Martins CF TCC Ia
Martins CF TCC Ia
SÃO PAULO – SP
2022
CESAR DE FREITAS MARTINS
SÃO PAULO – SP
2022
Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de
Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor.
M386a Martins, Cesar de Freitas, 1985-
Álbum Pé no Chão e uma outra linhagem do samba / Cesar de
Freitas Martins. - São Paulo, 2022.
37 f. : il. color.
CDD 780.981
Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666
CESAR DE FREITAS MARTINS
Agradeço aos meus pais e irmãos, que pouco tempo atrás me proporcionaram a
oportunidade de me desenvolver musicalmente num ambiente com amor e carinho, hoje
agradeço aos meus filhos Henrique e Hugo que me inspiram, dando o combustível
necessário para começar o dia, agradeço também minha esposa Joyce que ilumina meus
dias com seu lindo sorriso, agradeço todos os professores que me instruíam por todos
esses anos, agradeço também aos companheiros de lida que me embalaram por
incontáveis rodas de samba mundo afora, agradeço ao meu orientador Alisson Amador,
que não desistiu da pessoa por trás do pesquisador, agradeço especialmente ao meu
irmão Henrique Araken que me impulsionou dando origem a minha vida musical e
também deu o pontapé inicial nesta pesquisa.
“O samba é meu dom
Aprendi bater samba ao compasso do meu coração”
Esse trabalho concentra-se na segunda metade da história do samba pós bossa nova, final
da década de 70 e início de 80, mais precisamente em 1978, ano de lançamento do álbum
em LP “Pé no Chão", o décimo primeiro da cantora, instrumentista e compositora Beth
Carvalho, conhecida também como a Madrinha do Samba. Esse disco inaugurou uma
inovadora instrumentação musical e um modo novo de executar o samba a partir de
instrumentos criados por integrantes do Grupo Fundo de Quintal e dos arranjos e produção
do Maestro Rildo Hora. O disco de Beth Carvalho possivelmente foi o pontapé inicial de
uma outra linhagem do samba, o pagode. Esse trabalho procura investigar as mudanças
práticas entre a instrumentação musical do samba pré e pós 1978. Acreditamos que após
a significativa contribuição para o samba da Turma do Estácio na primeira metade do
século XX, o álbum “Pé no Chão” de Beth Carvalho talvez seja mais um importante advento
que ajudou a moldar o samba e a música brasileira e que também culminou no principal
elo entre o samba tradicional e o pagode. Este trabalho foi realizado com base nas
pesquisas bibliográficas, nas entrevistas com Rildo Hora e a partir da análise técnica e
musical do álbum.
Palavras – chave: Samba. Beth Carvalho. Rildo Hora. Cacique de Ramos. Fundo de
Quintal.
ABSTRACT
This work focuses on the second half of the post bossa nova samba history, in the late 70s and
early 80s, more precisely in 1978, the year of the release of “Pé no Chão”, the eleventh LP album by Beth
Carvalho, a singer, instrumentalist and composer, also known as “Godmother of Samba”. This record
inaugurated an innovative musical instrumentation and a new way of performing samba using instruments
created by members of Grupo Fundo de Quintal and arrangements and production by Maestro Rildo
Hora. The album was possibly the kick-off of another samba lineage, the pagode. This work seeks to
investigate the practical changes between the musical instrumentation of samba before and after 1978. We
believe that after the significant contribution to the samba by “Turma do Estácio” in the first half of the
20th century, the album “Pé no Chão” by Beth Carvalho is perhaps another important advent that helped
to shape samba and Brazilian music and that also created the main link between traditional samba and
pagode. This work was carried out based on bibliographic research, interviews with Rildo Hora and
through technical and musical analysis of the album.
Keywords: Samba. Beth Carvalho. Rildo Hora. Cacique de Ramos. Fundo de Quintal.
Lista de figuras
1. INTRODUÇÃO 11
2. DESENVOLVIMENTO
14
2.3.3 Tantã 22
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 28
REFERÊNCIAS 30
1 INTRODUÇÃO
Não pretendo com esse trabalho investigar a história do samba já que muitos outros
pesquisadores já o fizeram com muito afinco e de forma detalhada, (NETO, 2017), (LOPES,
SIMAS, 2015) porém é imprescindível estreitar e apresentar as relações históricas para que
possamos compreender suas raízes e suas relações sociais.
O samba, em mais de um século de existência, tem se difundido em diversas vertentes
e linhagens, e se distribuiu por todo território nacional, convive com o preconceito, driblou as
diferenças, entrou no rádio, ganhou o mundo, virou sinônimo de festa. Poderíamos esmiuçar
cada uma das vertentes e linhagens, porém vamos nos concentrar na linhagem que
acreditamos que irá desembocar no disco de 1978 Pé no Chão, da cantora, instrumentista e
compositora carioca Beth Carvalho.
Possivelmente a palavra samba vem de origem africana, coroando com isso sua
origem afrodescendente. O termo “Samba” é uma corruptela de “Semba” (umbigada), palavra
de origem provável do Congo ou Angola, de onde vieram a maior parte dos escravos para o
Brasil. Uma das grafias mais antigas do termo “Samba” foi publicada por Frei Miguel do
Sacramento Lopes Gama, em fevereiro de 1838 na revista pernambucana “Carapuceiro”, não
se referindo ao gênero musical, mas sim a um tipo de folguedo popular de negros da época.
O samba tem o berço de sua origem no final do século XIX. Com o fim da
escravização no Brasil, ex-escravos, alforriados e livres, se instalaram na região urbana do
Rio de Janeiro. Essas pessoas geralmente vinham da Bahia, como é o caso das Tias Baianas.
Dentre elas havia a que se tornaria a mais ilustre de todas, a Tia Assiata ou Tia Ciata, mãe de
terreiro, iniciada no candomblé e natural de Santo Amaro da Purificação, Bahia. (LIRA, 2017,
p. 41).
A Casa da tia Ciata era um espaço comunitário, o ponto de encontro para festas e
festejos, e também ponto de encontro de outras tias baianas, entre elas Tia Perciliana, Tia
Graciliana e Tia Amélia, respectivamente, mães de João da Baiana, Sinhô e Donga. (LIRA,
2017, p. 42).
12
Esse último, Donga, ficou conhecido por ter registrado o primeiro samba, que se
chamava Pelo Telefone, em 1916. É interessante pontuar que esta canção nasceu de forma
coletiva nas festas na casa de Tia Ciata.
da zona sul do Rio de Janeiro onde aconteciam encontros em casas e apartamentos, saraus do
qual a cantora Beth Carvalho também participava no início de sua carreira.
14
2. DESENVOLVIMENTO
Elizabeth Santos Leal de Carvalho (Rio de Janeiro, RJ, 1946 – Rio de Janeiro, RJ,
2019). Cantora, compositora e instrumentista. Foi considerada a madrinha do samba por dar
visibilidade a importantes compositores de gerações anteriores e fomentar novos talentos que
se tornaram nomes importantes do gênero ao longo dos anos 1980. (ITAÚ, 2019)
Beth Carvalho nasceu no bairro da Gamboa, foi criada no Catete, Laranjeiras, Urca,
Ipanema, Leblon e Botafogo, bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro. Aos 7 anos já participava
de programa de calouros, como o Trem da Alegria, da Rádio Mayrink Veiga e foi nessa idade
que estudou iniciação musical e teoria na Escola Nacional de Música Brasileira (ENMUB).
No início da década de 1960 participou de shows de bossa nova em colégios,
faculdades e festivais de música. Sua primeira gravação foi em 1965, um compacto simples
para a RCA Victor com a canção Por Quem Morrer de Amor (Roberto Menescal e Roberto
Boscoli).
Nos dois anos seguintes cantou nos espetáculos Música Nossa com Egberto Gismonti
e Tibério Gaspar, e A Hora e a Vez do Samba, com Zé Ketti e os Cinco Crioulos (Mauro
Duarte, Anescar do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Nelson Sargento).
Também fez parte do Conjunto 3D que era formado por Antonio Adolfo (piano), Chico Batera
(Bateria), Luiz (Baixo) e Eduardo Conde com quem dividia os vocais, e este grupo gravou
pela Copacabana Discos o LP Muita Onda.
15
Figura 2 - (Os afilhados: Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Sombrinha e
Beth Carvalho no centro)
Em 1976, já produzida por Rildo Hora, lança o álbum Mundo Melhor pela RCA, que
continha a canção As Rosas Não Falam, composição inédita de Cartola que foi incluída na
novela Duas Vidas da Rede Globo.
Beth Carvalho obteve grande sucesso durante a década de 1970, formando o que os
críticos chamavam de ABC do samba, juntamente com Alcione e Clara Nunes pelo tamanho
sucesso das três cantoras. (ALBIN, 2021). Em 1977 a cantora lançou o álbum Nos Botequins
da Vida pela RCA.
Em 1978, Beth Carvalho grava o disco Pé no Chão, novamente produzido por Rildo
Hora, que já acompanhava a cantora desde 1976 com sua vinda para RCA. A formação
musical contava com Mané do Cavaco, Chiquinho do Acordeon, Luizão Maia no contrabaixo
elétrico, Wilson das Neves e Papão na bateria, nos tamborins, Luna e Elizeu, parceiros de
Marçal, que não gravou esse disco por motivos desconhecidos, somando-se a essa batucada os
estreantes e inovadores Ubirany no repique de mão, Mauro Braga (irmão de Sereno, o
redescobridor do tantã) no tantã, Bira Presidente no pandeiro de nylon e Almir Guineto no
banjo com afinação de cavaquinho, sendo os quatro últimos oriundos das rodas de samba no
Cacique de Ramos. Com isso, o disco alcançou uma nova e autêntica sonoridade,
principalmente com a faixa Vou festejar dos também Caciqueanos Jorge Aragão, Dida e
Neoci.
Depois do disco de 1978, a cantora fica cada vez mais “caciqueana”, continuando a
gravar cada vez mais em seus discos os compositores e músicos do Cacique, com aquela
sonoridade única do Grupo Fundo de Quintal.
Durante a segunda metade da década de 1990 o produtor Rildo Hora produz
esporadicamente os trabalhos de Beth Carvalho, coincidentemente um período em que a
cantora mirou seu foco em regravações de sua própria carreira. Durante a década de 1990 a
cantora, com seu tato único em descobrir talentos, revelou para o mundo mais um de seus
afilhados, o grupo Quinteto em Branco e Preto, oriundos do Samba da Vela e do Berço do
Samba de São Mateus, dois redutos de samba paulista que se organizaram aos moldes da
turma do Cacique de Ramos das décadas de 1970 e 1980.
Depois dessa breve lacuna, em 2009, Rildo produziu pontualmente Beth Carvalho, no
álbum Nosso Samba Tá Na Rua, trabalho que a premiou com o seu primeiro e único Grammy
Latino por melhor álbum de samba/pagode.
Beth Carvalho faleceu em 2019, tendo inúmeros sucessos gravados em diversos
álbuns, DVDs, singles e EPs.
18
Ramos, zona da Leopoldina, Rio de Janeiro, tendo como padroeiro São Sebastião. Foi
fundado em 20 de janeiro de 1961 por três famílias: família Péricles do Nascimento; família
Oliveira e família Aymoré. Em sua fundação, o bloco chamava-se Homens das Cavernas, mas
logo depois o nome foi alterado para Cacique de Ramos. (ALBIN, 2006).
anos para assistir aos ensaios do bloco. Outra característica do grupo que frequentava as rodas
de samba da Tamarineira, foi a criação de novos instrumentos, entre eles o “Tantan”, adaptado
por Sereno; o “banjo com braço de cavaquinho”, criado por Almir Guineto e o “repique de
mão”, criado por Ubirany. (SILVA, 2012, p. 9)
No fim da década de 1970, Beth Carvalho, levada por Alcyr Portela, então presidente
do Vasco, passou a frequentar o Pagode da Tamarineira. Logo se interessou em gravar alguns
compositores que frequentavam a roda de samba nas quartas-feiras. A cantora virou madrinha
do bloco e do grupo Fundo de Quintal, composto por alguns desses compositores. Em sua
primeira formação, o grupo era composto por Jorge Aragão, Almir Guineto, Sereno, Neoci
Dias, Bira Presidente, Ubirany e Sombrinha.
Foi neste contexto que surgiu os discos de Beth Carvalho: Pé no chão e É no Pagode,
dois álbuns precursores desse novo movimento, e esses novos instrumentos sem dúvida foram
um marco para a criação de uma nova sonoridade do samba carioca. Sonoridade que foi
abraçada pela Beth Carvalho a partir do disco Pé no Chão e que seguiu durante anos,
inclusive influenciando novos artistas no universo do samba como Zeca Pagodinho, Deni de
Lima, Luiz Carlos da Vila, Marquinhos Sathan, Mauro Diniz, Serginho Meriti, Jovelina
Pérola Negra, a dupla Arlindo Cruz e Sombrinha, Dudu Nobre, entre outros.
Instrumento de cordas pinçadas por uma palheta de fibra de plástico, de braço curto e
caixa de ressonância em feitio de tambor, cujo tampo superior é uma membrana esticada. O
nome é uma modificação, no falar dos escravos negros dos Estados Unidos da América do
Norte, do espanhol “bandurria” ou do português “bandurra”. O instrumento parece ser uma
adaptação do cavaquinho português introduzido na África pelos escravos da Costa de Malabra
da Índia, durante muito tempo sob domínio de Portugal. (ALBIN, 2021)
O banjo brasileiro foi adaptado no samba por Almir Guineto. Cantor, compositor e
instrumentista, filho do violonista Iracy Serra e Dona Fia, irmão de Mestre Louro, diretor de
bateria do Salgueiro e de Chiquinho, um dos fundadores do Conjunto Originais do Samba,
juntamente com Mussum, que teria instigado Almir a adaptar o corpo do instrumento ao braço
do cavaquinho, com a afinação Ré, Si, Sol, Ré.
Almir percebe que em relação ao cavaquinho o banjo ganha amplitude sonora, através
de seu corpo percussivo, e com isso o instrumento ganhou espaço nas rodas de samba,
principalmente nas totalmente acústicas, onde não se utilizam equipamentos eletrônicos para
amplificar o som.
O sambista, pesquisador, compositor, cantor e advogado Ney Lopes definiu certa vez
sobre o banjo de Almir Guineto:
21
O banjo ficou popular nas rodas de samba de todo Brasil após o álbum Pé no Chão em
1978 e com o estreia do trabalho fonográfico do Fundo de Quintal em 1980, com o disco
Samba é no Fundo de Quintal, em que Almir Guineto foi integrante e tocava o banjo,
conjunto que tinha como madrinha a cantora Beth Carvalho.
Depois do segundo álbum em 1981, o disco Samba é no Fundo de Quintal vol. II,
Almir deixou o grupo para fazer carreira solo, sendo substituído por Arlindo Cruz, cantor,
compositor e instrumentista que assumiu o banjo como seu instrumento, se tornando a
principal referência, com diversas gravações de estúdio para muitos artistas do gênero ao
longo de mais de 35 anos. Arlindo parou de tocar em 2017 pois foi acometido por um AVC,
que o deixou com sequelas.
22
2.3.3 Tantã
Figura 8 - Tantã
Fonte:
Elaborada pelo autor do trabalho.
24
Rildo Alexandre Barretto da Hora nasceu no dia 20 de abril de 1939, Caruaru, PE, é
gaitista, cavaquinista, violonista, cantor, compositor, arranjador, maestro e produtor.
Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1945, começou tocar harmônica de boca aos 6 anos,
estudou harmonia, contraponto e composição na Escola de Música Pró-Arte com o maestro
Guerra Peixe, que escreveu especialmente para ele a Suíte Quatro Coisas. Rildo também teve
aulas de violão com Meira e com Oswaldo Soares.
Formou em 1958 o Trio Malabaristas de Gaita, juntamente com Luiz Guimarães e
Sérgio Leite. O trio apresentava-se no programa “Calouros do Ary”, na TV Rio. No ano
seguinte, em 1959, teve sua primeira música gravada: Brigamos com o amor, (c/ Gracindo
Júnior), por Carminha Mascarenhas e arranjo de Roberto Menescal.
Atuou como violonista e gaitista em gravações e shows com vários artistas, entre os
quais, Alaíde Costa, Dóris Monteiro, Tito Madi, Silvia Telles, Mário Reis, Ted Moreno,
Gilvan Chaves, Marisa Gata Mansa, Marília Batista e Elizeth Cardoso.
Em 1961 compôs Canção que nasceu do amor (c/ Clóvis Mello), gravada por Cauby
Peixoto e mais tarde regravada por Elizeth Cardoso, Altemar Dutra e outros artistas. Cauby
Peixoto também interpretou Menino triste (c/ Gracindo Júnior), gravada por Wilson Simonal.
Nessa época, trabalhou na noite carioca atuando como gaitista e violonista na boate
Cangaceiro, em Copacabana.
Durante as décadas de 70, 80, 90, 2000, 2010 teve canções de sua autoria gravadas por
Elis Regina, Elizeth Cardoso, Ataulfo Alves, Cauby Peixoto, Luiz Gonzaga, entre outros.
Rildo produziu diversos artistas e discos de sucesso, entre os quais podemos citar: Luiz
Gonzaga (Canto Jovem - 1971) João Bosco (João Bosco - 1973, Caça A Raposa - 1975,
Galos de Briga - 1976, Disco de Ouro: João Bosco e Aldir Blanc - 1977, Linha de Passe -
1979); Martinho da Vila (Memórias de um Sargento de Milícias - 1971, Batuque na Cozinha -
1972, Canta canta Minha Gente - 1974, Presente - 1977, Canto das Lavadeiras - 1989, Tá
25
Delícia Tá Gostoso - 1995); Beth Carvalho (Mundo Melhor - 1976, Nos Botequins da Vida -
1977, De Pé no Chão - 1978, No Pagode - 1979, entre outros); Fundo de Quintal (O Mapa da
Mina - 1986, O Show tem que Continuar - 1988, Batucada dos Nossos Tantãs - 1993, entre
outros); Zeca Pagodinho (Samba pras Moças - 1995, Zeca Pagodinho - 1998, Água da minha
Sede - 2000, Deixa a Vida me Levar - 2002, Acústico MTV: Zeca Pagodinho, entre outros);
Como produtor, Rildo Hora ganhou 7 Grammys Latino.
Artistas como Fagner, João Bosco, Luiz Gonzaga, Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Tim
Maia, Luiz Melodia, Sivuca, Wagner Tiso, Romero Lubambo, Marco Pereira, Hermeto
Pascoal, Paulo Moura, Mauro Senise, Nico Assunção e centenas de outros já trabalharam com
Rildo como arranjador, produtor ou instrumentista.
No ano de 2013 ele foi homenageado e virou tema do enredo do Grêmio Recreativo e
Escola de Samba Estácio de Sá no qual foi contada parte de sua história artística e pessoal.
(ALBIN, 2021).
Maestro Rildo Hora, cearense, criado desde os 6 anos no bairro de Madureira em
Oswaldo Cruz, zona norte do Rio de Janeiro, berço das escolas de samba Portela e Império
Serrano, foi testemunha ocular da velha guarda do samba que estavam no seu bairro como
Candeia, Waldir 59, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Monarco, Manaceia, Chico Santana,
Dona Ivone Lara, Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira, Aniceto do Império, entre outros
Bambas dessa geração da música popular brasileira. Estudou arranjo, orquestração e foi um
dos pupilos de Guerra peixe, estudou violão com Meira, tocou cavaquinho, gravou e produziu
grandes intérpretes de música brasileira, como Elis Regina, Mario Reis, Luiz Gonzaga,
Elizeth Cardoso, Miltinho entre outros. Experiência e conhecimento que se afunilam no disco
Pé no Chão de 1978 de Beth Carvalho com a turma do Cacique de Ramos.
Rildo Hora concedeu uma entrevista ao autor deste trabalho, contribuindo
grandemente com documentos que ficarão para a posteridade, por ter sido um dos pilares e
testemunha ocular da carreira da Beth Carvalho, do Cacique de Ramos, do Grupo Fundo de
Quintal, do álbum Pé no Chão e da história do samba entre os séculos XX e XXI.
A entrevista encontra-se no apêndice deste trabalho.
26
O álbum produzido por Rildo Hora com arranjos de Ivan Paulo, faz a junção entre a
Velha Guarda com a nova turma do Cacique de Ramos. Juntamente com a inovadora batucada
do repique de mão tocado por Ubirany, pandeiro de nylon (Bira Presidente), tantan (Mauro
Braga), banjo (Almir Guineto), e os compositores a “Caciqueanos” Jorge Aragão, Neoci e
Dida que assinam a canção de abertura do LP Vou Festejar, se misturam a compositores da
Velha Guarda, os aclamados portelenses, Monarco e Paulo da Portela em Linda Borboleta, e
novamente Monarco agora com Chico Santana em Lenço, Wilson Moreira em parceria com
Ney Lopes em Goiabada Cascão, Candeia com Martinho da Vila em Você, Eu e a Orgia e o
também portelense Chatim em Passarinho, também os célebres mangueirenses Nelson
Cavaquinho em parceria com Guilherme de Brito em Meu Caminho, Cartola em Que sejam
Bem Vindos, Nelson Sargento em Agoniza mas não Morre que fecha o disco. Compõem
também o repertório do disco os compositores Neném e Pintado com Visual, Rubens da
Mangueira com O Isaura e Beto Sem Braço, Dão e João Quadrado em Marcando Bobeira.
Músicos participantes:
Bateria: Wilson das Neves/ Papão
Contrabaixo: Luizão Maia
Repique: Ubirany
Pandeiro: Bira Presidente/ Milton Manhães
Tantan: Mauro Braga
Cavaco: Mané do Cavaco/ Rodrigo/ Neco
Violão 6: Mão de Vaca/ Jorge Aragão
Violão 7: Dino 7 Cordas
Acordeon: Chiquinho do Acordeon
Coro: Zezé, Marly, Gilçara, Sheila, Oneida, Zélia, Marlene Fátima, Dona Eunice,
Doca da Portela, Naná, Genaro, Barbosa, Cosme, Arlindo Cruz, Neoci, Ubirany, Jorge
Aragão, Nandinha da Ilha e Joab (chefe).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O disco Pé no Chão lançado em 1978 pela cantora Beth Carvalho, sem dúvida
mostrou-se um marco e um ponto de convergência, e, a partir do que foi exposto no trabalho,
pode-se concluir que foi sim, um divisor de águas dentro da história do samba carioca e,
consequentemente, do samba brasileiro. Pois nesse contexto onde o samba era realizado de
maneira espontânea e quase orgânica, podemos dizer que a junção do Cacique de Ramos,
Fundo de Quintal, Beth Carvalho, Rildo Hora e a Velha Guarda, somando-se aos fatores
musicais e sociais em questão, afunilaram-se num álbum, dando frutos para um movimento
que ainda ecoa nos meios de comunicação, nos fundos de quintais, nas periferias, e no
cotidiano das pessoas.
Viva a batucada, viva o samba e viva nossos tantãs!
30
REFERÊNCIAS
NETO , Lira. Uma História do Samba: as origens. 1ª ed. São Paulo: Companhia da
Letras, 2017.
AGUIAR, Ronaldo Conde. Os Reis da Voz. 1ª ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2013.
LOPES, Ney; SIMAS, Luiz Antônio. Dicionário Social do Samba. 7ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.
Programa Som do Vinil, Charles Gavin, Canal Brasil, Youtube, 2012. Disponível em:
https://youtu.be/qKErh77B6dA.
Enciclopédia Itaú Cultural. Beth Carvalho Enciclopédia Itau Cultural , 2020. Disponível
em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12466/beth-carvalho. Acesso em:
18/12/2021.
KFOURI, Maria L. Discos do Brasil: uma discografia brasileira, 1999. Disponível em:
https://discosdobrasil.com.br/. Acesso em 15/12/21.
31
NEVES, Wilson das; PINHEIRO, Paulo César. O SOM Sagrado de Wilson das Neves.
Rio de Janeiro, 1996. Gravadora CID.
32
APÊNDICE
Apresentamos a seguir uma entrevista com o maestro Rildo Hora falando sobre
o disco Pé no Chão de Beth Carvalho. Esta entrevista foi concedida ao autor deste
trabalho no dia 02 de janeiro de 2021 às 18h30 via aplicativo de mensagem e que se
encontra no arquivo pessoal do autor.
Com cada artista eu usei um tipo de critério. Com o Martinho da Vila tem que
ouvir as músicas que ele tem, mas também priorizando os mestres, aí entrava Donga,
João da Baiana, Monarco…por exemplo a primeira gravação importante do Monarco
foi Tudo Menos Amor, que ele compôs junto com Walter Rosa e o Martinho da Vila
lançou no álbum Origens, em 73. Aí íamos sondando os compositores favoritos dele,
como é o caso de Silas de Oliveira, que o Martinho resolveu gravar o Aquarela
Brasileira, que foi sucesso no país inteiro.
Com a Beth (Carvalho) era maravilhoso porque nós escolhemos juntos, tudo,
tudo, tudo…
Ela escolhia muitas canções, eu recebia muitas fitas, na base de cem músicas, e
eu escolhia três pra levar pra ela, e às vezes ela recusava as três. Quando a gente fazia o
disco da Beth, nós ouvíamos muito mais que mil músicas. Acho que eu nunca reprovei
o que ela queria gravar, ela trazia músicas do Cartola, Nelson Cavaquinho, Monarco.
Produzir é escolher tudo de comum acordo com o artista, desde os músicos ao
arregimentador. Eu nunca segui o critério de gravar com a banda do artista (os músicos
que acompanham o artista no show). Eu sempre gravei com os melhores músicos: O
violão de 7 cordas era o Dino (Dino 7 cordas), o baixista era o Luizão Maia, Surdo, o
Gordinho, Bateria tinha o Wilson das Neves e o Papão, lá trás era assim, depois o Jorge
Gomes (bateria).
É função do produtor fazer a intermediação com o artista gráfico, o meu
preferido sempre foi o Elifas Andreato que é um dos melhores do Brasil, que fez quase
tudo do Martinho, Zeca Pagodinho, também Elis Regina, entre outros…
Depois que entra no aquário do estúdio é preciso muita psicologia na hora de
gravar a voz do intérprete, até acontecer isso, já deve ter rolado um “caso de amor” com
o artista, para que ele permita eu me intrometer no que ele vai fazer, que é cantar. É
preciso ter muito diálogo, mesmo com os artistas de carreira como Martinho, Zeca, os
meninos do Fundo (de Quintal), Antônio Carlos e Jocafi que também produzi. Apesar
de que para alguns artistas o produtor não fala nada. Eu fui produzir o Emílio Santiago e
só fiquei sentado, curtindo a gravação, não falei nada!
Outra função muito importante do produtor é administrar o orçamento, isso
fazemos junto com o arregimentador, o bom produtor é aquele que não estoura a verba.
34
Juninho Freitas: Você já era produtor da Beth Carvalho antes de 78. Como
vocês descobriram esse novo som inovador?
Maestro Rildo Hora: Descobri o som inovador no Cacique de Ramos à convite
da Beth que já era frequentadora da roda de samba.
Cheguei e vi instrumentos que eu não conhecia, quando ouvi o repique do
Ubirany, somado ao tantã do Sereno, o banjo do Almir Guineto e principalmente na
maneira do Bira Presidente tocar o pandeiro, que é diferente de todos que existem,
acrescentando a tudo isso o tipo de música que se fazia lá, que era meio malandreado
meio romântica, sem dúvida a tamarineira influenciava os compositores que iam lá.
Tudo isso misturado, podemos diagnosticar o porquê desse som inovador.