HECTOR BARONE - A Obsessão Do Mafioso - Nikole Santos
HECTOR BARONE - A Obsessão Do Mafioso - Nikole Santos
Eu não subi atrás das meninas, que foram logo para o quarto.
Passei na cozinha, onde peguei um copo d’água e vi a passagem por
onde não deveria andar, mas que já tinha passado algumas vezes
naqueles últimos dias.
Era o corredor de uma parte da casa que havia ficado para os
funcionários. Ela estava lá, eu sabia até mesmo onde dormia.
Eu lutei, juro que lutei para ignorar aquela vontade de ir
verificar o que acontecia lá, saber se ela ainda estava acordada, o
que andava fazendo, merda, eu não deveria, eu sei!
Entrei no corredor e escutei o som baixo de uma TV.
Deveria vir da sala que ficava no fim dele.
Eu não cheguei até lá, pois parei em frente à porta do quarto
dela.
Em minha defesa, às vezes em que estive ali não tinha ela.
Eu não era louco para ficar observando alguém dormir!
Antes daquela noite, era claro.
Se a porta estava trancada, o que nunca acontecia, então ela
estava lá dentro.
Sabia que não deveria olhar!
Era a puta que eu precisava odiar e odiava por não poder
sentir outra coisa.
Mas era mais forte que eu.
Girei a maçaneta com cuidado e olhei pela brecha.
Sim, ela estava dormindo, e fazia isso com o abajur aceso e
um livro em cima do peito.
Ela deveria estar dormindo há muito tempo, estava
completamente relaxada na cama e não iria acordar para guardar o
livro, nem apagar a luz.
Eu entrei para fazer isso.
A última pessoa a quem eu deveria cuidar era a primeira que
recebia isso de mim.
Eu estava em apuros.
Precisava dos milhares de quilômetros entre Madrid e Calábria
para me manter distante dela.
Quando parei ao lado da cama, me perdi observando seu
rosto calmo.
A mulher passava o dia inteiro distribuindo sorrisos, os
mesmos doces que distribuiu no casamento onde a vi pela primeira
vez em uma década e, felizmente, e eu conseguia evitar que ela
desse um deles pra mim, porque caso acontecesse, eu esqueceria de
vez quem ela realmente era.
Será que ela dava aqueles sorrisos para os homens que
pagavam para foder com ela todas as noites?
Com quantos homens ela se deitou, ou tinha homens fixos?
Será que ela tinha machucado aquele homem porque ele não
queria pagar o devido valor que cobrava?
Essas perguntas afastavam a afeição que tentava nascer por
ela.
Aquele rostinho delicado, de cílios tão grandes, sobrancelhas
largas e lábios carnudos não me enganava.
Segurei a parte de cima do livro e puxei para tirar dos braços
dela, mas a mulher despertou tão rápido que recuei com o coração
disparado. Ela puxou uma cruz debaixo do travesseiro e apontou
para mim.
— Crux Sacra Sit Mihi Lux. Non Draco Sit Mihi Dux[1].
Eu não acreditei no que ela estava fazendo, andei de costas
para a saída e ela continuou rezando, acompanhando minha direção
com a cruz.
— Vade Retro Satana. Num Quam Suade Mihi Vana. Sunt
Mala Quae Libas. Ipse Venena Bibas[2].
Fechei a porta e cobri a boca com a mão.
Andei a passos rápidos, com a voz dela na minha cabeça,
procurei o cômodo mais perto que tinha e depois de passar pela
cozinha e as salas, me escondi no escritório.
Enquanto Damon gritava assustado com a minha chegada
repentina, eu me mantive encostado na porta, quase explodindo em
uma vontade inesperada de rir daquele momento.
— Héctor? Que merda você tem?
Olhei para o meu irmão e não consegui conter a risada.
Foi a gargalhada mais sincera que já dei desde que tinha
meus poucos anos de idade e não via maldade em nada.
Eu fui exorcizado pela Caterina?
Era impossível não pensar na situação e não rir.
Ou ela era completamente louca ou acreditava mesmo que eu
tinha algum problema espiritual.
Mas o que fodeu a minha cabeça a ponto de me fazer cair na
risada foi a maneira como isso foi feito, ela acordou em alerta e
como se estivesse esperando aquele momento, como se soubesse
que eu apareceria no quarto dela, arrastou a cruz que não era
pequena e apontou em minha direção.
Ela falou em latim!
— Héctor, quem você matou?
Eu não conseguia falar uma palavra.
Damon estava pálido, ele segurava meu rosto e me encarava
como se tentasse decifrar o que passava na minha mente.
— Merda, você matou a Caterina? — Ele me afastou da porta
e saiu depressa.
Eu deveria falar que não.
Que loucura!
Eu jamais mataria aquela mulher, mas a vontade de jogá-la
em Madrid era real, para assim não precisar conviver com ela.
As ameaças serviam apenas para afastá-la de mim.
Eu me sentei na poltrona e tentei tomar o controle do meu
corpo.
A voz, seus movimentos, os olhos esbugalhados, tudo me
fazia querer continuar rindo, mas eu me recuperei aos poucos. Um
pigarro apareceu na minha garganta, meus pulmões puderam subir
e descer com calma, então, depois de alguns minutos, Damon voltou
e ao encará-lo toda a evolução que tive foi em vão.
Damon trancou a porta e olhou nos meus olhos, com os
cantos da boca se contraindo.
— Ela estava viva e acabou de me dizer que te exorcizou. Ela
está bem orgulhosa do que fez.
Eu ri de novo e ele me acompanhou.
— Eu não esperava por isso, Damon.
— Que mulher doida! — Ele se sentou na minha frente.
— Então ela acha mesmo que pode me fazer ser melhor
desse jeito? — Sequei os cantos externos dos olhos. — Como vou
odiar essa mulher, Damon?
Era nesse momento que eu tinha que repetir quem ela
realmente era, que tinha que sentir nojo dela, mas o nosso encontro
recente ainda me abalava.
— Que merda você foi fazer no quarto dela?
— Eu... Eu fui apagar o abajur. Só isso. — Eu nem sabia
mentir.
Damon semicerrou os olhos pra mim.
— Você, Héctor, apagando o abajur para os outros? — Ele
sabia bem que eu não era capaz daquilo. — Acho que ela estava
certa por tentar fazer isso, mas não acho que seja nada maligno. Pra
você fazer esse tipo de bondade, deve ser um anjo. Olha isso! Você
tem um sorriso normal!
— Ela tem que ir embora daqui, Damon, ou eu não sei o que
será de mim.
CAPÍTULO 15
CATERINA SÁNCHEZ
O exorcismo que fiz deu tão certo que não vi Héctor por uns
três dias seguidos.
Foi bom passear pela casa sem tê-lo reclamando comigo, mas
confesso que não sentir a sua presença foi estranho.
Parecia que estava faltando algo.
Claro que não sentia falta de ouvir suas ameaças, mas era
estranho viver ali como se ele não habitasse o lugar.
Eu fiquei tão à vontade que quando estava carregando um
jarro de porcelana com o novo arranjo que fiz para enfeitar a sala,
parei para observar o lindo teto catedral.
Eu andava até cantando de tanta paz que existia na minha
vida, os dias estavam mais claros, frescos e alegres. Os anjinhos
esculpidos no teto brilhavam com a luz que atravessava os vitrais.
Quem fez aquilo, deveria ter levado tanto tempo!
Eu não tinha jeito para arte, já a Ramona parecia ter muito.
Rita me mostrou os vários quadros na casa que foram pintados por
ela, um mais perfeito que o outro.
Porém, ela deveria ser muito pequena na época que fizeram
aquela casa, e não poderia ter feito nada daquilo que tinha no teto.
O dia escureceu ao meu redor repentinamente e a música
que eu cantava se tornou mais um mantra para afastar o medo de
mim.
Eu conhecia aquele cheiro e, por mais louco que parecesse, a
intensidade daquele calor.
— Posso te pedir uma coisa?
Eu não olhei para ele, permaneci encarando o teto.
— O quê?
— Pare de cantar.
O pedido era ridículo e me fez querer rir.
O homem se incomodava com tudo que eu fazia e a sua
presença ali significava que precisava rezar mais para continuar
mantendo-o longe de mim.
Eu me virei para ele sem temer sua presença.
Eu já sabia como lidar com o seu tipinho.
Ele me olhava de cima, com o cabelo preto brilhoso, penteado
de lado sem nenhum fio fora do lugar, os olhos pretos estavam
brilhando e seu pomo de Adão subiu e desceu.
Eu deveria odiar revê-lo, tinha consciência disso...
Mas, por que, eu gostava de tê-lo na minha frente?
Não era capaz de me compreender.
Talvez Héctor fosse o meu desafio particular e afastá-lo de
vez me deixasse sem muito propósito.
— Se acostume, porque quando você estiver no inferno, essa
será a trilha sonora, na minha voz. — Dessa vez, fui eu a ameaçá-lo,
me divertindo com o seu pedido tolo.
Ele riu com escárnio, mostrando os dentes perfeitamente
alinhados.
— Eu já vivo o inferno com você aqui.
— Então é mútuo. — Dei as costas a ele e voltei a encarar o
teto.
— Infelizmente, nenhum desses anjos vai se soltar e cair em
cima de você, então não faz sentido ficar aqui parada, os encarando.
— Só estou tentando entender como você consegue entrar
em uma casa com tantos anjos e crucifixos. — Ouvi uma risada
diferente atrás de mim, mas quando me virei, curiosa, vi o final do
seu riso e a cara de pôquer se moldou.
Será que ele estava achando graça do que eu fiz?
— O que fazia no meu quarto? — Dessa vez, deixei toda a
provocação de lado e o encarei séria, preocupada comigo mesma.
Depois daquela noite, passei a dormir com a porta bem
trancada, para evitar acordar e ver esse homem de olhar sombrio
me observando. Só não foi um trauma porque dormi em alerta,
preparada com as maneiras de afastá-lo de mim e só parei para
pensar no quanto ele foi invasivo entrando no meu quarto muito
tempo depois.
Eu nem comentei com ninguém além do Damon, que me
procurou para saber o que tinha acontecido.
Vi o olhar de Héctor se desarmar, ele o desviou de mim por
segundos demais para me fazer concluir que não sabia o que dizer.
Héctor sempre soube que queria fazer comigo. Arrancar uma
mão, cortar a língua, me jogar de um avião, acabar comigo de uma
vez por todas.
Ele entrou no meu quarto sem saber qual maldade iria fazer?
Eu não tinha dúvida de que, por mais cruel que fosse a ideia
que passava na sua cabeça, ele não temia ser sincero ao admitir.
— Eu vi a luz acesa. — Ele voltou a me encarar. — E entrei
para apagar.
— Você? — Levantei o indicador, duvidando daquilo, por mais
manso e sincero que parecesse. — Não volte a tentar entrar no meu
quarto. Da próxima vez, eu não vou usar a cruz pra te exorcizar.
Acho que você se lembra o que aconteceu com o último que tentou
me tocar.
Dessa vez, era eu quem estava puro ódio.
Podia fugir do que eu temia, mas se fosse preciso me
defender, eu não ficaria parada.
Levei o jarro até a mesa onde pretendia colocá-lo e Héctor
não saiu do lugar.
— Você acha mesmo que vou procurar você, uma putinha
refugiada, pra alguma coisa como sexo? — A risada dele era esnobe.
— Me poupe.
Eu não olhei para trás enquanto ele saía do cômodo, mas
pude imaginar o nojo dele falando aquilo.
Mesmo eu não sendo a putinha que ele disse e não
merecendo o nojo que sentia, eu me senti mal, abalada, ofendida,
como se fosse mesmo tudo aquilo. Por outro lado, tinha a voz de
Damon na minha mente, falando que eu tinha sorte por ser isso.
Das piores coisas que Héctor podia querer fazer comigo, me
desejar pra sexo seria a que mais me causaria medo.
Seu nojo me magoava, mas me deixava aliviada.
Eu já tinha visto e ouvido sobre o seu lado cruel, e não queria
experimentá-lo de qualquer maneira que fosse.
Quem também ficou distante naqueles dias foi a Serena.
Ela estava agindo muito suspeita e andava bem próxima da
Chiara e da Ramona, mas me procurou na estufa na quarta-feira,
cobrindo o rosto.
— Eu sou uma vergonha, Cate.
— O que fez? — Abri um sorriso só de imaginar o que era.
Se fosse mesmo a minha aposta, eu ficaria como quando o tio
Alejandro desabafava comigo, dizendo: é complicado.
Ela deitou a cabeça na mesa.
— Eu fui infiel. Muitas vezes infiel — ela choramingou.
Mas era um choro tão safado!
— Você e o Henrico, hein?
Ela cobriu o rosto mais uma vez.
— Eu me perdi no pecado, Caterina. É que ele tem cerca de
1,90 m, é musculoso, cheiroso e tem muita pegada. Eu não pude
resistir.
Gargalhei.
— Serena... Agora não tem mais jeito.
Eu nem sabia o que dizer pra ela.
Fui eu quem ficou falando que ele era muito protetor,
ciumento e parecia encará-la como mais do que uma obrigação para
cuidar.
— Eu te disse, quando o seu divórcio sair, ele estará
esperando do lado de fora do cartório. Divórcio ou certidão de óbito.
Ela riu olhando para mim.
— Caterina, não tem mais volta. Eu fui longe demais. Ele só
deveria me proteger, apenas isso e era o que eu deveria querer, mas
agora as coisas mudaram de propósito e ele disse... — Ela baixou o
tom de voz. — Que eu era dele.
Cobrimos a boca rindo.
Eu não conseguia imaginar Henrico falando aquilo sem
parecer um robozinho.
— É sério?
— Sim! — Ela ria, mas parecia gostar disso.
— Eu nem preciso perguntar se isso te faz feliz. Então, ele
terminou com o Héctor ou vocês andam aprontando escondidos?
Ela gargalhou, mas parou rapidamente.
— Caterina, você é louca de pensar uma coisa dessa. Você viu
como o Héctor reagiu naquele dia. Eles são 110% héteros, pelo
menos do Henrico em não tenho dúvida.
— Eu só achei pela maneira como eles falaram aquelas
coisas. — Dei de ombros.
— Homens! Homens são escrotos.
— E o Héctor deve ser o rei da escrotidão. — Peguei o
regador debaixo da mesa e o levei para encher na torneira.
Eu ainda estava remoendo o desprezo das palavras que
Héctor me disse naquela sala.
Não deveria ficar magoada, mas eu não merecia ouvir aquilo.
Poderia enfrentá-lo e falar que eu não era nada do que dizia,
mas ele já tinha deixado claro em outros encontros que não
acreditava em nada do que eu ou as outras putas falavam.
Seria perda de tempo.
— Com certeza ele é. Coitada da mulher que se casar com
ele. — Serena me acompanhou.
Ela era a minha sombra na estufa, sempre que aparecia.
— O tio Alejandro bateu o martelo mesmo, ele vai ter que se
casar. Vamos ver quando isso irá acontecer e quem será a vítima.
Com certeza será alguém que nasceu em berço de ouro e que é tão
obcecada por luxo que nem vai se importar com o jeito dele, então
vão fazer filhos em um sexo sem graça e viver cada um fazendo o
que gosta. Ela comprando e mostrando às amigas do High Society
sua riqueza, e ele arrancando cada centavo dos empresários à base
de tortura.
Era uma previsão triste, mas no contexto que eles viviam se
tornava certeira.
— Tomara que esse dia chegue logo, para ele me deixar em
paz. — Esse era o meu novo desejo.
CAPÍTULO 16
CATERINA SÁNCHEZ
Foram duas semanas estranhas, de muito silêncio e
quietude. Vi as meninas se mobilizando para fazer Serena ficar feliz
depois que algumas coisas ruins aconteceram com ela naqueles dias.
Mesmo assim, ela sempre voltava à estufa para ficar me contando
suas histórias, as coisas que aconteciam dentro da casa.
Eu estava evitando passear por ali, o tio Alejandro já não me
chamava para levar comida ou consertar alguma coisa, e os homens
estavam mobilizados para encontrar o marido da Serena.
Ela era quem me contava tudo e o que me irritava na
conversa era que eu ficava na expectativa de saber do babaca que
me desprezou.
Como poderia ter curiosidade sobre o que se passava na vida
de quem eu queria longe de mim?
Por que eu me importava se aquele cretino estava vivo ou
morto?
Eu deveria estar intoxicada por alguma planta venenosa que
ainda não tinha reparado que existia naquela estufa.
Só podia ser isso!
Ou se explicava simplesmente da mesma maneira que as
mulheres eram o maior público de True Crime, assim como o alvo
dos criminosos.
Eu era o alvo de Héctor e ele sempre estava de olho em mim.
Com o tempo eu estava ganhando coragem para enfrentá-lo, mas
me deixava no escuro não saber seus passos, sem ter ideia do que
esperar dele.
Vivíamos em um jogo de gato e rato, o qual eu me sentia
instigada a jogar.
Naquele domingo, que eu já tinha perdido a noção de quanto
tempo fazia que eu estava ali, ouvi que as meninas iam sair com
Henrico.
Achei bom pela Serena e quando assisti à saída delas, ao lado
de Camilla, vi que todos estavam indo, menos o Héctor.
Qual era o problema que ele tinha que não podia ir se divertir
com os outros?
— Caterina, acho que já está na hora de trocar as plantas do
primeiro andar — Camilla avisou.
Possivelmente, ela estava errada sobre a troca, por isso antes
de ir, peguei o menor regador e enchi de água.
Elas geralmente precisavam disso.
Entrei na casa silenciosa. Sem Damon o lugar era como um
cemitério, pois ele costumava falar alto.
Eu não ousaria subir pela escada principal por motivos óbvios.
Ainda existia um deles ali e eu não queria cruzar com ele. Entrei na
biblioteca e, focada em não derramar nenhuma gota d’água no chão
de madeira, só reparei que tinha uma luz acesa depois que fechei a
porta.
Olhei para o abajur e quando vi a pessoa sentada na
poltrona, tremi de susto. Por sorte segurava firme na alça do
regador e ele não caiu nem derramou nada, mas cobri o peito com a
mão livre, para me certificar de que meu coração não iria rasgar o
peito e pular para fora.
Ele estava batendo forte demais.
A luz refletia nos olhos escuros de Héctor, mesma cor da
cacharréu que vestia, o livro no colo dele era sobre biologia e ele
passava as folhas sem realmente lê-las, pois, seu olhar estava fixo
em mim, sem piscar.
Meu corpo não estava reagindo na forma certa diante dele,
depois do susto do inferno, eu me sentia eufórica por estar frente a
frente com ele, mesmo sabendo que nada de bom poderia vir
daquele tipo de encontro.
— Então é aqui que você se esconde?
Sim.
Merda, ele tinha descoberto o único lugar seguro da casa!
— O que faz aqui? — Não consegui esconder o quanto fiquei
aborrecida com o seu intrometimento.
A casa era dele, sim, mas desde que eu vivia ali, nem ele,
nem nenhum dos seus familiares entravam naquele cômodo.
— Estou lendo.
— Desde?
— Desde hoje. — Ele cruzou as pernas e tive a certeza de que
não pretendia sair dali tão cedo.
Não era possível que eu passaria a encontrá-lo no lugar que
justamente eu ia para não acontecer isso.
Suspirei e me senti cansada para discutir com ele.
— Ok. — Segui meu caminho, subi a escada com o regador e
o deixei tomando conta do lugar.
No fim das contas, não seria a minha reclamação que o faria
deixar de ir até lá e o que me restava era ter sorte para não passar
por ali quando ele estivesse.
Aquele encontro era só um aviso de “estou em todos os
lugares”, mas na próxima vez poderia ser mais ofensas e ameaças.
HÉCTOR BARONE
Descobri que adorava ter controle, que, na verdade, eu
achava que tinha.
Eu não tinha o principal: controle sobre mim.
Estava agindo como um perseguidor e não no melhor do
sentido. Quando estava indo atrás da pessoa certa, eu fazia o
inverso e procurava a pessoa errada descontroladamente.
O que aconteceu com a cadela do Henrico me deixou
preocupado.
Olha só, estava preocupado com alguém que não era eu!
Mas não estava preocupado com ela e sim com o que
aconteceu e como Henrico reagiu. Vi o quanto o meu amigo estava
perdido por aquela mulher, que era a pessoa errada para ele e temi
acabar da mesma forma.
Como o meu pai via vantagem em ter alguém como seu
ponto fraco escancarado para os outros?
Eu não aceitava.
Aquilo só me motivou a escolher qualquer uma de boa família
para me casar, coisa que eu não movi um dedo para procurar.
Inclusive, fazia semanas que não me deitava com uma mulher,
decente ou não. Eu estava paralisado quando o assunto era esse e
só me movia na direção errada.
A biblioteca.
Antes da reunião com meu pai, passei por lá. Era cedo e eu
sabia que tinha chance de encontrá-la.
Merda, eu não deveria querer encontrá-la, mas queria!
Desejava.
E sabia que quando ficasse sozinho com ela, só as palavras
da dura realidade nos afastariam.
Por Deus, ela era demais e nem digo por beleza. Era muito
mais que isso pra alguém como eu reparar, mas a desgraçada não
passava despercebida por ninguém.
Garcia deveria estar me odiando por ter roubado a sua puta
mais valiosa, embora ele nunca tivesse entrado em contato e
reclamado disso. Ninguém reclamava dela e acreditava que nem
meu pai, que disse que buscaria saber como as coisas estavam em
Madrid fez isso.
Já fazia mais de um mês que ela trabalhava na nossa casa e
naquelas semanas em que estivemos muito ocupados fora dali,
correndo perigo de ser o próximo, eu sabia que se voltasse para lá,
a encontraria em algum lugar.
A biblioteca era seu atalho e demorei para desvendar isso, até
que aconteceu.
Antes de me sentar na poltrona, para desperdiçar meu tempo
olhando para algum livro qualquer, procurei um deles na estante.
Um deles, fora da fileira, acabou em minhas mãos.
Era sobre plantas.
Ela deveria estar lendo.
Uma puta gostosa e inteligente.
Era de desgraçar a cabeça de qualquer um.
Eu me sentei e nele eu reconheci várias plantas que ela
costumava cuidar. Acabei lendo enquanto ignorava que meu pai
havia convocado a tal reunião.
Quando a porta se abriu, soube que estava no lugar certo e
na hora certa.
Completamente certo e errado, ao mesmo tempo.
Ela paralisou ao me ver.
Eu era obcecado por suas feições. O jeito como seus olhos
cresciam no susto, os lábios se afastando e o peito que subia e não
desinflava enquanto ela não se movesse. Ela tinha seios lindos,
curvas perfeitas, o cabelo era um dos detalhes que eu mais gostava.
Nua deveria ser a maior das perfeições.
Nua para vários...
Fodendo com vários por dinheiro...
Ela precisava ser assim pra ganhar a vida e como parecia
natural, tinha muita sorte de não precisar se esforçar pra ser
gostosa.
Ela revirou os olhos e carregando alguns lençóis foi para a
escada.
— Cansou de se esconder? — A provocação voou da minha
boca.
Eu precisava ouvir a voz dela.
Poucas palavras bastavam.
Estava me torturando, sabia, mas a essa altura eu havia
descoberto que não gostava apenas de torturar como também de
ser torturado.
Ela parou no primeiro degrau e fechou os olhos.
De perfil, era mais fácil ver a curva que sua bunda fazia junto
à lombar.
O vestido caía por ela sem poder encostar na parte de trás
das coxas.
As espanholas me atraíam, isto era um fato.
— Eu já sei o que você pensa sobre mim, então não precisa
ficar me procurando pra repetir. Todas as vezes que você me
insultou serviram para o seu propósito por muito tempo. — Ela
parecia estar bem chateada comigo.
Mais do que o normal, mas sem medo dessa vez.
Ela não poderia estar magoada por eu apontar os fatos,
mesmo assim o meu propósito era esse, porque se aquela mulher
me admirasse o mínimo que fosse, eu não saberia como lidar.
Preferia lidar com sua raiva.
— Mas você ainda está aqui...
A raiz do problema.
— Então faz assim, me joga dentro de um avião e depois no
centro de Madrid, sem uma mão e morta como você queria.
Me desafiando?
Eu me levantei e deixei o livro na poltrona, pois precisava ver
sua coragem de perto, por mais perigoso e irresistível que fosse.
Eu me encostei na estante e encarei seu rosto pequeno de
nariz empinado.
— Tem certeza mesmo que quer?
— Não é isso que você quer? — Ela ergueu a sobrancelha. —
Não é por isso que fica no meu pé? Pra me convencer a ir embora
daqui? Eu já estou me cansando do seu inferno, então voar pelo céu
de Madrid não deve ser tão mal, melhor ainda a aterrissagem, vai
me livrar de todos os problemas que deixei lá.
Ela estava dizendo que era melhor a morte do que ter que me
aguentar?
Foi isso o que entendi no meio dessa conversa.
Eu não gostava que me desafiassem e muito menos que
saíssem melhores do que eu.
Se minha ameaça — que nunca seria cumprida — a
beneficiasse, então não me parecia boa ideia, visto que ela me
deixaria mais louco do que eu já vivia.
— Então parece que te prender aqui será o seu melhor
castigo.
— Por?
Por me fazer me apaixonar por você, sua puta desgraçada!
Será que uma coisa dessa não passava pela cabeça dela?
Eu sabia que alguém como ela tinha maldade de sobra na
mente. Ela podia reconhecer potenciais fregueses facilmente.
Eu não era um, mas ela poderia ver que eu tinha algum
interesse.
— Por surgir na minha vida. Eu estava bem antes de você,
sabia?
— Não posso dizer o mesmo, mas com certeza, onde quer
que eu estivesse agora, seria melhor do que com você e seus
enigmas. Você é muito perturbado, sabia? Deveria se tratar, sei lá,
buscar um psiquiatra, um psicólogo ou... Um padre!
A mulher subiu a escada pisando forte e eu fiquei assistindo
até ela passar pela porta e trancá-la.
Não era a primeira vez que eu ouvia que precisava da ajuda
de um dos três, mas eu preferia ser encarado dessa forma do que
falar a verdade e me tornar chacota na frente de todos.
CAPÍTULO 17
HÉCTOR BARONE
A Ramona inventou uma festa.
A minha irmã caçula era a materialização da futilidade
somada ao egoísmo. Ela não se importava com ninguém, assim
como eu; se metia em problemas, assim como eu também, mas
espera que tinha as diferenças, ela também fazia o que dava na
cabeça, o que eu também fazia e ela era UMA GRANDE MIMADA!
Estava doido para me sentar no lugar do nosso pai e fazê-la
pagar por todas as burrices que fazia com o pior casamento possível
para ela e que fosse benéfico para nós.
Mas como a princesinha mimada que era, nosso pai permitiu
a festa, porque não poderia deixar a filhinha dele passando vontade,
entediada dentro de uma mansão de milhares de metros quadrados.
Não tinha um mês que Serena passou por uma situação
complicada e a minha irmã egoísta estava disposta a colocar a amiga
em perigo para satisfazer seus desejos.
Não nos restou mais do que aceitar.
Os convidados foram selecionados a dedo, gentinha próxima
a família, e para garantir que nenhum desconhecido perigoso, como
a última infiltrada que levou as mulheres a outra confusão, porque
elas se metiam em inúmeras, a festa foi feita em um dos galpões
nos fundos da casa.
Eu estava furioso porque sabia que convidaram a florista e
com meu melhor amigo obcecado pela Serena, não tive coragem de
contar pra ele o mesmo que disse a Damon, permaneci o
contrariando.
Damon buscava em cada oportunidade explanar meus
verdadeiros sentimentos, parecendo que não estava nas minhas
mãos. Uma palavra a mais e eu contaria a Henrico tudo o que ele
andava fazendo com a Chiara.
Henrico era um irmão protetor e jamais deixaria a Chiara se
envolver com um homem noivo de outra.
Sim, ele era hipócrita também.
E disse que a festa da minha irmã parecia uma boate de
baixo orçamento.
Assim que entramos na festa, cada um foi para um lado. Eu
sabia que ele se juntaria à meretriz da Serena e não assistiria àquela
palhaçada de maneira alguma.
O meu foco era outro.
Na verdade, o foco de sempre.
Se ela tivesse um pouco de juízo, não apareceria naquela
festa. Ali não era o lugar dela. Quer dizer, sim, ela estava
acostumada a ganhar a vida daquela forma, mas não queria ver
isso.
Se visse, na melhor das hipóteses eu perderia todo o encanto
que teimava permanecer em mim, na pior e mais provável hipótese,
aquela festa não terminaria bem.
Pedi uma bebida no bar e fiquei perto do balcão, observando
os convidados da festa. Como a maioria era de pessoas conhecidas,
muitos vieram me cumprimentar, grande parte eram mulheres.
— Quanto tempo, Héctor. — Uma loira de vestido dourado,
apertado nos seios, segurou o meu braço.
Eu me lembrava do seu rosto, mas não do nome.
— Pois é. — Dei um gole na bebida.
— Ainda sozinho? — Ela olhava para as minhas mãos.
— Felizmente.
Ela sorriu.
— Tirou as palavras da minha boca.
Longe de mim ter falado no sentido que ela entendeu.
— Eu terminei meu noivado. — Ela mostrou a mão com todos
os dedos preenchidos por anéis menos o anelar e o sorriso animado
garantia que estava feliz com isso.
Essa mulher, a qual não lembrava o nome, tinha um rosto
redondo, nariz pequeno e olhos azuis sufocados em camadas de
cílios postiços e lápis preto.
Era o tipo de baranga que eu passava longe.
Odiava o tipo de mulher que para ficar bonita precisava de
tanta coisa. Isso dizia mais sobre a insegurança dela do que a beleza
real.
— Vamos dançar? — ela sugeriu.
— Não — falei sem rodeios.
Não costumava inventar desculpas para esse tipo de coisa.
— Por que não? Vai passar a noite toda parado, bebendo? —
Ela encolheu o nariz.
— Isso mesmo. — E desejava que ela fizesse o que queria
longe de mim.
Ela baixou os ombros e pendeu a cabeça para o lado, como
se uma birra fosse me convencer de algo.
Eu a puxei pelo braço para poder falar no seu ouvido bem
alto e claro.
— Faz um favor?
— O que você quiser. — Ela me encarou sorrindo.
— Ótimo! Some da minha frente. — Larguei o braço dela e o
sorriso se desmanchou, dando espaço a uma cara feia.
— Foda-se! — Ela fez o que eu pedi.
Ela estava atrapalhando a minha observação!
Voltei a inspecionar a festa até que vi um rostinho sorridente
bem longe de mim, iluminado pela luz que tinha em cima dela.
Imediatamente, meu corpo perdeu o equilíbrio. Estava bem
apoiado para cair, mas por dentro meu coração estava batendo a
solavancos e o resto estava uma bagunça só, como um avião em
turbulência.
Segundos depois que recuperei a capacidade de me mover,
estava indo de encontro a ela.
A corajosa estava com o vestido que usava quando a
trouxemos para nossa casa, toda apertada no tubinho preto,
dançando como se não tivesse uma preocupação na vida, enquanto
um homem dançava perto dela.
Ela não me viu, pois eu ainda tinha alguns imbecis para
desviar até chegar nela.
Então a vi indo para o balcão e pegando um copo de drink
com o garçom.
O homem que estava a rodeando eu conhecia, um playboy
pálido que vivia torrando o dinheiro dos pais.
Eles conversavam ao pé do ouvido.
Mas que porra!
Eu empurrei quem tinha na frente, ignorei as reclamações e
segurei o braço dela.
Caterina virou a cabeça para mim com o canudo na boca e
nenhum espanto no olhar.
Eu me senti insultado.
Ela não respeitava mesmo a minha casa, a chance que teve
quando meu pai a deixou trabalhar ali e o principal, ela não tinha
mais medo de mim.
— O que faz aqui? — perguntei consumido pela raiva.
Era o meu momento de descanso dela, de pensar nela e eu já
não estava aproveitando porque sabia que ela tinha sido convidada.
Tê-la ali só me afundaria mais ainda na confusão de sentimentos
que ela me causava.
— Fui convidada.
— Héctor — o rapaz chamou e olhei para ele sem intenção de
responder. — Tudo bem?
— Poderia estar melhor. — Voltei a encarar a florista, que
continuava tomando a bebida com os cantos da boca erguidos.
Era uma provocação.
— Esse lugar não é pra você.
— É lugar de diversão e a única pessoa que parece não estar
se divertindo aqui é você, então é você que está no lugar errado.
— Escuta. — Encostei a boca no seu ouvido e senti quando
estremeceu assim que respirei para falar. O cheiro doce de rosas do
cabelo entrou nas minhas narinas e quase me fez perder o rumo da
conversa. — Você não vai fazer nessa festa o que fazia na Lujuria.
Ela arrastou o braço da minha mão e me afastou, indo para a
pista mexendo os quadris e ombros.
Eu não podia com aquilo.
— Porra, ela é gostosa demais! É alguma coisa sua? — O
idiota a assistia com um sorriso maldoso.
— Não é de ninguém, então fica na sua. — Fui atrás da
teimosa.
Ela estava dançando no lugar mais apertado da festa, sem
tirar a porra do canudo da boca. Poucos movimentos, mas o
suficiente para seduzir metade da festa. Eu estava no controle, com
raiva em pensar que ela facilmente daria pra todos e eu ainda não
tinha me conformado que aquela mulher que vi no casamento não
passava de uma impressão do lado claro da sua vida dupla ou tripla.
Então o olhar dela acertou o meu, olhos amendoados,
brilhantes. Ela parou de dançar.
— Me deixa em paz, Héctor! Foi a sua irmã quem me
chamou, então eu só vou embora daqui se ela mandar.
— Você vai agora.
Eu tinha que tirá-la dali antes que a natureza dela gritasse
mais alto e eu matasse cada um dos filhos da puta que caísse na
lábia dela.
— Não vou. — Ela voltou a dançar de costas para mim,
andando para o lugar mais apertado ainda.
Esfreguei meu rosto e o lado racional exclamava que não era
problema meu, que não valia a pena, mas meu lado sentimental
estava morrendo de medo de que ela confirmasse tudo de ruim que
eu sabia da sua existência.
Decidi chamar os seguranças, eles a conheciam, mandei que
a tirassem da festa e se ela resistisse, a trancasse em outro lugar,
então voltei para o balcão e assisti a vagabunda sendo escoltada
para fora, sem desmanchar o sorriso no rosto e ainda levando a
bebida junto.
Ela ainda iria me levar à loucura extrema.
Eu estava tão nervoso com a possibilidade dela voltar e
aprontar que tive que me certificar de que os seguranças tinham
conseguido levá-la para casa. Saí do lado de fora e assisti ao homem
de dois metros a acompanhando para lá. Ela parecia estar
conversando com ele, como se não se incomodasse com a
companhia. Quando chegaram em uma das entradas, ela abriu a
porta e acenou para o homem, depois entrou e se trancou.
Então eu queria saber que amizade era aquela.
Como aquela cadela era capaz de enganar tanta gente, até
mesmo as pessoas que eram pagas para evitar que isso
acontecesse.
Esperei o segurança voltar.
E se ela estivesse trepando com os seguranças?
Motivo para sentir nojo dela, mas o medo de ser verdade e
ciúme falava mais alto.
— Ela está em casa, senhor. — O segurança parou na minha
frente.
Ele não parecia ser o tipo de pessoa que visitava puteiros, era
um homem sério com um pouco mais de idade que eu.
— O que ela disse?
— Bobagens.
— Que tipo de bobagens? — exigi saber.
Ele deu um meio-sorriso.
— Ela falou da implicância do senhor com ela. Só isso.
Reclamando de mim para os outros?
Que ótima funcionária ela era.
— Ok. — Eu preferi acreditar naquilo para não encher a
minha cabeça com mais possibilidades sobre as práticas dela.
Voltei para a festa e bebi algumas doses sozinho.
Ainda não queria ficar assistindo meus irmãos ou o meu
amigo aprontando alguma barbaridade.
Só depois de muito tempo, que os encontrei, mas foi fora da
festa, quando Serena estava chorando desesperada nos braços do
Henrico.
— O que está acontecendo?
Ele me contou tudo muito nervoso.
— Traidores? — frisei a palavra que me deu ânimo naquela
noite. — Estou indo procurá-lo.
Eu precisava de distração e diversão para mim quase sempre
tinha um significado diferente do que era para os outros.
Poder causar dor e ouvir alguém implorando, falando tudo
que eu precisava ouvir, era ótimo!
Isso sim era festa para mim!
Mandei os seguranças caçarem por todo o lugar e assim que
encontrasse um suspeito, levassem para o porão de interrogação.
Às vezes, antes da putinha aparecer na minha vida e tomar
conta dos meus pensamentos ociosos, eu ficava imaginando
maneiras de arrancar a verdade da boca dos traidores.
Cordas, polias, arma de choque, ganchos e alicates, meus
brinquedos favoritos.
E quando precisava de uma limpeza geral, a bazuca.
Arregacei as mangas da camisa social e procurei as luvas
enquanto cantarolava a maldita música que aquela atrevida estava
cantando outro dia.
Eu não sabia dizer quanto tempo se passou, chutaria uns dez
minutos, até que um segurança trouxe o suspeito.
— Você? — Abri um sorriso enorme ao reconhecer o homem
que estava falando com a florista ao pé do ouvido. — Seja bem-
vindo.
— O-o que você quer, cara?
— Conversar. — Peguei as cordas e acenei com a cabeça para
que o segurança se aproximasse com ele. — Na coluna, por favor.
O pavor já estava nos olhos dele e era adorável ver isso.
Eu o amarrei pelas mãos e pés na coluna e com luvas de
limpeza, abri as roupas do medroso para encontrar sua parte mais
fraca.
— O que você vai fazer, Héctor?
— Possivelmente vomitar. — Senti náuseas ao me deparar
com aquilo e me levantei com a pinça. — Aposto que as mulheres
fogem de você assim que abre as calças.
— O que vai fazer, hein?
Peguei a corda pacientemente, com minhas pinças, e dei a
volta nas bolas murchas dele.
— Tenho que confessar que adoro quando vocês covardes
estão implorando pelas partes preciosas, mas o caminho até lá é
nojento e traumatizante. — Dei um nó que seria bem difícil de
desatar.
— Por favor, não puxe essa corda! — Ele começou a chorar.
— Eu? Puxar? Não. Aí não teria graça. Depois de tanto
trabalho para amarrá-la! — Reduzi o cumprimento da corda
enrolando-a na polia.
Quando ela ficou estendida, as bolas do homem foram
arrastadas e os olhos dele saltaram olhando o que estava
acontecendo.
— Não! Não faça isso, por favor! Não faça! — Ele chorou.
— Isso é por ter chegado perto dela, mas... Isso aqui. — Tirei
as luvas, girei um pouquinho a manivela e ele gemeu. — É por você
ter jogado aquele bilhete para a Serena. Então me diga, quem
mandou?
— Eu não sei! Eu não sei!
Girei mais um pouco e ele gritou.
— Para, por favor! Eu não sei!
— Posso ficar aqui a noite toda. Estou com abstinência de
diversão de qualidade. — Peguei o alicate, pensando em mais uma
motivação para ele falar, então notei que Henrico tinha chegado. —
Olha quem chegou! Pegamos esse aqui fugindo e até agora não está
colaborando. Estou em dúvida se uso esse alicate nas unhas ou nos
dentes. O que acha?
O meu amigo não apreciava esse tipo de interrogatório, mas
isso foi antes dele se apaixonar pela cadelinha assassina. Era um
homem sério por natureza, porém naquela hora ele carregava
demônios nos olhos.
Henrico não disse nada antes de analisar os dentes e as
unhas do prisioneiro.
— Os dentes.
Maravilha!
Eu sabia que com a motivação correta, Henrico saberia se
divertir de verdade.
— Não! Por favor, não! — O prisioneiro se sacudia, só
piorando a situação das bolas presas.
— Os dentes da frente — Henrico especificou.
Animado, coloquei as luvas de volta para não me sujar com o
sangue do chorão.
— Por favor. Eu digo, mas não mexa nos meus dentes.
Ele não poderia falar antes que eu arrancasse um dente que
fosse. Eu andava entediado demais sem poder fazer algo assim.
Pendurar a Serena no teto foi tão sem graça!
— Diga. Onde encontrou o Cesare? — Henrico aceitou o
pedido e começou a interrogá-lo.
— O Cesare? Não! Aquele maluco sumiu. Todo mundo sabe!
— E quem te deu o bilhete?
— Foi uma mulher. Ela me encontrou na frente da minha casa
e disse que era uma amiga da garota, inclusive mostrou uma foto,
então chorando, pediu que entregasse. Eu só fiz o que ela pediu.
Que mal tinha?
— Que mal? — Henrico rosnou segurando o rapaz pela gola
da camisa. — A minha mulher está em pânico por causa do bilhete!
Ele mexeu com a vadia errada.
— Eu não sabia!
Claramente movido pela raiva, Henrico tomou o alicate da
minha mão.
— Abra a merda da boca.
— Eu contei tudo — o homem murmurou mal mexendo os
lábios.
Envolvi a mandíbula dele com a mão e apertei as bochechas
até os lábios desgrudarem dos dentes da frente e esses se
afastarem.
Henrico foi rápido e frio arrancando a faceta de um dos
dentes.
— Que bizarrice! — Ri diante do que tinha embaixo daquela
porcelana — Arranca todos, Henrico. Vamos ver como ele é sem
maquiagem.
— Não. Por favor, não. — O covarde chorou.
— Mas o dente era falso. Aposto que nem sentiu dor. —
Henrico arrancou o dente original e vimos o verdadeiro sofrimento
enquanto sangrava na nossa frente.
Meu amigo me devolveu o alicate e por um segundo acreditei
que ele estava satisfeito com a informação que ele deu.
— Ainda não acabamos. Vamos chamar a Ramona.
Precisamos do rosto da cadela. — Ele saiu do porão.
Era o momento dele e da sua vingança, por isso deixei que
decidisse os próximos passos.
Mas, por mim, arrancaria todos os dentes.
Seria maravilhoso ver aquele playboy andando sem as
facetas, com os dentes pontudos, como uma piranha.
Fazer aquilo me deu paz, me deixou leve, como uma droga
para apagar os problemas momentaneamente da minha cabeça.
Era o que eu estava mesmo precisando depois do que vi na
festa.
CAPÍTULO 18
CATERINA SÁNCHEZ
Eu nunca fui de frequentar baladas, mas sempre gostei de
uma festa. Fazia tempo que não saía pra me divertir como fiz na
festa da Ramona e foi tão bom!
Não precisei de drogas nem de álcool para me soltar, estava
tomando drink não alcoólico e dançando como se não tivesse
problemas na vida. Nem mesmo o fato do segurança ter me tirado
de lá a mando do Héctor estragou os bons momentos que vivi.
Quando no dia seguinte a Serena me chamou para junto dela
e Mirabela para visitar o cemitério, onde ela queria fazer uma visita
ao túmulo do pai, fui e aproveitei a caminhada dentro do local
fúnebre para conversar sobre a festa.
— Você acredita que o Héctor foi atrás de mim, na festa? —
Encolhi o nariz.
— Para? — Ela já estava rindo.
— Para me atormentar, é claro. Disse que não deveria estar
lá. — Torci a boca.
Ele estava possesso quando chegou em mim e foi bem na
hora que eu conversava com um rapaz.
Se ele fosse normal, eu diria que foi uma reação de ciúmes,
mas Héctor implicaria comigo de qualquer maneira.
— O que você fez?
— Eu me afastei dele e fui dançar. — Escondi a risada com a
mão. — Depois ele ordenou aos seguranças que me tirassem da
festa.
Ele não podia se divertir com a minha presença.
Era tão bom vê-lo passando pelo mesmo desconforto que ele
me causava!
— A Ramona sabe disso? — Ela ergueu a sobrancelha.
Eu tinha certeza de que quem sugeriu dar o convite para mim
foi a Serena. Eu não era próxima de Ramona, nem de Chiara,
mesmo assim elas me convidaram.
Com certeza foi ideia da Serena.
— Não. Fui embora feliz de ver a cara dele de raiva, sem
poder fazer nada comigo. Ele ficou paralisado me olhando. Se eu
tivesse o encarado por mais de dois segundos, com certeza teria
ficado com medo, mas tinha muita gente presente para ele fazer
alguma coisa.
Ele parecia meu guarda-costas.
O engraçado era que, se ele não tivesse me procurado, talvez
eu nem o visse naquela festa.
Custava ele me ignorar?
Héctor não sabia me ignorar, era obcecado por mim.
— O Henrico deslocou o ombro do rapaz na frente de todos
— Serena revelou e rimos.
Ela estava conseguindo despertar um monstro naquele rapaz.
— Ele está muito apaixonado por você. Agora nem se esforça
para esconder. — Desfiei uma folha que ficou comigo depois que
passamos por uma árvore.
— É. Eu acho que depois de ontem não tem mais o que
esconder.
Eles já não se importavam com isso.
— Você acha que quem deixou o bilhete pode ter contado ao
seu marido o que viu você fazendo?
Imaginei o marido dela aparecendo pra chamar ela de
traidora e fazendo alguma coisa.
— Não, porque ele foi pego antes de fugir, mas se tivesse
feito, eu não me importaria. Perdi o medo do Cesare, Caterina. Já
passei por tantas coisas mais amedrontadoras do que ele, que me
recuso a sofrer por seus bilhetes bobos. Espero que ele experimente
a própria droga e morra intoxicado.
Dei uma gargalhada.
Que mulher má!
Depois eu contive a risada por não ser o ambiente correto
para isso.
— Esse não é um lugar feliz, mas adoraria saber que você
ficou viúva dessa forma.
— Seria o dia mais feliz da minha vida.
Caminhamos um pouco mais, observando a grama que de um
lado era mais verde e do outro mais seca, então ela encontrou o
túmulo do pai e eu preferi dar um momento de privacidade aos dois.
— Eu vou dar um passeio por ali. — Apontei o sentido para
ela. Iria apenas até os túmulos mais tenebrosos. Deveriam ter
séculos de construção. — Quando você quiser ir, me chama.
Ela concordou e ficou para trás.
Nunca gostei de cemitérios, mas aquele, ao menos da
entrada até o meio, parecia um lugar de paz. Para onde eu resolvi ir,
com a curiosidade pendendo para o medo, havia túmulos enormes
cinzentos e estátuas de anjos, como parte de um filme de terror.
Naquele dia, uma tempestade estava se armando, até parecia
combinado para tornar o passeio mais desconfortável. Dei uma
olhada, lendo cada lápide. Pessoas que viveram ali há muitas
décadas mesmo.
Virei para ver o outro lado, um homem tapou minha boca e
me pressionou contra a parede de um túmulo bem alto.
— Quieta — o homem alto, de barba cheia e escura, falava
sussurrando enquanto seus olhos não paravam quietos, olhando
para todos os lados. — Serena...
Ele não parecia estar me chamando de Serena, mas sim a
procurando.
Eu me lembrei da conversa que tive com ela e minhas pernas
falharam ao pensar que aquele poderia ser Cesare, o marido corno
dela.
Ele era bonito, como ela disse, mas não parecia tão bem
cuidado, as roupas escuras, luvas, todo camuflado como se quisesse
passar despercebido entre as pessoas.
Como ele conseguiu entrar em um lugar que foi revistado
pelos homens da família Barone antes de podermos entrar?
Tinha um velório acontecendo na entrada. Se ele estava lá,
Serena não reconheceu.
Tentei murmurar perguntando o que ele queria, mas sua mão
apertava muito forte a minha boca.
— Caterina? — Serena estava me procurando. — Cadê você?
Não me diga que foi até o fim disso. Não era você quem estava
reparando na tristeza do lugar?
Realmente, quando a grama ficou seca, o lugar se tornou
triste.
O homem levantou uma arma e apontou para mim.
— Se gritar eu te mato.
Foi a primeira vez que algo assim aconteceu. Eu nunca tinha
sido ameaçada daquela forma, sentido aquele medo, como se o meu
tempo estivesse acabando e eu não pudesse fazer nada.
Héctor nunca me causou ameaça tão real. Ele sempre dizia
aquelas coisas, mas não se movia para fazer, era o seu olhar, voz e
jeito que me fazia temer que poderia acontecer sim.
Já aquela arma apontada para mim era real.
Era uma ameaça direta à minha vida.
Ele tirou a mão da minha boca e me puxou pelo ombro, me
afastando da parede, então me colocou de costas para ele e cobriu a
minha boca mais uma vez, mantendo a arma encostada na minha
cabeça.
— Só estou aqui resgatando a minha mulher e é isso que
você deve dizer a eles.
— Caterina, pelo amor de Deus, me poupe dos pesadelos e
apareça. Se for me causar susto, vou mandar o Héctor aparecer à
noite no seu quarto. Sim, eu farei isso.
Eu preferia!
Eu suportaria ver Héctor na minha frente todas as noites se
isso me livrasse de morrer nas mãos do homem que me fazia de
refém.
A frieza do cano conseguia atravessar os fios do meu cabelo e
ser sentida no meu couro.
Serena pulou na nossa frente.
— Peguei você.
E assim que encarou o homem, ela perdeu toda a
empolgação.
— Não, amor, eu te peguei — o homem replicou com um tom
mais forte e medonho.
Serena olhou para mim sem ânimo algum e eu quis chorar
por imaginar que ela não poderia me ajudar, que ambas estávamos
fodidas e que seríamos mortas em breve.
— Como entrou aqui? Como soube que eu estava aqui? — Ela
ergueu a cabeça ao falar com o homem.
— Poderia ter dificuldade em te encontrar em qualquer dia do
ano, mas não nessa data, amor. Aliás, nunca tive dificuldade de te
encontrar, meus corvos estão em todos os lugares.
Eu deveria ter ficado lavando as minhas roupas, mas não
perdia uma chance de um passeio seguro.
Grande “passeio seguro”!
— Enquanto você fugia? Imaginei. — Ela não tinha medo de
enfrentá-lo, o que o fazia rir.
— Quem disse que fui a algum lugar? Ir embora sem você
sempre esteve fora dos meus planos.
Coitada da Serena!
Só precisávamos do gangster dela para nos livrar daquilo.
— Solte a minha amiga — a ordem dela me deu esperança.
— Sim, claro. Só a peguei para o caso de te encontrar
corajosa demais. E, pelo visto, você anda assim. Cadê a aliança?
Cadê a aliança, Serena?
Se ele me mandasse caçá-la em troca da minha vida, eu faria.
— No lixo. Solte-a. — Ela tinha perdido todo o juízo.
Como enfrentava um homem armado daquele jeito?
— Amor, se esqueceu de como deve se comportar?
— Na verdade, eu aprendi. Solte-a ou gritarei.
— Eu vi que andam com alguns guardinhas, mas acho que
eles estão bem distraídos neste momento. Você sabe, não queria
que ninguém atrapalhasse o nosso reencontro. Vamos para casa.
Então ele estava ali para buscá-la!
— Solte a minha amiga! Eu não vou com você.
Concordava com as duas frases de Serena, mas temia que
uma delas não me beneficiasse.
— Sei que o seu QI não é dos maiores, mas tenho uma arma
e não tenho medo de descarregar na cabeça dela. — Ele pigarreou.
— Reformulando, amor. Você vem comigo e deixarei a sua amiga ir,
ou matarei a sua amiga e te levarei comigo.
Serena ainda parecia estar se decidindo sobre o que fazer.
Eu conhecia sua história, sabia sobre o que ela passou nas
mãos daquele homem e compreendia que não queria voltar para ele.
Era o meu fim.
— Solte-a. Vou com você se soltá-la. — Ela decidiu e antes
que eu pudesse raciocinar se era bom ou ruim, fogos de artifício
começaram a explodir no céu.
Cesare então me soltou e eu corri com o coração disparado.
Parei em frente à Serena, mas mal conseguia enxergar seu rosto
com as lágrimas caindo.
Ela estava se sacrificando por mim, eu precisava fazer alguma
coisa.
— Amiga, e agora?
— Fica tranquila, vou resolver isso. Você só precisa…
— Nananão — Cesare a interrompeu, pegando-a pelo braço.
— Nada de recados.
— Me solta, seu monstro! Corre, Caterina!
Não pensei antes de acatar seu pedido. Corri subindo aquela
ladeira íngreme, ansiosa para chamar ajuda, com vontade de olhar
para trás e ver o que ele estava fazendo com ela.
— Você disse que viria comigo — Cesare reclamava com
Serena.
— Eu menti!
Uma força maior atravessou o meu ombro queimando, me
fazendo cair de cara no chão.
Eu ouvi os gritos de Serena.
— CATERINA!
Depois, apenas os fogos cessando.
Olhei para o meu ombro direito e a manga do vestido estava
escura de sangue, a grama também. A minha pele ardia, queimava
tanto e latejava de dor. Fechei os olhos e encostei a testa no chão
respirando fundo para não chorar.
— Serena — sussurrei.
Eles já não deveriam estar lá.
Eu tinha medo de me mexer por causa da dor, mas sabia que
precisava fazer alguma coisa para salvar a minha amiga.
Mesmo gemendo, gritei por socorro.
Foram tantos chamados, que depois do que parecia uma
eternidade, alguém apareceu.
— Caterina?! — Era Mirabela. — ALGUÉM! PRECISAMOS DE
AJUDA! — Ela se ajoelhou ao meu lado. — Vai ficar tudo bem,
Caterina. Cadê a Serena?
— Ele a levou. — Foi o que consegui falar antes de começar a
chorar.
Eu não pude salvá-la.
CAPÍTULO 19
CATERINA SÁNCHEZ
Contei tudo que aconteceu para Mirabela e uma
ambulância apareceu para me levar para o hospital.
Quem me acompanhou foi um segurança.
Eu insisti para que ela fosse para casa, pois alguma coisa
precisava ser feita por Serena.
Se Cesare fizesse algum mal para ela, eu me sentiria culpada
pelo resto da vida.
Mirabela ficou tão abalada que me senti mal por ser um dos
motivos.
Quando chegamos ao hospital, fui logo atendida. Foram feitos
vários exames, dos básicos até os que podiam ver o estrago que a
bala causou.
Felizmente, ela só tinha atravessado o músculo e não tinha
atingido nenhum nervo ou vaso importante, mas eles iriam me
examinar mais e outros profissionais iriam me ver.
Fiquei em um quarto após receber o curativo, esperando o
resultado de outros exames e os outros atendimentos.
Quando pensei que teria um momento de paz, ele apareceu.
Héctor...
Ele parou na entrada da porta, com uma cara de pôquer,
quase se rendendo à raiva, vestindo roupas pretas.
Eu não gostava de como andava reagindo nos nossos últimos
encontros. A adrenalina que não deveria existir me deixava com
raiva de mim e dele.
Meu coração não deveria bater mais forte por alguém que me
tratava tão mal!
Por um segundo, achei que foi bom ele ter aparecido, mas
depois repensei.
— Eu não preciso de você terminando de estragar o meu dia.
Ele estava olhando para o meu ombro e com as mãos no
casaco, chegou perto da minha cama.
— Por que você foi com elas?
O tom de voz dele me incomodou.
Era ríspido, exigente.
Ele falava como se fosse o meu chefe, meu pai.
— Era só uma visita ao cemitério. Foi a Serena quem me
chamou.
— Você sabe que a Serena é um ímã de problemas e ainda
sai com ela?! — Ele alterou a voz, que ficou mais grave e alta.
— Você não veio aqui pra brigar comigo, veio?
Era o que eu menos precisava naquele momento.
— Vim, porque se você tivesse ficado quieta no seu canto,
não estaria desse jeito! — Ele apontou para o meu ombro e me deu
as costas bagunçando o cabelo.
— Eu já estou sentindo a dor disso, não preciso que tente me
deixar mal. Isso nem é da sua conta.
Ele se virou pra mim ainda com as sobrancelhas fazendo
sombra nas pálpebras.
— Claro que é! Agora eu vou ter que explodir aquele filho da
puta que era problema do Henrico.
Eu fiquei em choque.
Ele estava tão bruto, que parecia querer mesmo fazer aquilo.
Por minha causa?
Não fazia sentido.
— Se for pela Serena, bem que ele merece mesmo, pois a
levou contra a vontade dela.
— Se pegasse mais no centro? Hein? — A sua indignação
continuava sendo por mim. — Se você morresse?
— Então eu não estaria aqui, no último lugar onde você
deveria me procurar, ouvindo seus gritos.
Ele levantou o indicador e hesitou respirando fundo, então me
deu as costas indo para a saída.
— Puta... Merda! Puta...
Mirabela apareceu olhando na direção em que o filho seguiu.
— Aquele é o Héctor?
— Uhum.
E deixou o cheiro dele misturado com os hormônios no
quarto.
Ele só podia ser obcecado por tirar a minha paz mesmo.
Nem no dia que levei um tiro e acabei no hospital Héctor me
deixou em paz!
— Achei que ele tinha saído com os outros. Saiu de casa tão
transtornado. E você, querida? — O olhar de preocupação e pena
dela me fez encolher na cama.
— E a Serena? — Ignorei sua pergunta, a minha maior
preocupação era com a minha amiga.
— Todos estão procurando. Eles não devem ter ido longe. Eu
não imaginei que ele estaria lá. Alejandro está furioso com os
seguranças, eles falaram que o lugar era seguro.
— Eu também não imaginei que ele iria aparecer ali, mas
pensei sim que poderia procurá-la. Foi tão assustador. — Eu me
lembrei da arma na minha cabeça.
Eu nem podia dizer que me sentia totalmente aliviada, pois o
machucado no meu braço era prova do mal que aquele homem
podia causar.
— Sinto muito por ter passado por isso. Você já vinha de
tantos problemas. Tudo parecia tranquilo demais nas últimas
semanas... — Ela cobriu o rosto. — Eu nunca deveria ter chamado a
Serena para fazer a visita, mas achei que com os seguranças seria
seguro e era um dia importante. Ela nunca tinha ido visitá-lo,
justamente por causa do Cesare. — Suspirou. — Meus filhos não são
os mais quietos, mas também não são perturbados a esse ponto.
O Héctor...
Héctor era o tipo maldoso sim, mas eu não sabia se era louco
como Cesare.
— Me conta, como está o ombro?
— O médico disse que não foi um machucado grave, mas
ainda foi um tiro e vai mandar a fisioterapeuta me examinar pra ver
como estou depois disso. Eles também fizeram outros exames, então
vou ter que esperar isso tudo.
— Que bom. — Ela levantou as mãos. — Eu rezei tanto vindo
pra cá.
— Obrigada. — O gesto dela me comoveu.
Ninguém nunca tinha se preocupado tanto comigo daquele
jeito. Minhas vizinhas de Madrid tinham certa preocupação, mas
nunca tinham aparecido para mim assim.
— Você quer comer alguma coisa? Eu vou buscar. Precisa de
um café ou chá?
— Chá. — Aceitei.
Ela saiu com a bolsa debaixo do braço e o salto batendo no
piso branco do lugar.
Ela era mesmo mãe da Ramona, tão elegante, estilosa e
jovial!
Era loucura eu estar no meio daquela família. De um lado
uma mãe me ajudando a me safar dos meus crimes e de outro um
filho tentando me enlouquecer.
Ela voltou com as xícaras e tomamos o chá conversando.
— A sua mãe, Caterina... Você nunca me falou sobre ela.
E não pretendia.
— Sim...
— Ela é viva?
— Eu não sei. — Pensar sobre ela me causava dor física. —
Não a vejo há algum tempo.
— Mas vocês tinham uma boa relação? Não precisa falar se
for incômodo. — A doçura dela me convencia a permanecer na
conversa, mas realmente era incômodo.
— Não tínhamos, por isso fui morar com o meu pai.
Ela comprimiu os lábios.
— Lamento. Não imagino o quanto deve ser difícil.
— Foi melhor assim. Cada um para o seu lado.
Era isso ou eu estaria presa naquele momento.
Mudamos o assunto para falar sobre a Serena e o fim daquela
situação. Foi melhor porque eu não conseguia parar de pensar no
que o Héctor iria aprontar depois de sair dali.
Será que ele mataria o homem pela Serena?
Ele falou como se fosse por minha causa, mas Héctor me
odiava demais para me proteger. Se ele matasse alguém por mim,
seria para colocar a culpa por sua ação nas minhas costas e assim
me fazer se sentir mal.
Como eu não podia fazer nada quanto ao resgate da Serena e
vingança contra o Cesare, restava esperar o resultado do que os
outros fariam.
HÉCTOR BARONE
Eu andava com tanta raiva de Cesare que contava os
segundos para chegar com a minha bazuca e deixá-lo em pedaços.
Isso era insanidade demais por alguém que eu não deveria
me preocupar, mas assim que soube do acontecido, toda a minha
sensatez se foi.
Ele a fez de refém e depois atirou nela.
E se ela morresse?
Eu não sabia conviver com aquela mulher habitando o mesmo
mundo que eu, separados por regras morais, porém, se fossem
regras muito maiores, como um existindo e outro nunca mais
podendo existir, como faria?
Tive ódio dele, da Serena e dela.
Aquela teimosa!
Ela sabia que Serena sempre se metia em problemas, por que
diabos não ficou perto da minha mãe?
Ela nem tinha nenhum ente querido naquela merda de
cemitério!
— Héctor, respira um pouco ou você mesmo vai explodir —
Roman, meu irmão caçula pediu.
Ele andava focado demais na sua possível futura esposa, mas
não perdia uma boa confusão.
Roman estava por fora de tudo que vinha acontecendo
comigo, ele não fazia ideia do que aquele tiro significava, diferente
de Damon.
— Vocês têm certeza de que vamos ao lugar certo?
— Você não viu o carro do Henrico lá atrás? — Damon dirigia.
— Só vamos parar mais perto.
Estava chovendo, trovejando, uma noite fodida.
Eu não estava ali para fazer algo por Serena, por isso Henrico
não tinha obrigação de agradecer por nada. Estava por vingança
pessoal.
Quando Damon parou o carro, Roman saiu armado para
procurar por Henrico enquanto Damon e eu ficamos esperando uma
parcial do que estava acontecendo.
Eu não podia ir até lá se Serena, Henrico e os outros homens
nossos estivessem no lugar, era o meu limite.
Fiquei parado na frente do carro, olhando o fim da estrada,
enquanto Damon tentava resolver um cubo mágico.
— Como sua namorada está?
— Namorada, Damon?
— Como sua putinha está?
Olhei para ele e desisti de corrigi-lo.
— O tiro pegou no braço.
Ela estava bem abatida na cama do hospital, com o ombro
enrolado. E no fim da nossa conversa concluí que ela não
compreendeu o quanto essa merda toda era séria.
— Ainda dá pra foder.
— Cala a boca, Damon...
Quando eu pensava naquela florista, a última coisa que vinha
à minha mente era sexo.
— Vocês dois já...
— Claro que não. Você tomaria veneno sabendo que pode te
matar?
Ele sabia bem que se eu me envolvesse com ela, corria o
risco de não conseguir me casar com outra e de tacar o foda-se para
o tipo que ela era.
— E essa paixão não passa, né?
— Você está completamente errado.
Tentei mentir, mas para quem?
Damon era a pessoa mais analítica que eu conhecia. Ele não
perdia um detalhe, um olhar.
— Hum. Eu não te entendo. Você quer que ela se afaste
enquanto a procura.
— É só pra garantir que ela se sinta mais pressionada pra ir
embora.
— Enquanto morre de medo de nunca mais vê-la. Acho que a
sua linguagem do amor ainda não foi catalogada.
— Amor... — Ri. — Que ideia idiota.
— Héctor. — Roman voltou, ao seu lado vinha Henrico
carregando Serena nos braços. — Pegue o seu brinquedo. Não vai
dar tempo para o resto do pessoal chegar.
— Finalmente. Eu já estava entediado. — Dei a volta no carro
e peguei a arma.
Damon largou o cubo e saiu do carro com uma escopeta.
— Uh. Encontrou a prima quase inteira. Ao menos está viva,
não é?
Ela merecia um tiro por levar a outra para a armadilha do
marido.
— Quem matar menos corvos se casará com uma Russo. —
Damon combinou com Roman, saindo antes de mim e eu os
acompanhei com a arma no ombro.
Logo Cesare ficaria em pedacinhos.
A estrada era escura, as copas das árvores conseguiam cobrir
bem o lugar, mas ainda caíam gotas de chuva.
— Todo mundo já saiu de lá, Héctor. — Roman destravou sua
arma. — Só tem a escória do Cesare. A gente te dá cobertura.
Fazia muito tempo que não usava um lança foguete e quando
finalmente consegui ver as barracas, parei com o corpo firme e mirei
bem no meio delas.
— Isso não é pela Serena, Cesare. — Atirei.
Um clarão se acendeu atrás de mim enquanto a granada
voava na direção do acampamento, que explodiu segundos depois.
Lindo!
— Abaixa, Héctor — Damon ordenou e eu fiz, depois tirei o
revólver da bota e destravei.
Tinha gente atirando contra nós enquanto Roman estava
falando com Henrico no rádio.
Eu me encostei em uma árvore, deixando a bazuca no chão e
procurei por mais alguma alma que iria libertar naquela noite. Com
as chamas ficava mais fácil ver. Tinha um se mexendo atrás de outra
árvore e mirei nele. Um tiro no braço, quando ele se encolheu para
se esconder, o corpo apareceu no outro lado e atirei no tórax.
Depois disso, mais nenhum.
— Vamos — Damon chamou e o seguimos, usando árvores no
caminho como escudo até chegarmos ao carro.
Deixei minha bazuca e o revólver esfriando no piso do
automóvel enquanto assistia às chamas que ficavam para trás.
— O pai vai ter um trabalhão pra acobertar isso — Roman
comentou.
— Motos, gasolina e fogueiras, não acho que para ele seja
difícil acobertar isso. — Damon fez o retorno e seguimos viagem
para casa. — Feliz, Héctor?
— Satisfeito.
Felicidade era uma palavra muito forte.
— Para onde vamos?
— Para o hospital. — Decidi.
CAPÍTULO 20
CATERINA SÁNCHEZ
Eu estava tirando um cochilo quando ouvi os passos do
Héctor.
Era pelo som deles que muitas das vezes conseguia fugir de
um encontro, mas ainda estava no hospital com o ombro enfaixado
e sem notícias da Serena.
Abri os olhos e ele entrou sem o casaco, com o cabelo
molhado.
Eu ouvi os trovões.
Era uma noite chuvosa.
Héctor se molhando para ir ao hospital?
Ele parecia mais calmo.
— A Serena? Veio trazê-la? — Ergui a cabeça, esperançosa.
— Não.
Eu achei que ele estava indo resgatá-la!
— Então o que faz aqui? A sua mãe já foi embora. —
Estranhei a visita.
Eu tinha medo de descobrir alguma boa intenção vinda dele.
Estava mais acostumada com seu jeito mau e se ele me falasse que
se preocupava comigo, não saberia como reagir.
— Vim terminar de te matar. — Ele se sentou na poltrona de
couro e eu fiquei em alerta, com o coração disparado diante da sua
justificativa. — Alguém precisa ficar de acompanhante.
Uma justificativa melhor.
— Ela te obrigou?
— Não. Não obrigou. Eu vou ficar aqui pra assegurar que
você não vai cometer mais nenhuma burrice. Sua amiga está no
mesmo ambiente, por isso as duas precisam ser vigiadas.
— A Serena está aqui? — Tentei me levantar, mas ao mexer o
braço senti a dor do tiro e desisti.
Héctor se levantou e apoiou as mãos na minha cama, me
fazendo recuar para perto da cabeceira.
— Tá vendo? Já ia fazer burrice. Você tem que ficar quieta ou
não vai melhorar logo.
— Não se preocupe. Eu não vou deixar as minhas tarefas de
lado. Tenho o braço esquerdo são.
— Mas você é destra.
O quê?
Sim!
Ele tinha reparado nisso.
Na hora eu fiquei sem reação, só olhando para ele, surpresa.
— Pra garantir que vai ficar quieta, vou ficar de olho em você.
— Não foi um aviso, foi uma penitência.
Eu não ia ter mesmo um tempinho de paz.
— Eu vou ter que rezar aquela oração de novo... —
choraminguei.
— Pode rezar. Não vai me afastar. Agora você não tem como
fugir de mim.
Eu me benzi.
Eu não o queria próximo de mim. Naquele momento parecia
que tinha suspendido os insultos, mas eles voltariam assim que ele
lembrasse de onde eu saí.
— E o que aconteceu com o Cesare?
Héctor fez um som e um gesto com as mãos de uma
explosão.
— Não é mais um problema.
— Héctor, você... — Fiz uma pausa ao ver pessoas passando
no corredor e falei mais baixo. — Explodiu o homem?
— Eu disse que estava sendo obrigado.
— Não vai me fazer sentir mal me culpando. Vocês foram
atrás da Serena.
— Ele teve o que merecia e você é tonta demais pra entender.
— Ele cobriu a boca com o antebraço e espirrou.
Ele ficava doente!
Era um ser vivo!
— Vá pra bem longe com seu resfriado. Bem longe de mim.
Ele pigarreou, se afastando da cama.
— Eu vou, mas voltarei.
Essas ameaças eram piores que as outras.
Eu tentava entender o que estava acontecendo com ele.
Por que de repente andava buscando o meu bem-estar?
Suspeitar de afeto era impossível.
Sabia quem eu era, quem ele era e o que pensava de mim,
então não podia esperar nada disso.
O tio Alejandro deveria tê-lo mandado ficar de guarda, como
um castigo para Héctor.
Mas castigou nós dois.
De repente, Serena apareceu na porta e espantou toda a
tristeza e preocupação que eu sentia.
— Serena!
Ela correu para me abraçar, se mantendo longe do meu
machucado.
Foi um abraço tão forte e cheio de alívio que não queria sair
dele.
— Pensei que tinha morrido. — Ela soluçou em meu ombro e
se afastou. — Me perdoe. Por favor, me perdoe.
— Você não tem culpa de nada. A culpa é toda daquele
monstro.
Eu também achei que poderia acontecer algo ruim com ela,
mas tinha esperança de que a encontrassem antes disso acontecer.
— A culpa é minha também. Se eu não tivesse tentado me
soltar, ele não teria atirado. — Ela se sentou na cama, olhando para
o meu curativo.
— Eu te acharia uma molenga se não tentasse. Mas doeu
muito! Foi um inferno e quase desmaiei! — Tentei dar um ar cômico
pra conversa, mas Serena parecia se sentir muito culpada pelo que
aconteceu.
— Sinto muito, Cate.
Tudo que eu menos queria era sair como o Héctor, culpando
as pessoas por coisas que não tinham culpa.
— Você também sofreu. Que alívio que conseguiram te pegar
rápido.
Levou o tempo do meu cochilo.
— É um alívio, mas as horas que fiquei no meio daqueles
alienados pareceram dias.
— Ele te fez algum mal? Ele tinha cara de quem seria capaz
de tudo. — Segurei a mão dela e não deixei de reparar na
queimadura da arma que ficou no pescoço dela. Também tinha
curativos no joelho e braço esquerdo.
— Ele tentou, mas eu o machuquei. Acho que se o Henrico
não aparecesse naquela hora, teríamos matado um ao outro.
Imaginar que ela teria essa coragem depois de tudo que já
tinha feito quase desmanchou o sorriso que surgiu ao vê-la citando o
Henrico, seu salvador.
— Ele não só está apaixonado. Já te ama.
Ela encarou nossas mãos e não parecia feliz com isso.
Se fosse por medo do Cesare, ele não seria mais um
problema.
— Cesare me contou coisas sobre o meu pai e Henrico,
Caterina, que tenho medo de acreditar.
Claro que ele tinha que tentar acabar com a felicidade dela.
Um grande corno filho da puta!
— Que tipo de coisa? Aposto que ele estava tentando te
manipular.
— Eu quero acreditar nisso também, mesmo assim essas
alegações ficam na minha mente. Eu não acredito que o meu pai era
o que ele disse, muito menos o Henrico.
— Sobre o seu pai, não há muito o que fazer, mas sobre o
Henrico sim. Pergunte para ele.
Por mais que eu evitasse falar sobre algumas coisas, assuntos
que eu sabia que eram melhores serem tratados com conversas
diretas, eu lidava da maneira certa.
Enigmas me deixavam perturbada e se eu podia perguntar e
acabar com a dúvida que me afligia, sempre fazia.
Ela concordou comigo.
— E você? Vai embora logo?
— Acho que sim. Não foi nada grave. A coisa pior nisso tudo é
o meu novo guarda-costas.
Ela apontou para trás.
— Não me diga que é o Héctor.
— Sim. Ele mesmo. Disse que não vai me deixar em paz.
Fingimos choro juntas e depois rimos.
— Que droga, Cate!
— Eu achei que teria paz aqui.
— Estou começando a acreditar que não é por ódio que ele
fica te procurando. Acho que ele sente outra coisa por você.
Ela conseguiu me deixar sem graça em segundos.
Eu queria saber sua opinião, mas antecipar isso já me
causava desconforto.
Era uma coisa impossível.
— Aposto que é bobagem.
Ela sorria, não entendia o quanto aquele homem me irritava
pra agir assim.
— Acho que ele tem uma quedinha por você. E como ele não
pode ficar com você, morre de raiva.
Eu ri descartando a ideia, mesmo que um pequeno pedaço
achasse sentido naquilo.
Damon disse que eu tinha sorte por ser puta, então se não
fosse seria alvo do Héctor?
Que tipo de alvo?
— Impossível, Serena. Ele sente nojo de mim, acha que eu
sou uma puta que já deu para tantos homens quantos os que eles
têm de segurança.
— Doido pra ser mais um.
Tentei afastar mais uma vez a sua ideia, mas a imagem
daquele homem encarando a minha boca surgiu na minha mente no
mesmo instante.
— Ah, Serena, vá embora com suas teorias absurdas! Deus
me livre de ter esse homem interessado em mim! E quem tem
interesse não maltrata quem gosta do jeito que ele faz. Quando ele
encontrar a noiva, talvez você veja o lado apaixonado dele. Se é que
isso é possível.
Ela estava rindo de mim, zombando.
— Você ficou toda vermelha, Caterina.
Cobri uma bochecha com a mão esquerda e realmente estava
quente ou era a minha mão muito fria.
— É vergonha por ver você com esse tipo de ideia. Esqueceu
o que ele fez com você? Ele jurou que faria pior comigo.
— E não fez. Mas ele explodiu o acampamento do Cesare e
depois correu pra cá, pra te ver. O que você acha disso? Ninguém
mandou.
Eu não ia cair nessas paranoias.
— Acho que ele só quer garantir o meu inferno particular. Só
isso, Serena. Chegou aqui brigando comigo, dizendo que a culpa
disso era minha por ter te acompanhado, que ele era obrigado a
explodir o Cesare, completamente dissimulado. Por quê? Porque ele
queria e ainda quer me deixar doida pra eu ir embora perturbada. E
estou quase indo, Serena.
— Eu não te vejo longe daquela mansão. — Ela balançou a
cabeça em negação. — Você tem o trabalho que ama sem se
preocupar com mais nada. Por que quer ir embora?
O encontro com Cesare tinha fodido com a cabeça dela.
— O mesmo motivo que me preocupa é o que me faz querer
ir embora. E você parece que esqueceu de tudo.
— Eu só estou dizendo o que parece ser. — Ela deu de
ombros. — Mas concordo que seria loucura se envolver com ele.
— Me envolver... Isso está fora de cogitação. Impossível. —
Encolhi o rosto. — Só você vê isso. Não sei o que te deram no
atendimento, mas te deixou biruta. E se não deram nada, você
precisa de algo.
Ela se levantou rindo de mim.
— Ficou nervosa. Será que existe alguma coisa do seu lado
também? Gosta de homens grossos, misteriosos? — Ela rodeou a
cama.
Falava apenas absurdos.
— Serena, vá embora! Chega da sua visita! — Pensei em
arremessar o controle do ar-condicionado, mas não podia, era
patrimônio do hospital.
Ela ficou rindo, na porta do quarto.
— Eu já vou. Beijos.
Revirei os olhos.
Como uma conversa triste terminou desse jeito?
Eu não sentia nada por Héctor.
Certo?
Eu nem sabia qual o tipo de homem me atraía.
Os que fiquei eram bem diferentes dele.
Homens grossos e misteriosos...
CAPÍTULO 21
CATERINA SÁNCHEZ
No dia em que levei o tiro, passei a pior noite da minha vida.
Dormir no hospital não foi nada bom. Quando conseguia cochilar,
acordava com o barulho dos monitores, quando ficava acordada, me
lembrava de quem andava me vigiando.
Héctor passou a noite no hospital.
Ele ficou do lado de fora do quarto, andando de um lado para
o outro, me observando pela janela. Quando ele virava, eu fechava
os olhos.
Parecia que eu estava em uma prisão hospitalar e ele era o
guarda que vigiava a minha solitária.
Nenhum dos dois teve por tempo suficiente para recarregar
as energias.
Se Serena não tivesse começado com aquela conversa
absurda, que em condições normais ela não falaria, eu teria pedido
para que ficasse comigo, me fazendo companhia. Sabia que ela
ficaria por se sentir culpada pelo que aconteceu.
Se eu tivesse ficado sozinha, a noite teria sido mais tranquila.
A minha cabeça não descansou sabendo que a última pessoa
que eu esperava me acompanhar numa situação como aquela estava
ali, reforçando o aviso que deu de não sair de perto de mim.
Desconfortável era a palavra.
Era como entrar no vale da estranheza de Héctor.
E quando achei que ele não iria me surpreender, acordei do
cochilo ao amanhecer do dia e ouvi sua conversa com o médico.
— E esse antibiótico? Que horas ela deve tomar?
— Está tudo na receita. Deve ser tomado na hora certa pelo
tempo indicado. Sem atraso, sem esquecimento. Os curativos devem
ser trocados uma vez ao dia, a enfermeira irá visitá-los.
— Desta vez é uma de confiança ou teremos que dar um fim
como a outra?
— Senhor Barone...
— Eu acho bom o doutor enviar alguém bem confiável,
porque não sou como o Henrico e se houver alguma surpresa,
sobrará pra o senhor também.
— Eu não sabia que aquela mulher era parceira do tal Russo.
O senhor sabe que sempre cuidei da família Barone com muito
respeito, sempre fiz o melhor e as pessoas comigo também. Eu fui
enganado assim como vocês, mas isso não acontecerá novamente.
— Espero. E pra garantir mesmo, ficarei por perto.
Era típico dele ameaçar todo mundo, mas sobre os cuidados
comigo era inesperado.
Esfreguei meu rosto, limpei os olhos e penteei o cabelo com
os dedos antes que entrassem no quarto.
Era horrível ficar dependente quando era uma pessoa
sozinha.
Eles entraram e não consegui encarar o meu acompanhante,
para completar, comecei a balançar os dedos, contando os segundos
para eles me deixarem sozinha mais uma vez.
— Bom dia, Caterina. Como se sente? — O médico parou ao
lado da minha cama e olhou o monitor, anotando algumas coisas na
prancheta.
— Bem. — Minha resposta foi fraca, assim como eu me sentia
depois de perder a noite e levar um tiro.
— Vamos te dar alta e poderá se cuidar em casa. Só precisa
tomar os remédios certinho pra evitar alguma infecção. A
fisioterapeuta vai te visitar, assim como a enfermeira pra trocar os
curativos e ver se a ferida está cicatrizando bem. Acredito que você
vai se recuperar logo, é forte, saudável e teve muita sorte.
Eu não chamava de sorte levar um tiro.
— Hum. Que bom.
Ir para casa seria ótimo, dormiria o resto do dia depois que
regasse as plantas, mas pensar que eu estaria hospedada na casa
onde trabalhava sem fazer o que eu deveria, apenas como um peso
machucado me fazia repensar se era uma boa ideia mesmo.
Eu não conseguiria me manter quieta para não deixar que
pensassem que eu não servia para nada além de dar trabalho.
Aquelas despesas médicas mesmo, eu nem tinha como pagar.
O meu trabalho na casa dos Barones era em troca de ficar lá,
não em troca de dinheiro.
O médico tirou o oxímetro do meu dedo e entregou as
receitas a Héctor.
— Pode se trocar e ir. Se cuida e qualquer coisa, pode ligar ou
voltar aqui. — O médico parecia prestativo demais, deveria ser por
estar na frente de Héctor.
— Obrigada. — Eu me arrastei na cama para descer, quando,
no degrau, um braço foi oferecido.
Eu nem precisava levantar o olhar para saber de quem era,
pois o médico andava todo de branco e aquele ali se vestia de preto.
Mesmo assim, eu o encarei, perdida na gentileza repentina.
— Vamos logo. — Ele me apressou.
Assim era melhor.
Apoiei a mão esquerda nele e desci os degraus, depois o
soltei o mais rápido que pude.
Se fazer uma simples coisa estava difícil, como conseguiria
trocar de roupa?
— A enfermeira. — Olhei para a porta na esperança de que
alguma passasse.
— Troque-se e vamos.
Rude!
O Héctor normal estava voltando.
Resolvi que faria aquilo sozinha mesmo.
A mãe dele tinha deixado uma roupa pra mim e peguei para
levar para o banheiro, onde não tinha uma fechadura decente. Ela
ficava fechada através de uma mola, mas não tinha chave, um
empurrão e abria.
Ele não iria entrar ali.
Lembrei que ele sentia nojo de mim, então deixei de me
importar com a possibilidade dele resolver entrar no lugar.
Não tinha chances.
A roupa do hospital era um avental que saía fácil, bastou
puxar o laço que tinha na frente e arrastá-lo do meu corpo, mas
colocar o vestido que era mais justo não seria a mesma coisa.
Estudei a roupa de alças e, no fim, optei por ignorá-las e
passar por baixo, puxando até cobrir os seios.
No fim me perguntei como o Henrico conseguiu agir como se
não tivesse se machucado semanas antes.
Ele não parecia sentir incômodo para nada!
Deveria ser muito frio mesmo para não sofrer, pois comigo
era diferente.
Um movimento simples do ombro machucado e eu me
arrependia, queria chorar de dor.
Saí do banheiro e Héctor continuava me esperando. Ele olhou
para o meu estado, com a cara de pôquer montada e saiu na frente.
Eu o segui.
Se ele ousasse despejar na minha cara que consumi seu
tempo, atrapalhei sua noite de sono ou coisa parecida, eu nunca
mais aceitaria o que não pedi dele.
Quando saímos na frente do hospital, descobri que ele estava
dirigindo.
Era um dos carros esportivos que Roman costumava usar, um
Porsche preto.
A cara de Héctor andar assim, mas não era o que ele
costumava fazer.
Dei a volta e abri a porta enquanto ele entrava pela porta do
motorista.
Quando puxei o cinto, vi que não poderia colocá-lo sem sentir
dor.
— Você pode dirigir devagar? Eu não consigo usar o cinto.
Ele não disse nada, apenas dirigiu pela cidade e parecia
acatar o meu pedido, então pegamos a estrada para a mansão e
sem nenhum trânsito, nem buraco, pisou fundo.
Apertei minhas coxas, pois não tinha outro lugar para me
apoiar, não conseguia respirar e mal enxergava a paisagem que
passava ao nosso lado de tão rápido que viajávamos.
Nunca fiquei tão apreensiva durante uma viagem e olha que
na última vez que dividi um carro com aquele louco, ele planejava
cortar fora a minha mão e eu não sabia para onde estava indo.
Ali, ao lado do motorista mais apressado que conheci, rezei
para que chegássemos logo.
Que seria logo, era óbvio. Ele dirigia muito depressa, mas se
chegaríamos vivos era outra história.
Quando ele virou a curva para entrar na estrada que dava aos
portões, mandei o resto do ar dos pulmões para fora e apertei o
braço dele.
— Você é louco?!
O canto dos lábios dele se mexeu e ele continuou fazendo seu
show no caminho, até que finalmente chegamos ao primeiro portão.
Respirei ofegante, como se tivesse ficado presa debaixo
d’água por um tempo maior do que podia.
Larguei o braço do bastardo e conferi meu coração, que
estava com os batimentos nas alturas.
Passamos por um portão e depois pelo outro, por fim,
chegamos à fortaleza dos Barones.
No fim da viagem, concluí que Héctor só queria garantir que
eu sobreviveria ao tiro do Cesare, para ele mesmo poder me matar
de outra forma.
Um segurança abriu a porta para mim e saí encontrando Rita
na entrada da casa.
— Ainda bem que chegou! Menina, eu tenho uma coisa pra
contar. — Ela abraçou meu braço esquerdo.
A fofoca era maior que a preocupação sobre o meu estado de
saúde.
Rita sendo Rita.
— O quê?
— A Serena foi embora — ela falou baixinho, olhando para
trás e eu fiz o mesmo.
Héctor estava de olho em nós, mas não nos acompanhou.
Tinha terminado sua fase como meu guarda-costas.
Eu deveria agradecer o tempo que ele ficou me fazendo
companhia ou tentar descontar isso pelas vezes que me disse
palavras pesadas?
O assunto era Serena e sua partida, depois eu pensaria sobre
Héctor, afinal, eu já tinha passado muito tempo com aquele homem
na minha cabeça.
— Ela foi embora por quê?
— Pelo que eu ouvi... — ela cochichou no meu ouvido e não
acreditei naquela conversa.
— Isso é sério?
— Sim. É o que parece. O senhor Barone mandou que a
levassem para onde ela quisesse ir. Parece que tem mais coisas por
trás disso, mas eu ainda não descobri.
Então Serena tinha conversado com ele, como eu sugeri e
não tinha acabado bem.
Quando ela me contou que Cesare havia falado coisas
absurdas sobre o pai, eu não parei para pensar no que poderia ser,
ela também não foi clara, mas ouvindo a fofoca de Rita, entendi o
motivo da minha amiga ter ficado tão perturbada com o assunto.
Se aquilo fosse verdade, Serena deveria estar magoada
demais com Henrico.
Eu não podia ver um ponto onde ela o perdoaria.
E eu achei que Henrico era bom, que aquela casca dura e a
frieza faziam parte de sua personalidade, que ele a amava.
Quem ama esconde esse tipo de coisa?
Era horrível!
Cruel!
Henrico era mesmo o melhor amigo e igual à Héctor com
razão.
— Qualquer coisa que descobrir, me conta. Eu vou estar na
estufa.
Alguém pigarreou atrás de nós e olhamos por cima do ombro.
Héctor estava parado ali.
— Anda com tempo livre, Rita?
— Não, senhor. Eu só estava recebendo a Caterina.
— Já recebeu. Volte a fazer suas coisas.
Saber que esse comportamento dele não era apenas comigo
me deu um grande alívio. Seu jeito rude não era pessoal.
Ela me largou no mesmo instante.
— Sim, senhor. Estou indo. Se cuida, Caterina.
Acenei com os dedos e ela sumiu em um cômodo.
Restou somente o senhor ruindade e eu.
— Já estou indo para a estufa. — Tentei antecipar sua ordem.
— Para o quarto. Agora. E coloque os alarmes. — Ele me
entregou as receitas e os remédios, insatisfeito.
Peguei tudo e abracei contra o peito pra não deixar cair.
— Depois não diga que estou com tempo livre ou de férias na
sua casa.
— Para o quarto, Caterina — ele pronunciou meu nome em
um rosnado com ênfase em todas as sílabas.
Seu olhar não me assustou tanto quanto as palavras.
Ele pronunciou meu nome pela primeira vez.
Saí de perto dele e fui para o meu quarto com sua voz
ressoando na minha mente tal qual o sino de uma catedral.
Caterina...
Caterina...
Caterina...
CAPÍTULO 22
CATERINA SÁNCHEZ
Dormi tanto que quando acordei estava com a barriga
roncando, mas com a mente revigorada.
Era engraçado me sentir em casa naquele quarto, me sentir
bem. Assim como me fez pensar sobre o que ouvi de Serena ao
contar que iria embora.
Sim, eu tinha uma rotina ali e já tinha me acostumado com
tudo. Cada dia que passava, ficava mais difícil me imaginar voltando
à minha casa e à vida que eu tinha antes.
Nem seria possível.
Independentemente do resultado do que fiz com o senhor
Albarello, tinha dado um rumo totalmente novo à minha vida.
Naquela mansão vivia a terceira opção e mais improvável que
poderia viver, mas quando voltasse para casa, eu teria apenas duas:
a cadeia, ou na pior das hipóteses acabar de novo nas mãos do
senhor Albarello, ressentido pelo que fiz com ele.
Eu queria que ele estivesse morto e se eu fosse embora,
apenas se estivesse desmotivada demais pra lutar pisaria onde
pudessem me pegar.
Eu me levantei, tomei banho, vesti uma roupa sem cheiro de
hospital e então saí do quarto.
Ainda não tinha visto Camilla e a procurei na cozinha.
Tanto ela, quanto as outras foram pegas de surpresa com a
minha aparição.
— Caterina! Você parece bem, mas o que faz aqui? — Camilla
estava de olho no meu ombro.
— Vim ver vocês.
— Precisa comer, não é? — Marieta acertou. — Aposto que
não comeu nada que prestasse naquele hospital. Eu vou fazer um
prato pra você.
Ela estava certa.
Sopa sem sal e pão foi o que me serviram no hospital.
— Obrigada. — Eu me sentei em um banco.
— Que lástima o que aconteceu! — Camilla balançava a
cabeça, me olhando com pena. — Quando eu soube, quis ir ao
hospital, mas você sabe como são as coisas aqui.
— Sei.
E era por isso que estranhava o Héctor ter me dispensado do
trabalho.
Claro que o da Camilla era mais indispensável, porém ainda
me sentia desconfortável em ter um dia de folga quando poderia
cuidar das coisas com um braço só.
— Mas estou bem. Não foi grave.
— Que homem cruel esse marido da Serena. — Benedict
estava horrorizada, cortando carnes.
— Sim. Ele era maléfico e não pensou duas vezes em me
machucar. Tive medo de que fizesse pior com a Serena. Inclusive,
soube que ela foi embora.
— Foi. — Elas confirmaram em coro e Camilla encarou as
coisas que cortava na mesa com uma tristeza de partir o coração.
— Eu nunca pensei que uma coincidência tão desgraçada
como essa pudesse acontecer. Serena é uma boa menina. Nunca
apoiei que mantivessem um caso porque por mais que esse homem
fosse ruim, ela ainda era casada com ele. Mas quem errou feio
mesmo foi o meu filho. Henrico se perdeu nessa vida de vingança e
eu não sei como trazê-lo de volta. — A voz dela embargou e apertou
a ponte do nariz, chorando.
Eu me levantei na mesma hora para consolá-la.
— Eu imagino que como mãe a senhora deve estar muito
triste. Não dá pra saber o que o motivou, se foi certo ou errado. Eu
espero que um dia eles se acertem.
— Nessas horas eu me arrependo de ter ficado aqui. — Ela se
recuperou do choro e secou as lágrimas. — Se eu estivesse longe,
mesmo sem nada do que esse lugar oferece, sei que os meus filhos
pensariam diferente.
Ela tinha razão sobre as mudanças que aquele lugar causava,
mas eu sabia, vivi coisas fora dali tão cruéis quanto o que eles
defendiam.
Henrico poderia ser tudo aquilo sem precisar crescer com os
Barone. As motivações pessoais podiam ser mais fortes e causar
mais estragos do que motivações externas.
Comi a refeição que Marieta preparou e depois saí no jardim
para tomar um pouco de ar.
— Olha, ela voltou — uma voz feminina falou perto de mim.
— Caterina?
Olhei para trás e Chiara, junto a Ramona, andava na minha
direção. Elas pareciam ter saído de algum treino físico pelas roupas.
— Oi.
— Como está? — Chiara olhava o meu curativo.
— Bem.
— Você veio com quem? — Ramona se abaixou para amarrar
o cadarço do tênis. — Não vimos quando você chegou.
— Com o Héctor. — Admitir aquilo me causava
constrangimento, embora imaginasse que elas não soubessem de
nada do que Héctor aprontava.
Mas as duas pareciam surpresas.
— Ele passou a noite lá? Não apareceu pra jantar.
A irmã dele perguntava tanto quanto o Damon e eu não
queria falar sobre Héctor e o que ele andava fazendo.
— Eu acho. — Tentei não prolongar a conversa.
— A Serena falou com você depois de ontem? — Chiara fez o
favor que eu queria, pois aquele era um assunto que eu queria
debater.
Estava preocupada com aquela louca.
Quando a confusão acabava na vida dela, aparecia uma do
passado para atormentar.
Era impressionante a sorte da mulher.
— Não falou. Ela disse alguma coisa pra vocês?
— Não. Quando chegou com o Henrico, tudo foi bem rápido.
Ela nem pegou as coisas, simplesmente foi embora. — Ramona fazia
caras e bocas, como se achasse aquilo uma loucura.
Mas alguém deveria ter falado pra elas a motivação de
Serena, por isso eu não pretendia entrar no assunto específico.
— Você acha que ela volta? — Chiara me encarou com o
cenho levemente encolhido em preocupação.
Balancei a cabeça em negação.
— Depois do que ela passou com o primeiro marido, eu não
sei. Isso envolve o pai dela e ele era muito querido por ela. Não sei
se algum dia ela poderá mudar de ideia.
Serena já tinha conquistado muita força depois de tanto
sufoco, ela não se prenderia a alguém que a magoou de novo.
Elas não ficaram contentes com a minha sinceridade.
— Vamos esperar que seja diferente. — Ramona ficou de pé.
— Mas e você?
— Eu?
— Soubemos que você trabalhava numa boate. O Roman tem
uma. Como era lá? Tinha homens bonitos?
A expectativa de Ramona seria mais destruída do que a
esperança de que Serena voltasse quando eu respondesse à sua
pergunta.
— Trabalhei, mas foi por pouco tempo.
— Lá tinha quartos com jogos? — Chiara ria curiosa. — Como
são os espanhóis?
— Tinha tudo, mas eu não vi nada. — Dei graças
internamente. — E os espanhóis que conheci dentro dela eram, no
mínimo, ousados.
— Você fazia o quê lá? Você era mesmo o que os meninos
dizem? — Ramona estava mais empolgada do que a amiga para
saber.
As coisas que elas tinham curiosidade eram as que menos me
interessavam.
— Eu fui garçonete. Apenas.
— Ah... — O ânimo das duas se foi.
— Então você não seduziu ninguém num pole dance ou usou
aqueles brinquedos sexuais de sadomasoquistas? — Ramona
questionou.
Eu só não me benzi, porque precisava do braço direito e esse
estava machucado.
— Não!
Elas não podiam desejar aquilo, mas era o que parecia.
— Acho que vocês deveriam ler menos conteúdo erótico. Na
prática não parece nada interessante — aconselhei.
— Então você já fez, fora da boate. — O sorriso de Ramona
era o completo oposto da reação que eu esperava.
— Não. Nunca fiz nada disso, mas garanto que aqueles
homens só estão naquelas boates para prazer próprio. E alguns
deles sentem isso fazendo as piores coisas, como machucando os
outros sem piedade nenhuma. Eu não gostaria de cair nas mãos de
um desses e vocês também não deveriam.
Elas se entreolharam e riram de si mesmas.
— Nós não fazemos nada. Apenas temos curiosidade mesmo.
— Ramona suspirou. — Vamos ter um homem só na vida e
precisamos rezar pra que seja bom em tudo.
Eu me contentaria com um só se pudesse escolher, mas sabia
que não era o caso delas. Elas se casariam com quem seus pais ou
irmãos escolhessem.
Precisavam rezar mesmo.
Anoiteceu muito rápido com essa conversa, voltei para a casa
e elas também.
O médico disse que uma enfermeira iria me ver, para trocar o
curativo, mas eu não vi ninguém chegando.
Quando entrei no quarto, fiquei pensando em quem cuidou
da horta e das plantas. Estava decidida a voltar às minhas tarefas no
dia seguinte.
Alguém bateu à porta do quarto e imaginei ser a enfermeira,
então fui atender logo.
Queria saber se o buraco em mim estava se curando.
Não sabia quem era a enfermeira, ou o enfermeiro, mas ao
abrir a porta não era quem eu esperava.
Héctor estava parado ali, cheirando como quem terminou de
tomar banho, com uma camiseta cinza apertada, uma calça de
moletom, o cabelo molhado e penteado como sempre, o olhar
penetrante e o semblante relaxado que não exigiam esforços para
demonstrar que ele sempre andava irritado.
Recuei.
— O que você quer?
Ele avançou sem falar nada e saí da frente antes que batesse
de frente comigo, então foi direto para a mesa de cabeceira e pegou
as cartelas dos remédios.
— O alarme.
Eu tinha esquecido completamente de ativar.
Pigarreei e mexi no despertador do relógio.
— Eu acho que está com defeito.
— Hum. Defeito, hein? Um relógio nas mãos de alguém que
sabe muito bem como consertá-lo.
Por que ele tinha que ser tão detalhista?
Ele tirou um comprimido da cartela e ofereceu na palma da
mão.
— Beba.
Ordens de novo!
Eu só estava deixando-o achar que eu seguia alguma ordem
sua porque precisava tomar o remédio.
Mas ele não mandava em mim.
Peguei a pílula e coloquei na boca, engolindo com a água que
ficava na garrafa perto do relógio.
Héctor deu a volta na cama indo para trás de mim.
Eu olhei por cima do ombro, encolhendo o rosto para ele.
— O que é agora?
Ele começou a arrastar os fios do meu cabelo de cima do
curativo, me causando arrepios.
— Seria melhor deixar isso amarrado.
Então ele sugeria penteados para o meu cabelo?
Eu congelei tentando compreender como aquela fala saiu da
boca daquela pessoa, mas a proximidade era o que mais me
afetava.
Ele não exalava apenas hormônios, exalava poder e eu temia
que exercesse isso sobre mim.
— Não está me incomodando.
Ele afastou as mãos e olhou nos meus olhos.
— Caterina — Rita chamou, acabando com o perigo que era
ficar sozinha com Héctor. — A enfermeira chegou.
Ó
— Ótimo. Ela pode entrar. — Eu me sentei na beira da cama.
Héctor guardou as mãos nos bolsos e fez questão de se
encostar na parede para assistir ao trabalho da mulher.
Se fosse para evitar que ela cometesse algum deslize como a
mulher que cuidou de Henrico fez, com sua presença e a cara de
quem mataria alguém com as próprias mãos, nada de ruim iria
acontecer comigo.
CAPÍTULO 23
HÉCTOR BARONE
Eu não sabia que era filantropo até aquela puta assassina
vestida de camponesa levar um tiro. Não havia uma hora em que eu
não me perguntasse o que diabos ela poderia estar fazendo
enquanto deveria ficar quieta.
Entre os absurdos inaceitáveis que eu fazia estava verificar se
os remédios eram tomados na hora certa, se a enfermeira não
estava tentando matá-la enquanto trocava o curativo e procurar
saber sobre o homem que ela possivelmente tinha matado.
Sim, nunca procuramos saber sobre isso, pelo menos eu, e
quando descobri, procurei meu pai para alertá-lo sobre o assunto,
mas acabei no meio de uma reunião sobre o meu estado civil mais
uma vez.
Edoardo, seu amigo conselheiro, estava presente no escritório
durante a tortura psicológica.
— Vamos dar um baile. — Meu pai estava decidido e bem
orgulhoso da ideia.
— Um baile agora que a Serena foi embora? Achei que estava
trabalhando para trazê-la de volta e acalentar o coração do seu
afilhado favorito!
— Deixa de deboche, Héctor! Serena precisa de tempo para
compreender a situação, sem contar que fazia anos que ela não via
a mãe. Quando ela quiser voltar e conversar com Henrico, voltará.
Sobre esse assunto você só precisa colocar limites no seu amigo.
Eu, a pessoa famosa por não ter limites?
Aquela missão seria interessante.
— Precisamos organizar com tempo. Daqui a um mês ou
mais. — Edoardo estava com o maldito caderninho, anotando seu
plano maléfico para a minha vida. — A família Lucchesi vem de Nova
York pra cá e acredito que não vão gostar de receber os convites em
cima da hora.
E eles teimavam na tal família Lucchesi.
Eu nem sequer lembrava de como a moça era, se conversei
alguma vez com ela.
— Vamos aproveitar e marcar também o campeonato de turfe
para depois desse baile. — A mente gananciosa do meu pai estava
ativa naquele dia. — Chame Alonso, Edoardo.
— Ele está treinando para competições estaduais, Alejandro.
— Foda-se! Se não fosse eu, ele nem estaria fazendo isso.
Apenas diga que o chamei. Ele sabe que deve responder.
Edoardo apenas balançou a cabeça concordando com a ideia
e anotou no caderno.
Enquanto isso, meu pai me analisou.
— O que queria mesmo, Héctor? Não deveria estar em uma
reunião fora daqui?
— Eu vou, mas quero falar sobre a sua protegida. — Escolhi
melhor as palavras para não ouvir mais reclamações e as
sobrancelhas dele saltaram. — Eu entrei em contato com as pessoas
de Madrid e descobri que o homem que ela deixou inconsciente na
boate ainda está vivo.
— Sim. Eu já sabia. Procurei notícias no dia em que ela
chegou e sempre que há uma novidade, os homens de lá me
avisam.
Eu não imaginei que meu pai tinha dado atenção ao assunto
daquela maneira. Ele nunca havia mencionado isso durante nossas
conversas.
— Por que não me disse nada?
— Porque você não queria saber. Sempre vive implicando com
a moça, não queria e agora que sabe não quero que use isso para
amedrontá-la.
Ela havia conseguido mesmo o apreço do meu pai.
— Então ela não sabe?
— Não e deve permanecer assim. Ela já tem com o que se
preocupar, precisa se recuperar do atentado e o tal Albarello ainda
está na UTI. Não sabemos o quanto ele pode se lembrar quando
acordar, mas isso será problema quando acontecer.
Eu pensei que ele nem precisaria acordar.
Uma simples visita ao hospital seria suficiente para evitar um
problema futuro.
Mais uma vez eu me vi querendo proteger aquela florista.
Ele não estava na UTI por causa dela, mas era o lugar mais
perto da morte e eu agradecia a quem fez isso.
— Ok. — Eu me levantei e arrumei a roupa. — Era isso
apenas.
— Vai para a reunião?
— Eu vou, pai. Tenho o dia inteiro apenas para isso.
A insistência dele me estressava.
Não precisava de pressão para fazer aquele tipo de coisa.
Saí do escritório e dei uma volta na casa, pensei em ir ao
quarto dela, mas me detive quando vi no caminho as outras
funcionárias, então fui para o jardim e dele para a estufa.
A porta estava aberta, a luz do sol tornava o material que
revestia todo o lugar bem claro, como se estivesse dentro de uma
lâmpada. O cheiro doce das flores estranhamente me acalmava,
parecia que ali não existia pressa e que os problemas lá fora
poderiam esperar.
Àquela altura eu já reconhecia muitas das plantas, seus
nomes e o que precisavam, afinal não fiquei somente folheando os
livros da biblioteca, em específico o que tratava delas.
Achei que estava sozinho no lugar, que a florista estava
respeitando seu repouso, mas ouvi sua voz cantarolando no
ambiente.
Sem acreditar em tamanha teimosia, eu a procurei, algumas
plantas eram altas o suficiente para esconder alguém e quando pude
ver o que tinha atrás delas, lá estava ela, inclinada, limpando a terra
ao redor de uma planta.
O pior de tudo era que vê-la ali era algo natural para mim,
embora naquele momento ela não devesse estar, e sabendo que o
Albarello estava vivo, a possibilidade de um dia vê-la indo embora
para evitar algum conflito com a nossa família era alta.
Aquela stronza faria falta.
Meu pai estava certo, ela não precisava saber sobre as
condições do homem.
— Você não sabe ficar quieta, não é? — Eu a peguei no susto,
ela estremeceu e se apoiou no vaso.
CATERINA SÁNCHEZ
Eu não estava cometendo nenhum crime, mas estava prestes
a acusar Héctor de vários, dentre eles invasão de privacidade.
— Não preciso ficar completamente estática para que o
ombro se recupere. Inclusive, a fisioterapeuta manda movimentá-lo
muito. — Eu me levantei, decidida de que não iria deixá-lo ditar
como iria me comportar.
Já tinha me cansado dos seus ataques e tudo que eu menos
queria era ordens disfarçadas de preocupação vindas dele.
Mesmo de pé, ainda não alcançava sua altura. Ele andava
imponente, no terno preto, com o cabelo brilhando de tão preto e
sedoso, os olhos também brilhavam fixados em mim.
— Porque ela é louca assim como você — ele disparou com a
voz um pouco aguda, fora do tom normal dele.
— Veio aqui pra implicar comigo?
Sabia que era uma pergunta retórica.
Ele sempre me procurava para implicar comigo!
— Sai! — Ele avançou em minha direção e tomou as luvas das
minhas mãos, apressado, depois as colocou.
— O que vai fazer?
— O que você estava fazendo, não é?! — Ele se abaixou em
frente à planta e começou a arrancar os brotos que tinham ao redor
dela. — Como se a planta fosse morrer se não limpasse por mais
alguns dias...
— Eu não pedi pra você fazer. — Cruzei os braços assistindo
aquilo que ele fazia com pressa.
Isso tudo para me manter quieta?
Era realmente inesperado e esquisito.
Héctor era imprevisível.
— Claro, porque você quer fazer o que não pode sozinha. A
casa cheia de gente e você não sabe falar com ninguém pra fazer
isso.
Ele não entendia, era principalmente por causa dele que eu
estava ali.
— Pra depois você aparecer dizendo que além de ainda não
ter ido embora, estava abusando de vocês, sem cumprir o que devo
fazer e me aproveitando de todo mundo?
Ele olhou pra mim com a mandíbula cerrada e não recuei nem
desviei o olhar.
Ele sabia que eu estava falando a verdade.
Ao se levantar, foi como ver um monstro crescendo na minha
frente, ficando bem maior do que eu, prestes a me engolir.
— Você economiza inteligência.
— Me chamando de burra?
— Basta pensar no que mandei você fazer e comparar com o
que a sua cabeça de vento pensa. — Ele tocou as pontas dos dedos
na minha cabeça.
— Você não me dá ordens, Héctor.
— Dou sim — ele garantiu tão confiante que ficou afirmando
com a cabeça sem parar. — Você sabe que sim.
Ele pensava que sim.
Uma coisa era ameaça, outra era uma ordem.
Eu balancei a cabeça que não e Héctor começou a limpar as
outras plantas.
Fiquei assistindo-o fazendo mais do que isso. Quando chegou
aos vasos, onde eu pretendia montar arranjos, se virou para mim.
— Quais as flores?
— Você não sabe fazer.
Ele olhou para mim, com toda a sua arrogância.
— Quem disse que não? Quais são as flores?
Eu estava pagando pra ver.
— Pensei em rosas brancas com lavanda roxa.
Ele pegou a tesoura e foi atrás das rosas brancas. Eu o segui,
temendo que estragasse a planta.
— Precisa ser em um tamanho bom para o vaso. — Era a
única colher de chá que daria para ele.
Sem muita demora, ele cortou vários galhos, depois fez o
mesmo na lavanda e com os vasos com água, arrumou tudo.
Ele não colocou nada de qualquer jeito, arrumou como se
fosse para uma foto.
Pela primeira vez, eu o vi sendo delicado e cuidadoso.
— Desde quando você mexe com plantas?
— Alguém precisava fazer isso pra que você ficasse parada,
não é?!
Eu não podia acreditar que ele tinha feito aquilo por minha
causa.
Deveria ser por causa das plantas.
— Então você aprendeu esses dias? Depois que fui
machucada?
Ele meneou a cabeça e se afastou da mesa.
— Pronto. Agora chame uma das empregadas pra levar isso
pra casa e volte pra porra do repouso. — Ele me deu as costas e
saiu desfilando para fora do lugar.
Olhei para os arranjos e para fora, o cheiro do perfume dele
misturado às flores e fiquei intrigada com a situação.
— O que será que ele tem?
CATERINA SÁNCHEZ
No dia seguinte ao estranho acontecimento, eu já não estava
tão chocada, parecia apenas um devaneio e eu tratava como isso.
Não tinha testemunhas, ninguém para confirmar que aquilo foi real
além da outra pessoa que, possivelmente, estava comigo, mas eu
sabia que ele deveria encarar da mesma forma que eu.
Ele encarou assim logo depois do beijo.
Quando eu estava na horta, eu o vi passando com o cachorro,
mas ele não me viu, pois me escondi atrás das folhas.
Ele sempre aparecia aleatoriamente para me insultar, então
me procurou avisando que queria falar algo.
Não me despertou a curiosidade de saber o que era.
Passei a manhã daquele domingo bem longe de onde ele
andava.
Depois do almoço, voltei para o meu quarto e foi quando a
Serena me procurou.
Ela bateu à porta que já estava aberta e sorriu balançando o
quadril em um dos vestidos que dei a ela.
— Ocupada?
— Não. Entre. — Deixei de lado o livro que tinha pegado na
biblioteca na noite anterior e me sentei de frente para a porta.
Ela entrou e se sentou na cama.
— Eu não vi quando você voltou da corrida.
— Voltei assim que levantamos. Estava com fome e não tinha
mais nada pra ver. — Dei de ombros.
— Eu ainda fiquei lá, com o Henrico e o tio Alejandro. Você
sabe, desde que voltei ele quer me apresentar pra todo mundo de
outra forma.
Balancei a cabeça concordando com ela.
Serena representava um tipo de redenção para o tio
Alejandro.
— Até que foi legal assistir à corrida, não foi? — Ela se deitou
de barriga para baixo na cama, deixando as pernas para cima. — Eu
nunca tinha assistido nada assim. O Cesare não me levava para
essas coisas.
— Foi a primeira vez pra mim também. Eu gostei.
Tirando a parte que morri de medo daquele louco tentar
vingança por ter perdido a corrida.
— O Alonso é ótimo, hein? Ele ganhou todos os páreos. Falou
com você antes de ir embora? — A expectativa dela sobre isso me
fazia querer rir.
— Não. Saí antes que ele me visse.
— Hum. Acho que ele ainda sente algo por você.
Eu estava tendo essa conversa sobre sentimentos pela
segunda vez com Serena, mas dessa vez não me apavorava tanto.
— Coisa da sua cabeça, como sempre.
Ela sorriu.
— Mas dessa vez eu não estou brincando.
Então ela estava brincando quando disse sobre o Héctor.
Ela nunca poderia saber sobre o beijo.
— Amiga, olha para ele, tem uma vida ótima. Sou apenas
uma florista refugiada aqui. Ele nem sonha com o meu passado, se
soubesse com certeza iria querer distância. Ninguém quer gente
problemática por perto.
Eu tinha consciência da minha situação para querer bagunçar
a vida de alguém.
Essa fase da vida era mais sobre sobrevivência do que sobre
encontrar um parceiro.
— Não acho que ele se importaria. Se anda com os Barones e
agregados, com certeza apronta muito. As corridas são com apostas,
Cate. Nenhum daqueles homens que esteve ontem assistindo a
corrida tem boa índole.
Não conseguia pensar em Alonso fazendo algo de errado.
— Talvez ele só saiba do que precisa saber. Não acho que ele
seja mais do que um jóquei. Enfim. — Suspirei. — Vamos falar de
outra coisa que não seja homens.
— Ok. — Ela sorriu. — A minha mãe está vindo aí. Aliás, você
nunca fala da sua mãe. Ela está viva?
Existia um motivo muito forte pelo qual eu não fazia isso, algo
que eu não podia falar com ela, nem com ninguém.
— Eu não sei.
— Ela não morava com vocês? Quando o seu pai morreu, ela
não apareceu?
— A minha mãe e o meu pai nunca se deram bem. Eles se
separaram logo que eu nasci, mas cresci entre os dois. Passando uns
dias com um, outros dias com o outro... Então a escola exigiu mais
compromisso, o meu pai viajava, começou a trabalhar em uma
relojoaria em Paris e eu fiquei com a minha mãe por muitos anos.
Eu não tinha boas lembranças daquela época, pois ela vivia
muito chateada com a mudança do meu pai e o fardo de ter que
cuidar de mim sozinha.
— E o que te fez ir morar com seu pai?
— Meu pai voltou a morar em Madrid e a minha mãe se
casou. Ainda fiquei alguns anos morando com eles, mas quando o
marido dela morreu, fui ficar com o meu pai. Há mais ou menos dez
anos.
Essa parte da história era o meu alívio, o meu respiro. Eu
conseguia ter lembranças mais coloridas, ensolaradas e felizes,
enquanto antes de morar com ele, tudo era sombrio e triste.
— Ele morreu? Morreu de quê?
Serena estava indo pelo caminho que eu não queria que
fosse.
— O encontraram flutuando num rio.
Ela abriu a boca, surpresa.
— Que triste, Caterina. Ele era uma pessoa boa?
Meu nariz encolheu na mesma hora em resposta.
Eu não conseguia mentir.
— Não era a melhor pessoa do mundo.
Para não dizer que era um monstro e a melhor coisa que
aconteceu foi ele ter morrido.
Ela suspirou.
— É complicado. Eu ainda estou tentando lidar com o
passado do meu pai. Mas é muito bom ter a minha mãe por perto de
novo. Espero que um dia a sua mãe volte. Vocês se davam bem?
Eu esperava o contrário.
— A minha mãe era uma pessoa difícil, Serena. Não há nada
que eu possa fazer para mudar a forma como ela me vê, nem
convencê-la a pensar como eu. — Sorri conformada.
— Então que apenas sejam felizes. Você não está sozinha.
Tem eu aqui. — Ela segurou minha mão e rimos.
Era bom ter uma amiga.
— Fazia tempo que eu não tinha uma amiga assim.
— Mentira, Caterina. Você faz parecer que vivia isolada no
mundo. Não é uma pessoa desagradável. Aposto que tinha várias
amigas. — Ela se levantou e mexeu no meu livro.
Ela estava certa.
— Eu tinha, mas cada uma foi viver a sua vida.
— Hum. Lendo? — Ela mudou repentinamente de assunto.
— Sim. Ando com dificuldade pra dormir, então peguei esse
pra ler, mas já vou devolver. — Eu me levantei da cama e peguei o
livro da mão dela. — Já li outra vez.
— Preciso aproveitar um pouco daquela biblioteca também.
Será que tem livros eróticos?
Rimos.
— Você não presta, Serena.
Saímos do quarto e fomos para a sala de estar da casa.
Chiara e Ramona estavam no sofá, conversando futilidades e
Serena se juntou a elas. Eu segui para a outra sala, mais fechada e
silenciosa, quando notei Héctor sair da sala do pai, com as mãos nos
bolsos da calça de moletom e pensei em voltar para trás.
Ele parecia estar esperando alguém e eu não queria ter que
ser essa pessoa por coincidência, também não queria ter certeza de
que aquele devaneio da tarde anterior foi real.
Eu me virei para sair, mas ele me notou bem rápido.
— Se você não parar pra me ouvir, vou ter que planejar uma
maneira de fazer isso acontecer. E você não vai gostar.
CAPÍTULO 32
CATERINA SÁNCHEZ
Ameaças...
Eu me virei pra ele e quando nossos olhos se encontraram,
queimei com a lembrança da corrida.
A minha mente estava selecionando hipóteses para a
conversa.
— O que você quer?
O peito dele subia e descia fundo na camisa preta de mangas
longas.
A postura de quem tinha o total controle de tudo me fez
temer as suas próximas palavras.
— Soube do que aconteceu na boate. O que o Albarello fez.
— Ele andou sem pressa em minha direção. — Sei que se eu tivesse
procurado saber antes, as coisas teriam sido menos complicadas
entre nós, mas a partir de agora não te tratarei mais daquela forma.
Eu nem conseguia piscar.
Ele estava mesmo falando aquilo e daquela maneira?
Era ridículo.
Comecei a rir da sua seriedade e palavras.
— Tá bom. Ok. — Desviei dele e fui para a biblioteca com
uma vontade forte de gargalhar.
— Estou falando sério, Caterina. — Ele empurrou a porta
assim que passei por ela, não permitindo que eu a trancasse.
Sério?
Era o que mais me fazia querer rir, mas eu me contive, por
vergonha alheia.
— Você é mesmo um bastardo insensível. — Larguei a
maçaneta e levei o livro de volta para a estante onde ele estava
antes.
— Você ouviu o que eu falei? — Ele se exaltou.
— Ouvi e achei ridículo. — Encaixei o livro entre os outros,
então me virei para ele, vendo-o com as mãos no quadril. — Não é
como se eu esperasse algo diferente, por isso nunca contei a minha
verdade. Aposto que você só acreditou porque alguém da sua
confiança contou.
— Você não entende como é viver rodeado de gente que
constantemente tenta enganá-lo. Não é possível que o tempo que
ficou naquela boate não tenha sido suficiente para aprender como
aquelas putas se comportavam. Aquele dia não foi a primeira vez
que estive lá.
Uma justificativa de merda para mim.
— E era por essas experiências que você alegava me
conhecer? — soei irônica.
— Óbvio que não! — Ele deu um passo à frente, mas ainda
estávamos bem distantes.
Dei de ombros.
— Eu não sei o motivo de ter precisado avisar sobre sua
grande descoberta. Eu não me importo com o que você pensa,
apesar de que saber que odeia putas e me achar uma o faz sentir
repulsa. Isso me traz alívio.
Ele andou depressa em minha direção e eu me afastei o
máximo que pude, batendo as costas na estante.
Meu joelho estava pronto para acertá-lo, bastava ele me
tocar.
— Eu preciso porque não tive um dia de paz desde que te
encontrei naquela boate! — Ele bateu a mão nos livros, fazendo a
estante e eu tremer, e ali a deixou apoiada. Seus olhos escuros se
fixaram nos meus e me vi presa apenas por eles. Sua mandíbula
parecia mais marcada e rígida, e sua respiração era tão forte que
soprava em mim.
Eu sentia isso e os solavancos do meu coração no meio da
conversa acalorada.
Não conseguia respirar como ele.
Eu mal respirava.
— Você não entende que eu odiei te ver ali?
— Impossível alguém se sentir assim tão repentinamente.
— Eu estava te procurando. Tinha pessoas te procurando e eu
esperava te encontrar em qualquer lugar, menos ali.
Meus olhos saltaram.
Aquilo nunca passou pela minha cabeça.
Me procurando?
— Por que você estava me procurando? — Temi a resposta.
— Eu te vi outras vezes e... — Seu olhar recaiu nos meus
lábios.
— Não ouse — avisei firme, pronta para empurrar seu peito.
— Você não vai me convencer ou forçar a nada.
— Você retribuiu da última vez. — Ele voltou a olhar nos
meus olhos.
Merda!
Ele estava confirmando que não foi um devaneio.
Meu rosto esquentou por completo.
— Eu preciso que você saia da minha frente. Agora. — Usei
as palavras dele contra ele mesmo. — Você pode me chamar do que
quiser, mas nunca vou te dar o poder de me chamar de sua puta. —
Eu o empurrei com força e saí da sua barreira.
— Eu disse que não vou tornar a agir daquela maneira,
Caterina — ele falava mais alto e sua voz profunda se tornava mais
potente.
— Isso não faz diferença. — Voltei para a porta por onde
passei. — E só pra você saber. — Olhei para trás antes de sair. —
Nem mesmo se você tivesse procurado saber a verdade mais cedo,
faria alguma diferença.
HÉCTOR BARONE
Eu não esperava aquela reação de Caterina ao ouvir sobre o
que eu sabia. Ela foi tão fria e debochada que me fez sentir mal
como eu não ficava há tempos.
Seu desprezo imediato às minhas palavras deixou um gosto
amargo na minha boca, como se o que eu disse não significasse
nada para ela, e depois ouvi-la dizendo essas palavras e
confirmando a impressão que ficou só piorou tudo.
Descobri que Caterina era rancorosa.
— Eu não posso fazer nada quanto ao passado, agi da forma
que achei certo, porra! — expliquei para Serena.
Henrico não me ouvia porque estava focado demais
planejando suas surpresas, então resolvi buscar alguma informação
com ela.
Serena estava assistindo TV, fingindo que me ignorava,
quando eu sabia que ela estava ouvindo tudo.
— O que você espera ouvir de mim? Só posso dizer que é
bem-feito. Você maltrata muito a Caterina.
Era a única atitude possível para afastá-la de mim, o
problema foi que eu não consegui me afastar dela.
— Eu reconheço que fui péssimo e fiz isso conscientemente,
mas foi para o bem de todos. Aposto que você não foi aceita na
família Russo com facilidade. Se eu resolvesse me casar com uma
prostituta, meu pai me mataria ao pronunciar a última sílaba desse
aviso.
— Mas ela sempre disse que não era.
— Mas eu não podia acreditar nela, merda — rosnei baixinho,
louco pra sacudir aquela teimosa e ver se assim a ideia entrava na
cabeça dela. — Pergunta pra o Henrico. Ah, deixa, ele era virgem
antes de você, nunca esteve com nenhuma daquelas mulheres, mas
o Roman esteve com todas e ele já ouviu cada história emocionante,
que se fosse caridoso estaria fodido agora. Só o fato de ter
trabalhado lá, já me fez automaticamente desconfiar de tudo nela, e
tê-la encontrado num quarto com um homem só fechou a ideia do
que ela fazia.
— Por que não procurou saber dela nos primeiros dias? Só
agora, meses depois? — Ela se virou para mim. — Poderia ter
canalizado todo o seu interesse em buscar saber se ela dizia a
verdade e não ter atormentado a coitada. Ah, nem precisa
responder. É porque você é um psicopata.
— Eu preferi acreditar no que vi, merda — admiti
conformado, pois ela estava certa.
Eu deveria ter feito aquilo, mas a decisão que achei melhor
foi tentar tirá-la da minha vida.
— Você é muito burro.
— Isso é por eu ter te pendurado no teto? Porque eu não vou
pedir desculpas. Inclusive, se eu soubesse antes que você era quem
você é, teria feito aquilo assim que se envolveu com o traidor do
Cesare.
— Aí eu teria te agradecido, mas você fez isso quando eu
salvei seu melhor amigo. — Ela se sentou virada pra mim. — Você
vê como só faz merda? Você é péssimo com as pessoas que gosta.
— Eu nem gosto de você, Serena!
— Estou falando que salvei seu melhor amigo e você nem foi
grato por isso, e da Caterina.
Eu me recostei no sofá com um mal-estar estranho referente
ao assunto, como se eu tivesse cometido um erro incorrigível.
— Ela te odeia. Quando comentei que talvez você se
interessasse por ela, no hospital, fui expulsa do quarto. Ela sente
repulsa de você. Quando cito seu nome nas conversas, ela muda,
porque você é o gatilho para sentimentos ruins. Acho que o dia mais
feliz da vida dela será quando nunca mais te ver.
Porra!
O pior de tudo foi que Serena contou isso com a maior calma
e um leve pesar, que deu mais veracidade a tudo.
Eu tinha que admitir que fiz um bom trabalho atormentando
aquela mulher, pois era esse sentimento que pensei que restaria
entre nós dois.
Mas o resultado era unilateral.
Se eu era ótimo em fazer com que as pessoas me odiassem
ao torturá-las, atormentá-las, eu deveria ser péssimo em fazer o
contrário.
Nunca sequer tinha tentado.
Mas algo em mim dizia que não era tudo ódio o que ela
sentia. Durante o beijo e depois, quando conversamos na biblioteca,
enquanto ela me ouvia, sabia que uma parte dela me entendia.
Serena voltou a se sentar de frente para a TV, assistindo à
novela.
Eu sabia que deveria ir embora dali, que ela não tinha nada
bom pra dizer, mas eu precisava tirar uma dúvida.
— Mesmo depois do beijo?
— Oi? — Ela se virou pra mim.
— Mesmo depois do beijo, ela continuou sentindo repulsa de
mim?
Serena arregalou os olhos e suas sobrancelhas se levantaram.
Caterina não tinha comentado com ela sobre aquilo.
— Ok. — Eu me levantei com duas hipóteses em mente e me
afastei antes que Serena perguntasse demais.
Ou não tinha significado nada pra Caterina, a ponto dela
sequer comentar com a melhor amiga, ou ela não tinha coragem de
falar.
Independentemente do que ela tivesse em mente sobre mim,
cumpriria o que disse sobre o modo como a trataria e não deixaria
que saísse da minha vida.
Nunca.
CAPÍTULO 33
CATERINA SÁNCHEZ
Coloquei a roupa, mas não tive coragem de me aproximar
da mesa de jantar e fiquei com as outras meninas na cozinha.
— Vai lá, mulher — Rita insistiu. — Você ficou linda demais
nesse vestido pra ninguém ver.
— Acho melhor não. Ninguém me chamou formalmente. O
vestido só apareceu no meu quarto.
— Só apareceu? — ela debochou.
Rita sempre pensando besteira.
Com a cozinha silenciosa, pudemos ouvir as conversas.
— Meu Deus, Héctor, que mãos são essas? Olha Damon,
parece que estava trabalhando na lavoura. Não passa nenhum
creme? Eu tenho vários.
Eu odiava o que me causava ouvir o nome daquele bastardo.
Sempre me deixava em alerta, com frio na barriga.
— Como se você nunca tivesse treinado corrida. São as
cordas.
— Eu usava luvas. Você não usa?
— Não, Ramona. Eu gosto de sentir a corda nas minhas
mãos. As marcas são do meu esforço, mostram que eu não estou lá
por brincadeira.
Ele estava mesmo focado naquilo.
— Vocês homens...
— Será que encontrou uma paixão? — Damon o provocou. —
Ou só está fazendo isso pela mesma que te fez segurar um livro?
Segurar um livro...
Eu não deveria me colocar no lugar de motivação para isso,
mas foi impossível não pensar que ele tinha aprendido a cuidar das
plantas quando fiquei machucada.
Talvez aquela paixão fosse pelas plantas.
Eu não podia esquecer o que Héctor falava para mim, eram
provas de que ele sempre me odiou muito e quem sente isso não faz
nada de bom para o outro.
— Pense o que quiser, Damon. — A voz de Héctor não parecia
ter a mesma potência de sempre. — Quando o jantar vai começar?
— Quando o bajulador número 1 do Henrico chegar —
Damon cantarolou. — Você sabe que a partir de hoje a pressão em
cima de você será dez vezes maior, não sabe?
— Eu não preciso que você me alerte sobre o óbvio.
— Então cadê a Lucchesi?
Era outro nome que me deixava ansiosa.
— Deve estar na casa dela. Com certeza melhor do que eu,
que estou te ouvindo. — A voz dele ficou mais baixa e imaginei que
tinha se afastado muito.
Comecei a pensar que o seu comportamento estava ligado a
ela.
Talvez, estivesse tentando ser uma pessoa melhor com todos
para impressioná-la.
Como eu não o tinha encontrado durante aquela semana, não
podia dizer que tinha provas de que alguma coisa realmente mudou
entre nós. Eu duvidava que ele fosse me tratar bem, quando seu
prazer deveria ser em me ver acuada, constrangida e com medo.
Quando o tio Alejandro apareceu, soubemos por sua voz. Ele
parecia mesmo empolgado com o que poderia acontecer naquela
noite, enquanto a Serena achava que tudo não passava de uma
cortesia para sua mãe.
Eu não tive coragem de me juntar a eles.
Se fossem apenas o tio Alejandro, sua esposa, o Henrico,
Serena e a mãe dela seria uma coisa, mas tinha o Roman, alguém
que eu não tinha proximidade nenhuma, o Damon, que perguntava
demais...
E se ele me perguntasse o que eu fazia ali?
Seria o maior constrangimento da minha vida.
As meninas também eram como ele.
E tinha o Héctor, de quem eu queria apenas distância.
Poderia ser engraçado, antes ele exigir que eu ficasse bem
longe e naquele momento ser eu a pessoa que queria distância.
Enquanto o momento importante da noite acontecia, o
bastardo do Héctor observava o amigo com um cotovelo apoiado na
mesa e os dedos puxando a lateral de um olho enquanto serviam de
apoio para a cabeça.
A cara de pôquer de sempre.
A família Barone era animada quando o assunto era
relacionamento dos outros, quando citava eles, todos tinham algo
para reclamar.
— A felicidade que meus filhos ainda não quiseram me dar,
meu afilhado e Serena estão me dando — tio Alejandro alfinetou.
— Em minha defesa. — Damon levantou a voz. — Eu estive
noivo, mas acabou em tragédia. Henrico, por que não me dá a mão
da sua irmã e faz meu pai feliz duas vezes numa mesma noite?
— Não. — Henrico, que estava mais do que feliz, voltou a
ficar sério.
— E quem disse que eu quero? — Chiara indagou, fazendo
Damon desistir da conversa.
O Roman era o mais animado da casa.
— Eu sei que você tem esse probleminha de memória, pai,
mas eu também estou noivo.
— Você nem fez o noivado aqui! — tio Alejandro replicou.
— Eu tinha que pedir aos pais da noiva! Quando os seus
filhos mais velhos vergonhosos se casarem, faremos o meu noivado
aqui. Então não pense que não tenho pressa, pai. Eu sou a pessoa
mais apressada desse lugar. Tanto quanto a Ramona. Se eu pudesse,
chamaria um padre para realizar a cerimônia de casamento do
Héctor e do Damon com qualquer ser humano, silenciosamente
enquanto dormiam, ou amarrados no porão, onde não poderiam
fugir, apenas para chegar a minha vez.
Quanto desespero!
— E você, Héctor? O tempo está passando. Não é possível
que com tantas mulheres naquele baile você não tenha se
interessado por nenhuma.
Héctor torceu a boca e seu olhar me encontrou. Pensei em
dar por finalizada a noite e voltar para o meu quarto. Eu não queria
ouvir o seu pronunciamento.
Ele voltou a olhar para o pai.
— Eu sei a mulher com quem me casaria, pai.
Os pais dele vibraram e eu me mantive ali, curiosa para ouvir.
Eu deveria estar pouco me fodendo para aquilo, mas queria
saber quem era ela, a mulher que talvez recebesse o mínimo de
respeito que ele podia dar.
— Sabe? E por que não a temos aqui conosco?
— É a noite do Henrico.
— Ou por que dispensou a garota Lucchesi? — tio Alejandro
deu a opção que chocou a todos, inclusive a mim.
Como assim ele a tinha dispensado?
Eles estavam conversando após as corridas.
Héctor não disse nada, apenas ergueu a sobrancelha.
— Por que fez isso, Héctor? — A mãe dele não escondia o
desapontamento. — Vocês formariam um casal ótimo.
— Ótimo não está bom, mãe. Como soube disso? — Ele
encarou o pai.
— Você pensa que eu não tenho ouvidos em todos os cantos?
Héctor riu e tomou um gole da bebida que tinha na taça dele.
— Quem é a moça? — a mãe exigiu saber.
— Tenham calma.
— Calma? Héctor, fizemos tudo pra que você se decidisse.
Você já tem trinta e três anos e não se importa com isso. O seu pai
já tem mais de setenta, precisa se aposentar dessa responsabilidade
e ninguém no conselho confia que você seja minimamente sensível.
— Bela estava exaltada como nunca havia visto. — E não diga que
não precisa da aprovação deles, porque precisa. Você precisa do
apoio de todos, não vai fazer nada sozinho. Você tem que se casar,
ter filhos, alguém com quem se importe além de si mesmo!
— Eu vou, mãe! Eu me importo, merda! — Héctor rosnou. —
Vocês querem um casamento? Ok. Eu vou me casar com a mulher
que eu escolhi.
— Então traga essa mulher — o pai dele pediu farto e Héctor
apontou para a direção onde eu estava.
— Ali está ela.
O sangue se agitou por todo o meu corpo enquanto cada
pessoa sentada na mesa olhou para mim.
Aquilo não poderia estar acontecendo.
Héctor se levantou e enquanto ninguém falava nada, veio ao
meu encontro.
Eu não conseguia acreditar que ele estava fazendo aquilo. Foi
a mesma coisa que aconteceu com a Serena, o Cesare a escolheu
para irritar a própria família e Héctor parecia estar tentando fazer o
mesmo comigo.
Ele nunca aparentou ter inseguranças e não foi diferente
quando parou na minha frente e agarrou o meu braço.
Eu balancei a cabeça em negação, me vendo assustada em
seus olhos.
— O que significa isso, Héctor? — A voz do pai dele soou
como trovões e me fez tremer.
Héctor se virou para todos na mesa, segurando o meu braço.
— Ela é a minha escolhida.
Eu vi o Damon e a Ramona rindo e o Henrico e Serena se
encarando de olhos arregalados, mas a negação do pai dele era o
que mais me envergonhava.
— Você quer se casar com Caterina?
— Isso mesmo.
Tio Alejandro olhou para mim, apoiando o braço na mesa,
com o olhar de estranhamento.
— Caterina?
— Eu não quero me casar com ele! — Libertei meu braço do
toque dele e a única coisa que pensei em fazer e que consegui foi
fugir para o meu quarto.
Tranquei a porta e não consegui raciocinar, apenas lembrar do
que tinha acabado de acontecer, as vozes e os olhares.
Héctor andando em minha direção, segurando o meu braço, o
espanto de todos...
Eu me perguntava por que ele fez aquilo e antes que
procurasse uma resposta, as vozes ressoavam novamente em minha
cabeça.
Eu me sentei na cama e apertei meu rosto.
Encarei o chão pelo que pareceu durar horas, repassando
tudo em minha mente, cada palavra.
Então bateram à porta e imediatamente pensei que era ele,
Héctor e seu novo plano para fazer o inferno na minha vida.
— Caterina? — Era Ramona quem chamava.
Eu me levantei, completamente desnorteada, e abri a porta.
Encará-la foi como renovar a vergonha que eu sentia por ter
passado por aquilo na frente de todos.
Ela parecia sem graça, assim como eu.
— O meu pai quer falar com você.
Era o meu fim.
CAPÍTULO 34
CATERINA SÁNCHEZ
Eu parecia uma criminosa indo para o interrogatório,
trêmula, afinal não tinha ideia do que falar para justificar a loucura
que Héctor tinha feito, mas sabia mais ou menos o que iria ouvir.
Todos tinham parado de jantar para entender a ideia de
Héctor. Quando passei pela sala de jantar na companhia de Ramona,
eles estavam dispersos, fomos para a outra sala e entramos no
escritório.
Eu nunca tinha entrado lá sendo o problema da conversa.
Tio Alejandro estava sentado no sofá, puxando o próprio
cabelo e ficamos a sós assim que Ramona trancou a porta atrás de
mim.
— O senhor queria falar comigo? — perguntei baixinho.
Eu tinha medo dele, por mais que tivéssemos uma boa
relação, era a pessoa que me mantinha segura de tudo e todos, e
sem o seu apoio eu estaria fodida.
— Sente-se, Caterina. E me conte o que anda fazendo com
Héctor.
Eu não me sentei no sofá à frente dele, desabei com as
pernas falhas depois do pedido.
— Eu não ando fazendo nada com o seu filho. Eu juro. —
Minha voz embargou muito rápido, assim como a minha visão ficou
turva.
Eu sentia tanto medo de ser mandada embora dali por causa
de uma besteira e acabar nas mãos de outro maluco que me fizesse
o mal pelo qual vinha me livrando ali.
— Vocês se conheciam antes de você estar aqui?
— Não! Eu nunca vi esse homem antes da noite que vim
parar aqui. E ele nunca me tratou bem. Não sei o motivo dele ter
dito que queria se casar comigo, mas com certeza não foi com uma
boa intenção. Não me mande embora, por favor — implorei
chorando. — Eu não sei como está lá fora. Eu não tenho ninguém.
Ele não se comovia com minhas lágrimas, embora eu não
esperasse isso. Estava em prantos por medo, muito medo.
— Caterina, eu gosto muito de você, mas não posso aceitar
que se case com o meu filho.
O olhar severo dele acabava comigo.
— Eu não quero me casar com ele, tio Alejandro! Isso é
loucura da mente maléfica de Héctor.
Ele deveria saber que nunca nos demos bem.
Ele não via aquilo?
— Héctor faz muitas coisas erradas, mas não vou deixar que
desta vez ele consiga o que quer. Caterina, eu vou confiar na sua
palavra mais uma vez, porque você nunca mentiu para mim, mas se
vê-la afastando Héctor do caminho que ele deve seguir, será o seu
último dia aqui e não te protegerei de nada. Então trate de acabar
com qualquer coisa que exista, se existir, e volte a fazer o que
deveria neste lugar.
— Não existe e eu prometo que não vou ficar mais longe
ainda dele. Não vou te decepcionar. — Passei a mão no rosto,
limpando as lágrimas, e me levantei ainda soluçando.
Eu estava recebendo uma segunda chance por um erro que
não cometi.
Na minha mente só passava maldades pelas quais Héctor fez
aquilo. Estava claro o que ele queria ao dizer que se casaria comigo
e por pouco ele não conseguiu.
Ao sair do escritório, me deparei com a Bela virando uma taça
de champanhe na boca.
Ela olhou para mim, transtornada.
— Que história é essa, Caterina?
— Não existe história, senhora Barone.
— Não é o que Héctor disse.
Ele estava mesmo disposto a acabar com a minha vida ali.
Eu quis chorar mais por estar ciente disso.
— Não existe nada — assegurei e sem coragem de encarar
mais ninguém, fui às pressas para o meu quarto.
No fim do corredor dos funcionários, onde tinha a nossa sala,
vi a figura turva de alguém e limpei as lágrimas para enxergar
melhor.
Era ele.
— Você! — Fechei o punho e corri na direção dele, acertando
seu peito com socos. — Você quer acabar com a minha vida, não é?
Admita que fez isso só pro seu pai me mandar embora daqui!
Ele segurou meus braços e me fez parar.
— Ele disse isso? Ele vai te mandar embora? — As linhas
entre as sobrancelhas dele ficaram mais profundas.
De novo, eu estava com lágrimas demais nos olhos para
conseguir vê-lo com nitidez.
— Vai se você não parar. Mas é claro que não vai, não é?
Você me odeia tanto que só vai parar quando eu estiver bem longe
daqui.
— Se eu te odiasse, não teria falado aquilo.
Eu ri com escárnio.
— Eu não brinquei, Caterina. Eu quero que você se case
comigo.
— NUNCA! Eu nunca vou me casar com um monstro feito
você!
— Precisamos conversar. Direito. Me escuta, pelo menos uma
vez.
— Eu já te escutei demais. — Arrastei meus braços e sequei o
rosto com eles. — E tudo que ouvi foi ruim. Eu não preciso que
reforce nada.
— Eu te vi naquele casamento. Você usava um vestido
parecido com esse, mas tinha flores vermelhas. — Ele ficou de
costas para mim e andou pela sala.
Seria o momento perfeito para ir embora dali e deixá-lo
falando sozinho, mas eu sabia do que ele estava falando e não
conseguia me lembrar se o vi naquele lugar também.
— Era um casamento nobre, achei que era uma convidada e
quando mandei que a procurassem, você tinha ido embora. Então eu
mandei procurarem saber quem era você por dias. — Ele pegou um
enfeite no aparador da sala.
— Por quê?
— Porque eu queria te conhecer. — Ele olhou para mim por
cima do ombro. — Eu precisava de uma esposa, aquele lugar era
adequado para conhecer pessoas e eu me interessei por você.
Depois de ter tantas conversas ruins com Héctor, era difícil
acreditar que aquela história era verdade.
Ele me viu e se interessou por mim?
Héctor Barone?
— Eu não sei se você sabe o quanto as famílias aqui são
tradicionais, muitas coisas são cobradas, por isso que muitos
casamentos são feitos com pessoas que sequer se interessam pelo
outro. Quando tem a chance de escolher, às vezes ignoram algo que
está fora do esperado, mas nem o homem nem a família mais liberal
poderia ignorar o fato da mulher ser uma prostituta.
Meus olhos já estavam secos a essa hora.
O caminho da sua história dava fácil para o que vivemos, eu
só não compreendia a intensidade dele.
— Eu te odiei muito mesmo, Caterina. — Ele largou o enfeite
e voltou sem pressa para onde estava antes, na minha frente. — E
cada vez que eu te irritei, te magoei, te chamei de puta foi
proposital. Eu queria que você sumisse da minha vida porque não
conseguia lidar com o azar que foi me apaixonar por você, sendo
quem era.
Eu estava incapaz de falar alguma coisa, suas palavras eram
tão chocantes quanto as que disse durante o jantar.
— Eu consegui te afastar, mas não consegui me afastar de
você. E você já sabe o porquê de eu não ter procurado saber se
falava a verdade antes. Eu preferi abraçar esse inferno que era ter
você sob o mesmo teto que eu, completamente proibida pra mim. E
se eu procurasse saber e fosse verdade?
— Como teve coragem de dizer que me conhecia? Se me
conhecesse, saberia que eu jamais me prestaria a esse papel.
Ele concordou comigo.
— Eu quero te conhecer e quero que me conheça.
— Pois eu não.
— Caterina, sei que não sou uma boa pessoa. Eu não fui e
talvez nunca seja, porque a verdade é que a única coisa em que sou
bom é em ser mal, mas você me desperta coisas que outras pessoas
nunca despertaram.
— Foda-se, Héctor! Eu não vou me comover com esse
discurso. O que você acha que vai conseguir com isso? Você nem
sequer se arrepende do que fez comigo.
Ele fechou os olhos bem apertados.
— Eu não sou bom em pedir desculpas, merda! Mas eu posso
me esforçar pra ser melhor com você.
Os olhos negros me acertaram em cheio.
Eu gostaria de acreditar, mas era impossível.
Balancei a cabeça em negação.
— Casa comigo, Caterina. — O pedido soou desesperado.
Ele estava baixando a guarda, mas eu não faria o mesmo.
Não tinha motivos.
— Pra quê? Me casar com alguém que só sabe me machucar?
Héctor, eu já conheci pessoas desprezíveis, que se disfarçavam de
boas para depois mostrar sua verdadeira face, mas você nem se
esforça. Você é um monstro. Já me machucou e me ameaçou tanto
desde que cheguei aqui que o sentimento mais forte que tenho por
você é a mágoa. — Meus olhos nadaram em lágrimas mais uma vez.
— Eu jamais faria com você as coisas que disse. Eu só queria
que ficasse longe.
— Conseguiu. Você tem razão quando diz que é ótimo em ser
mal, porque você é. Eu não quero você perto de mim, Héctor. Quem
está apaixonado não faz o que você fez comigo. Não me procure
mais. Me deixe em paz. — Dei as costas a ele e fui para o meu
quarto quase correndo, para entrar e poder trancar a porta antes
que me seguisse.
Quando estava sozinha, fiquei encostada na porta e chorei,
escorregando até chegar ao chão, onde cobri o rosto e derramei
todas as lágrimas que queriam cair.
Era difícil acreditar que enquanto ele me desprezava, me
chamava dos piores nomes e fazia aquelas ameaças
amedrontadoras, estava apaixonado por mim.
Aquilo era doentio e nada do que ele me prometesse iria
mudar o que pensava dele.
Héctor era tóxico, um monstro.
CAPÍTULO 35
HÉCTOR BARONE
Depois que Caterina me disse aquelas coisas, todo o resto
que falaram para mim naquela noite foi como sussurros quase
inaudíveis.
Aquela mulher me odiava, me desprezava e não queria se
casar comigo.
Eu não era tão arrogante a ponto de esperar que Caterina
aceitasse de primeira, mas achei que depois de falar que me
apaixonei por ela antes de encontrá-la naquela boate mudaria
alguma coisa.
Eu já levei tiros, facadas e choques, mas nada me incomodou
tanto quanto as palavras dela.
Não houve um momento sequer na nossa conversa em que
ela tenha soado comovida com o que eu disse.
O vestido que dei a ela foi devolvido ainda naquela noite.
Tinha o cheiro dela e acabei deixando na cama comigo, mas não
consegui dormir direito e acordei no sábado com uma enxaqueca
terrível.
Parecia que eu tinha lutado box com dois pitbulls, perdi, mas
sobrevivi.
Eu tinha o costume de passear com o meu cachorro todas as
manhãs.
Era raro não fazer isso.
Quando saí para buscá-lo naquela manhã, encontrei Henrico
se aquecendo.
— Hum. Achei que estaria fodendo a noiva uma hora dessas.
Henrico era muito certinho mesmo.
A coisa mais errada que ele fez na vida foi colocar chifres no
Cesare.
Ele não quis falar nada, apenas ficou me encarando com o
cenho franzido.
— Eu não podia te procurar ontem à noite. — Ele parou de
pular. — Aquela história acabou com o jantar. Eu fiquei com a
Serena. Era nosso noivado.
— Tudo bem. — Guardei as mãos no bolso do casaco. — Eu
não queria ver ninguém mesmo e já tinha gente demais no meu
ouvido.
Ele me acompanhou em uma caminhada lenta para a casinha
do cachorro.
— Eu sei que não ajuda, mas aquilo foi loucura, Héctor. Você
não deveria ter agido no calor do momento.
— Ela seria a escolhida de qualquer forma.
Sim, eu me senti muito pressionado e isso me encorajou a
tomar aquela decisão, mas não era uma dúvida para mim.
— Você sabe que mesmo que ela não seja uma prostituta,
ainda não é a mulher com quem um capo se casaria, Héctor. Ela
nem tem família, e quando tinha era só ela e o pai viciado em jogos,
endividado. Caterina é apenas uma florista com muitos problemas. A
pessoa errada pra você.
— Foda-se tudo isso! Eu não me importo. Tudo que eu fiz nos
últimos meses para esquecê-la não serviu para nada além de plantar
nela um ódio e desprezo assustador por mim. Você tinha que ver
como ela falou comigo, Henrico.
— Eu disse que essa obsessão já tinha passado do limite. Ela
é uma boa moça, eu concordo. Tive a oportunidade de conhecê-la
melhor quando você me colocou de guarda dela, mas isso não muda
o fato de que você será o chefe dos negócios da família e precisa se
casar com uma mulher à sua altura, fazer uma aliança poderosa.
Você tem sorte do seu pai ter permitido que escolhesse por si só.
— O motivo pelo qual querem que me case é pra mostrar que
sou um homem com o mínimo de sensibilidade. Se eu não me casar
com quem eu tenho apreço, não me vejo fingindo que me importo
com qualquer outra mulher.
Ele balançou a cabeça em negação.
— Eu não sei como posso te ajudar com isso, Héctor. Você é
muito teimoso.
Ri de mim mesmo.
— Acho que estou pagando por muitas coisas que fiz.
— Se tivesse, seria muito pior do que levar um fora.
— Você não sabe o peso que ele tem. — Abri a casinha e
Thor pulou para fora, quase me derrubando ao apoiar as patas no
meu peito. — Vamos passear, Thor?
Ele sempre ficava eufórico quando eu aparecia logo cedo.
Thor começou a cheirar meus braços enquanto não
começávamos a caminhar.
— Posso saber o que você vai fazer agora que esclareceu
tudo com ela? — Henrico fechou a porta da casinha.
O que eu ia fazer?
Eu ainda estava refletindo sobre as coisas que ouvi.
— Eu não sei, Rico, mas já sei que esquecê-la não é uma
possibilidade.
CATERINA SÁNCHEZ
Implorei para que o tio Alejandro me deixasse naquele lugar,
mas depois da conversa que tive com Héctor sentia que todo o
ambiente havia mudado. Todos os cantos, até mesmo a estufa, me
causavam mal-estar.
Eu me sentia deslocada e indesejada ali, mas com todos os
meus outros problemas fora, esperava que fosse apenas uma
sensação passageira pela recente confusão.
Quando Serena me procurou no sábado, na estufa, seu
humor oscilava entre o sorriso de felicidade e pressionar os lábios
em lamento.
— Como você está?
— Me sentindo deslocada. E você? — Eu me virei para ela
tirando as luvas.
Ela levantou a mão e mostrou o anel de noivado.
Sorri, feliz por ela e a abracei.
— Parabéns. Você merece muito ser feliz, Serena.
— Obrigada, mas você também merece. — Ela se afastou de
mim. — Todo mundo ainda está em choque com a decisão do
Héctor.
— Não foi uma decisão. Héctor agiu por impulso e eu nunca
vou me casar com um tipo como ele.
Nem consegui dormir na noite anterior, com raiva dele.
Deduzi que quem tinha me dado aquele vestido tinha sido ele
e mandei que Rita o devolvesse ao dono.
Eu não queria nada daquele bastardo.
— Quando ele conversou mais cedo comigo, não imaginei que
ele teria coragem de fazer aquilo. Eu disse ao Héctor que você o
odiava, então ele disse que vocês se beijaram. Isso é verdade, Cate?
Merda!
— Foi ele! Foi ele quem me beijou. Mas isso não faz
diferença. — Andei de um lado para o outro no corredor. — Como
ele tem a coragem de dizer que estava apaixonado por mim,
enquanto planejava com a maior maldade arrancar a minha mão
fora, Serena? — Eu me lembrei da primeira noite, quando estávamos
no carro, que ele deu aquele sorriso sádico contando essa ideia para
Damon. — Aquela pessoa não sentia nada bom por mim.
— Eu disse pra ele que só sabe maltratar quem gosta. Mas
bem que eu desconfiei que existia alguma coisa por trás de tanta
perseguição.
— Serena, quem gosta de alguém não faz nada do que ele
fez comigo. Um dia, quando pedi para não me tocar, ele disse que
nunca procuraria uma putinha refugiada, como eu, pra sexo. —
Dizer aquilo em voz alta me lembrou do que senti naquele dia e me
deixou com vontade de chorar de raiva. — Como alguém que está
apaixonado despreza a outra pessoa dessa maneira? — questionei
com a voz embargada.
Serena bufou.
— Ele não te merece mesmo, amiga. O que vai fazer agora?
— Eu já disse pra ele ficar longe de mim. O tio Alejandro falou
que se eu atrapalhar o caminho do filho e, vai me mandar embora
daqui sem proteção nenhuma. Ele disse que não sou mulher para o
filho dele. — Engoli o nó na garganta.
Sabia que não era de boa família, não tinha dinheiro e não
pretendia ser nora dele, mas ainda doeu ouvir alguém dizendo que
eu não era boa suficiente.
— Vai ser melhor assim. Eu vou perguntar para o Henrico se
ele sabe como estão as coisas em Madrid. Vou pedir para ele
investigar e se tudo estiver bem, te contarei.
— Seria ótimo. Eu queria ir embora daqui, Serena, mas tenho
medo do que me espera lá fora.
— Vamos pensar em alguma coisa. — Ela segurou minhas
mãos. — Vai ficar tudo bem.
Balancei a cabeça com a esperança de que ficasse mesmo.
CATERINA SÁNCHEZ
Assistir aquela corrida era como reviver o sábado em que a
outra aconteceu, mas dessa vez os dois minutos de corrida me
deixaram com o dobro de ansiedade e no final dela eu não sabia de
novo se ficava aliviada ou triste.
Ramona pulou comemorando que Héctor tinha ganhado com
seu famoso cavalo puro sangue.
Héctor tinha treinado muito e enquanto alguns jóqueis caíam,
outros cavalos tropeçavam, ele conseguiu deixar todos para trás e
chegar em primeiro.
Era curioso como o cavalo dele continuava veloz com um
homem acima do peso comparado aos que os homens costumavam
ter para participar dessas corridas. Eu havia aprendido aquilo, contra
a minha vontade, ao ouvir Ramona analisando as chances do irmão.
Parece que os jóqueis costumavam ter perto dos sessenta
quilos.
Héctor tinha mais de setenta, embora não parecesse.
Ele era alto e tinha músculos bem mais definidos que o
Alonso e os outros corredores.
Mas ela disse que o cavalo poderia estar acostumado com ele,
já que treinaram muito.
Admito que não estava torcendo para aquele cretino, mas
temia que se ele não ganhasse, eu tivesse que intervir mais uma vez
por medo dele fazer alguma coisa com Alonso, já que quando o viu
na entrada do hipódromo, não parecia nada amigável.
Parecia querer ser muito uma “pick me girl[4]”, mas não era
nada disso.
Apenas medo mesmo.
Quando ele desceu do cavalo, eu o vi pela primeira vez sendo
carinhoso com um ser vivo.
Não que ele não parecesse ser com o cachorro, mas com o
cavalo era bem mais visível.
— Mesmo de coração partido, ele venceu. — Chiara estava
admirada.
Eu não podia acreditar que ela estava falando aquilo. Não
tinha nada de graça essa coisa do coração partido e ela não sabia
como era porque nunca tinha sofrido com um homem.
Ramona se sentou do meu lado, se abanando com um leque.
— Escuta, Caterina. Se o meu irmão te ameaçar pra se casar
com ele, pode falar pra mim, porque vou contar pro nosso pai.
Me ameaçar pra se casar?
Era a cara dele, mas depois de tudo o que eu disse, pedi
distância, só se ele não tivesse o mínimo de respeito por mim para
insistir naquilo.
— Ele não vai fazer isso.
— Mas me avisa se fizer. — Ramona continuou a se abanar.
De onde estávamos, dava para ver o Alonso. Ele chegou em
segundo e não parecia nada contente. Muita gente tinha apostado
no cavalo dele. Eu o vi saindo da pista e se juntando ao tio Alejandro
e os outros homens que estavam com ele.
Todos sabiam que Héctor iria competir, mas acho que muita
gente acreditou que ele ia perder mais uma vez.
Esperei até que tudo terminasse para falar com Alonso.
Queria parabenizá-lo pela corrida.
Ele parecia tão distraído, que quando me encontrou tomou
até um susto.
— Oi, Caterina.
— Tudo bem? — Analisei suas feições.
Ele murmurou que sim enquanto balançava a cabeça.
— Você foi bem. Uma pena não ter pegado o primeiro lugar.
Achei que correria nos outros páreos.
— Desta vez tinha jóqueis suficientes. — Ele suspirou e olhou
ao nosso redor. — Caterina, me conta uma coisa.
— Sim.
— Você e o Héctor, existe algo? —A tensão na sua testa me
fez concluir que ele estava preocupado com isso.
— Não! — Era automático eu responder com espanto. — Eu
não tenho nada com ele.
— Que bom, mas tome cuidado. Ele não é uma boa pessoa,
Caterina. Héctor não tem boa fama aqui e em lugar nenhum, e
nenhuma das histórias horríveis que contam sobre ele é mentira.
Você não merece sofrer por causa dele.
— Eu sei disso e sempre mantenho distância.
Ouvir o óbvio de alguém que realmente se importava comigo
renovava a minha preocupação, mas eu tinha controle daquela
situação, ele não me forçaria a casar nem a fazer outras coisas.
— Mesmo assim, redobre a atenção. — Ele olhou mais uma
vez ao nosso redor, como se temesse que alguém o visse. — Agora
tenho que ir.
— Até o próximo sábado. — Sorri e acenei enquanto ele se
afastava.
Não queria que ele ficasse preocupado com isso. Tinha outras
coisas que mereciam a atenção dele e eu não pretendia ser uma
distração para ninguém.
Ele apenas acenou e sumiu entre as pessoas.
Resolvi procurar Serena, afinal fomos para o hipódromo
juntas e combinamos de voltar juntas também.
Eu a encontrei apenas porque usava vermelho, e quando a
alcancei, vi Henrico, Ramona e Héctor fazendo companhia a ela.
Héctor não se esforçava para fingir que não me via. Ele ficou
me encarando, mesmo eu o ignorando enquanto conversava com
Serena. Podia vê-lo pela visão periférica e isso fazia com que minhas
orelhas queimassem.
— Já vamos. Espera um minutinho. — Minha amiga estava
agarrada ao braço do noivo.
— Ok. — Encarei a pista e até procurei Alonso entre todos.
Eu imaginava que ele deveria ter levado alguma bronca por
não ter vencido a corrida.
— Não vai me parabenizar por ter vencido a corrida? —
Héctor perguntou.
Senti que era direcionada a mim, então olhei para ele, para
confirmar. Ele esperava a resposta me encarando com uma
sobrancelha erguida.
— Quem? Eu?
— Claro.
— Não. Nem era pra você que eu estava torcendo. — Dei as
costas a ele. — Serena, vou esperar em outro lugar.
CAPÍTULO 37
CATERINA SÁNCHEZ
— O que você fez, Caterina? — Minha mãe entrou no meu
quarto com os olhos saltando as órbitas e as narinas dilatadas.
Eu estava deitada na cama, enrolada no lençol, a janela
aberta deixava o sol da manhã entrar, mas era tão alaranjado que
parecia fim de tarde. Eu sabia que era dia, que havia acabado de
acordar, mesmo que não me sentisse sonolenta.
— FALA! O. QUE. VOCÊ. FEZ?
— Eu não fiz nada!
Eu não me lembrava de nada, nem sabia do que ela estava
falando.
— Você fez sim! Ele... — A voz dela embargou e seu rosto se
contorceu em uma cara de choro. — Ele sempre disse que você não
era uma boa menina!
Instantaneamente soube o assunto.
Sabia de tudo e só tinha um medo.
— Eu não fiz nada. Você sabe muito bem ao que ele se referia
quando falava isso. Até quando vai ficar me culpando quando a
culpa é sua por colocar esse homem na nossa casa?
— Esse homem é meu marido e você está atrapalhando tudo!
Some daqui! Volte para o seu pai!
— Mas, mãe...
— Ele só vai voltar se você for embora daqui, então saia,
Caterina! SAIA!
Lembrança desgraçada!
Eu não costumava acordar com esses pensamentos, mas nos
últimos dias isso estava acontecendo com frequência. Depois que
Serena me fez perguntas sobre a minha mãe, uma parte do meu
cérebro desbloqueou o que eu não queria lembrar.
Era um problema que eu dava por resolvido, morto e
enterrado, literalmente, e que não deveria estar tirando o meu
sonho.
Eu iria esquecer aquilo ao longo do dia.
Como a temporada de corridas estava oficialmente iniciada,
tinha alguns jóqueis treinando no hipódromo da família Barone.
Havia cavaleiros para todos os cantos.
Ainda estávamos no início da semana e parecia ser o sábado
da corrida.
Tinha um belo cavalo preto, amarrado em um poste a
caminho da estufa. Eu não resisti e parei para ver de perto.
Para mim, aquelas corridas eram um pouco cruéis com eles e
me partia o coração quando algum cavalo caía na pista. A forma
como eram tratados, os campeões, não era nada justa, já se não
fossem bons, eram descartados sem dó.
Os coitados mal sabiam o que estava acontecendo.
Aquele tinha o pelo tão preto e brilhoso que tocá-lo era algo
irresistível. Passei a mão pelo pescoço e senti a maciez da longa
franja penteada. Eu também cheirei e tinha que admitir que ele
cheirava melhor do que eu.
— Qual shampoo você usa? — perguntei para o animal, como
se fosse ouvir alguma resposta, quando de repente, fui arrastada
pela cintura e jogada de lado em cima dele.
Segurei firme na sela e olhei para quem fez aquilo com o meu
coração quase saindo pela boca.
Héctor subiu em seguida e mal pude encará-lo.
— O que pensa que está fazendo?
Ele ficou atrás de mim, seus braços em volta do meu corpo e
tomou as rédeas. O cheiro do perfume masculino dele impregnou o
ar que eu respirava. Enquanto o vento vinha levemente frio da
manhã, a respiração quente de Héctor soprava no lado esquerdo do
meu pescoço.
— Héctor? — rosnei sentindo a temperatura das minhas mãos
caindo. — Pra onde está me levando?
Ele estava nos levando para longe da casa, em direção à
mata, que não era nada perto.
Deveria ficar a uns quatrocentos metros dali.
— Isso é sequestro, sabia?
— Não é se ainda estamos na mesma propriedade.
Ele nem deveria estar perto de mim.
Se o tio Alejandro visse uma coisa daquela, iria me mandar
embora na mesma hora.
Eu não deveria estar nos braços daquele bastardo.
Olhei para o que ficou para trás e vi a casa bem longe, então
fiquei um pouco aliviada por ninguém poder ver a loucura que
Héctor estava fazendo.
— Você deveria estar longe de mim.
— Por quê? Você quer?
A voz dele soprando no meu ouvido me deixou arrepiada.
Eu não podia esquecer de quem ele era.
— Também. — Minhas palavras saíram com pouca confiança.
Não deveria ter sido assim!
Ele estava nos levando para longe mesmo, inclusive já
estávamos chegando à mata.
— Como se fosse fácil — resmungou.
Deduzi que o resto da frase fosse ficar longe de mim e não
acreditei que era para ele.
— Sem me insultar? Imagino que deve ser — zombei.
— Eu gosto desse seu deboche agressivo. — Ele apertou
minha cintura repentinamente e fiquei sem fôlego por um instante.
Gosto...
Seus elogios não funcionariam comigo.
— Só ajo como você age comigo.
— Mas eu nunca te acertei socos — ele replicou como se
fosse um santo.
Dei de ombros.
— Mas ameaçou cortar a minha mão. — Bastou eu fechar a
boca, ele passou a mão por cima da minha, depois a segurou,
deslizando as pontas dos dedos pela pele.
— Você não me disse quem fez isso.
Eu jurava que ele não se lembrava mais das malditas
cicatrizes.
— Eu não sou obrigada a me explicar pra você. Por que fica
insistindo no que não deve? Reparando no que ninguém repara? —
Quase olhei para ele, mas consegui me manter sem fazer isso.
— Porque eu não te vejo como eles.
Era impossível levar a sério qualquer conversa dele quando eu
já tinha uma péssima imagem.
— Nem vou perguntar como me vê. — Virei o rosto para o
lado contrário ao que o dele estava.
Ele só me via como tudo que eu não era.
— Parecem marcas de cigarro.
A sugestão me deixou em alerta.
Ele não deveria ser tão observador assim.
Nenhum homem era a esse ponto.
— Estou certo? Ok. Foi o seu pai?
— Meu pai nunca me machucou. — A necessidade de
defendê-lo me fez reagir de imediato. — Acho melhor parar por aí.
— A sua mãe?
— Eu disse pra parar, Héctor. — Elevei a voz e assim que o
cavalo parou perto de uma árvore, afastei o braço que envolvia a
minha cintura e pulei do animal, caindo de pé no chão. — Você não
consegue ser menos irritante por muito tempo, não é?
Ele também desceu e o encarei de frente.
Estava usando jeans e uma camisa social mal abotoada, com
a maioria dos botões de cima abertos. Para não parecer curiosa
sobre o peito à mostra, encarei o rosto dele e Héctor ergueu
levemente os cantos da boca.
— Eu só estou tentando te conhecer.
— Conhecer as minhas cicatrizes — corrigi.
— Claro. Elas fazem parte de você e de quem é. Embora não
pareça ter medo do fogo.
Andei para perto do tronco e me encostei nele.
— Ou você aprende a lidar com o que te causa medo, ou vira
refém dele.
— A sua coragem em me enfrentar saiu daí? — Ele amarrou o
cavalo em um galho e depois se virou para mim.
— Eu só me cansei de você e seus jogos, Héctor. — Cruzei os
braços e pernas, deixando todo o peso do meu corpo para o tronco
grosso da árvore. — “Não cruze o meu caminho”, depois você
aparece no meu caminho; “seja invisível”, mas você me vê. É
exaustivo.
— E você ainda pergunta o motivo de eu estar aqui. — Ele
deu passos para perto de mim com os olhos dançando, enquanto
vasculhavam meu rosto. — Eu não consigo ficar longe de você,
Caterina.
Ele sempre parecia saborear as sílabas ao pronunciar meu
nome.
Encarei o chão na tentativa de não me deixar levar pela
conversa dele.
— Você me faz mal, sabia? É por isso que não acredito que
nada que diga ou faça seja para o meu bem.
— Eu me preocupo com você. Me preocupei até quando achei
que não deveria.
Eu o encarei com um sorriso debochado.
— Vai dizer que ficou no hospital comigo porque não queria
garantir que eu ficasse viva pra continuar sua tortura psicológica,
assim como suas palavras “serei seu inferno particular”.
— Claro que não. Eu fiquei pra garantir que você ficaria bem,
porque se eu estava fodido com você perto de mim, sem sua
existência eu não sei como ficaria. — Ele apoiou um dos pés na
frente do meu e depois colou o corpo todo em mim, segurando-se
nos galhos do tronco acima de nós.
Eu só precisava descruzar os braços e empurrá-lo, mas me
sentia desafiada a permanecer ali, confiante de que ele não ousaria
tentar nada.
Os olhos pretos brilhantes estavam mais perto do que nunca
e não me causavam medo. O olhar afiado, penetrando no meu,
como se procurasse encontrar a minha alma, me deixou hipnotizada.
— Não me pergunte como, nem o motivo, mas eu não
consigo pensar em uma mulher que não seja você.
Abaixei meu rosto com o calor nas bochechas se elevando.
Eu não estava acostumada a ouvir declarações, muito menos
de homens que já sabiam muito bem o que queriam da vida.
Héctor colocou o indicador abaixo do meu queixo e ergueu
minha cabeça.
— Não sei que diabos você tem, mas tudo, até o seu jeito
hostil me agrada. — Ele encarou meus lábios e antes que eu
descruzasse os braços para empurrá-lo, me beijou.
Um beijo avassalador que me dominou por completo mais
uma vez, sequer pude rejeitar a passagem da sua língua, ela
conseguiu espaço, sedenta, envolveu a minha e me arrancou
gemidos carregados de tesão.
Quando seu braço me apertou bruscamente a cintura, quase
me tirando do chão, senti minha calcinha molhar.
Eu sabia e deveria resistir, mas meu corpo fazia o contrário.
Héctor conseguia me controlar a ponto de eu retribuir.
— Eu quero te fazer minha mulher — ele murmurou contra a
minha boca, arrastou minhas pernas para os lados, em seguida
empurrou o quadril entre elas, espremendo minha virilha com a
ereção que tinha crescido nele e forçou sua boca com mais violência
contra a minha.
Perdi a força das mãos, pernas e apenas sentia meu coração
e ventre pulsando, assim como nossas línguas lutando naquele beijo
entorpecente.
Eu jamais poderia dizer que aquilo não me agradava. Ele
sabia como me fazer refém das piores maneiras e das melhores
também.
O homem arrancou meu fôlego em questão de minutos.
Quando gemi sem ar e reuni forças para empurrar seus
ombros, afastando a minha boca, Héctor lambeu da minha bochecha
até perto da orelha e chupou todo o meu pescoço. A barba roçando
na minha pele causava arrepios. Eu precisava recuperar o fôlego,
mas descobri que ele conseguia continuar me tirando sem
necessariamente estar cobrindo a minha boca.
Gemi e me mexi entre seu corpo e o tronco, a única parte
que deslizava bem era a que estava em contato com o fundilho da
calcinha.
— Evitei pensar em você nessas condições, mas, porra, agora
eu te quero mais ainda, Caterina. — Ele me olhou com os lábios
inchados e vermelho ao redor deles, a barba estava bem baixa e
perfeitamente desenhada.
Ela tinha o mesmo efeito que o cabelo dele quando ficava
bagunçado.
Eu estava perdida nos braços daquele homem.
Perdida e molhada.
Ele mordeu o meu queixo e foi quando olhei para longe e vi a
casa dos Barones. Voltei para a realidade no mesmo instante e as
forças também ressurgiram.
— Isso está errado. Eu te odeio, Héctor!
— Aham. — Ele passou a língua pela minha orelha e meus
olhos viraram com a sensação gostosa que aquilo causava.
Eu me arrepiei toda de novo.
— É sério. Me larga, seu bastardo. — Minha ordem não tinha
tanta força como normalmente, era mais uma súplica gemida, nada
convincente.
Mas ela precisava ser.
Eu precisava sair dos braços dele de alguma forma.
Aquilo nem deveria estar acontecendo.
E o cavalo assistia a tudo, foi ele que, mesmo calado, me deu
uma ideia.
— Posso pedir uma coisa?
— Qualquer coisa menos que me afaste de você. — A boca
dele já estava descendo pelo meu colo.
Ele não poderia estar pensando que faria alguma coisa a mais
comigo. Era algo que nem nas maiores perdições e tentações eu
deixaria acontecer.
— Posso dar uma volta com o seu cavalo?
Ele me olhou por debaixo dos cílios, depois afastou a boca de
mim e me encarou surpreso.
— No Polo?
— Ele tem nome?
— Claro. — Ele se afastou de mim.
A primeira parte do meu plano tinha dado certo. Eu só
precisava resistir a olhar para o quadril dele, porque já tinha sentido
muito bem como as coisas estavam por ali.
— Eu posso dar uma volta no Polo?
A pergunta que ficava era: eu seria capaz de manipular o
homem mais frio que conheci?
— Pode, mas cuidado porque ele é um campeão e precisa
estar bem no sábado.
Coloquei o pé no estribo e antes que me impulsionasse
sozinha pra subir, Héctor segurou meu quadril e fez isso por mim.
— Por que eu machucaria o seu cavalo? Eu nem sei como
conseguiria fazer isso.
— Não sei. Talvez, por que tem um lado sádico em você se
escondendo atrás desse rostinho de anjo?
— Rostinho de anjo? — Eu o encarei sem acreditar na sua
descrição sobre mim e um sorriso quis aparecer, mas me contive,
focando em segurar as rédeas. — Eu não sou má como você.
— Tá bom que não. — Ele duvidava e não era por
brincadeira, parecia mesmo preocupado com o animal.
— Engraçado que você não era alma gêmea desse cavalo até
as últimas semanas.
— Anda me observando tanto assim? — Ele ergueu a
sobrancelha e um sorriso malicioso surgiu em sua boca.
Um pouco.
— Não, mas este cavalo nunca esteve amarrado perto da
casa.
— Agora eu treino pra corrida, mas antes eu passeava com
ele, com menos frequência. Circule por aqui. — Ele apontou o meu
percurso.
Não era a primeira vez que eu subia em um cavalo e não
tinha medo de sair do campo de visão dele.
Nem era o meu plano dar uma voltinha.
Quando coloquei o Polo para andar, eu o guiei para onde
realmente queria ir.
— Caterina, essa não é a direção.
Eu cavalguei rindo, me afastando cada vez mais dele, indo em
direção à casa.
Quando o cavalo começou a correr, foquei em me manter em
cima dele e só ouvi os gritos de Héctor.
— CATERINA, VOLTE AQUI! VOCÊ NÃO VAI FAZER O QUE
ESTOU PENSANDO! VOLTE AQUI!
Depois de um tempo não dava mais para ouvi-lo direito e o
Polo me levou até o lugar onde o encontrei, antes de ser capturada
por seu dono.
Desci do animal e aguardei a chegada de Héctor.
Demorou muito.
Ele teve que voltar correndo e eu assisti a tudo rindo.
Quando ele chegou, não parecia tão exausto, mas estava
suado e furioso.
— Muito engraçado, Caterina. Muito engraçado. — Ele tomou
as rédeas da minha mão. — Eu não emprestarei o meu cavalo a
você outra vez. Nem adianta pedir.
Enquanto ele subia no animal, eu ria da situação.
Ele se afastou resmungando.
— Essa mulher ainda vai me deixar louco.
Como se ele já não fosse.
CAPÍTULO 38
HÉCTOR BARONE
A semana estava sendo ótima, tudo ia muito bem além do
hipódromo. Eu me sentia com novos propósitos, bons propósitos,
longe do que todos esperavam.
Exceto longe dela.
Tê-la beijado de novo despertou em mim desejos que ainda
não eram tão fortes quanto os outros sentimentos que tinha por
Caterina.
Eu gostava de muita coisa nela, mas não a via apenas como
um corpo gostoso onde eu queria me afundar, chupar, morder e
foder por uma noite inteira. Eu adorava o cheiro dela, que me trazia
a mesma satisfação que o sorriso. Eu a achava linda e poderia ficar
horas admirando-a, encontrando detalhes que me deixavam
fascinado em sua aparência.
A personalidade dela me deixava louco, mas os segredos que
seus olhos em silêncio escondiam eram o que mais me intrigava.
Eu conhecia uma parte de Caterina que nem ela mesma
imaginava que eu podia.
Valorizar essas coisas e não me importar com sexo era o que
me fazia diferenciar o que eu sentia por ela do que já havia sentido
por outras mulheres. Tanto que quando acreditei que ela trabalhava
vendendo seu corpo, fiquei revoltado, afinal era completamente o
contrário do que eu admirava.
Esses novos desejos não apagavam nada do que eu sentia
antes, mas me faziam querê-la desesperadamente perto de mim.
Eu não conseguia mais respeitar o seu limite de distância, e
sua sorte era que eu andava ocupado demais com os treinos para
procurá-la e matar um pouco da minha sede na boca dela.
Se existia uma coisa que eu tinha certeza era que eu
conquistaria aquela mulher. Então, em algum momento ela
acreditaria nos meus sentimentos e me daria uma chance.
Enquanto ver Caterina me excitava, ver Alonso passeando
pela nossa propriedade me estressava. Ele estava ali por gratidão ao
meu pai e mesmo tendo perdido para mim, não deixava de ser
exibido.
Depois do meu aviso, eu não o vi se aproximar de Caterina.
Uma das duas coisas o fazia me olhar com ódio: se afastar de
Caterina ou perder o páreo para mim.
Ele continuaria vivendo as duas coisas se dependesse de
mim.
Era sexta-feira, eu tive que sair para resolver coisas da família
e pretendia treinar depois disso, já que a corrida aconteceria no dia
seguinte e precisava estar pronto pra vencer mais uma vez.
Depois que ganhei a corrida contra Alonso, não se falava em
outra coisa além de apostar no meu cavalo.
Eu não poderia decepcionar.
Então encontrei um dos cuidadores de Polo na calçada da
nossa casa, segurando um chapéu em frente ao peito.
— Senhor, o Polo não está bem.
— Como ele não está bem? — Eu não compreendi, já que no
dia anterior ele estava ótimo.
— Ele está agitado, com tremores e mal consegue caminhar.
Senti minhas energias baixando e a preocupação tomando
conta de mim.
— Cadê o veterinário?
— Ele já está o examinando. Eu só vim aqui pra avisar, pois o
senhor não apareceu no horário de sempre. Achei que gostaria de
saber.
— Sim! Claro! O que o veterinário disse até agora?
O homem olhou para o lado e eu acabei acompanhando, foi
quando vi Caterina ouvindo a conversa de olhos bem atentos.
— Senhor — ele falou mais baixo. — Ele disse que o animal
pode ter sido envenenado.
Podem me chamar de louco, mas na mesma hora vi o rosto
de Alonso na minha mente, a imagem do safado fazendo isso. Era o
único competidor à minha altura, a única pessoa que poderia se
incomodar a ponto de fazer uma barbaridade daquela.
— Volte para lá. Eu vou falar com meu pai antes de ir.
— Certo, senhor. — Ele colocou o chapéu na cabeça e saiu
por um lado da casa.
Envenenado?
Mas que porra!
Estavam tentando me prejudicar, isso era nítido!
— Héctor. — Caterina se aproximou de mim, receosa.
Eu estava tão cego de raiva em pensar no que fizeram, que
mal conseguia encará-la sem parecer o monstro que eu disse que
não tornaria a ser com ela.
— O Polo não está doente por causa daquele dia, está?
Eu não esperava que ela acreditasse que o meu cavalo era
tão frágil a ponto de adoecer porque ela montou nele.
— Não, Caterina. Não foi. — Minha voz soou mais calma do
que imaginei que poderia ser. — Pode me dar licença?
Ela balançou a cabeça e saiu da minha frente.
Meu pai precisava saber daquilo, porque se eu confirmasse
que aquele bastardo tinha tentado matar o meu cavalo, nada
terminaria bem naquele fim de semana.
CATERINA SÁNCHEZ
Eu não pretendia ouvir a conversa de ninguém, sempre que o
Héctor estava em um lugar, eu ia para outro, mas daquela vez eu
não consegui e ouvi que o cavalo dele estava doente.
Eu tinha passeado com ele no início da semana e fiquei
preocupada, pois ele parecia tão saudável que era estranho adoecer
tão repentinamente!
Não consegui ouvir o que o veterinário contou para o
cuidador quando esse cochichou para Héctor e fiquei apenas com a
certeza de que não tinha culpa daquilo.
Héctor ficou tão furioso.
Fazia tempo que não o via com aquele olhar obscuro de
assassino. Conhecendo-o, sabia que alguém pagaria por aquilo e
temi para quem sobrasse.
Naquele dia, entrei na casa sem ser obrigada.
Bela não conseguia me olhar da mesma forma depois que o
filho dela a contrariou por minha causa. Quando me viu, ela tentou
sorrir e eu também.
Deve ter sido a troca de sorrisos mais estranha que já
aconteceu.
Eu sabia que Héctor tinha ido conversar com o pai e não
resisti. Com a desculpa de trocar alguns arranjos na sala de estar
onde ficava o escritório, pude ouvir a conversa, que não era nada
discreta, pois Héctor parecia um Rottweiler rosnando, enquanto
contava ao pai o que havia acontecido.
— Eu não tenho dúvida de que foi o Alonso.
Sua suspeita me causou descrença.
A sua perseguição a Alonso estava indo tão longe que ele
começou a dizer que Alonso fazia o mesmo que ele.
Eu não duvidava da capacidade de Héctor de envenenar um
animal. Ele envenenaria uma pessoa apenas guiado pelos
julgamentos da sua cabeça.
— Que história é essa, Héctor? — o pai dele questionou com
a voz apertada e trêmula. — Não me venha com acusações sem
fundamento. Alonso é um dos nossos melhores jóqueis e ele nunca
maltratou nenhum animal. A sua competitividade está te fazendo
voltar a ser o imbecil que ninguém quer no poder. Estava indo tão
bem...
Eu concordava com o tio Alejandro, mas saí da sala com uma
pulga atrás da orelha.
Eu não tinha encontrado Alonso durante aquela semana, mas
sabia que ele estava treinando no hipódromo dos Barones, então
assim que guardei as ferramentas de jardinagem e deixei o arranjo
para fazer depois, saí à procura dele.
Dei a volta e perguntei a todos que vi por onde andava o
Alonso, até que falaram que ele estava no hipódromo, então peguei
uma carona com um dos jóqueis que estava indo para lá no carrinho
de golfe.
O assunto não era da minha conta, mas na minha cabeça
louca era, porque o Alonso foi meu primeiro namorado e o Héctor
queria se casar comigo, e tinha medo de um dos dois cometer
alguma loucura.
Alonso sempre foi um bom rapaz.
Eu não sabia o que ele tinha vivido desde que nos vimos pela
última vez na escola, as situações da vida mudaram a gente, mas
ele parecia ser o mesmo, sem ganância, sem maldade, apenas
gentileza.
Assim que o carrinho parou, agradeci ao rapaz e corri para
dentro do lugar à procura de Alonso.
Tinha algumas pessoas, mas nenhuma era ele, o que me
restou perguntar.
— Ele disse que ia olhar o cavalo nos estábulos. — O homem
apontou a direção e fui para lá.
Algumas pessoas estavam saindo dali, mas não eram o
Alonso.
— Alonso? Você está aqui?
— Oi. — Ele saiu do quartinho onde me prendi com o Héctor
da outra vez, estava com luvas nas mãos, botas e um conjunto claro
que parecia ser de costume dos jóqueis que treinavam ali.
Héctor era o único que nunca se vestia como os outros.
— Você por aqui. Aconteceu alguma coisa?
Sorri crente de que ele jamais poderia ter feito a maldade
com o cavalo de Héctor.
Quando Alonso chegou perto de mim, beijou meu rosto.
— Que bom que apareceu, embora eu não esperasse.
— Eu queria te perguntar uma coisa, sobre o Héctor.
O sorriso sumiu do rosto dele.
— Hum. Ok. O que quer saber?
— Vocês têm se dado bem depois da última corrida? Ele não
é o tipo de pessoa mais amigável e você me deu aquele conselho,
parecia tão preocupado.
— Héctor nem deveria viver em comunidade. Espero que
esteja seguindo o meu conselho.
— Mas vocês se dão bem na medida do possível? Ele ganhou
de você e isso não te prejudicou?
Eu não ia ser direta!
Ele confirmou com a cabeça, comprimindo os lábios.
— Foi um grande prejuízo para quem apostou no meu cavalo,
mas amanhã a história será diferente. — O sorriso dele se reergueu.
— O cavalo dele está doente, Alonso. Você sabe de alguma
coisa? Quem pode ter feito isso?
— Provavelmente ele mesmo — ele falou erguendo os ombros
como quem não se importava com aquilo. — Ele é grosso com
todos. Coitado daquele animal.
— Mas ele gosta muito do Polo. Não faria isso. E mesmo se
não gostasse, por que ele iria machucar o animal que o ajudaria a
vencer de novo?
Ele olhou dentro dos meus olhos.
— Você anda o defendendo agora?
— Só estou preocupada com o cavalo. Ele parecia saudável
no início da semana. Eu não conheço mais ninguém além de você.
Ele riu com deboche.
— Uma pena mesmo o cavalo dele estar doente um dia antes
da corrida. Acho que dessa vez ele não vai ganhar.
Eu pude sentir a maldade na voz dele.
— Alonso, você não é responsável por isso, é?
Ele segurou meus braços e suspirou.
— Caterina, esse mundo é muito injusto, mas se você souber
como se manter nele, conseguirá sobreviver. Eu não posso
desapontar os meus patrocinadores. Era o cavalo ou ele.
Toda a confiança e admiração que sentia por Alonso se desfez
enquanto ouvi sua confissão cheia de ganância velada.
Eu nem fui capaz de pronunciar nada, em choque com aquela
maldade.
De repente, ele foi arrastado para longe de mim e vi Héctor o
jogando no chão.
— Eu sabia que tinha sido você!
— Héctor, não faça isso. — Corri para detê-lo.
Eu nem precisei pensar muito para saber o que passava pela
mente monstruosa dele.
Parei na sua frente e segurei seus braços.
— Não o mate.
O que Alonso tinha feito era horrível, mas não podia acabar
em morte. Eu não queria ver o lado cruel absoluto do Héctor.
Ele se soltou de mim.
— Isso depende de quantos socos ele aguentará. — Furioso,
Héctor fez Alonso que já estava se levantando, cair de novo no chão.
Eles rolaram em socos, mais da parte de Héctor do que de
Alonso e eu só pude gritar por ajuda.
— Seu covarde maldito! Como você entra na minha casa e
tenta matar o meu cavalo?!
Ninguém chegava e quando já estava voando sangue, alguns
homens apareceram, mas não fizeram nada além de assistir.
— Façam alguma coisa! — implorei, tremendo.
Ambos estavam muito machucados, mas Alonso já beirava a
falta de consciência.
— RÁPIDO! — Apressei os homens, mas eles não se moviam.
— O senhor Barone... Ele não... — um dos homens tentava
justificar, mas não era claro.
— O quê? Não podem apartar uma briga do senhor Barone?
— indaguei e, pelo visto, era isso mesmo.
Se ninguém os parasse, eles iriam se matar!
— Mas que merda é essa? — A voz de Henrico ecoou no lugar
e os cavalos relincharam.
Era a minha esperança.
— Separem agora! — Henrico andou rápido e entrou na briga,
puxando o amigo pela cintura enquanto outros dois seguravam os
braços de Héctor.
O restante cuidou de Alonso, que mesmo fodido com a cara
quebrada queria continuar a briga.
O nariz dele sangrava muito. Ele precisaria ir ao hospital, já o
Héctor, apesar de muito ensanguentado, não deveria ter nada
quebrado.
Que loucura!
Eu não consegui ficar ali.
Resolvi aproveitar que a briga tinha terminado para sumir do
lugar.
Alonso era o homem que eu admirava, que sempre me tratou
muito bem, mas tinha se revelado um lobo em pele de cordeiro.
Se não fosse o cavalo, seria o Héctor.
Voltei para casa decepcionada.
Ele precisaria de muita sorte quando fosse se explicar para o
tio Alejandro.
CAPÍTULO 39
HÉCTOR BARONE
Eu estava muito arrebentado, mas satisfeito por ter
descarregado a minha raiva em punho na cara daquele desgraçado.
Sua confissão não o encrencava apenas comigo, mas com a
família toda. O que ele fez foi mais do que uma crueldade com o
meu Polo, foi trapaça.
Ótima ideia me tirar da jogada!
Ele sabia que não era páreo para mim e só teria chances de
ganhar a próxima corrida se eu não estivesse nela.
Quando o encontrei admitindo o que fez para Caterina, nem
me importei com o fato dele estar conversando com quem eu disse
que não deveria, mas a fúria me dominou ao ter certeza de que eu
não estava blefando.
Nem eu nem ele iriam participar do turfe no sábado e eu
estava satisfeito por saber disso, assim como aliviado pelo meu
cavalo estar sendo medicado para melhorar do envenenamento.
Henrico o forçou a dizer qual veneno ele tinha dado antes de
o levarem para o hospital e, para mostrar que eu era um ser
humano melhor, deixei que meu pai decidisse o futuro do seu jóquei
favorito.
Eu já tinha matado a minha vontade ao quebrar o nariz dele
que já era meio torto.
Quando voltei para casa, todos queriam saber o que tinha
acontecido e passei a noite com a minha mãe e Camilla reclamando
comigo, enquanto limpavam meus machucados.
Eu nem pedi a ajuda delas para nada, mas elas criaram a
oportunidade para falar o que desejavam.
Por conta dos hematomas no peito e cintura, eu não
conseguia encontrar uma posição para dormir e fiquei sentado, com
as costas reclinadas graças às almofadas.
Meus lábios estavam inchados, então recusei qualquer coisa
que não fosse água. Também enxergava pouco com o olho direito,
pois era onde o soco mais certeiro de Alonso tinha alcançado.
Era tarde da noite, o silêncio já tinha tomado conta de toda a
mansão, sequer ouvia os berros da Ramona no quarto ao lado,
quando a porta do meu se abriu.
Eu ainda estava com a luz acesa e até mesmo se eu estivesse
com os dois olhos inchados, conseguiria ver quem apareceu na
brecha dela.
Minhas bochechas se contraíram enquanto ela parecia apenas
estar verificando a situação, sem coragem de entrar.
— Está atrasada.
Foi o bastante para fazê-la entrar e fechar a porta, se
encolhendo em um casaco azul anil por cima do que pela barra da
saia e estampa deveria ser um de seus vestidos.
— E quem disse que eu tinha compromisso de vir aqui? — ela
quase sussurrava de tão baixa que era a voz e não me olhava nos
olhos.
Ela tinha prendido o cabelo em uma única trança que caía
sobre o ombro direito, enquanto algumas mechas escorriam pela
testa.
Porra de mulher linda!
— Claro que tinha. Sou seu futuro marido.
Eu sabia o peso que tinha falar aquilo pra ela, que ficou mais
espantada ainda.
— Eu não vou me casar com você. Eu nem sequer me
preocupo com você.
— Então, por que veio?
— Terminar de te matar, talvez. — Ela olhou para mim e
aquilo foi um tremendo aviso de que poderia não estar brincando,
então ergue as sobrancelhas e eu também.
— Não venha defender aquele bastardo. — Ao articular a fala,
senti o canto da boca rachando com a ferida, que já se formava
sobre o machucado.
Era desconfortável.
— Pelo que ele fez, era o único que merecia estar
machucado.
Ela se aproximou aos poucos, continuando receosa.
— Você também não sabe resolver nada na conversa.
— É sério que você esperava isso de mim? — Eu não podia
acreditar.
Tão perto, que senti seu perfume.
— Sente-se.
— Estou bem de pé.
— Quero o seu cheiro na minha cama. O do vestido já está
sumindo. — Fui mais direto e vi suas bochechas ganharem cor.
— Vai ficar sem ele. — Ela olhou em volta. — Voltando ao
assunto, sei que ele mereceu, porque o que fez foi muita maldade,
mas você quase o matou.
— Eu poderia ter acabado com ele apenas com um tiro. Sabe
por que não fiz?
Ela negou com a cabeça.
— Por você. Não queria que quando me olhasse, lembrasse
que matei o seu primeiro amor.
As sobrancelhas dela saltaram.
— Ele não é o meu primeiro amor.
Eu não poderia ficar mais feliz ao ouvir isso.
— Ótimo! Então mudança de planos.
— Você não é louco. — Ela quase exaltou a voz, mas se
conteve.
— Não me desafie, querida.
O medo tomou conta do semblante dela e isso me fez rir.
— Esquece isso. Você não vai cuidar de mim?
— Eu? — Ela apontou para si. — Você acha mesmo que
alguma coisa mudou entre nós, não é?
— Acho sim. — Tirei o cobertor de cima do peito e quando ela
viu o enorme hematoma na minha cintura, os olhos saltaram e sua
resistência a me ajudar se foi assim que pegou o pote com gel.
— Isso está tão feio. E se tivesse machucado algum órgão? —
Ela derramou o gel e depois o espalhou deslizando os dedos pela
minha pele.
Era bem gelado e ardia, mas o toque leve dela fazia valer a
pena.
— Você ficaria preocupada? — Eu a encarei e a malvada
apertou meu hematoma, causando uma dor intensa.
Tensionei minha mandíbula a fim de descontar o desconforto
nos dentes.
— Ah, filha da puta cruel! — rosnei.
— A culpa disso é toda sua. Merece sentir dor.
— Você deveria estar aliviando e não me causando mais. —
Era impossível esconder o meu descontentamento.
Ela parecia fria, um pouco satisfeita talvez.
— Você acha mesmo?
Tirei a mão dela de mim, mas não a soltei, aproveitei para
puxá-la para perto.
— Eu sempre soube que existia alguém vingativo dentro de
você. — Passei o polegar pela palma da mão, sentindo as
imperfeições das queimaduras que ela tinha.
Ela percebeu o que eu estava fazendo e ficou sem graça.
— Por que a sua mãe fez isso?
— Por amor que não foi. — Ela puxou o braço e se afastou da
cama. — Eu já vou.
— Fique. — Meu pedido soou um pouco carente.
Ela mordeu o canto do lábio inferior, descendo o olhar para o
meu machucado.
— Eu não posso.
— Mas quer?
Ela balançou a cabeça em negação.
— Eu não te perdoei, Héctor.
Ela era mais difícil de convencer do que eu mesmo.
— Você me beijou por muito tempo... — Tentei deixar o
assunto mais leve, mesmo sabendo que um beijo não era capaz de
apagar nada do que eu fiz.
— Foi você quem fez isso.
— Mas você retribuiu, as duas vezes. Quer dizer que não
gosta? — provoquei, vendo-a ficar sem rumo.
Ela me encarou dando de ombro.
— Eu só estava te usando.
Ouvir aquilo me tirou uma risada genuína.
— Me usando, é?
— Isso mesmo que você ouviu. Sua aparência não é capaz de
velar o ser humano desprezível que você é, Héctor.
Senti suas palavras como navalhas, machucando bem onde os
socos de Alonso não tinham alcançado.
Tudo o que eu achei que tinha feito de bom, acabava de ser
invalidado por ela.
— Com licença. — A mulher rancorosa saiu do meu quarto.
Eu só podia ter cortado o dedo anelar de um homem
mulherengo, casado com uma mulher ciumenta e vingativa para
passar por isso.
Espera, eu fiz isso sim!
Mas já que ficar distante não estava melhorando a forma
como ela me via, eu ia fazer o que bem queria para convencer
Caterina dos meus sentimentos.
CATERINA SÁNCHEZ
Eu nem deveria ter ido ver aquele bastardo, mas não
consegui dormir sem ao menos saber como ele estava e poder dar
alguma palavra para se sentir pior. Depois disso eu consegui dormir
sim, mas tinha coisas que ele falava que me deixavam muito
pensativa.
A confiança de que eu ia me casar com ele era admirável e
não via aquilo acontecendo.
Toda vez que ouvia que ele tinha interesse em mim, me
lembrava de quando achava que eu não valia nada.
Foi uma mudança tão repentina!
Quem diria que não ser puta me faria digna de um Don?
Também me lembrava do que o pai dele falou e isso me
preocupava muito. Tinha medo dele pensar que eu estava
corroborando com as ideias malucas de Héctor.
Já estava arrependida de tê-lo procurado.
Era tarde da noite e mesmo assim eu fui muito cuidadosa,
pensei bastante sobre ir até lá, o risco de ser vista, depois de entrar
e alimentar os devaneios do Héctor.
Ainda bem que eu conseguia falar coisas sensatas enquanto
por dentro meus sentimentos eram opostos ao meu racional.
Héctor só era bonito, cheiroso e me atraía...
Isso não mudava o que eu pensava dele.
Um beijo, amassos e declarações diretas não ditariam o que
eu sentia por ele.
— Caterina. — Serena me encontrou na horta.
— Olá, futura senhora Milano. — Olhei para ela com os olhos
quase fechados em função da sensibilidade à luz do sol e sorrimos.
Paixão era o nome que tinha escrito nas bochechas dela.
— Eu vim fazer um convite e te contar uma fofoca. Você quer
a notícia boa primeiro ou a má?
— A boa, por favor. Se for sobre a corrida de hoje, não estou
planejando assistir.
Eu já sentia que a má iria me derrubar e precisava de um
“pelo menos” ou “vamos pensar em” que a notícia boa traria.
— Não é. Eu quero que você seja a minha madrinha de
casamento. Antes que se preocupe, será com o Damon.
Eu nunca tinha sido madrinha de casamento.
Era realmente uma boa notícia, significava que ela me
considerava muito.
— É sério? — Precisava da sua confirmação para acreditar
naquilo.
— Sim! É óbvio, Caterina. Se não fosse você, eu já teria
enlouquecido neste lugar. — Ela me abraçou.
— Obrigada. Eu aceito sim.
Onde eu iria arranjar um vestido de madrinha?
Eu não sabia, mas daria meu jeito.
— Vocês já estão organizando o casamento?
Nem tinha um mês do pedido.
Era um casal apressado.
— Sim. É... Pra quê esperar?
— Você tá grávida, Serena?
— Não. — Ela riu e se afastou de mim. — Não estou. Só
muito apaixonada mesmo.
Eu não queria tocar no assunto do perdão sobre o que
Henrico havia feito. Pelo menos, ele estava arrependido e pediu
desculpas, diferente de um certo bastardo.
— Vou cultivar as flores mais lindas pra decorar seu
casamento.
Ela sorria com os olhos.
— Estou tão ansiosa!
— É nítido. Agora me conta a outra notícia.
Serena inclinou a cabeça para um lado e suspirou.
— Adivinha quem estava falando pra todo mundo na mesa de
café da manhã, onde aconteceu o milagre de todos estarem juntos,
que você estava cuidando dos ferimentos dele ontem à noite?
Se eu tivesse alguma coisa na mão, teria derrubado.
Fiquei em choque e o rosto do tio Alejandro com cara de
impiedoso, surgiu na minha mente.
— Ele não fez isso, Serena.
— Fez e ainda estava orgulhoso, se gabando mesmo. Quando
Damon disse que ele deveria ficar de boca fechada, Héctor falou que
todos deveriam se acostumar porque a decisão dele era definitiva e
era questão de tempo para vocês estarem noivos.
— Chame o carro do manicômio, esse homem enlouqueceu!
— Apertei minha cabeça, aflita com a visão do futuro terrível que eu
poderia ter quando o tio Alejandro me mandasse embora. — Eu vou
colocar um fim nisso, Serena. — Saí às pressas da horta.
Eu pretendia encontrá-lo e socar, nem que fosse literalmente,
a ideia de que tudo o que ele disse não aconteceria.
Apareci na frente da casa e o vi perto de um carro. Ele estava
conversando com o cuidador dos cavalos e parou quando chamei,
quase rosnei, seu nome.
— Sim, querida.
Ele estava querendo acabar com a minha vida mesmo.
Ignorei os irmãos e os outros seguranças que estavam ali,
cega de raiva. Eu estava prestes a deixar o olho roxo dele na cor
preta.
— Você anda dizendo por aí que vou me casar com você?
Quantas vezes preciso repetir que isso NÃO VAI ACONTECER?
Ele sorriu olhando para o homem que estava ao seu lado,
depois virou para mim.
— Vamos conversar sobre isso quando você mudar de ideia.
— Eu não vou! Coloque uma coisa nessa sua cabeça
demoníaca, no dia em que eu aceitar a loucura de me casar com
você, será a última vez que me verá na vida.
E não era uma ameaça vazia.
Se eu aceitasse, o pai dele sumiria comigo assim que
soubesse.
Héctor não disse nada, eu nem dei tempo para ele falar, voltei
pisando forte para os meus afazeres.
Eu sabia que ele não cumpriria o meu pedido pra me deixar
em paz, mas até quando eu não estava presente, ele cavava a
minha cova.
Héctor era um forte candidato a me deixar louca.
CAPÍTULO 40
HÉCTOR BARONE
A mulher era brava demais.
Ninguém jamais tinha ousado me desafiar, gritar comigo na
frente de todos como ela fez. Até as brigas com meu pai eram em
locais privados.
Caterina não tinha medo de mim e o pior era que ela estava
certa, porque se eu fosse fazer alguma coisa depois dos seus gritos,
seria jogá-la no meu ombro e levá-la onde pudéssemos ficar a sós,
para arrancar sua raiva nos beijos.
E enquanto eu ouvia que nunca me casaria com a mulher que
queria, Henrico já estava planejando o casamento.
— Eu quero que seja meu padrinho — ele comentou
enquanto eu fumava fora de casa e ele me fazia companhia.
O dia tinha sido péssimo com a minha suspensão da corrida,
mas o convite era bom.
— Óbvio.
— Com a Chiara. Meu amigo, quase irmão e a minha irmã.
Não preciso de tantos pares.
— E o Damon? Ele não vai com a Chiara?
— Por que iria? — Ele franziu o cenho.
— Ele não pediu a mão dela em casamento no outro dia? Pra
você mesmo.
Ele esnobou rindo.
— E você acreditou? No dia que eu levar as brincadeiras do
Damon a sério, vou quebrá-lo na porrada.
— Talvez ele estivesse te testando. — Levei o cigarro à boca e
suguei a fumaça até sentir meus pulmões cheios, depois a soltei.
— Falhou.
— Então ele vai com quem?
— Com a Caterina. A Serena decidiu.
Essa mulher não me ajudava.
— Serena sempre atrapalhando a minha vida.
— Héctor! Pelo amor de Deus, você tem que parar com essa
loucura de querer se casar com ela. Não vai acontecer. Aquela
conversa no café da manhã, puta que pariu!
— Eu não menti.
— Você não vê que isso só enfurece mais o seu pai? — Ele
me encarou mais exaltado do que o normal, o que significava que
parecia um pouco menos frio. — Héctor, se essa mulher aceitar o
seu pedido, melhor, se você repetir aquela merda mais uma vez, eu
não tenho dúvida de que o padrinho vai sumir com ela para você
nunca mais vê-la.
— Ele não faria isso. — Não me preocupei.
— Ele faria. Eu não tenho dúvida disso.
Ok, eu me preocupei sim.
— Henrico, eu não me vejo se casando com nenhuma outra
mulher.
— Eu não sei de onde você tirou essa paixão.
— Já contei.
— Mas não faz sentido, Héctor! Me diga, você gosta de vê-la
sofrendo? Foi por isso que se apaixonou? Porque foi a relação que
tiveram desde que ela veio morar aqui.
— Claro que não. Eu me apaixonei pelo jeito dela.
— Se apaixonou. — Ele deu um leve sorriso.
— Vai zombar de mim? — Eu não conseguia brincar com
aquele sentimento.
— Não. Eu só estou admirado que Héctor Barone se
apaixonou. Continue por favor.
— Eu gosto do jeito dela, merda! Fiz o que pude pra acabar
com isso, mas não deu. Nem fingindo que não sentia nada, nem me
afastando. Eu não vou me casar com uma mulher amando outra!
Posso ser o maior desserviço que o meu pai e minha mãe fizeram
pra humanidade, mas não sou esse tipo de homem.
Ele curvou os lábios para baixo, em admiração.
— Ok. Mas não acho que haja algo que você possa fazer pra
mudar a opinião dos seus pais.
— Sou adulto e posso tomar minhas próprias decisões. Basta
aquela rancorosa mudar de ideia de que vou colocar um anel no
dedo dela e levá-la para o altar.
— Rancorosa? Também você nem deu motivos, não foi? —
Ele cruzou os braços e encarou o jardim.
— E já dei motivos para ela confiar que eu não vou repetir.
— O problema é que você não se arrepende do que fez. Acha
que ela vai esquecer?
— Você se arrepende do que fez com o pai de Serena? — Eu
o encarei curioso, já que mesmo depois de descobrir, ela voltou para
os braços dele e os dois iriam se casar.
— Demorou porque eu só pensava na minha motivação, mas
depois que me coloquei no lugar dela, sim. — Ele balançou a
cabeça. — Eu me arrependo sim, Héctor. E já pedi desculpas muitas
vezes pra ela, sempre que a lembrança volta.
— E ela acreditou em você — concluí ainda que fosse difícil
de acreditar.
— Ela também olhou o meu lado. É difícil. Acredito que uma
parte dela sempre vai carregar uma mágoa de mim, sobre isso, mas
eu a amo e vou fazer sempre o possível pra que essa parte se torne
cada vez menor.
Eu não podia comparar o problema que criei com Caterina
com o que Henrico criou com Serena, mas pelo rancor que aquela
mulher carregava e por não ter passado por algo como a amiga,
poderia sim ser para ela algo pesado demais.
Pedir desculpas...
Eu sempre me recusei a fazer isso quando o assunto era
importante, porque achava que na minha posição as pessoas eram
obrigadas a engolir os meus erros, sem mágoa, sem reclamação.
Mas eu não queria que Caterina me engolisse, eu queria que
ela me amasse e se fosse preciso me ajoelhar e pedir perdão, então
eu faria.
Ao passar pela frente do quarto de Ramona, parei
reconhecendo a voz de Caterina. Ela estava com as meninas.
Serena também conversava.
E o assunto não poderia me deixar menos interessado.
— O que você fez com o meu irmão, Caterina?
— Nada! Eu não fiz nada. Por favor, não pense dessa forma.
O seu pai já avisou que se souber que estou desviando o seu irmão
do plano dele, irei embora daqui.
Então o Henrico estava certo...
Eu não estava ajudando em nada expondo meus desejos.
— Eu não duvido que ele faça — Mona comentou. — Mas que
ele está obcecado, ele está.
— A Caterina o ignora, é por isso que ele ficou assim. —
Serena fez sua tola afirmação.
Somente a existência de Caterina já me fazia desejá-la.
— Ramona, me tira uma dúvida.
Eu estava ouvindo atrás da porta.
Queria saber o que Caterina iria perguntar.
— Sim.
— O seu irmão já matou algum animal de estimação seu, do
Damon ou do Roman?
— Não. — Ramona riu. — Por que a pergunta?
— Psicopatas fazem isso. Que bom então.
Ela suspeitava mesmo que eu fosse um psicopata.
Caterina tinha cada ideia.
Eu era do jeito que fui educado para ser e adorava usar o
meu poder para me divertir, mas não era um psicopata.
Apostava que aquilo era ideia da Serena, que sempre me
chamava assim.
— Eu vou dormir.
O aviso de Caterina me fez entrar no meu quarto e trancar a
porta com cuidado.
Desde quando eu me importava com quem ia ou não me ver?
Ouvi as despedidas e a porta abrindo e fechando.
Qual a possibilidade dela passar para ver como eu estava?
Eu ainda sentia muitas dores, talvez até mais do que na noite
anterior.
O Alonso estava mais fodido que eu e soube que o meu pai
fez uma visita a ele no hospital. Eu esperava que aquele covarde não
pisasse mais na nossa casa e que tivesse um fim bem-merecido,
mas não sabia se meu pai fazia isso na sua onda de bondade.
Diziam que eu era um homem injusto, mas a verdade era que
tinha gente que merecia muito mais do que parecia.
Eu apenas dava isso.
A sorte dele foi que a surra foi motivada pelo cavalo. Se ele
mexesse em Caterina, não ficaria vivo.
Saí do quarto um pouco depois e imaginando que ela tinha
ido para o quarto dela, fui atrás.
Eu consegui alcançá-la no corredor dos funcionários.
Ela me viu quando estava abrindo a porta do quarto e se
espantou.
— O que faz aqui? — ela sussurrou ríspida.
— Eu preciso falar com você. — Tentei ser discreto como ela.
Caterina revirou os olhos e virou para a sala de estar, mas
balançou a mão para dentro do quarto, me esperando chegar perto.
— Não tente nenhuma gracinha.
Como se eu fosse disso!
Entramos no quarto que cheirava a jasmim, iluminado pela luz
que entrava pela janela e ao ver a cama entendi o quanto o aviso
dela seria importante para me manter focado.
Ela ligou um abajur, permitindo que nos víssemos com mais
nitidez.
Ficamos nos encarando de pé e suspirei me lembrando da
conversa com o Henrico, mas como a conversa dela com as meninas
era mais recente, estava ressoando mais forte na minha mente.
— O meu pai te ameaçou?
— Sim. Uma ameaça justa. — Ela abraçou o próprio corpo. —
Por isso você não deve ficar gritando por todos os cantos algo que
não vai acontecer. Isso que você quer é impossível. — Olhou no
fundo dos meus olhos, e eu sabia que não era apenas pelo meu pai.
— Me. Perdoa. — Engoli em seco ao me dar conta de quem
eu havia me tornado por causa dela, mas parecia ser mesmo a coisa
certa a fazer. — Eu não deveria ter te maltratado, nunca.
Independentemente do que você fosse e do que representava pra
mim.
— O que eu representava pra você? — Ela encolheu as
sobrancelhas.
— A pessoa que eu não podia amar. — Mais uma vez eu me
senti estranho admitindo algo pra Caterina, um pouco constrangido
por pensar que ela não sentia nada disso e me desprezava. — Eu
tentei, Caterina. Desde que chegou aqui, tentei apagar você da
minha mente. Das piores formas, eu sei, mas foi da única maneira
que eu sabia fazer. Eu não consigo te tirar da minha mente. — Esse
fato me irritava até mesmo naquele momento. — Quando você
descobre que é possível ter algo que você quer muito, o que você
faz?
Ela ficou calada, apenas me ouvindo.
— Por isso eu falo mesmo. Foi um alívio saber o que você
fazia lá, porque eu lamentei tanto por te encontrar ali. — Levantei a
mão pensando em segurar a dela, mas desisti ao vê-la naquela
postura fechada. — Se o mal-estar que você tinha quando eu te
dizia aquelas coisas e fazia ameaças puder ser comparado à dor que
te ver me desprezando, parecendo não sentir o mínimo do que sinto
por você, então sei bem como é ouvir o que não deseja e não
merece. Eu mereço, eu sei, mas dói mesmo assim. Talvez mais,
porque agora mesmo estou me culpando por ter sido um monstro
com você.
Ela olhava para os lados, como se estivesse tentando abstrair
enquanto eu falava.
Talvez tentasse não acreditar no que eu dizia.
— E o medo que eu te fiz sentir, bem, estou sentindo agora
que temo por você ir embora. Eu não vou deixar o meu pai te
afastar de mim.
— Ele vai. Se você não mudar de ideia, ele vai, sim. — Ela
também parecia assustada.
Logo, seus olhos estavam brilhando e ela se tornou agitada.
— E eu não sei o que será de mim quando voltar pra Madrid.
Mais que depressa envolvi o rosto dela com minhas mãos e
mantive sua cabeça parada.
O resto dela também se aquietou quando seu olhar se
prendeu no meu.
Ela segurou meus antebraços, mas não me empurrou.
— Eu já disse que não vou deixar, Caterina. Eu vou atrás de
você onde quer que esteja.
Ela mordeu os lábios.
— Isso é uma ameaça?
Sorri já perdido nos lábios carnudos dela.
— Entenda como quiser. — Arrastei seu rosto para perto do
meu e a beijei.
Eu queria devorá-la, mas meus machucados ainda existiam e
não pude fazer mais do que sentir seus lábios. Queria permanecer
com eles colados pelo máximo de tempo, mas quando o desejo de
chupar sua língua aumentou, eu a afastei e a admirei de perto.
— Você me perdoa? — sussurrei.
— Ainda não posso. — Ela mordeu os lábios. — Ainda não
posso confiar em você, Héctor.
Porra!
A única pessoa que eu ansiava por confiar em mim era a que
não conseguia fazer isso, POR MINHA CAUSA.
— Tudo bem. Eu entendo. Eu também não posso com uma
coisa e preciso que me entenda.
— O quê? — Ela ficou tensa repentinamente.
— Não posso mais ficar longe de você.
Ela desviou o olhar do meu e mordeu o lábio inferior.
— Não faça isso, Caterina — implorei.
Foi então que ela arrastou as minhas mãos do rosto.
— Você precisa ir. — Ela tomou aquela postura fria que era o
meu purgatório.
Mas eu já tinha dito o que precisava, insistir não me ajudaria.
— Boa noite. — Sem encostar minhas mãos nela, beijei a
testa dela e saí do quarto.
Eu compreendia a necessidade que Henrico sentia de
constantemente pedir perdão, porque eu precisaria fazer o mesmo.
CAPÍTULO 41
HÉCTOR BARONE
Quando disse que não conseguiria ficar longe dela,
significava que sempre que sentisse o cheiro, a visse ou ouvisse a
voz dela, eu iria me aproximar. No dia seguinte, depois de já ter
passado na estufa, quando estava voltando de uma visita ao Polo,
que melhorava a cada dia depois do antídoto, ouvi a voz dela em
uma conversa, no mínimo, interessante com Serena na horta.
— Não foi por minha causa, Serena. Foi por causa do cavalo
mesmo. Para de sonhar — ela discordou depois que Serena disse
que a minha briga com Alonso teria acontecido por ciúmes.
— Agora nem preciso sonhar pra desconfiar disso. Héctor está
obcecado por você e doido do jeito que é, pode muito bem cometer
atrocidades em nome da paixão.
— Alonso estava preocupado comigo pelo jeito problemático
do Héctor. No sábado passado, depois da corrida, eu o parabenizei e
ele agiu tão estranhamente, como se estivesse se sentindo
perseguido. Sabe quando a gente tem a sensação ou medo de estar
sendo vigiado e fica olhando para os lados?
— Sei.
— Foi desse jeito que ele agiu. Então pediu que eu me
afastasse do Héctor. Confesso que fazia tempo que eu não me
preocupava com as atitudes do Héctor comigo, já estava o
enfrentando então se fosse o caso, nos mataríamos, mas o jeito que
o Alonso falou me deixou preocupada como quando cheguei aqui.
O filho da puta além de fazer o que eu proibi que fizesse,
ainda tinha conseguido complicar ainda mais a nossa relação.
E eu já estava satisfeito em ter dado a surra, já tinha
esvaziado a raiva do meu peito.
Eram dias de paz, reconciliação.
Porra, Alonso!
Peguei um dos carros e dirigi para a cidade, tinha muita coisa
pra resolver durante o dia, mas guardei um momento no fim da
tarde para ir ao hospital, onde sabia que ele estava internado.
A recepção me conhecia e sabia que eu não precisava de
licença para entrar no lugar.
O bastardo não tinha ninguém mais por ele. Eu lembrava que
a família o tinha expulsado de casa depois de começar a treinar para
as corridas. Eram corretos demais para aceitar o filho andando com
criminosos.
Nem a situação de merda onde ele estava há três dias fazia
com que os pais o perdoassem.
Entrei no quarto e o vi deitado em um leito, coberto pela
roupa e lençol do hospital. A cara estava com muito mais
hematomas do que a minha. Eu tinha socado os dois olhos, o nariz
tinha um curativo e recebia suporte de oxigênio.
Mais perto, ouvi o barulho da sua respiração, como um sibilo.
Eu poderia deixá-lo definhando, mas sabia que aquela
situação era temporária.
Pelo que me falaram que ele só ficaria no hospital até se
recuperar da cirurgia no nariz.
Bem, talvez saísse mais rápido depois da minha visita.
Uma merda eu vê-lo pela última vez com uma aparência tão
distante das suas feições irritantes.
— Acorda. — Sacudi os ombros dele. — Vamos. Eu não sou
tão covarde pra acertar contas com alguém inconsciente.
Ele abriu os olhos e gemeu de susto.
— Agora sim. — Sorri.
— O que faz aqui? — Sua fala estava estranha e faltava
dentes na boca.
— O que eu disse sobre procurar a Caterina?
— Eu não a toquei. — O desespero tomou conta dele.
— Mas mandou que ela se afastasse de mim.
— Ela não merece ser perseguida por um monstro como
você.
Ignorei sua preocupação.
— E você merece? Faz por merecer. — Peguei luvas no móvel
e vesti as mãos.
Ele ficou assistindo agitado.
— Não se preocupe. Não vou cortar suas mãos. Mas... Eu vou
ter que dar o que você mereceu desde que envenenou o meu
cavalo. Acho que você deve ter percebido que fui bonzinho apenas
te dando uma surra. — Arrastei o travesseiro detrás da cabeça dele
e antes que ele gritasse, o sufoquei.
Segurei o travesseiro até o corpo parar de sacudir na cama,
então o devolvi para o lugar me sentindo satisfeito com o sono do
bastardo.
CATERINA SÁNCHEZ
Depois de cuidar da horta com Serena, ela havia voltado para
casa, para tomar o café da manhã ao lado do amado e eu fui para a
estufa.
Eu não tinha comentado nada com ela sobre as minhas
conversas com Héctor, principalmente, a da noite anterior, que havia
mexido comigo como nunca nenhuma das nossas conversas tinha
feito.
A ansiedade estava me consumindo e grande parte de mim
queria acreditar que Héctor seria capaz de me livrar de qualquer
problema, que ele mesmo me colocasse.
A verdade é que ele deveria, era obrigação dele, já que era o
culpado.
Ele me pediu desculpas.
Em hipótese alguma o desculparia no primeiro pedido, até
porque as memórias que causavam tamanha mágoa por ele não
sumiriam da minha mente tão fácil.
Eu ainda estava brava com Héctor, por mais que gostasse dos
beijos e estivesse começando a acreditar que ele carregava mesmo
uma paixão forte por mim.
Então encontrei um buquê enorme de rosas vermelhas em
cima da mesa, com um cartão.
A primeira coisa que fiz foi conferir a plantação de rosas como
aquela e sim, o buquê tinha sido feito ali.
Fiquei apreensiva, mas com uma enorme expectativa de
saber se ele era capaz de fazer aquilo.
Peguei o cartão, que estava dobrado, e li as letras cursivas.
HÉCTOR BARONE
Quando o meu pai me chamou em casa, a notícia da morte
de Alonso já tinha chegado e minhas palavras de lamento não
poderiam ser menos sentimentais.
Mesmo assim, sobrou averiguar o que tinha acontecido no
hospital para mim.
Meu pai não se importava muito com o que aconteceu.
Acho que ele mataria o Alonso de qualquer forma.
Chamei Damon para me acompanhar, porque o Henrico
estava em lua de mel antes do casamento e não desgrudava
daquela mulher.
Eu já tinha passado o dia fora, estava me refrescando com a
companhia perfeita na piscina, então a simples ideia de voltar para a
cidade não me agradava.
— Eu soube que ele era namorado da Caterina — Damon
comentou de maneira despretensiosa. — Acho que ela vai ficar de
coração partido quando souber o que aconteceu.
— Eles foram namorados muito tempo atrás e não acho que
ela esteja gostando tanto dele depois do que ele fez.
— Sim, porque do lado que você estiver, ela também estará
— ele debochou.
— Muito mais do que isso. — Deixei minha confiança falar
mais alto.
Quando estive com ela em meus braços, suas últimas
palavras foram as de quem estava prestes a me dar uma chance e
um pouco de confiança.
Eu sabia que as coisas poderiam melhorar se eu tomasse as
atitudes certas.
Fazer o certo...
Ela conseguia me convencer a agir da forma que sempre
ignorei.
Não só me convencia, mas me fazia querer ser assim apenas
para ganhar as recompensas de conquistá-la um pouco mais a cada
momento juntos.
Mas eu estava com um sentimento ruim e não era por ver o
cadáver do Alonso ou ouvir a suspeita totalmente errada da
enfermeira sobre a morte dele, muito menos pelo que Damon falou
sobre como Caterina se sentiria ao saber da morte do ex-namorado.
Parecia que eu estava vivendo um momento ruim, eu só não sabia o
motivo.
Quando viajamos de volta para casa, tinha planos para aquela
noite em mente. Procuraria Caterina e passaria mais um momento
com ela.
Parecia loucura desejar tanto alguém.
Aquela pele, aquele cheiro...
Seria perfeito tê-la todas as noites perto de mim.
Eu nunca fui o homem mulherengo, sempre que sentia
vontade eu sabia onde procurar para ter o que queria, mas desde
que coloquei os olhos mais uma vez nela, naquele casamento, soube
que ela tinha sido feita para mim e nenhuma outra me interessou
além dela.
Um dia, ela seria minha para sempre e eu ansiava pela
chegada desse momento como nunca esperei por nada na vida.
Chegamos em casa e eu não me importei que Damon me
visse indo para o lado proibido. Fui para o quarto de Caterina e,
como já era tarde, optei por abrir a porta ao invés de bater.
A luz não precisava estar acesa para eu conseguir ver que
não tinha ninguém na cama.
Liguei a lâmpada e tinha uma roupa de dormir jogada sobre o
cobertor amassado.
— Caterina? — Dei uma olhada pelo lugar.
Ela havia saído.
Poderia estar na sala, pensei e foi para lá que fui.
A TV estava ligada e tinha alguém sentada no sofá de costas
para a porta.
Não era a Caterina pois o cabelo era cacheado, como o de
Rita.
Eu não pretendia perguntar à Rita o paradeiro de Caterina,
mas quando me virei para ir embora, ela me notou.
— Acho que ela foi embora.
Eu a encarei em choque.
— O quê?
Pela feição entristecida de Rita, não parecia ser uma suspeita
sem fundamento.
— Eu estava lá em cima e vi da janela, ela entrou em um
carro e eles a levaram. Foi poucas horas depois que o senhor saiu.
Desde então ela não voltou.
“Se o seu pai nos ver juntos, ele vai me mandar embora.”
Aturdido e irracional, saí a procura do meu pai, que já deveria
estar na cama.
Eu prometi para ela que não deixaria aquilo acontecer e
aparentemente tinha deixado.
Bati com força à porta do quarto e a minha mãe atendeu,
assustada.
— Que pressa é essa, Héctor?
Como era mais alto que ela, pude ver o meu pai na cama,
com o controle da TV na mão usando óculos de grau.
— Para onde você a mandou?
Ele olhou para mim por cima das lentes dos óculos.
— Para onde ela não vai te distrair.
Balancei a cabeça em negação, perplexo com a forma como
ele enxergava a minha vida.
— Você já pode descartar o discurso de ser diferente do meu
avô, porque é igual a ele. Da mesma maneira que ele acabou com a
vida do tio Fred, você está fazendo com a minha. Escolhendo quem
fica e quem sai da minha vida, diz como eu devo me comportar e
quando faço me repudia.
— Como você ousa?
— Ouso porque nunca vou satisfazer as suas vontades, nem
se sentando na merda da sua cadeira, nem me casando com a
mulher que você quer, fazendo tudo do seu jeito. Nesses trinta e três
anos eu só ouvi como o peso das minhas escolhas afetariam tudo,
pra chegar agora e nem ter o direito de decidir com quem eu quero
me casar. Aposto que se eu me tornar um Don, serei apenas um
fantoche como fui a vida inteira.
— Você não vai se casar com uma florista, Héctor! Um Don
precisa de uma mulher à altura.
— Foda-se o Don e toda a porra que esse nome carrega! Não
importa em que posição eu esteja, sempre serei o monstro do
subchefe pra fazer seus trabalhos sujos. Você já teve provas de que
Damon faz tudo que você quer, tudo pela família. Mira nele porque
eu renuncio o papel de seu sucessor. — Cego de raiva, saí pelo
corredor e desci a escada.
— Para onde vai, Héctor? — Minha mãe me seguiu.
— O que você acha?
— Isso é loucura. Uma hora dessas eles já estão voando.
— Eu vou voar atrás, então. — Saí na frente da casa e não
tinha nenhum motorista por ali, então decidi que iria sozinho
mesmo.
— Não faça isso, Héctor. O seu pai está certo. Ele só quer o
seu bem.
— Você não entende, mãe, porque nunca amou ninguém
antes de se casar e aceitou o que lhe deram. Falaram que eu
poderia decidir, mas quando eu fiz isso, rejeitaram.
— É você quem não entende.
Abri a porta do carro e antes de entrar, olhei para ela.
— Acho melhor você ir atrás do Damon, porque eu não vou
seguir o plano do seu marido e acabar como o tio Fred.
— O que aconteceu com ele foi uma fatalidade.
— Ele se matou, mãe! Se matou porque o seu sogro afastou
dele a única coisa boa que ele tinha. E o seu marido está tentando
fazer o mesmo comigo, só que eu não vou deixar. — Entrei no carro
e tranquei a porta, não ouvindo mais ela devido ao ronco do motor
do SUV e dirigi depressa para fora dali.
Não tinha nosso jato para fazer a viagem, mas eu iria entrar
no próximo voo que conseguisse para Madrid e iria revirar aquela
cidade até encontrar Caterina.
CAPÍTULO 43
CATERINA SÁNCHEZ
Acabaram me largando no aeroporto de Madrid, sem
nada.
Como eu havia chorado a viagem inteira, meus olhos estavam
ardendo e inchados, a minha cabeça e testa doíam. Eu perdi a noite
acordada e estava desorientada sobre o que fazer dali pra frente.
Não podia pegar um táxi, não tinha dinheiro, pois a minha
bolsa tinha ficado na boate no dia em que eles me levaram embora.
Eu poderia ir lá, pegar o que me pertencia e conseguir me
virar melhor, mas correria o risco de ser levada para pagar pela
bondade do senhor Albarello, e poderia andar muito mais para
chegar na minha casa, onde eu não teria nem como entrar sem a
chave.
Eu sabia que bastaria colocar os pés em Madrid novamente
para a minha vida voltar a ficar em pedaços.
De novo, eu me sentia sozinha.
Atravessei a rua e comecei a andar no melhor estilo intuitivo a
caminho da boate. Demoraria muito até chegar lá e corria o risco de
encontrar o lugar fechado, mas o lado bom era que o dia já estava
amanhecendo e durante a manhã a equipe de limpeza trabalhava na
boate. Eles poderiam não saber de mim, nunca tinham me visto, a
não ser que a foto de procurada com o meu rosto estivesse pregada
em alguma parede do lugar.
Fui na esperança de que não encontraria nenhum conhecido.
Eu andei tanto!
Estava cansada, estressada e sem energia devido a privação
de sono junto a chateação com o retorno da minha vida fodida.
Devo ter levado meia hora ou mais para chegar à boate e
quando coloquei o pé na calçada, reconheci o segurança.
Pensei em correr, mas isso poderia alertá-lo sobre mim.
Talvez ele nem se lembrasse, pois foram apenas cinco dias
que passei naquele lugar.
Eu já sabia o que me esperava e se acontecesse de ter que
pagar pelo que não escolhi, não seria uma surpresa.
O que eu ia temer?
Quando parei ao lado dele, a porta estava fechada.
— Olá. Você pode abrir a porta? Esqueci minhas coisas lá
dentro.
Ele me inspecionou dos pés à cabeça.
— Onde está o crachá?
Eu nem me lembrava se na última noite usei.
Ele não foi comigo para a Itália.
— Ficou na bolsa. Você mesmo pode buscá-la se preferir —
sugeri e ele pareceu considerar a ideia ao mexer a cabeça. —
Armário 17.
— Permaneça onde está. Eu vou buscar. — Ele abriu a boate
e eu fiquei na calçada, esperando.
Aquele lugar de dia era diferente.
A rua estava calma, o que me dava uma certa tranquilidade.
O pouco de gente que transitava por ali estava indo ou voltando do
trabalho.
Era bom pensar que eu não precisava mais trabalhar naquele
lugar. Se fosse para seguir a minha vida em Madrid, eu só queria
voltar para a floricultura e arrumar os casamentos.
Eu me lembrei da história de Héctor sobre ter me visto em
um deles. Então ele queria dizer que foi amor à primeira vista?
O Héctor?
Pior que eu gostava disso.
Àquela altura eu gostava.
— Seu nome? — O segurança voltou com a minha bolsa
aberta.
— Caterina Sánchez.
— Nascimento?
Quanta segurança!
— 27 de novembro.
Ele fechou a bolsa e me entregou.
Nem a minha aparência, nem o meu nome pareciam ter feito
ele se recordar de mim.
— Obrigada. — Procurei por meu celular e, como já deveria
esperar, estava descarregado.
Mas tinha dinheiro, então pude ir para o ponto de ônibus.
De lá, fui para a minha casa.
Como descrever que estava dividida entre a saudade de casa
e o medo por voltar a ela?
Era uma confusão de sensações e quando as minhas vizinhas
chamaram meu nome, tive uma suspensão momentânea dos
problemas.
— Onde você esteve todos esses dias, Caterina? — Rômola, a
senhora aposentada saiu na frente da casa, e as outras duas,
Narcisa e Telma, permaneceram nas janelas de suas casas.
— Estive viajando.
— Aonde? E não avisou pra ninguém.
Foi uma suspensão momentânea mesmo, pois ao ouvir a
pergunta eu me lembrei de todos os meus problemas.
— Não estava nos meus planos...
— Alguns homens tiveram aqui procurando por você. —
Telma parecia assustada contando. — Homens sérios, vieram mais
de três vezes.
Elas precisavam saber do básico.
Já tinham vivido o bastante para entender como a vida
funcionava, muito mais do que eu, que estava aprendendo.
— O vício do meu pai em jogos deixou uma dívida muito alta
e aqueles homens estão cobrando. Se eu for embora de novo, vocês
saberão o motivo. Eu não posso fazer nada além de tentar resolver
sozinha.
— Caterina... — Narcisa lamentou. — Você não merecia nada
disso. Seu pai nunca reconheceu o vício, morreu e deixou você
assim!
— Quanto é? — Rômola também estava comovida. — Talvez
com uma vaquinha você consiga pagar.
— Já não se trata mais de dinheiro. — Eu estava conformada
e esperava que elas também ficassem. — Não sei se no fim vai dar
tudo certo, mas se der, voltarei aqui pra contar. — Sorri, tentando
alegrá-las por mais fodida que fosse a minha história.
Mas a minha cara abatida já deveria estar me denunciando
sobre como me sentia com tudo.
— Vou entrar pra ver como está essa casa.
— Não tinha chave, senão eu teria limpado. — Telma fez sua
reclamação de sempre.
Como meu pai e eu sempre vivíamos fora de casa, ela
reclamava que poderíamos deixar a chave com ela pra poder ajudar
na limpeza.
— Não se preocupe. Eu dou um jeito. — Tirei a chave da
bolsa, sorrindo e abri a porta de madeira.
A casa era pequena, mas bem mobiliada e organizada. Tinha
dois quartos, um meu e um do meu pai.
Depois desses meses longe, ela precisava mesmo de uma
limpeza, tinha muita poeira no lugar, mas não tinha bagunça.
Abri as janelas e antes de tentar descansar, ao menos limpei
o meu quarto, troquei a roupa de cama e depois de deixar meu
celular carregando, me deitei.
E se tudo já tivesse passado, assim como na memória do
segurança, e eu ficasse bem?
HÉCTOR BARONE
Antes de entrar no avião para Madrid, falei com Rosário, para
que ele descobrisse o paradeiro de Caterina.
O voo que consegui para Madrid só saiu às seis da manhã e
cheguei ao meio-dia.
Liguei para Rosário assim que saí do aeroporto, precisava do
endereço do meu próximo destino e esperava que ele me desse o
paradeiro de Caterina.
Na minha mente só existia ela nas últimas doze horas.
Tinha medo de não encontrá-la e dela pensar que não cumpri
com o prometido.
O meu pai usou a morte de Alonso para me tirar de casa. Ele
conseguiu desaparecer com ela sem que eu percebesse, sem que eu
pudesse fazer algo a respeito.
Eu nunca o odiei tanto.
Quando ele falava para Marcella, a mãe de Serena, que
estava se desculpando pelo que o pai dele fez quando eram jovens,
eu via apenas mentiras.
Ele era igual ao meu avô, pensava igual e eu era o tio
Frederico.
Mas avisei pra ele e não foi em vão.
Não deixaria de lutar pra ter um destino diferente.
E me casar já havia deixado de ser um negócio a favor da
família há tempos.
Era sobre mim, sobre o que eu sentia e queria para a minha
vida.
Eu não deixaria de ser o maior assassino da família se não
fosse o Don, eles não me excluiriam do que sabiam que apenas eu
poderia lidar com frieza. E o mais importante: eu não poderia ser
encarado como um traidor quando o meu pai deu sua palavra e
depois me contrariou.
— Héctor? — Rosário atendeu.
— Olá, Rosário. Já estou em Madrid. Me diga que descobriu
alguma coisa. — Foi quase uma súplica.
— O senhor Albarello retornou para casa na semana passada
e soube hoje pelo senhor García que ele rejeitou o dinheiro que você
mandou. Estou no bairro dela e as vizinhas contaram que ela saiu há
pouco acompanhada por três homens. Eles certamente vieram a
mando de Albarello. García disse que Albarello estava decidido a não
abrir mão dela.
Maldito!
— Ele tem tanto poder assim?
— Vive numa fortaleza, então ele tem. Ainda mais comparado
a você que não tem tantos apoiadores. Mas ele não tem mais que
Damiano.
— Então eu preciso que me leve até Damiano. — Tomei a
difícil decisão.
— Mas o seu pai disse que ele quer te castigar pelas coisas
que você fez na cidade.
— Apenas venha e me leve até ele, Rosário.
Estava disposto a me entregar se ele tirasse Caterina das
mãos de Albarello.
Eu pagaria qualquer preço para ver aquela mulher bem.
CAPÍTULO 44
CATERINA SÁNCHEZ
O extenso vinhedo que escondia a estrada para a mansão do
Albarello era uma prova de que eu estava longe da cidade e,
dificilmente, escaparia dali com os cães ferozes que corriam
acompanhando o carro.
Naquela hora, eu só tinha um arrependimento: não ter
matado aquele homem quando tive a oportunidade.
Eu não sabia muito sobre como ele ficou depois que o
machuquei, se ele se levantou assim que Héctor me levou ou
demorou.
Se ele tivesse ficado bem logo, me procuraria, assim como fez
quando cheguei à cidade.
E mesmo eu tendo convivido com a dúvida da sua morte por
meses, sabia que o golpe que dei nele não tinha grandes chances de
ser fatal.
Os homens que me buscaram, apesar de serem enormes e
musculosos, tiveram tanto cuidado para que eu não tentasse fugir
que dois deles se sentaram ao meu lado no carro, enquanto o
tatuado dirigia.
Pela satisfação que carregavam em seus sorrisos, Albarello
deveria ter oferecido uma grande recompensa para quem me
encontrasse.
Eu me sentia tão mal.
Não podia dizer que tive um homem para me defender na
vida.
O meu pai, que apesar de nunca ter me maltratado, morreu e
me deixou apenas uma grande dívida. Para me cobrar, o credor me
forçou a ser garçonete e depois de me vender, me forçou a ir com
Albarello. O único homem que disse que estava me protegendo
parou de se importar comigo de uma hora para a outra. E o que
disse que não permitiria que aquilo acontecesse sequer estava lá
para cumprir sua promessa.
Então, eu estava indo morar com um homem que me via
como um objeto, esperando apenas o momento para colocar as
mãos em mim, me quebrar e depois dizer que era dele.
E eu nem contei do primeiro, que tentou de todas as
maneiras me violar.
Eu deveria ter dado fim a um por um como eu fiz com ele.
Talvez assim eu me sentisse mais forte e menos desamparada.
Se eu pudesse dar conta, não me acharia uma pobre coitada,
indefesa e sozinha.
Eu engoli toda a mágoa de quem começou a minha maré de
azar.
A minha mãe.
Se ela apenas tivesse me amado uma vez na vida, teria
acreditado em mim, me escolhido, teríamos permanecido juntas,
seríamos unidas, nenhum homem tentaria me machucar, me
venderia e me caçaria.
Mas ela nunca pôde.
Por que eu insistiria em tentar fazer quem me odiava passar a
me amar?
Eu apenas fiz o que foi preciso e o resto aconteceu. Um efeito
borboleta, que me afundava cruelmente em mais e mais maldades.
Sempre correndo riscos.
A fachada da grande casa de campo branca do senhor
Albarello apontou no fim do caminho, o sol da tarde iluminava ainda
mais as paredes e telhado claros.
Outros cachorros saíram da calçada e correram ao encontro
do carro.
Por que alguém teria tantos cães nada amigáveis?
Eles latiam de forma bruta e apenas quando um homem os
chamou, se afastaram permitindo que o carro estacionasse em
frente à casa de dois andares.
Quando os dois brutamontes abriram as portas, o vento
atravessou o interior do carro, era um dia quente, mas o seu frescor
me fez ter arrepios.
Saí pela porta direita, mais distante dos animais e próximo à
porta da casa. Já era normal para mim sempre estar procurando
uma maneira de me proteger quando sabia que a ameaça estava me
cercando.
O homem tatuado parecia necessitar de uma demonstração
de poder, pois mesmo sem resistência nenhuma da minha parte, ele
agarrou apertando meu braço esquerdo e me arrastou para dentro
da casa.
— Eu sei andar, merda! — murmurei sentindo o incomodo na
minha pele.
A casa era antiga, toda a decoração e mobília também, mas
parecia novo, brilhante e limpo. Cheirava a pinho. O chão era preto e
íntegro, as paredes brancas contrastavam com as portas azul-
marinho dos diversos cômodos que tinham em volta da sala de estar.
Foi para um deles que o homem me levou.
Quando empurrou a porta, vi o senhor Albarello sentado na
cama, soprando bolas por um cano a comandos de uma mulher de
pijama médico.
Ele me viu e parou.
— Então você finalmente voltou.
Eu sentia raiva por lembrar que ele me comprou, mas mais do
que isso, sentia medo do que pretendia fazer comigo depois do que
tentou naquele dia.
A vontade de chorar como criança fechou a minha garganta e
engoli o nó na última tentativa de parecer forte.
— A minha recompensa — o captor cobrou.
Albarello pediu licença para a mulher, então ela se levantou e
entregou um andador para ele, que se apoiou como se não tivesse
forças nas pernas.
Eu tinha feito tudo aquilo apenas com um aquário?
Ele demorou para conseguir chegar ao armário e quando
conseguiu, tirou de dentro dele um saco bege, marcado com os
blocos de dinheiro, que acabou nas mãos do captor.
— Obrigado pelo serviço.
— Estou à disposição. — O homem saiu do quarto.
Eu havia sido tirada da minha casa e largada em outra casa,
com um homem que tinha muitos motivos para querer me fazer mal.
A minha sorte era que eu tinha motivos pra querer fazer o
mesmo.
Ele voltou a se sentar na cama e depois de muito sufoco para
colocar as pernas sozinho em cima dela, suspirou olhando para mim.
— Não precisa se preocupar, querida. Isso não é sua culpa.
— Eu não sou sua querida. — Cruzei os braços desconfortável
com tudo.
— É. Você é. Quando soube que os Barones da Itália haviam
te levado, me senti tão culpado.
A voz branda não me trazia a segurança de antes dele ser o
filho da puta que achava que tinha me comprado.
— A pulseira era um presente na melhor das intenções. Não
imaginei que te traria problemas.
— Não adianta falar manso comigo, senhor Albarello. O que
você fez foi injusto, maldoso e nunca irei perdoar. Tentar me
comprar... — Balancei a cabeça com o cenho encolhido. — Isso é tão
nojento.
A moça ouvia tudo de cabeça baixa. Deveria ser alguma
subordinada dele, mas eu não era e não tinha medo daquele
homem.
Nada do que ele fizesse me levaria a acreditar que queria o
meu bem.
— Eu só tentei te ajudar. Te livrar da dívida. Uma moça como
você não deveria trabalhar em um prostíbulo como aquele.
Prostíbulo que ele frequentava fielmente.
— E depois tentou me estuprar. — Lembrar daquela noite
despertava uma angústia e necessidade de fazer alguma coisa para
escapar, mesmo que não estivesse mais lá.
— Não! — ele replicou de imediato, parecia até mesmo
ofendido em ouvir a minha acusação. — Eu só queria te dar carinho,
mas você ficou agitada e me machucou...
— PARA! Para de se fingir de vítima com essa voz de quem
tem um dedo no cu! Eu vou embora daqui. Saiba que quando você
menos esperar, não me encontrará neste lugar.
O homem mudou, as bochechas murcharam e o olhar
escureceu.
— Tente. Boa sorte com os quinze Pitbulls e os mais de trinta
homens armados que estão em volta desta fazenda, esperando
apenas alguma coisa sair do controle.
E cada dia que passava eu me impressionava mais com a
verdadeira face das pessoas.
Assim como Alonso, ele escondia um ser humano mal-
intencionado atrás de um rosto gentil.
— Mas não se preocupe, querida. Eu não vou deixar você
morrer na primeira, nem na segunda, nem na terceira fuga. Eu disse
que você é minha, então você será minha até o fim da minha vida.
Acostume-se com o novo lar.
HÉCTOR BARONE
Quando mais jovem, eu fiz coisas das quais não me
arrependia inteiramente. Digamos que eu só fiz no lugar errado e
isso foi o suficiente para criar uma sede de vingança em Damiano, o
homem mais poderoso do submundo em Madrid.
Mas ele respeitava o meu pai e o que eu seria futuramente,
como seu sucessor.
Então nunca tentou me matar, mas sempre que eu colocava
os pés em Madrid, tinha gente do meu pai e dele me vigiando,
esperando apenas um deslize para enfim conseguir me castigar.
Eu ainda me lembrava de como tudo começou. Um corpo no
rio depois da minha passagem caótica por Madrid. Foi quando
descobri como eram mentirosas as putas do Lujuria.
Isso tinha muitos anos, mesmo assim ainda reconheci o rosto
de Damiano quando cheguei no local onde ele combinou de me
encontrar. Um galpão.
— Você envelheceu. — Não pude deixar de reparar.
Damiano era um homem de meia-idade, um pouco mais baixo
que eu, barbudo e com cabelo longo. Ele carregava suas cicatrizes
como tatuagens e não fazia questão de cobri-las optando por andar
de botões abertos e mangas da camisa enroladas.
— E você continua se achando o dono do mundo, não é? —
Ele tinha uma voz grave. — Sempre passando por aqui e deixando
algum estrago... Eu esperei tanto por esse encontro.
— Se você analisar bem, a última vez que vim aqui foi apenas
para buscar as joias roubadas da minha mãe. Os caçadores daqui
são ótimos! Embora haja alguns aproveitadores, como o Albarello.
Aliás, eu soube que você não gosta tanto dele.
— Digamos que se você tivesse o matado naquele dia, eu não
acharia ruim.
— Eu? — Ri. — Eu não toquei naquele homem. Ainda. Ele
está com a minha futura esposa e eu a quero o mais rápido possível.
Sabe, uma boa desculpa para você invadir a fazenda e fazer o que
deseja. Podemos nos unir como naquele ditado: o inimigo do meu
inimigo é meu amigo.
Então foi a vez dele sorrir.
— Você veio pedir a minha ajuda?
— Uma colaboração, reconhecendo que o território é seu e
todo o seu grande poder.
Talvez eu tenha soado sarcástico ao tentar dar grandiosidade
a minha fala, mas sabia que ele tinha me entendido.
— Héctor Barone vai se casar? Eu não sabia. Apaixonado a
ponto de vir correndo atrás da noiva. Mas ela não é a moça que eu
soube que Albarello comprou, não é?
Esse assunto me deixava furioso.
— Ela nunca esteve à venda e acho que tenho um pouco mais
de força do que ela pra meter essa ideia na cabeça dele.
Ele balançou a cabeça, admirado.
— Eu tenho uma proposta melhor. Visando a morte de um
inocente há pouco mais de dez anos atrás. Você se lembra? Boiando
no rio?
Apenas o fato de eu ter passado pela cidade na época, foi
motivo para ele me culpar.
Bem, eu meio que era responsável pelo corpo estar no rio...
— Eu imaginei que teria um preço. Desde que a traga o mais
rápido possível para mim, pagarei.
Ele sorriu com satisfação.
— Isso será melhor do que eu sonhei.
CAPÍTULO 45
CATERINA SÁNCHEZ
A noite caiu e o uivo assustador dos cães junto ao vento se
tornou mais alto e medonho. Parecia que estávamos no fim do
mundo, onde ninguém poderia nos encontrar e me salvar.
Eu estava tão angustiada que o desespero só não me fazia
cometer loucuras, porque o homem que achava que me pertencia
não podia fazer nada comigo.
Ele me forçou a ouvir sua história quando começou a falar
alto e não importava em que canto da casa eu estivesse — ainda
não tinha explorado os andares de cima — podia ouvi-lo.
Alguém havia tentado contra sua vida no período em que
permaneceu no hospital para observação e fazer os exames para ver
os danos que eu podia ter causado com o golpe que dei nele.
Mas ele não entrou em detalhes sobre como aconteceu,
apenas que ficou três meses no hospital, a maior parte do tempo
inconsciente.
E com isso houve a perda das funções motoras e ele estava
fazendo o tratamento em casa.
O filho da puta quase morreu e assim que saiu do hospital, ao
invés de cuidar da própria vida, decidiu voltar ao ponto de partida e
me fazer sua prisioneira.
Com o passar das horas, conheci as outras pessoas que
trabalhavam para ele. O cozinheiro, a esposa desse homem, que
cuidava da casa e a fisioterapeuta, que ia embora todos os dias.
Quando a vi saindo dali, eu quis ir junto.
Nunca desejei tanto uma fuga.
Mas eu encontraria um jeito de sair dali.
O problema eram os cães, que ficavam soltos o tempo todo e
não paravam de latir quando viam alguém.
Bastava eu aparecer na janela e eles me verem para
começarem a latir.
— Caterina, querida. Tem roupas suas no quarto — Albarello
avisou.
A voz dele já era o som mais irritante para mim.
Uma bondade que não existia.
Era um cínico desgraçado!
Quando me virei e o vi de pé com o andador, me deu vontade
de ir até lá e chutar os apoios de metal, fazê-lo cair no chão e
afundar uma das pernas do andador na cabeça dele.
— Está no nosso quarto, querida.
Eu zombei rindo.
— Você acha mesmo que vou dividir o quarto com você?
Melhor, você tem coragem de dividir o quarto comigo?
— Eu sei que não fará nada. Você tem uma alma boa,
Caterina. O que aconteceu na boate foi apenas um momento de
descontrole. Você não estava pronta, eu entendo. Não é a primeira
vez que tenho comigo uma moça pura. Eu sei lidar. Posso esperar e
confiar em você também.
Isso sim, era um sociopata.
Não era questão de eu ter uma alma boa, mas das
necessidades de ser má diante das situações da minha vida.
Era isso ou ganhar um trauma para o resto dela.
— Vá se preparar para o jantar.
— Eu não quero. Dispenso. — Voltei a olhar pela janela, na
esperança de que surgisse alguém para me salvar.
Isso era impossível.
Uma hora daquelas, na casa dos Barones, eu estaria
conversando com as cozinheiras sobre o dia, ouvindo fofocas
absurdas. Embora, desde que Héctor revelou o seu interesse em se
casar comigo, estava evitando dar espaço para o assunto quando
conversava com elas. Passava inclusive menos tempo no mesmo
ambiente que elas.
Eu poderia ouvir as perguntas constrangedoras por horas se
pudesse escolher entre isso e estar na prisão do Albarello.
Serena com certeza deveria estar inconformada com a minha
partida. As outras nem tanto, porque não éramos tão próximas.
Será que o Héctor estava pensando em mim ou com a minha
falta já havia aceitado se casar com Hannah?
A essa altura eu já não o via como o maior monstro da minha
história.
— Uma hora você vai ter que comer.
— Meu Deus, você ainda está aí?! Me deixa em paz com
meus pensamentos!
Que homem insistente!
Eu ficaria ali pelo tempo que conseguisse, esperando ver a luz
no fim do túnel.
Depois de contar mais estrelas do que achei que podia, vi
faróis vindo em direção à casa.
Não era possível ouvir o som do que se aproximava, devido
aos cães que latiam muito, mas esperei até ele chegar perto
suficiente.
Um carro acabava de chegar.
Héctor...
Eu queria que fosse aquele troglodita. Queria que ele fizesse
todas as loucuras que quisesse para me tirar dali.
Héctor era o vilão, talvez o anti-herói, mas eu queria que ele
fosse o meu herói ao menos naquele dia.
— Quem chegou? — Albarello perguntou ríspido.
Aquela era a sua verdadeira face.
— Vou ver, senhor — o cozinheiro falou e eu, ainda próxima à
janela, observei o surgimento de mais faróis, indicando que mais
carros estavam chegando.
Tinha muita gente chegando e não era ninguém que Albarello
esperava.
Isso me deu instantânea esperança de que pudesse ser a
polícia disfarçada ou outra pessoa. As minhas vizinhas viram quando
acompanhei os homens e, embora, eu não tivesse gritado ou falado
algo que denunciasse o que estava acontecendo, as minhas feições
não escondiam o medo que sentia.
As portas do primeiro carro se abriram e quatro homens
saíram no mesmo instante. A luz que iluminava a frente da casa
permitiu que eu pudesse ver a aparência deles.
O cozinheiro já havia espantado os cães que foram
obedientes ao seu comando.
Aqueles quatro me lembravam os outros que me deixaram ali,
porém não eram as mesmas pessoas e não carregavam sorrisos.
— Onde está o senhor Albarello? — um deles com a voz
grave, se aproximou do cozinheiro.
— Quem procura?
— Viemos em nome do Damiano.
Merda!
Não era pra mim.
Eu soube na hora que aquilo não seria um resgate.
A única vez que vi Damiano foi quando começaram a procurar
o meu padrasto. Ele esteve na casa da minha mãe, eu parei de
arrumar a minha mala para desmentir qualquer acusação que ela
pudesse fazer contra mim, então ele fez perguntas e foi embora.
Não havia motivos para me procurar ali.
Foi um grande banho de água fria e me sentei no sofá,
ouvindo apenas a conversa.
Albarello demorou para conseguir chegar à porta com suas
pernas falhas, apoiadas no andador.
— O que ele quer? — A mansidão da voz do maldito havia
sumido de vez.
— Ele mandou buscar a garota.
Meu coração saltou e eu fiz o mesmo no sofá.
Eu estava enganada mais uma vez e dessa positivamente.
Eu precisava acreditar que era positivo.
O que poderia ter motivado o Damiano a querer salvar uma
pobre desconhecida?
A minha mãe não deveria ter voltado e feito isso. Ela me
odiava mais do que antes depois que perdeu o grande amor dela.
— Você não vai levá-la a lugar algum. Ela é minha.
— Ele disse que o fato de você ter pagado a dívida não
significa que ela é sua, apenas que pagou a dívida dela.
— Ela vai me agradecer ficando aqui — ele grunhiu.
Pelo discurso do representante de Damiano, aquela busca
dizia respeito ao que aconteceu na boate. Ele estava certo, Albarello
pagou a minha dívida, mas achou que me comprou.
Eu não tinha que agradecer por nada, inclusive, estava
prestes a empurrá-lo e pular nos braços daqueles homens,
independentemente de como fosse o meu futuro depois dali.
Um deles pegou um saco dentro de um dos carros.
— Ela pagou a dívida e o senhor não aceitou. Aqui está o
dinheiro, logo, ela não tem a obrigação de ficar na sua casa.
De onde eles tinham tirado aquele dinheiro?
Por que parecia que Damiano estava mesmo me ajudando?
Será que ele tinha planos piores para mim?
Ele não poderia ter descoberto o meu segredo, mas se
tivesse, depois das minhas justificativas, só me faria mal se fosse um
monstro insensível.
— Eu já tomei a minha decisão. — A insistência de Albarello
começava a me cansar.
— Senhor, estamos negociando pacificamente. Viemos em
muitos e não vamos sair daqui sem essa mulher, então, se não
quiser que aconteça uma chacina, entregue-a.
O temor tomou conta do rosto de Albarello, que fechou os
olhos e se manteve estático por alguns segundos.
Eu não acreditava naquela atuação ruim de que seria difícil
abrir mão de mim.
Quando ele me olhou, suspirou com pesar.
— Eu lamento, querida, mas não posso te proteger de tudo.
Eu fiz um grande esforço para não esnobar as palavras dele,
nem perder a paciência e adiantar a minha saída dali.
— Você precisa ir com eles — ele retomou o tom manso e
lamentoso.
Eu mordi a língua para não falar o que queria e quando ele
abriu espaço para eu passar, parei na sua frente, enojada.
— Eu nunca seria a sua querida, velho nojento. — Minhas
palavras saíram carregadas de ódio e passei pelos homens para
entrar no carro.
Por mais que o que me aguardasse fosse incerto e perigoso,
era muito melhor do que ficar nas mãos daquele homem maldoso.
ALEJANDRO BARONE
Héctor perdeu o controle por uma coisa que eu nunca
imaginei que daria importância. Ele sempre soube muito bem o que
queria ser, o homem mais poderoso que se sentaria na minha
cadeira nos negócios da família.
Héctor gostava de poder e não se importava com nada além
disso.
Sua diversão era punir as pessoas que não cumpriam com os
seus acordos nos nossos negócios.
Era isso, apenas isso.
A vida dele era essa, então surgiu a necessidade de vê-lo
casado, depois que ele já estava passando dos limites como pessoa
que abusava muito do livre-arbítrio.
Os empresários que faziam negócios conosco estavam
preocupados com o futuro com alguém como ele no poder, afinal de
contas, os negócios da família envolviam empréstimos, favores e,
principalmente, impostos.
Quando Héctor ia cobrar qualquer um deles, era muito
possível que alguém saísse dali machucado, na melhor das
hipóteses.
Eu só não imaginei que ele se apaixonaria a ponto de querer
abrir mão do que tanto desejou. Dizer que renunciava à minha
cadeira foi algo que eu nunca, nunca imaginei ouvir da boca de
Héctor.
O meu filho não era mais o homem que eu conhecia.
Achei que ele seguiria os costumes da família, sem se
preocupar muito com os sentimentos, porque era o caminho para
que alcançasse o que tanto almejava, então ele não precisaria se
importar com amor, paixão.
Isso ninguém melhor do que eu sabia que surgiria com a
convivência.
Mas se ele se apaixonou pela Caterina.
Ela era uma boa moça, consertou todos os meus relógios em
um momento que eu não estava muito bem. Eu tinha alguns
problemas que o envelhecimento ocasionava. Setenta e dois anos,
apesar de muita saúde, já passava pelas mudanças da velhice e
estava obcecado por aquilo.
Acho que a obsessão era uma coisa que todos da minha
família tinham em algum momento da vida por algo.
Eu me comovi também com a história dela. Não vi perigo de
tê-la na minha casa, não esse tipo de perigo.
Damon estava noivo, Roman mal vivia em casa e Héctor
odiava aquela moça.
De tudo o que eu esperava que ele fizesse com ela, a última
seria que a pedisse em casamento. Isso nunca passou pela minha
mente. Eu temia pela crueldade que ele poderia fazer, de repente,
com ela, mas dizer que estava apaixonado?
O meu filho mais velho não faria algo assim.
Eu queria que Héctor se casasse com alguém de uma família
como a nossa, para perpetuar as tradições, aliar os negócios,
aumentar o poder, era só isso.
Com a imagem de temido, muito temido, que Héctor
carregava, ele seria respeitado se a família que construísse fosse
baseada em valores entre duas famílias poderosas, além de somar
riquezas.
Seria perfeito.
Como o meu filho era imprevisível, se casar com uma florista
só confirmaria isso para todos.
As pessoas gostavam de saber o que esperar de quem elas
confiavam.
Depois que mandei Caterina embora, porque eu sempre fui
um homem de cumprir minha palavra, achei que Héctor de uma
hora para outra entenderia que aquela paixão acabou, que aquilo foi
passageiro.
Eu acreditei que a solução seria sumir com ela.
Mas ele foi atrás da mulher e se entregou para o homem que
há anos jurava que lhe daria um bom castigo por fazer muita
maldade na cidade dele. Damiano e eu tínhamos uma boa relação,
éramos homens de poder e fizemos negócios muitas vezes na época
em que eu trabalhava com o narcotráfico.
Ele não mataria o meu filho, mas castigaria pelas coisas que
alegou que meu filho fez.
Eu não poderia me opor a ele, pois se alguém fizesse a
mesma coisa na minha cidade também receberia minha fúria,
também seria castigado.
Achei que Héctor tinha o mínimo de inteligência para passar
longe dele, afinal medo era uma coisa que parecia que ele não tinha.
Então eu soube que ele simplesmente foi atrás de Damiano
por causa dela, e se entregou para que ele o ajudasse a tê-la de
volta.
Meu filho se entregou ao homem que mais o odiava, sabendo
que poderia ser castigado de maneira severa, por uma mulher.
Eu estava em choque com isso, tanto que nem conseguia
comparar ao que o meu irmão passou, caso que Héctor mencionou
ao descobrir que eu havia mandado sua paixão embora.
Tudo que eu não queria era ser como meu pai.
Meu irmão mais novo se apaixonou por uma mulher que não
era de boa família, uma pobre jovem, muito bonita e apaixonada por
ele. Ela não era a mulher para se casar com ele, não se encaixaria
no nosso mundo. Ele lutou muito, mas o meu pai conseguiu vencer,
afastando-a, ameaçando a ponto dela ter tanto medo que se
escondeu de nós. O fim do meu irmão foi trágico e muitos suspeitam
que ele mesmo provocou aquilo.
Eu não sei o que faria se Héctor acabasse da mesma forma.
Ele era o meu primogênito, e o amava tanto quanto meus outros
filhos.
Sabia que não deveria existir favoritismo, mas quando
coloquei aquele menino nos meus braços depois do seu nascimento,
soube que seria o meu sucessor, aquele que manteria de pé o
legado da família, o respeito e as tradições.
Eu o ensinei a ser como eu, até muito mais forte do que era.
Um homem tão forte não poderia morrer por amor.
Mas ele foi mais forte do que o meu irmão Frederico, que não
fez nenhuma loucura perto do que Héctor estava fazendo.
Minha esposa estava aos prantos com medo de que nosso
filho chegasse irreconhecível em casa. Rosário disse que ele estava
bem, Damon e Roman já haviam viajado para lá havia muitas horas,
meio-dia para ser exato, e esperamos muito mais até que soubemos
que eles tinham aterrissado.
Meu afilhado, Henrico, já havia implorado que eu não
repreendesse a moça, que não piorasse as coisas entre Héctor e eu
ao menos em consideração a Serena e o casamento deles, que
estava próximo.
Elas eram melhores amigas e Caterina era sua madrinha.
Desde que descobri a única coisa que havia restado do meu
falecido irmão, tentei de todas as maneiras fazer com que ela visse
que a nossa família havia mudado.
Marcella e Caterina estavam na mesma posição e eu agia com
elas de maneiras diferentes. Enquanto com Marcella eu tentava me
desculpar por todo o mal que os meus pais tinham causado devido
ao amor proibido entre ela e meu irmão, eu não apoiava o
relacionamento do meu filho com Caterina pelo mesmo motivo das
atitudes do meu pai.
Sabia o que meu pai pensou quando viu Frederico com
Marcella.
Mas eu também era o homem que via as consequências
daquilo, décadas depois, na vida de Marcella e na ausência do meu
irmão.
Eu não viveria tantas décadas a mais assim como meu pai
não viveu para se arrepender. O meu tempo de arrependimentos
teria que ser aquele. Se eu fosse aceitar, teria que ser naquele
momento.
Mas se eu estivesse certo de que ela não era a mulher, o que
eu faria?
Quando o carro parou em frente à casa, nos levantamos do
sofá. Apressada, Bela foi abrir a porta antes mesmo das funcionárias
chegarem nela. Damon e Roman entraram primeiro, depois vi Héctor
segurando firmemente na mão de Caterina.
O meu filho era muito corajoso mesmo.
Aquilo me deixou admirado.
Nada fazia Héctor mudar de ideia.
Não importava o quanto pedisse, ordenasse, o quanto
ameaçasse, aquele homem não mudaria de ideia.
Ele olhou para mim de cabeça erguida e peito inflado, sem
camisa, com alguns ferimentos que alcançavam a cintura e ombros,
nas costas deveria ter mais, mas a postura era de quem dizia que
aquela era a sua decisão e que eu não poderia mudá-la.
Não importava o que eu fizesse.
Decidi, sem avisar, que observaria se aquilo era amor ou
apenas uma paixão passageira. Enquanto isso, me manteria em
silêncio.
Se fosse muito mais do que uma fase de Héctor, eu não seria
como o meu pai.
CAPÍTULO 50
CATERINA SÁNCHEZ
O que mais me convenceu a voltar àquela casa foi o
casamento de Serena.
Era a minha desculpa.
Eu não queria ficar distante de Héctor, mas temia a reação
das pessoas.
Quando voltei àquele lugar, por mais que as pessoas
estivessem me olhando com estranheza, por mais que tudo
parecesse ter mudado o dobro do que aconteceu quando Héctor
disse que se casaria comigo, senti que eu havia voltado para o meu
lar.
Eu me sentia mais apegada ali do que à minha casa.
Eu sentia que aquelas pessoas já eram a minha família.
Abracei forte a Serena. Ela já era mais do que uma amiga, era
minha irmã, alguém que sabia muito bem o que eu sentia, que havia
vivido coisas parecidas comigo.
Alguém que entenderia a maioria das loucuras que eu falasse.
— Tive medo que você não voltasse mais.
— E perder o seu casamento? — brinquei como se eu fosse
ousada a ponto de dizer que decidi sozinha que voltaria.
— O que aconteceu com você lá? Me conta tudo. — Ela me
puxou pelo braço, não deixando que eu cumprimentasse as outras
pessoas.
Fomos para o lado de fora da casa, para perto do jardim.
Ela sabia de toda a minha história lá em Madrid, exceto o
caso do meu padrasto, então eu me sentia bem em contar a
conclusão de tudo.
— Aqueles brutamontes me levaram para a casa do Albarello,
Serena. O homem estava fraco e se fingindo de bonzinho. Você não
imagina o ódio que eu senti.
Eu sentia ódio só de contar e me lembrar.
— Ele tentou alguma coisa com você? O que você fez lá?
— Ele não podia tentar nada, não conseguia nem andar
direito, mas achava que eu era dele!
Minha amiga fez cara de nojo junto comigo.
— Eu achei que nunca sairia de lá, Serena. Era longe, uma
fazenda cheia de cães, pitbulls raivosos que latiam assim que me
viam, e pela conversa dele, havia muitos homens ao redor do lugar
também.
— Que inferno, Caterina! Como esse homem descobriu que
você estava lá tão rápido?
— Com certeza alguém me viu e contou. As minhas vizinhas
falaram que pessoas visitaram a rua me procurando, logo depois que
vim para cá. Na certa deixaram alguém vigiando o lugar. Não foram
elas, e quando me viram voltando, alertaram esses homens. Eles
apareceram muito rápido. Só deu tempo de tirar um cochilo, tomar o
café da manhã e limpar a casa. Eu não tive nem como dizer não, os
três eram gigantes, Serena. Tipo três Henricos, só que sorrindo.
Ela riu, pois a seriedade do Henrico sempre era motivo de
piada e comparações.
— O Héctor chegou até lá? Foi ele quem te resgatou? —
Dessa vez o seu sorriso era esperançoso.
— Não, mas ele negociou com simplesmente o diabo de
Madrid. — Eu não conseguia ficar feliz sabendo daquilo, me
lembrando do que aconteceu, mesmo que o final fosse bom para
mim. — E ele mandou vários carros, cheios de homens tão grandes
quanto aqueles que me levaram para lá. O Albarello não teve
escolha além de me entregar.
— E o que aconteceu com Héctor? Por que ele está
machucado? Henrico não quis me contar, ele disse que eu não
entenderia a confusão.
Eu não me sentia bem para contar do meu passado, acho que
ficaria apenas entre Héctor e eu.
Seria o nosso segredo.
Não queria ser vista como assassina, o que eu havia feito foi
necessário e eu não me arrependia, mas também não me orgulhava.
— Foi o próprio diabo que o castigou em troca da minha
captura.
Serena ficou de queixo caído, perplexa diante do que contei.
Eu também estava assim, só conseguia disfarçar melhor naquela
hora.
— Eu não esperava que Héctor pudesse fazer algo assim por
mim. Na verdade, não pensei que ninguém pudesse fazer algo assim
por mim.
— Eu também não imaginava, Cate. Ele está muito
apaixonado por você. Eu sempre achei que ele era o ser humano
mais insensível e desprezível da face da Terra, mas uma pessoa
insensível não faria o que ele fez. Não se entregaria a alguém para
apanhar e salvar outra pessoa. Esperava mais que entregasse
qualquer outra pessoa para sofrer por ele.
A imagem de insensível que eu tinha de Héctor também já
tinha sido apagada.
— Serena, ele continua dizendo que quer se casar comigo.
Que não consegue viver sem mim — contei na esperança de ouvir
um conselho.
— E você?
— Eu acho que... — Era difícil admitir aquilo depois de tudo o
que vivemos. — Eu acho que eu sinto mesmo. Sei que parece
loucura, Serena, porque ele me machucou tanto, mas também fez
muito mais bem para mim do que qualquer outra pessoa. Eu não
posso mentir dizendo que não sinto a necessidade da presença dele,
que eu não sinto nada de bom quando ele está comigo.
Serena olhou para trás de mim e eu virei acompanhando-a.
Mirabela estava ali, ouvindo tudo.
Ela se desmontou quando a flagramos.
— Não é do meu feitio ouvir conversas alheias, mas queria
conversar com você, Caterina, e quando ouvi tudo o que eu
precisava saber, não tive coragem de interromper.
Eu me senti envergonhada por parecer um problema na vida
deles. Ela sempre me tratou tão bem, mas parecia que eu estava
atrapalhando todos os seus planos.
Não sabia o que dizer.
— Caterina. — Ela se aproximou de nós e parou ao meu lado.
— Eu não posso dizer como vocês devem ou não se sentirem em
relação ao outro. Às vezes as coisas não saem como planejamos. As
decisões do coração são muito mais complicadas de lidar do que as
racionais. E eu não serei a mulher a acabar com o que vocês
sentem.
Eu estava mesmo vivendo um romance proibido, o que ela
dizia era basicamente isso.
— Me preocupa ver o meu filho tão loucamente apaixonado
por alguém a ponto de fazer qualquer coisa. Me preocupa também
que você o aceite por gratidão, que esse sentimento que você diz ter
não seja mais do que isso. Héctor não é um homem fácil de lidar,
Caterina, você bem sabe.
Eu concordei com ela, mas sabia distinguir gratidão de
paixão.
— Eu não sinto gratidão pelo que ele fez, me sinto culpada.
Mas não posso deixar de reconhecer que alguém que se preocupa
tanto comigo é bom. Esse meu sentimento já existia antes do que
aconteceu ontem, senhora Barone.
Ela deu uma leve erguida nas sobrancelhas e sorriu.
— Eu não sei se acho isso bom, eu me preocupo com a sua
cabecinha, querida. Mas se você faz o meu filho feliz e se ele te faz
bem, eu só posso aceitar. Era isso que eu queria que os meus filhos
sentissem quando se casassem.
Eu ainda estava um pouco alheia ao assunto casamento,
tanto que quando ouvia, não encarava como se fosse uma
possibilidade, mas era bom me sentir aceita entre eles.
Semanas se passaram, sem que o senhor Barone movesse
um lábio para falar algo sobre nós.
Héctor disse que já tinha dito o que precisava para o pai
antes de ir me buscar.
Cuidei dele esse tempo inteiro, até que ele voltou às corridas
e lá estava eu, torcendo para que chegasse em primeiro lugar.
O que aconteceu todas as vezes que ele correu.
Soube o que aconteceu com Alonso e confesso que ainda era
estranho lidar com a morte precoce dele. Inclusive tentava não
julgar o Héctor por ter sido responsável, apesar de não achar que o
Alonso fosse digno de morte.
Era complicado.
Era algo que eu não podia controlar, sabia que Héctor era
esse tipo de homem, que as minhas palavras não eram suficientes
para mantê-lo quieto, fazê-lo desistir de cometer alguma loucura. Eu
sabia também que por mais que ele sempre estivesse buscando
viver bem, tentando não fazer nenhuma besteira que me
machucasse, sempre existiria algo que me lembraria de que ele não
era o mocinho da minha história.
E mesmo assim, eu não conseguia colocar isso acima do que
eu já estava sentindo por ele.
Héctor matou o meu primeiro namorado e eu não conseguia
odiá-lo por isso.
Talvez eu fosse como ele.
Eu matei o homem que a minha mãe amava, isso não era
muito diferente do que o Héctor havia feito.
Talvez fosse muito pior.
As coisas ruins nunca deixariam de acontecer ao nosso redor
e o que me acalentava era saber que eu não estava sozinha, não ali.
Eu tinha uma amiga, tinha um homem que explodiria o mundo por
mim e pessoas que desejavam a minha companhia, para quem a
minha vida era importante.
Então chegou o dia do casamento da Serena.
Acho que os preparativos e essa data fizeram com que todos
se movimentassem sempre pensando nisso, assim como o foco da
casa.
Ninguém nem se importava se eu estava ali com Héctor,
apesar de que eu continuava vivendo a vida como antes de ser
mandada embora, no meu quartinho, com as minhas flores.
Eu não poderia dar mais motivos para que eles não me
quisessem com o filho deles.
Não passávamos muito tempo juntos, ele tinha os negócios
da família para resolver e sempre me procurava nos momentos
errados.
Ele era indomável e não importava o que dissesse, Héctor só
fazia o que queria.
Eu seria a madrinha da Serena e estava pronta para isso.
A cerimônia seria ali mesmo, na mansão, onde estávamos nos
arrumando.
Depois que a cabeleireira deixou meu cabelo pronto e a
maquiadora deixou meu rosto melhor para as fotos, me tranquei no
meu quarto para vestir a roupa e calçar os sapatos.
O vestido era lilás.
Todas as madrinhas se vestiriam iguais.
Ainda me lembrava das reclamações de Ramona sobre não
combinar com a cor durante o chá de lingerie que ela fez para
Serena. Era uma das poucas coisas que lembrava, já que ficamos
bêbadas na primeira hora da festa particular.
Ainda sentia a ressaca.
Diferente dela, o lilás combinava tão bem com a minha pele e
com o meu cabelo, que eu nunca me senti tão bonita.
O vestido tinha um decote que saía do ombro e cruzava na
cintura, deixando uma fenda enorme no decote, ainda assim
cobrindo muito bem os meus seios.
A cintura era bem-marcada e a saia caía tão leve e delicada
até os pés, que ao me movimentar parecia que eu estava flutuando.
Não mostrava os saltos que eu usava, bem confortáveis
apesar de altos. As joias encontrei em cima da cama, ao lado da
roupa.
A essa altura já imaginava quem poderia ter me dado e
quando bateram à porta, eu também soube quem havia chegado.
— Entre. Estou vestida.
Ouvi uma risadinha e o barulho da maçaneta.
— Uma pena. — Ele entrou e vi seu reflexo vestido num
smoking preto, com a camisa branca e a gravata borboleta preta.
Sorri pelo seu lamento.
Ele já tinha me visto nua outras vezes quando entrava no
meio da noite no meu quarto, para ficar me beijando e me fazendo
gozar até me viciar na sua língua.
Fosse dentro da minha boca ou entre as minhas pernas.
Héctor olhou para a minha bunda e quando chegou mais
perto, segurou meu quadril e me puxou contra seu corpo, nos
deixando colados. Então me analisou pelo reflexo, encarando
indiscretamente o meu decote.
— Você está muito gostosa. — Beijou meu pescoço, me
causando arrepios.
Depois de criar tanta intimidade, tê-lo perto de mim, me
deixava sempre excitada. Talvez o meu corpo estivesse mesmo
viciado nos beijos e no toque dele.
— Adorei as joias.
— Ficaram ótimas em você.
Ele nem fingia que não tinha dado.
Eu nunca me imaginei junto a ele e nos enxergar como um
casal, como estávamos em frente ao espelho, era impossível meses
antes.
Mas, naquele momento, parecia que não poderia estar com
outra pessoa.
Era como se realmente fôssemos um do outro desde sempre.
Eu acabei sorrindo, denunciando o que sentia quando ele
estava comigo.
Héctor era a última pessoa que achei que poderia me fazer
feliz, mas era ótimo em cumprir promessas.
Felizmente, comigo ele cumpria apenas as boas, e não fazia
mais nenhuma má.
Pelo menos, não desde que colocamos um fim na sua ideia
ridícula sobre mim.
— Eu já dei o aviso ao Damon, mas se ele tentar alguma
coisa quando eu não estiver por perto, não deixe de me avisar.
Eu me virei para ele rindo do seu ciúme bobo.
— A única coisa que o seu irmão me faz é rir.
— E é justamente isso que eu odeio nele. — Ele beijou meus
lábios. — Aproveitando o clima, pense sobre o nosso casamento.
Estou esperando o seu sim. — Deu uma piscadela e me soltou.
Fui deixada aos suspiros.
Eu não pretendia refletir sobre isso, mas plantada a ideia na
minha mente seria impossível pensar em outra coisa.
CAPÍTULO 51
HÉCTOR BARONE
Se eu falasse que prestei atenção em alguma coisa que
aconteceu naquele casamento, estaria mentindo, porque só
conseguia olhar para a Caterina e o quanto ela estava perfeita
vestida de madrinha. Sempre gostei da cor preta, mas a minha
preferida se tornava lilás quando estava no corpo dela.
Que mulher perfeita!
Eu era louco por ela, não tinha vergonha de admitir, muito
menos medo.
Desde que ela voltou para a nossa casa, ninguém ousou
tentar nos afastar, ameaçar levá-la embora novamente, muito menos
questionou a minha decisão.
Todos apenas assistiram ao que estava nascendo entre nós.
Eu sentia a necessidade de dar mais demonstrações de que
não desistiria daquela mulher não importava o que tentassem fazer.
Se nem eu, quando quis tirá-la da minha vida, da minha
mente e do meu coração consegui, ninguém conseguiria.
Eu só precisava ouvir o sim dela, apenas isso.
Não a pressionava, afinal já sabia como seria o nosso fim.
Aquela mulher era minha e em algum momento isso se
tornaria mais do que um aviso.
Ela já sabia também, nem tentava dizer o contrário, só não
falava o que eu queria ouvir.
Então a cerimônia aconteceu, enquanto admirava a minha
futura esposa.
Depois de fazer o que eu estava louco para fazer desde o
momento em que a deixei pronta para o evento no quarto, fomos
para a recepção que foi montada entre as nossas salas de estar e de
jantar.
Nem parecia a nossa casa sem o sofá e a decoração.
— Vocês não precisam mais dizer que são um par. Pode se
afastar da minha mulher, Damon. — Balancei a mão para que ele
fizesse o que pedi e meu irmão levantou as mãos em sinal de paz.
— Quanta proteção! Ou será ciúme? Possessividade? Cuidado,
Caterina, você sabe com quem está lidando.
— Se não for para ajudar, não abra a boca. Eu posso calá-la
do jeito que você não vai gostar — alertei a ele e passei meu braço
pelo de Caterina, fazendo que ela ficasse comigo do jeito que seria
até o resto da noite.
Ela não sabia lidar com os conselhos de Damon, ria, mas às
vezes parecia preocupada também.
Ninguém me conhecia melhor do que Caterina e acho que o
contrário também era verdade, então ela não precisava ouvir alertas
sobre mim.
Talvez eu fosse protetor, ciumento e possessivo, sim, seria
tudo o que fosse preciso para mantê-la longe de quem estivesse
mal-intencionado.
Damon deveria me agradecer, pois assim que me juntei a
Caterina, deixei Chiara, o meu par no casamento, livre para ele.
Eu vi como eles se olhavam o tempo inteiro na cerimônia. Às
vezes, queria estar dentro da cabeça da Chiara para tentar entender
o que pensava dele, então concluía que ela deveria ter a mesma
opinião que eu, o que quer dizer que o meu irmão não a entendia
porque ele era realmente o que pensávamos, alguém não levava as
coisas a sério.
Enquanto eu era levado tão a sério e às vezes temia coisas
como o casamento, algo que tentei fugir por muito tempo; Damon
levava tudo na brincadeira, principalmente, os sentimentos dos
outros.
Meu irmão passava muito tempo observando a vida alheia e
não parava para observar a dele e o quanto suas atitudes afetavam
as pessoas que ele amava.
Será que ele amava?
— Largue a minha madrinha — Serena ordenou.
Ela era a noiva mais mandona que vi.
Tirar as fotos do casamento foi um terror, toda hora ela
queria que eu ficasse longe de Caterina, pois eu era padrinho do
noivo e ela era madrinha da noiva. Eu poderia ficar onde eu quisesse
e quando recebesse as fotos iria cortá-las e deixar apenas as que eu
estava junto da minha mulher.
— Você já teve muito dela, não acha?
— Eu vou jogar o buquê, então larga dela e fique torcendo
para que ela pegue e tenha coragem de se casar como você.
Do jeito que Serena me olhava, parecia até que fazia
campanha do contrário.
Mas deixei Caterina ir, seria por uma boa causa.
Ela acompanhou a amiga rindo e eu me sentei perto de
Henrico e Roman.
— Eu poderia criticar o seu jeito, Héctor. — Roman se virou
para mim, com uma taça de champanhe na mão. — Mas do jeito
que vai, sinto que há um progresso, o que me diz que o meu
casamento não demorará uma década para acontecer.
A noiva dele estava com a família e era um milagre Roman
estar conosco, pois quando essa mulher colocava os pés no mesmo
ambiente que ele, meu irmão grudava muito mais do que eu fazia
com Caterina.
Talvez fosse de família esse tipo de atitude.
— Se depender de mim, você se casará em breve.
Henrico concordou, focado em outra direção. Ele estava
observando Damon dançando com a irmã dele.
— Héctor em breve se casará, Damon não estará vivo para
fazer isso, o que passa a vez para você, Roman — Henrico
completou.
Uma piada pesada para um dia tão inspirador.
— Acho que você já deveria se acostumar com a ideia de que
o Damon será seu cunhado, Henrico — aconselhei.
— A minha irmã se casará com um homem como nós, de uma
mulher só, não com o que fica dando em cima de todas.
— Me senti incluído pela primeira vez — Roman brincou, pois
ele nunca foi um homem de uma única mulher. — Concordo,
Henrico. Concordo, mas não mate o meu irmão. Eu quero ter mais
de uma cunhada.
Como a Serena atrapalhou a dança dos dois, Damon se
juntou a nós para assistir à noiva jogando o buquê. Henrico já
estava olhando meu irmão como se fosse um alvo.
Vittoria, a noiva de Roman, também entrou na brincadeira, o
que fez o meu irmão falar a maior besteira que já ouvi.
— Se a Vittoria pegar o buquê, vou me casar antes de vocês,
o que significa que nunca conseguirão se casar.
Eu não era o homem das superstições, mas...
— Vittoria, o que você faz aí? Você já está noiva. Saia daí! —
ordenei e ela riu de mim.
— É só uma brincadeira.
— Então não tente pegar essa droga de buquê.
Meus irmãos riram.
E se essa superstição fosse verdade?
Não poderia dar errado bem quando comecei a aceitar essa
coisa de casamento e encontrei uma mulher pra mim!
— Cuide melhor da sua noiva, Roman, porque não costumo
lidar muito bem com quem atrapalha meus planos.
— Eu também não, Héctor.
Entre as vezes que Serena enganou as mulheres fingindo
jogar o buquê, vimos o amontoado de flores pulando de mão em
mão, então Caterina estava segurando-o e abrindo bem os olhos
diante do que havia conseguido.
— Mas que inferno! — minha irmã resmungou alto, fazendo
com que a maioria das pessoas que estavam ao redor rissem. — Se
case logo, Caterina, pode ser com o meu irmão mesmo, mas preciso
de outra oportunidade para pegar o buquê.
Lindo jeito de mostrar apoio.
A sorte não poderia estar me apoiando tanto também.
Se aquilo não ajudasse aquela mulher a se decidir, eu não
sabia mais o que fazer.
Quando Caterina olhou para mim, tive certeza de que debaixo
daquela maquiagem haveria bochechas coradas e gesticulei para ela
de que aquilo era um sinal para que aceitasse logo meu pedido.
Ela ficou com o buquê e não voltou para perto de mim, se
juntou a minha irmã em outra mesa.
Então a música voltou a tocar e as pessoas começaram a
dançar.
Henrico foi atrás da esposa, o que eu não poderia nem julgá-
lo por ficar o tempo inteiro perto dela, já que se eu pudesse passaria
vinte e quatro horas grudado em Caterina, sentindo o cheirinho doce
de flores nela. No fim, eu fiz o mesmo que ele e chamei minha
mulher para dançar.
Ela deixou o buquê na mesa e me acompanhou.
— Você deveria cuidar melhor desse buquê, pois tenho uma
irmã louca para se casar que pode facilmente roubá-lo. — Com o
braço em volta da cintura dela, segurando a outra mão, encostei-a
no meu corpo e dançamos uma valsa lenta.
As festas sempre começavam calmas na minha família, depois
era música fervorosa e muita bebida.
— Não foi nas mãos dela que o buquê caiu, então acho que
não tem como ela roubar a minha sorte.
— E quando eu terei a sorte de ouvir que o noivo serei eu?
Não que eu já não saiba.
Ela revirou os olhos, sorrindo.
— Ainda estou pensando se vale a pena mesmo.
Sabia que era brincadeira, mas, no fundo, desconfiava que o
motivo seria a aceitação do meu pai, que não havia aberto a boca
em todas as semanas desde que eu a trouxe de volta para casa.
Caterina se importava muito com a opinião dele, por meu pai
ter sido bom quando ela chegou em nossas vidas, tinha medo e
sempre reclamava que ele a odiava.
Em algum momento ele iria aceitar.
Se fosse mais jovem, seria impossível, mas a velhice o havia
amolecido. Era impossível que as coisas que estavam acontecendo
com ele, não o fizesse pensar sobre a minha vida e o meu futuro.
— Cuidado, pois posso fazer o pedido na frente de todos.
— Não ouse, Héctor. Não ouse — ela praticamente implorou.
— E beijá-la, eu posso?
— Não parece que esteja tudo bem. Não vamos dar motivos
para especulações.
Medrosa.
— Estar com você seria a melhor especulação sobre mim que
eu já ouvi.
Ela sorriu, mas quando olhou para o lado, ele se desmanchou.
Ela tinha visto meus pais.
— Preciso ir ao banheiro, sozinha.
Eu iria acompanhá-la com o maior prazer, mas ela já tinha
colocado os limites.
— Estou te esperando. Ainda faltam algumas horas de dança.
Ela se afastou de mim, sorrindo e saiu pela casa.
Esperei conversando com os sócios da família e de Rosário, a
quem avistei apenas um tempo depois.
Andava curioso para saber como estavam as coisas em
Madrid. Eu pedi para que ele conversasse com as vizinhas de
Caterina, falando sobre como ela estava, assim como com uma
pessoa com quem minha mulher trabalhava na floricultura.
Não queria que pensassem que Caterina estava sofrendo e,
assim que fosse possível, pretendia fazer uma viagem e levá-la para
lá, para que reencontrasse essas pessoas. Meu plano não era afastar
Caterina da vida antiga que ela tinha, eu só queria estar na vida
dela.
CATERINA SÀNCHEZ
Eu não conseguia permanecer ao lado do Héctor quando o tio
Alejandro estava olhando. Nem sabia se era certo chamá-lo assim.
Eu não conseguiria dizer sim para os repetidos pedidos de
casamento do Héctor, sabendo que o pai dele odiava a ideia.
Em vez de ir ao banheiro, saí do lado de fora da casa. O meu
plano era ficar alguns instantes longe do campo de visão do tio
Alejandro.
A esposa dele entendia o que estava acontecendo entre
Héctor e eu, mas ele não havia falado nada desde que voltei para a
Itália.
Talvez ele me odiasse mais ainda por ver que não respeitei o
seu pedido e ainda voltei, passando por cima da ideia dele de me
manter distante do filho.
Eu temia que acontecesse novamente, que, de repente,
aparecesse um homem na porta do meu quarto, falando que deveria
acompanhá-lo e parasse em outro lugar, um que não fosse próximo
à minha casa, onde não pudesse ao menos me conformar.
É verdade que eu também não queria ficar mais distante do
Héctor, pois o tempo que ficamos juntos me deixou apegada a ele.
O homem realmente agia como prometeu que faria, não
parecia ser nada forçado.
Se acontecesse de eu ir embora, se houvesse a mínima
chance de ser levada para Madrid novamente ou qualquer outro
lugar, eu gritaria o nome dele.
Eu chamaria por ele.
Eu não havia passado um minuto fora da casa e um homem
parou ao meu lado, sinalizando que o meu plano não tinha dado
nada certo.
— Quem diria que estaríamos nestas posições? Você,
candidata a minha nora.
Candidata, eu não me via daquela maneira.
Se Héctor ouvisse, diria que eu não era sua candidata, e sim
sua futura esposa, com toda a certeza que ele sempre tinha ao
pronunciar essas palavras.
— Eu não imaginei que isso aconteceria, tio Alejandro. Não
queria atrapalhar os seus planos. Nunca nem esteve nos meus.
Ele suspirou dentro do terno que deveria valer a dívida que
meu pai deixou antes de morrer.
— É como se eu estivesse vivendo um déjà vu, porém,
consigo ver dos dois lados. O lado do pai, que quer manter uma
tradição, e do lado de um irmão que viu a vida do outro se
desgraçar por conta dessa mesma tradição. Eu não quero seu mal,
Caterina. — Ele olhou para mim.
Suas palavras, de certa forma, me trouxeram alívio.
Mas eu sabia que o porém era o que me incomodaria.
— Demorou muito tempo para convencer Héctor a agir como
um homem cauteloso. Ele sempre foi indomável.
Mal sabia ele que o filho continuava sendo assim.
— Eu só queria que, se casando, ele soubesse o que é ter
alguém por quem se quer voltar para casa todas as noites. Proteger.
Amar. Héctor estava muito focado em outras coisas, se distanciando
cada vez mais do que faz os seres humanos serem felizes de
verdade. Então, ele cismou que se casaria com você.
Era mesmo uma grande reviravolta.
As lembranças daquela noite ainda me deixavam chocada.
Foi tão repentino!
— Eu desacreditei da possibilidade de acontecer o que eu
queria, porque ele nunca te tratou tão bem. Como ele iria amar,
como iria ser mais cauteloso, buscar mais aliados do que inimigos
para se manter vivo para alguém? Será que ele protegeria alguém
por quem parecia sentir apenas desprezo?
— Eu também acreditei que não podia. Eu nunca pensei que
o Héctor pudesse me fazer um grande bem. Estar disposto a se
sacrificar para me salvar, mas ele fez. De alguma forma, Héctor fez e
eu não acho que alguém como o senhor diz que ele é, faria isso.
— Você acabou de tirar as palavras de mim. Passei todas
essas semanas pensando se eu deveria evitar que um casamento
fracassado acontecesse ou acreditar que o meu filho não estava
blefando, que não era apenas uma paixão passageira, motivando-o a
fazer as maiores loucuras.
— O que o senhor concluiu?
A opinião dele era muito importante para mim. Com certeza,
ela seria decisiva para a minha resposta sobre o pedido de
casamento de Héctor.
— Concluí que você faz com que o meu filho seja menos
egoísta. Por mais de dez anos Damiano tentou colocar as mãos nele,
Héctor fez de tudo para que não o encontrasse e então ele
simplesmente se entregou para que esse mesmo homem o ajudasse
a encontrá-la. Era esse tipo de mudança que eu queria ver no meu
filho. É esse tipo de homem que preciso comandando o negócio da
família. Um homem que busca alianças e não inimigos. Que
minimize os danos, mesmo que para isso tenha que se sacrificar. —
Ele ficou de frente pra mim. — Se você quiser aceitar o pedido de
casamento do meu filho, saiba que não serei contra.
Eu tinha a minha resposta.
CAPÍTULO 52
HÉCTOR BARONE
Ok!
Talvez eu fosse bastante ansioso em relação ao meu
relacionamento com Caterina, mas ele não era denominado.
Caterina era a minha futura esposa que ainda não carregava um
anel de noivado e eu não a pediria em namoro, pois já queria me
casar, mas ela não respondia se queria.
Mesmo assim, eu tentei parecer mais calmo, dei espaço para
ela pensar sem ficar fazendo perguntas. Ela tinha um buquê de
noiva e era um bom motivo para pensar no assunto.
Caterina me chamou para fazer um passeio inesperado
durante a semana, quando a encontrei do lado de fora da casa. O
meu cavalo já estava pronto para isso e ela ao seu lado, como todas
as vezes em que chegava perto, ficava cheirando e conversando com
ele. Uma vez a peguei perguntando qual shampoo ele usava.
Às vezes Caterina era bem engraçada.
— Então você quer passear? — Eu a peguei de surpresa.
Ela tremeu e me encarou.
Às vezes, ela não se intimidava comigo, mas em outros
momentos ficava nítido que ficava sem jeito perto de mim. Esse não
era um dos dias em que eu a intimidava, apenas havia a pegado
desprevenida.
— Prometo que desta vez não vou te abandonar perto da
mata. — Ela sorriu.
Eu me aproximei analisando o seu comportamento e a
levantei pela cintura.
— Por que será que não consigo confiar? — Eu a coloquei
sentada de lado no cavalo e subi em seguida.
Quando o cavalo começou a correr, ela respondeu:
— Você precisa acreditar na sua futura esposa.
Eu fiz com que o animal parasse na mesma hora, o que quase
nos fez cair.
Estava em choque com o que acabava de ouvir, afinal
Caterina nunca havia pronunciado aquelas palavras antes.
— O que disse?
— Que você precisa confiar na sua futura esposa. — Ela não
olhou para trás, mas eu me estiquei até conseguir olhar em seu
rosto e a vi sorrindo.
— Isso é um sim, Caterina?
Ela confirmou com a cabeça.
— Eu preciso que diga, que verbalize.
Ela sorriu mostrando os dentes.
— Por que você sempre exagera?
— Você quer se casar comigo?
— Eu quero, Héctor. Na verdade, eu vou.
Saltei do cavalo e a arrastei para os meus braços, no meio do
campo, encarando o rosto dela enquanto processava as palavras.
Todas as vezes que pensei em como seria tendo-a para
sempre comigo, estava prestes a se tornar realidade.
Eu a teria ao meu lado todas as noites.
— Fala alguma coisa, Héctor. É estranho quando você fica me
olhando assim, parece que está planejando o meu assassinato.
— Eu nunca amaria outra mulher que não fosse você,
Caterina. Mas nunca te forçaria a se casar comigo. É por livre e
espontânea pressão?
Ela riu.
— É por livre espontânea vontade. Você sabe que a sua
pressão não funciona mais comigo.
— Mas é claro, ou eu não estaria esperando por tanto tempo
essa resposta. — Eu a tirei do chão, abraçando forte e afundando
meu nariz entre os fios do cabelo dela. — Eu não acredito que ainda
tentei te tirar da minha vida. — Beijei seu pescoço e quando respirei,
senti o cheiro doce floral no cabelo. — Quero acordar todos os dias
com você e voltar para casa todos os dias para te encontrar.
— Eu preciso que você volte mesmo, porque também não sei
o que farei sem você. — Ela segurou meu rosto e me encarou. — Eu
também me importo com você, droga. Eu não queria, mas eu me
importo. Eu acho que temos que ter uma história feliz, certo?
Promete que vai me tratar como a rainha e que nunca vai duvidar de
mim? — Os olhos dela brilhavam.
— Eu prometo. E quanto à história feliz, eu asseguro que
teremos. Eu faço o que você quiser, Caterina, o que for preciso para
te ver feliz e bem.
Não era a primeira vez que eu repetia aquilo, mas precisava
que ela entendesse que não se arrependeria se ficasse comigo.
— Eu só queria pedir uma coisa.
— Sim, qualquer coisa.
— Eu gostaria que as minhas vizinhas viessem para o nosso
casamento. A minha patroa da floricultura já nem deve se importar
comigo, mas além de você e das pessoas daqui, minhas vizinhas são
as únicas que sempre se preocuparam comigo. Quero que saibam
que estou bem.
— Isso não é uma tarefa tão difícil, sabia? Elas estarão no
casamento. — Encarei os lábios e diante do sorriso, só pude beijá-
los. — Minha noiva — sussurrei contra a boca dela e ouvi sua risada.
HÉCTOR BARONE
Eu não podia dizer que estava em uma despedida de solteiro
porque ficar sentado numa academia tomando uísque, enquanto
ouvia bobagens dos meus irmãos e os gemidos do Henrico não
podiam ser considerados isso.
Eu já estava prestes a tomar o celular da mão de Damon e
arremessá-lo na parede. Ele estava o tempo inteiro conversando
com alguém que eu suspeitava que fosse Chiara e parecia estar
numa discussão, pois digitava nervoso.
— Volte a cantar, Roman. Isso está ficando entediante —
implorei levando o copo de whisky à boca.
— Você queria o quê? Mulheres dançando sem roupa? — ele
soou arrogante. — Você vai se casar, será um homem de família.
Quer começar traindo sua noiva?
Olhei para o meu melhor amigo e franzimos os cenhos
estranhando a conversa.
Não era um discurso esperado do Roman.
— Não. Eu não queria estar com várias mulheres, traindo a
minha noiva, Roman. Eu queria estar com a minha noiva.
— A sua noiva está fumando maconha no quarto de bonecas.
Eu tenho certeza disso. — Damon parecia bem confiante da aposta.
— E a sua certeza mandou mensagem no seu celular, não foi?
Ele não respondeu.
— Quem é a certeza dele? — Henrico questionou.
É
— Você não quer saber, Rico. É forte demais para a sua
mente.
Ele olhou para Damon com os olhos semicerrados,
desconfiado.
— Está mandando mensagens para minha irmã?
— A sua irmã não quer falar comigo. Você não vê como ela
me trata?
Que safado!
Ele fingia muito bem!
Era por isso que o caso durou anos!
— Ah, como se você não merecesse — Roman cantarolou e
eu concordava com ele.
— Quero que você se case logo, Damon. — Eu me virei para
ele. — Assim vocês saem da minha casa. Henrico, vamos
providenciar uma casa para você, já que agora está casado. Como
sou o primogênito, irei morar com nossos pais, mas não quero vocês
e os seus filhos morando lá.
— Puta merda, Héctor! — Henrico virou a garrafa de whisky.
— Não leve a mal. Eu só quero tudo bem-organizado. Todos
teremos famílias grandes e aquela casa está ficando pequena com
tantas mulheres aparecendo.
— Mas o que é isso aqui? — Roman fez careta. — Uma
reunião de herança? Podemos ficar lá o tempo que quisermos, não é
como se a casa fosse ser sua apenas porque vai se casar.
— Depois de ouvir essa, eu vou começar a procurar uma casa
mesmo. — Henrico parecia chateado.
Eu já tinha me explicado que não era por mal.
— Recém-casados não gostam de ficar rodeados de gente.
Você não anda cansado de foder calado, Henrico?
— Ele mal usa a voz pra falar — Damon zombou e eu ri com
respeito.
— Já bastam os funcionários — continuei meu discurso. —
Talvez eu até mande nossos pais para uma viagem de dois meses
para algum lugar onde eles possam recuperar as energias que
gastaram insistindo para que nos casássemos.
Era uma ótima ideia.
Eles estavam admirados com os meus planos.
— Volte a cantar mesmo, Roman — Damon pediu. — Porque
isso aqui está mesmo um tédio.
— Amanhã vou me casar, então não quero ninguém de
ressaca. — Balancei o dedo na direção de cada um. — Apenas uma
garrafa. — Deixe as outras para o casamento ou para depois. Eu não
posso perder a chance de me casar com aquela mulher.
Esperava que ela não se drogasse, ou bebesse a ponto de
também não aparecer no casamento.
Estava chegando o dia que Caterina se tornaria a minha
esposa. Eu só dormiria por causa das doses de Whisky, pois a
ansiedade era tanta que estava contando as horas.
Minha esposa.
CAPÍTULO 54
CATERINA SÁNCHEZ
Talvez eu precisasse de um cigarro de maconha naquele
dia, porque estava nervosa demais para conseguir caminhar pelo
quarto e não conseguia me imaginar andando pela igreja.
Quando o último detalhe da minha arrumação foi colocado,
um pente que segurava o véu no meu cabelo com apenas algumas
mechas presas, me olhei em frente ao espelho.
O vestido era justo, com uma cauda de sereia, nada muito
volumoso. O tecido dele era sedoso e o decote dos seios quadrado.
Foi o meu favorito.
Eu não queria nada extravagante e sim me sentir bem, se é
que isso era possível.
Aquele momento parecia surreal, pois eu não tinha nada do
que precisava para ser a noiva, para aquele noivo, para aquela
família.
Para começar, eu não tinha família.
Foi muito bom ver as minhas vizinhas antes do casamento,
saber que estavam bem e que estavam tranquilas por me ver.
Elas eram o mais próximo que eu tinha do meu passado, mas
ainda assim não eram como um pai, uma mãe, um irmão, como
alguém de parentesco mais distante.
Minha mãe nunca apareceria no meu casamento. Ela me
odiava tanto que fazia mais de uma década que não falava comigo e
eu não me importava com a ausência dela.
Por que gostaria de ver alguém que adorava me deixar triste
no dia mais feliz da minha vida?
Ela nem estaria feliz por mim.
O meu pai estava morto, assim como meus avós e eu nunca
tive irmãos.
Eu nem tinha quem me levasse ao altar, entraria sozinha com
o buquê de flores e a coragem.
Eu me perguntava por que aceitei.
Por que não rejeitei?
O fato de que era a pessoa errada, o pedido de casamento...
Talvez Héctor se desse conta da nossa diferença ali, diante do
padre.
Vi o reflexo da mãe de Serena me observando escorada na
porta, com um pequeno sorriso.
Sorri de volta.
— Achei que estava na igreja.
— Fiquei para te esperar. Te fazer companhia. — Ela se
afastou da porta e andou pelo quarto suspirando, enquanto olhava o
meu vestido. — Você ficou linda.
— Obrigada. — Eu a encarei de frente.
Ela era um pouco mais baixa que eu e usava um vestido azul-
marinho, justo, marcando a cintura fina.
— Estou feliz por vocês e pelo Alejandro ter aceitado esse
casamento. Eu cheguei a sonhar que aconteceria o mesmo comigo,
mas naquela época era impossível.
Vi uma tristeza no seu olhar.
Eu demorei para entender que estávamos em lugares
parecidos, apenas em épocas diferentes e a tristeza nela por contar
aquilo me fez deduzir que ela o amava muito.
— Às vezes concordo com eles. Será que sou mesmo a
pessoa certa para isso? Eu não tenho nada a oferecer, Marcella.
— Foi o que tentei dizer a mim mesma várias vezes para me
conformar. A nossa diferença é, Caterina, que eu nunca consegui
chegar perto dessa família, enquanto você conseguiu fazer parte
dela, antes mesmo de estar com ele. Eles gostam de você, senão as
coisas seriam muito diferentes. — Ela segurou as minhas mãos. — E
ele fez o que o meu Frederico não fez. Lutou até o fim. Espero que
você seja feliz como eu poderia ter sido com o homem que eu
amava.
— Eu também espero — sussurrei.
Marcella me acompanhou no carro até a igreja e foi mais do
que uma companhia, acho que era a pessoa que mais me entendia
naquele momento.
Eu estava prestes a enfrentar tubarões para me casar com o
homem que jurei odiar para o resto da vida e que sentia totalmente
o contrário.
Era por ele que eu estava ali, por nada mais do que isso.
Estava tão nervosa que nem olhei para os lados, não tinha
curiosidade de ver quem estava na frente da igreja, só encarava
minhas mãos e o buquê de rosas vermelhas nelas, buscando
coragem para sair dali e entrar naquele lugar de cabeça erguida.
Quando abri a porta do carro, em frente ao tapete vermelho,
vi um par de sapatos sociais masculinos.
Olhei para cima e tomei um leve susto ao ver o noivo me
esperando fora da igreja.
Mas, porra, ele estava lindo!
O cinza lhe caiu tão bem quanto o preto.
Héctor me olhava sem dizer uma palavra, também não
piscava os olhos, apenas passava o olhar por todo o meu corpo,
como se estivesse tentando guardar a minha imagem em sua mente
com o máximo de detalhes possível.
— O que você faz aqui? — Saí do carro e fiquei de pé na
frente dele. — Não deveria estar dentro da igreja?
E se o meu medo dele mudar de ideia após entrar na igreja
tivesse se tornado realidade?
— Puta merda, você está perfeita, Caterina!
A voz profunda junto aos palavrões me deixou fraquinha e
aliviada.
Ele parecia chocado e balançava a cabeça, enquanto os olhos
passavam pelo meu decote, o buquê nas minhas mãos e o meu
rosto.
— Achei que as minhas expectativas eram altas, mas você
conseguiu superá-las.
Sorri.
Quando Héctor falava essas coisas, me olhando feito alguém
que tinha acabado de descobrir um segredo avassalador, eu queria
rir.
— O que faz aqui?
Ele entregou o braço.
— Vim te buscar para entrar na igreja, ora!
Aquela ideia era perfeita, mas bem fora dos padrões.
— Não vão achar estranho? — Passei o braço pelo dele e
segurei firme o buquê.
— O noivo ao lado da noiva? Eu acho que não tem nada de
errado.
As palavras dele me fizeram sorrir.
Aquilo era tudo que eu precisava para entrar confiante de que
estava fazendo a coisa certa.
Caminhamos juntos para dentro da igreja repleta de pessoas
que desconhecia e que com certeza buscavam entender o que eu
fazia com alguém tão poderoso.
Quem era aquela moça que surgiu do nada e conseguiu se
casar com o filho mais velho de um dos homens mais poderosos da
Calábria?
Sabia que aquele momento seria breve, depois, quando eu
saísse dali, não seria mais ninguém, eu não seria mais a moça que
se refugiou entre eles, que teve que pagar pelos erros do pai, quase
foi vendida, quase estuprada. Aquilo fazia parte do meu passado,
pois, no presente, eu seria a esposa de Héctor Barone, uma senhora
Barone e era isso que importava, porque o passado não ditaria mais
o futuro.
Quando chegamos ao altar, rodeados das pessoas mais
próximas que se sentaram ali na frente, nossos padrinhos, Héctor e
eu nos ajoelhamos e o padre iniciou a cerimônia.
Eu me perguntava se já amava Héctor, se ainda carregava
aquela mágoa, se o que estava fazendo era movida a paixão, mas a
resposta já havia sido dada há muito tempo, eu só não fui capaz de
entender.
Quando sofri vendo-o sendo castigado, me desesperei com
medo de perdê-lo, gritei indignada por estarem fazendo mal a ele,
era muito mais do que meu senso de justiça, mais do que me sentir
culpada por aquilo estar acontecendo. Eu não queria que ele
sofresse, porque já era alguém importante para mim.
E o amor não é isso?
Querer tanto o bem de alguém a ponto de sofrer se ele
estiver sofrendo e ser feliz quando ele também estiver feliz?
— Héctor e Caterina, é de livre espontânea vontade que
vieram firmar este casamento?
— Sim — respondemos juntos.
Mesmo não podendo superar a segurança de Héctor, eu sabia
que o meu sim foi sincero.
— Agora repitam comigo. — O padre se virou para Héctor e
começou a dizer as palavras, enquanto eu as ouvia sendo repetidas
com a maior confiança e a obsessão que Héctor poderia demonstrar
em seu tom de voz e pelo olhar.
— Eu, Héctor, Recebo-te Caterina por minha esposa, e
prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida — ele falou com
muita ênfase todos os dias da nossa vida.
Héctor teria que permanecer vivo, porque a minha confiança
era que com ele eu nunca mais ficasse sozinha.
Eu também fiz os meus votos, repetindo as mesmas palavras
e depois trocamos as alianças.
Eu tinha adorado o anel de noivado, que era a versão
caríssima e mais brilhante do anel que recebi do meu primeiro
namorado, mas o simples anel de casamento era perfeito apenas
pelo que simbolizava.
De frente para ele e o padre, parecia que apenas existíamos
nós três naquela imensa catedral, cheia de anjos e pessoas.
Eu não me importava com elas, o meu momento era com
Héctor e o padre, firmando o nosso compromisso.
Isso me fazia me sentir mais tranquila.
Pensar que não existia perigo, medo, pressão, ou rejeição,
tornava o momento único e maravilhoso.
Apenas quando as últimas palavras do padre foram ditas,
voltei a respirar.
— Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
— Finalmente, meu amor. — Héctor me puxou pela cintura
me dando um de seus beijos que eu tanto adorava.
Olhei para aquela multidão e me dei conta de que estávamos
firmando nosso relacionamento na frente de muitas testemunhas.
Héctor segurou a minha mão e saímos do altar como marido
e mulher.
HÉCTOR BARONE
Meu pai decidiu me nomear o chefe dos negócios da família
depois de tanto tempo.
Parecia que o casamento o fez se decidir mesmo.
Bastou voltar para casa com Caterina, que ele marcou a
reunião com sócios da família.
Era importante que todos concordassem, pois a união e apoio
fortaleciam o nosso poder. O líder precisava ser respeitado e ao
concordar com a nomeação do novo chefe, todos mostravam que
me respeitariam.
Na vez do meu pai foi muito mais fácil. Na minha, para
assegurar que ninguém nos trairia, ele fez com que todos antes de
mim, jurassem lealdade ao novo chefe da família.
Quem estava ali, era consciente de que aceitava a decisão do
meu pai.
Quando os boatos da doença do Don Barone começaram a se
espalhar, eu me tornei alvo de muitas especulações e admito que na
época dei muitos motivos para que não me quisessem no lugar do
meu pai.
Era comum que o filho mais velho fosse sucessor, mas se esse
não fosse capaz, passaria para o próximo e para o próximo
consequentemente, e se nenhum fosse, alguém mais respeitado
entre os negócios da família e os sócios, se tornariam o novo líder.
Por isso, passei meses evitando problemas, buscando limpar a minha
imagem.
Eu não deixaria que ninguém que não fosse Barone tomasse
o poder dos negócios da família.
Só mudei de ideia quando meu pai rejeitou a minha decisão
sobre o casamento e sumiu com a mulher que eu amava.
Rico e os meus irmãos também estavam presentes na
cerimônia realizada em um salão espaçoso e privado da cidade.
Meu pai alegou que o ato de ter me entregado para Damiano
e tentado me aliar a ele quando Caterina foi levada, foi digno de um
chefe e que todos deveriam reconhecer.
Eles foram ao meu casamento e viram que não era nada
arranjado.
Eu não era mais aquele homem tão insensível.
Eu precisava admitir.
Mas também não havia me tornado um molenga que deixaria
qualquer coisa passar.
Eu só precisava estar no poder e faria o possível para
controlar tudo a punhos de ferro.
Acompanhado de Edoardo e outros dois homens que estavam
há muito tempo nos negócios da família, andei até meu pai.
— Héctor, você sabe que essa família é muito mais do que os
boatos dizem. Que protegemos os fracos e punimos os poderosos
que tentam contra eles, não sabe?
Quem mais punia era eu, então era óbvio que sabia.
Os fracos apenas não entendiam e não sabiam nos agradecer.
— Sim, eu sei.
Ele segurou a minha mão e furou o meu dedo, pingando o
sangue que saiu dele em cima de uma Nossa Senhora do Pileiro de
madeira, que depois foi entregue em minhas mãos. Meu pai ateou
fogo nela e eu só precisava segurá-la até que a chama se apagasse.
Não era algo agradável, mas eu não fraquejaria.
Eu me lembrei da minha esposa tão tolerante àquilo, que eu
passaria pela iniciação sem sofrimento algum.
Eu era o homem dela e precisava ser tão forte quanto ela
para protegê-la, para passar segurança e confiança.
— Jure, Héctor — o Don ordenou.
Olhando para a chama, eu fiz o juramento.
— Juro ser fiel à família e que a minha carne queime como
essa santa se eu falhar em manter o meu juramento.
A santa era pequena e as chamas já estavam rodeando a
minha mão, até que em certo ponto, quando a minha pele começou
a arder, ela diminuiu, reduzindo até uma pequena brasa ficar acesa
na metade da escultura.
Olhei para o meu pai e ele balançou a cabeça. Deixei a santa
na bandeja de onde ele havia tirado e depois que retirou o anel do
pai dele de seu dedo, colocou no meu indicador.
— Que o seu legado seja maior do que o meu, filho.
Assenti e enchi meu peito antes de me virar para os outros.
A responsabilidade era grande demais, eu sabia que viveria
muitos desafios, mas não tinha medo.
Finalmente, havia chegado aonde eu queria.
CAPÍTULO 58
HÉCTOR BARONE
Dois meses se passaram e senti o peso de ser um líder,
tanto em casa quanto no trabalho. Só não era mais cansativo porque
quando deitava a cabeça no travesseiro, ao meu lado tinha a mulher
que eu mais amava.
Eu sempre tirava um tempo pra ficar com ela.
Rico era o meu braço direito, meu conselheiro e às vezes ele
fazia muita coisa por mim. Era quem eu mais confiava dentre todos
que estavam envolvidos nos negócios da família.
Meus irmãos também, mas eles estavam focados em outras
coisas. O Damon mesmo, estava completamente perdido na vida.
Eu estava de saída, me despedindo da minha esposa, quando
ouvi a voz dele exaltada ao lado da casa.
Caterina e eu demos a volta para ver o que estava
acontecendo e o encontramos debatendo com Chiara.
— Eu já disse que eu não me importo com a sua opinião.
Você teve a sua chance e nunca me levou a sério, Damon, então
precisa entender que encontrei alguém que me dá valor. Eu deveria
ter feito isso antes.
A temida e esperada conversa...
Ouvi boatos na casa que Chiara havia conhecido um homem
bem qualificado para ela e teria um encontro naquele dia, se não me
enganava.
Meu irmão estava perdendo-a.
Depois de tantos conselhos que dei, parece que só quando
isso aconteceu ele enxergou a situação.
Ele estava perdendo a mulher por pura falta de
responsabilidade.
— Como você quer dizer que isso não me importa, Chiara?
Depois de tanto tempo você quer dizer que eu não fiz nada?
— Você fez muita coisa, mas foi tudo menos me dar valor,
Damon.
— Quer dizer que eu nunca te pedi em casamento? Porque eu
pedi, mas você disse não.
— Você fez brincando como sempre!
Dava para ver que Chiara estava fria, esnobe.
— Você brinca com tudo, mas quando foi para ficar noivo de
outra, levou a sério. Não precisa se explicar porque eu sei que não
estou à sua altura. Acredite, o homem com quem sairei hoje acha
que estou sim à altura dele.
— Eu não falei brincando. Foi sério!
— Quando você fala sério, Damon? Talvez agora, apenas
agora. Você nunca me olhou como um futuro, sempre como a garota
com quem você poderia brincar enquanto não encontrava alguém e
até mesmo quando estava noivo, continuou brincando comigo. Eu
estou farta, sabia?
Ouvimos alguém limpando a garganta e olhamos para o lado.
Eu adorava um problema e estar no meio era bom, assim
como assistir.
Henrico acabava de chegar e pela cara dele, havia ouvido o
principal da conversa.
Serena olhou para nós cobrindo a boca e com olhos
arregalados.
Caterina também parecia estar bem surpresa.
Não era possível que elas não imaginassem.
— Mas que conversa é essa, Chiara? Como assim você e
Damon estavam “brincando”? — Rico fez aspas no ar. — Eu disse
para você ficar distante da minha irmã, Damon.
— Isso não tem nada a ver com você, Henrico. Aliás, tem sim,
porque eu só não tenho algo sério com você por causa do seu irmão
— ele falou para a Chiara. — O seu irmão parece que vai me matar
toda vez que falo da possibilidade de você e eu ficarmos juntos.
— Porque você sempre fala zombando, Damon. — Henrico
acertou um tapa na nuca dele e Damon reagiu com um soco na cara
do meu amigo.
As coisas estavam indo ao extremo e eu, mesmo curioso para
ver quem poderia ganhar aquela briga, entrei no meio antes que
tudo se intensificasse.
— Acho que vocês podem resolver isso conversando, certo?
Como gente civilizada.
Henrico estava com um olhar mortal e Damon também não
parecia tranquilo.
— Eu disse, porra! Eu disse que queria me casar com ela,
mas você ignorou!
— Quem acredita nas suas palavras, Damon? Você zomba de
tudo. Eu nunca imaginei que você olhasse para a minha irmã com
respeito e depois de ouvir essa conversa, tenho certeza que não
olhava e não fazia nada com respeito. Com ela... Não. Não me diga.
— Ele olhou para a irmã, bufando. — Eu espero que você tenha juízo
suficiente para não ter se entregado para Damon.
Chiara não conseguia falar, ela estava paralisada e apenas os
olhos brilhavam como alguém que estava prestes a chorar.
Serena interveio, falando com o marido.
— Acho que podemos conversar com mais calma. Você está
deixando sua irmã nervosa, Henrico. Tenho algo pra te contar. Algo
importante.
— Agora não, Serena. Agora o mais importante é saber como
era a safadeza desses dois, que aconteciam debaixo do meu nariz e
eu não percebi!
— Só você não percebeu, meu amigo — lamentei. — Porque
eu sempre vi.
— Héctor, você vai me ajudar ou não? — Damon reclamou.
— Eu só estou dizendo que sempre ficou nítido que vocês
tinham alguma coisa.
— Henrico, tem algo mais importante do que isso sim! —
Serena arrastou o marido. — Escuta, olha para mim. — Ela segurou
o rosto dele. — Eu acabei de descobrir que estou grávida.
Ok, ela conseguiu a atenção do homem e de todos nós.
Olhei diretamente para a barriga dela, que não tinha sinal
nenhum de que carregava algo além de órgãos.
— Grávida? — Henrico repetiu com o olhar preso na esposa.
— Sim. Sim. Eu estou grávida. — Ela colocou a mão dele na
barriga dela. — Eu acabei de descobrir e ia te contar se você não
tivesse vindo correndo para cá. Vamos ter uma criança. — Sorriu.
Nisso, Chiara já estava fugindo, aproveitando a distração do
irmão e empurrei Damon para que fizesse o mesmo.
Meu irmão saiu por outro lado, bufando de raiva.
Eu só esperava que ele não tentasse continuar a discussão,
porque o Henrico poderia matá-lo.
— Como decidiu fazer o teste? Você anda se sentindo mal? —
Henrico estava demorando para acreditar na novidade. — Eu não
percebi.
Ele focou completamente na esposa e na gravidez, então
Caterina e eu, que não tínhamos mais nada o que fazer ali, voltamos
para a saída da casa.
Caterina estava piscando os olhos em choque.
— Damon e Chiara. Eu nunca imaginei.
— Vai dizer que vocês nunca desconfiaram? Vivem grudadas e
ela nunca contou?
— Não. Você sabia e não me contou? — O olhar feroz dela
me alcançou.
— Achei que você sabia, por isso não contei. Mas você não
precisa pensar nisso. Olha lá a Serena, grávida, quem diria. Um dia
cheio de emoções.
Ela amenizou as feições e suspirou.
— E o dia mal começou. — Olhei no relógio. — Estou saindo e
nem imagino as novidades que vou ouvir quando voltar.
— Eu tenho uma.
Segurei seu rosto e a beijei sorrindo.
— Tem? E, por que antes não parecia?
— Estou me sentindo encorajada. — Ela colocou a mão no
decote do vestido e tirou de dentro dele um teste de gravidez.
Eu não sabia se ria ou ficava como o meu amigo ao ouvir a
conversa de Serena.
Peguei o teste da mão dela e dei uma olhada.
Mais fácil de entender impossível, estava escrito positivo.
— Você também está grávida? — Olhei para ela.
Talvez eu tivesse soado um pouco desconfiado, mas era uma
notícia chocante e eu não sabia lidar.
Duas grávidas de uma vez!
Eu não esperava ser pai tão rápido.
— Estou. — Ela deu um pulinho. — Comece a preparar o
psicológico para cuidar de um filho, porque preciso que ele tenha um
bom pai.
— Porra! — Eu a agarrei e beijei seu pescoço. — Grávida,
meu amor! Que notícia ótima!
Na nossa família, crianças sempre eram bem-vindas. Gravidez
nunca era indesejada, por mais que não fosse planejada. Casar e ter
filhos eram o ideal dos meus pais e avós para os seus filhos e netos.
Caterina me dava tudo o que eu queria e tudo que eu
precisava.
Eu teria um filho com a mulher que eu amava, e se isso não
fosse a maior sorte do mundo, eu não sabia o que era.
Eu a tirei do chão e beijei a boca dela.
— Que bom que você está feliz, porque estou muito ansiosa.
— Ela passou os braços pelo meu pescoço.
— Mas é claro que estou feliz! Um filho! Imagina, Caterina, a
família linda que vamos construir juntos.
O sorriso dela me deixava completamente apaixonado.
O rosto iluminado, tão perfeito, era tudo para mim.
Ela me amava do jeito que eu era e estava feliz nos meus
braços.
— Eu quero que você conte para o seu pai enquanto contarei
para o resto. — Ela saiu dos meus braços e dançou até a porta da
entrada da casa.
Meu Deus, quando pensei que estaria sorrindo bobo para
uma mulher, ainda mais uma que me deixou furioso quando a
encontrei com a pulseira da minha mãe?
Mas, no fundo, sempre soube...
Naquele momento em que joguei o corpo junto a ela no rio,
soube que aquela era a mulher perfeita para mim.
E eu a tinha.
Caterina era minha mulher.
EPÍLOGO
HÉCTOR BARONE
1 ano depois...
Toda a família se reuniu para batizar os dois novos
membros. O meu Vittorio e o Stefano do Henrico. Éramos padrinhos
do filho um do outro, por isso, enquanto Caterina segurava Stefano,
Serena segurava o Vittorio.
Os dois nasceram com pouco tempo de diferença e
disputavam quem chorava mais alto na casa.
Eles seriam melhores amigos como Henrico e eu éramos.
O mesmo padre que realizou nossos casamentos, fez o
batismo deles. E ainda os apresentamos a todos que apareceram
para assistir à cerimônia.
Meus pais nunca estiveram tão felizes e satisfeitos. Eles já
queriam mais netos e paparicavam as crianças o dia inteiro. Às
vezes, via as mães enciumadas, por não passarem muito tempo com
eles.
Quando eu estava em casa, ficava com o meu filho,
conversando sobre o futuro, afinal ele era o meu legado e queria
que fosse um homem forte e corajoso, assim como eu era.
Mas eu ensinaria algo que o meu pai não tinha me ensinado,
o quanto as mulheres eram importantes nas nossas vidas.
Quando peguei o meu filho de volta no colo, fomos para fora
da igreja.
— Agora já podemos encontrar uma futura esposa para você,
Vittorio — comentei com ele e Caterina riu ao meu lado.
— Não brinque com isso, Héctor. Você sabe o que aconteceu
na sua vez de encontrar uma esposa.
— Ele não vai levar a sério, não é, meu pequeno? — Eu o
encarei.
O cabelo dele era igual ao meu e da Caterina, escuro e liso,
os olhos eram bem pretos, tinha um olhar penetrante como o meu e
era muito esperto.
Ramona dizia que ele estava julgando.
Aliás, ela adorava crianças.
A minha irmã encalhada tinha jeito para isso, Ramona nasceu
para ser tia e quando eu brincava que ela seria isso pelo resto da
vida, ficava furiosa.
Ela compreendia que eu estava dizendo que ela não iria se
casar, mas eu só queria dizer que seria a tia favorita das crianças.
— Uma grande injustiça não me deixar ser madrinha. —
Ramona passou por nós e me olhou torto.
Tinha muito espaço para ser madrinha.
— Você seria madrinha com quem, Ramona? — zombei antes
de entrar no carro para ir embora.
— Eu vou encontrar um marido, Héctor. Guarde essa
promessa. E como você escolheu a sua mulher, serei eu a escolher o
meu.
Gargalhei e pude ter soado maléfico porque até o meu filho
estranhou.
— Eu vou deixar você sonhar, Ramona.
Entramos no nosso carro e voltamos para casa.
Dali há poucos dias o Henrico se mudaria. Depois de saber
que seria pai, meu amigo começou a planejar comprar uma casa,
mas como demorava um tempo para aprontar tudo, ele levou a
gravidez inteira para deixar o lugar perfeito. Ficaria apenas após o
batismo e depois se mudaria para a sua nova mansão.
Eu continuaria morando com os meus pais, nada mais justo já
que era o primogênito.
Damon também se mudaria, ele se casou e sua esposa estava
com a barriga cada vez maior, seria pai de gêmeos.
Eu não queria gêmeos disputando o choro do meu filho
naquela casa.
Seria duas vezes pior do que já era.
Roman finalmente tinha conseguido o que queria, se casar
com Vittoria, e da mesma maneira que Henrico, estava preparando
um novo lar, mas antes estava passando pelo processo de desapegar
da boate.
Sua esposa era brava e odiava a ideia de vê-lo em um lugar
cheio de mulheres todas as noites. Ela sabia o tipo com quem
decidiu se casar e foram eles que se escolheram.
Só a Ramona, coitada, que não tinha sorte de encontrar
ninguém.
Eu precisava encontrar um marido para minha irmã caçula,
alguém que estivesse à altura de uma princesa, que tratasse tão
bem quanto eu e meus irmãos tratávamos nossas mulheres. Seria
difícil, porque nem todos tiveram a mesma criação que nós, mas não
seria impossível.
O fato é que estávamos todos felizes, a nossa família estava
crescendo e eu tinha que admitir que ter alguém para amar me fazia
sentir mais realizado do que ter tanto poder sendo um novo chefe
dos negócios da família.
Caterina completou a parte que eu não sabia que faltava em
mim e ficaríamos juntos até o fim da vida. Ela era a minha primeira-
dama.
FIM.
— Ainda não! Espera — Caterina pediu. — Héctor, por que
você estava usando uma balaclava naquela noite?
— Porque eu era um jovem delinquente em uma cidade
governada por outras pessoas que não eram da minha família. As
pessoas usam isso quando não querem ser reconhecidas, meu amor.
— Eu deveria ter usado uma naquela noite.
Eles riram e até o pequeno no colo, sem entender nada,
soltou uma risada fofa.
— Não siga nossos exemplos, Vittorio. Pelo menos não siga os
exemplos ruins.
BÔNUS
HENRICO MILANO
— Vocês vão por ali. — Aponto para a direita, em frente à
bela casa de campo amarela e depois olho para os outros atiradores.
— E vocês para o lado contrário. Lembrem-se, quero o Cesare vivo.
Eu mesmo irei acabar com a sua vida.
Os homens seguem as minhas instruções e aguardo que o
lugar esteja limpo para entrar, dentro do carro.
É início da noite em Vibo Valentia[5] e a vizinhança fica a
muitos metros de distância. Não há ninguém para atrapalhar o
cumprimento da nossa missão.
Ligar para o futuro Don parece uma boa ideia enquanto
espero, por isso faço isso e ele atende sem muita demora.
— Henrico?
— Oi, Héctor. Já estamos invadindo a casa onde Cesare se
esconde. É certo que, desta vez, pegaremos o traidor.
Pensar nessa possibilidade me deixa com a adrenalina
correndo nas veias.
— Ótimo. Lembre-se de apagar qualquer rastro da droga que
ele criou. Nem ele, nem ninguém vai vender isso no nosso território.
— Impossível esquecer.
É o meu segundo maior objetivo na missão.
— Me ligue no final.
— Certo. — Finalizo a ligação.
Um dos meus soldados aparece na porta da casa e acena
para que eu entre.
Saio do carro com uma arma no quadril, escondida pelo
sobretudo, enquanto a sede de vingança faz meu coração bater mais
forte.
Cesare é o tipo de homem que mais odeio e ter o incentivo
para matá-lo é um presente que nunca saberei como agradecer ao
meu padrinho.
— Onde ele está?
— Não o encontramos em cômodo algum. Os guardas dele
também não.
A resposta me deixa instantaneamente desapontado.
— Não vamos sair daqui sem ele. Procurem melhor. Ao redor
da casa, em cima dela, em todos os lugares. — Não entro no imóvel,
tiro a arma do quadril e deixo a bala no gatilho, indo para o jardim.
A propriedade é rodeada de arbustos, árvores e plantas. Não
chegamos discretamente, mas não fomos recebidos a tiros.
Eles podem mais uma vez ter tentado o caminho mais
covarde: a fuga.
Observo meus soldados que estão pela propriedade,
enquanto outros estão bem distantes. Entre as plantas enormes em
vasos de cerâmica, perto da parede da garagem, encontro uma
mulher distraída na montagem do que parece ser um buquê.
Como agimos silenciosamente, ela não nos viu nem ouviu a
nossa invasão. Faz sentido.
Ela não parece se esconder propositalmente.
Agarro seu braço, viro-a de frente para mim, empurro seu
corpo contra a parede e coloco o cano da minha arma abaixo do seu
queixo. Seus olhos se arregalam diante de mim. A luz ao redor da
casa me permite ver um azul perdido no branco do pavor que ela
expressa.
Encontramos alguém e não deixarei quem quer que seja livre
antes de pegar o meu alvo.
— Você vem comigo.
— Quem é você? — ela pergunta com a voz falha, os lábios
carnudos mal se encostando e as mãos levantadas.
— Quem sou? Seu pior pesadelo.
Ela não deve ser uma funcionária pelo ouro das joias que
carrega, inclusive usa uma aliança no dedo anelar esquerdo, além da
delicadeza.
Não tenho medo de chutar que é a famosa esposa que
Cesare esconde. E, pelo visto, até mesmo na casa deles, ela fica
escondida.
Deixou a esposa para trás, grande covarde mesmo.
Parece ser tão indefesa, frágil, que me deixa com raiva.
Mulheres assim sofrem nas mãos de homens como Cesare e
como o meu pai.
Não pretendo machucá-la, mas pretendo usá-la como isca
para atrair e matar o grande amor da sua vida.
No fim, posso estar apenas fazendo um favor a ela.
Observo que ela está pálida, parece até que parou de respirar.
Droga!
Uma mulher tão bonita metida em um problema desse...
— Vo-você pegou a mulher errada — ela fala com pouco
fôlego, enquanto posso ver o medo estampado em seus olhos.
— Acho que peguei a certa. — Não contenho o sorriso sádico.
Sempre consigo tirar alguma coisa de Cesare, mesmo que
não seja a sua vida. Pouco a pouco, diminuí o poder dele. Ele foge e
tenta se recuperar, mas lá estou eu novamente arrancando mais um
pouco.
Acho que sentirei falta dessa caçada depois de finalmente
acabar com a sua vida, algo que me estressa, mas me diverte
também.
— Chefe — um soldado chama. — Ele realmente fugiu.
Figlio di puttana[6]!
— Você vem comigo.
— Como? — Ela me encara de olhos arregalados.
— Você. Vem. Comigo — repito alto e claro enquanto aceno
para os soldados.
SERENA RUSSO
Que sorte...
Digo, que azar.
Isso nunca aconteceu comigo.
Onde estão os homens que vivem me seguindo quando saio
sem o Cesare?
Não acredito que desta vez ele me deixou sozinha. Eu poderia
ter fugido e não ter sido sequestrada.
Por que tenho certeza que isso está acontecendo por culpa do
meu marido?
Esse homem apareceu do nada e resolveu que iria me levar,
que seria o meu pior pesadelo!
Spoiler para ele: Eu já vivo o meu pior pesadelo.
Agora estou sendo arrastada rudemente, com uma arma
encostada na minha cintura e não há uma alma para gritar e vir me
ajudar.
— Não precisa me levar, sou uma pedra no sapato. Meu
marido sempre diz isso. Você não vai me aguentar por uma hora...
— Tento convencer o homem que anda na frente e aponta para o
carro. — É o meu sotaque. Você não vai me aguentar falando o
tempo todo. Meu marido sempre diz que meu sotaque é
insuportável. Imagina você ter que me ouvir?
— Não vou precisar de você por muito tempo.
A frieza como ele fala desperta um frio na minha barriga.
O que ele fará quando não precisar mais de mim?
Eu sobrevivi até agora. Preciso continuar. Sei que um dia serei
livre. Quero ser uma mulher livre e viva.
— Você está me ouvindo?
— Infelizmente — ele diz. — Mas não ligo para o que vai
falar.
Que homem frio!
— Ok. Depois não vem dizer que não avisei. — Estou
tremendo.
Desnecessário me pegar, se o problema é o Cesare.
— Tira o casaco.
— Mas está frio. — Eu me abraço.
Ele olha para os dois homens que me escoltaram até aqui.
— Tirem o casaco dela.
Antes mesmo que possa protestar, os homens arrastam o
casaco do meu corpo e o vento frio faz um arrepio descer por minha
espinha. A roupa de baixo que uso não é mais do que uma camiseta
fina. Cubro os seios enquanto tremo de frio e medo diante do meu
carrasco.
— Revistem a roupa e ela — ordena com a voz grave e
levemente rouca.
Eles fazem o que foi ordenado, revistam o casaco e entregam
as coisas que estavam nos bolsos nas mãos do sequestrador: meu
celular e fones de ouvido, também me tocam em todas as partes,
até mesmo nas que não tem chance de encontrar alguma coisa.
Quero dizer que estou me sentindo um objeto pela primeira
vez, mas o Cesare me faz sentir sempre assim.
Um dos homens olha para ele e balança a cabeça em
negação.
Os olhos azuis do sequestrador encontram os meus.
— Tola. Você não anda armada. — Dá um passo para perto
de mim.
— Não — sussurro. — Estou morrendo de frio. Me devolve o
casaco, por favor — imploro com os pelos eriçados e um leve tremor
no corpo inteiro.
Ele arrasta o casaco das mãos do homem e empurra contra o
meu peito.
Quando Cesare souber que fui pega, com certeza vai querer
me estrangular e me xingar com todos os palavrões que conhece.
Por que esse homem não procurou logo o Cesare e veio atrás
de mim?
Será que ele ainda não sabe que o Cesare é a verdadeira
pessoa perigosa?
É muito problema para uma pobre camponesa.
Minha tremedeira dificulta colocar o casaco de volta.
— Quando meu marido notar a minha ausência...
— O seu marido fugiu. — Ele abre a porta do carro para mim.
— Entre.
Cesare fugiu?
Alguém me empurra para dentro do carro e não consigo
assimilar os problemas.
— Para onde vai me levar?
— Não se preocupe. Em breve, verá o seu marido pela última
vez. Ele deve vir atrás de você, certo?
Então esse é o plano dele!
Me usar como isca para pegar o Cesare.
O homem frio, cujo nome ainda não sei, fica sentado do meu
lado, no carro. Outro dirige e a minha chance de voltar para casa
hoje desaparece.
Viajamos até um hotel. O motorista para o carro bem na
entrada e meu sequestrador sai, me esperando do lado de fora.
Que ele não seja sadomasoquista, pai.
Que ele não tente me estuprar.
Que ele não me deixe com fome.
Que ele não me mate.
— Não tenho a noite toda. — Meu sequestrador interrompe
meus pensamentos.
Saio e ele faz questão de mostrar a arma que carrega no cós
da calça.
— Se gritar...
— Sei o que não devo fazer.
Não é como se fosse a primeira vez que sou ameaçada.
Sigo o homem e entramos no lugar.
As pessoas se curvam para ele e entregam uma chave antes
mesmo de alguém pedir, então vamos para o elevador em silêncio.
Eu já entendi que ele não é qualquer pessoa e talvez seja pior
que o meu marido.
O que ele pretende fazer comigo, quando não precisar de
mim?
Faz tempo que não preciso traçar um plano para sobreviver,
pois o meu plano vinha dando certo até então, no entanto, este é
um bom momento para se pensar em um novo.
Poderia tentar fugir, mas não estou louca de fazer isso agora.
Vivi o suficiente com alguém que me oferecia perigo e sei a
hora certa de ficar quieta.
O homem parece ser mais alto dentro do elevador e cheira a
um perfume muito bom no lugar fechado. Um dos poucos com o
cabelo cortado muito baixo que fica bem com esse corte. Ele não diz
nada, não olha para os lados, parece ser um boneco desligado, de
frente para a porta.
Eles são assim, os homens da máfia, só demonstram seus
sentimentos entre a família e às vezes nem são sentimentos bons,
mas quando estão diante de seus inimigos são insensíveis, cruéis,
verdadeiras máquinas de vingança.
As portas se abrem e ele verifica a chave do quarto, então o
sigo, calada.
Entramos no cômodo que é enorme e luxuoso, com uma
cama somente e iluminação no mínimo dolorosa aos meus olhos.
— Anda. — Ele me apressa e me afasto da porta, que é
trancada em seguida e a chave guardada no bolso da calça. Do
outro bolso, ele tira o meu celular e vira o aparelho para mim. —
Desbloqueie.
O que ele pretende fazer com o meu celular?
Espero que o seu plano de pegar o meu marido dê certo,
porque se Cesare colocar as mãos em mim, depois de tudo isso, a
morta serei eu.
Coloco a senha mesmo tremendo e ele fica com livre acesso
no aparelho.
Respiro fundo buscando relaxar, inclusive ouso me sentar na
cama enquanto ouço o som da chamada no viva-voz.
Ele realmente está ligando para o Cesare.
Segundos depois, o som da chamada some.
Ele atendeu.
— Serena?! Onde, você se meteu?!
Isso basta para o arrepio na espinha ser mais forte do que o
vento me causou anteriormente.
O homem encosta o telefone em mim e acena para que eu
responda.
Fecho os olhos e respiro fundo.
— Fui pega. Alguém me pegou. — Eu não posso mentir.
Não adianta mentir se sei que o homem ao meu lado
derrubará qualquer coisa que eu invente, quando começar a falar
com o meu marido.
— O QUÊ, SERENA?! COMO ASSIM FOI PEGA? NÃO SE
ESCONDEU? — grita tão forte, que estremeço e permaneço com os
olhos fechados.
Neste momento, não gostaria de voltar para casa.
Ele está tão furioso que vai me espancar.
— Ela está comigo — o homem diz.
— E quem é você, homem morto?
Cesare não é de economizar ameaças.
— Agora me dei conta de que nunca trocamos nenhuma
palavra por telefone! Henrico Milano te lembra alguma coisa?
É ele?
Ouvi Cesare falando que esse homem da família Barone anda
o caçando em todos os cantos e não imaginei que acabaria em suas
mãos.
— Será que ainda não entendeu que não vai conseguir me
vencer?
— O círculo está se fechando, Cesare, e estou com a sua
esposa. Quanto você a ama? — Henrico coloca seus dedos debaixo
do meu queixo e ergue o meu rosto.
Cesare deve me salvar ou se salvar?
Será que ele se colocaria em risco por mim?
— Acha mesmo que está em vantagem? Vou descobrir onde
você está. Sei que não está longe. O círculo está se fechando pra
você. Cansei dessa perseguição e não serei fantoche da família
Barone como meus pais são. Pode aproveitar seus últimos minutos
de vida.
— Estou esperando, Cesare Russo. E sobre aproveitar os
meus últimos momentos de vida, não me dê ideias, pois estou com
a sua esposa.
Ele não vai fazer isso.
Meus olhos se alagam enquanto encaro o homem à minha
frente.
Serei quebrada mais uma vez.
— Passa para a minha esposa. Agora!
Henrico dá um sorriso sádico, com os olhos fixos no meu
rosto e encosta o celular na minha boca.
— Cesare? — sussurro.
— SERENA, TOLA! NÃO OUSE DEIXAR ESSE HOMEM TE
TOCAR. QUANDO VOCÊ CHEGAR AQUI, VAI APANHAR TANTO QUE
VAI DESEJAR NUNCA TER NASCIDO.
Uma lágrima cai do meu olho esquerdo.
O olhar de Henrico se torna obscuro e ele arremessa o
aparelho contra a parede.
[1]
“A Cruz Sagrada seja a minha luz. Não seja o dragão meu guia...” – trecho da
oração de São Bento, um santo católico que pediu proteção contra o inimigo de
Deus.
[2]
Retira-te, satanás! Nunca me aconselhes coisas vãs. É mau o que tu me
ofereces, bebe tu mesmo do teu próprio veneno.
[3]
Eram guerreiros que competiam em torneios de cavalaria na Idade Média e no
Renascimento. As justas eram combates marciais que envolviam a derrubada do
adversário com um golpe de lança.
[4]
É uma expressão que se refere a uma mulher que busca validação externa,
principalmente masculina. É uma gíria que se tornou popular nas redes sociais,
especialmente no TikTok.
[5]
Cidade da Calábria, Itália.
[6]
Filho da puta.