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Notação Da Poesia - Os Principais Da Bahia, Os Chamados Caramurus - Por Gregórionde Matos

O documento analisa a sátira 'Aos principais da Bahia, os chamados Caramurus' de Gregório de Matos Guerra, que critica a elite mestiça da Bahia, simbolizada por Diogo Álvares, o 'Caramuru'. Através de recursos como o barbarismo lexical, o poeta ridiculariza a origem indígena e a cultura alimentar dos caramurus, apresentando-os como indignos de prestígio social. A obra reflete a tensão entre as culturas europeia e indígena no contexto colonial brasileiro.

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Miranha Leiteiro
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Notação Da Poesia - Os Principais Da Bahia, Os Chamados Caramurus - Por Gregórionde Matos

O documento analisa a sátira 'Aos principais da Bahia, os chamados Caramurus' de Gregório de Matos Guerra, que critica a elite mestiça da Bahia, simbolizada por Diogo Álvares, o 'Caramuru'. Através de recursos como o barbarismo lexical, o poeta ridiculariza a origem indígena e a cultura alimentar dos caramurus, apresentando-os como indignos de prestígio social. A obra reflete a tensão entre as culturas europeia e indígena no contexto colonial brasileiro.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

DOCENTE: PROF. DR. MARCELLO MOREIRA


DISCENTE: ARLEI ROCHA DE CARVALHO
LETRAS MODERNAS 2025.1
RETÓRICA E POÉTICA

AOS PRINCIPAIS DA BAHIA, OS CHAMADOS CARAMURUS


(POR GREGÓRIO DE MATOS GUERRA)

Gregório de Matos Guerra foi um poeta brasileiro nascido em Salvador, na Bahia, em


1636, que, embora fosse escritor de muitos poemas líricos e religiosos, era melhor conhecido por
suas poesias satíricas, nas quais criticava diversos temas que considerava dignos de receber seu
jugo. Gregório, entre muitas de suas obras, escreveu ao longo de sua vida sátiras barroca e, ao
longo do século XVII, uma paródia cujo título é “Aos principais da Bahia, os chamados
Caramurus” cuja didascália crítica aqueles que, na época, eram mestiços portugueses e
indígenas representantes da elite baiana. Fazendo julgamento por suas origens selvagens, a
didascália nos apresenta, já no início pelo título, antes do princípio da leitura, aqueles aos quais a
poesia se destina, os chamados “caramurus”. A palavra de origem indígena que se refere ao alvo
de Gregório, define os descendentes do português que se misturou com os indígenas, Diogo
Álvares, o primeiro “caramuru”.

Segundo o site Toda Matéria, quando chegou ao Brasil no século XVI, entre 1509 e 1511,
Diogo Álvares, natural de Viana do Castelo, Portugal, era um explorador português que, como
descreve Gabriel Soares de Sousa, senhor de engenho da Bahia em 1569, supostamente
naufragou perto da baía de Todos os Santos e foi o primeiro europeu a se integrar a uma tribo
indígena brasileira. Ao chegar na região onde hoje é Salvador, ele se deparou com tupinambás
que, conhecidos como povo guerreiro e valente que possuía a prática antropofágica, ou seja, o
ato de devorar outros homens. Mesmo desconhecendo aqueles que chegaram nas embarcações
portuguesas, os tupinambás não se restringiram apenas aos seus. Devorava, inclusive, aqueles
que naufragaram na costa durante aquele período. No entanto, diferente dos demais náufragos
que ali chegavam, Diogo não foi comido, mas sim poupado e tribalizado. Por supostamente estar
doente, os índios cuidaram de sua saúde até que se tornasse útil de alguma forma, como descreve
Gabriel Soares, passando, assim, a exercer sua função como integrante e como guerreiro.

A história por trás da integração de Diogo Álvares é bastante peculiar, é também descrita
por Soares que, após o resgate e sua melhora, decidiu nadar até a região onde sua embarcação
naufragou, recuperando uma arma de fogo e pólvora. Posteriormente, ao retornar à costa,
colocou a arma e a pólvora para secar, depois de pronta, carregou-a e partiu à caça. Durante a
busca de uma refeição, Diogo avistou a ave no topo de uma árvore, engatilhou, apontou, mirou e
disparou, matando-a. Os indígenas, que ficaram impressionados pelo estampido da espingarda,
demonstraram ainda mais interesse no fato de Diogo ter obtido êxito na caça. Devido à atordoada
produzida pela arma, Diogo foi apelidado de “Caramuru” ou "filho do fogo". Porém, existe a
hipótese de que sua alcunha é devido ao seu primeiro encontro com os nativos, ao ser encontrado
na praia com suas roupas encharcadas e cobertas de algas, lembrando um caramuru, moreia em
tupi. Dessa forma, por ter impressionado os tupinambás, Diogo foi integrado à comunidade.
Tamanho foi o respeito recebido que lhe permitiu casar-se com Paraguaçu, mulher com quem
teve filhos, os quais cresceram como indígenas.

Posteriormente, com a sequência do processo colonial, mais portugueses foram chegando


ao Brasil. Diogo, por possuir conhecimento de ambos os idiomas, tanto europeu quanto tupi,
tornou-se peça importante para os colonizadores, servindo de elo para as relações entre as
culturas. Devido às suas contribuições, Diogo recebeu inúmeras condecorações, terras, riqueza e
bens. Na Bahia se estabeleceu, tornou-se dono de engenhos, os quais passou adiante a seus
filhos, originando uma linhagem de grandes riquezas que se tornaria elite, os “Caramurus” -
filhos do Caramuru Diogo Álvares.

Feito uma apresentação do contexto histórico e a didascália do título da poesia,


prossegue-se a análise da obra. Para melhor entendimento, cabe primeiro descrever um recurso
adotado por Gregório para sua crítica - o barbarismo lexical que, nesse contexto, se mostra pelo
uso estratégico das palavras do tupi para conferir o tom depreciativo e satírico, reforçando que o
português seria uma língua “superior”, como pode ser conferido no seguinte trecho:

Em uma língua que se legitima na medida em que, como língua de cultura, se


aproxima mais e mais do latim não apenas pela importação maciça de palavras, mas
também pela crescente presença de barbarismos sintagmáticos como a anástrofe, o
hipérbato e a mixtura verborum, os vocábulos indígenas só poderiam se apresentar
como próprios para a produção de vitupérios aos que se entregavam à fala das línguas
selvagens da América ((REGRAS, 1590, p. 14).

Dessa forma, o barbarismo lexical, ou barbarolexis, é empregado na sátira de Gregório de


Matos como uma ferramenta para enfatizar a oposição entre a língua portuguesa, que se
aproxima do latim, e as línguas indígenas, criando um efeito cômico por meio da introdução de
palavras estrangeiras na sua obra. Essa figura de linguagem já aparece na primeira estrofe da
poesia “Há cousa como ver como ver um paiaiá/Mui prezado de ser caramuru”. Aqui, o poema
se inicia com uma exclamação retórica, no qual o autor expressa uma sátira para humilhar os
descendentes de Diogo Álvares. Gregório apresentou sua indignação expondo uma ironia: “Há
coisa mais degradante do que ver um índio prezar-se por ser índio?”. Nesse trecho, o autor
destaca a impropriedade entre a origem Paiaiá - que significa indígena - e sua presunção ao se
autodenominar “caramuru”, sugerindo, assim, uma pretensão de nobreza associada à figura de
Diogo Álvares. Nos versos seguintes, Gregório continua a polir essa sátira dizendo:
“Descendente de sangue de tatu/Cujo torpe idioma é cobé pá?”. Nesses versos, evidencia-se o
jugo ao misticismo dos principais da Bahia. Vê-se a representação da fala tupi sempre em
conotação pejorativa com o Boca do Inferno evidenciando a língua como falha e falta. Por
“sangue de tatu”, Gregório faz referência ao gene “impuro” de Paraguaçu, uma índia que, aos
portugueses da época, era julgada selvagem e desprezível, pois como pode a linhagem desse
sangue orgulhar-se de ser nobre? No verso seguinte, “cujo torpe idioma é cobé pá”, Gregório
degrada a língua tupi. Hansen (2004, p. 493) afirma “Cujo torpe (sujo) idioma é cobé (língua) pá
(não)”, ou seja, negando o estatuto de língua ao tupi, o “torpe idioma” é desagradável e escuro:

“Língua travada”, ainda quando língua geral, língua bárbara”. Trata-se,


portanto, de uma desqualificação linguística e cultural dos indígenas e de seus
descendentes, os chamados “Caramurus”, cuja identidade Gregório ridiculariza ao
colocá-los como indignos de qualquer prestígio social ou linguístico (Hansen, 2004, p.
494).

Na estrofe seguinte, Gregório começa com os seguintes versos: “a linha feminina é


carimá/moqueca, pititinga, caruru/mingau de puba e vinho de caju/pisado num pilão de piraguá”.
Gregório, aqui, continua a vilipendiar a figura feminina matriarca dos caramurus, Paraguaçu,
reduzindo sua existência humana a uma insignificante função culinária, a qual não é digna de
nenhum valor. Ao mencionar alimentos típicos da cozinha Tupi, como "moqueca", "pititinga",
"caruru", "mingau de puba" e "vinho de caju", Gregório utiliza a gastronomia como metáfora
para a degradação cultural e social de Paraguaçu, rebaixa a mulher indígena ao papel doméstico
e, ao mesmo tempo, desqualifica a cultura alimentar nativa, tratando-a como exótica e inferior
frente à europeia. Dessa forma, o poeta reforça a ideia de que a mestiçagem originária dos
“caramurus” é indigna de prestígio ou nobreza, pois teria se iniciado em um ventre bárbaro e
iletrado.

Na estrofe seguinte, Gregório amplia sua crítica ao construir uma genealogia depreciativa
dos caramurus: “A masculina é um aricobé/Cuja filha cobé branco paí/Dormiu no promotório de
Passé”. Nesses versos, o poeta persiste na impureza da linhagem ao atribuir um termo indígena à
figura masculina (“Aricobé”) e a uma mulher indígena (“Cobé”), cuja relação com um homem
branco (“Paí”) é descrita em tom sugestivamente pejorativo e desonroso. A cena da união no
“promontório de Passé” remete à mestiçagem como um evento marcado por desonra, reforçando
a sátira contra os descendentes do encontro entre europeus e indígenas. Segundo Hansen (2004),
Gregório de Matos não se propõe a representar a realidade dos indígenas, mas a usá-los como
figura de linguagem para simbolizar a corrupção da ordem simbólica lusitana, onde a
mestiçagem aparece como uma ameaça à pureza e à hierarquia social colonial. O uso dos termos
tupi, portanto, é carregado de desprezo, não por ignorância, mas como estratégia retórica para
construir uma identidade mestiça marcada por ilegitimidade e inferioridade. Assim, Gregório
ridiculariza os caramurus ao retratar sua origem como uma mancha de sangue bárbaro, reiterando
a ideia de que esses sujeitos não são dignos do prestígio que buscam.
E, em última instância, para fechar a poesia, a última estrofe: “O branco era um marau,
que veio aqui,/Ela era uma índia de Maré,/Cobé pá, Aricobé, cobé paí”. Observe que Gregório
encerra a sátira com uma genealogia resumida do “Caramuru”, mas ridicularizando cada parte:
“o branco era um marau”, marau é um termo pejorativo aplicado a alguém que não tem
importância, nem honra ou possui reputação manchada. Ou seja, o português Diogo Álvares não
é um indivíduo de prestígio, mas sim alguém que não dispunha vestígio de nobreza e,
consequentemente, indigno de prestígio. “Que veio aqui”, representa a chegada desse marau à
Bahia. Mais adiante, o verso segue: “ela era uma índia de maré”, Gregório retoma a figura de
Paraguaçu, a matriarca dos caramurus e esposa de Diogo, criticando novamente sua etnia,
ligando-a à maré de forma a representar algo instável ou oscilante e, possivelmente,
descrevendo-a como impura, fazendo uma ligação com suas origens naturais próximas à maré.
Quanto ao verso final “cobé pá, Aricobé, cobé paí” o poeta fecha com suas conclusões a respeito
da cultura de Paraguaçu “cobé pá”, “não língua” vilipendiando seu idioma; “Aricobé” palavra do
tupi que relativa aos indígenas e “cobé paí” tendo “paí” a palavra para “branco”. Portanto, ele
estaria maldizendo da linhagem formada por uma indígena depravada e iletrada, sem idioma
civilizado, associada a um branco de caráter ignóbil. Com efeito, a desconstrução da nobreza é
dada pela sátira à prole dessa união, como esclarece o autor:

Mesclam-se com muita graça e artifício, segundo Gracián, a crítica judiciosa e


a irrisória, aquela ponderando gravemente e está acusando ridiculamente. Neste sentido,
a sátira é uma espécie de sentença aplicada à ocasião, sacada de suas mesmas
circunstâncias, que fornecem seu duplo desenvolvimento sério-cômico¹¹⁷. Tem muito da
condensação metafórica do mot d’esprit estudado por Freud, valendo dizer que o duplo
sentido dos seus equívocos irônicos só se linearizar na recepção, que confere à metáfora
sua significação pejorativa ou grave”1 (Hansen, 2004, p.79).

1
João Adolfo Hansen retoma os conceitos de “crítica judiciosa” e “crítica irrisória” conforme formulados por
Baltasar Gracián na obra Agudeza y arte de ingenio (1648), para analisar a estrutura retórica da sátira de Gregório de
Matos. A “crítica judiciosa” é aquela que pondera com gravidade e busca uma avaliação racional e moral dos vícios
sociais, enquanto a “crítica irrisória” utiliza o riso, a caricatura e a obscenidade como instrumentos de denúncia e
desconstrução. Hansen mostra que Gregório de Matos transita entre essas duas formas de crítica, compondo uma
persona poética que opera simultaneamente nos registros do juízo e do escárnio, em consonância com as práticas
retórico-poéticas do século XVII.
REFERÊNCIAS

BEZERRA, Juliana. Caramuru. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em:


https://www.todamateria.com.br/caramuru/. Acesso em: 4 abr. 2025.

S.A, Priberam Informática. «caramuru». Dicionário Priberam. Consultado em 4 abr. 2025.

MOREIRA, Marcello. Caramurus da Bahia: a tópica natio e procedimentos descritivos na composição


de Relatio Rerum Gestarum in Brasilia. In: EDUARDO, Reinaldo (org.). Dossiê: Escrita da história e
práticas de leitura no mundo ibero-americano (séculos XVI e XVII). Salvador: EDUFBA, 2020. p.
297-312.

HANSEN, João Adolfo. Gregório de Matos e a tradição satírica. In: Gregório de Matos: poesia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 494.

GRACIÁN, Baltasar. Agudeza y arte de ingenio. Madrid: Imprenta Real, 1648. Disponível em:
https://www.cervantesvirtual.com/obra/agudeza-y-arte-de-ingenio--0/. Acesso em: 6 abr. 2025.

GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Regras que ensinam a maneira de escrever a orthographia da lingoa
portuguesa, com hum dialogo que adelante se segue em defensão da mesma lingua. Lisboa: Belchior
Rodriguez, 1590.

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