**A Noção de Gêneros na Perspectiva de Jean-Michel Adam: Definição, Delimitação e
Fundamentação**
Jean-Michel Adam, em sua obra *Les Textes : types et prototypes* (4ª edição), propõe uma teoria
dos gêneros discursivos profundamente ancorada em uma abordagem textual, sociocomunicativa e
socio-histórica. Sua proposta busca integrar, reinterpretar e, em muitos casos, superar impasses
terminológicos e epistemológicos das tradições francesa, alemã, anglo-saxã e bakhtiniana,
estabelecendo uma tipologia coerente e operacionalmente útil para a análise textual e discursiva.
### 1. Ponto de Partida Terminológico e Epistemológico
Adam inicia seu percurso afirmando sua escolha pela expressão "gêneros de discurso" e não
"gêneros de texto", seguindo a tradição inaugurada por Bakhtin. Ele reconhece que essa escolha foi
influenciada pelas traduções francesas do ensaio "Problema dos Gêneros do Discurso" e pelas
reflexões do Círculo de Bakhtin, que articulam a linguagem com as práticas sociais. Para Adam, os
gêneros são formas relativamente estáveis de enunciado, que articulam função comunicativa, tema,
composição e estilo, moldando-se conforme as esferas da atividade humana.
No entanto, ele adota essa terminologia sem dogmatismo: sua leitura de Bakhtin é crítica,
adaptativa e reformuladora. Ao invés de simplesmente herdar conceitos, Adam busca
reorganizá-los dentro de sua proposta de análise textual dos discursos, ampliando a ideia de
gênero para além da oralidade ou da literatura.
### 2. Distinção Tripla: Sequência - Gênero de Discurso - Gênero de Texto
O ponto central da tipologia de Adam é sua tripartição analítica:
**(1) Prototipos de sequências textuais**: Adam delimita cinco macroformas discursivas ou modos
de textualização - narração, descrição, argumentação, explicação e diálogo. Essas sequências não
são gêneros em si, mas formas de organização discursiva que atravessam os gêneros e suas
composições.
**Exemplos:**
- **Narração**: relato de um escândalo político;
- **Descrição**: caracterização de um candidato ou cenário econômico;
- **Argumentação**: defesa de uma proposta de governo em uma entrevista;
- **Explicação**: detalhamento de políticas públicas em debates;
- **Diálogo**: interação em programas de entrevistas ou podcasts políticos.
**(2) Gêneros de discurso**: São categorias organizadas segundo práticas e formações
sociodiscursivas. Exemplos incluem gêneros do discurso jornalístico, religioso, literário, político,
publicitário, médico, universitário etc. Eles estão ancorados em esferas sociais e instituições,
marcados por convenções e finalidades comunicativas compartilhadas.
**Exemplos aplicados ao seu objeto de estudo:**
- Entrevista política no *Jornal Nacional* (gênero jornalístico-formal);
- Debate entre candidatos em canal aberto (gênero político-mediado);
- Entrevista em talk show de auditório (gênero híbrido: político + entretenimento);
- Participação de políticos em podcasts como Flow, PodPah, Inteligência Ltda (gênero midiatizado
informal).
**(3) Gêneros de texto**: Resultam do cruzamento entre os protótipos de sequências e os gêneros
de discurso. São formas empíricas reconhecíveis, como o conto, a fábula, o editorial, a bula de
remédio, o sermão, o programa eleitoral, entre outros. Esses gêneros apresentam estrutura
composicional, estilo, léxico e organização temática próprios.
**Exemplos no campo político-midiático:**
- Editorial político;
- Programa eleitoral gratuito;
- Entrevista jornalística;
- Roda-viva televisivo;
- Debate humorístico disfarçado (como nas interações com apresentadores de entretenimento).
Essa tripartição permite articular a heterogeneidade textual com as condições sociocomunicativas
de produção e interpretação dos discursos, superando dicotomias reducionistas entre forma e
função, texto e discurso.
### 3. Bakhtin Reformulado: Gêneros Primeiros e Segundos
Ao retomar Bakhtin, Adam enfatiza a distinção entre gêneros primeiros (do cotidiano) e gêneros
segundos (mais elaborados, como os literários). Mas ele também amplia esse modelo, observando
que há gêneros "mistos", híbridos e em mutação. Ele reconhece que os gêneros da fala moldam
nossa competência comunicativa tanto quanto a gramática, e que aprender a falar é, de fato,
aprender a mobilizar gêneros.
Contudo, Adam vai além de Bakhtin ao considerar que certas formas elementares, como narração,
argumentação e explicação, não são gêneros propriamente ditos, mas estruturas composicionais
que fundamentam a formação dos gêneros. Com isso, ele evita uma tipologia excessivamente
ampla ou indeterminada, propondo um modelo mais preciso para fins analíticos.
### 4. Crítica à Tradição Alemã e ao Formalismo Anglo-Saxão
Adam critica a tradição alemã, que separa rigidamente os *Texttypen* (tipos de texto) dos
*Textsorten* (gêneros de texto), e a ausência, nessa tradição, de qualquer consideração pelas
práticas discursivas. Embora reconheça a relevância das pesquisas tipológicas feitas por Werlich,
Isenberg e Dressler, ele denuncia a abstração excessiva desses modelos, que isolam formas
linguísticas sem considerar seu ancoramento social e pragmático.
De modo semelhante, Adam observa que parte da tradição anglo-saxã - incluindo Swales, Bhatia e,
em certos momentos, Bazerman - tende a formalizar moldes textuais (*textual templates*) a partir
de contextos institucionais muito restritos (como artigos científicos ou gêneros acadêmicos),
correndo o risco de tecnicismo.
### 5. A Posição Crítica Frente a Bronckart
Jean-Paul Bronckart é outro autor com quem Adam dialoga criticamente. Embora elogie a robustez
empírica do modelo de Bronckart e seu esforço por integrar práticas de linguagem e cognição,
Adam critica o uso terminológico do conceito de "gênero de texto", que em sua opinião obscurece o
nível sociodiscursivo dos gêneros. Para ele, Bronckart confunde "intertexto" com "interdiscurso" e
restringe os gêneros a modelos mentais internalizados pelos sujeitos.
**Distinção adamiana:**
- **Intertexto**: citação ou reformulação explícita (ex: uso de slogans ou leis);
- **Interdiscurso**: vozes e valores sociais amplos (ex: discursos de "ordem", "patriotismo",
"anticorrupção" que perpassam várias falas políticas).
Adam reafirma que o interdiscurso - entendido como memória social dos discursos organizados em
gêneros - é essencial para a produção textual. Portanto, os gêneros não são apenas modelos
internalizados, mas também dispositivos sociais exteriorizados historicamente.
### 6. Gênero como Interface entre Texto e Discurso
Ao longo de sua argumentação, Adam deixa claro que **não há texto sem gênero**. Todo texto é
uma realização linguística material de uma prática discursiva social e histórica. A textualidade só
adquire sentido na discursividade, e a discursividade se atualiza nos textos por meio dos gêneros.
Assim, o gênero é a categoria mediadora por excelência: ele articula a heterogeneidade formal do
texto com a heterogeneidade contextual do discurso. Essa concepção permite estudar os gêneros
como fenômenos históricos, culturais, institucionais e linguísticos ao mesmo tempo.
### 7. Conclusão: Um Modelo Integrador e Abduzido
A noção de gênero em Adam é relacional, contextual, histórica e funcional. Ela se ancora em uma
epistemologia textual-discursiva que busca integrar os níveis linguístico, composicional e
pragmático em uma análise multiescalar. Trata-se de uma proposta que evita tanto o normativismo
formalista quanto o relativismo sociológico.
**Comparando epistemologias:**
- **Anglo-saxã**: funcionalista e institucional, centrada na resposta comunicativa e na finalidade
retórica;
- **Bakhtiniana**: dialógica, ideológica e histórica, com foco na esfera da atividade e na
responsividade;
- **Francesa formalista**: estético-retórica, marcada por G. Genette e J.-M. Schaeffer, com
distinção rígida entre literário e não literário;
- **Adamiana**: relacional, integradora, interdisciplinar. Vê o gênero como ponte entre textualidade
e discursividade, ancorada em práticas sociais concretas.
A inovação de Adam reside na articulação entre: (a) tipos prototípicos de sequências; (b) gêneros
sociodiscursivos; (c) gêneros empíricos de texto.
Sua abordagem é especialmente útil para analisar os gêneros midiáticos contemporâneos - como
entrevistas políticas formais, debates televisivos e interações informais em podcasts - todos
marcados por hibridizações, polifonia e jogos de ethos, que exigem um modelo analítico flexível e
sensível às práticas discursivas emergentes.