Novas Técnicas de Terapia Do Luto
Novas Técnicas de Terapia Do Luto
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Os clínicos querem — e precisam — mais do que teoria para orientá-los em
seu trabalho com os enlutados. Eles também buscam informações eficazes e
práticas para ajudar aqueles que enfrentam lutos de todos os tipos, seja por
morte ou por outros tipos de perda. Em nenhum outro lugar da literatura os
profissionais podem encontrar tal riqueza de intervenções para ajudar o
enlutado a identificar, expressar e transformar suas respostas à perda,
reafirmar o significado, renovar as narrativas de vida e desenvolver uma
conexão contínua e saudável com seus entes queridos que morreram. Este
livro é indispensável; é uma verdadeira mina de ouro para todos que tratam
os enlutados, desde terapeutas que estão começando na área até os mais
experientes.
— Therese A. Rando, PhD, BCETS, BCBT,
autora de Treatment of Complicated Mourning e coautora de
Treating Traumatic Bereavement: A Practitioner’s Guide
Até que enfim! Um texto que lida com perdas relacionadas ou não à morte.
Esta obra oferece uma ampla gama de métodos para ajudar as pessoas a
negociar transições de vida tanto normativas quanto traumáticas. Junto a
dezenas de colaboradores criativos, Bob Neimeyer reúne neste volume sua
vasta experiência clínica, seu talento artístico e seus novos métodos
educacionais para enriquecer a área e a vida daqueles a quem a obra atende.
— J. Shep Jeffreys, EdD, FT,
Departamento de Psiquiatria e Ciência Comportamental, Johns Hopkins
School of Medicine, autor de Helping Grieving People: When Tears Are Not
Enough
Revisão técnica
Daniela Reis e Silva
Psicóloga. Mestra e Doutora em Psicologia Clínica pelo Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu)
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Fellow em Thanatology da Association for Death
Education and Counseling (Adec). Diretora do Instituto Acalanto.
Porto Alegre
2025
Obra originalmente publicada sob o título New Techniques of Grief Therapy: Bereavement and Beyond, 1st
Edition
ISBN 9780815352020
Copyright © 2022. All Rights Reserved. Authorised translation from the English language edition
published by Routledge, a member of the Taylor & Francis Group LLC.
CDU 159.942.3
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por
quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem
permissão expressa da Editora.
Organizador
Agradecimentos
Para encerrar, quero expressar minha gratidão aos inúmeros colegas de todo
o mundo que contribuíram com seu entusiasmo e esforço para este livro,
sobretudo aos trabalhadores da linha de frente nas áreas de psicoterapia,
aconselhamento, treinamento e artes expressivas, que costumam ter poucas
oportunidades de compartilhar as práticas inteligentes e inspiradas que
embasam seu trabalho com clientes. Não menos do que os reconhecidos
teóricos e pesquisadores cujas contribuições também compõem este livro,
eles ajudaram a tornar a terapia do luto a contribuição vital para as artes de
cura aqui ilustradas. Tenho orgulho de chamar muitos integrantes de todos
esses grupos de meus amigos.
Também gostaria de agradecer a Anna Moore, minha editora de
aquisições na Routledge, cujos esforços incansáveis para defender este livro e
seus antecessores ajudaram a tornar esta “série dentro de uma série” uma
realidade. Por fim, quero estender minha sincera gratidão aos muitos clientes
que compartilharam suas histórias, sua dor e sua esperança nestas páginas,
oferecendo inspiração para aqueles de nós que trabalham ao lado deles, a fim
de revalidar ou recuperar vidas significativas após perdas. Em muitos
aspectos, eles são nossos maiores professores.
Referências
Neimeyer, R. A. (Ed.). (2012). Techniques of grief therapy: Creative practices for counseling the bereaved. New
York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (Ed.). (2016). Techniques of grief therapy: Assessment and intervention. New York:
Routledge.
Neimeyer, R. A., Harris, D., Winokuer, H., & Thornton, G. (Eds.). (2021). Grief and bereavement in
contemporary society: Bridging research and practice. New York: Routledge.
Sumário
Apresentação
Darcy Harris
Prefácio
Robert A. Neimeyer
12 A dança do luto
Andria Wilson
13 Percorrendo o labirinto
Jane Williams
20 Olhar concentrado
Antonio Sausys
24 Análise temática
Judy Chew
26 Conversas de externalização
Carolyn Ng
27 O castelo
Riet Fiddelaers-Jaspers
28 Redecisão e reafirmação
Gilbert Fan e Geok Ling Lee
29 Histórias figurativas
Riet Fiddelaers-Jaspers
32 A ilha virgem
Geok Ling Lee
35 Reconsolidação da memória
Jakob van Wielink, Leo Wilhelm e Denise van Geelen-Merks
37 Diálogo de vozes
Jakob van Wielink e Anita Bakker
38 Reenquadramento simbólico
Judy Chew
39 Terapia da moeda
Gilbert Fan
44 Jogador da vida
Carolyn Ng e Joanne Ng
45 Hábitos do coração
Joshua Magariel
51 Prato de recordações
Cynthia Louise Harrison
56 Cartas karuna
Claudia Coenen
58 Conversa significativa
Wendy G. Lichtenthal, Melissa Masterson e Aliza A. Panjwani
Caso clínico
Inge e Erik eram um casal flamengo na casa dos 40 anos que vivia na Bélgica
com seus dois filhos, de 4 e 7 anos, quando buscaram terapia de casal no
Context, o Centro de Terapia de Casal e Família do Hospital Universitário de
Leuven. Ambos confessaram a An Hooghe, sua terapeuta, que haviam se
distanciado ao longo de seus dez anos de relacionamento, um padrão ligado
ao intenso envolvimento de Inge em seu trabalho como consultora de
negócios internacionais. Ao longo de oito sessões de esforços sinceros na
terapia de casal, ambos os cônjuges afirmaram que aumentaram sua
compreensão mútua, sentiram-se mais próximos, fizeram mudanças
comportamentais em suas vidas para ter mais tempo juntos e renovaram o
compromisso com seu relacionamento. No entanto, ao explorar as relações
familiares significativas com cada parceiro, Inge relatou a An que havia
perdido a mãe quando tinha 17 anos, uma revelação acompanhada por
imensa onda de tristeza e lágrimas. É claro que Erik sabia disso, mas ele
nunca conheceu a mãe de Inge, que raramente falava dela. Ao longo das
sessões, todos notaram que o luto de Inge por sua mãe seguia sendo um lugar
muito triste e vulnerável para ela, que continuava a tirar-lhe o fôlego com
lágrimas cada vez que a conversa da terapia chegava a ele. Quando a terapia
conjugal estava chegando a uma conclusão bem-sucedida, Inge abordou An
com um pedido de sessões individuais adicionais para trabalhar seu luto
prolongado e preocupante, pois sentia que seria muito difícil fazê-lo com seu
marido presente. Ambos os parceiros prontamente consentiram com o plano,
segundo o qual eles se reuniriam novamente para compartilhar a história
assim que Inge encontrasse palavras para articular esse sofrimento tão
profundo e penetrante que parecia escapar à expressão.
Nas dez sessões de terapia do luto que se seguiram, Inge permaneceu
muito “travada” em seu luto, quase incapaz de acessar memórias da sua
infância ou de sua convivência com sua mãe. Testemunhando essa marcante
desconexão entre Inge e sua própria história, bem como seu visível
sofrimento a cada menção à morte de sua mãe, que ocorrera há mais de 20
anos, An observou que “era como se tudo estivesse guardado em um lugar
muito seguro, o que lhe permitia ser funcional em seu trabalho e em sua vida
cotidiana”. Trabalhando bem devagar e com muito cuidado, de maneira
gradual, as duas começaram a acessar algumas memórias da mãe de Inge, e,
quando ela foi se tornando apta a “lidar com elas”, Erick foi chamado de volta
para que pudessem compartilhar a história. Foi nesse momento que Robert
Neimeyer (Bob) visitou a Bélgica para oferecer alguns dias de treinamento
profissional em terapia do luto, abrindo a perspectiva de Inge ter uma única
sessão de terapia com ele para complementar os esforços de An, tendo em
vista a proficiência quase nativa de Inge em inglês. Após discutir essa
possibilidade como casal, Inge e Erik aceitaram a oferta, decidindo que ela se
encontraria com Bob individualmente, mas sendo filmada, enquanto Erik
assistiria à sessão ao lado de An e de outros 15 terapeutas em outra sala, de
modo a atenuar, em cada um dos parceiros, o impulso imediato de cuidar ou
“resgatar” o outro. Assim, era esse o arranjo quando Bob recebeu Inge e Erik,
tendo sido limitado intencionalmente o histórico fornecido a ele (Bob sabia
apenas que Inge lidava com seu luto após a morte da mãe). A intenção era
permitir que Inge apresentasse o problema a ele com suas próprias palavras,
sem influências decorrentes da conceitualização prévia do caso. De comum
acordo, Inge, Bob, Erik, An e a equipe reflexiva composta por outros
terapeutas se reuniriam em um círculo imediatamente após a sessão, para
compartilhar de forma respeitosa questões sobre o processo terapêutico antes
de devolver o casal aos cuidados de An para o processamento adicional de
suas implicações. O texto a seguir é uma transcrição literal da entrevista
gravada, intercalada com reflexões de Bob, em primeira pessoa, sobre o
trabalho, que se concentrou, em grande medida, na revisão e na
reorganização do vínculo contínuo de Inge com sua mãe. Este capítulo
termina com um resumo da sessão subsequente do casal, oferecendo uma
janela para observar o impacto da supervisão.
A perda de equilíbrio
Terapeuta (T; falando inicialmente em holandês): Inge, dank je wel nog ems
[obrigado mais uma vez]. Estou ansioso para conhecer sua experiência e
me pergunto se poderíamos começar questionando que tipo de
esperanças ou de expectativas você tem para este encontro. Como ele
pode ser útil para você?
Inge (I): Hum, eu não tenho muitas expectativas, e não tenho certeza do que
esperar, mas uma coisa que me ajudaria seria descobrir outras formas de
pensar sobre, hum, pensar sobre [longo silêncio] nosso lugar no mundo
entre as pessoas quando há uma mudança na configuração, como quando
perdemos alguém: de que maneira recuperamos nosso equilíbrio?
T: Sim, sim, porque a perda do outro nos desequilibra [gesticula com os braços
e o tronco, como um equilibrista], e ficamos com dificuldade para
encontrar nosso lugar no mundo novamente, no sentido de um lugar
sólido. E a perda que você teve, se entendi corretamente, foi a perda da sua
mãe? [A cliente assente e imediatamente luta contra as lágrimas.] E
apenas com a menção ao nome dela o sentimento cresce em você. [A
cliente começa a chorar.] Sim [gentilmente]. Então, que sentimento é esse
[gesticula com a mão no nível do tronco, imitando um chafariz], se você
pudesse descrevê-lo com palavras que fossem ao menos parcialmente
adequadas à experiência... como o chamaria, o sentimento que surge
agora?
I: Hum [suspira]... Estar sobrecarregada. [T: Sobrecarregada, sim.] [Pausa] E,
de certa forma, revivendo um pouco a experiência [chora].
T: Revivendo um pouco. Revivendo a experiência da morte dela?
I: [Concorda, chorando.]
T: Então o sentimento avassalador é de...?
I: Sim. Só, hum, a perda, a perda do equilíbrio, a perda de todo o caminho no
qual você pensou que seu universo estivesse funcionando. Ver isso se
esvair, desaparecer e se modificar, e sentir que isso está fora do seu
controle.
O centro do universo
T: Sim. É uma mudança profundamente indesejada na estrutura do mundo, e
você foi deixada tentando reaprender esse mundo e reaprender a si
mesma porque ambos são alterados nessa experiência... Que posição sua
mãe tinha nesse mundo, nesse universo da sua infância e da sua
juventude?
I: Eu tinha 17 anos quando ela morreu. [T: 17.] E ela estava doente há muito
tempo. Mas, quando ela morreu, ainda assim foi uma surpresa, pois não
falávamos muito dessas coisas, e ela era como um pilar de sustentação na
nossa casa. Ela era uma pessoa muito dominadora, mas não no sentido
negativo. Ela era chamada de “Sra. Thatcher” em seu trabalho [T: Ah,
Sra. Thatcher, a Dama de Ferro...]. A Dama de Ferro! [sorrindo e rindo
um pouco] E ela era, não em um sentido negativo. Mas fazia tudo do jeito
dela, tinha controle sobre tudo, governava tudo. De certa forma, ela sabia
exatamente o que queria, o que fazer... quando fazer.
T: As estruturas estavam lá, e ela foi quem meio que ajudou a construí-las e
mantê-las em boa ordem.
I: Isso. E ela fez isso por nós, crianças, mas também por outros parentes, pelo
meu pai. Não havia um grande equilíbrio lá, então ela era uma pessoa
muito mandona em todos os sentidos da palavra.
T: Então, de certa forma, ela era quase como um centro de gravidade ou algo
assim para esse sistema solar da família, correto? [A cliente concorda.] E
é quase como o sistema solar se reorganiza quando o sol se extingue, não
é?
I: É [longa pausa, chorando silenciosamente].
Um pesar congelado
T: É... O que você sente que precisa agora depois da morte dela, tantos anos
atrás? Há algo nisso, é claro, que toca você de maneira muito profunda.
Mas o que a ajudaria nesse contexto?
I: [Pausa] Também me pergunto isso há muito tempo. Hum, porque ainda
parece que foi há muito pouco tempo, pelo menos para mim. E não me
parece que o sentimento tenha mudado de cinco ou dez anos para cá. Ele
fica muito, hum, aberto.
T: Fica muito aberto. E quando você diz “Não parece que isso muda, pelo
menos para mim”, há um sentimento de que isso mudou para os outros,
mesmo para outros que conheciam sua mãe, ou que conhecem e amam
você? De alguma forma o luto deles ou o sentimento deles sobre a morte
dela evoluiu de modo diferente?
I: Em especial, estou pensando sobretudo em termos de como normalmente
deveria ser. [T: Aha.] A gente acha que essas coisas vão passar um
pouquinho, mas eu acho que meu irmão e minha irmã, até onde sei, não
têm o mesmo sentimento. Eu acho, mas não tenho certeza de que eles
compartilhariam isso comigo. Não tenho certeza. Eu estava pensando,
deveria ser, deveria ser algo que eu fosse capaz de falar agora sem me
sentir sobrecarregada.
T: Deveria... Quem diz que isso deveria acontecer? Isso é uma expectativa
expressa por pessoas ou apenas presente na cultura de alguma forma,
ou...?
I: Sim, acho que... [pausa]. Ou talvez seja algo que eu esperaria de mim, ser
capaz de deixar para trás.
T: Então, uma parte de você [levanta a mão direita para representar essa
parte] está dizendo: “Inge, você precisa ser capaz de deixar isso para trás,
você precisa ser capaz de falar dela sem lágrimas”. Mas há outra parte
[levanta a mão esquerda] que é muito sensível e está muito machucada,
muito triste [a cliente chora, mas mantém intenso contato visual], ela
sente que a estrutura do universo perdeu o equilíbrio, mudou de alguma
forma. E você se sente desequilibrada.
I: Ficou desequilibrado. [T: Ficou sem equilíbrio.] E eu meio que assumi
[pausa, chora] que recuperaria o equilíbrio, de alguma forma, ao longo do
tempo.
T: É, esse tempo curaria as feridas. [I: Sim.] Nós meio que temos uma “receita
cultural” sobre isso, não é? E não parece que ela se aplique a você.
Em resposta à minha tentativa de identificar a necessidade implícita na
dor de Inge, ela imediatamente observa seu caráter “aberto” e imutável à
medida que os anos de seu luto se transformam em décadas. Enquanto
exploro com cautela um possível discurso contextual ou familiar que sustente
sua expectativa para seu luto, Inge sugere que seus irmãos são menos
assombrados pela perda e que ela própria deveria estar deixando-a para trás.
Enquadro isso com compaixão como um diálogo interior em duas vozes,
tanto para validar seu possível duplo posicionamento em relação ao seu pesar
quanto para promover mais autocompaixão em vez de autocrítica.
Escuta analógica
T: Deixe-me perguntar uma coisa e ver se ela faz sentido para você, se vale a
pena, mas sem nenhuma tentativa de pressioná-la. Como seria se
aceitássemos esse convite para tentar descrever essa emoção, para dizer
algo sobre como você carrega essa dor por sua mãe, sem que você seja
engolida por ele? Se fizéssemos uma espécie de varredura interna e
visualização de como você carrega o luto [gesticulando para emular uma
onda lenta sobre seu tronco, com os olhos fechados], permitindo que ele
fale com você de um lugar próximo, mas não de dentro dele [gesticulando
para sugerir essa proximidade com uma forma interna]? Seria uma coisa
bem-vinda ser capaz de traduzir em palavras, mas sem ficar
sobrecarregada [fazendo um gesto parecido com uma onda em direção à
cliente] por essas palavras?
I: Sim. Não sei se conseguiria, mas gostaria de tentar.
T: Você faria isso?
I: Acho que ajudaria porque é exatamente o que vivencio, não
intencionalmente, mas é o que estou vivenciando agora. Estou tentando
tornar isso útil, descrever isso para você, em vez de apenas me sentir
sobrecarregada. Acho que, quando estou conversando com um amigo,
fico mais sobrecarregada, mas agora realmente quero tentar explicar,
então acho que isso é melhor.
T: Certo. Então, aqui está o meu convite, um pouco como nós fizemos há
alguns minutos, para que apenas nos permitamos [suaviza a voz e fecha
os olhos] fechar os olhos e adentrar este lugar de respiração tranquila,
apenas permitindo que nosso peito suba e desça em um ritmo
naturalmente profundo [abre os olhos para ver os sinais não verbais da
cliente], esvaziando completamente e preenchendo completamente.
Enquanto apenas tentamos abrir um espaço, um espaço entre nós e ao
nosso redor, para convidar esse sentimento a vir [pausa] de um modo que
talvez lhe dê forma e voz. É um tipo de convite respeitoso a um visitante,
mas não para que o visitante se mude permanentemente. E o que eu a
convidaria a fazer, se isso for ok para você, com os olhos fechados, é
apenas uma espécie de varredura [gestos com a mão levantando e
abaixando lentamente na frente do tronco] através do seu corpo,
permitindo que sua consciência talvez se volte para dentro e para baixo
[gesticulando com a mão para sugerir esse movimento], e para o espaço
do seu corpo, seu tronco, ou para onde quer que possa ser direcionada,
enquanto você se pergunta: “Onde em mim eu carrego esse luto pela
minha mãe agora?”. [Pausa] E apenas espere ele falar, e você pode
gesticular em direção a ele [toca o peito levemente com os dedos] para
mostrar o lugar onde você sente sua presença.
I: [Suspira, enxuga os olhos e coloca a mão na barriga enquanto chora
baixinho.]
T: Isso. Mais ou menos no seu abdômen, quase, um lugar profundo no seu
corpo, correto? Mantendo a privacidade dos olhos fechados [fecha os seus
próprios, com a mão no abdômen, e a cliente então faz o mesmo], apenas
pergunte a si mesma neste lugar [falando muito devagar], neste local
físico que abriga o luto: se a dor tivesse uma forma ou um formato, qual
poderia ser?
I: [Pausa] Algo como uma mancha, algo muito mutável e expansível [gestos
para dentro e para fora com os dedos].
T: Uma mancha. Mutável e expansível [imitando e ampliando o gesto da
cliente]. E, com os dedos, você meio que faz o movimento de expansão e
contração?
I: Isso.
T: Ela tem uma cor, como você acabou de ver? [Fecha os olhos, e a cliente faz
o mesmo.] [Pausa] Se tivesse uma cor, qual seria a cor, ou as cores?
I: Algo avermelhado e arroxeado.
T: Avermelhado e arroxeado. [Pausa] Trata-se de uma cor constante ou que
fica mudando?
I: Mudando.
T: Mudando. Descreva essa mudança para mim. Como seria, mudando de
que para quê?
I: Como ondas.
T: Ondas. Como ondas no mar ou... [fazendo gestos ondulatórios com a
mão]?
I: Que se levantam e depois se acalmam novamente.
T: Ah. Levantando-se e acalmando-se. É esse tipo de expansão e contração
[marcando os gestos com a mão]. Essa é uma boa palavra?
I: Sim.
T: Sim. [Fecha os olhos, e a cliente faz o mesmo.] Existe algum sentimento
associado a essa imagem, a esse sobe e desce? Uma sensação física ou um
sentimento emocional?
I: Uma tensão, uma tensão muscular.
T: Uma tensão muscular, como no seu abdômen? [I: Isso.] Certo, isso. Eu me
pergunto se você pode concentrar sua atenção nesses músculos
abdominais agora. Apenas aperte-os como se você estivesse fazendo
abdominais ou algo assim, como um exercício. Consegue sentir a tensão?
I: Sim.
T: Conforme você faz isso, a forma, ou a imagem, ou a cor, muda de algum
jeito?
I: [Pausa] Fica um pouco mais estável [risos].
T: Mais estável, com menos flutuação.
I: Sim.
T: E se você apenas liberar essa tensão muscular... comigo, por um momento.
E talvez se apenas fizer uma respiração abdominal, diafragmática,
profunda, o que acontece com a imagem?
I: [Pausa] Torna-se um pouco mais, como posso dizer, menos... [sorri e faz
movimentos suaves com as mãos] mais calma, descansada, como se
estivesse deitada.
T: Oh, como se estivesse deitada [sorrindo].
I: Como se, em vez das ondas, fosse mais...
T: Menos tumultuadas [I: Isso.], levantando-se e quebrando, mas de um jeito
mais calmo. Águas mais calmas?
I: Isso [pausa].
Respondendo ao meu convite para cultivar uma consciência interna sem
pressa por meio dos procedimentos focados na respiração da escuta
analógica (Neimeyer, 2012a), Inge rapidamente sente e visualiza o local no
qual mantém a dor — em uma mancha roxo-avermelhada (quase um
hematoma) em seu abdômen. À medida que exploramos suas qualidades
sensoriais de expansão e contração em forma de onda, Inge aceita meu
incentivo para exagerar de maneira consciente a última tensão e encontra
(talvez surpreendentemente) mais “estabilidade” ao fazê-lo. Liberando a
tensão a meu convite, Inge então percebe um “acalmar” ou um “apaziguar”
do sentimento, sugerindo que ela tem algum controle sobre seus termos de
engajamento com ele, o que torna a exploração adicional de sua relação com
o luto localizado no abdômen suficientemente segura para ser viável.
Um diálogo interno
T: Isso é interessante [sussurrando]. Apenas dirigindo sua atenção para perto
daquele lugar expansivo e aquoso, mas não diretamente para ele — sem
se afogar, mas mantendo-se na margem —, eu me pergunto se você
estaria disposta a ouvi-lo. Ouvir qualquer coisa que tenha a dizer. Se
tivesse voz, como ele falaria? Como seria sua qualidade vocal? [A cliente
suspira.] Faça isso de novo [sopra suavemente, e a cliente faz o mesmo].
Como você imagina que ele falaria, com que tipo de voz?
I: Não consigo imaginar que tenha uma voz.
T: Como ele comunicaria o que tem a nos dizer ou nos ensinar?
I: [Pausa] Eu o vejo mais como algo que não é comunicativo, algo que está lá,
algo com o qual temos de lidar, que temos que carregar.
T: Lidar e carregar.
I: Em vez de ser comunicativo ou...
T: Aham, aham. Então me pergunto se, daquele lugar [do qual] você está
perto, mas sem estar nele, eu me pergunto se você pode apenas tentar
utilizar algumas palavras como essas e ver se elas soam verdadeiras para
você. E, se não, altere-as para tornar isso possível. Algo como: “Estou
disposta a carregá-lo” [longa pausa]. Como você mudaria essas palavras
para torná-las adequadas para você? [A cliente começa a chorar.] Qual é o
sentimento que chega até você junto a isso?
I: [Chorando] Eu ia dizer: “Estou tendo dificuldade para carregar você”.
T: Estou tendo dificuldade para carregar você.
I: [Assente.]
T: Estou tendo dificuldade para carregar você. Então use estas palavras:
“Estou tendo dificuldade para carregar você”. Diga a ela ou a ele por que
isso é difícil. [Longa pausa.] O que você diria sobre a dificuldade de
carregar aquele espaço escuro, que se expande e contrai, às vezes
tranquilo, às vezes mais turbulento?
I: [Longa pausa] Acho que é difícil de carregar, pois às vezes sinto que é muito
avassalador, é demais e me engole. Parece que é algo a que eu preciso me
antecipar.
À medida que buscamos uma forma de dialogar com a imagem,
aprendemos que ela é menos “comunicativa” e mais algo para “carregar”,
embora com grande custo emocional. Mesmo com repetidos esforços para
estabelecer uma proximidade segura com o sentimento, a fim de explorar sua
relação com ele, Inge é facilmente engolida pelo mar de tristeza e parece
correr o risco de se afogar nele. O que parece necessário, então, é um grau de
separação que tornaria possível a exposição ao sentimento, mas a uma
distância maior.
Enfrentando os sentimentos
T: Vamos ficar de pé? Vamos nos levantar e ver como é. [T e I se levantam
enquanto I ri.] Então, aqui estamos nós, meio retangulares [quase na
posição de sentido, como um soldado]. Como você se sente agora em
relação a essa mesma imagem? [Gesticula para baixo, em direção à
cadeira.] Ainda é uma forma silenciosa ou é mais turbulenta? O que é?
I: É turbulenta.
T: É turbulenta?
I: Sim.
T: Como é a sensação de apenas considerá-la [gesticula em direção à
cadeira], encarando-a dessa posição [ergue as mãos para o corpo]? Há
uma diferença entre essa atitude e sentar-se junto a ela? [Enquanto T fala
a palavra “sentar”, ele se senta lentamente mais uma vez, e a cliente o
imita.]
I: Não, parece a mesma coisa. Seja qual for a forma que ela tenha, ou que eu
tenha, ela pode dominar qualquer coisa. [T: Entendo.] É por isso que
tento contê-la em uma caixa [I faz uma caixa com as mãos ao nível do
abdômen] [T: Oh, contê-la em uma caixa.], para garantir que ela não
ultrapasse certos limites.
T: Ah, entendi. Aquela sensação parecida com uma tensão abdominal [faz
uma caixa apertada com as mãos] é o encaixotamento disso? [I: Sim.]
[Pausa] E se o sentimento vazar da caixa ou transbordar [gesticula para
sugerir essas ações], então parece mais avassalador?
I: [Assente.]
Renegociando o apego
T: Você sabe que um dos aspectos difíceis do luto, para mim, é que, de certa
forma, temos que negociar uma mudança: perder o que tínhamos
[estende as duas mãos em direção à foto, e a cliente volta a olhar para ela]
e, depois, tentar ter o que perdemos [dirige as mãos para dentro, em
direção ao abdômen, como se estivesse colocando a foto dentro de si
mesmo, enquanto a cliente segue o gesto com os olhos], mas sem a
presença material do outro para ancorar e estruturar isso. [A cliente
assente.] É quase como se tivéssemos que dar um jeito de pegar essa base
e essa estrutura seguras [gesticula para sugerir a estrutura vertical] e
encontrar um lugar para elas dentro de nós [dirige o gesto ao próprio
corpo, cobrindo seu coração].
I: Sim... [suave e evocativamente].
T: Logo, podemos carregar conosco um pouco do que precisamos. [Inclina-se
como se estivesse avançando.] [Cliente: Sim.] E, às vezes, ouvir a voz do
outro ou convocar essa voz faz parte disso. É como se os ecos da conversa
continuassem acessíveis, entende? Você já sentiu isso?
I: Sim, sim.
T: O que você a imaginaria dizendo a você nesses momentos?
I: Hum, por exemplo, há momentos em que a ouço dizer coisas. Passeando
por cidades estrangeiras, eu diria: “Olha, mãe, onde estou agora”,
sobretudo quando era mais jovem e nas minhas primeiras viagens a
trabalho, e eu podia ouvi-la dizer: “Uau, isso é ótimo!”. [T: Ah.] Algo
assim: “Você está fazendo todas essas viagens e todas essas coisas que eu
nunca tive a chance de fazer”. [T: Ah...] Então essas foram boas
conversas.
T: Ela estaria meio que aplaudindo você e realmente comemorando o fato de
você viver de maneira intensa.
I: Sim, isso é animador.
T: Animador. Como se o fato de você se deslocar em um mundo mais amplo
não fosse o mesmo que abandoná-la. Ela estava, de certa forma, indo
com você e comentando as experiências também.
I: [Sorrindo] Isso. Às vezes, realmente sinto isso, como quando estamos
decorando nossa árvore de Natal, e uso todos os enfeites antigos [faz com
a mão um enfeite com um gancho], e mostro aos meus filhos, então a
vejo, e também coloco a música que ouvíamos, aqueles discos antigos que
ela costumava pôr para tocar. E ela nos fazia decorar a árvore juntos,
mesmo quando éramos mais velhos e não queríamos fazer isso juntos.
Agora, enquanto faço isso com meus filhos, sinto que ela provavelmente
está observando de alguma forma.
T: Claro, claro. Essa é uma imagem adorável. Quero dizer, tenho a sensação
de que você é um elo [levanta a mão direita] entre ela [alcança mais alto] e
essas crianças [move a mão para baixo, a fim de indicar a próxima
geração], até o ponto em que elas ficam um pouco relutantes; elas estão
ficando um pouco grandes demais para isso [voz sugere um tom de
brincadeira]. No entanto, isso faz parte da cultura familiar [voz diminui
de volume, tornando-se séria], e você está transmitindo de alguma forma
algo precioso e único, provavelmente histórias dela com os pequenos
enfeites que vocês estão pendurando na árvore [utiliza as mãos e os dedos
para formar enfeites com ganchos, prendendo-os a uma “árvore” diante
de si]. Você está pendurando uma memória ou uma conexão.
Começo esboçando, com linguagem e gestos que se aproximam da
experiência, uma breve justificativa para nosso trabalho: o luto é, em parte,
uma questão de importar uma base segura portátil, derivada de nossa relação
contínua com a pessoa que morreu, para nossa vida contínua, em um nível
profundo. Isso ressoa muito em Inge, que produz dois exemplos vívidos, na
forma de suas orgulhosas conversas interiores com a mãe quando começa a
desfrutar da vida de maneira intensa, realizando os sonhos dela, e da doce
comemoração da mãe, com sua música e suas histórias durante os feriados.
Cada enfeite pendurado com seus filhos na árvore é um elo com a mãe, já que
Inge é ela própria um elo em uma história transgeracional.
Sustentando o sentimento
I: Sim. Então, na maioria das vezes, eu diria, quando estou pensando nela, há
coisas que me deixam positiva. É mais o sentimento que chega sem que
eu o convide. [Enxuga os olhos.]
T: Ah, sim, sim [olhando para cima pensativo e balançando a cabeça de
modo lento]. Então, às vezes, esses sentimentos vêm sem serem
convidados. E, claro, mesmo que nasçam do amor, eles estão ligados a
uma intensa sensação de perda. Pergunto-me se nesses momentos seria
possível encontrar um jeito de convocar a presença da sua mãe junto a
eles, em certa medida para ajudar você a carregá-los, sabe? [Estende as
mãos abertas, como se carregasse alguma coisa.] [A cliente assente.]
Quando você descreve essa espécie de caixa [faz a forma da caixa com as
mãos na altura do abdômen] na qual você meio que contém os
sentimentos, do que você imagina que ela é feita?
I: Não sei, algum metal ou outro material muito resistente.
T: Como ferro?
I: Sim.
T: E como você chamava sua mãe?
I: Ah! Dama de Ferro!
T: Dama de Ferro. Talvez ela esteja em uma posição muito boa para ajudá-la
com isso. Talvez ela se especialize em algumas das forças de que você
precisa agora, enquanto carrega esse sentimento e o compartilha com
outras pessoas que estão dispostas a lidar com ele, mesmo que por pouco
tempo. Não precisa ser algo que você enfrente sozinha.
I: Sim. [Assente.]
Quando começa a reformular os termos de seu apego à mãe, Inge
confessa um problema: as memórias convidadas podem proporcionar
alegria, mas as não convidadas ainda podem causar dor. Em seguida, retorno
à metáfora de encontrar ajuda para carregar o peso e a associo ao container
que Inge e eu coconstruímos anteriormente: ele, como a mãe dela, é forte
como ferro. Completando essa surpreendente conexão, Inge se ilumina, e
sinto uma onda de emoção e admiração por ela e pela profunda reconstrução
da relação para a qual ela está se abrindo após décadas de impasse.
Reflexões finais
T: [Ainda emocionado] À medida que entramos nos nossos minutos finais
desta sessão, Inge, só gostaria de admitir que estou tocado por sua
história. Estou tocado pelo amor que você carrega para além do túmulo
de sua mãe, dando-lhe um lugar em si mesma ao carregá-lo através de
uma vida que continua a ser tocada pela ausência dela mas também por
sua força. [A cliente assente.] E essa parece uma oferenda a ela que você
não reserva apenas para o aniversário dela, mas, de maneira
significativa, ela está com você o ano todo. [A cliente chora e sorri.]
[Pausa] Pergunto-me se você tem algum pensamento, dúvida ou
preocupação que deseje compartilhar comigo nos últimos minutos da
nossa sessão, sobre qualquer coisa que tenhamos falado, ou sobre aonde
você gostaria de chegar.
I: Acho que percebi, ao ouvir essas coisas, que tentei mantê-la em uma caixa,
e manter mesmo o sentimento em uma caixa. Contudo [falando devagar,
reflexivamente], me sentiria melhor se não a colocasse em uma caixa, se
tivesse ela para me ajudar a passar por isso.
T: [Resumindo com emoção na voz] “Talvez me sentisse melhor se não a
colocasse em uma caixa, se tivesse ela para me ajudar a passar por isso”.
Não acho que alguém possa formular isso em melhores termos [ambos
com lágrimas nos olhos].
I: Porque eu via isso como uma coisa negativa, e talvez não seja uma coisa
negativa.
T: Talvez não seja uma coisa negativa, não é? Talvez aquela espécie de mar
silencioso também possa se tornar algo além de um espaço ameaçador,
talvez possa se tornar algo não negativo?
I: Sim [balançando a cabeça]. E tive essa sensação quando ela morreu, pois
eu era tão próxima a ela, de que eu era indesejada após a vida dela.
T: De que você era indesejada após a vida dela?
I: [Chorando] De que havia algo lá que eu sabia que tinha que fazer o meu
melhor para permanecer...
T: Como se ela estivesse demandando isso de você ou...?
I: Não, como se ela tivesse sido um porto seguro, e sem ela eu tivesse que me
defender e provar meu próprio valor sem um porto seguro...
T: Assim como ela fez.
I: Isso.
T: Assim como ela fez. Trabalhar duro para provar o seu valor? [A cliente
concorda que sim.] Mas você também diz isso com os verbos no passado,
quase com a implicação de que talvez não precise continuar assim. Talvez
haja uma forma diferente de encontrar segurança ou...?
I: [Acenando afirmativamente com a cabeça] Eu me dei conta de que, quando
era mais nova, achava que me sentiria melhor após trabalhar duro e
conquistar um lugar. E então eu percebi, como eu fiz 40 anos este ano,
pensei que esse sentimento não tinha realmente mudado, logo, não se
trata de ficar melhor nas coisas, pois eu poderia ficar melhor em muitas
coisas, mas o sentimento não vai mudar.
T: Talvez essa seja uma lição a ser aprendida com a vida dela? [A cliente
assente repetidamente.] E então o que [falando de modo lento] seria
necessário em vez de mais trabalho duro? Há uma segunda mensagem da
vida dela que nos daria uma pista sobre isso? Outro caminho?
I: [Longa pausa] Eu não sei.
T: Parecia haver algo, não é, que você vislumbrou naquela ideia de não ter que
apenas carregar penosamente o sentimento você mesma, daquele modo
contido, mas tê-la para ajudar você com essa tarefa. [A cliente assente.]
Parecia quase um peso a ser carregado conjuntamente. Estou tentando
pensar em maneiras de convidá-la a entrar. Talvez isso [gesticula para
designar o anel], o anel de noivado, seja uma forma de convidá-la a entrar,
mas talvez ainda haja outras maneiras?
I: Certo [balançando a cabeça], certo.
Resumindo os temas-chave da sessão e validando a impressionante,
embora incipiente, reconstrução do relacionamento de Inge com sua mãe,
convido-a a pensar sobre onde ela está agora. Inge responde com a
articulação de uma nova consciência: ela tem lutado por décadas para
encaixotar seu luto e sua mãe, criando um luto prolongado e complicado que
mudou muito pouco em 23 anos. Sua solução para esse luto e para a perda do
“porto seguro” que sua mãe proporcionava era, por identificação com a mãe,
trabalhar duro e de maneira incessante para “provar” a si mesma e
conquistar um lugar no mundo. Agora, contudo, ela percebe que nenhum
montante de sucesso pode garantir isso, e vislumbra uma possibilidade
radical: convocar maior presença de sua mãe em sua vida pode ajudar a
restaurar a força e a segurança de que ela precisa. Em nossos minutos finais,
adicionamos mais combustível a essa chama brilhante de possibilidades.
Passos futuros
T: Que outras maneiras existem? Acho que você está convidando-a a
participar dessa conversa comigo, não é? [Cliente: Sim.] Esse é um passo.
Haveria outro passo na mesma direção?
I: [Pausa] É difícil dizer, pois já faz muito tempo, e o mundo em que estou
agora é muito diferente.
T: É. O mundo mudou, e você ainda está tentando entender como ele
funciona. Mas também parece que você ainda está tentando encontrar
um mundo seguro para sua mãe, certo?
I: Sim.
T: Como seria manter as histórias da sua mãe vivas nesse mundo? E quem
poderia se juntar a você nisso às vezes? Assim como na árvore de Natal,
mas sem ter que esperar pelo Kerstfeest [Natal] para fazer isso, certo?
I: Certo [risos]. Minha família, meus filhos. É difícil com eles porque sinto
que tenho que fazer o meu melhor.
T: Claro. Mas talvez a definição do que é o melhor possa ser [gesticula
fluidamente com as mãos] flexível, e não tão... [gesticula para formar a
caixa], sabe?
I: Sim.
T: [Olhando para cima e balançando a cabeça lentamente] Tive uma ideia.
Sua mãe mantinha um diário; ela obviamente escrevia sobre coisas que
eram pessoais, importantes e emocionais para ela. E meu palpite é que
você é pessoal, importante e emocional para ela. Pergunto-me se, assim
como você pode ter conversas com sua mãe e talvez até se imaginar
escrevendo uma carta para ela, se você poderia imaginá-la escrevendo
uma carta em resposta. [Pega bloco de papel e caneta.] O que ela diria?
Ela chamava você de Inge?
I: Sim.
T: Então, se você escreve uma carta para sua “Querida Mamãe”, como seria a
carta para a “Querida Inge”? [Pausa] Pode ser algo a se tentar, meio que
dar a ela sua caneta [estende a caneta para a cliente] e sua mão
[pantomima escrita], pois presumo que você realmente a mantenha dentro
de si [gesticula em direção ao coração] de algumas maneiras. Ela está
com você de várias maneiras [gesticula para sugerir o anel de noivado], e
talvez ela pudesse ter alguma voz. [I: Sim, sim.] Esse poderia ser seu
presente de aniversário. [I: Sim, sim.] Uma carta de aniversário para
Inge. Atualmente você está vendo algum terapeuta?
I: Eu vejo An, estou vendo An; então, sim.
T: Sim, você está vendo An. Então, se nós fôssemos... se eu fosse ajudá-la a
compartilhar com An essa ideia maluca sobre um tipo de
correspondência com sua mãe, apenas como algo para tentar convocá-la
um pouco mais, isso seria do seu interesse?
I: Sim.
T: Você acha que poderia fazer isso?
I: Sim [assentindo repetidamente].
T: Então, o que vou fazer é encontrar alguns momentos para conversar com
An e compartilhar essa ideia, fazer um brainstorm com ela, e talvez você e
ela possam apenas tentar ver como isso funciona para você, sem
obrigação de levar a tarefa adiante.
I: Sim. É uma boa ideia, sim.
T: É uma boa ideia. Bem, você é uma boa filha. [A cliente ri baixinho,
comovida.] Acho que você ainda está dando a ela o presente do seu amor
neste aniversário. [A cliente mantém um intenso contato visual através
das lágrimas, enquanto o terapeuta se inclina e aperta sua mão com
firmeza.] Muito obrigado.
A sessão termina com lágrimas não de tristeza, mas de esperança, com a
perspectiva de que as histórias da mãe de Inge possam circular mais no
mundo e de que o alcance, por uma filha, de uma mãe de que ela ainda
precisa possa ser recíproco com a ajuda da sua terapeuta. Um aperto de mão
encerra uma sessão que honra não apenas o dia do nascimento da mãe de
Inge mas também o dia que simboliza o renascimento de seu relacionamento
em amor contínuo.
Prólogo terapêutico
Após assistir à sessão ao vivo por vídeo em outra sala, An observou: “Erik [e
eu] choramos a maior parte da sessão, gratos por testemunhá-la a distância e
ouvir muitas histórias de Inge sobre sua mãe, histórias que, como ele disse
depois, nunca tinha escutado antes. Após a sessão, ele disse que esperava que
isso estimulasse o compartilhamento de mais histórias entre eles [sobre a
mãe de Inge e o seu luto], pois isso parecia algo com muito potencial para
conectá-los de maneira aberta e autêntica”. De fato, essa expectativa foi
muito bem atendida nos dias seguintes à sessão, como documentado no
resumo escrito por An do encontro de terapia conjugal realizado com o casal
alguns dias depois. Esse resumo foi escrito imediatamente após o encontro,
com base em anotações que ela, Inge e Erik decidiram fazer na sessão.
Encaminhado para Bob “como um presente originado de um sentimento de
gratidão”, o texto diz:
Acabei de fazer uma sessão com Inge e Erik, e é claro que retomamos a
sessão da semana passada. Isto foi o que eles me disseram:
Sobre o luto que saiu de uma caixa para um lugar externo, mas acessível
Inge ficou muito surpresa por ter um “sentimento diferente” em relação à
mãe desde a sessão. Trabalhar com DUAS cadeiras, uma para o luto e a
tristeza avassaladora e uma para sua mãe, foi incrivelmente importante
para ela, uma vez que ela pôde, pela primeira vez em seu processo de luto
(!), separar esses dois “outros” externalizados. De maneira significativa,
ela pôde visualizar e pensar sobre sua mãe de um modo que não tinha a
ver apenas com um luto intenso (“porque ele estava na outra cadeira”).
Desde quarta-feira, ela tem conseguido se conectar com as memórias de
sua mãe, pensar nela e recordar todos os tipos de lembranças sem que o
luto interfira nelas. Ela agora consegue acessar um amplo conjunto de
memórias de infância com a mãe, em muitas situações (quando ficavam
em casa nos fins de semana, quando a mãe estava trabalhando ou
preparando o jantar, quando faziam uma viagem em família). Ela
percebeu que havia mantido sua mãe em uma caixa de tristeza por anos,
então ela não conseguia mais alcançá-la sem sentir uma tristeza
avassaladora.
Trabalhar com duas cadeiras realmente a ajudou a separá-las, assim
como esta sua fala: “Precisamos que a pessoa falecida nos ajude em nossa
dor, e precisamos ser capazes de nos conectar com ela novamente”.
Compreensão a respeito da importância das mães
Outra coisa que aconteceu nos dias seguintes à sessão foi sua nova
compreensão da enorme importância das mães para seus filhos. Inge e
Erik têm dois filhos, e agora ela começou a pensar sobre sua própria
relevância como mãe para eles e sobre o que ela quer ser para os dois. Isso
realmente me tocou muito, pois também era algo com o qual ela estava
lutando: encontrar sua relevância como mãe para seus filhos. Uau!
Considerações finais
O advento da pesquisa contemporânea sobre o vínculo contínuo,
amplamente documentado neste volume, gerou contribuições clínicas e
conceituais para muitas abordagens à terapia do luto. Neste capítulo,
exploramos essa contribuição no contexto de um modelo de luto como
reconstrução de significado (Neimeyer, 2019), que ajuda o cliente a
identificar, simbolizar, articular e renegociar um mundo de significados
intensos que foram desafiados pela perda. Embora essa orientação para o
trabalho com o luto possa ser, e de fato tenha sido, expressa em um protocolo
de tratamento estruturado que incorpora módulos e técnicas específicas
(Neimeyer & Alves, 2016; ver também Cap. 2), enfatizamos aqui o alto grau
de adaptação e improvisação de intervenções características de qualquer tipo
de psicoterapia responsiva, que estão especialmente próximas do cerne da
prática construtivista (Neimeyer, 2009; Neimeyer & Mahoney, 1995). Nessa
perspectiva, a conversa da terapia se desdobra como coconstrução
colaborativa, pois o terapeuta guia sem tomar a dianteira, de modo a
aprofundar e direcionar o engajamento do cliente com questões implícitas,
emoções significativas e impasses experienciais que surgem no decorrer do
luto. Comumente, o resultado é a geração de uma série de “momentos
inovadores” (MIs) no processo de terapia, em que cliente e terapeuta
descobrem um novo significado na forma de novas reflexões e ações, e na
reconceitualização emergente da “narrativa dominante” do luto prolongado e
intenso do cliente (Alves, Mendes, Gonsalves, & Neimeyer, 2012). De fato,
uma análise de processo detalhada de sessões realizadas por terapeutas
mestres que trabalham com clientes enlutados em terapias construtivistas,
existenciais e centradas na pessoa documenta claramente a ligação entre o
cultivo sustentado de MIs na terapia do luto e a melhora do resultado ao
longo do tratamento (Piazza-Bonin, Neimeyer, Alves, Smigelsky, & Crunk,
2016; Piazza-Bonin, Neimeyer, Alves, & Smigelsky, 2016). Como ilustrado
pelo trabalho com Inge, quando o terapeuta está suficientemente sintonizado
com os limites em expansão da construção de significado do cliente, o
resultado pode ser uma reconstrução rápida do modo como o cliente sustenta
sua dor e, igualmente importante, do modo como ele mantém seu
relacionamento com a pessoa falecida.
Dada a proeminência das formulações cognitivo-comportamentais na
psicoterapia contemporânea, pode ser tentador interpretar tal reconstrução
de significado em termos altamente cognitivos, encarando a terapia como um
processo de testagem e revisão das interpretações errôneas ou das crenças
disfuncionais do cliente no contexto do luto (Malkinson, 2007). No entanto,
sem negar a utilidade dessa perspectiva, consideramos que a abordagem do
trabalho com o luto exemplificada nesse e em outros casos (Neimeyer, 2004,
2008) guarda maior semelhança com as terapias focadas na emoção
(Greenberg, 2010), as terapias orientadas à coerência (Ecker, 2012) e as
terapias narrativas (Hedtke & Winslade, 2016), todas as quais compartilham
uma epistemologia construtivista ou social-construcionista. Como esses
modelos afins, a reconstrução de significado incentiva o cliente a “seguir a
trilha do afeto” para identificar sua necessidade implícita e sua prontidão para
abordá-la em cada etapa da conversa terapêutica. A própria conversa
terapêutica é entendida como engajamento matizado com o sentido, que é
apenas parcialmente transmitido na linguagem explícita e pelo menos
igualmente presente na linguagem gestual e expressiva, incorporado por
ambos os participantes. Embora isso seja menos evidente em um material
datilografado do que em uma gravação em vídeo, mesmo a linguagem falada
é tomada como recurso multidimensional, transmitindo significado nos
ritmos prosódicos e nas ênfases da fala, e nas trocas poéticas e metafóricas,
tanto quanto nas descrições ou nas direções denotativas (Mair, 2014;
Neimeyer, 2009). Como dois músicos de jazz ou atores de improvisação,
terapeuta e cliente respondem à “oferta” um do outro de uma forma que move
a terapia engenhosamente em direções que nenhum dos dois poderia ter
previsto.
Por fim, embora nosso foco em uma sessão de terapia individual possa
sugerir que consideramos a terapia, e o luto em si, um processo psicológico
altamente individualizado, na verdade acreditamos com firmeza que toda
terapia de luto é, a rigor, terapia familiar (Hooghe & Neimeyer, 2012). Essa
proposição se sustenta em dois níveis. De maneira mais óbvia, assim como
uma perspectiva de vínculos contínuos implica, a terapia do luto tem
inerentemente a ver com a relação entre os vivos e os mortos. Desse modo,
sessões de terapia como a de Inge evocam e utilizam a presença da pessoa
falecida como um componente-chave do tratamento. No entanto, igualmente
importante, o trabalho realizado mesmo na mais privada das terapias tem
implicações ativas no campo das pessoas significativas para o cliente,
mudando conversas, realinhando relacionamentos e convidando à integração
da história do evento da perda, ou da história por trás do vínculo com a
pessoa falecida, na narrativa compartilhada da família. No caso de Inge, isso
foi deliberadamente orquestrado em colaboração com ela e seu marido, Erik,
que assistiu à sessão de outra sala. Assim, foi possível oferecer ao casal, ao
mesmo tempo, o amortecedor e a ponte que desejavam. O processamento
subsequente da experiência na terapia de casais e na sua vida familiar
completou o círculo e estimulou a realização contínua da mudança iniciada
na consulta individual. Os terapeutas que promovem a reconstrução de
significado com determinado cliente, portanto, demandam sintonia com
discursos familiares, sociais e culturais relevantes, que tanto apoiam quanto
restringem esses esforços, e que são sutil ou substancialmente alterados por
eles.
Em suma, a terapia do luto fundamentada na conceituação do vínculo
contínuo consiste em muito mais do que o apoio ao luto para lidar com
sentimentos perturbadores na esteira da perda — embora também se trate
disso. Fundamentalmente, essa terapia objetiva trabalhar as complicações
decorrentes das reações persistentes e prolongadas de luto ao ajudar os
enlutados a: (a) processar a história — às vezes trágica — da morte e, ao
mesmo tempo, (b) acessar a história por trás de seu relacionamento com a
pessoa falecida, resolvendo problemas e muitas vezes restaurando um grau
de segurança de apego que foi abalado pela perda. Esperamos que a
ilustração desse processo no reengajamento de Inge com sua mãe ajude a
desmistificar essa dimensão da terapia do luto para os colegas que se juntam
a nós neste trabalho, seja qual for sua orientação teórica. ▲
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[terapia do luto] Uma versão resumida deste capítulo está disponível em Klass, D., & Steffen, E. (Eds.).
(2018). Continuing bonds in bereavement: new directions for research and practice. New York: Routledge.
Incluído aqui com permissão.
2
O significado em grupos de perdas
Princípios, processos e procedimentos
Robert A. Neimeyer, Evgenia (Jane) Milman e Edith Maria Steffen
Princípios
Situado em um arcabouço teórico narrativo-construtivista (Neimeyer, 2009),
o MLG compartilha princípios fundamentais exemplificados por outras
terapias embasadas nessa perspectiva. Esses princípios incluem o respeito
pelos clientes como inveterados construtores de significado e uma visão da
terapia como um processo para ampliar o conhecimento dos clientes sobre
sua experiência, isto é, para ajudá-los a nomear e reivindicar as nuances de
suas próprias respostas às circunstâncias da vida, permitindo-lhes fazer
escolhas mais adequadas no futuro. Neste contexto, isso implica que a terapia
deve auxiliar os participantes a desenvolver letramento emocional a respeito
de seu próprio luto, valendo-se de uma vasta gama de procedimentos para
explorar, articular e renegociar os significados implícitos que foram
desafiados e alterados pela perda. Ademais, o MLG incorpora uma série de
outros princípios, resumidos a seguir.
O terapeuta opera mais como ator coadjuvante do que como ator principal. Ou
seja, a terapia é mais exploratória do que psicoeducativa, com os líderes
do grupo introduzindo métodos para a autodescoberta e o
empoderamento do cliente e oferecendo suporte para a sua utilização.
Isso contrasta com a adoção de uma postura de especialista, como a de
professores que dominam um conjunto referendado de habilidades de
enfrentamento, a de críticos socráticos dos pensamentos disfuncionais
dos membros, ou a de autoridades no modo correto ou incorreto de
responder a uma perda (Neimeyer, 2009).
Os terapeutas são mais orientados ao processo do que ao conteúdo. Como
corolário do primeiro princípio, os líderes do grupo introduzem
ferramentas e tópicos para exploração e discussão conjunta, deixando que
os membros analisem sua relevância no contexto de suas perdas
singulares.
Toda mudança emerge em momentos de intensidade vivencial; todo o resto é mero
acessório. Ou seja, os módulos são formulados para promover um
engajamento emocionalmente vívido com a “história do evento” da morte,
bem como com a história por trás da relação com quem morreu
(Neimeyer & Thompson, 2014). Reflexões mais “cognitivas” sobre essa
experiência podem desempenhar um papel na consolidação da mudança,
mas são menos importantes em sua estimulação.
Como forma de aprendizagem vivencial, a terapia está ancorada na experiência
concreta, promove reflexão pessoal, envolve os clientes em novas ideias e
possibilidades, e estimula a experimentação ativa em um mundo transformado.
É esse processo iterativo de sentir, refletir, reconceituar e agir (Kolb,
1984) que reconstrói um universo de significados que foi desafiado pela
perda.
Um novo significado surge entre as pessoas, bem como dentro delas. Na forma
como a terapia de grupo é constituída, o diálogo pungente e muitas vezes
animado com outras pessoas enlutadas promove a expressão e a
validação da experiência pessoal, bem como oportunidades para abordar
a perda de diferentes formas. Outra maneira de dizer isso é afirmar que o
luto e o significado são atividades situadas, interpretativas e comunicativas,
ou então formas de construção social, e não processos meramente
emocionais ou cognitivos situados dentro dos indivíduos (Neimeyer et al.,
2014).
Terapeutas
Antes de apresentar o conteúdo dos módulos que compõem o MLG, é
necessário abordar a questão da liderança dos grupos. Até o momento, todas
as implementações do protocolo foram conduzidas por psicoterapeutas em
nível de doutorado, nas áreas de psicologia clínica ou de aconselhamento, ou
então por estagiários de pós-graduação ou estagiários dessas disciplinas, sob
a supervisão de mentores experientes em nível de doutorado. Credenciais
alternativas em outras profissões terapêuticas, como serviço social,
psiquiatria, assistência pastoral ou prática avançada de enfermagem,
certamente seriam igualmente adequadas. No entanto, sobretudo quando o
trabalho com o luto e com grupos envolve casos complicados de luto,
definidos por vários fatores de risco associados ao enlutado, às circunstâncias
da morte ou ao relacionamento com a pessoa falecida (Neimeyer & Burke,
2017), é essencial garantir treinamento profissional adequado. O MLG não é
idealizado para ser utilizado em contextos de apoio ao luto por voluntários ou
terapeutas iniciantes, a menos que recebam apoio e sejam supervisionados
de perto. Dito isso, alguns dos módulos a seguir podem ser usados de
maneira eletiva no contexto de um grupo de apoio, conforme observado.[NT]
Outra recomendação é envolver uma equipe de dois coterapeutas no
gerenciamento de cada grupo, embora um terapeuta experiente possa
administrar um grupo bem-sucedido sozinho. Todavia, trabalhar com um
colega permite dividir as responsabilidades implicadas na condução de
diferentes atividades em uma única sessão de grupo. Além disso, possibilita
que um terapeuta se concentre no gerenciamento do grupo enquanto o outro
se atenta aos sinais de envolvimento ou de emoção dos membros. Esse
trabalho conjunto ainda gera vantagens práticas na implementação do
formato diádico, em duplas, característico no contexto do grande grupo,
como veremos posteriormente. Essa também é uma estrutura ideal para
mentoria e modelagem em contextos de treinamento, nos quais um colega
mais experiente pode formar uma dupla com um terapeuta em formação
para implementar e supervisionar o grupo.
Formato do grupo
No processo de implementação do MLG, descobrimos que o arranjo ideal é
uma série de sessões de duas horas realizadas no mesmo dia da semana e no
mesmo horário ao longo de 12 semanas sucessivas. Deve-se tomar cuidado
para evitar grandes feriados religiosos e seculares, e as entrevistas de triagem
(ver mais adiante neste capítulo) devem confirmar a viabilidade do
cronograma com possíveis membros para minimizar as ausências. O MLG
adota uma estrutura de grupo fechado, o que significa que é esperada a
participação semanal (com licenças para eventos imprevistos e doenças),
com uma adesão consistente da primeira sessão até a última. Como os
módulos (e a coesão do grupo) vão sendo construídos nas sessões, deve-se
tomar cuidado para não adicionar novos membros quando um grupo estiver
em andamento. No entanto, algumas variações nesse formato podem ser
viáveis (p. ex., realizar uma sessão de 90 minutos no caso de grupos menores
ou mesmo oferecer o MLG em uma série de oficinas de quatro a seis horas em
finais de semana, chegando a um total de 24 horas).
Uma característica marcante do MLG é o uso frequente de interações
diádicas na estrutura mais ampla do grupo maior, conforme observado na
descrição dos módulos que veremos a seguir. Isso implica dividir o grupo de
seis a 12 participantes em duplas, em um determinado momento da sessão,
para o compartilhamento sobre um tópico definido (p. ex., apresentar o ente
querido, compartilhar episódios da vida ou da linha do tempo, ou ler a
correspondência imaginada com a pessoa falecida). Essas trocas em geral são
breves (15 a 30 minutos no total) e, enquanto acontecem, os terapeutas
circulam pelo grupo, parando para ouvir a partilha brevemente, às vezes
oferecendo apoio ou fazendo recomendações, ou respondendo a uma mão
levantada, de forma a lidar com uma questão ou uma preocupação. Após a
interação diádica, as duplas são reunidas em um círculo, para que seja
possível analisar as observações de cada membro, com a condição de que
cada um fale de sua experiência e, se quiser compartilhar alguma observação
sobre seu par, que consulte-o antes. Muitas vezes, a reunião subsequente com
o grande grupo será realizada pelo restante do encontro, embora, em alguns
casos, ela seja realizada em determinado período, de modo que sobre tempo
para um tópico ou uma atividade adicional. Deve-se tomar cuidado para
formar duplas diferentes a cada sessão, a fim de desencorajar os subgrupos e
promover uma coesão mais ampla do grupo nas sessões.
O formato diádico oferece várias vantagens em relação a um formato de
grupo mais comum restrito a atividades em que todos os membros
participam de maneira conjunta. Dentre essas vantagens, estão inclusas as
elencadas a seguir.
Montreal, Canadá
Esse grupo foi conduzido por uma doutoranda avançada de psicologia do
aconselhamento (JM), que já havia concluído um mestrado nesse mesmo
programa. A supervisão ocorreu semanalmente, por videoconferência, com
um psicólogo clínico em nível de doutorado com 40 anos de experiência
(RAN). O grupo foi implementado em uma organização judaica de serviços
comunitários que fornece uma variedade de serviços ambulatoriais de saúde
mental ao público em geral em contexto urbano amplo. (Os clientes não
precisam ser judeus para se qualificar para o atendimento.) Os potenciais
membros do grupo foram pré-selecionados com base no critério de
adequação (ver mais adiante neste capítulo), sendo reunidos oito
participantes, sete mulheres e um homem, com idades entre 23 e 59 anos.
Todos os participantes haviam perdido pessoas com quem tinham uma
relação próxima, incluindo pais, cônjuge, filho e irmão. As mortes ocorreram
por uma variedade de causas naturais (p. ex., câncer e parada cardíaca) e
violentas (p. ex., acidente fatal e suicídio). O grupo reuniu-se por 90 minutos
no início da noite durante 12 semanas, com pausas ocasionais (p. ex., devido
aos principais feriados judaicos).
Sessão de triagem
De modo ideal, os terapeutas devem organizar uma sessão de triagem
individual de 30 a 60 minutos para os possíveis membros do grupo, de forma
a avaliar sua adequação ao trabalho em grupo (sua capacidade de trabalhar
adequadamente com outras pessoas, conforme evidenciada pela discussão de
experiências anteriores no local de trabalho ou em grupos de terapia e pelas
observações do avaliador), seu nível de sofrimento[NRT] (não tão alto que
possa dominar o processo do grupo ou representar um risco para si ou para
os outros membros, exigindo monitoramento individual mais próximo) e
seus objetivos e suas expectativas com relação ao grupo (amplamente
compatíveis com a terapia a ser oferecida). Além de solicitar uma breve
descrição das circunstâncias de vida e da experiência de perda do
entrevistado, o clínico descreve a estrutura geral e os objetivos do grupo,
propõe admissão ao grupo ou recomenda outros serviços (como terapia
individual ou familiar, ou consulta psiquiátrica) e aborda questões
levantadas pelo potencial participante. Quando admitidos no grupo, os
entrevistados se beneficiam do fato de terem começado a desenvolver uma
aliança com o terapeuta. Em contrapartida, o terapeuta inicia o grupo com
maior conhecimento prévio das circunstâncias, das lutas e dos pontos fortes
dos membros. Quando a triagem é inviável, pode haver maior
heterogeneidade na adesão, altos níveis de demanda e outros fatores que
podem se mostrar desafiadores, sobretudo para facilitadores de grupo menos
experientes.
No grupo de apoio ao luto implementado em uma igreja em Memphis, a presença
inesperada de muitos participantes apresentando perdas não relacionadas à morte
(casamentos longos, preocupações pessoais sobre mortalidade e dispensa após uma
extensa carreira) exigiu a reestruturação improvisada de intervenções em diversos
módulos, como será indicado posteriormente. Também exigiu gestão hábil do
trabalho diádico para reunir esses participantes uns com os outros inicialmente, a fim
de promover maior nível de identificação com o parceiro, o que poderia não ter sido o
caso (p. ex., se um cliente em luto pelo divórcio fosse emparelhado com outro
enfrentando a overdose de um filho adulto). Da mesma forma, a incapacidade de
rastrear níveis muito altos de pressão emocional entre alguns integrantes demandou
direcionamento habilidoso do processo do grupo, bem como uma acomodação especial
das necessidades de dois membros do grupo (que, muitas vezes, formaram duplas com
líderes do grupo no trabalho diádico, para que pudessem ter mais atenção). Embora
esses esforços tenham sido em grande medida bem-sucedidos, uma triagem prudente
poderia ter levado à seleção de membros com mais semelhanças entre si e capacidade
de se beneficiar do grupo com menos desafios.
A avaliação minuciosa do potencial de um participante para se adaptar ao
formato da terapia de grupo não apenas serve ao propósito de identificar aqueles que
são mais adequados à terapia individual, mas também permite que os facilitadores do
MLG antecipem dinâmicas interpessoais potencialmente disruptivas, bem como
preparem futuros integrantes do grupo para trabalhar com outros indivíduos em luto.
Na realização do MLG em Montreal, JM começou sondando as experiências dos
entrevistados em diversos contextos de grupo (p. ex., “Quando você está em um grupo
— no trabalho, entre amigos ou com familiares próximos —, quais são os desafios
que você encontra e como você se beneficia de participar do grupo?”). JM então seguiu
com perguntas abertas para avaliar as percepções dos entrevistados sobre como eles
contribuem em contextos grupais. Por exemplo, foi perguntado aos potenciais
entrevistados: “Que papéis você se vê assumindo quando está em um grupo? Alguns
exemplos podem ser: o protetor, o especialista, a voz da razão, a mosca na parede ou o
centro das atenções. Lembre-se de que sua função pode mudar dependendo do grupo
no qual você está — você pode ser protetor entre os membros próximos da família,
mas uma mosca na parede no trabalho. Que papel você se vê desempenhando nesse
grupo de luto?”. Em um caso, uma entrevistada expressou que planejava ser a
“especialista em luto” do grupo. Isso foi abordado na sessão de triagem primeiro
validando as intenções positivas da entrevistada e a utilidade dos insights que ela
obteve no processo de luto. JM destacou a importância de não oferecer soluções simples
a lutas complexas enfrentadas e enfatizou as verdades variadas e contrastantes de
cada indivíduo em luto. Após a triagem, RAN e JM exploraram vários meios de
minimizar o potencial disruptivo do status de “expert” autoproclamado por essa
pessoa. Isso incluiu fazer com que ela formasse, de maneira estratégica, duplas com o
terapeuta ou com outros membros assertivos do grupo, bem como enfatizar a escuta
ativa em vez do oferecimento de conselhos como norma no início do grupo.
Na implementação do MLG em Montreal, a sessão de triagem também explorou a
tolerância dos entrevistados a diversas expressões de luto. Em um caso, uma
entrevistada mostrou desdém por qualquer pessoa “capaz de se livrar” dos pertences
da pessoa falecida. Outras sondagens revelaram que esse desdém se desenvolveu em
resposta ao fato de a entrevistada receber instruções repetidas para “seguir em frente”,
“limpando” o armário do marido. Para quem perdeu alguém, pode ser desafiador
encontrar expressões de luto que contrastem com as suas, sobretudo se tiverem sido
expostos a julgamentos sobre as maneiras “certas” e “erradas” de sofrer.
Apresentaremos a seguir uma discussão sessão a sessão do MLG,
ilustrando-a com vinhetas de grupos conduzidos no teste de viabilidade.
Nesse processo, ofereceremos lições aprendidas e dicas para implementar ou
ampliar várias técnicas em futuras aplicações do programa.
Fase 5: Consolidação
Sessão 10: histórias imaginárias. Para promover a integração do trabalho da
terapia fomentando uma perspectiva imaginativa e “autodistanciada” (Kross
& Ayduk, 2010), a sessão 10 envolve os participantes na escrita de uma breve
história de “faz de conta” sobre temas de perda, e os terapeutas estabelecem
que eles têm de 8 a 10 minutos para realizar essa atividade (Neimeyer &
Young-Eisendrath, 2014). Chamado de “imaginário”, devido à sua
aproximação a um conto de fadas ou ao estilo ficcional do realismo mágico, o
método envolve munir cada cliente com dois elementos das categorias:
cenário (p. ex., uma perda traumática, uma casa vazia), figura com voz (p. ex.,
uma criança chorando, um animal falante) e objetos ou características
potencialmente simbólicas (p. ex., uma montanha, um nascer do sol). Os
participantes são encorajados a incluir esses elementos na narrativa da forma
que quiserem (Neimeyer, Torres, & Smith, 2011). O pouco tempo disponível
para a escrita tende a evitar a interrupção por uma voz autocrítica ou
editorial, e a história resultante costuma ser emocionalmente poderosa e,
nesse ponto da terapia, esperançosa, quer o enredo da história recapitule
literal ou figurativamente os enredos ou os temas das histórias de perda
pessoal dos clientes. Após a leitura em voz alta e a discussão da narrativa
resultante entre as duplas, os terapeutas podem utilizar uma das várias
técnicas adicionais para estender o método em direções de cura junto ao
grande grupo na fase subsequente (p. ex., facilitar diálogos imaginários entre
pares de elementos ou levar os clientes a recontar a história da perspectiva de
um dos elementos para descentralizar a narrativa e descobrir nela novos
sentidos possíveis). Outras alternativas incitam os clientes a considerar o que
a história revela sobre o que eles próprios precisam, a fim de que possam
planejar medidas práticas para atender a essas necessidades na semana
seguinte (Neimeyer, 2012d).
No grupo de Londres, os participantes foram convidados a escrever uma história
utilizando os seguintes elementos: uma casa vazia, uma tempestade, uma voz ao
vento, um estranho misterioso, as raízes profundas de uma árvore e uma fotografia
rasgada. Isto foi o que Júlia — uma jovem que havia perdido seus avós, os quais eram
seus parentes mais próximos e seus principais cuidadores na infância — escreveu:
Considerações finais
Nossa experiência contínua com a avaliação da viabilidade do MLG em três
contextos bastante distintos, em três países diferentes, lançou as bases para
um ensaio controlado dessa nova intervenção, baseado em instrumentos
validados para avaliar tanto construção de significado quanto o luto ao longo
do curso do tratamento (Neimeyer, 2016a). Os dados preliminares desses
ensaios não controlados, em pequena escala, são encorajadores, sugerindo
que os participantes experimentam uma redução no luto complicado e em
outras formas de sofrimento, bem como uma melhora em sua capacidade de
encontrar sentido e significado em histórias de perda que mudam os rumos
da vida. Portanto, estamos otimistas, acreditando que uma terapia orientada
para o sentido e baseada em modelos, métodos e medidas contemporâneos
fará uma contribuição singular para o tratamento das pessoas que sofrem
reações dolorosas, prolongadas e preocupantes a perdas trágicas. Esperamos
que outros se juntem a nós na investigação da utilidade clínica dessa nova
abordagem para o trabalho em grupo com enlutados.
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[grupo de apoio] Para obter informações sobre treinamento e supervisão a respeito desse protocolo,
entre em contato com o primeiro autor por meio do endereço: [email protected].
[sofrimento] N. de R.T. Do inglês, distress. Sofrimento físico ou mental — como ansiedade, tristeza ou
dor intensa — ou a sensação de estar em perigo ou com uma necessidade urgente.
3
Abordagens culturalmente sensíveis
para encontrar significado no luto
traumático
Geert E. Smid e Paul A. Boelen
Explorando o significado
Formas culturais de lidar com o luto e o pesar
As noções de trauma histórico, perda e luto referem-se aos efeitos
duradouros e intergeracionais da opressão cultural na vida de imigrantes,
minorias, povos e comunidades indígenas (Kirmayer, Gone, & Moses, 2014).
Especificamente, pessoas com essas origens podem experienciar
incongruência cultural em caso de dissimilaridade entre crenças, expectativas e
práticas na cultura de origem e na cultura dominante (Bhugra & Becker,
2005). Em consonância com essa noção, pessoas vindas de contextos
culturais de imigrantes que foram expostas a desastres e perderam um ente
querido relataram um sofrimento mais intenso e persistente relacionado ao
estresse do que o dos nativos (Smid, Drogendijk, Knipscheer, Boelen, &
Kleber, 2018).
Os rituais proporcionam experiências poderosas que confirmam, para os
indivíduos enlutados, uma mediação da transição de um status social para
outro, validando a importância da pessoa que morreu, canalizando emoções
e oferecendo meios para a continuidade e a coesão social da comunidade (p.
ex., Romanoff & Terenzio, 1998). A perda de entes queridos em
circunstâncias traumáticas com frequência coincide com a impossibilidade
de realizar rituais culturalmente apropriados. Isso é ilustrado na vinheta
clínica a seguir.
Jack, agora com 25 anos, proveniente da Libéria, foi encaminhado para
tratamento de TEPT e depressão. Quando ele tinha 14 anos, sua casa foi atacada
pelos rebeldes. Sua amada avó foi queimada na casa enquanto estava deitada
paralisada em sua cama. Jack não estava em casa; naquela época, ele foi forçado a ser
uma criança-soldado. Sua mãe, seus irmãos e suas irmãs estão desaparecidos e
provavelmente mortos. (Seu pai deixou a família quando Jack era uma criança
pequena.) Jack tem pesadelos recorrentes em que sua avó aparece segurando uma
mala, encarando-o. A interpretação de Jack é de que ela o acusa de sua morte porque
ele não estava lá para protegê-la. Ele acha que a alma dela não consegue encontrar
descanso porque não houve nenhum ritual de sepultamento. Ele quer aceitar a morte
da avó, mas não sabe como.
Para possibilitar uma estimativa clínica dos efeitos dos rituais que não
puderam ser realizados, os terapeutas podem realizar uma avaliação das
formas culturais de lidar com o luto e o pesar (Smid, Groen, de la Rie, Kooper,
& Boelen, 2018). Para isso, é preciso explorar as tradições culturais
relacionadas à morte e ao luto, bem como as atividades de enfrentamento e
de busca de ajuda relacionadas à perda de entes queridos.
Explorando tradições culturais relacionadas à morte e ao luto. Uma função-
chave dos rituais relacionados à morte é oferecer maneiras estruturadas de
expressar tristeza e pesar pela perda de alguém. Os rituais podem incluir
prazos para a expressão imediata do luto, e ações a serem concluídas em
momentos específicos posteriormente, como um velório ou celebrações
anuais; também podem prescrever como lidar com e como dar um destino ao
corpo da pessoa falecida, e quando e de que maneira é apropriado falar sobre
ela (Cacciatore & DeFrain, 2015). Encontros com o ente querido que podem
ocorrer em sonhos, ou quando os enlutados veem, sentem, sentem o cheiro,
ou conversam com ele, podem ter explicações culturais. Após tais encontros,
a pessoa pode se sentir encorajada e com o desejo de realizar rituais
(Eisenbruch, 1990; Hinton, Peou, Joshi, Nickerson, & Simon, 2013). Muitos
rituais permitem que o enlutado acerte as contas com o ente querido perdido
ou expressem desculpas ou gratidão a ele. Os rituais de luto são muitas vezes
piaculares (Durkheim, 1995), ou seja, não realizá-los gera culpa. Embora se
possa considerar que alguns rituais tenham implicações para a vida após a
morte (Hinton et al., 2013), a realização de rituais prescritos pode ser mais
geralmente necessária para o cumprimento adequado de um papel ou apenas
para fazer as coisas de maneira correta (Staal, 1979). Em várias religiões,
considera-se que o tipo de morte (p. ex., suicídio) tem implicações para a
vida após a morte (Cacciatore & DeFrain, 2015). Explorar essas implicações
pode ser útil para apoiar o enfrentamento adaptativo.
Explorando atividades de busca de ajuda e enfrentamento relacionadas à perda
de entes queridos. Para lidar com a perda de um ente querido, muitos
indivíduos enlutados se envolvem em práticas relacionadas a tradições
espirituais, religiosas ou morais, incluindo oração e meditação. Além disso,
eles podem participar de cultos ou encontros religiosos, ou falar com outras
pessoas em seu grupo religioso e com líderes religiosos ou espirituais. Essas
atividades podem ser úteis para lidar com a perda, sobretudo com a culpa. A
culpa do sobrevivente ocorre muitas vezes entre sobreviventes de luto
traumático, notadamente entre refugiados (Eisenbruch, 1990). Os conceitos
de culpa podem estar ligados a conceitos culturais mais amplos de justiça e
de destino, que podem envolver a vida após a morte. Por exemplo, o conceito
budista de carma diz respeito às consequências das ações boas e más
realizadas em todas as existências anteriores de uma pessoa. O sofrimento,
portanto, é a consequência cármica dos pecados passados, e só se pode
esperar uma existência melhor no próximo renascimento realizando
inúmeros atos virtuosos (Boehnlein, 1987). Outros tipos de ajuda podem ter
sido sugeridos por familiares, amigos ou outras pessoas. Para os clínicos, é
essencial explorar esses e outros tipos de ajuda que o cliente ou o paciente
considere mais úteis no momento para lidar com a perda de entes queridos.
A seguir, são apresentados exemplos de perguntas que podem ser
utilizadas para mapear maneiras culturais de lidar com o luto e o pesar.
A história da perda
Componentes importantes da psicoterapia para o luto complicado (disturbed
grief) incluem a exposição às memórias da perda e da pessoa falecida, o
enfrentamento da realidade e da irreversibilidade da perda, e o confronto à
dor associada (Boelen & Smid, 2017). Ouvindo o paciente narrar a história da
perda, o terapeuta explora outros determinantes contextuais e psicológicos
do significado, ou seja, os eventos e as circunstâncias específicas que
constituem a história da perda. Além das tradições culturais, espirituais,
religiosas e morais, bem como da proximidade do relacionamento, o
terapeuta aprende sobre vários outros fatores que podem influenciar a
avaliação do paciente sobre a perda traumática do ente querido, como perda
concomitante de recursos, procedimentos judiciais, disponibilidade de apoio
social, experiências anteriores de trauma ou de perda e histórico de
problemas de saúde mental. Ao diferenciar esses fatores, o terapeuta pode
oferecer conselhos práticos e apoio emocional, além de intervenções
específicas focadas no luto e psicoeducação personalizada. Vários elementos
da psicoeducação a ser realizada após a perda traumática são discutidos a
seguir.
As perdas traumáticas podem apresentar aos indivíduos informações que
violam crenças positivas anteriormente mantidas sobre o self, a vida e o
futuro. Tais perdas também podem confirmar crenças ou esquemas negativos
(Beck, 2008) que fazem parte do sistema de atribuição de significado pessoal.
Por exemplo, perdas precoces e outras experiências adversas ao longo do
desenvolvimento podem promover atitudes negativas e preconceitos sobre o
self (Beck, 2008); o significado desses eventos pode ser transformado em uma
atitude duradoura (p. ex., desamparo, medo generalizado, raiva ou culpa),
que pode ser ativada pela perda traumática e aumentar seu significado
negativo. Adicionalmente, o estilo de apego do indivíduo e a natureza da
relação de apego podem moldar a reação de luto (Maccallum & Bryant,
2013).
Cognições e crenças negativas podem ser abordadas na psicoterapia.
Nela, o objetivo não é “contestar” e “alterar” cognições negativas relacionadas
a esses temas amplos, mas, em vez disso, explorar maneiras de manter uma
visão positiva de si, da vida e do futuro, incorporando a perda dolorosa. A
autoculpa e as perspectivas negativas das respostas do ambiente social
podem levar a sentimentos de culpa e raiva. A autorrecriminação pode ser
especialmente proeminente se a morte for sentida como falha no cuidado (p.
ex., após a morte de uma criança). Os terapeutas não devem simplesmente
tentar desafiar a autorrecriminação, mas ajudar o indivíduo enlutado a
assimilar a incapacidade de prevenir a morte em uma visão favorável de si
(Boelen, Van den Hout, & Van den Bout, 2006; Neimeyer, 2006).
As interpretações das próprias reações de luto podem ser importantes.
Indivíduos enlutados podem interpretar suas reações emocionais —
incluindo desespero intenso, pensamentos negativos e imagens vívidas
associadas à perda — como intoleráveis, insuportáveis ou como sinais de
insanidade iminente ou perda de controle. Tais avaliações negativas podem
contribuir de maneira direta para a ansiedade de separação e a perturbação
relacionada ao trauma, intensificando o sofrimento, e indiretamente,
alimentando tendências a minimizar o confronto com estímulos
relacionados à perda.
A exposição direta a detalhes atrozes da perda traumática de um ente
querido aumenta o risco de luto traumático. Isso ocorre porque essas perdas
invalidam radicalmente premissas centrais sobre segurança, confiança e
controlabilidade, representando um desafio maior para os enlutados
manterem uma visão positiva do mundo e das outras pessoas. De fato, as
mortes violentas são mais propensas a gerar memórias intrusivas
perturbadoras do que as mortes não violentas (Boelen, de Keijser, & Smid,
2015). Oferecer cuidados culturalmente sensíveis significa, do ponto de vista
dos terapeutas, tentar apreciar e entender a natureza e as complexidades das
experiências vividas por seus pacientes — incluindo as atrocidades às quais
um indivíduo pode ter sido exposto ao fugir de um país em guerra.
A ambiguidade — isto é, a falta de informações, como no caso de pessoas
desaparecidas (perda ambígua) — também pode estar associada ao aumento
do sofrimento. Como a situação de perda ambígua não pode ser resolvida, o
senso de domínio do indivíduo pode ser prejudicado (Boss, 2006). A perda
ambígua pode conduzir ao luto não reconhecido — um luto que não é
validado pelas pessoas no contexto social, sobretudo quando é parte de uma
série de eventos traumáticos e de perda experienciados no contexto da
guerra. Rituais de luto ocidentais, baseados em um modelo de “deixar ir”,
tendem a ser ineficazes e não autênticos para pessoas não ocidentais
confrontadas com a perda ambígua.
A busca contínua pela pessoa que morreu pode conduzir a um forte
condicionamento da percepção e a uma alta probabilidade de encontrar
gatilhos correspondentes, isto é, lembretes do trauma e do luto que podem
reativar memórias da perda traumática ou do ente querido perdido. Além
disso, novos eventos de vida estressantes podem ser percebidos como mais
estressantes. Eventos de vida estressantes podem incluir tensões
interpessoais em famílias enlutadas, que também podem ser comuns após
uma perda ambígua (Boss, 2006). A sensibilização ao estresse consiste em
maior suscetibilidade aos efeitos de novos eventos estressantes após a
exposição a eventos traumáticos extremos. Um modelo de sensibilização ao
estresse contextual (Smid et al., 2018) especifica processos que contribuem
para o aumento da sensibilidade ao estresse em três dimensões diferentes:
cognitiva, interpessoal e neurobiológica. A dimensão cognitiva inclui
respostas aprimoradas a memórias relacionadas ao trauma, percepção
aprimorada de ameaças e reforço de interpretações negativas de eventos. A
dimensão interpessoal inclui aumento da falta de confiança, irritabilidade,
distanciamento ou estranhamento, e ruptura da identidade. A dimensão
neurobiológica inclui diferentes sistemas neurobiológicos que podem
apresentar respostas aumentadas devido a excessivas reações de estresse
anteriores. Os prejuízos que resultam do sofrimento gerado pelo estresse
podem causar perda de recursos por meio de mecanismos contextuais (p. ex.,
a perda de emprego por um sobrevivente de trauma com maior irritabilidade
após um conflito no trabalho), levando à persistência ou ao aumento do
sofrimento ao longo do tempo. Gatilhos correspondentes, novos eventos de
vida estressantes e sensibilidade ao estresse podem, pelo menos de modo
parcial, explicar a natureza muitas vezes flutuante de reações de luto
persistentes ao longo do tempo.
Encontrando significado
A cultura é representada na forma de percepções intersubjetivas, ou seja,
crenças e valores que os membros de uma cultura percebem serem
difundidos em seu grupo (Chi-Yue, Michele, Toshio, Garriy, & Ching, 2010).
Reconstruir a realidade cultural intersubjetiva pode ser particularmente útil
para lidar com sentimentos de injustiça e culpa, que podem manter o luto e
os sintomas de TEPT (p. ex., Tay et al., 2017). Para isso, é possível incentivar
o cliente ou o paciente a se envolver em diferentes formas de interação
simbólica com a pessoa que morreu.
As interações simbólicas com o ente querido podem encontrar expressão
em atividades de escrita, conversas imaginárias e rituais culturalmente
apropriados. Essas intervenções integram tratamentos baseados em
evidências para TEPT e luto prolongado. Especificamente, a psicoterapia
eclética breve para TEPT, um tratamento baseado em evidências para TEPT
(Gersons, Meewisse, & Nijdam, 2015), e o tratamento para luto complicado,
um tratamento sistematizado com eficácia comprovada por meio de vários
ensaios clínicos randomizados implementados em diferentes contextos
culturais (Shear et al., 2014; Shear, Reynolds, III, & Simon, 2016),
constituem essas intervenções.
Atividades de escrita
As atividades de escrita são ferramentas úteis para possibilitar que os
pacientes avaliem os significados (Neimeyer, 2012) e para ajudar os
indivíduos enlutados a enfrentar aspectos dolorosos da perda em seu próprio
ritmo. Uma carta de despedida contínua é uma carta na qual o paciente
escreve o que sempre quis dizer à pessoa falecida e aquilo de que mais sente
falta, expressando sua saudade. No caso de pessoas com dificuldade em
vivenciar sentimentos de tristeza, ela pode promover o processamento
emocional e a atribuição de sentido.
Escrever uma carta permeada por raiva pode ser especialmente útil para
pacientes que enfrentam um sentimento de injustiça e têm dificuldade em
lidar com sentimentos de raiva. Uma carta pode ser escrita para o culpado
por um assassinato, para espectadores negligentes, para o governo ou para
outra agência responsável, e nela a raiva sem censura, permeada por insultos
e injúrias, pode ser expressa. A carta não é para ser enviada. Às vezes, a
queima da carta que expressa raiva faz parte de um ritual.
Mustaph é um refugiado do Iraque de 36 anos que fugiu com a família para a
Holanda. Dois anos depois, ele recebeu um telefonema por meio do qual soube que seu
irmão mais novo morrera em um ataque à casa de seus pais perpetrado pelo Estado
Islâmico. Ele não sabia se os outros familiares ainda estavam vivos. Mustaph
desenvolveu pesadelos com esse ataque. Sentia-se culpado e ansiava por seu irmão.
Ele ficava muitas vezes irritado com a esposa e os filhos. Sentia uma raiva intensa dos
terroristas. Uma carta foi escrita na sessão seguinte. Como Mustaph era analfabeto,
ele ditou a carta ao intérprete, e o terapeuta a escreveu. A carta começava com
fantasias de vingança. Quando o terapeuta normalizou sua raiva, Mustaph se sentiu
livre para expressar seus pensamentos agressivos na carta. Depois, ele se sentiu capaz
de entregar o julgamento dos perpetradores a Alá. Mustaph também escreveu uma
carta ao irmão, dizendo que tinha certeza de que agora ele estava em um bom lugar.
Conversas imaginárias
O terapeuta pode orientar uma conversa imaginária com a pessoa que
morreu, na qual o paciente fala com essa pessoa, e também responde por ela
(Jordan, 2012). Essa técnica pode mitigar sentimentos de culpa e promover a
exposição de aspectos que ainda precisam ser expressos em relação ao ente
querido perdido (“assuntos pendentes”). Como continuação da vinheta
anterior sobre Mustaph, o uso de conversas imaginárias é ilustrado a seguir.
Mustaph ainda se sentia muito culpado, inclusive porque não conseguira
enterrar o irmão. Portanto, foi decidido que ele teria uma conversa imaginária na
qual pediria perdão ao seu irmão e responderia em nome dele. Seu irmão o perdoou e
disse esperar que Mustaph encontrasse seus pais para que pudesse cuidar deles. Para
Mustaph, ter essa conversa foi como dizer adeus.
No caso de Jack, uma conversa imaginária foi utilizada de maneira
similar.
No decorrer da terapia, Jack se envolve em uma conversa imaginária com a avó.
Ela está sentada em uma cadeira vazia e perdoa Jack. Ela lhe diz que ele pode
continuar sua vida. Jack também imagina que é juiz no tribunal internacional, de
onde consegue enviar os rebeldes para a prisão. Jack agora se dá conta de que quer
viver novamente.
O papel do terapeuta na conversa imaginária[NRT] é incentivar o
indivíduo enlutado a articular perguntas, pensamentos e sentimentos
significativos em relação ao seu ente querido, bem como validar as emoções
que podem surgir durante a conversa.
Rituais de despedida
Os rituais de despedida têm sido utilizados tradicionalmente em funerais
quando o corpo da pessoa que morreu não está presente. O ritual de
despedida simboliza a atualização do vínculo com a pessoa falecida: a sua
memória ainda pode ser apreciada, mas a pessoa não é mais simbolicamente
mantida viva (Van der Hart & Boelen, 2003). Os rituais podem ser uma ponte
para a cultura ou para a espiritualidade do paciente. Eles podem simbolizar
tanto a continuidade quanto a transição, e servir como reconciliação e como
validação (Doka, 2012).
O paciente projeta o ritual de despedida que considera apropriado.
Exemplos de rituais de despedida incluem visitar um lugar especial, criar um
símbolo de rememoração, realizar um ritual culturalmente apropriado,
renunciar a elementos relacionados às circunstâncias traumáticas da morte e
queimar a carta de raiva. O terapeuta não participa do ritual, que também
implica o afastamento do terapeuta e o reencontro com entes queridos; desse
modo, o paciente é encorajado a compartilhar o ritual de despedida com um
parceiro ou um amigo próximo.
David é um militar veterano holandês de 55 anos, casado e pai de dois filhos.
Durante sua primeira missão no exterior (aos 17 anos), ele perdeu um de seus
companheiros mais próximos em campo devido a um acidente. Ele procurou
tratamento pela primeira vez 33 anos depois. Sofria com memórias intrusivas de suas
experiências no destacamento, seu sono era perturbado e ele não suportava ruídos
altos. Sua esposa relatou explosões repentinas de raiva. David mantinha-se ocupado
obsessivamente e bebia muito álcool. Muitas vezes, ele experienciava momentos de
intenso pesar pela perda de seu companheiro, mas não suportava as emoções
associadas. David não havia visitado o túmulo de seu companheiro. A terapia teve
como foco a visita ao cemitério e a tolerância às emoções associadas. Ao visitar o
túmulo de seu companheiro pela primeira vez em 35 anos, David se sentiu impactado
pela tristeza. Ele escreveu uma carta ao seu companheiro, na qual expressava seus
sentimentos de desamparo e tristeza. Na fase final do tratamento, David decidiu
organizar uma pequena cerimônia no túmulo de seu companheiro, como um ritual de
despedida. Seu plano era reunir algumas pessoas próximas no cemitério e ler sua
carta em voz alta. Então, ele colocaria uma pequena lembrança sobre o túmulo. À
medida que o fim da terapia se aproximava, David sentia que a perda de seu
companheiro tinha se tornado parte de sua vida. Quase não havia mais momentos de
agitação. Sua esposa confirmou isso e ficou feliz por compreender com mais
profundidade o que ele havia passado.
As atividades de escrita podem ser integradas ao ritual, como ilustrado
no caso de David e no caso a seguir.
George, um liberiano agora com 37 anos, vivia na Holanda desde 2001. Aos 13
anos, sua irmã mais nova foi morta. Quando ele tinha 19 anos, seus pais foram
assassinados pelos rebeldes, e George foi forçado a testemunhar seu assassinato. Ele
foi capturado pelos rebeldes e depois forçado a ser uma criança-soldado. George não
sabia o que havia acontecido com os corpos de seus pais. Tinha pesadelos e
flashbacks recorrentes, nos quais revivia os assassinatos. Quando tentava adormecer
à noite, memórias intrusivas dos assassinatos o mantinham acordado por horas. Ele
tinha dificuldades em aceitar a morte de seus pais e se debatia com intensos
sentimentos de culpa. Sem os pais, ele considerava sua vida sem sentido. Nos dias
próximos ao aniversário da morte de seus pais, ele sentiu uma dor física aguda.
George tinha medo de perder o controle e sentiu muita ansiedade ao expressar seu
pesar. Explicar a influência da evitação na manutenção dos sintomas o ajudou a se
envolver no tratamento. George falou sobre seus anos seguros e felizes na primeira
infância e seu relacionamento caloroso com os pais. Com exposição gradual, ele
narrou em detalhes o dia em que seus pais foram assassinados e como foi levado pelos
rebeldes depois. Entre as sessões, ele teve dificuldades e recebeu apoio de um amigo,
bem como de sua religião. O terapeuta encorajou George a escrever cartas para seus
pais sobre como ele estava se saindo e como se sentia em relação a eles. No início, isso
foi muito difícil para ele, mas, por fim, George disse que a escrita dessas cartas lhe deu
paz interior. George expressou mais de seus sentimentos e contou sobre seu esforço
para encontrar significado na morte dos pais. Ele contemplou o que seus pais teriam
dito sobre sua vida atual e qual conselho eles lhe dariam. Isso contribuiu para
integrar a memória de seus pais de modo útil. George começou a planejar visitas aos
lugares onde morara com os pais e ao lugar onde eles haviam morrido. Ele queria
conversar com as pessoas daquela área e ver se conseguiria descobrir o que havia
acontecido com os corpos de seus pais. Queria dar a eles um enterro apropriado. Como
ritual de encerramento da terapia, ele fez planos de ir a uma igreja próxima a esses
locais e lá deixar as cartas para os pais.
Conclusão
Para o sobrevivente enlutado, a perda traumática de entes queridos evoca
emoções intensas, assim como as incertezas inerentes ao trauma, à perda, ao
destino e à mortalidade, que agora estão ligadas à(s) pessoa(s) falecida(s).
Muitas concepções culturais da morte e da vida após a morte buscam
preencher o vazio decorrente das incertezas existenciais. O filósofo
dinamarquês Kierkegaard, cuja importância para a psicologia foi equiparada
à de Freud, explica em seu livro sobre o conceito de medo (Kierkegaard,
1957) do desconhecido, algo que as pessoas não entendem mas que, no
entanto, evoca muitas possibilidades, é a fonte de nossa angústia. Ele está
ligado à culpa, à proibição e à punição. Atualmente, o medo do desconhecido
e a intolerância à incerteza ainda são conceitos-chave para explicar o
desenvolvimento da psicopatologia, inclusive do luto desordenado (Boelen,
Reijntjes, & Smid, 2016). Portanto, um objetivo terapêutico crucial na terapia
do luto consiste em auxiliar o paciente a encontrar significados úteis que
promovam o processamento emocional e a resolução do luto. Encontrar
significado trata-se, como observado, de um processo cognitivo, emocional e
espiritual que visa a fortalecer a capacidade do indivíduo de conviver com a
perda em seu contexto cultural. Em pacientes culturalmente diversos com
sintomas de TEPT e TLCP/TLP após luto traumático, os tratamentos
baseados em exposição podem, portanto, ser complementados por
intervenções destinadas a encontrar significado que incluam vários modos de
interação simbólica com a pessoa que morreu.
Agradecimento
Os autores desejam agradecer a Anouk van Berlo, Jannetta Bos, Annemiek de
Heus e Marthe Hoofwijk pela elaboração das descrições dos casos.
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Introdução
Em dezembro de 2015, Quebec foi a primeira província canadense a legalizar
uma forma de eutanásia denominada “morte medicamente assistida” (medical
assistance in dying — MAiD). A MAiD estipula critérios rigorosos para
indivíduos com doenças potencialmente fatais encerrarem suas vidas sob a
supervisão de um médico. Ela foi disponibilizada em todo o país em 2016,
por decisão da Suprema Corte do Canadá.
A literatura produzida até o momento tem sido amplamente centrada,
entre muitos focos, em diretrizes de prática clínica e estudos observacionais,
estabelecendo critérios e procedimentos para a MAiD e identificando fatores
que contribuem para o pedido de realização da MAiD, bem como detalhando
as prioridades éticas e morais pertinentes ao direito de encerrar a própria
vida (Oczkowski et al., 2017). No entanto, os vários discursos em torno da
MAiD podem negligenciar um tratamento mais profundo dos processos
psicológicos subjacentes imbricados no pedido de morte. Nesse contexto,
adota-se uma lente construtivista (Neimeyer, 2009), na tentativa de discernir
alguns dos significados mais profundos encontrados no pedido de aceleração
da morte (hastened death — HD).
Este capítulo começa descrevendo brevemente a estrutura e a
fundamentação da MAiD no contexto canadense. Em seguida, apresenta uma
visão construtivista da MAiD,[NT] ilustrando algumas das potenciais facetas
psicológicas subjacentes ao desejo de morrer. Como conclusão, são
abordadas inúmeras implicações clínicas.
A posição do terapeuta
O pouco que foi escrito sobre o papel dos psicólogos nos cuidados de fim de
vida em geral não menciona a eutanásia (Haley, Larson, Kasl-Godley,
Neimeyer, & Kwilosz, 2003); na verdade, de modo contrário, fornece
orientação sobre a avaliação para prevenção de suicídio (p. ex., Neimeyer,
2005). Os terapeutas são geralmente incumbidos de prevenir o suicídio de
seus clientes e, portanto, se deparam com um dilema crítico em torno da
MAiD. Qual é o papel (se há algum) dos terapeutas que trabalham com
pacientes que desejam finalizar suas vidas se o seu papel tradicional tem sido
o de prevenir o suicídio?
No Canadá, aconselhar alguém a morrer por suicídio ou auxiliar no
suicídio de uma pessoa sem assistência médica são crimes que acarretam
penas de prisão. No entanto, fornecer informações sobre a MAiD não é
considerado um ato criminoso. Então, pode-se inferir que uma intervenção
psicológica ética e legalmente respeitosa pode incluir explorar os significados
intersubjetivos que a pessoa associa à MAiD. No entanto, quaisquer
intervenções que busquem significados rapidamente levam a diversas
complicações.
Para começar, cabe aos terapeutas determinar se eles tem um papel a
desempenhar em um cenário de MAiD. Por exemplo, a lei de Quebec não
exige o envolvimento de um profissional de saúde mental no processo de
elegibilidade para MAiD. Cada instituição tem a liberdade de envolver um
terapeuta (p. ex., assistente social, psicólogo) a seu critério.
Se um terapeuta é convidado a se envolver no processo avaliativo, isso
tem implicações profundas. Por um lado, o terapeuta se torna, até certo
ponto, uma espécie de guardião, facilitando ou bloqueando o acesso do
paciente à MAiD. Trabalhando como parte de uma equipe multidisciplinar, o
terapeuta pode ser solicitado a relatar o resultado do encontro. Portanto,
seria importante conhecer o propósito ou o significado do encaminhamento.
Por exemplo, qual resultado a equipe de tratamento está buscando no
encontro com os terapeutas? Saber que o conteúdo de uma conversa com o
terapeuta poderia potencialmente embasar a decisão sobre a MAiD também
abre a consistente possibilidade de viés de resposta. Por exemplo, os
pacientes podem sentir que necessitam mascarar seu verdadeiro estado
psicológico para evitar serem desqualificados para a MAiD.
A possibilidade de desqualificação é levantada no caso de depressão
clínica severa. No Canadá, quando clientes sem doenças terminais e
severamente deprimidos apresentam risco iminente de suicídio, a lei
prevalece sobre os direitos dos indivíduos. Dependendo da gravidade e da
iminência da ameaça de suicídio, um terapeuta tem a obrigação legal de
interceder, romper a confidencialidade e informar as autoridades
competentes. Nesse caso, a presença da suicidalidade[NRT] afeta as pessoas
na medida em que elas não são mais consideradas competentes para tomar
suas próprias decisões.
No que diz respeito à MAiD, no entanto, uma definição inicial de suicídio
racional exclui que o indivíduo tenha sofrimento emocional grave (Siegel,
1986). Portanto, torna-se importante considerar o significado que o paciente
atribui a uma conversa com um terapeuta. Uma conversa cujo objetivo é
determinar se um paciente se qualifica para a MAiD é muito diferente de uma
que explora o significado que a MAiD tem para o paciente.
Além disso, a situação se torna ainda mais obscura nas circunstâncias
nas quais o terapeuta não desempenha nenhum papel na questão do acesso à
MAiD. O tratamento psicoterapêutico definido de forma ampla pode ser
entendido como facilitador de um processo por meio do qual os pacientes
descobrem novas maneiras de responder a determinado impasse que não
puderam contornar prontamente. No caso de uma intervenção
psicoterapêutica relacionada à MAiD, que novos significados podem (ou
devem) ser elaborados, e o que a adoção desses significados implicaria? A
desejada conversa psicoterapêutica que se concentra nos significados
intersubjetivos da MAiD pretende criar novas opções? E, em caso afirmativo,
quais poderiam ser essas opções? Os construtivistas trabalham no domínio
da reformulação de significados que não estão mais a serviço do indivíduo.
Desse modo, as conversas psicoterapêuticas com pacientes que optaram por
avançar com a MAiD podem exigir que os terapeutas adotem certa posição
paradoxal na qual são encarregados de facilitar a criação de opções à sombra
de uma morte iminente que elimina todas as opções.
Implicações clínicas
Esta seção final apresenta maneiras de acessar os significados intersubjetivos
não ditos da MAiD. Conversas com indivíduos que enfrentam o fim da vida
com a MAiD demandam alto grau de sofisticação e maturidade profissional.
Os pacientes podem estar potencialmente ambivalentes e não
comprometidos com qualquer discurso sobre a MAiD. Desse modo, a
maturidade clínica inclui a tolerância à impotência e à ambiguidade e o
desprendimento do terapeuta de qualquer resultado preferido.
Para começar, os terapeutas devem tentar diferenciar um desejo pontual
(state desire) de um desejo característico (trait desire) pela aceleração da morte.
O desejo pontual seria definido como um desejo temporário de morrer, já o
característico seria mais duradouro e persistente. A literatura a que
recorremos neste capítulo sugere claramente que o desejo de acelerar a morte
pode ser instável e incerto, podendo oscilar entre os polos pontual e
característico. Voltando ao artigo contundente de Nissim e colegas (2009), o
desejo de acelerar a morte pode se tornar mais proeminente em momentos de
transições importantes, como o diagnóstico inicial ou um resultado ruim em
um exame. As entrevistas clínicas que ocorrem nesses pontos de inflexão
devem considerar que as expressões de desespero associadas ao desejo de
morrer tendem a ser transitórias, e, como sugere a prática geral de
psicoterapia, os pacientes que estão no meio de uma crise devem ser
desencorajados a se envolver em grandes decisões de vida (ou morte). De
modo similar, pessoas com dor multifatorial grave podem não estar no
melhor estado mental para dar sentido à sua situação, e todas as tentativas
possíveis de controlar essa dor devem ser feitas antes que a MAiD seja
considerada (consistente com a melhor prática de cuidados paliativos,
Tucker, 2012). No entanto, se os pacientes puderem suportar atravessar seu
próprio desespero, isso pode permitir que eles identifiquem fontes
alternativas de significado capazes de tornar a vida sustentável. Por exemplo,
um paciente que enfrenta o sentimento de ser um fardo para os outros pode
considerar a MAiD; todavia, conhecer novas maneiras de abordar a
percepção de ser um fardo pode gerar uma nova perspectiva, alterando assim
a busca pela MAiD.
Por outro lado, a necessidade de ter uma estratégia de saída de cena tende
a ser uma característica mais contínua e sugere que pode haver significados
subjacentes em torno da necessidade de controlar os momentos finais da
vida. O controle é muitas vezes um meio de lidar com a ansiedade, e pode
haver muitos significados determinantes sustentando essa estrutura de
enfrentamento. Por exemplo, muitos de nós temos histórias de abandono,
negligência ou traição que deixam marcas profundas e tendem a surgir em
momentos divisores de águas, como o fim da vida (Back et al., 2008). As
maneiras como internalizamos nossas histórias com frequência nos obrigam
a repetir roteiros rígidos, a exemplo de comportamentos protetores que
podem simplesmente não se adequar às circunstâncias presentes.
Considerações finais
A falta de significado inibe a plenitude da vida e, portanto, equivale à doença. O
significado torna muitas coisas suportáveis — talvez tudo.
(Carl Jung, 1963b, p. 340)
O apelo da MAiD parece ser impulsionado em parte pela angústia de
enfrentar um estado intrapsíquico intolerável de sintomatologia física. Até
agora, os possíveis significados subjetivos dos pacientes que solicitam a
MAiD apenas começaram a ser mapeados. A psicoterapia construtivista
oferece um paradigma contundente para avançar essa agenda clínica e de
pesquisa. Intimamente alinhados com outras formas de psicoterapia
profunda (Hollis, 2013), os construtivistas oferecem um processo de
rastreamento regressivo para discernir as histórias invisíveis que muitas
vezes governam a vida de uma pessoa (Neimeyer, 2009). Se muitos pacientes
que solicitam a MAiD sentem profunda perda de significado e propósito na
vida (Wilson et al., 2016), os construtivistas são especialistas em reconstruir
o significado. Lançar luz sobre o mundo subjetivo de significado de um
paciente considerando como ele se relaciona ao desejo de morrer pode levar à
criação de opções alternativas em torno do pedido de aceleração da morte.
Como ponto de partida para uma investigação mais aprofundada, uma
pergunta a ser feita àqueles que solicitam a MAiD é o que esta representa para
eles.
Os terapeutas também podem ser encarregados de ajudar os pacientes a
tolerar a tensão de opostos (Jung, 1963a) entre prosseguir ou não com a MAiD,
talvez esperando até que uma terceira opção se apresente, possivelmente
criada no encontro psicoterapêutico. Desse modo, os terapeutas podem se
posicionar melhor no papel de acompanhantes dos pacientes, refletindo sua
experiência e permitindo que eles cheguem a uma decisão. Os terapeutas
podem ser capazes de ajudar os pacientes em fase final de vida a conceber a
melhor forma de se alinharem com as circunstâncias de sua vida e sua morte
quando esta apresenta desafios difíceis que não convidam a uma solução
simples.
Referências
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[MAiD] A MAiD existe em paralelo com vários outros modelos em todo o mundo, incluindo suicídio
racional, suicídio assistido por médico, morte medicamente assistida e eutanásia. Embora essas opções
de fim de vida variem em termos de implementação, elas geralmente compartilham o mesmo desfecho
almejado e têm muitas facetas psicológicas semelhantes. Consequentemente, utilizaremos esses
termos de forma intercambiável com “MAiD”.
[eutanásia] Uma lei para alterar o Código Penal e fazer alterações relacionadas a outras leis (morte
medicamente assistida) (anteriormente Bill C-14), 1ª sessão, 42ª Leg., Canadá, 2016 (aprovada em 17
de junho de 2016).
[suicidalidade] N. de R.T. Refere-se à gravidade do comportamento suicida em uma pessoa mensurada
a partir da avaliação de vários elementos que consideram os fatores de risco e de proteção presentes em
toda a sua complexidade. A avaliação da suicidalidade é crucial para a prática em saúde mental em
diversos contextos, pois ajuda a identificar e monitorar o risco de suicídio, bem como prover o
tratamento mais indicado.
5
Luto após perdas não relacionadas à
morte
Darcy Harris
Perda ambígua
Talvez a experiência mais dramática de perda ambígua na América do Norte
tenha ocorrido após os eventos de 11 de setembro de 2001, quando milhares
de pessoas que trabalhavam nas duas torres do World Trade Center ficaram
presas após aviões voarem em direção a cada um dos dois edifícios,
lançando-os ao chão em um inferno de calor intenso e destroços. A maioria
dos entes queridos desses indivíduos nunca recebeu confirmação física de sua
morte, pois todos os vestígios de DNA, artigos de vestuário, joias e objetos
pessoais foram destruídos no calor e na devastação. Por semanas após esses
eventos, fotos de entes queridos desaparecidos foram postadas em quadros
de avisos, postes telefônicos e muitos locais públicos. As pessoas andavam
pela área segurando fotografias de seus entes desaparecidos, esperando que
talvez alguém confirmasse que eles haviam sido levados para um hospital ou
ficado confusos com os eventos que ocorreram e se abrigado em algum lugar.
Havia pesar, mas também esperança e incerteza — sem provas do paradeiro
de seu ente querido ou evidências da morte dele, era impossível saber como
proceder.
A perda ambígua é um tipo de perda especialmente estressante, pois em
geral não é reconhecida oficialmente e não há possibilidade de fechamento
(Boss, 1999, 2009). Perdas ambíguas sempre ocorrem no contexto de um
relacionamento, e descrições de perdas ambíguas remetem a uma dinâmica
de ausência–presença. Há dois tipos de perda ambígua:
Perdas intangíveis
As perdas intangíveis são de natureza mais abstrata ou simbólica, podendo
envolver a perda de esperanças ou sonhos. Elas podem ser de natureza
existencial ou podem envolver perda de crenças sobre o mundo ou sobre os
outros, perda de significado, de fé ou de um senso de conexão espiritual.
Essas perdas geralmente incluem mudanças profundas na visão de si, bem
como podem estar relacionadas a situações desmoralizantes, situações de
violência e negligência e experiências nas quais a vergonha é proeminente
(Harris, 2011; Harris & Winokuer, 2016). Embora essas perdas não sejam
prontamente observáveis ou reconhecidas por outras pessoas, com
frequência são profundas e debilitantes para os que as experienciam. Às
vezes, elas são chamadas de perdas invisíveis, devido à falta de sinais físicos de
uma perda óbvia para o observador casual. Muitas perdas intangíveis são de
natureza simbólica, focadas em esperanças, sonhos, crenças e identidade.
As perdas intangíveis podem incluir:
perda da sensação de segurança ou proteção;
perda/mudança no senso de si ou em um senso de identidade;
perda de inocência;
perda de autoestima/autoconfiança;
perda de fé ou esperança;
perda de familiaridade;
perda de conexão consigo mesmo ou com os outros.
Em contraste com as perdas intangíveis, as tangíveis são as
imediatamente aparentes, óbvias para o observador ou fisicamente
evidentes. As perdas tangíveis e intangíveis às vezes podem ocorrer juntas:
um ataque violento deixa uma mulher incapaz de ter filhos (tangível) e
com nova sensação de insegurança (intangível);
a morte de uma criança pode resultar na perda da criança (tangível) e na
perda do senso de identidade de um pai ou um irmão (intangível);
mudar-se para um novo país pode resultar na perda da própria casa e da
proximidade de amigos (tangível), bem como na perda de familiaridade
ou de um senso de pertencimento (intangível).
Patrícia e James estão experienciando perdas tangíveis e intangíveis. A
perda do emprego e as mudanças na renda, na rotina e na vida cotidiana de
Patrícia são perdas tangíveis, imediatamente aparentes para aqueles que
conhecem sua situação. O que provavelmente não é identificado são as
perdas intangíveis de Patrícia — a perda de suas esperanças e de seus sonhos
para o futuro deles, de sua identidade como profissional competente e de seu
companheiro e confidente. As perdas tangíveis de James incluem todos os
ajustes físicos e mudanças que ocorreram devido ao AVC, inclusive a perda de
sua independência e de sua capacidade de cuidar de si. As perdas intangíveis
englobam a perda de sua identidade como parceiro equânime de Patrícia, de
suas esperanças e de seus sonhos para o futuro e do modo como ele se via.
Implicações
Ser capaz de nomear e descrever experiências proporciona um senso de
validação e empoderamento àqueles que estão presos em situações de perdas
contínuas e não relacionadas à morte. Embora a série Técnicas de terapia do
luto tenha sido inicialmente escrita para os que sofreram perdas relacionadas
à morte, muitas dessas técnicas também podem ser prontamente adaptadas
para abarcar outros tipos de perdas. Dois aspectos-chave de perda não
relacionada à morte são que ela frequentemente não é reconhecida (e
invalidada), e não há rituais que possam prontamente ajudar os indivíduos a
iniciar o processo de reconstrução de seu mundo presumido quando se
deparam com ela. Adaptar técnicas que reconheçam sua importância e
apoiem o doloroso trabalho de reconstruir o mundo presumido fornecerá
uma base de cura para os que experimentam perdas não relacionadas à
morte. Todas as experiências de perdas significativas nos convocam a prestar
atenção aos aspectos de nosso mundo presumido que foram abalados e à
nossa necessidade de nos envolver no processo de luto como forma de
trabalho reparador. Ao reconhecer nossas perdas e nossos lutos, estamos
abertos para permitir que a cura e a reconstrução ocorram. É importante
notar que o luto não desaparece apenas porque dizemos a nós (ou aos outros)
que ele não deveria ser um problema. A conclusão é que nenhuma forma de
luto é sem importância para a pessoa que a experiencia.
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[perdas sem fim] N. de R.T. Do inglês, nonfinite loss. Também traduzido como “perda sem desfecho” ou
“perda não finita”, o termo designa a perda vivenciada em situações em que a pessoa ou a condição que
gerou a perda ainda está de alguma forma presente e causa impacto físico e emocional, como no caso
de doenças crônicas ou degenerativas, em que, com a progressão, a pessoa perde habilidades ou a
própria identidade.
[tristeza contínua] N. de R.T. Do inglês, chronic sorrow. Também traduzido como “tristeza contínua” e
“tristeza prolongada”.
6
Crescimento pós-traumático e
acompanhamento especializado na
terapia do luto
Richard G. Tedeschi e Lawrence G. Calhoun
O acompanhante especialista
Clínicos bem treinados são “especialistas”. Eles foram treinados para auxiliar
pessoas enlutadas e angustiadas da melhor maneira. No entanto, as pessoas
enlutadas às vezes precisam mais de uma boa companhia do que de um
especialista que se fie apenas em muitas técnicas terapêuticas. Estamos
sugerindo que os melhores clínicos são aqueles que são de fato especialistas,
mas cuja especialidade está sobretudo em como ser boa companhia no que às
vezes pode ser uma jornada longa e muito demandante para lidar com a
perda. A sabedoria reside em saber quando confiar em sua especialidade
técnica e intelectual e quando simplesmente ser um ser humano empático.
Advertências importantes
É muito importante manter alguns aspectos do CPT em mente ao trabalhar
com clientes enlutados. Em primeiro lugar, o CPT não é universal. Embora ele
seja comum, muitas pessoas lidam com perda sem experienciar nenhum tipo
de crescimento. Assumir que todos os clientes terão alguma forma de CPT é
um erro e coloca um fardo adicional sobre as pessoas que já estão sofrendo.
A experiência do CPT não elimina a dor da perda. Não cometa o erro de
assumir que a experiência do CPT produzirá uma redução proporcional no
luto e no anseio por aquilo que foi perdido. Em vez disso, é melhor auxiliar a
pessoa enlutada a perceber que sua perda é suportada com mais leveza
quando há algum reconhecimento de desdobramento significativo a longo
prazo. Para as pessoas que experienciam perdas, é especialmente útil
encontrar uma forma de servir aos outros como parte de uma missão
significativa que honre a quem perderam.
O CPT, se ocorrer, tende a surgir com o tempo — não o apresse. Embora
algumas pessoas de fato mencionem um CPT muito cedo após a perda, esse
não é o caso para a maioria das pessoas. Acompanhantes especialistas
reconhecem que o CPT às vezes demanda meses ou anos de um cuidadoso
processo de aprendizado sobre como lidar com uma perda específica. Para a
pessoa enlutada, esse processo envolve: entender algo sobre o que ela está
atravessando e o que enfrentará no futuro; desenvolver formas de manejar
suas reações emocionais ao luto; encontrar pessoas com quem possa
conversar com honestidade, incluindo acompanhantes especialistas que não
sejam profissionais; desenvolver uma compreensão clara de sua história de
vida revisitada; e, por fim, criar maneiras significativas de ajudar os outros.
Esse caminho difícil em direção ao CPT pode ficar um pouco menos tortuoso
com a presença de um acompanhante especialista.
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PARTE II
Avaliando o luto
7
Inventário do Luto Complexo
Persistente
Sherman A. Lee e Evgenia (Jane) Milman
Objetivo
O luto é uma das respostas mais emocionalmente dolorosas, ainda que
naturais, à perda de um ente querido. Embora a maioria dos enlutados se
ajuste à perda, uma minoria desses indivíduos experiencia reações
prolongadas e debilitantes (Bonanno & Kaltman, 2001). Os pesquisadores
descobriram que essas dificuldades no luto não são expressões de transtornos
psiquiátricos gerais, como depressão, transtorno de estresse pós-traumático
(TEPT) ou ansiedade, mas são específicas das complicações no luto (Boelen
& Prigerson, 2007; Bonanno et al., 2007). Apesar do extenso corpo de
pesquisas que apoiam a validade de um transtorno específico do luto (Boelen
& Prigerson, 2012), o reconhecimento oficial desse tipo de condição ocorreu
apenas recentemente (em termos comparativos) no Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais (DSM-5) (American Psychiatric Association,
2013). Ele foi reconhecido como “transtorno do luto complexo persistente”
(TLCP) nas “Condições para estudos posteriores”, para facilitar a pesquisa
sobre formas prolongadas e debilitantes de luto.[NRT] O Inventário do Luto
Complexo Persistente (PCBI, do inglês Persistent Complex Bereavement
Inventory) foi posteriormente desenvolvido para auxiliar essa linha de
investigação empírica (Lee, 2015).[NRT]
Desenvolvimento
O PCBI foi desenvolvido para mensurar os sintomas do construto de luto
complicado (pathological grief) do DSM-5. De maneira específica, o PCBI
espelha os critérios diagnósticos B e C para o TLCP (APA, 2013, p. 789–790).
O critério B não tem nome oficial, mas consiste em sintomas como anseio,
tristeza, preocupação com a pessoa falecida e preocupação com as
circunstâncias da morte. Esta seção parece refletir as principais reações de
luto que surgem quando uma pessoa é separada de uma figura de apego
(Archer, 2008). O critério C é dividido em duas seções: a primeira é
denominada sofrimento reativo à morte e consiste em sintomas como
dificuldade em aceitar a morte, descrença/entorpecimento, dificuldade com
reminiscências positivas, amargura/raiva, autoavaliações desadaptativas e
evitação excessiva (APA, 2013). Já a segunda seção é denominada perturbação
social/da identidade e consiste em sintomas como desejo de morrer,
dificuldade em confiar nas pessoas, solidão/distanciamento, sentimento de
vazio, confusão quanto ao seu papel na vida e dificuldade em perseguir
interesses (APA, 2013). O PCBI não mede os critérios A (proximidade com a
pessoa falecida), D (sofrimento ou comprometimento significativo) e E
(reação anormal), pois eles parecem ser qualificadores diagnósticos, em
oposição a sintomas específicos do luto.
Aplicações clínicas
Em um contexto clínico, a aplicação mais direta do PCBI é para fins de
diagnóstico. No entanto, as subescalas do PCBI também fornecem uma
caracterização detalhada da sintomatologia de TLCP de um cliente, a qual
pode ser utilizada para determinar o curso do tratamento. Para demonstrar
como o PCBI pode ser implementado clinicamente dessa maneira,
discutimos dois casos selecionados de uma pesquisa realizada com uma
amostra de adultos enlutados. Para fins de confidencialidade, os nomes reais
dos participantes não são apresentados.
Há quase um ano e meio, Jenna, uma mulher em torno de 60 anos,
perdeu o marido por câncer. Na mesma época, Rachel, uma mulher de 40 e
poucos anos, perdeu a mãe em um acidente que ocorreu durante uma
cirurgia, como resultado de negligência médica. As respostas de Jenna e de
Rachel no PCBI podem ser pontuadas de maneira categórica para determinar
se sua sintomatologia de TLCP atende ao limiar para o diagnóstico. Ambas
indicaram que, pelo menos vários dias por semana, experienciaram mais de
um sintoma da subescala de núcleo do luto (NL) e mais de seis sintomas das
subescalas de sofrimento reativo (SR) e perturbação social/da identidade (PSI).
Além disso, Jenna e Rachel atendem aos demais requisitos para diagnóstico
de TLCP, incluindo o intervalo de mais de 12 meses desde a perda, ter um
relacionamento próximo com a pessoa falecida e o relato de prejuízo
funcional fora dos padrões culturais. De modo coletivo, essas informações
sugerem que ambas Jenna e Rachel estão vivenciando TLCP.
Jenna obteve maior escore nas subescalas NL e PSI, com média de 3,25 e
3,50, respectivamente. Como o próprio nome sugere, a subescala NL do PCBI
representa o núcleo da sintomatologia de TLCP de Jenna — uma sensação de
estar “presa” emocionalmente no luto (p. ex., “Senti um constante... anseio
pela pessoa falecida”) e cognitivamente (p. ex., “Preocupada com a pessoa
falecida”). Ao mesmo tempo, sua pontuação alta na subescala PSI sugere que
a experiência de Jenna de estar “presa” no luto se manifesta em um senso de
identidade diminuído e uma consequente luta para se reengajar de maneira
significativa com a vida em curso. De fato, ela respondeu com “Quase todos
os dias” à afirmação “Sem a pessoa falecida, a vida era sem sentido [ou]
vazia”. Uma intervenção orientada ao significado permitiria que o clínico
trabalhasse com Jenna para fortalecer seu senso de propósito de vida
(MacKinnon et al., 2015; Neimeyer, Milman, & Steffen, 2021; Neimeyer &
Alves, 2018). Por exemplo, a técnica capítulos da nossas vidas (Neimeyer, 2014)
pode servir para explorar temas recorrentes que conduzem a narrativa de
vida de Jenna, os quais podem ter sido desafiados pela morte de sua mãe (p.
ex., a primazia da família desafiada pela desconexão entre os membros
familiares após a perda). Esse trabalho fornece uma base para estabelecer
uma direção para o próximo “capítulo” da vida de Jenna, de forma que o
clínico possa encorajar a busca de interesses e interações sociais compatíveis
com essa direção de vida (p. ex., reconectar-se com a família planejando
jantares familiares).
A subescala SR reflete uma luta para processar o evento da morte e sua
finalidade, tanto emocional quanto cognitivamente (p. ex., “Experienciou
descrença ou entorpecimento emocional com relação à perda”). A pontuação
de Jenna na subescala SR foi relativamente baixa (média de 1,50), indicando
que o evento da morte não é um aspecto proeminente na sua sintomatologia
de TLCP. Portanto, o clínico pode optar por não enfatizar a morte em si como
foco principal de intervenção. Além disso, Jenna indicou “Nem um pouco”
em sua resposta ao item de SR “Teve dificuldades para ter memórias positivas
sobre a pessoa falecida”. Consequentemente, o clínico pode aproveitar a
vontade dela de se envolver nas memórias de seu marido como meio de
facilitar o reengajamento na vida. Por exemplo, técnicas construtivistas
cognitivas, como o exercício “marcas da vida” (Neimeyer, 2012b) ou a “troca
de cartas com a pessoa falecida” (Neimeyer, 2012a), poderiam destacar
tradições e objetivos de vida que Jenna e seu cônjuge perseguiram em seu
tempo juntos (p. ex., senso compartilhado de aventura). A ativação
comportamental, componente proeminente da terapia do luto complicado
(TLC) (Shear, 2015) e da terapia cognitivo-comportamental (TCC) para o
luto (Eisma et al., 2015), poderia então ser empregada para programar
atividades específicas que afirmam ou honram o impacto contínuo que seu
cônjuge falecido tem na vida de Jenna.
Como Jenna, Rachel também endossou a sensação emocional e cognitiva
de estar “presa” no luto, com uma pontuação média de 2,25 na subescala NL.
No entanto, diferentemente do que acontece com Jenna, parece que a
sintomatologia do TLCP de Rachel está centrada nos momentos finais e na
maneira que sua mãe morreu. Isso é indicado por uma pontuação média de
3,83 na subescala SR. De fato, Rachel respondeu com “Quase todos os dias” a
todos, exceto um, dos sintomas na subescala SR, incluindo itens como
“Achou extremamente difícil aceitar a morte” e “Teve pensamentos negativos
sobre si mesmo em relação à... morte (p. ex., autoculpa)”. Contrastando
ainda mais com a experiência de luto de Jenna, a pontuação média de Rachel
de 1,83 na subescala PSI é relativamente baixa, o que sugere que ela continua
a se envolver de maneira significativa na vida. Consequentemente, no caso de
Rachel, um clínico poderia se concentrar em revisar a experiência da morte
da mãe, inclusive sua natureza inesperada e potencialmente injusta, bem
como o fato de que ela resultou de uma ação negligente de um profissional
médico presumivelmente confiável. Para isso, técnicas de exposição
apresentadas na TLC e na TCC, e intervenções de luto orientadas ao
significado (Eisma et al., 2015; Neimeyer et al., 2021; Shear, 2015) podem ser
empregadas pelo clínico. Tais técnicas podem permitir que Rachel explore e
processe os aspectos salientes da morte de sua mãe ao mesmo tempo em que
constrói sua capacidade de regular sua resposta afetiva à natureza
angustiante desses aspectos.
Apesar de compartilharem um diagnóstico de TLCP, os perfis de
sintomas de Rachel e Jenna diferem de modo substancial. Assim, uma
revisão de seus casos ilustra como as subescalas do PCBI podem ser
implementadas em contexto clínico para personalizar a abordagem de
intervenção em diversas apresentações do luto.
Referências
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Apêndice
Inventário do Luto Complexo Persistente
(PCBI)
Instruções: para cada afirmação, indique qual número melhor descreve
quanto ou com que frequência você experiencia cada atividade desde a morte
de seu ente querido.
Nenhum Leve Moderado Severo Muito severo
Nem um Raro, menos de um dia Alguns Mais da metade Quase todos os
pouco ou dois dias dos dias dias
0 1 2 3 4
[TLCP] N. de R.T. O termo “transtorno do luto complexo persistente” foi introduzido no DSM-5 para
descrever um padrão de luto complicado após a morte de um ente querido. Na edição revisada deste
manual, o DSM-5-TR, houve a mudança do termo para “transtorno do luto prolongado” e sua
realocação para o capítulo “Transtornos Relacionados a Traumas e a Estressores” como um diagnóstico
oficial. Essa alteração aponta para a mudança na compreensão e na definição desse fenômeno clínico e
destaca a ênfase na duração prolongada do luto e na persistência dos sintomas associados, incluindo
sofrimento significativo e dificuldade em se adaptar à perda ao longo do tempo.
[PCBI] N. de R. T. O PCBI tem como base a conceituação do DSM-5. Embora tenha vantagens como
instrumento de avaliação, em especial, na clínica, tem sido basicamente substituído pelo instrumento
de avaliação de luto prolongado revisado (PG-13-R, do inglês Prolonged Grief Disorder - Revised). A
versão original do PG-13 foi validada para o Brasil.
8
Escala de Significado Social em
Eventos de Vida
Benjamin W. Bellet
Objetivo
Uma grande parcela da literatura sobre o luto indica que a capacidade de um
enlutado de dar significado à perda tem grande impacto nos desfechos do
luto (Holland, 2016; Neimeyer, 2016). Na medida em que um enlutado tem
dificuldades para lidar com o significado da morte de um ente querido, a
perda e a vida posterior a ela parecerão ameaçadoras e sem sentido,
manifestando-se como sofrimento e incapacidade funcional associados a luto
problemático. Muito tem sido feito para avançar na avaliação das
dificuldades da criação de significado e de sua relação com os desfechos do
luto. A bem-validada Escala de Integração de Eventos de Vida Estressantes
(ISLES, do inglês Integration of Stressful Life Events Scale) (Holland Currier,
Coleman, & Neimeyer, 2010) avalia até que ponto um enlutado efetivamente
integrou a micronarrativa de uma perda em sua autonarrativa. A dificuldade
de dar sentido à perda mensurada pela ISLES provou ser consistentemente
preditiva da gravidade do luto complicado (Burke et al., 2014; Lee, Feudo, &
Gibbons, 2014), do sofrimento geral e da incapacidade funcional (Holland et
al., 2010).
Embora seja importante considerar os esforços intrapsíquicos de criação
de significado empreendidos pelos enlutados, tanto a experiência clínica
quanto um crescente corpo de literatura indicam que tais esforços nunca
ocorrem no vácuo. O modelo construcionista social do luto afirma que as
tentativas de um enlutado de aceitar a perda são sempre uma “atividade
situada, interpretativa e comunicativa” (Neimeyer, Klass, & Dennis, 2014, p.
1). As tentativas de um enlutado de dar sentido à perda, “memorializar” a
pessoa falecida e construir uma nova identidade são afetadas, fiscalizadas e
validadas em um ambiente sociocultural intrincado. Compreensões culturais
e interações interpessoais têm o potencial tanto de encorajar e validar tais
esforços quanto de frustrá-los, ao não reconhecer o enlutado e desvalorizar a
pessoa falecida (Doka, 2002; Neimeyer & Jordan, 2002).
Desenvolvimento
Os “significados sociais” originados de maneira interpessoal descritos aqui
são distinguíveis do apoio social genérico. A disponibilidade geral de apoio
social mostrou efeitos inconsistentes (Murphy, Chung, & Johnson, 2002) e às
vezes deletérios (Burke, Neimeyer, & McDevitt-Murphy, 2010) nos desfechos
do luto, dependendo de as tentativas serem tomadas como úteis pelo
enlutado. Além disso, o apoio pode assumir várias formas, apenas algumas
das quais têm influência sobre as tentativas das pessoas enlutadas de dar
sentido à perda ou às suas vidas depois dela.
O potencial dos ambientes sociais dos enlutados para assumir tanto uma
função de cura quanto uma função contraterapêutica exige um modo mais
sutil de avaliar os mundos sociais no que diz respeito ao luto. Portanto,
procuramos desenvolver uma medida que pudesse examinar o impacto do
ambiente social em múltiplos níveis (interações diádicas, comunitárias e
culturais) conforme se aplicam aos esforços de criação de significado do
enlutado.
Aplicações clínicas
A SMILES é mais bem utilizada pelos clínicos como forma de entender
potenciais obstáculos e recursos na esfera interpessoal do cliente que busca
significado após a perda, permitindo um quadro clínico mais completo.
Pontuações altas na SMILES-IS podem indicar maior risco de exacerbação
dos sintomas do luto complicado e incapacidade funcional devido a mal-
entendidos ou estigmatização como resultado da perda. Pontuações altas na
SMILES-VS podem indicar a oportunidade para a promoção de benefícios
não procurados como resultado da perda com a ajuda de pessoas que
oferecem apoio. Para demonstrar a aplicação da SMILES em um contexto
clínico, apresentamos um estudo de caso da amostra de validação original e
descrevemos insights clínicos e cursos de ação que poderiam ser tomados com
as informações colhidas a partir desta medida. Para fins de
confidencialidade, o nome real e os detalhes de identificação do participante
não são revelados nesse estudo de caso.
Beverly é uma estudante universitária branca de 19 anos que perdeu um
bom amigo para o suicídio 13 meses antes da data da pesquisa. Ela está
experimentando alto nível de sintomatologia de luto complicado, como
indica sua pontuação no Inventário de Luto Complicado Revisado (Inventory
of Complicated Grief-Revised — ICG-R) (Prigerson & Jacobs, 2001), que está
acima da pontuação de corte estabelecida para provável diagnóstico de luto
complicado (Prigerson et al., 1995). Em específico, Beverly indica que muitas
vezes é atraída por lugares e coisas associadas à pessoa falecida, e que
experienciou um nível consistentemente alto de hiperexcitação desde a
perda. Ela também está experienciando um nível acentuado de
comprometimento funcional, que ela atribui à perda.
Embora Beverly tenha respondido “sim” a um item que perguntou se ela
tinha figuras de apoio social disponíveis em sua vida, sua pontuação
SMILES-IS conta uma história mais sutil e problemática. A pontuação da
subescala SMILES-IS de Beverly está mais do que um desvio-padrão acima
da média da amostra de validação, indicando que muitas das interações
sociais de Beverly em referência à perda (ou sua ausência) criaram
dificuldade para ela dar sentido à morte. Uma revisão das pontuações de
Beverly nos itens do SMILES-IS revela que ela endossa, em especial, a noção
de que “ninguém realmente entende o que esse evento significa para mim”.
Talvez como resultado de ser mal-compreendida, Beverly também endossa
fortemente a afirmação de que ela não quer “sobrecarregar os outros falando
sobre esse evento”.
A pontuação de Beverly na SMILES-VS está próxima da média da
amostra de validação, indicando que, embora se sinta incompreendida e
incapaz de discutir sua perda de maneira aberta, ela não está totalmente sem
potenciais facilitadores de seu processo de reconstrução de significado. Em
especial, Beverly concorda fortemente com a afirmação de que “os outros
podem aprender algo valioso ao me ouvir falar sobre esse evento”.
O quadro clínico delineado pelas respostas de Beverly indica que ela
ainda não atribuiu significado à perda e sente que os outros não podem
entender ou se incomodar com ela. O fato de seu amigo ter morrido por
suicídio pode muito bem ser uma fonte de tal dificuldade, pois Beverly pode
se sentir incapaz de abordar possíveis figuras de apoio com a dor de uma
morte que não é familiar e é estigmatizada no discurso de luto dominante em
sua cultura. Não é surpresa que esse sentimento de isolamento no luto seja
funcionalmente debilitante e acompanhado por acentuada sensação de
insegurança, que se manifesta como hiperexcitação e a conduz a lembranças
do falecido.
Ao orientar Beverly para a terapia, o terapeuta faria bem em demonstrar
uma presença livre de julgamento durante as sessões e convidá-la a expandir
suas experiências de relacionar sua narrativa de luto com outras pessoas,
com o objetivo de identificar e superar as barreiras percebidas para um
compartilhamento mais íntimo com essas pessoas selecionadas. Se
apropriado, o terapeuta pode sugerir procurar grupos de apoio ao luto
específicos para suicídio, presenciais ou on-line, nos quais Beverly possa
validar com segurança sua narrativa de luto pessoal em contexto interpessoal
mais amplo. Outra fonte de força é encontrada na indicação de Beverly de que
ela sente que sua história, embora oculta, tem um valor com o qual os outros
podem se beneficiar. Se resultados de crescimento parecerem possíveis mais
tarde na terapia, o terapeuta pode incentivar a exploração de um novo papel
para alcançar ativamente outros sobreviventes de perda por suicídio ou
envolver-se em outras formas de advocacy nesse sentido. Beverly poderia
então extrair força de uma nova identidade como contadora de histórias que
dá a outros enlutados de perda estigmatizada o presente de suas
experiências.
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Apêndice
Itens e instruções para calcular a
pontuação da SMILES
Por favor, indique o quanto você concorda ou discorda das seguintes
afirmações sobre [uma perda específica ou o evento de vida mais estressante
que você experienciou nos últimos dois anos]. Leia cada afirmação
atentamente e perceba que uma resposta de concordância ou de discordância
pode não ter o mesmo sentido em todos os itens.
Não
Discordo concordo Concordo
Item Discordo Concordo
totalmente nem totalmente
discordo
1. Preocupo-me que se eu 1 2 3 4 5
compartilhar muito a
respeito desse evento, as
pessoas podem me ver de
modo diferente.
2. Tenho dificuldade em 1 2 3 4 5
fazer as pessoas
entenderem quão difícil
isso tem sido para mim.
3. Conversar com outras 1 2 3 4 5
pessoas sobre esse evento
trouxe um pouco de clareza
para a situação.
4. Eu gostaria de falar sobre 1 2 3 4 5
esse evento, mas não acho
que as pessoas
entenderiam.
5. Esse evento é complicado 1 2 3 4 5
demais para ser abordado.
6. Abrir-se sobre o que 1 2 3 4 5
aconteceu ajudou a
resolver a situação.
7. Evito compartilhar a 1 2 3 4 5
história desse evento com
as pessoas para evitar suas
críticas e seus julgamentos.
8. Guardo os detalhes desse 1 2 3 4 5
evento para mim porque
eles não fazem muito
sentido.
9. Falar sobre esse evento 1 2 3 4 5
me ajudou a dar sentido ao
que aconteceu.
10. Sinto-me mais distante 1 2 3 4 5
das pessoas quando falo
com elas sobre esse evento.
11. Quando falo sobre esse 1 2 3 4 5
evento para as pessoas,
acredito que elas se sentem
mais próximas a mim.
12. Ninguém realmente 1 2 3 4 5
entende o que este evento
significa para mim.
13. Outras pessoas 1 2 3 4 5
compartilharam
perspectivas úteis sobre
este evento comigo.
14. Sinto que meu papel 1 2 3 4 5
neste evento é mal
compreendido por outras
pessoas com frequência.
15. Sinto-me mais confuso 1 2 3 4 5
com relação a este evento
após falar com outras
pessoas sobre ele.
16. Compartilhar minha 1 2 3 4 5
história sobre este evento
trouxe maior compaixão
nas outras pessoas.
17. Sinto-me mais 1 2 3 4 5
desconfortável perto das
pessoas desde que este
evento ocorreu.
18. Este evento só faz 1 2 3 4 5
sentido para as pessoas se
eu deixo alguns detalhes de
fora.
19. Os outros podem 1 2 3 4 5
aprender algo valioso ao
me ouvir falar sobre este
evento.
20. Não quero 1 2 3 4 5
sobrecarregar os outros
falando sobre este evento.
21. Compartilhei 1 2 3 4 5
confortavelmente minha
história privada deste
evento com as pessoas.
22. Desde que este evento 1 2 3 4 5
ocorreu, não sinto que me
encaixo com as pessoas
como antes.
23. O modo como lidei com 1 2 3 4 5
este evento serviu como
exemplo positivo para as
pessoas em minha vida.
24. Há poucas pessoas em 1 2 3 4 5
quem eu confio quando se
trata desse evento.
Nota: essa escala pode ser utilizada para calcular duas pontuações de subescala (a de
invalidação social e a de validação social). Para calcular a subescala de invalidação social,
some os itens 1, 2, 4, 5, 7, 8, 10, 12, 15, 17, 18, 20, 22 e 24. Para calcular a subescala de
validação social, some os itens 3, 6, 9, 11, 13, 16, 19, 21 e 23. A parte da instrução que está
entre parênteses pode ser alterada para que a medida seja aplicada a diferentes grupos
de interesse. Obs.: esta é uma tradução livre do texto apresentado no original (em inglês)
deste livro. Para aplicar esse instrumento, recomenda-se a verificação da sua validação
no Brasil.
9
Inventário da Qualidade dos
Relacionamentos — Versão Luto
Jamison S. Bottomley e Robert A. Neimeyer
Objetivo
A experiência clínica e as evidências empíricas sugeriram que a proximidade
percebida com a pessoa falecida antes da morte está associada a maior
sofrimento ao longo do luto (Dyregrov, Frykholm, Lined, Broberg, &
Holmberg, 2003; Servaty-Seib & Pistole, 2007). Como resultado, é razoável
supor que as diferenças nas reações de luto em vários tipos de perda tendam
a seguir com mais precisão a proximidade do relacionamento pessoal, e não o
grau de parentesco genético ou a categoria de parentesco (Cleiren, Diekstra,
Kerk-hof, & van der Wal, 1994). No entanto, dada a sua facilidade de
mensuração, essa última é mais comumente estudada em pesquisas sobre o
luto (Burke & Neimeyer, 2013), apesar de os resultados indicarem que a
categoria de relacionamento representa apenas um preditor marginalmente
adequado das reações de luto (Servaty-Seib & Pistole, 2007).
Uma dimensão adicional da qualidade do relacionamento que
provavelmente contribui para a expressão de reações de luto problemáticas,
apresentando desafios relacionais únicos ao enlutado após a morte de um
ente querido, é o conflito interpessoal com a pessoa falecida antes de sua
morte. A noção de que o grau de conflito entre o enlutado e a pessoa falecida
influencia a trajetória e a manifestação da sintomatologia do luto remonta
aos primeiros tempos da teoria psicanalítica. As teorias psicanalíticas do luto
postularam que a perda de um relacionamento conflituoso está associada ao
luto “patológico”,[NRT] presumivelmente, porque essa dimensão do
relacionamento complica a resolução de problemas de apego com a pessoa
que morreu e a liberação da pessoa por meio da desvinculação emocional, ou
o que Freud nomeou decatexia (Freud, 1917). Tais afirmações foram
confirmadas por dados que associam o conflito a complicações no luto, como
a identificação de níveis de sofrimento relacionados a “assuntos inacabados”
(p. ex., conflitos, questões não resolvidas) com a pessoa que morreu como
um potente preditor de luto complicado em uma grande amostra de
estudantes universitários (Klingspon, Holland, Neimeyer, & Lichtenthal,
2015).
Dada a evidência de que a proximidade é um forte preditor das reações de
luto após perdas por causas variadas, e as proposições teóricas e empíricas de
que altos níveis de conflito interpessoal engendram trajetórias de luto
prolongadas e “patológicas”, a precisão e a facilidade com que esses dois
construtos relacionais são examinados é de suma importância tanto para a
pesquisa quanto para a prática clínica. Infelizmente, pesquisas anteriores no
campo da tanatologia empregaram medidas ad-hoc e intuitivas de
proximidade e de conflito, cujas validade e confiabilidade não foram
comprovadas. Isso garantiu a construção de um novo instrumento que
aprimora a avaliação da qualidade do relacionamento anterior à morte entre
o enlutado e a pessoa falecida — aspecto que influencia de maneira
significativa os desfechos do luto.
Desenvolvimento
Uma medida que examina diferentes dimensões da qualidade do
relacionamento é o Inventário da Qualidade dos Relacionamentos (QRI, do
inglês Quality of Relationships Inventory) (Pierce, Sarason e Sarason, 1991), um
questionário de autorrelato psicometricamente consistente composto por 25
itens que investigam aspectos específicos de um relacionamento com um
indivíduo em específico. Apesar da utilidade do QRI na avaliação da
qualidade do relacionamento entre o respondente e outro indivíduo
indexado,[NRT] o instrumento original não foi construído considerando uma
relação anterior à morte entre o enlutado e o falecido. Além disso, pesquisas
subsequentes que examinaram a estrutura fatorial do QRI em diferentes tipos
de relacionamentos e entre diversos contextos étnicos produziram resultados
mistos (p. ex., Marques, Pinheiro, Matos, & Marques, 2015; Nakano et al.,
2002; Reiner, Beutel, Skaletz, Brahler, & Stobel-Richter, 2012; Verhofstadt,
Buysse, Rosseel, & Peene, 2006), tornando a estrutura do instrumento
empiricamente equivocada. Portanto, em um esforço para desenvolver um
instrumento que pudesse avaliar a qualidade da relação antes da morte entre
um enlutado e uma pessoa falecida, auxiliando na identificação dos que
poderiam necessitar de intervenção terapêutica após a morte de uma figura
relacional importante, buscamos desenvolver uma variação do QRI que
pudesse ser utilizada no contexto do luto. Consequentemente, uma versão
adaptada do QRI original foi desenvolvida utilizando linguagem no pretérito
compatível com a experiência de luto, e essa versão adaptada,
apropriadamente intitulada “Inventário da Qualidade dos Relacionamentos –
Versão Luto” (QRI-B, do inglês Quality of Relationships Inventory – Bereavement
Version) (Bottomley, Smigelsky, Floyd, & Neimeyer, 2017), foi aplicada a uma
grande amostra de estudantes universitários enlutados, com o objetivo de
esclarecer sua estrutura fatorial.
Aplicações clínicas
Pesquisas em andamento em nosso laboratório sublinharam a capacidade do
QRI-B de prever complicações de luto ao longo de dimensões de proximidade
e de conflito relacional anterior à morte, além de outros indicadores
relevantes de risco, sugerindo que esse é um instrumento confiável na esfera
da pesquisa de luto (Smigelsky, Bottomley, Relyea & Neimeyer, 2020). No
entanto, embora o QRI-B tenha sido desenvolvido para facilitar a pesquisa
sobre o impacto do relacionamento com a pessoa falecida, ele pode ser
amplamente aplicado à prática clínica para avançar na identificação de
possíveis vias de intervenção significativa com os enlutados, como ilustrado
nos exemplos de caso a seguir.
Teresa é uma mulher hispânica de 18 anos que está atualmente lidando
com a morte de sua avó por câncer, ocorrida quatro meses antes da avaliação
de seus sintomas. No QRI-B, Teresa indicou que tinha uma relação próxima e
suportiva com a avó (proximidade = 32), apoiando-se na sabedoria dela para
obter assistência com vários problemas ou apoio emocional em momentos de
angústia. Tendo como pano de fundo a morte de sua avó, Teresa agora luta
para preencher o vazio interpessoal que ela uma vez ocupou e lida com a
realidade contínua da morte. Com uma pontuação elevada no Inventário de
Luto Complicado Revisado (Inventory of Complicated Grief-Revised — ICG-R)
(Prigerson & Jacobs, 2001), o que indica provável diagnóstico de luto
complicado, fica claro que a intervenção pode ser necessária para ajudar
Teresa a reconstruir o significado em torno da morte de sua avó e se adaptar à
sua vida após esse evento. Dada a natureza do relacionamento próximo entre
Teresa e sua avó, bem como suas respostas a itens específicos do ICG-R
(“sempre” ansiando por sua avó e sentindo-se solitária desde sua morte), um
terapeuta perspicaz poderia evidenciar a relevância da troca de cartas ou do
trabalho com o legado. No que diz respeito à primeira proposta, o terapeuta
poderia convidar Teresa a elaborar uma “carta não enviada” para sua avó, em
um esforço para “dizer olá novamente”, e renovar o vínculo rompido pela
perda (Neimeyer, 2012). Para fazer isso, o terapeuta, reconhecendo o luto
paralisante de Teresa, poderia começar instruindo-a a escrever em um
pedaço de papel uma carta para sua avó, começando com: “Quero mantê-la
em minha vida por...”, embora esse texto de abertura não precise ser
prescritivo. Além de convidar Teresa para manter correspondências com sua
avó dessa maneira, o terapeuta pode incentivá-la a escrever as respostas que
imagina que sua avó teria escrito, sobretudo em momentos que demandam
seus sábios conselhos. O terapeuta poderia expandir esse trabalho relacional
incentivando Teresa a realizar um projeto de legado em honra à sua avó, ao
mesmo tempo fornecendo uma fonte clara de consolo e de força para ela. Por
meio desse trabalho orientado para o processo, Teresa poderia reconhecer a
dor desencadeada pela morte de sua avó enquanto identifica e observa
memórias potentes e presentes tácitos que foram deixados para ela como
resultado (Attig, 2012). Fazer isso respeitaria a enormidade do luto de Teresa
ao mesmo tempo que proporcionaria espaço para ela expressar gratidão pelo
tempo que as duas passaram juntas, restaurando seu vínculo e reconstruindo
o sentido do significado comprometido pela morte de sua avó.
Quando Mônica, uma mulher branca de 20 anos que perdeu sua amiga
em um acidente de automóvel nove meses antes, completou sua avaliação,
ficou evidente que o relacionamento que elas tinham antes da morte, embora
próximo, não era o ideal. Com elevação na subescala de conflito do QRI-B
(conflito = 20), Mônica indicou que muitas vezes precisava trabalhar de
modo proativo para evitar conflitos com sua amiga e que ela foi levada a
sentir culpa por aspectos da vida de sua amiga de forma bastante persistente
antes da morte prematura dela. Além de atender claramente ao ponto de
corte estabelecido para um diagnóstico provável de luto complicado, como
indicado por sua pontuação no ICG-R, Mônica estava lutando contra fortes
sentimentos de culpa e de vergonha em torno das circunstâncias da morte de
sua amiga, sentindo, em última análise, um senso de responsabilidade pelo
trágico acidente ou por sua incapacidade de evitá-lo. Considerando que a
relação entre Mônica e sua amiga era, ao mesmo tempo, bastante conflituosa
e especialmente próxima, e levando em conta o pano de fundo de
sentimentos de culpa e de responsabilidade, um terapeuta de luto sensível
poderia perguntar sobre a possibilidade de “assuntos pendentes” e oferecer
uma forma de potencialmente resolver tais pendências. Um modo de abordar
e potencialmente mitigar os assuntos pendentes seria convidar Mônica para
“sentar” com sua amiga, mantendo uma conversa imaginária na qual ela
falaria diretamente com sua presença simbólica e, posteriormente, tomando
a posição de sua amiga para oferecer uma resposta provável (Neimeyer,
2012). Desse modo, Mônica poderia ser orientada a renegociar o
relacionamento de maneira que gerasse mais clareza, harmonia ou
reconciliação. Em última análise, esse trabalho, realizado talvez em algumas
sessões, poderia permitir que ela fizesse as pazes com o relacionamento à
medida que avançasse, e talvez até que aproveitasse as melhores partes da
amizade como um recurso vivo, sem o fardo das coisas não ditas, o que
onerou sua jornada de luto até o momento.
Referências
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Apêndice
Inventário da Qualidade dos
Relacionamentos – Versão Luto (QRI-B)
Instruções: por favor, assinale um item para cada questão para descrever seu
relacionamento com seu ente querido que morreu.
Um
Nada Bastante Muito
pouco
1. Com que frequência você precisava trabalhar para 1 2 3 4
evitar conflitos com essa pessoa?
2. Até que ponto você podia contar com essa pessoa 1 2 3 4
para ajudá-lo(a) com um problema?
3. Quão chateado essa pessoa fazia você se sentir às 1 2 3 4
vezes?
4. Quanto essa pessoa fazia você se sentir culpado? 1 2 3 4
5. Até que ponto você podia contar com essa pessoa 1 2 3 4
para ajudá-lo(a) caso um membro da sua família
muito próximo a você morresse?
6. Quão positivo era o papel que essa pessoa 1 2 3 4
desempenhava em sua vida?
7. Quão significativo era esse relacionamento na sua 1 2 3 4
vida?
8. Se essa pessoa ainda estivesse viva, quão próximo 1 2 3 4
seria o seu relacionamento com ela daqui a 10 anos?
9. Se essa pessoa ainda estivesse viva, quanto você 1 2 3 4
sentiria falta dela se vocês não pudessem se ver ou
se falar por um mês?
10. Até que ponto você podia contar com essa pessoa 1 2 3 4
para ouvi-lo(a) quando você estivesse com muita
raiva de alguém?
11. Quanta raiva essa pessoa fazia você se sentir? 1 2 3 4
12. Até que ponto você realmente podia contar com 1 2 3 4
essa pessoa para distraí-lo(a) de suas preocupações
quando você se sentisse estressado(a)?
13. Com que frequência essa pessoa tentava controlar 1 2 3 4
ou influenciar sua vida?
Nota: essa versão do QRI-B é reproduzida com a permissão de Bottomley et al. (2017).
Todos os itens devem ser pontuados utilizando o formato de 1 (nem um pouco) a 4
(muito) apresentado na tabela. Os itens 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 12 podem ser somados para
calcular a subescala de proximidade. Os itens 1, 3, 4, 11 e 13 podem ser somados para
calcular a subescala de conflito. Obs.: esta é uma tradução livre do texto apresentado no
original (em inglês) deste livro. Para aplicar esse instrumento, recomenda-se a verificação
da sua validação no Brasil.
Objetivo
Para muitos enlutados, a reflexão sobre as circunstâncias da morte de um
ente querido é um passo doloroso, mas muitas vezes necessário para
assimilar a realidade de uma perda (Neimeyer, 2019). Todavia, quando uma
morte é súbita e traumática, como em casos de homicídio, suicídio ou
acidentes fatais, a reflexão sobre a história da morte pode exceder a
capacidade de um enlutado de refletir sobre outras memórias agradáveis da
vida de seu ente querido. Desse modo, não surpreende que a fixação na
história da morte possa afetar drasticamente o bem-estar psicológico geral do
enlutado. De fato, essa é uma característica central de vários problemas de
saúde mental relacionados ao luto, incluindo transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT) e luto prolongado (APA, 2013; Shear et al., 2011).
Na prática, reconhecer até que ponto os sobreviventes estão
experienciando imagens mentais intensas associadas à morte de um ente
querido e aos elementos da história que são mais disruptivos para eles pode
ajudar a orientar os clínicos a desenvolver intervenções clínicas sob medida
para os sobreviventes. A Death Imagery Scale (Escala de Imagens Mentais
Relacionadas à Morte) (Rynearson & Correa, 2008) foi inicialmente
desenvolvida como uma ferramenta para auxiliar os clínicos na avaliação dos
vários aspectos das imagens mentais da morte em famílias em luto
traumático. No entanto, ela também pode ser útil para famílias enlutadas por
perdas súbitas e naturais. Como a maioria dos indivíduos em luto por perda
traumática terá de lidar em alguma medida com imagens recorrentes
relacionadas à morte, a DIS pode ser uma ferramenta útil para uma ampla
variedade de clínicos e outros profissionais, e não apenas para aqueles que
trabalham com sobreviventes que apresentam quadro clínico severo em
função das complicações no luto.
Desenvolvimento
Há muito tempo clínicos e pesquisadores perceberam que muitos enlutados,
sobretudo aqueles que sobrevivem a perdas súbitas e traumáticas,
experienciam repetições recorrentes e narrativas do evento da morte de seus
entes queridos. Essas imagens intrusivas de reexperimentação podem ser do
evento literal, como testemunhado pelo sobrevivente, ou podem ser imagens
não testemunhadas que assumem a forma de representações fantasiosas do
evento da morte (Blakley, 2009). Embora os familiares sobreviventes possam
não ter testemunhado o evento da morte, eles podem ter imagens intrusivas
desse evento envolvendo quem morreu, o próprio enlutado e outras pessoas
direta ou indiretamente envolvidas. Em um dos primeiros relatos clínicos que
detalham essas repetições de imagens de eventos de morte, Rynearson
(1984) observou que, em uma amostra de 15 sobreviventes de homicídio,
todos descreveram experienciar imagens intrusivas de reencenação
caracterizadas por imaginar de maneira vívida os eventos da morte de seu
ente querido. Rynearson também observou que essas imagens de
reencenação frequentemente surgiam em forma de pesadelos, e, em muitos
casos, os sobreviventes mencionaram tentativas de salvar ou resgatar a
vítima no contexto desses pesadelos. Além disso, todos esses sobreviventes
mencionaram algum grau de raiva em relação à(s) pessoa(s) responsável(is)
pela morte de seu ente querido, expressando, em alguns casos, desejo de
retaliação e vingança.
Reconhecendo a importância clínica dessas representações visuais da
morte e sua associação com o ajuste psicológico a uma perda traumática,
Rynearson desenvolveu mais tarde uma breve pesquisa de autorrelato — a
pesquisa sobre imagens mentais da morte —, avaliando imagens de
reencenação, resgate e vingança, juntamente a imagens de reencontro. Como
as imagens de reencenação, as de reencontro em geral envolvem uma
preocupação com a pessoa falecida e seu papel na narrativa da morte;
entretanto, essas memórias visam a restaurar uma imagem da pessoa
falecida como ela era antes de morrer, efetivamente revertendo os eventos da
morte. Comparando as pessoas que buscam com as que recusam tratamento
em uma amostra de 52 sobreviventes de homicídio, Rynearson (1995)
descobriu que os sobreviventes em busca de tratamento endossaram taxas
mais altas de imagens de reencenação do que aqueles que recusaram
tratamento (p < 0,001). Essa é mais uma evidência de que os clínicos podem
se beneficiar da avaliação e da análise das imagens mentais da morte ao
trabalhar com famílias enlutadas por perdas traumáticas.
Além dos vários aspectos das imagens mentais da morte já descritas aqui,
os clínicos observaram que muitos sobreviventes preocupados com seu
próprio papel (ou com a falta de um papel) na narrativa da morte, sobretudo
os preocupados com sua incapacidade percebida de evitar a morte ou de
resgatar seu ente querido da morte, também podem experimentar intensa
culpa e remorso associados à impossibilidade de resgatar seu ente querido (p.
ex., Shear & Mulhare, 2008). De fato, nossas observações clínicas sugerem
que as imagens de remorso são mais comuns do que incomuns entre famílias
enlutadas de forma traumática, talvez porque esse tipo de perda seja
percebida como inerentemente evitável. Assim, um item adicional para a
avaliação das imagens associadas ao remorso por fim foi adicionado à
pesquisa sobre as imagens mentais da morte de Rynearson, resultando na
escala DIS.
Aplicações clínicas
Até o momento, a DIS foi utilizada em dois estudos sobre resultados de
tratamentos (Rheingold et al., 2015; Rynearson, Williams, & Rheingold,
2016). Essa escala pode oferecer aos clínicos informações valiosas sobre a
natureza e a frequência das imagens relacionadas à morte experienciadas por
sobreviventes, de uma maneira que não é capturada por outras ferramentas
de avaliação, ajudando no planejamento do tratamento. Isso é ilustrado pelo
caso de uma mulher de 34 anos encaminhada para avaliação três semanas
após o suicídio de seu namorado. Quando ela se apresentou para o
tratamento, ficou evidente que era incapaz de acalmar sua mente em função
da repetição frequente de imagens do enforcamento.
A morte de seu namorado ocorreu em outra cidade, para onde ele havia
sido transferido meses antes. Antes dessa mudança, o relacionamento de seis
meses havia sido idílico, com planos de “se estabelecer em algum lugar
ensolarado e perto da água”. Enquanto ela se preparava para o reencontro,
uma série de telefonemas alarmantes ocorreu. “Nunca ficamos bravos um
com o outro antes”, ela lembra. E, por se encontrarem em uma situação
malresolvida, já não se comunicavam há um mês quando ela soube do
suicídio dele por meio de um amigo em comum. A notícia do suicídio de seu
namorado foi repentina, traumática e imprevista. Eles não haviam falado
sobre seu aparente desespero, e ele não deixou nenhum bilhete.
Ela associou “sol e praia” à imagem do namorado vivo — uma imagem
agora obscurecida por flashbacks do enforcamento e pela autoacusação,
decorrente do remorso, de que “deveria tê-lo impedido”. Uma revisão
pertinente de sua saúde mental revelou uma designer de software brilhante e
bem-sucedida que negava histórico familiar ou de desenvolvimento de
transtorno psiquiátrico, incluindo depressão. Ela ocasionalmente usava
álcool e maconha para acalmar sua ansiedade intermitente (inclusive nas
semanas após a morte do namorado), e seu diagnóstico primário incluía
transtorno de adaptação (luto traumático) com ansiedade.
Para mensurar a intensidade e a frequência de suas intensas imagens
associadas à morte, a avaliação por meio da DIS foi concluída, com os
seguintes resultados: imagens visuais intrusivas do corpo sem vida
dependurado, intercaladas com pensamentos intrusivos e repletos de
remorso por não ter conseguido impedi-lo, interrompiam sua concentração e
desencadeavam ataques de pânico várias vezes ao dia.
Reforçar a resiliência foi o objetivo inicial do seu tratamento, antes de
lidar com as intrusões visuais e cognitivas advindas da morte traumática.
Após várias sessões de estabilização do pânico e dos disparadores
traumáticos ligados à morte de seu namorado, ela foi encorajada a substituir
as imagens associadas à morte por memórias de seu relacionamento positivo
e significativo. Em sessões de terapia subsequentes, enquanto revia imagens
das atividades que fizeram juntos, ela começou a se concentrar em um
sistema de memória com significado e coerência. Ao escolher consciente e
repetidamente substituir as imagens de reencenação por memórias
significativas de seu relacionamento, ela recuperou um controle autônomo e
contrabalançado sobre a proeminência dessas imagens.
Sua terapia subsequente não exigiu exposição nem reenquadramento das
imagens de reencenação. Após 10 sessões individuais (com exercícios
contínuos de reforço de resiliência e estabilização cognitiva, entrevista de
apoio com sua família, preparação para o retorno ao trabalho, envolvimento
com amigos e atividades significativas), houve diminuição das imagens de
reencenação e remorso. Uma técnica mais específica de reexposição
reparadora dessas imagens relacionadas à morte poderia ser aplicada em
caso de persistência de imagens de reencenação intensas e frequentes, mas
não foi indicada em seu tratamento com essa intervenção focada e limitada
no tempo.
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Apêndice
Escala de Imagens Mentais Relacionadas
à Morte (DIS)
A lista a seguir elenca imagens relatadas após a morte de um amigo ou um
familiar (como pensamentos ou flashbacks visuais [i.e., estando
completamente acordado] ou em sonhos durante o sono). Por favor, assinale
o(s) tipo(s) de imagens experienciado(s) e sua frequência no último mês.
Frequência
Uma
Uma
vez
Nunca vez por Diariamente
por
semana
mês
1. Reencenação: “Experienciei uma repetição
imaginada da morte (como pensamento,
flashback visual, sonho).”
2. Resgate: “Experienciei uma fantasia em que eu
resgatava a pessoa da morte (como pensamento,
flashback visual, sonho).”
3. Vingança: “Experienciei uma fantasia de
retaliação por essa morte (como pensamento,
flashback visual, sonho).”
4. Reencontro: “Experienciei uma fantasia de
reencontro com o familiar e/ou o amigo falecido
(como pensamento, flashback visual, sonho).”
5. Remorso: “Experienciei a fantasia de que
deveria ter, de algum modo, evitado a morte
(como pensamento, flashback visual, sonho).”
Nota: esta é uma tradução livre do texto apresentado no original (em inglês) deste livro.
Para aplicar esse instrumento, recomenda-se a verificação da sua validação no Brasil.
PARTE III
Atravessando o luto
11
Grid[NT] de estilos de luto
Robert A. Neimeyer
Descrição
Na medida em que a conceituação do luto se amplia e se aprofunda, teóricos,
terapeutas e educadores se tornam cada vez mais conscientes de como as
perdas são processadas de forma diferente em função de gênero, etnia,
posição econômica, religião, idade e outras características dos indivíduos
enlutados e dos contextos culturais nos quais eles vivem. Este exercício
fornece uma estrutura interativa dinâmica para expressar e explorar a
diversidade de estilos de luto em um pequeno grupo de pessoas (em geral,
entre 8 e 30). Ele consiste em quatro fases — seleção de marcadores, utilização
do grid, processamento em pequenos grupos e discussão no grande grupo —, que
juntas totalizam 60 a 90 minutos. Cada fase é descrita aqui, seguida por um
estudo de caso ilustrativo e comentários sobre possíveis variações.
Quadro conceitual
O grid de estilos de luto convida os participantes a explorar sua posição em
dois eixos, cada um dos quais varia ao longo de um continuum: expressivo
versus estoico; e vínculos contínuos versus “deixar ir”. O primeiro eixo captura as
preferências pela expressão social versus preferências pela experiência
privada do luto, observadas em conexão com discussões sobre papéis de
gênero (Doka & Martin, 2010) e variações étnicas no luto (Rosenblatt &
Wallace, 2005). Em contrapartida, o segundo localiza os participantes de
acordo com sua ênfase em manter versus desfazer laços com os mortos, o que
reflete tanto as prescrições culturais (Stroebe, Gergen, Gergen, & Stroebe,
1992) quanto os estilos de apego pessoal dos enlutados (Kosminsky & Jordan,
2016). Conforme respondem às instruções a seguir, os participantes se
posicionam em um grid bidimensional que retrata quatro estilos diferentes de
luto (Fig. 11.1), obtendo apreciação mais profunda de como eles e as outras
pessoas atribuem significado à sua perda e encontram orientação nela
(Neimeyer, 2016).
FIGURA 11.1 Grid de estilos de luto, com os vínculos contínuos versus a capacidade de
“deixar ir” (eixo vertical) e a expressividade versus o estoicismo (eixo horizontal). Os
marcadores ilustram as posições identificadas no exercício.
Materiais
Na versão “jogo de tabuleiro” do grid de estilos de luto, o facilitador
disponibilizaria marcadores variados, como pequenas pedras e conchas de
várias cores, formas e texturas, ou pequenas figuras (formas humanas,
animais, monstros, objetos simbólicos), juntamente a uma grande superfície
com pelo menos 25 x 25 quadrados, idealmente maior. De modo alternativo,
na variação “grid ambulante”, mencionada nas considerações finais, nenhum
material é necessário, pois os próprios participantes servem como
“marcadores”, avançando ou retrocedendo em resposta às instruções em uma
grande sala desprovida de móveis ou em um espaço externo amplo e
iluminado. Cada versão tem suas próprias vantagens, como observado na
seção de encerramento.
Seleção de marcadores
Se o tampo de uma mesa for utilizado como superfície, o mediador primeiro
convida os participantes a encontrar um marcador entre uma generosa oferta
de possibilidades espalhadas de forma atrativa sobre um lenço colorido em
uma mesa adjacente, incentivando-os a selecionar de maneira intuitiva um
marcador que “os represente” (em vez de pensar na decisão
deliberadamente). A seguir, os participantes se reúnem em torno da mesa (ou
mesas) em que o grid é disposto e colocam seus marcadores em posição
inicial em qualquer lugar ao longo do eixo vertical (ou norte/sul) em uma
única linha longa, voltados para qualquer direção (ver Fig. 11.1).
Utilização do grid
Com o objetivo de orientar os participantes quanto ao grid, o facilitador
dispõe placas simples indicando as direções norte, sul, leste e oeste nas bordas
correspondentes. A intenção é evitar as implicações avaliativas associadas a
marcadores direcionais como “acima e abaixo”, “para frente e para trás” ou
mesmo “direita e esquerda”. A utilização de pontos cardeais também
aprimora a metáfora de “mapear” o estilo de luto, fornecendo um vocabulário
preliminar para processar a experiência assim que ela é concluída. Primeiro,
o facilitador coloca as placas indicativas de oeste e leste à esquerda e à direita
do grid; em seguida, lê cada uma das perguntas do Apêndice 11.1 lentamente,
parando após cada uma, a fim de permitir que os participantes movam seus
marcadores pelo número de espaços correspondentes às respostas
selecionadas. Em cada caso, o facilitador indica se os participantes podem
escolher várias respostas (movendo seus marcadores pelo número de espaços
associados a cada uma) ou a resposta única mais apropriada para eles. No
entanto, para evitar influenciar os participantes, os eixos da grade não
recebem os rótulos “expressivo”, “estoico”, “vínculos contínuos” e “deixar ir” até
que todas as perguntas para ambas as seções sejam concluídas. Uma forma
simples de fazer isso é escrever esses rótulos na parte de trás das placas
direcionais já mencionadas, simplesmente virando-as para revelá-los após
todos os movimentos em ambas as dimensões terem sido realizados.
Depois de os participantes moverem seus marcadores para cima ou para
trás em resposta às perguntas relacionadas à expressividade da utilização e ao
estoicismo (oeste/leste), eles são solicitados a recentralizar seus marcadores
no eixo horizontal, mantendo sua distância do eixo vertical no qual
começaram. Então, o facilitador indica as placas norte e sul na parte superior e
na parte inferior do grid, respectivamente, e continua lendo as perguntas
relacionadas a vínculos contínuos versus “deixar ir” (Apêndice 11.1),
novamente fazendo pausas após cada uma, para permitir que os
participantes movam seus marcadores pelo número apropriado de espaços. O
resultado é uma dispersão de marcadores por toda a grade, em um padrão
que representa quão extrema é a visão dos participantes de seus estilos de
luto pessoal e cultural nas duas dimensões. O facilitador então reúne “grupos
por afinidade” baseado na proximidade de seus marcadores, tentando incluir
pelo menos três participantes em cada grupo. Embora esses grupos possam
corresponder aos quatro quadrantes da grade, outras configurações também
são possíveis, como grupos mais extremos ou mais intermediários em seus
estilos de luto em uma ou ambas as dimensões. Também é possível haver
participantes que fogem aos padrões — como os próprios participantes
notarão —, mas, para o trabalho em grupo a ser realizado em seguida, eles
devem ser associados ao conjunto de marcadores mais próximo. O número
viável de grupos a serem formados dessa maneira dependerá do tamanho do
grande grupo. Três a cinco participantes provavelmente sejam o ideal. Toda a
fase da utilização do grid em geral leva 15 minutos.
Caso ilustrativo
Os 20 participantes adultos em uma oficina com várias sessões sobre luto eram
diversos em idade, gênero, etnia, religião e país de origem, mas todos foram
motivados a participar do grupo por uma série de perdas pessoais (morte de um dos
pais ou de um dos avós por doença, morte de um animal de estimação, perda de um
irmão na infância, suicídio de um amigo). Após as várias perdas terem sido
abordadas em sessões anteriores, o grid de estilos de luto foi apresentado como
atividade para explorar as maneiras culturalmente informadas de como os
participantes respondem a elas psicológica e socialmente. Como preparação para a
sessão, o facilitador juntou três mesas para formar um quadrado e colocou uma
toalha de mesa xadrez simples sobre elas, com o objetivo de criar um grande grid
quadriculado, com um adesivo de papel no centro para marcar a interseção dos dois
eixos. Em outra mesa, ele havia colocado um lenço, formando uma espécie de “altar”
sobre o qual espalhou aproximadamente 150 pedras pequenas e coloridas, que
variavam em forma e textura — algumas polidas, outras ásperas —, além de outros
objetos naturais (pequenas pinhas, conchas, etc.). Apontando para essa coleção, o
facilitador convidou os participantes a examiná-la, com a instrução de “permita que
sua mão selecione intuitivamente um objeto para representá-lo”. O objeto escolhido se
tornou o marcador que cada participante colocou no eixo vertical não rotulado da
toalha de mesa quadriculada.
Em seguida, colocando as placas indicativas de leste e oeste nas extremidades
direita e esquerda do grid, o facilitador leu lentamente cada um dos primeiros
conjuntos de perguntas, à medida em que os participantes avançavam para mover
seus marcadores pelo número apropriado de espaços. Conforme as perguntas
continuavam sendo feitas, o grupo parecia quieto e pensativo, deslocando os objetos
na dimensão “expressiva versus estoica” até que eles estivessem dispersos em
agrupamentos irregulares localizados a várias distâncias do eixo vertical. Ao passar
para o segundo conjunto de perguntas, primeiro o facilitador pediu aos participantes
para recentralizar seus marcadores no eixo horizontal, mantendo a distância que
haviam percorrido a partir do eixo vertical com as perguntas anteriores.
Identificando o norte no topo do gráfico e o sul na parte inferior dele, o facilitador leu
as perguntas restantes enquanto os participantes moviam novamente seus
marcadores em resposta às instruções, dessa vez dispersando-os na dimensão
“vínculos contínuos versus ‘deixar ir’” (ver Fig. 11.2). Quando isso foi realizado, os
objetos naturais foram distribuídos pelo grid conforme mostrado na Figura 11.1.
Então, o facilitador agrupou os marcadores em quatro conjuntos, nesse caso,
correspondentes aos quadrantes do grid: expressivo/vínculos contínuos,
expressivo/“deixar ir”, estoico/vínculos contínuos e estoico/“deixar ir”. (Em
outros grupos, podem surgir diferentes agrupamentos que variam em grau de endosso
aos mesmos estilos de luto.) Os participantes foram então convidados a se reunir ao
seu grupo de afinidade em um canto da sala, levando seus marcadores com eles. Eles
deveriam organizar suas cadeiras em um círculo e discutir as perguntas do Apêndice
11.2.
Apêndice 11.1
Perguntas do facilitador para o grid de
estilos de luto
Dimensão 1: Expressivo versus estoico
1. (Pode escolher mais de uma opção) Quando você era criança, se você
chorasse por ter perdido algo ou alguém, os adultos próximos
incentivariam você a falar sobre os seus sentimentos? Dê dois passos
na direção oeste.
ofereceriam conforto não verbal (p. ex., um abraço)? Dê um passo na
direção oeste.
deixariam você sozinho? Dê um passo na direção leste.
distrairiam você ou o incentivariam a “ser forte”? Dê dois passos na
direção leste.
3. (Pode escolher mais de uma opção) Nos meses após a morte de um ente
querido, você provavelmente
escreveria uma carta que não seria enviada para expressar como você
se sente? Dê dois passos na direção norte.
teria uma “conversa” imaginária com ele na sua mente? Dê um passo
na direção norte.
evitaria conversar sobre ele com outras pessoas? Dê um passo na
direção sul.
tentaria pensar em outra coisa quando ele viesse à sua mente? Dê dois
passos na direção sul.
[grid] N. de T.: Superfície que apresenta um padrão de linhas cruzadas, formando quadrados, com
objetivo de auxiliar na localização espacial de alguma coisa ou algum lugar, bem como eventual
registro de sua movimentação.
[comunidade] A comunidade é definida como o grupo de referência mais relevante para o participante,
seja ele um grupo étnico, uma família ampliada, um círculo social, etc.
12
A dança do luto
Andria Wilson
Descrição
A arte de descobrir significado na vida é autoconferida, produto da atitude
escolhida e do desejo de obter sentido e aprender com as experiências. O
potencial do sofrimento para envolver a humanidade é universal. A
fragilização inevitável certamente se apresentará se optarmos por
permanecer abertos e vulneráveis ao amor dos outros. Nossa atitude em
relação à perda é um fator determinante em nossa habilidade de aceitar e
criar significado em torno de nosso luto (Lichtenthal & Breitbart, 2012). A
crença de que a natureza humana é movida pela busca de propósito e
significado é capturada de maneira ponderada pelo sobrevivente do
Holocausto e psiquiatra Viktor Frankl (1992), que afirmou: “A principal
preocupação do homem não é obter prazer ou evitar a dor, e sim enxergar
sentido na sua vida” (p. 117). Para os prontos para embarcar em reconstrução
narrativa e reparo restauradores, a dança do luto pode promover o
crescimento e fornecer ao enlutado espaço para transcender a perda por meio
de uma técnica narrativa autoguiada.
Um crescente conjunto de pesquisas relacionadas à perda apresenta o
poderoso componente de cura do trabalho experiencial em grupo como
abordagem bem-sucedida que aumenta a consciência corporal e auxilia na
reconstrução da narrativa por meio da liberação emocional, do
relacionamento e da reparação (Dayton, 2004, 2015). Como instrutora
universitária de oratória com formação teatral e terapêutica, tendo a utilizar
técnicas experienciais para criar uma atmosfera que diminua a ansiedade e
permita a exploração, o jogo e a narrativa. Construo minhas aulas por meio
de atividades em grupo estruturadas que são simples, mas notáveis em sua
capacidade de conduzir os alunos à ação, regular a emoção, criar laços
significativos e promover o autoentendimento. Recorrendo à sociometria, às
técnicas relacionais de neuropsicodrama da psicodramatista Tian Dayton
(2004, 2015) e à terapia de aceitação e compromisso (Hayes, Strosahl, &
Wilson, 2012), incorporo exercícios que estimulam a integração emocional
da perda e do significado, proporcionando um espaço seguro no qual eles
podem ser compartilhados e processados. Utilizando essa abordagem, meus
alunos servem como testemunhas terapêuticas que podem proteger, apoiar e
encorajar uns aos outros por meio de suas tarefas de contação de histórias.
A dança do luto é uma atividade que desenvolvi para que os alunos
explorem de maneira criativa a construção de significado por meio de suas
atitudes de aceitação e de curiosidade. Ao navegar a história dos alunos por
meio de uma variedade de palavras, os alunos têm a oportunidade de
envolver seus corpos ao longo de uma série de passos — uma dança íntima
consigo mesmos. Esse processo permite que os participantes do grupo
escolham quais palavras podem ou não se aplicar a eles, dando-lhes
liberdade para escolher seus passos de dança por meio de suas narrativas ou
suas experiências específicas de perda. Por meio da escolha e do movimento,
os alunos atribuem significado à sua perda e, ao final, oferecem uma
narrativa reformulada breve, mas restauradora, aos presentes.
Essa atividade foi introduzida como aquecimento para a preparação do
discurso comemorativo. Nesse discurso, os alunos têm a opção de abraçar
suas histórias por meio da construção de uma autonarrativa a ser
compartilhada com a turma, ampliando o significado e o propósito como
resultado de suas experiências de vida. Meus alunos vêm de lugares
complicados e sofreram perdas significativas ao longo de suas vidas. Muitos
não têm uma plataforma para explorar e normalizar suas perdas no contexto
de uma comunidade que os dê suporte. Portanto, ofereço minha aula como
um “palco vivo” para expor feridas, cultivar resiliência e criar significado em
coisas difíceis. Essa atividade oferece aos alunos um lugar seguro para se
envolverem emocionalmente consigo mesmos e uns com os outros, mudando
de perspectiva e testemunhando a força da vulnerabilidade de seus colegas. A
dor expressa e testemunhada pelos participantes do grupo de apoio pode
auxiliar no luto com a reconstrução da perda, criando uma narrativa que
reenquadra o sofrimento (Dayton, 2004).
Caso ilustrativo
Preparei o espaço dispondo no chão cartões com palavras impressas em fonte grande,
cada um relacionado a uma emoção específica que os alunos haviam manifestado
antes em resposta ao discurso que fariam para celebrar alguém ou algo especial que
haviam perdido. Assim que os alunos entraram na sala de aula, discutimos como a
liberdade de escolher a própria atitude em meio a contextos difíceis poderia ser um
presente. Convidei-os a aceitar sua resposta emocional à perda sem críticas — para se
aproximarem dela, apoiarem-se nela e, por fim, tornarem-se seus parceiros de dança.
Somente por meio da colaboração e da camaradagem com a dor é que se pode
expandir potencialmente para o desconforto, revelando crescimento e significado.
Após uma breve discussão, comecei demonstrando a atividade por meio de um
exemplo pessoal. Falei sobre a perda do meu querido avô quando tinha 10 anos.
Comecei por ficar em pé sobre a palavra “triste”, emoção relacionada com a perda do
meu avô. Expliquei que nessa dança eu tinha a liberdade de escolher minha resposta
à sua morte. Continuei minha dança movendo-me para a palavra “luta”, tentando
manter meu relacionamento com meu avô, mas tendo de seguir em frente sem ele. Ao
adotar uma atitude de amor e conexão com as memórias do meu avô, aceitei a perda e
descobri o seu significado. A aceitação introduziu sentimentos de bondade e humor —
presentes que meu avô me deixou. Esses são os mesmos presentes que utilizo de
maneira consistente em meu ensino. O resultado dessa dança do luto foi autodirigido
quando passei da palavra “triste” para as palavras “luta” e “humor”, e depois para
“conexão”, ponto final para minha dança do luto.
Quer os alunos estivessem navegando pela perda de um ente querido ou por uma
perda não finita ou não relacionada à morte como parte de seus discursos, eles
começaram a explorar seus próprios processos de criação de significado. Em cada
passo, dei aos alunos tempo para conversarem com outros estudantes que escolheram
a(s) mesma(s) palavra(s). A espontaneidade envolvida deu pouco espaço para a
intelectualização e, assim, cresceu a partir de uma conexão mais profunda de
revelação emocional e testemunho. Com o filtro cognitivo removido, o corpo tem a
liberdade de falar por meio de cada palavra escolhida. O agrupamento de indivíduos
em certas palavras deu lugar ao riso, às lágrimas, à mágoa, à conexão e à construção
da resiliência.
Conforme as narrativas eram construídas e compartilhadas, o afeto e as emoções
dos alunos eram expostos, e a coragem se tornava contagiosa. “Não tinha percebido o
que meu melhor amigo me deu”, disse Jamal, de 19 anos. “Após ele ser baleado, pensei
que o tinha perdido para sempre, mas fazendo isso... vejo o quanto ele me ensinou.
Sou um amigo e um aluno melhor por causa dele. É como se uma parte dele ainda
estivesse aqui comigo.” Outra jovem estudante, Ebony, completou seu último passo de
dança com a palavra “forte”, afirmando: “Fui estuprada repetidamente quando era
criança. Foi horrível. Tive um bebê aos 17 anos, mas, apesar de tudo, sobrevivi. Sou
uma sobrevivente. Eu sou forte. Agora posso ensinar minha filha a ser forte”. Essa
atividade ocorreu de forma bastante rápida para os alunos, com seus corpos se
movendo em direção à aceitação a cada passo escolhido, essencialmente tirando a
perda para dançar. A propensão natural para a conexão e o pertencimento foi
revelada, e os alunos se tornaram agentes de cura uns para os outros.
Após a conclusão da atividade, os alunos processaram de maneira coletiva sua
dança do luto e o significado descoberto ao longo da experiência. Então, essas
informações foram incorporadas como parte de seus discursos para a semana
seguinte.
Considerações finais
Fiquei comovido com as respostas de meus alunos à atividade. Muitos
afirmaram que “dançar” com a perda lhes deu a oportunidade de aceitar sua
vulnerabilidade, expondo e compartilhando a si mesmos em uma cultura que
historicamente via a intimidade emocional como fraqueza, sobretudo entre
os indivíduos em idade universitária. O luto testemunhado e validado é
poderoso. O compartilhamento da experiência em si promove resiliência,
crescimento e cura. Escolhendo uma atitude de aceitação, um indivíduo
enlutado pode desenvolver um relacionamento mais saudável com a perda e
criar espaço para seguir em frente. Evidenciar a escolha para os enlutados
pode empoderá-los; embora sua perda esteja além de seu controle, o que está
sob seu controle é como eles lidam com seu sofrimento.
A dança do luto pode se estender a grupos educacionais e terapêuticos
que desejam explorar a construção do significado do luto após a morte de um
ente querido, bem como depois de perdas não finitas e não relacionadas à
morte. Acredito que o significado pode ser criado a partir de coisas difíceis. A
fragilidade do luto, embora desafiadora e dolorosa, pode se tornar uma
narrativa restauradora de cura e de esperança.
Referências
Dayton, T. (2004). The living stage: A step-by-step guide to psychodrama, sociometry and experiential group
psychotherapy. Deerfield Beach, FL: Health Communications, Inc.
Dayton, T. (2015). Neuro-psychodrama in the treatment of relational trauma. Deerfield Beach, FL: Health
Communications, Inc.
Frankl, V. E. (1992). Man’s search for meaning: An introduction to logotherapy. New York: Simon &
Schuster.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2012). Acceptance and commitment therapy (2nd ed.). New
York: Guilford Press.
Lichtenthal, W. G., & Breitbart, W. (2012). Finding meaning through the attitude one takes. In R. A.
Neimeyer (Ed.), Techniques of grief therapy: Creative practices for counseling and the bereaved (pp. 161–
164). New York: Routledge.
13
Percorrendo o labirinto
Jane Williams
Descrição
O luto pode isolar, sobretudo nas culturas americana e europeia, nas quais
em geral há pouco apoio social para o enlutado após a enxurrada de
preocupações durante as primeiras semanas de luto. Depois de um período
inicial de choque, os enlutados podem ter sentimentos avassaladores de
perda e pouca orientação cultural, apoio social ou recursos espirituais para
lidar com a mistura de emoções. A falta de apoio relacional e espiritual
empático com frequência resulta na retração do enlutado e na ocultação de
emoções intensas. Especialmente no início do luto, os enlutados precisam de
um contexto seguro para expressar e explorar sua experiência de perda.
Um enlutado pode adentrar o labirinto, percorrer o caminho e depois sair
do labirinto, utilizando-o como meio de acessar mas também de conter fortes
emoções, no contexto da experiência cinestésica de percorrer um caminho
definido que não requer nada mais do que começar e continuar a jornada.
Enquanto o labirinto existe para confundir e desorientar o caminhante, o
caminho sinuoso e singular do labirinto leva inevitavelmente ao centro, sem
exigir que o caminhante faça escolhas em nenhum momento. Como a
caminhada meditativa ou a prática de atenção plena (mindfulness), esse
labirinto exige que o enlutado simplesmente coloque um pé na frente do
outro, provocando uma resposta de relaxamento e permitindo que o
caminhante se conecte à sabedoria interior, a flashes de consciência e a novos
insights sobre sua jornada de luto.
O padrão do labirinto de Chartres de 11 circuitos (Fig. 13.1), mais
comumente utilizado em um contexto espiritual, descreve o caminho como
um caminho de oração, e o simbolismo do padrão está relacionado à sua
herança cristã. As instruções para percorrer o labirinto (ver o Apêndice deste
capítulo) usam o antigo processo arquetípico triplo de transformação pessoal
e espiritual: purgação/liberação, iluminação/acolhimento e união/reinserção.
FIGURA 13.1 Labirinto de Chartres.
Caso ilustrativo
A filha de 3 anos de Joy — sua única filha — morreu há quase dois meses, devido a
uma rara encefalite viral. Joy esteve com a filha, que se chamava Emmy, todos os dias
durante os dois últimos meses de sua vida, quando a criança estava em um sistema
completo de suporte à vida e ventilação. Joy, uma mãe solteira, lutou durante esse
tempo para aceitar que Emmy estava em coma irreversível. Com o apoio do padre, do
capelão do hospital, dos médicos de Emmy e de um amigo próximo, Joy conseguiu
permitir que Emmy fosse retirada das máquinas e desse seu último suspiro em seus
braços.
Joy chegou ao “dia da lembrança” de um hospice seis semanas após a morte de
Emmy para percorrer o labirinto, por sugestão de sua terapeuta, que, tendo
caminhado ela mesma pelo labirinto, encorajou Joy a percorrê-lo como um meio de
curar sua dor. A terapeuta acompanhou Joy ao evento, com o objetivo de apoiá-la,
observando a caminhada e ajudando a cliente a processar a experiência
posteriormente.
Em um espaço privado após a caminhada no labirinto, a terapeuta de Joy pediu
que ela compartilhasse as similaridades entre a caminhada no labirinto e a sua
experiência de vida atual. Joy pensou por um momento e, em seguida,
animadamente, disse à sua terapeuta que, de início, nas primeiras voltas, queria
desistir e ir embora — chegando às curvas, parecia que o caminho que ela queria
percorrer havia sido bloqueado —, assim como se sentia bloqueada em seu desejo de
estar com Emmy e apagar os eventos dos últimos meses. Porém, quando ela parou
nessas curvas, começou a sentir que Emmy gostaria que ela seguisse em frente. Ela se
lembrou de uma vez em que Emmy a puxou pela mão, para que pudessem percorrer
um riacho raso quando Joy (que não sabia nadar) queria se afastar. No labirinto,
assim como no riacho, Joy se forçou a continuar “porque Emmy queria que eu fizesse
isso”. Em seguida, a terapeuta perguntou o que havia ocorrido no centro do labirinto.
Joy lembrou-se de se sentir como uma criança pequena e perdida enquanto se curvava
e se balançava, não querendo chorar. Ela disse que, em algum ponto, percebeu que
não estava se balançando, mas se sentindo balançada e amparada. Nesse ponto, algo
dentro dela soltou soluços profundos, e ela simplesmente deixou acontecer — algo que
não tinha sido capaz de fazer desde que segurara Emmy enquanto a filha morria.
“Quando finalmente parei e abri os olhos, me senti vazia, mas não oca”, disse Joy.
“Eu senti que Emmy estava segura — e que nos veríamos novamente.”
Ela se lembrava de ter escrito em seu diário, mas não se lembrava do que
escrevera. Abriu a página e mostrou à terapeuta o que havia escrito:
Tive tanto medo de esquecer de Emmy, tanto medo de seguir em frente com a
minha vida, medo de que isso significasse que não a amava o suficiente. Nunca
poderei abrir mão dela, mas não preciso sempre ficar presa em sua morte. Posso
me prender às boas lembranças, como aquele dia no riacho, quando ela me disse
que eu não precisava ter medo, que ela “me salvaria” se eu caísse na água. Emmy
vai me salvar — me salvar de ficar sozinha no mundo. Sempre serei sua mãe e ela
sempre será minha filha — nesta vida e na próxima.
Joy disse que a caminhada do centro do labirinto para fora dele parecia diferente
da caminhada no sentido oposto. Sua experiência de libertação acrescentou esperança
à desolação de seu pesar — esperança de que a profundidade dos sentimentos de
perda e solidão não seja sempre sua companheira, e afirmação de que a morte não
apaga os vínculos. Ela se sentia mais conectada com Emmy por meio de um
relacionamento não físico contínuo acessado pela memória, e talvez em contextos
como passeios em labirintos. Embora seu trabalho com o luto não estivesse finalizado,
pela primeira vez desde a morte de Emmy, Joy sentiu que havia uma razão para voltar
a se envolver com a vida.
Considerações finais
Os terapeutas que desejam utilizar o labirinto para o trabalho com o luto
devem estar familiarizados com ele e já tê-lo percorrido ao menos uma vez.
Os clientes devem receber informações breves sobre como usar o labirinto e o
que podem esperar da caminhada (consulte o Apêndice deste capítulo).
Embora o labirinto possa ser valioso para os clientes quando eles o percorrem
sozinhos, a maioria dos terapeutas vai querer acompanhar seu cliente ao
local para observar a caminhada inicial e utilizar o tempo posterior para
ajudá-lo a investigar e integrar o que ocorreu com o trabalho com o luto já
realizado. Escrever um diário apenas para sentir alívio emocional, sem
buscar significado ou insight no que está escrito, é muitas vezes improdutivo.
Da mesma forma, percorrer o labirinto sem atentar ao que foi aprendido na
jornada diminui o impacto da caminhada. Perguntas úteis a serem
consideradas após a caminhada incluem: Que metáforas vieram à mente durante
a caminhada? Houve insights que ficaram claros em algum momento? Que palavras
ou frases podem ter surgido durante a caminhada? Você se sentiu sozinho em sua
caminhada? Você sentiu esperança, conforto ou força durante sua caminhada ou no
centro do labirinto?
Uma segunda opção para colher os benefícios de uma caminhada no
labirinto seria fazer com que o cliente percorresse o trajeto sem a presença do
terapeuta e, em seguida, registrasse ou criasse uma colagem ou outra forma
de arte em resposta à experiência. O diário ou o trabalho artístico pode então
ser levado para a próxima sessão de terapia e processado.
Em alguns casos, quando o cliente hesita em andar no labirinto ou teme a
liberação emocional, o terapeuta pode concordar em andar atrás ou ao lado
dele — sem falar, como um companheiro cuja presença não verbal fortalece o
cliente para que ele siga em frente. Após concluir a caminhada, o cliente e o
terapeuta podem analisar a experiência conforme já descrito. O terapeuta
pode perguntar se o cliente agora se sente capaz de caminhar pelo labirinto
sozinho — neste momento ou no futuro.
Há muitos labirintos disponíveis para o público. Uma ferramenta para
localizar labirintos pode ser encontrada em: http://labyrinthlocator.com/ho
me (em inglês).
Referências
Artress, L. (2006). The sacred path companion: A guide to walking the labyrinth to heal and transform. New
York: Riverhead Books/Random House.
Bloos, I., & O’Connor, T. (2002). Ancient and medieval labyrinth and contemporary narrative therapy:
How do they fit? Pastoral Psychology, 50(4).
Cunningham, M. (2012). Integrating spirituality in clinical social work practice: Walking the labyrinth.
Boston: Pearson Education.
Hong, Y., & Jacinto, G. (2012). Reality therapy and the labyrinth: A strategy for practice. Journal of
Human Behavior in the Social Environment, 22, 619–634.
Apêndice
Instruções para percorrer o labirinto
[hospice] N. de R.T. Um hospice visa a assistência integral e interprofissional com destaque aos cuidados
físicos, emocionais, espirituais e sociais a pacientes com condições clínicas severas e/ou incapacitantes
em fase final de vida e seus familiares.
14
Expressando-se por meio do
desenho
Cindy S. Perkiss
Descrição
Os sintomas de luto traumático podem incluir memórias intrusivas, evitação
de coisas ou situações relacionadas à pessoa falecida, ou de eventos
relacionados à morte, entorpecimento emocional, sintomas físicos e/ou
emocionais de hiperexcitação ou desligamento, bem como outras queixas
emocionais e somáticas. Essas respostas ao trauma prejudicam a capacidade
do sujeito de atravessar o processo de luto e precisam ser abordadas para que
seja possível elaborar a perda da pessoa falecida. Muitos processos que
acompanham o processo do luto (lembrar a pessoa que morreu, desenvolver
um vínculo contínuo a ela, recordar, atribuir significado, etc.) são gatilhos
para reações traumáticas.
A terapia narrativa por meio da arte para o trauma (TANT, do inglês
trauma art narrative therapy), desenvolvida pela doutora Lyndra Bills (2012), é
uma técnica estruturada, criativa, de exposição cognitiva e resolução
narrativa. A estrutura do processo requer que as atividades sejam realizadas
na ordem prescrita, com o evento traumático o primeiro a ser desenhado em
uma sequência temporal não cronológica. O terapeuta então auxilia o cliente
a reordenar os desenhos e a narrar o evento, o que leva à integração da
emoção e à criação de novos significados para o acontecimento. Segundo
Bills, isso torna possível a resolução de uma experiência traumática. Um bom
tamanho de papel a ser utilizado é o A4 (usado neste exemplo), ou então
papel para desenho A3. Marcadores coloridos com pontas grossas também
foram utilizados e, em geral, são recomendados porque ajudam a manter o
cliente mais centrado.
A experiência somática (ES), desenvolvida pelo doutor Peter Levine
(Levine & Frederick, 1997), é uma abordagem orientada para o corpo na cura
do trauma. Por meio do rastreamento das sensações corporais, bem como
dos pensamentos e das emoções, uma pessoa pode desenvolver respostas
para contrabalançar a experiência de respostas incompletas de luta, fuga ou
congelamento. O principal foco da SE é o sistema nervoso; ela auxilia a
restaurar ou estabelecer um ritmo mais fluido entre o ramo simpático
(acelera a frequência cardíaca, contrai os vasos sanguíneos, aumenta a
pressão arterial) e o ramo parassimpático (diminui a frequência cardíaca,
aumenta a atividade digestiva e glandular, relaxa os esfíncteres) do sistema
nervoso autônomo.
Duas das principais ferramentas na experiência somática são titulação
(titration) e pendulação (pendulation), utilizadas ao longo de todo o processo
de desenho apresentado neste caso. A titulação é a desaceleração das
respostas emocionais ou fisiológicas para permitir que o sistema do cliente
processe e auxilie na integração do que aconteceu em um ritmo que não era
originalmente possível. A pendulação é o movimento de um material mais
perturbador ou ativador para um material mais tranquilizador ou de
descarga. Além disso, a ES muitas vezes leva à criação de uma experiência
corretiva e curativa que pode facilitar a liberação de estados fisiológicos e
emocionais bloqueados e proporcionar maior construção de significado para
o cliente.
Como praticante da ES quanto como alguém certificado em TANT, achei
útil combinar a sequência de arte e narrativa da TANT com a natureza focada
no corpo da ES.
Caso ilustrativo
Jennifer, uma mulher de 37 anos, casada e mãe de dois filhos, foi encaminhada a
mim devido a preocupações relacionadas à sua filha. Jennifer via muitas semelhanças
entre ela própria quando criança e os conflitos atuais de sua filha, mas afirmava que
sua mãe a ajudara a superar muitas situações. Ela descreveu sua mãe como alguém
“fácil de conversar, que me aceitava e me encorajava a ser eu mesma”. Ela morreu
quando Jennifer tinha 26 anos, três meses após ser diagnosticada com câncer de
pulmão. Na época de sua morte, a mãe de Jennifer, que não era fumante, tinha 58
anos, tendo sido sempre uma presença constante na vida da filha. O pai de Jennifer
não lidou bem com a morte da esposa e estava com problemas de saúde física e
emocional, tendo Jennifer se tornado sua principal cuidadora, supervisionando suas
necessidades médicas, emocionais e práticas. Boa parte de nosso trabalho inicial se
concentrou em melhorar a condução e a delegação de responsabilidades com o
cuidado de seu pai, ajudando com questões parentais e melhorando o autocuidado e a
regulação emocional. Contudo, sempre que Jennifer falava de sua mãe, lágrimas
vinham aos seus olhos e era difícil para ela continuar falando.
Após trabalharmos juntos por um ano e meio, à medida em que o Dia das Mães se
aproximava, Jennifer começou a falar mais sobre o luto e o trauma associados à morte
de sua mãe. A esse ponto, ela era mais capaz de equilibrar as demandas da sua vida e
estava se sentindo mais forte e mais capaz para focar suas próprias emoções. Ela
afirmou sentir-se presa no choque e no trauma da doença e da morte de sua mãe, doze
anos depois, ainda não conseguia falar sobre sua mãe sem grande dificuldade.
Jennifer também mencionou memórias intrusivas do dia em que sua mãe morreu e
uma sensação geral de que parte dela estava congelada no momento daquela morte.
Quando sua mãe ficou doente, Jennifer, então com 26 anos, tornou-se sua
cuidadora e a “principal adulta funcional” da casa. Isso continuou após a morte de
sua mãe, com Jennifer assumindo o papel de cuidadora do pai, sem ninguém
disponível para ajudar a cuidar da própria Jennifer e de seu pesar.
Utilizando a estrutura geral do processo da TANT, e a titulação e a pendulação
da ES, incentivei Jennifer a desenhar sua experiência da época da morte de sua mãe, o
ponto no qual ela se sentia mais “estagnada”. Ao longo de três sessões, ela fez cinco
desenhos. O primeiro retratava um “ponto seguro” antes de o evento traumático
ocorrer, quando nada especificamente traumático estava acontecendo, ainda que
houvesse tristeza devido à situação. Jennifer desenhou uma cena do dia anterior à
morte, com a casa “limpa, pacífica, bonita e iluminada”. Ela também afirmou que
“as coisas pareciam muito separadas”, com as pessoas sentadas em lugares diferentes,
cada uma em seu próprio mundo. O segundo desenho retratava um “ponto seguro”
logo após a morte de sua mãe, quando ficou claro que o evento real da morte havia
terminado. Para Jennifer, esse foi o dia após a morte de sua mãe, enquanto ela
procurava no armário algo para vestir no funeral. Ter essas duas imagens
desenhadas primeiro ancorou a experiência com o conhecimento de que havia limites
em torno do evento real da morte de sua mãe. Isso faz parte da estrutura da TANT, e
também é um exemplo da pendulação da ES (movendo-se do material menos difícil
para o mais difícil).
O terceiro desenho mostrava Jennifer e sua mãe imediatamente após a morte
desta. Jennifer segurava a mão de sua mãe, e descreveu como se sentia dividida entre
querer ficar e estar com a mãe, experienciando esse momento, e sentir a
responsabilidade de lidar com os detalhes práticos, já que não havia nenhum outro
adulto funcional por perto. Então organizamos os três desenhos em ordem
cronológica, começando a criar uma narrativa mais coerente e, com frequência,
diminuindo o ritmo da discussão para permitir o processamento desse intenso
material (titulação). Após essa sessão de terapia, Jennifer relatou conversar
espontaneamente com seus filhos sobre sua mãe e contar histórias a eles, algo que
antes havia sido muito difícil. Ela relatou sentir-se mais presente com suas memórias
e seu prazer em compartilhá-las com os filhos.
Em nossa sessão seguinte, enquanto observávamos as três imagens, perguntei a
Jennifer o que aconteceu após o funeral, e isso gerou mais dois desenhos. O primeiro foi
dos familiares mais próximos sentados na sala de estar após o funeral — novamente
separados, cada pessoa em seu próprio mundo. Ela descreveu sentir-se intensamente
sozinha e desconectada, o que refletiu muito de sua experiência enquanto cuidava da
mãe ao longo do período de sua doença e de sua morte. Quando questionada sobre o
que desejava que tivesse acontecido, Jennifer afirmou que desejava que tivesse havido
um shivá para sua mãe — o ritual de luto judaico no qual os membros da família em
luto se reúnem por um período de até sete dias e são cuidados por amigos, vizinhos e
outras pessoas próximas. Além disso, muitas vezes há encontros de oração frequentes
para relembrar a pessoa falecida. Isso teria permitido que a morte de sua mãe fosse
melhor assimilada, e ela teria sido confortada e cuidada por uma comunidade de
pessoas atenciosas. Isso não ocorreu, e Jennifer reconheceu que, assim que sua mãe
ficou doente, ela se desconectou de suas emoções, com o objetivo de administrar as
tarefas de tomar conta da mãe e, depois, auxiliar o pai.
Esse último desenho de um shivá tornou-se uma experiência corretiva e de cura
para Jennifer (muitas vezes, parte do tratamento de ES). Ao imaginar aquele período
de shivá, tendo o tempo e o espaço que o ritual teria lhe proporcionado para processar
a experiência emocional (titulação e pendulação), Jennifer foi capaz de estar mais no
presente, deixando para trás o choque e a desconexão associados ao trauma da doença
e da morte de sua mãe. Desse modo, ela foi capaz de relembrar sua mãe e tirar
proveito de uma sensação de vínculo contínuo, que agora podia acessar para obter
conforto e orientação. Além disso, quando seu pai morreu, alguns anos após essa série
de desenhos, Jennifer reconheceu sua própria necessidade de cuidado e apoio. Ela
garantiu que houvesse o shivá, para que, com sua família, pudesse experienciar a
gama de emoções que estavam presentes e começar o processo de luto.
Considerações finais
O luto traumático pode ser uma experiência avassaladora que proporciona
isolamento. Ajudar os clientes a entender a natureza traumática de seus
sintomas e fornecer maneiras de desenvolver uma narrativa de trauma mais
coerente e manejável pode proporcionar ferramentas poderosas para a cura.
A natureza estruturada da TANT, combinada com as intervenções da ES,
oferece aos clínicos intervenções criativas para auxiliar os clientes a explorar
seu material traumático com apoio, ajudando a protegê-los de sobrecargas e
a promover maior capacidade de reter e processar material emocionalmente
difícil. Esse caso também evidencia a importância de uma comunidade de
apoio para ajudar a lidar com o trauma, assim como com o luto.
Referências
Bills, L. (2012). Trauma art narrative therapy: The Handbook. Camp Hill, PA.
Levine, P., & Frederick, A. (1997). Waking the tiger: Healing trauma: The innate capacity to transform
overwhelming experiences. Berkeley, CA: North Atlantic Books.
PARTE IV
Articulando perdas ambíguas
15
O que você perdeu?
Robert A. Neimeyer
Descrição
Embora raramente paremos para considerar isso, um dia perderemos cada
pessoa, cada lugar, cada projeto e cada coisa que amamos — ao menos em
sentido terreno. Com esse inquietante reconhecimento vem a consciência de
que as ocasiões para experienciar o luto se estendem muito além da morte de
um membro da família ou de outra figura de apego significativa, incluindo
uma longa lista de perdas que podem ser ambíguas ou abstratas, crônicas ou
culturais, íntimas ou invisíveis. Quando se considera a ubiquidade dessas
perdas não finitas associadas com a dissolução de relacionamentos próximos,
a deterioração da saúde, a ruptura de crenças e a diminuição do senso de self
(Harris, 2020), rapidamente fica claro que apenas pequena porcentagem das
transições de vida profundamente dolorosas é “reconhecida”, no sentido
atribuído por Doka (2020), de ser socialmente validadas e apoiadas por meio
de rituais. Outras, ainda que afetem a vida, são tipicamente suportadas de
maneira privada e silenciosa, e até a pessoa que experiencia seus efeitos pode
ter dificuldades em reconhecê-las ou colocá-las em palavras.
“O que você perdeu?” é uma técnica simples mas surpreendentemente
poderosa que aumenta a consciência dos participantes a respeito de suas
perdas e, com isso, de suas necessidades. Ela consiste em promover a
reflexão e o compartilhamento de experiências de perda com um parceiro
atento e empático, seja ele o terapeuta ou outro participante do grupo, como
no contexto do apoio ao luto. A técnica começa com um momento de atenção
plena na respiração com os olhos fechados, após o qual os participantes
abrem seus olhos para encontrar o olhar dos parceiros. Um deles então repete
lentamente a pergunta “O que você perdeu?”, com o outro dando uma
resposta breve, com uma ou duas palavras, ou uma frase, sem muita
elaboração. Pausando por dois a quatro segundos, a pessoa que fez a
pergunta responde com simplicidade e suavidade um “Obrigado”, pausa por
mais dois a quatro segundos e repete a questão. O parceiro então responde
com outra perda, e o ciclo de questionamento continua em ritmo tranquilo,
com as revelações geralmente se ampliando, se aprofundando e chegando a
perdas mais desconhecidas, íntimas e fundamentais conforme o exercício
continua por cinco minutos. Na aplicação em grupo, os parceiros trocam de
papel e repetem o exercício até serem conduzidos para outro breve interlúdio
de dois minutos de respiração consciente para se recentrar; em seguida,
abrem seus olhos para discutir o que aprenderam e observaram. O exercício é
geralmente emocional, já que o respondente mergulha de maneira cada vez
mais profunda em perdas ambíguas e, até então, não articuladas, as quais são
simplesmente nomeadas e reivindicadas na presença não reativa de um
parceiro que as recebe com gratidão, sem tentar resolvê-las ou suavizá-las.
Como resultado, os respondentes costumam se sentir seguramente
“amparados” em um momento vulnerável, e são mais capazes de responder
com autocompaixão e maior consciência de suas necessidades. De modo
recíproco, com frequência a pessoa que faz a pergunta fica tocada e se sente
encorajada pela bravura e pela franqueza do respondente, entrando em
contato com a ubiquidade da perda e sendo implicitamente encorajada pelo
exemplo a refletir sobre suas próprias perdas.
Caso ilustrativo
Como preparação para desempenhar seu papel como terapeutas de luto no futuro, um
grupo de 20 aprendizes participou de um programa de treinamento de três meses que
incluía reflexões semanais sobre suas próprias perdas com a utilização de uma série de
técnicas terapêuticas. Para proporcionar maior reconhecimento do papel das perdas
ambíguas (Boss, 2009), das perdas não finitas (Harris, capítulo 5) e da tristeza
contínua (Roos, 2018) na vida de seus clientes e na deles próprios, o líder do grupo
introduziu o exercício “O que você perdeu?”. A sala ficou em silêncio enquanto o líder
conduziu os participantes a um breve momento de atenção plena, durante o qual eles
fecharam os olhos e se concentraram em diminuir o ritmo de sua respiração e
aprofundá-la, ao mesmo tempo que aquietavam suas mentes inquisitivas. Abrindo os
olhos junto ao parceiro que havia escolhido, uma pessoa em cada dupla seguiu a
instrução, pronunciada de maneira suave, para perguntar “O que você perdeu?”, e a
outra ofereceu uma resposta breve à questão recursiva, a qual a cada instância era
recebida por uma breve pausa e um simples “Obrigado”. Logo, as perdas foram
sussurradas audivelmente: meu avô... Meu gato... Minha irmã... Meu amigo, para
uma overdose... Minha carreira... Meu pai após o divórcio. De forma gradual, as
respostas começaram a se alterar para abarcar perdas menos óbvias ou visíveis:
tradições familiares... Um senso de lar... Minha habilidade para dizer “não” às
pessoas... Segurança... Confiança. Muitas das respostas proferidas eram
intimamente concretas: meu senso de invulnerabilidade após o câncer... Meu útero...
Minha capacidade de ter filhos. Outras eram mais abstratas, mas não menos
transformadoras: minha língua... Minha cultura... Minha crença em Deus... Minha
identidade. Lágrimas rolaram em muitas duplas, e conforme os participantes
aceitavam o convite para trocar de papéis, passando 10 minutos a processar a
experiência com seus parceiros, as revelações e os insights continuaram a se
aprofundar. O exercício terminou com expressões espontâneas de gratidão e mais do
que alguns abraços antes do compartilhamento seletivo no grande grupo consolidar o
aprendizado. Ao final, a experiência enfatizou a universalidade da perda e das
mudanças indesejadas em nossa vida, bem como a legitimidade de nomeá-las e
reivindicá-las, e de, ao fazê-lo, abraçar nosso direito ao luto.
Considerações finais
Para quase todos os participantes, o estímulo simples e sereno proporcionado
pelo questionamento recursivo de um parceiro apreciativo evoca um fluxo
mais profundo de autorreflexão à medida que o respondente expressa uma
série de perdas raramente comentadas e com frequência não reconhecidas,
mesmo por ele próprio. Em geral, o resultado é um profundo senso de
validação e autocompaixão, às vezes conduzindo ao claro reconhecimento de
necessidades ou possibilidades atuais que poderiam reparar diferentes
dimensões da perda e ajudar a aliviar o luto associado. Da mesma forma, os
participantes comumente relatam que o exercício abre seu coração à
compaixão pelo sofrimento alheio, o qual, eles ficam surpresos ao perceber,
encontra paralelo no seu próprio. A simplicidade da pergunta repetida e a
brevidade das respostas parecem eliminar a necessidade de se oferecer
conforto superficial ou de se fazer elaborações sobre uma única perda; em vez
disso, são exploradas correntes de reflexão mais profundas, que fluem para
um mar de experiências não articuladas anteriormente.
Em aplicações em grupo, os participantes muitas vezes se beneficiam de
uma breve exemplificação do exercício com um voluntário, para evidenciar
tanto a brevidade da resposta desejada (em oposição a uma longa discussão a
cada rodada de questionamento) quanto as pausas simples e recorrentes e o
“obrigado” que dão à técnica muito do seu poder. Maior construção de
significado com relação ao encontro pode ser facilitada pela simples sugestão
de que os participantes escrevam sobre sua experiência após o
processamento nas duplas, tomando o cuidado de estabelecer condições
seguras para que isso seja feito em espaço e tempo privados, com um plano
para também deixar a escrita de lado e reentrar de maneira ativa no mundo
social ou natural. Por exemplo, uma mulher de meia-idade escreveu sobre
sua perda de identidade na infância após a morte de sua avó hispânica e
sobre como “a série de perdas subsequentes abalou os fundamentos da minha
identidade ainda mais”. O resultado do questionamento cuidadoso de seu
parceiro, ela disse, foi “abrir meus olhos... Comecei a me dar conta de que não
era só uma questão de quem eu perdi, mas do que eu perdi”, um “o quê” que
incluía sua identificação com uma cultura agora apenas abstratamente
ancorada em seu sobrenome, bem como um senso de segurança e de conexão
com a família e a comunidade, perdidos com a perda da “cola” representada
pela presença de sua abuela e pelo sustento dos vínculos relacionais. Embora
seja relevante no contexto de grupo, como acompanhamento das discussões
em dupla, a atividade opcional de escrever por 30 a 60 minutos pode ser
especialmente útil para consolidar a construção de significado quando um
cliente responde de modo repetitivo à pergunta “O que você perdeu?” na
terapia individual, na qual não há o benefício do espelhamento fornecido por
um parceiro.
Uma ampliação da técnica consiste em seguir a rodada inicial de
perguntas por outra simplesmente substituindo a pergunta inicial por “Como
você gostaria de mudar?”. Enquanto a pergunta sobre a perda tende a trazer à
tona uma grande variedade de eventos, circunstâncias e consequências que
alteram a vida e estão além do controle dos participantes, essa segunda série
de perguntas recursivas, formuladas no mesmo formato e com profundidade
similar, tende a convocar ao protagonismo e à esperança: Estreitar meus laços
com meus familiares... Perdoar minha irmã... Não desempenhar um papel que sei
que é errado para mim... Defender mais a mim mesmo(a)... Perdoar a mim
mesmo(a) e deixar para trás. Pesquisas realizadas em um retiro de final de
semana voltado a “mudanças indesejadas” que utilizaram esse segundo
exercício para consolidar insights e galvanizar a ação demonstraram a
capacidade de mesmo uma intervenção relativamente breve de dois dias
reduzir o sofrimento relacionado ao luto, aprimorar a construção de
significado e melhorar o crescimento relacionado ao luto (Neimeyer & Young-
Eisendrath, 2015). Uma questão alternativa poderia ser “O que você
ganhou?”, formulada na mesma estrutura e com a mesma cadência. Em
suma, expressar e validar não apenas as mortes tangíveis de entes queridos
mas também as perdas intangíveis que a pontuam e se seguem a ela, pode ser
um primeiro passo para identificar as mudanças que agora podemos aceitar
para nos curar, bem como o crescimento e a oportunidade, às vezes não
reconhecidos, que a perda também pode gerar. ▲
Referências
Boss, P. (2009). Ambiguous loss: Learning to live with unresolved grief. Cambridge, MA: Harvard University
Press.
Doka, K. J. (Ed.). (2002). Disenfranchised grief: New directions, challenges, and strategies for practice.
Champaign, IL: Research Press.
Harris, D. L. (Ed.). (2020). Non-death loss and grief: Context and clinical implications. New York:
Routledge.
Neimeyer, R. A., & Young-Eisendrath, P. (2015). Assessing a Buddhist treatment for bereavement and
loss: The Mustard Seed Project. Death Studies, 39, 263–273. doi:10.1080/07481187.2014.937973
Roos, S. (2018). Chronic sorrow: A living loss (2nd ed.). New York: Routledge.
16
Cartas para o amor, o tempo e a
morte
Robert A. Neimeyer e Kathleen Rogers
Descrição
No filme Beleza oculta, o ator Will Smith interpreta Howard, um executivo de
publicidade, antes carismático, imerso em um luto prolongado, generalizado
e preocupante após perder sua filha pequena para uma doença rara. Sua
empresa, antes bem-sucedida, beira a falência em função de sua retirada
melancólica. Em seu autoisolamento e sua amargura ruminativa sobre a
perda, ele passa o tempo escrevendo raivosas cartas de protesto para a morte,
o tempo e o amor, pelos quais sente ter sido traído, por terem tirado dele o
que mais amava ou por fazerem falsas promessas que foram quebradas, junto
a suas ilusões, com a morte de sua filha. À medida que o filme avança, os
sócios de Howard contratam atores para personificar cada um desses papéis e
desafiá-lo de maneira direta, em um plano desesperado para salvar a
empresa na qual cada um deles investiu a maior parte de suas vidas
profissionais (e pessoais). De modo significativo, no entanto, cada um deles
também enfrenta uma perda profunda: a doença terminal não revelada de
um sócio, um divórcio desagradável e o distanciamento do filho de outro
sócio, e a infertilidade relacionada à idade do terceiro. Em última instância,
cada um deles é conduzido por interações com aqueles mesmos atores para
reconhecer e abordar construtivamente essas perdas muito específicas, mas
às vezes ambíguas ou invisíveis, e tomar medidas construtivas com relação a
elas, como Howard também faz com as suas.
Como Howard, as pessoas que sofrem uma perda podem encontrar
clareza e discernimento personificando e abordando as entidades abstratas
implicadas em suas perdas distintas, sejam elas finitas e relacionadas à
morte, ou não finitas e decorrentes de outras formas de mudança ou
transição indesejadas (cf. Harris, 2020). Eu (R. A. N.) achei as cartas para
essas personificações especialmente frutíferas para ajudar as pessoas a
nomear e reivindicar as perdas mais vivenciadas e ambíguas, que são
amplamente silenciadas e não reconhecidas (Doka, 2002), bem como as que
estão associadas a condições duradouras, como doença progressiva ou
deficiência, que geram tristeza contínua (Roos, 2017), embora também sejam
bastante relevantes para as perdas que resultam do luto. Embora abstrações
como amor, tempo e morte sirvam como “destinatários” apropriados de tais
cartas para muitas pessoas, possivelmente qualquer entidade abstrata que
represente uma parte perdida do mundo presumido ou um agente
considerado responsável por isso também pode ser escolhida. Por exemplo,
uma jovem cujo apartamento foi arrombado não uma, mas duas vezes,
dirigiu sua carta de “adeus” a uma sensação perdida de segurança, enquanto
uma vítima de agressão sexual escreveu de maneira consoladora para sua
própria ingenuidade. Alternativamente, um homem gay escreveu uma carta
raivosa à sociedade, para protestar contra as condições que contribuíram
para seus anos de sexualidade reprimida e autoaversão, e uma mulher que
estava espiritualmente desiludida após a morte trágica de um amigo especial
escreveu sobre sua crise de fé diretamente a Deus. Como em outras aplicações
clínicas da teoria do self dialógico (Konopka, Hermans, & Goncalves, 2019),
esses princípios abstratos, sentimentos ou personificações de “outros”
externalizados também podem ser considerados “posições do eu” no mundo
interior do indivíduo, que podem ser acessadas, abordadas e expressas de
forma a promover a reconstrução do significado no contexto da terapia do
luto (Neimeyer & Konopka, 2019).
Instruções concretas para essas cartas podem ser parafraseadas da
seguinte maneira:
Considere uma perda que você teve, seja por morte ou alguma outra forma de
transição indesejada, como rompimento de um relacionamento ou abandono,
evento traumático, deslocamento geográfico, doença grave (sua ou de outra
pessoa), ou uma mudança ou uma perda importante em sua carreira ou em sua
identidade. Em seguida, escreva uma carta de uma ou duas páginas para a
morte, o tempo, o amor ou outra entidade abstrata relacionada como se ela fosse
uma pessoa real, expressando seus sentimentos e suas perguntas ou tentando dar
sentido à perda.
Caso ilustrativo
Alguns meses após a morte inesperada de seu ex-parceiro e pai de seu filho pequeno,
Kathleen aceitou o convite para escrever uma carta para o amor sobre o impacto e as
implicações dessa perda para ela. Ela escreveu:
Ah, Amor. Não é só o que você fez. É o que você o deixou fazer.
Você deixou ele me dilacerar como se eu fosse um peixe ofegante se debatendo
e morrendo; minhas esperanças saíram de mim como coágulos de sangue em um
jato de água salgada. Você o deixa cortar meu esterno, quebrar cada costela da
minha caixa torácica, agarrar meu coração e arrancá-lo, ainda batendo, do meu
peito escancarado.
Vomitei por duas semanas quando descobri que ele morava por perto com
uma garota de 22 anos que conheceu enquanto ainda estávamos casados. Perdi
nove quilos. Por um ano, chorei um oceano, escondendo minhas lágrimas do
nosso filho.
E então a Morte atacou e o engoliu, e meu eu oco se despedaçou
completamente, colapsou em uma fria banheira de metal fundido sob uma
corrente de água morna, pois o chuveiro era o único lugar no qual eu podia uivar
minha raiva e minha angústia sem perturbar meu filho.
Amor, você me deixou encolhida à beira de uma cratera maior do que o meu
mundo. Sem fundo, de paredes íngremes, sem rota para cima ou para baixo —
todo o espaço escuro, vazio e frio. Você me deixou percorrendo os intermináveis
minutos da minha vida em uma lâmina de vidro acima daquela escuridão sem
fim. Você me deixou tão fina quanto tecido, branca alvejada, incolor, sem forma,
sem profundidade, sem massa. Você me deixou cercada pelo nada.
Amor, você olhou para o outro lado na primeira vez em que ele me traiu. Você
me convenceu a aceitar as mentiras dele como verdade. Amor, você deu desculpas
quando ele ameaçou me cortar com a faca que sempre carregava no bolso. Você
fingiu que eu deveria suportar tudo. Você fingiu que significava perdoar e tolerar
tudo. Que, para ser digna de você, a compreensão e a ajuda deveriam se estender
mesmo a uma pessoa que cria violência.
Amor, oh, Amor, você esqueceu que cercas fazem bons vizinhos. Você dissolveu
todos os limites, toda a segurança, toda a autoproteção. Toda a pele, todos os
músculos, todos os ossos, até os sacos fechados dos órgãos. Você comeu tudo.
Nunca mais deixarei você entrar assim novamente. Você será contido. Você
será razoável e seguro. Você será amável, gentil, cortês, compassivo. Você nunca
mais me levará, meio louca de solidão, a acreditar que posso salvar uma pessoa
que não mostra sinais de querer ser salva. Nunca mais ficarei, por causa do Amor,
em uma situação em que estou em perigo físico ou psicológico devido aos
comportamentos ou às atitudes de outra pessoa.
Adoro amar — a luz, a cor, a forma, meu filho, meus amigos, o azul-
esverdeado, o modo como uma brisa ensolarada se insinua na minha bochecha
sardenta, Helvética, a canção cadenciada de um sabiá. Amo amar, e amo este
universo em que vivo e tantos seres nele. Mas, Amor, você não será autossacrifício
conduzindo à sepultura.
Amor, você deve ser alegria e fluxo e o momento mágico em que a criação flui
dos meus dedos. Você deve ser riso e lágrimas de felicidade e serenidade e
contentamento, e a caminhada longa, lenta e úmida de um rio em uma
montanha rochosa após um longo dia perseguindo libélulas. Você deve ser pipas e
histórias na hora de dormir, pipoca e perguntas constantes, o traço de grafite na
primeira página de um novo caderno e o tilintar de talheres contra uma tigela
azul meio vazia. Amor, fique menor do que eu pensava que você era, menor do que
você fingiu ser. Seja o sutil e o cômico, e o simples e o claro.
Amor, desça até onde estou — neste lugar rochoso, ainda repleto de destroços
e cicatrizes sarando. Torne-se essa pequena coisa comigo — a pedra lisa, a
espiral branca de uma concha quebrada, o impulso do osso vivo e a alternância de
um quadril deslizando em uma dança. Torne-se, oh, Amor, a quietude, o
silêncio, a estabilidade. A respiração suave do sono na luz do amanhecer, o
primeiro gole de chá, o lampejo de um sorriso.
Contente-se, oh, Amor, com tudo isso todos os dias.
— Kathleen
Ao refletir mais sobre os pensamentos despertados por esse exercício, Kathleen
escreveu:
O ato de escrever esta carta, em especial para uma versão personificada do amor
romântico, ajudou muito em duas áreas principais — viabilizar o encerramento
de um relacionamento traumatizante e violento, e lamentar as perdas sofridas
durante e após esse relacionamento, antes da morte dele.
Escrever a carta me permitiu reconhecer com segurança os papéis
desempenhados por minhas distorções cognitivas em torno do amor romântico na
série de decisões que tomei para permanecer em um relacionamento com esse
indivíduo especialmente problemático e perigoso. Isso me deu espaço para
reconhecer essas distorções cognitivas pelo que elas eram e me direcionar a uma
versão mais saudável do amor romântico (mais autêntica com relação aos meus
valores, às minhas crenças e à minha personalidade).
Ela foi escrita como um exercício após uma extensa terapia focada no
trauma; se esse exercício em especial tivesse sido concluído antes de eu me sentir
“segura o suficiente” para trazer intencionalidade e autoconsciência profundas a
ele, teria falhado em ajudar a resolver os problemas remanescentes desse
relacionamento, e também poderia ter servido para reforçar atitudes não
saudáveis relativas ao amor romântico. Utilizar essa abordagem pode exigir
compreensão completa da história de vida do indivíduo e monitoramento
cuidadoso de como a carta funciona para ele.
Ao externalizar e personificar o amor, e escrever diretamente para ele (em vez de
sobre ele), Kathleen foi capaz de adotar uma perspectiva de autodistanciamento em
vez de autoimersão ou autoincriminação sobre um relacionamento e uma perda
complicados. Ao fazer isso, ela não apenas afirmou sua decisão salvadora de deixar
uma parceria destrutiva mas também reconstruiu o significado do amor para que ele
fosse algo que melhora a vida em vez de a viciar. Suas reflexões adicionais sobre o valor
do exercício encerram enfatizando o papel crítico do timing na introdução de um
trabalho tão profundo, ressalva que é ainda mais importante na medida em que essa
escrita normalmente ocorre na privacidade da vida do cliente, e não no contexto
imediato de uma sessão de terapia, na qual um conselheiro pode apoiar ou direcionar
o processo do cliente para ajudar a garantir seu impacto salutar.
Considerações finais
Embora, como ilustra a carta comovente de Kathleen, escrever para uma
abstração relevante após perdas tangíveis e intangíveis possa, por si só,
expressar, validar e revitalizar a construção de significado daquele que
escreve em relação à sua experiência, também é possível ampliar essa técnica
de várias maneiras no contexto da terapia do luto. Por exemplo, pode ser útil
preceder essa técnica por cinco minutos do exercício “O que você perdeu?”,
descrito no Capítulo 15, como forma de auxiliar os clientes a identificar
perdas silenciosas e secundárias decorrentes de uma perda primária,
acessando assim um conteúdo altamente relevante ao qual eles podem
recorrer de modo espontâneo ao formular sua carta para a morte, o tempo, o
amor ou outra abstração. Além disso, assim como na troca de cartas
simbólica com a pessoa falecida (Neimeyer, 2012a), o cliente também pode
ser incentivado a redigir uma carta-resposta para si mesmo — nesse caso, do
ponto de vista da entidade para a qual está escrevendo —, acrescentando um
segundo passo que muitas vezes aprofunda o trabalho. Dar voz a tal diálogo
germinal não precisa depender da escrita como um meio, pois os clientes que
preferem ditar a carta podem ser encorajados a utilizar a tecnologia de
smartphone amplamente disponível para fazê-lo, opcionalmente
respondendo com um áudio do destinatário personificado na missiva inicial.
Da mesma forma, como substituto ou suplemento a uma troca escrita ou
ditada, o trabalho com uma cadeira (Neimeyer, 2012b) pode ser utilizado
para performar as duas posições espontaneamente à medida que cada uma se
envolve com a outra sob a orquestração do terapeuta. Por fim, as artes
expressivas visuais podem ser utilizadas para descrever a abstração
personificada a quem o cliente está escrevendo ou falando, permitindo uma
construção de significado adicional relativa ao caráter da abstração e ao
modo como ela pode mudar de forma ou de estado em resposta à troca. Dessa
maneira, as modalidades visuais podem complementar as verbais e
aumentar a capacidade de um cliente de construir novas pontes de
significado entre diferentes posições do eu a partir das quais visualizar um
evento de vida perturbador.
Referências
Doka, K. J. (Ed.). (2002). Disenfranchised grief. Champaign, IL: Research Press.
Harris, D. (Ed.). (2020). Counting our losses. New York: Routledge.
Konopka, A., Hermans, H. J. M., & Goncalves, M. M. (Eds.). (2019). Handbook of dialogical self theory and
psychotherapy: Bridging psychotherapeutic and cultural traditions. London: Routledge.
Neimeyer, R. A. (2012a). Correspondence with the deceased. In R. A. Neimeyer (Ed.), Techniques of grief
therapy (pp. 259–261). New York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (2012b). Chair work. In R. A. Neimeyer (Ed.), Techniques of grief therapy (pp. 266–273).
New York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (2019). Meaning reconstruction in bereavement: Development of a research program.
Death Studies, 43, 79–91. doi:10.1080/07481187.2018.1456620
Neimeyer, R. A., & Konopka, A. (2019). The dialogical self in grief therapy: Reconstructing identity in
the wake of loss. In A. Konopka, H. J. M. Hermans, & M. M. Goncalves (Eds.), Handbook of dialogical
self theory and psychotherapy. London: Routledge.
Roos, S. (2017). Chronic sorrow: A living loss (2nd ed.). New York: Routledge.
17
O vínculo humano–animal
Sara Gody Jackson Bybee
Descrição
A AAT é definida pela organização não governamental Pet Partners como
“intervenção terapêutica orientada a objetivos, planejada, estruturada,
documentada e conduzida por prestadores de serviços de saúde e serviços
humanos como parte de sua profissão” (“Pet Partners”, n.d.). Diferentemente
das atividades assistidas por animais (AAA), que não são realizadas por um
profissional qualificado, a AAT é conduzida por médicos, terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas, especialistas certificados em recreação
terapêutica, enfermeiros, assistentes sociais, fonoaudiólogos ou profissionais
de saúde mental (“Pet Partners”, n.d.). O objetivo da AAT é utilizar o vínculo
humano–animal para melhorar o bem-estar emocional, cognitivo, físico e/ou
social. A interação animal é encarada como parte necessária do tratamento e
ajuda o cliente a atingir seus objetivos terapêuticos.
Os clínicos que decidem utilizar a AAT selecionam de maneira cuidadosa
um animal de terapia e recebem educação e treinamento sobre como
trabalhar com ele como equipe terapêutica. O animal deve receber cuidados
médicos regulares, estar devidamente preparado e obedecer a todas as regras
e todos os regulamentos da agência certificadora. O animal de terapia
também deve estar com as vacinas em dia e passar por constantes testes
periódicos, para que se possa garantir que ele ainda é capaz de desempenhar
as funções na AAT.
O clínico começa perguntando ao paciente se ele ou ela acharia útil
trabalhar com um animal de terapia. O clínico fornece informações sobre
como outros pacientes consideraram útil ter a presença de um animal de
terapia em seu processo terapêutico. Se o paciente não estiver interessado ou
não achar que a inclusão de um animal de terapia seria benéfica, o clínico
retoma as abordagens terapêuticas padrão. Se o paciente estiver interessado,
o próximo passo é explicar como o animal será utilizado para ajudá-lo a
alcançar seus objetivos de tratamento. O clínico e o paciente trabalham
juntos para elaborar um plano de tratamento que aborde as questões mais
importantes, além de delinear claramente como o animal de terapia auxiliará
a atingir esses objetivos.
Durante as sessões nas quais o animal de terapia estiver presente, o
clínico deve verificar com o paciente para se certificar de que ele se sente
confortável com o animal. Os clínicos podem “falar” por seu animal de
terapia, com o objetivo de comunicar como a relação entre ele e o paciente
está progredindo. Por exemplo, dizer “Parece que o Fluffy está muito calmo e
relaxado com você” pode incentivar o paciente a desenvolver ainda mais o
relacionamento com o animal, bem como também pode relaxá-lo. Perto do
fim da sessão, é importante que o clínico dê tempo para o paciente se
despedir do animal de terapia, bem como do próprio terapeuta. Os pacientes
podem se sentir mais apegados e conectados ao animal após uma sessão na
qual se sentiram especialmente apoiados, e é importante dar espaço a esse
relacionamento.
A forma moderna da AAT começou a ser praticada nos anos 1960, por
Boris Levinson, psicólogo de Nova York que utilizou seu cachorro Jingles em
seu trabalho terapêutico. Pesquisas demonstram a eficácia da AAT com
idosos (Walsh, 2009), incluindo pacientes em cuidados paliativos e os com
perda de memória (Geisler, 2004). A eficácia da utilização de animais na
terapia também foi documentada com crianças e adolescentes, veteranos,
presidiários, pacientes psiquiátricos (Walsh, 2009), pessoas com autismo ou
doenças crônicas/terminais (Parish-Plass, 2008) e pessoas com deficiências
físicas graves (Geisler, 2004). Essa lista não é exaustiva.
Embora as evidências científicas para o uso da AAT só recentemente
tenham começado a se multiplicar, tem sido documentado que essa terapia
gera benefícios físicos e psicológicos. Parish-Plass (2008) constatou que as
interações com os animais reduzem ansiedade, pressão arterial e frequência
cardíaca, o que leva a uma redução do estresse e a um aumento da sensação
geral de prazer. Além dos benefícios físicos obtidos por meio das interações
com os animais, uma série de benefícios emocionais e psicológicos foram
observados. Tanto McLaughlin (2015) quanto Parish-Plass (2008) referem-se
à natureza não julgadora dos animais e a como ela ajuda na interação social.
Além disso, a presença de um animal desperta confiança no cliente. Quando
os clientes observam a interação afetiva e positiva entre o terapeuta e o
animal, eles se sentem menos ameaçados e são encorajados a acreditar que a
terapia será um espaço seguro.
Outro tema que emerge na literatura é o da comunicação não verbal. Em
um estudo de citado por Walsh (2009), Cain aplicou um questionário a 60
famílias com diferentes animais de estimação. Ela descobriu que “a maioria
dos integrantes das famílias entrevistados acreditava que seus animais de
estimação confiavam neles ou entendiam quando falavam, e que eram
sensíveis ao seu humor, transmitido em seu tom de voz, sua linguagem
corporal ou suas lágrimas. Os familiares relataram que seus animais de
estimação estavam ‘sintonizados’ com seus sentimentos, fossem eles de
felicidade, entusiasmo, tensão, tristeza ou raiva” (Walsh, 2009, p. 484).
Adicionalmente, os clientes costumam receber conforto físico de animais que
os deixam acariciar seus pelos ou abraçá-los. De fato, ao trabalhar com
crianças, “o animal pode servir como objeto de transição quando o cliente
necessita de conforto físico por meio do toque, e isso é inadequado entre ele e
o terapeuta” (Parish-Plass, 2008, p. 15).
Caso ilustrativo
No início dos anos 1990, Earl era um veterano da Guerra do Vietnã com um sorriso
que podia iluminar a sala. Ele morava no Veterans Affairs Nursing Home e
recentemente havia sido internado em uma unidade de cuidados paliativos após ser
diagnosticado com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Minha cachorra de
terapia, Bailey, e eu fomos convidadas pela equipe de cuidados paliativos de Earl a
visitá-lo para lhe proporcionar algum conforto após seu diagnóstico recente. Ao longo
de sua vida, Earl teve cães, portanto, a organização de cuidados paliativos pensou que
seria benéfico para ele entrar em contato com um animal de terapia.
A primeira vez que Bailey e eu visitamos Earl, ele pareceu surpreso e encantado
por receber um visitante canino. Ele sorriu e fez muitas perguntas sobre Bailey: que
tipo de cachorro ela é? Quantos anos ela tem? Como ela se chama? Bailey aproximou-
se dele e sentou-se ao lado de sua cadeira de rodas, para que ele pudesse estender a
mão e acariciá-la sem esforço. Ela ficou ao lado dele durante toda a visita, levantando
a mão dele com a cabeça para encorajar mais carícias.
Bailey serviu como um ponto de partida para a nossa conversa, e Earl foi capaz
de usar a experiência com Bailey para invocar memórias de seu próprio passado.
Durante as visitas seguintes, ele começou a falar sobre seus cães e sobre como foi
crescer com eles. Ele me contou histórias sobre brincar na floresta com seus cães e disse
como sentia falta de ter um cachorro. Isso o ajudou a começar a rever sua vida e olhar
para tudo o que tinha feito. Ele começou a me contar mais sobre a guerra, o seu
trabalho e como foi a sua vida. Após falar por um tempo sobre memórias de seu
passado, Earl convidou Bailey para jogar bingo com ele. Ela se sentou aos pés dele o
tempo todo, disponível para beijos e carícias de filhote sempre que Earl sentisse que
precisava deles. Bailey e eu só visitamos Earl algumas vezes. Ele morreu logo após o
início das nossas visitas, e acredito que o conforto e a oportunidade de rever sua vida
proporcionados pelo vínculo humano–animal o ajudaram a aceitar seu prognóstico e
morrer pacificamente.
Considerações finais
Em conclusão, os animais podem ser parceiros poderosos para melhorar as
facetas emocionais, cognitivas e físicas da vida de um cliente. Realizada por
profissionais qualificados, a AAT integra a utilização do animal ao plano de
tratamento do cliente. Estudos demonstraram os benefícios de utilizar
animais em ambientes terapêuticos e de cuidados de saúde. Os animais
diminuem pressão arterial, estresse, frequência cardíaca e ansiedade, e
podem até prolongar o tempo de vida. Os benefícios psicológicos da AAT são
igualmente profundos: os animais promovem interação social; incentivam o
cliente a se abrir emocionalmente; ajudam o cliente a se sentir seguro; e
melhoram a autoestima, a empatia e o senso de controle do cliente. Encorajo
os clínicos a pensar sobre como a integração de animais pode aprimorar o
processo terapêutico de seus clientes.
Referências
Geisler, A. (2004). Companion animals in palliative care: Stories from the bedside. American Journal of
Hospice & Palliative Medicine, 21(4), 285–288.
McLaughlin, E. E. (2015). Animal-assisted therapy as a trauma intervention. Master of Social Work
Clinical Research Papers, Paper 496.
Parish-Plass, N. (2008). Animal-assisted therapy with children suffering from insecure attachment due
to abuse and neglect: A method to lower the risk of intergenerational transmission of abuse?
Clinical Child Psychology and Psychiatry, 13(1), 7–30.
Pet Partners. (n.d.) Terminology. Retrieved from https://petpartners.org/learn/terminology/
Walsh, F. (2009). Human-animal bonds II: The role of pets in family systems and family therapy.
Family Process, 48(4), 481–499.
PARTE V
Praticando o autocuidado
18
Apoio on-line: MyGrief.ca
Shelly Cory, Christopher J. MacKinnon, Andrea Warnick e Fred Nelson[NT]
Descrição
Em 2004, o Canadian Virtual Hospice (CVH) (www.virtualhospice.ca) foi
lançado com um mandato para organizar e disseminar conteúdo baseado em
evidências e uma série de serviços interativos de apoio on-line para pessoas
que vivem com doenças limitantes, suas famílias e outros na rede de
cuidados de saúde (Chochinov et al., 2015). O CVH desenvolveu-se e passou a
incluir vários novos sites e diversos canais de mídia social com conteúdo que
abarca desde a trajetória da doença até o luto. Ele foi identificado como o
recurso de internet mais abrangente para cuidados paliativos no mundo. O
conteúdo e os serviços estão disponíveis em inglês e francês, refletindo o
contexto bilíngue do Canadá. Recentemente, o CVH lançou várias novas
plataformas, mas especialmente relevantes para este capítulo são o
MyGrief.ca, que aborda os desafios do luto para adultos, e o KidsGrief.ca e
sua versão francesa, DeuildesEnfants.ca, com módulos para adultos que
estão dando apoio a crianças enlutadas.
Representando um problema de saúde significativo, os adultos enlutados
muitas vezes sofrem com comorbidades na saúde, aumento do uso de
recursos de saúde, hospitalizações periódicas e até mortalidade nos primeiros
dois anos após uma morte (Stroebe, Schut, & Stroebe, 2007). Aqueles que
buscam apoio formal no luto em geral encontram obstáculos significativos,
incluindo falta geral de compreensão por parte daqueles em seu sistema
social, bem como de profissionais cujo conhecimento sobre o luto pode ser
limitado. Muitos em ambientes isolados ou rurais não conseguem acessar
com facilidade serviços especializados de apoio ao luto. Outros não têm
meios financeiros para consultar um profissional de saúde mental. Inspirada
por perda pessoal e a experiência de crescer em uma área rural com serviços
de saúde limitados, a diretora-executiva do CVH, Shelly Cory, imaginou uma
ferramenta acessível que fornecesse acesso equitativo a conteúdo confiável
em formato envolvente e interativo. O MyGrief.ca é a primeira ferramenta
psicoeducacional baseada em evidências do mundo a fornecer suporte on-line
para perda e luto. Ele foi desenvolvido por meio do financiamento da
Canadian Partnership Against Cancer e do compromisso de especialistas em
luto.
Uma revisão abrangente da literatura, uma análise ambiental, uma
análise de prontidão e uma equipe de desenvolvimento composta por
pesquisadores e clínicos especializados e familiares enlutados embasaram o
MyGrief.ca. Esse recurso adota de maneira extensiva uma abordagem
construtivista ou baseada em significado para entender a adaptação ao luto
(Neimeyer, 2019). O conteúdo é apresentado em formatos de texto,
interativos e de vídeo. Os vídeos incluem narrativas de luto que representam
diversas idades, relacionamentos com a pessoa falecida, culturas, gêneros e
orientações sexuais. Embora o design da ferramenta seja baseado em um
modelo lógico, sua funcionalidade facilita a navegação autodirigida.
Os nove módulos de aprendizagem estão organizados do seguinte modo:
(1) O luto por uma perda esperada abrange o tempo, os eventos, as tarefas e as
características do período anterior à morte que impactam de modo definitivo
a experiência do luto; (2) A compreensão do luto destaca respostas de luto
comuns e menos comuns, incluindo reações físicas, cognitivas,
comportamentais e emocionais; (3) Como essa perda afetou minha família e a
mim? facilita o exame de mudanças nas esferas familiar e social após a perda;
(4) Atravessando o luto aborda mudanças na identidade, promovendo
construtivos laços contínuos com a pessoa falecida e fatores que contribuem
para a estagnação do luto; (5) Atribuindo sentido às emoções intensas abrange o
difícil cenário afetivo do luto, destacando maneiras construtivas de
responder aos sentimentos; (6) Gerenciando situações difíceis caracteriza
disparadores de luto,[NRT] bem como oferece pensamentos sobre como lidar
com situações sociais complexas; (7) Cuidando de si mesmo trata dos desafios
inesperados do autocuidado, incluindo vergonha, definição de limites e
expectativas irrealistas sobre si mesmo e os outros; (8) Preciso de mais ajuda e
onde posso encontrá-la? descreve reações severas de luto que em geral merecem
uma consulta profissional; e, por fim, (9) Quando a vida começa a melhorar foca
nos desafios de se comprometer com o futuro e fazer novos planos após a
morte.
Uma avaliação da University of Victoria e da First Nations University
indicou que o MyGrief.ca excedeu as expectativas dos usuários (Courtney,
2017). Os entrevistados indicaram que o recurso era fácil de navegar, incluía
informações de alta qualidade e poderia facilmente dar apoio a programas de
educação universitários e de voluntariado existentes. É digno de nota que o
MyGrief.ca esteja sendo utilizado em serviços de apoio ao luto e treinamento
de profissionais de saúde, sendo elogiado por traduzir conceitos complexos
em linguagem acessível e responder à necessidade dos enlutados acerca de
um senso de universalidade e experiência compartilhada.
O KidsGrief.ca é a primeira de uma série de expansões planejadas para o
MyGrief.ca. Ele responde ao fato de que muitas vezes crianças e jovens não
recebem o apoio de que precisam para lidar com o luto. Crianças em luto que
não recebem apoio adequado podem estar em maior risco de sofrer uma
variedade de impactos emocionais e psicológicos adversos ao longo de sua
vida. O KidsGrief.ca auxilia os adultos a reconhecer o luto de crianças e
jovens, prepará-los para a morte antecipada e fornecer-lhes apoio bem
embasado sobre o luto. Tópicos como suicídio, morte medicamente assistida
e preparação de crianças para funerais também são abordados. O
KidsGrief.ca foi desenvolvido por meio de um financiamento fornecido pelo
Canadian Internet Registration Authority Community Investment Program e
pelo Hope & Cope, serviço de apoio à comunidade sediado em Montreal,
Quebec.
Únicos no mundo, o MyGrief.ca e o KidsGrief.ca complementam os
serviços existentes e fornecem ferramentas abrangentes e acessíveis onde
existem barreiras ao apoio e à educação presenciais, estendendo o programa
de luto baseado em evidências muito além dos limites existentes.
Caso ilustrativo
Bárbara é uma assistente social que trabalha em uma comunidade rural no Canadá
Atlântico. Suas atribuições ao trabalhar para uma autoridade de saúde pública
incluem oferecer apoio ao luto para a comunidade. Ela está buscando um recurso que
fortaleça um grupo de apoio ao luto de 10 semanas que vem mediando há muitos
anos, com foco no luto dos pais após a morte de um filho.
Em preparação para seu grupo, ela começa examinando o conteúdo do
MyGrief.ca. Para começar, Bárbara identifica várias temáticas que seriam
pertinentes. Ela decide organizar os temas de cada sessão em torno dos nove módulos
do MyGrief.ca, escolhendo uma abordagem semiestruturada que permite aos
participantes, em última análise, mobilizar o discurso do grupo em direções mais
pertinentes para eles. Após o grupo começar, ela convida os participantes a trabalhar
em cada módulo de maneira sequencial entre as sessões, incentivando-os a examinar
o conteúdo adicional segundo sua própria sensibilidade. Ainda, ela estimula os
participantes a identificar tópicos ou perguntas derivadas do MyGrief.ca que eles
possam querer levar para a sessão seguinte do grupo.
Bárbara também identifica temáticas que possam interessar e ser utilizadas para
facilitar conversas mais aprofundadas no grupo, incluindo: (1) um elemento do
terceiro módulo que abrange mudanças no papel dos pais; (2) material do quinto
módulo com foco na culpa e na raiva intensas, comuns no luto dos pais; e (3)
conteúdo do sexto módulo focado em lidar com situações sociais exigentes como pais
enlutados.
Bárbara também decide apresentar diversos relatos em vídeo que tratam da
morte de um filho. De modo específico, ela escolhe os vídeos de Aimee e Mishi. Esse
casal enfrentou a morte de sua jovem filha Stella em decorrência de um câncer
cerebral muito agressivo. Bárbara inicia várias sessões do grupo compartilhando um
trecho de três a cinco minutos do vídeo com Aimee e Mishi. Ela tem vários objetivos
clínicos em mente: incentivar o envolvimento e a interação no grupo por meio da
visualização de um depoimento profundo e emocionante; estimular os participantes a
refletir sobre semelhanças e divergências nas experiências de perda; e encorajar
comentários sobre as respostas de Aimee e Mishi ao luto que possam ajudar os
participantes a orientar suas próprias respostas à perda.
Além disso, Bárbara identifica trechos do vídeo do colega assistente social Fred
Nelson, um dos especialistas em luto que contribuíram para o MyGrief.ca. O vídeo de
Fred fornece uma perspectiva profissional sobre o luto, e Bárbara está especialmente
interessada em dar ênfase ao conteúdo que fornece orientação sobre quando procurar
apoio formal. Seu objetivo clínico aqui é preparar uma ponte para alguns
participantes que possam precisar de apoio formal adicional ao luto quando o grupo
for encerrado. Bárbara incentiva os participantes do grupo de apoio ao luto e aqueles
que ela está aconselhando de maneira individual a acessar o MyGrief.ca entre as
sessões como fonte de apoio e educação. Ela sabe que isso reforçará o que eles
abordaram nas sessões, e que assistir aos vídeos ajudará a diminuir a sensação de
isolamento e a normalizar a experiência de muitos pais após a morte de um filho. Por
fim, ela recomenda que os enlutados que têm outros filhos explorem o KidsGrief.ca
para compreender melhor a experiência de luto de seus filhos e encontrar orientação
para conversas e apoio.
Considerações finais
O MyGrief.ca e o KidsGrief.ca preenchem lacunas importantes em termos de
recursos de apoio on-line confiáveis, completos e eficazes para pessoas
enlutadas, pais que auxiliam crianças enlutadas, profissionais de saúde,
educadores e outros profissionais. Apresentada em um formato altamente
funcional e em linguagem acessível, a ferramenta oferece descrições
detalhadas de luto em um enquadramento construtivista, com estratégias de
enfrentamento e depoimentos em vídeo de um grupo diversificado de pessoas
enlutadas. Ela não é de forma alguma projetada para suplantar ou substituir
a intervenção profissional, mas pode ser utilizada como complemento aos
serviços existentes ou como ferramenta acessível em contextos nos quais não
existem tais serviços. Módulos adicionais do MyGrief.ca que focam nas
reações traumáticas e complicadas de luto estão em fase de planejamento.
Referências
Chochinov, H. M., Harlos, M., Cory, S., Horst, G., Nelson, N., & Hearson, B. (2015). Canadian Virtual
Hospice: A template for online communication and support. In J. C. Holland, W. S. Breitbart, P. B.
Jacobsen, M. J. Loscalzo, R. McCorkle, & P. N. Butow (Eds.), Psycho-oncology (3rd ed., pp. 253–258).
doi:10.1093/med/9780199363315.003.0033
Courtney, K. (2017, February). Evaluation report: Methadone tool, my grief tool, living my culture &
indigenous voices tools (Unpublished Technical Report). University of Victoria, Victoria, Canada.
Neimeyer, R. A. (2019). Meaning reconstruction in bereavement: Development of a research program.
Death Studies, 43, 79–91. doi:10.1080/07481187.2018.1456620
Stroebe, M. S., Schut, H., & Stroebe, W. (2007). Health outcomes of bereavement. The Lancet, 370,
1960–1973.
[autores] Os autores desejam agradecer aos seguintes indivíduos envolvidos neste projeto: Harvey Max
Chochinov, Eunice Gorman, Darcy Harris, Robert A. Neimeyer, Susan Cadell, Marney Thompson,
Nadine Gariepy-Fisk, Bev Berg, Elder Betty McKenna, Jacquie Dorge, Pam King, Sylvie Lalande, Tanny
Nadon, Serena Hickes, Lisa Toye, Antonietta Petti, Camara Van Beeman, Candace Ray, C. Elizabeth
Doherty, Joan Hamilton, Courtney Teetaert, Stephanie Rabenstein e Suzanne O’Brien.
[disparadores de luto] N. de R.T. Também chamados de “gatilhos”, os disparadores são eventos,
situações, datas, pessoas, lugares ou objetos — qualquer coisa — que lembre a pessoa que morreu ou o
evento da perda em si e que pode desencadear no enlutado uma resposta emocional intensa, por vezes,
inesperada.
19
Diferenciando luto de depressão
Elizabeth Sheppard Hewitt
Descrição
Clientes enlutados com histórico de depressão maior correm alto risco de
recorrência depressiva no contexto de perda (Friedman, 2012, p. 1856).
Independentemente do histórico de tratamento, os que enfrentaram
depressão em geral experienciam grandes desafios para estabilizar o humor.
Alguns podem ter tentado suicídio ou ficado com medo de seus próprios
pensamentos persistentes que incentivam a autolesão. Embora qualquer
cliente possa sentir que não irá suportar a perda, aqueles que ainda lidam
com as complexidades de estabilizar a depressão podem achar que o peso
adicional da perda é demais para aguentar.
Um diagnóstico preexistente de depressão não exige, por si só, o
tratamento da depressão antes do luto. Muitos clientes com depressão clínica
desenvolveram grande habilidade no manejo dos sintomas e têm estratégias
adaptativas que mantêm a doença estável apesar dos desafios da vida. Para
esses indivíduos, a discussão sobre o impacto da depressão em sua
capacidade de lidar com a perda pode ser valiosa para abordar suas
estratégias adaptativas e sua resiliência até o momento. Ela também pode
servir para reconhecer que a perda pode ser excessiva mesmo para as
melhores estratégias de enfrentamento, bem como para recrutar o cliente
como parceiro na tarefa de garantir que a perda não faça com que a depressão
recupere terreno. Para esses clientes, o reconhecimento de que eles podem
contribuir para o seu próprio bem-estar pode ajudar a restaurar um lócus de
controle e facilitar o desenvolvimento da esperança.
Os sintomas da depressão podem ser mais bem diferenciados das reações
à perda pela existência de sofrimento cognitivo significativo. O cliente
enlutado raramente identifica baixa autoestima e sentimentos de inutilidade
como questões primárias (Bonanno & Kaltman, 2001; Bonanno, Wortman, &
Nesse, 2004). Além disso, os clientes enlutados podem desejar se reunir com
um ente querido falecido, mas raramente desenvolvem um plano de suicídio
complexo ou experimentam ideação suicida persistente que seja consistente
com o diagnóstico de depressão clínica (Friedman, 2012). Os clientes
enlutados podem experienciar longos períodos de bem-estar, mas podem
experimentar datas significativas, como aniversários e Natal, como
disparadores. Já a depressão tende a ser mais abrangente (APA, 2013). Os
indicadores específicos da depressão também incluem incapacidade
prolongada e significativa de concluir as atividades diárias, existência de
culpa não relacionada à perda e relatos de ver ou ouvir a pessoa falecida
(Auster, Moutier, Lanouete, & Zisook, 2008). Perper (2014) detalha algumas
das variáveis que diferenciam as duas condições (ver Tab. 19.1).
Caso ilustrativo
Sarah era uma mulher de 45 anos com um casamento feliz e dois jovens enteados. Seu
médico a diagnosticou com transtorno depressivo maior (TDM) há 10 anos, tratando
seus sintomas com sucesso ao longo dos anos com medicação, até três meses atrás.
Sarah foi adotada quando criança. Sua família adotiva era descrita como muito
inteligente, mas demonstrava pouca emoção. Em contraste, Sarah era muito sensível
e expressiva. Ela contou que cresceu se sentindo uma estranha, preocupada que seus
pais se arrependessem de tê-la adotado. Ela descreveu seu pai como alguém muito
crítico, de modo que nunca se sentiu capaz de agradá-lo.
Nove meses antes do encaminhamento, seu pai ficou doente e foi hospitalizado. A
doença não era grave, mas ele morreu inesperadamente em uma noite em que Sarah
estava sozinha com ele. Suas palavras finais para ela foram críticas. Embora triste
com a perda de seu pai, Sarah conseguiu continuar trabalhando e se manteve
funcional por seis meses. Então, de repente, ela não conseguia sair da cama, chorava
continuamente e estava irritada, autoisolada e com raiva. Ela foi colocada em licença
prolongada de seu trabalho como secretária e, apesar das tentativas de medicá-la
empreendidas por seu médico, seus sintomas não cessaram.
Três meses após essa mudança abrupta, seu médico a encaminhou para nossa
clínica de saúde mental para avaliação de medicamentos, esclarecimento de
diagnóstico e tratamento. O setor de psiquiatria realizou uma avaliação completa e
diagnosticou Sarah com transtorno depressivo maior associado a sintomas ansiosos e
de luto. Os medicamentos foram ajustados, a ativação comportamental foi
incentivada e a assistência social clínica foi consultada para tratar a depressão e o
luto.
Em nossa sessão inicial, Sarah identificou seus objetivos para o tratamento como:
retornar ao trabalho, sentir-se mais capaz de controlar sua depressão e lidar com a
raiva e o luto. Ela identificou a depressão e o luto como as barreiras para um retorno
bem-sucedido ao funcionamento diário e ao trabalho. Seu marido estava preocupado,
e ela também.
Após a avaliação, determinei que o principal sintoma de Sarah era depressão
relacionada ao componente cognitivo pervasivo, profundo sentimento de inutilidade.
Ela também expressou ideação suicida ativa, sentindo que não tinha nada a oferecer
a ninguém em sua família e que era um fardo para todos. Ela exibiu sintomas
clássicos de depressão, incluindo distúrbios do sono, irritabilidade, falta de interesse
em atividades anteriormente apreciadas, sentimentos de alienação, perda de apetite,
desafios para manter as atividades da vida diária e dificuldade para sair da cama
(American Psychiatric Association, 2013).
Embora o luto tenha sido o catalisador de seu declínio de humor, ele pareceu
sobrecarregar as estratégias de enfrentamento utilizadas para controlar a depressão.
Ela relatou que seus sintomas atuais eram semelhantes aos de uma recaída que
ocorrera oito anos antes e não estava relacionada a perdas. Concordamos com uma
abordagem de tratamento que incluía lidar inicialmente com a depressão, a fim de
liberar energia para lidar com a perda. Sarah relatou que ter um plano de
tratamento claro a ajudou a se sentir mais no controle.
Os passos iniciais abordaram a sensação de impotência de Sarah diante de tal
reviravolta na vida. Ela descreveu sentir como se estivesse no fundo do poço e não
pudesse escapar. Respondendo a uma abordagem narrativa (White & Epston, 1990),
Sarah passou a ver seus sintomas (pensamento negativo, ansiedade e pânico ao sair
de casa, irritabilidade, isolamento, suicidalidade) como manipulações da doença.
Esses sintomas eram vistos como maneiras pelas quais a doença poderia alcançar seu
objetivo de tirar de Sarah seu poder pessoal e criar desesperança. Ao final da primeira
sessão, Sarah relatou um ressurgimento de esperança por saber que poderia resistir à
doença e mobilizar resiliência.
Sarah foi atendida em terapia a cada duas semanas por três meses. Ela começou
a identificar habilmente quais pensamentos eram dela e quais eram parte da doença.
Ao desafiar os pensamentos negativos, ela começou a se sentir mais no controle. A
medicação ajudou a aumentar sua energia, que ela redirecionou para combater a
depressão e retornar ao trabalho. Apesar desse progresso, a raiva e a tristeza
permaneceram. Agora era hora de lidar com o luto.
Sarah relatou que o luto se tornou mais tangível com sua depressão mais
gerenciada, a retomada das atividades diárias e o retorno ao trabalho. Ela tornou-se
mais capaz de discernir onde a depressão terminava e o luto começava, e esse luto era
substancial. Na terapia, Sarah começou a reconhecer que a raiva que ela pensava ser
um sintoma da depressão ainda estava presente. Ela logo reconheceu que ainda
estava com raiva por seu pai ter sido crítico e que, apesar de trabalhar duro para
agradá-lo, isso nunca era suficiente. Com a raiva, veio uma tremenda culpa. Como
ela poderia estar com raiva de alguém que amava e que havia morrido? De maneira
curiosa, antes da estabilização da depressão, Sarah não estava ciente de sua raiva
pelo pai e da culpa subsequente. Foi apenas enquanto lidava com o luto que isso
emergiu.
Como Sarah era incapaz de confrontar seu pai diretamente, incentivei-a a
experimentar uma “troca de cartas com a pessoa falecida” (Neimeyer, 2012).
Conversamos sobre escrever uma carta para ele comunicando seu conflito interno,
bem como sua raiva e sua mágoa não resolvidas. Discutimos ao longo de muitas
sessões o que Sarah poderia fazer com a carta e, por fim, optamos por realizar uma
cerimônia. Sarah leria a carta em voz alta em seu quintal, junto a uma fogueira
tendo seu marido presente como apoio; uma vez feito isso, ela a queimaria,
simbolizando a libertação do desespero, da raiva e da dor.
Sarah resistiu à tarefa de escrever sua carta, até que um dia estava pronta. Ela
levou um caderno para um parque da cidade e rapidamente escreveu 10 páginas.
Naquela noite, ela leu a carta em voz alta para o pai, chorando, gritando e libertando
palavras que nunca havia compartilhado até aquele momento. Depois, queimou a
carta na fogueira, como planejado. Ela descreveu a sensação de libertar-se da dor, da
raiva e do desespero enquanto observava a carta queimar, e uma paz a envolvia como
um cobertor. Na manhã seguinte, Sarah e o marido juntaram as cinzas de sua carta
e, em um gesto de amor, colocaram-nas cuidadosamente em torno do grande carvalho
que crescia em seu jardim, a árvore favorita de seu pai.
Sarah veio me ver para a sessão seguinte, uma semana após a cerimônia. A
mudança nela era drástica. Ela parecia 10 anos mais jovem e, ao descrever a
cerimônia, sorriu pela primeira vez desde que iniciamos o tratamento, seis meses
antes. Embora ainda lamentasse a perda de seu pai, ela relatou sentir-se mais capaz
de administrar a simplicidade da perda sem as complicações da raiva e da depressão.
Nós nos encontramos para mais duas sessões, explorando a dor da perda e as
estratégias para Sarah permanecer conectada ao seu pai, apesar de sua morte.
Um ano depois, encontrei Sarah no estacionamento do hospital, e ela
compartilhou com prazer seu sucesso em atravessar a dor da perda, sentindo-se mais
conectada ao marido e aos enteados e sendo promovida no trabalho. Ela havia
encontrado o caminho para fora do poço.
Considerações finais
Os clientes com diagnóstico preexistente de depressão clínica que enfrentam
perdas significativas podem ser difíceis de tratar. Obter maior compreensão
do diagnóstico predominante que desencadeia sintomas debilitantes é
essencial para o desenvolvimento de um plano de tratamento bem-sucedido.
Estabilizar a doença preexistente antes de abordar as questões do luto de
forma aprofundada diminui o risco à segurança pessoal, reforça a estrutura
para estratégias de enfrentamento adaptativas e permite que o cliente
proceda com esperança e resiliência.
Referências
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.,
text rev.). Washington, DC: Author.
Auster, T., Moutier, C., Lanouete, N., & Zisook, S. (2008). Bereavement and depression: Implications
for diagnosis and treatment. Psychiatric Annals, 38(10), 655–661.
Bonanno, G. A., & Kaltman, S. (2001). The varieties of grief experience. Clinical Psychology Review, 21,
705–734.
Bonanno, G. A., Wortman, C. B., & Nesse, R. M. (2004). Prospective patterns of resilience and
maladjustment during widowhood. Psychology and Aging, 19, 260–271.
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White, M., & Epston, D. (1990). Narrative means to therapeutic ends. New York: Norton.
20
Olhar concentrado
Antonio Sausys
Descrição
Tratak — fixar o olhar — (sânscrito त्राटक — “olhar ou encarar”) é o sexto e
último das Shat-karma (técnicas de purificação) incluídas no antigo Hatha
Yoga Pradipika, destinado a preparar a mente e o corpo para acessar níveis
mais elevados de consciência. O olhar concentrado está incluído no
programa Yoga for Grief Relief (Sausys, 2014), protocolo psicoterapêutico
somático que utiliza técnicas de ioga para abordar os sintomas físicos,
mentais e espirituais do luto em direção ao processo de reidentificação que se
segue a uma perda importante. O programa segue seu próprio ritmo inerente,
uma progressão de etapas para transformar o luto. Primeiro, ele nos ajuda a
nos preparar para estar presentes para toda a gama de nossos sentimentos,
depois promove o fluxo adequado da força vital, criando condições ideais
para a cura. Em seguida, estimula os sentimentos, aprofundando nossa
conexão com nossas emoções, e então fornece uma saída para aqueles que
queremos libertar. A seguir, oferece algum controle sobre a montanha-russa
emocional do luto, para que o equilíbrio possa ser alcançado. Por meio do
relaxamento, segue-se a liberação profunda de estressores internos e
externos, preparando a mente para acessar novas programações. Temos
então um caminho mais direto e desobstruído para a profundidade do nosso
espírito, para redefinir de maneira criativa nossa nova identidade.
Fixar os olhos é útil para ajudar a equilibrar a glândula pineal, que muitas
vezes é intensamente sobrecarregada durante o processo de luto. A insônia
que muitos enlutados experienciam — ou seu oposto, dormir em excesso — é
o resultado de um desequilíbrio na melatonina produzida pela glândula, que
está envolvida no ciclo do sono. Engajar os nervos ópticos é um modo de lidar
com esse desequilíbrio, uma vez que a glândula reage à luz registrada através
desses nervos.
Caso ilustrativo
John, um bombeiro californiano de 41 anos, esteve ativamente envolvido no combate
a incêndios devastadores no condado de Sonoma, os quais tomaram mais de cinco mil
casas particulares e vários outros edifícios em apenas três dias. Nas primeiras horas
do incêndio e enquanto estava de folga, ele tentou escapar das chamas que
ameaçavam sua casa, colocou algum dinheiro e poucos documentos em uma caixa e
saiu correndo de casa em sua van, com sua esposa e o filho de 2 anos. Uma árvore
havia caído em sua rua, então eles saíram da van e saltaram sobre a árvore caída.
Quando ele se virou, viu sua casa e sua van pegando fogo. Ele perdeu tudo o que
possuía. Seus ciclos de sono já estavam prejudicados devido ao seu horário de
trabalho, mas agora ele não conseguia adormecer e, se conseguisse, acordava algumas
horas depois, incapaz de voltar a dormir. Sugeri que ele praticasse o olhar
concentrado meia hora antes de ir para a cama e depois de ter acordado, bem como
nos momentos nos quais acordava no meio da noite. A técnica o auxiliou a estabilizar
seu ciclo de sono. Então sugeri que ele recortasse uma imagem da casa que gostaria de
reconstruir, incluindo o máximo de detalhes que pudesse ao fazer sua escolha. Em
seguida, propus que ele substituísse a imagem recortada para o ponto focal distante, a
fim de combater o pensamento antecipatório negativo que o impedia de pensar que
uma possível nova casa seria tão bonita, espaçosa e aconchegante quanto sua casa
queimada. Para sua surpresa, após algumas práticas, ele quis adicionar mais
detalhes à sua imagem. Sugeri que ele criasse uma colagem na qual não apenas
adicionasse detalhes que pudesse encontrar em revistas, mas também desenhasse
alguns itens e características pessoais que encontrasse ao explorar sua criatividade e
seus desejos sinceros para o futuro. John aceitou a sugestão de pronto e começou
literalmente a imaginar um futuro novo e mais satisfatório, construído com base em
um ciclo de sono mais restaurador.
Considerações finais
A glândula pineal está ativamente envolvida no ciclo do sono humano por
meio da sua produção de melatonina. Como a glândula é fotoativa — ela
reage à presença ou à ausência de fótons ou partículas de luz —, ativar os
nervos ópticos por meio do olhar concentrado pode ser uma ajuda poderosa
para auxiliar os enlutados a lidar com seus padrões de sono alterados. Do
ponto de vista psicoterapêutico somático, desafiar o segmento ocular da
armadura corporal pode resultar em mudanças no modo como encaramos
nossa vida e seu desenvolvimento (Reich, 1949), afetando, portanto, o
pensamento antecipatório negativo que as pessoas em sofrimento com
frequência experienciam. Além disso, a relação da glândula com o chamado
“terceiro olho” na ioga Kundalini (Satyananda, 1996) implica que,
trabalhando nesse centro espiritual, podemos acessar o conhecimento
intuitivo capaz de ajudar os enlutados a compreender a verdadeira
profundidade da impermanência de todas as coisas e o modo como nos
relacionamos com elas.
Referências
Reich, W. (1949). Character analysis. New York: Farrar, Straus, and Giroux.
Satyananda, S. (1996). Asana pranayama mudra bandha. Bihar, India: Yoga Publications Trust.
Sausys, A. (2014). Yoga for grief relief: Simple practices for transforming your grieving mind and body.
Oakland, CA: New Harbinger Publications.
21
Dança e movimento para o
autocuidado do terapeuta
Sara Gody Jackson Bybee
Descrição
As terapias de dança tiveram início nos Estados Unidos quando a American
Dance Therapy Association (ADTA) foi formada, em 1966, sob a liderança de
Marian Chace. No St. Elizabeth’s Hospital, em Washington, ela trabalhou
com veteranos de guerra que estavam sofrendo de “neuroses de guerra” — ou,
provavelmente, o que agora identificamos como transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT). Ela pretendia espelhar o movimento de seus pacientes,
com o objetivo de compreender o que seus gestos poderiam simbolizar. O
método que ela desenvolveu começou com um grupo em pé disposto em um
círculo: cada pessoa se revezava na condução de um movimento improvisado
enquanto o resto do grupo espelhava essa ação. Desde o desenvolvimento
desse método inicial, a dança e o movimento têm sido utilizados para auxiliar
pessoas de uma ampla variedade de origens com necessidades diversas.
A dança movimento terapia (DMT)[NT] é definida pela American Dance
Therapy Association como “o uso psicoterapêutico do movimento para
promover a integração emocional, cognitiva, física e social do indivíduo”
(ADTA, 2015).[NT] O movimento corporal ajuda os indivíduos a expressar
seus pensamentos e seus sentimentos utilizando uma base criativa. Às vezes,
pensamentos e sentimentos muito difíceis de descrever em palavras podem
ser acessados e retratados de maneira mais adequada por meio de um
movimento ou de uma série de movimentos. Coisas que talvez não estejam
presentes na consciência podem, de fato, ser reveladas através do
movimento. Como afirma Penfield (1992, p. 162), em seu capítulo sobre o
uso da DMT, “o movimento dá acesso direto ao inconsciente”.
Embora a estrutura seja importante no processo terapêutico, muita
estrutura (p, ex., por meio de exercícios impostos) pode produzir movimento
ou comportamento mecânico em vez de ajudar os clientes em sua jornada de
descoberta (Payne, 1992). A DMT pode ser utilizada de modo individual, em
grupo ou com famílias. Um contexto grupal pode incentivar conexões
significativas com os outros e servir de apoio emocional. Ouvir música no
grupo pode promover um senso de unidade grupal e também facilitar a
invocação de uma memória (Payne, 1992). Para os indivíduos que buscam o
movimento como meio de autocuidado, criar um movimento ou uma série de
movimentos que possam iluminar um pensamento ou um sentimento pode
ser útil para compreender melhor seus conflitos internos. O movimento
criado no formato de terapia de dança não costuma ser apresentado ao
público. Os movimentos que surgem de interações espontâneas em geral não
podem ser replicados. No entanto, se um indivíduo está criando movimentos
para se expressar, esses movimentos podem ser replicados. Compartilhar
essa criação com os outros costuma ser catártico e auxiliar o sujeito a não se
sentir tão sozinho em sua experiência.
Pesquisas demonstraram a eficácia da dança e do movimento para
indivíduos com deficiências de desenvolvimento, médicas, sociais, físicas e
psicológicas. Em uma metanálise de estudos usando dança e movimento
como modalidade terapêutica, demonstrou-se que a dança e o movimento
são intervenções baseadas em evidências eficazes para as seguintes
populações ou distúrbios: jovens em situação de risco, autismo em crianças e
adultos, câncer de mama, fibrose cística, depressão, demência, transtornos
alimentares, idosos, fibromialgia, doença de Parkinson, artrite reumatoide,
esquizofrenia, transtorno somatoforme e estresse (Koch, Kunz, Lykou, &
Cruz, 2014). Além disso, a DMT tem sido considerada “de grande ajuda para
a superação das dificuldades que cercam aqueles que estão chegando ao fim
de sua vida e encarando a iminência da morte” (Payne, 1992, p. 14). Como o
luto, a perda e os tópicos relacionados ao fim da vida são muitas vezes
abordados pelos clínicos, e explorar os próprios sentimentos sobre a morte
por meio do movimento pode ser uma atividade maravilhosa de autocuidado.
Caso ilustrativo
O trabalho com crianças que sofreram algum tipo de trauma, incluindo abuso físico e
sexual, é com frequência associado a traumas indiretos e rápido burnout. Após ouvir
inúmeras histórias de meus clientes sobre violência sexual na infância, comecei a
sentir que toda história que eu escutava era a mesma. Cresceu meu desgosto e meu
ódio por irmãos, primos, tios, pais e até mães que abusaram sexualmente de seus
entes queridos. Sabia que, para poder continuar esse trabalho, precisava encontrar
um modo de expressar meus sentimentos sobre o que estava vendo e ouvindo. A dança
sempre foi uma forma de eu me expressar com criatividade e improvisação, então
pensei em tentar.
Primeiro, sentei e refleti sobre as palavras que me vêm quando penso em abuso
sexual na infância. Também refleti sobre as palavras-chave que alguns dos meus
clientes de terapia utilizavam ao falar sobre seu abuso e anotei-as. Minha lista
incluía: “enojado”, “assustado”, “envergonhado”, “constrangido”, “furioso”,
“triste”, “intrusivo”, “pesadelos” e “flashbacks”. Então, pensei sobre a progressão do
tratamento do cliente ao lidar com a violência sexual e os sentimentos que surgem à
medida que ele assimila o que lhe aconteceu. Escrevi: “guerreiro”, “força”, “forte”,
“invencível”, “determinado” e “poderoso”. A partir dessas listas de palavras, criei
pequenos movimentos. Para o medo, virar o rosto para olhar por cima do ombro;
para a vergonha, enrolar-me em uma bola e balançar para frente e para trás. Eu
acabei combinando os movimentos para fazer uma sequência. Utilizei o progresso que
notei na terapia como uma espécie de enredo para guiar a coreografia. Decidi começar
com a garota assustada e envergonhada que tem pensamentos e pesadelos intrusivos,
por fim transformando seu movimento no de uma guerreira forte e poderosa. Embora
eu fosse a terapeuta de muitas dessas garotas — e, portanto, soubesse que elas
melhoraram e ficaram mais fortes do que quando o abuso começou —, de alguma
forma, dançar a história em vez de apenas ouvi-la era muito mais potente. Consegui
direcionar para o meu movimento a minha raiva contra os perpetradores, e isso me
ajudou a não carregar mais esse peso comigo. O guerreiro que surgiu não era apenas
aquele dentro de meus clientes, que estavam mais fortes e mais sábios do que antes;
surgiu também a guerreira dentro de uma terapeuta que enfrentou a jornada com
eles.
Considerações finais
A dança tem sido utilizada há décadas como intervenção terapêutica, sendo
eficaz com clientes de todas as idades e com problemas diversos. Ela pode ser
usada não apenas por clientes mas também por clínicos como expressão
artística individual. A dança é uma ferramenta poderosa que pode auxiliar os
clínicos a contar suas histórias e a dar significado a elas. Embora a DMT
possa ser praticada somente por um terapeuta de movimento de dança
certificado, incentivo os profissionais a abrirem suas mentes para a ideia de
que a dança pode ser benéfica como meio de autocuidado. Considere um
pequeno exercício no qual você cria um movimento que incorpore o que está
sentindo, em vez de descrevê-lo em palavras. Talvez considere tocar uma
música que seja significativa para o desafio atual e veja se algum movimento
é provocado. Como a ADTA afirma de forma pungente: “Se a questão é a
vontade de viver, a busca de significado ou de motilidade, ou a capacidade de
sentir amor pela vida, os terapeutas de dança e movimento mobilizam
recursos a partir do lugar interno no qual corpo e mente são um só” (ADTA,
2015).
Referências
American Dance Therapy Association. (2015). ADTA informational brochure. Retrieved from https://adt
a.org/
Koch, S., Kunz, T., Lykou, S., & Cruz, R. (2014). Effects of dance movement therapy and dance on
health-related psychological outcomes: A meta-analysis. The Arts in Psychotherapy, 41, 46–64.
Retrieved from www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0197455613001676
Payne, H. (Ed.). (1992). Dance movement therapy: Theory and practice. London: Brunner Routledge.
Penfield, K. (1992). Individual movement psychotherapy: Dance movement therapy in private
practice. In H. Payne (Ed.), Dance movement therapy: Theory and practice (pp. 163–181). London:
Brunner-Routledge.
Descrição
Enright e Fitzgibbons (2000) definem o perdão como deixar para trás o
ressentimento em relação a um malfeitor. Em sua abordagem, é oferecido ao
ofensor um “dom moral” de compaixão, generosidade ou beneficência não
merecidas. Esse modelo clássico de processo de perdão tem quatro fases. A
fase de “descoberta” convida o indivíduo ferido a expressar sentimentos
válidos e naturais advindos da experiência. Na primeira fase, é dada atenção
ao desenvolvimento de insights sobre o impacto e a extensão da lesão. Assim,
o trabalho flui para a fase de “decisão” da terapia, que busca ajudar o cliente a
definir de maneira clara o significado do perdão (inclusive o que não se
entende por perdão). Com conhecimento e compreensão, o cliente torna-se
mais capaz de considerar a possibilidade de perdão. Isso conduz à fase de
“trabalho”, na qual o cliente reformula a experiência por meio de insights
suficientes ou da compreensão cognitiva do ofensor. Ter compreensão ampla
do contexto de vida do ofensor (p. ex., histórico pessoal, traumas ou
problemas de saúde mental) cria as condições para que o cliente ofereça um
“dom moral” como culminância dessa fase de trabalho. A fase final da terapia
do perdão — “aprofundamento” — entrelaça temas existenciais à terapia. Os
temas podem incluir insights sobre o mistério e o significado do sofrimento,
propósito de vida renovado, conexão mais profunda com os outros e afeto
negativo diminuído (Enright & Fitzgibbons, 2000). Um dos benefícios do
modelo de processo de quatro estágios é que ele permite que o cliente ofereça
perdão independentemente da presença ou da disponibilidade do ofensor.
Esse modelo terapêutico tradicional pode ser enriquecido quando se
encara o perdão através de uma lente feminista (McKay, Hill, Freedman, &
Enright, 2007). Uma perspectiva feminista considera as posições sociais da
cliente, as mensagens influentes do papel de gênero em relação à raiva e ao
perdão, e as diferenças de poder entre cliente e ofensor. Ela introduz a
importância da colaboração na relação terapêutica e a utilização de
linguagem imparcial e não patologizante, além de explorar fontes de escolha
e empoderamento para a cliente (McKay et al., 2007). Também examina as
pressões socioculturais (p. ex., patriarcado) que impactaram o ofensor e
resultaram em vulnerabilidade a problemas de saúde mental e na
predisposição ao mau uso do poder.
Caso ilustrativo
Ling é uma mulher de 23 anos que recentemente deixou sua cidade natal para dar
início a uma carreira. Ela buscou aconselhamento para lidar com intensos
sentimentos de vergonha, ressentimento e tristeza em relação à sua mãe. A
negligência, as duras críticas e as explosões de raiva de sua mãe incluíam proibir Ling
de utilizar água quente para qualquer finalidade, como beber ou tomar banho. Os
problemas de saúde mental de sua mãe acabaram levando à perda de um emprego em
uma empresa de design têxtil. Ling disse que estava envergonhada de sua mãe, assim
como de suas respostas à mãe, que incluíam insultos, discussões e brigas físicas.
Durante uma briga, Ling entrou em contato com a polícia, que acompanhou sua mãe
ao hospital, onde ela foi diagnosticada com esquizofrenia paranoide. Após a alta
hospitalar, a mãe de Ling morou na rua, insistindo que era “para o bem da família”.
Nosso trabalho de aconselhamento durou um ano, com foco na resolução do que
Courtois (2004) descreve como “trauma complexo”. Ling também exibia sinais de
“tristeza contínua” (Roos, 2002) e falava sobre se sentir impotente e pessimista
quanto à possibilidade de mudanças positivas. Ela lamentava a longínqua
desconexão com sua mãe e o fato de não ser capaz de compartilhar marcos de sua vida
com ela. Além disso, lastimava não poder cuidar da mãe à medida que ela envelhecia.
No entanto, enquanto trabalhávamos nas três primeiras fases da terapia do perdão,
Ling foi capaz de se perdoar e tomar a decisão de perdoar sua mãe.
Então, a mãe de Ling morreu de modo repentino, e ela interrompeu o
aconselhamento por um mês para tratar dos assuntos familiares. Ela voltou
determinada a continuar o processo de perdão; como parte da “fase de trabalho”,
apresentei a Ling o conceito de “dom moral”. A ideia cativou-a, mas ela pediu que a
expressão “dom moral” fosse substituída por “dom do coração”, que refletia melhor as
esperanças de Ling — para ela, a expressão “dom moral” se parecia muito com uma
“obrigação de filha chinesa”.
Adotando uma postura compassiva e curiosa, convidei Ling a descrever o que ela
sabia sobre a infância de sua mãe. Ela me disse, entre lágrimas, que acabara de
conhecer novos detalhes com a família extensa que compareceu ao funeral. A mãe de
Ling havia sido abusada por seus próprios pais, que se sentiram humilhados por ela
ter nascido menina. Eles costumavam fazer uso de água escaldante para impor
obediência e disciplina. Como resultado, a mãe de Ling se tornou uma criança
assustada e retraída. Sua busca por educação e casamento tornou-se seu caminho
para a liberdade.
Validei a abertura e a coragem de Ling ao saber da terrível infância de sua mãe.
Discutimos como sua mãe devia ter se sentido presa vivendo em uma casa na qual os
pais exerciam seu poder e a tiranizavam. Validei a tristeza de Ling pelo passado
traumático de sua mãe e reconheci o desejo dela de manter seu coração aberto
enquanto ponderava sobre as escolhas adultas da mãe. Eu considerava em voz alta
como os “sintomas” da paranoia de sua mãe poderiam ser entendidos como uma
estratégia de proteção. Os olhos de Ling se encheram de lágrimas quando ela
compartilhou a percepção de que o medo e as proibições extremas de sua mãe em
relação à água quente eram uma forma de proteger — ao mesmo tempo — tanto seu
“eu infantil” quanto Ling de danos. A eventual decisão de sua mãe de viver na rua
pode ter sido um gesto de autossacrifício que permitiu que a família — e Ling —
vivesse com mais liberdade. A respiração de Ling relaxava conforme ela reconhecia
uma empatia e um respeito crescentes por sua mãe. Ela entendeu que os
comportamentos de sua mãe não deveriam ser desculpados ou esquecidos, mas
situados em um contexto.
Quando nossas sessões terminaram, convidei Ling a dar um feedback sobre sua
visão em expansão de sua mãe. Ela produziu uma colcha com tecidos originalmente
desenhados por sua mãe. Após sua mãe escolher morar na rua, Ling costurou os
retalhos de tecido e levou a colcha para ela se aquecer. Algum tempo mais tarde, após
Ling a localizar em um beco de Chinatown, sua mãe tirou a colcha de um carrinho de
supermercado enferrujado e disse com um sorriso desdentado: “Olha, Ling Ling, eu
não estava certa em lhe dar seu nome? Você é uma filha de compreensão e compaixão.
Então não discuta com sua mãe desta vez”. Ling suspirou com lágrimas de alívio:
“Compreensão e compaixão são os dons do meu coração para a minha mãe. Não tem
discussão”.
Considerações finais
Como abordagem terapêutica, o perdão tem benefícios potenciais, mas os
estudiosos ressaltam a necessidade de terapeutas e clientes identificarem e
entenderem com clareza o que se entende por perdão (Enright & Fitzgibbons,
2000; Freedman & Zarifkar, 2016). A oferta de um “dom moral” pode ser
ampliada por uma perspectiva feminista. Essa abordagem analisa posições
sociais relevantes do cliente, como gênero, classe, afiliação espiritual ou
religiosa, orientação sexual e etnia. Além disso, apoia um processo
terapêutico que considera fontes de poder, vitimização, opressão e
marginalização para o cliente. Os esforços para identificar e reestruturar
princípios e métodos tendenciosos são cruciais. Outras pesquisas empíricas
precisam examinar a integração de princípios feministas com modelos de
terapia de perdão para empoderar as clientes (McKay et al., 2007).
Durante o processo de aconselhamento, precisamos garantir que o perdão
seja uma opção de cura, e não uma obrigação associada ao
desempoderamento.
Referências
Courtois, C. (2004). Complex trauma, complex reactions: Assessment and treatment. Psychotherapy:
Theory, Research, Practice, and Training, 41, 412–425. doi:10.1037/0033-3204.41.4.412
Enright, R., & Fitzgibbons, R. (2000). Helping clients forgive: An empirical guide for resolving anger and
restoring hope. Washington, DC: American Psychological Association.
Freedman, S., & Zarifkar. (2016). The psychology of interpersonal forgiveness and guidelines for for-
giveness therapy: What therapists need to know to help their clients forgive. Spirituality in Clinical
Practice, 3(1), 45–58. doi:10.1037/scp0000087
McKay, K., Hill, M., Freedman, S., & Enright, R. (2007). Towards a feminist empowerment model of
forgiveness therapy. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 44(1), 14–29.
Roos, S. (2002). Chronic sorrow: A living loss. New York: Brunner-Routledge.
23
Escrevendo uma carta de
condolências
Lisa L. Clark e Jessica Sawyer
Descrição
Duas emoções são consistentemente desencadeadas quando se testemunha o
sofrimento do outro: preocupação empática e contágio emocional (Decety &
Cowell, 2014). A preocupação empática é a emoção da qual emerge o desejo
de fornecer apoio compassivo a familiares, amigos ou colegas de trabalho
enlutados. É uma emoção “focada no outro”, produzida quando se
testemunha o sofrimento do outro, envolvendo sentimentos como simpatia,
compaixão e ternura. Em contraste, o contágio emocional ocorre quando o
desconforto pessoal é experienciado por meio da observação do sofrimento
de alguém, motivando comportamentos egoístas como evitar um indivíduo
enlutado e fazer comentários que confortam mais quem os dá do que o
próprio enlutado. Se uma pessoa for competente em expressar palavras de
apoio, quando ela é confrontada com o luto de alguém, é mais provável que a
preocupação empática seja desencadeada do que o contágio emocional.
A teoria dos vínculos contínuos define o luto como processo de
reconfiguração do relacionamento com um ente querido falecido, de modo
que haja um vínculo contínuo que perdurará durante a vida da pessoa
enlutada (Klass & Steffen, 2017). Contribuir com memórias que conectem o
falecido ao enlutado por meio de expressões de condolências escritas com
compaixão pode apoiar e fortalecer a construção de um vínculo contínuo.
Além disso, aprender e praticar habilidades eficazes de comunicação
empática pode resultar na melhoria percebida e real da competência em
comunicação empática (Winefield & Chur-Hansen, 2000; Yedidia et al.,
2003).
O exercício de escrita de uma carta de condolências pode ser utilizado em
contexto individual ou grupal. Um cartão que esteja em branco por dentro e
que talvez tenha uma foto ou uma obra de arte significativa na capa deve ser
escolhido por cada participante. A mensagem deve ser manuscrita,
expressada com honestidade e transparência, em palavras que sejam
autênticas para quem escreve. Sete componentes devem ser considerados no
corpo da carta:
1. Reconheça a morte evitando eufemismos e refira-se à pessoa falecida pelo nome. O
escritor está transmitindo coragem para enfrentar a perda e o luto junto à
pessoa enlutada.
2. Expresse sincera empatia. Não recorra a consolos clichês.
3. Divida qualidades ou traços especiais que caracterizaram a pessoa falecida. Se
essa pessoa não era conhecida por quem escreve a carta, qualidades ou
traços dela compartilhados pelo indivíduo enlutado ou por outros que a
conheciam podem ser incorporados à carta. Caso o escritor não tenha
informações pessoais sobre a pessoa falecida, a mensagem pode
reconhecer e validar o significado e a importância dessa pessoa para o
indivíduo enlutado.
4. Compartilhe uma memória favorita da pessoa falecida. Uma descrição
detalhada de um momento compartilhado com o ente querido valida o
sofrimento da pessoa enlutada ao reforçar a importância da vida que
acabou, não apenas para o destinatário da carta mas também para quem a
escreve. Comunique as emoções sentidas no momento em que a memória
foi criada, bem como as experimentadas ao lembrá-la. Se o destinatário
da carta desconhecia a memória compartilhada, o presente de uma nova
memória é dado a ele. Uma mãe enlutada disse: “Não consigo criar novas
memórias com meu filho. Contudo, quando você compartilha uma
memória que você tem com meu filho, cria uma nova memória para mim”.
5. Lembre a pessoa enlutada dos pontos fortes e das qualidades especiais de seu ente
querido. Comunicar pontos fortes e qualidades é um lembrete para a
pessoa de luto dos recursos pessoais que podem ser convocados para lidar
com a perda.
6. Ofereça-se para ajudar de maneira específica. Assumir a responsabilidade de
determinar uma ação de apoio específica para oferecer a alguém em luto
expressa altruísmo genuíno e sincero, em vez de uma vaga oferta de
ajuda.
7. Encerre com uma esperança, um desejo ou uma expressão de empatia
cuidadosamente pensada(o).
Caso ilustrativo
Solicitaram que eu fizesse uma apresentação para a equipe de um grande hospital
infantil de câncer sobre como agir e o que dizer em momentos de tristeza. A equipe do
hospital é frequentemente confrontada com mortes de pacientes atuais ou antigos e
sentem angústia quando não sabem ao certo como se comunicar de maneira
adequada com uma família enlutada. O objetivo da apresentação era oferecer à
equipe ferramentas para capacitá-la a expressar condolências com compaixão.
A apresentação de uma hora foi divulgada como “Almoço e aprendizagem” por e-
mail a toda a instituição. Os participantes foram solicitados a se inscrever para o
evento e convidados a levar seus próprios almoços. Aproximadamente 80
funcionários de vários departamentos da instituição participaram. Ao entrar na
sala, os participantes receberam um cartão e uma caneta. Uma apresentação em
PowerPoint foi utilizada durante uma discussão sobre as razões pelas quais pode ser
difícil expressar condolências, que incluem a necessidade de “consertar” o luto do
outro, o medo de perturbar a pessoa enlutada mencionando sua perda, seus
sentimentos de vulnerabilidade quando vemos o luto de alguém e nossos sentimentos
de desconforto quando vemos outra pessoa sofrendo. A discussão também explanou o
objetivo de expressar condolências e forneceu exemplos de coisas apropriadas e
inapropriadas para se dizer e fazer. A seção final da apresentação focou a escrita de
uma carta de condolências. Os sete componentes de uma carta de condolências foram
explicados, tendo sido fornecidos exemplos de cada um deles. Então, os participantes
foram convidados a participar de um exercício de escrita de cartas.
Eles receberam as seguintes instruções: “Agora vamos fazer um breve exercício
para praticar a escrita de uma carta de condolências. Pense ou imagine alguém que
você conhece que tenha sofrido uma perda. Não se preocupe há quanto tempo essa
perda aconteceu. Gostaria que você escrevesse uma carta de condolências para essa
pessoa utilizando os sete componentes apresentados. Um slide com os sete
componentes discutidos será exibido ao longo do exercício para você utilizá-los como
referência. Você terá aproximadamente 10 a 12 minutos para finalizar sua carta”.
Após os participantes terminarem suas cartas de condolências, processamos a
experiência com o grupo por meio de uma série de perguntas. Como foi essa
experiência para vocês? Que emoções vocês sentiram enquanto escreviam sua carta? O
que vocês sentiram quando se lembraram e compartilharam uma memória da pessoa
falecida? Houve algum componente da carta que vocês tiveram dificuldade para
escrever? Vários participantes ficaram profundamente comovidos com a experiência e
relataram sentir alívio por terem sido capazes de expressar suas emoções em sua
escrita. Convidei voluntários para ler suas cartas para o grupo, e vários participantes
se apresentaram para fazê-lo. Após cada carta lida, agradeci à pessoa que a escrevera
e, em seguida, fiz as seguintes perguntas ao grupo: há algum pensamento que vocês
gostariam de compartilhar com (o leitor) depois de ter ouvido a carta? Que parte
específica dessa carta os impactou?
Jessie, uma jovem mãe que era ela própria sobrevivente de uma doença que
implicava risco de vida, escreveu:
Querida Jane,
Minhas mais profundas condolências a você, à sua família e a todos que
amam Emily. Ela faz muita falta e será para sempre uma luz linda nas nossas
vidas.
Nunca vou me esquecer da primeira vez que ela visitou minha casa com você,
naquela noite de verão. Havia uma pequena mariposa que voou para a cozinha e
ficou presa pela janela. Lembro-me de como perseguimos aquele inseto por toda a
casa, rindo enquanto Emily e eu tentávamos salvá-lo do gato. Ainda consigo ver o
sorriso lindo de Emily quando ela o soltou no quintal, dizendo que agora ele
estava livre para voar para casa. Pensarei nela sempre que enxergar uma
mariposa, pensarei em como seu sorriso iluminou a noite enquanto o inseto voava
para fora da xícara que ela segurava.
Gostaria muito de lhe oferecer um café em breve, para dividir com você suas
lágrimas, sua força e mais histórias. Mantenho você em meus pensamentos
diários.
Sempre com amor, Jessie
Refletindo sobre o exercício mais tarde, Jessie observou:
Considerações finais
Quando as pessoas se sentem capacitadas para escrever cartas de
condolências pessoalmente significativas aos enlutados, elas são mais
capazes tanto de evitar a sensação de serem sobrecarregadas pelo contágio
emocional quanto de se aproximar da dor do outro em uma expressão
genuína de preocupação empática. Essa ação simples, mas sincera, pode
fortalecer os laços do enlutado não apenas com a pessoa falecida mas
também com representantes vivos de uma comunidade compassiva. Ao
mesmo tempo, ela reforça a capacidade de comunicação afetuosa dos que
oferecem apoio e, às vezes, proporciona a eles o benefício oculto de honrar as
suas próprias perdas, incluindo aquelas compartilhadas com os enlutados. ▲
Referências
Decety, J., & Cowell, J. M. (2014). Friends or foes: Is empathy necessary for moral behavior? Perspectives
on Psychological Sciences, 9(5), 525–537.
Klass, D., & Steffen, E. (Eds.). (2017). Continuing bonds in bereavement. New York: Routledge.
Winefield, H. R., & Chur-Hansen, A. (2000). Evaluating the outcome of communication skill teaching
for entry-level medical students: Does knowledge of empathy increase? Medical Education, 34, 90–
94.
Yedidia, M. J., Gillespie, C. C., Kachur, E., Schwartz, M. D., Ockene, J., Chepaitis, A. E., . . . Lipkin, M.
(2003). Effect of communication training on medical student performance. Journal of the American
Medical Association, 290, 1157–1165.
24
Análise temática
Judy Chew
Descrição
A análise temática baseia-se na premissa de que os seres humanos buscam e
querem dar sentido à vida (van Manen, 1990). Tal análise é comumente
associada à pesquisa qualitativa que examina a experiência vivida no
cotidiano. Escrever de maneira expressiva e colocar experiências em palavras
pode auxiliar aquele que escreve a superar a dor traumática ou privada
(Pennebaker & Smyth, 2016). Com isso em mente, é possível que o leitor
dessas expressões escritas obtenha benefícios de cura. A análise temática
pode ser adaptada para o trabalho psicoterapêutico com pessoas que estão
em luto. As seguintes diretrizes e perguntas são oferecidas para a promoção
desse esforço terapêutico:
Leia e releia o diário na íntegra, para se familiarizar com seu conteúdo,
tendo em mente as perguntas “O que está acontecendo aqui que é
significativo?” e “ “De que trata o quadro geral?”.
Procure aspectos significativos e interessantes, como certas emoções,
escolhas ou relacionamentos. Algumas perguntas norteadoras incluem:
“Isso é um exemplo de quê?”, “O que parece estar acontecendo aqui?”, “O
que está sendo transmitido?”. Post-its coloridos podem ser colocados nas
páginas do diário ou em um mural para capturar uma frase ou algumas
palavras relevantes.
Envolva-se em uma revisão e uma reflexão mais profundas das
informações selecionadas para identificar temas abrangentes ou mais
amplos. Fichas, mapas mentais ou tabelas podem ser utilizados como
recursos visuais para criar uma lista de temas potenciais. De que trata
cada tema? Reflita sobre a importância dos achados. Identifique
quaisquer contradições, discrepâncias ou questões.
Revise os temas para explorar a relação entre eles. Descreva cada um em
algumas frases. Quais são os padrões e as relações que surgem dessa
revisão? A relação entre os temas reflete uma narrativa ou um enredo
geral? Há alguma surpresa ou contradição? Detalhe o enredo.
A partir de uma perspectiva construtivista, os indivíduos enlutados “se
empenham para organizar os eventos da vida de acordo com ideias
pessoalmente significativas, para que possam entender, antecipar e, até certo
ponto, controlar seu mundo” (Neimeyer, Laurie, Mehta, Hardison, & Currier,
2008, p. 30). As diretrizes para a análise temática e as perguntas de
acompanhamento permitem uma postura terapêutica de antecipação e
descoberta. Os registros do próprio cliente sobre suas respostas pessoais ao
longo dessa análise temática podem ser valiosos na conversa terapêutica. O
estudo de caso que se segue captura essa aplicação da análise temática.
Caso ilustrativo
Um estudante de pós-graduação chamado Eduardo procurou aconselhamento para
lidar com a “angústia moral” que relatou após a morte “complicada” de seu pai
biológico (Geraldo) dois anos antes. Os problemas de saúde mental e os adicções de
Geraldo separaram o pai do filho quando Eduardo era criança. Apenas um ano antes
de ser diagnosticado com câncer terminal Geraldo fez sua transição de homem para
mulher (Geraldine). Eduardo visitou brevemente Geraldine antes de ela morrer, e
depois do que ele descreveu como um “doloroso reencontro e despedida”, começou a ler
seu diário, dado a ele como “presente de despedida”. Geraldine incentivou-o a lê-lo
“apenas se e quando (ele) se sentisse pronto”.
Após o funeral, Eduardo tinha certeza de que a morte de Geraldine teria pouco ou
nenhum impacto sobre ele. Ele disse que “perdera a esperança de ter um pai há muito
tempo”. No entanto, Eduardo começou a ler o diário e, quando o fez, “ondas de
emoções confusas” o levaram a procurar aconselhamento. Ele queria “dar sentido” ao
que estava acontecendo dentro de si mesmo.
Trabalhando a partir de uma perspectiva construtivista, estabeleci uma aliança
de trabalho de respeito e empatia enquanto convidava a uma abordagem
colaborativa para a descoberta de significado pelo cliente (Neimeyer, 2009). Validei a
busca de Eduardo por compreensão e paz de espírito e o encorajei a confiar na
trajetória de sua experiência de vida. Também reconheci a oportunidade
representada por sua busca por clareza.
Nosso trabalho inicial se concentrou nos anos em que Eduardo não se importava
com o fato de ter sido “abandonado e deixado para trás” por seu pai. Para sua
surpresa, após passar uma semana com o diário de Geraldine, Eduardo relatou uma
onda de tristeza. Ele disse que estava confuso, incapaz de compreender ou aceitar
moralmente a decisão de seu pai de fazer a transição. Além disso, se perguntava se seu
pai encontrara paz, tanto nesta vida quanto na “vida após a morte”. Eduardo
expressou o desejo de se familiarizar com essa “nova pessoa”, com o objetivo de dar
algum sentido à morte de um progenitor que já não era mais seu pai. No entanto, esse
mesmo desejo era acompanhado pelo medo. Eduardo disse que temia que essa
exploração pudesse impactar de maneira negativa seu desempenho acadêmico, e
também ameaçar seus valores morais e espirituais. Assegurei a Eduardo meu apoio
em sua busca e o encorajei a ser confiante e acreditar que poderia navegar com
sabedoria, chegando a um lugar em que encontraria significado satisfatório
(Neimeyer, 2009). Validei sua coragem ao visitar Geraldine em seus últimos dias e
disse a ele que estava curioso para saber como decidira ler o diário, dado o quão
“desconcertante e avassalador” ele era. Eduardo admitiu que a Geraldine que ele
estava “conhecendo” por meio das entradas do diário parecia contente com sua vida e
sua espiritualidade. Ela aparentemente aceitou sua morte prematura, e isso o deixou
perplexo e intrigado.
Conforme as sessões prosseguiram, Eduardo disse que estava norteado com o
apoio emocional e a crescente confiança que extraiu de nossa relação de trabalho. Ele
continuou relendo o diário com uma “mente mais aberta”, menos temerosa e crítica a
respeito de Geraldine. Quando ele se perguntou como poderia entender os
pensamentos de Geraldine “de modo mais organizado”, encorajei-o a considerar a
análise temática e ofereci ideias práticas para o processo. Ele voltou com um mural
colorido cheio de temas comoventes. Relatou ter iniciado seu próprio diário para
expressar como os temas recém-descobertos o impactaram. Por meio de minhas
perguntas abertas, ele compartilhou como suas perspectivas morais ou espirituais
estavam mudando. Eduardo também mencionou que um tema importante no diário
era o sentimento de Geraldine de estar a vida inteira no corpo errado — Geraldo
estava “em conflito consigo mesmo e com o mundo”. Claramente, a decisão de abraçar
uma identidade transgênero não foi meramente uma escolha de estilo de vida
(Norwood, 2013). O diário de Geraldine também abordava os temas de dor, culpa e
perda como o pai que deixara Eduardo para trás. A paz recém-descoberta surgia
como um tema à medida que ela fazia a transição e enfrentava o prognóstico do
câncer. Ela foi capaz de amar a si mesma e se sentir completa, transformada
espiritualmente por um Criador amoroso (Reinsmith-Jones, 2013). Eduardo disse-
me, entre lágrimas, que Geraldine também havia expressado “alegria
incomensurável” em seu breve reencontro, e o tema do autoperdão pontuava as
últimas entradas do diário.
Eduardo disse que estava aceitando mais a mudança de gênero de seu pai.
Geraldo/Geraldine foi o mesmo humano ao longo de toda a vida; a transição não
envolveu a substituição de uma pessoa por outra (Norwood, 2013). Enquanto
balançava a cabeça, Eduardo admitiu o mistério daquilo tudo, mas sorriu ao dizer:
“Até nos encontrarmos novamente. Descanse em paz, Geraldine”.
Considerações finais
A morte de um dos pais pode ser uma experiência complexa, e a perda de um
pai ou de uma mãe transgênero pode aumentar o desafio de desenredar
narrativas e construir significado na jornada de luto. Conceitualizações novas
são com frequência necessárias para territórios emocionais não mapeados.
Atravessar um território culturalmente desconhecido requer o
acompanhamento de um terapeuta empático, criativo e que não faça
julgamentos.
A determinação de Eduardo de entender a morte de Geraldine demandou
que ele refletisse sobre as escolhas de vida que ela fez na sua busca por paz
interior. Uma abordagem de análise temática e reflexiva era adequada para
Eduardo, dada sua intensa capacidade contemplativa tanto ao explorar o
diário de Geraldine quanto ao sondar a profundidade e o significado de suas
próprias emoções. Nossas sessões de psicoterapia abriram espaço para
expressão, feedback e validação de sua crescente conscientização. Por meio
desse processo de construção de significado, Eduardo relatou clareza
espiritual gradual e paz psicológica.
A análise temática é adequada para clientes que desejam enriquecer sua
compreensão sobre a pessoa falecida por meio de uma revisão cuidadosa de
diários. Esse método pode ser ampliado de forma efetiva para otimizar sua
aplicação em uma variedade de experiências de luto e situações apresentadas
pelos clientes. Gravações digitais existentes podem ser examinadas para a
identificação de temas relevantes da vida da pessoa falecida. Além disso,
entrevistas com amigos, colegas ou parentes da pessoa falecida podem ser
conduzidas e exploradas com as diretrizes descritas. O devido cuidado deve
ser tomado nas decisões em torno dos exercícios fora da sessão. A sensação
de segurança é um requisito ético. Dessa maneira, esforços devem ser feitos
para minimizar a (re)traumatização. Do mesmo modo, o conteúdo de outras
fontes de materiais relacionados à pessoa falecida, como uma nota de
suicídio ou mensagens de texto, é mais adequado para um trabalho
colaborativo cuidadosamente cronometrado na sessão terapêutica. Para
outros clientes, há benefícios que podem ser obtidos de uma análise temática
de livros ou filmes sobre luto/perda pertinentes a eles, como perda de bebê,
filho, irmão, pai ou cônjuge. O cuidado e o ritmo respeitoso do terapeuta são
cruciais. Recomenda-se um espírito de colaboração e disposição para oferecer
opções adequadas. Em última análise, são nossos clientes que escolhem seu
caminho preferido na busca por construir significado após a perda.
Referências
Neimeyer, R. (2009). Constructivist psychotherapy. New York: Routledge.
Neimeyer, R., Laurie, A., Mehta, T., Hardison, H., & Currier, J. (2008, Spring). Lessons of loss:
Meaning-making in bereaved college students. New Directions for Student Services (121), 27–39.
doi:10.1002/ ss.264
Norwood, K. (2013). Grieving gender: Trans-identities, transition, and ambiguous loss. Communication
Monographs, 80(1), 24–45. doi:10.1080/03637751.2012.739705
Pennebaker, J., & Smyth, J. (2016). Opening up by writing it down (3rd Ed.). New York: Guilford Press.
Reinsmith-Jones, K. (2013). Transsexualism as a model of spiritual transformation: Implications.
Journal of GLBT Family Studies, 9(1), 65–99. doi:10.1080/1550428X.2013.748509
van Manen, M. (1990). Researching lived experience. London: Althouse Press.
PARTE VII
Trabalhando com a emoção
25
Equilibrando cuidado e ousadia
Jakob van Wielink, Leo Wilhelm e Denise van Geelen-Merks
Descrição
Os pais podem se tornar “bases seguras” para seus filhos, expressão que John
Bowlby tomou emprestada de Mary Ainsworth. Quando estão disponíveis,
eles oferecem uma sensação de segurança e acolhimento ao mesmo tempo
em que desafiam os filhos a explorar o mundo por conta própria e a se manter
por si mesmos. Bowlby não limitou sua teoria do apego à relação entre pais e
filhos; ele expandiu seu escopo para a relação entre terapeutas e clientes.
Kohlrieser e colegas (2012) adicionaram um conceito muito relevante para
situações práticas de terapia à ideia de base segura: um equilíbrio entre
“cuidado” e “ousadia”. “Cuidado” aqui diz respeito à sensação de segurança e
de confiança que o terapeuta proporciona, a qual é necessária como base para
“desafiar” os clientes e incentivá-los a dar novos passos e crescer. Um
equilíbrio adequado e uma alternância entre segurança e desafio são
necessários para uma terapia bem-sucedida. Os terapeutas que se
apresentam como bases seguras são capazes de fornecer segurança e
confiança a seus clientes ao mesmo tempo que os desafiam a se desenvolver
ainda mais (Wielink, Wilhelm e van Geelen-Merks, 2020).
Os terapeutas devem fornecer 100% de cuidado, bem como 100% de
ousadia. Um sem o outro resultará em muito acolhimento, mas pouco
progresso (no caso de muito cuidado e pouca ousadia), ou em muita ação,
mas pouca mudança real, e no risco de os limites serem levados longe demais
(no caso de muita ousadia, mas pouco cuidado).
O modelo do processo dual do luto (Stroebe & Schut, 2010) descreve a
oscilação ou o movimento pendular entre estar focado na perda e estar
focado na restauração. Esse modelo ilustra a complexidade de se lidar com a
perda. O lado esquerdo do modelo contém aspectos que têm a ver com estar
ocupado com ou fixado na perda. O lado direito, focado na restauração,
contém aspectos relacionados a assumir coisas novas, seguir em frente,
procurar distrações, etc. O luto é definido como a oscilação do pêndulo entre
as duas orientações. O movimento do pêndulo varia de pessoa para pessoa e
de um momento para o outro. O modelo não expressa julgamento de valor
sobre nenhum dos focos. Pois nenhum é melhor do que o outro. Além disso,
não apresenta soluções e não se restringe a nenhuma situação final desejável.
Caso ilustrativo
Vera sentou-se na sala de espera recolhida em si mesma. Ela era pequena em estatura
e parecia frágil. Foi preciso algum esforço para ela se arrastar até o consultório. Desde
que Vera perdera o emprego devido à falência da empresa, há um ano e meio, ela
passava os dias dormindo e assistindo à TV. Ela se sentia incapaz de se levantar e de
se exercitar, encontrar amigos ou sair para encontrar um novo emprego. “Eu me sinto
deplorável”, ela disse. “Eu trabalhava para a loja de departamentos há séculos.
Comecei como assistente de vendas júnior quando tinha 16 anos, e agora tenho 56.
Trabalhei lá por 40 anos, como parte de vários departamentos, por fim me tornando
líder de equipe. Adorei trabalhar para essa empresa.” As bochechas de Vera coraram e
seus olhos se iluminaram enquanto ela falava sobre a época em que trabalhou na loja.
“Você realmente se divertiu trabalhando lá, não é? Eu posso dizer: você se ilumina
quando fala sobre isso”, observou a terapeuta. Ela pediu a Vera para falar sobre
aquela época, quando as coisas estavam boas. Vera ficou aliviada por ter “permissão”
para se debruçar tão completamente sobre aquele contexto pelo qual ela tanto
ansiava. Ao se alinhar com a cliente dessa forma, a terapeuta criou uma zona de
conforto que ajudou a cliente a sentir que sua perda e sua história haviam sido
aceitas. Vera tendia a ser altamente orientada para a perda em seu enfrentamento,
entendido nos termos do modelo do processo dual. O objetivo da terapia era ajudá-la a
recuperar alguma perspectiva e se abrir para o futuro, mas primeiro a terapeuta foi
capaz de criar uma conexão ao se alinhar com sua cliente. A terapeuta fazia
perguntas de vez em quando, e Vera contou sua história. Ela começou como assistente
de vendas júnior. Foi então transferida para o departamento de moda feminina, no
qual acabou se tornando assistente de vendas sênior e coordenadora. Durante muitos
anos, ela teve o mesmo grupo de colegas de trabalho, com quem costumava dançar
nos sábados à noite. Ela suspirou. Eram bons tempos. “O que havia de tão bom?”, a
terapeuta perguntou. “Era bom viver momentos tão prazerosos juntos. Mas também
estávamos todos envolvidos em criar o visual e a atmosfera da loja. Naquela época,
uma equipe de vendas contribuía muito em relação à organização dos produtos. Nós
éramos a loja, essencialmente. A sensação que eu tinha era essa. Eu ficava orgulhosa
de nossas vitrines, da nossa seleção... Todos nós ficávamos; compartilhávamos esse
sentimento de orgulho.” Vera parou por um momento. Seu olhar ficou distante. “Sim,
eram bons tempos.” “Como é para você pensar naquela época?”, a terapeuta
perguntou. “É bom relembrar essas memórias. Elas são tão claras na minha mente.
Aqueles foram os melhores momentos da minha vida. Muita coisa mudou mais
tarde.” A atmosfera na loja mudou. Os funcionários eram autorizados a contribuir
cada vez menos com a organização dos produtos, e vários colegas de trabalho
deixaram o emprego. “Qual era a sensação?” “Nada boa. Eu ainda me sentia muito
responsável pelo visual do lugar. Sempre me certifiquei de que meu departamento
parecesse impecável, mas muitos dos meus colegas mais jovens não se importavam
com isso. Eles apenas seguiam o protocolo.” “Em quem você buscou força na época?”
“De quem eu tirei força? De ninguém, na verdade. Parecia que ninguém mais se
importava com a aparência e a atmosfera da loja.” “Como você se sente em relação a
isso, olhando para trás agora?” “É inacreditável. A empresa estava indo mal. As
pessoas sentiam que a loja estava ficando cada vez menos atraente. Não entendo por
que a gerência não ouviu mais aqueles de nós que atuavam na loja.” “Então eu estaria
correta em dizer que houve um tempo em que você realmente gostava de trabalhar
para essa organização, mas também um tempo em que as coisas não eram tão boas?”
“Sim, isso é verdade. Ela foi ladeira abaixo por um tempo. De forma perceptível.
Tentei muito manter os padrões dos velhos tempos, mas era impossível.”
Os clientes que se concentraram apenas em uma perda por um longo tempo
podem ter tendência a romantizar o passado. Vera sentia falta sobretudo dos
elementos de que tinha boas lembranças. Ela não prestava atenção no resto. A
terapeuta fez questão de perguntar a ela sobre detalhes “esquecidos” ou
“desagradáveis”, para que a história voltasse a ser completa e mais real. A terapeuta
deixou o foco na perda de lado e tornou-se cada vez mais ousada ao perguntar sobre
detalhes que a cliente estava inclinada a deixar de fora.
Ao contar a história e por meio das perguntas do terapeuta, os clientes aprendem
a reexaminar seu relacionamento com a coisa ou a pessoa que perderam. Eles
exploram tanto as coisas de que sentem falta quanto aquelas que tiveram de
enfrentar.
Vera indicou que sentia falta do contato com seus colegas de trabalho e do orgulho
que sentia pela loja. Para ela, esses eram elementos importantes. Ela não sentia falta
da sensação de ser incompreendida ou do tempo de deslocamento e do horário regular
de trabalho.
A terapeuta ousou perguntar se essa perda havia proporcionado algo para Vera.
Talvez tenha criado lugar para algo que não tinha espaço inicialmente? Vera não
respondeu de imediato, mas na sessão seguinte ela havia encontrado a resposta. Ela
sempre quisera um cachorro, pois amava animais.
A terapeuta então pediu que ela apresentasse ideias de como encontrar
significado na vida no futuro, com base nos elementos de que ela sentia falta e nas
coisas que gostaria de ver modificadas. Após alguma incerteza inicial, Vera passou a
gostar de pensar em novas possibilidades.
Dois anos depois, ela estava trabalhando como voluntária em um abrigo de
animais. Vera havia terminado recentemente um curso para se tornar uma
cuidadora de animais licenciada, então, o abrigo começou a pagar uma pequena
quantia por sua ajuda. Além disso, ela se tornara a orgulhosa tutora de Murphy, um
labrador de pelagem preta.
Considerações finais
Os clientes progredirão em seu próprio ritmo. Às vezes, os terapeutas
precisam de muita resistência para permanecerem presentes e fornecerem
cuidados, especialmente quando a direção que o cliente deve seguir parece
muito óbvia para eles. Pode ser bastante ousado, tanto para o terapeuta
quanto para o cliente, reservar um tempo e esperar que seja liberado espaço
para uma mudança de perspectiva. Tentar forçar as coisas quando o cliente
ainda não está pronto para a mudança pode resultar no oposto: retração. Às
vezes, o único modo de seguir é dando dois passos para frente e três para trás.
Os terapeutas familiarizados com seus próprios movimentos internos e que
são capazes de extrair força de suas próprias bases seguras estão mais bem
equipados para observar e enfrentar esse processo.
Referências
Kohlrieser, G., Goldsworthy, S., & Coombe, D. (2012). Care to dare — unleashing astonishing potential
through secure base leadership. San Francisco: Jossey Bass.
Stroebe, M. S., & Schut, H. (2010). The dual process model of coping with bereavement: A decade on.
Omega, 61(4), 273–289.
Wielink, J. P. J. van, Wilhelm, L., & van Geelen-Merks, D. (2020). Loss, grief and attachment in life
transitions. A clinician’s guide to secure base counselling. London/New York: Routledge.
26
Conversas de externalização
Carolyn Ng
Descrição
Muitas pessoas percebem a morte como um assunto emocionalmente
carregado que inevitavelmente conduz a conversas sérias ou mesmo
mórbidas. No entanto, o uso de conversas de externalização, técnica da
terapia narrativa (White, 2007), pode realmente capacitar as pessoas com
doenças graves a assumir um papel mais proativo em resposta à doença ou
mesmo à sua morte iminente. Essas conversas criam um espaço no qual as
pessoas são convidadas a redefinir sua identidade e/ou sua relação com os
desafios identificados (Carey & Russell, 2004), de modo que possam se
perceber de forma diferente e experimentar suas vidas de forma renovada,
ainda que a doença e sua ameaça perdurem. Às vezes, sobretudo com
adolescentes e jovens adultos, conversas de externalização podem até
transformar assuntos pesados como a morte e o morrer em algo abordado de
forma lúdica e com bom humor, em vez de intimidação e tabu (Ng, 2015).
Para facilitar essas conversas de externalização, convidando pessoas com
doenças severas a enfrentá-las, é possível utilizar a moldura oferecida pela
orientação que segue o acrônimo NETS (“redes” em inglês) — nomear,
elicitar, tomar uma posição, seguir em frente:
1. Nomear o desafio.
À medida que as pessoas com doenças severas compartilham suas
percepções sobre um desafio (p. ex., desesperança resultante de uma
condição terminal) durante a terapia, podemos convidá-las a dar um nome a
esse desafio de maneira que seja adequada para elas e suas experiências.
Também podemos convidá-las a personificar esse desafio identificado —
descrevendo suas características ou seus elementos únicos, por exemplo. Tal
processo de nomeação é importante porque torna suas próprias estratégias,
suas habilidades e suas ideias de resolução de problemas, desenvolvidas ao
longo de suas vidas, prontamente disponíveis e relevantes à medida que
abordam sua situação atual (Carey & Russell, 2004). Aqui estão alguns
exemplos de perguntas:
Se você fosse dar um nome a esse desafio, como você gostaria de chamá-
lo?
Como você escolheu esse nome?
Eu me pergunto quais poderiam ser as histórias por trás desse nome.
Caso ilustrativo
Em uma das minhas conversas com Nas, de 23 anos, portadora de leucemia mieloide
crônica recidivante, ela se descreveu como “uma paciente terminal” e revelou sua luta
contra a ansiedade de morte. Como tais narrações são muitas vezes oportunidades
para conversas de externalização, convidei-a a nomear seu desafio. Ela então o
chamou de “Esmagador”, pois sentia que estava sendo esmagada por dentro, e
chorara ao saber que tinha fibrose pulmonar incurável. Posteriormente, convidei-a,
ainda, a compartilhar como “Esmagador” afetara a ela e à sua vida desde então. No
início, Nas sentiu que havia sido vitimada por “Esmagador”, que a incomodava a
ponto de ela sentir que poderia “não ter vida”. Ela descreveu tal estado em suas
próprias palavras: “Eu fico muito cansada e para baixo, só querendo dormir. Estou
muito letárgica, não gosto de sair ou conversar com os amigos, só quero ficar em casa e
não quero ir para a escola. Não há vida nenhuma... Eu não tenho amigos e me tornei
solitária”.
Enquanto eu ouvia Nas, meu coração se apertava, pois acreditava que ela não
precisava continuar vivendo sob a sombra de “Esmagador”, e duvidava que ela
quisesse passar seus dias restantes dessa maneira. Ao explorar com Nas o quanto ela
gostaria que “Esmagador” continuasse a perturbá-la, ela respondeu: “Não é isso que
eu quero... Estou ficando cansada de dormir e não ter vida. Quero acordar e ter uma
vida, que é algo que eu valorizo mais”. À medida que, de modo gradual, convidei Nas
a refletir sobre como ela vinha respondendo a “Esmagador” e como gostaria de
recuperar uma vida que ela valorizasse mais, ela começou a produzir diferentes
conhecimentos e habilidades para lidar com as visitas de “Esmagador”. Tais
conhecimentos e habilidades incluíam fazer algo ativo, como sair para passear ou
cozinhar sua comida favorita em casa, além de conversar com alguém em quem
confiava e liberar suas lágrimas sem suprimi-las ou ficar parada no “Esmagador”.
Curiosamente, em uma de nossas conversas posteriores, Nas revelou que, por
algum motivo, “Esmagador” não a incomodou por um tempo, desde que tivemos as
conversas de externalização sobre o assunto. Ela considerou isso como “algo
surpreendente”. Embora eu estivesse espantada e curiosa com relação à sua
experiência, convidei Nas a elaborar mais sobre o que poderia ter contribuído para
isso. Ela disse: “Agora eu não me preocupo em pesquisar no Google sobre a fibrose
pulmonar. Apenas vivo como devo viver: trabalhar, estudar e o que quer que seja”. Eu
também explorei com Nas como sua vida tinha sido diferente sem “Esmagador”.
Fiquei animada ao ouvi-la compartilhar que “este período sem ‘Esmagador’ é bom.
Posso comer bem, mas estou engordando”. Ela riu. “Eu me divirto, sorrio na maioria
das vezes, em vez de ser melancólica, e consigo me concentrar mais nos meus estudos.
Agora acordo muito cedo. Minha rotina diária tem sido diferente... O que eu mais
valorizo é a minha vida. Esse é o tipo de vida que eu quero”.
Considerações finais
As conversas de externalização não se concentram apenas nos desafios
vivenciados pelas pessoas mas também podem ser utilizadas para qualidades
internalizadas positivas, como resiliência. Essas conversas abrem espaço
para as pessoas contarem histórias alternativas de suas vidas
multidimensionais, que ampliam suas perspectivas e suas opções de ação
para permitir que mudanças significativas aconteçam. Essas conversas são
especialmente necessárias quando as pessoas são rotuladas como “pacientes
terminais”, e a doença e a ameaça de morte parecem ter se tornado o centro
das atenções em sua vida, em vez de serem apenas um de seus capítulos
(Cincotta, 2004). Em vez de construir superficialmente sua história de vida
como se a doença e a morte fossem as únicas coisas acontecendo nela, com as
conversas de externalização, as pessoas conseguem explorar histórias
alternativas e identidades preferidas que podem ter negligenciado quando
uma doença severa invadiu sua vida, sobretudo se essa doença deixou seus
dias contados. Independentemente do ponto no qual estejam em sua jornada
de vida e de quão gravemente doentes possam estar, muitas vezes as pessoas
continuam querendo viver e experienciar a vida até o último dia. Portanto,
suas ricas histórias de vida continuam a evoluir e merecem ser exploradas e
testemunhadas pelos profissionais de assistência ao seu redor.
Referências
Carey, M., & Russell, S. (2004). Externalizing: Commonly-asked questions. In S. Russell & M. Carey
(Eds.), Narrative therapy: Responding to your questions. Adelaide: Dulwich Centre Publications.
Cincotta, N. (2004). The end of life at the beginning of life: Working with dying children and their
families. In J. Berzoff & P. R. Silverman (Eds.), Living with dying: A handbook for end-of-life healthcare
practitioners (pp. 318–347). New York: Columbia University Press.
Ng, C. (2015). Consulting young people about living with cancer. The International Journal of Narrative
Therapy and Community Work, 2, 51–57.
White, M. (2007). Maps of narrative practice. New York: Norton.
27
O castelo
Riet Fiddelaers-Jaspers
Descrição
Utilizo a metáfora do castelo para ajudar os clientes a examinar as estratégias
de sobrevivência que desenvolveram após uma perda significativa. A história
original, “A porta para o meu coração”, é a minha história e a de minha mãe
(ver Cap. 33). Sempre modifico um pouco a história para que ela toque na
história do meu cliente. Neste capítulo, uso a versão intitulada “A porta para
o seu coração”, escrita para crianças e adolescentes (ver mais adiante neste
capítulo). Prefiro, se possível, sentar no chão ou em uma almofada, assim
como meu cliente, mas uma mesa e cadeiras também servem. À nossa frente
está um castelo feito de madeira, papelão, papel ou plástico. Tenho cartas
com símbolos; peças de Lego ou Playmobil; miniaturas de guardas ou
cavaleiros; um cão de aparência cruel, de três cabeças ou algo semelhante;
um monte de chaves de tamanhos diferentes; e algumas coisas macias ou
pequenas, como penas, um lenço de papel, uma pequena caixa, uma concha
e assim por diante.
Para o exercício do castelo, leia a história em voz alta para o(s) cliente(s).
Após terminar a leitura, aguarde alguns segundos antes de ir adiante, para
dar aos clientes a oportunidade de absorvê-la. Inicie uma conversa fazendo
perguntas. Em grupo, você pode direcionar essas perguntas aos
participantes.
O objetivo é ajudá-los a reconhecer o modo como lidam com a perda,
entender suas estratégias de sobrevivência e entrar em contato com sua dor e
sua vulnerabilidade.
Caso ilustrativo
Duke tinha 9 anos, e seus pais estavam no meio de um divórcio. Mesmo que eles
estivessem se esforçando com afinco para passar pelo processo da maneira mais
pacífica possível, o professor de Duke, John, notou que ele estava se tornando mais
quieto e retraído. Ele também tinha dificuldades para lidar com situações
inesperadas. Um dia, durante o intervalo para o almoço, Duke se envolveu em uma
briga, algo bastante incomum para ele. O professor aconselhou os pais de Duke a
encontrar um terapeuta para ele. Durante o tratamento, o terapeuta utilizou o castelo
porque sabia que Duke amava cavaleiros. “Vamos garantir que o castelo fique
realmente seguro, certo? De quais cavaleiros precisamos para fazer isso?” O terapeuta
estabeleceu contato de maneira lúdica com o castelo fortificado que Duke havia
construído dentro de si por estar muito triste com a mudança de seu pai. Ele colocou
os cavaleiros em fila em frente à porta. Ao longo das ameias, dispôs canhões e
arremessadores de lança. O terapeuta formulou perguntas:
Considerações finais
Combinar o trabalho no castelo com a história “Uma porta para o seu
coração” é uma forma acessível e eficaz de oferecer mais perspectivas sobre
estratégias de sobrevivência. É também um método delicado que analisa
essas estratégias e procura descobrir por que elas são necessárias. O uso das
chaves capacita o cliente a assumir o controle e examinar com cautela sua dor
oculta. O brincar é um elemento muito importante quando se trabalha com
perda traumática (Hughes, 2007). Os primeiros passos são dados para
reconhecer o luto e a dor e falar a respeito deles. Essa é uma excelente
ferramenta para crianças, adolescentes e, muitas vezes, também para
adultos. Ela também pode ser utilizada como um instrumento para explicar
aos adultos como os mecanismos de sobrevivência funcionam em crianças e
adolescentes.
Agradecimentos
Créditos das fotos: Studio Chaos/Riet Fiddelaers-Jaspers.
Agradeço a Gijs Visser (Practice for Young People GO!), que desenvolveu a
técnica do castelo com base na história “A porta para o seu coração”.
Referências
Fiddelaers-Jaspers, R. (2011–4). Met mijn ziel onder de arm (Wandering with a wounded heart; Between
welcoming and saying goodbye). Heeze: In de Wolken.
Fiddelaers-Jaspers, R., & Kinkkelder, R. (2018). De prins en het kasteel (The prince and the castle).
Heeze: In de Wolken.
Fiddelaers-Jaspers, R., & Noten, S. (20154). Herbergen van Verlies (Containing meaningful loss). Heeze: In
de Wolken.
Fiddelaers-Jaspers, R., & Visser, G. (2017, April). Als kinderen muurtjes bouwen (When children build
walls). PraxisBulletin, 34(8), 9–14.
Hughes, D. A. (2007). Attachment-focused family therapy. New York: Norton.
Visser, G., & Fiddelaers-Jaspers, R. (2016, September). Verscholen achter dikke muren (Hidden behind
thick walls). Pedagogiek in Praktijk (PIP), 97, 28–31.
28
Redecisão e reafirmação
Gilbert Fan e Geok Ling Lee
Descrição
Lee (1995) argumentou que todo indivíduo tem os recursos internos para
“deixar para trás” preocupações, lutas e a necessidade de controle, bem como
para trabalhar em prol de um self harmonioso, algo com especial relevância
para os que enfrentam a morte e o luto. Para o povo chinês, isso é coerente
com sua crença cultural em tian-yi, ou seja, aceitar “a vontade do céu ou do
sobrenatural”. Desse modo, deixar ir envolve atribuir significado à
experiência de vida um quadro mais amplo. Já a incapacidade de deixar para
trás pode gerar ansiedade ou manifestações psicossomáticas, como
irritabilidade. Esse conceito decorre de pontos de vista filosóficos orientais
sobre a aflição, emoção negativa causada pelo apego psicológico
desadaptativo (Lee, Fan, & Chan, 2015). Portanto, deixar para trás no
contexto da doença promove a aceitação necessária para adquirir harmonia e
paz interior (Mok, Martinson, & Wong, 2004). Para os enlutados, deixar para
trás ajuda a facilitar o fechamento diante de perdas não resolvidas. Field e
Wogrin (2011) escreveram um estudo de caso sobre uma mulher que, por
meio de muitas cartas, pediu perdão por suas próprias limitações ao seu
falecido pai. Um costume chinês semelhante consiste em escrever em pipas
ou papéis colocados dentro de balões que são lançados ao céu para o falecido
(Chow & Chan, 2006).
A terapia de redecisão ou reafirmação é uma técnica simples que utiliza
papéis coloridos, lápis e envelopes. O objetivo geral é deixar para trás as
experiências negativas aproveitando os recursos internos dos clientes. O
terapeuta pede aos clientes que escolham o papel colorido, o lápis e o
envelope de que mais gostam, e o lápis de cor de que menos gostam. O papel
colorido é então dobrado na forma de um livreto, como ilustrado na Figura
28.1.
Caso ilustrativo
A técnica de redecisão/reafirmação pode ser ilustrada pela seguinte transcrição da
experiência de um cliente, o senhor Chan, que lidou com ressentimentos relativos ao
tratamento severo de seus pais quando era criança, bem como com uma atitude
combativa diante de professores, empregadores e, agora, médicos que o
desapontaram. Com 60 anos e enfrentando um câncer progressivo e incurável, ele se
deu conta de que queria liberar esse legado de raiva e ter mais serenidade em seus
últimos meses ou anos de vida.
SR. CHAN (SC): A raiva está comigo há muito, muito tempo. Não precisa mais
estar. Eu não preciso mais dela para me proteger.
TERAPEUTA (T): Quando a raiva não estiver mais com você, o que gostaria de ter
em maior quantidade para ocupar o lugar dela, para proteger você?
SC: Gostaria de ser capaz de perdoar. Se eu puder perdoar, minha raiva desaparece.
T: Vamos ver. Gostaria que você trouxesse o perdão para esta sala agora. Você pode
fechar seus olhos e entrar em contato com o perdão?
SC: [Pausa.] Sim. Está aqui, tudo certo [falando baixinho].
T: Você pode compartilhar como se sente quando pode perdoar?
SC: É como se eu estivesse flutuando em uma nuvem, movendo-me livremente e
olhando para mim mesmo. Eu me vejo sorrindo, parecendo confortável.
Sentindo-me em paz por dentro.
T: Você consegue manter essa imagem com você quando quiser perdoar?
SC: [Abrindo os olhos.] Sim, consigo.
T: Onde está a raiva agora que você pode perdoar?
SC: Ela só fica lá fora, olhando para mim. Quando eu perdoo, é como se a raiva fosse
um estranho para mim.
O cliente foi instruído a escrever “perdão” na parte restante do papel dobrado, a
ser levado para casa e mantido como um lembrete de que ele tinha esse recurso
interno. Se o Sr. Chan não tivesse sido capaz de resolver algumas questões — por
exemplo, se o perdão fosse o único recurso interno identificado, mas não fosse forte o
suficiente para deslocar a raiva —, ele poderia ter sido solicitado a colocar o papel
dobrado em um envelope e levá-lo para casa para uma reflexão mais aprofundada,
talvez com a orientação de procurar quaisquer outros sentimentos ou estados internos
que parecessem estar presentes quando ele ficava com raiva e, em seguida, começava a
se sentir com ânimo melhor (p. ex., assertividade, redirecionamento de sua atenção,
calma obtida ao ouvir música). Após identificá-los, ele poderia ser instruído a
escrevê-los em pedaços de papel fornecidos para esse fim e adicioná-los ao seu
envelope de recursos para lidar com a raiva no futuro. Nas ocasiões em que seu
ressentimento retornasse, ele poderia tirar os papéis do envelope e considerar como
poderia aproveitar aqueles sentimentos e estados para deixar a raiva para trás,
mantendo a opção de solicitar outra sessão com o terapeuta para receber orientação
ou compartilhar e consolidar seus insights, se isso fosse útil.
Considerações finais
A terapia experiencial de redecisão ou reafirmação é mais adequada para um
ambiente grupal, pois os clientes de um grupo compartilham, aprendem e
crescem uns com os outros. Contudo, deve-se ter cuidado para garantir que
os clientes não sejam coagidos a encontrar ou liberar um sentimento
indesejado, ou a abraçar um desejado, quando não estiverem prontos.
Referências
Chow, A. Y. M., & Chan, C. L. W. (2006). Bereavement care in Hong Kong: Past, present and future. In
C. L. W. Chan & A. Y. M. Chow (Eds.), Death, dying and bereavement: A Hong Kong Chinese experience
(pp. 253–260). Hong Kong: Hong Kong University Press.
Field, N., & Wogrin, C. (2011). The changing bond in therapy for unresolved loss: An attachment
theory perspective. In R. A. Neimeyer, D. L. Harris, H. R. Winokuer, & G. F. Thorton (Eds.), Grief
and bereavement in contemporary society: Bridging research and practice (pp. 37–46). New York:
Routledge.
Lee, G. L., Fan, G. K. T., & Chan, S. W. C. (2015). Validation of Chinese and English versions of the
Holistic Well-being Scale in patients with cancer. Supportive Care in Cancer, 23(12), 3563–3571.
Lee, R. P. L. (1995). Cultural tradition & stress management in modern society: Learning from the
Hong Kong experience. In T. Y. Lim, W. S. Tseng, & E. K. Yeh (Eds.), Chinese societies & mental health
(pp. 40–55). Hong Kong: Oxford University Press.
Mok, E., Martinson, I., & Wong, T. (2004). Individual empowerment among Chinese cancer patients in
Hong Kong. Western Journal of Nursing Research, 26(1), 59–75.
29
Histórias figurativas
Riet Fiddelaers-Jaspers
Descrição
A cisão psicológica é uma resposta natural à perda traumática, seja na forma
da morte de uma pessoa importante, de um divórcio, de um trauma de apego
ou de um trauma na primeira infância, como a negligência infantil (Ruppert,
2011, 2012). Quando um cliente enfrenta uma perda significativa e é incapaz
de lidar com ela, o resultado é um estado de desamparo e impotência.
Dividida pela contradição entre a realidade como era e a realidade como é
agora, toda a personalidade pode inconscientemente se dividir em partes,
com o objetivo de administrar a experiência caótica e assustadora. No
entanto, tais estratégias de sobrevivência têm grande impacto em pessoas
traumatizadas e naquelas com quem elas estão em contato próximo.
A cisão permite que os clientes se dissociem do que está acontecendo aqui
e agora, e os distrai daquilo que está fazendo com que os sentimentos
traumáticos ressurjam. A parte sobrevivente constrói e protege o evento da
cisão para negar e evitar a perda traumática, bem como as memórias
dolorosas e as partes traumatizadas do self que estão associadas a ela (ver Fig.
29.1). No momento em que o trauma ocorre, esse mecanismo de
sobrevivência é um salva-vidas, mas, mais tarde, essas estratégias se tornam
limitantes, perturbadoras e às vezes autodestrutivas.
Caso ilustrativo
Peter tinha 55 anos e era diretor de uma escola de ensino fundamental. Ele estava
procurando ajuda porque havia sido suspenso pelos membros do conselho. Uma
queixa de assédio sexual fora feita contra ele por uma das professoras. Peter, casado e
já avô, havia se apaixonado por essa professora. Após o primeiro incidente, ele
recebeu um aviso, mas, em uma noite posterior, ele buscou contato físico mais uma
vez. Durante a investigação, Peter foi proibido de entrar na escola.
Ele não entendia o que havia acontecido consigo mesmo, pois sempre foi fiel à
esposa e a amava muito. Segundo ele, parecia um transe. Durante as primeiras
sessões, Peter conversou com o terapeuta sobre sua história familiar. Os pais de Peter
eram varejistas que trabalhavam muito; não havia tempo para emoções, carinho ou
conforto. Ele havia herdado a mentalidade do varejista: estar sempre disponível para
os clientes. E assim ele cresceu como um homem amigável e prestativo, nunca dizendo
não.
Como Peter precisava de uma perspectiva geral de sua confusa situação, o
terapeuta utilizou uma versão “toalha de mesa” da Figura 29.1 e uma caixa cheia de
figuras, baús do tesouro e outros materiais e símbolos. Ele pediu que Peter escolhesse
uma figura para sua parte adulta e saudável, capaz de refletir mesmo quando era
doloroso olhar, e que colocasse essa figura na seção correspondente da “toalha de
mesa”.
Em seguida, o terapeuta o convidou a escolher um menino, símbolo do “pequeno
Peter”, e colocá-lo na parte traumatizada. Ele retratou o pequeno Peter sentado, com
os braços estendidos. A figura que ele escolheu para seu pai estava carregando uma
caixa cheia de coisas para a loja, de costas para o pequeno Peter. Peter posicionou a
mãe atrás de um carrinho de compras. A loja sempre vinha em primeiro lugar, e o
pequeno Peter se sentia negligenciado. No entanto, um baú do tesouro foi colocado na
constelação para seus pais; afinal, Peter, como a maioria das crianças, era leal, não
importava o que acontecesse. Ele não conseguia tirar os olhos da cena que organizara,
e seus olhos se encheram de lágrimas. “O que está acontecendo, Peter?” Após algum
tempo, ele disse: “Estou muito emocionado. Ele está tão sozinho... Ninguém está
confortando-o”. Peter teve problemas com o apego. Ele estendeu a mão e seus pais não
reagiram. Ele não sentiu segurança e compaixão, e concluiu: preciso fazer isso
sozinho.
O terapeuta convidou-o para ocupar a seção de sobrevivência com uma figura
simbólica apropriada. Peter escolheu a figura de um médico: “Este sou eu. Sou o
salvador, o homem sempre prestativo e gentil”. Então ele pegou um bloco de madeira
como símbolo da fortaleza impenetrável que fizera de si mesmo. “Por que esse homem
é tão prestativo se ele mesmo anseia por atenção?” Peter pareceu surpreso: “Eu sou
assim”. O terapeuta fez uma conexão com o garotinho que estendia a mão e desejava
ser amado. “Ele não tinha mais nada para dar além de si mesmo.” Ele apontou para
o médico: “Este também está estendendo a mão, mas ele acha que não é bom o
suficiente, então estende a mão cheia. Ele dá para obter atenção e amor, mas ele não
mostra o seu interior. É isso mesmo?”. Peter ficou em silêncio e deu outra longa olhada
na imagem sobre a mesa. O terapeuta ficou calado. O corpo de Peter (olhos,
respiração, tônus muscular) estava orientando a constelação. O terapeuta disse a ele
por que as pessoas desenvolvem partes sobreviventes e como elas as ajudam a
sobreviver quando não há outro jeito. Um garotinho precisa dos seus pais e depende
deles. “Parece-me que os sobreviventes merecem um baú do tesouro, você não acha?”
“O que aconteceu durante a juventude desse homem foi sério, foi prejudicial ao
desenvolvimento do garotinho. Vamos utilizar esse soldado de madeira com as partes
traumatizadas para simbolizar isso?” (Ver Fig. 29.3.) Peter chorou: “Estou mesmo
chorando por algo que aconteceu há 50 anos? Não consigo acreditar, mas ainda assim
fico muito triste”. Antes que a sessão terminasse, ele tirou algumas fotos da posição
das figuras.
Na sessão seguinte, ele disse ao terapeuta que havia pensado muito e, daquela
vez, não compartilhou suas experiências com a esposa e não mostrou as fotos, pois
aquilo ainda era muito frágil. Com a ajuda das fotografias, as figuras foram dispostas
sobre a mesa novamente. O terapeuta disse: “Veja, o pequeno Peter não tinha opções,
mas, à medida que ele envelhece, surgem outras possibilidades. A questão é: o Peter
maduro está fazendo uso dessas possibilidades ou está abandonando o pequeno
Peter?”. Peter ficou visivelmente emocionado, e o terapeuta aguardou um pouco.
Quando Peter tirou os olhos da constelação e fez contato novamente, o terapeuta
perguntou: “Tudo bem você se concentrar na situação que está enfrentando agora? E
vamos fazer isso fora dessa constelação, então a gente manterá uma visão geral. O
Peter maduro nos ajudará”.
O terapeuta tirou a figura de Peter da parte saudável, pedindo-lhe que escolhesse
uma figura para a professora por quem se apaixonara e colocasse essas figuras de
frente uma para a outra, com o objetivo de representar a forma como vivenciara o
relacionamento. Peter permitiu que a figura madura se aproximasse da figura da
professora. O terapeuta perguntou se poderia tentar algo. Ele tirou o pequeno Peter
das partes traumatizadas e o colocou na frente da figura adulta, estendendo os
braços. “Quem ansiava por amor e atenção, esse adulto ou o garotinho? Mais uma
vez, Peter chorou. “E quem está parado aqui? Esta é a colega de trabalho ou é a mãe
do garotinho?” O terapeuta pegou a figura materna e a colocou em frente à da
professora (ver Fig. 29.4). Então o terapeuta precisou esperar, pois muita coisa estava
acontecendo dentro de Peter. Após um tempo, Peter disse: “Estou começando a
entender. Não era meu eu maduro e razoável, mas o menino de 5 anos que queria ser
abraçado e acariciado. Eu não conseguia entender. Normalmente, consigo resistir
com facilidade a uma mulher bonita, mas ela podia me olhar com muita intensidade,
como se visse o meu verdadeiro eu. Ela sempre perguntava se eu estava bem, era legal e
calorosa comigo, com os olhos cheios de amor. Sim, se eu tivesse crescido com uma mãe
como ela, talvez tivesse levado uma vida diferente”. O terapeuta pediu que ele parasse
de falar e tirasse um tempo para absorver a imagem. Era o suficiente para o primeiro
dia. Peter precisava de tempo para absorver.
FIGURA 29.4 Constelação de Peter para alcançar o amor.
Considerações finais
Utilizar figuras que podem ser organizadas para descrever a cisão da
personalidade é um método profundo para trabalhar com a perda
traumática. Ele beneficia não apenas os clientes que acham difícil verbalizar
sua dor mas também os clientes que falam demais. Usando figuras simples, o
cliente não precisa de muitas palavras, uma vez que a imagem faz o trabalho.
Esse método também é útil para terapeutas que não conseguem suportar
longos períodos de silêncio. Para os clientes, é muito útil visualizar o
mecanismo da cisão para entender o que está acontecendo e por que eles se
comportam de determinada maneira. O cliente é capaz de olhar para a
imagem porque o método ajuda a evitar que ele seja retraumatizado. O
terapeuta fala sobre Peter e sobre o garotinho; ele não utiliza “você”, “sua
mãe” e assim por diante. Isso ajuda muito a permitir que o cliente veja o que
aconteceu e enfrente o desdobramento da imagem diante de seus olhos.
Nesse trabalho, a cura vem de honrar os mecanismos de sobrevivência
desenvolvidos pelos clientes, pois eles os ajudaram a sobreviver quando não
havia outras opções. Depois disso, é necessário rebaixar essas estratégias de
sobrevivência: elas não precisam ser removidas, mas não precisam mais
trabalhar tanto. As pessoas usam suas melhores qualidades para os
mecanismos de sobrevivência, então, sempre que possível, podem
reconstruir as partes boas dessas estratégias como um recurso. Peter tinha
um grande talento para ajudar os outros e também para estabelecer e manter
seus limites. Essas eram qualidades positivas quando estavam em equilíbrio
e não eram usadas para evitar a dor, e sim para ajudar os outros se fosse
preciso, sem ultrapassar seus limites fazendo mais do que o necessário. Foi
estabelecido um limite saudável, sem que ele se isolasse das pessoas: limites
em contato. Curar também significa reunir todas as partes divididas e ficar
em contato com cada uma delas. Os clientes sentirão tristeza e dor, e
descobrirão que não estão desmoronando. Com o tempo, eles serão mais
capazes de encarar sua perda e sentirão que têm mais energia à sua
disposição.
Referências
Broughton, V. (2013). The heart of things. Understanding trauma: Working with constellations. Steyning:
Green Balloon Publishers.
Fiddelaers-Jaspers, R. (2017). Verlies in beeld (Loss in sight). Heeze: In de Wolken.
Levine, P. A. (1997). Waking the tiger: Healing trauma. Berkeley: North Atlantic Books.
Ruppert, F. (2011). Splits in the soul: Integrating traumatic experiences. Steyning: Green Balloon
Publishers.
Ruppert, F. (2012). Symbiosis and autonomy: Symbiotic trauma and love beyond entanglements. Steyning:
Green Balloon Publishers.
PARTE VIII
Utilizando imagens
30
Fotografia contemplativa
Jessica Thomas
Descrição
A preparação para a morte de um ente querido é uma importante
contribuição para o bem-estar do cuidador, para os desfechos do luto e,
possivelmente, até para o desenvolvimento espiritual. Consciência, aceitação
e construção de significado são aspectos-chave para uma experiência positiva
em relação à morte e contribuem para mudança nas percepções existenciais e
espirituais. Aceitar a perda iminente de um ente querido pode preparar a
pessoa para a perda, posicionando-a para cultivar significado e obter insights.
Os cuidadores e seus entes queridos em fase final de vida enfrentam as
profundas dimensões espirituais da perda, da dor e da morte. As práticas de
atenção plena podem fornecer um formato para a reconexão com as práticas
espirituais individuais, constituindo um novo significado e uma nova
compreensão de si e dos outros (McBee, 2009).
A fotografia pode ser praticada de forma terapêutica e pode aumentar a
conscientização e a oportunidade de construção de significado. A prática da
fotografia contemplativa envolve deixar para trás as expectativas, tornar-se
atento à consciência momento a momento e aceitar o que está presente. No
processo da fotografia contemplativa, os componentes psicológicos surgem à
medida que o sujeito se torna receptivo a sentimentos e sensações,
permitindo que os olhos se abram de maneira mais plena para o momento
presente (Zakia, 2013).
Conforme as pessoas desaceleram física e mentalmente, elas podem
começar a enfrentar a morte antecipada, obter maior compreensão do seu
relacionamento com quem está morrendo e criar significado a partir da
experiência enquanto seu ente querido ainda está vivo. Percepção,
pensamento e sentimento se interligam no ato de produzir imagens. O
significado surge à medida que os clientes refletem sobre as imagens que
registraram e as conectam com suas experiências internas conforme
representadas pelos objetos fotografados. É por essa razão que às vezes nos
referimos a esse método como técnica “dentro e fora”.
Essa forma de fotografia terapêutica utiliza dois modos de expressão por
meio de quatro sequências inspiradas na abordagem fenomenológica
baseada na arte de Betensky (1995). Uma sequência se baseia na outra para
mediar a experiência de antecipação e aumentar a conscientização e a
reflexão aprofundada, posicionando a pessoa para cultivar o significado de
sua experiência de cuidar e antecipar a morte de um ente querido. Como
método terapêutico, a técnica “dentro e fora” é fundamentada em um
processo que traz luz à totalidade da experiência do sujeito por meio de dois
modos de expressão: imagens visuais e escrita reflexiva. Na quarta e última
sequência, o terapeuta media uma investigação fenomenológica realizando
um diálogo reflexivo com os clientes sobre suas fotografias, o que permite que
um significado mais profundo e uma narrativa de vida expandida surjam.
A técnica “dentro e fora” pode ser um método eficaz para enfrentar
pensamentos e sentimentos associados ao cuidado no fim da vida e à
antecipação da morte de um ente querido. Esse método pode ser um
catalisador para o insight espiritual à medida que a consciência existencial se
amplia e as reflexões sobre o significado e o propósito da vida emergem
(Thomas, 2016). As etapas a seguir podem ser sugeridas aos clientes como
prática independente e processadas na terapia para a quarta e última
sequência. Aqui são oferecidas instruções detalhadas, seguidas por um
estudo de caso.
1. Abertura. A primeira sequência ocorre conforme os clientes permitem
uma abertura para se envolver de maneira livre por meio da experiência
direta. Os clientes abordam a fotografia de forma independente, sem
tarefas diretivas e estruturadas, o que permite que se conectem com esse
meio de reflexão.
Os clientes começam sentando-se em silêncio ao longo de três
respirações profundas. Em seguida, eles lentamente começam uma
caminhada com atenção plena, focando sobretudo em sua experiência
corporal (interna) e sua experiência visual (externa). A intuição e o
brincar são incentivados, de modo a inspirar a experiência pré-reflexiva e
incorporada no contexto de cuidar de um ente querido que está morrendo
ou de antecipar a morte de um ente querido.
2. Estabelecendo contato. A segunda sequência é observada como uma
mudança consciente em direção a uma abordagem mais intencional que
inicia o processo de criação. Os clientes praticam a fotografia
contemplativa, por meio da qual criam conscientemente uma imagem no
contexto de cuidar de um ente querido que está morrendo ou de antecipar
a morte de um ente querido.
Os clientes começam sentando-se, em silêncio, ao longo de três
respirações profundas. Em seguida, eles lentamente começam uma
caminhada com atenção plena, focando sobretudo em sua experiência
corporal (interna) e sua experiência visual (externa). Os clientes ficam
visualmente sintonizados com os aspectos estéticos da sua experiência
(cor, forma, textura) e permitem que surja uma sensação de ressonância
com seu ambiente, que os convida a produzir uma imagem.
3. Ressonância emocional. A terceira sequência invoca a consciência profunda
por meio do ato de reflexão e intuição. Nessa fase, as imagens são
cuidadosamente observadas e percebidas de novas maneiras pelo criador,
como se fosse a primeira vez. Os clientes são incentivados a passar um
tempo com suas fotografias enquanto suspendem ideias preconcebidas
sobre elas e a registrar sua experiência com a fotografia contemplativa
sem interpretar suas imagens de maneira prematura.
Os clientes começam preparando suas imagens para a reflexão, seja
imprimindo-as ou enviando-as para visualização na tela do computador.
Em seguida, eles se preparam para fazer registros em um caderno ou em
um computador. Com um foco especial na sua experiência emocional, os
clientes ponderarão de modo cuidadoso sobre as imagens que
produziram. Então, eles escrevem um registro reflexivo sobre a
experiência da fotografia contemplativa, o momento em que fizeram a
imagem e o que os impressionou naquele ponto.
4. Insight autêntico. Na etapa final, a quarta sequência, o terapeuta intervém
como condição para que os clientes ampliem seu processo de construção
de significado. Essa etapa integra um procedimento que Betensky (1995)
chama de “O que você vê?”. Essa questão contém aspectos
fenomenológicos: percepção, sentimento e visão individuais. O terapeuta
coloca a questão em um esforço consciente, nas palavras de Betensky,
para “conectar a obra com a experiência interior que foi o principal motor
do processo da obra de arte que trouxe a expressão artística visual” (p.
17).
Os clientes levam suas imagens e seus textos para uma sessão de
terapia. Eles prepararão as fotos apresentando-as impressas ou no
computador. O cliente e o terapeuta consideram as imagens uma a uma,
com o terapeuta mediando uma discussão reflexiva sobre cada imagem
com a pergunta principal: o que você vê? Após cada imagem ser
considerada separadamente, o cliente e o terapeuta olharão para as
imagens como um todo, e o terapeuta perguntará: agora, ao olhar para
essas imagens juntas, o que você vê?
Caso ilustrativo
Há 25 anos, Janet é cuidadora, em sua própria residência, de seu marido, que está
morrendo de esclerose lateral amiotrófica (ELA). A Figura 30.1 apresenta uma das
fotografias de Janet e seus registros em um diário; ambos representam a segunda e a
terceira sequências, sendo seguidos por um trecho da sequência final do método
(insight autêntico).
Considerações finais
A técnica “dentro e fora” é uma prática de reflexão e um método terapêutico
de fotografia contemplativa inspirado por minha própria experiência e por
pesquisas subsequentes sobre fotografia contemplativa e cuidados de fim de
vida. Esse pode ser um método eficaz para lidar com pensamentos e
sentimentos difíceis associados ao cuidado no fim da vida e à antecipação da
morte de um ente querido. Além disso, esse método pode atuar como um
catalisador para a construção de significado e o crescimento espiritual.
A combinação de atenção plena e expressão criativa envolve a capacidade
dos clientes de se abrirem para suas experiências de antecipação da perda
através das lentes da câmera. Ao se abrir, os clientes exploram suas
experiências e as compreendem mais plenamente. O insight autêntico surge à
medida que os clientes criam significado com base na experiência direta e
aprendem a perceber essa experiência e a confiar em si mesmos durante o
processo. As fotografias dos clientes funcionam como espelhos de sua
experiência como cuidadores de seus entes queridos em processo de morte,
mas só com suas reflexões na terceira e na quarta sequências é que as
imagens adquirem significado pessoal e transformador. ▲
Referências
Betensky, M. (1995). What do you see? Phenomenology of therapeutic art expression. London: Jessica
Kingsley.
McBee, L. (2009). Mindfulness-based elder care: Communicating mindfulness to frail elders and their
caregivers. In F. Didonna (Ed.), Clinical handbook of mindfulness (pp. 431–445). New York: Springer.
Thomas, J. (2016). Mindful photography and its implications in end-of-life caregiving: An art-based
phenomenology (Doctoral dissertation). Sofia University, Palo Alto, CA.
Zakia, R. D. (2013). Perception and imaging: Photography — a way of seeing. Burlington, MA: Focal Press.
31
Minha casa após a perda
An Hooghe, Nele Stinckens e Nils Van Uffelen
Descrição
Após a morte de um ente querido ou outras grandes perdas (p. ex., doença,
lesão, separação, perda de emprego), a maioria dos enlutados diz que passou
por mudanças fundamentais. Depois da perda, a pessoa não é mais a mesma
de antes. A maneira como os enlutados agem em relação aos outros também
pode mudar profundamente. Nesse exercício reflexivo, os clientes são
convidados a se representar metaforicamente como uma casa, considerando
o período desde a perda de seu ente querido (Stinckens, 2010). O interior da
residência simboliza o que eles mantêm em casa (móveis, etc.) e quais
“cômodos” (aspectos do self) incluem dentro de si. A perda em geral requer
redesenvolvimento e reconstrução, alterando a organização e a disposição
dos “cômodos”. A parte externa da casa mostra como eles se relacionam com
o seu ambiente. Esse exercício compreende três fases, apresentadas a seguir.
1. Reflexão guiada.
O terapeuta convida o cliente a focar sua atenção em si mesmo, a fechar os
olhos e ouvir o que o terapeuta tem a dizer. Um breve exercício de meditação,
um poema ou uma música podem preceder esse momento. O terapeuta diz ao
cliente que, desde a perda, ele pode ter mudado como pessoa, em termos
tanto do que está dentro (emoções, pensamentos, prioridades, sensibilidades,
etc.) quanto do que está fora, do que as outras pessoas percebem (aparência,
autoapresentação, etc.): “Imagine que você é uma casa, com interior e
exterior; como seria essa casa?”. Às vezes, é importante enfatizar para os
clientes que não se trata da casa dos seus sonhos ou da casa em que vivem. A
casa é uma metáfora para se representarem como pessoa.
“Vamos começar pelo exterior: você como pessoa, simbolizado como uma
casa, em relação ao seu mundo exterior.” Calma e lentamente, a terapeuta dá
alguns exemplos: “Talvez você imagine a si mesmo como um chalé, um iglu,
um castelo, uma fazenda, uma casa de vidro, uma mansão ou uma casa na
árvore”. Após algum tempo de silêncio, o terapeuta trata de quatro aspectos
principais da casa (localização, tamanho, estilo e acessibilidade), com uma
série de perguntas ou exemplos: “Você se sente, por exemplo, como uma casa,
um apartamento ou uma casa geminada? Sua casa fica em uma área
tranquila: no campo, talvez em uma rua sem saída ou em uma floresta? Ou
ela fica em uma cidade agitada?” No processo, o terapeuta repete que a
intenção é de que os clientes se representem, enquanto pessoas, como uma
casa, e que a imagem não precisa ser realista: “Também pode ser uma casa
sobre palafitas no centro da cidade ou uma casa de vidro sobre a água”. Então
o terapeuta se concentra no tamanho da casa: “Sua casa é pequena ou talvez
um pequeno quarto em um sótão, ou uma vila grande e chique ou um prédio
de apartamentos?”. O terapeuta deixa tempo para a reflexão e depois
continua: “Possivelmente, há imagens vindo à sua mente, ou talvez você já
tenha uma imagem detalhada de si mesmo como uma casa. Agora reserve
algum tempo para considerar o estilo da sua casa. A sua casa tem um visual
clássico ou uma arquitetura moderna? Sua casa é redonda ou quadrada, ou
feita em blocos diferentes? Talvez haja diferença entre a frente da casa e os
fundos dela. Talvez a sua casa também tenha uma edícula. Quem sabe ela
tenha um jardim com flores, árvores ou arbustos? Há detalhes marcantes do
lado de fora da sua casa?”. Por fim, o terapeuta foca a acessibilidade da casa:
“Sua casa é perto da rua ou fica em um lugar mais remoto? Há uma cerca ao
redor da sua casa ou talvez uma porta segura com uma fechadura eletrônica?
Há um acesso para veículos na sua casa? A sua casa tem muitas ou poucas
janelas que permitem que os outros olhem para dentro dela? Há várias
portas? Você tem uma campainha na porta ou uma aldrava, ou a porta está
sempre aberta?”.
Após um longo silêncio, o terapeuta se concentra no interior da casa: “A
sua casa consiste em uma peça ampla (um loft ou uma sala grande) ou ela
tem cômodos diferentes? Há mais de um andar, talvez até um sótão ou um
porão? Há algum quarto ou lugar em sua casa onde você recebe hóspedes, ou
onde você se isola ou relaxa? Há algum cômodo da sua casa no qual você
prefere não estar ou que é proibido para outras pessoas?”. Em seguida, a
decoração da casa é discutida: “Veja como sua casa é projetada por dentro.
Que estilo ela tem? Há muitas cores ou uma cor predomina? A casa é bastante
minimalista ou com muita madeira, ou então tem superfícies ásperas ou
metálicas? A sua casa é aconchegante? Talvez haja uma lareira. A sua casa
está em ordem e arrumada, ou está uma bagunça ou desordenada? Há
alguma planta ou flor na sua casa? Há fotografias, pinturas ou espelhos? Há
quartos que precisam ser redecorados ou remodelados, ou que talvez estejam
vazios?”. Em seguida, o terapeuta se concentra na intensidade da luz. “Há
muita luz na sua casa ou está um pouco escuro? A sua casa é iluminada com
lâmpadas fluorescentes ou com uma luz mais quente?”. Por fim, ele foca
outras sensações, como os aromas — “O cheiro de comida ou de flores recém-
colhidas, ou um mau cheiro que vem de algum lugar” — e os sons que podem
estar na casa: “Música que soa na casa ou em certos cômodos, ou um
silêncio... talvez um silêncio suave ou barulhento”.
2. Desenho da casa.
Na fase seguinte, o cliente é convidado a desenhar a casa que acaba de ser
visualizada. O terapeuta prepara várias folhas grandes de papel e diversos
materiais de desenho (giz de cera, tintas, canetas). Em geral, o cliente opta
por criar um desenho para o exterior e outro para o interior da casa. Muitas
vezes, a imagem é enriquecida com todo tipo de detalhe durante o processo
de desenho.
3. Discussão sobre o processo e o desenho.
Em um diálogo com o terapeuta ou outros membros do grupo, o cliente é
convidado a contar algo sobre esse processo de autoexploração: “Como foi
começar esse exercício? Uma imagem veio à sua mente de imediato ou isso
demorou um pouco? Você ficou feliz com as imagens que surgiram? Houve
coisas que surpreenderam você?”. Então, o foco muda para o processo de
converter a visão em um desenho: “Como foi fazer o desenho? Ocorreu
alguma alteração ou atualização enquanto você desenhava?”. Uma parte
importante desse exercício é que o terapeuta (e outros membros do grupo)
também compartilha suas impressões sobre o desenho com o cliente. Dessa
forma, o terapeuta pode indicar o que o surpreendeu no desenho e vincular
isso a temas discutidos em sessões anteriores. O valor agregado do exercício
em um contexto grupal é especialmente visível nessa fase, com as reflexões
de outras pessoas se apresentando na forma do reconhecimento de aspectos
semelhantes entre a descrição do cliente e a sua própria (p. ex., a mudança na
acessibilidade da casa ao ambiente, a necessidade de cômodos íntimos ou a
importância da segurança doméstica). Por fim, o reconhecimento de
elementos resilientes no desenho ou possíveis diferenças nas percepções de
como alguém está em um grupo e como essa mesma pessoa projetou o
exterior de sua casa parecem ser ingredientes terapêuticos importantes.
Caso ilustrativo
Nils perdeu sua filha de 16 anos, Charlotte, há sete anos. Desde a morte dela, ele
passou por um processo de intensa autorreflexão, parte do qual ocorreu em um grupo
de apoio para pais enlutados liderado profissionalmente. Nesse grupo, ele realizou o
exercício “minha casa”. Na discussão sobre o seu desenho, Nils se concentrou em como
mudara nos últimos anos em relação ao seu ambiente. Houve uma mudança de acesso
à sua casa, que só pode ser visitada por pessoas com tempo e interesse autêntico. Em
resposta a essa contribuição, pedimos que ele escrevesse um breve texto condizente
com o seu desenho.
Tornando-me eu
Foi uma longa busca. Uma busca pelos critérios que este local tinha de atender.
Um lugar às margens da água — em que a casa se reflete lindamente —, de
modo que a ondulação contínua traria o som da paz sem monotonia. O sol o
enfeitiçaria com estrelas. O local é um pouco distante, mas não demais. Longe o
suficiente do confuso e superlotado mundo humano e, ao mesmo tempo,
suficientemente perto para se fazer uma visita sem muito esforço. Por um
caminho, uma estrada sem saída. Essa saída da estrada principal leva a uma
combinação única das belezas da natureza. O calor, as cores e o alívio
surpreenderão os visitantes que desejam fazer uma exploração com propósito. O
caminho só é viável para os que querem aproveitar o tempo e descobrir o que o
passeio pode oferecer.
A casa fica ao longo desse caminho. A casa que “me” reflete. Construída em
um local aberto delimitado pelas margens da água. Um carvalho centenário
espalha seus galhos protetores sobre a casa. Só essa árvore interrompe a vista da
água e a paisagem que contorna a casa. Um extenso telhado de colmo oferece
proteção contra muito sol ou muita chuva. É agradável se abrigar quando
necessário. O teto retangular apoia-se em quatro troncos de árvore. Sua idade e
sua força exalam segurança e proteção. A casa tem apenas uma parede, os outros
três lados estão abertos. Sem janelas ou portas, ela atrai visitantes. Não há
impedimento algum para observar o lado de dentro e o lado de fora. Sob o teto, há
uma grande mesa comprida, com pés altos, cercada por muitos bancos. A mesa
convida os visitantes a comer juntos, a conversar, rir, beber, se reunir. Ao redor da
fogueira, há assentos espalhados esperando por leitores ou pensadores,
encarando as chamas tremeluzentes. A única parede é decorada com pequenos
quadros em diversos materiais e tamanhos. Os quadros convidam à memória e
servem de inspiração. Eles mostram todas as citações e imagens mentais
significativas dos hóspedes dessa casa.
Trata-se de uma casa onde, a cada renovação, momentos surpreendentes e
novos encontros têm lugar. Essas pessoas que estão de passagem podem descobrir
o caminho lateral e enriquecer a construção da casa. O carvalho oferece
relaxamento e consciência.
Considerações finais
Ao trabalhar com os enlutados, vimos que “minha casa” pode ser um
exercício reflexivo muito profundo e poderoso. Por meio de imagens,
desenhos e diálogos, o sujeito pode constituir e dar palavras às mudanças pelas
quais passou desde a perda, tanto em relação a si quanto em relação ao seu
contexto. As três fases diferentes do exercício parecem ser importantes. O
lento processo de visualização dá aos clientes tempo para refletir sobre si e
sua interação com o mundo exterior. Para muitos clientes, a transição para o
desenho torna esse processo mais detalhado e tangível. O diálogo com o
terapeuta ou com outros clientes enlutados auxilia a ancorar e aprofundar o
processo de autoexploração, e com frequência isso é o necessário para o
compartilhamento dessas experiências com outras pessoas, como familiares e amigos.
Como extensão desse exercício, o terapeuta pode convidar os clientes a
refletir sobre como querem mudar, reconstruir, remodelar ou redecorar sua
casa, por dentro ou por fora. Por exemplo: “Como você gostaria que sua casa
fosse daqui a cinco anos? Você gostaria de torná-la mais forte (novamente)?
Ou: você gostaria que sua porta de acesso fosse diferente, para ter mais
controle sobre sua interação com sua família e seus amigos?”. As metáforas
resultantes em geral se repetem ao longo da terapia, dando aos clientes um
vocabulário para discutir a reconstrução contínua de sua vida após a perda.
Referência
Stinckens, N. (2010). Wat heb ik in huis? In M. Gundrum & N. Stinckens (Eds.), De Schatkist van de
therapeut, Oefeningen en strategieën voor de praktijk [The therapist’s treasury: Exercises and strategies
for practice]. Leuven, Belgium: Acco.
32
A ilha virgem
Geok Ling Lee
Descrição
Muitos pacientes com câncer avançado e suas famílias expressam choque,
negação, tristeza e até raiva quando recebem a má notícia do seu diagnóstico.
Essas expressões emocionais são manifestações do seu luto pela perda de
saúde e por outras perdas iminentes, em última análise incluindo a morte. No
contexto asiático, os clientes chineses tendem a relatar sintomas
psicossomáticos (como fadiga e insônia) em vez de depressão. Os membros
familiares tendem a voltar às suas estratégias e aos seus estilos habituais de
enfrentamento — que podem ser desadaptativos —, com o intuito de
alcançar o equilíbrio dentro de si e na família.
O modelo transacional clássico de estresse e enfrentamento de Lazarus e
Folkman (1984) introduziu os conceitos de estratégias de enfrentamento
focadas na emoção e a resolução de problema para a adaptação a um
estressor significativo da vida, a exemplo de uma doença que a limita.
Folkman (1997) acrescentou o conceito de esforços de enfrentamento
focados no significado, com a literatura subsequente discutindo o papel da
criação e da reconstrução de significado como métodos de enfrentamento
para lidar com a perda e o luto (Gillies & Neimeyer, 2006; Neimeyer, 2016).
Além disso, o conceito de esforços de enfrentamento focados no
relacionamento lança luz sobre os tipos de estratégias utilizadas para
gerenciar um relacionamento durante um período estressante (O’Brien &
DeLongis, 1996). Isso é especialmente verdadeiro no contexto asiático, no
qual o sigilo na família pode não ser uma estratégia incomum para gerenciar
o luto que acompanha o início de uma doença que limita a vida. Em síntese,
os vários modelos teóricos deixam claro que há mais de um modo de lidar
com a perda e o luto. Consequentemente, os terapeutas precisam
compreender o estilo de enfrentamento dominante, a personalidade e as
crenças que moldam o trabalho com o luto de seus clientes.
“A ilha virgem” consiste em um exercício experiencial para os clientes
trabalharem seus atuais terrenos “de humor” enquanto elaboram suas
preferências de enfrentamento após tomar conhecimento de um cenário
curto e inesperado. Obstáculos são apresentados a eles à medida que
compartilham seus esforços de enfrentamento, de modo a determinar sua
força, sua perseverança e sua criatividade na resolução de dificuldades. Às
vezes, podem ser necessários esforços para permitir que os clientes
considerem e expandam seu repertório de estratégias de enfrentamento de
maneira mais apropriada para sua situação atual.
Uma sessão típica começa com o terapeuta lendo uma sinopse, como a
seguinte passagem:
A água do mar está se infiltrando em sua pequena embarcação enquanto seu
barqueiro rema perto da costa de uma ilha. Ele pede que você atravesse as águas
rasas em direção a essa ilha virgem ao passo que ele rema, a fim de buscar ajuda
para consertar o barco. Não há outro sinal de vida ou outras ilhas à vista.
Também não há recepção por satélite para qualquer forma de telecomunicação
na área. Conseguir algum auxílio é incerto, mas seu barqueiro precisa encontrar
ajuda para que vocês dois não fiquem presos no mar ou nessa ilha. Tudo o que
você carrega consigo é uma mochila com uma faca, uma muda de roupa e uma
caixa de remédios com alguns analgésicos, comprimidos para diarreia e
curativos. Seu barqueiro também lhe deu sua lanterna sobressalente. Se chegar à
ilha após o pôr do sol, ele piscará a luz para guiá-lo até o barco.
Caso ilustrativo
Jenny e John, com 40 e 43 anos, respectivamente, participaram de uma sessão em
grupo durante um retiro residencial anual de três dias para pacientes que vivem com
câncer e seus cuidadores familiares. Eles têm dois filhos, de 10 e 12 anos. John
recentemente foi diagnosticado com câncer de pulmão avançado, com prognóstico
desolador. Jenny sofria de depressão desde o diagnóstico de John, e se recusava a
perdê-lo de vista mesmo por um único minuto desde então.
Na sessão, John desenhou a ilha virgem em detalhes, rica em cores e conteúdo. Em
seu desenho, a ilha estava cheia de recursos, como um rio, peixes, coqueiros e uma
floresta densa. John indicou que adoraria se aventurar em uma exploração da ilha,
dado que estava “livre” da responsabilidade familiar. Mesmo que houvesse animais
perigosos na floresta densa, ele se prepararia com uma lança artesanal e estaria
pronto para a batalha. Trabalhando sozinha, ao mesmo tempo, Jenny desenhou a
ilha virgem em tom acinzentado. Havia uma praia à esquerda, na parte inferior do
primeiro plano, e um penhasco à extrema direita, no canto superior. Jenny
mencionou que não teria viajado com o barqueiro sem sua família, sobretudo sem o
marido. Quando ela foi convidada a descrever melhor o que faria na ilha sem o
marido, Jenny teve muita dificuldade em imaginar o que fazer sem ter John por perto,
e não conseguia se ver vivendo sem ele. Ela acrescentou ainda que John sempre fora
sua tábua de salvação, e ele iria protegê-la da fome e do perigo. Ao ouvir a esposa,
John hesitou e, em seguida, concordou que ficaria com ela na praia e se aventuraria a
uma curta distância para encontrar comida e água. Quando questionado sobre sua
testa franzida e sua hesitação, John respondeu que sentia um fardo pesado em seus
ombros e se perguntava quando ele poderia ser aliviado. Perguntei então como eles se
sentiam com relação às suas visões contrastantes da situação e das estratégias de
enfrentamento — como John adoraria se aventurar em busca de oportunidades e
recursos enquanto Jenny apenas permaneceria na praia, sendo que o paraíso poderia
estar logo atrás dos arbustos. Foi então que John respondeu que podia sentir a
ansiedade e o medo que Jenny tinha de perdê-lo para o câncer, mas ele também sentia
medo de falhar com ela, pois não conseguia mudar sua situação atual e seu modo de
operar na vida.
Em seguida, perguntei a Jenny como ela dava sentido ao que John compartilhara,
e desafiei o casal a considerar o que precisava acontecer para que eles pudessem se
libertar de seus padrões habituais ou mesmo inverter os papéis. Jenny respondeu que
estava ciente do fardo que colocava sobre o marido, que estava doente, mas, ao mesmo
tempo, reconheceu que esse era um papel confortável e familiar para ela. Concordei e
enfatizei para Jenny e John que a mudança nunca é fácil, e que a decisão de mudar
residia neles. Também destaquei a importância de identificar, respeitar e aceitar suas
diferenças de pontos de vista e esforços de enfrentamento como indivíduos e como
casal. Depois, encerrei a sessão convidando-os a refletir sobre como gostariam de
mapear e continuar sua jornada única com o câncer, lembrando suas respectivas
posições descritas no exercício.
Considerações finais
Viver bem diante da morte iminente é um trabalho árduo para os pacientes e
seus familiares. No entanto, é necessário viver bem para que tanto o paciente
quanto a família possam manter alguma qualidade de vida enquanto lidam
com uma doença, de modo que o impacto negativo da perda possa ser
reduzido e que o luto subsequente possa ser mais bem manejado pelos
enlutados. Para o terapeuta, é essencial trabalhar com os clientes, a fim de
ajudá-los a alcançar um novo equilíbrio, a lidar com a perda de forma
construtiva e a gerenciar seu processo de luto. “A ilha virgem”, como exercício
experiencial e imagético, é útil para clientes com dificuldade em entrar em
contato com os aspectos pessoais de sua perda e seu luto. Essa técnica
também é útil para o trabalho conjugal, em que as diferenças entre os
parceiros podem ser exploradas, compreendidas e apreciadas. No entanto,
em um ambiente de trabalho em grupo, os terapeutas devem ser cautelosos
para que os clientes não sejam coagidos a lidar com os aspectos emocionais
do luto quando não estiverem prontos, em especial devido ao contexto
público do trabalho e à dificuldade de dedicar muita atenção a todos os
participantes.
Referências
Folkman, S. (1997). Positive psychological states and coping with severe stress. Social Science and Medi-
cine, 45, 1207–1221.
Gillies, J., & Neimeyer, R. A. (2006). Loss, grief and the search for significance: Toward a model of
mean- ing reconstruction in bereavement. Journal of Constructivist Psychology, 19, 31–65.
Lazarus, R. S., & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal and coping. New York: Springer.
Neimeyer, R. A. (2016). Meaning reconstruction in the wake of loss: Evolution of a research program.
Behaviour Change, 33, 65–79. doi:10.1017/bec.2016.4
O’Brien, T. B., & DeLongis, A. (1996). The interactional context of problem-, emotion-, and
relationship-focused coping: The role of the big five personality factors. Journal of Personality, 64,
775–813.
33
A porta do meu coração
Riet Fiddelaers-Jaspers
Descrição
Eu conto uma história pessoal para incentivar de maneira gentil os clientes a
refletir sobre suas próprias vidas e perdas. A história, que pode ser intitulada
“A porta do meu coração”, é sobre mim e a minha mãe, mas é claro que outros
terapeutas devem modificá-la para que diga respeito a suas vidas pessoais
como terapeutas. Se você não reconhecer a “porta”, a história não funciona.
Talvez sua “porta” seja parecida com um zíper, uma parede de vidro, uma
parede de tijolos, um cobertor ou uma cúpula de vidro. Talvez você tenha
perdido seu pai, e não sua mãe. Basta criar sua própria história para se
comunicar de forma autêntica e convidar um cliente (reticente) a fazer o
mesmo.
Após modificar a história para se apropriar dela, leia-a em voz alta.
Espere alguns segundos depois de terminar a leitura antes de fazer
perguntas, para dar aos clientes a oportunidade de absorvê-la. Em um grupo,
você pode perguntar quem reconhece elementos da história. Na terapia de
casal, uma pessoa pode dizer à outra como é a sua “porta”. Em uma sessão
individual, você pode conversar sobre isso com seu cliente.
Depois disso, dê instruções para a realização do exercício do buda,
descrito mais adiante neste capítulo, e reserve um tempo para permitir que
ele tenha impacto. Se você passar pelo exercício de maneira apressada, nada
de útil acontecerá. A atenção e o silêncio são muito importantes.
Após fazer essas quatro perguntas três vezes, você pode questionar de
que maneira a porta está influenciando o contato do cliente com você ou com
outras pessoas do grupo no momento.
De modo alternativo, em contexto grupal, o terapeuta pode formar
duplas, com um integrante fazendo o ciclo de perguntas três vezes e depois os
papéis se invertendo.
Utilizando essa técnica, as pessoas são tocadas pela metáfora da porta.
Elas compartilham suas metáforas: “Minha porta é um zíper gigante que se
abre e se fecha muito rapidamente”; “Minha porta parece mais uma cerca
gradeada”; “Vivo sob uma espécie de cúpula de vidro a maior parte do
tempo”; “Minha porta é uma tela unidirecional”. Às vezes, as pessoas contam
que sua porta não está se fechando, está sempre aberta. Em seguida, é hora
de falar sobre a importância de poder fechar a porta, pois é exaustivo quando
tudo e todos podem entrar. Lubrificar as dobradiças é importante para que
você possa decidir se a porta deve se abrir ou se fechar.
Caso ilustrativo
Mary, uma professora de 50 anos, veio porque não aguentava mais suas próprias
estratégias de sobrevivência. Ela teve um relacionamento ruim com a mãe, e seu pai,
a quem ela adorava, trabalhava muito e quase não ficava em casa. Mary perdeu a
mãe aos 15 anos, sem se despedir. Ela não conseguia lidar com a situação, e seu pai
não era capaz de estar disponível para ela. Mary nunca teve um relacionamento
amoroso ou amigos; vivia para seus alunos, tornando-se uma professora
maravilhosa. Ela sabia intuitivamente qual era o aluno que precisava de ajuda.
Agora, pela primeira vez em sua vida, havia uma colega, Sarah, que se importava
com ela. Sarah disse a Mary para procurar algum apoio profissional, para que
pudesse se abrir mais e desenvolver mais confiança nas pessoas.
Em uma das sessões, a terapeuta leu a história “A porta do meu coração” em voz
alta. Mary ficou muito emocionada com a história. Ela reconheceu a porta imensa e
espessa que ficava fechada a maior parte do tempo. Em seguida, a terapeuta começou
a trabalhar com as perguntas.
Considerações finais
A história “A porta do meu coração”, seguida pelo questionamento, é um
exercício potente e eficaz para capacitar os clientes enlutados e aprofundar
sua autoexploração das estratégias de sobrevivência que estão utilizando.
Para o terapeuta (ou parceiro no trabalho em grupo), trata-se de um exercício
de escuta apurada, utilizando os momentos de silêncio com a convicção de
que o cliente pode fazer uso produtivo deles. Nesse contexto, o terapeuta faz
muita diferença ao ser testemunha do processo do cliente, utilizando seu
corpo (respiração, tensão dos músculos, contato visual, expressão) para
segurar um espelho metafórico diante da introspecção do cliente. Isso ajuda
os clientes a examinar suas estratégias de sobrevivência e refletir sobre
porque eles fazem o que estão fazendo: para camuflar a dor insuportável de
uma perda profunda. Esse pode ser, então, o primeiro passo em direção à
mudança, na medida em que o cliente lida com a perda e começa a suportar a
dor.
Referências
Fiddelaers-Jaspers, R. (2018). De poort van mijn hart (The gate of my heart: surviving and coming alive
again in 33 poems). Heeze: In de Wolken.
Fiddelaers-Jaspers, R. (2019). Met mijn ziel onder de arm (Wandering with a wounded heart; Between
welcoming and saying goodbye). Heeze: In de Wolken.
PARTE IX
Revisando o significado pessoal
34
Recompondo o self após a perda
Agnieszka Konopka e Robert A. Neimeyer
Descrição
Embora as pessoas muitas vezes busquem unidade, o self é uma entidade
múltipla, consistindo em muitos aspectos que com frequência são
significativamente diferentes, chamados de “posições do eu” (I-positions),
como detalhado no modelo da teoria do self dialógico (Hermans, 2018;
Hermans & Hermans-Konopka, 2010). Segundo essa teoria, não apenas
diferentes aspectos do self enquanto posições internas (p. ex., eu como
ansioso, eu como profissional) mas também outros aspectos significativos
enquanto posições externas (p. ex., “minha mãe”, um herói imaginado),
fazem parte da sociedade da mente e podem manter relações mais ou menos
dialógicas. A experiência de luto e transição pode desafiar e mudar uma
variedade de posições do eu e sua organização (Neimeyer & Konopka, 2019),
às vezes tornando significativamente problemáticas as relações entre esses
aspectos (p. ex., quando uma parte do self rejeita outra parte necessitada ou
vulnerável, ou quando uma mãe se sente culpada pela morte de seu filho).
Em contrapartida, potencialmente, as pessoas podem responder a uma perda
a partir de ampla gama de posições do eu. Enquanto responder a partir de
uma única posição habitual ou rígida pode limitar ou bloquear o processo de
reconstrução do self, encarar essa experiência de diferentes posições pode
abrir possibilidades inesperadas de recompor o próprio self e a vida de
maneira nova e significativa. Como profissionais, podemos precisar
estimular a acessibilidade, a diferenciação e a integração de diversas posições
do eu para facilitar o processo de recompor o self e encontrar um novo
significado.
O trabalho de composição (Konopka & van Beers, 2019; Konopka,
Neimeyer, & Jacob Lenz, 2017) estimula esses processos ao simbolizar,
externalizar, verbalizar e compor uma variedade de aspectos do self na forma
de uma pequena paisagem constituída de pedras ou de outros materiais
naturais dispostos em uma folha de papel grande ou em uma caixa com
areia. Utilizada no contexto da terapia do luto, essa paisagem simbólica
representa um campo de perda multilógico e dinâmico, refletindo as
qualidades de elementos separados, suas diferenças, suas relações e o padrão
geral. Uma composição permite explorar elementos separados no contexto de
uma organização do self mais ampla. Ela auxilia na exploração de novas
configurações ao deslocar diferentes posições ou incluir novas e verificar a
ressonância afetiva dessas mudanças. A introdução de elementos não verbais
e figurativos pode ser útil para dar conta de significados pré-verbais e
corporais, refletindo posições implícitas do eu que podem ser importantes
fontes de inovação e adaptação.
A prática do trabalho de composição inclui as seguintes etapas gerais, que
podem ser introduzidas de modo flexível e incluir várias intervenções mais
específicas:
1. Definindo e simbolizando as posições do eu.
Em geral, esse processo começa com a definição de amplo espectro de
aspectos relevantes do self e a representação deles por pedras. Após explicar e
dar exemplos desse self e de outros aspectos (p. ex., eu como mãe, eu como
amante, meu filho), o terapeuta convida o cliente a identificar e simbolizar
com pedras todas as posições relevantes do eu afetadas de alguma forma por
uma perda. Mesmo uma discussão breve sobre por que determinada pedra foi
escolhida para representar uma posição específica do eu (seleção de uma
pequena pedra branca para representar esperança ou de uma pedra
pontiaguda e afiada para representar a si mesmo como guerreiro) pode ser
reveladora e auxiliar os clientes a nomear e reivindicar aspectos de si que de
outra forma não seriam reconhecidos.
3. Explorando a composição.
Uma vez que a composição está pronta, o terapeuta facilita sua exploração
fazendo perguntas adicionais relacionadas a: (a) posições separadas (p. ex.,
“Há posições que são rompidas, isoladas pela perda de...?”; “Há posições que
são libertadas, potencializadas?”; “Quais partes são fontes potenciais de
sabedoria ou de apoio?”); (b) relações entre posições (p. ex., “Há conflitos
entre as posições?”); e (c) verbalização de posições e suas relações (p. ex.,
“Qual posição precisa ser ouvida agora?”).
Durante o processo, o terapeuta idealmente faz a ponte entre a exploração
e a experiência afetiva direta (p. ex., “Quando você coloca isso aqui, como se
sente?”) e observa os microatos percebidos, como a maneira de segurar uma
pedra (p. ex., “Notei que você acariciou essa pedra, quase acalentando-a.
Qual é a sensação?”) ou mudanças nas expressões (p. ex., “Vejo seu rosto
quase estático agora”).
Caso ilustrativo
Gene procurou aconselhamento após a perda de seu emprego em uma reestruturação
corporativa vários meses antes. Durante uma sessão de trabalho de composição (Fig.
34.1), ele descreveu várias posições diferentes envolvidas na transição e fez uma
composição com elas.
FIGURA 34.1 Composição inicial das posições do eu de Gene após a perda de sua
carreira corporativa.
A perda do seu emprego afetou suas posições “Eu como bem-sucedido” e “Eu como
companheiro”, isolando-as de figuras como “Meu companheiro” e “Meus filhos”, e
resultando em uma dura autocrítica. A fragilização e o isolamento das posições
“Bem-sucedido” e “Sócio” de Gene se refletiram em uma sensação corporal de fraqueza
e intensa solidão, que surgia quando ele segurava as pedras que as representavam em
suas mãos. Todavia, ele notou que, no momento em que sua posição de “Criança
brincalhona” precisava de mais atenção e ele era convidado a segurar a pedra em suas
mãos, tinha o impulso de jogá-la fora. A exploração desse impulso resultou na
descoberta de uma voz que dizia: “Vá embora daqui. Não seja tão mole e carente. Você
tem coisas sérias para fazer na vida”. Ele associou essa fala à posição de seu pai, que
ele representava com uma pedra pesada e escura. Solicitado a evidenciar sua relação
por meio das pedras, ele colocou o pai em cima da criança brincalhona. Ao fazer isso,
sentiu um peso excessivo em seu peito e expressou, na voz da criança brincalhona:
“Sua pressão me sufoca, não consigo respirar. Não tenho espaço aqui”. Ouvindo essas
palavras e vendo a composição do ponto de vista da criança brincalhona, Gene sentiu
intenso cansaço e tristeza, e começou a chorar abertamente pela primeira vez.
Enquanto permitia que suas lágrimas fluíssem, ele embalou suave e
compassivamente em suas mãos a pequena pedra que representava a criança.
Quando aproximou a pedra de seu peito, ele sentiu um calor se intensificando em
torno de seu coração. Expressar o ato simbólico dizendo “Há um lugar em meu
coração para você” levou Gene a fazer uma mudança na composição (Fig. 34.2), por
meio da qual ele atribuiu um papel mais central à criança, mantendo seu pai e as
vozes autocríticas a distância.
FIGURA 34.2 Reconfiguração da composição de Gene, com um lugar mais central dado à
posição de filho, com maior distância em relação às vozes paterna e crítica.
Considerações finais
Verbalizar diferentes posições externalizadas permite ouvir algumas dessas
vozes pela primeira vez e, desse modo, validar o que não foi validado
anteriormente. Acessar, validar e expressar partes negligenciadas silenciosa e
invisivelmente envolvidas na perda pode ajudar a entrar em contato com
necessidades não atendidas. Convidar ao diálogo as posições que consistem
em recursos de apoio pode ser empoderador, uma vez que o cliente expressa
aceitação ou compreensão de figuras externas vivas ou mortas, acessa a
sabedoria de outro aspecto do self ou desloca de maneira física as pedras em
configurações diferentes e mais equilibradas.
Diferenciar o terreno da perda especificando as várias posições internas e
externas do eu envolvidas aumenta a consciência do que precisamente foi
perdido e, de modo paradoxal, também do que foi ganho por meio da
experiência. Muitas vezes, é revelador para os clientes ver quais partes de
uma composição foram diminuídas, danificadas ou esquecidas e quais foram
potencialmente libertadas ou aprimoradas, o que pode resultar no
reconhecimento do significado ambivalente e complexo da perda, emerja ele
da morte de alguém importante, do fim de um relacionamento significativo,
da deterioração da saúde ou da demissão repentina de uma carreira que
definia a identidade.
A paisagem de perda e transição é como o famoso jardim japonês Ryōan-
ji, que pode ser visto de muitos ângulos. Vê-lo de um único ponto de vista
permite que você enxergue apenas algumas pedras e um lado. É impossível
ver todas as pedras de uma perspectiva enquanto se está no chão. Quando um
observador olha de outro ponto, ele de repente descobre uma nova imagem.
Utilizamos o trabalho de composição, a representação tridimensional da
paisagem interna do self, para permitir que um cliente veja a perda e a
transição de diferentes ângulos, literalmente girando a composição no tampo
de uma mesa para revelar diferentes aspectos e experienciar seus significados
associados. Por exemplo, um cliente, Will, que havia perdido um filho adulto
para o suicídio quatro anos antes, jogou-se intensamente ao trabalho após a
tragédia como modo de lidar com a situação. No entanto, vendo sua
composição sobre a mesa do ponto de vista da pedra que refletia sua posição
do eu como vendedor, Will reconheceu com uma sensação de choque que não
conseguia ver a pequena pedra que representava seu filho, que foi relegada à
periferia da composição e obscurecida por outras pedras. Ele sentiu intensa
onda de culpa e saudade. Convidado a reorganizar a composição em um
arranjo mais satisfatório, ele aproximou uma esfera de metal anteriormente
distante que representava Deus, concedeu um lugar central a uma pedra em
formato de coração e reuniu seu filho morto, sua esposa atual, os filhos dela e
seu próprio eu criativo, antes isolado e misterioso, em uma constelação em
torno desse núcleo amoroso e espiritualmente fundamentado.
De maneira alternativa, os clientes podem ser incentivados a assumir
uma metaposição, uma “visão aérea” da composição, para ver posições
justapostas e se tornar mais conscientes de suas relações e de novas pontes de
significado. Literalmente convidamos os clientes a olhar para suas
composições a partir dessas perspectivas no nível do solo e no metanível,
tirando fotos dos vários pontos de referência e descrevendo-os. Tais práticas
podem libertar os clientes de uma perspectiva limitada ou habitual, oferecer
possibilidades de encontrar novos significados e direções, auxiliar a articular
o que não foi articulado, diferenciar campos de experiência vagos e
homogêneos e, desse modo, auxiliar no processo de recomposição do self
após a perda.
Referências
Hermans, H. J. M. (2018). Society in the self: A theory of identity in democracy. New York: Oxford University
Press.
Hermans, H. J. M., & Hermans-Konopka, A. (2010). Dialogical self theory: Positioning and counter posi-
tioning in a globalizing society. Cambridge, UK: Cambridge University Press.
Konopka, A., Neimeyer, R. A., & Jacobs-Lenz, J. (2017). Composing the self: Toward the dialogical
reconstruction of self-identity. Journal of Constructivist Psychology.
doi:10.1080/10720537.2017.1350609
Konopka, A., & van Beers, W. (2019). Compositionwork: Working with dialogical self in
psychotherapy. In A. Konopka, H. J. M. Hermans, & M. M. Gonçalves (Eds.), Handbook of dialogical
self theory and psychotherapy: Bridging psychotherapeutic and cultural traditions. London: Routledge.
Neimeyer, R. A., & Konopka, A. (2019). The dialogical self in grief therapy: Reconstructing identity in
the wake of loss. In A. Konopka, H. J. M. Hermans, & M. M. Gonçalves (Eds.), Handbook of dialogical
self theory and psychotherapy: Bridging psychotherapeutic and cultural traditions. London: Routledge.
35
Reconsolidação da memória
Jakob van Wielink, Leo Wilhelm e Denise van Geelen-Merks
Descrição
Uma perda no presente pode (de modo subconsciente) desencadear
memórias de perdas anteriores, que vão desde perdas concretas, como a
morte de um dos pais ou a mudança da casa da família, até perdas mais
nebulosas, como a perda de uma infância segura ou de um pai ou uma mãe
confiável. O trabalho com essas memórias pode ser facilitado se primeiro
forem identificados pontos significativos de transição utilizando a linha da
vida, de forma a diretamente evocá-los e modificá-los usando a
reconsolidação da memória. Aqui, descrevemos as duas principais fases
desse processo.
Linha da vida
Criar uma linha do tempo da vida dos clientes pode fornecer a eles
informações sobre esses eventos (Wielink, Wilhelm e van Geelen-Merks,
2020), que podem incluir momentos e períodos de perda e fracasso, mas
também momentos de alegria e sucesso. Esses momentos são conhecidos
como “momentos de transição”, isto é, são momentos que fizeram com que a
vida do cliente tomasse um rumo específico. Ao organizar as transições
significativas em uma linha do tempo, os clientes podem utilizar sinais de
menos e de mais para indicar o impacto negativo ou positivo que elas tiveram
em sua vida. Isso coloca a história do evento da perda em si, assim como a
história de vida prévia de alguém (Neimeyer, 2019), em um contexto maior,
potencialmente abrindo-a para diferentes significados.
FIGURA 35.1 Linha da vida com eventos impactantes a nível pessoal e profissional.
Reconsolidação da memória
A técnica de reconsolidação da memória pode ajudar a substituir esse tipo de
marca limitante por experiências benéficas. Como se vê, as áreas neurais nas
quais as memórias consolidadas foram registradas podem receber novos
registros (Ecker, Ticic, & Hulley, 2012). Por muito tempo, os cientistas
pensaram que a neuroplasticidade do cérebro só se aplicava à criação de
novas vias neurais e, assim, ao registro de novas memórias e à aprendizagem
de novos comportamentos. Como resultado, a terapia implicava tornar os
clientes suficientemente conscientes do novo comportamento benéfico,
repetindo-o com frequência suficiente para torná-lo mais consistente do que
os antigos padrões subconscientes. No entanto, verifica-se que as vias neurais
dessas velhas experiências no subconsciente podem ser reabertas; a marca
associada à memória com efeitos limitantes no presente pode ser modificada
ou sobrescrita por uma experiência benéfica, e, depois disso, a memória pode
ser reconsolidada.
Ecker, Ticic e Hulley descrevem uma abordagem de três etapas e uma
fase de validação para obter esse resultado:
Caso ilustrativo
A mãe de Irene havia falecido há mais de um ano, e Irene sentia muita falta dela. Ela
estava dormindo mal, e as coisas não estavam indo bem no trabalho. Ela nunca
havia sido boa em dizer “não” às tarefas, mas agora seus problemas para manter o
foco a impediam de fazer qualquer coisa. No entanto, Irene se sentia incapaz de dizer
ao seu supervisor que queria recusar ou desistir do trabalho. Afinal, quem faria esse
trabalho se ela não o fizesse? Todos estavam ocupados; ninguém tinha espaço para
mais trabalho. E, se o trabalho que ela normalmente faria não fosse feito, ela se
sentiria péssima.
A linha da vida de Irene rapidamente revelou que desde muito nova ela tinha
muita responsabilidade em sua própria família. Com a mãe doente e dois irmãos
mais novos, ela acabou administrando a casa, mas nunca recebeu qualquer apreço
por isso. Ela mesma sente que era óbvio que fizesse aquilo, afinal, quem mais deveria
fazer? Embora Irene sempre tentasse fazer o seu melhor, sua mãe era difícil de
agradar. Ela sempre era criticada, e as críticas eram expressas porque sua mãe estava
desapontada com ela. Essa decepção era algo de que Irene não tinha como fugir, pois
se recusar a ajudar significaria arriscar ser rejeitada por sua mãe.
A terapeuta pediu a Irene que terminasse a seguinte frase: “Não devo dizer ‘não’
às pessoas, pois se eu disser...”, e Irene concluiu: “Eu vou desapontar minha mãe”. Ela
foi visivelmente afetada por isso; suas mãos, que a princípio haviam descansado
confortavelmente em seu colo, agora estavam inquietas. Ela usou um lenço de papel
para enxugar as lágrimas, suspirando de maneira audível. A terapeuta e Irene então
formularam uma frase juntas, a ser registrada em um cartão. Ela leria a frase para si
mesma várias vezes ao dia, todos os dias, entre as sessões de terapia. Esta é a frase que
elas formularam: “Devo sempre agradar a todos porque não devo desapontá-los,
assim como não devo desapontar minha mãe”. Isso permitiu que Irene se tornasse
consciente de sua marca subconsciente, completando assim a primeira e a segunda
etapas do processo preparatório.
Na sessão seguinte, a terapeuta perguntou a Irene como tinha sido ler a frase no
cartão todos os dias. “Muito desafiador”, ela admitiu. “Agora percebo que sou incapaz
de estabelecer limites... sobretudo com pessoas que de alguma forma me lembram
minha mãe.” Ela então ofereceu uma história por conta própria: um colega de
trabalho pediu que ela assumisse parte de seu trabalho e, embora tenha levado alguns
momentos para dizer a palavra, ela simplesmente disse “não”. O colega de trabalho
aceitou sua recusa e disse: “É justo, você também está ocupada”. Essa situação serviu
como a terceira etapa, o que significa que a terapeuta agora poderia iniciar as etapas
1 a 3 do processo de consolidação da memória.
Ela pediu a Irene que pensasse em uma situação no trabalho em que se sentiu
incapaz de dizer não ao seu supervisor, mesmo que quisesse. Irene deveria imaginar
essa situação vividamente e deixar os sentimentos correspondentes se manifestarem.
Essa é a primeira etapa. A reativação dessa memória emocional foi levada adiante
pela terapeuta, que perguntou: “Com quantos anos você se sente nesta situação? Você
consegue retornar a uma situação semelhante em sua infância que a lembre desta?”.
Isso imediatamente desencadeou uma reação em Irene, que primeiro soluçou de forma
contida e depois deixou suas lágrimas fluírem livremente. A terapeuta reafirmou a
marca original: “Você não deve dizer “não” porque, se disser, você estaria
decepcionando sua mãe”. Reviver essa experiência abriu a via neural para a
experiência original e formou a base para o processo de consolidação da memória.
A terapeuta então iniciou a segunda etapa, trazendo à tona a experiência de
refutação que a cliente teve recentemente: “Agora imagine seu colega de trabalho
chegando até você, perguntando se você assumiria um pouco do trabalho dele. Respire
fundo e diga ‘não’”. Com a apresentação dessas duas experiências contraditórias (que
não podem ser ambas verdadeiras) à mente consciente da cliente, as sinapses da área
neural pertinente foram abertas, resultando em uma janela de tempo de cerca de
cinco horas, durante as quais a experiência original poderia ser sobrescrita.
A terapeuta se absteve de julgar as várias posições. Cabia à cliente decidir se
realmente substituiria a marca antiga pela nova experiência positiva. Em suma, os
clientes realizam a terceira etapa sozinhos. Seus terapeutas podem ajudá-los
repetindo as posições contraditórias, formulando-as de modo diferente a cada vez e,
desse modo, convidando-os a continuar experimentando os tipos de emoções que essas
diferentes posições desencadeiam. Dessa forma, o cliente encerra o processo de
sobrescrever e, com isso, a terceira etapa.
Nesse caso, Irene suspirou com profundidade, relaxou na cadeira e soluçou mais
uma vez, então assoou o nariz e se sentou. “Sim”, ela disse, e ficou em silêncio por um
momento. “Sim”, ela repetiu, e um sorriso apareceu. Deixar essa nova experiência
entrar tornou mais fácil para ela dizer “não”. Ela se tornou mais capaz de defender
suas próprias necessidades no emprego, de recusar trabalho e de encontrar um novo
equilíbrio.
Considerações finais
O sofrimento mental causado por uma marca emocional dolorosa pode ser
aliviado por meio da consolidação da memória. Todavia, se várias marcas
estiverem no centro do sofrimento mental, cada uma deve ser tratada de
modo separado.
Ao determinar as marcas, as experiências limitantes por trás delas e as
experiências de refutação adequadas, é importante que o terapeuta não
julgue a conveniência de qualquer uma das posições. O processo não consiste
em desafiar convicções limitantes em um nível cognitivo. O papel do
terapeuta é apoiar e estimular, permitindo que experiências contraditórias
sejam desbloqueadas na consciência do cliente de maneira simultânea. Só
então os clientes serão capazes de iniciar a reconsolidação da memória por si
mesmos, sobrescrevendo a experiência original. Há vários métodos para
fazer isso; o descrito neste capítulo é apenas um deles. Várias técnicas podem
ser utilizadas — da Gestalt até a programação neurolinguística (PNL) ou ao
método sistêmico, além de muitos outros.
É importante notar que a marca original, embora tenha se tornado
limitante, foi inicialmente destinada a proteger o cliente de danos piores. Em
consequência, serviu a um propósito importante e positivo em sua
sobrevivência. Cada sintoma que o cliente descreve sempre acaba sendo
menos maléfico do que o que teria acontecido com ele se esse comportamento
de sobrevivência não tivesse sido desenvolvido (no caso de Irene, a rejeição
por uma figura de apego central).
Referências
Ecker, B., Ticic, R., & Hulley, L. (2012). Unlocking the emotional brain. New York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (2019). Meaning reconstruction in bereavement: Development of a research program.
Death Studies, 43, 79–91. doi:10.1080/07481187.2018.1456620
Wielink, J. P. J. van, Wilhelm, L., & van Geelen-Merks, D. (2020). Loss, grief and attachment in life
transitions. A clinician’s guide to secure base counselling. London and New York: Routledge.
36
Exercício de constelação da
identidade
Christopher I. MacKinnon, Dina Szynkarsky e Leigh Stephens
Descrição
A vida pode ser conceituada como uma série de perdas e transições. Algumas
dessas transições — divórcio, perda de carreira, imigração, diagnóstico de
doença ou morte — em geral não são planejadas e são complexas de
atravessar, acarretando o risco de estagnação ou adaptação complicada. Os
obstáculos para atravessar de maneira produtiva uma transição podem ser
um desafio especial quando o senso de identidade é questionado (Neimeyer,
2009). Tornar-se um estranho para si mesmo em meio a grandes mudanças
na vida é uma ocorrência comum na experiência do luto. A perda pode
provocar uma crise de significado à medida que se busca compreender o que
pode se converter em narrativas de identidade pessoal internalizadas
incompatíveis e contraditórias (Neimeyer & Sands, 2011). Dignas de nota
para nossos propósitos, as noções construtivistas de identidade pessoal estão
muitas vezes associadas ao mundo social, sobretudo o modo como a
identidade é moldada pelos relacionamentos que consideramos
significativos.
O dramaturgo Robert Anderson (1968) prenunciou o domínio
tanatológico contemporâneo do vínculo contínuo quando propôs que a morte
de um relacionamento significativo não encerra per se a influência do próprio
relacionamento. O vínculo contínuo, como é atualmente definido, incorpora
a presença de um relacionamento interno contínuo com a pessoa falecida
(Stroebe, Schut e Boerner, 2010). Como resultado, as influências implícitas
ou explícitas do relacionamento com a pessoa falecida podem impactar o
senso de self dos enlutados, podendo ser alvo de intervenções clínicas
personalizadas, a exemplo do exercício psicoterapêutico descrito a seguir.
O exercício de constelação da identidade é uma versão modificada de uma
técnica desenvolvida por James Hollis (2015), e é facilmente processado,
parcimonioso e flexível. Esse exercício procura conectar as noções de
reconstrução da identidade pessoal no luto com o vínculo contínuo, bem
como com as noções construtivistas de construção de sentido e significado.
Consequentemente, ele pode ser aplicado na psicoterapia em geral, bem
como na terapia do luto, mas descobrimos que é especialmente útil nesse
último contexto. Os objetivos clínicos dessa técnica incluem: (1) promover a
criação de sentido da experiência subjetiva e da identidade pessoal; (2)
identificar forças relacionais implícitas que podem estar impactando o luto; e
(3) estabelecer alvos para intervenções terapêuticas futuras. O exercício leva
aproximadamente cinco minutos para ser concluído e pode ser mais bem
implementado na sessão, para permitir análise mais profunda dos resultados
em parceria com o terapeuta.
Para realizar o exercício, o cliente precisará de um pedaço de papel em
branco e de um lápis ou uma caneta. O terapeuta convida o cliente a desenhar
um grande círculo com um ponto no centro. Esse círculo simboliza a vida
relacional do cliente, um sistema solar pessoal figurativo, com o ponto central
representando o ponto de poder. Em outros termos, o centro do círculo é o
local de maior influência. O cliente é então convidado a desenhar, dentro do
sistema solar, uma série de subcírculos, cujos tamanho e distância do centro
baseiam-se nos fatores elencados a seguir. Cada subcírculo representa um
relacionamento na vida do cliente — qualquer relacionamento significativo
ou influente com pessoas vivas ou mortas. O tamanho de cada subcírculo
representa o espaço quantitativo que a relação ocupa na vida cotidiana,
definido não apenas pelo tempo gasto com a pessoa mas também pelo tempo
investido em pensar sobre a relação. A distância entre cada subcírculo e o
ponto central representa o poder relativo que o relacionamento exerce sobre o
cliente. Por exemplo, um grande subcírculo localizado na periferia do sistema
solar poderia representar um conhecido que compartilha um cubículo
adjacente diariamente no trabalho, mas que tem pouco ou nenhum impacto
na vida do cliente. Já um pequeno subcírculo localizado próximo ao ponto
central denotaria impacto relacional muito poderoso e contínuo, mas que não
ocupa um grande lugar na vida diária do cliente. Camadas e sobreposições de
subcírculos podem ocorrer e devem ser incentivadas. O sentido exato da
sobreposição de subcírculos pode ser deixado para o cliente identificar.
A avaliação e a interpretação da imagem resultante podem variar
conforme o julgamento clínico do terapeuta, em sintonia com as
necessidades do cliente. O terapeuta pode pedir permissão ao cliente para
exibir a constelação na sala de atendimento, de modo que ambos possam
visualizá-la de modo simultâneo.
Aqui estão alguns direcionamentos clínicos que podem provocar
reflexões mais aprofundadas do cliente:
Caso ilustrativo
Reginald buscou apoio psicológico por conta própria para lidar com o luto decorrente
da morte de seu pai, com quem compartilhava um vínculo especialmente próximo.
Ele apresentava sentimentos significativos de ansiedade, letargia, indecisão,
autocrítica e desespero. Além da morte de seu pai, Reginald estava enfrentando um
casamento sem amor no qual, por muitos anos, ele e sua esposa levaram vidas em
grande medida paralelas. Para complicar as coisas, ele havia iniciado um caso
romântico com uma colega de trabalho nas semanas após a morte de seu pai.
Por meio de uma avaliação mais aprofundada, ficou claro que Reginald estava
lidando com o vazio de seu casamento voltando-se para seu pai em busca de apoio, em
um padrão comum de colusão e triangulação. As conversas com o pai funcionaram
como válvula de pressão periódica, aliviando de modo temporário a tensão que
Reginald enfrentava no casamento. Agora, com seu pai morto, esse meio de
enfrentamento havia sido removido, e Reginald se viu com ansiedade crescente,
incapaz de decidir se deixava o casamento ou confrontava sua esposa a respeito de
suas dificuldades. “Estou fora de controle”, ele exclamou entre explosões de lágrimas.
“Nunca imaginei que seria essa pessoa, envolvida em um relacionamento secreto. Não
entendo por que estou fazendo essas coisas, ou por que não posso seguir em frente.
Estou simplesmente encurralado.”
Reginald tinha inclinações criativas e respondeu com certo entusiasmo quando a
constelação da identidade foi proposta como possibilidade de ajudá-lo a compreender
suas próprias reações. Ele realizou o exercício na sessão e apoiou o desenho no encosto
de uma cadeira vazia, para que ele e o terapeuta pudessem vê-lo ao mesmo tempo.
Demorou um momento para Reginald começar a falar, e o terapeuta o encorajou a
tomar seu tempo enquanto ele observava a imagem.
Primeiro, ele falou sobre o relacionamento com o pai. Embora esse
relacionamento não ocorresse mais no plano físico, seu pai passara a ocupar seus
pensamentos com frequência. Reginald revelou ainda algumas imagens
perturbadoras e recorrentes dos momentos imediatamente anteriores à morte de seu
pai, que estava em cuidados paliativos; tais imagens se manifestavam em pesadelos
repetitivos.
O terapeuta notou alguma sobreposição nos subcírculos de seu pai e de seu filho,
chamado Jeff. Reginald explicou que isso representava o importante papel que seu pai
havia desempenhado na vida de Jeff. Ele descreveu o papel compensatório que seu pai
havia desempenhado nos cuidados com Jeff, já que sua esposa muitas vezes não estava
em casa. Estimulando Reginald, o terapeuta conseguiu que ele compartilhasse um
pouco da pressão que sentia para manter a família unida pelo bem de Jeff e evitar o
divórcio. Ele identificou, ainda, um sentimento de inadequação pessoal para abordar
essas questões parentais. Discutir a natureza da sobreposição entre Jeff e seu pai abriu
caminho para Reginald introduzir a questão de como seu filho estava lidando com a
morte de seu avô.
Além disso, o caso romântico com a colega de trabalho surgiu como uma surpresa
para Reginald, assumindo consideravelmente mais espaço e influência do que ele
havia percebido no início. Esse caso se sobrepôs à esposa, cujo pequeno subcírculo fora
inicialmente colocado em uma posição incidental às margens da constelação.
Reginald sugeriu que a sobreposição era, em parte, devida ao fato de que, quando ele
estava com sua colega de trabalho, sua esposa às vezes ocupava sua mente.
Em um direcionamento subsequente, o terapeuta convidou Reginald a identificar
quaisquer sentimentos em resposta ao exercício ou emoções que poderiam ser
adicionadas à própria constelação. “Para ser brutalmente honesto, acho que estou
completamente envolvido por uma sensação de fracasso. Isso toma um lugar muito
maior do que eu gostaria na minha vida.” O terapeuta ajudou Reginald a
desconstruir esse sentimento, com o cliente em grande parte se identificando com a
palavra “vergonha”. Reginald então acrescentou um subcírculo cinza-claro para
representar sua vergonha, que notavelmente abarcava todos os subcírculos,
centrando-se no relacionamento romântico com a colega de trabalho. Ele assinalou
esse como seu maior fracasso na vida, murmurando: “Estou mortificado em confessar
que isso aconteceu”.
Após um último estímulo, por parte do terapeuta, para a identificação de
sentimentos, Reginald acrescentou que uma sensação de pânico o atingia quando ele
começava a pensar sobre a colega de trabalho e o seu relacionamento com Jeff. “Não
consigo dar nenhum passo à frente. Simplesmente congelei e continuo repetindo o
mesmo velho padrão, voltando para ele de novo e de novo. Não quero continuar
assim, vivendo em segredo, e nem tenho certeza de que quero esse relacionamento. É
tão confuso. Também estou petrificado ante a perspectiva de Jeff descobrir a verdade.
O que ele vai pensar do seu pai?” Um círculo cinza-escuro de pânico foi então
adicionado à constelação, sobreposto ao sentimento de vergonha e aos
relacionamentos com seu filho e sua colega de trabalho.
Na conclusão da consulta, Reginald levou sua constelação para casa após ser
encorajado pelo terapeuta a fazer qualquer refinamento que considerasse apropriado
no desenho, de modo a capturar melhorar sua situação. Ele retornou na sessão
seguinte com uma constelação revisada (Fig. 36.1). Na imagem inicial (não
mostrada aqui), sua esposa, representada pelo pequeno subcírculo com o contorno
fortemente delineado, ocupava um espaço nos limites mais distantes da constelação.
Esse subcírculo foi posteriormente movido e agora estava adjacente ao centro de poder.
“Acho que não queria admitir para mim mesmo quão grande era o espaço que ela
estava ocupando na minha vida.” Ele expressou que, embora ela ocupasse pouco ou
nenhum lugar em sua vida diária (p. ex., eles dormiam separados, não eram íntimos
há anos e mal se falavam), ele estava sendo influenciado e definido em oposição ao
impacto que esse relacionamento tinha sobre si. Reginald relatou que seu senso de
quem ele era (ou seja, sua identidade) dependia em grande medida de sua esposa.
“Sempre pensei em mim como alguém que resolve as coisas. Essa ligação entre mim e
minha esposa modifica meu senso de identidade. Quero voltar a ser a pessoa que eu
era, a pessoa com muita motivação e energia.”
FIGURA 36.1 Constelação da identidade de Reginald.
Considerações finais
O exercício de constelação da identidade é uma técnica psicoterapêutica
relativamente direta, eficiente e persuasiva que pode facilmente tornar
visíveis as forças implícitas que impactam e moldam a experiência de luto de
um indivíduo e seu senso subjetivo de identidade pessoal. Sendo um método
de avaliação que pode ser empregado ao longo do tratamento, pode ser utilizado de
forma colaborativa para destacar as várias esferas de influência na
constelação pessoal simbólica do cliente. Além disso, pode permitir a
abordagem mais consciente de tópicos relevantes, iluminando de modo
concomitante o caminho para o trabalho terapêutico futuro.
Referências
Anderson, R. (1968). I never sang for my father. New York: Dramatists Play Service.
Hollis, J. (2015). Hauntings: Dispelling the ghosts who run our lives. Accredited workshop presented at the
C. G. Jung Society of Montreal, Concordia University, Montreal, QC.
Neimeyer, R. A. (2009). Constructivist psychotherapy. New York: Routledge.
Neimeyer, R. A., & Sands, D. C. (2011). Meaning reconstruction in bereavement: From principles to
practice. In R. A. Neimeyer, D. L. Harris, H. R. Winokuer, & G. F. Thornton (Eds.), Grief and
bereavement in contemporary society: Bridging research and practice (pp. 9–22). New York: Routledge.
Stroebe, M. S., Schut, H., & Boerner, K. (2010). Continuing bonds in adaptation to bereavement:
Toward theoretical integration. Clinical Psychology Review, 30(2), 259–268.
37
Diálogo de vozes
Jakob van Wielink e Anita Bakker
Descrição
O diálogo de vozes é um método eficaz desenvolvido pelos psicólogos Hal e
Sidra Stone (Stone & Stone, 1986). Sua base teórica é a psicologia do
desenvolvimento de Carl Gustav Jung, que descreve como a personalidade
das pessoas é desenvolvida por meio da reconciliação de vários aspectos (às
vezes opostos) da psique.
O diálogo de vozes, também conhecido como “psicologia dos selves”,
baseia-se no pressuposto de que todos abrigam uma série de selves diferentes,
cada um com suas próprias palavras, suas opiniões, suas convicções, seus
sentimentos e suas percepções. Alguns desses selves são mais dominantes do
que outros. As identidades mais dominantes, chamadas “eus primários”, em
geral se desenvolvem mais cedo na vida e nos permitem evitar sentimentos
de dor ou solidão e manter nossos pés no chão. Por exemplo, as pessoas
podem desenvolver um self forte e responsável ou um self excessivamente
preocupado em agradar os outros. Por outro lado, faz sentido minimizarmos
o contato com os aspectos da nossa identidade que nos fazem confrontar a
dor. Os aspectos de nós mesmos que não aceitamos ou que exigem que
lutemos para que encontrem expressão são conhecidos como “selves
renegados”, e, muitas vezes, estão no polo oposto ao de nossos selves
primários.
Quando a perda ocorre, as estratégias de sobrevivência dos selves
primários podem ser insuficientes; eles não são mais capazes de nos proteger
totalmente da experiência do luto. As pessoas podem se sentir travadas e
incapazes de lidar com a nova situação. Outra possibilidade é que os selves
primários das pessoas se manifestem com ainda mais força e exijam que elas
sejam ainda mais fortes, otimistas ou retraídas. Sem que percebamos, nossos
selves primários podem assumir e intensificar o comportamento de
sobrevivência que desenvolvemos no passado. Uma perda muito impactante
também pode fazer com que partes de nós mesmos que não conhecíamos se
revelem, tornando-nos temerosos e inseguros. Raiva, vergonha e culpa são
exemplos de sentimentos que podem estar envolvidos no processo. Alguns de
nossos selves internos estarão mais focados em seguir em frente, já outros
estarão mais focados na perda, como sugerido pelo modelo do processo dual
do luto de Stroebe e Schut (2010).
O terapeuta pode ajudar os clientes a recuperar (mais) controle durante
os períodos em que seu controle foi crucialmente desafiado pela experiência
de perda. No diálogo de vozes, o terapeuta faz isso auxiliando o cliente a
integrar vários selves; ele literalmente dialoga com cada um deles e os aborda
como pessoas distintas. É muito importante que o terapeuta esteja de fato
emocionalmente presente durante as sessões e receba cada aspecto que se
revela de maneira respeitosa. Se o terapeuta conseguir ter sucesso em ser
uma base segura (consulte o Cap. 25, sobre o equilíbrio entre cuidado e
ousadia), isso fornecerá aos clientes a segurança necessária para realmente
atenderem aos vários selves que abrigam.
O diálogo de vozes direciona os terapeutas a trabalhar com o que é
conhecido como a posição central do cliente, na qual eles falam de maneira
direta com o cliente e para a qual retornam após cada conversa com um de
seus vários selves. Essa posição permite que os vários selves sejam examinados
a partir de uma posição autônoma e integrados apropriadamente. No diálogo
de vozes, esse aspecto do paciente é conhecido como “ego consciente”.
Uma sessão típica começa na posição central e a utiliza para explorar a
perda na qual o cliente deseja se concentrar. Como terapeuta, pergunte ao
cliente qual voz — qual self — surge e atribua a este o seu próprio lugar no
espaço terapêutico, talvez sentado em uma cadeira vazia, parado no canto da
sala ou agachado em um lado. Permita que o cliente tenha tempo para
realmente se sintonizar com essa parte de si; trate esse novo self como uma
pessoa que pensa e sente de forma independente e se envolva em um diálogo
com ele.
Aqui estão alguns exemplos de perguntas que você pode fazer para
convocar um self diferente:
V: Acho que me tornei parte de Johan naquele jogo de futebol e nunca mais fui
embora. Certifico-me de que Johan não aja de modo que faça as pessoas pensarem
nele de certa maneira.
T: Você tem cuidado de Johan desde que se lembra. Você quer muito que ele cause boa
impressão nas pessoas... Você deve se importar muito com ele.
V: Não quero que as pessoas o rejeitem. Não quero que ele seja uma decepção, então
estou sempre presente para ficar de olho nas coisas.
Considerações finais
O poder do diálogo de vozes reside no fato de conscientizar as pessoas de que
não precisam se identificar de maneira exclusiva com certas partes de si
mesmas. Todos nós temos várias partes — às vezes opostas — de nós
mesmos, que dão significado à perda à sua maneira. Esses vários lados
podem existir de modo simultâneo. Pode ser muito libertador experienciar
que a depressão e a tristeza podem fazer parte da nossa identidade e, ao
mesmo tempo, ter acesso a partes que querem seguir em frente e descobrir
novas oportunidades. O diálogo de vozes também pode possibilitar que os
clientes acessem quaisquer sentimentos ou pensamentos que tenham
experienciado, mas que têm dificuldade em aceitar em suas vidas diárias. Em
suma, esse trabalho permite que os clientes examinem seus vários selves de
um ponto de vista mais compassivo e receptivo. Não há pressão para
interpretar as coisas ou encontrar soluções. Precisamos apenas seguir,
dedicar tempo, abrir espaço e estar próximos e presentes ao diálogo em
andamento.
Agradecimento
Obrigado a Ruud Zuurman, Diretor do Institute for Transformational
Psychology.
Referências
Stone, H., & Stone, S. (1986). Embracing ourselves: The voice dialogue manual. Novato, CA: New
World Library.
Stroebe, M., & Schut, H. (2010). The dual process model of coping with bereavement: A decade on.
Omega, 61, 273–289.
38
Reenquadramento simbólico
Judy Chew
Descrição
Os símbolos são parte integrante da comunicação, e o uso terapêutico de
associações simbólicas pode auxiliar os clientes tanto a acessar quanto a
estabilizar certas experiências (Combs & Freedman, 1990). O uso de símbolos
no trabalho com o luto pode promover a adaptação do cliente à perda ao
longo das quatro principais tarefas do processo de luto: aceitar a realidade da
perda, processar as reações do luto, ajustar-se à vida na ausência do ente
querido e criar um senso de conexão contínua com ele enquanto segue em
frente na vida (Worden, 2009). Os símbolos escolhidos por um cliente
oferecem perspectiva sobre a vida da pessoa falecida e criam espaço para o
indivíduo enlutado interagir com essa pessoa.
Um símbolo é qualquer coisa (objeto, conceito ou ação) que represente ou
signifique outra coisa, seja ideia, crença ou entidade material. A habilidade
terapêutica requer atenção para perceber quando os clientes podem estar
pensando ou agindo de modo simbólico. Quando isso ocorre, os símbolos têm
muitos usos. A noção de “utilização” de Milton Erikson refere-se à integração
terapêutica dos “problemas” apresentados pelo cliente com a descoberta de
soluções simbólicas (Combs & Freedman, 1990). O “reenquadramento” é uma
habilidade terapêutica que permite que os clientes reconheçam que suas
próprias percepções, suas ações ou suas estratégias podem ser simbólicas.
Para facilitar esse reenquadramento simbólico, Combs e Freedman (1990)
sugerem o uso das seguintes questões: de que maneira a situação poderia ser
símbolo de uma solução ou parte de uma solução? Que intenções ou
motivações positivas se refletem na e podem ser simbolizadas pela situação?
O que essa situação pode simbolizar além de um problema? A utilização
dessas perguntas pode aprimorar o trabalho colaborativo do terapeuta e do
cliente para explorar, identificar e aplicar símbolos como um caminho a
seguir na terapia do luto.
Caso ilustrativo
Adele procurou aconselhamento para lidar com uma onda de emoções dolorosas
ligadas à morte trágica de seu filho Nathan, ocorrida oito anos antes. Sua dor foi
motivada pela necessidade de se mudar da casa da família onde estiveram juntos pela
última vez. Nathan voltara a morar nessa casa após sair da prisão, mas, após uma
briga, Adele o “botou para fora”. Pouco tempo depois, Nathan foi encontrado morto
em uma casa abandonada. Ele morreu acidentalmente devido a um envenenamento
por monóxido de carbono enquanto tentava ligar um fogão velho.
A análise de Adele sobre seus últimos oito anos sugeria que ela havia feito muito
para lidar com e se ajustar à morte de Nathan. Sua vida foi enriquecida por uma rede
de apoio, uma carreira e hobbies, e ela se lembrava de seu filho de maneiras
significativas. Ela acreditava que havia sobrevivido e até prosperado após essa trágica
perda, mas agora a decisão de sair de casa acendeu novas faíscas de luto. Após colocar
sua casa à venda, Adele novamente se sentiu de coração partido devido à ausência de
Nathan, e falava de negócios inacabados que estavam “corroendo-a”. Ela descreveu
alguns de seus comportamentos de enfrentamento como “bizarros e ridículos”, o que a
deixava desolada e assustada. Sua situação trouxe à mente o termo “oscilação”, de
Stroebe e Schut (1999, p. 215), que designa a “alternância entre o enfrentamento
orientado à perda e aquele orientado à restauração, o processo de justaposição de
confronto e evitação de diferentes estressores associados ao luto”.
Reconheci as experiências de Adele e a informei de que é comum experienciar algo
não dito, inacabado ou não resolvido em um relacionamento com um ente querido
que faleceu (Klingspon, Holland, Neimeyer, & Lichtenthal, 2015). Convidei-a a
descrever o que ela queria dizer com “negócios inacabados”. Adele, entre lágrimas,
compartilhou sua “preocupação” em arrumar um lugar à mesa para Nathan e em
continuar a esconder uma chave de casa extra para ele do lado de fora. Ela disse que
isso era “ilógico” e que “não havia chance de ele abrir a porta e retornar”. Ao mesmo
tempo, Adele estava inconsolável ao pensar que teria que “deixá-lo para trás para
sempre” uma vez que saísse da casa.
Nosso trabalho terapêutico se concentrou no significado e nas memórias que sua
casa representava, e pedi a Adele que elaborasse suas expressões concretas de amor
por Nathan em sua casa. Convidei-a a assumir uma postura respeitosa em relação a
seus comportamentos atuais e a manter-se curiosa sobre o que poderia descobrir por
meio deles. Em seguida, recorri ao trabalho de Combs e Freedman (1990), que
identificam os benefícios de reenquadrar os símbolos do cliente, convidando Adele a
refletir sobre como seus gestos ou suas atividades atuais poderiam servir como
símbolos restauradores (ou seja, soluções). Ela passou a reconhecer as dimensões
positivas, por menores que fossem, simbolizadas por seus comportamentos.
Em uma sessão em especial, Adele chegou com um álbum de fotos e a chave de
Nathan. Fotógrafa ávida, ela se animou com a ideia de criar um álbum com fotos dos
cômodos da casa e da varanda da frente, onde a chave de Nathan estava escondida.
Weiser (2004) sugere que, na terapia, uma fotografia pode promover a cura como
“um momento de tempo sendo conservado... congelado para sempre” (p. 26). As
fotografias também podem servir para aprofundar conversas e perspectivas
terapêuticas, conectar o passado com o presente e obter acesso ao conhecimento que
está inconscientemente disponível (Weiser, 2004).
Adele ainda chorava ao descrever sua mudança iminente como um lembrete da
perda de Nathan e de seus sonhos despedaçados. No entanto, ela se referia ao seu
álbum de cômodos como lembrete visual dos 18 anos que compartilhou com ele. Ela
observou que seu comportamento de deixar um lugar para o filho “não era loucura”,
mas um “gesto de amor de mãe”. Disse que manter o álbum de fotografias possibilitou
que falasse de maneira mais fácil sobre o que sentia. Ela descreveu a dor que sentia no
peito e a incapacidade de dizer adeus, de não ver mais o rosto de Nathan ou segurar
sua mão — a agonia de uma mãe afastada de seu filho. Validei sua experiência de
dor e reconheci seus esforços e suas reações como não exclusivas; eu disse que outras
pessoas sentiram o mesmo e que aquilo fazia sentido. Adele assentiu e disse que não
via mais seus gestos e seus comportamentos como “inteiramente loucos”. Seu
movimento da orientação ao sintoma ou ao problema para uma autoavaliação mais
generosa ilustrou o potencial e o poder do simbolismo. Também ressaltou que o
comportamento de Adele precisava ser entendido em seu contexto e que outros tiveram
experiências semelhantes (Klingspon et al., 2015).
Continuei a validar as novas perspectivas de Adele (reenquadramento) e
questionei se seu coração e seu lar sempre permaneceriam amorosamente abertos
para Nathan. Com entusiasmo, ela disse que sim. Então Adele segurou a chave na
mão e disse: “Nathan estará no meu coração sempre, em qualquer lugar que eu vá.
Realmente preciso manter essa chave escondida?”. Sua pergunta retórica foi
acompanhada por mais lágrimas e insights recém-descobertos. Uma energia
pacífica emanou de Adele enquanto ela expressava o valor imensurável de reter o
álbum e a chave como lembranças (símbolos) de seu amor inabalável por Nathan. Ao
final da nossa conversa, Adele se abriu para o caráter definitivo da morte de Nathan.
Ela disse: “Eu passei a aceitar melhor a morte de Nathan desta vez. Agora meu
coração parece maior, como um cômodo enorme e espaçoso, cheio de amor por ele.
Agora sou capaz de me mudar. E nem preciso levar a casa toda comigo!”.
Considerações finais
A exploração e a utilização de símbolos no trabalho com o luto envolvem
possibilidades que podem ser enriquecidas por estratégias de
reenquadramento. No contexto de uma abordagem colaborativa, as questões
terapêuticas podem promover a descoberta, pelo cliente, de novos (e
múltiplos) significados para comportamentos e sentimentos inicialmente
experienciados sobretudo como perturbadores ou sintomáticos. Isso pode
abrir o cliente para novas possibilidades e escolhas na vida após a perda.
A experiência das reações de luto de Adele e seus comportamentos que
ela descrevia como “bizarros” compreensivelmente se tornaram mais
intensos e angustiantes durante a grande transição de vida representada pela
mudança de sua casa. Esse abalo secundário desestabilizou sua identidade
inicial após a perda, que havia sido estabelecida até aquele momento. Na
terapia, Adele estava disposta a confrontar o vazio deixado por Nathan e a
fazer o trabalho com o luto necessário para começar o próximo capítulo de
sua vida após a morte de seu filho.
Uma forte aliança terapêutica e o respeito mútuo são fundamentais no
trabalho com o luto para que a intervenção simbólica seja utilizada. A
natureza do relacionamento precisa incluir a flexibilidade do terapeuta. A
reconstrução da identidade no processo de luto é complexa, exigindo que o
terapeuta avalie a segurança, a força do ego e a prontidão do cliente para
explorar os significados das reações ao luto. O uso de símbolos e do
reenquadramento pode ajudar o cliente a acessar sua própria sabedoria
interior e a adaptar-se e ajustar-se — e continuar a crescer — de maneira
criativa após a perda.
Referências
Combs, G., & Freedman, J. (1990). Symbol, story & ceremony: Using metaphor in individual and family
therapy. New York: Norton.
Klingspon, K., Holland, J., Neimeyer, R. A., & Lichtenthal, W. (2015). Unfinished business in
bereavement. Death Studies, 39, 387–398. doi:10.1080/07481187.2015.1029143
Stroebe, M., & Schut, H. (1999). The dual process model for coping with bereavement: Rationale and
description. Death Studies, 23, 197–224.
Weiser, J. (2004). Phototherapy techniques in counselling and therapy: Using ordinary snapshots and
photo-interactions to help clients heal their lives. Canadian Art Therapy Association Journal, 17, 23–
53. doi:10.1080/08322473.2004.11432263
Worden, W. (2009). Grief counseling and grief therapy: A handbook for the mental health practitioner (4th
ed.). New York: Springer.
39
Terapia da moeda
Gilbert Fan
Descrição
Pacientes que enfrentam a morte, bem como indivíduos enlutados, muitas
vezes sofrem de ansiedade e humor depressivo (Boelen & Prigerson, 2007;
Mitchell et al., 2011; Stroebe, Schut, & Stroebe, 2007). Nesse sentido, é
encorajador que uma metanálise de 116 estudos com pacientes com câncer
que receberam intervenções psicoeducacionais e psicossociais tenha
identificado, nesses pacientes, níveis mais baixos de tal sofrimento em
comparação com os encontrados em indivíduos que não passaram por
intervenções (Devine & Westlake, 1995). Um relatório especial sobre
psicoterapia de grupo desenvolvido no National Cancer Centre Singapore,
destacou a relevância e a importância da psicoterapia experiencial para as
populações asiáticas, que tendem a ter vocabulário limitado para articular o
impacto de doenças graves ou eventos de vida estressantes (Khng, Woo, &
Fan, 2016).
A terapia da moeda é uma técnica simples para demonstrar aos clientes o
impacto negativo de se preocupar demais ou de se concentrar em apenas um
lado de sua experiência de vida. Essa terapia pode ser colocada em prática
com muitos pacientes em cuidados paliativos e com clientes enlutados em
contextos grupais ou individuais (ambos os quais serão referidos aqui
simplesmente como “clientes”). No exercício, é mostrada aos clientes uma
moeda de um dólar de Singapura (ou uma moeda familiar semelhante de
outras nações), colocada na palma da mão do terapeuta. Então, o cliente é
solicitado a descrever o que vê em um lado da moeda (p. ex., as flores em
uma moeda de um dólar de Singapura).
Os clientes tendem a ser muito descritivos no início da conversa, em geral
relatando concretamente o que veem (p. ex., descrevendo a imagem e lendo
as palavras ou números na moeda). O terapeuta então incentiva os clientes a
fornecer mais detalhes, perguntando “O que mais você vê?” algumas vezes.
Os clientes propensos a se preocupar tendem ao pensamento abstrato e
avaliativo, tecendo comentários sobre a moeda como sendo nacional, sobre
os produtos que ela pode comprar, a diminuição de seu poder de compra ao
longo do tempo, etc. Já clientes menos preocupados tendem a se fixar nos
aspectos descritivos.
Em seguida, o cliente é questionado: “O que há no outro lado da moeda?”.
Nesse momento, os clientes podem experimentar insegurança, pois não têm
certeza do que fazer: imaginar o outro lado, virar a moeda ou,
alternativamente, fornecer apenas uma descrição genérica do que aparece na
outra face. O terapeuta então instrui o cliente a virar a moeda e descrever o
que aparece no verso. Ele pode convidar o cliente a formular em seus
próprios termos a lição ou a moral do exercício no que diz respeito a viver
com a doença ou a perda. Essa simples sugestão pode levar muitos clientes a
reconhecer e expressar que precisam olhar “para o outro lado da moeda”, com
o objetivo de ver as partes positivas de suas vidas ofuscadas por suas
circunstâncias difíceis. Quando é necessário mais estímulo, o terapeuta pode
chamar a atenção do cliente para o fato de que, às vezes, um foco intenso nos
aspectos negativos da vida nos leva a perder muitos dos seus aspectos
positivos, pois dificilmente exploramos esse outro lado. Nesse ponto, muitas
vezes é possível perguntar ao cliente: “Você sabe que, em sua vida, pode
escolher olhar para os aspectos positivos, da mesma maneira que virou a
moeda?”.
O terapeuta então incentiva o cliente a olhar para ambos os lados da
moeda com base na necessidade de conhecê-la, examinando claramente as
características negativas associadas à doença ou à perda, mas sem olhar para
elas por períodos prolongados. Voltando à demonstração da moeda, o
terapeuta instrui o cliente a explorar os dois lados da moeda sem segurá-la na
posição vertical ou virá-la. Se o cliente ficar travado nesse ponto, o terapeuta
o auxilia colocando a moeda na posição vertical em uma mesa nivelada,
segurando-a de maneira cuidadosa em sua borda. Com a moeda posicionada
na vertical, os clientes podem virar a cabeça, a fim de olhar para os dois
lados. O terapeuta então pergunta ao cliente: “O que você precisa fazer para
olhar para os dois lados da moeda?”. Os clientes muitas vezes observam que
precisam mudar seu olhar ou sua perspectiva para fazê-lo. O terapeuta pode
enfatizar que o esforço para observar ambos os lados da moeda vem do
próprio cliente. A moeda representa circunstâncias da vida que
provavelmente não mudarão; portanto, o esforço para mudar deve vir do
cliente. O terapeuta pode sugerir que o cliente observe ambos os lados da
moeda com base na necessidade de conhecê-la. Para viver de forma realista,
é preciso explorar os aspectos negativos e positivos da vida de forma plena e
significativa. A última pergunta do terapeuta ao cliente pode ser: “Quantos
lados você vê nesta moeda?”. Na verdade, existem três lados, sendo o terceiro
a borda na qual a moeda está se equilibrando. O terapeuta pode então notar
que o lado menos perceptível é muitas vezes negligenciado, e que um esforço
especial pode ser necessário para ver a moeda e a vida de maneira mais
tridimensional.
Caso ilustrativo
Roger, 45 anos, tinha câncer avançado de cólon. Ele foi encaminhado para
aconselhamento, pois estava deprimido nos últimos cinco anos. Ele estava de mau
humor e falava muito pouco, então a conversa terapêutica prolongada se mostrou
difícil, sobretudo durante suas visitas relativamente breves à clínica para tratamento.
Por esse motivo, em uma de nossas sessões, peguei uma moeda de um dólar de
Singapura, coloquei-a na palma da mão e pedi a Roger que me dissesse o que via. Ele
foi muito concreto ao descrever os detalhes delicados da moeda. Quando encorajado a
elaborar sua descrição, Roger ativou um modo prescritivo e falou sobre conhecimento
abstrato, sobre como a moeda de um dólar pode ser utilizada, o que pode comprar,
como um dólar não vale mais tanto quanto antes e assim por diante.
Roger hesitou quando perguntei o que havia do outro lado da moeda, olhando
fixamente para ela sem tocá-la ou me pedir para virá-la. Nessa tendência fixa de ficar
travado em seu comportamento de resolução de problemas, a atitude de Roger era
típica de muitos clientes deprimidos. Então virei a moeda e perguntei o que ele via no
verso. Roger foi capaz de descrever o que viu. Então, perguntei se ele havia ficado
travado olhando para um lado da moeda nos últimos cinco anos da sua vida. Ele
desabou e chorou, compartilhando que fazia muito tempo desde que havia notado ou
dado atenção ao outro lado. Ele reconheceu que estava muito focado em sua
negatividade para reconhecer qualquer positividade em sua vida. Usei minhas mãos
para indicar como ele se concentrou em um lado e negligenciou a vida do outro, que
era invisível quando a moeda estava na palma da minha mão. Em seguida, disse a
Roger que não era tarde demais para olhar para o outro lado.
Perguntei se ele sabia como olhar para ambos os lados da moeda. Ele me encarou
fixamente. Então coloquei a moeda na posição vertical sobre uma mesa. Encorajei
Roger a olhar para os dois lados dela. Ele estendeu a mão para pegar a moeda, mas eu
o impedi. Disse a ele que a moeda representava as circunstâncias de sua vida que eram
difíceis de mudar. Roger mudou a posição da sua cabeça, a fim de olhar para os dois
lados da moeda. Pedi a Roger para me dizer por que ele estava fazendo aquilo. Roger
respondeu que, para ver os dois lados da moeda, precisava mover a cabeça, com o
objetivo de mudar seu campo de visão. Perguntei o que isso implicava para ele. Roger
foi capaz de verbalizar para mim que o esforço precisava vir dele. Concordei e
enfatizei que a decisão de fazer uma mudança era dele. Ele poderia aprender com
livros e conselheiros, mas, no fim das contas, a escolha estava em suas mãos.
Considerações finais
A terapia da moeda pode ser adaptada para ser utilizada com moedas de
diferentes nacionalidades. É melhor realizá-la com uma moeda do que com
uma nota, já que esta última é muito complexa em seus detalhes, não tem
uma borda sobre a qual se equilibrar e, o mais importante, não tem o poder
metafórico do “olhar para o outro lado da moeda”, que existe como um ditado
em muitas línguas. A terapia da moeda funciona melhor com clientes que são
visuais e experienciais em seu foco e seu aprendizado. Ela pode ser
especialmente útil para clientes que se preocupam muito, para os que têm
ansiedade e humor depressivo e para aqueles que estão presos em
circunstâncias difíceis e insolúveis de doença e perda.
Referências
Boelen, P. A., & Prigerson, H. G. (2007). The influence of symptoms of prolonged grief disorder,
depression, and anxiety on quality of life among bereaved adults: A prospective study. European
Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience, 257(8), 444–452.
Devine, E. C., & Westlake, S. K. (1995). The effects of psychoeducational care provided to adults with
cancer: Meta-analysis of 116 studies. Oncology Nursing Forum, 22(9), 1369–1381.
Khng, J. N. W., Woo, I. M. H., & Fan, G. (2016). Experiential group work for cancer patients shaped by
experiences of participants during group intervention. Future Oncology, 12(24), 2817–2822.
Mitchell, A. J., Chan, M., Bhatti, H., Halton, M., Grassi, L., Johansen, C., & Meader, N. (2011).
Prevalence of depression, anxiety, and adjustment disorder in oncological, haematological, and
palliative-care settings: A meta-analysis of 94 interview-based studies. The Lancet, 12(2), 160–174.
Stroebe, M., Schut, H., & Stroebe, W. (2007). Health outcomes of bereavement. The Lancet, 370(9603),
1960–1973.
PARTE X
Reafirmando o apego
40
Ciclo de transição
Jakob van Wielink e Leo Wilhelm
Descrição
Cada contato, cada relacionamento, cada conexão que estabelecemos com os
outros eventualmente chegará a um fim. A maneira como nos despedimos,
lidamos com a perda, vivemos o luto e somos capazes de atribuir significado
a tais eventos engloba mais do que apenas o contato, a pessoa ou o
relacionamento do qual estamos nos despedindo. Ela também diz respeito a
como nos conectamos uns com os outros: como nos conectamos com essa
pessoa em particular, e também como nos apegamos às pessoas em sentido
mais geral. O ciclo de transição fornece insights sobre como os temas da vida,
a exemplo de apego, resiliência, vínculo, experiência de intimidade, perda,
despedida, luto, integração da perda, reconstrução de significado e
(re)descoberta de nossa vocação — a contribuição única que somos
destinados a fazer ao mundo, proveniente de quem somos em nossa essência
—, estão conectados entre si (Wielink, Wilhelm, & van Geelen-Merks, 2020).
Em nível macro, o ciclo de transição é uma representação da vida do berço ao
túmulo: desde o momento em que somos recebidos pela primeira vez no
mundo, quando nascemos, por meio do apego (seja de natureza segura ou
insegura), da conexão e da aceitação da intimidade em relacionamentos
significativos (parceiros), até as despedidas, perdas e lutos, dando significado
na velhice e cumprindo nossa vocação, completando, desse modo, o círculo
para um novo acolhimento, um novo começo na próxima geração. No
entanto, o ciclo de transição também representa a dinâmica de cada (breve)
encontro na vida em nível micro: cada primeiro encontro, cada conexão e
cada despedida. Todo encontro com outras pessoas ativa nosso padrão de
apego; cada perda, cada despedida ressoa com a ansiedade de separação que
todos experienciamos quando crianças nos momentos nos quais nossas
figuras de apego não estavam disponíveis para nós.
Caso ilustrativo
O desenvolvimento de um governo mais eficiente em geral envolve a fusão de várias
agências governamentais. Um desses departamentos, que realizava análises
econômicas, foi fundido — nesse caso, com outra agência econômica. Essa foi uma
mudança enorme para o total de 450 funcionários. Eles não apenas ganharam
imediatamente um grande número de novos colegas de trabalho mas também houve
muitas mudanças de gerenciamento. Além disso, eles se mudaram para um novo
edifício, um novo escritório aberto com estações de trabalho flexíveis e armários nos
quais todos deveriam guardar seus itens pessoais. Essa transição massiva foi
supervisionada por uma equipe de consultores. Além de dar suporte ao processo
estratégico e à seleção de novos supervisores, os consultores também organizaram
workshops para os funcionários. Nesses workshops, eles prepararam os
funcionários para a transição da melhor maneira possível. Eles explicaram todas as
questões práticas e permitiram que os funcionários expressassem seus próprios desejos
e suas ideias sobre como a nova organização municipal deveria ser configurada. Um
artista criou um tríptico[NRT] com a ajuda dos funcionários que queriam se envolver,
retratando cada uma das unidades em fusão. Essa obra de arte foi então colocada no
novo edifício. Para a maioria dos funcionários, a transição foi relativamente indolor.
Após algum constrangimento inicial, eles rapidamente se estabeleceram no novo
cenário.
Contudo, nem todos lidaram tão bem com o processo. Sharon é um exemplo. Ela
era gerente de recursos humanos. Vários meses haviam se passado desde a fusão
quando ela entrou em contato pela primeira vez com a terapeuta, após ser
encaminhada pelo médico do trabalho. Ela estava se sentindo ansiosa, cansada e
incapaz de fazer seu trabalho desde que, de repente, começara a soluçar durante uma
reunião de equipe.
No primeiro encontro, a terapeuta notou que Sharon era muito amigável com ela,
elogiando o seu espaço de trabalho e o seu site. Tornou-se imediatamente evidente
como Sharon agiu no contexto do tema de boas-vindas. Ela tinha tendência a acolher
os outros, e garantiu que o contato fosse fácil e agradável. Quando o tema das boas-
vindas e seu papel na família de Sharon surgiu mais tarde na conversa, ela contou
que era a mais velha de quatro irmãos. Seus pais tinham uma loja em casa, com uma
única porta separando a sala de estar do pequeno depósito atrás do balcão. “Bem-
vindo” era um conceito voltado sobretudo aos clientes. Assim que a campainha da loja
tocava, a mãe de Sharon levantava-se imediatamente. Era como se tudo na sala de
estar ficasse em suspenso e todo o foco mudasse para o que estava acontecendo na loja.
Dessa forma, desde muito cedo, Sharon foi exposta à noção de que é importante
receber os clientes, independentemente do que você está fazendo ou das suas
necessidades. “Como esse tema desempenha um papel no seu trabalho agora?”
Sharon sorriu antes de responder. “Percebi que faço exatamente a mesma coisa. Estou
sempre à disposição para os outros. Assim que as pessoas entram em meu escritório,
paro o que estou fazendo e dedico um tempo a ouvi-las. E, se elas tiverem uma
pergunta que precise ser respondida, eu a respondo imediatamente.”
Em uma sessão subsequente, a terapeuta registrou os vários temas do ciclo de
transição em folhas A4 e as colocou no chão, formando um círculo. Em seguida, ela
pediu a Sharon que se aproximasse e ficasse sobre a folha que dizia “boas-vindas”.
“Passamos algum tempo conversando sobre esse tema da última vez. Você me contou
um pouco sobre ele. Você poderia retomá-lo, por favor?” “Sim, eu lembro. Para mim,
‘boas-vindas’ tem a ver sobretudo com receber os clientes.” “E quanto a uma recepção
para você?” Sharon prendeu a respiração e corou. “Não sei o que fazer com essa
pergunta... É quase como se eu nem conseguisse contemplar essa ideia.” Sharon agora
estava se conectando com a dor que, para ela, fazia parte do tema de boas-vindas. A
terapeuta confirmou essa noção: “É assim que você sempre vivenciou o tema de boas-
vindas. É fácil para você receber os outros, mas você se sente desconfortável sendo
recebida. Certo?” Sharon assentiu. Sem se aprofundar, a terapeuta passou para o
próximo tema, apego. “Por favor, fique de pé sobre o tema do apego. Como ele faz você
se sentir?” Sharon respirou fundo. “Pode parecer estranho, mas me deixa um pouco
nervosa, um pouco desconfortável. Como se eu devesse estar fazendo alguma coisa.” A
terapeuta reiterou: “Então, quando você passa para o tema do apego, você se sente
nervosa; fica desconfortável, como se devesse estar fazendo alguma coisa”. “Isso. É
uma sensação de ter de estar pronta, de ter de começar a trabalhar. Como se não
bastasse estar lá; preciso fazer algo a respeito.” Ela chorou.
Debruçar-se sobre os vários temas não apenas ativou as habilidades cognitivas de
Sharon mas também permitiu que ela se tornasse mais consciente de suas reações
físicas e energéticas. Seu corpo e sua energia experienciaram desconforto, embora não
parecesse haver razão identificável para isso, cognitivamente falando. Sharon ficou a
par de suas reações inconscientes para que pudesse examiná-las. No caso dela, um dos
principais padrões de apego desenvolvidos consistia em almejar agradar os outros.
Ela tinha uma crença profunda (inconsciente) de que, se agradasse os outros, eles a
apreciariam e ficariam com ela.
Quando Sharon examinou o tema da despedida mais tarde, ela sentiu medo. Isso
a levou de volta a uma experiência que tivera há muito tempo, quando tinha apenas
5 anos. Quando ela acordou, por volta das 7h da manhã, não havia ninguém em
casa. Ela entrou em pânico e engatinhou até a cama dos pais. Por volta das 7h30, o
vizinho passou para vê-la. Os pais dela tinham ido ao hospital para o nascimento do
bebê; o irmão de 2 anos de Sharon tinha sido levado para a casa dos vizinhos porque
ele estava acordado quando seus pais saíram. O assunto nunca foi discutido, muito
menos mais tarde naquele dia, quando os pais de Sharon voltaram para casa com sua
nova irmãzinha.
Para Sharon, as mudanças no trabalho desencadearam inconscientemente
antigos padrões e tocaram em antigas dores. Ela vinha trabalhando duro há meses
para ajudar a garantir uma transição bem-sucedida: fazendo planos de formação,
apoiando a equipe de gestão, incentivando seus colegas, oferecendo conselhos sobre
organização de equipes, etc. Ela estava colocando todo mundo em primeiro lugar,
cuidando perfeitamente de tudo o que precisava ser feito, mas prestando pouca
atenção às suas próprias necessidades.
Considerações finais
Os temas do ciclo de transição também estão presentes em nível micro nos
momentos de contato entre o conselheiro e o cliente, desde o acolhimento e a
formação de vínculos até o compartilhamento de intimidade e a despedida.
Nas sessões de aconselhamento, esses temas afetam não apenas o cliente
como também o conselheiro. Portanto, é importante que os conselheiros
estejam cientes e reconheçam de que forma esses temas ressoam neles.
Os temas podem ser utilizados durante todo o processo de
aconselhamento. Por exemplo, se o pedido inicial de ajuda do cliente estiver
relacionado a uma perda, pode parecer óbvio se concentrar apenas nesse
tema. Todavia, a perda não pode ser considerada de maneira adequada fora
do contexto dos outros temas. O conselheiro tem a opção de convidar o
cliente a explorar mais a fundo os vários temas a qualquer momento durante
o processo de aconselhamento e ao investigar o seu pedido de ajuda de modo
mais detalhado. ▲
Referências
Bowlby, J. (2005). A secure base. Abingdon: Taylor & Francis.
Wielink, J. P. J. van, & Wilhelm, L. (2020, May). (Re)discovering calling in the wake of loss through
secure bases. AI Practitioner. International Journal of Appreciative Inquiry, 22(2), 13–18.
Wielink, J. P. J. van, Wilhelm, L., & van Geelen-Merks, D. (2020). Loss, grief and attachment in life
transitions. A clinician’s guide to secure base counselling. London and New York: Routledge.
[tríptico] N. de R. T. Obra de arte pintada e/ou esculpida em três painéis distintos, geralmente unidos
para formar uma única imagem.
41
Criando um portal sensorial
Diana C. Sands
Descrição
O processo de realinhamento de ter o ente querido como uma pessoa viva e
passar a tê-lo como uma presença reconstruída e contínua na vida do
enlutado está no cerne do luto. Essa intervenção clínica baseia-se na teoria
do vínculo contínuo (Klass & Steffen, 2017), na teoria do trauma sensorial e
corporal (Ogden, Minton, & Pain, 2006) e nas artes expressivas como um
meio para criar um portal sensorial para apoiar o desenvolvimento saudável
do vínculo contínuo. As memórias sensoriais persistem de maneiras sutis na
psique muito tempo depois da morte de um ente querido e podem ser
despertadas por meio de objetos de ligação, proporcionando a entrada em um
vasto mundo de recordações. Objetos de ligação significativos são itens que
pertenciam à pessoa falecida ou que a trazem à mente. Esses objetos podem
despertar correntes profundas de conhecimento e significado imbricadas nas
percepções sensoriais. Uma colagem tridimensional de objetos pode se tornar
um ponto de partida tangível entre o momento presente de perda e o ponto de
transição, de modo a apoiar a construção e o enriquecimento de um vínculo
contínuo com a pessoa falecida.
O complexo processo de construção de um vínculo contínuo evolui e se
aprofunda ao longo do tempo, à medida que o enlutado cria uma relação
internalizada com o ente querido, a qual, assim como o próprio enlutado, se
desenvolve e se modifica. Por meio do processo de construção de um vínculo
contínuo, o ente querido, embora fisicamente ausente, permanece como uma
presença reconfortante na vida da pessoa enlutada, o que pode potencializar
o seu funcionamento (Sands, 2014). As melhores qualidades, os valores e as
crenças do ente querido tornam-se um recurso para apoiar a tomada de
decisões e sustentar o senso de identidade enquanto o sujeito enlutado
navega pelas mudanças avassaladoras que acompanham a perda.
O conhecimento sensorial precede a compreensão intelectual e é nossa
primeira e principal maneira de conhecer o mundo. Há cinco percepções
sensoriais — visão, audição, tato, olfato e paladar —, além das modalidades
sensoriais de luz, temperatura e pressão. Objetos de conexão podem evocar
muitas nuances da pessoa que os utilizou e tocou, sejam eles um par de
óculos de sol, um chapéu, uma carteira ou um perfume persistente em uma
peça de roupa. Esses objetos falam a linguagem do coração e podem
transportar o enlutado para tempos e lugares que marcaram a maneira como
eram. Tais objetos estão imbuídos de memórias sensoriais profundas e de um
significado maior do que a natureza deles próprios. Os objetos de ligação
reúnem experiências sensoriais, emocionais, cognitivas e de significado. Por
exemplo, um ursinho de pelúcia puído pode trazer à memória não apenas o
rosto de uma criança amada em determinado momento mas também uma
mistura de memórias sensoriais: a cor, o cheiro e a textura da pele da criança,
o som do riso compartilhado e a própria presença naquele momento (Sands,
Jordan, & Neimeyer, 2011).
O processo de construção de um portal sensorial começa antes da sessão
de aconselhamento, com os participantes reunindo uma variedade de
pequenos objetos, fotos, cartões e roupas. No contexto grupal, os
participantes são convidados a refletir e compartilhar seu luto enquanto
tecem uma narrativa interativa sobre suas experiências com a presença
contínua de seus entes queridos. O termo francês sillage refere-se à impressão
duradoura que fica em um espaço depois que alguém esteve lá e se foi. Essa
sensação sentida de presença pode ser encontrada em sonhos, em
determinada música sendo tocada ou no aparecimento de penas, moedas,
pássaros ou outros animais em momentos sincrônicos. De modo gentil, as
histórias de um cliente são reunidas para criar um espaço flexível de
possibilidade para a construção de um portal sensorial. Referindo-se à
sensação sentida, Gabaldon (1997) comentou:
Viemos do mistério e retornamos a ele... Uma brisa passando em uma
sala imóvel toca meu cabelo... com afeto suave. Acho que é minha mãe...
Nossas mentes racionais dizem: “Não, não é”, mas outra parte, uma parte
mais antiga, ecoa sempre de maneira suave... “Sim, mas poderia ser”
(Gabaldon, 1997, p. xi).
É essa sensação sentida da presença do ente amado que procuramos
capturar por meio do processo do portal sensorial.
Os participantes então selecionam uma moldura em formato de caixa
branca, preta ou cor de madeira que possa ser pintada, removendo a parte
traseira em preparação para colocar seus objetos. Um suprimento abundante
de materiais artísticos está à disposição, incluindo papel colorido, tintas,
lápis e uma seleção de conchas, penas, cristais, fitas e sementes.
Uma visualização guiada direciona os participantes para seus corpos,
acalmando-os e concentrando sua atenção em seus corações e em sua
conexão com seu ente querido. Os participantes organizam e refletem sobre
seus itens e, quando estão prontos, selecionam uma peça de roupa do ente
querido ou um papel colorido para compor o plano de fundo. Fita dupla-face
pode ser utilizada para posicionar objetos na estrutura, com o objetivo de
alcançar um arranjo satisfatório. Pode ser necessário apoio emocional se
objetos, roupas ou fotos precisarem ser cortados ou reconfigurados para
caber na moldura. Pistolas de cola, adesivos e grampos podem prender os
objetos no lugar. Os participantes podem desejar adicionar elementos ou
reorganizar seu trabalho posteriormente. Ao longo do processo, o terapeuta
oferece apoio, criando espaço para criatividade silenciosa e absorvida, e
permitindo que o processo se desenrole com o mínimo de palavras. O tempo
dedicado à construção de uma colagem de portal sensorial pode ser de uma
hora ou mais, dependendo do tamanho do quadro-caixa e do grau de
complexidade.
Após a criação da colagem, o terapeuta utiliza perguntas para estimular a
reflexão e aprofundar a construção narrativa: como os clientes se sentem
dentro de seus corpos? O que se evidenciou para eles enquanto trabalhavam?
Qual foi o significado dos objetos selecionados, de sua ordenação e sua
justaposição? Surgiu algum padrão temporal, alguma ordem ou novos
entendimentos ao narrarem a história de seu relacionamento com o ente
querido? Onde eles colocarão seu portal sensorial?
Caso ilustrativo
O caso ilustrativo a seguir foi extraído de uma oficina em grupo para adultos
enlutados por suicídio. Os comentários foram feitos no período imediatamente após os
participantes criarem seus portais sensoriais.
Pablo, um jovem enlutado pela perda de Luís, seu irmão, montou uma colagem
3D com a carteira usada dele, uma flauta intrincadamente esculpida e um diário de
viagem de couro surrado. Ao terminar, ele refletiu que o processo o deixou se sentindo
diferente, menos pesado, e que sentiu que seu irmão estava ajudando-o:
No começo, me senti bastante travado... e agora estou sorrindo e sinto que me
abri. Sinto-me diferente, então o processo foi bom — e eu estava muito cético com
relação a tudo isso. Estou satisfeito. As coisas parecem menos pesadas —
pareciam muito pesadas, definitivamente. Mas, assim que comecei, meio que
aconteceu, e senti que estava recebendo alguma ajuda de Luís.
Pablo falou mais sobre o processo e suas reservas:
Eu quase não vim, para ser honesto... Mas, quando me sentei aqui para fazer a
colagem, fiquei olhando as coisas do Luís e meio que as ignorando por um tempo,
sem saber o que fazer. Então comecei a entrar um pouco no fluxo, e senti que a
coisa simplesmente aconteceu por conta própria... Realmente não pensei a
respeito... como se ele estivesse me guiando.
Petra, que estava de luto pela perda de James, seu marido, nutriu-se da evidência
do amor dele por ela e por seus filhos, que podia ser visto em sua luva desgastada pelo
trabalho:
Fazer isso foi muito emocional para mim, assim como juntar as coisas dele para
trazer para cá. Mas, quando comecei a arrumar tudo, me senti calma. Eu tinha
uma boa noção do que eu queria. Olho para isso e para todos os momentos felizes.
Não importa que eles não aconteçam de novo, pois já os vivemos e foi por inteiro.
James viveu uma vida plena; ele não desperdiçou um único momento. [Indicando
a luva, com lágrimas nos olhos.] Ele realmente trabalhou duro por nós, para
cuidar de nós; ele realmente tomou conta da gente.
Julie, que estava de luto pela perda de David, seu filho, ficou surpresa ao notar
como os itens, que incluíam uma palheta de guitarra dele, uma camiseta velha que ele
amava e um cordão de couro com um amuleto protetor, pareciam se organizar
sozinhos. Julie supôs que David a havia ajudado:
Não funcionou da maneira que eu visualizei. Peguei tudo, espalhei, tirei uma foto
e pensei que seria isso. Mas ficou como David era... e eu me senti confortável com o
fato de estar desorganizado, de uma forma meio organizada, como ele era.
Parecia que David estava me ajudando.
Carol, que estava de luto pela perda de Mark, seu irmão, ficou visivelmente
comovida durante todo o processo, derramando lágrimas que, em outros contextos,
ela mantinha sob controle. Apesar das reservas iniciais, Carol se entusiasmou:
Eu amo isso — somos nós juntos. Antes eu estava pensando que isso era uma coisa
estúpida de se fazer... Não sou uma pessoa artista e podia ouvir Mark rindo. Eu
estava um pouco sem vontade, mas absolutamente amo o resultado — somos nós
juntos, eu e meu irmão [chorando]. Éramos realmente muito próximos. Vou
incluir mais algumas coisas mais tarde. Estou muito feliz por ter feito essa
colagem, gostei muito. Foi algo que valeu a pena fazer, passar o tempo com Mark.
Mais insights foram oferecidos quando os participantes falaram sobre onde
colocariam seu trabalho. Petra queria exibir seu portal sensorial em um cômodo
central da casa para incentivar conversas da família:
Gostaria de colocar isso no centro da mesa para que a gente possa sentar e
conversar sobre esses bons momentos, sobre qualquer um deles. Os netos
poderiam olhar e dizer: “O que é isso?”. Então eles poderiam fazer perguntas, e
poderíamos falar sobre James. Quero poder fazer isso, contar as histórias. Vai
ficar cada vez mais fácil, e eu vou poder olhar e sentir isso, e talvez não mais sentir
a tristeza.
Julie explicou seus pensamentos:
Pensei em colocar na parede do quarto de David. Sou uma daquelas pessoas —
não limpei o quarto dele. Não consigo. As pessoas dizem para fazer quando você
estiver pronta, mas acho que nunca estarei. Acho que posso colocar o portal na
área principal, onde as pessoas entram, na área que visitam, colocar lá na
parede. Sim, vou fazer isso.
Considerações finais
A riqueza de criar um portal sensorial é que ele traz para o relacionamento
aquilo para o qual não há palavras, entrelaçando as diferentes maneiras pelas
quais as pessoas encontram uma linguagem simbólica para o amor, a perda e
a esperança. A construção de um portal sensorial direciona os enlutados ao
seu corpo, ao seu coração e à sua imaginação para criar um vínculo
duradouro com seus entes queridos. Mantidas em uma moldura e em suas
casas, as memórias resultantes podem ir além da morte e fornecer apoio para
viver, além de uma apreciação reavaliada da vida e do relacionamento.
Referências
Gabaldon, D. (1997). The drums of autumn. London: Arrow.
Klass, D., & Steffen, E. (Eds.). (2017). Continuing bonds in bereavement. New York: Routledge.
Ogden, P., Minton, K., & Pain, C. (2006). Trauma and the body: A sensorimotor approach to psychotherapy.
New York: Norton.
Sands, D. C. (2014). Restoring the heartbeat of hope following suicide. In B. Thompson & R. A.
Neimeyer (Eds.), Grief and the expressive arts: Practices for the creation of meaning. New York:
Routledge.
Sands, D. C., Jordan, J. R., & Neimeyer, R. A. (2011). The meanings of suicide: A narrative approach to
healing. In J. R. Jordan & J. L. McIntosh (Eds.), Grief after suicide. New York: Routledge.
42
Trabalhando com blocos
An Hooghe e Peter Rober
Descrição
Ao utilizar blocos como uma das muitas formas de artes expressivas na
terapia do luto (Thompson & Neimeyer, 2014), os terapeutas oferecem uma
tábua de madeira um pouco maior do que uma folha A4 e um saco com várias
peças de madeira[NT] que se parecem vagamente com figuras humanas. Eles
oferecem esse saco com as palavras: “Gostaria de conhecer sua família. Você
pode me mostrar, usando estas peças e esta tábua, como é sua família?”. A
instrução é dada para a família, não para uma pessoa específica.
Os terapeutas então se sentam e observam o que acontece. As crianças
costumam ser muito curiosas e querem ver o que está no saco. Com
frequência, elas começam com muito entusiasmo. Alguns pais são mais
hesitantes. O mais importante é que os terapeutas observem o que acontece e
tentem perceber o que é relevante nas interações da família no aqui e agora,
com o objetivo de falar sobre temas significativos mais tarde na sessão.
Especificamente no trabalho com o luto, essa técnica dá a oportunidade
de examinar como uma família se relaciona com a pessoa falecida. Às vezes,
essa pessoa ganha um lugar especial; às vezes, ele ou ela não tem lugar; às
vezes, há discussão sobre seu lugar. Cabe então aos terapeutas abrir espaço
para uma conversa sobre o lugar da pessoa falecida na família por meio dos
blocos.
Caso ilustrativo
Stefan entrou em contato com a clínica porque estava preocupado com sua filha mais
velha, Laura, de 10 anos. Ele nos disse que sua esposa havia morrido de câncer de
mama há um ano e meio. Desde a morte dela, Laura chorava muito e tinha
dificuldade em adormecer. Sua filha mais nova, Brit, que tinha 8 anos, parecia lidar
de maneira mais fácil com a perda de sua mãe. Stefan queria marcar uma consulta
para Laura, que indicou que preferia ir sem a irmãzinha. Após Stefan e Laura
chegarem à sala de terapia e todos escolherem uma cadeira, o terapeuta
imediatamente propôs: “Para conhecer vocês, gostaria de fazer um exercício prático.
Gostaria que vocês me mostrassem, juntos, aqui, como é a sua família”. O terapeuta
pegou um saco com peças e uma tábua de madeira e as colocou no meio da mesa:
“Aqui estão todas as peças que vocês podem utilizar para representar as pessoas.
Mostrem-me como é sua família”.
Stefan e Laura sorriram um para o outro e imediatamente abriram o saco juntos.
O pai disse a Laura: “Primeiro, vamos dar uma olhada no que está aqui dentro”. Ele
tirou as peças e as colocou na mesa, na frente de Laura. Ele então continuou: “Você
identifica uma para representá-la? Qual delas seria você?”. Laura tirou uma da pilha
e disse, rindo: “Olha que cabeça estranha!”. Stefan riu e perguntou: “Vamos pegar
uma para a Brit também?”. Laura disse que sim e indicou a peça que acabara de
retirar. “Ah, ok”, o pai disse. “E qual delas é você, então?” Laura pegou uma peça que
era um pouco maior e colocou ao lado da primeira peça. “Ah, essa é você?”, ele
perguntou, e Laura respondeu: “Eu não sei”. Ela sorriu e olhou para a peça com
muita atenção. “E quem sou eu?”, o pai perguntou. Laura pegou uma peça ainda
maior que já estava na mesa. “Esta”, disse ela, e riu alto ao olhar para as três peças.
“Ok”, disse Stefan. “Coloque na mesa. Onde você vai colocá-las?” Laura pegou as
peças e as colocou na tábua, então se ajoelhou no chão, em uma mesa baixa, com a
tábua e as peças sobre ela. Ela colocou as três peças juntas na tábua e olhou para o
pai. “Assim?”, o pai perguntou. “Sim? Muito bom.” Os dois então olharam para o
terapeuta.
O terapeuta olhou para as peças e disse: “Sua mãe está perto de vocês. Esse é o
lugar da mamãe, perto de vocês?”. Laura assentiu. “Mais perto do que os outros?”, ele
perguntou. Laura parecia confusa. “Talvez vocês possam pensar sobre isso juntos”,
sugeriu o terapeuta. Qual é o lugar da mamãe neste momento? É o mesmo de antes?
Ou agora é diferente?” Stefan olhou amorosamente para Laura e esperou, por fim
perguntando a ela: “Você acha que essa é uma pergunta difícil?”. Laura assentiu, e o
pai se ofereceu para ajudar, acariciando seus cabelos. O terapeuta disse: “Isso é bom.
Acho muito bom que os pais ajudem seus filhos com coisas tão difíceis”. Ele
acrescentou: “An (a coterapeuta) me disse que sua mãe faleceu recentemente, e isso é
algo muito triste. E você vem aqui para falar sobre esse assunto e descobrir como lidar
com ele. Eu gostaria de ver, Laura, e talvez você possa me ajudar nisso, como era a sua
família antes de a mamãe falecer. Você pode me mostrar?”. Após procurarem juntos
entre as peças por um tempo, o terapeuta acrescentou: “Algumas das crianças que
estiveram aqui e que também perderam suas mães dizem: ‘Sim, muita coisa mudou,
mas mamãe ainda está aqui, apenas um pouco mais longe. Mas ela ainda está aqui, e
ainda é muito importante’. Então elas colocam a mamãe às vezes mais longe — por
exemplo, aqui [indica a borda da tábua] — ou eles a colocam neste lugar [indicando
um lugar um pouco além da borda], e daí eles dizem: ‘Olha, esta é a nossa família
com todos que estão vivos, e esta é a nossa mamãe, que é muito importante, e a
colocamos ao nosso lado. Ela ainda está aqui, mas a colocamos em outro lugar’”.
Stefan e Laura continuaram a procurar, utilizando as peças, o lugar da mamãe
agora e o lugar da mamãe quando ela ainda estava viva. A pedido do terapeuta, eles
também consideraram como a irmã organizaria as peças. Stefan disse que achava que
Brit colocaria a mamãe ao lado da placa e demonstrou isso com as peças.
Todos tiraram um momento para olhar para a configuração familiar
representada. O terapeuta perguntou: “Como você se sente com isso, Laura? É assim
que você pensa também ou você faria diferente?”. Laura imediatamente disse que não,
e o pai perguntou se a posição da mamãe era muito distante para ela. Laura
respondeu, entre lágrimas, que era longe demais, já que mamãe ainda estava em suas
memórias. O terapeuta pegou a caixa com lenços e colocou-a na mesa. Durante o
restante da sessão, o terapeuta deixou as peças na mesa e falou sobre as memórias
relacionadas à mãe e as maneiras pelas quais Laura ainda poderia estar perto dela.
Considerações finais
Como o caso de Stefan e Laura ilustra, o trabalho com blocos na terapia
familiar não é tanto uma ferramenta diagnóstica, mas uma forma de abrir
espaço para um diálogo sobre a família, a pessoa falecida e o processo de luto
de todos os familiares. O que aconteceu nessa sessão pode ser dividido em
três partes. Na primeira, as peças de madeira foram utilizadas para que a
família pudesse se representar de forma lúdica. Desse modo, as crianças
pequenas recebem imediatamente um papel na conversa familiar. Na
segunda parte, o terapeuta rapidamente criou espaço para falar sobre a
pessoa falecida, perguntando: “Estamos sentindo falta de alguém?”. Essa
pergunta foi emocionalmente evocativa, tanto para o terapeuta quanto para
os familiares, pois enfatizou que a tristeza, por maior que seja, deve ser
reconhecida e ter um lugar, sem medo de falar sobre ela. Nesse ponto, o
terapeuta tem que ser corajoso o suficiente para falar sobre a perda e a
tristeza, bem como sensível à hesitação dos membros da família em falar
sobre elas. O terapeuta pode expressar essa sensibilidade ao considerar, de
forma empática, quão difícil ou doloroso é falar sobre esses assuntos. Na
terceira parte, as peças são utilizadas como pretexto para tratar sobre uma
infinidade de coisas, como quaisquer diferenças entre os membros da família
em sua maneira de vivenciar o luto ou manter uma conexão com a pessoa
falecida. Entrelaçado na interação terapêutica de uma forma fluída que
incentiva as interações entre os membros da família, o trabalho com blocos
pode preparar o terreno para explorar e restaurar os laços familiares que
foram tensionados ou rompidos pela morte.
Referência
Thompson, B. E., & Neimeyer, R. A. (Eds.). (2014). Grief and the expressive arts: Practices for creating
meaning. New York: Routledge.
[peças de madeira] Diferentes tipos de blocos podem ser usados para isso. Usamos os blocos da Praxis-
Konkret, da Alemanha (www.pk-ch.de/).
43
Mapa da base segura
Jakob van Wielink, Leo Wilhelm e Denise van Geelen-Merks
Descrição
Comportamento de apego é qualquer forma de comportamento que resulte em
uma pessoa alcançar ou manter proximidade com algum outro indivíduo
claramente identificado, que é concebido como mais apto a lidar com o mundo...
Para uma pessoa, saber que uma figura de apego está disponível e é responsiva lhe
dá sensação intensa e generalizada de segurança, e assim a incentiva a valorizar
e continuar o relacionamento (Bowlby, 1988, p. 29-30).
As bases seguras podem variar de uma fase da vida para outra. Obter
insights sobre as bases seguras e o seu significado pode auxiliar os clientes a
aproveitar esses recursos em caso de perda. Da mesma forma, os vínculos
contínuos com um ente querido falecido podem oferecer uma base segura,
apesar da perda. Embora a forma física do relacionamento possa chegar ao
fim, a conexão que reforça a segurança pode persistir, mesmo que de maneira
diferente.
Ao explorar temas subjacentes à perda e ao luto, explique ao seu cliente o
conceito de bases seguras (psicoeducação). Peça-lhe para criar um inventário
de suas várias bases seguras em três períodos separados: antes (o passado),
agora (o presente) e depois (o futuro). Como inventário, uma lista breve é
perfeitamente adequada, mas fique à vontade para incentivar seu cliente a ser
mais artístico — desenhando pessoas, lugares e outras bases seguras ou
simbolizando-as de outras maneiras. Isso muitas vezes aprofunda o valor
emocional do exercício.
Em seguida, explore os laços contínuos entre os vários períodos de tempo
com o cliente, com o objetivo de determinar quais aspectos inspiradores das
bases seguras podem ser integrados à vida e à personalidade dele. Isso
permite que o cliente internalize bases seguras e, potencialmente, seja uma
base segura para outras pessoas.
Caso ilustrativo
Alex estava com Jody há 30 anos. Parecia uma vida inteira. Ambos eram estudantes
quando começaram a namorar. Ele se lembrava de como costumavam passar as
noites conversando e fazendo amor em sua frágil cama de solteiro. Então eles foram
morar juntos, compraram uma casa e tiveram filhos — tantas lembranças. Jody
conhecera os pais de Alex, que haviam morrido há muitos anos; ela conhecia a casa de
infância dele. Ele conheceu os avós dela uma vez. Ao perdê-la, ele perdeu não apenas
sua esposa, sua companheira, mas também seu passado; era assim que ele se sentia.
Dois anos antes, uma sombra repentina fora lançada sobre a vida confortável que
levavam juntos. Eles estavam de férias no México quando Jody começou a sentir
cólicas estomacais. Inicialmente, eles acharam que devia ser algo que ela comera, mas
a cólica persistiu. Quando ela mal conseguia ficar de pé por causa da dor, vários dias
depois, eles foram a um médico mexicano. Ele prescreveu alguns analgésicos e
recomendou que ela pedisse a alguém que examinasse o problema o mais rápido
possível assim que voltassem para casa, no Canadá.
Quando eles voltaram para casa, as coisas progrediram rapidamente. Jody foi ver
seu médico, fez radiografias no hospital e foi encaminhada a um oncologista.
Inicialmente, as coisas pareciam sob controle, mas as aparências podem enganar. O
câncer acabou se mostrando de um tipo agressivo e difícil de tratar. Jody morreu
exatamente seis meses após a primeira consulta médica.
“É como se o alicerce da minha vida tivesse desmoronado”, disse Alex, com uma
expressão abalada. Jody era a base segura dele. Do que ele mais sente falta é da
capacidade dela de sempre olhar para o lado positivo, de colocar as coisas em
perspectiva. Agora que ela se foi, ele sente falta da sensação segura de pertencimento e
da confiança que ela tinha nele e na bondade da vida.
“O que ela ensinou a você?” Essa pergunta ajudou o terapeuta a direcionar o foco
do cliente para si mesmo. Em vez de se concentrar na pessoa que não estava mais com
ele, Alex se concentrou nas partes dela que ainda estavam presentes dentro dele (em
suas memórias, suas convicções e seu comportamento). “Ela me ensinou a confiar na
bondade. Todas as noites, antes de irmos dormir, nomeávamos uma coisa pela qual
éramos gratos. Eu ainda faço isso. Não é fácil, mas ajuda. E ela era boa em
proporcionar uma alimentação saudável para nós dois, o que me ajuda a fazer o
esforço de cozinhar para mim todas as noites.” Ele sorriu levemente. “Antes de morrer,
ela me disse que viria me visitar de vez em quando na forma de uma borboleta, para
dizer ‘olá’. Eu nunca acreditei nessas coisas, mas fui visitado por uma borboleta no
meio do inverno uma vez, quando saí para caminhar.” Jody não estava mais
fisicamente disponível como uma base segura. Isso era difícil para Alex, mas o
relacionamento que ele tinha com ela poderia dar origem a novas bases seguras. As
borboletas agora o faziam se sentir seguro e encorajado, permitindo que ele tomasse
medidas como encontrar novas ou outras bases seguras.
Para Alex, criar o mapa da sua base segura foi um processo muito emocional.
Muitas de suas antigas bases seguras haviam falecido. Alex percebeu que as
mantinha vivas conversando com Jody sobre elas, mas que nunca se despedira delas de
verdade. Ele foi profundamente atingido pela dor da perda. Ao mesmo tempo,
reconheceu seus vizinhos como importantes novas bases seguras. Eles frequentemente
chegavam sem avisar ou o convidavam para jantar, ou apenas para tomar uma
cerveja. Dar-se conta disso o encorajou a aceitar o convite dos vizinhos para participar
de uma competição de tênis. Ele costumava jogar tênis o tempo todo, mas Jody nunca
se interessou por jogar com ele. Alex redescobriu sua antiga paixão e chegou até a
participar dos campeonatos do clube de tênis. Seus vizinhos, bem como o clube de
tênis, que ele frequentava várias vezes por semana, tornaram-se suas novas bases
seguras. Embora continuasse sentindo muita falta de Jody, ele começou a recuperar
seu desejo pela vida devagar, mas de maneira efetiva, e até começou a se abrir para a
ideia de um novo amor.
Considerações finais
Criar o mapa de uma base segura é um exercício bastante fácil em alguns
aspectos. Tudo o que é necessário é uma folha de papel, de preferência
grande, e uma seleção de canetas coloridas ou giz de cera. O terapeuta pode
dar aos clientes liberdade no que diz respeito à aparência do seu mapa. Às
vezes, os clientes o transformam em uma obra de arte, cheia de desenhos e
cores; outras, o mapa consiste apenas em um monte de palavras. Os objetivos
do exercício são múltiplos. Ele auxilia os clientes a se tornarem cientes de
quem e do que eles extraem ou poderiam extrair força, ajudando-os também
a analisar como lidam com essa força. Mapear as coisas pode ajudá-los a
perceber que nunca tiveram tempo para processar a perda de bases seguras
do passado e nunca consideraram o impacto que essas bases ainda têm sobre
si no presente. Além disso, esse exercício os ensina a alcançar suas bases
seguras hoje, com o objetivo de lidar com essas perdas passadas
adequadamente.
A forma interna dos vínculos contínuos tem a ver essencialmente com a
internalização de bases seguras (Wielink, Wilhelm, & van Geelen-Merks,
2020). Isso coloca os vínculos contínuos em um contexto mais amplo: eles
são mais do que apenas uma conexão duradoura com um ente querido que
faleceu, uma vez que as bases seguras podem assumir muitas formas. Por
exemplo, as pessoas podem extrair força de um vínculo contínuo com seu
país de origem, mesmo que o tenham deixado; com uma organização com a
qual costumavam se envolver; ou com um relacionamento que já terminou.
Essa força internalizada tem efeito positivo na capacidade do cliente de lidar
com perdas e desenvolver novos vínculos, e até em seu potencial de ser uma
base segura para os outros.
Além dos diferentes tipos de bases seguras abordados neste capítulo,
certas experiências ou objetivos de vida podem se apresentar como fontes de
orgulho e autoestima, potencializando a sensação de segurança e
pertencimento. Especialmente quando conseguem se conectar com eles em
nível mais profundo e se inspirar neles, os clientes podem considerar a
possibilidade de adicionar esses elementos de apoio ao mapa de sua base
segura.
Referências
Bowlby, J. (1988). A secure base: Parent-child attachment and healthy human development. Tavistock
professional book. London: Routledge.
Kohlrieser, G., Goldsworthy, S., & Coombe, D. (2012). Care to dare: Unleashing astonishing potential
through secure base leadership. San Francisco: Jossey-Bass.
Wielink, J. P. J. van, Wilhelm, L., & van Geelen-Merks, D. (2020). Loss, grief and attachment in life
transitions: A clinician’s guide to secure base counselling. London and New York: Routledge.
44
Jogador da vida
Carolyn Ng e Joanne Ng
Descrição
Do ponto de vista de uma criança, a morte de um cuidador principal nunca é
um incidente natural e antecipado, mesmo que possa ser percebida como
“natural” e “antecipada” da perspectiva dos adultos ou em uma avaliação
médica. Como resultado, perder um cuidador pode ser altamente estressante
e ter efeitos devastadores na vida da criança. Embora as crianças pequenas
sejam geralmente percebidas como mais vulneráveis a tais estressores, os
adolescentes não estão isentos do sofrimento e dos desafios resultantes da
perda de seu cuidador principal. Ao mesmo tempo, não há criança que seja
pequena demais para sofrer por uma perda tão significativa, uma vez que “o
luto não se concentra na capacidade de ‘entender’, e sim na capacidade de
‘sentir’: portanto, qualquer criança madura o suficiente para amar é madura o
suficiente para vivenciar o luto” (Wolfelt, 1983, p. 20).
Embora não exista uma forma de eliminar a ameaça e proteger as
crianças da morte, é essencial prestar-lhes apoio psicossocial adequado para
ajudá-las a amenizar suas reações de luto e a realizar o ajustamento pós-
perda. Diferentemente dos adultos, contudo, as crianças enlutadas podem
não ser capazes de explorar completamente seus pensamentos e seus
sentimentos de maneira racional, ou de articular tais pensamentos e
sentimentos totalmente em palavras. Em vez disso, elas muitas vezes
mergulham em atividades e jogos na tentativa de resolver seus sentimentos e
suas ansiedades (Howarth, 2011), uma vez que brincar é sua linguagem
natural e seu meio de autoexpressão. Portanto, ao mesmo tempo que
fornecemos um espaço seguro para que as crianças enlutadas processem seu
luto e aprendam a se adaptar à sua vida pós-perda, é importante que
incorporemos o brincar às intervenções terapêuticas.
LIFE (do inglês leap, illuminate, foster e envision) é um programa para
crianças enlutadas que perderam seu cuidador principal para o câncer
implementado em um serviço psicossocial comunitário para crianças
impactadas pelo câncer. Utilizando brincadeiras e várias atividades
experienciais, essa série almeja permitir que as crianças enlutadas
atravessem as adversidades da perda, iluminem sua resiliência interior no
luto, promovam uma rede de segurança para seu crescimento e vislumbrem
sua vida com esperança, apesar de terem perdido seu principal cuidador nos
anos iniciais de vida. Em cada sessão, atividades distintas são elaboradas
para ajudar as crianças enlutadas a descobrir sua tenacidade interior e
dominar diversas estratégias de enfrentamento enquanto processam seu luto
e abordam diferentes estressores resultantes da perda e de suas
consequências. Essas atividades incorporam conceitos teóricos das tarefas de
luto de Worden (2009), bem como do modelo do processo dual do luto de
Stroebe e Schut (1999). Além disso, atividades que facilitam os vínculos
contínuos entre a criança e seu cuidador falecido também são implementadas
(Klass, Silverman e Nickman, 1996), pois a morte não pode acabar com o
relacionamento dessas crianças com seu cuidador principal, ainda que tenha
roubado a sua presença física.
O “jogador da vida” consiste em uma das sessões realizadas no programa
LIFE. Nessa sessão, as crianças enlutadas são convidadas a atuar como
“jogadoras” em um jogo de futebol de salão. Elas são agrupadas em equipes
de quatro a seis jogadores (dependendo do número total de crianças
inscritas), com gêneros e idades mistos. Antes do início das partidas, cada
uma recebe um colete, que elas decoram pessoalmente. Elas também são
solicitadas a escolher um número especial para representá-las de um lado do
colete e outro número especial para representar seu cuidador falecido do
outro lado. Posteriormente, elas entram em campo exibindo o colete com seu
número na frente e o número do cuidador falecido nas costas. Após se
aquecerem junto a suas equipes e jogarem duas ou três rodadas de partidas
de 10 minutos umas contra as outras, elas fazem uma pausa de descanso
durante a qual podem designar um companheiro de equipe para ser o jogador
mais valioso (JMV) do seu time. Pouco depois de seus cumprimentos e suas
comemorações, as crianças recebem a notícia repentina de que seus
respectivos JMVs serão removidos de suas equipes, e os participantes
restantes do time precisam terminar o jogo por conta própria.
O processamento em grupo das reações “pós-perda” é feito com os que
permanecem em suas equipes por seus respectivos técnicos da VIDA.
Enquanto isso, todos os JMVs eleitos são agrupados para processamento
separado por outro treinador do LIFE, pois suas experiências serão diferentes
das demais. Ao colorir seus sentimentos e utilizar post-its para posicionar
seus pensamentos ou suas perguntas em diferentes partes de um enorme
boneco desenhado no chão, as crianças ficam sintonizadas com suas reações
pessoais às más notícias e com os impactos delas, que vêm em ondas. Além
disso, por meio do compartilhamento em grupo, elas conseguem ter empatia
e se identificar umas com as outras à medida que percebem as semelhanças
entre suas reações. Tal processamento é importante para que as crianças
enlutadas absorvam a realidade da perda e aprendam a gerenciar o
sofrimento emocional resultante dela, como ilustrado nas tarefas de luto
(Worden, 2009) e no modelo do processo dual do luto (Stroebe & Schut,
1999).
Depois, as equipes restantes discutem e elaboram estratégias para
continuar o jogo sem seus JMVs. Isso corresponde à tarefa de se ajustar à vida
sem o ente querido, como sugerido por Worden (2009), e à necessidade de
lidar com estressores orientados à restauração, como destacado no modelo
do processo dual do luto (Stroebe & Schut, 1999). Seus treinadores do LIFE
posteriormente ajudam as equipes a traçar paralelos de como elas podem
fazer o mesmo conforme prosseguem em sua jornada e quando encontrarem
momentos difíceis no futuro. Essa aprendizagem experiencial é importante
para as crianças enlutadas, uma vez que auxilia a promover seu processo de
redefinição e reintegração a uma vida sem a presença física de seu cuidador
falecido (Howarth, 2011).
Enquanto isso, como os JMVs não podem mais participar do jogo
diretamente, podendo apenas ficar na beira do campo para assistir às
partidas restantes, eles são convidados a discutir o que desejam para suas
equipes e como podem continuar a apoiá-las, seja para torcer ou criar
estratégias com elas. No processo, seu treinador do LIFE os ajuda a se
conectar com a ideia de manter o vínculo (Klass et al., 1996) com seu
cuidador falecido, cuja partida se assemelha à sua experiência de serem
removidos de suas equipes. Lembrar como seu cuidador costumava
desempenhar um papel em sua vida e saber que eles podem permanecer
conectados um com o outro por meio de diferentes formatos de vínculos
contínuos é importante para essas crianças enlutadas. Esse processo
experiencial não apenas lhes dá consolo, mas também facilita o domínio da
última tarefa de luto elencada por Worden (2009), isto é, encontrar uma
conexão duradoura com seu ente querido e, ao mesmo tempo, seguir em
frente com a vida.
Ao completar as duas ou três partidas restantes, os treinadores do LIFE
convidam os JMVs e os companheiros de equipe deixados para trás para
compartilhar suas experiências no grande grupo. Enquanto as crianças
negociam juntas os altos e baixos, os treinadores do LIFE as lembram de que
não estão sozinhas nessa jornada de perda e luto. Uma rede de apoio é
importante para as crianças enlutadas, pois suas experiências de perda e luto
podem ser validadas e receber empatia. Além disso, elas também podem
aprender umas com as outras e crescer juntas, independentemente dos
desafios encontrados após a morte de seu cuidador. Ao contrário, a falta de
uma rede de segurança dificulta seu ajuste pós-perda e pode levar a piores
resultados (Howarth, 2011).
No final da sessão, elas criam seu próprio uniforme com o número
escolhido na frente e o número do cuidador falecido na parte de trás. Elas
também são convidadas a escrever uma mensagem de amor no uniforme ou
decorá-lo de forma a homenagear seu cuidador falecido. Esse uniforme serve
como um objeto de ligação (Klass et al., 1996), simbolizando o vínculo
contínuo entre elas e seu cuidador falecido. Tal objeto é importante para as
crianças enlutadas conforme aprendem, de modo gradual, a reconstruir seu
vínculo com seu cuidador falecido em uma representação mental menos
dependente da proximidade física.
Caso ilustrativo
Após a morte de um dos pais ou dos avós por câncer, recrutamos 16 crianças e
adolescentes enlutados, com idades entre 7 e 14 anos, para o programa LIFE, e
conduzimos a atividade “jogador da vida” com eles como parte do serviço de apoio
mais amplo. Quando os convidamos pela primeira vez a se revezarem para
apresentar a si mesmos e ao ente querido que haviam perdido, muitos ficaram
surpresos ao encontrar tantos outros que compartilhavam perdas semelhantes às
suas; afinal, a morte de um cuidador principal não é comum na idade deles. Isso é
ilustrado na reação surpresa de Joshua, de 7 anos, a Emma, de 9: “Quer dizer que a
sua mãe também está morta? A minha também!”. A descoberta de companheiros
enlutados logo quebrou o gelo e conectou as crianças e os adolescentes, pois eles não
conseguiam encontrar tais pares com facilidade em seus ambientes naturais. Em vez
de serem os estranhos em seus círculos sociais, sua identidade como enlutados foi
imediatamente normalizada e validada nessa comunidade.
Posteriormente, enquanto os participantes desse grupo decoravam seus coletes e
selecionavam seus números especiais, seus treinadores do LIFE os convidavam a
compartilhar o que esses números significavam para eles. Para o número do cuidador
falecido, muitos escolheram o número favorito de seu cuidador ou seu mês ou data de
aniversário, já outros compartilharam suas boas lembranças relacionadas a esse ente
querido. Quando, mais tarde, souberam que usariam esse colete para o jogo de
futebol, eles também foram lembrados de que seu cuidador falecido sempre
“protegeria suas costas”, apesar da ausência física dele em sua vida. Em resposta a
essa ideia, Shane, de 9 anos, disse à sua irmã gêmea e ao seu treinador do LIFE: “Eu
gosto disso. Nosso pai está sempre atrás de nós porque o colete tem o nome dele!”.
No momento em que os times foram informados de que seus JMVs seriam
removidos de suas equipes enquanto o jogo ainda precisava continuar, de maneira
compreensível, surgiu uma gama de sentimentos, incluindo choque, tristeza,
sensação de perda e até raiva. Muitos deles também ficaram confusos, perguntando
“Por quê?”, já outros tentavam negociar com seus treinadores do LIFE. Por exemplo,
como um companheiro de equipe deixado para trás, Daniel (11 anos) exclamou: “Ah,
não! Como vamos jogar a próxima partida?”. Já Megan (8 anos) murmurava: “O que
vamos fazer agora?”. No processo, foi interessante ver como crianças e adolescentes
intuitivamente traçaram paralelos entre suas experiências de jogo e suas experiências
de perda. “Na época em que meu pai morreu, também foi assim, muito de repente”,
compartilhou Nina, de 12 anos, enquanto se lembrava do incidente. Já Irfan, de 14
anos, discordou, dizendo: “Eu sabia que ia acontecer porque minha mãe e minhas
tias ficavam conversando secretamente quando estávamos no hospital. Agora mesmo
eu também vi vocês dois [os técnicos de LIFE] sussurrando, então eu sabia que algo
devia estar acontecendo”.
Ao mesmo tempo, um JMV removido, Collin (13 anos), também resmungou: “Eu
não gosto disso porque não seguiu a ordem. Não é justo!”. Já Selina (11 anos)
negociava com seu treinador do LIFE perguntando se poderia se juntar ao seu time
novamente após ficar de fora por uma partida. Foi fascinante ver como eles
instantaneamente puderam imaginar como tinha sido, para seus cuidadores
falecidos, ter de deixá-los para trás ainda que esse não fosse o seu desejo. Assim que
tentaram recorrer da sua remoção do time, as crianças e os adolescentes perceberam
que seu cuidador falecido havia feito tentativas semelhantes no processo de
adoecimento. Eles também reconheceram que tais tentativas foram feitas devido ao
amor e à preocupação de seu cuidador, pois ele os valorizava, da mesma forma que
eles queriam estar à disposição de seus companheiros de equipe simplesmente porque
se importavam com seu time.
Nas partidas subsequentes, foi animador ver como os companheiros de equipe
restantes eram adaptáveis, ajustando suas maneiras de jogar e até indo além de suas
posições originais, com o objetivo de preencher as lacunas e fazer malabarismos com
funções adicionais (p. ex., goleiro-zagueiro). Também foi incrível ver como eles eram
engenhosos, pois buscavam apoio de outras equipes quando as partidas se tornavam
mais intensas e desafiadoras. Foi igualmente reconfortante ver como, na beira do
campo, os JMVs removidos seguravam seus cartazes, sobretudo decorados para suas
equipes com mensagens encorajadoras, enquanto gritavam e aplaudiam seus times.
No processo, os participantes realmente experienciaram um vínculo contínuo com seu
cuidador falecido, acreditando que ele estava igualmente desejando o melhor para
eles, cuidando e torcendo por eles de longe. Como Ashley (10 anos) expressou:
“Parecia que minha mãe também estava torcendo por mim!”.
No fim do dia, esse grupo de crianças e adolescentes enlutados não apenas se
sentiram aliviados e processaram suas reações de luto como resultado de suas
experiências de perda, tanto no jogo de futebol quanto em situações da vida real, como
também perceberam que compartilhavam muitos sentimentos e pensamentos, os
quais, por sua vez, validavam suas experiências percebidas. Além disso, eles
reconheceram que seu cuidador falecido “protegia suas costas”, conforme representado
em seus coletes durante as partidas e nos uniformes que levaram para casa após o
jogo. Em acréscimo, eles tiveram intenso apoio social de seus colegas e seus treinadores
do LIFE nessa comunidade especial de pares.
Considerações finais
As crianças enlutadas experienciam diferentes formas de turbulência após a
perda de um cuidador principal e, portanto, correm o risco de sofrer
consequências psicossociais adversas. Logo, é essencial proporcionar a elas
um espaço seguro no qual possam se beneficiar de intervenções adequadas
ao desenvolvimento, facilitadas por profissionais, de modo a aprender a
enfrentar essas adversidades e iluminar sua resiliência interior em meio ao
luto e à perda. Além disso, reunir crianças enlutadas em grupos também
promove uma rede de segurança na qual elas obtêm apoio de companheiros
que compartilham experiências semelhantes de luto e perda. Em síntese,
crianças e adolescentes enlutados merecem nossa companhia criativa à
medida que atravessam as estações do luto, para que possam vislumbrar uma
vida com esperança apesar da perda de um cuidador principal em uma tenra
idade.
Referências
Howarth, R. A. (2011). Promoting the adjustment of parentally bereaved children. Journal of Mental
Health Counselling, 33(1), 21–32.
Klass, D., Silverman, P. R., & Nickman, S. L. (1996). Continuing bond: New understanding of grief. New
York: Routledge.
Stroebe, M. S., & Schut, H. (1999). The dual process model of coping with bereavement: Rationale and
description. Death Studies, 23, 197–224.
Wolfelt, A. (1983). Children’s understanding and response to death (with caregiver behaviors). In
Helping children cope with grief (pp. 19–50). New York: Routledge.
Worden, J. W. (2009). Grief counselling and grief therapy: A handbook for the mental health practitioner (4th
ed.). New York: Springer.
45
Hábitos do coração
Joshua Magariel
Descrição
A técnica “hábitos do coração” é apenas um exemplo, ainda que abrangente,
de reformulação narrativa baseada na teoria do apego. A reformulação do
apego é uma estratégia essencial na terapia focada nas emoções (TFE),
interpretando cognições, emoções, comportamentos e dinâmicas relacionais
por meio de uma perspectiva de apego (Johnson, 2004). O objetivo da TFE,
em geral, e do uso da reformulação do apego, em especial, é criar conexões ou
vínculos entre pessoas com feridas associadas ao apego ou que precisam
aprofundar os vínculos. Quando um terapeuta começa a procurar temas
relacionados ao apego no luto, certos relatos começam a se destacar entre os
demais. Uma declaração frequente que ouvimos dos enlutados é uma versão
de “Estendi a mão para pegar meu telefone para ligar para ele e, no meio do
caminho, percebi que ele não atenderia porque não está mais aqui” ou
“Comecei a colocar um segundo prato na mesa para ela antes de me dar
conta”. Ao pedir a um cliente enlutado que descreva o significado de relatos
como esses, ouvimos muitas respostas, que incluem a identificação da dor
emocional, a confusão relacionada ao esquecimento e a vergonha por ser
suscetível. Na caixa de ferramentas do terapeuta de luto, também há muitas
explicações possíveis. Aqui, a reformulação do apego pode ser utilizada como
uma potente intervenção na terapia do luto. Ao designar esses momentos
como “hábitos do coração”, pode-se contemplar múltiplos significados de
maneira simultânea, bem como começar a fornecer uma linguagem e uma
estrutura para facilitar os vínculos contínuos, curar feridas associadas ao
apego e promover o ajuste geral relacionado a ele.
“Hábitos do coração” é uma expressão que descreve como nossas vidas
são organizadas emocional, psicológica e comportamentalmente por nossos
relacionamentos e seus hábitos relacionados ao coração (ver Panksepp, 2009;
Porges, 2009; Shear, 2016). Os hábitos do coração são mais bem entendidos
como uma experiência visceral que está enraizada nas maneiras como
aprendemos a nos conectar com as pessoas que amamos. Passamos por esses
momentos porque esses hábitos são a forma pela qual compartilhamos
nossas vidas com as pessoas. Aprendemos a esperar a presença do nosso ente
querido de modo previsível e real. Esses hábitos estão ligados a temas de
amor e apego, e, na perda, são profundamente afetados. Ao trabalhar com
clientes enlutados, muitas vezes identificamos os seguintes temas associados
aos hábitos do coração:
lembretes de amor;
hábitos de aproximação;
hábitos de receber amor;
hábitos de pertencimento;
hábitos de segurança e proteção;
hábitos de cuidar e receber cuidados;
hábitos associados à presença da pessoa;
hábitos de influência.
O uso da reformulação dos hábitos do coração busca incentivar os
clientes enlutados a ver essas experiências como lembretes de amor, e não
como algo a ser superado. Para algumas pessoas, essa perspectiva ajudará a
dissipar um pouco da vergonha e da ansiedade associadas ao luto. E, de
modo ideal, os hábitos do coração podem auxiliar a fornecer uma linguagem
que, em última instância, facilitará os vínculos contínuos ou o ajuste do
apego.
Inerentes ao ajuste a perdas que modificam a vida, as narrativas
relacionadas à dinâmica do apego demandam exame e adaptação (Magariel,
2016). Conectar os possíveis significados dos hábitos do coração com a
dinâmica relacional da teoria do apego pode ser uma reformulação eficaz
para os enlutados e uma ferramenta útil para o terapeuta. Além disso, a
técnica “hábitos do coração” pode auxiliar o enlutado e o terapeuta a navegar
por três categorias narrativas essenciais relacionadas à perda: (1) as histórias
do relacionamento do cliente com o ente querido antes da morte; (2) as
histórias de doença, morte e perda; e (3) as histórias de como uma conexão
ainda é possível e pode ser mantida após a morte (Magariel, 2016). O objetivo
aqui é fornecer uma linguagem afirmativa que auxilie os enlutados a se
ajustar à mudança na dinâmica do apego de um relacionamento impactado
pela perda, bem como a estabelecer uma narrativa integrada do
relacionamento que seja adaptativa e significativa.
Caso ilustrativo
Bárbara era uma mulher de 74 anos que procurou aconselhamento de luto por conta
própria 12 meses após a morte de James, que fora seu marido por 50 anos. James
morreu pouco depois de ser diagnosticado com câncer em estágio 4. Nos primeiros 12
meses de seu luto, Bárbara também foi diagnosticada e tratada de câncer. Após o
tratamento, ela ficou sobrecarregada com a falta de James e entrou em
aconselhamento em busca de apoio.
Ao longo de um período de 18 meses, a principal intervenção do nosso trabalho
foi a revisão do relacionamento (Magariel, 2016). Em outras palavras, as narrativas
de Bárbara relacionadas à dinâmica do apego, ou sua história de amor, exigiram
ajuste, e o foco de seu tratamento foi examinar as três categorias narrativas
relacionadas à perda mencionadas anteriormente (histórias de amor, perda e possível
conexão contínua). Como é comum no início da terapia do luto, Barbara
compartilhou a história da doença do marido e o modo como ele morreu. Então,
nossas conversas começaram a mudar, e Bárbara passou a me contar histórias sobre o
relacionamento deles antes da morte — suas viagens, as músicas que ouviam, os
programas a que assistiam na TV e como riam juntos. Bárbara contou que eles nunca
tiveram filhos e que, para ela, isso elevou o significado e o sentimento de conexão que
compartilhavam. Conversamos muitas vezes sobre como ela “colocou todos os ovos na
mesma cesta”, no que dizia respeito ao relacionamento, destacando seu sentimento de
grande perda e a solidão significativa que ela sentia então. Eu também ouvia história
após história de momentos difíceis de luto vividos desde que James morrera.
Uma história em especial se destacou para mim em nosso tempo juntos. Era final
de primavera e Bárbara estava no mercado fazendo compras na seção de frutas
quando notou que as ameixas pretas estavam entre as frutas da estação. Então ela se
lembrou de que as ameixas pretas eram as frutas favoritas de seu marido e, como
Bárbara fazia as compras, ela as levava para casa e surpreendia James toda
primavera. Esse era um ato de amor dela por ele. Quando essa memória surgiu, no
meio da seção de frutas, Bárbara começou a chorar incontrolavelmente e saiu do
mercado com pressa. Essa foi a primeira vez em nosso trabalho que ofereci esta
reformulação do apego em específico, rotulando esse momento como um “hábito do
coração”. Bárbara ficou muito comovida com essa frase e, muito rapidamente, por
conta própria, começou a se referir a esse momento e a muitos outros da mesma
forma. “Hábitos do coração” tornou-se a linguagem que Bárbara utilizaria como
parte de seu enfrentamento à morte de James, suavizando esses momentos nostálgicos
nos quais ela recordava seu amor e sua perda e insinuando que a continuação deles
poderia aumentar seu senso de conexão com o marido. De maneira significativa, ela
novamente começou a comprar ameixas pretas em sua homenagem.
Considerações finais
Uma consideração final está relacionada ao potencial para a criatividade na
prática clínica, que é maximizado pela (1) empatia e pelo cuidado genuíno do
terapeuta, pelo (2) desenvolvimento de conhecimento e experiência em teoria
e intervenções, e pela (3) aceitação do poder de seu papel em um
relacionamento de ajuda, promovendo uma liderança terapêutica respeitosa e
ética. Minha formulação da técnica “hábitos do coração” pareceu surgir de um
momento muito espontâneo de criatividade terapêutica, e encorajo outros
terapeutas a serem igualmente abertos aos seus próprios momentos.
Referências
Johnson, S. (2004). The Practice of emotionally focused couple therapy: Creating connection (2nd ed.). New
York: Routledge.
Magariel, J. (2016). Relationship review. In R. A. Neimeyer (Ed.), Techniques of grief therapy: Assessment
and intervention. New York: Routledge.
Panksepp, J. (2009). Brain emotional systems and qualities of mental life: From animal models of
affect to implications for psychotherapeutics. In D. Fosha, D. Siegel, & M. Solomon (Eds.), The
healing power of emotion: Affective neuroscience, development, and clinical practice (pp. 27–54). New
York: Norton.
Porges, S. (2009). Reciprocal influences between body and brain in the perception and expression of
affect: A polyvagal perspective. In D. Fosha, D. Siegel, & M. Solomon (Eds.), The healing power of
emotion: Affective neuroscience, development, and clinical practice (pp. 27–54). New York: Norton.
Shear, M. K. (2016). Grief is a form of love. In R. A. Neimeyer (Ed.), Techniques of grief therapy:
Assessment and intervention. New York: Routledge.
PARTE XI
Dialogando com a pessoa falecida
46
Consulta à pessoa falecida
Wendy G. Lichtenthal, Aliza A. Panjwani e Melissa Masterson
Descrição
A escrita terapêutica tem longa tradição na terapia do luto, com diversas
variações descritas nos volumes anteriores de Técnicas de terapia do luto
(Neimeyer, 2012, 2016). A escrita dirigida e teoricamente orientada pode ter
um valor específico na redução de sintomas de luto mais graves (Lichtenthal
& Cruess, 2010; Lichtenthal & Neimeyer, 2012). Nesse sentido, o exercício
“consulta à pessoa falecida” orienta o cliente a escrever uma carta
descrevendo como ele gostaria de manter essa pessoa como parte ativa de sua
história. Isso pode incentivar os enlutados a considerar metas futuras
significativas mantendo uma conexão com a pessoa que morreu. O cliente é
então solicitado a responder como se fosse a pessoa falecida para
compartilhar o que esta deseja para ele, validando seus planos de se
reengajar na vida enquanto convive com o seu luto. Invocar a perspectiva
encorajadora da pessoa falecida dessa maneira pode promover a
autocompaixão do enlutado.
Sugere-se implementar a consulta à pessoa falecida na quarta sessão de
terapia do luto centrada no significado (TLCS), uma intervenção de 16
sessões pensada para aumentar o significado e o propósito em indivíduos
enlutados que experienciam reações de luto intensas e prolongadas. O
exercício aplica dois princípios fundamentais da TLCS. O primeiro é o de que
o enlutado tem a capacidade de escrever sua história e escolher sua narrativa
de vida (Neimeyer, 2012, 2016). O outro é o de que a conexão com a pessoa
falecida pode continuar como fonte de significado para o enlutado
(Lichtenthal, Lacey, Roberts, Sweeney, & Slivjak, 2017). Após escrever a carta
— idealmente fora da sessão, mas possivelmente durante a sessão, se o
cliente não conseguiu fazê-la fora da terapia —, o cliente é solicitado a lê-la
em voz alta, lendo posteriormente a carta de resposta da pessoa falecida em
seguida. Criando uma atmosfera calorosa e compassiva, o terapeuta pode
auxiliar o enlutado a compartilhar e processar o conteúdo das cartas.
Esse exercício pode ser conceituado como uma oportunidade gentil para
ajudar o enlutado a construir tolerância ao sofrimento psíquico intenso à
angústia. Para lidar com seu pesar intenso e gerenciar o medo de se sentirem
sobrecarregados, os indivíduos enlutados podem naturalmente se envolver
em evitação experiencial. Contudo, embora proporcione alívio da dor a curto
prazo, a evitação crônica pode inibir o processamento de emoções
relacionadas ao luto, potencialmente contribuindo para reações prolongadas
de luto (Eisma et al., 2013). Em consequência, o terapeuta é incentivado a
observar e enfatizar a capacidade do cliente de tolerar emoções intensas à
medida que o luto surge durante a escrita, o compartilhamento ou o
processamento do exercício de consultar a carta para a pessoa falecida.
Caso ilustrativo
Mark, um homem de 67 anos aposentado e casado, perdeu sua filha de 37 anos,
Chrissy, de quem era muito próximo, para uma batalha contra o câncer de estômago
há aproximadamente um ano e meio. Após uma segunda recorrência, o tratamento
não estava mais funcionando. Os médicos previram que Chrissy tinha uma semana
de vida e recomendaram sua ida para um hospice. Após ela fazer a transição para
receber esses cuidados na casa de seus pais, Mark se tornou seu principal cuidador.
Chrissy acabou vivendo mais quatro meses, período durante o qual o vínculo entre pai
e filha ficou ainda mais forte, à medida que se envolviam em conversas e atividades
significativas, como longas caminhadas. Mark descreveu como ficou admirado com a
maneira como Chrissy escolheu passar seus últimos dias e, na verdade, como ela viveu
toda a sua vida.
Quando Mark começou a TLCS, ele não estava particularmente evitando seu
luto, descrevendo vários rituais nos quais se envolveu para manter sua conexão com
Chrissy desde a morte dela. No entanto, Mark estava desanimado, relatando intensa
falta de motivação para se envolver na vida. Embora seu relacionamento com Chrissy
permanecesse significativo, ele se sentia desconectado de outras fontes de significado,
descrevendo a vida como “sem cor”. Ele e seu terapeuta trabalharam em conjunto
para entender os fatores que contribuíam para sua sensação de vazio. Mark
enfrentava dificuldades, em parte, porque ele e sua esposa lidaram de maneiras muito
diferentes com a doença de Chrissy e a perda em si, o que provocou nele uma sensação
de desconexão entre eles e, consequentemente, de suas atividades compartilhadas.
Embora tivesse amigos próximos, Mark se observava se isolando cada vez mais, e, à
medida que isso ocorria, tornava-se mais autocrítico. Ele conseguiu expressar que
Chrissy gostaria que ele fosse feliz, mas essa era uma declaração mais intelectual do
que emocionalmente conectada.
Na quarta sessão da TLCS, ele foi solicitado a escrever uma carta para Chrissy.
Mark compartilhou a carta com seu terapeuta, tornando-se muito emotivo e
envolvido. Aqui está um trecho dessa carta:
Após ler essas cartas, Mark expressou que essa era uma das coisas mais
desafiadoras que ele havia feito desde o falecimento da filha, mas que se sentia melhor
depois de “libertar” suas emoções. Fazer isso também o ajudou a se sentir mais
conectado emocionalmente à mensagem de Chrissy para se reengajar na vida e vivê-la
de maneira mais plena. Mark descreveu como Chrissy foi exemplar nisso com seu
espírito “aproveite o dia”, muitas vezes viajando e criando novas aventuras. Engajar a
voz da filha também o ajudou a validar o legado que ela deixou e a forma como ele
desejava contar a história dela e, consequentemente, a sua própria.
Os temas da carta de Chrissy foram levados adiante ao longo da terapia,
tornando as discussões sobre a reconexão com fontes de significado ainda mais
potentes. O terapeuta invocou gentilmente a voz de Chrissy na carta, para lembrar
Mark do mantra que ela mesma seguiu até o fim dos seus dias: viver a vida ao
máximo. Mark buscou seu melhor amigo, que ele notou que sempre poderia fazê-lo
rir, e começou a viajar com seu amado filho exatamente como costumavam fazer. Um
dos resultados mais impactantes do trabalho foi a crescente sensação de reconexão
com sua esposa; em um esforço para fortalecer seu relacionamento, ele começou a
planejar férias com ela. Dessa forma, Mark estava honrando o desejo de Chrissy de
que ele vivesse sua vida de forma plena e significativa.
Considerações finais
A consulta à pessoa falecida se vale do poder do “vínculo simbólico” com a
pessoa falecida, bem como dos benefícios amplamente respaldados da escrita
de cartas (Neimeyer, 2012). Essa técnica pode facilitar a construção de
significado, auxiliando os indivíduos enlutados a construir uma narrativa
coerente que incorpore o significado da vida da pessoa falecida em sua
própria história de vida (Lichtenthal & Breitbart, 2015). Ao orientar o cliente
nesse exercício, o terapeuta deve destacar a escolha que ele tem em relação ao
modo de contar a história e de manter a pessoa falecida como parte de sua
trajetória. Por meio de referências gentis ao conteúdo da carta e à linguagem
específica utilizada (“Faça agora, antes que seja tarde demais”, “É hora de você
viver sua vida ao máximo”) nas sessões subsequentes, a voz da pessoa que
morreu deu apoio aos planos do enlutado para o futuro. Embora os
indivíduos enlutados possam estar relutantes em pensar em viver uma vida
significativa sem a pessoa falecida fisicamente presente, incorporar a voz
dela pode encorajá-los a fazer essa transição com autocompaixão e conexão
contínua potente.
Agradecimentos
O apoio à pesquisa sobre TLCS foi fornecido pelas bolsas R03 CA13994
(Lichtenthal) e K07 CA172216 (Lichtenthal) do National Cancer Institute
(NCI).
Referências
Eisma, M. C., Stroebe, M. S., Schut, H. A. W., Stroebe, W., Boelen, P. A., & van den Bout, J. (2013).
Avoidance processes mediate the relationship between rumination and symptoms of complicated
grief and depression following loss. Journal of Abnormal Psychology, 122(4), 961–970.
doi:10.1037/a0034051
Lichtenthal, W. G., & Breitbart, W. (2015). The central role of meaning in adjustment to the loss of a
child to cancer: Implications for the development of meaning-centered grief therapy. Current
Opinion in Supportive and Palliative Care, 9, 46. doi:10.1097/SPC.0000000000000117
Lichtenthal, W. G., & Cruess, D. G. (2010). Effects of directed written disclosure on grief and distress
symptoms among bereaved individuals. Death Studies, 34(6), 475–499.
doi:10.1080/07481187.2010.483332
Lichtenthal, W. G., Lacey, S., Roberts, K., Sweeney, C., & Slivjak, E. (2017). Meaning-centered grief
therapy. In W. Breitbart (Ed.), Meaning-centered psychotherapy (pp. 88–99). New York: Oxford
University Press.
Lichtenthal, W. G., & Neimeyer, R. A. (2012). Directed writing to facilitate meaning making. In R. A.
Neimeyer (Eds.), Techniques in grief therapy: Creative practices for counseling the bereaved (pp. 165–
168). New York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (Ed.). (2012). Techniques in grief therapy: Creative practices for counseling the bereaved. New
York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (Ed.). (2016). Techniques in grief therapy: Assessment and intervention. New York:
Routledge.
47
Entrevistando o outro internalizado
Nancy J. Moules e Kenneth J. Doka
Descrição
A técnica da entrevista com um outro internalizado foi descrita e aplicada ao
trabalho com o luto por Moules (2010) e se baseia em uma variedade de
fontes, incluindo a terapia da Gestalt, a terapia narrativa e os vínculos
contínuos (Klass & Steffen, 2018). O nome dessa técnica é atribuído a Karl
Tomm, terapeuta conjugal e familiar canadense (Tomm, Hoyt, & Madigan,
1998). Basicamente, a abordagem solicita que o cliente se engaje em uma
conversa com o terapeuta enquanto expressa a perspectiva de alguém que
está morto. Uma vez que o clínico tenha decidido que a entrevista com o
outro internalizado seria uma intervenção apropriada e oportuna, em geral
ele pede permissão para entrevistar a pessoa falecida simplesmente dizendo:
“Gostaria de perguntar se posso entrevistar (nome), com você falando por
(nome). Você me permitiria fazer isso?”. Os clientes podem ficar um pouco
confusos e surpresos com a pergunta; ainda assim, mesmo que por
curiosidade, eles costumem concordar. Uma vez que tenham concordado, o
clínico informa a eles que se dirigirá ao outro internalizado pelo nome e pede
que o respondente dê respostas em primeira pessoa, utilizando o “eu”.
De maneira habitual, a entrevista começa com questões mais inócuas e
gentis, geralmente conduzindo o outro internalizado a um momento inicial
do relacionamento. Por exemplo, no caso de Sandy, uma esposa enlutada
pela morte de seu marido, Jim, poderiam ser feitas questões como estas: “Jim,
quando você conheceu Sandy? Como ela era naquela época?”. Em seguida, a
entrevista se dirigiria de modo gradual para tópicos mais terapêuticos. Por
exemplo, se houvesse questões relacionadas à culpa ou a um pedido de
desculpas, o clínico poderia eventualmente perguntar: “Jim, Sandy se sente
culpada por, nos últimos meses da sua vida, ter precisado buscar ajuda de
enfermeiros. O que você pensa a respeito disso?”. Outra linha de
questionamento poderia ser esta: “Jim, se você pudesse dizer qualquer coisa a
Sandy agora, o que você diria?”. A conversa pode seguir vários caminhos,
guiada pelo discernimento do terapeuta sobre o que poderia ter mais potência
terapêutica. O clínico geralmente conclui a entrevista perguntando ao outro
internalizado se há alguma outra questão que seria importante abordar. Ao
longo da entrevista, o clínico deve continuar utilizando o nome do outro
internalizado, o que não apenas mantém o foco na voz desse outro
internalizado mas também serve como lembrete para o terapeuta. Pode haver
perguntas que o outro internalizado não é capaz de responder no momento, e
elas podem ser o foco de sessões e de intervenções subsequentes.
Quando a entrevista termina, o clínico se dirige novamente ao cliente
pelo seu nome, começando a processar a conversa que acabou de ocorrer. Os
clientes geralmente se surpreendem com algumas respostas e muitas vezes se
sentem confiantes por conseguirem se aprofundar tanto na essência da
pessoa falecida. Eles com frequência expressam reconhecimento e reconforto
no vínculo contínuo que mantêm com a pessoa falecida. No contexto da
terapia familiar ou da grupal, nesse ponto, o clínico pode convidar outras
pessoas presentes para participarem da conversação com suas observações,
suas reflexões e seus insights. Não é incomum que outros membros da família
queiram oferecer suas próprias versões de respostas internalizadas às
perguntas, por exemplo: “Eu acho que papai ficou aliviado por você contratar
enfermeiros. No início da doença, ele costumava dizer que tinha medo de se
tornar um fardo e que você estava fazendo muita coisa”. O poder desse tipo de
conversa reside em sua capacidade de gerar diálogos capazes de curar, que
podem minimizar o sofrimento.
Caso ilustrativo
Jason era um menino de 8 anos, o filho mais velho, quando seu pai, George, foi
diagnosticado com câncer de pulmão. Na época, ele vivia com os pais e uma irmã
mais nova. A doença de George gerou diversos problemas na família, sobretudo
financeiros, já que ele trabalhava para uma empresa de terceirização. À medida que a
saúde de George piorava, as finanças da família também se deterioravam. A mãe de
Jason precisou começar a trabalhar em uma loja local para ajudar nas contas,
deixando o filho com uma responsabilidade maior por sua irmã mais nova. Jason
entendia as implicações da doença de seu pai, mas nutria ressentimentos não
externalizados relativos ao incremento das suas responsabilidades e às finanças
limitadas da família, que o forçaram a desistir de atividades das quais ele gostava,
como os esportes. Ele estava especialmente incomodado porque a família tivera de se
mudar, a fim de ficar mais perto do trabalho da sua mãe e de outros parentes que
viviam naquela comunidade.
Quando Jason tinha 10 anos, seu pai estava em condição terminal e foi
hospitalizado. Naquele momento, todo seu corpo havia sido tomado pelo câncer, e
George estava com uma aparência esquelética. Jason e sua família visitavam o pai
regularmente. Em uma ocasião em especial, Jason não quis abraçar o pai antes de ir
embora. Seu pai morreu naquela noite.
Jason iniciou a terapia aos 12 anos — dois anos após a morte de seu pai. Sua mãe
achou que o filho se beneficiaria da experiência porque começara a ter pesadelos
recorrentes sobre a morte do pai. Jason estava relutante, mas não resistente de fato,
pois tinha esperança de que os pesadelos cessassem. Após inicialmente estabelecer
confiança e desenvolver um relacionamento com o terapeuta, Jason compartilhou seu
arrependimento por não ter abraçado o pai naquela última noite. Uma criança
madura para a idade, Jason foi capaz de expressar seu ressentimento pela doença, o
impacto que ela teve na família e nele mesmo e seu desconforto diante da aparência do
pai. Ainda assim, ele estava muito consternado por não ter dado aquele último
abraço.
O terapeuta então perguntou se Jason conseguiria falar com seu pai, explicando
que isso seria feito por meio do próprio Jason. O cliente mostrou-se cético e curioso,
mas concordou. Nesse ponto, o terapeuta associou uma abordagem tradicional da
“cadeira vazia” à entrevista com o outro internalizado. Jason primeiro imaginou seu
pai sentado em uma cadeira vazia ao seu lado. Ele falou com o pai oferecendo um
pedido de desculpas emocionado por ter falhado em abraçá-lo naquela fatídica
última noite.
Então ele se sentou na cadeira do seu pai. O terapeuta fez algumas perguntas a
“George” para acalmar Jason — perguntas sobre seu relacionamento e as atividades
que eles compartilhavam quando George estava em boa forma. Então ele perguntou
como George estava agora. “George” (por meio de Jason) disse que estava bem e
preparando a casa deles no céu, mas que não era necessário se apressar, pois levaria
tempo para terminar. Em seguida, o terapeuta perguntou a George a respeito das
desculpas sinceras de Jason. A resposta de George foi: “Era isso que estava
incomodando você, campeão? Você realmente acha que eu não sabia que você me
amava?”. Nesse momento, Jason riu e disse: “Isso é exatamente o que meu pai diria”.
Ele observou que seu pai muitas vezes brincava sobre reformar a casa no céu quando
chegasse lá, dizendo à família que ela levaria um tempo para ficar pronta, então eles
não precisavam se apressar.
A sessão trouxe uma intensa sensação de alívio a Jason. Conforme ele e seu
terapeuta processaram a conversa com seu pai, Jason foi capaz de reconhecer o perdão
de seu pai, bem como sua conexão continuada com ele. Logo, Jason estava pronto
para encerrar a terapia, e seus pesadelos ficaram cada vez mais raros.
Considerações finais
Esse caso ilustrativo evidencia a versatilidade da abordagem. No caso de
Jason, ela foi combinada com outra técnica familiar da Gestalt — o uso de
uma cadeira vazia. Em outras circunstâncias, pode ser associada a uma
variedade de intervenções terapêuticas, como o ritual terapêutico (ver Doka &
Martin, 2010). Também é possível notar a flexibilidade da abordagem. Jason
essencialmente finalizou a entrevista assim que sentiu que seu pai o
perdoaria com facilidade.
Não é de se admirar que essa possa ser uma intervenção bem-sucedida, já
que se baseia e é compatível com diferentes fontes terapêuticas — mais
notavelmente a terapia da Gestalt mas também a terapia sistêmica, a terapia
narrativa, a teoria da mente e o construcionismo social (ver Moules, 2010).
Além disso, há evidências de sua utilização bem-sucedida em outras
circunstâncias (ver Moules, 2010). O mais importante é que ela confirma um
dos entendimentos mais significativos da teoria dos vínculos contínuos: o
amor e a conexão nunca terminam. ▲
Referências
Doka, K. J., & Martin, T. (2010). Grieving beyond gender: Understanding the ways men and women grieve
(rev. ed.). New York: Routledge.
Klass, D., & Steffen, E. M. (2018). Continuing bonds in bereavement: New directions for research and practice.
New York: Routledge.
Moules, N. J. (2010). Internal connections and conversations: The internalized other interview in
bereavement work. Omega: Journal of Death and Dying, 62, 187–199.
Tomm, K., Hoyt, M., & Madigan, S. (1998). Honoring our internalized others and the ethos of caring: A
conversation with Karl Tomm. In M. Hoyt (Ed.), The handbook of constructive therapies (pp. 198–
218). Philadelphia: Brunner-Routledge.
48
Comunicação induzida pós-morte
César Valdez, John R. Jordan e Allan Botkin
Descrição
Este capítulo descreve um novo e inovador tratamento baseado no cérebro
para o luto, a CIPM (Botkin, 2014). As comunicações pós-morte (CPMs)
ocorrem de forma aleatória e espontânea em cerca de 20% da população em
geral (Guggenheim & Guggenheim, 1995) e são reconhecidas como
aceleradoras do processo de luto. Em uma CPM, a pessoa em luto tem uma
experiência de contato percebido e/ou de comunicação com um ente querido
falecido. A CIPM parece ser uma técnica capaz de reduzir a tristeza profunda
que pode acompanhar perdas importantes e de aumentar de maneira
significativa as chances de uma pessoa experimentar uma CPM.
Reconhecemos que alguns leitores podem achar essa técnica nada
convencional para ser utilizada como parte do tratamento-padrão de saúde
mental para o luto complicado. Ela levanta questões metafísicas intrigantes
sobre se existe algum tipo de vida após a morte e se isso precisa ser foco da
terapia do luto. Por mais interessantes ou controversas que essas questões
possam ser, no entanto, nosso interesse na técnica e nosso relato sobre ela
neste capítulo são motivados por nossa experiência clínica de que o uso de
CIPM parece ser excepcionalmente útil para muitos de nossos clientes —
independentemente do significado que eles (ou nós) escolhemos atribuir às
implicações mais amplas da experiência. Incentivamos os leitores a
considerar a utilização da técnica a partir dessa mesma posição “agnóstica”
em relação às questões existenciais que ela suscita. Em termos de pesquisas
sobre a CIPM, Holden e seus colegas da University of North Texas concluíram
recentemente um estudo com grupo-controle que ainda não foi publicado
(Holden, comunicação pessoal).
O método CIPM
O treinamento na CIPM é oferecido apenas a profissionais de saúde mental
licenciados e requer um dia inteiro de atividades. Portanto, apenas princípios
gerais da terapia CIPM podem ser fornecidos aqui.
Embora os sintomas de luto e de depressão se sobreponham de modo
considerável, os terapeutas da CIPM atribuem causas diferentes a cada um. O
luto é uma resposta psicológica a uma perda, e as pessoas se sentem tristes
quando estão pensando em suas perdas. Durante os breves momentos em
que não pensam nisso, elas são capazes de experimentar emoções positivas.
Na depressão, contudo, as pessoas se sentem tristes e desesperançadas, sem
momentos de emoções positivas. Isso sugere que a base da depressão é
bioquímica. Embora o luto responda muito bem à CIPM, a depressão não o
faz. Portanto, se o cliente em potencial estiver passando por depressão além
do luto, é importante que essa depressão seja tratada antes da CIPM. Segundo
nossa experiência clínica, em quase todos os casos, um antidepressivo eficaz
é tudo o que é necessário.
Além disso, devido aos mecanismos subjacentes da CIPM, os clientes
precisam ser capazes e estar dispostos a resolver sua questão mais
angustiante primeiro. A CIPM segue estritamente o princípio do “pior
primeiro”. Embora possa parecer contraintuitivo, ela permite que o cérebro
processe o luto sem complicações e intrusões indesejadas.
A CIPM deriva da terapia de dessensibilização e reprocessamento por
meio dos movimentos oculares (EMDR, do inglês eye movement desensitization
and reprocessing), que atualmente é reconhecida como tratamento
estabelecido e baseado em evidências para o transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT; Shapiro & Forrest, 2004). No protocolo original de EMDR,
os clientes aprendem primeiro habilidades de autotranquilização. Em
seguida, eles são solicitados a relembrar uma experiência traumática (em
geral, por meio da visualização dela) enquanto recebem “estimulação
bilateral” ritmada do cérebro — seja seguindo um objeto em movimento (p.
ex., os dedos do terapeuta) com os olhos ou por meio da estimulação tátil
bilateral das palmas das mãos. A teoria predominante por trás da EMDR é de
que os movimentos oculares induzidos durante o tratamento colocam o
cérebro em modo de processamento superior, semelhante ao sonho ou ao
sono REM, o que permite que as memórias traumáticas sejam reprocessadas
e integradas ao funcionamento regular da memória.
Uma grande diferença entre a CIPM e a EMDR padrão deve ser destacada.
Diferentemente da EMDR, que solicita ao cliente que se lembre de uma
memória ou uma imagem traumática, a CIPM pede de maneira direta a ele
que se concentre na questão emocional central do luto — ou seja, na tristeza
— enquanto recebe a estimulação bilateral. Em nossa experiência clínica,
descobrimos que, quando abordamos e processamos com sucesso essa
tristeza central com o processamento cerebral acelerado, outros problemas
concomitantes, como raiva, culpa e cognições irracionais, também
costumam ser bastante minimizados. Na terapia CIPM, uma vez que a
tristeza é processada e significativamente reduzida, movimentos oculares
adicionais permitem que uma experiência de CPM se desenrole de modo
natural em cerca de 75% dos casos (Botkin & Hannah, 2013; Hannah, Botkin,
Marrone, & Streit-Horn, 2013). Como as CPMs são experiências que ocorrem
naturalmente, nenhuma sugestão é oferecida. Na verdade, qualquer sugestão
oferecida pelo terapeuta provavelmente impedirá a experiência de CPM.
Portanto, a orientação para os clientes é simplesmente “estar aberto a
qualquer coisa que aconteça”. No entanto, deve-se ressaltar que as análises
indicam que, do ponto de vista estatístico, o processamento da tristeza
central é responsável pela maioria das mudanças terapêuticas positivas
(Hannah et al., 2013). Uma indução de CPM bem-sucedida perto do final do
tratamento oferece um benefício terapêutico adicional.
Caso ilustrativo
Miguel, de 64 anos, trabalhava como administrador de alto nível em um hospital
universitário. Apresentou-se para a terapia CIPM na expectativa de lidar com sua
profunda tristeza relacionada à morte de sua esposa, com quem passou 36 anos. Rose
havia morrido de câncer de pâncreas um ano antes do tratamento de Miguel. Após a
admissão, Miguel relatou alto grau de raiva, culpa e tristeza, e disse que estava
experienciando pensamentos e imagens angustiantes relacionados à morte da esposa.
Miguel sentia-se desolado, enganado e perdido sem Rose.
Os dois estavam esperando ansiosamente a chegada de seu primeiro neto quando
Rose foi diagnosticada com câncer e recebeu um prognóstico sombrio. Além disso, o
casal estava ansioso pela aposentadoria de Miguel e por viagens prolongadas em
várias partes do mundo, algo com que sonhavam há muito tempo. Rose morreu sete
meses após ser diagnosticada, e apenas algumas semanas antes da chegada de sua
neta.
A raiva e a culpa apareceram de forma proeminente no processo de luto de
Miguel. Ele sentia raiva por Rose não ter conhecido sua neta e por seus sonhos de
aposentadoria terem sido interrompidos. Ele também questionava se havia ou não
cuidado de sua esposa de maneira adequada durante sua doença, e se sentia culpado
por se sentir aliviado do fardo de cuidar dela após sua morte. Durante seu tratamento
com a CIPM, Miguel precisou de apenas uma ajuda mínima para redirecionar seu
foco para longe da raiva e da culpa e dirigi-lo à sua tristeza. Ele identificou várias
facetas da tristeza, e a mais intensa era o fato de que sua neta nunca conheceria a avó.
Esse foi identificado como seu primeiro alvo para o processamento com movimentos
oculares. Em meio a muitas lágrimas, Miguel processou produtivamente essa e outras
facetas da tristeza, incluindo o cancelamento de uma viagem para a Itália planejada
há muito tempo e o fato de ver Rose se deteriorar fisicamente à medida que sua doença
progredia.
Uma vez que o processamento de todas as facetas da tristeza chegou ao fim,
Miguel atingiu um estado de paz, reforçado por um conjunto adicional de
movimentos oculares. Assim, ele recebeu a orientação de permanecer aberto e
receptivo a qualquer coisa que surgisse, e outro conjunto de movimentos oculares foi
aplicado. Ao fechar os olhos no final da série, Miguel voltou a chorar. Após breve
intervalo, ele abriu os olhos e relatou que sentiu Rose beijar sua bochecha e a ouviu
dizer: “Eu te amo, baby”. Ele realizou outra série de movimentos oculares seguidos
pelo fechamento dos olhos. De olhos fechados, Miguel exclamou: “Eu posso vê-la! É
como se ela estivesse bem aqui!”. Após algum tempo, ele abriu os olhos e, sorrindo,
relatou ter visto Rose segurando e balançando sua neta. Outra série de movimentos
oculares foi administrada com a mesma orientação para permanecer aberto a
qualquer coisa que surgisse. Esse processo foi repetido várias vezes enquanto Miguel
continuava a perceber que via Rose e a ter a impressão de receber mensagens amorosas
e tranquilizadoras relativas à presença contínua dela em sua vida. Dentre essas
mensagens, estava a de que ele deveria renovar os planos de viajar para a Itália e a de
que ela o acompanharia nessa viagem. Em um ponto de sua CPM, Miguel também
viu seu pai parado atrás de Rose. Ele e o pai estavam afastados na ocasião da morte
dele, quando Miguel estava na casa dos 20 anos, e ele percebeu um sentimento de
amor e perdão mútuos entre eles. No final de sua experiência com a CPM, Miguel
relatou que viu Rose e seu pai se despedirem.
Durante um telefonema de acompanhamento nove meses após o tratamento de
Miguel com a CIPM, ele não relatou raiva ou culpa, apenas uma tristeza mínima. Ele
afirmou: “Claro que sinto falta dela e que ainda estou triste por minha neta nunca a
conhecer, mas não me sinto torturado pelo luto como costumava me sentir”. Miguel
relatou que, quando pensava em Rose, era agora com um sentimento de amor e
gratidão por seus muitos anos juntos, e disse que não experienciava mais imagens
intrusivas de seu processo de morte. Ele também contou sobre sua recente viagem à
Itália.
Considerações finais
A CIPM parece oferecer um método potente e rápido para ajudar um
indivíduo a acessar e integrar uma tristeza intensa (e muitas vezes
debilitante). Além disso, em muitas ocasiões, ela parece aumentar as chances
de o cliente experimentar uma CPM, o que, por si só, pode ser uma
experiência de cura poderosa. A maioria das “mensagens” que as pessoas
recebem parecem indicar (a) que seu ente querido continua a existir e está
“bem”; (b) que ele está seguindo a jornada com o cliente à medida que este
avança com sua própria vida; (c) que todas as questões residuais de culpa,
raiva e acusação foram “perdoadas” e substituídas por amor incondicional; e
(d) que o falecido deseja que o sobrevivente seja feliz e siga em frente com sua
própria vida. Seja qual for a fonte dessas mensagens, elas parecem ser
uniformemente curativas para aqueles clientes com curso bem-sucedido da
terapia CIPM.
O que apresentamos aqui, é claro, é baseado quase exclusivamente na
experiência clínica (embora a EMDR como técnica esteja bem estabelecida
em ensaios clínicos randomizados). Encorajamos fortemente a investigação
cuidadosa dessa nova “descoberta” e estamos ansiosos para explorá-la
ativamente mais a fundo, com o objetivo de investigar para quem, e como, a
CIPM pode ser útil no contexto da prática clínica com indivíduos enlutados.
Referências
Botkin, A. L. (2014). Induced after death communications: A miraculous therapy for grief and loss.
Charlottesville, VA: Hampton Roads Publishing.
Botkin, A. L., & Hannah, M. T. (2013). Psychotherapeutic outcomes reported by therapists trained in
induced after death communication. Journal of Near Death Studies, 31(4), 221–224.
Guggenheim, W., & Guggenheim, J. (1995). Hello from heaven! A new field of research confirms that life and
love are eternal. New York: Bantam.
Hannah, M. T., Botkin, A. L., Marrone, J. G., & Streit-Horn, J. (2013). Induced after death
communication: An update. Journal of Near Death Studies, 31(4), 213–220.
Holden, J. (2017). Personal communication, Allan Botkin.
Shapiro, F., & Forrest, M. S. (2004). EMDR: The breakthrough therapy for overcoming anxiety, stress, and
trauma. New York: Basic.
PARTE XII
Validando vidas
49
Terapia da dignidade
Harvey Max Chochinov e Lori Montross
Descrição
A terapia da dignidade é uma psicoterapia individualizada breve baseada em
um modelo empírico de dignidade no doente terminal (Chochinov, 2002). Ela
foi pensada para pacientes que enfrentam condições de risco de vida ou
condições que limitam a vida. Pesquisadores e clínicos estão começando a
avaliar sua aplicação em outras populações, como idosos frágeis, pessoas
com transtornos neurodegenerativos e pessoas nos estágios iniciais de
doenças malignas.
A descrição mais detalhada dessa abordagem pode ser encontrada em
Dignity therapy: final words for final days (Chochinov, 2011). Na terapia da
dignidade, um terapeuta treinado utiliza uma estrutura de perguntas abertas
para orientar os pacientes em uma discussão gravada em áudio. Nessa
discussão, são identificados os assuntos mais importantes para os pacientes,
que eles gostariam que os outros soubessem ou lembrassem. Dentre as
perguntas e as orientações, estão as seguintes:
“Conte-me um pouco sobre sua história de vida, sobretudo as partes das
quais você mais se lembra ou que acha que são as mais importantes.
Quando você se sentiu mais vivo?”
“Há coisas específicas que você gostaria que sua família soubesse sobre
você e há coisas específicas que você gostaria que eles lembrassem?”
“Quais foram os papéis mais importantes que você desempenhou na vida
(papéis familiares, vocacionais, funções no serviço comunitário, etc.)?
Por que eles eram tão importantes para você e o que você acha que
realizou nesses papéis?”
“Quais são suas realizações mais importantes e do que você se sente mais
orgulhoso?”
“Há algo especial que você sente que ainda precisa ser dito aos seus entes
queridos, ou algo que você gostaria de ter tempo para dizer mais uma
vez?”
“Quais são suas esperanças e seus sonhos para seus entes queridos?”
“O que você aprendeu sobre a vida que gostaria de passar para os outros?
Que conselho ou palavra de orientação você gostaria de transmitir ao seu
(filho, filha, marido, esposa, pais, outros)?”
“Existem palavras ou talvez instruções que você gostaria de oferecer à sua
família para ajudar a prepará-la para o futuro?”
“Ao criar este registro permanente, há outras coisas que você gostaria de
incluir?”
Essas perguntas não são formuladas para serem um guia de entrevista
estruturado, mas consistem em uma estrutura muito flexível, destinada a
evocar memórias de momentos ou de eventos importantes, relacionamentos,
realizações, papéis e lições aprendidas, bem como esperanças, sonhos,
conselhos e orientações do paciente para os entes queridos. Algumas dessas
questões podem ser relevantes, já outras podem não o ser, ou os pacientes
podem ter outros problemas que desejam abordar. Habilidades de
comunicação refinadas permitirão que os terapeutas sigam as sugestões do
paciente, sempre atentos à utilização de uma linguagem que respeite seu
grau de percepção e de aceitação (Chochinov, 2007; Chochinov et al., 2013).
As respostas dos pacientes são gravadas, transcritas e editadas, resultando
em um documento de generatividade, para que possam deixar para as pessoas
de sua escolha.
A terapia da dignidade consiste em três ou quatro encontros entre o
terapeuta e o paciente, idealmente ao longo de sete a 10 dias. No primeiro
encontro breve, o terapeuta se reúne com o paciente para descrever o
processo, responder a dúvidas e fornecer uma cópia da estrutura de
perguntas. Nessa consulta inicial, os pacientes são questionados sobre o
destino do documento de generatividade e o que esperam alcançar
participando da terapia da dignidade. No segundo encontro, o terapeuta
utiliza a estrutura de perguntas para orientar o paciente em uma discussão de
30 a 60 minutos sobre sua vida e as coisas mais importantes para ele. Os
terapeutas também precisam estar atentos ao efeito que as revelações podem
ter sobre o(s) destinatário(s) do documento de generatividade, auxiliando os
pacientes a lidar com qualquer efeito que possa ser prejudicial.
A discussão gravada em áudio é transcrita, e o terapeuta edita a
transcrição para transformar a conversa em um documento de
generatividade cuidadosamente construído e altamente legível. Assim, o
terapeuta se reúne com o paciente uma terceira vez, para revisar o
documento e lê-lo do início ao fim. O paciente pode pedir ao terapeuta para
fazer revisões (p. ex., corrigir erros, omitir passagens que não deseja incluir
ou adicionar conteúdo). Uma vez que o paciente esteja satisfeito com o
resultado, ele recebe uma cópia finalizada para entregar aos indivíduos que
escolher.
Caso ilustrativo
Melinda era uma mãe solteira de 42 anos que havia sido diagnosticada com câncer de
mama três anos antes de concluir a terapia da dignidade. À medida que a doença
progrediu, ela viu sua definição de “esperança” e seus objetivos de vida mudando
lentamente. Agora, tendo entrado em cuidados paliativos com prognóstico de seis
meses ou menos de vida, ela estava focada em preservar um legado para seus dois
filhos, Chad (14 anos) e Todd (18 anos).
Durante a entrevista da terapia da dignidade, Melinda sorriu de maneira
orgulhosa por ter criado “jovens incríveis que são muito respeitosos e educados”. Era
notável que nem todas as memórias de Melinda eram positivas; ela descreveu
abertamente uma vida que incluía adversidades familiares, divórcio e uma série de
sacrifícios difíceis. Essa mescla é comum, já que as pessoas costumam compartilhar
uma ampla gama de experiências durante a entrevista. Na verdade, a terapia da
dignidade não se destina apenas a registrar momentos de felicidade, mas busca
proporcionar um ambiente aberto e sem julgamento no qual as pessoas possam
refletir sobre os altos e baixos autênticos da sua vida. Por exemplo, após compartilhar
alguns de seus desafios, Melinda sorriu ao se lembrar de viagens impulsivas a parques
de diversões, de jogos de futebol dos filhos aos quais comparecera (“não importa o que
acontecesse”) e de seu alívio ao saber que tanto Chad quanto Todd entendiam o valor
do trabalho duro.
Na edição final de seu documento legado, Melinda intitulou sua história “Uma
mãe e seus filhotes”. Ela também pensou cuidadosamente sobre a última página de
sua história, que transmitia sua esperança simples, mas significativa, de que seus
filhos “vivessem com conforto e ficassem perto de Deus”. Ao ver o documento
finalizado, Melinda, em meio a lágrimas, relatou maior sensação de conforto. Ela se
sentiu aliviada ao saber que seu documento transmitia de forma tangível o quanto ela
se importava com seus filhos e disse explicitamente: “Acho que os meninos sempre
poderão sentir minha presença, e essa história permite que eles a leiam sempre que
quiserem”.
Embora isto não fizesse parte do processo formal de terapia da dignidade, esse
caso permitiu o acompanhamento. Chad e Todd falaram no funeral de Melinda,
quatro meses depois, quando leram parte do documento elaborado na terapia da
dignidade. Ambos disseram que estavam “meio céticos” em relação ao processo no
início, mas que agora estavam gratos pelas palavras finais de sua mãe.
Demonstrando a elegância e o equilíbrio de que Melinda estava tão orgulhosa, os
meninos concluíram seu elogio dizendo: “Espero que, onde quer que ela esteja agora,
esteja em paz e saiba que nos deu o melhor. Prometemos nos tornar homens que são
um reflexo dela”.
Considerações finais
Mais de 100 artigos sobre a terapia da dignidade revisados por pares já foram
publicados, incluindo pelo menos 30 que relatam os resultados de análises de
dados primários (Martinez et al., 2017). Resultados de seis ensaios clínicos
randomizados (ECRs) foram publicados e pelo menos três ECRs adicionais
estão em andamento. Embora nem todos os ensaios tenham mostrado
resultados positivos em medidas primárias, a maioria deles identificou uma
satisfação autorreferida do paciente extremamente positiva, incluindo
percepção de maior senso de dignidade, maior senso de propósito, maior
vontade de viver e maiores aumentos nos escores de generatividade e
integridade do ego em comparação com os grupos de revisão de vida e os
grupos-controle. Os pacientes que relataram níveis mais altos de sofrimento
basal demonstraram melhoras significativas na depressão, na ansiedade e na
desmoralização (Julian, Oliveira, Nunes, Carneiro, & Barbosa, 2017).
Uma amostra de familiares entrevistados nove a 12 meses após a morte
dos pacientes relatou que a terapia da dignidade ajudou os pacientes (95%),
aumentou seu senso de dignidade (78%) e de propósito (72%) e os auxiliou a
se preparar para a morte (65%), e que foi tão importante quanto qualquer
outro aspecto do cuidado do paciente (65%). A maioria dos familiares
também relatou que o documento de generatividade foi útil durante o período
de luto (78%) e continuaria a ser fonte de conforto no futuro (77%). Quase
todos os familiares enlutados relataram que recomendariam a terapia da
dignidade a outros pacientes ou familiares enfrentando uma doença terminal
(McClement et al., 2007).
A terapia da dignidade permite que os pacientes narrem suas próprias
histórias e, por meio de um processo de criação de legado realizado com
apoio, preservem essas histórias de forma que sobrevivam a eles, validando
assim seu senso de significado, de propósito e de dignidade. Embora apenas
alguns estudos tenham examinado seu efeito sobre os membros da família
enlutada, os dados atuais disponíveis sugerem que a terapia da dignidade
tem benefícios para os destinatários do documento de generatividade. Mais
pesquisas sobre essa importante faceta da terapia da dignidade auxiliarão a
estabelecer seu papel como intervenção de luto.
Referências
Chochinov, H. M. (2002). Dignity conserving care: A new model for palliative care. Journal of the
American Medical Association, 287, 2253–2260.
Chochinov, H. M. (2011). Dignity therapy: Final words for final days. New York: Oxford University Press.
Chochinov, H. M. (2007). Dignity and the essence of medicine: The A, B, C and D of dignity conserving
care. British Medical Journal, 335(7612), 184–187.
Chochinov, H. M., McClement, S. E., Hack, T. F., McKeen, N. A., Rach, A. M., Gagnon, P., . . . Taylor-
Brown, J. (2013). Health care provider communication: An empirical model of therapeutic
effectiveness. Cancer, 119, 1706–1713.
Julião, M., Oliveira, F., Nunes, B., Carneiro, A. V., & Barbosa, A. (2017). Effect of dignity therapy on
endoflife psychological distress in terminally ill Portuguese patients: A randomized controlled trial.
Palliative and Supportive Care, 7, 1–10.
Martínez, M., Arantzamendi, M., Belar, A., Carrasco, J. M., Carvajal, A., Rullán, M., & Centeno, C.
(2017). Dignity therapy, promising intervention in palliative care: A comprehensive systematic
literature review. Palliative Medicine, 31, 492–509.
McClement, S., Hack, T., Chochinov, H. M., Hassard, T., Kristjanson, L., & Harlos, M. (2007). Dignity
therapy: Family member perspectives. Journal of Palliative Medicine, 10(5), 1076–1082.
50
Uma trilha memorável
Erica D. Huber e Laurie A. Burke
Descrição
Quando um ente querido morre, celebrar feriados importantes sem ele pode
se tornar cada vez mais difícil para o enlutado (Burke, Neimeyer, Young,
Piazza Bonin, & Davis, 2014). Descobrir maneiras de continuar a celebrar e
encontrar alegria após a perda pode ser uma tarefa intimidadora, sobretudo
porque a intensidade do luto tende a aumentar antes de eventos/atividades
importantes, como aniversários ou celebrações (Robinaugh, Marques, Bui, &
Simon, 2012). Por exemplo, quando a pessoa falecida não está mais presente
em celebrações familiares e não pode participar de tradições festivas, isso
significa, no mínimo, que o enlutado é privado da alegria de ver seu ente
querido abrir o presente ou o cartão perfeito, ou de desfrutar de sua presença
ao redor da árvore de Natal ou da mesa festiva.
Para lidar com essas dificuldades, convidamos clientes atuais e antigos a
participar do que chamamos de “trilha memorável”. A atividade em grupo
envolveu trilhas no Columbia River Gorge, a leste de Portland, Oregon,
percurso de cerca de 12 quilômetros de ida e volta do Multnomah Falls Lodge
até uma trilha lateral discreta e pouco conhecida chamada Ornament Trail,
repleta de ornamentos pendurados em galhos de árvores ao longo dos anos
por trilheiros. Caminhar pela Ornament Trail com um grupo de
companheiros enlutados e pendurar seu ornamento cuidadosamente
selecionado proporcionou aos enlutados de nosso grupo uma nova maneira
de celebrar os feriados, lembrar e honrar a pessoa que morreu, e, de modo
muito pessoal, de manter um vínculo contínuo com ela (Klass, 2006). Além
disso, para os que escolheram fazer isso, as horas na trilha criaram espaço
para compartilhar histórias sobre a vida e a morte de seus entes queridos
falecidos, além de oferecer oportunidades para construir novas amizades.
Caso ilustrativo
A história de Érica: “Em 2014, meu filho — saudável, feliz e recém-formado — foi
fazer uma corrida noturna na pista de uma faculdade comunitária próxima e não
voltou para casa. Griffin foi encontrado no início da manhã seguinte por um
caminhante. Ele havia morrido de um problema cardíaco não detectado. Naquele
momento, minha vida virou de cabeça para baixo. Levei um ano e meio para
finalmente receber aconselhamento de luto, o que só aconteceu com o intenso incentivo
da minha irmã, que é médica. Até aquele momento, eu usava trilhas como o único
meio de lidar com a minha dor. No início, caminhava para me forçar a respirar
profundamente. A calma intensa e a beleza da trilha, bem como a capacidade de me
conectar com Griffin, me faziam voltar. Eu conversava com Griffin na trilha, acendia
velas, tirava fotos e postava minha jornada de luto nas redes sociais. No entanto,
como muitas pessoas enlutadas, à medida que os feriados se aproximavam, comecei a
temer ainda mais o sentimento de perda. Griffin não estaria lá nas celebrações da
família, então o que importava?
Em minha busca por novos lugares para fazer trilhas, encontrei notas sobre uma
trilha secreta não sinalizada no Columbia River Gorge, chamada “The Ornament
Trail”. Decidi procurar por esse lugar mágico; se o encontrasse, eu penduraria um
ornamento para Griffin. Na primeira vez que a percorri, a trilha nevada me
proporcionou uma alegria muito necessária nos feriados. Fazer dessa trilha uma
nova tradição me ajudou a lidar com a perda de todas as tradições de que Griffin não
participaria mais. Em 2016, compartilhei minha experiência da Ornament Trail
com minha psicóloga do luto. A essa altura do meu luto, percebi como era útil me
conectar com outras pessoas que haviam sofrido perdas significativas. Eu disse que
gostaria de liderar uma trilha até a Ornament Trail para outras pessoas que estavam
em luto profundo. Minha psicóloga foi extremamente solidária e se ofereceu para nos
acompanhar na trilha, além de informar a seus outros clientes sobre essa
oportunidade. Levamos seis pessoas em luto e dois terapeutas na trilha. Os enlutados
escolheram ornamentos que tinham significado para eles e seus entes queridos. Nós
apreciamos a incrível beleza da trilha, passando por várias cachoeiras em uma
floresta pluvial do Noroeste Pacífico. As pessoas tinham a liberdade de conversar e
compartilhar o tanto que desejassem. Foi incrivelmente significativo conhecer outras
pessoas enlutadas e ouvir histórias sobre a vida e a perda de seus entes queridos.
Sempre foi útil para mim poder compartilhar histórias sobre Griffin. Ao chegar à
Ornament Trail, nos espalhamos e penduramos nossos ornamentos sagrados. Levei o
boneco de um grifo[NT] e o deixei perto de um dinossauro que havia pendurado para
Griffin em uma caminhada anterior. Na base do ornamento, escrevi ‘Griffin Huber,
1992–2014’. Uma pessoa pendurou um canivete com o nome do pai. Ela mencionou
que seu pai colecionara canivetes por anos, então essa era sua maneira de manter a
memória dele viva. Outra pessoa pendurou uma bola vermelha brilhante. Ela disse
que o vermelho era a cor favorita do seu pai e que o brilho era para provocá-lo. Uma
mãe e uma filha penduraram um belo pássaro vermelho em homenagem ao marido e
ao pai. Elas disseram que ele adoraria saber que havia um cardeal vermelho
pendurado em uma floresta pluvial do Noroeste Pacífico. Uma pessoa perdera dois
membros da família em questão de semanas; seu ornamento homenageou os dois com
seus nomes. Como passo muito tempo sozinha na trilha, gostei sobretudo do fato de
termos feito essa caminhada em grupo, pois foi útil me conectar com outras pessoas de
maneira tão especial. Agora, quando voltar para a trilha, vou me lembrar dos meus
companheiros de luto/caminhada e de cada um de seus entes queridos. Espero que, no
futuro, eles se sintam inspirados a retornar à trilha sozinhos ou com um grupo.”.
Considerações finais
Mediar uma “trilha memorável” pode ser uma técnica eficaz no tratamento
do luto, especialmente para os enlutados que acham que compartilhar a
natureza com os outros é uma forma terapêutica de se conectar com seu ente
querido falecido. Modificações nessa atividade terapêutica podem incluir a
utilização de uma trilha em grupo para homenagear os entes queridos
falecidos dos clientes de outras maneiras além de pendurar um ornamento na
floresta. Por exemplo, tais modificações podem incluir o agendamento de
uma trilha com uma vista especialmente deslumbrante ou de uma
caminhada para uma área com significado específico para os habitantes
locais, ou a inclusão de um piquenique conjunto no meio da caminhada, em
que os enlutados compartilhem e lembrem de seu ente querido junto à
comida favorita dele. Além disso, se você optar por pendurar ornamentos, é
importante notar que, para ser significativa para os enlutados, a trilha não
precisa ocorrer no inverno ou próximo a feriados. O clima de inverno
inclemente em nossa área implicou vários reagendamentos da nossa trilha;
mesmo assim, nossa caminhada, em meados de junho, incluiu chuvas sem
precedentes, que aparentemente só serviram para unir os participantes
encharcados e com frio enquanto buscávamos abrigo no alojamento de um
clube alpino convenientemente localizado no qual fomos recebidos de
maneira calorosa. Mesmo quando as coisas não saem como planejado, os
enlutados aparentemente ainda podem se beneficiar de uma trilha em grupo,
sobretudo quando optam por encará-la como desafio pessoal para se
esforçarem física e emocionalmente para lembrar de seus entes queridos e
mantê-los por perto.
Referências
Burke, L. A., Neimeyer, R. A., Young, M. J., Piazza Bonin, B., & Davis, N. L. (2014). Complicated
spiritual grief II: A deductive inquiry following the loss of a loved one. Death Studies, 38, 268–281.
doi:10.1080/07481187.2013.829373
Klass, D. (2006). Continuing conversation about continuing bonds. Death Studies, 30(9), 843–858.
Robinaugh, D. J., Marques, L., Bui, E., & Simon, N. M. (2012). Recognizing and treating complicated
grief. Current Psychiatry, 11(8), 30.
[grifo] N. de T. Criatura mitológica com cabeça, bico e asas de águia e corpo de leão.
51
Prato de recordações
Cynthia Louise Harrison
Descrição
Nenhuma experiência artística ou criativa é necessária para se beneficiar
dessa técnica. O valor está na criação e no compartilhamento do que é
significativo e na experiência de projetar um prato/uma travessa de
recordações que possa oferecer aos enlutados uma abordagem criativa a uma
situação desafiadora, apoiando sentimentos de fortalecimento, vínculos
contínuos e capacidade de esperança em meio à perda. “Reconstruir em vez
de abrir mão do vínculo pode restaurar a segurança do apego desafiada pela
morte” (Neimeyer, 2012). Além disso, Thompson e Neimeyer (2014)
argumentam que as artes expressivas, utilizadas historicamente para
reconhecer e explorar o luto e a perda, são igualmente relevantes hoje em dia
para auxiliar os enlutados a recriar o significado da experiência.
A atividade com o prato de recordações utiliza a arte criativa, a escrita e a
cor, incorporando intervenções-chave de reconstrução de significado,
reformulação de vínculos contínuos, revisão da vida, trabalho de legado,
autoconsciência e regulação emocional, atenção plena, conexão com os
outros e ativação comportamental. Essa técnica centrada na pessoa pode ser
benéfica para estimular a expressão de emoções reprimidas no processo de
luto. A atividade do prato de recordações pode ser uma alternativa
revigorante para celebrar a vida da pessoa falecida por meio da celebração do
dom de suas memórias, seus valores, suas habilidades e seus conhecimentos.
É criado um projeto de legado tangível que honra o luto individual e a
memória do falecido ao dar sentido à sua vida e à sua jornada de modo que
permite a sua integração em uma nova forma de ser após a perda. Os
enlutados podem desejar incluir a pessoa que morreu em ocasiões especiais
com esse prato decorativo, que pode ser utilizado em reuniões familiares e
em momentos de celebração. Lembrar-se de práticas como essa permite que
a pessoa falecida continue sendo uma presença valiosa em nossa vida no
futuro. Michael White (2005), assistente social e terapeuta familiar inovador,
cofundador da terapia narrativa, caracterizou as conversas de recordação
como “compromissos propositais com as figuras significativas da história do
sujeito”. Ao explorar essas relações, muitas realizações, preferências e noções
de identidade, valores e modos de ser são ricamente descritas e podem
contribuir para o senso da pessoa de ser reconhecida e estar capacitada,
reconectada e esperançosa em relação a como avançar em sua vida.
Fui abençoada por concluir recentemente meu mestrado em serviço
social com foco no apoio ao luto. Meus objetivos de aprendizagem incluíam a
exploração de artes expressivas para luto, perda e trauma. Após extensas
pesquisas e insights valiosos, me vi profundamente inspirada pelos trabalhos
de Alan D. Wolfelt (2004), Robert Neimeyer (2012) e Michael White (2005), o
que me motivou a criar um projeto de legado chamado “pratos de
recordações”, que pude implementar em formato de grupo. Esse workshop foi
benéfico para os participantes ao facilitar o compartilhamento de emoções e
memórias de seus entes queridos falecidos, permitindo apoio e celebração no
presente e na forma de um ritual legado a ser compartilhado com os outros
nos anos seguintes. Considero esse projeto adequado para um workshop
independente, bem como para a integração em um programa de grupo de
apoio mais longo, em conjunto com serviços hospitalares ou comunitários
para os enlutados. O formato descrito aqui é especialmente adequado para a
sessão celebratória final desses programas.
Caso ilustrativo
O workshop de duas horas começou com uma recepção calorosa dos oito
participantes e uma breve introdução com todos sentados em formato de círculo. À
abertura, seguiu-se um exercício de ancoragem para nos tornarmos mais presentes no
momento e estabelecermos para a nossa sessão a intenção de honrar as histórias uns
dos outros, criando um espaço comunitário seguro e respeitoso para a expressão
criativa do luto e da perda e para a recordação das pessoas falecidas. A apresentação
consistiu em fazer com que os membros do grupo compartilhassem uma palavra para
descrever seu ente querido. A técnica do prato de recordações especificamente
demandou cerca de uma hora para reflexão e criatividade. Na sequência, seguimos
com a discussão e o reconhecimento da importância de celebrar o legado da pessoa
falecida como aspecto benéfico do trabalho e da reconciliação do luto.
A energia na sala era um caleidoscópio de antecipação, hesitação, lágrimas de
pesar, alegria agridoce e até algumas risadas. O trabalho com o luto é difícil, mas o
espírito comunitário é forte. Os participantes estavam sentados em torno de uma
mesa com um prato ou uma travessa branca em cada lugar, diversas canetas em todas
as cores imagináveis espalhadas para fácil acesso e uma lista das seguintes reflexões,
que li integralmente, deixando tempo para que se pudesse refletir sobre cada uma:
Nome da pessoa (ou como prefere chamá-la).
Como você quer se lembrar dessa pessoa — o que você deseja celebrar.
Citação/receita/hobby/música/lugar favorito da pessoa, etc.
O que você aprecia nessa pessoa (p. ex., valores, habilidades, lições de vida).
Alguma lembrança dessa pessoa que tenha contribuído para você ser a pessoa que
você é agora.
O que essa pessoa poderia dizer que aprecia em você.
Legados que você recebeu dessa pessoa e que quer passar para os outros (valores,
habilidades, lições de vida).
O que você quer dizer para essa pessoa agora.
O que essa pessoa pode dizer a você agora.
Memórias que sejam importantes para honrar essa pessoa.
Em seguida, os participantes começaram a decorar com entusiasmo seus pratos
com memórias de seus entes queridos; a lembrar de suas letras de músicas favoritas,
de citações, poemas, viagens memoráveis, realizações e comidas; e a compartilhar
tudo o que apreciavam neles e nos momentos que viveram juntos. Uma viúva mais
velha enfeitou seu prato com uma bandeira francesa e uma versão da Torre Eiffel,
uma lembrança de uma viagem especial para comemorar seu aniversário de 30 anos
de casamento com o marido. Uma filha enlutada desenhou um jardim de flores para
homenagear a paixão da vida de sua mãe, o cultivo de rosas e gardênias; já outra
desenhou um livro de receitas para celebrar a culinária de sua avó. Um homem
decorou as bordas de seu prato com notas musicais para invocar a carreira de seu pai
como músico de jazz, e muitos adicionaram nomes, datas de nascimento e de morte,
apelidos, corações, borboletas e expressões de amor e de recordação. Foi então que os
sorrisos trêmulos e as lágrimas unidas ao riso encheram o cômodo, em meio ao som
coletivo do compartilhamento de tempos mais felizes e de esperanças e sonhos para o
futuro. A sala tornou-se industriosamente viva com o zumbido do brainstorming em
torno do trabalho de legado e da transmissão de valores e de preferências para as
gerações futuras. A conversa voltou-se para a alegria que filhos e netos trouxeram a
suas vidas e para a admiração com quão catártica essa atividade de reflexão criativa
acabou sendo. Uma vez que o zumbido criativo começou, foi difícil parar: os
participantes adicionavam mais uma cor, mais uma palavra ou um desenho, ou uma
nova ideia gerada pelo fluxo criativo e pela liberação da emoção.
Após terminarem seus pratos de recordações, os participantes contornaram a
mesa compartilhando suas obras de arte, o que haviam apreendido do encontro e
como planejavam incorporar o prato de legado como um ritual de celebração e de
memória. O encerramento incluiu um momento para celebrar o tempo
compartilhado como um apoio coletivo ao luto e para discutir como os membros
lidariam com o avanço da sua vida. Também reconhecemos a sua coragem ao
participar e ao expressar e compartilhar de maneira criativa os pensamentos e as
emoções intensas experimentadas ao longo da jornada de luto. Muitos expressaram
sentimentos de tristeza pelo fim da sessão, mas ficaram gratos por terem tido a
oportunidade de explorar seu luto dessa forma, sobretudo com a criação de uma peça
de legado tangível para levar para casa e compartilhar com outras pessoas.
Por fim, como lição de casa, os participantes foram convidados a dedicar um
tempo ao longo da semana para honrar e celebrar suas memórias, os momentos
compartilhados e as marcas deixadas para trás. Ao fazer isso, eles também
reconheceram os impactos que tiveram na vida das pessoas falecidas e refletiram sobre
como poderiam continuar o legado em suas vidas e seu contexto familiar. A lição de
casa também incluiu a cura dos pratos. Para fixar a tinta, o prato precisava ser
colocado em uma assadeira e levado ao forno a 55 °C por 30 minutos. Uma vez
curados em casa, os pratos se tornam seguros para o uso, conforme a conveniência do
participante. Como os pratos ficam extremamente quentes após saírem do forno, se
você estiver fazendo isso com crianças, certifique-se de que elas sejam supervisionadas
pelos pais, ou providencie, na sessão, um tempo para permitir o resfriamento
apropriado.
Considerações finais
Em resumo, a atividade “prato de recordações” abre espaço para a lembrança
e a celebração, o apoio ao luto, o afastamento de emoções limitantes, a
aceitação de memórias, a consciência de uma nova compreensão do
relacionamento com a pessoa falecida, a construção de significado e a
construção de esperança. A natureza experiencial dessa atividade em geral
tem efeito profundo e catártico, tanto nos participantes quanto nos
mediadores. Notavelmente, mesmo em meio ao luto, os participantes
afirmam que conquistaram um senso de direção e poder que oferece
renovação de energia. Essa energia ressoa pelo cômodo à medida que as
histórias são compartilhadas e a atmosfera se transforma em celebração,
restauração e esperança positiva para o futuro.
Referências
Neimeyer, R. A. (Ed.). (2012). Techniques of grief therapy: Creative practices for counseling the bereaved. New
York: Routledge.
Thompson, B. E., & Neimeyer, R. A. (Eds.). (2014). Grief and the expressive arts: Practices for creating
meaning. New York: Routledge.
White, M. (2005). Workshop Notes. Retrieved from http://dulwichcentre.com.au/wp-content/uploads/2
014/01/michael-white-workshop-notes.pdf
Wolfelt, A. (2004). The understanding your grief support group guide. Fort Collins, CO: Companion Press.
52
Lições de vida aprendidas
Kenneth J. Doka
Descrição
Há muito se reconhece que uma das necessidades espirituais dos que estão
morrendo ou envelhecendo é encontrar algum sentido na vida (Erikson,
1963; Doka, 1988). Esse reconhecimento levou Butler (1963) a sugerir que a
revisão de vida é parte integrante do processo de envelhecimento. Embora
isso certamente seja verdade, talvez seja menos um aspecto do
envelhecimento do que da consciência de que se está encarando a finitude —
seja por meio do envelhecimento ou de doenças que limitam a vida. Em meu
trabalho, no início dos anos 1980, até os pais adotivos de crianças infectadas
pelo HIV — a maioria das quais morria antes dos 3 anos de idade — com
frequência procuravam encontrar algum valor nos anos breves e muitas
vezes dolorosos da vida da criança. Como resultado, as terapias de
reminiscência e revisão de vida têm sido ferramentas para indivíduos que
enfrentam a morte (ver Magee, 2011). De fato, o processo de revisão de vida
está agora no centro de abordagens bastante conhecidas, como a terapia da
dignidade (Chochinov, 2012), as homenagens em vida e os testamentos
morais/éticos (Baines, 2002).
No entanto, pessoas que levaram vidas muito autodestrutivas, cheias de
problemas e relacionamentos alienados, podem encontrar pouco significado
ao examinar sua trajetória. Na verdade, o processo pode ser doloroso,
lembrando-as do caos da sua própria vida e dos danos que podem ter causado
à vida dos outros. A técnica “lições de vida aprendidas” pode ser uma
alternativa útil aqui, pois permite que as pessoas reflitam de maneira positiva
sobre o que suas experiências — por mais negativas que sejam — ensinaram
a elas. Além disso, essa técnica permite que esses indivíduos deixem um
legado que pode afetar positivamente aqueles ao seu redor.
A implementação de “lições de vida aprendidas” deve começar com uma
avaliação do cliente que indique que as estratégias tradicionais de revisão de
vida, incluindo homenagens ou terapia da dignidade, não são apropriadas,
pois o cliente teve experiências de vida caracterizadas por predominância de
relacionamentos conflituosos e alienados. Essa avaliação também deve
afirmar que o cliente é capaz de autorreflexão e aceita pelo menos alguma
responsabilidade pelas escolhas que fez na vida. Na avaliação, é útil, embora
não seja necessário, identificar um indivíduo ou indivíduos que possam se
beneficiar ao ouvir o que o cliente aprendeu. Em alguns casos, pode ser um
filho ou um membro da família de quem o cliente está agora afastado.
Quando ninguém é identificado, o destinatário pode ser designado como
“indivíduos parecidos com o cliente” ou “pessoas mais jovens que parecem
estar seguindo o mesmo caminho”.
Uma vez que uma avaliação é feita, o terapeuta pode sugerir que a vida do
cliente, por mais destrutiva que seja, pode ter ensinado muito a ele. O cliente
pode então ser solicitado a oferecer conselhos a uma pessoa mais jovem
baseado no que aprendeu com suas experiências. Essa pessoa mais jovem
pode ou não ter — ou mesmo já ter tido — um relacionamento com o cliente.
Isso pode ser feito por meio de uma carta ou uma gravação de vídeo ou de
áudio — qualquer formato que permita ao cliente preservar seus conselhos.
O terapeuta ouve reflexivamente — às vezes comentando sobre as lições de
vida do cliente —, esclarecendo ou validando as lições aprendidas. Na
conclusão, o cliente e o terapeuta devem discutir quem pode ter acesso ao
documento e como ele pode ser compartilhado. O terapeuta deve então
agradecer ao cliente por participar e afirmar a importância do que foi
compartilhado, especificamente chamando-o de um legado crítico e
importante, que de fato tem o potencial de ajudar outras pessoas.
Caso ilustrativo
Doug era um homem de 35 anos que estava morrendo de insuficiência hepática aguda
— o resultado de um padrão, ao longo da vida, de abuso de álcool e drogas,
complicado por uma hepatite crônica e pela infecção pelo HIV. Nas palavras de Doug,
ele “nunca fez uma pausa”. Doug foi criado em uma família branca com raízes
apalaches, crescendo com uma mãe solteira, ela mesma em luta contra o alcoolismo
crônico, em um dos piores bairros de Detroit. Com dificuldades de aprendizagem,
muitas vezes ele era provocado e intimidado na escola. Seu irmão mais velho o
apresentou à maconha quando Doug tinha 10 anos, iniciando um padrão de abuso
de drogas e álcool que continuaria ao longo de sua vida.
Doug abandonou a escola assim que pôde, aos 16 anos, e basicamente se envolveu
em pequenos furtos, venda de drogas e, às vezes, prostituição homossexual, tendo
ainda um histórico de empregos informais e que não exigiam qualificação. Apesar de
sua prostituição esporádica, Doug se definiu como hétero e teve relacionamentos com
várias mulheres — uma das quais, acredita-se, o infectou com o HIV. Na verdade,
Doug descobriu que havia sido infectado quando essa mulher, também usuária de
drogas intravenosas, informou-lhe de que havia testado positivo. Ele também teve um
filho com outra mulher, que rompeu qualquer possibilidade de relacionamento com
ele após descobrir que Doug, apesar de uma promessa e uma tentativa de reabilitação,
teve uma recaída. Doug nunca tinha visto seu filho e não sabia onde a criança e a mãe
residiam. Na verdade, ele nem sabia o sexo da criança. No momento de sua
internação, a criança teria 14 anos.
Fui chamado para supervisionar um capelão que estava aconselhando Doug, pois
ele estava desanimado. Doug havia dito que “nunca deveria ter nascido”, que “era um
fracasso total” e que “nunca realizara nada, exceto arruinar muitas vidas”. O capelão
tentou utilizar a terapia da dignidade — modalidade na qual fora treinado —, mas
Doug resistiu. As tentativas do capelão de revisão de vida e mesmo as abordagens de
reminiscência foram igualmente infrutíferas. Como Doug disse: “Não tenho nada de
que valha a pena lembrar”.
Após nosso encontro, o capelão comentou com Doug que, embora sua vida tivesse
sido muito difícil, ele provavelmente havia aprendido muito com seus erros. Doug
concordou, indicando que desejava que houvesse “recomeços na vida”. O capelão então
observou que isso seria ótimo, mas que talvez ele pudesse ajudar os outros
compartilhando o que havia aprendido. Doug ficou intrigado com essa possibilidade e
a explorou ainda mais com o capelão, decidindo que desejava registrar suas
observações.
Como Doug ficava facilmente exausto nesse período de sua doença e como o
assunto era complicado, as gravações se estenderam por vários dias. Doug relatou
uma série de lições. Algumas eram óbvias, como a importância de permanecer na
escola e evitar o abuso de drogas e álcool. No entanto, outras lições envolveram muito
mais insights, como quando Doug falou sobre a necessidade de encontrar modelos
positivos (e como se lembrava de tentativas rejeitadas por professores, conselheiros
escolares e do programa Big Brother) e sobre como ele poderia ter dominado alguns
dos desafios que enfrentou — como dificuldades de aprendizagem — de maneiras
mais positivas. Quando o processo foi concluído, Doug parecia muito mais tranquilo.
Ele indicou que desejava que a gravação fosse compartilhada com um sobrinho com
quem ele tinha contato limitado e com seu filho, caso o capelão fosse capaz de localizá-
lo. Ele também deu ao capelão a liberdade de utilizar a gravação e compartilhá-la
onde quer que a considerasse útil. Doug ficou muito satisfeito com a gravação quando
a ouviu, descrevendo-a como “quase tão boa quanto um recomeço”, e insistiu que o
capelão a usasse com outras pessoas que estivessem em um “mau caminho”. Duas
semanas após fazer a gravação, Doug entrou em coma e morreu alguns dias depois.
Ele foi enterrado como indigente.
O capelão conseguiu localizar seu irmão e seu sobrinho, e ambos expressaram
apreço pelo legado. Ninguém parecia saber o que acontecera com sua namorada e seu
filho.
Considerações finais
A técnica “lições de vida aprendidas”, mesmo que raramente utilizada,
oferece uma alternativa à terapia da dignidade e a outras abordagens de
exame e reminiscência que tomam pelo menos algumas experiências de vida
positivas como pontos de referência. Como um segmento da população pode
ter tido poucas dessas experiências, essa técnica acrescenta outra ferramenta
útil para encontrar valor e sentido em uma jornada de vida mais difícil. A
técnica certamente pode ser modificada para ajudar as pessoas enlutadas a
encontrar sentido na trajetória de pessoas falecidas que eram autodestrutivas
ou que foram vítimas de experiências de vida negativas.
Referências
Baines, B. K. (2002). Ethical wills: Putting your values on paper. Cambridge, MA: Perseus Books.
Butler, R. (1963). The life review: An interpretation of reminiscence in the aged. Psychiatry, 26, 65–76.
Chochinov, H. M. (2012). Dignity therapy: Final words for final days. New York: Oxford University Press.
Doka, K. (1988). The awareness of mortality in mid-life: Implications for later life. Gerontology Review,
1, 19–28.
Erikson, E. (1963). Childhood and society. New York: MacMillan.
Magee, J. (2011). Paradox for life review: A guide for enhancing older adults’ self-esteem. Plymouth, UK:
Jason Aronson.
PARTE XIII
Recontando a perda
53
Diálogos de luto
Elizabeth Coplan
Descrição
Utilizar o teatro como meio para iniciar uma conversa sobre experiências de
perda consiste em uma prática eficaz para clientes em luto e estudantes. Essa
prática os convida a experimentar uma grande mudança emocional,
cognitiva e física em relação à morte e ao luto, bem como demonstra que o
contato com uma experiência ao vivo, como uma peça de teatro, pode
fomentar sensações, movimentos, emoções e imagens conhecidas como
“experiência afetiva incorporada” (Stanley, 2016, p. 1-3). Ela pode evocar
sentimentos sutis e oferece uma oportunidade para enfrentar o terror tantas
vezes associado à morte.
Assistir a uma peça de 10 minutos, a um curta-metragem ou a um trecho
de um filme mais longo, em associação a perguntas e discussões, pode criar a
oportunidade para que enlutados e estudantes participem e superem seus
medos. Muitas vezes, uma cena específica de uma peça remete os clientes a
certas emoções, histórias e significados pessoais ligados ao seu luto. Ao
observar a performance com clientes e alunos, os mediadores criam um
ambiente seguro que valida sua experiência com abertura e empatia.
As peças dos Diálogos de Luto, nossa técnica experiencial única,
permitem que o público se mova de maneira proativa através de seus medos
ao testemunhar atores criando personagens em uma situação específica. Por
meio dos gestos, do tom de voz e das expressões dos atores, os clientes
geralmente se conectam às experiências de determinados personagens. Os
atores costumam empregar o “método de interpretação”, em uma abordagem
“como se” para o papel. Lee Strasberg, muitas vezes considerado o “pai do
‘método de interpretação’ na América” (Gussow, 1982), queria que os atores
fizessem uso de experiências de suas próprias vidas, para aproximá-los das
experiências de seus personagens. Por sua vez, nossa abordagem também
aproxima o público da experiência dos personagens. Além disso, as
perguntas associadas a essa prática permitem que clientes e estudantes
expressem suas próprias respostas por meio de reações instintivas e da
reflexão. Com esses novos insights sobre os sentimentos relacionados à morte
e ao luto, clientes e alunos podem se orientar e começar o processo de cura.
Com a consciência das emoções, podemos dirigir nossa experiência interna
não resolvida para o conhecimento por meio de imagens e de reflexão
(Stanley, 2016, p. 193).
Para essa técnica, preferimos o teatro em detrimento do filme, embora
alguns dos trabalhos do projeto Diálogos de Luto descritos neste capítulo
possam ser apresentados em qualquer meio. Um dos principais atributos do
teatro é sua vivacidade. Em um artigo intitulado How can watching theatre
benefit the mind, o doutor Glenn D. Wilson explica: “Há um vínculo que se
forma entre os atores e o público, e as pesquisas demonstram como breves
momentos mágicos só podem acontecer quando os espectadores e os artistas
compartilham um espaço físico” (Butler et al., 2014). Essa ideia foi ainda
mais respaldada quando o Departamento de Educação da University of
Arkansas estudou os efeitos nos alunos após a observação de uma
apresentação ao vivo. Os benefícios emocionais que se evidenciaram
incluíam maior capacidade de compreender e ter empatia com os
sentimentos e as reações de outras pessoas. Esses resultados foram menos
evidentes no grupo-controle, que apenas leu a peça ou assistiu a uma
adaptação cinematográfica.
Durante dois anos, o projeto Diálogos de Luto convidou dramaturgos
contemporâneos para fazer a curadoria de uma variedade de histórias de
morte e luto. Todas as peças foram revisadas por um conselho consultivo,
composto por 15 profissionais de diversas disciplinas, incluindo medicina,
psicologia, fim da vida, teatro, marketing, artes visuais, música, cultura pop,
educação e serviço social, bem como por pessoas que haviam sofrido perdas
recentes. O grupo de 12 mulheres e três homens escolheu as peças (listadas
na Tabela 53.1) entre as 118 semifinalistas inscritas, selecionando-as com
base em seu tópico específico, sua originalidade, o desenvolvimento de seus
personagens, o diálogo, a dependência mínima de adereços ou de cenário e a
adesão ao objetivo dos Diálogos de Luto: criar um ambiente compassivo no
qual o compartilhamento de suas histórias sobre morte e luto possa ajudar a
si mesmos e a outras pessoas. O resultado foi um repertório de 12 peças de 10
minutos (como vinhetas) para performance em um ambiente terapêutico,
educacional ou outro contexto grupal. Essa lista é atualizada semestralmente
à medida que novos trabalhos são enviados e aceitos. Os leitores interessados
em uma introdução mais completa ao projeto podem visitar o site www.griefd
ialogues.com (em inglês).
Excerto
LILY (L): Sua última mensagem. Lembra o que dizia?
ANDREW (A): “Minha última prova foi moleza! Indo para casa agora. Não vá
buscar a árvore sem mim!”
L: “Saudades de vocês!”
A: “Saudades de vocês!”
L: Nunca buscamos a árvore. Porque você nunca...
A: Você deveria arranjar uma este ano.
L: Eu não sei. Este é o ano em que não enviarei cartões. No ano passado era
muito cedo para contabilizar, eu acho.
A: Mas você ama ter uma árvore. E, além disso, ela sempre cobre a mancha
de vômito.
L: Ela não me incomoda.
A: Lembra que, quando eu era pequeno, você sempre escondia um presente
especial na árvore para eu encontrá-lo?
L: O Papai Noel fazia isso.
A: Eu parei de acreditar no Papai Noel quando tinha 4 anos.
L: 4! Isso é impossível!
A: Eu me levantei para fazer xixi e vi papai montando minha bicicleta e você
comendo os biscoitos.
L: Você nunca me contou isso! Por todos estes anos.
A: No começo, fiquei com medo de não receber presentes. Mais tarde, eu
percebi que aquilo fazia você feliz. Queria manter a ilusão viva para você.
L: Eu quero mais. Anseio por mais.
A: Esse diário não vai dar isso a você, mãe. Estudantes universitários são
estúpidos.
L: Sua voz. Vou ouvir sua voz na minha cabeça enquanto leio. Isso vai ser
mais.
A: Mas você não pode escolher o que vai receber.
L: O que você poderia dizer aqui que seria um problema?
Caso ilustrativo
Depois que sua mãe morreu, Monica, de 10 anos, foi instruída por seu pai a nunca
mais falar dela. Apesar de sua mãe ter morrido de câncer, aos olhos do pai, a morte
dela representava um fracasso: um fracasso da comunidade médica e um fracasso dele
mesmo em manter sua esposa segura. Monica viveu em uma bela casa com o pai por
vários anos, mas os dois raramente saíam, exceto para a escola e o trabalho. Eles
viviam como se estivessem paralisados de medo. Monica parou de crescer e
amadurecer fisicamente.
Três anos depois, o pai dela, incapaz de lidar com sua dor, acabou com sua vida.
Monica ficou arrasada, mas seu eu de 13 anos sabia evitar o choro e demonstrações de
emoção, e sentia um medo extremo da morte. Quando foi morar com a tia que era sua
tutora, Monica começou a fazer terapia. A terapia conversacional tradicional
funcionou para acalmar Monica, mas foi só quando ela assistiu a Life Lines, em
uma celebração do Dia dos Mortos, que começou a expressar sua verdadeira dor.
Monica experimentou sensações perceptivas, cognitivas e emocionais em relação à
personagem da mãe desencadeadas pela peça. Ela primeiro reagiu emocionalmente,
depois, com seu terapeuta, foi capaz de refletir e resolver problemas. Por fim, ela foi
capaz de demonstrar empatia pela personagem da mãe. Life Lines permitiu que
Monica saísse de si mesma e ganhasse perspectiva sobre suas próprias circunstâncias.
Seu humor começou a mudar quando uma porta se abriu para ela, permitindo que
falasse com mais detalhes sobre a morte de seus pais, bem como sobre os efeitos físicos
do luto.
Considerações finais
Criação de empatia é um conceito relativamente novo na cultura ocidental.
Na verdade, a palavra “empatia” — derivada do termo alemão Einfühlung —
tem apenas um século de idade. No entanto, as pessoas têm demonstrado
interesse nas implicações morais de nos colocarmos na vida dos outros por
um longo período. Paul Bloom escreveu na The New Yorker que Adam Smith,
em Teoria dos sentimentos morais (1759), observou que o que nos tornava seres
morais era a capacidade imaginativa de “nos colocarmos [na] situação [de
outro] [...] e nos tornarmos em alguma medida a mesma pessoa que ele,
adquirindo assim alguma ideia de suas sensações” (Bloom, 2013).
Quando se trata da experiência de morrer, da morte e do luto, Bloom
sugere que “alguma centelha de sentimento de empatia é necessária para
converter inteligência em ação” (Bloom, 2013). Ao integrar a visão dos
Diálogos de Luto à sua prática, os clínicos ajudam a criar um espaço
empático no qual clientes e alunos não apenas veem e ouvem aspectos do
morrer, da morte e do luto nas peças, mas também podem senti-los e se
identificar com eles. Essa abordagem empática começa no mundo
intrapessoal do profissional e, em seguida, permite que esse praticante
prestativo realmente conheça e acompanhe os outros momento a momento
em sua experiência de perda, angústia, tristeza, dor, anseio e alegria —
experiência de mudança mas também de cura (Stanley, 2016, p. 193).
Em alguns casos, pode ser muito cedo para explorar essas imagens, ou a
memória da perda pode ser muito vívida. Muitas vezes, os clientes ficam
imobilizados ou travados. No entanto, utilizar o teatro para explorar a morte
e o luto pode proporcionar oportunidades para atrair clientes e alunos de
forma não ameaçadora.
Barbara Thompson e Robert Neimeyer, em Grief and the expressive arts
(2014), abordam a necessidade desse ambiente seguro para estimular a
reflexão emocionalmente ressonante e a integração de experiências de perda.
Usar os Diálogos de Luto para auxiliar os clientes a se distanciarem um pouco
de sua própria percepção da perda pode ajudá-los a reconhecer a
inevitabilidade e a dor da perda, a revisar suas próprias suposições sobre a
morte e o morrer pelos olhos de um personagem fictício, a reconstruir um
relacionamento que pode ter sido perdido e a se reinventar ao experimentar
novos papéis e novas identidades, à medida que reconhecem seus medos,
suas perdas e suas conexões com os outros, e sua vontade de viver.
Embora o ambiente seguro criado por essas apresentações teatrais seja
crucial, o terapeuta não precisa de experiência prévia nas artes cênicas. As
peças foram escolhidas por sua simplicidade. Os mediadores devem
comparecer ao(s) ensaio(s) para ter certeza de que estão confortáveis com
essa forma de arte (Rogers, 2007). Também é importante entender o senso de
interconexão e comunidade ao trabalhar com clientes e estudantes, pois é por
meio dele que desenvolvemos um respeito pelo indivíduo em contexto, o que
está no cerne da terapia construtiva (Stanley, 2016). O projeto Diálogos de
Luto agora oferece trabalhos escritos e produzidos para profissionais de
saúde. Para obter mais informações sobre a Grief Dialogues Health Care
Education, visite: www.griefdialogues.com/grief-education/ (em inglês).
Referências
Bloom, P. (2013, May 20). Baby in the well. The New Yorker. Retrieved from www.newyorker.com/maga
zine/2013/05/20/the-baby-in-the-well
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Gussow, M. (1982, February 18). Lee Strasberg of Actors Studio dead. The New York Times. Retrieved
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Rogers, J. E. (Ed.). (2007). The art of grief: The use of expressive arts in a grief support group. New York and
London: Routledge.
Stanley, S. (2016). Relational and body-centered practices for healing trauma: Lifting the burdens of the past.
New York: Routledge.
Thompson, B. E., & Neimeyer, R. A. (Eds.). (2014). Grief and the expressive arts: Practices for creating
meaning. New York: Routledge.
54
Diálogos de escrita reflexiva de
respostas
Katarzyna Malecka e Janie Taylor
Descrição
Os textos dialogam entre si em um amplo contexto de tradições acadêmicas e
literárias. Ao cunhar o termo “intertextualidade”, na década de 1960
(Kristeva, 1969/1980, p. 64-69), o campo dos estudos literários admitiu
explicitamente que nenhum texto é uma entidade autônoma criada por um
único autor. No mundo literário, “A canção de amor de J. Alfred Prufrock” e
“A terra devastada”, de T. S. Eliot, exemplificam como a alusão a textos
preexistentes pode resultar em obras expressivas e (auto)reflexivas únicas.
No contexto deste volume, as listas de citações no texto falam muito sobre
como ideias antecedentes podem inspirar, reforçar e aprofundar a pesquisa
sobre o luto e as práticas terapêuticas de outras pessoas.
A técnica de dialogar com outros textos é um dispositivo literário
significativo utilizado nas memórias de luto, gênero literário que vem
solidificando sua posição nas últimas duas décadas. Em termos gerais, um
livro de memórias de luto é uma narrativa autorreflexiva e, em grande
medida, autoterapêutica, documentando o processo de luto e permitindo que
o autor dê sentido a uma perda e a integre em uma história de vida mais
ampla. Como experiência de luto individual, cada memória de luto é
diferente, mas padrões surgem, e um deles é a técnica de referenciar outros
escritores para definir as emoções em um contexto informativo e empático
mais abrangente. Por exemplo, Joan Didion, como muitos outros, busca
consolo e compreensão de sua própria dor na poesia, na prosa e na literatura
clínica (Didion, 2006, p. 44-52).
O diálogo com outros textos praticado pelos memorialistas do luto
inspirou a técnica de escrita de resposta apresentada aqui. Esse tipo de
escrita de resposta discursiva pode ser utilizado como parte da biblioterapia
com clientes em luto e como auxílio educacional em cursos de psicologia. O
diálogo entre aluno e mentor que exemplifica a técnica surgiu a partir de
apresentações sobre memórias de luto e tarefas de acompanhamento
preparadas para estudantes universitários em aulas sobre psicologia da perda
e do luto. O foco deste exercício foi usar textos que não fossem livros
didáticos de psicologia, com o objetivo de mudar perspectivas, e de ampliar e
aprofundar as reflexões sobre perda e luto para os muitos alunos que estavam
sofrendo naquele momento, bem como para aqueles que não estavam ou
nunca haviam sofrido ativamente. Para os memorialistas do luto, o diálogo
com outros escritores desempenha três funções principais: (1) auxilia os
autores a encontrar palavras para expressar as emoções muitas vezes
inexprimíveis após uma perda; (2) fornece fonte incondicional de apoio e
compreensão (diferentemente dos membros da família mais carinhosos, os
textos nunca ficam impacientes ou cansados); e (3) facilita a autorreflexão,
que, por sua vez, ajuda a processar o luto e a tomar consciência da
mortalidade como parte da vida após a perda. Todas essas funções são
aplicáveis no caso de clientes em luto, bem como no caso dos leitores que
estão dispostos a recorrer às memórias para se preparar para perdas futuras.
O método de estimular um diálogo reflexivo é simples, mas requer uma
preparação cuidadosa por parte do professor ou do clínico. Ela consiste em
formular algumas perguntas que estimulem o envolvimento com uma ou
mais memórias de luto, lidas na íntegra ou em trechos fornecidos pelo
mentor. Os alunos ou os clientes respondem por escrito a cada uma,
iniciando assim uma troca de reflexões cuidadosas entre as duas partes. O
conteúdo das perguntas iniciais pode ser geral, como quando se trabalha com
um grupo de pessoas, ou adaptado à experiência de uma pessoa em
específico, como no caso de terapia individual ou estudo independente. O
exemplo de caso a seguir ilustra o processo de escrita de respostas no
contexto de uma sala de aula universitária.
Caso ilustrativo
Mais ou menos no meio do semestre, a primeira autora/instrutora (KM) fez uma
apresentação de três horas para uma turma de estudantes universitários de
graduação sobre o potencial terapêutico das memórias de luto, tanto para seus
escritores quanto para seus leitores. Dentre as 10 respostas à tarefa opcional que
acompanhou essa unidade, as reflexões da segunda autora (JT) se destacaram por
dois motivos: (1) ela era uma auxiliar de enfermagem cujas tarefas incluíam higiene,
nutrição e cuidado com o corpo de pacientes após a morte, bem como uma candidata
a programas de pós-graduação em psicologia clínica com foco em gerontologia; e (2)
os pensamentos cuidadosamente redigidos e aprofundados de Janie suscitaram com
facilidade respostas adicionais da instrutora, o que, por sua vez, inspirou um diálogo
orgânico e significativo por e-mail. Os trechos do diálogo apresentados aqui mostram
como as narrativas de luto podem ser uma fonte de inspiração acessível e adequada
para a reflexão sobre a mortalidade e a validação do luto, tanto para o aluno ou o
cliente quanto para o mentor. Antes da apresentação sobre memórias de luto, a turma
explorou várias criações artísticas (cinema, poesia, memórias) que discutiam o luto.
O diálogo a seguir faz referência a algumas dessas obras. As perguntas faziam parte
da tarefa já mencionada.
Escrever nos dá a liberdade de expressar como estamos nos sentindo e é algo livre
de julgamentos. Também nos ajuda a processar e descobrir aspectos de nossa dor
que talvez não tivéssemos percebido se não a explorássemos por meio da escrita.
Além disso, a leitura nos permite sofrer a distância, com o conhecimento de que
existem outros por aí que também estão sofrendo, às vezes da mesma forma. Acho
que isso ajuda a desestigmatizar a morte e o luto quando estamos abertos a nós
mesmos e quando nos abrimos para os outros.
Janie também refletiu sobre sua própria experiência como auxiliar de
enfermagem, elogiando a decisão de uma memorialista de preparar o corpo de seu
marido antes do funeral:
É a materialidade real de enfrentar o corpo da pessoa falecida que pode ser o mais
difícil inicialmente. Como auxiliar de enfermagem, é minha função limpar o
corpo logo após a morte. Congratulo-me por esse papel porque, embora se trate
apenas de um corpo, é o corpo do meu paciente, e eu cuido dos meus pacientes —
simples assim. Acredito que essas experiências contribuíram para minha
consciência e minha franqueza com a morte, até minha própria mortalidade. Em
uma sociedade em que a morte está escondida sob um véu espesso, é importante
que às vezes se retire seu véu e a confronte, antes que seja tarde demais.
Considerações finais
A negação da morte em vários níveis é o que, para muitos, torna o luto
especialmente doloroso. Nas culturas ocidentais, nas quais a morte “está
escondida sob um véu espesso”, o número crescente de memórias de luto não
é mera coincidência ou nova tendência. A consciência da mortalidade precisa
ressurgir de alguma forma, tanto na vida privada quanto na social, pois é
parte integrante da vida. Para muitas pessoas, seu contato mais próximo com
a morte ocorre quando alguém de quem gostam morre, deixando-as com
pensamentos e sentimentos para os quais frequentemente não estão
preparadas. Como a felicidade e o amor, o luto é uma experiência que se torna
mais significativa quando compartilhada com os outros, mas muitas culturas
ocidentais ostracizam os enlutados, reforçando a negação da transitoriedade
da vida.
Muitas pessoas se exercitam de maneira regular para se sentirem melhor
e preservarem seu corpo do processo de envelhecimento. Exercitar a
consciência da mortalidade e das limitações do corpo deveria ser igualmente
importante para nós. Engajar-se em diálogos escritos semelhantes aos
apresentados neste capítulo pode ser uma forma relativamente segura de
encarar a finitude da vida. O uso de textos publicados sobre o assunto ajuda
as pessoas a expressar o que pode ser inicialmente indizível. Ao reagir às
abordagens literárias sobre a mortalidade e, em seguida, responder a essas
reações, nos envolvemos em um tipo de conversa/escrita mais focado,
autorreflexivo e, portanto, mais eficaz como processo de aprendizagem — e,
quando o luto se instala, também de cura. Para os profissionais que oferecem
assistência, sobretudo os que ainda estão em treinamento, as discussões
inspiradas na literatura, além dos livros didáticos escritos no jargão da
psicologia, podem ser fontes válidas para o desenvolvimento de técnicas de
aconselhamento mais criativas, capazes de permitir que eles se conectem
com seus clientes em níveis mais profundos.
Referências
Bacon, F. (1625/1850). An essay on death. In The works of Lord Bacon (Vol. 1). London: Henry G. Bohn.
Didion, J. (2006). The year of magical thinking. New York: Vintage.
Eagleton, T. (2003). After theory. New York: Basic Books.
Frye, M. F. (1932). Do not stand at my grave and weep. In Family Friend Poems. Retrieved January 14,
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mary-elizabeth-frye
Kristeva, J. (1969/1980). Desire in language: A semiotic approach to literature and art (Thomas Gora, Alice
Jardine, & Leon S. Roudiez, Trans.) New York: Columbia UniversityPress.
[tons ominosos] N. T.: No original, há repetição do “s” nas palavras que compõem o título escolhido,
“The silver spoon is starting to rust”.
55
Escrevendo para curar
Rhonda Davis
Descrição
Carol Henderson, autora de Farther along: the writing journey of thirteen
bereaved mothers (2012), escreve:
Minha experiência me ensinou isto: uma pessoa morre; o
relacionamento, não... Criar um espaço de cura ajuda a ancorar as
pessoas, lhes dá um refúgio privado composto por suas próprias palavras,
para as quais elas sempre podem retornar. Isso as lembra de que elas têm
um self e um centro, mesmo que às vezes percam o controle desses
recursos internos (Henderson, 2012, p. 54-55).
A inspiração para o grupo de escrita voltada à cura adveio de um
encontro com o trabalho realizado por Carol Henderson junto a mães
enlutadas e com seu livro, Farther along. Em um grupo de escrita voltado à
cura, o mediador e os participantes criam um espaço sagrado e de cura
pessoal e coletiva por meio de exercícios de escrita criativa. O facilitador
utiliza estímulos de escrita advindos da literatura, da poesia, da música e da
arte para convidar à autorreflexão e ao autocuidado enquanto os clientes
enlutados se envolvem em um processo de escrita criativa profundamente
curativo. O facilitador também convida os integrantes do grupo a ler o que
escreveram em resposta a estímulos criativos, e os participantes praticam
uma escuta respeitosa e honrosa da palavra escrita. O grupo de escrita
voltada à cura é um grupo de escrita de apoio cuidadosamente estruturado,
sendo bem diferente de um grupo tradicional de terapia de luto.
O líder do grupo deve fazer a facilitação, criando um ambiente seguro
para os participantes enlutados passarem algum tempo refletindo sobre sua
voz interior de sabedoria enquanto buscam a interseção de seu processo de
luto com poemas ou estímulos de escrita criativa. Os integrantes do grupo
podem optar por ler em voz alta o que escreveram, o que cria um vínculo
enriquecedor entre os participantes. As diretrizes para o grupo ajudam a
estabelecer a intenção de criar um espaço seguro para a reflexão por meio da
escrita, da leitura em voz alta e da escuta sagrada, sem julgamento ou crítica.
Se os participantes quiserem compartilhar sua escrita, mas estiverem muito
emocionados para fazê-lo, eles podem pedir a outro membro do grupo que
leia o texto que desejam compartilhar. A pessoa também pode passar a vez e
apenas ouvir. A participante Linda Miller optou por nunca ler em voz alta
devido à natureza de seu processo de luto. Ela disse:
Caso ilustrativo
O grupo de escrita voltada à cura começa com um conjunto de expectativas que
estabelecem a base da confidencialidade e da escuta respeitosa quando os integrantes
leem. As diretrizes afirmam claramente que se trata de um grupo de escrita, não de
um grupo de terapia. A escrita é destinada a cada um, de modo que os participantes
possam dizer a verdade e não focar muito em questões de ortografia e gramática. Há
também uma expectativa clara de que os integrantes do grupo leiam apenas o que
está escrito no papel e não falem de maneira improvisada sobre seu processo de luto.
Além disso, há um foco intenso em ouvir devotamente, a si mesmo e aos outros, e estar
consciente para examinar julgamentos internos ou críticas sobre o processo de
escrita/escuta. O facilitador do grupo oferece uma resposta respeitosa de maneira
muito breve após alguém ler; esse não é um momento para discutir o que quer que seja
sobre o processo de luto ou as palavras compartilhadas. Trata-se apenas de um
momento para honrar a contribuição criativa compartilhada e expressar gratidão e
compaixão pela coragem de ler em voz alta. Por fim, facilitador dá permissão para
que os participantes utilizem os estímulos criativos de várias maneiras diferentes. Se
eles não tiverem interesse nesses estímulos, podem utilizar outro poema/citação ou
ideia para mobilizar sua escrita. Em última instância, a experiência de escrita
voltada à cura é individualizada, para facilitar a cura de cada pessoa,
independentemente dos estímulos de escrita específicos usados no momento.
Escrevemos a partir de vários estímulos antes de parar para ler em voz alta e ouvir
devotamente uns aos outros.
Na primeira sessão, mesmo antes das apresentações (que também são escritas e
lidas em voz alta), escrevemos sobre nosso lugar especial, um lugar seguro que
visitamos em nossas mentes. O líder pode utilizar técnicas de visualização guiada
para ajudar os participantes a visualizar o lugar seguro e, em seguida, escrever sobre
esse lugar, de modo que os enlutados possam retornar a ele se as emoções forem
intensas ou o luto parecer brutal durante o processo de escrita/leitura.
Posteriormente, temos as apresentações, que são escritas e incluem nome, idade e
aniversário da pessoa falecida, bem como informações sobre quando e como ela
morreu. Após as apresentações serem lidas em voz alta, há tempo para a reflexão por
escrito sobre o que os participantes ouviram. Após as apresentações, começamos com
atividades de aquecimento usando inícios de frases ou listas. Um exemplo é convidar
os participantes a listar “três coisas que aprendi com meu ente querido”, “o que perdi”,
“o que encontrei” e “três coisas pelas quais sou grato neste momento”. Depois de fazer
suas listas, os participantes podem escolher um item da lista e escrever um parágrafo
sobre ele. O facilitador usa uma coletânea de poesia e citações inspiradoras como
estímulos de escrita. Pode-se também optar por utilizar atividades artísticas como
estímulos de escrita. A seguir, está o meu poema, que foi inspirado no poema anônimo
original “Eu vou”.
Descrição
As cartas karuna foram desenvolvidas no contexto do aconselhamento de luto
em ambiente de hospice e em consultório particular. Frequentemente
recomendo a escrita de um diário, mas descobri que as pessoas precisam de
ajuda para começar. Os interessados em escrever recebem bem as
orientações, e as cartas são atualmente usadas na terapia de luto e em grupos
de apoio, bem como estão sendo utilizadas por terapeutas para ansiedade,
transtorno de estresse pós-traumático, trauma e outros problemas de saúde
mental nos quais a perda é sentida.
Karuna é uma palavra sânscrita que significa “compaixão por todos”: sua
raiz, kara, significa ação, indicando que karuna é uma compaixão ativa. A
karuna é empática e responsiva, estimulando o desejo de aliviar o sofrimento
(Yogapedia, 2017). Os enlutados muitas vezes anseiam por ações para ajudá-
los a superar sua dor, mas não sabem o que fazer. As cartas karuna
recomendam ancoragem, envolvem ideias para aliviar a ansiedade e
estimular a investigação sobre como o sujeito se sente em relação à morte e
ao seu impacto na vida. Além disso, as cartas defendem a compaixão em
relação ao próprio luto, o que é algo muitas vezes esquecido, mas igualmente
importante. Escrever durante o luto permite que os clientes explorem seu
mundo interior, libertem emoções difíceis e esclareçam pensamentos
colocando-os no contexto do diário. O registro no diário ajuda os enlutados a
descobrir significados e insights em sua experiência. Estímulos específicos
incentivam a exploração do luto, libertam emoções e reformulam a história
do luto, uma vez que diferentes visões da narrativa podem transformar o
modo como alguém se sente.
Os estímulos são simples e podem ser respondidos por meio da escrita, da
conversa ou da interação com modalidades de arte. Por exemplo, a colagem é
uma metáfora poderosa para o trabalho reparador do luto, como a
arteterapeuta Sharon Strouse descobriu enquanto estava em luto pelo
suicídio de sua filha (Strouse, 2013). O ato de produzir novas imagens a
partir de papel rasgado foi uma forma de Strouse navegar pelo “labirinto do
luto inexprimível”, já que ela descobriu que a terapia da fala não era útil no
primeiro ano de luto. Outras cartas sugerem que utilizar cores para esboçar
ou rabiscar a energia de sentimentos internos permite que o enlutado envolva
diferentes partes do cérebro e do corpo, levando à reintegração após a
sensação devastadora da morte.
O trabalho com o luto é um trabalho processual, e as cartas guiam os
usuários por vários tipos de processo. Para um enlutado intuitivo, elas
estimulam a contemplação e a atenção plena, ao mesmo tempo que
incentivam a expressão emocional. Para um enlutado instrumental,
atividades como se conectar com a natureza ou reunir imagens para
trabalhar incentivam que “faça” algo com o luto (Mac-William, 2017). A
necessidade premente de contar a história do luto é sugerida em várias
cartas, de modo que a narrativa possa ser deslocada e até transformada.
Caso ilustrativo
Anna é uma empresária de 63 anos, a mais nova de duas irmãs. Eu a conheci quando
sua mãe, de 93 anos, entrou em cuidados paliativos em um hospice. Comecei a
trabalhar com Anna pouco antes da morte de sua mãe. A irmã de Anna, Ellen,
casou-se jovem e ficou em casa para criar suas duas filhas, agora crescidas. Anna
gostava de ser a tia que lhes proporcionava experiências como o teatro e o balé. Uma
das sobrinhas é homossexual e casada com sua parceira. Embora as irmãs não fossem
próximas, elas celebravam os feriados juntas. Anna não tinha filhos e esperava-se que
comparecesse a todos os eventos na casa de Ellen. Anna morava com o namorado há
muitos anos e queria que as celebrações de alguns feriados acontecessem na sua casa,
mas Ellen sempre resistia.
Ambas as irmãs eram próximas de sua mãe; seu pai havia morrido cerca de 20
anos antes. A mãe era uma mulher vivaz que evitava confrontos. Ela tinha o antigo
hábito de conversar com uma filha sobre a outra. Esse padrão se repetia em suas
filhas: Anna falava com a mãe sobre a irmã, ou Ellen falava com a filha sobre Anna,
mas as irmãs não estavam inclinadas a falar diretamente uma com a outra.
Antes de morrer, a mãe exortou Anna a ficar perto de sua irmã, e Anna prometeu
que tentaria. Embora Anna estivesse triste pela morte da mãe, a maioria de nossas
sessões de aconselhamento girava em torno de seu relacionamento com a irmã.
Um motivo para a falta de proximidade datava de alguns anos antes. Quando
Anna finalmente se casou, aos 60 anos, Ellen não pareceu muito interessada. Sem o
conhecimento de Anna, Ellen disse à sua filha homossexual que Anna não estava
confortável com a parceira dessa filha. Isso era claramente falso, mas a sobrinha de
Anna acreditou e não compareceu ao casamento. Anna ficou magoada e sentiu que
sua irmã deliberadamente impedira (com informações falsas) que sua sobrinha
comparecesse. Anna falou com Ellen a respeito disso, mas não ligou diretamente para
a sobrinha, a fim de explicar como se sentia. Anna estava chateada porque sua
pequena família não parecia celebrar sua felicidade.
Mantendo a promessa que fizera à mãe, Anna convidou a irmã para passar um
fim de semana com ela, esperando que pudessem restabelecer uma conexão. Ellen deu
desculpas, mas por fim consentiu em ir, levando o marido. Anna não se dava bem
com o marido de Ellen, sentindo que ele muitas vezes interferia na comunicação
direta entre elas. Ainda assim, eles foram para a cidade juntos. O fim de semana foi
decepcionante para Anna, e muito estranho.
Anna foi solicitada a identificar a forma do relacionamento entre ela, sua mãe e
sua irmã. Ela respondeu que era um triângulo, confirmando o que esta conselheira
via como triangulação clássica. Anna começou a notar como sua família era indireta.
Ela desejava poder falar de maneira aberta com a irmã, e queria que esta fosse mais
solidária.
Anna embaralhou as cartas karuna e respondeu a uma que dizia:
Existe alguém em sua vida que não age da maneira como você gostaria que agisse?
Escreva um conto de fadas em que essa pessoa seja tudo o que você gostaria que
fosse.
Em seguida, escreva a história indicando como ela realmente é. Compare as duas
histórias.
Com qual história você pode efetivamente viver? Escreva essa nova história.
Anna gostou dessa carta e decidiu fazer dela seu dever de casa entre as sessões de
aconselhamento. Ela escreveu três histórias breves. A primeira era um conto de fadas
em que ela tinha uma irmã perfeita que lhe dava apoio e queria o melhor para ela, e
Anna retribuía com os mesmos sentimentos. Nessa história fantasiada, ela e a irmã
trabalhavam juntas para ajudar a mãe, Ellen se alegrava com o casamento de Anna e
todos os membros da família celebravam.
A segunda história de Anna expressava a realidade de seu relacionamento com a
irmã, que não era muito honesto. A história narrava as muitas vezes em que ela
tentara colaborar com sua irmã em decisões sobre a instalação de sua mãe em uma
casa de repouso, ou no planejamento do seu casamento, apenas para descobrir que
Ellen não estava disposta a participar. Essa história “real” estava repleta de mágoa, e
Anna se perguntou: “Como você supera a história e a bagagem?”.
Escrever o conto de fadas foi fácil, já que se tratava de fantasia, mas escrever sobre
a realidade a colocou cara a cara com certos padrões de seu próprio comportamento.
Em sua terceira história, Anna escreveu que não queria nem a fantasia nem a
realidade, mas desejava desenvolver um relacionamento mais honesto com sua irmã.
Anna leu todas as três histórias em voz alta durante uma sessão. Processamos
seus sentimentos, e ela investigou como desenvolver melhor comunicação com sua
irmã. Anna reconheceu que dava continuidade aos padrões estabelecidos por sua mãe
e que eles não funcionavam mais. Discutimos como ela poderia mudar, mas não
havia garantia de que sua irmã seguiria o exemplo. Ainda assim, Anna poderia
libertar seu próprio ressentimento e desistir do hábito de ser indireta e até prejudicial.
A resposta de Anna à escrita dessas histórias foi positiva. O exercício permitiu que
ela olhasse profundamente para o relacionamento e percebesse seu próprio papel na
dinâmica. Reconhecer que sua mãe havia estabelecido a triangulação era difícil para
Anna, mas permitiu que ela a visse como humana. Anna tomou medidas para
modificar suas próprias reações e esperava que uma mudança em si mesma pudesse
levar a um relacionamento mais próximo com Ellen.
Ela entrou em contato comigo quase três anos após a morte de sua mãe, para
contar que agora tem um relacionamento melhor com sua irmã e suas sobrinhas. Ela
sentia que isso era resultado de trabalhar com essa carta karuna e escrever as
histórias. Anna também ligou diretamente para a sobrinha, a fim de dizer o quanto a
amava, que estava feliz por ela estar em um relacionamento amoroso e que não se
importava se essa relação era homossexual ou não. Anna gentilmente disse à
sobrinha como sofrera com o fato de ela ter perdido o seu casamento e pediu desculpas
por não ter ligado para falar isso a ela naquele momento. Agora, Anna sabe que pode
ser mais honesta com a irmã, e elas fizeram diversas viagens de fim de semana juntas.
Essa carta karuna ajudou Anna a examinar seu relacionamento com a irmã e o
padrão recorrente estabelecido por sua mãe. Ao abordar sua história como se fosse um
conto de fadas, ela foi capaz de libertar alguns dos desejos não realizados e de vê-los
não apenas como inatingíveis mas como desnecessários. Reescrever sua narrativa
permitiu que Anna criasse uma nova maneira de se relacionar com sua irmã e com os
outros membros de sua família.
Considerações finais
Escrever para atravessar o luto pode ser muito útil. Na década de 1980, James
Pennebaker estudou alunos universitários, pedindo-lhes que escrevessem
sobre uma experiência traumática diariamente por vários dias, e contrastou-
os com alunos que simplesmente escreveram sobre eventos diários. Ele
observou uma redução do estresse e um estímulo ao sistema imunológico
daqueles que expressaram experiências perturbadoras por escrito
(Pennebaker, 1997). Desde então, foram realizados quase 300 estudos que
validam os benefícios de expressar sentimentos por meio da escrita e da arte.
O livro mais recente de Pennebaker identifica áreas específicas que
respondem de modo positivo à escrita emocional (Pennebaker, 2014). Além
dos efeitos fisiológicos listados aqui, Pennebaker observa que o humor pode
se mostrar inicialmente deprimido após a escrita, mas os benefícios a longo
prazo são claramente positivos.
Referências
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Yogapedia. (2017, May 18). Retrieved from www.yogapedia.com/definition/5305/karuna
PARTE XIV
Facilitando o apoio
57
Vislumbrando transições
Robert A. Neimeyer e Doris Chambers Vaughans
Descrição
A expressão “enfrentamento proativo” é utilizada para designar o processo de
antecipar eventos ou estressores futuros e se preparar para eles com
antecedência (Pope & Kang, 2010). A técnica de imaginar transições é eficaz
para que os filhos adultos se envolvam em um enfrentamento proativo em
prol de seus entes queridos idosos. Isso pode ajudá-los a atender melhor às
necessidades que provavelmente acompanharão os idosos no contexto da
perda e da transição, sobretudo da mudança da própria casa para uma
instituição de saúde. Essa significativa mudança de residência nos últimos
anos de vida de alguém pode invocar sentimentos sutis e ambíguos comuns a
perdas não finitas e luto não reconhecido. Segundo Harris e Gorman (2011),
tais perdas sem fim e ambíguas muitas vezes passam despercebidas e não são
abordadas, podendo levar ao sofrimento crônico.
Harris (2020) descreve as perdas não finitas como sendo internas por
natureza, abrangendo um senso de incerteza, vulnerabilidade e impotência
contínuos. O envolvimento empático ao “imaginar transições” permite que o
filho adulto tenha insights experienciais sobre como seus pais ou outro ente
querido idoso pode estar lidando com essa grande transição nesse momento
da sua vida. Essa técnica também fornece suporte para ter conversas
colaborativas difíceis, mas significativas e curativas, com os entes queridos.
Tais conversas podem diminuir a resistência à mudança, fornecer apoio
significativo e compassivo e ajudá-los a se sentirem mais capacitados para se
adaptarem e se ajustarem à sua nova residência. Instruções detalhadas estão
contidas no estudo de caso a seguir.
Caso ilustrativo
Eu (DCV) fui convidado a apresentar as instalações de uma residência para idosos a
um grupo de filhos adultos que estavam pensando em realocar seus pais idosos. O
objetivo declarado era fornecer informações que seriam benéficas para filhos adultos
que estivessem tendo “conversas difíceis” com seus pais, como uma alternativa a
“Mãe/pai, estou mudando você para uma residência para idosos”. Convencido de que
esse processo de transição está repleto de perdas que devem ser abordadas ou, no
mínimo, incluídas em quaisquer conversas que sejam iniciadas, consultei o doutor
Robert Neimeyer. Além de oferecer conselhos e palavras de encorajamento, ele
desenvolveu a técnica “vislumbrando transições”, que se mostrou expressiva em seu
efeito sobre os participantes e a equipe da residência. Após algumas observações
introdutórias sobre o tema, a técnica compreende um exercício em grupo de 30
minutos de meditação guiada, dramatização e discussão.
Na noite da apresentação, a sala estava cheia, com aproximadamente 30 filhos
adultos e outros cuidadores familiares (netos, irmãos), incluindo vários casais. A
maioria parecia inquieta e incerta, e percebi que todos eles sentiam ansiedade, às
vezes acompanhada de frustração, em relação à discussão pendente com seus
familiares idosos. A apresentação começou com slides que forneceram informações
sobre os motivos das transições (p. ex., diminuição da capacidade física, piora do
estado de saúde, mudança na estrutura familiar, como viuvez, diminuição da
socialização/aumento do isolamento e redução do espaço, para citar alguns). Para
contextualizar essas transições, também abordamos os tipos de perdas, o luto, as
crenças abaladas, a construção de significado e a prática de renomear perdas (p. ex.,
Neimeyer, 2015), antes de introduzir o tópico das conversas difíceis. Por sugestão do
doutor Neimeyer, passei de um foco psicoeducacional de instruções (“como fazer”)
para um modo mais tangível de ajudar as famílias a lidar com mais compaixão com
essa transição difícil.
Nesse ponto, convidei os participantes a realizar o exercício “vislumbrando
transições”, apresentando-o por meio da leitura do seguinte parágrafo na íntegra:
Embora raramente paremos para pensar nisto, a vida está repleta de perdas.
Pouco a pouco, ou súbita e tragicamente, perderemos todos e tudo o que amamos,
pelo menos em sentido terreno, do nosso nascimento até a nossa morte. Embora
essas perdas às vezes sejam óbvias e profundas — a morte de um cônjuge, o
desenvolvimento de uma doença que limita a vida —, elas são muitas vezes sutis e
ambíguas, como a perda gradual de força, liberdade e independência que vem
com a idade. Mudar de residência, mesmo sob condições esperançosas ou
necessárias, acarreta inúmeras perdas, arrancando-nos de corpo e alma do lar e
de perto dos vizinhos, dos pertences e das rotinas que antes apreciávamos, e que
deram contexto e sentido à nossa história de vida. Quando essas perdas são
involuntárias ou relutantes, somos privados até o senso básico de escolha e voz
sobre nosso futuro, na medida em que muito do que constituiu o passado que
valorizamos é disperso ou arrancado. O luto é a resposta comum a essas perdas,
sejam elas nomeadas ou não, e só podemos esperar que aqueles que nos amam
abordem essas mudanças indesejadas com compaixão e compreensão.
Convidando os membros da audiência a fechar os olhos, eles foram conduzidos em
um exercício, lendo lenta e evocativamente o roteiro a seguir. Fiz pausas frequentes
entre as instruções para permitir que os participantes visualizassem e sentissem o
impacto de cada cenário.
Pode ser útil para nós realmente tentarmos nos colocar no lugar dos nossos pais
antes de iniciar essa conversa.
Primeiro, imagine que estamos desempregados e que nossos filhos não vivem
mais na nossa casa... Em seguida, considere a realidade cotidiana de sua saúde,
imaginando que vivemos com as mesmas limitações e incertezas que eles. Fique
alguns minutos com os olhos fechados para tornar essas imagens vívidas 327e
reais: não tenho trabalho nem habilidades comercializáveis. Meus filhos estão
crescidos e têm suas próprias vidas. Não posso fazer muitas das coisas que já fiz, e
não sei quanto tempo de qualidade me resta, devido a esse problema médico
com... Você entendeu o contexto. Repita as palavras na sua mente até que elas
pareçam reais e veja que sentimentos surgem à medida que você faz isso.
Agora, adicione o próximo elemento: meu cônjuge morreu e estou sozinho.
Familiarize-se com isso, repetindo as palavras. Continue a meditação e preste
atenção aos sentimentos que advém dela.
Em seguida, adicione o próximo elemento: agora meus filhos querem que eu
saia da minha casa, do meu bairro, e deixe para trás a maioria dos pertences que
eram meus e do meu cônjuge. Reflita sobre isso por alguns minutos e preste
atenção aos sentimentos.
Por fim, “sintonizando-se” com seus pais nesse estado empático, pegue uma
folha de papel e escreva o título “O que vou perder”, listando pelo menos 10 coisas
que importariam para você se você estivesse nessa posição que será perdida com a
mudança para uma residência para idosos. Podem ser coisas físicas (minha
cama, os utensílios de cozinha da minha mãe, meu jardim, minha oficina),
pessoas (minhas visitas aos meus vizinhos) ou dimensões valorizadas da vida
(minha capacidade de controlar minha vida, minha sensação de segurança).
Após terminar, você pode considerar encenar uma conversa com outra pessoa
que represente o papel do seu filho, envolvendo-se nessa conversa difícil por 10
minutos. Em seguida, analisem um com o outro como foi a conversa e invertam os
papéis, com você agora fazendo o papel de filho e abordando o mesmo problema.
Se você fizer isso como parte de um grupo maior, façam uma análise adicional
coletiva.
Seguindo as instruções, muitos participantes pareciam visivelmente
desconfortáveis, movimentando-se em seus assentos ou suspirando de forma audível.
Vários outros choraram em silêncio, e um ou dois abriram os olhos e começaram logo
a tomar notas. A discussão em duplas e o processamento em grupo se aprofundaram e
se tornaram mais compassivos à medida que os participantes imaginavam e
compartilhavam ideias para ter conversas difíceis, mas necessárias, com seus entes
queridos sobre a transição pendente. Quando a apresentação terminou, várias
pessoas se aproximaram de mim para expressar gratidão pela experiência e discutir
mais seus casos.
Considerações finais
Imaginar transições pode ser um exercício potente e eficaz para melhorar a
compreensão empática acurada e a capacitação de filhos adultos e outros
cuidadores familiares de idosos que enfrentam uma transição residencial
difícil. Os integrantes da equipe da nova residência também se beneficiam da
participação, mesmo que não estejam envolvidos na tomada de decisão sobre
a mudança, relatando entender as perdas ocultas dos residentes com mais
clareza após a realização do exercício. Se o aprofundamento da empatia pelos
idosos está no centro do exercício, as perguntas abertas após a visualização e
a dramatização podem ajudar a enfatizar o aprendizado emocional e prático
dos participantes: Quais sentimentos você notou em si mesmo enquanto realizava o
exercício em sua imaginação? Qual foi a perda mais difícil para você vislumbrar? Que
perguntas ou abordagens do seu parceiro de dramatização foram mais úteis para
você? Que aspecto prático você aprendeu sobre o que fazer ou não fazer ao ter essa
conversa com seu ente querido? À medida que diferentes participantes
expressam suas respostas no grupo, resumir as respostas a cada pergunta em
uma tela que todos possam ver pode ajudar os participantes a colher as lições
aprendidas. Do mesmo modo, rever as perdas identificadas durante a
visualização pode gerar inúmeros temas de interesse comum, incluindo
deixar para trás pessoas e bens queridos, a perda de familiaridade e
segurança em um momento da vida no qual esses aspectos são estimados e a
perda potencial de segurança financeira para o futuro, devido ao custo
substancial da assistência ou de residências com níveis ainda mais altos de
cuidado. Conforme essas e muitas outras perdas são reconhecidas, os
participantes tendem a se sentir menos sozinhos em um momento crucial de
seu ciclo de vida familiar e mais cientes de quão difíceis essas transições
podem ser para todos os envolvidos. Em resumo, o exercício “vislumbrando
transições” pode capacitar os participantes a se envolver em conversas
difíceis com postura mais compassiva e empática, que reforce o cuidado e a
preocupação no cerne de seus relacionamentos com aqueles que amam.
Referências
Harris, D. L. (Ed.). (2020). Non-death loss and grief. New York: Routledge.
Harris, D. L., & Gorman, E. (2011). Grief from a broader perspective: Nonfinite loss, ambiguous loss,
and chronic sorrow. In D. L. Harris (Ed.), Counting our losses (pp. 1–14). New York: Routledge.
Neimeyer, R. A. (2015). Treating complicated bereavement: The development of grief therapy. In J.
Stillion & T. Attig (Eds.), Death, dying and bereavement: Contemporary perspectives, institutions and
practices (pp. 307–320). New York: Springer.
Pope, N. D., & Kang, B. (2010). Residential relocation in later life: A comparison of proactive and
reactive moves. Journal of Housing for the Elderly, 24, 193–207.
58
Conversa significativa
Wendy G. Lichtenthal, Melissa Masterson e Aliza A. Panjwani
Descrição
O pouco apoio social tem sido associado ao luto prolongado em inúmeros
estudos (Bellet, Holland, & Neimeyer, 2018; Lobb et al., 2010; Villacieros,
Serrano, Bermejo, & Magana, 2014). A desconexão com outras pessoas pode
deixar o sujeito enlutado com a sensação de que sua vida não importa.
Portanto, identificar maneiras de aumentar o apoio e promover
relacionamentos significativos é crucial para a adaptação. Relacionamentos
de apoio oferecem oportunidades para processar emoções e construir
significado para a perda; eles são muitas vezes uma fonte de significado em si
mesmos.
A conversa significativa destina-se a ajudar os adultos enlutados
facilitando a comunicação entre eles e alguém importante em sua vida. Essa
técnica é utilizada na nona sessão da terapia do luto centrada no significado
(TLCS), intervenção manualizada de 16 sessões projetada para aumentar o
senso de significado e propósito para indivíduos enlutados que enfrentam
sintomas de luto mais prolongados e intensos (Lichtenthal & Breitb Art,
2015; Lichtenthal, Lacey, Roberts, Sweeney, & Slivjak, 2017). A nona sessão
tem como foco o fortalecimento de conexões significativas na vida do
enlutado. Para isso, solicita-se ao cliente que convide uma pessoa importante
em sua vida para reforçar as principais ideias da TLCS fora da terapia, ajudar
a debater como o enlutado pode se conectar de maneira mais intensa com os
outros em sua vida e fortalecer o vínculo com essa pessoa significativa por
meio da conversa significativa.
A técnica implica que o terapeuta facilite uma conversa breve e
estruturada sobre as respectivas necessidades do enlutado e da pessoa
significativa, sendo concluída com expressões de apreço. Como preparação
para isso, o terapeuta deve auxiliar o enlutado a identificar alguém que tenha
sido fonte de apoio, mas com quem a comunicação adicional sobre suas
necessidades pode ser útil. O terapeuta deve mencionar que a sessão não é
um convite para um aconselhamento conjugal ou familiar, e sim uma
oportunidade para ajudar a pessoa significativa a conhecer a terapia do
cliente e se envolver em conversas sobre o que ambos precisam — e apreciam
— um do outro.
Durante a sessão com a dupla, algum tempo deve ser gasto descrevendo a
importância da conexão para a adaptação à perda. É importante notar que a
pessoa significativa também pode estar enlutada pela perda da mesma
pessoa. Embora um cuidado especial deva ser tomado para reconhecer a
dificuldade de oferecer cuidados em meio ao luto, o terapeuta também deve
estar ciente de que esse exercício não se destina a ser uma intervenção de
terapia familiar ou conjugal.
Para facilitar a comunicação e dar a oportunidade de o cliente se sentir
ouvido e apoiado, emprega-se a técnica orador–ouvinte (Gottman, Notarius,
Gonso, & Markman, 1976; Stanley, Markman, & Blumberg, 1997). A técnica
orador–ouvinte é uma abordagem à comunicação na qual cada pessoa tem a
sua vez de falar, com seu parceiro ouvindo e parafraseando o que foi dito
antes de compartilhar uma resposta. A conversa significativa começa com o
terapeuta convidando o cliente a compartilhar com a pessoa significativa o
que ele precisa e o que o ajudaria a se sentir mais conectado a essa pessoa. O
terapeuta então pede à pessoa significativa que resuma o que o cliente disse e,
em seguida, convida-a a expressar suas necessidades e seu desejo de
conexão. Uma função importante que o terapeuta desempenha durante esse
exercício consiste em facilitar a paráfrase das necessidades do outro, dando
tempo suficiente para esclarecimentos e para o desenvolvimento de
estratégias para atendê-las. Como essas conversas em geral são bastante
emocionais, o papel do terapeuta é incentivar a comunicação construtiva por
meio do uso da técnica orador–ouvinte, bem como manter um espaço seguro
para que ambas as partes se pronunciem e sejam ouvidas. O exercício
termina com o cliente e a pessoa significativa compartilhando o que eles
apreciam um no outro, o que permite que a interação se encerre em um tom
positivo.
Após a conversa estruturada, o terapeuta pode convidar o cliente e a
pessoa significativa para processar a interação. Durante todo o exercício, o
terapeuta deve garantir que o cliente esteja falando diretamente com a pessoa
significativa (e vice-versa), que ambos tenham tempo suficiente para falar
sem interrupção ou refutação e que o respeito mútuo e o desejo de
compreensão sejam mantidos. Por fim, antes de encerrar a sessão, o
terapeuta deve destacar os pontos fortes individuais do cliente e da pessoa
significativa, bem como seus pontos fortes como dupla.
Caso ilustrativo
Katherine tem 61 anos, é branca, casada, mãe de quatro filhos e enfermeira
aposentada. Cerca de cinco anos atrás, Katherine perdeu seu filho mais velho, Brian,
de 31 anos, para o câncer de cólon. No início da terapia, Katherine estava sentindo
um desejo frequente e intenso de estar com seu filho e uma raiva persistente
relacionada à morte dele. Ela falou sobre como era injusto perder um filho que
imaginava que cuidaria de sua família quando ela e seu marido não fossem mais
capazes disso. De modo específico, Katherine temia pelo futuro de sua filha mais
nova, Amélia, que tinha deficiências neurocognitivas e físicas e dependia dela e de seu
marido. Katherine contou que Brian era um filho incrivelmente responsável e leal, e
que havia expressado claramente seu compromisso de cuidar de sua irmã no futuro.
Sua dedicação à irmã fora uma grande fonte de conforto para Katherine; assim,
perder Brian não apenas a deixou ansiando por seu amado filho mas também a
deixou em um estado de ansiedade crônica quanto ao futuro de Amélia.
Katherine muitas vezes expressava seu desejo de discutir com seus dois filhos
sobreviventes essa preocupação, bem como seu desconforto em sobrecarregá-los. A
terapeuta de Katherine a encorajou a convidar um de seus filhos para se juntar a ela
na sessão, como uma oportunidade de promover sua conexão e expressar suas
necessidades. Katherine convidou sua filha mais velha, Nicole, de 34 anos, para
participar da sessão com ela. A terapeuta começou a sessão agradecendo a Nicole por
sua disposição em apoiar a mãe e convidando Katherine a compartilhar com a filha
os principais objetivos da terapia e como a experiência estava sendo para ela. Como
parte da TLCS, a sessão se concentrou nas barreiras que Katherine enfrentava para se
conectar com outras pessoas. Nicole apoiou sua mãe em estratégias de resolução de
problemas para superar essas barreiras.
A terapeuta então apresentou o exercício da conversa significativa. Após retomar
as regras básicas da técnica orador–ouvinte, ela pediu a Katherine e Nicole que
ficassem de frente uma para a outra e convidou Katherine a dizer à sua filha o que
precisava dela. Katherine começou: “Eu preciso que ela...”. A terapeuta gentilmente
interrompeu Katherine para orientá-la a falar diretamente com sua filha. Katherine
começou de novo: “Preciso que você se comprometa em relação à Amélia. Me desculpe.
É disso que eu realmente preciso. Estou muito preocupada com ela”. Sem hesitar,
Nicole respondeu: “Obviamente vou cuidar dela e me responsabilizar por ela”. Esse é
um exemplo do impulso comum para responder ou refutar que se manifesta tão
comumente em tais interações. Nesses casos, o terapeuta idealmente pede que a pessoa
significativa faça uma pausa antes de responder e parafrasear as necessidades
declaradas pelo cliente.
Quando chegou a vez de Nicole falar, ela expressou seu medo de não conseguir
ocupar o lugar do irmão. Em resposta a isso, a terapeuta convidou Katherine para
compartilhar o que ouvira sua filha dizer. Katherine reiterou que Nicole não achava
que faria um bom trabalho, mas acrescentou: “Isso não é verdade; ela fará um
trabalho melhor”. Dado o poder dessa afirmação, a terapeuta novamente instruiu
Katherine a falar diretamente com sua filha. À medida que o diálogo estruturado
continuava, Katherine compartilhou sua admiração pelas qualidades únicas de sua
filha e, mais importante, sua crença nas habilidades dela. Nicole permaneceu quieta
enquanto processava o que sua mãe acabara de compartilhar e, em seguida, afirmou
seu compromisso de cuidar da irmã no futuro. Durante essa troca, a terapeuta ajudou
Katherine e Nicole a dizerem o que precisavam uma da outra; posteriormente, cada
uma saiu da sessão com suas necessidades ouvidas. Katherine havia solicitado
explicitamente o comprometimento da filha, já Nicole havia solicitado
implicitamente a validação de que ela era inteligente e capaz, e de que poderia
preencher o imenso espaço deixado pelo seu amado irmão.
A terapeuta convidou Katherine para compartilhar aquilo que ela apreciava na
filha. Katherine respondeu entre lágrimas: “O fato de que você me liga todos os dias,
de que ainda depende de mim e me leva para sair. Isso significa que você pensa em
mim e se certifica de que estou bem. Você é minha melhor amiga”. A terapeuta
permitiu uma pausa durante a qual Nicole poderia absorver as palavras de sua mãe e
formular suas próprias palavras de apreço. Nicole finalmente compartilhou seu
apreço pela demonstração de amor incondicional de sua mãe. Katherine e Nicole
agradeceram à terapeuta pela oportunidade de se conectar e expressar suas
necessidades e seu apreço uma pela outra.
Após a conversa significativa, Katherine e a terapeuta se encontraram por mais
sete sessões. Ao longo dessas sessões, elas exploraram a autorreflexão que o exercício
catalisou. Katherine refletiu sobre a intensidade de sua raiva no passado e percebeu
quão difícil deve ter sido para os outros apoiá-la naquele período. Dado esse insight
recém-descoberto, juntamente com a proximidade que o exercício ajudou a
desenvolver no seu relacionamento com Nicole, Katherine decidiu se envolver em uma
conversa significativa com seu filho sobrevivente fora da terapia. Ela contou como se
desculpou com seu filho por permitir que sua raiva e sua tristeza abalassem seu
relacionamento e demonstrou seu compromisso de promover a conexão entre ambos
no futuro. A terapeuta destacou a coragem da escolha de Katherine de confrontar seu
passado doloroso, a fim de reparar e fomentar relacionamentos importantes em sua
vida.
A conversa significativa proporcionou a Katherine a oportunidade de
compartilhar suas necessidades com sua filha, lidando com uma importante fonte de
ansiedade, bem como a chance de ela e Nicole expressarem seu amor e seu apreço uma
pela outra. Durante a sessão final da TLCS de Katherine, ela refletiu sobre o impacto
positivo da terapia, expressando entre lágrimas: “Aquela sessão com Nicole foi a
melhor coisa que me aconteceu em anos”.
Considerações finais
Em sua forma ideal, a conversa significativa cria uma oportunidade para
articular claramente necessidades e desejos que muitas vezes não são
expressos. Em relacionamentos que funcionam bem, por exemplo, pode estar
em questão uma necessidade expressa de fazer com que a pessoa significativa
fale mais sobre a pessoa falecida. Em relacionamentos que se tornaram
tensos ou distanciados, sentimentos positivos geralmente emergem com as
expressões finais de apreço. A estruturação propicia trocas que podem ser
emocionalmente carregadas a permanecerem focadas e, espera-se,
produtivas. Em última instância, isso pode ajudar a fortalecer o
relacionamento, que pode estar conectado a papéis significativos e/ou a uma
fonte de amor, amizade ou companheirismo. O relacionamento fortalecido,
por sua vez, pode contribuir para o bem-estar existencial, reduzir
sentimentos de isolamento e fornecer uma razão para continuar a se envolver
na vida, apesar do sofrimento duradouro.
Agradecimentos
O apoio à pesquisa sobre a TLCS foi fornecido pelas bolsas R03 CA13994
(Lichtenthal), K07 CA172216 (Lichtenthal) e P30 CA008748 (Thompson) do
National Cancer Institute (NCI).
Referências
Bellet, B. W., Holland, J. M., & Neimeyer, R. A. (2018). The social meaning in life events scale
(SMILES): A preliminary psychometric evaluation in a bereaved sample. Death Studies, 43, 103–
112. doi:10.1080/07481187.2018.1456008
Gottman, J., Notarius, C., Gonso, J., & Markman, H. (1976). A couple’s guide to communication. Cham-
paign, IL: Research Press.
Lichtenthal, W. G., & Breitbart, W. (2015). The central role of meaning in adjustment to the loss of a
child to cancer: Implications for the development of meaning-centered grief therapy. Current
Opinion in Supportive and Palliative Care, 9(1), 46–51.
Lichtenthal, W. G., Lacey, S., Roberts, K., Sweeney, C., & Slivjak, E. (2017). Meaning-centered grief
therapy. In W. Breitbart (Ed.), Meaning-centered psychotherapy (pp. 88–99). New York: Oxford
University Press.
Lobb, E. A., Kristjanson, L. J., Aoun, S. M., Monterosso, L., Halkett, G. K., & Davies, A. (2010). Predic-
tors of complicated grief: A systematic review of empirical studies. Death Studies, 34(8), 673–698.
Stanley, S. M., Markman, H. J., & Blumberg, S. L. (1997). The speaker/listener technique. The
FamilyJournal, 5(1), 82–83.
Villacieros, M., Serrano, I., Bermejo, J. C., & Magaña, M. (2014). Social support and psychological well-
being as possible predictors of complicated grief in a cross-section of people in mourning. Anales de
Psicología, 30(3), 944–951.
59
Contato visual diádico
Rickie Simpson e Kerry-Lyn Stanton-Downes
Descrição
“É um lugar tão secreto, a terra das lágrimas.”
Caso ilustrativo
Sarah e Jack começaram a fazer terapia cinco anos após a morte súbita de sua única
filha, Elizabeth. Perigosamente perto de se separarem, eles decidiram recorrer à
terapia para ajudá-los a decidir se deveriam ou não se divorciar. Na consulta inicial,
ficou claro que havia pouca segurança relacional para falar sobre morte, luto ou
perda. Isso era visível no posicionamento de suas cadeiras uma em relação à outra e
na evitação do contato visual. Eles disseram que passavam pouco tempo juntos e que
raramente conversavam um com o outro. A desconexão entre Sarah e Jack era
palpável.
Na terceira sessão, o casal foi capaz de se encarar, manter contato visual por um
ou dois minutos, utilizar tons suaves ao falar um com o outro, aceitar suas lágrimas,
inclinar-se um para o outro e exibir quietude em seus corpos (Simpson & Stanton-
Downes, 2017). De maneira terapêutica, essa mudança relacional foi alcançada
aumentando lentamente o contato visual em cada sessão até esse ponto.
Dada a mudança, pareceu apropriado perguntar: “O que há no espaço entre vocês
agora?”. Sarah respondeu: “A morte de nossa filha”, e Jack assentiu. Esse foi um
indicador claro de que eles se sentiam seguros o suficiente para se voltarem um para o
outro em seu luto. Eu (KLSD) pedi sua permissão para facilitar o processo de contato
visual perguntando-lhes: “Vocês estariam dispostos a compartilhar com seu parceiro
exatamente como vocês se sentem em relação a isso agora usando apenas seus olhos?”.
Pedir permissão permitiu que eles se apropriassem de sua experiência em um contexto
em que muito controle havia sido perdido devido à morte de Elizabeth.
Tendo recebido um “sim” enfático de ambas as partes, convidei-os a respirar
fundo com os olhos fechados, percebendo o ar entrando e saindo do nariz enquanto
prolongavam a expiração. Em seguida, pedi-lhes que tomassem consciência de seus
pensamentos e suas emoções e de como seus corpos estavam abrigando ou
experimentando sua perda e sua tristeza. De olhos fechados, as lágrimas começaram
a escorrer suavemente por suas faces.
Ao dedicar uma atenção calorosa e positiva a Sarah e Jack em seu sofrimento,
convidei-os a abrir lentamente os olhos e deixar seu parceiro ver seu mundo através de
seu olhar, percebendo sua experiência momento a momento. Enquanto se sentavam
em silêncio, o ar pesava com tristeza e dor. Havia pouco espaço para palavras além da
minha voz suave dizendo “Respirem”.
À medida que eles continuavam a olhar profundamente nos olhos um do outro,
gentilmente os encorajei a “Mostrar ao seu parceiro como é viver nesse contexto de
tristeza e perda”. Nesse momento, Sarah estendeu a mão e apertou os antebraços de
Jack, enquanto os polegares dele gentilmente acariciavam os braços da esposa. O
queixo dele começou a tremer, e a mão dela enxugou suas lágrimas. Sentamos juntos
em um silêncio vulnerável e aberto por quase cinco minutos.
Ao ter uma experiência corporificada, ficou claro que era importante que o casal
começasse a verbalizar e integrar essa experiência juntos naquele momento (Lee,
1997). Após um minuto de reflexão, ambos reconheceram que tinham algo a
compartilhar. Sarah decidiu falar primeiro, e eu a convidei a verificar se Jack estava
disponível para ouvir. Ele disse que estava. Esse processo de checagem permite que
ambas as partes tenham o controle para continuar o processo ou não.
Terapeuticamente, um “não” de qualquer pessoa é um indicador de que é necessária
mais segurança relacional antes de prosseguir para o próximo nível de intimidade.
Depois que convidei Sarah e Jack para respirar fundo algumas vezes, ela disse:
“Sinto muito. Eu nunca soube que você estava sofrendo tanto. Nunca consegui ver
dessa forma. Vejo você ocupado, então nunca sinto o que estou sentindo agora.
Consigo perceber que você se mantém ocupado para se afastar da dor”. Quando uma
experiência é tão profundamente límbica, a linguagem se torna simples, honesta e
direta. Enquanto ela compartilhava sua experiência, ele começou a soluçar, e ela se
inclinou e o abraçou até que seu corpo ficou imóvel.
Sabendo que também era importante que Jack tivesse a oportunidade de
integração, perguntei: “Há algo que você gostaria de compartilhar com Sarah
agora?”. Jack disse: “Estou sofrendo tanto que não consigo ficar comigo mesmo, muito
menos com você. Mas eu te amo mais do que a própria vida”. Era como se as
comportas tivessem se aberto, e eles se abraçaram e soluçaram — aquele tipo de
soluço de corpo inteiro que vem das profundezas do próprio ser. Sentei-me em silêncio
e completamente presente.
Sustentando o processo e sua experiência momento a momento, só quando os
soluços pararam entrei em contato com o casal para verificar se havia mais alguma
coisa a dizer. Jack disse que sim; então, mais uma vez, eu o incentivei a verificar com
Sarah se ela ainda estava disponível para ouvi-lo. Ela assentiu.
Depois que os guiei por um breve exercício de respiração com uma expiração
prolongada, Jack falou: “Quando olhei em seus olhos, tudo estava vazio. Não consegui
encontrar você. Parece que você morreu com Elizabeth”. Quando as lágrimas caíram
suavemente, ele continuou: “Você consegue voltar para mim? Eu amo você”. Quase
espontaneamente, Sarah disse: “Eu me sinto entorpecida e morta por dentro. Não sei
como voltar para você, mas, por favor, fique comigo”. A resposta de Jack foi
instantânea: “Eu nunca vou deixar você; estou bem aqui”. Esse foi um momento
muito sagrado, pois eles se conectaram profundamente um com o outro e em sua
necessidade um do outro em seu luto.
Após algum tempo, respirei fundo e pedi que os dois compartilhassem como essa
experiência havia sido para eles. Jack refletiu que a experiência tinha sido
“surpreendente e muito emocional. Estou feliz por termos feito isso”. A resposta de
Sarah foi: “Eu nunca me dei conta de que nós dois estávamos sofrendo tanto. Eu não
sabia como alcançá-lo ou mostrar a ele”.
Considerações finais
Quando um casal está lidando com a morte, cada parceiro traz consigo um
cemitério de arrependimentos (Leriche, 1951). Isso certamente era verdade
no caso de Sarah e Jack, que lidavam com a morte de Elizabeth. Embora a
experiência da morte de sua filha tenha sido compartilhada, seus sofrimentos
relativos a essa experiência não o foram. Como suas lamentações continham
diferentes imagens, palavras, emoções e sensações, o contato visual diádico
permitiu que eles fossem vistos em sua diferença. Ao reunir seus recursos
(Lieberman, 2013), Sarah e Jack foram capazes de iniciar o processo de
passar da desconexão à conexão nessa experiência devastadora.
Referências
Koike, T., Tanabe, H. C., Okazaki, S., Nakagawa, E., Sasaki, A. T., Shimada, D., . . . Sadato, N. (2016,
January 15). Neural substrates of shared attention as social memory: A hyperscanning functional
magnetic resonance imaging study. Neuroimage, 125, 401–412. Retrieved September 4, 2016, from
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26514295
Lee, M. (1997). Phoenix rising therapy: A bridge from body to soul. Jacksonville, FL: HCI.
Leriche, R. (1951). La philosophie de la chirurgie. In H. March (Ed.), No harm done. New York: Picador.
Lieberman, M. D. (2013). Social: Why our brains are wired to connect. New York: Crown.
Saint-Exupéry, A. (1943). The little prince. New York: Harcourt, Brace & World.
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