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Antologia Orna

Clarice Lispector, nascida na Ucrânia em 1920 e falecida no Brasil em 1977, foi uma renomada escritora brasileira de origem judaica, conhecida por suas obras que exploram a condição feminina e a subjetividade. Sua carreira literária começou com a publicação de contos e romances, recebendo reconhecimento póstumo e tendo suas obras traduzidas em mais de 32 idiomas. O conto 'Mas vai chover' aborda a sexualidade na velhice, desafiando estereótipos e revelando a complexidade dos relacionamentos entre gerações.

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Antologia Orna

Clarice Lispector, nascida na Ucrânia em 1920 e falecida no Brasil em 1977, foi uma renomada escritora brasileira de origem judaica, conhecida por suas obras que exploram a condição feminina e a subjetividade. Sua carreira literária começou com a publicação de contos e romances, recebendo reconhecimento póstumo e tendo suas obras traduzidas em mais de 32 idiomas. O conto 'Mas vai chover' aborda a sexualidade na velhice, desafiando estereótipos e revelando a complexidade dos relacionamentos entre gerações.

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Clarice Lispector

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, em


10 de Dezembro de 1920 e faleceu no Rio
de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1977. De
origem judaica, veio ao mundo durante o
processo de migração de sua família à
América. Tendo sido registrada como Haia
Lispector, mudou de nome quando a
família Lispector desembarcou no Brasil e
chegaram a Maceió em março de 1922.
Clarice mudou-se para Recife, no Bairro
da Boa Vista, habitado pela comunidade
judaica. Sua mãe, Marieta, sofria de
paralisia e veio a falecer em 21 de Setembro de 1930, aos 41 anos de idade.
Em 1935, a família muda-se para o Rio de Janeiro. Clarice começou a faculdade de
Direito em 1939 e trabalhou como secretária em um escritório de advocacia. Após a morte do
pai, no ano seguinte, iniciou seu trabalho como redatora e repórter no Departamento de
Imprensa e Propaganda, órgão do governo de Getúlio Vargas, tendo começado a trilhar uma
carreira como jornalista.
Durante sua estadia na revista, se apaixona por Lúcio Cardoso, entretanto, o escritor era
homossexual. Aos 21 anos, Clarice entrou com o processo para a naturalização, pedido que
foi aceito e assinado em 1943. Nesse mesmo ano, casou-se e formou-se na faculdade, junto
com o marido.
Recém casada e formada, mudou-se do Rio de Janeiro para Belém, onde permaneceram
por seis meses até rumarem para fora do Brasil, somando 16 anos longe do país. Em 1945,
Clarice trabalhou em um hospital dando assistência a brasileiros feridos na guerra enquanto
intensificava contatos com os amigos no Brasil, de quem recebia livros e notícias.
Em 1948, Clarice engravidou de seu primeiro filho, e em 10 de Setembro, nasceu
Pedro, seu primogênito. Em 1950, mudou-se para a Inglaterra, onde passou seu tempo entre
cuidar do filho, passear por Londres e ir a cinemas e teatros.
Em junho de 1952, descobriu-se grávida novamente. Dois meses depois, o casal
embarcou para os Estados Unidos e, em 10 de fevereiro de 1953, nasceu seu segundo filho,
Paulo, em Washington.
Clarice se separa do marido, em 1959, e retorna para o Brasil. Entretanto, em 1966, um
incêndio causado por um cigarro marcou sua vida, tendo causado diversas queimaduras pelo
seu corpo, e como consequência entrou em depressão logo após o episódio. Em 7 de outubro
de 1968 foi nomeada como assistente de administração do Estado da Guanabara, emprego
que teria até o fim da vida.
Além de enfrentar as sequelas das queimaduras do incêndio, em 1976, começou a ter
problemas com insônia e tomava muitos remédios tranquilizantes, tendo sido internada no
hospital pelo uso dos remédios. Durante seus últimos anos, Clarice nutriu amizade com Olga
Borelli, escritora e produtora, que foi responsável por publicações de textos póstumos da
autora.
Clarice dedicou-se à escrita literária, publicando romances e contos, tendo atuado
também como tradutora, entretanto, teve seu grande reconhecimento perante a crítica
internacional e brasileira apenas postumamente. Seu primeiro conto publicado em 25 de maio
de 1940 na revista PAN, o “Triunfo”, marcou a estreia de Clarice como autora.
Sua produção de contos cresceu, tendo em 1960 publicado “Laços de família”, pela
editora Francisco Alves, seu primeiro livro de contos e que também obtém o maior número
de edições se comparado aos demais contos publicados, tendo grande destaque no mercado
com o total de cinquenta e nove edições lançadas desde a estréia.
Em 1964 publicou “A legião estrangeira” pela editora do Autor, sendo este o segundo
livro mais publicado de contos da autora, com o total de dezenove edições. “Felicidade
Clandestina”, seu terceiro livro, teve a primeira edição publicada pela editora Sabiá em 1971,
e contempla ao todo doze edições, sendo seis delas de responsabilidade da editora Francisco
Alves.
Clarice também publicou pela editora Artenova em 1974 “Onde estivestes de noite”,
com o total de quinze edições atualmente e “A via crucis do corpo” com o total de dez
edições, sendo esse segundo livro de contos o único com um prefácio escrito pela autora. No
ano seguinte, o conto de livros “Visão do esplendor” foi publicado pela editora Francisco
Alves. Em 1979, “A bela e a fera” é publicado postumamente com dois contos escritos por
Clarice em sua época de graduação, pela editora Nova Fronteira.
Clarice ocupa dentro da literatura um grande lugar de renome que ultrapassa as
fronteiras do Brasil, sendo reconhecida em todo o mundo. Suas obras foram traduzidas para
mais de 32 idiomas. Sua bibliografia conta com prêmios como Fundação Graça Aranha,
Carmen Dolores, Calunga e Golfinho de Ouro. Portanto, sua trajetória e obras literárias
revolucionaram a literatura brasileira e têm impacto até os dias de hoje.
Na apresentação dos contos de “A via crucis do corpo”, Clarice (1974) afirma: “Este
livro é um pouco triste porque descobri, como criança boba, que este é um mundo cão.”, em
que a autora se refere a crueldade e crueza com a qual explora temas como a maternidade e o
corpo feminino, principalmente durante a velhice.
Clarice, ao expor sobre a sexualidade do corpo envelhecido, soma à sua literatura com a
escrita do conto “Mas vai chover” em que a personagem principal, Maria Angélica, aos 60
anos de idade começa a se relacionar com um parceiro de 19 anos. A relação se inicia com a
entrega de um produto farmacêutico solicitado por Maria, em que o entregador era
Alexandre, quem virá a ser o seu amante.
Logo à primeira vista, Maria se encanta pelo funcionário da farmácia e faz a ele
convites repetitivos e insistentes para adentrar sua casa. Neste momento, ela serve ao rapaz
uma fatia generosa de bolo, e Maria, movida pela paixão de observar a juventude do menino,
suas espinhas e os hormônios à flor da pele, logo diz que pediria outro medicamento na
farmácia para revê-lo.
No início da narrativa, Clarice crítica ironicamente os estereótipos associados à velhice,
como o uso de remédios, por ter escolhido um entregador especificamente de uma farmácia, e
a questão de logo oferecer uma fatia generosa de bolo, pautando-se na ideia de avós sempre
associadas a sobremesas e comida em excesso.
Retomando o enredo, Maria espera o entregador usando roupas mais sensuais e logo o
convida novamente a entrar na casa e ir até seu quarto, declarando-se para ele e verbalizando
sua paixão. Assim, a partir da voz onipresente do narrador que apresenta ao leitor as vontades
sexuais da personagem, o conto aborda a marginalização que os corpos femininos
envelhecidos sofrem, uma vez que as mulheres idosas são estereotipadas como assexuais e
fora das imposições de padrão de beleza.
Alexandre apresenta diante dessa situação uma reação assustada, tendo estado
inconformado com o que via e acusando a personagem de ser doida. Tal resposta do
personagem mostra como a sociedade trata como absurdo e algo insano o corpo envelhecido
que mostra desejo sexual. É importante ressaltar também a forma como a personagem
negocia esse desejo, em que Maria consegue chamar a atenção de Alexandre após oferecer
um presente valioso, o que transforma o comportamento do menino.
A partir daí, a intimidade deles é descrita com a realização da mulher, mas o sentimento
de nojo do menino. Também é narrado a preocupação dos amigos de Maria perante esse
relacionamento, assim como é descrito a ridicularização que a personagem sofre pelos seus
empregos, por estar se relacionando com alguém mais jovem. Clarice expõem as contradições
que permeiam a sociedade patriarcal, uma vez que o homem mais velho, perante tal situação
em que Maria se encontra, provavelmente não sofreria a mesma retaliação por ter uma
amante mais jovem.
Portanto, o conto mostra de maneira crua a sexualidade na velhice que, no conto, em
uma analogia com a realidade, é colocada como tabu, nas reações apavoradas diante de sua
busca por prazer sexual. Essa demonização da exploração do prazer feminino na velhice é
explorada por Clarice ao escrever sobre os sentimentos e pensamentos dos personagens,
explicitando o repúdio e o nojo do entregador perante o corpo de Maria.
Acerca dos demais textos de Clarice e também para o maior conhecimento sobre a
escritora, recomenda-se a leitura das seguintes obras:

GOTLIB, Nádia Battella. Clarice: uma vida que se conta. 2013.

MOSER, Benjamin. Clarice: uma biografia. Editora Companhia das Letras, 2017.

INSTITUTO MOREIRA SALLES. Clarice Lispector, 2020. Página inicial. Disponível em:
<https://site.claricelispector.ims.com.br/>. Último acesso em: 19 de jun. de 2023.

MOSER, Benjamin. Glamour e Gramática. Prefácio. In: LISPECTOR, Clarice. Todos os


contos. 1ª.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H.: Romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela.: Romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

LISPECTOR, Clarice. Água viva.: Romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

​ Tendo a vasta obra de Clarice Lispector sido reconhecida internacionalmente, embora


seja uma valorização tardia, seu impacto ultrapassou as linhas dos textos que ela mesma
escreveu e se ramificou em diversas produções culturais baseadas em sua obra. Alguns dos
textos mais famosos de Clarice foram adaptados para o audiovisual, como por exemplo: “A
hora da estrela”, filme produzido por Suzana Amaral, baseado no livro de Clarice. Tal como o
filme “O livro dos prazeres”, dirigido por Marcela Lordy e interpretado por Simone
Spoladore, Javier Drolas e Felipe Rocha. Há, também, a produção denominada “A paixão
segundo G.H.”, lançado em 2020, dirigido e roteirizado por Luiz Fernando Carvalho.
MAS VAI CHOVER

Maria Angélica de Andrade tinha sessenta anos. E um amante, Alexandre, de dezenove


anos. Todos sabiam que o menino se aproveitava da riqueza de Maria Angélica. Só Maria
Angélica não suspeitava.
Começou assim: Alexandre era entregador de produtos farmacêuticos e tocou a
campainha da casa de Maria Angélica. Esta mesma abriu a porta. E deparou-se com um
jovem forte, alto, de grande beleza. Em vez de receber o remédio que encomendara e pagar o
preço, perguntou-lhe, meio assustada com a própria ousadia, se não queria entrar para tomar
um café.
Alexandre espantou-se e disse que não, obrigado. Mas ela insistiu. Acrescentou que
tinha bolo também.
O rapaz hesitava, visivelmente constrangido. Mas disse:
— Se for por pouco tempo, entro, porque tenho que trabalhar.
Entrou. Maria Angélica não sabia que já estava apaixonada. Deu-lhe uma grossa fatia
de bolo e café com leite. Enquanto ele comia pouco à vontade, ela embevecida o olhava. Ele
era a força, a juventude, o sexo há muito tempo abandonado. O rapaz acabou de comer e
beber, e enxugou a boca com a manga da camisa. Maria Angélica não achou que fossem
maus modos: ficou deliciada, achou-o natural, simples e encantador.
— Agora vou embora que meu patrão vai me deixar grilado se eu demorar.
Ela estava fascinada. Observou que ele tinha umas poucas espinhas no rosto. Mas isso
não lhe alterava a beleza e a masculinidade: os hormônios lá ferviam. Aquele, sim, era um
homem. Deu-lhe uma gorjeta enorme, desproporcional, que surpreendeu o rapaz. E disse com
uma vozinha cantante e com trejeitos de mocinha romântica:
— Só deixo você sair se prometer que voltará! Hoje mesmo! Porque vou pedir uma
vitaminazinha na farmácia…
Uma hora depois ele estava de volta com as vitaminas. Ela havia mudado de roupa,
estava com um quimono de renda transparente. Via-se a marca de suas calcinhas. Mandou-o
entrar. Disse-lhe que era viúva. Era o modo de lhe avisar que era livre. Mas o rapaz não
entendia.
Convidou-o a percorrer o bem-decorado apartamento deixando-o embasbacado.
Levou-o a seu quarto. Não sabia como fazer para que ele entendesse. Disse-lhe então:
— Deixe eu lhe dar um beijinho!
O rapaz se espantou, estendeu-lhe o rosto. Mas ela alcançou bem depressa a boca e
quase a devorou.
— Minha senhora, disse o menino nervoso, por favor se controle! A senhora está
passando bem?
— Não posso me controlar! Eu te amo! Venha para a cama comigo!
— Tá doida?!
— Não estou doida! Ou melhor: estou doida por você! gritou-lhe enquanto tirava a
coberta roxa da grande cama de casal.
E vendo que ele nunca entenderia, disse-lhe morta de vergonha:
— Venha para a cama comigo…
— Eu?!
— Eu lhe dou um presente grande! Eu lhe dou um carro!
Carro? Os olhos do rapaz faiscaram de cobiça. Um carro! Era tudo o que desejava na
vida. Perguntou desconfiado:
— Um karmann-ghia?
— Sim, meu amor, o que você quiser!
O que se passou em seguida foi horrível. Não é necessário saber. Maria Angélica — oh,
meu Deus, tenha piedade de mim, me perdoe por ter que escrever isto! — Maria Angélica
dava gritinhos na hora do amor. E Alexandre tendo que suportar com nojo, com revolta.
Transformou-se num rebelado para o resto da vida. Tinha a impressão de que nunca mais ia
poder dormir com uma mulher. O que aconteceria mesmo: aos vinte e sete anos ficou
impotente.
E tornaram-se amantes. Ele, por causa dos vizinhos, não morava com ela. Quis morar
num hotel de luxo: tomava café na cama. E logo abandonou o emprego. Comprou camisas
caríssimas. Foi a um dermatologista e as espinhas desapareceram.
Maria Angélica mal acreditava na sua sorte. Pouco se importava com as criadas que
quase riam na sua cara.
Uma amiga sua advertiu-lhe:
— Maria Angélica, você não vê que o rapaz é um pilantra? que está explorando você?
— Não admito que você chame Alex de pilantra! E ele me ama!
Um dia Alex teve uma ousadia. Disse-lhe:
— Vou passar uns dias fora do Rio com uma garota que conheci. Preciso de dinheiro.
Foram dias horríveis para Maria Angélica. Não saiu de casa, não tomou banho, mal se
alimentou. Era por teimosia que ainda acreditava em Deus. Porque Deus a abandonara. Ela
era obrigada a ser penosamente ela mesma.
Cinco dias depois ele voltou, todo pimpão, todo alegre. Trouxe-lhe de presente uma lata
de goiabada-cascão. Ela foi comer e quebrou um dente. Teve que ir ao dentista para pôr um
dente falso.
E a vida corria. As contas aumentavam. Alexandre exigente. Maria Angélica aflita.
Quando fez sessenta e um anos de idade ele não apareceu. Ela ficou sozinha diante do bolo de
aniversário.
Então — então aconteceu.
Alexandre lhe disse:
— Preciso de um milhão de cruzeiros.
— Um milhão? espantou-se Maria Angélica.
— Sim!, respondeu irritado, um bilhão antigo!
— Mas… mas eu não tenho tanto dinheiro…
— Venda o apartamento, então, e venda o seu Mercedes, dispense o chofer.
— Mesmo assim não dava, meu amor, tenha piedade de mim!
O rapaz enfureceu-se:
— Sua velha desgraçada! sua porca, sua vagabunda! Sem um bilhão não me presto
mais para as suas sem-vergonhices!
E, num ímpeto de ódio, saiu batendo a porta de casa. Maria Angélica ficou ali de pé.
Doía-lhe o corpo todo. Depois foi devagar sentar-se no sofá da sala. Parecia uma ferida de
guerra. Mas não havia Cruz Vermelha que a socorresse. Estava quieta, muda. Sem palavra
nenhuma a dizer.
— Parece — pensou — parece que vai chover.

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