PRÁTICA
PEDAGÓGICA E
METODOLOGIA DO
ENSINO DE LÍNGUA
E LITERATURA
Cleusa Maria Pasetto Stochero
Aula de português na
perspectiva enunciativa-
-discursiva da linguagem
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Discutir as contribuições de Bakhtin para a prática pedagógica do
ensino em língua portuguesa.
Identificar as metodologias que possam contribuir de modo eficiente
para a prática linguística.
Planejar aulas com base na perspectiva enunciativa-discursiva.
Introdução
O aprendizado da linguagem oral e escrita é um dos eixos básicos da
educação, e é tarefa do professor ensinar o aluno a falar, ler e escrever.
De acordo com Bakhtin (2002), é a relação dos sujeitos com a língua que
determina a enunciação e marca materialmente a presença da subjetivi-
dade, ou seja, do “eu” no discurso. Ele sugere um estudo da linguagem
como atividade comunicativa, não apenas comprometida com forma ou
classificação, mas também com categorias comunicativas formadas por
gêneros de diferentes setores da atividade humana.
Ainda hoje, os trabalhos de Bakhtin são primordiais para o enten-
dimento de como ocorre a produção de significados no exercício dos
discursos no dia a dia. Para ele, a linguagem é uma prática social cotidiana
que envolve a práxis do relacionamento entre sujeitos. Essa prática é parte
integrante do sentido do dizer.
Neste capítulo, você vai estudar as contribuições importantes da teoria
bakhtiniana para os estudos linguísticos. Essa teoria ainda serve de base
para a reestruturação e a produção de novos conceitos para os estudos
da linguagem. Com este estudo, você vai conhecer metodologias para a
2 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
prática linguística e a importância do processo de produção enunciativa
em língua portuguesa.
1 Enunciação, dialogismo e gênero do discurso
Segundo Bakhtin (2002), o pensamento não pode ser considerado anterior à
existência, nem dela estar separado. Por isso, o mundo da cognição e o mundo
da vida estão inscritos um no outro e influenciam-se mutuamente. Assim
como nosso pensamento se forma em determinado tempo, em determinada
cultura e em relações sociais concretas, também a linguagem se manifesta no
interior. Sua exteriorização é apenas uma tradução, é uma atividade mental
que constrói a expressão, formando e propiciando sua orientação. Conforme
Bakhtin (2006, p. 114), “[…] não é a atividade mental que organiza a expressão,
mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela
e determina a sua orientação”.
Nesse contexto, a língua é um sistema estável e passivo (léxico, gramática,
fonética), o que equivale a dizer que a linguagem é uma habilidade inata,
porque o indivíduo já nasce com a aptidão de expressar o pensamento que
é concebido na sua mente. A capacidade de exteriorizar esse pensamento
dependerá da habilidade de cada pessoa para organizá-lo. Se um indivíduo
não consegue se articular com racionalidade, não é capaz de pensar. Portanto,
assume-se que existem normas que precisam ser seguidas para alcançar uma
ordem coerente do pensamento e, é claro, da linguagem.
Enunciação
Bakhtin (2003) defendia a necessidade de uma teoria linguística da enuncia-
ção como único modo de ter a compreensão real das formas sintáticas. Na
sua concepção, as análises sintáticas dos elementos do discurso constituem
“[…] análises do corpo vivo da enunciação, uma vez que, as formas sintá-
ticas são as que mais se aproximam das formas concretas da enunciação”
(BAKHTIN, 2003, p. 139), além de estarem ligadas às condições reais da
fala. Ele passou a estudar as formas sintáticas, que reproduzem, no interior
de um discurso, o discurso de outros via discurso relatado e suas variantes,
discurso direto, discurso indireto, etc.
Desse modo, criticou quem propagava a singularidade de um dos elementos
em detrimento do outro: o formalismo contra o ideologismo ou conteudismo.
A enunciação seria o elemento de convergência entre a forma e o sentido,
Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem 3
formada como substância da língua. Com isso, o autor superou a oposição
forma-conteúdo e une a experiência social à organização linguística.
Para Bakhtin (2003), a linguagem é uma prática social que tem na língua
a sua realidade material, compreendida não como um sistema abstrato de
formas linguísticas separado da sua realização na fala, mas como um processo
de evolução permanente, constituído pelo fenômeno social da comunicação
verbal, realizada por meio da enunciação, que é a sua verdadeira substância.
Seu real foco não é o sistema, mas a linguagem como uso e interação social.
A enunciação pode ser compreendida como o momento do uso da linguagem,
método que envolve não apenas a presença física de seus componentes, mas
também o tempo histórico e o espaço social de comunicação, ou seja, do con-
texto. Ela é produto da interação social, pois não nasce de um sujeito individual;
é o resultado da comunicação dos seres humanos organizados socialmente e
do contexto da situação social em que aparece. O autor salienta que a interação
social sempre se dá entre a tríade: o falante, o ouvinte e o tema do discurso.
Princípio dialógico
Para Bakhtin (2003), a essência de toda a linguagem é o dialogismo, já que a
vida é naturalmente dialógica, e viver significa participar de um diálogo. O
diálogo é a ideia central nos estudos bakhtinianos. Segundo o autor, a língua
não está sozinha na mente do falante em um sistema subjetivo de normas,
mas se constitui em uma atividade social utilizada entre participantes da
comunicação, ou seja, a enunciação.
O significado de diálogo para Bakhtin (2003) é como uma regra geral de
um acordo solidário e coletivo. A enunciação é de natureza social e prevê a
participação do eu e do outro no ato enunciativo, mesmo que esse outro seja
o falante no ato de pôr a língua em uso.
Enunciado e gêneros do discurso
A produção do discurso envolve o autor, o destinatário e todas as outras vozes
que já nele vive, pois o diálogo é o acontecimento do encontro e da interação
com a palavra dos outros. Bakhtin (2003) define os gêneros como elementos
culturais e históricos, configurações recorrentes e expressivas de interagir
em conjunto, que coordenam e estabilizam nossas relações na sociedade. Os
gêneros fazem parte de nossa vida nos mais variados contextos sociais em que
atuamos. São definidos por sua estrutura composicional (o modo de organizar
4 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
o discurso), estilo (escolha de meios linguísticos) e conteúdo temático (domínio
de sentido de que se ocupa o gênero).
Bakhtin (2003) explica que, para o indivíduo, os gêneros são de caráter
normativo, não criados por ele, mas dados a ele. São, portanto, de natureza
sócio-histórica. As variações, em termos de composição, estilo e conteúdo,
verificam-se nos diferentes gêneros, acontecem conforme as circunstâncias,
com a posição social e o relacionamento dos interlocutores do discurso. Os
gêneros são exatamente os enunciados devidamente organizados em função
das possibilidades ou dos campos de atividade humana, do processo discursivo.
Veja seguir a explicação de alguns conceitos importantes para compreender
a teoria bakhtiniana (BAKHTIN, 2003).
Objeto de estudo bakhtiniano: exercício da linguagem humana por
parte dos indivíduos.
Linguagem: prática social que tem na língua a sua realidade material.
Língua: unidade concreta da linguagem por meio de seu uso durante
a interação.
Palavra: signo ideológico, que carrega valores culturais, expressando
pontos de vista e divergências entre opiniões.
Enunciação: momento de uso efetivo da linguagem.
Dialogismo: princípio característico do funcionamento da linguagem,
em que se encontram presentes várias instâncias enunciadoras (relação
do eu com o outro no discurso).
Para Bakhtin (2003), portanto, a linguagem é dialógica. Os significados das
palavras se desenvolvem no contexto de diálogos entre pessoas diferentes. A
unidade básica de significado na linguagem é a palavra, ou o que ele chama
de enunciado (e não a sentença). O termo enunciado implica que uma palavra
adquire significado à medida que é falada, no contexto de entender e responder
ao enunciado de outras pessoas.
2 Metodologias para a prática linguística
A língua institui-se como um sistema de sinais orais ou escritos que os indi-
víduos de uma sociedade utilizam como instrumento de comunicação, cada
um do seu modo. A língua não é um código, mas um modo de interação, de
atuar na sociedade. Por isso, uma proposta eficiente para o ensino da língua
deve abarcar não só o desenvolvimento de capacidades essenciais para as
Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem 5
práticas de leitura e escrita, mas também a fala e a escuta compreensiva em
situações públicas de uso, como a aula (NEVES, 2003).
O ser humano, ao nascer, não sabe falar. Ele aprende por meio da interação
social com a língua falada das pessoas do seu convívio familiar. Quanto maior e
melhor o nível de conversação no ambiente em seu entorno, melhor será o desen-
volvimento linguístico oral da criança. No entanto, é na escola que ela aprende os
ensinamentos da norma culta da fala e da escrita. Segundo Neves (2003, p. 25):
É a escola, em geral, o único espaço em que a criança terá suporte para
entrar equilibradamente na posse de conhecimentos que lhe possibilitarão
adequação sociocultural de enunciados, em que ela terá suporte para transitar
da competência natural do coloquial (mais distante, ou menos distante, do
padrão) para uma posse mais ampla e segura que lhe permita adequar seus
enunciados, nas diversas situações de interação.
A língua desenvolve-se, primeiramente, na forma oral. Só depois é que se
desenvolve a escrita. No entanto, a escrita não representa a fala, nem é dela
derivada de maneira direta. A fala exige cooperação e envolvimento direto
por ser uma produção interativa. Quando falamos, usamos não só a voz, mas
também o corpo, pois fazemos gestos, maneios de cabeça e entoações. Para
dominar a língua materna é necessário compreender as diferentes concepções
de linguagem como um fenômeno sociocultural e dinâmico que se concretiza
na interação (NEVES, 2003).
A sociedade humana não se constitui sem a linguagem, assim como a língua
não é gerada fora das relações sociais. Não há uma forma única e predeter-
minada de linguagem. Ela ocorre da necessidade de comunicação entre os
humanos e desenvolve-se a partir dessa necessidade. Língua e linguagem são
compreendidas como uma forma de ação, pois têm como função primordial
permitir o jogo da fala (NEVES, 2003).
O ensino de língua portuguesa, por muito tempo, esteve voltado para
métodos tradicionais de ensino de línguas. Esse método visava trabalhar a
língua fazendo uso de palavras e expressões fora do contexto linguístico. Nesse
modelo, o aluno fica submetido ao uso de regras e a um grande número de
formas gramaticais, sem ter acesso a termos de linguagem oral, por exemplo.
Isso mecaniza a utilização dos recursos da língua e, desse modo, o aluno não
consegue elaborar textos adequados e apropriados a cada situação de interação
em que ele se encontra.
No entanto, em 1998, surgiram novas diretrizes, destacando que o ensino
de língua portuguesa deve servir para desenvolver criatividade, comunicação
e expressão dos alunos. Com isso, passa-se a pensar o ensino das linguagens
6 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
como uma prática interativa de comunicação. A alternativa para atender a
esse objetivo passa a ser o uso do texto em sala de aula, exigindo um trabalho
conjunto entre escola e aluno no processo de interpretação de diferentes textos.
Desse modo, o aluno pode se tornar um cidadão crítico frente a realidade.
É função da escola desenvolver no estudante a competência de dominar a
linguagem falada e escrita considerando a norma culta da língua, permitindo
a esse aluno a capacidade de fazer uso da linguagem escrita para evoluir e
aprender individual e coletivamente (BRASIL, 1998).
Uma pessoa que tem a capacidade de distinguir o que são letras e símbolos,
que sabe identificar o que são formas de comunicação escrita e falada, que
faz uso desses instrumentos da linguagem para se comunicar é uma pessoa
considerada alfabetizada, inclusive aquelas que sabem minimamente expor
ou reconhecer palavras, escrever seu nome ou se comunicar por um bilhete.
Podemos, então, considerar a alfabetização como um processo de ensino e
aprendizagem dos elementos da escrita. Já o conjunto de práticas sociais de
escrita e leitura que determina os modos privilegiados de atuar e produzir
na sociedade de cultura escrita, tanto em ambientes sociais quanto em outros
ambientes escolares, refere-se ao letramento.
Se a alfabetização se encarrega de ensinar/aprender a ler e a escrever,
o letramento enfatiza não somente o saber ler e escrever, mas o hábito da
leitura e da escrita. Mesmo que essas duas ações pedagógicas se diferenciem
no seu fazer, elas se complementam, de forma que ensinam a ler e escrever
em ocorrências das práticas de leitura e escrita, tornando o estudante letrado
e alfabetizado.
Aprender a ouvir, falar, escrever e ler passou a ser os quatro eixos básicos
que caracterizam o ensino de língua portuguesa, possibilitando ao aluno en-
tender a linguagem como elemento essencial de comunicação dentro e fora da
escola. Se dirigido para as práticas diárias, o ensino de linguagem contempla
de maneira mais efetiva às necessidades da aprendizagem, desenvolvendo
competências linguísticas, discursivas e estilísticas, transformando o estudo
do texto bem mais motivador que o gramatical (BICALHO, 2014).
Ao observar o cotidiano, percebe-se que as pessoas estão em constante
situação de interação, com a família, amigos e desconhecidos. É certo que
falamos bem mais do que escrevemos, por isso, verifica-se a necessidade de
estudar a oralidade como base para entender o funcionamento da escrita.
Embora a fala e a escrita sejam formas de uso da língua, elas apresentam
características próprias. Ambas são fundamentais, pois são duas modalidades
de organizar o discurso e interagir, sem que uma seja mais importante que a
outra. São práticas discursivas que não concorrem entre si.
Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem 7
As modalidades falada e escrita têm especificidades na produção do enun-
ciado, o que permite reconhecer marcas de escrita e marcas de oralidade.
Veja no Quadro 1.
Quadro 1. Comparação entre as modalidades falada e escrita
Modalidade falada Modalidade escrita
Forte dependência contextual. Pouca dependência contextual.
Pouco planejamento ou Possibilidade de planejamento
simultâneo à produção da fala. cuidadoso.
Fluxo fragmentado e Fluxo não fragmentado e contínuo.
mudanças abruptas.
Coesão por meio de recursos Coesão por meio de conectivos,
paralinguísticos. estruturas sintéticas, etc.
Predomínio de frases Períodos longos com
curtas, ordem direta. muita subordinação.
Presença de elementos de Forte influência das conversações.
conversação aberta.
Fonte: Adaptado de Botelho (2018).
A língua falada e a língua escrita são dois modos de representação da
mesma língua, pois quando falamos ou escrevemos remetemos a aspectos
relacionados à organização linguística.
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É,
a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo
a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo
de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a
essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1982, p. 59).
O ensino de língua portuguesa tende a desenvolver no aluno capacidades de
escrita e oralidade, para que ele possa ser competente na compreensão de textos
orais e escritos e no uso da palavra na participação social. O desenvolvimento
da oralidade pode ser feito com a escuta e a produção de textos orais, dos mais
simples aos mais complexos, permitindo ao aluno o domínio progressivo dos
gêneros que são produzidos por meio da linguagem oral.
8 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
Aprender a ler não é apenas aprender os códigos dos sinais gráficos (isso
é alfabetização). Aprender a ler, no sentido de letramento, implica no desen-
volvimento da consciência sobre a linguagem e seu potencial para realizar
ações e interagir no meio social. Ler é, portanto, um processo ativo, depende
da interação entre texto e leitor. A leitura tem por função social formar o
sujeito como um leitor crítico, criativo e autônomo.
Há diferentes tipos de leitores, que, segundo Kato (2007), podem ser: o leitor
que faz mais uso do seu conhecimento prévio do que da informação efetivamente
dada pelo texto; o leitor que é vagaroso, pouco fluente e tem dificuldade de
sintetizar as ideias do texto por não saber o que é importante; e o leitor maduro,
aquele que tem um controle consciente e ativo do seu comportamento.
Ninguém lê sem um objetivo. Quando tem, claramente, um objetivo, o
leitor dificilmente abandonará a leitura até que encontre a solução para o que
procura. Saberá selecionar de diferentes materiais aquilo de que precisa e
descartará o que não contribuirá para alcance de seu propósito.
Gêneros textuais e modos de organização do discurso
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) recomendam a prática de escuta
e leitura de textos de diferentes gêneros textuais de que o aluno precisa para
participar efetivamente da sociedade, em diferentes âmbitos, como literários,
jornalísticos, publicitários, didáticos (BRASIL, 1998). Segundo Durante (1998):
Para que os educandos tenham o domínio da leitura e escrita das várias
modalidades de texto de uso social, faz-se necessário propor situações de
aprendizagem que contemplem o trabalho com as funções, tramas e caracte-
rizações linguísticas do texto. (Kaufman & Rodrigues, 1993). É a partir dessa
análise (lendo, ouvindo, comentando, reescrevendo, escrevendo, revisando,
discutindo, analisando, etc.) que os educandos constroem conhecimentos para
a elaboração, compreensão e análise de diferentes tipos de textos, ou seja,
fazendo uso deles de forma organizada e sistematizada.
Os gêneros textuais são, segundo Bakhtin (2003), tipos relativamente
estáveis de enunciados que as pessoas utilizam no seu dia a dia para interagir
na sociedade nos mais diversos contextos. De acordo com o autor,
[…] se os gêneros do discurso não existissem e nós não tivéssemos seu domínio
e se fosse preciso criá-los pela primeira vez em cada processo de fala, se nos
fosse preciso construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria
impossível (BAKHTIN, 2003, p. 302).
Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem 9
São exemplos de gêneros textuais: receita culinária, bilhete, lista de com-
pras, carta comercial, carta pessoal, notícia jornalística, bula de remédio,
inquérito policial, resenha, edital de concurso, bate-papo por computador,
telefonema, etc.
Cada gênero textual constitui-se a partir da combinação de um ou mais
desses modos de organização, com características e objetivos definidos. A
escolha de um determinado gênero discursivo depende em grande parte da
situação de produção, ou seja, a finalidade do texto a ser produzido, quem são
os locutores e os interlocutores e qual é o meio disponível para veicular o texto.
Sobre gêneros textuais, Koch e Elias (2006, p. 55) afirmam que:
Todas as nossas produções, quer orais, quer escritas, se baseiam em formas-
-padrão relativamente estáveis de estruturação de um todo a que denominamos
gêneros. Longe de serem naturais ou resultado da ação de um indivíduo, essas
práticas comunicativas são modeladas/remodeladas em processos interacionais
dos quais participam os sujeitos de uma determinada cultura.
Trata-se de uma metodologia de trabalho que permite o estudo da língua
circunscrito na ampliação da competência comunicativa dos alunos. O objetivo
é explicitar as marcas linguísticas inerentes aos diferentes modos em que se
organizam os diferentes gêneros textuais que circulam na sociedade.
Já a tipologia textual está relacionada a elementos característicos de um
todo comunicativo, que é o gênero. Marcuschi (2007) considera a existência de
cinco tipologias: argumentativa, narrativa, injuntiva, descritiva e expositiva.
As tipologias são como uma parte que constitui os gêneros e não como um
texto em si. No momento em que trabalhamos com gêneros textuais, estamos
também desenvolvendo conhecimentos que se referem às tipologias. O uso
da linguagem não acontece por meio das tipologias, mas sim pelos gêneros.
Modos de organização do discurso
O discurso se organiza em uma espécie de sequência (ou tipo textual) teo-
ricamente estabelecida pela natureza linguística de sua composição (aspec-
tos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, etc.) e pela função
desempenhada no texto. As categorias são narração, descrição, exposição,
argumentação, injunção e diálogo (SILVA, 2007).
Dentre as estratégias de ensino possíveis, está a proposta que permite que
cada gênero textual seja abordado como uma simetria de recursos, de acordo
com as necessidades de interação e do contexto. Trata-se de uma metodolo-
10 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
gia de trabalho que permite o estudo da língua delimitada na ampliação da
competência comunicativa dos alunos. O objetivo é trabalhar com as marcas
linguísticas específicas dos diferentes gêneros textuais que permeiam na
sociedade.
Essa proposta de ensino da língua portuguesa tem em sua essência a lei-
tura, a análise linguística e a produção textual. Considerando isso, a proposta
metodológica envolve:
a construção e a desconstrução de textos, além da identificação dos
efeitos de tais alterações;
o reconhecimento dos recursos linguísticos específicos dos diferentes
modos de organização do discurso;
a observação dos procedimentos que dão coesão e coerência, assim
como o uso do vocabulário de maneira criativa e dinâmica;
a relação entre classe e função das palavras e expressões no nível da
frase;
a ampliação de frases por meio de processos de coordenação e
subordinação.
É preciso considerar três principais fatores ao planejar a leitura em sala de
aula (BARBOSA, 2001). Veja a seguir.
Diversidade: os diferentes gêneros textuais exigem diferentes conheci-
mentos do leitor, pois os textos são escritos de variadas formas, a leitura
é feita de maneira distintas e com diferentes propósitos.
Continuidade: para formar um leitor é preciso garantir que o aluno leia
com continuidade no tempo e tenha frequência aos textos.
Progressão: quando fizer o plano de leitura, o professor deve considerar
que os alunos precisam progredir enquanto leitores. Isso significa pensar
no que já leram e no que precisam avançar. É importante desafiá-los.
Para saber mais sobre os gêneros do discurso, leia a tese de Jaqueline Peixoto Barbosa
intitulada “Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva enunciativa
para o ensino de língua portuguesa”.
Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem 11
3 Planejamento de aulas na perspectiva
enunciativa-discursiva
Durante muito tempo, a gramática normativa predominou nas práticas de
ensino de língua atreladas a métodos tradicionais. No entanto, hoje o professor
deve considerar práticas pedagógicas que possibilitem ao aluno acesso aos
diferentes recursos de produção de sentido disponíveis no sistema linguístico.
Desse modo, o usuário da língua pode comunicar-se de modo eficiente nos
mais diversos contextos sociais.
O educador deve sim ensinar-aprender gramática, pois o conhecimento
da estrutura da língua, de seus princípios (regras) de combinação e de suas
terminologias é essencial para adquirir a habilidade de optar por recursos
apropriados para ler e escrever com competência. No entanto, o ensino dire-
cionado apenas para a teoria gramatical já não é eficaz.
Sobre análise linguística (AL), Mendonça (2006, p. 208) argumenta:
O que configura um trabalho de AL é a reflexão recorrente e organizada,
voltada para a produção de sentidos e/ou para a compreensão mais ampla dos
usos e do sistema linguísticos, com o fim de contribuir para a formação de
leitores-escritores de gêneros diversos, aptos a participarem de eventos de
letramento com autonomia e eficiência.
O aluno pode aprender a identificar e nomear as partes que constituem
uma frase ou memorizar as classes de palavras, mas essa é apenas uma das
muitas etapas que ele precisa vencer para alcançar o letramento. Principal-
mente, porque atualmente pode-se dominar as regras da gramática normativa
até mesmo sem a interferência de um professor. Há livros, videoaulas e sites
que explicam detalhadamente os aspectos básicos de fonética, morfologia e
sintaxe. O grande desafio para o aluno é saber como, quando e onde precisa
introduzir esse conhecimento gramatical ao necessitar interpretar ou escrever
um texto. É nesse momento que o trabalho de um professor pode auxiliá-lo. É
no momento de articular teoria e prática de leitura e de escrita, que o professor
se faz necessário.
No que se refere ao ensino da análise linguística, há duas perspectivas:
uma tradicional, sustentada por tendências pedagógicas liberais, e outra
interacionista, que se integra mais a tendências pedagógicas progressistas.
No interacionismo a aquisição do conhecimento é um processo construído
pelo indivíduo ao longo da sua vida. Os dois mais importantes teóricos dessa
vertente são: Jean Piaget, construtivista, que se dedicou ao estudo do de-
12 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
senvolvimento cognitivo, e Lev Seminovitch Vygotsky, que trata de uma
abordagem histórico-cultural do desenvolvimento humano (GUIMARÃES,
c2020, p. 28-32).
No ensino da língua portuguesa, é preciso ter habilidades de uso da língua.
O desenvolvimento dessas habilidades linguísticas não ocorre espontanea-
mente, elas precisam ser ensinadas sistematicamente. É necessário buscar
a formação de usuários competentes comunicativamente, ou seja, ter como
objetivo a formação de educandos capazes de usar a língua de maneira ade-
quada a cada situação de interação comunicativa. Para isso, é necessário
ter conhecimento teórico (descritivo e explicativo) sobre a língua, a fim de
desenvolver a habilidade de análise de fatos da língua e competências para
ensinar teoria gramatical ou linguística (ANTUNES, 2003).
Por muito tempo, o ensino de produção da escrita em língua portuguesa
ficou restrito a três tipos de texto: narração, descrição e dissertação. A con-
sequência dessa metodologia é um grande número de alunos que não tem
compreensão da língua materna escrita, principalmente quando participa de
avaliações fora do contexto escolar. Além disso, o espaço de sala de aula deve
valorizar o processo de interlocução, priorizando o aspecto interativo textual,
por meio de estudos, discursos e análise sobre a real possibilidade de unir a
teoria e a prática. É necessário, para a produção textual, que o educando saiba:
sobre o que, com que objetivo, para quem, quando e como se escreve. O aluno
deve também observar as etapas de planejamento, produção e revisão, ou seja,
planejar, escrever e reescrever (ANTUNES, 2003).
A aprendizagem compreende o desenvolvimento do educando como um
todo: inteligência, afetividade, padrões de comportamento, relacionamento
familiar, social, desenvolvimento da coordenação motora, capacidades ar-
tísticas, comunicação, etc. O processo de ensino-aprendizagem, para ser
adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articule
as dimensões humana, técnica e político-social.
Na dimensão humana, o processo de ensino-aprendizagem acontece por
meio de um relacionamento interpessoal muito forte entre alunos, professo-
res e direção. Assim, forma-se um clima afetivo, responsável pelo sucesso
ou fracasso da aprendizagem. Na dimensão técnica, o processo de ensino-
-aprendizagem se dá pelo conhecimento das estratégias e técnicas didáticas. A
aprendizagem é intencional, ou seja, orientada por objetivos a serem alcançados
por seus participantes. Na dimensão político-social, o processo ocorre quando
se estabelece relação entre o que se faz na escola e a realidade social mais
ampla. Pretende que as crianças e os adolescentes se eduquem para serem
membros participantes da sociedade, contribuindo para o seu progresso e
Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem 13
desenvolvimento. O trabalho do professor deve basear-se em criar condições
para que os estudantes desenvolvam capacidades e habilidades intelectuais
(CANDAU, 1983, p. 14).
Na aprendizagem, é preciso planejar e produzir dispositivos e sequências
didáticas. Cabe ao professor orientar o rumo do conhecimento, que é coletivo.
O educador não deve agir como aquele que transmite o saber, nem como guia
que apresenta a solução para o problema, mas deve criar situações e dar o
apoio necessário no processo de aprendizagem. Para aprender, as crianças e
os adolescentes precisam ser envolvidos em atividades de certa importância
e de certa duração. O principal estímulo para a participação dos alunos em
um projeto é a criação de um produto. Esse produto ou desafio pessoal e
coletivo pode ser um anuncio em um jornal, um espetáculo ou um livro para
a comunidade local.
O professor precisa administrar o progresso da aprendizagem, mobilizando
outras competências mais específicas, como administrar situações-problema,
nortear as diversidades de cada turma, criando mecanismos como atribuição
de tarefas autocorretivas, emprego de programas interativos, organização de
oficinas. É preciso ampliar o aprendizado para além da sala de aula, envolver
os alunos em suas competências, otimizar o tempo e gerar o desejo de aprender,
explicitando a conexão com o saber e o sentido do trabalho escolar, além de
desenvolver no aluno a capacidade de autoavaliação.
Por fim, é emergencial que o educador faça uso das novas tecnologias da
informação e comunicação (TIC), transformado as formas de comunicação,
trabalho, decisão e pensamento. A escola e os professores não podem abdicar
de fornecer ao aluno uma formação em tecnologias. É importante utilizar
editores de texto, colocar materiais para estudo à disposição em rede, utilizar
dicionários digitais, organizar apresentações em Power Point e projetá-las para
os alunos, explorar potencialidades didáticas dos programas, como programas
educativos e objetos de aprendizagem, além de comunicar-se a distância por
meio de e-mail, WhatsApp, fórum, sites, chats, blogs, etc.
14 Aula de português na perspectiva enunciativa-discursiva da linguagem
Ao trabalhar com os alunos os diferentes gêneros textuais, você deve primeiro abordar
as formas de escrita e a função social do texto. Por exemplo, você pode trabalhar em sala
de aula a carta do leitor. Neste caso, deve discutir com os alunos a função social dessas
cartas e a forma como são escritas, reunindo elementos para que eles escrevam uma
carta que será enviada ao jornal. É importante desafiá-los a identificar as características
do gênero e o propósito, além de planejar o que vão escrever de forma clara e breve.
Você deve ainda disponibilizar elementos de comparação e análise e questioná-los
sobre o gênero utilizado, para que compreendam bem as suas especificidades.
ANTUNES, I. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 5. ed. São Paulo:
Hucitec, 2002.
BARBOSA, J. P. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva enunciativa
para o ensino de língua portuguesa. 2001. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade
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