A Criança e o Número – Constance Kamii
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A Criança e o Número – Costance Kamii – 1998
Constance Kamii é natural de Genebra, Suiça, filha de pais japoneses,
viveu no Japão até os 18 anos, transferindo-se depois para os Estados
Unidos, onde em 1955 bacharelou-se em Sociologia em Pomana
College.
Na Universidade de Michigan terminou o mestrado de Educação em
1957 e doutorou-se em Educação e Psicologia nessa mesma
universidade em 1965.
Aluna e colaboradora de Jean Piaget, fez diversos cursos de pós-
doutoramento nas universidades de Genebra e de Michigan, ligados à
Epistemologia Genética e a outras áreas educacionais relacionadas à
teoria piagetiana e de outros pesquisadores.
Autora de diversos trabalhos editados na Europa, Estados Unidos e
Japão, a autora esta atualmente desenvolvendo suas pesquisas na Escola de Educação da Universidade do
Alabama, EUA.
INTRODUÇÃO
As pesquisas de Piaget alteraram significativamente a prática de boa parte dos professores das séries
iniciais, entretanto, uma compreensão equivocada desse teórico levou a um grande número de aplicações
práticas inadequadas.
Em seu livro –“A criança e o número: Implicações Educacionais da Teoria de Piaget para a Atuação Junto a
Escolares de 4 a 6 anos” – Constance Kamii propõe-se a responder dúvidas referentes à aplicação da
pesquisa e da teoria de Piaget no ensino do número. Quatro tópicos organizam o enfoque proposto pela
autora:
1) A natureza do número.
2) Objetivos para “ensinar” número.
3) Princípios de ensino.
4) Situações escolares que o professor pode usar para “ensinar” número.
Numa breve revisão sobre a prova da conservação, a autora esclarece que as crianças de quatro anos
tendem a acreditar que uma determinada quantidade de objetos se altera em função da disposição destes
numa superfície.
Por exemplo, se uma professora coloca oito pedaços de isopor enfileirados e entrega outros oito pedaços
para a criança enfileirar, a tendência é que a criança os disponha de forma mais espaçada e que, por causa
desse espaçamento, acredite ter enfileirado mais pedaços de isopor que a professora.
Isso significa que a criança ainda não conserva quantidades, entretanto, não significa que a professora
deve “ensiná-la” a conservar fazendo, por exemplo, a correspondência um a um.
Igualdade Conservação
Nível I - -
Nível II + -
Nível III + +
Ordem hierárquica do desenvolvimento na conservação do número elementar
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1. A NATUREZA DO NÚMERO
Para Piaget, os conhecimentos diferenciam-se, considerando suas fontes básicas e o modo de
estruturação, em três tipos:
Conhecimento físico
Lógico-matemático
Social (convencional)
O conhecimento físico e o social são parcialmente externos ao indivíduo enquanto que a fonte do
conhecimento lógico-matemático é interna.
O conhecimento físico é o conhecimento dos objetos da realidade externa: são as propriedades físicas que
podem ser conhecidas pela observação.
Entretanto, a relação entre as propriedades físicas de dois objetos é construída a partir do conhecimento
lógico-matemático. É também o pensamento lógico-matemático que atua quando analisamos
numericamente os objetos, estabelecendo relações de igual, diferente, mais etc.
Assim “O número é uma relação criada mentalmente por cada indivíduo.”
Segundo Piaget, existem dois tipos de abstração: a empírica (ou simples) que consiste em focalizar uma
certa propriedade do objeto (por exemplo a cor) e ignorar as outras; e a abstração reflexiva que envolve a
construção de relações entre os objetos.
Por não ter existência na realidade externa, a abstração reflexiva é uma construção realizada pela mente. A
abstração reflexiva é usada para construir o conceito de número.
Entretanto, esses dois tipos de abstração são interdependentes: “a criança não poderia construir a relação
‘diferente’ se não pudesse observar propriedades de diferença entre os objetos”, por outro lado, para
perceber que um certo peixe é vermelho(abstração empírica), ela necessita possuir um esquema
classificatório para distinguir o vermelho de todas as outras cores.
Assim, número é, de acordo com Piaget, “uma síntese de dois tipos de relações que a criança elabora entre
os objetos (por abstração reflexiva). Uma é a ordem e a outro é a inclusão hierárquica.”
A construção do número: a síntese da ordem e da inclusão hierárquica
A ordem é importante para assegurar que não deixamos nenhum objeto sem contar, ou que não contamos
um mesmo objeto duas vezes.
A inclusão hierárquica diz respeito à capacidade de compreender que um está contido em dois, dois está
contido em três, e assim sucessivamente.
Se perguntarmos, por exemplo, a uma criança de quatro anos se existem mais animais ou vacas no mundo
elas terão dificuldades em responder por que o seu pensamento ainda não é flexível o suficiente para ser
reversível.
A reversibilidade diz respeito à habilidade de realizar mentalmente operações opostas.
No exemplo acima, a criança não consegue cortar o todo ‘animais’ em partes e as reunir mentalmente.
Assim sendo, a teoria de Piaget contradiz o pressuposto comum de que os conceitos numéricos podem ser
ensinados pela transmissão social.
As palavras um, dois, três… São exemplos de conhecimento social, contudo, os conceitos numéricos não
são adquiridos através da linguagem.
Por outro lado, número também não é alguma coisa conhecida inatamente, por intuição.
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Assim, a estrutura lógico-matemática do número é construída através da criação e coordenação de
relações e não pode ser ensinada diretamente porque a criança tem que construí-la por si mesma.
O conhecimento lógico-matemático e social (convencional)
A teoria de Piaget também é contrária ao pressuposto comum de que conceitos numéricos podem ser
ensinados pela transmissão social, como o conhecimento social (convencional), especialmente o ato de
ensinar as crianças a contar.
A característica principal do conhecimento social é a de que possui uma natureza amplamente arbitrária. O
fato que alguns povos celebram o natal, enquanto outros não o fazem, é um exemplo de arbitrariedade do
conhecimento social.
Assim como o conhecimento físico, o conhecimento social é um conhecimento de conteúdo e requer uma
estrutura lógico-matemática para sua assimilação e organização.
No conhecimento lógico-matemático, a base fundamental do conhecimento é a própria criança, e
absolutamente nada é arbitrário neste domínio.
2- OBJETIVOS PARA “ENSINAR” NÚMERO
Para que se possa extrair implicações pedagógicas dos temas tratados no 1º capítulo é preciso
compreender o contexto global da obra de Piaget. Sendo o conceito de número uma construção interna de
relações, é preciso estimular, nas crianças, a autonomia para estabelecer entre os objetos, fatos e
situações todos os tipos possíveis de relação. Aliás, para Piaget, o desenvolvimento da autonomia deve
estar no centro de qualquer proposta educativa.
Autonomia é o ato de ser governado por si próprio, o oposto de heteronomia que significa ser governado
por outra pessoa.
A autonomia como finalidade da educação requer que as crianças não sejam levadas a dizer coisas nas
quais não acreditam com sinceridade.
As escolas ensinam, tradicionalmente, a obediência e as respostas “corretas”. Assim sem perceber, elas
evitam o desenvolvimento da autonomia das crianças reforçando sua heteronomia. A heteronomia é
reforçada por recompensa ou sanção.
Gostaria de enfatizar, contudo, que a teoria de Piaget não implica somente a criação de outra maneira de
ensinar aritmética. Ela implica metas que são fundamentalmente diferentes. Existe uma enorme diferença
quando a aritmética, é ensinada num contexto onde se tenta desenvolver a autonomia das crianças.
É muito importante destacar que a autonomia é indissociavelmente social, moral e intelectual. Assim, o
conceito de número não pode ser “ensinado” às crianças pela via da apresentação e repetição desse
conceito pelo professor.
É preciso que as crianças construam estruturas mentais para abarcar esse conceito e a melhor forma de
fazer isso é estimulando-as a colocar todas as coisas em todos os tipos de relações.
A inteligência se desenvolve pelo uso.
As pesquisas mostram que o meio ambiente pode agilizar ou retardar o desenvolvimento lógico-
matemático.
A representação dos conceitos de número
Em conclusão, o objetivo para “ensinar” o número é o da construção que a criança faz da estrutura mental
de número. Uma vez que esta não pode ser ensinada diretamente, o professor deve priorizar o ato de
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encorajar a criança a pensar ativa e autonomamente, a sua maneira, incluindo quantidades,
inevitavelmente constrói o número. A tarefa do professor é encorajar o pensamento espontâneo.
PRINCÍPIOS DE ENSINO
1. A criação de todos os tipos de relações.
O educador deve encorajar a criança a estar alerta e colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em
todas as espécies de relações possíveis.
O exemplo a seguir mostra a construção simultânea de muitas espécies de relações na vida real. Quando
visitei uma sala de pré-primário na hora do almoço, um menino de seis anos subitamente virou-se em sua
cadeira e acidentalmente derrubou com seu cotovelo um prato cheio de salada no chão. Perguntei-lhe se
queria que eu o ajudasse. Respondeu-me resolutamente: “Não”. Levantou-se para procurar alguma coisa e
voltou com um enorme esfregão. Quando ele ia começar a esfregar, eu lhe disse que não parecia uma boa
ideia porque o molho da salada sujaria o esfregão e o inutilizaria. Disse-lhe ainda que toalhas de papel ou
guardanapos poderiam servir melhor e ofereci-me para ajudá-lo. Ele disse: “Não, quero fazer sozinho”.
Pegou uma generosa quantidade de guardanapos de papel e cuidadosamente limpou a sujeira fazendo
uma bola após a outra em cada guardanapo. Enfileirou-as sobre a mesa à medida em que as fazia, foi
buscar a cesta de lixo, meticulosamente, jogou-as aí, contando-as.
Muitas espécies de relações estiveram envolvidas nesta situação e muita aprendizagem aconteceu. As
relações interpessoais e o julgamento moral estiveram, obviamente, presentes e fiquei profundamente
impressionada com a autonomia deste menino de seis anos. Portanto, a criança que pensa ativamente na
vida diária pensa sobre muitas coisas simultaneamente. Observe que a criança desenvolveu todos os tipos
de pensamento por si mesma. As relações são criadas pelas crianças a partir de seu interior e não lhes são
ensinadas por outrem. No entanto, o professor tem um papel crucial na criação de um ambiente material e
social que encoraje a autonomia e o pensamento.
O julgamento moral e o pensamento lógico desenvolvem-se juntamente quando as crianças são
encorajadas a discutir a desejabilidade ou justificabilidade de uma decisão.
Uma criança educada numa família autoritária tem muito menos oportunidades de desenvolver sua
habilidade de raciocinar logicamente.
As crianças que são encorajadas a tomar decisões são encorajadas a pensar.
Os “conceitos matemáticos” tradicionais como primeiro-segundo, antes-depois, e a correspondência um-a-
um são partes das relações que as crianças criam na vida cotidiana quando são encorajadas a pensar.
2. A quantificação de objetos:
a. O educador deve encorajar as crianças a pensarem sobre número e quantidades de objetos em situações
que sejam significativas para elas, ou seja, as crianças devem pensar sobre quantidade sempre que
sentirem necessidade e interesse. Lições artificiais não são indicadas.
b. O educador deve encorajar a criança a quantificar objetos logicamente e a comparar conjuntos (em vez de
encorajá-las a contar).
O educador pode, por exemplo, pedir a uma criança que apanhe guardanapos ou copos suficientes para
todas as crianças de uma mesa, em vez de dizer-lhe para apanhar uma quantidade definida de objetos.
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c. O educador deve encorajar a criança a fazer conjuntos com objetos móveis. Folhas de exercícios com
desenhos não são apropriadas para ensinar o número elementar, pois pode conduzir à resposta certa pela
maneira errada. O ideal é que a criança trabalhe com objetos móveis.
Pode-se pedir que a criança faça um conjunto, comparando-o com o que já está feito.
O valor de encorajar as crianças a fazerem conjuntos implica saber que alguns materiais usados
normalmente não são apropriados para ensinar o número elementar.
As crianças não aprendem conceitos numéricos com desenhos. Tampouco aprendem conceitos numéricos
meramente pela manipulação de objetos (material manipulável). Eles constroem esses conceitos pela
abstração reflexiva à medida em que atuam sobre os objetos.
3. Interação social com os colegas e os professores.
a. O educador deve encorajar a criança a trocar ideias com seus colegas. Através da troca de ideias e do
questionamento entre colegas, as crianças podem chegar à resposta certa sem a correção feita pelo
professor.
A fonte de retroalimentação no conhecimento lógico-matemático é a coerência interna do sistema lógico
construído pela criança, porém a confrontação social entre colegas é indispensável para o
desenvolvimento do conhecimento lógico-matemático.
b. O educador deve imaginar como é que a criança está pensando e intervir de acordo com o que parece
estar sucedendo em sua cabeça. Mais do que corrigir a resposta dada pela criança, o professor deve tentar
reconstituir o seu raciocínio para entender a base do “erro”. Por exemplo, se uma criança está
distribuindo xícaras e falta uma, pode ser que ela tenha esquecido de contar a si própria. Nesse caso, o
professor pode perguntar casualmente: “você contou a si mesmo?”
Estudo realizado por Piaget e Szeminska (1941, capítulo 8) de como as crianças dividem 18 fichas entre
duas pessoas.
Eles descobriram três maneiras de conseguir a resposta certa, sendo que só a última está baseada no
raciocínio lógico. As três abordagens são as seguintes:
1. Uma abordagem intuitiva (global) – A criança divide as fichas de uma maneira descuidada, global, e pode
dar nove a cada pessoa por acaso.
2. Uma abordagem espacial – A criança coloca as fichas espacialmente numa correspondência um-a-um.
Então depois de dividir as fichas, ela pode terminar dizendo que há mais em um dos conjuntos se um dos
arranjos for modificado (conservação)
3. Uma abordagem lógica – A criança dá uma ficha a cada pessoa alternadamente até que as 18 se esgotem.
SITUAÇÕES ESCOLARES QUE O PROFESSOR PODE USAR PARA “ENSINAR” NÚMERO
A autora apresenta, neste capítulo, exemplos de atividades que focalizam a quantificação.
VIDA DIÁRIA
Durante a sua rotina cotidiana, a professora pode transferir algumas responsabilidades para as crianças,
por exemplo:
I. A distribuição de materiais. Pedir às crianças que tragam o número suficiente de xícaras para todos à
mesa.
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II. A divisão de objetos Na hora do lanche, a professora pode dar uma certa quantidade de bolachinhas a
uma criança e pedir que ela as distribua entre os colegas, encorajando o grupo a trocar ideias sobre a
execução da tarefa.
III. A coleta de coisas: a coleta de bilhetes de permissão assinados pelos pais é uma oportunidade natural
de ensinar a composição aditiva do número. A professora poderá propor as seguintes questões: “quantas
crianças trouxeram seus bilhetes hoje?” “quantas trouxeram ontem?” etc.
IV. Manutenção de quadros de registros - a professora pode providenciar um quadro para registrar o
número de alunos presentes e ausentes.
V. Arrumação da sala - a professora pode sugerir que cada criança guarde 3 coisas, se houver um momento
para limpeza e arrumação da sala.
VI. Votação - essa prática é importante para ensinar a comparação de quantidades, além de favorecer a
autonomia, uma vez que atribui poder de decisão às próprias crianças.
JOGOS EM GRUPO
1. Jogos com alvos Bolinhas de gude e boliche são bons para a contagem de objetos e a comparação
de quantidades.
2. Jogos de esconder - o jogo de esconder laranjas é excelente para trabalhar a divisão de conjunto,
adição e subtração. Funciona da seguinte forma: A professora esconde cinco laranjas em lugares diferentes
e as crianças vão procurá-las. Durante a brincadeira, quando as crianças já tiverem encontrado algumas
laranjas, a professora pode perguntar quantas ainda faltam para serem encontradas
3. Corridas e brincadeiras de pegar - a dança das cadeiras é uma excelente oportunidade para as
crianças compararem quantidade. A preparação do jogo é a parte mais importante. A professora deve
deixar que as próprias crianças arrumem as cadeiras e decidam como querem jogar – com o mesmo
número de cadeiras e de crianças, ou com uma cadeira a menos.
4. Jogo de adivinhação - uma criança pega uma carta (entre 10 cartas numeradas) e as outras tentam
adivinhar qual foi o número retirado. A criança que tem a carta nas mãos responde a cada tentativa
dizendo: “não, é mais” “não, é menos” “sim”.
5. Jogos de tabuleiros - uma série de jogos de tabuleiros, daqueles em que se joga um dado e se
avança o número de casas sorteados, como o “Lero-Lero! Cereja – pode ser utilizado para construir o
conceito de número.
6. Jogos de Baralho - jogos de baralho como “Memória” “Batalha” e “Cincos” são excelentes para o
desenvolvimento do pensamento lógico e numérico.
APÊNDICE
A autonomia como finalidade da Educação: implicações da Teoria de Piaget.
Neste apêndice, a autora faz uma revisão do livro: “O julgamento Moral da Criança” de Piaget, publicado
em 1932.
Começa estabelecendo a diferença entre autonomia que significa ser governado por si mesmo e
heteronomia que é ser governado por outra pessoa.
Cita um exemplo extremo da moralidade da autonomia: Elliott Richardson, personagem de Watergate, que
foi a única pessoa do gabinete do Presidente Nixon que se recusou a mentir, a pedido do seu superior,
pedindo demissão.
A AUTONOMIA MORAL
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Todos os seres humanos nascem heterônimos e vão se tornando, progressivamente, mais autônomos.
Entretanto, boa parte das pessoas não desenvolve a autonomia de forma ideal.
A questão é que grande parte dos adultos reforçam a heteronomia natural das crianças através de
recompensas e castigos, quando deveriam estimular o desenvolvimento da autonomia trocando pontos de
vistas com os pequenos.
Segundo Kamii, a punição acarreta três tipos de consequências:
1) Cálculo de riscos → a criança repetirá o mesmo ato que ocasionou a punição, só que dessa vez
tomará cuidado para não ser descoberta. Ou pode decidir que, mesmo sendo descoberta, o prazer de
cometer o ato infracionário compensa a punição.
2) Conformidade cega → as crianças decidem que é melhor obedecer os adultos sempre para garantir a
sua segurança e respeitabilidade.
3) Revolta → Algumas crianças, que antes se comportavam bem, decidem parar de obedecer e começar
a viver por si próprias. Contudo, existe uma grande diferença entre autonomia e revolta.
O não-conformismo ou a revolta não tornam, necessariamente, a pessoa mais autônoma.
As recompensas também reforçam a heteronomia. Para que as crianças desenvolvam a autonomia moral,
os adultos devem incentivá-las a construir por si próprias, os seus valores morais. Entretanto, é preciso ser
realista, não há como evitar totalmente as punições. É possível, porém trocar as punições pelo que Piaget
chamou de sanções por reciprocidade.
As sanções por reciprocidade são aquelas que estão diretamente relacionadas com o ato infracional. Kamii
aborda quatro exemplos de sanção por reciprocidade:
1) Exclusão temporária ou permanente do grupo. → Quando uma criança perturba a leitura de uma história,
por exemplo, a professora pode dizer. – “Você pode ficar aqui sem nos aborrecer, ou terei que lhe pedir
que vá para o canto dos livros ler sozinha.” Sempre que possível, deve-se dar à criança a possibilidade de
decidir quando ela poderá comportar-se bem o bastante bem para voltar ao grupo.
2) Apelar para a consequência direta e material do ato. → A criança que conta uma mentira pode
ser confrontada com o fato de que as pessoas podem não acreditar mais nelas.
3) Privar a criança de uma coisa que ela usou mal. → A criança que usa mal um brinquedo pode ser
impedida de usá-lo até que aprenda a utilizá-lo corretamente.
4) Reparação → A criança que estraga um trabalho de um colega pode ser convidada a ajudar a
consertá-lo.
Contudo, para que essas sanções por reciprocidade não se transformem em punição, é preciso que haja
uma relação de afeto e respeito mútuo entre a criança e o adulto. Para finalizar, a autora destaca que os
valores morais não são internalizados ou absorvidos de fora para dentro, mas construídos interiormente,
através da interação da criança com o meio.
A AUTONOMIA INTELECTUAL
Uma pessoa intelectualmente autônoma necessita estar realmente convencida do seu erro para aceitar a
correção de outras pessoas, enquanto as heterônomas acreditam em tudo o que lhe dizem, sem
questionar.
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A criança não adquire conhecimentos internalizando-os diretamente do seu meio ambiente. Em vez disso,
as crianças constroem o conhecimento criando e coordenando relações entre objetos, fatos, etc.
Se o professor simplesmente marca como erro uma resposta do tipo “4 + 2 = 5”, sem tentar reconstituir o
raciocínio da criança e convencê-la do seu erro, a tendência é que essa criança acredite que a verdade
advém somente da cabeça do professor. “Quando uma criança diz que 4 + 2 = 5, a melhor forma de reagir,
ao invés de corrigi-la é perguntar-lhe – ‘Como foi que você conseguiu 5?’
As crianças corrigem-se frequentemente de modo autônomo, à medida que tentam explicar seu raciocínio
a uma outra pessoa. Pois a criança que tenta explicar seu raciocínio tem que descentrar para apresentar a
seu interlocutor um argumento que tenha sentido. “Assim, ao tentar coordenar seu ponto de vista com o
do outro, frequentemente ela se dá conta do seu próprio erro.”
Desse modo, ao transferir o foco do pensamento pedagógico daquilo que os professores ensinam para
como as crianças aprendem, Piaget sugere uma revolução Copernicana na educação. Os docentes precisam
rever os seus objetivos colocando a construção da autonomia como finalidade maior da educação.
1. B
2. E
3. A
4. D
5. D
6. B
7. C
8. D
9. A