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Artigo 135784 1 10 20200707

O livro de Marcelo Badaró Mattos explora a formação da classe trabalhadora no Rio de Janeiro entre 1850 e 1920, destacando a coexistência de trabalhadores livres e escravizados. Mattos propõe uma nova perspectiva sobre a história da classe trabalhadora, enfatizando a dignidade dos trabalhadores escravizados e a necessidade de integrar suas experiências na narrativa histórica. A obra também levanta questões sobre a natureza da liberdade e a luta contínua contra a exploração, sugerindo que a história do trabalho livre e da escravidão estão interligadas.
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Artigo 135784 1 10 20200707

O livro de Marcelo Badaró Mattos explora a formação da classe trabalhadora no Rio de Janeiro entre 1850 e 1920, destacando a coexistência de trabalhadores livres e escravizados. Mattos propõe uma nova perspectiva sobre a história da classe trabalhadora, enfatizando a dignidade dos trabalhadores escravizados e a necessidade de integrar suas experiências na narrativa histórica. A obra também levanta questões sobre a natureza da liberdade e a luta contínua contra a exploração, sugerindo que a história do trabalho livre e da escravidão estão interligadas.
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TRABALHO LIVRE, TRABALHO ESCRAVO:

EXPERIÊNCIAS EM COMUM

MATTOS, Marcelo Badaró. Laborers and Enslaved Workers: Expe-


riences in Common in the Making of Rio de Janeiro’s Working Class,
1850–1920. Nova York: Berghahn Books, 2017. 175p.

A versão em inglês do livro de Mar- Ao considerar a classe como pro-


celo Badaró Mattos é um feito da his- cesso e como uma relação – e não
tória social brasileira em seu notável como um dado da estrutura social –,
esforço de reconhecimento de exce- Mattos esclarece ser infrutífero voltar
lência internacional.1 Debruçado atrás no tempo apenas em busca de
sobre contexto específico – a cidade experiências de trabalhadores livres.
do Rio de Janeiro entre a segunda Movendo-se para fora dos campi
metade do século XIX e as primei- universitários e tocando os cora-
ras décadas do século XX –, o livro ções e mentes de pessoas comuns
prossegue com a proposta de E. P. – particularmente a juventude e pro-
Thompson de derrubar as muralhas fessores nas escolas, mas também
separadoras da história da agitação ativistas de movimentos sociais –,
da classe trabalhadora da história cul- uma saliente contribuição dessa
tural e intelectual do resto da nação obra ao Brasil contemporâneo está
(como está afirmado na Formação em chamar a atenção para o fato de
da classe trabalhadora inglesa, em seres humanos terem sido escraviza-
seu prefácio). Como resultado, Mat- dos, uma modificação necessária no
tos protagoniza um momento carac- jeito como a história brasileira tem
terístico da historiografia brasileira, sido percebida e contada. Uma sutil
que é o foco na coexistência de tra- mudança no léxico (de “escravos”
balhadores livres e libertos, traba- para “trabalhadores escravizados”,
lhadores escravizados, ou não-livres. sendo este último pouco utilizado
(Ou, simplesmente, trabalhadores.) até recentemente) sublinha a dig-
nidade, o valor e a ação de homens
1 Edição brasileira do livro: Marcelo Mattos, e mulheres negros que foram sub-
Escravizados e livres: experiências comuns metidos ao cativeiro. Além disso,
na formação da classe trabalhadora cario-
ca, Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.
esta tradução vem à luz em uma

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conjuntura mundial muito delicada: Alinhando fugas de escravos, lide-
a guinada à direita fascista. O escra- ranças populares e trabalhadores
vismo e seu legado de desigualdade urbanos, havia em jogo possibili-
e trabalho não-livre ou não-pago dades de ruptura muito diferentes
são assuntos altamente sensíveis da do cardápio servido na mesa bem
política (não apenas no Brasil). posta do “banquete da civilização”.
O livro é, no entanto, contro- Elciene Azevedo, por sua vez, per-
verso. Na sua abordagem do aboli- cebeu possibilidades extraordiná-
cionismo, ao apontar a limitação da rias, mesmo no intrincado domínio
via legal disponível rumo à liber- da lei, revelando a existência de um
dade, por meio das alforrias, bem abolicionismo radical. Em ambas as
como os resultados de ações em pesquisas, vieram à tona esforços
juízo após cerca de dez a quinze de efetivação imediata de experi-
anos desde 1871 e, como efeito ências de liberdade, perturbando os
disso, a conversão dos abolicionis- senhores, não apenas pelo recurso
tas a um “modo mais consequente ao judiciário, mas também pela
de lutar” (p.106), Mattos tenta criar possibilidade da difusão do mundo
um ponto de virada na trajetória de de cabeça para baixo. Walter Fraga,
um processo complexo, que não é em acréscimo, nota na figura de
retilíneo nem se divide em um antes Ismael Ribeiro dos Santos uma
e depois de uma (alegada) inflexão. possibilidade de trânsito ou conti-
O que o autor sustenta ser um limite nuidade, pincelando os laços entre
restritivo, pode ter sido superado, abolicionismo e movimento ope-
não pelo seu abandono em favor de rário. Fraga inclusive cogita que
algo melhor, mas por sua combina- trabalhadores na Bahia estivessem
ção a outras iniciativas. Ao nutri- testando a validade de “agir como
rem suas experiências, expectativas classe”. Não, portanto, a conversão
e valores coletivos, os trabalhado- de uma coisa à outra, a primeira,
res negros e abolicionistas tinham obsoleta, superada, ultrapassada
os seus próprios meios para con- pela segunda; mas, antes, experi-
frontar a instituição da escravidão mentos, medidos na pressão pelos
e ir além da dicotomia entre “uma sujeitos. Sobre estes, Aldrin Cas-
liberdade inacabada do ponto de tellucci demonstrou como a defesa
vista daqueles que lutaram pela do ofício da parte de trabalhadores
emancipação humana em seu sen- negros qualificados (profissionais
tido amplo” e a proposta de por fim aliás materialmente bem sucedidos)
à “divisão da sociedade em classes” era uma forma de sustentar con-
(p. 161). Aqui, por exemplo, vale a quistas do trabalho livre mesmo em
pena recordar Wlamyra Albuquer- vizinhança – ou “envolvimento” –
que, que reparou no abolicionismo com a política oligárquica.2
dos de baixo, em paralelo ao abo-
licionismo observado por Mattos. 2 Wlamyra Albuquerque, O jogo da dissi-

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Também é difícil notar, no livro haver uma reflexão sobre um
em tela, quando ou onde a classe momento em que a classe trabalha-
trabalhadora foi de fato formada. dora está formada. Se o caso inglês
Primeiro, a formação da classe é um for levado em conta, a presença da
processo nacional, matéria não con- classe trabalhadora, a partir de 1832,
templada no recorte feito pelo autor. foi sentida em todos os condados.
Que o Rio é a capital é evidentemente E na maioria dos campos da vida,
um fator de peso, mas, apesar disso, é literalmente dito. Portanto, ideias,
e considerando o fato do Rio ter sido atitudes e experimentos amadure-
o sítio mais industrializado do iní- ceram antes mesmo do cartismo
cio do século XX, não está claro se (e antes de sindicatos de trabalhado-
a formação da classe no Rio é um res industriais ou partidos políticos
processo peculiar ou um paradigma operários), do que 1832 foi uma pre-
para todo o país seguir. E também se figuração. Esta, como um fenômeno,
poderia indagar, sobre o Rio mesmo, foi uma demarcação consciente em
das conexões com os trabalhadores um processo de autodescoberta e
rurais, os escravizados em particular, autodefinição. Em contraste, na nar-
nas fazendas; ou ainda os quilom- rativa de Mattos, o declínio da escra-
bolas do “campo negro” que Flávio vidão no Brasil é acompanhado pela
Gomes vinculou à “cidade negra” insinuante proletarização de artesãos
descrita por Sidney Chalhoub, detec- em uma nova classe de trabalhadores
tando inaudito e poderoso trânsito assalariados nas fábricas. A proteção
entre cativeiro e liberdade.3 da respeitabilidade do ofício, argu-
Alinhado a Thompson como menta ele, contribuiu para aproximar
Mattos é, em algum ponto deveria artesãos e braçais (p. 155). Greves,
pontua, são deflagradas na década
de 1890 (após o fim da escravidão
mulação: abolição e cidadania negra no
Brasil, São Paulo: Companhia das Letras, em 1888) e continuam no século
2009, p. 82; Elciene Azevedo, O direito dos seguinte. Nos primeiros anos da
escravos: lutas jurídicas e abolicionismo década de 1910, as greves “já eram
na província de São Paulo, Campinas: uma experiência generalizada, par-
Editora da Unicamp, 2010, p.32; Walter
Fraga Filho, Encruzilhadas da liberdade: tidos trabalhistas/socialistas haviam
histórias de escravos e libertos na Bahia, surgido e as instituições sindicais
1870-1910, Campinas: Editora da Uni- da classe já estavam constituídas
camp, 2006, p. 106, 340; Aldrin Castellucci, com relativa estabilidade” (p. 6).
Trabalhadores e política no Brasil: do
aprendizado do Império aos sucessos da Neste sentido, uma semelhança pode
Primeira República, Salvador: Editora da ser observada entre o “caso europeu”
Uneb, 2015, p. 21. (p. 7, 126) e o carioca.
3 Robert Slenes, “O escravismo por um fio?”, O autor enfatiza o caráter estra-
apud Flávio Gomes, A hidra e os pântanos: tégico de sindicatos e partidos em
mocambos, quilombos e comunidades de
fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX), São cujas mãos cabe a tarefa de criar uma
Paulo: Polis, 2005, p. 15. “sucessão de estágios ou níveis” – “o

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nível econômico-corporativo, a soli- ofícios para os quais foram obriga-
dariedade de classe na esfera eco- dos (p. 21) é um convite encoraja-
nômica e a consciência do projeto dor à pesquisa. Mas depois ele não
de classe” – a fim de trazer à tona a abre espaço para um paralelo com
maturidade do proletariado (p. 134). a ideia do inglês livre ao nascer, já
Sua atenção como pesquisador está que, como ele afirma, “a liberdade
voltada para os discursos dos tra- era algo recente” (p. 155). Contudo,
balhadores, em particular os escri- tal qual ingleses, os trabalhadores
tos, encontrados principalmente na africanos escravizados, ou aqueles
imprensa operária. Contudo, como a ilegalmente escravizados, sabiam
consciência de classe é uma formação que haviam nascido livres, e que o
cultural, a voz radical da liderança eram por direito.
não deve obscurecer as característi- A ênfase na afinidade entre o
cas elusivas do inarticulado, a cultura movimento operário carioca e o
popular ou seus códigos não escri- europeu (termos desiguais, vale
tos. Por fim, cabe indagar o quanto a dizer) – ambos protagonizados por
chegada de imigrantes no Rio serviu proletários livres assalariados, res-
mais para dividir ou desfazer o asso- saltados no avançar da industrializa-
ciativismo operário já existente do ção – não pode no entanto deixar de
que mobilizar a classe operária.4 lado sua importante afirmação sobre
Mattos tem parte destacada nos ser infrutífero fazer pesquisa histó-
ganhos que a pesquisa histórica pro- rica em busca de trabalhadores livres
porciona quando certas situações apenas. Como tem sido sublinhado
são consideradas: quer quando os amplamente, capitalismo e cati-
trabalhadores são sujeitos no coti- veiro são cônjuges de uma História
diano, quer quando são perseguidos de amor global. Não só os escravi-
como desviantes: encrenqueiros, zados, os libertos e os reescraviza-
fugitivos, fetichistas; enfim, clas- dos tinham lutas concretas contra
ses perigosas. Quando trabalha- a exploração e a injustiça como
dores escravizados ou livres eram também, hoje em dia, parece ser
alvo de pressões inibidoras vindas uma miragem o trabalho livre com
de cima, eles respondiam com sua direito, na prática, a um sindicato
preferência por valores horizontais para defendê-lo do patronato e tam-
de lealdade, camaradagem, festa bém a um partido para representá-lo
e prazer. E tudo isso é relevante no parlamento (ou fazer a revolu-
para o autor. Sua menção aos afri- ção). Em paralelo às lutas socialis-
canos que desembarcam em posse tas ou à construção de um Estado
de habilidades relevantes para os de bem-estar social, a pesquisa tem
revelado a obsessão das classes
dominantes em reforçar a suprema-
4 Paulo Fontes e Francisco Macedo, “Entre-
vista com Michael Hall”, Estudos históri- cia racial como uma forma de domi-
cos, v. 29, n. 59 (2016), p. 829, 830. nar a mão de obra dos trabalhadores,

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aprisionando-a em relações tóxicas. O livro de Mattos é um acon-
De fato, referindo-se à – legal ou ile- tecimento saliente na “especial
gal – “falta de liberdade da força de ênfase da historiografia brasileira
trabalho”, Julius Scott observa que em combinar História da escravi-
trabalhadores chamados de “livres” dão e história do trabalho ‘livre’”,
podem ser mais “anomalia” do que conforme Weinstein percebeu e
“regra”. E, então, é do maior relevo registrou.6 Quer fossem trabalha-
observar (como fez Robério Souza) dores em fábricas, quer fossem
que, assim como a ferrovia britânica prostitutas nas janelas, morige-
na Bahia na década de 1860 não fez rados ou ladrões, tipógrafos ou
questão de discernir se os trabalha- estivadores, ou padeiros, a classe
dores eram livres ou escravizados, operária carioca transmitiu através
as ferrovias construídas por traba- das gerações os valores de inde-
lhadores negros nos Estados Unidos pendência e autodefesa. Se existe
não se inquietavam se eram livres ou alguma modernidade no mundo
cidadãos de segunda classe, ou uma contemporâneo, as conquistas do
nova forma de escravizados, inven- socialismo e do bem-estar social
tada para (quase imediatamente) também devem ser notadas nas
suceder o fim da escravidão.5 experiências de homens e mulheres
trabalhadores que deram origem a
5 Julius Scott, The Common Wind: Afro-A-
uma presença única na sociedade,
merican Currents in the Age of the Haitian antes mesmo de os trabalhadores
Revolution, Londres: Verso, 2018, p. 2, 3; no Rio de Janeiro começarem a se
Robério Souza, Trabalhadores dos trilhos: comportar de maneira muito seme-
imigrantes e nacionais livres, libertos
e escravos na construção da primeira
lhante ao que tinha sucedido no
ferrovia baiana (1858-1863), Campinas: Atlântico Norte.
Editora da Unicamp, 2015; e Douglas
Blackmon, Slavery by Another Name: The 6 Barbara Weinstein, “Globalizando a História
Re-enslavement of Black Americans from do Trabalho: o caso da revista International
the Civil War to World War II, Nova York: Labor and Working-Class History”, Mundos
Doubleday, 2008, p.7. do trabalho, v. 9, n. 18 (2017), p. 18.

Antonio Luigi Negro


Universidade Federal da Bahia
[email protected]

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