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Pandemia e Erosão Da Democracia Constitucional - Uma Análise Dos Ataques À Transparência No Brasil

O documento analisa como a pandemia de Covid-19 exacerbou os ataques à transparência no Brasil, contribuindo para a erosão da democracia constitucional. A pesquisa destaca que a gestão do governo federal, marcada por abusos de poder e falta de transparência, intensificou a inércia do Executivo, dificultando a resposta a problemas públicos. Conclui-se que, apesar de algumas reações institucionais, a erosão democrática se perpetua de maneira gradual e sob a aparência de legalidade.
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Pandemia e Erosão Da Democracia Constitucional - Uma Análise Dos Ataques À Transparência No Brasil

O documento analisa como a pandemia de Covid-19 exacerbou os ataques à transparência no Brasil, contribuindo para a erosão da democracia constitucional. A pesquisa destaca que a gestão do governo federal, marcada por abusos de poder e falta de transparência, intensificou a inércia do Executivo, dificultando a resposta a problemas públicos. Conclui-se que, apesar de algumas reações institucionais, a erosão democrática se perpetua de maneira gradual e sob a aparência de legalidade.
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Assunto Especial

Dossiê Especial Covid-19 – Volume II

Pandemia e Erosão da Democracia Constitucional: uma Análise dos


Ataques à Transparência no Brasil
Pandemic and Constitutional Democracy Erosion: an Analysis of the Attacks
to Transparency in Brazil

MARIANA TORMIN TANOS LOPES1


Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

EMILIO PELUSO NEDER MEYER2


Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

EMANUEL ANDRADE LINHARES3


Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

RESUMO: A pandemia de Covid-19 suscita debates sobre o abuso de poderes emergenciais para a
subversão da democracia, especialmente em locais como o Brasil, onde há histórico de desmonte
da ordem constitucional pelo alargamento autocrático do Executivo. Este trabalho levanta a hipótese
de que os ataques à transparência pelo Governo Federal durante a crise sanitária aprofundam o
processo de erosão democrática em curso no País. Cumulados com abuso de poder, facilitam a
inércia, aspecto que será explorado sob as lentes do executive underreach, termo cunhado por Pozen
e Scheppelle para compreender a omissão dolosa do Executivo na solução de problemas públicos.
A metodologia mescla análise normativa da transparência, sua intersecção com o direito à saúde e
pesquisa bibliográfica sobre erosão das democracias constitucionais. Também propõe uma análise
institucional crítica das políticas públicas adotadas durante a pandemia. Conclui que os freios ins‑
titucionais, apesar de relevantes, não foram suficientes para conter a intensificação da erosão no
decorrer da crise sanitária.

PALAVRAS-CHAVE: Transparência; pandemia; erosão democrática; executive underreach.

1 Orcid: <https://orcid.org/0000-0001-8409-2827>.
2 Orcid: <https://orcid.org/0000-0002-7500-0705>.
3 Orcid: <https://orcid.org/0000-0002-8359-3889>.

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ABSTRACT: The Covid-19 pandemic sparked debates about the abuse of emergency powers to sub‑
vert democracy, especially in places such as Brazil, where there’s already a history of dismantling
the constitutional order by the autocratic enlargement of the executive. The present work raises the
hypothesis that the attacks on transparency by the federal government during the helth crisis deepen
the process of democratic erosion underway in the country. Cumulated with abuse of power, they
facilitate inertia, which is an aspect that will be explored under the lens of executive underreach, a
term coined by Pozen and Scheppele to understand the willful omission of the executive in solving
public problems. The methodology mixes normative analysis of transparency, its intersection with the
right to health and bibliographic research on the erosion of constitutional democracy. It also proposes
a critical institutional analysis of public policies during the pandemic. It concludes that there are
important institutional obstacles to the anti-democratic attacks, but they were not enough to prevent
the erosion from intensifying during the health crisis.

KEYWORDS: Transparency; pandemic; democratic erosion; executive underreach.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Transparência e pandemia; 2 Erosão democrática no Brasil; 3 Pandemia,


transparência e erosão democrática; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO
As respostas estatais à pandemia da Covid-19 suscitam debates acer-
ca da governança constitucional em tempos de crises, notadamente quanto
aos papéis que devem desempenhar os diferentes ramos governamentais e
as perspectivas empírico-normativas de interação entre eles, seja por meio
de cooperação ou por acionamento de mecanismos recíprocos de freios e
contrapesos.
Situações emergenciais de calamidade pública podem depositar no
Executivo expectativas de protagonismo na busca por soluções rápidas e
eficazes para amenizar danos e riscos à população afetada. Por vezes, tais
contextos são caracterizados pela delegação massiva de poder àquele ramo
do Estado que, por excelência, é detentor do maior número de informações
e órgãos técnicos com capacidade de atuação nas múltiplas demandas que
se apresentam. Assim, o recurso a poderes ilimitados sob o pretexto de solu-
cionar a crise sanitária preocupa estudiosos e entidades ligadas à proteção
de direitos humanos4.

4 Anistia Internacional, Humans Rights Watch e Comissão Interamericana de Direitos Humanos encontram-
-se entre os que já expressaram preocupação e lançaram diretrizes sobre o tema: cf. Anistia Internacional
(2020); Human Rights Watch (2020); Terra de Direitos (2020). No âmbito das iniciativas acadêmicas,
destaca-se o Simpósio Covid-19 and States of Emergency, organizado pela Professora Joelle Grogan junto aos
Verfassungsblog, que acompanha o uso de poderes emergenciais dentro de uma perspectiva comprometida
com direitos humanos, à democracia e ao Estado de Direito. Também no âmbito acadêmico, porém com
maior perspectiva de engajamento social, o Covid-DEM Infohub dedica toda uma sessão para respostas

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RDP Nº 96 – Nov-Dez/2020 – ASSUNTO ESPECIAL.................................................................................................................................. 95
O afrouxamento das amarras próprias das democracias constitucio-
nais é fonte perene de ameaças institucionais sistêmicas, porquanto acentua
tendências a abusos políticos, fragiliza o equilíbrio entre os poderes e é
capaz de comprometer direitos fundamentais. Para conter tais ameaças, e
independentemente de declaração de estado de emergência, o Poder Públi-
co sujeita-se a controle, transparência e diálogo.
O acesso a relatórios governamentais fidedignos – já relevante em
tempos de normalidade – é alçado ao status de medida sanitária durante a
pandemia, que impõe difusão ampla de informações de interesse público,
tanto quanto à atuação estatal no seu enfrentamento, quanto aos dados que
a subsidiam. A inobservância do dever de transparência impacta diretamen-
te na qualidade de vida dos cidadãos e da democracia em si: favorece a
concentração de poderes, diminui a confiança nas instituições, compromete
a destinação eficiente de recursos e a fiscalização dos governantes pela so-
ciedade civil e órgãos de controle5.
A administração do governo Bolsonaro é marcada, desde o início,
por acusações de manipulação e ocultação de dados. O pouco apreço à
transparência, informações corretas e adequadamente coletadas para a
formulação de políticas públicas e ao corolário de controle social de suas
implementações alertavam especialistas antes mesmo da pandemia (Lis,
2019; O Globo, 2020)6. Sua gestão da informação contribui para erodir7 a
democracia brasileira e situa o País no epicentro dos debates acadêmicos8
sobre uma terceira onda de reversão democrática, tomando por referência a
clássica distinção do início dos anos 1990 (Huntington, 1991). Essa erosão
lenta e gradual, mascarada de legalidade, atinge – em diferentes proporções

institucionais, estatísticas e trabalhos sobre a pandemia. Veja mais em: <https://verfassungsblog.de/category/


debates/covid-19-and-states>; <https://www.democratic-decay.org/covid-dem>; <https://www.idea.int/gsod-
indices/#/indices/world-map?covid19=1>; https://www.amnesty.org/en/get-involved/covid-19>. Acesso em:
20 jul. 2020.
5 A discussão sobre a responsabilidade do governo federal ante as mais diversas omissões no combate à
Covid-19 já foi alçada à categoria de eventual cometimento de crime contra a humanidade. Inclusive, já foram
protocoladas denúncias para que o Tribunal Penal Internacional de Haia apure eventuais crimes de extermínio
e genocídio (Chade, 2020).
6 Problemas semelhantes ocorreram em 2019 com relação aos dados coletados pelo Instituto Nacional de
Pesquisa Espacial (INPE) sobre o desmatamento da Amazônia e, do mesmo modo, quanto às estatísticas do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acerca do desemprego no Brasil.
7 Neste estudo, adota-se a distinção entre colapso e erosão democrática de Ginsburg e Huq (2018), sendo a
primeira para designar a derrocada rápida da democracia e a segunda, para processos graduais de decadência.
8 Nos últimos anos, foram publicadas obras em diferentes campos do conhecimento como Direito Público,
Filosofia e Ciência Política, todas voltadas à compreensão da erosão das democracias constitucionais. Para
compreender melhor esse universo de conceitos e perspectivas, cf. Daly (2019).

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e formas – tanto democracias jovens como consolidadas e, geralmente, é
conduzida por líderes eleitos.
A crise sanitária de Covid-19 aprofundou as investidas contra a trans-
parência. Em março de 2020, foi editada a Medida Provisória nº 928, que
alterou a Lei de Acesso à Informação – LAI. Entre os objetivos estava o de
suspender o prazo de resposta aos requerimentos formulados durante o pe-
ríodo de emergência. Os impactos foram sentidos: houve crescimento de
40% no indeferimento de pedidos afetos à área da saúde (Artigo 19, 2020).
No primeiro semestre deste ano, foi registrado o pior índice da história da
legislação: apenas 54% dos requerimentos formulados foram atendidos, pa-
tamar que nunca tinha sido inferior a 65% (Folha de São Paulo, 2020a).
O governo também colocou pareceres ministeriais sob sigilo e atra-
sou, deliberadamente, a divulgação das estatísticas sobre número de con-
taminados e mortos. Durante dias, o portal que compila essas informações
ficou fora do ar e, atualmente, a confiabilidade e os critérios metodológicos
de apuração desses dados são questionados (Lupion, 2020). Aparentemen-
te mais preocupado com os impactos econômicos e sua imagem pessoal,
Bolsonaro adota postura anticientífica, contraria orientações da Organiza-
ção Mundial da Saúde – OMS e do próprio Ministério da Saúde, desarticula
e ataca governadores, prefeitos e mídia. Além da militarização, aparelha-
mento e trocas no Ministério da Saúde9, o presidente endureceu o discurso
antidemocrático, participou de protestos contra o Congresso Nacional e o
Supremo Tribunal Federal (Tajra; Teixeira, 2020).
Apesar do histórico de alargamento autocrático das competências
do Executivo10, além das ameaças e consultas sobre estado de sítio (Uribe;
Chaib, 2020), a omissão e os ataques à transparência ganham destaque en-
tre as vertentes pelas quais dá continuidade a seu projeto de erosão da de-
mocracia constitucional brasileira durante a pandemia, em aproximação ao
que Pozen e Scheppele definem como executive underreach (2020, p. 2)11.

9 Desde o início da pandemia, a condução do Ministério da Saúde foi alterada três vezes. Até a submissão
deste trabalho, a pasta encontrava-se vaga desde maio, quando passou a ser comandada, interinamente, pelo
General Eduardo Pazuello.
10 Cf. Meyer e Oliveira (2019).
11 O termo executive underreach, utilizado por Pozen e Scheppele (2020), é de difícil tradução. Uma opção
pode ser “subalcance executivo”. Ainda assim, qualquer equivalente em português não daria conta das
nuances envolvidas em um processo intencional de omissão ante políticas públicas prementes. Dessa forma,
manteremos o termo no original.

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O trabalho parte da premissa de que há um processo de erosão da de-
mocracia constitucional brasileira em curso e assume a postura de “epide-
miologista da democracia” (Elkins, in Graber; Levinson; Tushnet, 2018). Le-
vanta a hipótese de que a diminuição da transparência – que também ocorre
por abuso de poder normativo – durante a crise sanitária de Covid-19 – fa-
cilita a inércia do executivo (executive underreach) e contribui para o apro-
fundamento da degradação. Metodologicamente, analisa os contornos nor-
mativos da transparência, sua interseção com o direito à saúde e os ataques
a essa garantia durante a pandemia, entre eles a edição da Medida Provisó-
ria nº 928, de 2020, que alterou a Lei de Acesso à Informação, e a omissão
sobre os dados oficiais de infectados e mortos no País. Recorre à pesquisa
bibliográfica sobre erosão democrática (Ginsburg; Huq, 2018) com intuito
de explorar a subversão da democracia pelas instituições desenhadas para
protegê-la. A partir do conceito de executive underreach (Pozen; Scheppele,
2020), propõe uma análise institucional crítica aos ataques à transparência
e omissão na formulação de política públicas para o combate da pandemia
pelo Governo Federal. Conclui que, apesar das importantes reações institu-
cionais, ainda assim há motivos de alerta em razão da dificuldade em reaver
os prejuízos causados e das peculiaridades da erosão em si, que se perpetua
de maneira gradual, cumulativa e sob a pecha de legalidade.

1 TRANSPARÊNCIA E PANDEMIA
A publicidade, dever do Estado e direito dos cidadãos, é um dos prin-
cípios basilares ao funcionamento da Administração Pública e da demo-
cracia em si. Conta com proteção constitucional expressa (art. 37, caput) e
está consagrada no art. 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos e
no art. 19 do Pacto Internacional de Direitos Políticos. Abrange o direito de
petição e de acesso à informação, de pleitear e receber dos órgãos públicos
informações de interesse particular coletivo ou geral (art. 5º, XXXIII e XXXIV,
da Constituição). Nesse sentido, o sigilo é absolutamente excepcional, cabí-
vel apenas quando for essencial à segurança da sociedade ou do Estado ou
para a proteção de direitos de privacidade.
No caso brasileiro, a proteção constitucional do acesso à informação
é uma resposta transicional à falta de transparência da ditadura civil-militar
de 1964-1985, que censurou livros e artistas, distorceu dados econômicos,
ocultou e manteve informações sobre um amplo número de cidadãos. Pen-
se-se, por exemplo, que a manipulação de informação e contrainformação
foi essencial para o regime autoritário. Logo após o golpe de 1964, um
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dos principais órgãos de repressão política, o SNI – Serviço Nacional de
Informações, foi criado sob a batuta de Golbery do Couto e Silva. O órgão
sobreviveu, inclusive, à Constituição de 1988, tendo sido apenas extinto no
Governo Collor, por meio da Medida Provisória nº 150, de 1990. Em termos
sanitários, durante a ditadura, a real dimensão da epidemia de meningite
que assolou o país na década de 1970 não foi objeto de devida divulga-
ção12, padrão que seria reproduzido anos depois por Bolsonaro (Corrêa; De
Paula; Teixeira, 2020).
Durante crises sanitárias como a atual, o direito à informação ganha
contornos ainda mais relevantes devido à sua intersecção com o direito
à saúde (Artigo 19, 2012). Se o governo está munido de informações cla-
ras, precisas e transparentes, ele poderá formular políticas públicas efetivas
e disponibilizar serviços para minimizar riscos e conter doenças (art. 5º,
caput; art. 6º, caput; art. 196; e art. 197 da Constituição). É por isto que o
Regulamento Sanitário Nacional e a Lei nº 13.979/2020, que estabelecem
ações estatais de enfrentamento ao coronavírus no País, são taxativos sobre
a importância de que as medidas estejam fundadas em evidências cientí-
ficas e informações estratégicas em saúde, sempre em respeito a garantias
fundamentais (art. 3º, § 1º e § 2º, III).
O direito à gestão transparente da saúde pública também garante a
participação da sociedade civil, imprensa e órgãos de controle na imple-
mentação de políticas sanitárias, para propor reformas, fiscalizar e responsa-
bilizar governantes. Assegura cidadãos bem informados e conscientes sobre
os impactos de suas ações na sua própria saúde e na da coletividade (Artigo
19, 2020). Garante a destinação eficiente de recursos e evita que agentes
públicos se engajem em atos de corrupção. O caso brasileiro bem ilustra
este viés. Já estão em andamento investigações que apuram como a falta de
transparência, associada à flexibilização de regras de licitação para aquisi-
ção de bens, serviços e insumos durante o estado de emergência, levou ao
superfaturamento nas contratações de estados da federação como o Rio de
Janeiro13.
Os levantamentos da Artigo 19 (2020, p. 33 e ss.) e do Global Right
to Information Rating (RTI – Rating) demonstram ataques à transparência

12 Sobre a forma como o governo brasileiro, nos anos 1970, em plena ditadura, tentou esconder grave epidemia
de meningite, proibindo a divulgação dos números oficiais de casos e mortes, conferir: Madeiro (2020).
13 Merece destaque estudo desenvolvido pela ONG Transparência Internacional que verifica como as informações
dos contratos feitos para combater a Covid-19 são divulgados nos estados e nas capitais. Cf.: Grandin (2020).

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durante a pandemia da Covid-19. As investidas ao redor do globo abarcam
alteração de leis, flexibilização e suspensão de prazos de resposta e até a
paralisação do funcionamento de órgãos especializados. No Brasil, a pos-
tura do Presidente da República sobre o tema provoca reações de partidos
políticos e pressão da sociedade civil organizada.
Com quase uma década da sua promulgação, a Lei de Acesso à In-
formação – LAI (Lei nº 12.527/2011) representou importante conquista re-
publicana ao viabilizar mecanismos de transparência e controle social da
atuação estatal. Estabelece duas macro-obrigações para os órgãos públicos
brasileiros: [i] oferecer o acesso permanente às informações de interesse
público – autênticas e atualizadas – em seus portais (transparência ativa)
e [ii] conceder acesso às informações de interesse público solicitadas por
qualquer pessoa (transparência passiva). Carrega em si uma natureza ci-
dadã, na medida em que possibilita, dentre outras coisas, um recorrente
municiamento à imprensa, à academia, enfim, à sociedade como um todo
para controle e fiscalização da coisa pública, demandando accountability
dos governantes de ocasião.
Um detalhe merece atenção, por vezes despercebido: a Lei de Acesso
à Informação não traz a figura de “interesse” ou “interessado” em seu texto.
As razões do pedido, portanto, pouco importam. A informação é pública;
logo, como regra, deve ser publicizada. Ainda assim, são comuns negativas
de acesso sustentadas nas recorrentes respostas de que o pedido “é gené-
rico” ou que demanda trabalho adicional aos servidores que compõem o
sistema de transparência. Segundo levantamento inédito feito pela Agência
Pública, negativas a pedido de acesso sob a justificativa de que cidadãos
e jornalistas “pescavam” informações para eventuais matérias (o chamado
fishing expedition – termo pejorativo em inglês que descreve uma pesquisa
ampla por informações em busca de algum fato que possa incriminar uma
pessoa ou instituição) quintuplicaram no atual governo federal (Fonseca,
2020).
Em 24 de março, ainda no início da crise sanitária, foi editada a Me-
dida Provisória nº 928, que limitou o acesso às informações prestadas por
órgãos públicos durante a emergência de saúde decretada em razão da pan-
demia do novo coronavírus. O art. 6º da Lei nº 13.979/2020 previa a sus-
pensão dos prazos de resposta a pedidos de acesso à informação nos órgãos
cujos servidores estivessem em regime de quarentena ou teletrabalho e que
dependessem de acesso presencial dos encarregados da resposta após o
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encerramento do estado de calamidade pública e afastava a aceitação de
recursos contra negativas de resposta.
Com caráter manifestamente antidemocrático, a MP 928 padece de
inconstitucionalidade material. Restringe, de forma desrazoável, arbitrária
e desnecessária, o direito fundamental à informação e à transparência, cria
obstáculos à participação política dos cidadãos, dificultando o controle dos
atos governamentais em um momento que requer visibilidade. Aponta para
um passado no qual vigia uma cultura de opacidade na gestão de informa-
ções de interesse público, insertas em uma cultura autoritária que permeia
a história brasileira, sobretudo no contexto que antecedeu 1988. Igualmen-
te, padece de inconstitucionalidade formal, pois não atende aos requisitos
elencados no art. 62 da Constituição Federal, diante da desnecessidade do
exercício de competência legislativa excepcional pelo Presidente da Repú-
blica. Segundo a previsão expressa do art. 11, § 1º, II, da Lei de Acesso à
Informação, é possível que o agente público informe o requerente sobre a
impossibilidade de conceder acesso imediato à informação pública desde
que o faça por meio de resposta justificada, no prazo de 20 (vinte) dias, na
qual indique as “razões de fato ou de direito de recusa, total ou parcial,
do acesso pretendido”. Ora, se tal artigo espelha hipótese perfeitamente
aplicável em cenário de crise, fornecendo justificável flexibilização para
eventuais atrasos na prestação da informação que decorram de situações
excepcionais, qual a relevância e urgência na edição da MP?
Esta não foi a primeira, tampouco a última investida do governo
Bolsonaro contra a transparência. No final de janeiro de 2019, poucos dias
após a posse do atual governo, um decreto passou a autorizar que servido-
res comissionados e presidentes de fundações e autarquias pudessem impor
sigilo ultrassecreto (por prazo máximo de 25 anos, podendo ser prorrogado
uma única vez por igual período) e secreto (por prazo máximo de 15 anos,
improrrogável). Antes do decreto, só podiam estabelecer esse tipo de res-
trição o Presidente, o Vice-Presidente, Ministros de Estado e autoridades
equivalentes, além de comandantes das Forças Armadas e chefes de missões
diplomáticas. À época, diante da repercussão negativa da medida, coube ao
Congresso Nacional aprovar um projeto de decreto legislativo revogando o
decreto presidencial.
Dois dias após a edição da Medida Provisória nº 928, o Ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6351, ajuizada pelo Conse-
lho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à qual foram apen-
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sadas outras duas ações sobre a mesma matéria (ADIns 6347 e 6353). Ao
analisar o pedido, o relator afirmou que o art. 6º-B da Lei nº 13.979/2020,
incluído pelo art. 1º da Medida Provisória nº 928/2020, não estabeleceu
situações excepcionais e concretas impeditivas de acesso à informação. Ao
contrário, transformava a regra constitucional da publicidade e transparên-
cia em exceção, subvertendo a finalidade da proteção constitucional ao
livre acesso de informações a toda a sociedade (Conjur, 2020).

A MP 928 também ecoou negativamente na sociedade civil organiza-


da, que se mobilizou em defesa da transparência e do acesso à informação.
Mais de 60 entidades manifestaram, em 24 de março, repúdio à iniciativa
do Executivo Federal, exigindo a revogação das alterações introduzidas pela
medida provisória. O documento foi elaborado de maneira conjunta por
Artigo 19, Instituto Ethos, Instituto de Governo Aberto, Open Knowledge
Brasil, Rede São Paulo, Transparência Brasil, Transparência Internacional
e Transparência Partidária e assinado por dezenas de outras organizações
(Nossa São Paulo, 2020).

Em 30 de abril, a decisão monocrática foi referendada por todos os


ministros presentes à sessão plenária (ausente somente o decano, Minis-
tro Celso de Mello). A tentativa de transformar a exceção, que é o sigilo
das informações, em regra, afastando a plena incidência dos princípios da
publicidade e da transparência, foi amplamente rechaçada pelos Ministros
da Corte, que ressaltaram a necessidade de assegurar ao cidadão o pleno
acesso às informações solicitadas, sob pena de responsabilização política,
civil e criminal.

Mais recentemente, em uma tentativa de esconder dados da doença


e distorcer verdades factuais a questões de opinião, o governo federal pro-
moveu um “apagão” de informações relacionadas à pandemia ao alterar a
metodologia para contagem de infectados e mortos pela Covid-19 (Istoé,
2020).

No dia 4 de junho, o Ministério da Saúde, já sob gestão militar, após


duas demissões consecutivas de ministros médicos, e sem prévia justificati-
va, passou a não divulgar o número total de mortes e de casos da doença,
anunciando que as divulgações diárias passariam a contabilizar somente as
mortes por Covid-19 ocorridas nas últimas 24 horas. A nova regra, portanto,
excluiria as mortes ocorridas em datas anteriores, cujo diagnóstico houvesse
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sido confirmado nas últimas 24 horas, reduzindo artificialmente o número
de vítimas14.
Segundo matéria veiculada no jornal o Estado de São Paulo, a mudan-
ça nas regras para a contagem de vítimas da Covid-19 teria ocorrido após o
Presidente Jair Bolsonaro determinar que o número de mortes pela doença
ficasse abaixo de mil por dia (Soares; Vargas, 2020). Ademais, os boletins
diários passaram a ser deliberadamente divulgados muito mais tarde, por
volta de 22h, com a confessada intenção do Presidente da República de
evitar que tais dados fossem pauta do Jornal Nacional15. Cabe ainda regis-
trar que, em meio a tudo isso, no dia 5 de junho, a página do Ministério da
Saúde sobre dados da pandemia saiu do ar (Istoé, 2020), somente sendo
restabelecida, com perfil alterado, no final do dia seguinte.
Apenas três dias após a alteração, o Ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal, determinou a retomada da divulgação na íntegra
dos dados acumulados de mortes e casos confirmados de Covid-19 no site
do Ministério da Saúde (Conjur, 2020), concedendo liminar na ADPF 69016,
para o restabelecimento da sistemática anterior17. A decisão liminar atendeu
a pedido feito pelos partidos Rede Sustentabilidade, PCdoB e PSOL.
Mesmo antes de a decisão ser proferida, e após elevada pressão da
sociedade, dos meios de comunicação e dos governadores dos estados, o
Ministério da Saúde havia recuado e anunciado que manteria disponíveis os
números acumulados de mortes e de casos confirmados de Covid-19.

14 Após a alteração de metodologia, os dados sobre o Brasil ficaram, por algumas horas do sábado (06/06),
fora do painel organizado pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, uma das referências
mundiais do acompanhamento da pandemia. Segundo Bruno Brandão, Diretor-Executivo da seção brasileira
da organização Transparência Internacional, um dos efeitos colaterais das alterações na metodologia sobre a
Covid-19 é a redução da confiança da comunidade global nos dados brasileiros, o que reduz a chance de o
Brasil ser aceito como membro da OCDE, uma meta do governo Bolsonaro. De igual modo, ele projeta maior
dificuldade para a efetivação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que ainda
depende de ratificação dos Países-membros do bloco europeu (Lupion, 2020).
15 O Presidente da República atacou especificamente a Rede Globo de Televisão, dizendo que “ninguém tem que
correr para atender a Globo” e também que “acabou matéria no Jornal Nacional” (Garcia, 2020).
16 Na liminar, Moraes defendeu a adoção de “medidas de efetividade internacionalmente reconhecidas, dentre
elas a colheita, a análise, o armazenamento e a divulgação de relevantes dados epidemiológicos necessários,
tanto ao planejamento do Poder Público para tomada de decisões e encaminhamento de políticas públicas,
quanto do pleno acesso da população para efetivo conhecimento da situação vivenciada no país”.
17 No mesmo dia, por meio de sua conta pessoal no Twitter, o Ministro Gilmar Mendes divulgou a seguinte
mensagem: “A manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários. Tenta-se ocultar os números da
Covid-19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade
pelo eventual genocídio” (Pires, 2020).

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RDP Nº 96 – Nov-Dez/2020 – ASSUNTO ESPECIAL............................................................................................................................... 103
Como resposta à decisão do Governo Federal de restringir o aces-
so a dados sobre a pandemia no Brasil, alguns dos principais veículos de
comunicação do País decidiram formar um consórcio para dividir tarefas
e compartilhar as informações atualizadas acerca do total de óbitos e dos
números de casos testados positivo para o novo coronavírus (G1, 2020a). O
governo federal, por meio do Ministério da Saúde, deveria ser a fonte lógica
desses números, porém a sequência de confusões deliberadas das autorida-
des, com o aval do próprio Presidente da República, impõe desconfiança na
credibilidade dos dados oficiais. Na ocasião, o Congresso Nacional também
se movimentou. Foi apresentado o projeto de lei de autoria do Senador
Rodrigo Cunha (PSDB-AL), que obriga o governo federal a dar transparência
aos dados relacionados à pandemia do coronavírus (PL 3.160/2020). A pro-
posta também prevê monitoramento das ações de enfrentamento da crise
de saúde pública por meio da criação de conselho (Senado Notícias, 2020).
Às decisões judiciais acima mencionadas somam-se outras, que, em
razão da postura negacionista e titubeante do Governo Federal, puseram
o Supremo Tribunal Federal sob permanentes holofotes nesses tempos de
crise sanitária.
No início da pandemia no Brasil, uma decisão liminar tomada pelo
Ministro Luís Roberto Barroso no âmbito da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental nº 669, proposta pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos e pela Rede Sustentabilidade, vedou a produ-
ção e a circulação, por qualquer meio, da campanha “O Brasil não pode
parar” (Vital, 2020). A peça publicitária em questão havia sido veiculada
por canais oficiais do governo federal e depois excluída, sob a justificativa
de que tinha “caráter experimental”. A mensagem governamental sugeria
que a população retornasse às suas atividades plenas, minimizando a gravi-
dade para a saúde e a vida da população. Copiava, assim, o slogan “Milan
não para”, difundido pela prefeitura italiana, o que, um mês depois, viu-se
ter contribuído significativamente para uma tragédia de grandes proporções
naquela região, com milhares de vítimas (Struck, 2020).
À época, 31 de março, o Brasil registrava oficialmente 202 (duas e
dois) mortes (G1, 2020b); hoje, passados quatro meses, a marca já ultra-
passa 90.000 (noventa mil). Não à toa, Barroso ter recentemente afirmado,
em debate online realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB,
que o Supremo evitou um “genocídio” ao derrubar medidas do Executivo
(Focus, 2020). Outro Ministro da Corte, Gilmar Mendes, também tem recor-
rentemente usado essa expressão para tecer críticas públicas à forma como
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age o Poder Executivo federal no (não) enfrentamento à pandemia (Mello,
2020). Assim como a falta de transparência atrapalha o enfrentamento éti-
co e eficaz à emergência pública de saúde, a difusão de más informações,
contrárias ao conhecimento científico acumulado, literalmente, pode matar.
Em pouco mais de 1 (um) ano e meio de existência, a gestão do Presi-
dente Jair Bolsonaro acumula um vasto acervo de medidas que emolduram
obstáculos à transparência na gestão de informações de interesse público.
Além das já citadas anteriormente, merecem destaque o sigilo das infor-
mações a respeito de quem visita o Palácio da Alvorada (Amado, 2020); a
decretação de sigilo sobre pareceres técnicos relativos à reforma da previ-
dência, mesmo depois de enviada ao Parlamento (Fabrini; Caram, 2019);
a utilização da Lei de Direitos Autorais para colocar sob sigilo todos os
relatórios de monitoramento das redes sociais do Planalto (Estado de Mi-
nas, 2019); a decisão da Secretaria Especial de Comunicação Social de
impor sigilo a relatórios de monitoramento de redes sociais; a decisão da
Controladoria-Geral da União de considerar sigilosos os pareceres jurídicos
elaborados pelos ministérios que forem enviados como recomendação à
Presidência da República na sanção ou veto de projetos aprovados no Con-
gresso Nacional (Congresso em Foco, 2020); entre outras.
Os desmontes à transparência mencionados impactam diretamente
na qualidade da democracia brasileira. Podem aprofundar o processo de
erosão em curso nos últimos anos e, até mesmo, levar ao colapso da de-
mocracia constitucional no País (Ginsburg; Huq, 2018). Portanto, é preciso
entender o que é erosão e sua aplicabilidade ao Brasil, para, posteriormente,
enquadrar a pandemia dentro desse fenômeno.

2 EROSÃO DEMOCRÁTICA NO BRASIL


O declínio no número e a qualidade das democracias em escala
global são notados, ao menos, desde 2006 (Diamond, 2015) e envolvem
múltiplas causas, métodos e atores. Militares, chefes do Executivo, com a
cooperação do Legislativo ou até mesmo do Judiciário, estão entre os agen-
tes da erosão. Para Ginsburg e Huq (2018, p. 72-73), os principais métodos
são a eliminação do sistema de freios e contrapesos, centralização do Poder
Executivo, supressão da oposição política e de liberdades liberais clássicas.
Entre as causas, mencionam-se polarização política (Levitsky; Ziblatt, 2018),
desigualdade e crises econômicas (Balkin, 2018; Dresden; Howard, 2015),
baixa renda per capita (Ginsburg; Huq, 2018; Runciman, 2018). Contudo,
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RDP Nº 96 – Nov-Dez/2020 – ASSUNTO ESPECIAL............................................................................................................................... 105
nem sempre é possível pontuar o momento exato em que uma democracia
chega ao fim. Estudos identificam a tendência à erosão em detrimento de
colapsos, ou seja, de um processo incremental e que nem sempre resulta em
regimes autoritários (Ginsburg; Huq, 2018; Bermeo, 2016).
Apesar de colapsos como golpes militares existirem ainda hoje, a ero-
são atrai menos atenção da sociedade civil, comunidade internacional e
organizações de proteção a direitos humanos; afinal, muitas medidas são
revestidas de uma fachada – ainda que formal – de legalidade (Cheung,
2018; Scheppele, 2018). O propósito autoritário é obscurecido pelo fato de
que dinâmicas similares ocorrem em democracias sem que isto represente
uma ameaça. Seu efeito é cumulativo: isoladas, não são enxergadas, por
si só, como risco, o que dificulta oposição (Bermeo, 2016, p. 14-16). Isto
porque o processo gradual de desmontes dificulta a tarefa de identificar o
ponto exato em que ela deixou de existir. É o que Larry Diamond chama de
“zona cinzenta”. A erosão pode sim levar a governos marcadamente autori-
tários; todavia, o mais provável é que resulte em regimes ambíguos, híbridos
(Ginsburg; Huq, 2018, p. 47).
Via de regra, a erosão é operada por representantes eleitos, que “al-
teram arranjos legais e institucionais para degradar predicados básicos da
democracia constitucional como eleições competitivas, liberdade de pensa-
mento, associação e Estado de Direito” (Ginsburg; Huq, 2018, p. 43 – tra-
dução nossa). Para estabelecer seu projeto de poder, aproveitam a imagem
consolidada no imaginário popular de que a democracia é subvertida por
golpes bruscos e atacam, aos poucos e por vias constitucionais/legais, os
principais mecanismos de accountability, como mídia, oposição política e
Judiciário.
[...] Sob certas condições, a operação ordinária da competição democrática
pode produzir ideologias e dinâmicas que corroem as fundações da demo-
cracia. Ao invés de uma máquina que persiste por si só, a democracia é um
equilíbrio instável, sob constante risco de gerar internamente as forças que
a destruirão mesmo que, na maioria dos casos, ela avance com dificuldade.
[...] A erosão democrática é, tipicamente, um processo agregado, constituí-
do por múltiplas e pequenas incrementações. Mas essas medidas raramen-
te são ataques frontais aos predicados da democracia, do tipo que poderia
ser associado a um regime totalitário. Ao contrário, muitas são mascaradas
sob a fachada de lei. A casca de legalidade, contudo, é ilusória. Mesmo
que a maioria ou todos os passos individuais sejam feitos dentro dos limi-
tes constitucionais, em suma, eles levam a mudanças qualitativas nos siste-
mas legal e político. A chave para entender a erosão democrática é enxergar

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como medidas discretas que, isoladas ou em abstrato podem ser justificadas
como condizentes com normas democráticas, podem ainda assim serem usa-
das como mecanismos para subverter a democracia constitucional liberal.
(Ginsburg; Huq, p. 74-91 – tradução nossa)

As variações na qualidade da democracia brasileira registradas por


índices como Varieties of Democracy – V-DEM, Freedom House e The
Economist Intelligence Unit indicam um processo de erosão em curso nos
últimos anos. Nesse sentido, a recém-criada Agenda de Emergência do Cen-
tro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo – LAUT monitora e classifica
o avanço de atos estatais antidemocráticos no País (estoque autoritário).
É importante destacar que esses índices adotam parâmetros distintos
para medir a qualidade das democracias, alguns mais focados em garantias
liberais básicas como eleições e outros mais aprofundados, o que explica,
em certa medida, a diferença de resultados entre eles. O V-DEM já não clas-
sifica a democracia brasileira como “liberal”, e sim “eleitoral”. De acordo
com o relatório lançado em 2020 pelo Instituto, o Brasil vive um proces-
so de autocratização e possui a quinta maior erosão dos últimos anos. De
forma semelhante, o The Economist enxerga o Brasil como “democracia
imperfeita”, com quedas desde 2018. Já para o Freedom House, o Brasil
migrou de “democracia parcialmente livre” para o status de “democracia
livre” em 2020, a despeito da alta violência policial, ataques à sociedade
civil, mídia e corrupção registrados.
Apesar de não ser a causa exclusiva18, a eleição de Jair Bolsonaro à
Presidência da República parece conectada a este movimento. Em menos
de dois anos, seu governo acumula ataques à cultura, liberdade acadêmi-
ca e de imprensa, aos instrumentos de participação social, à diversidade
sexual. Ainda assim, o processo de erosão no Brasil é contestado. Entre as
análises, há desde as que enxergam reações institucionais importantes para
frear as investidas bolsonaristas19 até aquelas que sinalizam um processo de
desgaste da democracia em andamento no país20 – posição a que o presente
estudo se filia. Há, também, posições intermediárias, que enxergam o mo-
vimento de militarização como excessivo, mas que veem com descrédito a

18 Não é intenção do trabalho reduzir a erosão da democracia constitucional brasileira à chegada de Bolsonaro
ao poder. Trata-se de processo complexo, que se arrasta há anos, envolve múltiplos atores e debates.
19 Assim, Juliano Benvindo (2020).
20 Por exemplo, Meyer e Bustamante (2020), Hübner Mendes (2020), Celso Rocha de Barros (2020).

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RDP Nº 96 – Nov-Dez/2020 – ASSUNTO ESPECIAL............................................................................................................................... 107
capacidade política para que Bolsonaro e sua entourage consigam promo-
ver um colapso da democracia21.
Entre as estratégias recorrentes de erosão, está o abuso do poder nor-
mativo pelo Executivo para fins políticos, sejam eles evitar controle, cen-
tralizar poderes, enfraquecer a oposição e instituições22. A prática possui
diversas nomenclaturas e variações, entre elas “engrandecimento do Execu-
tivo” (Bermeo, 2016 – tradução nossa), “legalismo autocrático” (Scheppele,
2018; Corrales, 2015 – tradução nossa) e “legalismo abusivo” (CHEUNG,
2018 – tradução nossa).
[...] Eles seguem um caminho gentil, mas que, no final, também é destrutivo.
Eles se disfarçam de democratas e governam em nome de seus mandatos
democráticos. Eles não destroem instituições estatais; reaproveitam ao invés
de abolir as instituições que herdaram. Suas armas são leis, revisão constitu-
cional e reforma institucional. Sua ideologia é frequentemente flexível. E eles
deixam apenas dissenso suficiente para que pareçam tolerantes.
[...] Para o visitante casual, desatento, um país governado por um legalista au-
tocrático parece perfeitamente normal. Não há tanques nas ruas. (Scheppele,
2018, p. 573-575)

Bolsonaro não esconde seu legalismo autocrático23. Declarou, publi-


camente, possuir uma caneta mais poderosa que o Legislativo: a que faz
decretos. O abuso do poder normativo antecede a pandemia de COVID-19:
é o presidente que mais editou medidas provisórias nos primeiros 18 meses
de gestão e o segundo em volume de decretos desde a redemocratização
(Congresso em Foco, 2020a; Folha de São Paulo, 2020a)24. A análise atenta
desses dados revela o risco à democracia: sinalizam a intenção de desmon-
tar a ordem constitucional, lesionar direitos fundamentais25, invadir matérias

21 É o caso de Cyril Edward Lynch.


22 A erosão das democracias constitucionais pode ocorrer pela via das emendas ou substituições constitucionais
também, aspecto que não interessa ao presente estudo. Para compreender este primeiro viés, vide: Landau
(2013).
23 O abuso do poder normativo pelo Executivo é apenas uma das facetas pelas quais Bolsonaro erode a democracia
brasileira. Para uma compreensão mais completa do debate, sugere-se o projeto “Democratizando” do Centro
de Estudos sobre Justiça de Transição da Universidade Federal de Minas Gerais.
24 A pesquisa compreende período a partir de 2003, quando foi alterado o regramento de edição de medidas
provisórias.
25 Nos primeiros dezoito meses de governo, Bolsonaro abusou do Poder Legislativo para facilitar o acesso a
armas, flexibilizar a legislação ambiental, interferir na gestão das universidades públicas e na participação da
sociedade civil no governo. É o chefe do Executivo que menos incluiu medidas sociais em decretos desde o
Governo Sarney (PEX-Network-UFMG).

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reservadas ao Legislativo, concentrar poderes e contornar o processo demo-
crático para aprovar pautas de seu interesse.

O Congresso Nacional reagiu às investidas: rejeitou e deixou caducar


número recorde de medidas provisórias (Congresso em Foco, 2019b). Tam-
bém foram protocolados inúmeros projetos de decretos legislativos, dados
que indicam dificuldade de articulação, diálogo e instigam modus operandi
que se assemelha, em grande medida, ao jogo duro constitucional (Tushnet,
2004 – tradução nossa)26. Bolsonaro também ocupa a posição de presidente
com mais decretos e medidas provisórias questionadas no Supremo Tribu-
nal Federal durante o primeiro ano de mandato (D’Agostino et al.)27.

As respostas institucionais são importantes; contudo, o presidente deu


prosseguimento ao padrão de abuso do poder normativo. Nos primeiros seis
meses de 2020, houve recorde de medidas provisórias editadas, total de
58 – 50 diretamente associadas à Covid-19 (Mali; Maia, 2020). Entre elas,
a já mencionada Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020, que
alterou a Lei de Acesso à Informação.

Apesar do inegável legalismo autocrático (Scheppele, 2018), a gestão


brasileira da pandemia – considerada uma das piores no mundo (Dalia,
2020) – também chama atenção dos especialistas em razão da inércia do
governo federal, aspecto definido como executive underreach (Pozen;
Scheppele, 2020). Abordaremos, a seguir, como a diminuição da transpa-
rência facilita esta prática e, assim, escreve mais um capítulo no processo de
erosão da democracia constitucional brasileira.

3 PANDEMIA, TRANSPARÊNCIA E EROSÃO DEMOCRÁTICA


A crise sanitária intensificou receios de erosão e colapsos pela con-
cessão de poderes extraordinários a governantes, com reflexos nos direitos
fundamentais e estado de Direito28. Eric Posner e Adrian Vermeule (2020)

26 O jogo duro constitucional ocorre em períodos de transformação constitucional, quando os atores políticos
acreditam que sua posição está ameaçada e, portanto, os custos de suas ações são altos. Em razão disto, engajam-
-se em práticas resguardadas constitucionalmente, mas que violam pactos pré-constitucionais, construídos ao
longo de séculos. A polarização e a alteração de arranjos institucionais estão entre as consequências deste jogo
(Tushnet, 2004).
27 Dados coletados desde 2001.
28 O Varieties of Democracy – VDEM já monitora os riscos de Pandemic Backsliding. Contudo, é importante
esclarecer que nem sempre poderes emergenciais são utilizados para degradar a democracia, pois alguns
foram exercidos para combater a pandemia, em benefício dos cidadãos.

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consideram implicações constitucionais associadas proeminentemente a
Carl Schmitt para argumentarem que, em tempos de emergência, o Poder
Executivo se torna “ilimitado”, o que, na visão dos autores, não seria exata-
mente um problema, mas eventualmente a decorrência de uma necessida-
de circunstancial29. Essa teoria denota, portanto, não somente uma vertente
descritiva, mas também normativa, na medida em que externa a ideia de
que um unbound executive seria a melhor maneira de garantir uma resposta
rápida e decisiva à crise (Ginsburg; Versteeg, 2020, p. 10).
As respostas variaram: alguns governantes de países já em processo
de decadência aproveitaram o momento para expansão de domínio: são os
chamados “autocráticos oportunistas” (Daly, 2020). O exemplo mais proe-
minente é o da Hungria, onde foi aprovada lei que concede poderes legis-
lativos extraordinários ao Primeiro Ministro Viktor Orbán por prazo indefi-
nido. Entre os poderes outorgados, estavam o de editar decretos, suspender
leis, limitar a circulação de informações e até definir a duração da crise
sanitária sem necessidade de aval legislativo. Após pressão da oposição,
organizações de direitos humanos e da Comissão Europeia, os poderes con-
cedidos a Orbán foram revogados pelo Parlamento.
Foram identificadas, ainda, gestões “racionalistas efetivas”, “racio-
nalistas restritas”30 e “fantasiosas”, esta última marcada pela ausência de
respostas institucionais e postura negacionista (Daly, 2020). Ginsburg e Ver-
teeg (2020, p. 6-7) também acompanham a crise global. Constatam maior
índice de respostas antidemocráticas à pandemia em sistemas políticos com
histórico de repressão, como o Brasil. Em analogia ao corpo humano, afir-
mam que esses países possuem “comorbidades”, fatores tradicionalmente
associados à erosão democrática – crise econômica, polarização e históri-
co de instabilidade. Essas pré-condições os enfraquecem contra o “vírus”
– ações antidemocráticas (ou desproporcionais) dos seus respectivos líderes
durante a pandemia.
As expectativas eram de que o governo brasileiro adotaria uma ges-
tão “autocrática oportunista” (Daly, 2020), em continuidade ao legalismo
autocrático (Scheppele, 2018) de Bolsonaro, que participou de atos pelo

29 Essa alegação foi desenvolvida no contexto das respostas dos Estados Unidos aos ataques terroristas de 11
de setembro e à crise financeira de 2008, mas a ideia básica também se generaliza para outros cenários.
30 Racionalistas efetivos e restritos adotam posturas científicas e lógicas de combate à pandemia, agem em prol
da democracia e em consonância com a lei; contudo, os últimos são formados por democracias mais frágeis
e menos equipadas, economicamente, para lidar com estas questões (Daly, 2020).

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fechamento do Congresso e STF e consultou ministérios sobre a viabilidade
da declaração de estado de sítio. Se decretada, a medida concentraria po-
deres nas mãos do presidente e abriria brecha para suspensão de garantias
fundamentais (arts. 137 a 139 da Constituição).

A Advocacia Geral da União também ajuizou Arguição de Descum-


primento de Preceito Fundamental – ADPF nº 663, para suspender os prazos
de tramitação de medidas provisórias durante a pandemia, mas que teve
a liminar indeferida pelo Ministro Alexandre de Moraes. Ainda assim, o
presidente editou número recorde de medidas provisórias no primeiro se-
mestre de 2020. Abordou assuntos relacionados à Covid-19, mas também
flexibilizou direitos trabalhistas, facilitou porte de armas, diminuiu a trans-
parência. Vale lembrar, ainda, do posicionamento de ministros como Paulo
Guedes (Economia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), que defendem o uso
da crise sanitária como pretexto para emplacar reformas e retroceder direitos
(Barbosa, 2020; G1, 2020c).

Em contraste, o caso brasileiro também é destaque internacional


pela omissão no tratamento do vírus, em moldes definidos por Pozen e
Scheppele como executive underreach, que ocorre quando o “Executivo
deixa de abordar, dolosamente, um problema público, apesar de ser legal-
mente obrigado a fazê-lo ou estar equipado para tanto” (2020, p. 02).

De acordo com os autores, a prática é favorecida pelo cenário de


erosão democrática, marcado por desinformação, polarização intensa, alar-
gamento do executivo e degradação de instituições tradicionalmente asso-
ciadas à democracia liberal. O underreach não abarca esforços infrutíferos,
incapacidade técnica ou qualquer espécie de omissão: é necessariamente
intencional. Parte do pressuposto de que há conhecimento, recursos – ma-
teriais e institucionais – suficientes e autorização legal inequívoca para agir.
A tática pode parecer um contrassenso; afinal, a tendência em tempos de
crise é a de alargamento das competências de incumbentes, que dependem
de uma governança eficiente, em prol do bem comum, para se manterem no
poder. A este respeito, Pozen e Scheppele ressaltam que o chefe do Execu-
tivo pode estar desinformado, resignado com a perda do cargo ou se omitir
para alienar os eleitores. Há ainda as hipóteses de que ele pretenda evitar/
transferir responsabilidade ou distrair a oposição (2020, p. 4-5).

É possível pensar o caso brasileiro a partir do executive underreach.


Primeiro porque não restam dúvidas sobre a omissão dolosa de obrigações
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constitucionais e legais afetas ao cargo ocupado por Bolsonaro31. Sem plano
de ação concreto ou intenção de assumir responsabilidade, minimiza a gra-
vidade da crise e contraria autoridades de saúde pública32. Sua oposição ao
isolamento transformou-se em impasse federalista. Na tentativa de obstruir
medidas adotadas por governadores e prefeitos, editou a Medida Provisória
nº 926, de 20 de março de 2020, que centraliza os poderes para decidir so-
bre o funcionamento de rodovias, portos e aeroportos na Agência Nacional
de Vigilância Sanitária – Anvisa.
A questão chegou ao STF (Ação Direta de Inconstitucionalidade –
ADIn nº 6341), que decidiu pela competência concorrente entre União e
Estados e Municípios para adotar medidas restritivas e de saúde pública. A
partir de então, o presidente distorce o julgado: afirma publicamente que a
Corte desonera o governo federal de qualquer obrigação ou responsabilida-
de no enfrentamento do coronavírus (Amorim, 2020).
O underreach torna-se mais evidente diante do desprezo pelos re-
cursos materiais à disposição do Executivo, entre eles a Fiocruz, referência
na produção de vacinas e com capacidade para produzir testes em massa,
e o Sistema Único de Saúde – SUS, um dos maiores do mundo, que possui
experiência no combate a epidemias e é referência internacional em saúde
pública e universal. Todavia, a distribuição de recursos foi prejudicada. Le-
vantamento do Tribunal de Contas da União indica que, até julho de 2020,
o Ministério da Saúde havia usado apenas 29% dos créditos extraordinários
disponibilizados para enfrentamento da pandemia (Fabrini; Wiziack, 2020).
Além disso, cargos técnicos do Ministério da Saúde foram substituídos por
militares sem experiência alguma na administração de crises sanitárias.
A forma com que a transparência foi reiteradamente atacada durante
a pandemia possui traços de legalismo autocrático (Scheppele, 2018). A
erosão já em curso criou ambiente propício para a continuidade do padrão
de abuso do poder normativo por Bolsonaro. A edição da Medida Provisória

31 Para fins deste artigo, ganha destaque o desrespeito ao arcabouço jurídico sobre transparência e saúde,
esmiuçado no Capítulo 1, em especial o art. 5º, caput, XXXIII, XXXIV c/c art. 6º, caput, art. 37, caput, art. 196
e art. 197, todos da Constituição; o Regulamento Sanitário Nacional, internalizado pelo Decreto Legislativo
nº 395/2009, e a Lei nº 13.979/2020, regulamentada pela Portaria nº 356, de 11 de março de 2020.
32 Já se referiu ao vírus como “gripezinha”, ofendeu as vítimas e familiares com expressões rudes (“não sou
coveiro”, “fazer o que?”). Veiculou propaganda publicitária “O Brasil não pode parar”, suspensa pela Justiça
Federal, que incitava o País a retornar à “normalidade”. Participa de aglomerações, defende o isolamento
vertical, uso de medicamentos sem comprovação científica e precisou ser obrigado a usar máscara em público
por decisão judicial. Medidas de assistência como o auxílio emergencial somente foram liberadas após intensa
pressão da sociedade e articulação no Congresso Nacional.

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nº 928, que alterou a LAI, nada mais é que um ataque à transparência sob
a fachada de legalidade e, nestes termos, é mais um degrau alcançado pelo
Executivo na degradação democrática.

Mas sua principal consequência é estimular e facilitar o executive


underreach, tão prejudicial à democracia quanto o legalismo autocrático.
As restrições no acesso aos dados oficiais de contaminados e mortos permi-
tem que Bolsonaro se omita e mantenha, dentro da base de apoio, a ilusão
de que a crise sanitária está sob controle. A lógica seria a seguinte: se não
há problema, não preciso enfrentá-lo, e tudo seguiria como se houvesse
normalidade. A discordância é politizada, enxergada como mero ataque
político.

A ausência de publicidade contribui para a concentração de poderes


e atos de corrupção, em especial no contexto brasileiro, em que algumas
das restrições à contratação pelo Poder Público foram flexibilizadas. Sem
ela, aumenta a desinformação e disseminação de fake news, o que interfere
na saúde pública individual e coletiva, uma vez que os cidadãos não con-
seguem tomar decisões informadas. Pesquisas indicam que, após discursos
negacionistas de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19, cresce o des-
respeito às orientações de distanciamento e isolamento social nas regiões
em que há mais apoiadores do governo (Ajzenman; Cavalcanti; Da Mata,
2020). Enquanto isso, aumentam as taxas de infectados e mortos, o desem-
prego e desigualdade social.

Há, ainda, impactos na confiança/credibilidade interna e externa do


governo, como demonstram o consórcio de jornalistas e demais iniciativas
extragovernamentais criadas em razão dos ataques à transparência e des-
confiança que rodeiam os dados oficiais sobre a Covid-19.

A proposição de melhorias e fiscalização de políticas públicas pela


mídia, sociedade civil e órgão de controles também é comprometida. Por
exemplo, o Relatório “8 Anos Lei de Acesso à Informação: transparência
para sofrer a crise”, da Organização Artigo 19, destaca a ausência de trans-
parência sobre critérios éticos e sociais na destinação de verbas públicas
para o combate à pandemia. Ou seja, sequer é possível identificar qual é
a destinação, se ela existe e em qual proporção é destinada para a parcela
da população mais afetada pela Covid-19. Mais uma vez, obscuridade e
executive underreach se entrelaçam; afinal, se há dificuldade em localizar a
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existência ou omissão do presidente sobre essas medidas, há consequências
diretas na busca por accountability.
Não foram necessários, portanto, tanques nas ruas ou poderes emer-
genciais para o prosseguimento do processo de erosão da democracia cons-
titucional brasileira durante a pandemia33. A mistura de ações deliberadas
de abuso do poder normativo e ataques à transparência criou um cenário
propício para omissão deliberada (executive undereach). São atos que pos-
suem efeito cumulativo e contribuem para o aprofundamento das crises po-
lítica, sanitária e econômica, violam os direitos fundamentais à vida, saúde
e transparência.

Ginsburg e Verteeg (2020) mencionam relativo alento, em meio às


justificáveis preocupações acerca da possibilidade de utilização da crise
sanitária como pretexto para escaladas autoritárias, sem que houvessem res-
postas institucionais à altura. Em vários países analisados, tribunais se envol-
veram na resposta à pandemia, numa indicação de que o Poder Executivo
não restou totalmente “ilimitado”. As legislaturas também desempenharam
um papel ativo na resposta à crise, desenvolvendo soluções legislativas rá-
pidas para a crise que se desenrola, igualmente fornecendo autoridade e
supervisão. Para Ginsburg e Veerteg (2020, p. 6-7), essas são evidências de
que muitas democracias parecem ser resistentes à crise. Argumentam que,
portanto, as preocupações com um Poder Executivo “desenfreado” devem
ser moderadas.

De fato, Judiciário, Legislativo, mídia e sociedade civil impuseram


importantes barreiras às investidas: sustaram medidas antidemocráticas e
buscaram alternativas para assegurar o acesso à informação precisa e trans-
parente pela população.

Ainda assim, opera-se a erosão: a cada medida, aumentam a polariza-


ção, a concentração de poderes no Executivo; instituições são submetidas a
constante pressão, normaliza-se o abuso, diminui a confiança no governo e
o apreço pela democracia (Pozen; Scheppele, 2020, p. 12). E é justamente
esta a dinâmica da erosão democrática. Não há grandes eventos para mar-
car o fim da democracia, pois ela é subvertida passo a passo, gradativa e
cumulativamente, sempre sob uma falsa aparência de legalidade e norma-
lidade. Questiona-se por quanto tempo Judiciário e Legislativo resistirão e

33 Nesse sentido: Bustamante e Meyer, 2020.

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como as indicações de ministros ao STF, trocas de liderança e articulações
em andamento no Congresso Nacional poderão interferir neste processo
(Barros, 2020). Enquanto isso, Bolsonaro mescla legalismo autocrático, ata-
ques à transparência e executive underreach para dar continuidade ao seu
projeto de erosão da democracia constitucional brasileira.

CONCLUSÃO
Em meio aos debates sobre erosão da democracia em âmbito global,
Elkins (in Graber; Levinson; Tushnet, 2018, p. 49-65) propõe a seguinte
pergunta: o céu está desmoronando? Afinal, a democracia é cíclica e possui
tensões a ela inerentes. Além disso, Judiciário, Legislativo, sociedade civil
e mídia têm se firmado como importantes freios às investidas antidemocrá-
ticas.

Durante a pandemia de Covid-19, Bolsonaro alterou a Lei de Acesso


à Informação, a metodologia e divulgação do número de contaminados e
mortos – dados estes que foram retirados do ar por alguns dias. Colocou
pareceres ministeriais sob sigilo, se eximiu de responsabilidade, negou a
importância da ciência e dos fatos para o combate à pandemia. Os ataques
à transparência, mesclados com abuso do poder normativo, facilitam a inér-
cia do Executivo (executive underreach) e aprofundam o processo de erosão
da democracia constitucional em curso no País.

Apesar das reações institucionais, que foram inegáveis barreiras aos


avanços governamentais, é preciso cautela, especialmente quando a erosão
é compreendida propriamente. Trata-se de movimento que explora as ten-
sões próprias da democracia para corrompê-la de maneira gradual, lenta e
sob a aparência de legalidade.

O céu não está caindo. Porém, a erosão está curso e foi intensificada
durante a pandemia. Dentro dessa perspectiva, a análise empírica de Elkins
não deixa dúvidas sobre os riscos em jogo: uma vez que a ascensão da de-
mocracia demora o dobro da queda, é preciso que instituições e sociedade
civil estejam alertas e combatam as paulatinas e sequenciais medidas que
compõem o processo de erosão.

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Sobre os autores:
Mariana Tormin Tanos Lopes | E-mail: [email protected]
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais pela Linha História, Poder e
Liberdade, Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos (2011), Especialista em Ad-
vocacia Cível pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG(2017), Pesquisadora do Centro
de Estudos sobre Justiça de Transição – CJT/UFMG (2018).

Emilio Peluso Neder Meyer | E-mail: [email protected]


Professor Adjunto de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG, Graduação e
Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado), Mestre e Doutor em Direito pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Direito da FD/UFMG, Prêmio CAPES de Tese em Direito (2013),
Visiting Researcher no King’s College Brazil Institute (2014-2015), Fellow no King’s College
Transnational Law Summer Institute (2016), Coordenador do Centro de Estudos sobre Justi-
ça de Transição da UFMG (http://cjt.ufmg.br), Coordenador da Secretaria Executiva da Rede
Latino-Americana de Justiça de Transição (2016-2017), Pesquisador Residente no Instituto
de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG (2018-2019), Pesquisador em Produtivi-
dade do CNPQ.

Emanuel Andrade Linhares | E-mail: [email protected]


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, com foco na área de estudo Teoria Constitucional, Direitos Humanos e Insti-
tuições Democráticas, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Membro
da Associação Serras de Minas de Teoria da Justiça e do Direito, Professor da Escola Superior
da Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC e do Curso de Graduação em Direito da Facul-
dade Ari de Sá – FAS, Servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE.

Data de submissão: 31 de julho de 2020.


Data de aceite: 1º de dezembro de 2020.

RDP, Brasília, Volume 17, n. 96, 93-122, nov./dez. 2020

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