O PROBLEMA DA JUSTIÇA: Não posso ficar com tudo o que adquiri?
- John Rawls
JUSTIÇA
Segundo a antiga definição de Justiniano, imperador romano, é a vontade constante de
dar a cada um o que lhe é devido. Divide-se em justiça retributiva e distributiva. A
retributiva diz respeito à forma adequada de punir infracções à lei; a distributiva tem a
ver com a apropriada distribuição de bens e encargos entre pessoas diferentes.
PROBLEMA FUNDAMENTAL DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: COMO DISTRIBUIR OS
BENS PELOS INDIVÍDUOS DE MODO A QUE CADA UM TENHA O QUE É DEVIDO?
TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE DE JOHN RAWLS
RESPOSTA Ralws - A Justiça como equidade: a injustiça é a desigualdade que beneficia
exclusivamente os mais favorecidos.
Rawls, Kant e o Utilitarismo
1. É uma teoria de natureza deontológica, Rawls tal como Kant:
a) Afirma a necessidade de princípios universais que permitam distinguir o que é
justo, independentemente das circunstâncias e interesses individuais. O objetivo da
sua teoria de justiça é a promoção do bem-estar coletivo.
b) Concebe a pessoa como ser livre e um fim em si mesmo opondo-se à sua
instrumentalização, pelo que é justo que todos tenham direitos iguais e as mesmas
oportunidades na vida social
2. Critica o utilitarismo por subordinar a moralidade dos atos à felicidade ou bem-estar
individual e/0u global, ignorando o modo justo ou injusto dos atos na promoção dessa
felicidade, as desigualdades geradas na distribuição do bem-estar, bem como os direitos
fundamentais do ser humano. Por exemplo, numa sociedade utilitarista cada um de nós
poderá vir a ser um infeliz, um escravo, um mendigo se de tal condição resulte num maior
bem -estar social.
Rawls pensa que a justiça é uma regra fundamental para uma sociedade bem
ordenada
Objetivo de Rawls – desenvolver uma teoria de justiça social que assegure o respeito
pelas liberdades individuais, a igualdade de direitos e o reconhecimento das
diferenças existentes entre os indivíduos.
1.RAWLS _ Um filósofo que propõe uma nova forma de contrato social.
Para Hobbes, tinha como objectivo a obtenção da paz e da segurança. Para Locke e Rousseau, a legitimação de um
conjunto de direitos naturais básicos, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade. Rawls pretende
conjugar na sociedade duas características: a liberdade e a justiça social. Porquê ambas? Porque, se apenas houver
liberdade, põe-se em causa a justiça social (uns indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros e os que possuem
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mais possuirão sempre mais – a riqueza gera mais riqueza). Se apenas houver justiça social, põe-se em causa a
liberdade (limita-se a liberdade de os indivíduos possuírem mais bens do que a quantidade de bens que
possuem).
Exemplo de desequilíbrio entre liberdade e justiça social: o exemplo
das heranças
Enquanto as heranças existirem e não forem objecto de forte tributação, não partimos do mesmo lugar, porque haverá
uns indivíduos que possuirão mais bens do que outros e tenderão sempre a possuir mais bens e a aumentar
continuamente a sua riqueza. Esta é a situação de apenas haver liberdade e não haver justiça social. Por outro lado, se
penalizarmos as grandes heranças, como, por exemplo, através do pagamento de elevados impostos, estaremos a limitar
os bens desses mesmos indivíduos e, portanto, a limitar a liberdade dos indivíduos para investir, enriquecer e fazer o que
lhes apetecer com a sua herança. Esta é a situação de apenas haver justiça social e não haver liberdade.
2. Mas, se o mundo é habitado por ricos e pobres, será essa tarefa possível? Como deve ser estabelecido o contrato
social, para que seja possível a promoção simultânea da liberdade e da justiça social na sociedade?
Para Rawls, o contrato social tem de ser estabelecido com base numa total imparcialidade por parte de todos os
indivíduos, ou seja, tem de ser estabelecido sem que os indivíduos tenham nele qualquer interesse particular.
Para que seja possível o estabelecimento de um contrato social com base na imparcialidade, os indivíduos têm de o
efectuar a partir daquilo que Rawls denominou “VÉU DA IGNORÂNCIA”.
3.O que é este “véu da ignorância”? E “posição original”?
O “véu da ignorância” é o desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua condição social e económica no momento
do estabelecimento do contrato social, no momento em que dão origem a uma determinada forma de sociedade. Esta
posição original é uma situação imaginária de total imparcialidade em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma
sociedade regida por princípios de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique essas pessoas devem estar “cobertas”
por um “véu de ignorância”.
1. Qual é a vantagem do “véu da ignorância”?
Vai possibilitar que, devido ao desconhecimento da sua situação social e económica, os indivíduos exijam
uma organização da sociedade que seja dentro dos possíveis a mais vantajosa e melhor para todos, não
inferiorizando qualquer grupo de indivíduos. Neste sentido, vão exigir que a sociedade promova os valores
básicos que permitam a todos ter uma vida aceitável, designadamente a mesma liberdade para todos e o
mínimo de desigualdades sociais e económicas.
Exemplo do comportamento dos indivíduos que procederão à escolha
do seu modelo de sociedade sem conhecer quais serão nela as suas
condições de vida e o seu estatuto social
Imagine que está num grupo de pessoas prestes a criar de raiz uma nova sociedade e um novo governo. Essas pessoas
têm uma tarefa muito importante que é a de decidir como construir uma sociedade justa. Estão numa condição muito
especial, a bem dizer extraordinária: estão cobertas por um véu de ignorância quanto à sua condição na futura sociedade.
Assim sendo, você não sabe se vai ser homem ou mulher, rico ou pobre, doente ou saudável, idoso ou jovem, pouco ou
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muito dotado em termos intelectuais, não sabe a que grupo étnico vai pertencer, nem se vai ser católico, protestante,
ortodoxo, muçulmano, judeu ou ateu. Em termos gerais não sabe se vai estar no topo, no meio ou no fundo da escala
social. Pensa que dada essa condição deve escolher um governo e uma sociedade justa para todos: «Vou escolher um
tipo de sociedade que discrimine os ateus? Não porque posso vir a ser ateu. Quero uma sociedade e um governo
indiferentes às necessidades dos mais carenciados, que não intervenha para atenuar a desigualdade económica? Não,
porque não sei se não virei a estar nessa situação. Quero uma sociedade em que haja discriminação racial no acesso às
posições e lugares economicamente mais favoráveis? Não, porque não sei a que grupo racial irei pertencer. A prudência
aconselha-me mesmo a que me prepare para o pior.
Assim, vou escolher um tipo de sociedade em que se me encontrar numa situação desfavorável me seja garantido um
nível de vida minimamente digno.
Nestas condições seria tolice minha pensar que os outros irão aceitar que a futura sociedade se reja por princípios que
beneficiando-me os prejudicarão. Nem posso aceitar princípios que beneficiem os outros em detrimento dos meus
interesses. O mais provável é que todos aprovem uma igual distribuição dos recursos sociais.
Mas e se, como é muito é provável dadas as diferenças entre os seres humanos, houver desigualdade económica?
Admitirei essa desigualdade se ela também for de alguma forma vantajosa para mim. Nem todos vamos ter o mesmo
nível de vida mas não aprovarei princípios que permitam que os outros colham benefícios e eu unicamente prejuízos. E
se nem todos vamos ser iguais, pelo menos que haja igualdade de oportunidades. Não quero uma sociedade que
unicamente respeite os meus direitos políticos, que me permita votar e expressar as minhas ideias, quero também uma
sociedade que respeite os direitos das pessoas a bens materiais e a serviços sociais».
4. Por que razão é que os indivíduos, neste cenário hipotético, fariam escolhas racionais e imparciais?
Segundo Rawls, são as circunstâncias de igualdade que se encontram na posição original e a coberto do véu da
ignorância que os levam ao desconhecimento das suas características pessoais e sociais dentro de uma sociedade que
garantem:
1. A escolha de forma racional e imparcial dos princípios de justiça, dado que ninguém está em condições de escolher
e tomar decisões de forma a beneficiar os seus interesses,
2. A universalidade desses princípios, dado que é aceite e reconhecido por todos como sendo a escolha do que é mais
valioso e o que melhor serve os seus interesses, o que será também para todos.
5. Como promover a liberdade e a justiça social na sociedade? Que princípios de justiça escolherão os indivíduos
sobre o efeito do “véu da ignorância” numa “posição original” para uma sociedade bem ordenada?
Através respectivamente da promoção dos dois princípios seguintes (precisamente os dois princípios que todos os
indivíduos iriam querer que existissem na sociedade):
A – O princípio da igual liberdade.
O Estado deve garantir a todos os indivíduos o princípio da igual liberdade, ou seja, a oportunidade de todos os
indivíduos terem acesso de forma igual aos direitos que lhes garantam as liberdades básicas (direito à liberdade de
expressão, direito de voto, direito à propriedade privada). A partir deste princípio procura-se promover a liberdade.
B_ O princípio da diferença consiste em admitir na sociedade algumas desigualdades económicas e sociais,
desde que essas mesmas desigualdades possam servir em benefício dos mais desfavorecidos. Se a minha fortuna
duplicar e os indivíduos com mais dificuldades económicas receberem cada um em troca 1 euro com esta minha acção,
então a acção que possibilitou a duplicação da minha fortuna será justa para Rawls. Porquê? Porque também os mais
desfavorecidos beneficiaram com esta minha acção.
C- O princípio da igualdade de oportunidades consiste em garantir a todos os indivíduos as mesmas
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oportunidades de acesso aos vários lugares na sociedade, independentemente de ser de raça branca ou negra, rico ou
pobre, homem ou mulher. Desde que os indivíduos possuam as mesmas capacidades e competências, têm as mesmas
possibilidades de acesso a um emprego.
A partir destes dois princípios, procura-se promover a justiça social.
6.A justiça como equidade
A equidade equivale a uma distribuição desigual dos bens básicos que deve favorecer quem se encontra em pior
situação, isto é, as pessoas em desigualdade de condições por razões económicas, físicas ou intelectuais. Por outras
palavras, justifica-se que algumas pessoas ganhem acima da média desde que essa desigualdade beneficie os
membros menos favorecidos da sociedade. A desigualdade justifica-se: a) se beneficiar todos os membros da
sociedade, em especial os menos favorecidos; b) se for uma condição necessária e suficiente para incentivar
uma maior produtividade.
Exemplos
1 – Se o que motiva as pessoas para se tornarem bons médicos e dentistas competentes for a perspectiva de ganharem
mais do que a média dos cidadãos, então é justo que, por exemplo, tenham rendimentos duas ou três vezes superiores à
média. Se isto é suficiente para que a produtividade, a eficácia e a competência destes profissionais seja alta, será injusto
que ganhem cinco ou dez vezes mais do que o rendimento médio de uma sociedade.
2 – Se a condição necessária e suficiente que predispõe certas pessoas para serem eficientes e capazes directores de
empresas é o facto de poderem ganhar cinco ou dez vezes mais do que os seus empregados, é justa essa desigualdade.
Mas será injusto que, tal como Ralws reconhece acontecer no seu país, o seu salário seja em muitos casos 50 vezes
superior ao dos seus empregados.
Ralws quer dizer que, até certo ponto, a desigualdade económica é um incentivo que aumenta a produtividade
global da sociedade. Assim, há mais recursos e bens que podem ser canalizados para beneficiar os que estão em
situação menos vantajosa. Os impostos são uma destas formas de assistência contínua aos que estão em piores
condições.
A crítica de Nozick a Rawls.
NOZIC _ O conceito de justiça de Ralws é imoral.
«O que é meu é meu». Cada um de nós tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou legitimamente – seja muito ou
pouco - e esse direito de propriedade não deve ser violado pelo Estado. Mesmo que numa sociedade haja assinaláveis
desigualdades económicas, esse facto não torna legitima a redistribuição da riqueza, isto é, que se tire aos mais
favorecidos para dar aos mais desfavorecidos. Como o direito de propriedade é um direito absoluto, qualquer
redistribuição da riqueza por parte do Estado é uma violação de um direito fundamental. É imoral que me forcem a
partilhar com outros os bens que legitimamente adquiri.
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Mas não é injusto haver um grande fosso entre ricos e pobres como acontece em muitas sociedades?
O fosso entre ricos e pobres só é injusto se for criado através de meios injustos, tais como a fraude e o roubo. Há várias
formas de sermos proprietários de bens: por heranças e doações que recebemos, por esforço pessoal, etc. A não-
redistribuição não viola nenhum direito e por isso não é injusta. A justiça social consiste em permitir que os bens de que
sou proprietário legítimo permaneçam em meu poder, dispondo deles conforme entendo. A justiça é a titularidade de
posses legítimas. Este direito ao que é meu é um direito moral que não pode ser suplantado pelo objectivo utilitarista de
aumentar o bem-estar geral nem por ideais igualitários nem por outros direitos como os direitos de subsistência.
Providenciar serviços sociais e bens materiais aos mais desfavorecidos redistribuindo a riqueza e forçando o pagamento
de impostos é violação do direito de propriedade individual. Segundo muitos filósofos pode e deve-se apelar à
generosidade dos mais favorecidos, mas não é justo obrigá-los a socorrer os mais necessitados.
Deste conceito de justiça que conceito de Estado decorre?
Decorre um conceito minimalista de Estado. Uma concepção minimalista do Estado entende que o poder político não
deve intervir na vida económica. Unicamente deve ocupar-se em assegurar os direitos políticos dos cidadãos e com a sua
segurança relativamente a ameaças internas e externas. Para assegurar estes serviços mínimos é legítimo que o Estado
cobre impostos. Assim, forçar os indivíduos a pagar impostos para que o Estado mantenha serviços como a defesa
(exército e polícia), o governo e a administração pública é perfeitamente legítimo e necessário. Para além desses
objectivos qualquer cobrança de impostos é uma violação dos direitos individuais.