquiagem dramática escura fazendo-a parecer
muito com uma sereia sombria. — Sim. Ele disse que eu era o centro do
universo dele, e eu pedi para ele provar. Não sabia que gostava de certas
práticas até então. — Um olhar de desejo surge em seus olhos, e eu engasgo
com a mudança em seu cheiro, mesmo que me sinta um pouco invejosa dela.
Da felicidade que irradia dela e torna sua casa mais quente e brilhante. Do
brilho de seu olhar que me faz querer sorrir também. Do amor que gruda em
sua voz sempre que ela fala sobre Adrian e suas preferências, embora
estranhas durante a intimidade.
Eu me pergunto se algum dia terei isso e então lembro que já tenho.
Como se tivesse ouvido meus pensamentos, Lyra levanta as sobrancelhas. —
Darian, hein? Não posso dizer que estou surpresa. Todo mundo via que ele
era louco por você.
— Menos eu, aparentemente — murmuro, franzindo a testa para o copo
vazio. — Tem sido difícil ultimamente... — Lyra escuta atentamente
enquanto eu relembro o máximo que consigo dos últimos meses, mesmo que
eu possa jurar que ela está mais bêbada do que eu.
Ela franze a testa, ergue o queixo, cruza os braços e diz — Duvido que sejam
os problemas de confiança dele falando mais alto. Já saí com vários Alfas e
eles tendem a ser territoriais. É uma característica comum. Por Deus, até
Kieran destruía algo quando um homem olhava para Astrid por muito tempo,
e o vínculo de companheiros nem tinha se formado naquela época. Eles nem
sequer se gostavam. Aos olhos de Darian, dizer sim provavelmente significa
concordar em ser dele. Total e completamente. Não tem como ele ficar de
boa com tudo isso. Ele tentar ser compreensivo já é uma conquista por si só.
Dê um tempo a ele. Ele é um cara ótimo.
Suspiro, passando uma mão pelo rosto. — Eu sei... é só que...
— Você ainda ama Valerian?
O álcool no meu estômago esquenta e eu solto um ar quente. — Eu me
convenci de que não amo. — Estendo a mão para o copo cheio dela, e ela me
deixa pegá-lo. — Não sei mais o que sinto por ele. Achei que tinha esquecido
dele e seguido em frente, mas ao vê-lo novamente, o odiei ainda mais do que
antes. Só porque não consigo parar de pensar nele. E quando Darian me
abraça, eu odeio que eu constantemente o compare a Valerian e, às vezes,
quando pego seu cabelo e o acho mais curto e suas orelhas mais redondas, eu
me perco, tentando lembrar com quem estou... e por quê...
Fungo, enxugando embaixo dos olhos.
Lyra franze a testa para mim, e eu começo a perguntar o quê quando ela diz
— Você é uma chorona muito bonita.
Eu dou uma gargalhada, o quarto balançando enquanto a tontura quase me
faz cair no balcão. As horas se confundem depois disso. Minha cabeça parece
descolada do corpo, meus pés não são mais meus. Minha camisa, meus
sapatos— onde coloquei minha bolsa? Tento me sentar no sofá, mas quando
minha cabeça balança como um barco em uma tempestade, desisto, me
aconchegando mais nas almofadas.
— Eu adoraria que você ficasse a noite, Olly, mas... rian estará aqui hoje à
noite.
Adrian, Valerian... quem está vindo? É por isso que não bebo. Mal consigo
me controlar quando bebo, ou até mesmo lembrar meu próprio nome.
Sua voz se afasta mais, dominada pelo zumbido surdo em meus ouvidos. Ela
diz algo mais, mas não consigo entender. Ela perguntou se podia ligar para
Darian? Eu disse que não? A memória escorre pelos meus dedos como areia e
eu fecho os olhos cansada.
Só para uma batida sacudir a porta após o que parecem minutos. Eu franzo a
testa com a dor na cabeça, puxando as almofadas sobre o rosto enquanto caio
mais fundo no sono.
Uma voz profunda e grave invade meus sonhos, e um calor estranho causa
formigamento dos meus pés aos dedos, e um ronronar deixa meu peito.
— ... um pouco bêbada — ouço Lyra dizer, e aquele delicioso rosnado se
transforma em uma risada divertida, muito mais perto agora.
Abro um olho. Ônix sem fundo. Brisas prateadas. É como capturar algumas
estrelas no céu em uma noite escura e negra. Pisco, franzindo a testa para
algo que me irrita no fundo da mente, como se houvesse algo errado nessa
situação, mas seus lábios se movem e eu esqueço completamente disso
enquanto meus olhos se fixam em sua boca. E então mais abaixo, em suas
roupas formais, suas mangas brancas arregaçadas e uma gravata preta
pendendo torta de seu pescoço. Ele deve ter vindo direto do trabalho.
Valerian. — Você é uma encrenca, sabia?
O riso borbulha na minha garganta. Não exatamente. É uma risada de
menina, infantil. Eu pareço o Azrael quando lhe dou bolinhos.
Meus sentidos piscam por um momento e ouço uma conversa fugaz sobre
sacolas e... coisas. E por um instante, a voz de Lyra ganha um tom mais
áspero e então...
Braços me envolvem, envolvendo meus ombros e passando por baixo do meu
joelho. Um calor que cheira a inverno, homem e perfume caro me envolve e a
pressão no meu peito diminui. Porque é um aroma que sonhei inúmeras
vezes, um aroma que anseio, que procurei até sem perceber. O cheiro de... lar.
Eu me encosto nele sem pensar, apoiando minha cabeça no sólido plano de
seu peito e eu podia jurar que a batida do coração sob meu ouvido vacila por
um segundo. Respirações quentes sopram contra minhas bochechas enquanto
aqueles braços fortes me seguram mais firme, mais perto, com cuidado, e não
consigo evitar o som de contentamento que escapa de mim.
C A P ÍT U L O 2 4
VALERIAN
ei de admitir. É uma ideia tentadora tê-la embriagada o máximo
H possível. Se isso significasse que poderíamos ter uma conversa em que
suas barreiras não ficassem entre nós e ela não me olhasse como se eu
fosse um grão de poeira sujando seus sapatos.
Se isso significasse que ela não lutaria constantemente contra o que sente por
mim e se convenceria de que me odeia, mesmo que seu corpo me diga o
contrário.
— Por que Azrael? — pergunto, virando na Royal Road.
Sua cabeça continua repousada no assento, os olhos fechados e as palavras
pesadas e arrastadas. Mas há um sorriso em cada frase, afetuoso e cheio de
amor. — Porque ele desafia as probabilidades. Porque ele estava tão
anormalmente quieto quando foi arrancado da minha barriga que pensamos
que ele estava morto. Mas ele murmurou, não fraco, não chorão, mas um
vencedor, de alguma forma, sobre a morte. Porque ele me deu força, mesmo
quando pensei que morreria. Porque ele é meu anjinho.
Uma enxurrada de emoções me invade, deslocando-me por tempo suficiente
para que as palavras saiam dos meus lábios, suaves, como uma carícia, antes
que eu possa detê-las. — Eu deveria ter estado lá.
A cabeça de Oleia balança para a esquerda, e seus olhos castanhos estão
abertos, vulneráveis e embaçados pelas mesmas emoções que ameaçam me
sufocar. — Você deveria.
Eu a encaro, mesmo enquanto o carro acelera pela longa estrada, e ela
também não desvia o olhar. Seu suéter desliza levemente de onde o havia
colocado sobre seu peito, e a pele bronzeada e impecável cora sob o peso do
meu olhar.
Bêbada.
Ela está bêbada, eu me lembro e desvio o olhar de seus seios, as mãos
tremendo no volante com a vontade de senti-los, esfregar seus mamilos entre
os dedos, saboreá-los, fodi-los. Minha ereção pulsa nas calças, incrivelmente
dura e possivelmente azul.
Puta merda.
Eu me esfolei o dia inteiro para manter minhas vontades sob controle. Eu
estive tão perto ontem à noite, tão perto de tocá-la através daquele ridículo
vestido de noite que parecia algo que uma criança usaria. Azul com fatias de
frutas e bolos estampados no tecido. Mas a bunda dela naquele vestido. Deus,
a bunda dela. Se ela soubesse os pensamentos depravados que ocuparam
minha mente no último dia sobre as coisas que eu gostaria de fazer com
aquela bunda, ela fugiria de mim de novo e nunca mais voltaria.
Afasto minha mente da sarjeta e me concentro novamente na estrada à frente.
Não era a fome de toque, por si só. Nem mesmo a luxúria. Não tinha nada a
ver com o fato de eu não ter tocado outra mulher desde que ela me deixou. Eu
nem tinha tido presença de espírito suficiente para desejar alguém ou me
sentir excitado.
É que ela está sentada ao meu lado e a marca no meu ombro pulsa, como se
soubesse que ela está ali, meu corpo reagindo como se pudesse sentir a
proximidade da mulher que tem meu corpo e minha mente em suas mãos
delicadas. É algo antigo e sombrio, que quer o cheiro de terra estrangeira de
outro homem fora de sua pele. É a parte descontrolada de mim que deseja
marcar sua pele e sua própria alma com meu cheiro, meu nome, minha
essência.
Minha visão fica turva e eu pisco rapidamente, um suor frio surgindo na
minha testa. Ainda assim, eu lutei contra isso. Mais algumas curvas e
estaremos no castelo. Então, poderei colocar o máximo de distância possível
entre nós para garantir que não acabe transando com uma mulher embriagada.
— Naquele dia — ela diz num sussurro ofegante, e o carro cheira tão
fortemente a excitação que eu abro as janelas. Não sei se é de mim ou dela.
— No seu aniversário, você pediu tempo. Por quê?
Meu sangue vai de escaldante a morno. — Mudaria alguma coisa se eu te
contasse?
Seu olhar queima na minha bochecha direita. — Talvez. Talvez não. Mas o
seu silêncio, mais do que qualquer outra coisa, foi o que nos separou em
primeiro lugar. — Ela olha de novo pela janela e eu a ouço xingar baixinho
com o movimento brusco.
Meu silêncio.
Nunca fui um homem que soube se abrir para outra pessoa além de mim
mesmo. Os únicos que me conhecem e minhas experiências tão bem quanto
eu são meu pai e meus primos. O primeiro porque me deu a marca particular
do Hel que eu vim a aprender, e os últimos porque foram criados naquela
parte do Hel comigo.
Há muito para compartilhar, décadas de histórias para contar, e eu nunca
pensei que Oleia estaria interessada em ouvi-las ou em aprender sobre mim, e
mesmo que estivesse, há memórias que não estou disposto a compartilhar, ou
deixar que alguém veja através delas. Minhas fraquezas. Minha dor. O abuso.
Meu terror. Meus medos. Estão todos entrelaçados. Uma história, uma
experiência capaz de desencadear tudo, e eu não sei se alguma vez estarei
pronto para ser tão vulnerável com alguém.
Ainda assim...
Eu poderia oferecer a ela algo mais. E talvez, com o tempo, eu aprenda a
compartilhar. Se, é claro, ela der uma chance a isso.
— Antes de você... ir embora, eu estava me reunindo com o conselho. Eu ia
disputar o trono.
A cabeça de Oleia se vira na minha direção. — Você enlouqueceu?
Disputar o trono enquanto o rei está muito vivo é um ato de traição, punível
com a morte. Mas se todos os membros do conselho concordassem, um duelo
seria acordado. Um duelo até a morte. Pelas reações de Oleia, presumo que
os lobos tenham tradições semelhantes. — Não tenho certeza... ou acho que
não conseguiria vencer meu pai, mas eu estava disposto a arriscar, odiando a
mim mesmo, meu título e o sangue que encharcava minhas mãos até as
mangas todos os dias em que obedecia a mais uma ordem. Talvez eu
realmente tenha perdido a cabeça por querer lutar até a morte, só para poder
tocá-la uma vez com as mãos limpas. Não ficar constantemente escondendo
meus sentimentos atrás de uma máscara ou ser um fantoche que nem
conseguia segurar sua esposa quando queria.
A respiração de Oleia falha. — Valerian...
Eu tremo, o som do meu nome saindo dos lábios dela assim, provocando um
ronronar daquela coisa sombria dentro de mim em suave aprovação. Eu
sacudo isso, precisando permanecer no presente e não no momento em que
me inclino para afundar meus dentes em seu pescoço. A sede enche minha
boca e me pergunto se ela sabe que, quando eu disse que ela é a melhor que
já tive, eu quis dizer isso em todos os sentidos.
Seu sangue tem um sabor como nenhum outro que já experimentei na vida.
Como fogo, sexo e euforia. Um doce, doce néctar. Ter seu sangue na minha
boca e meu pau dentro dela ao mesmo tempo quase me enlouqueceu.
Eu solto uma respiração trêmula, reprimindo meus pensamentos e a fome
voraz. — E então você foi embora. E eu perdi propósito. E razão. — Meus
planos ainda estão em andamento, é claro, mas ela não pode saber disso
ainda. Não quando as coisas estão tão voláteis. Na corte e entre nós.
Oleia engole em seco, os dedos se enrolando no colo. — O que ele fez com
você?
Encontro seu olhar inquisitivo, entendendo o que ela está perguntando. Eu
sorrio. — Vou te contar outra hora, quando você não estiver bêbada e
babando no meu couro.
Mas Oleia não está sorrindo. Seus olhos estão escuros de raiva— por mim.
Como se surpresa com sua própria reação, ela desvia o olhar de mim
bruscamente, seu cabelo prateado caindo sobre a bochecha esquerda,
escondendo seu perfil de mim.
Isso não me agrada muito.
Meus pés pressionam os freios, parando o carro na beira da estrada. As
muralhas do castelo estão logo à frente, os sentinelas que guardam os portões
certamente nos avistando do topo das paredes, mas minha atenção está
totalmente fixa na mulher ao meu lado. Estendo o braço através dos bancos,
segurando o queixo dela entre meu polegar e o dedo indicador, e guio seus
olhos para os meus.
Ela me permite.
Oleia me deixa passar a mão por sua bochecha e prender o cabelo atrás da
orelha. Suas pálpebras caem pesadamente quando passo o polegar pela curva
de sua pequena orelha, e ela sussurra: — Não... faça isso.
É uma luta, mas deixo minha mão cair.
Mas seus dedos agarram os meus antes que eu possa me afastar
completamente. Seus olhos brilham de medo e suas pupilas dilatam enquanto
seu olhar pousa na minha boca, a respiração ficando mais curta. Ela olha para
onde nossos dedos estão entrelaçados e... puxa.
Ela vem ao meu encontro, prendendo meu lábio inferior entre os dentes, me
mordendo como eu fiz com ela ontem à noite. Meu sangue esquenta e eu me
afasto bruscamente, a respiração rápida e ofegante. — Você está bêbada —
digo, quando ela me encara com olhos vidrados, me observando com a
mesma expressão que costumava ter nos primeiros meses de nosso
casamento. — Você vai me odiar de manhã.
Os olhos de Oleia se enrugam com um sorriso suave que eu não via há mais
de dois anos. — Ou talvez eu não me lembre de nada disso.
— Nenhum homem quer que sua mulher se esqueça de como ele a fodeu.
Seu riso bêbado vai direto para minha virilha, e ela se inclina, pressionando o
nariz contra meu pescoço e inspirando fundo. — Então faça valer a pena
lembrar, Val. — Ela pega meu pulso entre os caninos e morde suavemente,
rosnando baixo e profundo na garganta.
O som me desmonta. — Por quê?
Sua mão agarra minha gravata e puxa com força, me trazendo para perto o
suficiente para que nossos narizes se toquem. — Porque eu preciso saber que
isso é apenas luxúria e que você realmente não significa nada para mim.
Porque você me torturou o suficiente em meus sonhos com sua língua
mentirosa e sua boca bonita. Porque... — Ela segura meu ombro com uma
mão livre e sobe no meu colo, a respiração quente contra meus lábios
enquanto o peito farto dela esfrega no meu. — Tudo o que você fez foi tirar
de mim, e eu gostaria de cobrar. Na mesma moeda.
E então, suas mãos estão no meu rosto, sua boca colidindo com a minha. Seus
lábios são macios, inflexíveis, o sabor de vodka e do fogo dela preenchendo
minha boca. Ela suspira quando minha língua roça a dela, seu corpo ficando
anormalmente quente, músculos tensionando. Minha mão se enfia em seu
cabelo, se enrolando nos fios sedosos, e por um momento, esqueço por que
não deveria estar beijando-a. Maldigo o que o amanhã pode trazer, o
distanciamento e a culpa que ela pode sentir.
Deixo minhas mãos descerem por seu corpo, agarrando suas nádegas e
levantando-a sobre meu pau pulsante. Afasto-me relutantemente, apoiando
minha testa na dela por tempo suficiente para me recompor. — Último aviso,
Oleia.
Ela estica a mão e pega a borda da camisola, puxando-a sobre a cabeça em
um movimento suave, e seus seios, redondos e fartos, aparecem, os mamilos
rosados e duros, pedindo para serem chupados. — Leve seus avisos e enfie-
os onde o sol não bate.
Algo selvagem. Algo selvagem possuíu minha esposa inocente.
E semelhante atrai semelhante.
Meus dedos se enroscam em seus cabelos e puxam para baixo. Espero um
grito de dor ou um sibilo, mas Oleia geme, arqueando a coluna e trazendo
seus mamilos mais perto dos meus lábios, seu corpo praticamente suplicando
para que eu os prove.
Eu o faço.
Oleia sibila, um som ecoando na noite quando suas costas batem no volante
devido a uma sacudida. Ela choraminga, alcançando entre nós para segurar
minha ereção. O rosnado que ela solta não é nada humano.
Minha língua passa lentamente pelo botão sensível, e seus quadris se
contorcem uma, duas vezes. Suas mãos deixam minha virilha, caindo sobre
meu ombro em busca de apoio enquanto meus dedos encontram seu outro
mamilo e torcem cruelmente. Ela grita e, em seguida, ronrona, seus quadris se
esfregando contra mim em uma dança erótica que faz minha visão se turvar.
Porra.
Reconheço novamente o sabor de seus mamilos— como nada e tudo,
passando meus dentes e língua por cada fenda, chupando, mordendo, até que
ela esteja cavalgando minhas coxas de forma imprudente, selvagem e
indiferente. E quando o movimento de seus quadris desacelera, seu corpo se
tensionando e relaxando ao mesmo tempo, eu tiro meus lábios dela. — Não
até eu dizer.
O desejo queima intensamente e duramente em seu olhar, e eu repito as
palavras, garantindo que ela as ouviu. Seus olhos me seguem enquanto abro o
zíper de sua calça jeans, rosnando em uma frustração crescente e, num
momento de impaciência, rasgo o tecido grosso quase com facilidade,
deixando… sua boceta exposta aos meus dedos.
Meu dedo pressiona seu clitóris pulsante, e ela sibila agudamente, suas unhas
cravando em meus ombros. Deixo meus dedos correrem por sua boceta, do
clitóris à entrada e de volta, mais para mim do que para ela, porque quero o
cheiro de sua excitação em meus dedos por mais tempo. Seus olhos brilham
com um anel dourado, suas coxas se abrindo sobre meus joelhos para
acomodar mais dos meus dedos.
Eu a atendo, e o gemido que ela solta quando eu a penetro com dois dedos
quase me faz gozar na calça. Ela está tão molhada, tão apertada, que mal
consigo pensar. — Mais — , ela suplica num gemido embargado.
Encaixando meus dedos dentro dela, decido adicionar um terceiro. Oleia cai
para frente, sua cabeça descansando em meu ombro enquanto eu empurro e
engancho. — Você transou com ele?
Oleia se enrijece, embora sua boceta se contraia firmemente em torno dos
meus dedos. — Isso não é da sua conta— hmm. — Um gemido enquanto eu
empurro mais fundo, seu calor cobrindo minhas juntas. Incapaz de lutar
contra o desejo de enterrar meu pau dentro dela, retiro meus dedos
abruptamente, alcançando para abrir meu cinto.
São alguns segundos desconfortáveis, e Oleia se ajoelha, puxando o resto de
sua calça jeans arruinada pelo bumbum, a tempo de ver meu pau saltar
livremente de minhas calças. Um som impaciente e ansioso escapa dela, seus
lábios se separando e suas bochechas corando enquanto me olha e lambe os
lábios secos. Meu pau pulsa dolorosamente, se contraindo enquanto ela se
arrasta para frente.
Minha mão envolve a base, guiando enquanto ela senta, seu calor deslizando
pelo comprimento do meu pau. Minha cabeça cai contra o encosto do banco
enquanto ela se contorce, tentando se ajustar enquanto me toma mais fundo,
minha cabeça raspando contra paredes que se fecham tão firmemente ao meu
redor que eu rosnare, agarrando sua bunda e empurrando meus quadris para
frente com tanta força que ela se arqueia para longe de mim.
— Oh, deuses — , ela grita. — Demais…
— Você deixou outro homem entrar na minha boceta, zvezdochka? —
pergunto rudemente, enfiando até o fim, e um grito rouco escapa de sua
garganta. Seus dedos agarram o cinto de segurança e perdem a pegada antes
de se apoiar na cadeira atrás de mim e afundar suas garras nela.
— Meu corpo… — ela arfa. — Minha porra de escolha.
A rédea e o freio que imponho a mim mesmo e ao meu poder vacilam, e eu
gemo de prazer e dor enquanto minhas presas afundam em seu peito, logo
acima dos seios. Ela grita, se debatendo contra mim, tentando… se aproximar
e se afastar de mim ao mesmo tempo. — Não! — ela grita novamente,
indignada, quando afundo minhas presas ainda mais fundo, não para
saborear, mas para machucar. — Não chegamos tão longe!
Enquanto passo a língua na ferida em sintonia com minhas investidas,
sussurro contra seu peito: — Bom, porque eu teria que matar o filhote ou
qualquer homem que soubesse como é o seu interior.
Sons de sucção molhada enchem o ar enquanto ela se aperta ao redor do meu
pau, subindo e descendo, cavalgando com mais força e me levando tão fundo.
Eu me entrego completamente à necessidade de... acasalar, sem me preocupar
em ser gentil, já que ela expressa o mesmo desejo febril de me devorar viva.
Eu quero ela contida, amordaçada e arruinada por mim. Quero sua barriga
curvada sobre minha mesa enquanto a tomo de todas as posições possíveis e
vulneráveis por trás. Quero suas costas batendo contra a parede e seus
tornozelos presos atrás das minhas costas. Quero ela suplicando e precisando.
Mas o carro não me deixa muitas opções, e acabo com meu punho prendendo
seus braços e meus dedos cortando seu ar. Mas se Oleia percebe isso, ela
simplesmente não se importa, porque ela enfia sua maldita língua para fora e
lambe meus lábios avidamente.
Outra buzina soa quando começo a investir com mais força, meus músculos
tensionando e cãibras aparecendo. Um pequeno suspiro escapa de Oleia, e
sua boceta estremece ao meu redor, me empurrando direto para o limite. Eu
gemo agudamente, tensionando, e um rugido de dor e prazer ecoa pelo carro,
vidros se quebrando em algum lugar à distância. Por um momento, eu tremo
e estremeço, segurando Oleia contra meu peito enquanto sua respiração se
normaliza.
— Você pode não se lembrar disso de manhã, zvezdochka, mas eu senti sua
falta. Todos os dias.—
Sua resposta é um leve ronco contra meu ombro.
C A P ÍT U L O 2 5
OLEIA
ou afastada de sonhos de carícias suaves e lençóis de seda por uma
S batida na porta. Há um bip constante em algum lugar ao meu redor, mas
demoro um momento para reconhecer o tecido luxuoso e dourado
pendurado no topo da minha enorme cama de dossel e a prateleira que cobre
a parede à minha direita.
Baba molha minha bochecha enquanto me levanto da beira da cama, de onde
quase caí, e franzo a testa com a dor latejante na minha cabeça.
Álcool. Vícios. Eu sibilo, caindo de costas, e o quarto parece dobrar na minha
visão.
Lá está aquela batida novamente. — Sua Alteza? Eu preciso atendê-la antes
do café da manhã.
Café da manhã? Eu pisco, afastando-me da luz do sol que entra pela janela.
— Pode servir aqui.
Minha garganta dói pra caramba.
— Sua Majestade pediu que você se junte a eles para o café da manhã hoje.
Pediu. É claro. — Entre.
Tateando, pego minha bolsa onde está no criado-mudo e tiro meu celular.
Sete chamadas perdidas de Darian, cinco mensagens de Lyra perguntando se
cheguei em casa inteira. Pergunta engraçada. Por que eu não teria —
Uma imagem surge na minha mente de palavras e respirações
compartilhadas, de rosnados furiosos e gemidos selvagens, de uma rachadura
na parede de gelo ao redor do meu coração e de um leve toque de juntas dos
dedos nas minhas orelhas.
A dor volta com força total e eu noto vagamente as empregadas entrando no
— quarto.
O que aconteceu ontem à noite? A última coisa que lembro é estar no sofá de
Lyra, falando sobre chamar um Uber para casa. Devo ter feito isso, já que
estou aqui. Uma olhada para as minhas roupas e vejo que estou enrolada—
mais como enfiada em um roupão. Não lembro de tê-lo colocado. Para ser
sincera, não lembro nem de sair do apartamento de Lyra.
Meu celular bipa de novo e eu vejo uma mensagem de Darian: Sinto muito
por ter explodido com você e deixado minhas inseguranças me dominarem.
Eu confio em você, Oleia. Peço desculpas por fazer você sentir que não
confiava. Deixe-me te levar para jantar mais tarde para compensar.
Um pequeno sorriso surge nos meus lábios e eu digito, Claro.
'Preparar' não é exatamente a palavra para o que as empregadas fazem
comigo. Eu deixo elas arrumarem meu cabelo, arrancarem minha pele e
esfregarem até que fique vermelha e quase crua. Então deixo elas me
ensoparem e me lavarem completamente, pensando nisso como um... dia de
manutenção. Eu não fazia muito isso em Veneza. Embora eu tenha gostado
muito da minha liberdade, seria uma mentira horrível dizer que não senti falta
de não ter que escolher minhas próprias roupas e ter empregadas para arrumar
meu cabelo, minha maquiagem, minhas refeições e basicamente fazer tudo.
Foi um pouco difícil me acostumar com um estilo de vida comum, mas
aprendi que me adapto e aprendo rapidamente. Uma característica
impressionante, meu chefe já disse uma vez.
Quando elas terminam de me torturar e ao meu corpo, eu deixo elas
vasculharem minhas roupas, dando uma requisição específica do que gostaria
de usar hoje. Nada daqueles vestidos de sonho que eu amava como princesa,
ou aquelas coisas escandalosas que Valerian preferia. Não deixaria mais que
eles ou qualquer outra pessoa tomassem decisões por mim, mesmo que fosse
algo tão pequeno como roupas.
Felizmente, não havia mais muitas roupas no meu armário que me servissem
nos seios e quadris. Decidi por um terno azul glacial, com as calças e o
casaco ajustados que marcavam minha cintura e faziam maravilhas pelos
meus quadris. Mantive a maquiagem simples, precisando causar uma boa
impressão no trabalho no meu primeiro dia.
No entanto, encontro um problema quando pego os arquivos e saio pela
porta. Estou incrivelmente... dolorida.
Já tinha notado isso inicialmente na banheira, mas estava muito ocupada
tentando entender por que continuava tendo flashes de sexo em um carro,
quando eu sabia muito bem que nunca havia transado com alguém em um
carro antes.
Agora, andando pelos corredores, a dor é insuportável. Tenho que forçar
minhas coxas a ficarem afastadas e evitar que se esfreguem uma na outra... ou
que meu interior se... não sei, contraia, e, quando chego ao salão de café da
manhã, estou de mau humor.
Ignoro o par de olhos que me segue desde as portas até a longa mesa e,
justamente quando estendo a mão para puxar uma das duas cadeiras vazias,
uma mão quente cai sobre a minha, me impedindo.
Franzindo a testa, olho dos dedos de Valerian, quentes contra os meus, até
seu sorriso presunçoso. Como se ele soubesse algo que eu não sei. — Deixe
que eu faço isso.
Eu permito, apenas porque sua voz parece desencadear mais flashes que me
fazem encolher.
— Então faça valer a pena — eu disse e arrastei os dentes pelo pescoço dele.
Havia algo em um homem que cheirava bem. E havia algo viciante em um
homem que não só cheirava bem, mas tinha seu perfume entrelaçado com o
seu.
O calor sobe às minhas bochechas quando Valerian limpa a garganta, fixando
um olhar insistente na cadeira em que eu estava encarando. E seguro o olhar
dele por mais tempo do que gostaria. Será que algo aconteceu ontem à noite?
Ele me encara com um olhar inocente que não me dá respostas e me sinto
estúpida e enjoada enquanto me sento na cadeira. Faço uma careta, me
mexendo desconfortavelmente com a dor entre as pernas, e alguém ri ao final
da mesa. — Problemas para andar?
Ignoro Cyril, mas é o rosnado de advertência de Valerian que silencia o riso
idiota de seu primo.
— Você queria me ver — digo, com tom profissional, e até eu me surpreendo
com o quão diferente soo agora, após todos esses anos, me dirigindo a um rei
que quase destruiu uma civilização inteira, sem o habitual tom de medo ou
respeito na minha voz.
Ele não gosta nada disso, suas órbitas antigas e malignas de um preto
profundo se fixando em mim. Sinto raiva e nojo ao olhar para ele, e não me
lembro o porquê.
Meus olhos se voltam para Zephyr, na extremidade esquerda da mesa, com os
olhos baixos em submissão, e leva apenas um momento para eu perceber que
o homem à sua direita deve ser o marido que ela mencionou. Dimitri. Ele é
loiro, com um rosto bastante bonito e um corte de cabelo raspado rente ao
crânio, mas algo na forma como ele me olha e sorri de modo desdenhoso me
faz acreditar que ele e Marcus devem ser farinha do mesmo saco.
Me pergunto se Zephyr ainda quer fugir dele. Me pergunto como deve ser
acordar ao lado de um homem como Dimitri ou Marcus. Se Marcus era o
diabo, então Dimitri era seu capanga mais confiável. Eu havia ouvido
histórias dos dias gloriosos e sangrentos deles juntos, mas de alguma forma
nunca havia conectado que a alegre, jovial e gentil Zephyr estava atada a uma
criatura como ele.
Mais uma vez, volto meu olhar para Marcus, o nojo que sinto só aumentando.
— Ah, sim. Faz algum tempo que a família não se reúne assim — ele corta
seu cordeiro com uma precisão mortal, sem sequer olhar para ele. — Seja
grata ao meu neto. Ele é a única razão pela qual você não está nas masmorras
pelo que fez, fugindo com uma criança, escondendo um herdeiro de nós e
colocando sua vida em perigo com sua tolice.
Inclino a cabeça, mantendo minha expressão indiferente e entediada. Deixe
ele tagarelar. Deixe ele falar e tentar ao máximo me irritar. Deixe ele tentar
me forçar e cair em uma armadilha de sua própria criação. — Por que você
me chamou?
O rei Marcus abaixa o garfo, aquela aura monstruosa dele roçando levemente
minha pele, me forçando a recuar na cadeira. — O príncipe acredita que sua
importância é necessária para Mikhail. Ele solicitou sua reintegração, o
tratado corrigido e seus erros perdoados. Eu julguei apropriado conceder seu
pedido — por enquanto.
Não perco o fato de ele estar escolhendo chamar Azrael pelo seu segundo
nome. Me inclino para frente na cadeira, com os dedos cravando na bolsa e
nos arquivos enquanto encaro para a direita, Valerian, que está com a cabeça
apoiada na mão, observando o drama com uma expressão satisfeita, como se
pagasse uma fortuna para me ver enfrentar seu pai, e desembolsasse ainda
mais para ver quem sairia vitorioso dessa briga. É nele que mantenho o olhar
fixo enquanto digo, o mais calmamente que consigo — Parece que há um
mal-entendido aqui, porque deixei claro para o seu filho que não vou voltar.
Também não quero ser sua esposa ou sua nora. Na verdade, estou me casando
no próximo mês.
Valerian me observa atentamente. — Então precisamos discutir a custódia.
Meu filho não chamará outro homem de "pai". Não enquanto eu estiver vivo.
É um golpe baixo, que me envergonha no instante em que sai dos meus
lábios, mas já está na minha boca antes que eu possa pará-lo. — Então acho
que é uma boa coisa ele acreditar que o pai dele está morto.
Todos ficam perfeitamente imóveis, mas é a reação de Valerian que mais me
perturba. Sua testa se franze e sua expressão muda de perplexidade para algo
mais ardente do que fúria, seus punhos se apertam contra a mesa, os nós dos
dedos ficam brancos enquanto sua fachada calma e controlada desmorona. —
Ele o quê?
Exige esforço retorcer os ombros, fingir indiferença quando meu peito parece
prestes a desmoronar. — O que eu deveria dizer quando ele perguntou sobre
o pai? Que eu fugi porque o pai dele era um egoísta que não se importava
com nada e ninguém além de si mesmo? Que não faria diferença se você
estivesse morto ou vivo, porque você estaria ausente de qualquer maneira?
Muito ocupado sendo o boneco obediente para desenvolver uma coluna
vertebral e proteger sua própria família?
— Você acha que eu não tentei?! — Valerian rosna para mim, e eu me
encolho, derrubando um copo sobre a mesa.
Escondendo minhas mãos trêmulas embaixo da mesa e beliscando minhas
coxas até doerem tanto quanto meu coração, retruco — Não me importo. Não
vou dividir a custódia com um homem que colocaria seus desejos à frente da
vida do filho. O pai de Azrael é quem eu decidir que é, e Darian, pelo menos,
fez algo para merecer esse título.
— Oh, drama. Sabia que sentia sua falta por algum motivo — Cyril ri ao lado
da mãe.
— Cale a boca! — Valerian e eu rosnamos para ele em uníssono.
— Chega! — A voz do rei Marcus ecoa pelo salão, seus punhos batendo na
mesa com força suficiente para fazer os copos chocalharem. Seu dedo pálido
aponta para mim no ar, seu rosto se contorce de raiva e, por um instante,
veias escuras pulsam sob sua pele.
Mas devo ter imaginado, porque desaparece num piscar de olhos e tudo o que
vejo é uma raiva antiga e congelada. — Nenhum neto meu será criado fora
destas muralhas, longe de seu direito de nascença e de seu sangue, para se
misturar com cães imundos. E você — seus olhos queimam os meus,
impiedosos e abrasadores — , deve se considerar sortuda por não ter tido seu
coração arrancado do peito no momento em que ousou voltar. Você acha que
está acima das consequências da traição?
O ar parece mais pesado, sufocante, enquanto sua aura monstruosa pressiona
contra mim, gelando meu sangue. — Você vai ficar aqui. Você vai fazer o
que for mandada. E se sequer pensar em levá-lo de novo, eu garantirei que
você nunca mais o veja.
Há muito a dizer, mas pouco ar nos pulmões para expressar. O pânico se
agita sob minha pele. O medo de suas palavras se concretizarem se entranha
profundamente no meu peito.
A cadeira arrasta pelo chão quando me levanto de repente. Com um sorriso
que não chega aos olhos, faço uma mesura de forma escarninha e arrasto as
palavras — Obrigada, Majestade, por sua infinita bondade. — Deixo que ele
veja o assassinato ardendo em meus olhos, o rosto de uma mãe que iria até os
confins da terra pelo filho. — Vou retribuir cada momento disso. Na mesma
moeda.
Adrian engasga com o vinho e Dimitri solta um rosnado de alerta, mas meus
olhos estão em Valerian quando me viro para sair. — E você se pergunta por
que eu te deixei.
Ignorando a dor no corpo, saio da sala com uma postura altiva e arrogante,
sabendo que cada maldito olhar está em mim.
C A P ÍT U L O 2 6
OLEIA
diei cada momento de trabalho. Não era ruim; pelo contrário, fui
O recebida calorosamente— muito calorosamente, na verdade. Com
flores, sorrisos falsos e um exagero de atenção de funcionários que
achavam que poderiam ganhar algum favor de Valerian e de seu pai através
de mim.
E aqueles que não se incomodavam em fingir ou me desprezavam por
conseguir um emprego que achavam que eu não merecia, puxando alguns
fios, ou simplesmente não se importavam, desde que eu cumprisse minhas
tarefas. Era mais tedioso do que trabalhar em Veneza, já que Veneza é
significativamente menor que a Romênia, mas eu estava grata pela distração
dos meus pensamentos.
Do fato de que minhas memórias da noite passada começaram a voltar em
fragmentos, e não importa o quanto eu tentasse negar e ignorar. Valerian e eu
fizemos sexo no carro dele. Um sexo mais bruto, mais selvagem do que
qualquer um que eu já tinha tido na vida.
Passando pela porta de correr, eu me dirijo distraidamente para a garagem.
Darian disse que confiava em mim, mas eu fui e fiz exatamente o que ele
temia que acontecesse. E, pelo que parece, fui eu quem deu o primeiro passo.
Como posso olhar para ele nos olhos e dizer que nem um dia se passou e eu
acabei no colo de Valerian, esfregando-me contra ele como uma viciada?
— Deuses do céu...
— Entre.
Meus ouvidos captam a voz e eu viro para a esquerda.
Valerian está encostado no carro, com uma expressão sombria no rosto. As
mãos estão no casaco de pele branca, e o cabelo dele desce como sangue
derramado sobre o material imaculado. Ele ainda está com o impecável terno
italiano por baixo, tão impecável quanto horas atrás.
O estacionamento aberto de repente parece apertado. — Não.
— Ele não está vindo — ele diz com um tom sombrio quando eu olho ao
redor em busca do sentinela que me deixou de manhã e prometeu estar aqui
minutos antes do fim do meu turno.
Eu começo a caminhar para o elevador, mas ele me detém. — Azrael foi
transferido esta manhã.
Meus pés travam no concreto. — Transferido? Para onde?
Olhos escuros fixam-se nos meus. — Horace concluiu a avaliação inicial
ontem à noite e começou a estabilização. Mas o castelo não tem todo o
equipamento necessário para o processo completo. Melhor transferi-lo agora,
para um hospital, antes que as mudanças comecem. Achei que você gostaria
de ver...
Já estou a meio caminho do carro, contornando-o e entrando no banco do
passageiro.
Escolha errada, porque... este é o mesmo carro de ontem à noite. Consigo
sentir o cheiro — o sexo e o meu sangue, consigo ver minha bunda
pressionada contra o volante, batendo e o som da buzina ecoando,
adicionando fogo ao meu sangue.
Forço meu olhar para a janela enquanto Valerian entra e o motor ruge para a
vida. Algo cutuca meu subconsciente, algo que planejei para esta noite, mas o
pensamento se dissolve em nada quando as janelas se fecham e eu fico
respirando um aroma que é puro Valerian.
Minha buceta se contrai. Forte.
Não falamos um com o outro durante todo o percurso, mas sua aura, seu
cheiro, seus olhos passam por mim mais vezes do que posso contar, me
tocando de mais maneiras do que suas mãos jamais tocaram, e quando
chegamos em frente à instalação gigantesca, isolada e fortemente vigiada,
estou louca para colocar o máximo de distância possível entre nós.
— É aqui que ele vai ficar até que tudo termine? — pergunto enquanto ele
me leva ao térreo de um espaço estéril e vasto, com médicos caminhando por
aí, vestindo casacos brancos e máscaras com determinação.
Eles mal nos notam, e aqueles que o fazem apenas acenam em nossa direção
e seguem seu caminho. — É isolado. — Não acho que vou conseguir dormir
à noite sabendo que Azrael está em alguma instalação cercada por montanhas
e florestas.
— Quando chegamos à Romênia, não havia instalações ou hospitais para
cuidar dos nossos doentes e enfermos — ele me conduz a um elevador, o
calor dos seus dedos penetrando minha jaqueta e queimando a região lombar
das minhas costas, e eu engulo um gemido, saindo do alcance do seu toque.
— Os primeiros que construímos na cidade foram atacados e saqueados, as
vidas dos pacientes em risco, os trabalhadores agredidos e ficaram
desempregados por um tempo. Podemos ser donos da cidade, mas a
Romênia, parece, nunca esquece.
Eu nunca havia pensado por esse lado. Tudo o que eu tinha visto e ouvido era
o sofrimento do meu povo, os humanos presos no meio da discórdia, as festas
imprudentes celebradas em homenagem à família real. Nunca me perguntei
sobre o vampiro comum que poderia precisar trabalhar para sobreviver e
nunca encontraria um emprego porque todos eram racistas. Ou os pobres que
não podiam pagar pelas prostitutas de sangue, bolsas ou nutrientes básicos
para se virar.
Por um tempo, até achei que tudo o que os vampiros precisavam para
sobreviver era sangue, comparando-os aos animais que eles projetam ser. No
entanto, viver com Valerian abriu meus olhos um pouco para o fato de que
até os sugadores de sangue precisam de comida para sobreviver. Não na
mesma quantidade que nós. Nem sempre diariamente, mas seus corpos ainda
exigiam nutrientes básicos para continuar funcionando.
Descobri algumas outras coisas, como os constantes ataques de rebeldes e
Valerian ajudando meu pai a contê-los, seus deveres que exigiam que ele
estivesse em todos os lugares, participando de reuniões aristocráticas e festas
de grande degradação, mas também arrecadando fundos deles para
reconstruir uma cidade que destruíram na guerra.
Mas eu estava muito mergulhada nos meus sentimentos — meus sentimentos
muito, muito válidos, para pensar muito nisso.
Roubo um olhar para Valerian e, por um momento, entendo por que ele
estava ausente a maior parte do tempo. Uma Oleia de dezoito anos achava
que seu marido não a suportava. Mas ele era apenas um príncipe com uma
tonelada de responsabilidades. E me pergunto, pela primeira vez, se os
momentos em que eu o interrompia no início do nosso casamento eram ele...
se alimentando, e não me traindo.
É um pensamento bastante perigoso, porque se estiver correto, sacudirá as
bases da minha raiva. Então, guardo o pensamento em um compartimento da
minha mente, trancou ele e jogo a chave em um abismo sem fim. Eu tentei
estar lá, fazer as perguntas certas, mudar minha abordagem, ser uma esposa e
uma parceira amorosa, mas ele me reprimiu, me trancou para fora e me
afastou.
Não tenho nada com que me desculpar.
— Esta instalação é a mais segura de toda a Romênia. Eu sou dono destas
terras e garanto que tudo está seguro. Tanto para os pacientes quanto para os
trabalhadores. — Ele faz uma pausa, olhando para o nosso reflexo na
superfície metálica, seu ombro encostando levemente no meu. — Azrael está
seguro aqui.
Chegamos ao quinto andar e o elevador apita, abrindo-se para revelar um
grande saguão estéril de branco puro, com bipes suaves e zumbidos gentis. A
severidade do lugar é amaciada por murais de campos verdes e céus azuis.
Franzo a testa enquanto caminhamos, observando seção após seção, divididas
por vidros transparentes e, dentro delas...
— Há crianças aqui. — Sussurro, com os olhos arregalados ao perceber o que
parece ser uma sala de aula montada em uma das divisões. Humanos.
Vampiros. Lobisomens.
Os olhos de Valerian se voltam para mim enquanto ele acena com a cabeça
para dois homens que fazem uma leve reverência ao vê-lo. — A guerra pode
ter acabado, mas as baixas não cessam. Crianças humanas que foram
mordidas, drenadas de sangue e estão perto de se transformar são trazidas
para cá para auxiliar em suas transições. Geralmente, as taxas de
sobrevivência são baixas, bem abaixo de dois por cento, mas aqui,
alcançamos estatísticas melhores, caminhando para quinze por cento. E os
filhotes... — Ele faz uma pausa, e há um toque de culpa em sua voz ao
acrescentar: — Eles são órfãos.
Não tenho nada a dizer sobre isso. Ou sobre nada do que ele revelou hoje, na
verdade.
Sinto que nos últimos minutos, aprendi mais sobre Valerian do que em todo o
tempo que vivi com ele.
E ele parece cada vez menos um monstro a cada segundo que passa.
Ele nos para no final do corredor e pressiona o polegar em um escâner,
levando-nos para uma sala diferente, e eu arquejo ao ver um garoto loiro
familiar puxando o cabelo de uma beldade de cabelos escuros que está
chorando.
— Azrael! — Admoesto, e ele se vira, suas presas, mais longas agora,
roçando o lábio inferior enquanto grita com um sotaque, abandonando a
garota completamente.
— Mamãe! — Seus pezinhos batem nos azulejos enquanto ele se lança em
minha direção, e eu rio, os olhos ardendo ao pegá-lo em meus braços,
beijando sua testa, suas bochechas, seu queixo, cheirando seu pescoço e
cabelo.
Ele lambe minha bochecha e dá uma mordiscada, batendo em meus ombros
com aprovação infantil. — Mamãe, agora eu tenho amigos.
— Ah, é? — Digo, enxugando rapidamente o canto dos olhos.
Empolgado, ele se vira, apontando para a garota chorosa, da mesma idade
que ele, com os olhos de um safira mais belo, atualmente cheios de lágrimas.
— Nisha. — Ele franze a testa, e me pego dando uma olhada para Valerian,
que permanece na porta, nos observando com uma expressão impenetrável.
— Eu disse que gostava do cabelo dela e queria ver um... — Ele levanta a
mão até o topo da cabeça. — Rabo de cavalo. — Sua expressão se aprofunda.
— Ela disse não. Então... então... pensei em arrumar para ela. E ela começou
a gritar como você sempre faz.
Eu fico vermelha, dando um leve tapa em seu nariz. — Eu já te disse.
Quando uma mulher diz não, você respeita. Sempre.
Ele aponta um dedo na direção de Valerian. — Mas ele disse que eu posso
fazer o que quiser. Eu sou um príncipe.
— O quê— quando?
Azrael franze o nariz. — Hoje de manhã. E ontem. Disse que eu sou forte e
especial, e as pessoas têm que me obedecer.
Eu engulo em seco, meu olhar voltando rapidamente para Valerian. Ele tem
visitado Azrael. Ele contou? Meu filho sabe?
— V-você sabe quem é ele? — Minha voz vacila, mesmo enquanto luto para
manter a calma.
Azrael sorri largo, suas presas brilhando. — Otets.
Minha respiração trava na garganta. Eu conheço essa palavra. Valerian já
ensinou Azrael a chamá-lo de 'Pai'. Em russo.
Valerian e eu passamos a maior parte da noite com Azrael, principalmente
porque eu não conseguia me separar dele ainda. Mas então, fomos abordados
por Horace, que parecia surpreendentemente feliz em me ver, e ele nos
informou que era hora do procedimento de Azrael.
Juntos, assistimos através do vidro transparente ele receber a primeira dose
do soro calibrado para induzir a transição. Podemos visitar para acompanhar
seu progresso, mas ainda vai demorar um pouco até que ele possa sair da
câmara isolada. Eu entendi isso, já que até eu passei por algo semelhante
quando criança, mas ainda assim me emocionei, quase me recusando a sair.
Em algum momento, Valerian tocou meu ombro suavemente, e eu talvez
tenha me inclinado para trás em direção ao seu calor.
Não era que eu me importasse com isso. Eu só precisava ser abraçada
naquele momento, e ele havia oferecido.
Valerian agarra meu pulso quando eu estendo a mão para a porta. Meu
coração bate tão rápido que eu o ouço nos meus ouvidos como um tambor.
Eu olho de onde nossa pele se toca para o seu olhar negro e envolvente. —
Oleia.
— Não — susurro, mesmo sem saber o que estou recusando.
— Você se lembra do que eu disse ontem à noite?
Eu me lembrava, até o meio do dia, quando suas palavras me atingiram de
surpresa, me deixando sem fôlego e sem pensar por alguns minutos. Se eu
não tivesse partido, ele teria contestado o trono e entrado em um duelo mortal
com o pai. Por mim. Eu mordo meu lábio inferior trêmulo para escondê-lo
dele, mas tudo o que faz é chamar sua atenção.
Seus olhos se aquecem e ele relutantemente desvia o olhar de volta para o
meu, e a intensidade que encontro neles é pesada, avassaladora. — Sinto
muito.
Um suspiro engasgado escapa dos meus lábios e eu arranco meu pulso de sua
mão, precisando fugir antes que seu pedido de desculpas se registre, antes
que ele alimente a dor que tenho sentido a noite toda. Mas ele aperta o aperto
em mim, se recusando a me soltar.
— Não — ele diz suavemente, sua voz rachando sob o peso da palavra. —
Dessa vez não. Não vou deixar você fugir, sem me ouvir.
Me enchendo de coragem, digo: — Guarde suas histórias e desculpas,
Valerian. Eu não as quero nem preciso delas. Se você acha que isso vai
mudar alguma coisa, está enganado. Decidi há muito tempo que não quero
mais você na minha vida.
— Isso não é justo —
— Justo? — Minha voz se aguça, subindo enquanto as comportas da dor e da
raiva que eu segurei por tanto tempo se abrem. — Você quer saber o que não
é justo? Jogar o amor que eu tinha por você de volta na minha cara toda vez
que teve a chance. Fechar a porta para mim quando eu procurei respostas. Me
humilhar e me tratar como um fardo quando eu me irritei com suas ações.
Deixar a mulher que não tinha ninguém além de você no escuro, se
perguntando todos os dias se ela era suficiente. Deixá-la acreditar que sua
importância se resumia apenas a quantos herdeiros ela poderia gerar.
— Justo — sussurro, a dor afundando cada vez mais até que as palavras se
tornam difíceis de formar e sair. — Justo não seria você ter virado as costas
para mim quando eu estava no meu pior momento, quando perdemos nosso
bebê, Valerian. Nosso bebê. Você desfilou outra mulher na minha frente,
enquanto eu ainda estava de luto, ainda me recuperando, sozinha. Eu te dei
tudo, e você não me deu nada. Você me deixou afogar em dor, dúvida, luto,
ódio, e não fez nada enquanto eu desmoronava, enquanto eu me despedaçava
na sua frente.
Dizer essas palavras, reviver esses momentos, só me deixa mais abalada. —
Você acha que um pedido de desculpas vai desfazer tudo isso? Acha que vou
esquecer tudo porque transamos ontem à noite? Você realmente pensa que
me forçar a viver sob o mesmo teto que você vai me aquecer o suficiente para
ignorar que o homem que deveria ter lutado por mim simplesmente ficou
parado e ajudou a me quebrar?
Eu arranco meu pulso, e, sem surpresa, ele me solta. — Não faria diferença
alguma se você se humilhasse no chão, passasse fome ou entrasse em um
duelo mortal por perdão. Você está dois anos atrasado. O que quer que você
pense que ainda está segurando, acabou. Acabou no momento em que eu saí
pela porta e permaneceu assim desde então.
Sem esperar uma resposta, saio do carro, respirando com dificuldade
enquanto entro no quintal— e esbarro direto no peito de Valerian. Seus
braços fortes seguram meus cotovelos para me firmar, e eu olho para cima,
direto em seus olhos negros iridescentes. — Me diga o que fazer para
consertar isso. — Suas unhas roçam minha pele suavemente, e ele se inclina,
acariciando minha bochecha com o nariz. — Me diga o que você precisa que
eu faça, Oleia. Isso... forçá-la a ficar aqui... Eu não pensei que tinha escolha.
Eu tinha que segurá-la pelo tempo que fosse possível, para que você não
fosse embora de novo. Eu pensei que poderia lidar com o fato de que você
estaria feliz em outro lugar, com outra pessoa. Mas ver isso, viver isso... Eu
não consigo viver assim, zvezdochka.
— Eu não quero —
Seu hálito quente faz cócegas nos meus lábios um segundo antes de ele roçá-
los levemente— não exatamente um beijo, mas quase. — Sinto muito. —
Uma mão deixa meu cotovelo para afundar no meu cabelo, e uma lágrima
quente e furiosa escapa de onde mais se acumulam. — Eu não vou aceitar um
não como resposta. Eu entendo agora como é existir sem você, e não tenho
intenção de voltar para aquela vida. Leve o tempo que precisar, mas você vai
voltar para mim. Porque você pertence somente a mim.
Seus lábios pressionam minha bochecha, suave e lentamente, e eu fico parada
na neve, com o casaco dele sobre meus ombros. Só quando vou até meu
quarto que percebo qual era aquela sensação insistente na minha mente.
Esqueci do encontro com Darian.
C A P ÍT U L O 2 7
OLEIA
s dias passam sem incidentes. Eu não me junto à família Valerian para
O o café da manhã, e eles também não insistem que eu o faça. Valerian e
eu caímos numa rotina em que ele me busca no trabalho todos os dias e
vamos ver Azrael. Darian ainda está bravo comigo, por mais motivos do que
eu consigo contar, e aquela conversa em particular não tinha corrido bem.
— Eu esperei por você.
— Sinto muito. Algo importante surgiu e eu não podia deixar para outra
hora.
Uma pequena pausa. — Eu vim te buscar, como prometi, mas me informaram
que você já havia saído com Valerian.
— Era sobre Azrael—
— Azrael está bem? Quando eu murmuro um sim, ele acrescenta, — E você
está bem? Outra afirmação e a voz dele fica tensa. — Você podia ter
mandado uma mensagem. Eu teria entendido. Eu não teria ficado esperando
por horas, imaginando que você poderia entrar por aquela porta a qualquer
momento.
— Eu... Eu não me lembrei e... Sinto muito. É que— Sinto muito, Dar.
— Eu te liguei. Várias vezes, e eu entendo o quanto Azrael é importante para
você, como tem sido difícil ultimamente, mas essa não é a primeira vez,
Oleia, que você me deixa esperando ou a primeira vez que eu tenho que te
lembrar que é importante para mim estar nos seus pensamentos, o suficiente
para mandar uma breve mensagem. Ou algo assim.
— Eu deixei meu celular no carro do Valerian. De novo, sinto muito. A
última frase tem mais irritação do que arrependimento. Não é com ele. É
comigo mesma, e o peso do dia caindo sobre mim.
— Vai ser sempre assim? A voz dele mal passa de um sussurro. — Você
podia ter me ligado, então. Nós poderíamos ter ido ver Azrael juntos. Eu
queria vê-lo também.
— Eu não sabia—
— Não. A voz dele está baixa, carregada de cansaço. — Não, você não sabia.
E talvez você não tenha tido a intenção, mas sempre parece que a única
escolha que você faz é aquela que me deixa de fora. Eu quero estar ali para
você. Para te consolar, te segurar, te ajudar a superar qualquer dor que você
esteja carregando, mesmo que seja um problema que envolva Valerian. Mas
você toma essas decisões sozinha, e eu fico do lado de fora, observando e
esperando. É como se você esquecesse que estamos nisso juntos. Que você
não precisa carregar tudo sozinha.
A voz dele se suaviza, mas há uma dor por trás das palavras. — Machuca,
Oleia. Machuca sentir que eu nunca serei a pessoa a quem você recorre
quando mais importa. Saber que, não importa o que eu faça, eu nunca serei
tão importante para você quanto você é para mim. E é... sufocante, sentir que
estou sempre esperando por um lugar na sua lista de prioridades — quando
eu nem sei se estou em terceiro. Ou quarto. Ou em algum lugar.
E naquele momento, eu havia me jogado cansada no sofá, pressionando os
dedos contra os lábios enquanto um soluço subia pela minha garganta. A
culpa me oprimia por todos os lados, e eu queria dizer a ele que eu tinha
estragado tudo. Queria dizer que eu não o merecia, nem sua paciência, nem
seu amor. Mas eu estava tão assustada de perder algo tão lindo, um amor
que me curou, mesmo sabendo que eu poderia nunca retribuí-lo. E eu chorei
em minha mão. — Sinto muito, Darian.
— Eu também. Ele desligou.
Desde então, ele está inatingível, e perguntar ao Alpha Kieran sobre ele
sempre acaba com a mesma resposta: Ele está bem. Apenas ocupado com
assuntos da alcateia.
Não sei o que pensar sobre isso ou como lidar com esse silêncio punitivo.
Houve alguns momentos em que Darian ficou chateado, mas ele nunca ficou
bravo comigo por mais de um dia. Sem falar em semanas. Eu passei algumas
vezes na alcateia para vê-lo, mas ele nunca parece estar disponível quando eu
vou. Nesse ponto, tenho certeza de que ele está me evitando e ignorando
minhas mensagens, e não sei mais o que fazer para acalmá-lo. Eu nem
mesmo contei a ele... sobre o erro que cometi.
Eu suspiro pela centésima vez, e o vento espalha a farinha à minha frente. A
cozinha está aconchegante, comparada com o frio cortante lá fora. Se não
fosse pela previsão do tempo anunciando uma nevasca intensa hoje, eu
poderia ter saído para trabalhar, mesmo tendo sido avisada pela Sra. Stan que
eu não precisava ir aos sábados.
Eu só detesto estar dentro da minha cabeça agora. E talvez eu também me
odeie.
Enxugando o suor da minha bochecha, continuo sovando a maldita massa,
socando-a como se ela fosse a razão por trás dos meus relacionamentos
fracassados. Alguém ri atrás de mim e eu me viro para encontrar Adrian
encostado na porta. — Problemas no paraíso?
— Nenhum problema. Apenas uma pequena erupção vulcânica. Acontece o
tempo todo — acentuo ao socar a massa novamente, e Adrian ri. Ouço seus
passos— apenas porque ele quer que eu ouça— e olho para ele quando ele se
senta no balcão, me observando com olhos grandes e negros. — O quê?
Ele inclina a cabeça, olhando profundamente, como se pudesse ver dentro da
minha alma. — Você transou com ele, não foi?
— Não vejo como isso é da sua conta — respondo com irritação.
Adrian faz uma careta. — Não vou julgar. Eu entendo perfeitamente. Até nós
homens achamos o Valerian bonito. Sabia que o Duque Beron uma vez pediu
que ele esquentasse a cama dele?
Eu me encolho. Não. Não, eu não sabia disso e poderia ter morrido feliz sem
esse conhecimento. Estou prestes a dizer isso quando ele se inclina com um
sorriso malicioso. — Não se preocupe. Valerian não curte homens. Não mais,
pelo menos. Diante do meu olhar horrorizado, ele explode em risadas. —
Estou brincando. Ele recusou a oferta e dormiu com a duquesa.
— O. Que. Você. Quer? — sibilo quando ele diz que está brincando
novamente.
— Eu estava esperando que você pudesse me fazer um pequeno favor.
— Não.
Ele suspira profundamente, passando as mãos pelos cabelos loiros. — Há
uma tonelada de trabalho para ser feita antes do ano novo, mas eu gostaria de
um dia de folga para passar com a Lyra. Mas Valerian parece não entender os
termos 'pausa' e 'feriado'. Não que ele já tenha entendido, o workaholic. Eu
planejo levar Lyra para um encontro, mas sem que Valerian me libere, vou
ficar preso com ele, retirando corpos da neve nas férias.
Eu arqueio uma sobrancelha, aparando a massa distraidamente. — E isso me
diz respeito como?
— Um duplo encontro. Ele vai se você disser que vai. É a única maneira de
tirá-lo do trabalho.
Eu faço uma pausa. — Não estou interessada.
— Nem pela Lyra? É o aniversário dela na próxima quinta —
— Agora você está tentando me chantagear emocionalmente. E o que te faz
pensar que minha decisão influencia a de Valerian? E o que eu ganho com
isso? É um péssimo negócio para mim. Então, não. — Começo a espalhar os
ingredientes da pizza na massa achatada enquanto ouço Adrian me dar todas
as razões pelas quais eu deveria querer participar dessa viagem.
— E deixe-me adivinhar? Você também não tem nenhum plano. Vai ser
divertido, Oleia. Não sei se você entende o significado dessa palavra. Além
disso, eu ficaria em dívida com você. Isso já seria uma recompensa. Eu sou
um homem muito rico, sabia?
Sem olhar para ele enquanto empurro a pizza no forno, digo: — Vá embora,
Adrian.
Ele suspira, pulando do balcão com um movimento que não é muito
principesco. — Se você mudar de ideia. Se não for por Lyra, faça por você.
Todo mundo merece uma pausa de vez em quando. — Seus olhos sorriem
para mim, e eu me pergunto como ele foi do idiota que beijou minha mão
naquela noite para esse homem charmoso. Amor, talvez? — Você, mais do
que qualquer um — , ele acrescenta antes de sair da cozinha, batendo na
farinha do casaco.
Viro-me de novo para o forno, observando os minutos passarem. Faço pouco
caso da ideia do encontro. Como se já não fosse desajeitado ter que viver aqui
com pessoas que me tratam como se eu fosse ficar para sempre, mesmo que
eu as tenha corrigido. Como se eu fosse deixar Azrael para um passeio
divertido com pessoas que mal conheço. Como se esse arranjo já não tivesse
machucado Darian o suficiente.
Adrian pode ter acertado ao achar que eu não tinha planos — já faz um tempo
que não faço. Os últimos dois anos têm sido alternados entre criar Azrael e
trabalhar. Eu poderia contar nos dedos as vezes em que deixei minhas
preocupações de lado e me soltei. Três vezes. O encontro com Darian foi a
melhor, a mais bonita coisa que já aconteceu, mas me deixou com um medo
profundamente enraizado, e depois do que aconteceu com Azrael naquela
noite, talvez eu tenha jurado não sair por um tempo. Além disso, não tem
como eu concordar com algo assim.
Provavelmente vou visitar minha casa. Ou a de Astrid. Talvez ambas.
Conto os minutos, e assim que o forno apita, sinto uma parede constante de
calor irradiando em algum lugar atrás de mim. Meu coração dispara, e eu dou
um pulo ao sentir dedos no meu cabelo. — O que há de errado com você?! —
grito para Valerian quando me viro e o encontro atrás de mim.
Ele sorri um pouco — o primeiro que vejo em seu rosto o dia todo. Ele retira
os dedos do meu cabelo, e eu encontro um único talo de rosa entre eles.
É o truque mais idiota e antigo do mundo, mas eu luto contra a vontade de
corar. Então, eu reviro os olhos para esconder o fato de que algo tão simples
me tocou. — Alguém poderia pensar que um príncipe teria coisas melhores
para fazer do que perseguir mulheres.
Ele avança e coloca o talo no meu cabelo, em algum lugar atrás da orelha. —
Não quando essa mulher é minha esposa. — Ele cheira o ar, olhando ao redor
da cozinha, notando a falta de empregadas e meus dedos cheios de farinha. —
Você está cozinhando? Onde estão as empregadas?
— Foram embora. Eu precisava de um pouco de paz e sossego, algo que
nenhum de vocês Ivashkovs claramente respeita — , murmuro, tirando a rosa
do cabelo e jogando-a na ilha, para que ele não tenha ideias engraçadas de
que estou de boa com ele me surpreendendo e agindo como se fôssemos
amantes.
Ele me encara por um momento que dura demais. — Você está chateada. O
que há de errado?
— Nada. — Viro-me, pego as luvas e tiro a pizza do forno. Sinto o olhar dele
queimar enquanto corto a massa em triângulos pequenos. — Você vai ficar aí
parado o dia todo?
Ele tira o casaco e o pendura em um gancho na parede. — Gosto de te
observar.
— Diga-me que é mais um hábito que você milagrosamente desenvolveu
desde que eu fui embora — , murmuro com sarcasmo, embora o tom
agressivo das minhas palavras tenha sumido, e eu pareça menos irritada.
Sopro um fio de cabelo que gruda na minha bochecha, apenas para que seus
dedos toquem minha pele um segundo depois, entrelaçando-se em meu
cabelo e puxando-o para trás do meu rosto com uma gentileza que me
surpreende.
— Eu sempre gostei de te observar, Oleia. — A voz dele fica mais suave,
aveludada. — Quando você dorme. Quando você lê. — Seus dedos deslizam
até a curva do meu pescoço, permanecendo com uma ternania surpreendente
enquanto ele junta meu cabelo, torcendo-o em um coque improvisado. —
Quando você anda pela minha casa como se fosse sua. Quando você me
encara como se não suportasse me ver. E especialmente agora... — O olhar
dele queima, percorrendo-me. — Cheia de farinha, suada, e ainda
conseguindo parecer a coisa mais bonita que já vi.
Minha boca fica seca, e por alguns segundos, não consigo lembrar por que é
uma má ideia me deixar levar por ele. Quando consigo me recompor, ele já
está ao meu lado na ilha, olhando para a pizza como se fosse algum mistério
sem solução. — Eu nunca entendi muito bem a obsessão com essas coisas.
— Eu também não, já que pratos gourmet e refinados eram os preferidos lá
em casa. Não saudável, como meu pai costumava dizer. Mas Veneza tem
algumas das melhores receitas que já experimentei. — Olho para as porções,
grandes demais para eu terminar de qualquer maneira. — Quer um pouco?
Seus cabelos ruivos caem sobre o ombro quando ele se vira para mim, seus
olhos negros arregalados de surpresa. — Você... me ofereceria comida?
Eu franzo a testa. — Você quer ou não?
Ele não sorri, nem esboça aquele ar malicioso de sempre. Ele me encara
como se eu tivesse crescido outra cabeça, e levo cinco minutos vendo-o
mastigar a ideia para me lembrar o porquê. Tradições estúpidas. Todo mundo
sabia o que oferecer comida aos cônjuges significava para os lobisomens. Eu
nem sequer tinha me lembrado ou pensado nisso dessa forma.
Comemos em silêncio até que ele pergunta: — Como foi, em Veneza?
Hesito, mas percebo que não estou com disposição para ser má hoje. Então,
conto a ele, passando por tudo o que consigo lembrar. Descobrir que estava
grávida logo depois de chegar, ficar doente após chorar por dias, ver minha
barriga crescer enquanto lutava para me concentrar nos cursos que estava
tentando aprender em meio a doenças constantes e uma leve depressão. Evito
falar sobre os detalhes do nascimento de Azrael e falo em vez disso dos
momentos que ele perdeu. As primeiras palavras de Azrael, suas expressões
mais usadas, seus primeiros passos, seu primeiro dente sendo uma presa, seu
primeiro chilique, seu primeiro quebra-cabeça resolvido.
Seus olhos brilham prateados enquanto falo, mas ele me ouve atentamente,
como se estivesse com medo de perder mais um momento. Quando fica
difícil falar sem me emocionar, conto a ele sobre minha primeira entrevista
de emprego, e ele dá uma leve risada quando explico que não consegui o
trabalho porque apareci com restos de comida de bebê de Azrael na camiseta
— eu nem tinha percebido.
Em algum momento, nos desviamos, trocando experiências — alegres — , e
quando meus pés começam a doer de tanto ficar em pé, Valerian me pega
pela cintura e me coloca na ilha. Não é um toque quente ou sugestivo, mas
faz uns nós se apertarem no meu estômago. Um pouquinho.
— Eu entendo — ele diz quando minha risada diminui depois de ouvir sobre
sua infância. De alguma forma, não consigo encaixar o homem à minha
frente com a imagem de um jovem de dezesseis anos que encharcou a cama
do primo com sangue de porco por ele ter ficado com uma garota de quem
gostava. — Eu entendo por que você não quer ficar. Você... — Sua voz some
enquanto seus olhos caem no anel no meu dedo.
— Ele te faz feliz?
Meus olhos seguem os dele até o anel parado no meu dedo. Eu poderia dizer
a ele que Darian e eu estamos juntos, mas não estamos noivos, e duvido que
algum dia eu queira me casar de novo. Mas sei que, se ele perceber que há até
mesmo uma pequena chance de meu coração ainda pertencer a ele, ele nunca
vai me deixar ir.
E mesmo que eu saiba há algum tempo que uma parte do meu coração
sempre pertencerá a Valerian, não tenho certeza se quero passar o resto da
vida com ele. Se essa mudança nele é apenas porque ele quer me manter por
perto e, se eu deixá-lo entrar novamente, ele voltará a ser aquele Valerian que
me machucou sem nem um pingo de remorso.
Há apenas uma coisa da qual tenho certeza, e é que não quero voltar para
aquela vida. Então sorrio brilhantemente, mesmo que lágrimas queimem no
fundo dos meus olhos. E digo: — Eu nunca fui tão feliz.
Algo devastador passa entre nós naquele momento, e vejo isso em seus olhos
enquanto ele processa aquela informação e... a aceita. Seus olhos estão suaves
e brilham com mágoa, mas ele acena com a cabeça. — Então não vou
atrapalhar sua felicidade. Eu não mereço você e nunca merecerei.
Eu esperava algo diferente, embora não saiba exatamente o quê. Também não
entendo por que me sinto magoada por dentro.
Ele estende a mão para mim. — Trégua?
Olho para sua mão grande e elegante com desconfiança. — E o que isso
implica?
Um pequeno sorriso. — Começar de novo. Pelo bem de Azrael. Não como
amantes ou ex. Mas como amigos.
Um aviso ecoa na minha mente, na voz de Astrid. Você não pode ser amiga
de seus ex. Nunca dá certo. Mas já vi pessoas deixarem de lado suas
diferenças por tempo suficiente para discutir custódia e criar um filho. Não
será fácil, mas poderíamos aprender.
Envolvo meus dedos ao redor dos dele, um calafrio percorrendo meu braço a
partir do contato. — Trégua.
C A P ÍT U L O 2 8
OLEIA
eus esforços para entrar em contato com Darian nos próximos dias
M vão por água abaixo, e eu decido passar as festas com minhas irmãs.
Mas até esse plano foi perturbado ao descobrir que Penelope não
estaria em casa no Solstício, mas sim com Fenris, seu companheiro. Lena
estava ocupada em Los Angeles e não conseguiria voltar para casa até
janeiro. Kieran levou Astrid e sua filhinha para a Grécia, numa viagem que
Astrid esperava o ano inteiro.
E não tinha jeito de eu passar o Solstício com meu pai ou dar a ele chances de
me irritar e me insultar.
Por isso aceitei ir a esse encontro com Lyra e Adrian. Por puro tédio e
solidão. Sei que serei a terceira roda, mas é menos deprimente do que ficar
deitada sozinha em um castelo quase vazio com um pacote de salgadinhos e
tentar afastar minha tristeza assistindo TV.
Eu não tinha perguntado se ele viria junto. Fiel à sua palavra, ele deu um
passo para trás, e alcançamos um tipo de relacionamento cordial. O café da
manhã não é mais tão caótico, embora eu suspeite que a energia tensa sempre
permanecerá. Ele ainda me busca no trabalho, e de vez em quando temos
conversas descontraídas.
Foi estranho no começo, mas ambos nos acostumamos com o que parece ser
uma rotina.
Minha parte favorita do dia, no entanto, está rapidamente se tornando ir ver
Azrael juntos, observando meu filho se abrir mais facilmente com Valerian
do que com qualquer outra pessoa. Em apenas alguns dias, eles estão mais
grudados que lambuzão. O tema da guarda surgiu algumas vezes, mas
decidimos ter essa conversa específica no final dos dois meses de transição.
Há momentos, no entanto, em que parece que o ar entre nós está carregado de
tensão sexual, e embora façamos o possível para ignorar, eu pego Valerian
me olhando às vezes com aquele calor carnal nos olhos. Pode ser quando seus
dedos encostam nos meus na mesa do café da manhã, enquanto ambos
alcançamos o saleiro. Ou quando eu adormeço no carro dele após o trabalho e
acabo acordando com a jaqueta dele cobrindo meu corpo como um cobertor.
Ou quando nos esbarramos no quintal e nos cumprimentamos constrangidos,
enquanto seus punhos se fecham e se abrem com uma necessidade visceral
de... segurar.
Eu saberia, porque às vezes tenho os mesmos desejos. De passar meus dedos
pelos cabelos dele, encostar meu nariz na curva do seu pescoço e meus lábios
descerem pelo plano duro do seu peito, dentes arranhando as marcas dos seus
abdominais...
Eu xingo baixinho, minha língua traçando os dentes doloridos. Não sei por
que essas coisas continuam acontecendo comigo. Deve ser a proximidade me
afetando. Eu pisco, forçando meu foco de volta para o homem à minha frente
— qual era o nome dele mesmo? Bernard? — enquanto ele se inclina mais
perto, um sorriso nos lábios. Seu cabelo escuro, penteado para trás, e o terno
impecável gritam riqueza e sofisticação, mas há um brilho em seus olhos que
me irrita, como se ele já tivesse decidido que eu estou impressionada com ele.
Certo, porque só um homem excessivamente confiante se aproximaria da ex-
esposa do príncipe vampiro. Ou um homem com uma agenda.
— Então, você costuma vir a apresentações como essa sozinha, ou eu
simplesmente tive sorte de te encontrar hoje à noite? Por "apresentações", ele
se refere à bela peça de ballet sobre Odette que assistimos, que arrancou mais
fungadas do que aplausos no nível superior do teatro, antes de descermos até
aqui, para o lounge de veludo.
Eu percebo meu olhar desviando para Lyra, Cyril e Adrian. A primeira rindo
de algo que Adrian disse e mordendo sua orelha. Eu juro que esses dois não
conseguem manter as mãos longe um do outro. Eu reprimo um suspiro,
oferecendo a Bernard um sorriso fechado. — Não, na verdade não. Eu vim
com amigos.
Ele se aproxima ainda mais, seu perfume invadindo meu espaço — rico,
almiscarado e um pouco avassalador. — Podemos mudar isso. Sabe, apenas
você e eu algum dia. Eu poderia te mostrar algumas joias escondidas na
cidade que não são tão... lotadas.
Que original. Eu suspiro pelo nariz, pegando meu mocktail — nunca mais
vou tocar em álcool na vida — do balcão. — Isso é gentil da sua parte, mas
não estou procurando explorar no momento.
— Ah, vamos lá — ele diz, com os dedos roçando o corte exposto na curva
da minha cintura. — Todo mundo sabe que você está sendo trocada por
Ivashkov por causa de traição. Poderia muito bem explorar mais
oportunidades. Eu não sou da realeza, mas tenho uma fonte inesgotável de
riqueza.
Algo entre irritação e incredulidade surge dentro de mim, e eu não me esforço
para escondê-lo. Meus lábios se abrem para soltar palavras que, sem dúvida,
acabariam com minha reputação, mas eu engasgo com elas ao sentir um
formigamento forte que percorre meu pescoço, meu corpo relaxando com
excitação e expectativa. Eu olho em direção às portas, como tenho feito a
noite toda, esperando, procurando rosto por rosto por uma certa ruiva, mesmo
sem entender o porquê.
O lounge estava cheio de gente antes; agora está cheio dele. Sempre foi
assim. Valerian só precisava entrar em uma sala para dominá-la, preenchê-la
completamente com sua presença. Imagino se isso deixa todos os outros
homens com inveja. Devia deixar. Todas as mulheres o queriam e todos os
homens queriam ser ele.
"Bonito" ainda é uma palavra muito branda. Ele é puro sexo andando em um
terno cinza ardósia da Armani. E ele não está sozinho.
Há uma mulher pendurada no braço de Valerian. Há uma mulher. No braço
de Valerian.
Uma deslumbrante mulher de cabelos negros como corvos, vestindo um
vestido preto de decote pronunciado e um colar de diamantes puros envolto
em seu pescoço pálido e elegante, sorri para ele, piscando os cílios e... o colar
ao redor do meu pescoço parece apertado demais.
Amigos. Estamos recomeçando como amigos. Não somos nada um do outro.
Eu não me importo se ele aparece com uma mulher. Eu não me importo. —
Com licença — eu digo a Bernard com um aceno, andando para longe com
mais balanço nos quadris do que o necessário.
Olhos famintos me seguem enquanto atravesso o ambiente, e um em
particular parece uma marca na minha lombar nua, deslizando até meu
bumbum, e queima cada vez mais forte, mais furioso. Eu balanço os quadris
um pouco mais, ignorando completamente meu ex-marido. Lyra está sorrindo
para mim quando chego à nossa mesa.
Ela parece espetacular em seu vestido de cetim azul meia-noite, e seus olhos
castanhos brilham de malícia enquanto sussurra: — Lá vem ele. Eu te disse
que esse vestido era quente.
Mas não me sinto quente da maneira que ela fala. Minha pele está quente,
repuxada, e isso só piora quando Valerian se aproxima dos nossos lugares
reservados e apresenta a mulher ao seu lado para Cyril, que beija seus nós dos
dedos por um momento além do necessário, e depois para Adrian, depois
Lyra, e logo encontro seus olhos negros me devorando com uma intensidade
que beira a raiva e o desejo.
Seus olhos caem sobre o copo que seguro, e suas narinas se dilatam... ele está
farejando álcool. — Oleia, esta é Cherry. Cherry, Oleia. Minha...
— Ex-esposa — digo com um tom jovial, mesmo me sentindo um lixo. O
sabor doce e ácido do maracujá fica amargo enquanto a mulher pega minha
mão e ri. — Val me contou muito sobre você.
Val?
Minha resposta mal chega a mim, e me sinto uma estranha no meu próprio
corpo enquanto vejo Valerian afastá-la, apresentando-a aos outros elitistas,
como fazia quando estávamos juntos.
As palavras me atingem no estômago, se espalhando pelo peito como veneno.
Quando estávamos juntos.
Porque não estamos mais. Eu não tenho mais nenhum direito sobre ele. Não
tenho direito de ficar brava por ele aparecer em um evento que ele sabia que
eu estaria, trazendo um acompanhante. Não somos mais um casal há mais de
dois anos. Tento me acalmar. Tento conversar com outras pessoas e até
desfrutar da atenção dos homens que parecem ter interpretado a presença de
Valerian com outra pessoa como um sinal para se aproximarem de mim. Mas
toda vez que ouço Cherry rir, toda vez que ela se inclina em seu espaço e
sussurra algo no ouvido dele, vejo vermelho.
Tinha doído antes. Quando éramos casados e ele entretinha mulheres, eu
sentia cada segundo de angústia. Mas mesmo assim, ele tinha sido meu, da
maneira mais distorcida possível. Ele podia ficar por aí, dormir com quem
quisesse, mas ele era meu marido. Meu.
E agora, ele não é mais. Apenas documentos e promessas quebradas nos
mantiveram juntos, e depois da minha declaração, ele decidiu que nos
divorciaríamos após a recuperação de Azrael.
Seguir em frente? Como eu pensei que poderia seguir em frente de um
homem que eu nem sabia como deixar ir? E aqui estou, dois anos depois,
ainda sofrendo com uma dor que pensei ter morrido com a Oleia de dezoito
anos.
Começo a espiralar. Ouço as palavras que Lyra me dirige, mas elas não
fazem sentido. Rio mais alto do que o necessário das piadas que os homens
ricos de ternos elegantes me contam, só para que ele ouça, para que ele me
veja sorrir. Eu o pego olhando algumas vezes, mas ele nunca faz nada,
continuando uma conversa com sua acompanhante que eu daria qualquer
coisa para ouvir. Ele gosta dela? O que ela significa para ele? Ele nunca riu
tanto comigo quando estávamos juntos. Ele vai levá-la para casa depois
disso?
E quando sinto que estou começando a perder a cabeça, vou para o bar. O
atendente — um lobisomem bonito com pele como bronze polido e olhos
castanhos fundos — sorri para mim. — Desculpe. O Sr. Ivashkov disse que
não pode lhe servir álcool, senhora.
A frustração só aumenta. — E suponho que você obedece a tudo o que o Sr.
Ivashkov diz.
Ele encolhe os ombros, manuseando os coqueteleiros. — Ele é o chefe.
Não consigo respirar rápido o suficiente. Ar. Preciso de ar. Preciso que
Valerian saia da minha linha de visão. — O terraço. Onde fica?
Ele aponta para o arco branco decorado com flores noturnas, e eu passo por
ele apressada, encontrando as portas e escorregando por entre elas, sem me
importar que provavelmente pareço patética e estúpida. Eu deveria ter ficado
lá dentro. Olho para o meu vestido e odeio ainda mais esta noite. Porque...
porque, mesmo que eu tenha dito a mim mesma que estava me arrumando
toda para um evento, lá no fundo, eu sabia que estava me arrumando para
Valerian. E não sei o que isso faz de mim.
Uma mentirosa e traíra, porque no fim, Darian estava certo.
Minhas unhas cavam nas palmas das mãos enquanto cerro os punhos contra a
borda do telhado vazio. Mordo o lábio inferior porque não para de tremer e
sinto o sabor salgado das lágrimas nos lábios. O vento brinca com meus
cabelos, agitando-os enquanto olho para a borda, encarando uma cidade que
já significou tudo para mim. E eu nunca me senti tão perdida em toda a
minha vida. Tão confusa. Tão sozinha.
A porta se fecha silenciosamente atrás de mim e nem me dou ao trabalho de
olhar para trás quando aquela brisa fantasma que cheira a inverno e
especiarias passa, uma jaqueta caindo sobre meus ombros. — Está frio lá
fora, Oleia.
Eu enxugo uma lágrima rebelde com as costas da mão, baixando o rosto para
que ele não me veja chorando. — Só preciso de um minuto. Você não
precisava me seguir. Não é cavalheiresco deixar sua companhia sozinha.
Dedos quentes agarram meu queixo, forçando-me a olhar para olhos negros e
lindos. — Cherry é uma velha amiga e está aqui por Cyril. Não por mim.
Eu balanço a cabeça. — Você não precisa se explicar para mim e eu não ligo
com quem você aparece.
Seus lábios curvam levemente, o polegar capturando minha lágrima antes que
ela possa rolar novamente pela minha face. — Não é isso que seus olhos me
dizem.
Eu o encaro e odeio o quão bonito ele é. — Se você sempre soube ler meus
olhos, por que então não fez nada quando me viu desmoronar? Por que
agora? Por que me confundir assim? O que mudou?
Os olhos de Valerian se fixam na nova onda de lágrimas que escorrem pelas
minhas bochechas e eu juro que ele para de respirar por um instante. Meus
nervos tremem enquanto espero que ele me ignore e negue respostas, mas ele
diz: — A primeira mulher que amei morreu pela mesma razão. — Sua mão
cai da minha face e eu sinto imediatamente falta do calor de sua pele na
minha. Ele olha para a cidade com décadas de luto escurecendo seus olhos.
— Eu não sabia do nosso dilema, da nossa maldição, tendo expressado pouco
ou nenhum interesse em ser o herdeiro, e então, quando ela me disse que
estava grávida, eu fiquei extasiado.
Ele cerra a mandíbula e meus olhos ardem por um motivo completamente
diferente enquanto ele continua: — Meu pai não aprovou minha escolha —
uma humilde empregada humana que antes havia sido uma prostituta de
sangue — e quando eu o informei, ele não se deu ao trabalho de me avisar
que ela morreria se mantivesse a criança. Ele me fez acreditar que ela estava
segura, me enviou para Kiev, a linha de frente da primeira guerra. Fiquei lá
por meses, e quando voltei, após vencer a guerra, foi para vê-la morrendo. E
não havia nada que pudesse ser feito para impedir. Tentei transformá-la, mas
ela nem sequer quis. Viver. Ela me odiou, me amaldiçoou até seu último
suspiro, e eu não conseguia compreender. Que meu pai a deixou morrer,
apenas para provar um ponto.
Valerian ri de forma rouca, e há algo quebrado naquele som. Quase insano.
— Ele sempre foi assim, sabe? Se não podia controlar algo, encontrava
maneiras de levá-lo à ruína total, para que apenas ele pudesse consertar.
Dizem que ele matou sua rainha porque ela se deitou com outro homem, mas
ele fez isso apenas para me dar uma lição. Ela havia se tornado um incômodo
e seu herdeiro parecia preferir passar os dias na cozinha com os escravos a se
envolver em seu esporte sangrento. — Ele finalmente se volta para me olhar,
e eu encontro um frio impiedoso em seus olhos. Pura morte.
— Eu tinha seis anos e ele me fez assistir enquanto fazia aquilo. Ainda tenho
pesadelos dela estendendo a mão para mim, implorando, antes que ele
desferisse o golpe fatal. Então ele me fez limpar tudo. O sangue. Me fez
prová-lo, sabendo que despertaria a fome em mim. — Eu não tenho certeza
se ainda estou respirando quando ele diz: — Eu acordei no dia seguinte e
encontrei uma humana morta em meu quarto, seu sangue em minha boca.
Ainda não me lembro do que aconteceu naquela noite, mas soube mais tarde
que ela havia sido trancada no quarto comigo, por ordem do meu pai. E
ninguém veio ajudá-la enquanto ela gritava e implorava enquanto eu drenava
seu sangue. Seis anos, e já um assassino.
Estou tremendo por toda essa revelação quando ele acrescenta a pior coisa
que eu poderia imaginar ele dizendo. — Matei outra pessoa dois anos depois,
outra empregada, que aparentemente contou a alguém que eu chorei porque
não queria matar a mulher de antes. Meu pai me disse que ela estava
espalhando rumores de que seu herdeiro era um maricas de coração de ouro,
quando não havia nada de dourado no meu coração. — Seus olhos quase se
apagam completamente, como se ele tivesse ido para outro lugar. — Ele me
enviou o cadáver da empregada no dia seguinte com uma adaga e instruções
para esquartejá-la. Fui forçado a esfolá-la usando apenas minhas garras e
dentes, porque normalmente não havia razão para um príncipe do sangue
esfolar sua própria refeição. — Desta vez ele ri, quase completamente
enlouquecido agora. Ele tinha sido forçado a ser cruel da mesma forma que
eu tinha sido forçado a ser fraca.
Outro sorriso curva seus lábios, mas não chega aos olhos. — Minha vida
nunca foi minha para começo de conversa. Minha vida era do meu pai, e
quanto mais cedo entendi isso, mais fácil foi viver. Eu podia ter amantes, mas
um passo fora da linha e eles morriam, misteriosamente. Fiz alianças difíceis
para vencer essa guerra, casamentos com mulheres que mal conhecia. Não
que importasse. Todas tiveram o mesmo destino horrível. E então, você
apareceu. Eu não achei que seria diferente. Foi até mais difícil. Você era
pouco mais que uma criança, ainda nem tinha vivido.
Ele ri de novo, um som amargo e zangado. — E eu vi você, tão cheia de vida,
já condenada a ser apagada e viver o mesmo destino cruel. Eu me recusei.
Pela primeira vez em mais de cem anos, me recusei a cumprir as ordens do
meu pai. E então, fiquei com uma escolha. Me casar com você e
eventualmente matá-la, ou aniquilar você e o resto da sua família na próxima
onda da guerra. Foi uma escolha fácil.
Eu engulo em seco, os dedos pressionados contra meus lábios, frios, tão frios.
Se não estivesse apoiada na grade, talvez tivesse caído. Eu nem o conhecia
ainda e ele já havia escolhido salvar minha vida. Ele me escolheu.
— Não achei que conseguiria passar pelo casamento, ou suportar nossa noite
de núpcias. Então, bebi até quase morrer. Não nego que tinha reservas sobre
me casar com uma raça que passei a maior parte da minha vida matando, mas
era mais que isso. Mas você não era nada como eu imaginava, e embora
estivesse bêbado na maior parte do tempo, não pude evitar — segurar você,
beijar você. Não conseguia explicar, ainda não consigo. Mas parecia que
você sempre foi minha. Como se eu estivesse perdido, procurando vislumbres
de você por anos sem perceber.
— Eu comecei a me importar e isso me assustou, porque sabia que era só
uma questão de tempo até ele te tirar de mim. Mostrar que me importava
resultaria na sua morte. Eu tive que te afastar.
Os pontos começam a se conectar, devagar, mas seguramente. Tudo começa
a fazer sentido. E enquanto o ouço preencher as lacunas que me mantinham
acordada à noite, descobrindo que ele havia sido ameaçado pelo pai, uma
fúria assassina percorre minhas veias. Eu a reprimo antes que se torne um
baque constante em meus ouvidos.
— Você perguntou o que mudou. — Valerian se vira para mim, estendendo a
mão entre nós para segurar meu pescoço. — Eu te disse, Oleia. Não vou mais
viver assim. Eu preferiria morrer do que deixar você escapar de mim de novo.
Eu preciso travar minha mandíbula para evitar me inclinar em direção a ele,
para não ceder ao toque suave que gradualmente se torna uma carícia, e é
uma luta ainda maior dar um passo para trás, me afastar. Pela minha
sanidade, pelo meu bem-estar. Eu desvio o olhar do dele e, sem saber como
responder a tudo o que ele acabou de revelar, procuro por algo mais. — Por
que eu não posso beber álcool?
O único aviso que tenho é o som de seus sapatos roçando suavemente nos
azulejos. Ele tira o casaco do meu ombro e geme baixinho ao ver a parte de
trás perigosamente baixa do meu vestido. — Porque eu quero que você se
lembre de como ficamos bem juntos quando eu te foder com esse vestido,
Oleia.
Meus joelhos fraquejam, e o calor percorre cada veia, despertando cada
maldito nervo. Seus dedos sobem pelos meus braços, e eu dou um passo para
trás, incapaz de me manter em pé. — Valerian — eu alerto, mas sai como um
gemido, uma súplica.
— Me desculpe — ele sussurra, pressionando o peito contra o meu, e minha
visão fica embaçada de vermelho. — Eu não consigo não te segurar esta
noite. Só... me deixe te segurar assim. Só por esta noite.
Talvez seja o medo na voz dele, como se sentisse que nunca mais fosse me
segurar assim. Ou talvez ele se abrir para mim tenha derretido completamente
o gelo ao redor do meu coração. Mas eu relaxo contra ele, deixando minha
cabeça cair de volta sobre seu ombro, e quando seus lábios roçam meu pulso
acelerado, seus braços envolvendo minha cintura com possessividade, me
pergunto por que me dei ao trabalho de fugir em primeiro lugar.
C A P ÍT U L O 2 9
OLEIA
oltamos da festa horas atrás, e nem mesmo sentar no banho gelado foi
V capaz de esfriar o calor amaldiçoado sob a minha pele. Eu também não
conseguia dormir, nem pensar em qualquer outra coisa além da mão de
Valerian apoiada casualmente na minha coxa durante todo o caminho de
volta, sem se afastar, respeitando a minha decisão.
E eu queria coisas. Coisas sujas, horríveis pelas quais eu jamais me perdoaria.
E era uma loucura, mas minha mente havia criado imagens de ser arrebatada
no banco de trás do Rolls-Royce dele. Eu queria que ele desrespeitasse a mim
e às minhas decisões. Eu fugi no momento em que entramos na garagem,
antes que pudesse ceder a isso.
A inquietação me tirou do quarto minutos atrás, e eu não tinha controle sobre
os meus pés enquanto me levavam pelas escadarias grandiosas, uma sede
enchendo a minha boca e uma fome debilitante apertando o meu estômago. E
agora, eu estou em frente à porta imponente, emoções transbordando dentro
de mim.
Eu não deveria estar aqui. Um nó de medo sobe pela minha garganta. Eu não
posso estar aqui.
Minha mão cai da maçaneta e eu recuo um passo, depois outro. No que eu
estava pensando? Uma vez é um erro. Duas vezes é pura insensatez. Um
pecado.
Contra quem exatamente, ecoa aquela voz sinistra na minha cabeça, e eu me
viro bruscamente, pronta para correr.
Mas a porta se abre e eu me viro.
Valerian está parado na porta, o peito ofegante, a camisa desalinhada, os
olhos brilhando em um vermelho intenso. Seu olhar desce para a fina
camisola que eu havia colocado sem pensar muito, e um suspiro tenso
expande seu peito largo.
Meu corpo fica quente e eu dou um passo para trás. Isso é tudo de que eu
deveria fugir, essa atração primitiva que o tempo e a distância não conseguem
apagar. As chamas que acendem e nos consomem. Mas o meu corpo não me
obedece quando se trata de Valerian. Nunca obedece. Eu tenho apenas alguns
segundos antes que ele feche a distância entre nós. Eu tenho apenas alguns
batimentos cardíacos antes que ele me toque e tire o meu senso de
racionalidade.
Eu olho o comprimento do corredor, avaliando o brilho predatório no seu
olhar rubi e chego à mesma conclusão. Estou ferrada. Eu nunca deveria ter
vindo até aqui.
— Eu realmente não faria isso, se fosse você — Valerian avisa quando os
meus pés batem contra o mármore. Sua voz está tão grossa, tão gutural, que
ele não parece nada com ele mesmo.
Isso — tudo isso é culpa minha. Eu o provoquei a noite toda com a visão
obscena das minhas costas enquanto eu dançava com Lyra, sabendo que ele
estava sempre me observando. Eu tinha balançado meus quadris sabendo o
quanto ele queria me tocar, sabendo o quanto eu queria as mãos dele neles e a
sua virilha pressionada contra a minha bunda. E quando ele abriu a porta para
mim, eu havia esfregado nele, tão perto que ele arriscou se inclinar para
cheirar o meu pescoço.
Valerian abre a porta mais. — Vem cá.
Eu olho dos olhos dele, impossivelmente famintos, para o quarto atrás dele, a
tentadora oferta de estar a portas fechadas com ele. Meu núcleo derrete como
manteiga, e é pura força de vontade que me impede de correr— não, voar em
direção a ele ao tom autoritário da voz.
Em vez disso, eu viro para o corredor e começo a correr.
Mal dei o primeiro passo, sinto as costas dele contra as minhas. Nem o ouvi
se mover. Eu grito quando o braço dele envolve meu peito, me pressionando
com tanta força contra o peito dele que o som morre quando meus dentes
batem. Faço um protesto sem palavras que nem de longe é um protesto,
quando meus pés deixam o chão e sou carregada para o quarto com violência
e luxúria pairando no ar ao nosso redor.
Tô ferrada.
A porta mal bateu quando sou pressionada contra as ranhuras, os pesados
suspiros de Valerian aquecendo meu pescoço. — Você deve pensar que
minha palavra não vale nada.
— Vale? — Eu quase rosnar. Há algo animalístico na luxúria que corre nas
minhas veias. Vermelha. Quente. — O que aconteceu com começar de novo
como amigos?
Ele pressiona firme contra minha bunda. — Você estragou tudo no momento
em que usou esse vestido, sabendo exatamente o que faria comigo. — Uma
investida áspera contra minhas costas me faz suspirar. — Você imaginou eu
arrancando ele e te fodendo ali mesmo? Ou achou que eu esperaria até te ter
sozinha, onde ninguém poderia ouvir você gritar meu nome?
Minha coluna se arqueia, e meus quadris me traem, rolando uma vez. Meus
deuses, eu perdi a cabeça. — Não. Você tá delirando.
Os lábios dele pairaram perto da minha orelha. — Seu cheiro diz o contrário,
seus pequenos suspiros, o desejo nos seus olhos, o balanço dos seus quadris.
— Seus quadris avançam, lentos e punitivos, duas vezes. — Ninguém
conhece esse corpo como eu. Ninguém.
— Convencido demais — digo, mas minha cabeça cai contra o peito dele,
meus mamilos tensos e duros enquanto roçam nas ranhuras da porta. Meu
corpinho de vadiazinha fica plácido, se moldando a cada centímetro
musculoso dele. Doce deusa, será sempre assim com Valerian? Um toque e
eu me desfaço?
O braço dele ao redor do meu torso desliza para baixo, levantando a barra do
meu vestido curto, e a vergonha queima minhas bochechas quando ele ri em
total descrença. — Me fode, zvezdochka. Você não está usando calcinha.
Eu começo a me contorcer quando um dedo encontra minha entrada e
empurra. Meus joelhos param de funcionar, e Valerian me segura com um
joelho enfiado entre minhas pernas. Meus olhos se fecham quando outro dedo
se junta, e ele arranca a frente do meu chemise com raiva, rasgando-o. A mão
dele é tão grande que consegue segurar meus dois seios de uma vez,
acariciando, apertando. Seus dedos roçam nas paredes do meu núcleo,
entrando, deslizando, empurrando mais fundo enquanto ele trabalha meus
mamilos até eu estar em um frenesi, esfregando contra o pau duro dele como
se fosse morrer sem isso.
Engulo um pedido. Eu preciso... preciso que ele entre. Preciso de mais do que
os dedos dele.
Ele me ignora, levando seu maldito tempo para me excitar cada vez mais,
mas nunca o suficiente para me levar ao orgasmo. Não peço por isso. Rosno,
e ele solta um somzinho de aprovação. Mas ele não me dá o que eu quero.
Minhas pernas tremem enquanto fecho os olhos, imaginando coisas profanas,
e aperto minhas coxas, desesperada o suficiente para me satisfazer sozinha.
O queixo de Valerian afaga meu cabelo enquanto ele ri suavemente, o som
suave e rico fazendo meu pulso se acelerar. — Coisinha selvagem — ele diz
com carinho, antes de me virar, de modo que meu peito fique pressionado
contra o dele, e então ele me beija. Profundo e intenso, até eu não conseguir
falar ou mesmo respirar, até eu não me importar se vou respirar novamente.
Até tudo o que eu conhecer ser o gosto dele em minha boca. Até ser tudo o
que eu vou conhecer.
Ele me pega contra a porta com minhas pernas envolvendo seu torso, e é
selvagem, cru e punitivo. E então, ele me leva para a cama, me colocando de
joelhos e com o peito no colchão. Ele abre minhas pernas o máximo que
podem ir e, com uma mão no meu cabelo e a outra na minha costela, ele me
dá o que eu quero, e mais. Eu gemo e engasgo com isso. Depois, eu canto,
um pouco. E então, eu grito alto o suficiente para acordar todo o castelo.
Envoltos em suor, excitação e esperma, ele entra até o fundo.
Horas parecem minutos. Eu não canso, nem ele.
Eu sinto o cheiro do medo dele, sua desesperança a cada empurrão forte.
Sinto isso vazando dele enquanto ele nos distancia o suficiente para tirar o
restante de nossas roupas. Ele me deixa montar nele, me deixa afundar meus
dentes no pescoço dele enquanto levanto meus quadris e desço devagar em
seu pau. Ele me observa enquanto eu observo onde nos unimos. Ele estava
certo. Fazemos uma linda imagem.
Meus ombros se arqueiam e eu choro em seu pescoço enquanto gozo.
Ele me vira de costas e faz amor comigo gentilmente, como na nossa primeira
vez. Ele me beija com sua boca e corpo, dizendo palavras que sua boca ainda
não pronuncia, e eu ignoro. Ignoro as emoções que me inundam e trazem
lágrimas aos meus olhos enquanto me despedaço ao redor dele, me
contorcendo e ofegando por ar.
Ele se inclina, com as mãos apoiadas de cada lado da minha cabeça, e justo
quando acho que ele pode me beijar, ele vai em direção ao meu pulso. Suas
presas afundam, rápidas e dolorosas— mas só por alguns segundos, porque
tudo desaparece, o mundo fica distante e preenchido por ele. Ele está dentro
de mim, sob minha pele, ao meu redor e na minha cabeça. Sinto as emoções
dele. O peso disso colidindo com minha mente, como se fosse atingida por
uma onda gigante. Algo se estica entre nós, algo que sempre esteve lá,
abafado e ignorado.
Isso ganha vida, mais brilhante a cada gole de sangue que ele bebe de mim.
Eu deveria ter medo de ser drenada até a morte. Eu deveria ter medo de
quanto ele me quer, de quanto eu o quero. Ele quer mais do que estou
oferecendo, mais do que uma noite de sexo incrível e brigas de manhã, mais
do que ser amigos. Eu deveria ter medo de até onde ele pode ir para
conseguir o que quer, mas de alguma forma sei que estou segura com ele.
Sempre estive.
E de repente eu estou quente e carente, tomando cada centímetro magnífico
dele tão fundo, que esqueço meu próprio nome. Estamos alinhados tão
perfeitamente, que poderíamos ter sido moldados um do outro. Se eu fosse
acreditar naquilo no meu peito, novo e pulsando forte com vida e
efervescência.
E quando ele retrai suas presas, os olhos cheios de espanto e... aquela emoção
profunda e indecifrável, eu sei que ele também sente, mesmo que não faça
sentido como. Vampiros não têm companheiros.
O pensamento mal se instaura antes que ele me beije com meu sangue ainda
quente em seus lábios. Eu esqueço, agarrando seus ombros enquanto tomo e
tomo tudo o que ele dá, insaciável.
Ele goza com um rugido e um sibilo, seus tremores tão violentos que eu
envolvo seus braços em torno de seu torso para impedi-lo de se arquejar na
cama. Quando eu gozo, me sinto tonta, sem ossos. Meu orgasmo não me
saciou. Se alguma coisa, me deixou com mais fome, mas olhar em seus olhos
corta a névoa ardente de desejo.
Valerian parece um homem completamente desfeito. Destruído.
Seus lábios se separam e eu sei o que ele vai me dizer.
Então, eu o beijo antes que as palavras possam sair, porque não estou pronta
para ouvir. Porque tenho medo de qual será minha resposta.
A porta da cafeteria tilinta e eu levanto os olhos da minha xícara ao
reconhecer o aroma familiar do verão. Ele desperta uma sensação no meu
estômago — culpa. Acho que sempre me sentirei assim quando olhar para o
Darian agora. Culpa. Não vergonha. Não tenho o direito de sentir vergonha
por ter voltado para a cama de Valerian nas últimas duas semanas, deixando
que ele me ensinasse as várias maneiras possíveis de uma mulher
experimentar prazer. Não tenho o direito de sentir vergonha por ter deixado
que ele me mordesse e me comesse ao mesmo tempo, porque foi a melhor
coisa que já senti na vida.
Não tenho o direito de sentir vergonha por ter adormecido na cama dele,
porque, sempre que ele terminava comigo, eu raramente conseguia descer as
escadas até o meu quarto. E nos dias em que ele me dedilhava tão forte que
eu via estrelas, ele apagava a dor com a língua. Não tenho o direito de sentir
vergonha por amar demais aquela língua ou por adormecer ao som profundo
da voz dele, enquanto ele cantarolava uma música de décadas atrás, em uma
tentativa falha de cantar uma canção de ninar para mim.
Não. Eu não poderia — nem sentiria — vergonha ou arrependimento por
precisar daquele homem de um modo tão vital quanto o ar. Não vou sentir
vergonha por amar um homem mais do que as palavras podem explicar.
Então, levanto o queixo e aceno. Mas não há necessidade disso. Seus olhos
cinzentos e frios se fixam em mim e suas narinas se dilatam. Ele sabe. Ele
pode sentir o cheiro de longe, assim como toda a família de Valerian podia
sentir todos os dias durante o café da manhã.
Ele avança em minha direção com passos medidos. Está de terno hoje,
parecendo completamente deslocado aqui. Ele cresceu desde a última vez que
o vi, e há um pequeno hematoma machucando seu maxilar. A cadeira parece
um pouco pequena demais para ele enquanto ele se acomoda, recostando-se.
Conseguir convencê-lo a marcar esse encontro foi difícil, e eu sabia que ele
só tinha aceitado porque o Alfa Kieran de algum modo o persuadira.
Meus dedos apertam a xícara de café, de repente úmidos. — Como você tem
estado? — Tento, sem saber quais seriam as palavras certas para começar.
Ele não olha para mim. — Ocupado. —
Frio. Duro. Suponho que mereço isso. Eu aceno com a cabeça. — Ouvi o
anúncio oficial. Parabéns. —
— Obrigado. —
— Darian. —
Ele finalmente olha para mim. Seus olhos são pedras preciosas claras, crus e
abertos. — Não. —
Eu me forço a manter o olhar dele, piscando para conter o ardor nos meus
olhos. — Você foi… tudo para mim. Mais do que eu jamais pensei que
merecesse. Você me deu segurança, amor e uma vida que eu nunca imaginei
poder ter. Você foi paciente, mesmo quando eu não merecia. Foi gentil,
mesmo quando eu não podia te dar tudo o que você queria. E ficou, mesmo
que eu tenha te dito desde o início que parte de mim ainda estava… amarrada
a ele. —
As lágrimas ameaçam cair, mas eu as seguro. — Eu nunca quis te machucar.
Juro que não quis. Você foi apenas bom para mim, e merece muito mais do
que eu fiz. — Minha voz se reduz a um sussurro, carregada de culpa. Fecho
os olhos. — Eu disse a mim mesma que poderia seguir em frente. Que
poderia escolher deixar o passado para trás. Mas eu estava mentindo. Para
você. Para mim mesma. — Pressiono os dedos contra a têmpora, lutando para
encontrar as palavras certas. — Eu… eu transei com ele na noite em que saí
da casa do bando com minhas coisas. —
Eu tinha lutado com essa decisão. A decisão de contar a ele que o tinha traído
logo depois que ele expressou suas preocupações e eu o chamei de inseguro.
Eu tinha lutado com isso por um tempo e decidi que não tinha o direito de
filtrar quais verdades eu lhe contaria. Ele merece muito mais do que isso.
Meu peito se aperta ao ver Darian enrijecer e sugar o ar de forma abrupta. Ele
vira a cabeça bruscamente, o movimento tão final que parece o fechamento
de uma porta que nunca mais vou abrir. Eu me apresso em buscar palavras.
Qualquer coisa para fazer a dor nos olhos dele desaparecer. — Eu estava
bêbada e… —
O som da cadeira dele raspando no piso me interrompe, e vejo a rigidez de
seus ombros, a maneira como os punhos se fecham com tanta força que os
nós dos dedos ficam brancos. Ele parece estar a um segundo de sair pela
porta, e eu não o culparia se o fizesse. Mas ele não vai. Ele fica, mandíbula
travada, olhar fixo em algum ponto além de mim. E eu sei que meu tempo
está se esgotando. — Eu sinto muito. Por te magoar. Por tudo. Você merece
alguém que possa te amar do jeito que você me amou. Completamente. Sem
questionar. Você merecia mais do que minha fragmentação, mais do que
minha indecisão, mais do que essa confusão em que te envolvi. Você merece
alguém cujo coração seja inteiramente seu. Alguém que nunca hesitará, nunca
vacilará. Você merece tudo de bom nesse mundo.
Minha mão treme enquanto estendo-a entre nós, colocando o anel que ele me
deu sobre a mesa. O soluço que eu vinha segurando escapa, cru e quebrado.
— Sinto muito.
Por um longo e agonizante momento, ele não diz nada. E então, ele faz
exatamente o que eu temia que faria. Sua mão pairou sobre o anel que deixei
na mesa, mas ele não o pega. Em vez disso, ele se endireita, a mandíbula
tensa, a voz firme, mas vazia. — Adeus, Oleia.
E então ele se vai.
Quando volto para casa— para o castelo, vou direto para meu quarto em vez
de ir para o de Valerian e me afundo no chão, soluçando com a cabeça entre
as mãos. Eu estraguei tudo. Eu não merecia chorar como se fosse eu a ferida,
mas meu coração parece estar se despedaçando para acomodar um vazio que
ficará para sempre. Pelo garoto que conheceu tantas das minhas primeiras
vezes mais do que ninguém, pelo homem que me amou quando eu não
conseguia encontrar um único motivo para me amar. Pelo Alfa que segurou
minha mão e gritou meu nome, me dando uma única ordem enquanto eu
sangrava. *Viva*.
Pressiono minha testa contra o chão gelado, meus soluços se transformando
em respirações trêmulas, mas a dor não desaparece.
Em algum momento, alguém bate na porta, mas não me levanto do chão, nem
respondo. Sei que é Valerian, pela agitação lá no fundo de mim, mas não
tenho forças para falar com ninguém. Ele vai embora e volta minutos depois,
quando já consegui reunir energia suficiente para me levantar e tirar o casaco.
A porta se abre e eu não me importo de me virar ou olhar para ele. Meus
olhos estão inchados e meu rosto sem dúvida está vermelho. Não adianta me
virar se não quero compartilhar ou ser consolada. Só quero ficar sozinha
agora.
Passos soam atrás de mim e, então, os dedos de Valerian tocam meu pulso.
Eu me encolho, saindo do alcance dele enquanto as palavras, *"Adeus,
Oleia"* ressoam em minha cabeça repetidamente. Meus olhos estão cansados
enquanto se fixam na janela e no céu noturno lá fora. — Acabou — digo,
minha voz rouca de tanto chorar. — Darian e eu... Eu terminei.
— Perdi alguém bom — continuo, minha voz trêmula. — Alguém que talvez
eu nunca me perdoe por ter magoado. E eu terminei porque não podia ficar
com ele quando sabia... — Eu me interrompo, cerrando os punhos ao meu
lado. — Quando sabia que ainda te amava.
Então me viro e encontro apenas compreensão em seus olhos. E um tom de
tristeza, como se ele soubesse para onde isso está indo. — Não acho que
quero voltar para você ainda. Não assim. Não agora. — Eu balanço a cabeça,
as palavras saindo de mim antes que eu possa pará-las. — Se eu me deixar
cair em seus braços agora, depois de tudo, vou me odiar ainda mais se isso—
seja lá o que for entre nós— fracassar de novo. Se não valer tudo o que eu
perdi para chegar aqui.
Valerian fecha a distância entre nós, envolvendo-me em seus braços como se
soubesse o quanto eu preciso ser abraçada. Eu choro em sua camisa enquanto
ele segura minha cabeça, me mantendo contra ele como se eu fosse algo
precioso. — Tenha um pouco de fé em mim, *zvezdochka*. Em nós.
— Estou cansada de me destruir por você — eu choro, meus dedos agarrando
sua camisa enquanto ele desliza os dedos para cima e para baixo em minha
costas, em linhas calmantes.
— Você não terá que fazer isso. Não mais. Eu vou consertar tudo, vou acertar
— ele diz suavemente.
Eu dou uma respirada engasgada, meu peito arqueja antes que a próxima
onda de soluços me domine. — Eu quero uma pausa de... seja lá o que for
isso entre a gente.
Os dedos de Valerian mergulham no meu cabelo, acariciando meu couro
cabeludo. — Você quer um cavalinho, Oleia? Eu te dou um. Mas não me
peça para deixar você ir embora de novo. Eu não vou fazer isso. Eu nem
conseguia respirar direito quando não sabia onde você estava.
— Eu só fiquei longe por duas horas — sussurro, inalando seu cheiro.
— As duas horas mais longas da minha vida — ele sussurra, beijando minha
testa.
— Por que você me chama de Zvezdochka? O que isso significa? — Muitas
vezes em Veneza, eu tinha encontrado meus dedos pairando sobre a palavra
no buscador, mas nunca tive coragem de pesquisar, com medo de encontrar
algo que iria quebrar minha raiva e me fazer sentir mais falta dele.
Seu batimento cardíaco é forte e constante perto do meu ouvido. — Significa
'estrelinha'. Você chegou até mim em um momento em que eu só conhecia a
escuridão e me surpreendeu com sua luz brilhante. — Os dedos de Valerian
passam suavemente pelo meu cabelo. — Minha estrela.
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evagar. Valerian e eu estamos levando as coisas devagar. Algo entre
D amizade e amantes, ou vice-versa. Eu estou gostando, talvez um pouco
demais. Os encontros que terminam com minhas costas contra a parede
ou minhas pernas abertas sobre uma mesa como um banquete sob as estrelas.
A possessividade pura em seus olhos e toque quando eu assisto a eventos
importantes como sua parceira, os beijos tímidos roubados entre as danças,
suas mãos subindo pela minha coxa na mesa do café da manhã e minha risada
estridente e aguda que tenho certeza que irrita todo mundo. Tem sido
suportável, no entanto. O rei Marcus mal aparece para o café da manhã e não
nos encontramos mais pelo castelo.
O momento mais estranho pode ter sido ir ao Baile de Leilão Beneficente na
Prefeitura e ele me levar ao mesmo salão onde eu o encontrei com outra
mulher anos atrás, apenas para descobrir que eu não o havia pego me traindo
naquela noite.
Claro, os vampiros davam umas escapadas nos camarotes de vez em quando,
mas os salões foram criados com o único propósito de alimentar e entreter os
convidados exclusivos durante os eventos. E eu devo ter perdido um pouco a
cabeça, porque vê-lo se alimentar, a barbárie do ato, o lado animalesco dele,
o calor em seu olhar enquanto bebia, enquanto seus olhos permaneciam em
mim, percorrendo cada centímetro do meu corpo, isso me deixou em chamas.
Deveria ter sido nojento, mas tudo o que eu queria era ser sua substituta de
alimentação. Eu queria seus dentes no meu pescoço e suas mãos na minha
pele. E ele me deu o que eu queria em um camarote privado, meus dedos
menores em seu cabelo e minhas coxas sobre as dele.
De alguma forma, no espaço de um mês e algumas semanas, eu me vejo indo
de ser retraída, tensa, em constante estado de preocupação para ser mais livre,
feliz, leve, espontânea e talvez um pouco safadinha também.
— Já pensou nisso? — Valerian pergunta enquanto entra na garagem da
instalação. Hoje é o último dia de Azrael aqui, a transição tendo sido
concluída. Eu não o vi há mais de uma semana, já que Horace disse que ele
estaria em isolamento e monitorado nos últimos dias. Ainda não me disseram
em que corpo ele se estabeleceu, vampiro ou lobisomem, e posso dizer que
não sou a única cheia de excitação e energia nervosa.
— Você prometeu não me pressionar sobre isso — eu brinco, endireitando
minhas calças de terno. Valerian diz que eu não preciso mais trabalhar, me
fornecendo tudo o que preciso, mesmo antes de eu pedir, mas eu me recusei a
desistir. Gosto do ritmo e propósito que isso me dá. — Você ficou
impaciente, Val.
Ele resmunga, colocando a mão na minha cintura enquanto entramos no
elevador. — Nenhum homem quer que sua mulher seja abordada por outros
homens. E mulheres.
Eu me encosto no metal frio, arqueando uma sobrancelha. — Deixa eu
adivinhar. Isso tem algo a ver com a festa de ontem? Eu te disse que recusei.
Usar seu anel não teria impedido ela de se aproximar.
— Você não sabe disso — ele murmura, encarando meu dedo sem anel como
se o ofendesse pessoalmente. — Você é minha, você dorme na minha cama,
acordamos um ao lado do outro. Por que você não o usa? E por que não usa
meu sobrenome?
Eu reviro os olhos, fechando a distância entre nós. — Você sempre foi tão
chorão?
Ele franze a testa, mas não diz nada enquanto eu mordo sua mandíbula com
meus dentes. — Você estava bem quando eu pedi tempo.
Valerian agarra minha bunda, me pressionando contra ele, e um rosnado
feroz reverbera em seu peito. Parece que ele não me teve no chuveiro esta
manhã. — Eu não pensei que isso levaria uma eternidade. Sinto falta de te
chamar de minha.
— Como se você já não fizesse isso — sussurro, prendendo seu lábio inferior
entre meus dentes e mordendo como sei que ele gosta. Sua reação é
instantânea e eu estou presa entre seu corpo duro como pedra e as paredes de
aço. Suas mãos se apoiam na minha cabeça enquanto sua língua desliza
contra a minha, rápida e intensa, enquanto seu membro rígido pressiona meu
estômago.
Minhas mãos atacam seus cabelos, puxando com força, e ele geme, me
levantando e —
O elevador tilinta e uma mulher dá um suspiro. — Oh! Sinto muito —
As portas se fecham e mal tenho presença de espírito para notar que Valerian
apertou os botões sem interromper o beijo. Eu me afasto quando ele levanta
minha coxa para enganchá-la em sua cintura. — Aqui não!
Seus olhos estão negros e severos. — Por que não? Eu sou o dono do maldito
prédio.
— Mais tarde — prometo, recuando contra a parede e soltando um suspiro
rouco, já sentindo falta do corpo dele contra o meu enquanto ele se afasta.
Valerian está certo. Pode-se dizer que eu sou sua mulher, de cabo a rabo, e
não é que eu não tenha gostado. Gostei. Mas usar aquele anel novamente,
carregar seu nome, morar em sua casa, não como uma convidada, mas como
uma princesa, sua esposa legítima e casada, uma pequena parte de mim se
revolta com a ideia e eu me seguro a isso, porque não tenho mais motivo para
ficar longe.
Nenhuma das memórias que tive do nosso tempo juntos foram momentos que
eu quisesse reviver. E embora ele literalmente tenha prometido o mundo,
acho bastante difícil simplesmente ceder e me permitir aceitar.
Problemas de confiança, eu acho.
É por isso que eu pedi tempo, mas tudo o que isso faz é me fazer sentir como
se estivesse empurrando tudo para longe, procrastinando o inevitável.
Valerian nos leva ao escritório de Horace pela escada, mas em seu lugar, uma
jovem de olhos vermelhos como sangue está sentada, digitando coisas em um
computador. Ela olha através das lentes embaçadas e, quando seus olhos
pousam em Valerian, ela se levanta da cadeira, colocando a mão no coração.
— V-vossa alteza— Senhor —
Valerian levanta a mão. — Onde está Horace? Azrael deve ser liberado hoje.
Viemos buscá-lo.
As sobrancelhas da mulher se franzem e ela parece olhar para o tablet ao seu
lado. — Mas... — Ela morde o lábio inferior antes de encontrar nossos
olhares e algo dispara na minha mente. — Ele já foi liberado. — Ela olha
para baixo novamente, uma expressão perturbada em seus traços. — Dois
dias atrás.
Isso... não pode estar certo. Eu me afasto de Valerian, mal notando meus
movimentos ao pegar o tablet. — Ele não poderia ter sido liberado sem que
fôssemos notificados. Somos seus pais. — Eu não entendo nada do que está
escrito na folha, e levo um minuto inteiro com dedos trêmulos e respiração
ofegante para encontrar Azrael Mikhail Ivashkov, liberado às 12:55 da
madrugada, 15 de janeiro de 2025, Alexei Petrovich.
O ar ao meu redor fica denso, pressionando meu peito como se as paredes
estivessem desabando. Minha visão embaça e as palavras na tela tremem, se
recusando a fazer sentido. Eu olho para cima. — Alexei Petrovich? Quem
diabos é esse?!
Seu rosto cora. — E-eu não sei. Eu não estava no turno da noite. J-Jamie
estava.
Meu estômago embrulha e eu me viro para ver que Valerian está revirando os
quartos envidraçados. Eu corro atrás dele. Minha voz falha a cada grito de
seu nome, cada chamada sem resposta cavando mais fundo no meu peito.
Minhas mãos tremem enquanto abro porta após porta, meu corpo anestesiado
para a dor quando meu ombro bate em uma trancada. Tinha que ser um erro.
Mas não o encontramos e Valerian está fazendo ligações e... Deuses.
— Oleia — Valerian diz, segurando minhas bochechas com as mãos, e eu
não noto minha incapacidade de respirar até ele dizer: — Respire.
Eu arranco as mãos dele do meu rosto. — Respirar?! Como eu posso respirar
quando Azrael desapareceu?! Você disse que era seguro aqui! Você
prometeu!
Seus lábios se apertam. — Vamos encontrá-lo. Meus homens estão
atualmente revirando a cidade em busca de Jamie Tanase. Ele não apareceu
no trabalho desde então. Vamos descobrir quem levou Azrael assim que
localizarmos... — O som agudo de seu toque de telefone o interrompe, e ele
coloca o aparelho no ouvido quase imediatamente, seu sotaque mudando
conforme ele fala com dureza em russo. Minha mão se agarra ao peito, à dor
que se acumula ao ler sua expressão, que apenas parece escurecer, o que não
pode ser nada bom.
Ele rosnar o que presumo ser uma ordem no receptor antes de desligar. Seus
olhos negros brilham com raiva e preocupação enquanto ele se volta para
mim novamente. — As filmagens do circuito fechado de TV têm uma falha
naquele horário. Foram apagadas. — Há mais, eu percebo pelo seu olhar
grave. — Jamie foi encontrado morto em seu apartamento.
Meu estômago se contrai. Eu poderia mentir e tentar acreditar que era uma
coincidência que, logo após Azrael desaparecer, a única pessoa que o viu ser
levado morresse, mas eu sinto isso profundamente. Tudo está conectado. E
isso só pode significar uma coisa. Quem quer que o tenha levado fará de
tudo, menos matar, para manter sua identidade oculta. Uma sensação horrível
me invade, medo e desespero. Quem poderia... quem faria algo assim?
Marginais? Por quê? Eles queriam vingança ou vantagem? Mas nenhum
marginal poderia simplesmente entrar. As instalações têm segurança
reforçada, permitindo que apenas funcionários com IDs escaneados entrem, e
os pais precisavam de notas de aprovação do médico antes mesmo de levar
seus filhos. Valerian me garantiu tudo isso quando perguntei. Nem mesmo
um rei marginal poderia passar por aqueles portões.
Tinha que ser alguém que trabalha aqui. Alguém com influência suficiente
para apagar as filmagens do circuito fechado de TV. Havia mais mãos
envolvidas nisso do que imaginávamos. E o 'porquê' disso me deixa louca de
preocupação e ansiedade.
Pelo menos, com os marginais, seria previsível. Eles teriam feito exigências
no momento em que tivessem Azrael. Isso, eu não consigo entender, e nem
Valerian, julgando pelas várias ligações que ele atendeu nos últimos cinco
minutos. Não preciso perguntar a ele, minha audição sensível captando
facilmente as palavras que são transmitidas.
— Giovanni não apareceu para o turno da noite. Ele estava de guarda
naquela manhã. Morto. Sua língua foi arrancada da garganta.
— Clarice foi vista pela última vez a caminho de casa do trabalho. O marido
dela a deu como desaparecida. Ela administrou a última dose de anestésicos
no seu filho, embora a babá tenha notado que a quantidade era maior do que
o normal.
— Greg da vigilância também desapareceu. Suicídio. Engoliu a própria
língua...
Eu desligo quando tudo que ouço são más notícias e becos sem saída óbvios.
Meus dedos tremem enquanto os passo pelo cabelo. Eu estremeço e me
agacho, segurando com força até quase arrancar os fios do couro cabeludo.
Dois dias. Dois dias, e eu não sabia. Eu estava rindo, me contorcendo de
prazer sob Valerian enquanto nosso filho era levado por sabe-se lá quem. Que
tipo de mãe não sente quando seu próprio sangue é arrancado dela?
As mãos de Valerian tremem enquanto ele encerra outra ligação. Sua
mandíbula se tensiona, a veia em sua têmpora pulsando, mas sua voz
permanece firme quando ele se volta para mim. Ele precisa se manter calmo
— por nós dois — , mas eu posso ver o medo em seus olhos, tão forte e cru
quanto o meu. Ele esconde bem, me dizendo que tudo ficará bem,
prometendo, me tranquilizando enquanto me abraça contra o peito, e eu choro
em seu ombro, enquanto ele jura que encontrará nosso filho e não voltará
para casa até que o faça.
No terceiro dia, toda a Romênia sabe que Azrael está desaparecido. Equipes
de busca vasculham cada canto, pistas sem saída vão e vêm, e perguntas são
feitas com crescente desespero — mas nada.
Valerian também não esteve em casa, mas nas raras horas em que a dor
colapsa em exaustão e eu choro até adormecer, às vezes sinto sua presença —
observando do sofá em nosso — seu quarto, colocando um cobertor sobre
meu ombro e um beijo sussurrado em minha testa. É o único pedaço de calor
que permito nestes dias, odiando tudo e todos. Odiando a mim mesma por
pensar que nunca deveríamos ter saído de Veneza. Odiando a mim mesma
por ter trazido Azrael para cá.
Eu me forço a participar da busca sempre que surge uma nova pista. Mas
cada beco sem saída me destroça, deixando-me em lágrimas, incapaz de
funcionar. Um peso. Valerian não diz, mas eu vejo em seus olhos. Ele odeia
me levar e me ver desmoronar. Ele odeia não conseguir cumprir sua palavra
comigo. Talvez até se odeie um pouco por não ter conseguido manter Azrael
seguro.
E eu sei que isso também é minha culpa. Eu gritei com ele, o repreendi na
frente de todos e o culpei por isso. A culpa veio depois, o remorso e o pedido
de desculpas seguiram, mas eu percebo que, mesmo que ele me tivesse
abraçado e feito mais promessas que eu não acreditava que ele poderia
cumprir, as palavras já haviam criado raízes.
Ele me deixou aos cuidados de sua tia, Zephyr, que não me deixava sozinha,
mesmo quando eu a repreendia. Ela me alimentava mesmo quando eu
recusava, me forçando com uma única frase. — Se você se deixar morrer de
fome, nunca mais verá Mikhail. — Não era que eu estivesse me deixando
morrer de fome. Como eu poderia comer sem saber se meu filho tinha
comido? Se ele estava doente? Se o frio havia entrado em seu peito, como
sempre acontecia, e ele estava com febre? Ele estava chorando? Estava me
chamando?
Minhas irmãs visitavam-me com tanta frequência que acabaram ficando em
quartos no castelo. Eu sabia que Valerian as havia convidado, mas eu não
conseguia agradecê-lo por isso. Eu quase nunca o via também.
Astrid não podia passar a noite por causa de sua filha, do companheiro e das
responsabilidades de Lua, mas ela garantia que ficava colada em mim como
uma segunda pele, me puxando para fora sempre que eu mergulhava
profundamente na angústia paralisante.
Uma semana passou e eu comecei a perder a cabeça, vendo Azrael em todo
lugar, ouvindo seu riso e seus choros, pesadelos assombrando cada momento
em que eu estava acordada até que eu parei de dormir completamente e
comecei a dirigir pelas ruas com fotos, perguntando a estranhos se eles já
haviam visto meu filho.
Mas o rosto dele já estava estampado em todas as paredes, e a recompensa
oferecida por Valerian era dez vezes maior do que a que ele havia colocado
sobre minha cabeça e a de Darian anos atrás.
E ainda assim, nada acontece.
Estou em espiral, eu sei, agindo como um animal encurralado, e mais do que
tudo, eu desprezo os olhares de compreensão das pessoas ao meu redor. O
amor de Valerian. A tristeza de Cyril. Os olhares apologéticos de Adrian. O
cuidado de Lyra. A pena de Kathleen. A preocupação de Zephyr. O afeto
inabalável de minhas irmãs. O de meu pai... Eu nunca saberei o que meu pai
está pensando, mas até os olhos dele se suavizaram nas raras ocasiões em que
ele visita.
Todos os seus sentimentos se tornam um fardo para carregar, e não importa
como eles tentam agir como se eu não estivesse perdendo a razão, como se eu
estivesse apenas de luto. Eu ataco. Luto e perdas. Meu filho não está morto.
Eu saberia, sentiria no fundo do meu ser se ele tivesse partido, da mesma
forma que senti sua força vital deslizar quando o dei à luz.
Talvez seja a loucura se infiltrando, mas eu me encontro em frente à
instalação. Eu pretendia tomar um ar, longe de todos, mas de alguma forma
dirigi pelo caminho sinuoso até me encontrar aqui.
A segurança não me impede ao entrar, e os funcionários também não falam
comigo. Eles estão muito ocupados se curvando e me lançando olhares de
pena para se aproximar. Eu não poderia garantir que, se algum deles o
fizesse, eu não arrancaria seus rostos.
Como um zumbi sendo empurrado sem pensar, eu ando. E ando, observando
tudo, mas quase não estou presente. Eu não pego o elevador, preferindo as
escadas.
Meus pés podem doer nos saltos, mas eu mal sinto a dor ao chegar no andar
das crianças. As máquinas zumbem, os médicos falam em voz baixa, as
crianças riem. A vida continuou, como se meu filho não tivesse sido raptado
bem aqui. A vida sempre continua, independentemente das circunstâncias, e
estando no lado errado desta vez, eu desprezo o universo. E a deusa.
Algo— alguém bate em minhas pernas e um grito de alegria perfura o ar. Eu
olho para baixo e, por um momento, os olhos azuis de Nisha são rubi-negros.
Seus cabelos negros como corvo são substituídos por cachos macios e loiros
prateados, e eu me abaixo, um soluço rouco escapando de mim enquanto
seguro... ela, contra meu peito, enterrando meu nariz em seu pescoço, mesmo
que ela não cheire nem um pouco como Azrael.
Nisha puxa meu cabelo. — Lay-ya — , ela murmura, do jeitinho que prefere
chamar meu nome, com aquela fala infantil. — Não chore. Ele vai voltar.
Eu fungui baixinho enquanto me afasto. — Não consigo encontrá-lo em lugar
nenhum, Nisha. — É estúpido falar com uma criança sobre meus problemas,
mas eu fechei todos os outros, cansada de suas respostas maduras demais. Eu
não queria maturidade. Eu só queria Azrael.
Ela faz um biquinho, enrolando meus cabelos nos dedos, e então tenta
beliscar meus brincos. Ela murmura algumas palavras que preciso decifrar
por alguns segundos antes de entender. — Foi com o avô.
Isso não faz muito sentido, mas algo em mim me leva a perguntar: — Por que
você pensaria isso?
Ela não olha para mim, os olhos arregalados de fascinação enquanto o
diamante reflete neles. Outro grunhido em linguagem de bebê e mais
tradução. — Ele me disse. Puxou meu cabelo. — Ela fica levemente irritada
por um segundo. — Me disse que quando voltar, vai me levar para o castelo
dele. Brincar juntos.
Eu sei que é bobagem e conversa sem sentido. Eu vi Marcus lá no castelo.
Ele também está procurando Azrael. Seja como for, ele parece ainda mais
irritado do que eu por Azrael estar desaparecido. Além disso, se Marcus
realmente viesse aqui, *todo mundo* saberia. Ele é o rei, afinal.
Ainda assim...
Eu vou até o escritório de Horace com Nisha no colo, e é a mesma mulher
daquele dia sentada em sua cadeira. Claro que é. Horace está fora do país em
uma cúpula médica na Califórnia.
A mulher se levanta abruptamente, abaixando a cabeça em deferência. —
Nada de novo...
— Houve alguma visita a Azrael, além da minha e de Valerian, antes do dia
15? — Eu conheço Azrael. Se ele disse a Nisha que iria para algum lugar
com o avô, então ele realmente achou que iria. Quero saber por que isso
aconteceu.
Ela pega o tablet rapidamente, olhando as folhas que se parecem com
registros, e balança a cabeça. — Nenhuma...
— Além de Kait, quem mais foi designado para ele?
— Devido ao fato de ele ser filho do Príncipe Valerian, foi decidido que
apenas os melhores cuidariam dele. Clarice e o CMO foram os únicos
médicos autorizados a atendê-lo. — Horace é o Diretor Médico Chefe.
Eu mordo o interior da bochecha, dispensando ambas. — Os banhos dele,
trocar as fraldas e tudo mais? Sem babás?
— Julianne, mas seu marido — o Príncipe — já a interrogou, deixando-a tão
abalada que ela tirou uma semana de folga. — Ela rabisca um endereço, os
olhos passando rapidamente da tela para o papel. — Você poderia visitá-la.
Talvez ela saiba algo que não sabemos. Embora... — ela me entrega o pedaço
de papel marrom. — Eu duvide.
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eneza não tinha favelas, e, embora vivêssemos uma vida comum e
V mundana, não era ruim. De jeito nenhum era. Principalmente se
comparada à vida do homem médio em Bucareste. Olhares me seguem
enquanto caminho pelas ruas, fixando-se no meu relógio, sapatos e brincos.
Talvez eu devesse ter passado em casa para vestir algo menos... chamativo.
Em minha defesa, essas eram as roupas mais confortáveis e discretas que
encontrei no meu guarda-roupa.
Conto os números nos prédios decadentes, parando em frente ao número
treze. Há um garoto humano de pele morena sentado na varanda, encarando a
porta.
Ele me olha quando dou os primeiros passos na varanda, me observando com
ceticismo. — Você está procurando ser roubada?
Eu sorrio levemente. — Estou procurando por Julianne. Você mora aqui?
Seus olhos castanhos se estreitam, mas ele apenas inclina a cabeça em
direção à porta de madeira branca que está a um chute de ser quebrada.
Murmuro um silencioso ‘obrigada’, ganhando outro olhar estranho dele, e
cerro o punho, batendo na porta.
A porta se abre quase imediatamente, e uma humana de quarenta e poucos
anos aparece com uma espátula na mão como uma arma, gritando, — Nada
de almoço para você se não conseguir manter sua bunda preguiçosa no
lugar... — Ela congela quando seu olhar castanho pousa em mim, e uma
expressão frustrada se instala em seu rosto. — Já disse a ele tudo o que sei.
Não tenho mais nada para contar a vocês.
Coloco o pé entre a porta e o batente antes que ela possa fechá-la na minha
cara, e eu franzo a testa com a dor que se espalha pelo meu pé. Isso dói mais
do que parece. — Por favor. Eu só... não tenho para onde mais ir. Ninguém
mais com quem falar. Qualquer coisa, qualquer coisa que possa me ajudar.
Qualquer coisa que tenha parecido estranha para você. Aceito qualquer coisa
que você tiver para me dar, e não vou insistir. Eu juro.
Dez minutos depois, estou sentada em frente ao filho dela, que não para de
me encarar enquanto come seu prato de Goulash. Julianne também me
observa. Pego a colher e começo a comer meu próprio prato, achando que
seria rude recusar.
A tensão se dissolve no ar, e o garoto, Dameon, também começa a comer.
— Adoro crianças, sabe? Adorava cuidar delas. Seu garoto — ela sorri com
carinho. — Uma criança linda. Encantadora, quando não está procurando
encrenca. Me chamava de Vovó. — Seus olhos encontram os meus. — Eu
nunca teria saído naquela noite se soubesse o que ia acontecer, mas Horace
insistiu que eu tirasse a noite de folga, mesmo depois que eu disse que
Clarice deu a ele uma dose maior do que o habitual. Ele dormiu por mais
tempo. Eu sabia, porque o garoto não costuma dormir muito. Mas ele
descartou minhas palavras. O que eu sabia, afinal? Nem sei ler.
Meu celular toca, assustando a todos, e quando olho para a tela e vejo que é
Valerian ligando, eu o silencio. Ligarei para ele depois.
Seguro as lágrimas que insistem em aparecer nos meus olhos. — É só isso
que você se lembra daquela noite? Você conheceu Alexei Petrovich? — Há
muitos homens com esse nome e ninguém para identificar qual deles teria
levado Azrael. Outro beco sem saída glorioso.
Julianna balança a cabeça, seus cabelos castanhos e cacheados escapando do
coque. — Não. Eu saí antes da meia-noite. Horace se certificou disso.
Pisco os olhos, um calafrio percorrendo minha espinha. — Ele se certificou?
— O homem nunca tinha se importado muito com como eu voltava para casa
antes, mas pareceu estar com pressa para me tirar de lá. Mandou Doina me
deixar no ponto de ônibus. A viagem foi estranha pra caralho... — Ela
continua falando sobre como Doina é uma vadia arrogante e como elas
tentavam evitar se cruzar, mas as engrenagens na minha mente já começaram
a girar.
Quase não me concentro no resto do que ela diz. Um trabalho interno. Era
isso. E se estivéssemos olhando na direção errada o tempo todo? Parece uma
coincidência grande demais que Horace tenha partido para o congresso
médico na mesma noite em que Azrael foi levado, uma coincidência grande
demais que ele não tenha voltado desde então. Não havíamos notado porque
Horace nunca esteve na lista de suspeitos.
Quer dizer, por que estaria? Ele é família.
Após agradecer Julianna pelo almoço, meio corro, meio ando na direção do
meu carro, nem um pouco surpresa ao encontrar um homem mancando dele,
segurando o que parece ser o retrovisor lateral. Atrapalho-me com as chaves
enquanto disco para Valerian. Ele atende na primeira chamada.
— Onde você estava? — A voz dele está tensa, cheia de preocupação e
frustração.
— Em Bucareste. — Enfio as chaves na ignição, e o motor ruge ao ganhar
vida.
— Bucareste? É perigoso lá! Não vou conseguir chegar a tempo se algo
acontecer —
— Ninguém vai me arrancar das ruas, Valerian — corto, entrando na via
principal. — Desculpe ter saído sem te avisar. Mas… — Puxo um fôlego
profundo. — Acho que é o Horace.
Não achei que Valerian acreditaria em mim, mas ele só perguntou como
cheguei a essa conclusão, e, quando voltei para o castelo, fui recebida com
notícias. Havia um congresso médico na Califórnia, mas Valerian chamou
um favor de um amigo que trabalha com controle de tráfego aéreo.
Acessando os registros dos voos, descobriram que Horace nunca deixou a
Romênia.
As próximas horas são intensas e quase enlouquecedoras. Saber quem tem
seu filho é uma coisa; descobrir que ele simplesmente desapareceu da face da
terra é outra. Valerian tenta me convencer a ficar com Cyril e Adrian
enquanto ele 'cuida' das coisas, e, embora implore para ir junto, não é uma
batalha que eu ganho.
Então, fico sentada, contrariada, esperando por respostas, enquanto meus
cunhados me irritam com piadas chatas que acham que vão animar meu
humor, mas só me fazem pensar em quanto tempo levaria estrangulá-los.
Valerian volta horas depois, quando estou preocupada até a loucura. Estou
cheia de energia nervosa e irritação, mas as palavras morrem quando o vejo.
Juntas dos dedos machucadas, camisa manchada de sangue, mais desse
sangue escorrendo pelos lábios, alguns fios do seu sempre perfeito cabelo
fora do lugar. Mas mais do que isso, é o olhar dele. Violência e morte se
misturando, o vermelho brilhando como brasas crepitantes.
— O que aconteceu —
— Eu sei onde eles estão — ele murmura, sem muito entusiasmo.
É tudo o que ele me diz antes de pegar meu pulso, manchando minha pele de
sangue e me levando para o carro. Partimos antes que o grupo de sentinelas
se reúna, e a raiva de Valerian é uma coisa viva que suga todo o ar do carro,
deixando um calor vibrante sob minha pele.
— O que aconteceu? — pergunto suavemente, mas seus olhos permanecem
grudados na estrada, e seus nós dos dedos, já se regenerando, estão brancos
como osso ao redor do volante.
— Interrogatório. Ele deveria ter escondido o filho também.
Engulo a pergunta que se instala na minha língua. Ele o matou? Afasto a
ideia da mente antes que ela se enraíze.
— Não encontramos nada em seus aposentos no castelo, mas achamos mais
do que esperávamos em sua casa. Diários. Anotações de pesquisa. — Ele
cerra a mandíbula. — Sempre houve uma teoria entre os nossos. Uma que
rondava desde o início dos tempos, mas foi esquecida ao longo das gerações.
Vampiros, como os seus, têm vidas muito longas. Centenas de anos antes de
definharmos com a idade e o tempo, e desaparecermos no Éter.
Eu sei disso. Nós chamamos de Além, só para soar ameaçador e diferente dos
humanos. Na verdade, ninguém sabe ao certo para onde vamos depois que
morremos. O que sabemos é que há um mundo depois deste, onde os laços
que criamos continuam a existir. Sabemos disso apenas porque as
sacerdotisas nos dizem que os laços de acasalamento transcendem o tempo e
a morte, passando por diferentes vidas e mundos. Mas o que isso tem a ver
com o assunto?
— Dizem que há um jeito, que as figuras poderosas que vagavam pela terra
antes do tempo descobriram para prolongar suas vidas, o medo da morte e do
esquecimento os levando à beira da loucura.
Meu sangue esfria. Já li isso em algum lugar antes. Experimentos para
prolongar a vida que não passavam de atos de sacrilégio. Eu tinha ouvido
falar de um antigo rei dos vampiros, vários anos antes de o Rei Marcus
nascer. O desejo de viver mais do que o permitido ao seu tipo o levou a um
estado de obsessão insana. Naquela época, não havia cientistas, mas havia
estudiosos e médicos que investigavam tais estudos. Porém, ele desapareceu
antes que encontrassem algo de valor. Você pensaria que ser abençoado com
uma vida mais longa do que a dos humanos nos deixaria satisfeitos. Mas
dizem que a maioria acha mais difícil desistir quando o fim se aproxima.
Quando o último ano de suas vidas se aproxima e eles começam a definhar e
envelhecer, a maioria prefere acabar com isso sozinho do que se tornar um
cadáver em vida, ou buscar maneiras de prolongar suas vidas, mesmo que por
mais uma década. Ou duas.
— Encontramos artigos de pesquisa sobre esses tópicos na casa de Horace.
Ele está doente, morrendo. E acredita que o sangue de um híbrido é a chave.
O silêncio desce sobre nós, pesado como um cobertor molhado, e por um
momento, luto para recuperar o fôlego. — Ele vai sacrificar Azrael por um
mito sem sentido?
— Drená-lo, se devo acreditar em suas anotações — diz Valerian, com uma
voz fria como gelo, e eu ouço as palavras que ele não pronuncia pairando
pesadamente no ar. Se já não o fez.
A mão direita de Valerian cai no meu colo, e ele me encara enquanto acelera
pelas ruas. Sob outras circunstâncias, eu poderia ter achado isso perigoso e
inegavelmente sensual, mas tudo o que sinto agora é uma náusea no
estômago, o calor de seus dedos mal me aquecendo. — Eu não sei no que
estamos nos metendo, Oleia —
— Eu vou com você e não tente me convencer a ficar para trás com os
guardas de novo.
Seus lábios curvam-se em um sorriso desarmante, e ele levanta a mão para
passar os dedos pelo meu cabelo antes de voltar a olhar para a estrada. —
Quando tudo isso acabar, vou me mudar do castelo. Permanentemente. —
Olho para ele e o encontro estudando meu rosto. — Vem comigo.
— Você deixaria tudo para trás?
Ele fica em silêncio por um momento. — Eu não tinha percebido o quanto
estava morto por dentro até te conhecer. Você me faz querer viver. De
verdade. Você é tudo de bom neste mundo, tudo o que eu não mereço, mas
vou passar o resto da minha vida conquistando isso ao seu lado.
Conquistando você. Você vale mais do que qualquer trono, qualquer
conquista, qualquer ambição. Sim. Eu deixaria tudo para trás.
Minha garganta está apertada, e meus olhos ardem com lágrimas não
derramadas que escondo dele ao olhar para fora da janela, enquanto tento
controlar minha respiração. Não tenho palavras para isso.
Eu sou salva da vontade insistente de chorar quando chegamos aos portões
assustadoramente altos do que parece ser uma instalação diferente, uma
clínica privada. Há sentinelas por todos os lados. Mais do que eu já vi
reunidos em um só lugar com o mero objetivo de segurança, e o que eu acho
verdadeiramente desconcertante é que eles estão vestidos como os sentinelas
reais.
Rifles são apontados para nós quando saímos do carro, e uma voz ecoa pelo
pátio, vindo dos seis que guardam os portões principais. — A clínica está
fechada para —
Ele subitamente cai, engasgando, e o cheiro metálico de sangue enche o ar.
Eu olho, de olhos arregalados, para as costas de Valerian, quase um borrão
enquanto ele se move com velocidade desumana. Sangue respinga no
concreto. Balas voam e eu me agacho, me protegendo com a porta do carro.
Eu espiro pela janela, observando Valerian golpear e matar, e em questão de
segundos, há seis corpos no chão aos seus pés.
Ele inclina a cabeça, procurando... por mim, e quando ele encontra minha
cabeça espiando pela janela, ele parece respirar um pouco mais aliviado. Mas
há gritos vindo de dentro e eu me pergunto se Horace de alguma forma sabia
que estávamos a caminho, armando uma emboscada de sentinelas para nos
receber.
Os olhos de Valerian se estreitam em minha direção com uma mensagem
silenciosa, e embora eu odeie isso, eu permaneço escondida atrás da porta
enquanto mais balas voam e gritos dilacerantes perfuram a noite. Eu poderia
me defender em uma luta, mas isso não me torna uma lutadora. Entrar de
cabeça naquela luta só me tornaria um fardo com Valerian constantemente
olhando por mim para garantir que eu estou bem.
Então, eu espero. Minutos que parecem horas passam devagar, e eu não me
movo até que um silêncio total caia. Lentamente, eu me desenrolo da minha
posição e começo a caminhar, tentando manter o estômago firme enquanto
passo por cima dos corpos. É muito pior lá dentro, uma cena horrível que me
faz engasgar uma ou duas vezes. Entre as dezenas de sentinelas caídos, eu
procuro por um vislumbre de camisa branca e fico tão aliviada por não
encontrar que eu poderia chorar.
Eu corro, dobrando uma esquina apertada ao som de um rosnado familiar de
raiva. Há uma porta, mantida aberta por um corpo preso entre ela. Mais como
uma divisória na parede, tão sutil que, se estivesse fechada, não se destacaria.
Eu espiro para o espaço mais escuro, notando as escadas íngremes, tochas
fracamente iluminadas iluminando a superfície de cada degrau. Outro gemido
agudo e eu parto, descendo as escadas em espiral com uma mão no corrimão
enferrujado, me equilibrando.
O cheiro me ataca primeiro— mofado, metálico, azedo, como sangue e
decomposição. Meu estômago revira, mas eu sigo em frente, suor escorrendo
pela minha coluna.
Quando eu finalmente chego ao fim, estou em uma câmara subterrânea,
fracamente iluminada, com duas fileiras de celas de cada lado de mim.
Sombras se contorcem e se esticam, o som abafado de gemidos e choros
femininos fazem meu pulso acelerar. Eu ando com cuidado, lentamente,
espiando em cada cela, à esquerda e à direita. Exatamente quando eu começo
a pensar que a maioria delas está vazia e estou em uma antiga masmorra de
algum tipo, eu congelo diante da cena na última cela à minha esquerda.
Duas mulheres— gravemente grávidas, incrivelmente magras— se agacham
no canto, seus pulsos e tornozelos presos à parede por grossas correntes de
ferro. Suas respirações são superficiais, suas costelas afiadas sob a pele
translúcida. Elas nem sequer se mexem quando eu me aproximo, seus olhares
vazios de reconhecimento e vida. Apenas um vazio absoluto.
Uma delas se move levemente, a corrente rangindo contra a pedra, e eu
engasgo com um suspiro. Eu a conheço. Ela foi uma empregada uma vez, lá
no castelo antes de eu partir. Elena. Eu pensava que ela era uma das amantes
de Valerian. Agora, ela é quase irreconhecível, seu cabelo preto ralo e caído,
sua pele pendendo sobre os ossos, seu corpo uma casca do que já foi.
Valerian me dissera que as mães grávidas mal conseguiam levar vampiros até
o termo porque isso as matava por dentro. Drenava toda a vida delas até que
não fossem mais do que cascas. Eu entendo isso agora.
Eu me inclino, envolvendo meus dedos no corrimão. — Elena.
Se ela me ouve, não dá nenhuma indicação. Nem a outra mulher, que cheira
como uma de nós. Uma Ômega, talvez. Elas apenas encaram a parede, sem
piscar. Eu engulo seco, olhando para baixo e procurando pela tranca.
— Não adianta nada — ouço Valerian dizer, e um rápido olhar para a
esquerda o revela no centro de uma pequena caverna, com o corpo inerte de
um guarda em suas mãos. — Voltaremos para tirá-los daqui. Mas precisamos
nos mover agora, ou não encontraremos Azrael a tempo.
Solto os dedos das grades e sigo Valerian. — O que é este lugar? —
pergunto, mesmo tendo uma vaga ideia. Imagino se havia mais mulheres
naquelas celas e o que deve ter acontecido com elas. No centro da pequena
caverna, há uma mesa de metal com correntes. As manchas na mesa sugerem
mais sangue, e me pergunto quantos morreram sobre ela.
— Uma réplica das masmorras que ficavam sob o castelo. Meu pai... — Ele
balança a cabeça, a fúria percorrendo seu corpo. — Muitos anos atrás,
mandei desmontar e reformar tudo. Eu não imaginava que Horace recriaria
isso, ou os horrores que aconteciam aqui.
Meu peito aperta enquanto seguimos por um corredor amplo, cada passo mais
pesado que o anterior. De repente, o corpo de Valerian fica rígido, e ele
inclina a cabeça como se ouvisse algo que eu não ouço. — Fique atrás de
mim.
Então, eu também ouço — vozes abafadas, mas cortantes, vindas de trás de
uma porta no fundo. Valerian se tensiona, seu corpo se encolhe como uma
mola enquanto nos aproximamos. As vozes ficam mais altas, mais distintas,
até que a porta se abre com um estrondo retumbante.
Congelamos, atônitos, enquanto sentinelas armadas atravessam, cercando...
Não é para Horace que ambos olhamos, mas para o Rei Vampiro cruzando a
soleira com um leve brilho de frieza divertida em seus olhos negros. Olhos
que se fixam nos meus por cima do ombro de Valerian. — Vocês chegaram
mais cedo do que eu esperava.
C A P ÍT U L O 3 2
VALERIAN
ncontrar as masmorras construídas no mesmo estilo abominável que
E meu pai preferia foi como entrar em um pesadelo do qual eu havia
jurado escapar. Mas enterrei o pensamento. A visão de mulheres
acorrentadas foi mais do que suficiente para provar que isso não era obra de
Horace, mas esmaguei a dúvida mesmo assim. Meu pai tinha sido um
monstro, sim — mas era apenas sua obsessão em continuar a linhagem da
família que o motivava.
Apeguei-me a essa crença. Mesmo depois de sentir seu cheiro no corredor,
menti para mim mesmo, convencido de que ele não me trairia assim.
Mas Marcus Ivashkov era leal apenas a uma pessoa — a si mesmo.
Agora, enquanto seu sorriso se estende como uma ferida aberta e seu olhar
rasteja sobre Oleia, tudo se encaixa. Horace não está morrendo. O Rei está.
Os ataques de tosse rouca que o acometiam quando me repreendia ou se
esforçava após me punir. Sua pele pálida. Sua presença cada vez menor na
corte ao longo dos anos. Até os tremores que atribuía aos males da velhice —
não eram. Eram sinais de decadência, sua mortalidade se aproximando.
Minhas narinas se dilatam, a raiva queimando como um incêndio. Pela
primeira vez em minutos, seus olhos lascivos se voltam para os meus. — Há
quanto tempo?
Não espero que ele responda, mas quando o faz, entendo por que ele não se
importa com mentiras. Ele não espera que saiamos daqui vivos. — Antes de
você nascer — diz ele, tão casual como sempre. — Manter isso escondido foi
um sacrifício. Mas nossa espécie se curva apenas ao poder.
Seu olhar volta para Oleia, e algo na fome em seus olhos — algo doentio e vil
— faz meus punhos se cerrarem. Dou um passo à frente dela, bloqueando sua
visão.
A escuridão se enrola dentro de mim. Cada aliança, cada casamento, cada vez
que fui exibido como um garanhão para procriar herdeiros — não foi só pela
linhagem da família. Foi tudo por isso. Por ele.
Os abortos de Oleia. Sua insistência em tomar Lyra como procriadora. A
pressão, as punições. Nunca foi sobre mim.
— Onde está meu filho? — Minha voz é baixa, tremendo com uma fúria
contida.
— Descansando — diz Marcus, suas palavras despreocupadas, como se
estivéssemos discutindo o tempo e não a vida do meu filho. — A extração
das primeiras amostras o cansou. Deve ser o sangue de vira-lata nele.
Oleia emite um som — meio soluço, meio rosnado — e avança, tentando
arranhar seu rosto.
Alheio a isso, ele estende as palmas das mãos, movendo os dedos com um
sorriso sádico estampado nos lábios. — A desesperança me levou ao mito,
mas funcionou. Os efeitos são temporários, é claro, mas não me sentia tão
vivo há séculos.
— Onde. Está. Azrael. — Cada palavra sai da minha boca como a lâmina de
uma faca. Minha paciência está no limite, meu controle escorregando. Varro
o corredor com o olhar — portas demais, lugares demais onde Azrael poderia
estar.
O Rei Marcus se endireita, juntando as mãos atrás das costas. — E o que
você me dará em troca se eu entregá-lo?
— Eu não te devo nada. — Minha voz escorre veneno. — Entregue-o, ou
você encontrará os deuses mais cedo do que esperava.
Ele ri, um som que arranha meus ouvidos, cheio de zombaria. — E você acha
que venceria essa luta?
— Os sentinelas estarão aqui a qualquer momento —
— Eles estarão ocupados o suficiente para arrancar sua carne dos ossos, filho.
— Ele inclina a cabeça, os olhos calculistas voltando-se para meu ombro. —
Talvez possamos fazer um acordo. Você vai embora com o garoto. Se deixar
a princesa para trás.
Meu rosnado ecoa pelas paredes de pedra, feroz e descontrolado. Ele balança
o queixo para o guarda, cujo rifle se aponta para minha cabeça. — Traga-a
para mim.
O mundo se estreita a um único ponto.
Eu me movo antes de pensar. O homem, quase tão alto quanto eu, luta com
mais força do que os cadáveres que deixei lá em cima. Mas eu treinei com os
sentinelas— conheço cada movimento, cada fraqueza. Afinal, eu ensinei a
eles a maior parte do que sabem.
Em segundos, minhas mãos estão em volta de seu pescoço, seu corpo se
debatendo enquanto eu quebro seu pescoço com brutal eficiência. No meu
campo de visão, percebo Horace recuar, o horror estampado em seu rosto
e —
O som do grito de Oleia me paralisa no meio do movimento. Eu me viro, meu
coração desabando.
Marcus a tem, seus dedos presos ao braço dela como uma garra de ferro. Ela
se contorce e luta, mas seu aperto só se torna mais forte, puxando-a para
perto. Seu sorriso agora é maníaco, seus olhos selvagens.
— Ela é esplêndida — ele murmura, a voz carregada de uma reverência
descontrolada. — Mais resistente, se bem que um pouco afiada na língua.
Mas uma língua nunca foi necessária para fazer filhos.
O punho de Oleia atinge seu rosto, virando sua cabeça para o lado. — Solta
eu, seu maluco do caralho!
O sorriso desaparece. Sua mão se lança, atingindo-a com tanta força que ela é
arremessada contra a parede.
O som de ossos quebrando e a mancha de sangue na pedra são tudo o que
vejo, tudo o que ouço.
O vermelho domina minha visão. Minhas pernas se movem por conta própria.
Ele está morto. Ele só não sabe ainda.
Eu avanço, garras à mostra, mirando seu pescoço. Ele se esquiva, mais rápido
do que consigo seguir, e seu punho atinge minhas costelas. O estalo do osso
ressoa pelo meu corpo. A dor explode, aguda e imediata, mas eu a ignoro.
Esta não é uma luta que posso me dar ao luxo de perder. Mas a puta da
vontade só me leva até certo ponto. Posso ter anos de raiva, frustração, dor e
desespero me impulsionando. Posso ser o melhor lutador. Posso ter vencido
batalhas em nome do meu pai e matado mais homens de grande força,
habilidade e proeza do que consigo contar, mas Marcus é o Rei Vampiro.
Doente ou não, ele é o mais forte de nossa espécie.
Ele se move como um vento fantasma, séculos de experiência evidentes em
cada golpe calculado. Suas garras arranham meu peito, dilacerando a carne, e
o cheiro do meu próprio sangue enche o ar. Eu revido com um golpe
selvagem, acertando sua mandíbula. O estalo satisfatório mal se registra antes
que ele esteja sobre mim novamente, um borrão de presas e fúria.
Suas garras afundam no meu ombro, rasgando o músculo, e ele me empurra
contra a parede de pedra, quebrando-a com minhas costas. Meu crânio bate
nela com um baque horrível, estrelas explodindo diante de meus olhos
enquanto os destroços nos atingem. Eu caio através da parede quebrada na
caverna e mal tenho tempo de me levantar antes que ele esteja na minha
frente novamente. Sinto a ferida cicatrizando, meus ossos gritando por tempo
para se reconstituírem, a pele se unindo, mas eu morreria se respirasse.
— Patético — Marcus escarnece, seu rosto a centímetros do meu. —
Igualzinho à sua puta de mãe.
Eu rosnado, empurrando-o com toda a força que tenho. O movimento arranca
suas garras, deixando meu ombro jorrando sangue. Mal tenho tempo de me
recuperar antes que ele ataque novamente, seus golpes implacáveis.
As presas afundam no meu pescoço. A agonia percorre minha coluna
enquanto ele bebe avidamente. O mundo escurece, meu corpo se debate, mas
eu enfio minhas garras em seu lado, torcendo até ouvir o estalo satisfatório de
uma costela quebrando.
Marcus sibila e recua, o sangue escorrendo de sua boca. *Meu* sangue. E de
repente me atinge no estômago que ele está mirando para matar, após o que
ele planeja levar tudo o que me pertence. Oleia. Azrael. E arruiná-los
completamente. O que eu fiz para merecer um puta de um monstro como pai?
— Você matou ela, não foi? — eu murmuro, na esperança de ganhar tempo
para minhas feridas cicatrizarem. Mais um golpe crítico e estou acabado.
Cuspo o sangue que se acumula na minha boca. — Crystal. — Não me
surpreendo com a falta de reconhecimento em seus olhos. Ele matou tantos
que nem se lembra dos nomes. — A criada da Oleia. Senti seu cheiro na
câmara de tortura. Por quê?
Ele acha que vai me matar. Não adianta esconder a verdade de um homem
morto. Pressionando os dedos em sua costela quebrada, seus olhos se perdem
em uma memória quase distante. — Ela descobriu demais enquanto aquecia
minha cama.
— Ela aquecia sua cama ou você a forçou a isso? — eu rosnou.
Ele me olha de maneira estranha. — É estranho que você pense que o "não"
de uma mulher sempre significa não. Ela gostava dos hematomas. Pedia por
eles. Talvez eu a tivesse mantido por perto se ela não tentasse constantemente
sabotar meus planos envenenando a princesa, acreditando ser a única forma
de mantê-la a salvo de mim. Ela realmente achava que a princesa estaria
segura se não tivesse herdeiros. Arranquei sua língua e a forcei a engolir.
Eu poderia ter perdido o soluço baixo da Oleia, se não estivesse rastreando
seus movimentos no chão. O golpe deve ter quebrado um ou dois ossos.
Lobos não se curam tão rápido quanto nós. Ela ficará caída por um momento.
Como se percebesse meu plano, Marcus avança em minha direção, ira
brilhando em seus olhos. Mas desta vez, estou pronto. Eu me agacho,
deixando o impulso dele o levar além de mim, e cravo meu joelho em seu
estômago. Ele se dobra, e eu bato meu cotovelo na nuca dele. O impacto o
joga no chão, mas ele se levanta num instante, como se eu mal o tivesse
tocado.
Suas garras tentam atingir minha garganta. Eu me torço, evitando por pouco
o golpe, mas sua outra mão acerta meu lado, rasgando a carne. Sangue quente
encharca minhas roupas, pingando no chão de pedra.
Oleia grita meu nome, o som cheio de dor e luto.
Eu olho para ela — só por um segundo — e isso me custa. O punho de
Marcus atinge meu rosto, me jogando no chão. Minha mandíbula parece ter
sido estilhaçada, o gosto de sangue enchendo minha boca.
— Eu estava certo em não abdicar nem em te dar o trono — Marcus provoca,
circulando-me como um predador saboreando sua presa. — Todo esse ódio.
Você teria me matado primeiro. Porco.
Eu me forço a ficar de pé, a visão turva. Meu corpo treme de exaustão. Lanço
um olhar para Oleia, lutando para se levantar. Eu não achava que poderia
vencer meu pai. Sabia que não podia, mas era uma boa ideia, pela primeira
vez, lutar por algo mais valioso do que minha própria vida. E morrer
tentando.
Nós nos chocamos em um emaranhado de membros, garras e presas. Ele
rasga meu lado novamente, mas eu consigo cravar as minhas em seu pescoço.
Caímos no chão, rolando, cada um lutando pela dominância.
O mundo se reduz ao som de carne rasgada e o gosto metálico de sangue. Eu
desfero um soco em seu rosto, quebrando seu nariz. Ele revida com uma
golpeada em meu peito, deixando feridas profundas e abertas.
Estou perdendo muito sangue. Minha força está diminuindo.
Marcus me imobiliza, suas presas expostas, os olhos loucos de triunfo e
loucura. — Vou fazê-la assistir enquanto eu te despedaço — ele sibila, se
inclinando para o golpe final.
O desespero me impulsiona. Minha mão tateia cegamente por uma arma,
qualquer coisa, e meus dedos se fecham em torno de um pedaço irregular de
pedra quebrada.
Com um rugido gutural, eu cravo o estilhaço em seu peito.
Marcus congela, seus olhos arregalados de choque. Eu o enfio mais fundo,
torcendo até atravessar o osso e atingir seu coração. Ele tosse, surpreso com o
sangue que borrifa em meu rosto.
— Não— ele engasga, sangue escorrendo de seus lábios.
— Vou destruir tudo que construímos — eu murmuro, torcendo o estilhaço e
mais sangue salpica em meu rosto e pescoço. — E quando te encontrar no
Inferno, vou te matar de novo.
Eu o empurro para longe, seu corpo convulsionando. Ele se debate,
arranhando a pedra. Eu vejo a luz deixar seus olhos, seu rosto ainda
contorcido em completa descrença, mesmo minutos após seu corpo parar.
A adrenalina drena do meu corpo, e eu me deixo cair no chão de pedra,
exausto. Sangue se acumula ao meu redor, minhas próprias feridas são tantas
que não consigo contar. Minha visão escurece, minhas respirações são rasas.
Devo ter perdido a noção do tempo, pois me alimento de mãos me tocando,
me sacudindo. A voz da Oleia é distante, frenética. Mal consigo distinguir
sua voz ou senti-la enquanto a escuridão me arrasta para baixo.
As horas passam. Podem ter sido dias. Mal consigo separar meus momentos
de vigília dos meus sonhos. Oleia chora por mim em alguns deles. Se
pudesse, eu daria risada da ideia. Mesmo antes do sequestro de Azrael, era
difícil conseguir um pouco de carinho dela. Ela xingava-me e depois me
beijava, me expulsava do meu próprio quarto só para ter espaço suficiente
para se debruçar sobre seu trabalho, e então me encontrava na sala de jogos e
subia no meu colo, adormecendo ali mesmo. Eu entendia que ela tentava não
mostrar que se importava, mas muitas vezes se contradizia.
Eu também sonho com esses momentos.
Mas então, a dor vem e os substitui por pesadelos. Neles, vejo meu pai matar
Oleia. Outras vezes, ela morre pelas minhas próprias mãos, murchando e não
há nada que eu possa fazer para impedir que ela desapareça. Eu rugo, me
debato e choro.
Nesses momentos, lábios pressionam minha testa, confortando-me. Braços
me envolvem, braços que parecem um lar, como um lugar que procurei
minha vida inteira. Uma voz na escuridão. Um toque quente no frio. Palavras
suaves que alcançam as profundezas mais sombrias da minha alma e a
derretem, substituindo anos de dor e luto por luz e esperança.
Em outros dias, ouço risadas infantis e o que parece ser uma língua molhada
em minha bochecha, seguida de uma mordidinha com dentinhos.
— Você está acordado.
Eu entreolho, piscando diante da luz solar intensa. As janelas se fecham um
segundo depois, e os olhos de Zephyr pairam acima do meu rosto, um sorriso
afetuoso adornando seus lábios. — Estou me divorciando — ela grita
animadamente, o som me irritando os nervos. — Meu Deus, você está bem?
— ela pergunta quando eu faço uma careta.
— Obviamente não — rosnoma. Tudo dói pra caralho.
Tia Zephyr franze a testa, cutucando um ponto dolorido no meu peito, e ela
dá uma gargalhada quando eu rosnoma. — Vou chamar a Oleia. Ela está
preocupadíssima...
— Não.
Ela hesita. — Não?
Eu lambo meus lábios rachados, forçando-me a sentar. O mundo gira ao meu
redor, e preciso piscar várias vezes para enxergar com clareza. Meu tronco
está envolto em bandagens, e eu o encaro com raiva, imaginando quem mais
me viu de um jeito tão patético. — Chame o Cyril e o Adrian. E não diga
uma palavra a Oleia ou a mais ninguém sobre... eu estar acordado.
Seus olhos se estreitam. — Por que não?
— Tia. Eu vou contar pra ela. Um pouco mais tarde. — Não há nada que eu
queira mais do que segurar Oleia em meus braços e mantê-la lá para sempre,
mas se eu admitir, diria que estou um pouco assustado com a ideia de que ela
vá embora assim que descobrir que estou bem. Eu não quero que ela vá.
Ela solta um suspiro de resignação antes de sair correndo do meu quarto. Eles
entram no meu quarto pouco depois, e o sorriso safado de Cyril me faz
desejar ter dormido um pouco mais. — Sua Majestade — ele cumprimenta,
com uma reverência exagerada.
— Quanto tempo eu fiquei inconsciente e quão ruim está a situação? —
pergunto, ignorando-o.
Adrian esfrega a barba por fazer no queixo. — Uma semana. Tem sido uma
loucura. Meu pai está contestando o trono, invocando o édito de sucessão
real. — A lei que afirma que é direito do parente homem mais próximo
reivindicar o trono se não houver herdeiros homens. Eu começo a falar, mas
ele acrescenta: — Ele o chama de usurpador agora.
Cyril ri. — Isso só ajuda a reputação do Valerian. — Seus olhos escuros
voltam-se para os meus. — O boato na corte é que você nunca foi o fantoche
do Marcus. Estava enganando ele para roubar o trono debaixo do seu nariz.
Reputações ruins funcionam melhor nesse cenário, então eu sugiro
fortemente que você evite provar o contrário até que a coroação termine.
Eu aceno com a cabeça. — E o conselho?
— Em completo caos — Adrian murmura. — Estão divididos entre os
cânticos do meu pai e o apoio a você. Embora alguns tenham ido além,
tratando-o como soberano. — O poder sempre esteve e sempre estará nas
mãos do povo, afinal. Tedioso. Tudo era incrivelmente tedioso, e eu
considero abandonar tudo, como havia prometido a Oleia.
O problema é que abdicar não significa que o trono iria para meus primos.
Ele apenas passaria para Dimitri, meu tio, que era meu pai em outra pele. Às
vezes, ainda mais cruel.
Como se tivesse sido convocada pelo pensamento dela, ouço o clique
silencioso de saltos no corredor lá fora, e deito-me tão rápido que o mundo
desfoca. Escondo um grimace enquanto fico imóvel como a morte, fechando
os olhos.
— Que diabos —
Adrian bate o cotovelo na barriga de Cyril, calando-o enquanto a maçaneta
gira e o aroma irresistível de Oleia preenche o quarto. Sinto o peso tangível
do olhar dela sobre mim antes que ele se desvie.
— Vocês não deveriam estar aqui enquanto ele está descansando — ela
repreende gentilmente. Uma pausa. — Ele já acordou?
— Não — Adrian mente com naturalidade. Que os deuses abençoem o
desgraçado. — Estamos apenas cuidando dele. Você não é a única que sente
falta dele.
Cyril faz um som de engasgo, mas Oleia parece não notar. Seus lábios
quentes tocam minha bochecha, e ela ajusta o cobertor sobre meus ombros,
cobrindo-me com cuidado.
O calor invade meu pescoço, e eu rezo para que ela não perceba o rubor que
sobe até minhas orelhas. Cyril, infelizmente, percebe e engasga com o riso.
Não há nada de errado em fingir que ainda estou doente para que minha
esposa cuide de mim. É mais do que isso, porém. Ainda não tenho a resposta
dela sobre se deseja voltar para casa. Permanentemente. Ela expressou suas
reservas sobre o assunto da última vez que perguntei, e, embora sua incerteza
e desconfiança devido ao passado tenham doído, eu entendi e decidi não
pressionar. E depois do susto com Azrael, ficou difícil dizer se era o luto ou
se ela genuinamente me odiava e não me suportava quando se afastava,
mantinha distância e me excluía. Talvez sejam apenas minhas inseguranças
falando. Qualquer que fosse a resposta dela, eu poderia prolongá-la
mantendo-a perto o suficiente até que ela percebesse que ainda me ama,
mesmo que não admita.
Ela sai depois de encher o copo de água na minha cabeceira e ameaçar tanto
Cyril quanto Adrian com a tarefa de cuidar de Azrael se perturbarem meu
merecido descanso. Eu sorrio, quase me entregando, e no momento em que
ela está fora de alcance, Cyril solta uma gargalhada.
Nunca vou escutar o fim disso. Isso não me torna menos descarado nos
próximos dias, luxuriando nos cuidados dela, apoiando minha cabeça em seus
seios quando ela me abraça para dar boa-noite, ronronando profundamente
quando ela passa as mãos sobre meu peito para me banhar com uma toalha.
Enquanto isso, realizo reuniões particulares em meu quarto, afastando
membros do conselho cuja lealdade ao meu pai não podia ser abalada. Ou
comprada. O verdadeiro problema, no entanto, eram os facilmente
influenciáveis. Eles sempre foram mais perigosos e imprevisíveis.
Eu descubro com Cyril que as mulheres que estavam sendo usadas por meu
pai estão em tratamento e, enquanto eu estava indisposto — por falta de uma
palavra melhor — Oleia ordenou que Horace fosse mantido como prisioneiro,
com sua vida perdida se qualquer uma delas morresse.
Meu pretexto chega ao fim no terceiro dia, quando minhas feridas estão
completamente curadas.
Quando Oleia faz sua visita habitual pela manhã, ela me encontra de pé perto
das janelas, observando os jardins do castelo. Eu me viro levemente,
observando-a. Ela está com o cabelo desarrumado, seus olhos verdes pesados
de sono, os lábios levemente inchados. Ela está vestindo um camisolão roxo
que varre o chão. Não é nada revelador, mas Oleia poderia estar vestindo
trapos e ainda assim parecer sexy.
Ela pisca lentamente, os olhos se focando.
Então, eles se arregalam ao notar que estou completamente vestido. Um
pequeno som escapa dela enquanto ela se projeta para frente, envolvendo
meus braços ao redor do meu pescoço. Meu braço envolve sua cintura,
levantando-a do chão e apertando-a contra mim. Ela chora no meu ombro,
afundando o rosto no meu pescoço com carinho. — Eu senti você morrer —
ela geme.
Meus dedos se entrelaçam em seu cabelo. — Zvezdochka.
Ela estremece, fungando. — Quando você acordou?
— Três dias atrás.
Ela se assusta, recuando enquanto a coloco de volta no chão, e me encara
com raiva fingida, socando meu ombro. — Idiota. — Seguro seu pulso antes
que ela possa me dar outro soco, inclinando-me para separar seus lábios com
os meus. Eu gemo ao sentir o sabor familiar dela, algo de que nunca me
cansarei. Ela segura meu rosto, puxando-me para mais perto enquanto seus
dentes roçam meus lábios.
Eu interrompo o beijo, mesmo que seja a última coisa que eu queira. Seus
olhos estão pesados de desejo, e ela se inclina novamente, pressionando o
peito contra o meu, seus mamilos duros através do material sedoso. — O que
foi?
— Eu serei rei. —
Suas pestanas tremem, os olhos arregalados e quase hipnotizantes. — Eu sei
disso. É tudo o que todo mundo fala comigo ultimamente. — Quando eu não
digo nada, encarando-a intensamente, ela olha para baixo, onde seus dedos
brincam com os botões da minha camisa. — O que você quer de mim, Val?
— Quando eu te disse naquele dia que deixaria tudo para trás... —
— Você falou sério — diz ela suavemente, as mãos pressionando diretamente
sobre meu coração. — Eu sei disso também. Mas as coisas são diferentes
agora. Você quer ser rei?
Eu passo meus dedos sobre os dela. — Só se você estiver ao meu lado. —
Ela franze a testa. — Já tentamos isso antes. Você sabe como terminou. —
— Eu sei — digo, levantando seu queixo. — Eu falhei com você. Deixei a
corte te devorar e arrancar cada pedaço de quem você é. Prometi te proteger,
e não o fiz. Não da maneira que importava. —
Sua respiração falha, mas ela não diz nada.
Eu continuo, baixando a voz. — Não vou cometer esse erro de novo. O
mundo que estamos herdando está destruído, Oleia. A corte, esta cidade, tudo
está em cinzas e escombros. Mas com você, podemos reconstruí-la. Não
apenas como minha rainha, mas como minha igual. Alguém que pode ajudar
a consertar o mundo ao meu lado. —
Ela balança a cabeça, lágrimas brilhando em seus olhos. — Eu nem sei como
ser rainha. —
— Você é perfeita — digo, e ela ri, enxugando uma lágrima do queixo. —
Parece que vou precisar de uma coroa que não aperte desta vez. —
Eu me aproximo, beijando seu pescoço elegante. — Você pode ter a coroa
que quiser, zvezdochka. —
Suas mãos se escondem sob minha camisa. — Até a sua? —
— Até a minha. —
EPILOGUE
OLEIA
eis meses depois.
S Rainha.
Borboletas atacam meu estômago, e eu seguro a vontade de pressionar meus
dedos contra o corpete do meu vestido. Um pé após o outro. Queixo erguido.
Costas retas como uma vara. Pele em chamas com o peso de tantos olhares.
Lobisomens e vampiros juntos.
Uma forte sensação de déjà vu passa por mim, lembrando-me de uma época
em que eu havia caminhado por um corredor tão longo. Mas desta vez, eu
caminho sozinha pelo comprimento do tapete, em direção ao palanque, em
direção ao meu marido. Em direção ao meu rei.
Ele está no topo do palanque, com as mãos entrelaçadas nas costas. Alto,
imponente, arrogante em sua graciosidade e na curva demasiadamente
confiante de sua sobrancelha. O vermelho profundo de seu casaco de veludo
com gola alta complementa os tons ardentes de seu cabelo, e as pontas dos
meus dedos formigam ao pensar em sentir os fios sedosos. Bordados
prateados descem, atraindo meu olhar para o colete de seda preta sob o
casaco, combinado com uma camisa branca e uma gravata presa com um
alfinete de rubi. Calças pretas e botas polidas completam o visual, mas
dificilmente estou olhando para lá. Não há muita pele à mostra, além da forte
coluna de sua garganta, mas minha boca seca mesmo assim. Valerian sempre
parece fenomenal nu, mas há algo em suas escolhas de roupas. Isso faz meu
interior se contrair de emoção ao pensar em tirar cada camada.
Recompensador seria encontrar o pedaço de carne quente por baixo. Deuses
me ajudem.
O salão se reduz a sussurros abafados enquanto a música ambiente flui, como
a cauda translúcida do meu vestido. Ergo meu queixo ainda mais alto e não
consigo conter o sorriso que curva meus lábios ao vê-lo ao lado do trono
imponente, a coroa dourada na cabeça de Valerian brilhando. Ela está torta,
como se ele tivesse feito a sacerdotisa coroá-lo às pressas para terminar a
cerimônia.
Eu avisto um flash de cabelo prateado e encontro meu pai na multidão, a falta
de um cenho franzido ou de um sorriso torto em seu rosto sendo o único
indicador de como ele está satisfeito. Ele está conseguindo o que queria,
afinal. Com uma rainha lobisomem, a balança pendeu muito. Mas há pouco
uso para isso agora, com Valerian e eu trabalhando duro para unir nosso
povo. Os últimos seis meses foram exaustivos, mas não sem resultados nesse
sentido. Conversas de paz têm circulado, e enquanto alguma forma de ordem
parece ter sido estabelecida na Romênia, a situação na Rússia, Letônia e
Geórgia tem sido hostil. Os lordes se recusam a abrir mão de seus escravos e
prostitutas de sangue relutantes, recusando-se a abandonar tradições que
duraram gerações, afirmando em um violento comunicado que não
reconhecem Valerian como rei ou a 'cadela lobisomem' como rainha.
O grito de alegria de Azrael corta meus pensamentos, e os cortesãos riem
enquanto ele se agita nos braços de Penelope, estendendo os braços para
mim. Eu olho para frente. Eu mereço isso. Eu posso fazer isso. Eu já venho
fazendo nos últimos seis meses.
Quando chego ao pé do palanque, faço uma reverência profunda. É a última
vez que farei isso. Em nome das tradições, me curvarei a ele pela última vez,
o ato final de submissão antes de assumir o título que nos tornará iguais em
todos os aspectos.
— Não o último ato de submissão na privacidade do nosso quarto, porém,
penso, e coro ao seguir a direção dos meus pensamentos, torcendo para que
ninguém mais possa sentir a mudança repentina no meu cheiro.
Valerian dá os últimos passos, cada movimento gracioso e cheio de força. E
quando ele segura meu queixo entre seus dedos e o levanta, fazendo com que
nossos olhares se choquem, um sorriso cruel curva seus lábios. Meu tremor
não é inteiramente falso. Admiração, medo, desejo, prazer, ansiedade,
antecipação, necessidade... tanto querer. Ele vê direto através de mim, seu
olhar percorrendo minha pele como uma carícia fantasma, deixando rastros
de calor por onde passa.
Eu lambo meu lábio inferior, sentindo o gosto do batom, e seus olhos, de um
vermelho reluzente hoje, acompanham o movimento. Ele abaixa a mão, mas
não antes de passar o polegar pelo meu pescoço. — Vem — , ele diz
suavemente, mas sua voz ecoa pelo salão, carregada da mesma energia
sombria e sedutora que ele usou para me fazer gritar na noite passada.
Meus dedos se entrelaçam nos seus, e ele me guia pelos últimos degraus em
direção ao único trono. É um trono diferente, imponente e grande o suficiente
para caber duas pessoas. Engulo minha risada diante da ridicularidade da
situação. Ele me prometeu que eu adoraria sua ideia do meu trono. No final,
ele apenas estendeu o dele, o bobo.
Ele nos para diante do trono, e então, estamos frente a frente, nos encarando
intensamente enquanto a sacerdotisa entoa cânticos ominosos, orando aos
céus para abençoar nosso reinado com paz e prosperidade, mas as palavras
me escapam enquanto o olho direito de Valerian começa a tremer. A
sacerdotisa, uma vampira provavelmente mais velha que a areia e com uma
irritabilidade que combina com sua idade, começa a cantar novamente, ainda
mais alto.
Meus lábios tremem com o esforço de conter minha risada, mas ela percebe
meu riso abafado, pois me lança um olhar tão azedo que poderia azedar o
leite, e eu composto meu rosto. Vou levar uma bronca dela mais tarde por
minha falta de compostura, assim como ela já fez meus ouvidos sangrarem
nos últimos meses.
Com seu sinal, Valerian se vira para o travesseiro de veludo que sustenta
minha coroa — uma delicada faixa de ouro branco adornada com vinhas
cravejadas de diamantes e safiras no centro. Eu baixo a cabeça, respirando
lentamente pelo nariz para acalmar minha respiração acelerada.
— Respire — , ele sussurra tão baixo que só eu posso ouvir. E coloca a suave
coroa sobre minha cabeça.
Aplausos irrompem, a música atingindo um acorde mais alto e agradável, e
juntos nos viramos para encarar a multidão, dedos entrelaçados e levantados
acima de nossas cabeças. A pedra preciosa do meu anel de casamento brilha
na luz, e o polegar de Valerian passa por cima dela, amorosamente, seus
olhos brilhando de emoção ao notar que estou usando-o pela primeira vez
desde que voltei.
Minutos depois, me vejo envolvida por uma multidão dançante, a escolha de
com quem compartilho minha presença sendo completamente minha. Como a
tradição exige, danço com alguns lordes e duques que viajaram longe para
comparecer à minha coroação. Não é desconfortável, principalmente com o
olhar penetrante de Valerian praticamente me despindo o tempo todo.
Logo, sou puxada para um círculo com minhas irmãs e Lyra, e minha barriga
dói de tanto rir.
— O irmão está comprometido? — Lena pondera, seus olhos verdes se
voltando para onde Cyril dança com uma morena. Nunca se sabe com ele.
Era uma mulher diferente toda segunda-feira.
— O que aconteceu com o Pete? — pergunto a Lena.
Astrid dá uma risadinha, cuidadosa em seu giro. Ela está grávida, de novo. —
Qual deles?
Meu queixo cai. — Tem mais de um?
Penelope ri. — Acho que os humanos chamam isso de... poliandria?
As bochechas de Lena coram, e seus dedos estão quentes ao redor dos meus.
— Você quis dizer namorar com dois?
— Dificilmente dois, se há uma multidão deles — , Penelope retruca.
— Você fala como se eu fosse casar com eles. É só uma questão de tempo
antes que o pai me force a casar com algum velho gagá. — Lena encolhe os
ombros. — Melhor aproveitar meu tempo antes disso. Talvez ele fique tão
obcecado comigo quanto seu marido é com você.
— Eu não contaria com isso — , Lyra murmura. — Valerian é assustador
quando se trata de Oleia.
Não sorrio com a piada. Meu coração afunda um pouco. — Não vou deixar
isso acontecer. Agora sou rainha. — Mas percebo que Lena não acredita em
mim, mesmo enquanto dançamos, nossas saias varrendo o chão. Guardo isso
no compartimento da minha cabeça onde fica minha agenda. Vou ter uma
conversa com meu pai sobre o tema de casamentos arranjados. Embora eu já
saiba qual será sua resposta. O de Astrid deu certo. O meu também. Ele deve
se achar um deus dos casamentos.
Uma mão firme pousa na minha cintura, me pegando no meio de um giro, e
sou mantida parada contra um peito alto.
Olho para cima e meu coração dá uma leve puxada quando olhos cinzentos
brilhantes se fixam nos meus. Uma leve inclinação da cabeça é toda a
reverência que recebo enquanto Darian diz com frieza: — Majestade.
Quero dizer a ele para não me chamar assim, mas não o faço. Embora os
convites tenham sido enviados a todos os Alfas, eu não pensei que ele viria.
— Alfa Blackwell. O sobrenome dele soa estranho na minha língua e eu o
detesto, nem que seja pelo que ele simboliza — uma amizade arruinada.
Estranhos, agora mundos à parte. Em alguns dias, senti falta da presença dele
mais do que em outros, mas nunca me arrependi da minha decisão.
Ganha-se alguns e perde-se outros.
— Ele parece… — Ele parece lutar com as palavras enquanto me balança
para a esquerda e para a direita em uma dança tensa e violenta demais para
significar algo além de hostilidade. — Bem.
— Você também — digo, com a voz tensa. — Por que você veio?
— Pensei em ver você uma última vez antes de partir.
Coração desacelerando, olhos buscando. — Você está indo embora.
— As Alcateias do Oeste precisam de uma mão mais firme. Eles estão
vagando há muito tempo. Vou comandar as melhores do Canadá. Já me
mudei. — Os dedos dele nas minhas costas apertam. — Pensei que seria mais
fácil se eu visse o quão feliz você está com ele. O quanto você o ama. Talvez
eu pudesse te odiar o suficiente para finalmente seguir em frente.
Luto para encontrar palavras e não encontro nenhuma. Quero sentir pena por
ter feito uma escolha diferente, por ser tão feliz que sinto que poderia
explodir, enquanto ele tem aquele olhar assombrado que me diz mais do que
eu gostaria de saber — que ele ainda se importa, mesmo quando não quer,
mas eu não sinto.
Ele tinha estendido a mão uma vez, quando Azrael desapareceu. Foi uma
simples mensagem. Soube sobre o Azrael. Você está bem?
Eu não tinha respondido, mesmo que pudesse ter sido fácil ligar para ele e
chorar, sabendo que ele deixaria tudo e viria me encontrar se soubesse que eu
estava em uma situação ruim. Eu não era mais problema dele, nem o filho de
Valerian.
— Eu estaria mentindo se dissesse que não o faço. — A voz dele é firme, até
dura. — Pensei em me punir um pouco estando aqui para te parabenizar. E
fingir por um momento que estou feliz por você. Mas todo homem que já
esteve no meu lugar e desejou que a mulher que ama tivesse toda a felicidade
do mundo com outro homem deve ter sido um ator maravilhoso. — A
máscara que ele usa de frio e indiferente desliza um pouco e eu capto uma
série de emoções antes que ele se recomponha. — Isso é difícil.
— Você não precisa — sussurro.
Ele pisca, como se eu o tivesse tirado de seus pensamentos. — Não, não
preciso.
Mais rápido do que eu posso piscar, Darian se inclina para frente e pressiona
seus lábios suavemente na minha bochecha. — Seja feliz, Oleia. — E quando
ele se afasta novamente, eu sei que é pela última vez.
Um sorriso de menina ergue o canto da minha boca enquanto fecho a porta
atrás de mim. — Você não pode estar falando sério.
Valerian me lança um olhar de lado que se assemelha a um cenho. Ele está
sentado na borda da nossa cama king-size usando apenas cuecas e uma fita
amarrada ao pescoço, com a coroa torta no topo da cabeça. Um talo de rosa
pende entre seus lábios e não sei do que rir mais. Disso ou dos pés ensacados.
Ele tira a flor dos lábios. — Estava uma hora atrás. Parece que preciso de
várias consultas para conseguir um tempo a sós com minha esposa.
Tiro a coroa e as joias, solto meu cabelo das tranças e tiro meus saltos,
adorando a totalidade de sua atenção em cada centímetro de mim. Seus olhos
especialmente se aquecem ao ver minhas pernas através da fenda do vestido,
e o olhar em seus olhos enquanto me encara quase me desmancha.
Subindo no colo dele, tiro sua coroa e a coloco na minha cabeça. Ele não se
importa, não enquanto eu envolvo meus braços em volta do pescoço dele e
me inclino tão perto que posso ver os pedacinhos de prata girando em seus
olhos. — É ciúme que estou ouvindo?
Uma parte de mim espera que ele pergunte sobre Darian. Sei que ele nos viu
juntos. Até minhas irmãs levantaram sobrancelhas curiosas para mim depois
daquele momento em particular. Mas ele não pergunta. Talvez seja confiança.
Ou compreensão, mas sou grata por isso. Suas mãos se firmam nos meus
quadris, o nariz dele roçando no meu. — Isso te ofende, minha rainha?
— Não — sussurro contra seus lábios. — Eu adoro quando você fica
possessivo.
O aperto de Valerian se intensifica, me puxando completamente contra ele, e
eu respiro com dificuldade quando algo duro pressiona através do meu
vestido. — Você sabe como é estar em uma sala cheia de homens, vendo-os
pensar que têm alguma chance de tocar no que é meu?
— Agora, você está sendo dramático — eu rio, mas engasgo quando seus
dentes mordem minha clavícula no mesmo instante em que ele ergue o
quadril com força. — Você ainda não viu nada de dramático, zvezdochka.
O calor se espalha até o fundo do meu estômago. Deus abençoe minha alma,
estou completamente perdida por esse homem.
Eu puxo o laço de fita ao redor de seu pescoço, e ele desata habilmente os
cadarços do meu corpete. — Então isso — ergo a fita de seda vermelha —
significa que posso fazer o que quiser com você esta noite.
— Use-me como achar melhor.
Mas isso só dura um minuto. Ajoelhar-me entre suas coxas e levá-lo à minha
boca, movendo minha cabeça para cima e para baixo em seu membro, pode
ter sido um pouco demais. Seus olhos alternavam entre a coroa em minha
cabeça e minha boca ao seu redor, e ele praguejou violentamente, com os
quadris se contorcendo.
E então, me vi de costas no colchão, com seus lábios pressionados contra os
meus.
Pouco a pouco, camada por camada, Valerian tira meu vestido, até que não
me resta nada além da pele nua. Ele paira sobre mim, me beijando suave e
profundamente. Devagar, como se tivéssemos todo o tempo do mundo para
sentir um ao outro. Seus dedos levantam minha cintura até que nossos quadris
se encaixem perfeitamente.
Minhas coxas se abrem instintivamente enquanto sua boca encontra meu
pescoço e depois meus seios. Eu me esfrego nele como um animal no cio,
enquanto ele lambe, chupa, aperta e morde. Repetindo os movimentos. De
novo. E de novo. Até que estou suada de frustração e impaciência. Tão perto,
mas ainda não lá.
— Valerian, eu vou te matar se você continuar —
— Obrigado.
Meus olhos se abrem de repente, e me vejo refletida nos dele. Leva alguns
segundos para que meu cérebro processe as linhas de emoção em seu rosto.
Eu as traço suavemente com meus dedos. — Pelo quê?
Ele balança a cabeça com uma risada surpresa. — Por me amar, mesmo
quando eu não fiz nada para merecer. Por dar uma chance a mim, a nós. Por
Azrael. Por isso. Ele diz isso todos os dias, e às vezes é irritante quando ele
me olha assim. Como se não me merecesse. Como se não entendesse por que
o escolhi.
Mas Astrid diz que é melhor assim. Pelo menos, mantém o marido dela em
alerta.
Eu rio com o pensamento. Acho que minha irmã mais velha pode ser uma
péssima influência para mim.
— O quê? — Valerian pergunta.
— Nada — digo, beijando a lateral de sua boca, deixando um caminho até
sua mandíbula, até prender seu lóbulo entre meus dentes. — Eu te faço feliz?
Ele acena com a cabeça.
— Você me ama?
Valerian acena novamente. — Você é minha vida, Oleia.
— Eu duvido muito. Porque eu vou para o inferno em um minuto se você não
me foder como se eu fosse — rosnou, e ele solta uma risada sombria e
surpresa.
— Zvezdochka — Valerian diz, guiando-se até minha entrada. — Eu te
ensinei coisas terríveis.