POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SOCIAL PARA A FORMAÇÃO DE ADOLESCENTES
EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE EM JUIZ DE FORA, ESTADO DE
MINAS GERAIS, BRASIL, DURANTE 2018-2021
Leandro Barros Ribeiro
Universidad Nacional de Rosario (UNR)
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil,
[email protected]Resumo
A América Latina é o continente mais desigual do mundo, explorado e empobrecido pelas elites
imperialistas do capitalismo internacional. O Brasil apresenta condições de desigualdades
sociais abissais, questão tornada secundária, inclusive nas discussões educativas, consequência
da dominação estratégica do culturalismo conservador e liberal dominante, que atua na área da
Educação. No país existe uma persistente estigmatização racial, de classe e fenotípica, criadora
de vulnerabilidades. Adolescentes das classes populares, participantes de serviços e programas
sociais, encontram-se nesta situação de desigualdades estruturais, implicados em disputas
diversas na sociedade, discriminados, violados e estigmatizados pelos discursos conservadores
e racistas. Estes ambientes de educação não escolar, espaços de socialização e de formação,
podem constituir-se em importantes fatores de proteção para os adolescentes. Buscou-se
analisar, a partir de relatos de profissionais, como era praticada a Educação Social nos serviços
e programas sociais destinados a adolescentes de 14 a 17 anos, originários dos setores
populares. Foi utilizado o Método de Sistematização de Experiências, fundamentado na
compreensão do qualitativo das realidades particulares, para analisar os dados. Os resultados
revelaram a existência de duas dimensões de abordagem nos trabalhos de Educação Social, ou
seja, a dimensão para o desenvolvimento pessoal e de socialização e a dimensão para a
preparação geral para o mundo do trabalho. Os achados sinalizam a Educação Social como
fundamental no processo de formação multidimensional dos adolescentes, que sofrem ainda
com a insuficiência e a ineficácia de Políticas Públicas que não lhes garantem o exercício da
plena cidadania e a satisfação de suas necessidades primordiais.
Palavras-chave: Educação social. Assistência social. Vulnerabilidade. Adolescência.
Introdução
Esta investigação foi realizada com base em leituras de contextos e cenários complexos,
que enfatizam situações peculiares. Mesmo assim, a partir de uma experiência local e
microssocial, é possível dizer que, desde nossa perspectiva, é bastante difícil para a maioria das
pessoas viver na América Latina. Este é o continente reconhecido como o mais desigual do
mundo, historicamente explorado e empobrecido pela liderança do capitalismo extrativo
internacional. O Brasil apresenta condições de desigualdade social abissais, consequência da
dominação ideológica conservadora e liberal, fundamentada na acumulação, na forma-valor e
na forma-mercadoria, que também atua fortemente na área da Educação. Os adolescentes das
classes populares, participantes de serviços e programas sociais, se encontram nesta situação de
desigualdades estruturais, implicados em contradições e disputas diversas, discriminados pelas
práticas e pelos discursos conservadores, reacionários e racistas dominantes.
Os ambientes socioeducativos onde existe a presença da Educação Social nas
comunidades periféricas, sendo estas práticas educativas realizadas majoritariamente fora da
escola formal, são espaços de socialização e de formação amparados pela Política de
Assistência Social do Brasil. Buscando realizar uma leitura científica destes contextos, o
objetivo geral deste estudo foi analisar e descrever a concepção de Educação Social presente
nos serviços e programas sociais da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, destinados aos
adolescentes de 14 a 17 anos que se encontravam em situação de vulnerabilidade, durante o
período de 2018-2021, com base nos relatos de profissionais que atuavam nas unidades de
atendimento. Para tal propósito, foi utilizado o Método de Sistematização de Experiências,
criado na América Latina, que trata o qualitativo da realidade material da situação em particular.
Foram realizados dezesseis encontros da Equipe de Sistematização, composta por
educadoras sociais que coordenavam as unidades de atendimento, gestando trinta e quatro horas
de gravação dos áudios dos debates. Os registros escritos, criados a partir dos relatos, foram
analisados por meio da leitura dos dados ordenados, resumidos e selecionados em suas ideias
mais relevantes. Para compreender este contexto educativo alternativo e complexo, imerso na
ideologia capitalista, foram elaborados os seguintes objetivos específicos: (a) descrever a
percepção das educadoras sociais sobre quem são e como estão os adolescentes de 14 a 17 anos,
dissertando sobre suas dificuldades e potencialidades; (b) descrever a percepção das educadoras
sociais sobre quais são os caminhos centrais e decisivos que vem sendo trilhados na atuação da
Educação Social junto a estes adolescentes participantes dos serviços e programas sociais.
Desenvolvimento
A educação
É bastante difícil definir a educação. Todas as sociedades têm a preocupação de educar,
mas, o que educam? Para quê educam? Como educam? São perguntas fundamentais e decisivas
no contexto de uma sociedade capitalista que possui problemas estruturais no que tange à
educação, principalmente em relação à sua propriedade de formação de determinadas
subjetividades (Mascaro, 2022). O conceito de educação, segundo Lindo (2011), se envolveu
com as mudanças de contextos históricos e de paradigmas educativos, que contribuíram para a
multiplicidade de experiências e de significados aos processos educativos.
Em cada sociedade, as ideias, os valores, a cultura e a compreensão a respeito da
educação (e também sobre a escolarização) foram sofrendo alterações de acordo com o contexto
vivido (Gonçalves, 2012). A educação é, portanto, um fenômeno que é capaz de assumir as
formas e as modalidades mais diversas, segundo sejam os diversos grupos humanos e seu
correspondente grau de desenvolvimento (Abbagnano e Visalberghi, 1982). Numa visão
idealista, estes autores apontam que, em essência, a educação sempre será a apropriação de
cultura, ou seja, a transmissão, de uma geração para a outra, de tudo aquilo que o ser humano
criou e cria para além da natureza (Cara, 2019).
As práticas educativas, de maneira geral, compõem uma determinada prática social, com
suas finalidades específicas, historicamente construídas. Essas práticas educativas podem
ocorrer em diferentes espaços, em diversas situações na sociedade e se sucedem de várias
maneiras. As práticas educativas estão relacionadas aos processos de ensino e, normalmente,
quando se fala destes processos, logo se pensa no ambiente escolar tradicional, porém, em se
tratando de uma prática social, a educação pode ter sua compreensão ampliada.
Augusto Pérez Lindo (2011) define que a educação seria uma atividade bio-psico-social
onde, mediante a linguagem, informações e atitudes, são formados indivíduos capazes de
construir conhecimentos, valores estéticos, valores morais e com competências para a sua
integração em uma determinada sociedade, para o resguardo da vida e para o alcance de
autonomia. No entanto, Alysson Mascaro (2022) demonstra que, a partir de uma leitura crítica-
materialista, não é a escola ou a educação que forma o horizonte ideológico de alguém, mas
sim a estruturação da sociabilidade, cuja orientação, nos contextos contemporâneos, é feita pelo
capital1. Segundo Mascaro (Ibid), a ideologia do capital é o que sustenta a sociabilidade.
Portanto, o pensamento filosófico mais avançado sobre a educação, segundo o autor, não
deposita na própria educação as esperanças decisivas para a transformação social, uma vez que
o motor desta transformação é o modo de produção. A interpelação material-econômica é a
decisiva nos rumos da educação. Os problemas relacionados à educação são problemas do
capitalismo.
A educação no modo de produção capitalista
Baseando-se em uma concepção filosófica inspiradora, a ação de educadoras e
educadores teria como mote principal de atuação a tarefa de modificar o mundo, torná-lo
melhor, não apenas menos inaceitável. O enfoque seria a mudança social e não a limitação da
discussão da ordem social (Sarup, 1980). Segundo este autor, a adoção de uma atitude altamente
crítica é fundamental para a educação, rechaçando-se as posturas positivistas, uma vez que se
estabelecem como modos de analisar o mundo que supõem que a realidade existe de maneira
não-problemática, que pressupõem uma visão passiva das pessoas, num viés determinista. O
positivismo está ligado então à racionalidade técnica, à previsão e ao controle, e a educação,
nesta trilha seguindo, se resumiria a uma engenharia social estreita, reformista e fragmentada,
afirma.
De forma antagônica ao positivismo, é possível analisar o fenômeno educacional pelo
viés crítico-materialista. Segundo Alysson Mascaro (2022), a partir de termos filosóficos,
sociológicos e históricos sobre a educação, percebe-se que esta é tomada como solução, mas no
final, trata-se ela própria de um problema estrutural de nossa sociabilidade. A educação,
segundo este autor, é aparelho ideológico e uma das engrenagens da exploração e da dominação
social, não podendo ser um elemento que possa agir contra aquilo para o qual é talhado. A
educação não é estruturada para a libertação das pessoas, não é construída para a transformação
social; é instrumentalizada para a suficiência da reprodução social da sociabilidade capitalista,
1 O capital, fundamentalmente, se refere a toda e qualquer atividade produtiva de mercadorias onde capitalistas
contratam trabalhadores assalariados e, com seus trabalhos, obtém um excedente econômico, o lucro ou mais-
valor. No entanto, de acordo com Karl Marx, capital não se restringe a um objeto, mas a uma relação, um
movimento social e histórico abrangente que incorpora todas as demais relações sociais. O capital é uma força que
tudo abrange e tudo submete, que substituiu a razão de ser da sociedade por seu propósito de criar sempre este
mais-valor (Grespan, 2015).
para a manutenção da ordem social de dominação, da relação social de explorados e
exploradores. Forma trabalhadores assalariados, quando voltada à classe trabalhadora, e, no
caso da educação para a burguesia, forma administradores do capital.
A educação escolar é determinada pelo Estado. De acordo com Holloway (2003), o
paradigma estatal foi convertido no “assassino da esperança”, pouco fazendo para criar uma
sociedade independente ou para promover a liberdade das pessoas (no caso em específico: dos
seus cidadãos estudantes), constructos que estão presentes como premissas normativas de toda
legislação educativa. Mascaro (2022) explica que só se muda a educação mudando a
materialidade da reprodução social, mudando a forma das relações sociais, ou seja, saindo de
uma relação de dominação e de exploração para outra, não exploradora e não dominadora.
A educação social dos serviços e programas sociais
Vimos que as práticas educativas, de maneira geral, compõem uma determinada prática
social com suas finalidades específicas, historicamente construídas. Essas práticas educativas
podem ocorrer em diferentes espaços, em diversas situações na sociedade e de várias maneiras,
inclusive além e fora das paredes da escola tradicional. É justamente a partir do reconhecimento
de que a educação pode acontecer em outros lugares mais, para além da escola, é que a educação
social é capaz de ser reconhecida e compreendida.
Na educação social estão sistematizadas as práticas educativas que ocorrem em
diferentes espaços e em ambientes variados e, ademais, não seguem, como obrigação primordial
e incontornável, a didática e os conteúdos que são produzidos pela educação escolar. Conforme
descreve Julià (1998), o que caracteriza o trabalho da educação social é conseguir, no grau
máximo possível, a socialização dos sujeitos de sua intervenção.
É justamente em outros espaços fora da escola que a população marginalizada e excluída
vai encontrar o apoio e o suporte necessário, indispensável para a superação de suas condições
de desvantagens. Desta maneira, este tipo de educação trabalha para que seus educandos, os
sujeitos de sua intervenção, experimentem algum tipo de mudança, de evolução, de
desenvolvimento pessoal para conviverem melhor em sociedade (Petrus, 1998). Essa educação,
portanto, é majoritariamente executada dentro de serviços e programas sociais, sendo a
manifestação da dimensão social da educação junto às pessoas em situação de vulnerabilidade,
fazendo uso da arte, da cultura, das tecnologias, do esporte e do lazer, fundamentalmente
(Caliman, 2010).
O método de sistematização de experiências
A palavra “sistematização” pode referir-se a classificar, catalogar, ordenar fatos e
informações, organizar algo (como os dados) segundo um sistema (RAE, 2021). Em se tratando
da perspectiva da educação popular latino-americana, o termo sistematização é utilizado para a
análise de programas e projetos sociais, porém não é somente aplicada aos dados e informações
que podem ser obtidas, mas também a “experiências” mais amplas (Holliday, 2009). Segundo
o autor, essas experiências são os processos sócio-históricos, que possuem uma natureza
dinâmica e complexa, podendo ser individuais ou coletivos, e são vividos por pessoas concretas.
A sistematização de experiências é um instrumento que permite mirar analítica e
criticamente para o vivido, para o experimentado e o sentido, examinando os resultados e os
impactos alcançados (Chavez-Tafur, 2007). Desde esta perspectiva crítica transformadora, esse
método é uma ferramenta consistente e útil para a apropriação social de conhecimentos, através
de uma visão holística, integrada, sistêmica, dialética e flexível dos momentos do processo de
sistematização, apontam os autores. Segundo Oscar Jarra Holliday (2009), sistematizar é
procurar compreender o sentido e a lógica do complexo processo de uma determinada
experiência e assim aprender com suas lições.
Quem são e como estão os adolescentes participantes dos programas sociais
Partindo das análises com bases filosóficas materialistas, arraigadas no concreto
(Mascaro, 2023) foi perceptível a presença das heterogeneidades juvenis, a diversidade inerente
à adolescência, transeuntes na vida em contextos violentos, em contato com a criminalidade,
com o tráfico e o consumo de drogas. Em face das interpelações ideológicas imediatistas do
capitalismo, numa totalidade estruturada (Althusser, 2023), os adolescentes manifestaram
dificuldades no desenvolvimento de pensamentos prospectivos para o futuro, não vislumbrando
projetos de vida para além da subsistência. O descrédito com a possibilidade de um futuro
promissor acaba por tolher os sonhos dos jovens, que unicamente esperam verificar qual será o
seu “valor de mercado” possível, pelo qual serão explorados economicamente na sociedade, em
razão de sua baixa qualificação.
Os contextos violentos dos territórios onde vivem revelaram a situação de perigo e de
ameaças para o seu desenvolvimento. Paralelamente a isto, foi possível compreender a
influência dos exemplos de violência vividos nas famílias e nas comunidades na adoção de
comportamentos agressivos por parte dos adolescentes. O desconhecimento de leis que
amparam a vida em sociedade, o descrédito para com os direitos humanos e a desconfiança da
justiça, do direito, da política e das eleições foram agravantes de situações de condutas
antissociais adotadas por alguns adolescentes. A polícia os lembrava de encarceramento em
massa e genocídio da negritude.
Mostraram ter dificuldades com a aprendizagem oferecida pela escola, para eles sem
significado. Assim sendo, os adolescentes não se identificam com a educação que lhes é
oferecida, somente instrumentalizada para a suficiência da reprodução social da sociabilidade
capitalista, para a manutenção da ordem social de dominação, da relação social de explorados
e exploradores, onde eles serão os eternos explorados. Então, evadem da escola.
Evidenciaram o desejo de ingresso rápido no mercado de trabalho, para satisfazer suas
necessidades de consumo. Ansiedade e depressão eram efeitos colaterais da meritocracia e da
responsabilização acusatória por sua própria situação de vulnerabilidade e pobreza. Estes
achados demonstram que a compreensão de mundo é naturalizada por determinações do capital
e a estruturação de sociabilidade e subjetividade são criadas a partir das posições nas hierarquias
capitalistas (Mascaro, 2018).
Foi marcadamente perceptível a dificuldade das famílias em acompanhar, proteger e
orientar a seus adolescentes. As exigências maiores dos pais e responsáveis, que também se
encontram em situação de vulnerabilidade, comparados com classes sociais abastadas, denota
a fragilidade das redes sociais de apoio necessárias. Literalmente, a família “não se dá conta”
das inúmeras exigências existentes. O distanciamento dos adolescentes em virtude da utilização
exagerada de celulares, redes sociais e televisão, também prejudica a manutenção dos vínculos
familiares e dos diálogos necessários.
Mesmo possuindo diversas potencialidades, como a criatividade, talentos diversos,
dinamismo, sedução e vitalidade, vontade de aprender, receptividade ao afeto, carinho e
cuidado, manifestação de prazer por estar junto de outras pessoas, os adolescentes são
interditados pela determinação da repressão e das constituições ideológicas, caracterizadas pela
subjugação e perseguição à sua classe (Mascaro, 2013; Althusser, 2023, 1999). Um aspecto
sociológico se mostrou evidente, a influência do machismo no processo de formação
adolescente. Foi notável o trato desigual entre homens e mulheres adolescentes, se pondo estas
em situação de maior vulnerabilidade e risco. As jovens têm sua vida sexual iniciada de maneira
prematura, sem a proteção necessária, enquanto são acometidas por depressão, resultado de
diversas privações e desigualdades vividas nas relações sociais, que foram legitimadas de
maneira autoritária pela sociedade.
Também foram percebidas mais algumas “fragilidades” nos e nas adolescentes que
participavam das ofertas nos serviços e programas sociais: perda rápida do interesse pelas
coisas; dificuldades em aprofundar na busca de mais conhecimento sobre os assuntos que
consideram importantes; imediatismo em relação a seus desejos; apesar dos sonhos que
possuem, são acometidos por desânimo e por certa comodidade em realizar as ações que são
necessárias para a luta nas quais estão imersos. Acreditamos se tratar de sintomas da forma de
sociabilidade capitalista que acomete duramente a adolescência pobre brasileira, uma vez que
sua fundamentação, baseada nas relações de exploração, nas relações de dominação, na
concorrência e na meritocracia, no antagonismo de indivíduos, grupos e classes, no conflito e
na crise, na educação unicamente vinculada ao destino do trabalho, no racismo, no machismo,
minam a sua esperança em horizontes melhores (Mascaro, 2013; Mészáros, 2008).
O rumo dos trabalhos da Educação Social junto aos adolescentes das classes populares
Depois de ricas discussões, a equipe de sistematização decidiu criar, de forma
consensual, quatro temas centrais que dariam o rumo dos debates futuros acerca da educação
social que deveria acontecer nos serviços e programas sociais para os adolescentes
vulnerabilizados. Os temas foram os seguintes: (1) a escuta ao adolescente; (2) as relações
familiares; (3) as questões de raça, gênero, classe e território; e (4) o mundo do trabalho.
Foi possível perceber a importância atribuída à escuta como técnica e estratégia
fundamental para a compreensão do adolescente e também de sua família. A escuta realizada
com compromisso pode ajudar no processo de vinculação dos adolescentes com as educadoras
sociais e com a unidade como um todo, além de acolher os indivíduos, dando-lhes segurança
afetiva.
Um destaque importante foi a comprovação de que a exclusão das famílias dos
adolescentes enquanto alijadas de oportunidades educativas e de trabalho, causa marginalidade
extrema, levando em muitos casos à entrada dos adolescentes em episódios de conflito com as
leis penais e a entrada no tráfico de drogas. A dificuldade em lidar com as questões da
diversidade de gênero e com a sexualidade também foi marcante nas famílias, destacando a
permanente necessidade de educação e apoio em redes neste sentido.
Os temas raciais e de gênero, além da classe social e dos territórios, foram elementos
chave para a análise da educação social que era levada a cabo nas unidades de atendimento
junto aos adolescentes. No entanto, foi possível desprender que, de acordo com os relatos, havia
uma dificuldade por parte dos profissionais das unidades (educadores sociais) em realizar
atividades pedagógicas necessárias e adequadas no trato com as questões mencionadas. Em se
tratando do mundo do trabalho, as empresas buscavam por adolescentes com boas ou ótimas
qualificações escolares e com um tipo de “imagem pessoal” que não era aquela representada
pelos jovens dos setores populares da cidade.
Em termos de território das periferias, o estudo denuncia a precarização das condições
fundamentais para uma boa qualidade de vida. A educação, a estimulação cognitiva, esportiva,
de lazer e cultural dos adolescentes são deterioradas, como marca da violação de direitos básicos
de suas famílias, como evidência da ausência de uma estrutura de qualidade nas residências, na
convivência comunitária e a total negligência em termos de segurança pública.
Em relação à atuação dos serviços e programas sociais, notou-se a angústia das
educadoras sociais em propor alternativas possíveis para a superação do cenário de
vulnerabilidade de seus adolescentes educandos. A falta de profissionais que dominem tantos
assuntos diversos, conteúdos complexos e amplos, e mais, que tenham as competências e
habilidades pedagógicas necessárias para fazer chegar aos adolescentes tamanha quantidade de
informação e conhecimento, faz com que os serviços e programas sociais não sejam realmente
efetivos em suas aspirações de transformação da realidade.
Não sendo a ideologia uma opção de pensamento do indivíduo ou imposta a ele contra
sua vontade, mas um arcabouço estrutural da sociedade capitalista (Althusser, 2023), a
preocupação nos serviços e programas sociais era com a promoção de oportunidades de
desenvolvimento pessoal e de socialização, acopladas à tentativas tímidas de preparação,
limitadas e incompletas, para a inserção das e dos adolescentes ao único mercado de trabalho
que lhes parecia ser acessível, o precarizado, junto às tarefas de baixo reconhecimento.
Conclusões
Particularmente, a educação na América Latina foi escorchada de maneira frequente, e
utilizada fortemente como mecanismo de manutenção da ordem social imperialista, extrativa e
excludente. Como esforços anti-hegemônicos de resistência e liberdade, encontramos diversas
organizações da sociedade civil e uma pequena parte do poder público, que se utilizavam da
educação social, na América Latina e no Brasil, como possibilidades de emancipação e
empoderamento dos setores mais pobres e vulneráveis da sociedade.
Utilizando do método de sistematização de experiências, pensado e evoluído por nossos
principais intelectuais latino-americanos, educadores populares, com destaque para o sociólogo
peruano Oscar Jarra Holliday, submergimos nessa corrente epistemológica. No afã de
compreender as dinâmicas internas das instituições educativas, onde estava a educação social
aplicada, vimos o quanto ela se encontrava permanentemente influenciada pelas ações e reações
do grande sistema macrossocial vigente no Brasil (herdado da escravidão -a verdadeira gênese
da sociedade brasileira desigual- e da estratificação de classes baseada na estrutura capitalista),
somado às influências psicossociais e sociológicas do contexto microssocial solidamente criado
nas comunidades populares, retratando a forte construção e manutenção do poder elitista
dominante sobre as pessoas pobres e vulnerabilizadas, a classe trabalhadora.
Encontramos, como resposta à indagação de nosso “objetivo geral”, uma educação
social atuante e comprometida com seus ideais, porém, bastante fragilizada e desarticulada
politicamente e pedagogicamente, apesar de sua notável importância para os adolescentes
participantes de seus serviços e programas. O discurso das educadoras sociais participantes da
equipe de sistematização, com o relato de sua experiência e prática profissional, pareceu
encontrar-se mais no “o que deveríamos fazer”, “o que deveríamos fazer de maneira mais
qualificada”, “o que deveríamos conhecer”, que no “o que evidentemente fazemos e
conhecemos bem”.
Não observamos o discurso de uma educação social potencialmente encaminhada para
a luta contra os desígnios do capital, contra a ordem ideológica que organiza o capitalismo e
retira o sonho e o futuro dos adolescentes: a ordem estrutural advinda da relação social dos
sujeitos no modo de produção e a ordem dos aparelhos ideológicos advinda da determinação
econômica capitalista. Um combate veemente e fervoroso à ideologia da meritocracia liberal-
burguesa não foi ressaltado nos relatos. Os discursos careceram da proposta de implantação e
execução de uma educação política, fundamental para os adolescentes das classes populares.
Vimos o discurso de combate à miséria e a pobreza, mas faltou a veemência da fala, com a
mesma vibração, contra a máquina capitalista que mantém o modelo de criação das
desigualdades.
Os serviços e programas sociais estudados não se mostraram instituições ideológicas
plenas, contrapostas ao capital, como meios de comunicação de massa, como aparelhos de
formação ideológica por reiteração de práticas relacionais cotidianas neste sentido. No entanto,
a educação social presente nestes locais mostrou-se fundamental e decisiva para a proteção e a
manutenção da possibilidade de sonhar dos adolescentes participantes. Ali naqueles espaços
educativos, onde acontece a gestão imediata da vida, apesar das dificuldades, da insuficiência
de recursos, da falta de formação inicial dos educadores sociais (e ressaltemos, indignados:
profissionais muito mal remunerados) ainda existem esperanças de formação de horizontes
culturais, valorativos e práticos direcionados à superação das mazelas impostas pela
sociabilidade capitalista. Os serviços e programas sociais são forjas de redes de apoio e de
resistência.
Por fim, mencionados alguns dos muitos aspectos positivos e a incontornável
importância da educação social para a adolescência em situação de vulnerabilidade, torna-se
relevante evidenciar algumas preocupações. A presença marcante do desejo e da busca dos
adolescentes das classes trabalhadoras por reconhecimento social, pelo desenvolvimento de
suas potencialidades, por oportunidades de protagonismo e de atuação profissional não são
correspondidas efetivamente pelas políticas públicas protetivas e formativas existentes, muito
menos pela precarizada educação social brasileira. Esta, tornada mais um aparelho ideológico
de Estado, de base idealista, com normativas juspositivistas, deriva da forma mercadoria e se
organiza no espaço institucional da política de Assistência Social. Reprodutora da sociabilidade
capitalista excludente, em alguns momentos, ilude e penaliza seus usuários adolescentes, por
não poder cumprir tudo o que promete.
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