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HECTOR BARONE - A Obsessão Do Mafioso - Nikole Santos

O documento é uma obra de ficção que narra a história de Héctor Barone, um sucessor de um império que precisa se casar, e Caterina Sánchez, uma florista que se vê em uma situação desesperadora após a morte de seu pai. A trama se desenrola em um ambiente de manipulação e poder, onde Caterina se torna a protegida da família Barone, enquanto Héctor se torna obcecado por ela. O livro é destinado a maiores de 18 anos e pode conter gatilhos.

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HECTOR BARONE - A Obsessão Do Mafioso - Nikole Santos

O documento é uma obra de ficção que narra a história de Héctor Barone, um sucessor de um império que precisa se casar, e Caterina Sánchez, uma florista que se vê em uma situação desesperadora após a morte de seu pai. A trama se desenrola em um ambiente de manipulação e poder, onde Caterina se torna a protegida da família Barone, enquanto Héctor se torna obcecado por ela. O livro é destinado a maiores de 18 anos e pode conter gatilhos.

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REVISÃO: Letícia Tagliatelli

LEITURA BETA: Natália Rocha e Verônica Santos


LEITURA CRÍTICA: Daniele Oliveira
CAPA: Giovana Martins
DIAGRAMAÇÃO: imagens de freepik; freepik.
Essa é uma obra de ficção, onde nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte desta obra, através de quaisquer meios – tangíveis ou
intangíveis – sem o consentimento escrito pela autora. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Revisado de acordo com a Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

COPYRIGHT © 2025 NIKOLE SANTOS


SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
Í
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
Í
EPÍLOGO
SINOPSE
Ele nasceu para suceder o pai...
Ela, uma simples florista, nunca deveria ter cruzado o
caminho dele...
Héctor Barone sempre soube manipular o poder a seu favor,
mas como sucessor de um império, ele precisa provar que é digno
da posição e para isso é necessário que se case para consolidar seu
futuro.
Quando uma mulher misteriosa é acolhida na casa de seus
pais, sua missão se transforma em um jogo perigoso, um que ele
está determinado a vencer a qualquer custo.
Caterina Sánchez era apenas uma florista até que o destino a
destruísse. Após a morte do pai, ela foi forçada a trabalhar em uma
boate para pagar as dívidas que ele deixou.
Porém, quando um homem tenta comprá-la, ela foge e acaba
nos braços da família mais temida de Reggio Calábria.
Agora, ela é a protegida do pai dele.
Para ela, ele é um sádico cruel, pronto para tornar sua vida
um inferno.
Para ele, ela é muito mais do que um capricho.
Ela é sua obsessão e ele não pretende deixá-la escapar.
LIVRO PARA MAIORES DE 18 ANOS
PODE CONTER GATILHOS
CAPÍTULO 1
CATERINA SÁNCHEZ

Como eu gostaria de poder entregar esse bilhete ao senhor


García, mas sabia que um pedido de socorro disfarçado de carta de
demissão feita em um bloco de notas qualquer, onde eu deveria
estar anotando os pedidos naquela noite, não me ajudaria em nada,
muito pelo contrário, apenas tornaria os meus dias piores na boate
Lujuria.
Estava no meu quinto dia pagando os pecados do meu
falecido pai, porque a sua morte misteriosa e suspeita não era
suficiente para que suas dívidas de jogatina feitas ali fossem
perdoadas.
O lugar era, na verdade, um cassino misturado com todo tipo
de serviço sujo que os homens poderosos de Madrid e os
estrangeiros gostavam de fazer no sigilo. E sigilo era a sua maior
promessa depois das garotas mais bonitas do país, dançando,
dispostas a fazer tudo que eles quisessem.
Eu não era uma delas.
Estava ali contra a minha vontade e toda maldita noite repetia
para as minhas colegas de bar que jamais me deitaria com qualquer
um daqueles homens, independente do que me oferecessem.
Eu não julgava as meninas que faziam, muito pelo contrário,
cada uma delas tinha o seu motivo e sabia o que estava fazendo. O
que me repugnava eram eles, que nos olhavam como objetos, às
vezes como objetos que nem para o prazer serviam.
Amassei a folha com meu desabafo e guardei no decote do
vestido preto, tubinho, que de tão apertado nos seios me dava um
cofrinho particular.
Ninguém precisava ler aquelas palavras, embora eu ansiasse
por isso, então estavam no lugar certo, onde ninguém ousaria
colocar a mão.
Antes de dar a volta no longo balcão de madeira, esbarrei na
senhora García e seu longo cigarro, o qual eu gostava de chamar de
incenso. Ela me mediu de cima a baixo e nenhuma mecha do cabelo
branco modelado, preso elegantemente ao redor da cabeça, mexeu.
Independentemente do que usasse para fixar os fios, era
muito forte, assim como o perfume que exalava, cítrico e sofisticado.
— Cadê o pedido? Bandeja? — A rispidez na sua voz, por
mais contida que fosse, indicava que ela odiava nos ver paradas.
Tudo naquele lugar girava em torno do dinheiro, inclusive o
tempo.
— Quer ser demitida?
Ela sabia que eu não podia ser, então sua pergunta parecia
um deboche para mim, embora não fosse.
Ser demitida dali seria um sonho e a resposta para a
pergunta era sim.
SIM!
Mas o resultado não seria uma demissão.
E mesmo que eu desejasse muito, ouvir essa ameaça ainda
era ruim, pois eu fazia o meu trabalho da forma como esperavam.
— Estou indo agora, senhora García. — Eu me esquivei do
seu corpo coberto pelo casaco de pele e tentei me afastar dali o
mais rápido possível, passeando entre as mesas, quase todas
cercadas por homens de terno focados demais nas conversas para
se lembrar de beber.
Nenhum pedido foi feito entre eles.
Já nos fundos, onde os pole dances estavam ocupados pelas
dançarinas admiravelmente flexíveis e quase nuas, vi um dos
clientes mais frequentes desde que comecei a trabalhar no lugar.
Ele sempre fazia seus pedidos comigo, tanto que assim que
me viu, levantou a mão e sorriu.
Javier Albarello era seu nome, dono de hectares e mais
hectares de vinhas. Viúvo, segundo as meninas que o conheciam há
mais tempo. Ele não parecia estar ali por sexo, sempre muito calmo,
gentil, ficava nas pequenas doses de conhaque até decidir ir
embora.
Mas assistia às danças atentamente pelo tempo que
permanecia no lugar.
Parei ao seu lado com o bloco e caneta nas mãos.
— Boa noite, senhor Albarello. O que deseja? — Articulei o
melhor possível para que ele compreendesse, pois o som naquela
parte da boate era alto demais e me curvar para falar ou ouvir com
o decote que usava não me parecia algo confortável.
Como se alguma coisa naquele lugar fosse confortável...
Ele respondeu e sua resposta não colaborava com a minha
ideia de comunicação segura, já que não consegui ouvir, muito
menos ler seus lábios.
Teria que me curvar, então usei o plano B, o cabelo longo que
eu tinha servia bem para esconder qualquer coisa nas costas ou na
frente.
Cobri o decote com os fios e me curvei com o ouvido na
direção do homem.
— Boa noite, Caterina. Como se sente?
Como eu me sentia?
Naquela noite eu me sentia um fantoche!
O salto alto já tinha tornado as bolhas que criei no primeiro
dia mais doloridas ainda e eu me sentia sufocada pela roupa, lugar e
olhares.
Eu não me descreveria como tímida, mas como uma mulher
que dispensava certos tipos de interação, principalmente, as que
claramente representavam o desejo de me foder, o que não era o
caso do senhor Albarello.
Pelo menos não parecia ser.
— Bem. — Era a resposta automática e mais falsa que eu
poderia dar naquela situação.
“Estou bem”, era o que dizia quando voltava para casa e
minhas vizinhas, ainda lamentando pelo que aconteceu com meu
pai, perguntava como eu me sentia. Eu não sabia se elas tinham
consciência do que sobrou pra mim, nem de onde eu trabalhava
desde a minha perda, mas a pena nos olhares delas, me vendo
chegar ao nascer do sol com uma maquiagem borrada, me dizia
muito sobre o que passava pelas suas cabeças.
A verdade é que eu respondia que estava bem para tudo, mas
eu não estava.
E se dissesse que me sentia mal pela perda do meu pai,
também estaria mentindo, pois pedi tanto por isso enquanto ele
deixava de lado os belos e preciosos relógios, com os quais
trabalhava, para apostar tudo no porão do lugar onde, depois de sua
morte, eu trabalhava recuperando essas perdas e para pagar as
dívidas, depois apenas pagar as dívidas, já que o que ele tinha não
era tanto.
Ele apostou tudo mesmo e a minha vida não era mais minha,
pertencia ao senhor García enquanto eu não pagasse cada centavo
que meu pai devia.
Eu estava infeliz e me sentia mal por ter que fazer isso.
Sabia que não deveria pensar isso, sobre o homem que
possibilitou a minha vida, mas, foda-se, ele deveria ter ficado vivo
para pagar por seus erros.
— Tenho algo para te dar. — O senhor Albarello segurou o
meu cotovelo esquerdo com a mão enrugada, denunciando seus
mais de cinquenta anos de trabalho nas vinhas.
Ele já não deveria mais fazer isso, era rico demais e suas joias
eram a prova viva disso, porém os sinais do tempo estavam ali.
— Mas antes preciso daquela dose. — Ele apontou com o
polegar para a boca.
Afastei meu braço com um sorriso sem graça, forçado,
trêmulo, difícil de manter.
— Claro. Estou indo buscar. — Fingi anotar o pedido, mas já
sabia o que era, então apenas dei as costas a ele.
Algo para me dar?
As meninas falavam desses presentes. Desejei que fosse algo
tão valioso que pudesse usar para pagar toda a dívida e sumir dali
para nunca mais voltar.
Eu seria eternamente grata ao senhor Albarello por isso.
No balcão estava o meu chefe, uns dez anos mais velho que o
cliente, me observando de braços cruzados por cima do terno
italiano.
Ele e a esposa eram sedentos por dinheiro e passavam a
noite inteira se certificando de que faríamos tudo o que fosse preciso
para arrancar o máximo de cada cliente.
Passei para trás do balcão, sendo ágil em anotar o pedido no
sistema e servir a bebida, mas ele não tirou os olhos de mim e ainda
se aproximou.
— Tenho que admitir que de todas as que estão aqui,
nenhuma desengonçada teve tanta sorte como você.
— Oi? — Olhei para ele deixando o copo na bandeja.
— Cinco dias aqui e já conseguiu me pagar cada centavo.
Meus olhos saltaram.
Aquilo só poderia ser um blefe do meu chefe ou eu estava
sonhando depois de tropeçar nos próprios saltos e bater a cabeça.
Fechei os olhos e tentei me abstrair dos sons ao meu redor
para que apenas as palavras dele fizessem sentido para mim.
— O senhor pode repetir? — Abri os olhos e vi seu sorriso
vitorioso.
Jurei que ninguém poderia ficar mais feliz com esse momento
do que eu, mas ele parecia estar bem contente.
— O senhor Albarello se compadeceu da sua situação e pagou
tudo. Você não precisa mais voltar aqui.
Repeti para mim mesma a informação e não consegui
acreditar que o homem que eu tinha acabado de atender havia feito
isso.
A troco de quê?
Essa era a minha pergunta, pois ele não me conhecia há
tanto tempo para fazer algo assim por uma desconhecida.
A dívida do meu pai era muito alta, mais cara do que a casa
onde eu morava.
Eu não gostava de admitir, mas sabia que eles preferiram me
cobrar desta forma porque esperavam que eu ficasse muito tempo
ali e acabasse me prostituindo, como grande parcela das meninas
fazia, algo que com certeza seria mais lucrativo que tomar um
casebre em uma rua qualquer.
Saí detrás do balcão ignorando o meu chefe e a bandeja com
a bebida que deveria entregar ao senhor Albarello, voltando para
onde ele estava, encontrando-o inquieto, se levantando e arrumando
a roupa.
Mal consegui verbalizar a minha pergunta, mas sabia que a
maneira como o encarei foi suficiente para ele entender o que eu
queria falar.
O pagamento da minha dívida não era um ato filantrópico e a
chegada do meu chefe e dois seguranças, assim como foi na noite
em que o senhor García me procurou para falar sobre o meu pai, era
a resposta à dúvida que ficou em mim.
O preço seria eu, nas mãos de outra pessoa mais uma vez.
CAPÍTULO 2
CATERINA SÁNCHEZ
O senhor Albarello não sabia o que dizer, olhava para o
senhor García e para mim, dando uma risada fraca, sem fôlego.
— Ela já está ciente do que foi feito, Javier. Agora vocês
podem se resolver entre si. — Com um sorriso orgulhoso, o senhor
García se afastou, mas avisou aos seguranças que auxiliassem no
que o cliente precisasse.
Até então eu não tinha suspeitado de nada que não fosse
verdade.
— Senhor Albarello, por que pagou a minha dívida? — Encarei
o homem que era bem mais alto que eu, angustiada.
Eu não queria me livrar de uma prisão para ir para outra.
— Eu só queria te ajudar. Vamos conversar. Podemos? — Ele
segurou o meu braço.
Javier nunca havia me tocado até aquela noite e aquela era a
segunda vez que fazia isso. Não me apertava, mas sentir seu toque,
sem a minha permissão, me causava incômodo.
— Precisamos. Eu não quero o seu dinheiro! — Não
conseguia me manter calma diante daquilo.
Se eu pudesse, faria brotar dinheiro do chão para entregar a
ele, afinal ver um estranho pagando essa dívida era mais
desconfortável do que ter que trabalhar na boate para fazer isso.
— Eu tenho uma suíte.
Meu Deus...
Puxei meu braço assim que o homem deu um passo em
direção ao lugar e ele me encarou.
— Podemos conversar aqui.
— Nesse barulho? É só uma conversa. Apenas isso. — Seu
olhar não me convencia.
Não precisava ser inteligente para ver onde isso ia dar e eu
não gostava nem um pouco do que o futuro me reservava.
— Pode me acompanhar? — Ele ainda parecia compreensivo
demais.
Eu queria, juro que queria acreditar que ele tinha boas
intenções, pois nas quatro noites anteriores, ele foi o único homem a
não me tocar ou falar coisas absurdas.
Resolvi acompanhá-lo, dando esse voto de confiança e
porque sabia que aqueles dois seguranças não me deixariam ter
outra escolha.
Mas não deixei que Javier me tocasse.
Entrar no corredor vermelho neon era vergonhoso. Eu nunca
havia passado por ele, pois sabia o que significava.
Para mim, era muito mais do que isso e o quanto mais longe
eu pudesse ficar, era onde eu estaria.
Olhei para trás e os seguranças nos acompanhavam.
Javier parecia ter ganhado um pouco de confiança após me
ver concordando com a conversa. Sua postura estava mais ereta,
inclusive ele até mesmo parecia mais alto.
Ele não era um homem corpulento, mas não era tão esguio
também. O terno cabia bem nele, era ajustado e o tornava elegante,
transmitindo o poder aquisitivo que certamente tinha.
Cinco noites foram suficientes para eu entender que homens
ricos não desciam para o cassino e ele era um desses.
Ele parou em frente ao quarto 14, o número prateado
refletindo a luz que percorria como uma linha pelos cantos entre o
teto e paredes, abriu a porta e apontou para que eu entrasse.
Meus passos nunca foram tão curtos e talvez o meu Anjo da
guarda tivesse tentado me manter fora do cômodo, pois foi difícil
conseguir me mover para dentro dele.
As quatro paredes pareciam ter a mesma largura, uma
luminária com aquário era a única luz no ambiente, a cama estava
coberta de lençóis brancos, sem nenhum amassado, assim como os
travesseiros. Tinha outra porta e perto dela uma poltrona tantra
vermelha, que fez meu estômago revirar ao pensar no perigo em
que me coloquei.
Nunca fui de me arriscar.
Uma das poucas vezes foi entrando em um campo de rosas,
de onde saí com os braços rasgados, mas nenhum machucado com
que eu não tivesse acostumada.
Sempre soube como lidar com quem me oferecia perigo.
A porta se trancou atrás de mim e me virei.
Os seguranças não entraram e Javier fechou a porta com
chave.
— O senhor não pense que... — O nervosismo me fez dar o
aviso prévio, mas fui interrompida.
— Uma conversa.
A calma dele me perturbava.
Ele apontou para a cama.
— Sente-se.
— Estou bem de pé. — Segurei a barra do vestido que cobria
metade da minha coxa.
Naquele instante minha mente borbulhava de ideias de como
me livrar dele e fugir daquele lugar, inclusive os saltos nunca me
pareceram uma arma tão boa.
Ele ergueu um leve sorriso e suspirou com o olhar oscilando
para o meu decote.
Foi então que percebi que todos eram iguais. Nenhum
homem que pisava ali era menos maldoso, alguns apenas sabiam
disfarçar melhor que os outros.
Senti nojo dele.
Nunca desejaria ter nada íntimo com aquele homem. Eu
queria dizer que ele não fazia o meu tipo, uma verdade, mas onde
nos encontrávamos era o maior motivo e o que eu sabia que ele
esperava de mim.
— O senhor García me disse que seu pai deixou milhares em
dívida e você estava aqui para pagar.
— Sim, mas isso era problema meu. Eu ia pagar.
— Quando? Quando conseguiria uma quantia tão alta apenas
entregando bebidas? — Ele deu um passo para perto de mim, sem
disfarçar o olhar para minhas coxas. — Você é muito preciosa para
ficar aqui.
Existia um detalhe que usei para convencer os donos da
Lujuria a não me forçar a deitar com aqueles homens e Javier sabia
desse detalhe...
Ele almejava isso.
E saber que o meu valor se baseava nisso, para quitar a
minha dívida, me deixou mais enojada ainda.
— Eu não vou pagar como pensa. — Balancei a cabeça em
negação, analisando o homem repugnante. — Vou devolver cada
centavo. Isso eu garanto.
Antes eu trabalhava em uma floricultura, especificamente
arrumando festas, fazia os arranjos mais belos e o meu trabalho era
muito bem valorizado por quem contratava. Eu poderia até mesmo
ter pagado a dívida do meu pai dessa forma se não tivesse sido
forçada a trabalhar na boate.
Sorrindo, ele colocou a mão no bolso, enquanto dei um passo
para trás com medo do que poderia sair dali.
Uma arma talvez.
— O que vai fazer? — Minha voz saiu no meio da respiração
rápida.
— O seu presente. — Ele tirou um pequeno saco preto e
afrouxou o cordão antes de virá-lo na palma da mão.
Uma pulseira repleta de cristais grossa e com tantas pedras
que eu não poderia contar tão rápido. Ele segurou as pontas e não
pediu nem esperou que eu levantasse o braço para receber o tal
presente, se aproximou mais de mim e a colocou. No fim do
rosquear, ouvi um estalo.
— Essa joia vale a fortuna de metade dos homens que estão
aqui esta noite.
Levantei o antebraço e encarei a joia em meu pulso. Ela tinha
um fecho que não parecia ser tão fácil de abrir, mas tentei.
— Eu não quero isso. Você já fez demais pagando o que não
deveria. — Tentei girar a rosca do fecho, mas não girava mais.
O que custava ele me dar a pulseira antes de inventar de
pagar algo que não pedi?
Se a pulseira fosse tão valiosa, poderia resolver todos os
meus problemas e eu ainda o encararia como amigo.
Mas ele não queria ser meu amigo, eu sabia.
— Não vai sair. Ela foi feita há muito tempo e a única maneira
de tirá-la sem as manhas do fecho é quebrando-a.
Eu faria aquilo, estava decidida.
O valor não diminuiria por conta disso e eu estava nervosa
demais com a conversa do senhor Albarello.
— Eu não quero nada seu. Não posso ficar com isso. Eu
preciso tirar e ir embora daqui. — Forcei a pulseira, mas a parte
mais fina não parecia tão frágil para ceder à minha força. — Eu vou
devolver o seu dinheiro.
De repente, ele segurou meus braços e me fez parar. Eu o
encarei e vi o quanto ele parecia instável, perturbado, os olhos
vermelhos, saltando, as narinas dilatadas, a respiração soprando em
mim.
— Será que você não entendeu? — A voz dele era apertada e
a fala lenta. — Você é minha! Agora. Você. É. Minha.
Ali estava...
Sua ideia bem escancarada.
Por mais que eu já estivesse convencida disso, ainda me
assustei ao ouvir suas palavras junto à maneira bruta como ele me
encarava.
— Eu não sou um objeto pra você comprar! E eu NÃO ESTOU
À VENDA!
Ele me sacudiu pelos braços e não se intimidou com meu
grito.
— Eu pensei que nos daríamos melhor esta noite, mas parece
que você tem que entender como estamos agora antes de irmos
embora daqui. — Ele me empurrou para trás e bati as costas no
colchão duro.
Mal pude reagir e me levantar, Javier veio para cima de mim,
colocando os braços de cada lado do meu corpo.
Não tinha dado tempo para o pânico surgir, mas a adrenalina
corria nas minhas veias e eu nem precisei pensar muito pra saber
que aquele era o momento de usar as ideias que antes cercaram a
minha mente.
Levantei o joelho direito e acertei a ponta do meu sapato
entre as pernas dele, empurrando-o o mais forte que pude.
Quando o vi se manter no lugar apesar da dor, acertei meu
punho na cara dele. Reconhecia que não foi a melhor decisão, pois
meu soco era fraco e a minha mão doeu tanto que quase perdi o
foco.
Quase, porque enquanto o homem gemia o que pretendia
fazer comigo, acertei-o com o sapato mais uma vez, nas bolas de
novo, e não teve como ele deixar de cobri-las e chorar pela dor
longe de mim.
— Não adianta tentar nada, Caterina. — A dor mal o deixava
falar direito. — Você é minha e todos já sabem disso. Não vai a lugar
nenhum.
Eu não iria a lugar algum com ele.
Eu me levantei da cama e a única coisa que vi para me ajudar
foi a luminária aquário.
Eu a peguei tão rápido e joguei na cabeça do maldito que
estava sentado no chão, que nem deu tempo de me desculpar com
os peixinhos que nadavam nele. A base era de ferro, aço, alguma
coisa pesada o suficiente para machucar a cabeça dele e fazê-lo
sangrar desmaiado.
Um milissegundo foi o tempo que durou a minha preocupação
por tê-lo matado.
Eu quis fazer aquilo com tanta gente, que ter um bom motivo
era uma grande realização.
Não era a primeira vez que lidava com alguém como ele.
Eu só precisava sair dali fingindo que nada aconteceu e seguir
com a minha vida, como fiz no passado.
Duvidava que tanta gente soubesse que ele me comprou
mesmo.
Se precisasse, mudaria de nome, pintaria o cabelo, moraria
em outra cidade, país...
Eu não seria uma mulher comprada de ninguém.
Abri a porta e uma parede em forma de homem barrou a
minha passagem. Seu peito estava na altura da minha cabeça e
quando levantei o rosto, vi o olhar mais vazio e assustador que já
cruzou com o meu.
Engoli em seco.
As sobrancelhas pretas grossas e tensas faziam sombra sobre
os olhos negros, o nariz pontudo e reto, nem sequer soprava algum
ar que eu pudesse sentir tão perto, os lábios crispados e ainda assim
formando um arco perfeito me fizeram acreditar que ele não estava
contente em me ver.
Ficamos nos encarando por segundos, que pareciam eternos,
e quanto mais tempo passava, mais linhas surgiam no rosto dele e o
olhar vazio se preenchia com ódio.
Respirei antes que a pressão fosse para baixo e o cheiro de
perfume amadeirado com cigarro me deixou tonta.
Grosseiramente, ele agarrou meu braço e o levantou,
encarando a pulseira.
— Isto me pertence. — A voz grossa e profunda dele me fez
estremecer.
CAPÍTULO 3
CATERINA SÁNCHEZ
A mão dele estava tão quente que com todos os exageros
parecia queimar a minha pele.
Ou talvez fosse apenas a reação de ter alguém com uma
presença e olhar tão malignos tão próximo.
Estava me queimando por inteira.
— Sua pulseira? Então tire isso de mim. Eu tentei quebrar,
mas... — Eu fiz uma pausa quando me dei conta de que falar para o
dono de uma joia tão cara, como Javier mencionou, que eu tentei
quebrá-la não era uma boa ideia. — Tirá-la, mas não consegui.
A mandíbula dele estava tão travada que pude vê-la
perfeitamente marcada na pele.
Ele tinha um rosto tão harmônico que parecia ter sido
esculpido.
— Vamos embora, Héctor. — Outro homem apareceu e cruzou
o olhar com o meu assim que segui a voz. Esse mexeu as
sobrancelhas e torceu a boca para mim, até notar a pulseira em meu
braço. — Hum. Vejo que encontrou o que queria.
— Eu deveria ter antecipado que a esta altura ela estaria no
braço de uma puta. — A voz de Héctor estava tão carregada de raiva
e rancor que trovejava a cada sílaba.
Ele tentou desabotoar a pulseira de maneira mais apressada e
desajeitada do que eu fiz anteriormente.
Puta, foi do que ele me chamou?
Eu não estava surpresa, pois esse deveria ser o nome pelo
qual todos os homens chamavam as mulheres que trabalhavam ali,
mas de novo, o ódio dele dava mais peso a tudo.
— Anda rápido. Já avisaram que vão chamar o Damiano e
você sabe o que ele fará se te pegar desse jeito aqui. — O outro
esperava, andando enquanto olhava de um lado para o outro.
Pareceu que seu aviso deixou o tal Héctor mais nervoso
ainda, até que ele puxou com força a pulseira e mesmo assim ela
não saiu do meu braço. Ele olhou por baixo dos cílios para mim,
encolhendo o cenho como se me estranhasse, então olhou para o
outro por cima do ombro.
— Não sai.
— Você ouviu o que a mãe falou. Tem um jeito certo de abrir.
— Que jeito, Damon? — Héctor perguntou, irritado.
— Eu não sei, cazzo! Eu não sei! Ela sabe.
— A mãe? Que maravilha... — Ele voltou a me encarar com os
dentes cerrados e rosnou: — Você não deveria mexer no que não é
seu, putinha de quinta.
Dessa vez, ele havia pegado pesado, pois a boate era um luxo
só e as prostitutas caríssimas.
— Eu não mexi! Foi ele quem colocou em mim. — Apontei
para o homem inconsciente no chão.
A testa de Javier continuava sangrando e ao redor tudo
estava molhado devido ao aquário que se quebrou no golpe que dei.
Os dois se curvaram para ver e eu me esquivei para trás,
garantindo que Héctor não ficasse mais perto do que já estava de
mim, mesmo assim ele continuou segurando o pulso por cima da
pulseira.
Eles se encararam.
— Vamos embora. — Damon decidiu, falando baixo. — Se
Damiano chegar aqui e nos ver nesta situação, a culpa será nossa.
Desejei então que eles permanecessem, assim me livrariam
da culpa.
— Mas não fomos nós.
— Ele está apenas esperando um motivo pra te matar e com
certeza não vai ouvir se isso é verdade ou não. O jato nos espera,
Héctor.
Ele bufou. Parecia odiar a ideia de se manter vivo.
Eu já tinha me encontrado com Damiano, que era apenas o
bandido mais perigoso do estado, chamado até de mafioso. Foi ele
quem me interrogou quando o meu padrasto morreu, dez anos
atrás.
— E a pulseira?
Damon olhou pra mim, torcendo a cara e xingou alguma
coisa.
— Não podemos voltar sem ela.
Héctor olhou para mim e começou a me arrastar pelo braço.
— Para onde vai me levar?
— Enquanto essa pulseira estiver no seu braço, você ficará
conosco.
Eu não podia acreditar que, em apenas uma noite, um tanto
de coisas ruins estava acontecendo comigo.
Àquela altura eu mal sabia como isso começou.
Será que foi com o desejo do meu bilhete ou o que fiz
quando soube que ganharia um presente?
Cheguei à conclusão de que deveria tomar cuidado com o que
desejava.
Héctor era tão alto, forte e intimidador, que eu parecia uma
boneca de pano insignificante ao lado dele. Era possível que eu
passasse despercebida entre todos na boate, apenas pelo homem de
terno estar chamando mais atenção.
Damon também não ficava para trás nesse quesito.
Quando passamos pelo bar, apenas os clientes observaram a
nossa saída. Os seguranças passaram a nos acompanhar à medida
que nos aproximávamos da porta e o senhor García ficou de longe,
sem mover um músculo, assistindo ao meu sequestro.
Um carro preto estava estacionado do lado de fora e
enquanto Damon deu a volta, Héctor abriu a porta à nossa frente e
me jogou dentro do automóvel. Caí deitada de lado e me sentei no
banco o mais depressa que pude. Logo depois o homem se sentou
ao meu lado e Damon dirigiu depressa.
Eu me afastei para a outra ponta do banco, ficando o mais
longe que pude de Héctor, que continuava pura fúria comigo.
Parecia que tudo se resolveria ao tirar a pulseira, por isso
tentei fazer isso sozinha, juntei os dedos para forçar a joia a passar
sem precisar ser aberta, mas o desgraçado do Javier tinha colocado
tão apertada que seria impossível removê-la sem abrir.
— Eu tenho uma ideia, Damon. — Héctor olhou para o meu
pulso.
Qualquer que fosse a ideia, vinda de alguém com aura tão
obscura, eu imaginava que não era coisa boa.
— O quê? Não temos muito tempo na cidade.
— Vamos serrar o punho dela e quando chegar em casa a
mãe abre a pulseira sem problemas.
— O QUÊ? — berrei.
Héctor olhou em meus olhos e eu vi os cantos da sua boca se
moverem de um jeito esquisito e amedrontador.
Sádico era a palavra.
— Eu não vou deixar vocês fazerem isso. Vocês não podem!
Eu preciso da minha mão! Eu sou canhota! — menti a última parte
na esperança de comovê-lo, mas o sorriso maldoso de Héctor só
ganhava força.
Parecia que a ideia de arrancar a mão de alguém não causava
incômodo nele.
— Por favor! Não faça isso. Damon! — Eu me curvei entre os
bancos e puxei o ombro do motorista. — Você não parece tão mal
quanto o seu irmão. Não deixa ele fazer isso comigo!
— É a melhor opção. — Héctor estava decidido. —
Infelizmente, será tão rápido que você mal sentirá.
Infelizmente?
Eu comecei a chorar acreditando que ele não mudaria mesmo
de ideia.
O medo e desespero eram reais.
Eu estava mesmo fodida e sem uma mão eu me foderia ainda
mais.
Eu me voltei à Héctor para fazer o que o meu desespero
pedia: implorar.
— Não arranque a minha mão, por favor. Não foi por mal que
estou com essa pulseira. Eu nem a queria pra início de conversa.
Vamos dar um jeito de tirar. — Puxei a lapela do blazer dele. — Já
sei! Podemos passar na minha casa, lá tem muitas chaves e uma
delas pode ajudar a destravar a pulseira! Não arranque a minha
mão! — Tentei sacudi-lo, mas ele não se movia.
Eu dei uma exagerada na hora de implorar?
Dei.
Mas uma situação como aquela necessitava de uma grande
comoção.
Ele olhou bem para a minha cara de choro, o sorriso se
desmanchou e os lábios voltaram a ficar apertados assim como o
olhar de matar voltou.
— Você merece algo muito pior do que perder a mão.
Atrapalhou todos os meus planos.
— Eu nem sabia da sua existência!
— Cale-se — ele rosnou de olhos fechados. — Ou arrancarei a
sua língua.
Primeiro a mão, depois a língua...
A situação só piorava.
Comecei a me perguntar o que teria acontecido se eu não
tivesse atacado o senhor Albarello.
Quando Héctor chegasse, ele me defenderia, ou me
estupraria?
Eu me encolhi no banco, inconformada com tudo.
Sentia medo, mas dentro da minha cabeça tudo estava vazio,
sem conseguir pensar em mais nada.
Eu sabia que o aeroporto estava próximo e a decisão de como
tirar a pulseira de mim já havia sido tomada, então restava apenas
aceitar.
Quando passamos pelos portões do lugar, Damon parou o
carro e ficamos rodeados por homens.
Héctor e Damon saíram, eu não ousei me mexer, mas de
dentro ouvi a conversa.
— O senhor Casagrande não gostou de saber que estão aqui
e que invadiram a boate do senhor García. Ele mandou avisar que
vocês têm cinco minutos para voarem para fora daqui, caso
contrário, levaremos vocês até ele.
Ninguém citou Javier Albarello, então ainda não tinham
descoberto o seu estado no quarto da boate.
— Já estamos de saída — Damon avisou e deu a volta no
carro, depois abriu a porta do meu lado e me puxou pelo braço. —
Vamos, queridinha.
Cinco minutos eram o que restava para o avião decolar, eles
queriam a pulseira e eu não estava vendo serra nenhuma para
Héctor realizar o seu plano.
O “vamos” de Damon indicava mudança de planos e quando
andei acompanhada dos dois em direção ao jato, soube que a minha
história com eles não terminaria ali.
CAPÍTULO 4
CATERINA SÁNCHEZ
Eu estava em um jato, voando com dois homens claramente
perigosos, discutindo em italiano o que iam fazer comigo.
Talvez, eles só quisessem ter um pouco de privacidade
durante a conversa, ou na pior das hipóteses, buscando não me
apavorar mais do que fez a ideia de Héctor sobre serrar a minha
mão.
Mas falar italiano não fazia diferença em nenhum dos casos,
pois eu entendia tudo.
A vadia da minha mãe era italiana.
— Acho que ficou bem claro o motivo de eu ter invadido
aquela boate, Damon. — Héctor não gritava, não berrava, sua voz
era potente e profunda o suficiente para demonstrar sua insatisfação
sem muito esforço.
Ele estava sentado no assento da fileira ao lado da minha,
enquanto Damon se acomodou na minha frente, apertando o queixo
como se fosse uma mania.
— Sim, eu sei que não passamos anos oferecendo
recompensas e pagamos aqueles milhares pra voltar sem a peça
mais importante, porém, deveríamos ter planejado melhor. Não é a
primeira vez que você faz merda nessa cidade e Damiano está há
dez anos louco para te pegar aprontando pra castigá-lo da mesma
maneira que você gosta de fazer. Não é o nosso território, Héctor.
— Estamos com a pulseira, não estamos? — Ele olhou para a
joia em meu braço. — Missão bem-sucedida. Valeu a pena. E não
preciso dizer que não tenho medo de Damiano, nem nenhum dos
seus hermanos.
Foi uma tristeza constatar que alguém tão mal fazia uma
simples palavra soar sexy em uma voz sussurrada.
A essa altura eu só queria saber se estar naquele avião era
prova de que o plano maléfico de Héctor tinha sido mesmo
descartado. Ele ainda poderia tentar cortar minha mão quando
chegássemos ao destino final, mas pelo que consegui ligar nas
conversas que ouvi da boate até ali, a próxima parada seria a casa
deles.
Homens com trinta anos ou quase isso moravam com a mãe?
Era ela quem sabia abrir o presente de grego, segundo
Damon, então depois que me livrasse do problema, eu estaria livre.
Como sairia de outro país sem meus documentos?
Bem, essa dúvida ficaria para a hora certa.
Ser deportada sem nenhuma parte faltando era o que
importava no momento.
— Agora só precisamos remover a pulseira e nos livrar dessa
puta.
Puta de novo!
Ele adorava esse nome!
— Não vamos serrar o punho dela — Damon avisou.
Só não me levantei do banco para comemorar, porque estava
presa ao cinto, mas ergui os braços.
— Obrigada! Obrigada! Você tem alma. — Segurei a mão de
Damon, enquanto ele me ouvia, encolhendo o nariz.
— Ela fala italiano.
— Sim. E serei grata a você pelo tempo que estiver viva.
— Que não será longo — Héctor completou, mal-humorado.
Eu o encarei e pisquei os olhos diante do homem, que o que
tinha de lindo, tinha de amedrontador.
Já não era mais uma ameaça pontual, era nítido que aquele
homem gostava disso, pois eu não tinha feito nada de mal contra ele
para querer me matar!
— Será sim. — Minha confiança ultrapassou a realidade.
Será mesmo?
Eu não deveria ter tanta esperança, pois Héctor poderia me
matar até mesmo com o olhar.
— Não se você não calar a boca e agir como se fosse
invisível.
— Você não gostaria de ver o que eu faria se fosse invisível —
avisei.
Por Deus, eu estava indo longe demais!
Era o pavor.
Quando eu estava angustiada, sempre agia como uma
dissimulada, falava o que não devia e desafiava quem não deveria
ser desafiado.
Héctor olhou para o irmão e depois para a janela, amassando
o cabelo perfeitamente penteado e suspirou.
Não era bom reviver essa situação, ser odiada por apenas
existir.
Quando as lembranças de anos atrás junto às palavras e
olhares de Héctor se cruzaram em minha mente, eu me aquietei e
uma tristeza profunda me consumiu. Eu estava fadada a viver sendo
enxergada como uma intrusa, fora dos planos, um empecilho, um
fardo.
Meu pai tinha muitos defeitos, mas ele nunca me encarou
como nada disso e lembrar que era a única pessoa a pensar assim
me fez engolir com dificuldade o nó que surgiu na minha garganta.
Eu me encostei na janela e vi uma cidade qualquer lá
embaixo, com apenas as luzes brilhando. Já era muito tarde e
mesmo seguindo a rotina de trabalhar até as três da manhã a
semana inteira, ainda sentia sono na mesma hora de sempre.
Não sabia dizer quanto tempo durei assistindo as nuvens e
cidades passando na janelinha, quando as luzes se apagaram dentro
da aeronave e eu também apaguei.
[...]
— Levanta! — a voz grossa ordenou e despertei assustada,
com as mãos grandes e nervosas do homem mexendo no cinto que
me prendia ao banco.
Fiz uma rápida checagem na situação. Eu estava dentro do
jato e pela janela pude ver o chão, logo entendi que tínhamos
chegado ao destino final e Héctor, assim que me desprendeu do
assento, segurou meu antebraço direito e me arrastou
indelicadamente do lugar.
O solavanco fez meus seios baterem em seu peito. Temi
encará-lo, mas meus olhos se renderam à curiosidade e ali estava o
ser que exalava superioridade ditando o meu destino.
— Não ouse tentar nenhuma gracinha.
Como ousaria se eu estava em desvantagem?
— Héctor — Damon chamou do lado de fora e seu irmão me
arrastou com os olhos ainda fixos nos meus, até necessitar olhar
para os degraus que davam para fora.
Assim que coloquei o pé para fora do jato, dei uma boa
olhada ao redor, onde além da pista de pouso tinha um posto cheio
de seguranças e placas, então entendi que não estava mais na
Espanha e sim na Itália.
As placas estavam escritas em italiano e a falta de outros
aviões me fez suspeitar que aquela deveria ser uma área particular.
Ainda estava escuro e fazia frio, principalmente, para alguém que
estava com uma roupa tão decotada como eu.
Dois carros de luxo pretos estavam estacionados próximo à
saída e foi para um deles que Héctor me levou. Entrei antes que ele
me empurrasse e me acomodei no banco de couro.
Esse era bem mais confortável do que aquele de Madrid.
Héctor se sentou ao meu lado e mais uma vez me sentei na
ponta, o mais longe possível dele.
Não queria ficar perto de alguém que me ameaçava cada vez
que eu abria a boca.
Abracei minha cintura e não pude deixar de notar o que me
levou até ali. A pulseira era prateada e por mais brega e velha que
aparentasse ser, ainda brilhava e suas pedras me impressionavam.
Quem quer que a tivesse feito, sabia que algo tão valioso não
poderia ser facilmente arrancado.
Eu nunca tinha ouvido falar que existia joias como aquela.
Não sabia o nome do criador, mas o odiava por colaborar com
aquela situação de merda.
Saímos do aeroporto e viajamos por uma estrada rodeada de
campos. A escuridão não permitia ver mais do que os faróis
iluminavam, mas imaginei que durante o dia deveria ser um lugar
lindo. Encostei a cabeça na janela, assistindo tudo pela lateral do
banco da frente, onde Damon estava sentado.
Eu não podia especular o tempo que levaria até chegar ao
destino final de verdade, mas quanto mais tempo passava, mais
ansiosa ficava.
Foi então que pensei na minha rotina.
Quando eu não aparecer na rua de casa, será que as minhas
vizinhas me procurarão?
Chamarão a polícia?
E a floricultura?
Já não bastava chegar todos os dias atrasada por conta do
curto período de sono entre um trabalho e outro, ainda faltaria, e
certamente seria demitida.
No meio do caminho surgiu um muro alto e coberto por
plantas, a passagem por ele era através de grandes portões de ferro,
vigiados por homens com coletes, armas, e cães que transmitiam em
mim a mesma sensação que Héctor.
Eles latiram para o carro, mas os guardas não nos impediram
de passar. Depois dali, teve mais um portão, então vi um lindo
campo e um pouco distante tinha uma bela casa.
Melhor, uma mansão.
Parecia palácio de filme de realeza moderna, as janelas de
vidro, as colunas e quando o carro chegou mais perto vi que tinha
também um lindo jardim enfeitando a frente da casa.
Canteiros de flores, arbustos perfeitamente aparados em
esferas e retângulos, além de fontes.
Era um paraíso para alguém como eu.
O carro parou na entrada da casa, na estrada cinza de
tijolinhos. Eles saíram e, curiosa, eu também. Fui direto para um
canteiro com begônias.
Elas eram lindas.
Precisavam de um cuidado?
Precisavam, pois estavam um pouco murchas, mas a cor
ainda era viva e embelezava o lugar.
— Não me diga que você é a puta responsável pelas flores da
boate. — Héctor apareceu atrás de mim.
— De casamentos! — Eu me virei para ele, ofendida.
Certo que ele não me conhecia para ter a obrigação de saber
sobre isso, mas eu era uma profissional de respeito e muito boa para
ser reduzida da forma como falou.
Era puro deboche.
Ele balançou a cabeça e torceu os lábios, grunhindo com
irritação.
— Espero não te ver nunca mais depois que resolver esse
problema. — Ele agarrou meu braço e me arrastou pelos degraus da
entrada da casa.
Precisava?
Não precisava!
— Eu também não quero te ver nunca mais. Sabia que posso
acompanhar o seu ritmo sem precisar ser arrastada dessa maneira?
A porta estava aberta e Damon andava pela sala.
No mesmo instante em que entrei na casa, esqueci toda a
discussão e me perdi na beleza do lugar.
A casa era mesmo um palácio.
Os vasos, as pinturas, os móveis, tudo tornava o lugar rico e
ainda assim aconchegante, um museu de luxo.
Fomos para outra sala e nessa eu fiquei mais chocada ainda.
O teto catedral, com anjos e outras esculturas.
Eu nunca tinha visto algo assim.
Era como entrar em uma inspiração do Pinterest. Eu
costumava me inspirar em arranjos de lá e sempre me perdia em
outros tipos de decoração.
Naquele tipo principalmente.
— Acordados uma hora dessas? O que houve? — Damon
perguntou.
Notei um senhor sentado em frente a uma mesa de centro,
mexendo no que parecia ser um relógio, ao lado uma mulher ruiva,
enrolada em um robe preto de cetim. O homem também usava, mas
o dele era de camurça, e as pernas cabeludas estavam de fora.
Duas pessoas com idade para serem pais dos meus
sequestradores. Ele deveria ter uns setenta e ela muito menos que
isso, mas tinha idade suficiente para ter dois delinquentes perto dos
trinta.
— O seu pai cismou que iria consertar esse relógio velho e
desde então não dormiu — ela falou irritada.
— Não é um relógio velho! — o senhor corrigiu olhando feio
para ela, não sabendo segurar uma chave direito. — Assim como
suas joias são valiosas, esse relógio é. Herança do meu pai, feito por
um dos melhores relojoeiros que já passou por essa terra,
arrematada num leilão em Milão.
— Falando nisso, cadê as joias? — A mulher olhou para
Héctor.
— Estão aqui. — Damon deixou um saco vermelho de pano
em cima da mesa de centro. — E a pulseira ali. — Apontou para o
meu braço.
Héctor ainda não tinha me soltado.
Poucas horas com ele e a única coisa que concordamos foi
que não queríamos nos ver nunca mais.
Ele me odiava por nada!
— O que está fazendo no braço dela? — Ela não pareceu
gostar nem um pouco de me ver assim.
Quando Héctor respirou do meu lado, soube que ele falaria
besteira e cavaria a minha cova.
— O senhor Albarello me deu. — Fui mais rápida. — Eu nunca
quis isso.
Eu quis, mas foi antes de saber de onde veio, quem era o
dono e o que poderia acontecer comigo se ficasse com ela.
— Não conseguimos tirar. Como saímos quase escorraçados
do país, a trouxemos para que a senhora resolvesse isso. — Damon
me tirou das mãos de Héctor e me fez acompanhá-lo até ela.
Ela encarou meu rosto, mas não esboçou nenhuma reação
que indicasse o que pensava ou sentia por mim, estava apenas
focada na joia. Logo, ela começou a mexer nela, sorrindo.
— Uma vez papà me ensinou como colocá-la e tirá-la, depois
ele a colocou e disse que se eu a tirasse sozinha, seria minha.
Demorei um mês para conseguir isso. — Ela abriu a pulseira e a
cobriu com os dedos.
Livre!
Eu estava livre daquele problema!
Ó
— Ótimo. Agora vamos nos livrar dessa ladrazinha. — Héctor
tentou pegar o meu braço de novo, mas me afastei.
— O que vai fazer? — O temor tomou conta da minha voz.
Novamente sabia que nada de bom viria dele.
— Sumir com você da melhor maneira possível, assim como
você faria com a pulseira ou melhor, como fez com o senhor
Albarello. Desta vez você não terá ajuda. — Seu aviso continha um
rancor inexplicável.
“Desta vez” não fazia sentido, já que era a primeira vez que
nos encontrávamos e ele não me ajudou quando esteve na boate.
Muito pelo contrário...
Ele iria matar como parecia que fiz com o senhor Albarello?
— Mas eu não pretendia... — Tentei me defender, porém
desisti sem saber quais palavras usar.
Nada parecia funcionar com aquele homem.
Talvez eu não fosse a pessoa mais persuasiva, pois se fosse,
não estaria ali.
— Lembro bem como te encontrei. Você ia fugir depois de
deixar seu amante inconsciente no chão. Aposto que agora devem
estar colocando um preço bem alto pela sua cabeça... — O sorriso
sádico ressurgiu em seus lábios.
Considerei sua aposta e temi que fosse verdade.
E se estivessem me procurando por matar o grande produtor
de vinho Javier Albarello?
Com certeza me matariam.
Eu já me sentia morta só de pensar, todos os sonhos se
apagando como se o fim de tudo estivesse perto demais para que
continuassem existindo.
Eu precisava fazer alguma coisa pra me safar.
Ajuda...
Apenas ajuda.
Meu olhar recaiu no relógio e não planejei nada, apenas
tentei a sorte.
— Posso consertar o relógio. — Cuspi as palavras.
Eu poderia resolver o problema deles e como recompensa
permanecer viva, certo?
Assim como não duvidava da capacidade de Héctor em me
fazer mal, me garantia no conserto da peça.
Não era nem um relógio moderno!
Quem sabe eles não se sentiam agradecidos por isso?
Ganharia gratidão e um tempo para convencê-los de que eu
era uma pobre fodida, que merecia mais do que um fim trágico
como assassina de bilionários.
Eu aceitava pena e proteção.
— Pode? — O senhor olhou para mim, surpreso, a esperança
dando forças para ele se levantar.
Até aquele momento, os homens que apareceram na minha
vida não tinham me dado nada bom, mas mesmo com uma
aparência de homem duro, senti que aquele senhor se salvava em
um mundo de estupradores e sequestradores.
E ele poderia me salvar.
— Sim. — A minha voz ficou trêmula no momento em que eu
deveria parecer confiante.
Porra, eu sabia fazer aquilo!
— O meu pai era relojoeiro. Ele me ensinou tudo.
O homem dispensou a opinião da esposa e filhos ao se sentar
apontando para a mesa.
— Então sente-se. Faça. — Seu pedido soou como uma
ordem.
Talvez fosse característica deles, esse jeito autoritário.
Caí de joelhos, sem coragem para negociação.
Eu precisava de tempo para me explicar e isso eu teria
enquanto mexia no relógio.
CAPÍTULO 5
HÉCTOR BARONE
Diziam que um dia eu pagaria por toda crueldade que
costumava cometer e que quando esse dia chegasse, eu não teria
escolha, não teria poder para mudar nada.
Era aquele dia, aquela noite, aquela mulher era o meu
pagamento e eu soube quando vi o meu poder de escolha sendo
tirado duas vezes de mim.
Primeiro, quando a encontrei naquele quarto de boate, não
quis acreditar no azar, mas ela confirmou que ele existia mesmo;
depois ao ouvir a decisão do meu pai, que amanheceu ao lado
daquela meretriz enquanto a mulher consertava seu relógio.
Eu fiquei distante, pois não conseguia me manter parado,
vendo aquela prostituta se safando depois de ter me dado tanta dor
de cabeça por conta da pulseira. Não estava nos meus planos piorar
a minha relação com Damiano invadindo os estabelecimentos que
ele apreciava e defendia, mas ela...
Ela era a culpada.
Aliás, ela era a culpada por Damiano querer me dar o castigo
que tanto sonhava.
Eu não tinha dúvida de que foi por ela que Javier Albarello
decidiu comprar a pulseira. O maldito caçador de recompensa já
estava às moscas por ter tentado nos enganar e eu teria feito o
mesmo com Albarello se sua puta não fosse mais rápida.
Eu odiava mudanças de planos quando ela não era guiada por
mim e aquela mulher conseguiu fazer isso duas vezes.
— Não sei o que essa vagabunda falou, mas com certeza é
mentira, pai. Ela é apenas uma das putas da boate Lujuria. O que
mais elas sabem fazer é contar histórias e entreter homens. —
Tentei convencê-lo a mudar de ideia.
O meu pai não estava num momento bom para tomar
decisões.
Saber que ela era uma prostituta era o que mais me irritava.
Eu a odiava por isso de uma maneira que nunca pensei que sentiria
por tão pouco.
Ela era bonita e doce demais para ser uma qualquer, mas era
e não valia nada por isso.
Ah, e não menos importante, ela era esperta demais,
perigosa demais para se deixar manipular por alguém. Eu sabia
quem ela realmente era e do que seria capaz.
Ela conseguiu manipular o meu pai com a merda de um
relógio!
— Ela já contou tudo, Héctor. Eu já sei de tudo. — Meu pai
não parecia ver problemas nisso, satisfeito com o relógio velho
funcionando de novo, estava até mesmo abraçado a ele. — Caterina
irá ficar aqui por um tempo e cuidará das plantas até que eu decida
o contrário. E você, não ouse fazer mal a ela — ele falou a sua
decisão e eu encarei a vadia que se fazia de vítima, encolhida atrás
do meu pai.
Eu não conseguiria conviver com isso.
Tê-la sob o mesmo teto que eu por tempo indeterminado
quando poucas horas já me deixaram completamente revoltado?
Era o meu inferno particular, mas já que eu não podia mudar
isso, também não assistiria a tudo calado.
Papà foi para o seu quarto, deixando a ordem com Camilla,
nossa cozinheira e praticamente governanta, que levasse a nova
funcionária, sua protegida, para descansar.
Encarei a bastarda, que respirava com pressa, o decote no
vestido preto sufocando os seios, subindo e descendo, enquanto o
cabelo tão liso, que escorregava todo o comprimento quando ela se
movia, caía sobre os ombros. Ela tinha tudo para enganar um
homem e eu não aceitava que pudesse ser um deles. O rosto
angelical e ao olhar inocente com olhos redondos e pretos brilhantes
eram muito convincentes de que se tratava de uma simples
camponesa indefesa, mas quem viu o sangue derramado por ela não
se deixava enganar.
Dei um passo para perto dela e ela deu um para trás,
parando de respirar, erguendo o rosto para me encarar. Era muito
mais baixa que eu, muito menor, apesar do quadril largo e peitos
estufados que de longe a faziam parecer uma grande mulher.
Ela era uma pequena e perigosa mulher.
— Não pense que se saiu em vantagem conseguindo isso.
Enquanto você estiver aqui eu serei seu inferno particular — rosnei
enquanto minha visão estava turva pela raiva.
Ela afastou os lábios carnudos e talvez por ter considerado
que falar não seria uma boa alternativa, os mordeu.
Eu preferia ter ouvido qualquer besteira saindo da sua boca
do que assistir àquele gesto. Eu sabia que não podia sentir nada
além de mais raiva, enquanto a indiferença não se fizesse presente.
E eu sabia que seria muito difícil ser indiferente a ela algum
dia enquanto estivesse ali.
Precisava tirá-la do meu campo de visão, esquecer que estava
ali e tudo que dizia respeito a ela.
Fingir que a mulher que há uma década não saía da minha
memória, não estava ali.
— Não cruze o meu caminho — avisei me afastando
depressa.
Esse recado resumia todas as ameaças que eu não podia
fazer na frente da Camilla. Ela me conhecia desde criança e era
como uma mãe para todos nós, tinha lugar para reclamar conosco
sem ser encarada como uma funcionária qualquer.
Fui para o meu quarto, tentar fazer o que não consegui por
culpa dela. Arranquei as roupas e entrei debaixo do chuveiro frio,
que tensionou ainda mais o meu corpo, porém sabia que me daria
boas horas de sono, como fazia com frequência.
Com a cabeça apoiada no azulejo do box, respirei fundo
enquanto a água caía sobre a minha cabeça e escorria por todo o
meu corpo.
Eu não tinha com quem conversar sobre esse assunto, pois já
era julgado demais por tudo o que fazia.
Se eles soubessem o que eu fiz por ela...
Eles não precisavam saber.
Era hora de esquecer aquilo, apagar da minha mente
qualquer fraqueza.
Eu não podia ter fraquezas no meu currículo, afinal era
esperado de mim tudo que me fizesse ser temido. As pessoas nem
me desafiavam mais, pois sabiam que eu era capaz de tudo.
Nem o medo da morte era uma fraqueza que eu alimentava.
Ela não seria minha fraqueza.
Preferia que alimentasse meu ódio e depois de tudo, depois
de ver quem ela realmente era, eu podia fazer isso.
Saí do banheiro decidido de que retomaria o controle da
minha mente.
Não deixaria a permanência dessa mulher me abalar,
esperava que ela não aparecesse na minha frente, mas sempre que
me lembrasse dela e não me sentisse indiferente sobre isso, faria
todo o possível para convencê-la a sumir da minha vida.
Era o filho mais velho dos Barones, sucessor do meu pai, e
desde que ele foi diagnosticado com demência, os alertas sobre a
mudança de líder da nossa família estavam gerando um grande
burburinho.
Por mais que eu adorasse ter poder e usá-lo, não esperava
ter a chance de suceder papà tão cedo. Mesmo que eu almejasse
que ele fosse mais rígido como me lembrava que era na minha
infância, ainda o achava o melhor para se sentar na cadeira de
autoridade da família.
Muitos me julgavam por ser impiedoso e eu reconhecia que
sempre optei por cortar o mal pela raiz do que tentar construir
alguma coisa em cima de um erro. Eu não perdoava, negociações
comigo eram mais divertidas se tivesse estímulos e eu gostava de
ver o vazio da morte nos olhos dos traidores.
Eu era um reflexo de papà, mas parecia que ninguém sabia
ou se lembrava de como ele era antes de começar a esquecer o
cinto das calças e onde deixava cada coisa.
Queriam que eu mudasse, então me dei férias, estava me
resguardando, pois sabia que quando precisassem de alguém como
eu, seria a primeira opção.
Por isso estava passando muito tempo em casa.
Quando saí do quarto, encontrei Henrico ao telefone.
— Ok. Continue procurando o bastardo. — Ele afastou o
celular e se virou para mim, com os olhos azuis alarmados. — Ele
fugiu de novo.
— De novo? Quanta covardia... Aposto que você tem adorado
o jogo de gato e rato.
— Muito pelo contrário. Já estou no fim da paciência, Héctor.
Cesare continua indo de cidade em cidade, espalhando sua droga,
fazendo discípulos da behavior e rindo da nossa cara. A pista que
tivemos não deu em nada. Ele deve estar bem escondido, mas
vamos achá-lo e, desta vez, meu amigo, eu irei encará-lo
pessoalmente.
Sorri diante da sua determinação.
— Você sabe que tem todo o meu apoio. Ninguém mais do
que eu, quer esse bastardo traidor morto.
Descemos a escada.
— Eu quero. Já se tornou algo pessoal, Héctor.
Meu amigo parecia furioso.
Ele não era do tipo que demonstrava sentimentos, então
somente por essa atitude, eu deduzia que Cesare tinha conseguido
tirá-lo do sério mesmo.
O homem procurado traiu a nossa família, vendendo uma
droga que não aprovamos. Tudo em Reggio Calábria precisava da
nossa aprovação e a família dele era nossa sócia.
Não sabia o que deu nele, simplesmente desconsiderou tudo
e resolveu fazer as próprias regras.
Resumindo na nossa língua: ele assinou a própria sentença de
morte.
Henrico ficou responsável por esse problema.
Quando eu me tornasse o Don, ele seria nomeado o meu
conselheiro, um homem de confiança. Enrico sabia ser fiel e era
movido pela gratidão que tinha pela nossa família, que acolheu a
mãe dele, Camilla, a irmã, Chiara, e ele depois que o pai morreu nas
drogas.
De repente, a conversa da minha mãe tirou a minha
concentração. Olhei para a porta, onde ela estava acompanhada da
puta de García, que continuava com o vestido preto apertado na
bunda.
— Não se preocupe, você vai com dois guardas. Eles não vão
deixar que nada te aconteça. Sem contar que ainda não devem estar
te procurando.
— Quanta confiança em uma desconhecida, mãe. — Terminei
de descer os degraus e elas olharam para mim.
A bastarda em alerta, se aproximou da minha mãe como se
ela servisse como escudo.
— Pra onde irá mandá-la?
Eu esperava que fosse para o inferno, mas visto que eu
também iria para lá após a minha morte, preferia que ela não fosse,
para não encontrá-la.
— Seu pai disse para ela comprar roupas.
Eu tive dificuldade em acreditar que meu pai estava indo tão
longe. E ela estava de cara limpa, a pele branca corada nas
bochechas, a ponta do nariz arrebitada vermelha como os lábios.
Seu olhar de medo não me convencia.
Durante a viagem, ela falou coisas contra minhas palavras
que comprovaram que não tinha medo nenhum de alguém como eu.
Isso não deveria me instigar, já que gostava de pessoas que
sentiam medo de mim, mas instigava e talvez por isso eu insistisse
em acreditar que ela apenas se fingia de coitada.
— Você concorda com isso? — Encarei a minha mãe.
— Ela nos contou toda a situação e preciso de alguém para
cuidar do jardim. O seu pai concordou, então chega de implicar com
ela. Vá, Caterina. — Ela abriu a porta e a florista saiu.
— Eu espero que isso seja um teste de confiança. Desde
quando aceitamos desconhecidos na nossa casa, mãe?!
— Ela sabe que não pode cometer deslizes. Já foi avisada
sobre isso. Agora você, vá procurar algo decente pra fazer além de
implicar com as pessoas. — Dona Bela do nada levantou os braços
irritada e saiu pisando forte. — Dio mio, por que não casei esses
filhos há dez anos? Não tenho idade pra aturar implicância de
adolescentes de trinta anos.
— Isso não é uma birra, é uma preocupação, cautela! — Eu
me virei para Henrico e ele fingiu que não ouviu a conversa,
inspecionando o teto. — Argh! Você já sabe da novidade, Rico? Papà
colocou uma puta procurada por assassinato debaixo do nosso teto.
— Não seria menos adequado uma assassina ficar na casa de
outros assassinos. — Ele terminou de descer a escada. — Vamos
tomar um café.
— Eu preciso mesmo é de whisky.
O meu inferno já estava queimando e nem deu tempo de
acreditar que a noite anterior era apenas um pesadelo.
CAPÍTULO 6
CATERINA SÁNCHEZ
“Don Barone”, “Nossa princesa”, “O consigliere”, foram os
termos que peguei no primeiro dia naquela casa, no meio daquela
família. Depois de uma semana trabalhando na boate, que ficou
eternizada na minha mente, tinha conhecimento suficiente para
saber que eles pertenciam a uma gangue, daquelas organizações
criminosas com nome bonito, assim como o Damiano era chamado,
mafioso.
Naquele primeiro dia, lavando meus vestidos novos que a
gratidão do senhor Barone me deu, pensei se eu tinha sorte ou
havia me afundado de vez em problemas. Com pessoas tão ricas e
poderosas me defendendo e longe de Madrid, eu realmente estava
segura, mas, em contrapartida, tinha Héctor e ainda o aviso sobre
não fazer nada errado.
Eu não conseguia compreender de onde vinha tanto ódio por
mim.
Não fazia sentido alguém que me conhecia há menos de um
dia me odiar tanto!
Não era como se eu tivesse roubado aquela joia, acabado
com os sonhos dele ou feito alguma coisa que o magoasse
profundamente. O que aconteceu foi uma sucessão de coisas ruins
na minha vida e na dele que nos uniram.
Assim como ele não deveria me odiar sem motivos, eu não
podia sentir o mesmo. No entanto, sempre que o via, ele estava com
o olhar assassino, me tratando tão mal, que eu era obrigada a odiá-
lo de volta.
Quem gosta de quem o maltrata?
Ele disse “não cruze o meu caminho”, e eu faria isso não por
ele, mas por mim, por não suportar aquela cara irritantemente
perfeita cheia de ódio sem motivo.
Quando voltei da loja, corri para os fundos, pois sabia que por
ali ele não andava, as meninas da cozinha me contaram. Segui para
a lavanderia e fiquei ali até deixar todas as minhas roupas secando
no varal.
Camilla, a senhora mais doce que conheci, com olhar de mãe,
foi tão atenciosa comigo desde a minha chegada. Ela me deu
comida, um lugar para dormir e roupas mais leves da filha dela.
Bastava esperar as outras roupas secarem para devolver a que
usava e me acostumar que a minha realidade por um tempo seria
aquela.
Eu me preocupava com as pessoas que conviviam comigo,
diante da falta de notícias sobre mim, mas saber que minha função
ali seria a mesma do meu trabalho querido, me obrigava a acreditar
que tinha sorte nesse sumiço.
Porém, ainda esperava que alguma delas sentisse que eu
estava bem, porque eu realmente estava.
Distante da boate, sem a dívida do meu pai, sem o senhor
Albarello dizendo que era dele, “segura”.
Eu poderia conviver com Héctor e sua ruindade, ignorá-lo
tranquilamente até o dia que o pai dele decidisse que era a minha
hora de ir embora.
— Acho que o remédio para o Héctor é casamento, mas
quando se fala nisso perto dele, o rapaz se irrita, diz que não quer
mulher atrapalhando a vida dele. Será que ele não entende que
sozinho já atrapalha tudo? — Bela reclamava para alguém e eu
fiquei de ouvidos atentos para saber mais sobre como as pessoas
dali eram.
— Também não pressione tanto o rapaz, Bela. — Era Camilla
quem estava com ela.
Eu queria que Camilla fosse a minha mãe. Poucos minutos
com ela me dando atenção e me senti mais amada do que pela
minha vida inteira com a minha mãe de verdade.
— É preciso, Camilla. É preciso.
— Ele é jovem e focou demais nessa coisa de sucessão. Ainda
vai chegar a fase que dará atenção aos desejos, paixões.
— Quando? Aos quarenta anos? Cinquenta?
— Com o pai não foi assim? — Camilla ria.
— Eu queria que fosse diferente com eles. Sei que tanto eu
quanto o pai dele viemos de famílias muito difíceis. A família dele,
principalmente. Olha o meu cunhado, Salvatore, não tem uma
mulher pra dar apoio quando cair na cama.
— Reze para que Héctor não seja tão cruel quanto o tio. Você
não disse daquela sua amiga? Aquela com moças solteiras?
— Dos Lucchesi? Sim! Seria maravilhoso! Alejandro sabe.
Espero que quando a temida conversa sobre casamento arranjado
surgir, Héctor não se rebele.
— O Damon não aceitou bem?
Damon era noivo?
Era o que parecia.
— Camilla, você não entendeu? Damon só aceitou essa
promessa de casamento com a filha dos Russos, porque sabia que
antes dele viria o Héctor e ele acredita que o irmão nunca irá se
casar. Agora com essa confusão dos filhos dos Russos vendendo
drogas sem autorização, ficou um clima terrível entre as famílias. Só
se fala em caçá-lo, matá-lo, olha... Eu queria que a paz tivesse
permanecido por mais vinte, trinta anos.
— Quanto a isso, eu tenho que concordar, já que Henrico está
metido no assunto. Eu não gosto de saber que meu filho anda com
as mãos manchadas de sangue, Bela... Depois do que passamos
quando ele era criança, acreditei que o que ele menos gostaria era
se envolver nessas coisas, então ele... Ah... É a dupla dinâmica junto
à Héctor.
— Ao menos o seu filho parece controlar o meu. Vamos ver
como a horta está. Cadê a moça? Caterina?
Meu novo plano de aguardar as roupas secarem ficou de lado.
— Estava na lavanderia — Camilla respondeu.
Saí antes delas entrarem e encontrei as duas perto da porta,
sorrindo. Retribui ainda desacostumada com a convivência com elas.
Eu me sentia e, realmente, era uma estranha no ninho, mas me
esforçaria para não ir embora por esse motivo ou algum mais
estranho.
— E as roupas? — Camilla mexeu no meu cabelo.
Ela disse que eu poderia ser irmã da sua filha se não fosse o
rostinho pequeno. Chiara tinha cara de mulherão, já eu, por muitas
vezes era considerada mais jovem do que a idade que tinha.
— Já estão secando.
— Estamos indo pra horta. Quer dar uma olhada no lugar?
Mirabela também sabia ser muito gentil e era impossível não
enxergar que seus filhos não puxaram nada a ela.
Tinha um casal além dos dois que me sequestraram, mas
esses eu não tinha conhecido e esperava ser como ela.
— Quero sim. — Balancei a cabeça e acompanhei as duas
pelo extenso terreno.
Ao redor da casa tinha muito campo, os muros ficavam
distantes e cada anexo da casa também.
Seguimos para a horta, que tinha uma estufa ao lado.
— Preferimos a horta aberta, acho tão lindo os legumes. —
Bela era deslumbrada com plantas, fossem comestíveis ou
decorativas.
— Conseguiu falar com sua chefe? — Camilla se virou para
mim.
Ela também se preocupou com as pessoas que ficaram para
trás quando contei a minha história.
— Não. Eu não sei nenhum número de cor.
E não sabia mesmo!
Eu nunca tive tempo para olhar o cartão de visitas da
floricultura para tentar guardar os números em mente.
Os das vizinhas menos ainda.
— Mas é melhor. — Tentei tranquilizá-la. — Porque se alguém
maldoso estiver me procurando devido ao que aconteceu, elas não
terão respostas sobre meu paradeiro. Não quero colocar ninguém
em perigo.
Elas concordaram e Mirabela apoiou a mão no meu ombro
esquerdo.
— O que precisa ter em mente agora é que está segura aqui.
Quando tudo passar e você se sentir confiante para voltar a Madrid,
poderá ir.
Eu não tinha palavras suficientes para agradecer a ela e o
marido por terem me acolhido ali depois de tudo. Eu não sabia para
onde correr quando abri a porta do quarto da boate na outra noite e
no fim, da mesma forma que a pulseira me colocou em apuros, me
salvou.
O relógio também.
— Obrigada por acreditar em mim, senhora Barone. Por mais
grotesca que essa história pareça, vocês me ouviram e acreditaram
na minha palavra, ainda me acolheram. Eu não sei o que estaria
fazendo agora se não estivesse aqui.
Ela sorriu observando por onde pisava.
O caminho para a horta era de pedrinhas, algumas maiores
que as outras.
— Você não merecia passar por nada disso.
Camilla lufou do meu outro lado e olhei para ela.
— Eu fico me perguntando por que as pessoas boas sempre
sofrem mais do que as más. Tanta gente ruim neste mundo e quem
não faria mal a ninguém sofre muito.
Talvez eu não fosse uma pessoa tão boa, apesar de que tudo
de ruim que fiz foi para o meu bem.
— É melhor não tentar entender — Mirabela aconselhou e
parou em frente ao cercadinho da horta. — Vamos focar nisso?
— Vamos. — Entrei logo após ela.
O cercado de madeira deveria ter um metro de altura,
perfeitamente alinhado, escondendo dentro dele as fileiras de
legumes. Tinha de todo tipo e como era uma horta muito espaçosa,
as fileiras ficavam à distância de podermos caminhar entre elas.
Camilla e Mirabela me explicaram o que eu deveria fazer, não
era o meu trabalho colher, mas mantê-las saudáveis e as outras
meninas da cozinha colheriam. Depois fomos para a estufa e eu me
apaixonei pela variedade de flores que elas cultivavam ali.
Mas a maioria precisava de atenção, o que me fez colocar a
mão na massa antes mesmo delas chamarem para ir ao jardim.
Passei o resto do dia cuidando disso e me senti como no
trabalho da floricultura, porém com um pouco mais de liberdade.
Quando pude descansar e tomar banho, minhas roupas já
estavam secas e as levei para o meu novo quarto. Era maior do que
o que eu tinha em casa, cabia uma cama de madeira de casal, um
pequeno guarda-roupas de solteiro, móveis com desenhos
esculpidos, bem antigos, conservados e bem lustrados, duas
cômodas de três gavetas ficavam ao lado da cama e nelas estavam
os abajures.
Eu tinha dormido um pouco desde que havia chegado, mas
ainda estava muito cansada e já era noite.
Depois do banho, eu apenas vesti uma roupa e me deitei,
dispensando o jantar.
Seria a primeira noite, em dias, que eu teria uma noite de
sono decente.
CAPÍTULO 7
CATERINA SÁNCHEZ
Acordei no primeiro ronco do motor e me sentei na cama,
assustada.
Não era o meu quarto, eu não sabia a hora e o meu cérebro
ainda estava sendo reprogramado para aquela rotina. Eu me deitei e
encarei o teto ao entender tudo que estava acontecendo.
Tudo novo, um recomeço sem despedidas, um possível
assassinato e pesadelos sobre o que eu preferia não refletir.
Assim que meu coração voltou a bater normalmente, levantei
da cama e puxei a cortina branca da janela. Ela dava para os fundos
e era possível ver o final de uma piscina, que ficava do outro lado da
casa, a casa de Camilla, a academia e outro anexo.
Camilla já tinha me falado sobre o que era cada coisa no dia
anterior. Da academia saíam Mirabela e Damon. Eles estavam de
roupas esportivas e pareciam se aquecer para começar alguma
atividade. Em outro ponto estava aquele que me fazia repensar
sobre a segurança do lugar. O preto caía tão bem a ele quanto
passear com um Rottweiler enorme.
Era errado eu querer entender o motivo dele ser tão mau?
Ele decidiu que me odiaria tão rápido que era quase
impossível encontrar um motivo justificável. Damon não era assim,
se ele não estivesse com o irmão, eu estaria sem uma mão àquela
altura.
Eles eram muito diferentes.
Héctor tinha uma postura de confiança, não andava relaxado,
sempre observando tudo, até mesmo naquele passeio com o
cachorro, a camiseta preta o apertava enquanto a calça caía sobre
seu quadril e eu não consegui sair da janela, nem focar em outro
ponto. De longe, mesmo parecendo que tudo estava perto, eu me
sentia segura em observá-lo. Queria saber o que se passava na
cabeça dele. Era um mafioso, o que me garantia que todas as suas
ideias malucas poderiam ser realizadas.
Será que ele ficava pensando em maldade o tempo inteiro?
Para mim, ele se resumia a isso, pois foi tudo que tive dele
desde que nos conhecemos.
Ainda me lembrava dos olhos pretos me cortando por dentro,
do medo que despertou junto à paralisia quando me encontrou na
boate, da sua voz falando sobre a joia no meu braço.
Seria sexy se fosse em uma série de ficção, mas na realidade
eu queria distância.
Quando ele começou a olhar na direção da casa, soltei a
cortina e me sentei na beirada da cama.
Não queria que ele se lembrasse que eu estava ali. A casa e
toda a propriedade eram tão grandes que talvez nem nos
cruzássemos até o dia de eu ir embora, e os lugares onde eu
precisava ir eram os que ele não transitava.
Eu me levantei e fui ao banheiro do quarto.
Quando soube que cada quarto tinha um banheiro, senti pena
das meninas da limpeza.
No total eram cinco mulheres; duas ficavam na cozinha com
Camilla e as outras cuidavam do restante do lugar. O resto dos
funcionários era homens. Tanto que elas faziam dois almoços, para
eles e para a família.
Achei que tinha visto poder e riqueza quando trabalhei na
boate, mas estar naquela casa e ver como ela funcionava era uma
prova real do que isso significava.
Depois que coloquei um dos vestidos floridos com uma
calcinha que havia comprado no dia anterior, saí do quarto indo
direto para a cozinha.
Camilla e as outras duas estavam preparando o café da
manhã.
Eu não era apenas a mais nova funcionária, era a mais jovem
entre elas.
— Dormiu bem, Caterina? — Camilla me olhou com um
sorriso meigo, que me fez sentir acolhida mais uma vez.
— Muito bem. — Eu me encostei na saída dos fundos.
Embora, eu tenha tido alguns sonhos, mais lembranças do
que sonhos, acordei revigorada.
— Ótimo! Você quer um café antes de ir olhar a horta? Não
jantou na noite passada.
— Eu aceito o café, mas estou sem fome. Ontem eu estava
muito cansada da noite e tudo antes disso, então não consegui fazer
nada além de dormir.
Ela me entregou uma xícara de café com a fumaça cheirosa
voando e sorriu.
— Compreendo, mas se senta ali e come alguma coisa. Tem
pão quentinho.
Era impossível não gostar de Camilla com seu jeito cuidadoso.
Eu nunca tinha conhecido alguém como ela e recusar o café
da manhã com seu pedido parecia um crime.
O cheiro do pão já havia se misturado ao do café.
Por um instante, acreditei que estava vivendo um sonho onde
não acordava correndo para resolver minhas obrigações.
A Rita, camareira, apareceu com cara de quem viu ou ouviu
coisa que não deveria, e pigarreou ao lado de Camilla.
— A Chiara dormiu aqui esta noite?
Camilla parou o que fazia para encará-la.
— O que elas aprontaram desta vez?
A irritação repentina de Camilla me pegou de surpresa, pois
até aquele momento ela era a senhora doce e gentil.
Rita ergueu os ombros e deu a volta na mesa, jogando uma
uva na boca e só depois de se acomodar, começou a contar.
— Elas saíram. Voltaram com o Roman de madrugada. Assim
os seguranças dos portões contaram. Parece que Roman andou
batendo em um homem que chegou perto de Ramona. Falaram que
Ramona estava reclamando sobre isso com ele lá na entrada.
Eu ainda não conhecia Roman nem a Ramona, mas entendi
que confusão era coisa de família.
— Desse jeito ela nunca vai se casar — Benedict, uma das
cozinheiras opinou. — Toda vez que sai pra namorar volta com uma
história assim.
— Mas é porque ela sai com o irmão. — Marieta balançou a
faca que usava para cortar um melão enquanto argumentava. — Se
ela sabe que tem esses irmãos ciumentos, como inventa de fazer
essas coisas na frente deles?
— Elas não deveriam ter saído. — Camilla passou a descascar
as laranjas com muita agressividade. — Chiara não me ouve. No dia
em que sobrar para ela e for proibida de entrar na casa, vai tomar
juízo. Essas duas juntas nunca deram certo. Eu vivo avisando.
— O perigo é estar dentro desta casa, Camilla. — Rita
carregava um sorriso de quem sabia mais do que deveria e adorava
isso. — Acha mesmo que eles a encaram como uma irmã? Um dia
desses...
Todas ficamos atentas ao que ela iria falar, mas parou e
Benedict fez algum sinal com os olhos.
— Vá cuidar das suas coisas, Rita. Pare de fofoca. Depois a
senhora Barone aparece e não tem nada feito na casa.
— Eu já vou... É que fica difícil arrumar o quarto com elas
dormindo. O resto da casa já acordou. — Ela passeou pela cozinha
até que resolveu sair.
— Chiara não toma jeito! — Camilla continuou nervosa. — Eu
vou falar com Henrico pra ver se mantém a irmã quieta.
Eu não podia falar nada, pois não conhecia as pessoas
envolvidas, então apenas terminei o café e deixei a xícara na pia.
— Caterina é você, não é? — Agnese, a outra responsável
pela limpeza da casa, chamou.
— Sim.
— O senhor Barone quer te ver.
O aviso fez uma explosão de adrenalina acontecer dentro de
mim.
— Qual deles?
— Seu Alejandro.
Foi um alívio saber que era ele e nem me preocupava tanto
em descobrir qual motivo dele querer me ver.
— Aproveite e leve o café dele. — Camilla me entregou a
xícara em cima do pires. — Se ele cobrar açúcar, diga que quem fez
o café foi a senhora Barone.
Sorrimos e carreguei o café.
— Ele está no escritório — Agnese avisou quando eu já
estava fora da cozinha.
A xícara era pequena e estava cheia de café, então me
apressei para chegar logo e não deixar a bebida esfriar.
Quando passei para a outra sala e ficou tudo preto na minha
frente, não foi possível desviar, mas parei repentinamente, para
evitar a batida.
O café voou mesmo eu tendo segurado a alça da xícara e caiu
na roupa dele.
Levantei o rosto e encarei a vítima.
Não poderia ser a pessoa mais errada pra isso.
Héctor estava na minha frente, respirando profundamente
com suas narinas maiores do que nunca, os olhos saltando de raiva
assim como a veia no centro da testa.
Era o meu fim.
— Foi você quem cruzou o meu caminho. — Eu me defendi o
mais rápido que pude. — Eu parei e você avançou. Você não olha
para onde anda?
Ele franziu o cenho e olhou para um lado, como se não
acreditasse no que ouviu, depois me encarou de novo.
— É você quem deve olhar por onde anda. Era desse jeito
que você carregava bebidas no puteiro onde trabalhava, ou só fazia
o serviço mais leve?
Serviço leve?
Eu me perguntava que serviço leve era esse naquela boate.
— Não! Eu nunca derrubei nada em ninguém. Foi você quem
continuou andando na minha direção.
Ele ignorou a minha defesa para olhar para minha roupa,
arrastando o tecido com as pontas dos dedos.
— Foi isso que você comprou pra usar aqui? É o disfarce de
boa moça?
Analisei seu rosto, sua agressividade e mais uma vez me
peguei tentando compreender o excesso de raiva dele.
— Você deveria procurar um terapeuta. Deve ter algum
trauma que precisa ser tratado.
— Como? — Ele continuou raivoso.
— Não existe ninguém que carregue tanto ódio sem motivo.
Ele deu um passo para perto de mim, cheirando a café e me
fez forçar a cabeça para me manter olhando em seus olhos.
— Você é o motivo. Se continuar atrapalhando a minha vida,
vou te jogar do avião bem no meio do puteiro de onde você saiu,
entendeu?
Sua ameaça não carregava o sorriso maldoso que deu quando
queria cortar a minha mão.
— E-entendi. — Engoli em seco.
Ele era um monstro revoltado.
Desviei do seu caminho com a xícara vazia e com o rumo
perdido.
Se ele soubesse o prazer que eu sentia em não encontrá-lo,
entenderia que nada daquilo foi proposital.
Qual era o trauma dele?
O que o tornou daquele jeito?
Deveria ser algo muito forte, pois a consequência era grande.
Não seria eu a tratá-lo, mas como estava sofrendo com sua
raiva, achei que deveria ao menos saber pra tentar compreender
melhor.
Olhei para a xícara e dei meia-volta para buscar outro café
para o senhor Barone.
O dia estava apenas começando e eu já tinha me metido em
problemas. Ficar na estufa seria a melhor maneira de viver tranquila
naquele lugar, e depois de encontrar o senhor Barone, era o que eu
iria fazer.
CAPÍTULO 8
CATERINA SÁNCHEZ
— O seu café, senhor Barone. — Deixei a xícara em cima da
mesa do escritório.
Ele estava sentado atrás dela, com uma TV na parede à
frente, onde passava a programação local e pelas fofoqueiras da
cozinha, soube que ele costumava passar muito tempo assistindo.
— Obrigado, Caterina. Sente-se. — Ele apontou para a cadeira,
sem dispersar a atenção da chamada de uma novela.
Como eu não tinha ido apenas levar o café, me sentei para
ouvir o que ele queria falar comigo.
O escritório era do tamanho do meu quarto, eu não era boa
em medidas, mas ele tinha lugares para mais de seis pessoas, entre
cadeiras e poltronas, e cheirava a charuto.
— Como estão sendo esses dias aqui?
Tinha apenas dois dias que eu estava naquela casa, mas a
sua pergunta era pertinente, já que eu tinha muito o que pensar
sobre o que vivi nesse período, só não podia falar pra ele.
— Estou adorando cuidar das plantas. É como se o meu
trabalho favorito tivesse apenas mudado de lugar. — Comecei a
sorrir enquanto falava.
Eu não estava mentindo sobre aquilo, mas quando ele me
deu total atenção, me lembrei do mundo lá fora.
— O senhor por acaso sabe como estão as coisas depois do
que aconteceu?
— Não procurei saber, mas só de não ter ouvido perguntas
sobre uma senhorita que possivelmente assassinou um homem
poderoso, acho que posso assegurar que tudo está bem. Também
não ouvi falar sobre morte de ninguém importante.
Porque para eles, era importante as pessoas ricas, pobres
pouco importavam se estavam vivos ou mortos.
— Que bom. — Mesmo assim eu fiquei aliviada.
Somente depois daquele momento considerei que eu poderia
ter apenas machucado o senhor Albarello.
Entre machucá-lo, mas mantê-lo vivo e ter que viver fugindo
ou ter que pagar por tê-lo matado, eu preferia a segunda opção.
Se ele estivesse vivo, lembraria de tudo, me acusaria, e iria
atrás de mim.
Não!
Eu não queria ter que lidar com a história de ser propriedade
de alguém mais uma vez.
Se tivesse, eu terminaria o que comecei e, dessa vez, não
falharia.
— Meus filhos, eles não continuaram te tratando mal, certo?
Eles não costumam entender as minhas decisões. Acham que estou
blefando por conta da idade. É certo que às vezes me falha a
memória, mas não é o tempo inteiro e eu ainda tenho juízo
suficiente pra entender as coisas.
— Eles não estão.
Eu não acreditava em mim mesma, na minha coragem de
esconder que Héctor havia me ameaçado no segundo que ele nos
deu as costas. Seria um pouco infantil ficar levando nossa inimizade
para o pai dele resolver.
Mas em caso de vida ou morte eu faria.
— Que bom. De qualquer forma, eu queria dizer que tenho
mais algumas coisas pra você ver, além daquele relógio. São
velharias, mas têm valor afetivo.
— Claro!
Concluí que esse era o principal assunto daquela reunião.
Se consertar coisas acumulasse gratidão, eu consertaria tudo
que fosse preciso para ter um pouco de paz dos meus problemas de
Madrid.
— Claro que pode fazer isso quando não estiver cuidando das
plantas de Bela. Ela ficaria furiosa se soubesse que suas plantas
morreram por causa dos meus relógios velhos. — Ele riu e eu o
acompanhei.
Eles pareciam ser um bom casal, como ouvi Bela falando.
— Eu não vou decepcionar nem um nem o outro. — Cruzei os
dedos e beijei enquanto ele continuou rindo.
— Então vá. Daqui a pouco ela voltará da corrida dela
perguntando por que a tirei do jardim.
Eu me levantei sorrindo e pedi licença antes de sair.
Ele era um bom homem, a esposa também.
Para qual familiar Héctor havia puxado?
Era um trauma certamente.
Seu temperamento era moldado por um trauma, eu não tinha
dúvida.
Ao chegar à sala, ouvi uma discussão se iniciando.
Vozes ainda desconhecidas entre a de Bela e Damon.
— Toda vez é a mesma coisa — uma mulher falou. — Vocês
implicam porque saio, implicam porque volto... Se eu tivesse um
pouco de liberdade nesta casa, não precisaria ficar fazendo essas
coisas sem avisar.
— Ramona você é uma mulher adulta, deveria saber o que
quer da vida — Bela reclamava.
Parecia que nenhum filho dava paz a ela.
— Eu sei tanto, mãe, que é por isso que eu saio! Só o Roman
me entende, apesar de me atrapalhar.
— Não é porque eu te levo pra diversão que deixarei você
manchar a honra da nossa família. Concorda, mãe?
A voz dele parecia com a de Damon, forte, mas não tão
profunda como a de Héctor.
— Eu não concordo com nada, Roman. Nem você, nem a sua
irmã deveriam estar aprontando essas coisas na idade que têm. Por
que não andam em lugares melhores? Não encontram um marido,
uma esposa. Façam como Damon, que espera a hora de se casar
enquanto está noivo.
— Eu não estou esperando, mãe — Damon a corrigiu. —
Estou vivendo com esse anel no dedo. Apenas.
— Que seja! Vocês me envergonham.
Coitada da Mirabela.
— E depois eu sou o problemático da família.
A voz de Héctor me fez pular e correr na direção contrária de
onde ela vinha. Nosso encontro mais cedo, naquele dia, já tinha sido
suficiente para me deixar perturbada.
Entrei em uma sala escura e apenas tranquei a porta antes de
verificar a luz, tateei até encontrar um interruptor e então virei para
olhar deslumbrada o lugar que tinha acabado de descobrir.
Uma biblioteca enorme!
Eu não era uma leitora assídua, gostava de ler sobre plantas,
para saber cuidar melhor delas, além disso apenas contos de fadas.
Gostava de livros com capa dura, com relevos e marcadores em fita.
Eu gostava do cheiro das folhas e de ver a pequena foto do autor
acima da sua biografia. Acima de tudo, ver as ilustrações dentro
deles.
O lugar era limpo, com certeza as meninas cuidavam bem,
mas não havia nada fora do lugar, nem um livro desarrumado nas
estantes de madeira que cobriam todas as paredes e cortavam o
lugar ao meio. Também não tinha nada além de um abajur em cima
da mesa.
Parecia não ser um lugar muito visitado.
Entre a estante do meio e a parede à minha esquerda, havia
uma escada. Subi dispensando o passeio literário, pois suspeitava o
seu destino e, quando abri a porta, saí no corredor dos quartos do
primeiro andar da casa.
Eu não andava por ali, ainda não, meu quarto ficava nos
fundos, por outro corredor. Um lugar que parecia até mesmo ser
mais velho do que onde me encontrava após descobrir o atalho.
Com sorte, ninguém usaria aquela biblioteca e eu poderia
desviar por ali do Barone raivoso tranquilamente.
Passei por muitas portas nos vários quartos daquele corredor,
até descer pela larga escada que dava para a sala. A família não
discutia mais ali, deveria estar na outra sala, onde tinham as portas
do escritório e da biblioteca. Dali eu apenas passei pela saída e dei a
volta até encontrar o caminho da estufa.
Escapei da presença de Héctor, mas ele permaneceu nos
meus pensamentos.
Enquanto pulverizava e procurava algum sinal de infestação
nas plantas, minha mente mais tranquila relembrava aquele
encontro desastroso.
Tudo culpa dele!
Ele sempre bloqueava o meu caminho e então me pedia para
sair do caminho dele.
Não fazia nenhum sentido.
Eu nem pude sentir o seu cheiro devido ao aroma do café
derramado em sua camisa, mas podia afirmar que ele ficava muito
bem cheirando a café. E a camisa preta era realmente apertada,
dava para ver cada detalhe do seu peitoral e do abdômen esculpido.
De longe, ele parecia ser um homem alto como qualquer
outro, de perto era muita coisa para ser um qualquer, em altura, em
ombros e braços. Não era exagerado, era bonito de se ver,
admirável, uma presença impossível de passar despercebida.
— Deveria ser ao menos feio de tão ruim que é — murmurei
pegando o jarro das rosas vermelhas, com os pensamentos
insistentes sobre ele começando a me irritar. — Ele está te
chamando de puta e você admirando os músculos dele? Deveria ter
o mínimo de amor-próprio e decência, Caterina.
Ele falando que as pessoas o achavam o problemático da
família. Essas pessoas nunca erraram e eu queria saber quem eram
elas, para me sentar ao lado e desabafar sobre como ele era
injustificavelmente mau comigo.
Levou o cachorro para passear.
Será que ele alimentava aquele cachorro com carne de gente?
Era bem a cara dele.
Eu precisava tirar esses pensamentos da minha cabeça, ele
da minha cabeça, mas era algo que estava me incomodando, então
não conseguia parar de sentir raiva.
No meio daqueles devaneios, furei o dedo no espinho da
roseira. Sangrou na mesma hora, a ponta do indicador direito.
Era culpa dele também!
Limpei na roupa e voltei a fazer o que era preciso, dessa vez
silenciando a mente com uma música aleatória. Funcionava. Por
mais péssima cantora que eu fosse, conseguia calar as vozes da
minha cabeça.
Ouvi um pigarro e olhei para trás rapidamente.
Eu me calei.
Não deu tempo de pensar sobre quem poderia ser, pois fui
muito rápida ao olhar, mas fiquei aliviada por ver Damon e não o
irmão maldoso dele.
Ele estava escorado na entrada da estufa, com os braços
cruzados sobre a roupa esportiva e o cabelo molhado que deduzi ser
por suor já que sua testa brilhava. Estava analisando o meu rosto
com a cabeça inclinada para o lado.
— Quanto tempo você tem de puta mesmo?
Que pergunta mais aleatória!
— O quê?
Ele se afastou da porta e, com as mãos nos bolsos, andou
devagar em minha direção.
— Já estava na boate na época do aniversário da cidade?
— Não. — Eu o encarei, confusa.
Ele encolheu o cenho e torceu a boca.
— Hum. Interessante. Já conhecia o meu irmão?
— Não! — Dessa vez a minha repulsa por Héctor saiu com a
resposta.
Talvez ele estivesse se perguntando sobre o problema que
Héctor tinha comigo. Se fosse, eu me juntaria voluntariamente para
analisar o assunto.
— Tem certeza? Você poderia estar, sei lá, com os olhos
voltados pra cabeça de baixo quando o conheceu.
Que insulto!
— Não! Eu nunca o vi antes daquela noite! — Continuei
fazendo careta, enojada.
Não queria me imaginar fazendo o que ele mencionou.
Ele apertou os cantos da boca e olhou para as rosas.
— Então foi ódio à primeira vista. Interessante... Nunca vi
acontecer com uma mulher antes. Esse anel. — Ele apontou para a
minha mão, o anel de flor que ganhei na escola. — Tem um
namorado? Seu namorado te aceitava na boate? Um relacionamento
aberto?
— Eu não tenho um namorado, Damon.
Eu nunca tinha conhecido um homem que perguntava e
deduzia tanto. Ele era estranho e irritante, parecia um parente
inconveniente.
— Sorte sua. Se fosse, eu já iria te aconselhar a mandá-lo
para o mais longe possível, mas... Talvez não seja uma má ideia
fingir que tenha um. — Ele segurou a minha mão olhando para o
anel e encolheu o nariz. — Se bem também que você tem sorte por
ser puta.
Essa foi a conversa mais aleatória que tive na vida.
— Você poderia ser mais claro?
— Está longe da mira do meu irmão. — Ele me soltou e se
afastou, indo para a saída. — Eu acho...
Achava?
Se longe da mira do irmão dele, eu estava sendo tratada
daquela forma, temia entrar nela.
CAPÍTULO 9
CATERINA SÁNCHEZ
Fiquei quieta, apenas fazendo meus deveres, até que
chegou a terça-feira e a casa dos Barones se tornou uma bagunça.
Héctor não andava sozinho e para alguém acompanhar um
tipo como ele, precisava ser, no mínimo, tão frio quanto.
Henrico era essa pessoa.
Ele era filho de Camilla, afilhado dos Barones e melhor amigo
de Héctor. Era intimidador por completo, o tom de voz, o físico, a
forma como se vestia com roupas formais escuras e o olhar.
Eu não conseguia trocar mais do que duas palavras com ele,
mas também não precisava. Sempre que Henrico estava na casa, era
ao lado de Héctor e como eu andava fugindo do segundo como o
diabo fugia da cruz, não o encontrava com frequência.
Ele viajou no domingo e só voltou na madrugada da terça,
machucado. Acordei com o som do motor do carro, mas quando
fiquei decente para sair e verificar o que estava acontecendo,
encontrei apenas alguns membros da família Barone preocupados e
Camilla aflita ao lado de Chiara, a filha dela.
— Sinto muito, Camilla. — Segurei a mão dela. — Ele vai ficar
bem. Se está no hospital, vão cuidar dele. — Tentei tranquilizá-la
com as informações que havia obtido no caminho até a cozinha.
— Eu sabia que não era uma boa ideia. Essa sede de
vingança não deveria estar no meu filho. — Ela secou as lágrimas
com um lenço de papel.
— Ele vai voltar logo. — Mirabela apareceu na cozinha. —
Com sorte não vai precisar de mais do que um curativo.
Coitada dela!
— Mãe, é melhor a senhora esperar em casa, não vai
conseguir fazer nada desse jeito. Vamos esperar a ligação do
Damon. — Chiara não fraquejou pelo medo, mas era nítido por cima
das feições de sono que ela estava abatida.
Henrico havia levado um tiro.
Não havia melhor maneira de demonstrar que eu realmente
estava entre mafiosos do que uma situação como aquela.
Também tinha ouvido boatos que quem o levou para casa foi
uma mulher, mas ela não estava ali.
Camilla teimou que preferia ficar na cozinha, tentando se
distrair do que em casa, então ficou e assistimos ao dia amanhecer
bem rápido no meio da confusão.
Fiz minhas coisas e ouvi as notícias pelos corredores.
Nada me surpreendeu mais do que Rita contando que Héctor
havia pegado a mulher que levou Henrico e estava torturando-a no
porão do lado de fora da casa.
Que tipo de HOMEM ele era para machucar uma mulher?
Era um monstro!
No meio disso, eu estava como Camilla, procurando o que
fazer para não enlouquecer com tanta confusão.
Passei os lençóis na lavanderia, de olho na entrada do tal
porão.
Nada de Héctor por ali, mas eu sabia que Henrico estava lá.
Eu esperava que assim como Damon, Henrico fosse um pouco
piedoso.
Usando o caminho de sempre, pela biblioteca, levei os lençóis
limpos e me surpreendi ao encontrar Camilla acompanhada de uma
moça desconhecida. Abaixei a cabeça para não parecer uma curiosa,
mas antes disso consegui captar sua aparência. Corpo esguio, cabelo
preto um pouco bagunçado, a roupa estava molhada e os olhos dela
eram tão claros que foi impossível não notar seu azul.
Fiquei feliz em ver que a única coisa que parecia errada era a
roupa molhada, o que significava que Héctor não era um completo
louco que machucava mulheres.
Eu soube que era a salvadora do Henrico assim que coloquei
os olhos nela, pois aquela casa não recebia visitas frequentemente.
— Leve lençóis limpos para o quarto de hóspedes número
quatro — Camilla se aproveitou de mim, apontando a direção, com
um humor diferente de mais cedo.
Ela estava alegre, provavelmente muito aliviada em ver o filho
bem.
— Sim, senhora. — Ousei falar e sorri para a moça que
tornou o dia dela menos sofrido.
Quando entrei no tal quarto número quatro, ouvi Camilla
comentando sobre mim.
— A ragazza arranjou uma grande confusão com Héctor, veio
parar aqui e acabou caindo no gosto do Don Alejandro. Uma pobre
coitada.
Uma grande pobre coitada...
Deixei tudo no armário, depois segui meu caminho de volta
aos fundos. Passei mais roupas e enquanto isso, ouvi uma conversa
longa entre Héctor e Henrico sobre o que havia acontecido.
Eram coisas de arrepiar e eu não sabia quem era o certo ou
errado naquela história.
Quando eles não falaram mais nada, concluí que tinham ido
embora.
Como eu estava apenas ouvindo a conversa sem fazer nada,
despertei da fofoca e fui retirar o ferro de passar da tomada.
Eu temia descobrir mais coisas das quais o Héctor era capaz,
pois naquela conversa descobri que ele era mesmo um mafioso do
mal.
Distraída, peguei o ferro de mal jeito e as pontas dos dedos
da mão esquerda tocaram na parte quente. Tirei na mesma hora e
soprei com a pele ardendo.
Eu já tinha passado por muitas experiências com fogo para
ser tão descuidada, no entanto, as queimaduras não eram mais algo
que me deixava aflita.
Assim que saí da lavanderia, o vento fez com que a ardência
aliviasse.
Não era nada de mais.
Demais mesmo era ver que Héctor ainda estava por ali, se
afastando sem me ver.
Eu me apressei e entrei na estufa antes que o contrário
acontecesse, e aí sim estaria fodida.
No tiroteio que machucou Henrico, outras pessoas morreram
e naquele dia houve o velório delas. Dentre as funcionárias, apenas
Rita e eu ficamos. A fofoqueira era poucos anos mais velha do que
eu, tinha um caso com um dos seguranças dos portões, por isso
sempre sabia das fofocas que rondavam aquela área.
Quem também ficou na casa foi Chiara, Ramona e a moça
que salvou Henrico.
Rita e eu ficamos em uma salinha que tinha perto dos nossos
quartos. Ali tinha uma TV e sofás. Colocamos uma série para passar
enquanto comíamos pipoca.
— Roman já chegou, aposto que elas vão sair. — Rita já
estava por dentro das manobras das meninas.
Elas gostavam muito de festas, mas sempre arranjavam
confusão por causa disso.
— Será que elas vão mesmo depois de terem feito isso na
semana passada?
— Com certeza. E eu aposto a limpeza do quarto de Héctor
com você que elas vão levar a moça dos Russos.
Eu não queria aceitar uma aposta onde valia entrar no
território de um Rottweiler, mas não podia acreditar que, depois do
que a moça tinha passado mais cedo, ela teria ânimo para festejar
com duas pessoas que conheceu havia pouco tempo.
Apertei a mão de Rita, confiante de que venceria.
— Não acho que ela vai sair se está se escondendo aqui.
— Ramona e Chiara são convincentes demais. Sem contar a
lábia do Roman. — Ela soltou a minha mão sorrindo e se deitou no
sofá.
— Eu ainda não encontrei com ele, mas acho que não poderá
convencê-la. Héctor a pendurou no teto!
— Ele já fez pior com outras pessoas.
Parecia que ela achava isso normal, natural.
— Ela é uma mulher, Rita. — Tentei explicar a gravidade da
situação.
— Ele não diferencia sexo quando o assunto é traição. Mas o
Roman... — Ela pegou um pouco de pipoca da tigela. — Esse olha
bem o sexo. Quando ele ver você, com certeza vai falar alguma
coisa.
— Como? — Temi.
— Você é muito bonita, Caterina. Ainda anda toda graciosa
com esses vestidos floridos. Se não contar que é uma funcionária,
ele vai dar em cima de você.
O aviso me preocupou.
Ninguém daquela família passava segurança suficiente para
despertar alguma vontade, como a de receber elogios e flertes.
— Aposto que é estranho como os outros. — Eu me lembrei
das perguntas de Damon.
Foi a conversa mais aleatória que tive, embora fizesse um
pouco de sentido.
— E charmoso como todos também. — Ela sorriu de canto e
acabou me tirando uma risada.
— Eles já implicaram ou deram em cima de você?
— Não. Eu não sou o tipo deles. Não sou bonita, de família
importante, nem virgem.
Rita era uma mulher bonita sim. Seu cabelo castanho médio
tinha cachos bem bonitos e longos, que enrolava no topo da cabeça,
e os olhos cor de mel com as marcas do sol, que pareciam sardas,
combinavam com ela.
— Eles são predadores de virgens? — brinquei levemente
preocupada.
Mas eu era uma puta pra eles, então realmente não estava na
mira do Héctor.
— Eles só se casam com mulheres assim, Caterina. Tem que
ser uma mulher do lar. Então não importa o quanto sejam
apaixonados por quem levou para a cama, sempre irão se casar com
a moça que passou a vida esperando por uma aliança no dedo e
depois, só depois ir para a cama.
Ser puta ali era mesmo ter sorte.
— Bom saber.
CAPÍTULO 10
CATERINA SÁNCHEZ
Elas foram mesmo.
Eu perdi a aposta com Rita, porque as meninas conseguiram
convencer a moça que salvou Henrico a ir festejar com elas,
enquanto o resto da família estava em um velório!
Eu entendia que elas eram mesmo ricas e mimadas, que
nunca sentiram o peso de nada na vida para lamentar. Elas apenas
buscavam momentos de felicidade, sem se importar com ninguém,
com a dor de ninguém.
Achei que a moça que sofreu nas mãos de Héctor poderia ser
diferente. Eu me lembrava de ouvir Henrico falando que ela temia o
marido, e que estava ali para que ele a protegesse.
Mas talvez ela estivesse aproveitando o tempo livre para fazer
o que o marido não permitia.
Então, no dia seguinte, antes das discussões sobre o que elas
fizeram começarem, fui limpar o quarto de Héctor.
Aquele horário era quando ele estava se exercitando, então
não corria o risco de encontrá-lo.
Rita não me disse qual era o quarto, mas bastou eu passar
por uma porta e respirar para saber a quem ele pertencia.
Enorme, caberia facilmente três camas de casal com muito
espaço entre elas, mas tinha apenas uma cama com dossel, toda
bagunçada com edredom, cobertores e travesseiros amassados.
O tapete cobria a maior parte da madeira que forrava o chão
e a escrivaninha não tinha nada além de um baralho dentro da
caixa. A porta do banheiro estava aberta e cheirava a sabonete da
melhor qualidade. O guarda-roupa era mais um cabideiro, pois as
portas eram de vidro, que ficava em frente à cama, mostrando os
chiquérrimos ternos passados e pendurados nos cabides. Assim
como os sapatos de couro, carteiras e cintos.
Não tinha nada muito colorido.
Quando me dei conta de que estava passando muito tempo
no quarto de quem não devia, comecei a pagar a minha aposta.
Deixei os lençóis limpos em cima da escrivaninha e fui arrumar a
cama.
Assim que puxei o edredom, o cheiro másculo dele subiu e
me embriagou.
Pensei em como seria dormir em uma cama tão cheirosa e
cheguei à conclusão de que com certeza pegaria no sono bem
rápido. Troquei tudo para roupas de cama limpas e peguei o cesto
de roupas sujas para levar tudo para fora, então ouvi passos perto
da porta e a voz dele.
— Eu avisei e o Henrico não me ouviu. A bastarda aprontou.
Corri para o lado da cama onde estavam os lençóis sujos e o
cesto de roupas, e me escondi debaixo do edredom.
Foi instintivo.
Eu não estava pronta para lidar com ele tão cedo e no dia
anterior havia acontecido coisas demais.
Eu não queria que ele descontasse sua raiva em mim.
Eu o conhecia havia pouco tempo, mas já esperava esse tipo
de atitude.
Fiquei paradinha enquanto Héctor conversava com Damon,
então a porta abriu e ele entrou.
Eu me benzi e rezei para que ele passasse rápido por ali.
Seu sapato fazia pouco barulho, mas como o lugar era
silencioso, pude ouvir e saber as direções que ele tomava.
Ele andou de um lado para o outro, parou ali no meio, depois
o seu sapato não fez mais barulho. Ele deveria estar descalço. Mais
um tempo, voltei a ouvir os passos.
Eu só queria ter uma brecha para olhar.
Então o chuveiro ligou.
Ele estava no banho.
Era a hora perfeita para aproveitar e sair dali.
Ainda daria tempo de levar tudo comigo sem que ele
percebesse.
Tirei o edredom de cima de mim e me levantei.
Héctor estava parado na minha frente, sem camisa, apenas
com a calça e os músculos suados, contraídos nos braços cruzados.
Ele abriu a boca e dobrou a língua, me analisando de cenho
franzido.
Que droga!
Eu tinha feito o possível para ele não me ver!
Ele foi mais esperto e eu passei uma grande vergonha.
Ri de desespero e constrangimento.
— Surpresa...
— O que faz no meu quarto? — Ele foi frio, mas menos bruto
do que nas outras vezes.
— Vim trocar os lençóis. — Apontei para a cama que estava
linda, toda arrumada, coisa de catálogo de loja.
E eu estava ofegante, era o nervosismo.
Eu poderia ter me escondido melhor.
— Essa função é da Rita. Por que veio no lugar dela? Anda
querendo mexer nas minhas coisas?
— Não! Eu só perdi uma... — Era vergonhoso admitir o real
motivo.
E se a Rita fosse demitida por tratar o trabalho como uma
brincadeira?
— Estou ajudando. Agora tem uma hóspede e são mais
quartos para arrumar.
Ele estreitou o olhar, me inspecionando e balançou a cabeça
em negação.
Quanta marra para alguém que deveria estar exausto após o
treino!
E o treino estava valendo, pois até as veias apareciam.
— Por que eu não acredito nisso?
— Porque você me odeia! Mas eu não me importo se acredita
ou não. Longe de mim querer mexer nas suas coisas. Eu não mexo
nas coisas de ninguém sem permissão. — Juntei os lençóis do chão
e os abracei para levar comigo. — Amanhã a Rita vem, e depois e
depois também. — Peguei a alça do cesto e ele continuou parado,
me observando com os olhos semicerrados.
O que estava procurando em mim, eu não sabia, mas estava
me incomodando.
— Pode me dar licença?
Ele saiu da minha frente e consegui arrastar tudo até a porta.
Mesmo de costas, sentia que estava sendo observada. Abri a porta o
mais rápido que pude, saí sem olhar pra trás.
Será que ele não me deixaria fazer o meu trabalho em paz?
Naquele dia, aprendi uma lição importante: nunca fazer uma
aposta com Rita.
Ela conhecia muito bem as pessoas daquela casa e ganharia
todas.

Durante aquele dia, encontrei a nova hóspede algumas vezes.


Serena era o nome dela. Ela parecia arrependida do que fez na noite
anterior e usou o meu esconderijo, a biblioteca, para lamentar sobre
sua situação.
Mas eu ainda não sabia muito sobre ela, só no dia seguinte,
quando ela me seguiu até a horta, que finalmente conversamos.
— Ontem foi um dia péssimo e eu ainda falei besteira — ela
comentou me assistindo regar os legumes.
Eu ri, sabendo o que ela havia feito.
Parecia que ela não sabia agir sob pressão, mas quem era eu
para julgar?
— Sim! De tudo... — ela começou a desabafar, me contando
melhor o que aconteceu.
Serena parecia realmente arrependida, mas não havia o que
ser feito para apagar o que passou.
— Henrico ficou grato pelo que você fez.
Os olhos dela nadaram em lágrimas e ela respirou fundo me
contando mais sobre seu passado.
— Ele disse que se eu não seguir as regras, receberei sua
fúria. Que fúria é essa? Eu não sei, mas não quero conhecer. Já
basta ter conhecido o lado mais generoso do Héctor.
— Héctor te pendurou mesmo no teto? — Essa história havia
me deixado muito curiosa.
— Caterina, ele é doido! — Ela arregalou os olhos.
— Você acha que eu não sei? Sabe a pulseira que me fez
parar aqui? Ela era velha e engenhosa, não saía de jeito nenhum e
ele queria cortar minha mão fora pra tirá-la!
Ficamos as duas horrorizadas e nos benzemos.
— Quanto mais longe dele, melhor.
— Sim. — Eu concordei com ela. — Aquela biblioteca é um
santuário. Ele nunca entra lá. Eu uso para não cruzar com ele.
— Vou passar a usar também. — Ela se apoiou na cerca e eu
voltei a molhar as plantas.
Era bom ter alguém para conversar sobre essas coisas.
— Eu meio que estou me escondendo também. Acho que
matei um homem assim como você, mas não tenho certeza...
As sobrancelhas dela saltaram.
— Como assim?
— Ele me comprou e quis forçar sexo comigo. Eu me defendi
como pude. — Ergui os ombros enquanto ela ouvia de queixo caído.
— Ele ficou sangrando, inconsciente no chão. Não verifiquei os sinais
vitais.
— Eu fiz pior. Você pode até ir para o purgatório, porque
estava só se defendendo. Mas eu vou direto para o inferno. — Ela
parecia conformada com isso.
— Você também estava se defendendo, não?
Ela não parecia ser má.
— Na hora eu pensei em mim, na minha liberdade e em como
o Henrico poderia servir para isso. Não foi defesa, foi um livramento.
Eu queria ficar apavorada com a justificativa dela, mas
livramento me fez querer rir, ainda mais que ela contava toda
entristecida, com as sobrancelhas subindo e descendo.
Ela era engraçada no assunto mais perturbador.
Contive a vontade de rir e apertei sua mão.
— Tudo vai ficar bem.
— É. Agora que vai. Eu vou tentar ficar quieta, longe das
confusões das meninas e... Sufocada nessas roupas da Ramona.
Ela estava com uma calça muito justa e uma blusa mais justa
ainda. Ramona era muito magra mesmo, as roupas dela não ficavam
confortáveis em quem tinha seios e quadris mais volumosos como
Serena, por mais sutis que fossem.
— Eu tenho alguns vestidos. Muitos. O senhor Barone me
deixou comprar. Você pode ficar com alguns.
— É sério? — Ela pulou.
— Sim! Só cuidado que esse tipo de roupa irrita o Héctor.
Esses dias eu o ouvi passando pelos varais e dizendo que iria
queimar tudo. — Deu vontade de rir e ela riu comigo.
— Eu aceito os vestidos, mas precisamos ficar longe dele.
— Precisamos mesmo! — Gargalhei.
CAPÍTULO 11
CATERINA SÁNCHEZ
Na noite do segundo sábado que passei com os Barones,
haveria um banquete em família.
Eu arrumei a sala de jantar com muitos arranjos. A mesa
deles era extensa, tinha muitos lugares e quando precisava as
funcionárias ainda conseguiam fazer com que ela se tornasse maior,
unindo outra parte que ficava guardada no armazém.
Quando a noite chegou, toda a família estava reunida. O
último a aparecer foi o Roman. Serena disse que ele vinha dando em
cima dela desde que a viu e pela implicância que contou que Henrico
tinha por isso, achei que fosse mais ciúmes do que medida protetiva.
Roman era muito bonito, o mais novo e com cabelo mais claro
de todos. Ele também tinha uma boca carnuda e era altíssimo. Tinha
cara de mulherengo que não se importava com nada, o que fazia
sentido com o fato dele ter uma boate.
Eu fiquei longe, onde Héctor não podia me ver, junto a
Benedict e Marieta, assistindo.
— Héctor, em conversa com Edoardo, chegamos à conclusão
de que já passou da hora de você se casar. — O senhor Barone
soltou de repente.
Héctor riu.
— Chegaram, hein?
— Chegamos e você irá. — O homem estava decidido.
— Quer dizer que o Henrico tem escolha e eu tenho que me
casar a paus e pedras.
Héctor ainda não concordava com a ideia do pai.
— Mais escolhas do que damos? Como se chama aquela sua
amiga, Bela? — O senhor Barone se virou para a esposa.
— Giorgia Lucchesi?
Eu tinha certeza de que esse momento era o tão esperado na
vida dela. Na conversa que ela teve com Camilla, disse que estava
esperando quando o marido falaria sobre isso e ela conseguiu esse
momento bem rápido.
— Sim. Ela tem muitas filhas moças, não tem?
— Tem. Aliás, uma delas acaba de retornar da faculdade. É
médica. Olha só! Giorgia está puro orgulho.
O marido dela concordava que parecia uma boa escolha.
— Ótima pretendente, Héctor! Acho que uma visita aos
Lucchesi para parabenizar pela volta da filha médica é uma ótima
iniciativa.
— Estados Unidos? Dispenso. — Héctor olhou bem para onde
eu estava com as outras e foi como receber um golpe dos seus olhos
negros afiados.
Eu me arrependi no mesmo segundo de ter ficado assistindo
aquilo. Eu não imaginei que ele estaria atento a tudo ao seu redor e
naquele momento tinha coisas mais importantes do que ficar
reparando nas funcionárias.
Seria maravilhoso se ele se casasse, se fosse embora no dia
seguinte àquele. Se ele fosse cortejar a moça em outro continente
daria tempo das coisas ficarem calmas para mim e eu ir para a
minha casa antes dele voltar para a mansão Barone.
O mais bizarro na conversa foi a sugestão de Serena, como
viúva, se casar com ele. Lamentei por ela.
Coitada, não merecia isso.
Aquilo a pegou tão de surpresa que ela riu espontaneamente,
zombando daquilo e chocou toda a família.
A minha nova amiga era atraída por problemas. Eles
poderiam ter se sentido ofendidos pelo riso dela, mas o fato foi que
fizeram perguntas sobre a família dela.
Como eu não era responsável por tirar a mesa ou repor
alguma coisa, fui para o meu quarto antes que o jantar terminasse e
Rita apareceu para saber o que eu tinha ouvido.
Contei tudo.
Tínhamos esse tipo de troca, mas não fazíamos mais apostas.
— Ele já está ficando careca de saber que precisa se casar
para ficar no lugar do pai, mas finge que não tem essa obrigação.
Acho que agora a pressão vai aumentar, pois o velho já passou dos
setenta. Pra vestir o paletó de madeira é questão de um tombo.
— Credo, Rita! Não fale isso! Ele é um homem bom.
Ele era meu defensor e se morresse eu estaria morta
também.
Quem me protegeria do Héctor?
Eu iria embora no mesmo dia para não precisar descobrir a
resposta.
— Bom agora. Dizem que antes ele era igual ao filho ou pior.
— Ela passeou pelo meu quarto. — Engraçado que a velhice deixa
quem é ruim pior, no caso dele houve esse milagre.
— Ainda bem, ou não sei o que seria de mim numa hora
dessa. Espero que o casamento ajude Héctor a ser menos ruim
também.
Ela riu como quem sabia que não mudaria nada e saiu do
quarto.
— Boa noite, Caterina.
— Boa noite. — Eu me enrolei nos lençóis e apaguei o abajur
para poder dormir.
Coitada da mulher que se casasse com Héctor.

No dia seguinte, Serena e eu não poderíamos estar


conversando sobre outro assunto na estufa senão o caótico jantar.
— Desculpa. Desculpa. — Pedi chorando de rir. — Foi tudo
muito estranho e engraçado.
— Eu não achei nada engraçado além da sugestão de me
casar com Héctor. Nem fodendo! — Ela estremeceu ao citar o nome
dele.
— Se existir o pior castigo do mundo, eu voto neste. — Eu me
benzi e ela riu comigo.
Eu acreditava que ele era incapaz de amar e um casamento
sem amor era mais que uma prisão.
Serena estava ali como prova disso.
Se ela se casasse com ele, seria como sair de uma prisão e ir
para outra que talvez fosse ainda pior.
— E eles não acharam graça nenhuma, você viu? Todos
sérios. — Ela encolheu o nariz e eu concordei.
— Acho que você os ofendeu. — Dei a minha opinião, apesar
de ser pouco fundamentada. — Eles são uma família importante,
super tradicional. Mas acho que você não poderia se casar com ele,
a Rita disse que eles se casam apenas com virgens.
— Às vezes eu acho que não são famílias tradicionais e sim
seitas satânicas, sacrificadoras de virgens — ela comentou baixinho,
olhando para os lados.
Não era bom mesmo que alguém ouvisse uma suspeita
dessas ali, perigosos como eram.
Eu deveria gargalhar, mas fiquei preocupada com isso.
Eu me benzi, como sempre fazia quando conversava com
Serena.
Paramos de conversar para focar em plantar as novas
mudinhas.
Ela estava me ajudando todas as manhãs nessas coisas.
Então o Henrico apareceu e a chamou lá fora.
A minha mente já estava sonhando com um romance proibido
entre eles.
Cuidar do jardim não ocupava muito a minha mente, já não
era uma tarefa que exigia pensar tanto, era algo automático para
mim, o que abria espaço para sonhar.
Quando ela voltou, eu até brinquei com isso, mas ela não
concordou.
— Que ideia boba! Você é muito sonhadora.
— Sonhar não custa nada.
— Custa se você deveria estar trabalhando — Héctor retrucou
e olhamos para a porta.
O que ele estava fazendo no meu santuário?
Também estava vestido para sair e seu olhar quase fatal me
acertou em cheio.
— O que quer? — Serena não escondia que não gostava dele.
Héctor também não escondia que ela era tão odiada por ele
tanto quanto eu.
Acho que a única mulher de quem ele gostava era a própria
mãe.
— Henrico não é autoridade acima de mim, sabia? — Ele deu
um passo para frente, com sua presença imponente, fazendo o lugar
parecer menor.
— E? — Ela o desafiou.
Serena era muito corajosa, ela não tinha medo de ficar
pendurada no teto de novo.
— E que posso muito bem calar essa sua boca da forma que
eu bem quiser.
O aviso sádico me deixou com medo.
Se Serena desaparecesse, eu saberia a quem culpar.
Um monstro!
Aquilo era uma ameaça de morte, ou ele poderia arrancar a
língua dela, costurar os lábios dela.
Serena precisava correr para o Henrico.
— O meu trato não é com você. — Ela não abaixava a cabeça
e isso seria admirável se não fosse um perigo.
Eu, por outro lado, preferia não precisar enfrentá-lo.
Ele disse que não queria me ver, por que apareceu onde sabia
que podia me encontrar?
— Posso lidar com as consequências do seu castigo entre
Henrico e eu. — Ele parecia tranquilo quanto a isso.
Os dois em particular?
Juntos?
A minha mente borbulhou com uma possibilidade. Eu me
lembrava que a mãe dele disse que Henrico o dominava.
Meu Deus!
— Então é por isso? — A minha curiosidade falou mais alto e
saiu pela boca.
Fazia muito sentido!
Eles eram muito cúmplices e o Héctor não queria se casar
com mulher alguma!
— O quê? — O olhar dele se voltou para mim e eu cambaleei
para trás.
Era como ser ameaçada por um leão. Ele conseguia me fazer
sentir como uma presa melhor do que quando eu estava rodeada de
homens na boate Lujuria.
— Que não se casam com mulheres? — sussurrei, com medo
de revelar o segredo dele e acabar em uma vala.
Ele inclinou a cabeça e franziu o cenho, olhando tão fundo
nos meus olhos que temi que pudesse ver os meus pecados.
— Ficou louca? — A voz apertada indicava que eu tinha ido
longe demais e ele não gostava nem um pouco disso.
Eu deveria ter ficado quieta.
Por que falei demais?
Julgava a Serena e agia como ela.
— E-eu só estou perguntando. Não é por mal. — Ergui os
ombros, mais uma vez sem saber me defender diante dele.
Héctor deu um passo para perto de mim e cobriu minha
mandíbula com sua mão grande, encarando-me de perto demais. Eu
podia sentir o seu hálito fresco de menta, o perfume da cama estava
mais forte e claro que ele tinha que me deixar na ponta dos pés.
Eu me arrependi de ter aberto a boca.
Eu não queria ouvir nenhuma ameaça louca dele.
— Você tem tanta sorte... — ele rosnou baixo. — Não deveria
brincar com isso. Já te dei muitos dias a mais de vida, certo? Quer
pôr logo um fim nisso? Eu adoraria.
Me matar?
Eu sabia que a ameaça final seria essa.
— Mas que conversa é essa, Héctor? — Serena o empurrou.
Porém, o homem era tão forte que nem se abalava, estava
focado em meus olhos e na minha boca para ouvir Serena.
— Solte-a.
Por que ele costumava me analisar tanto?
Parecia que estava gravando meu rosto, cada detalhe dele,
completamente intrigado, revoltado com o que via.
Eu nem era tão feia assim!
— Eu não falei por mal. Eu só entendi errado! — Tentei me
safar.
Nas mãos dele, eu me sentia de novo como uma boneca que
poderia ser jogada em qualquer canto, inclusive assim como ele me
arrastou para a Itália, poderia me carregar para qualquer outro país
do mundo que eu não teria forças para fugir.
Ele parou Serena apenas com uma mão, prendeu os dois
braços dela e a mulher ficou estática.
— Você sempre entende errado, hein?
O olhar afiado dele me cortava.
Era a primeira vez que aquilo acontecia.
Ele estava inventando coisas.
— Solta ela, seu maníaco! — Serena ordenou quase
rosnando.
— Héctor! — Damon apareceu e senti alívio imediato, mesmo
continuando nas mãos do irmão dele.
— O que é? — Héctor perguntou ríspido e não tirou os olhos
de mim, para falar com o irmão.
Para alguém que me odiava tanto, ele gostava muito de me
encarar.
— Largue a menina. Cazzo! —o irmão ordenou, no mesmo
tom que Héctor.
— Não é assunto seu. — O olhar de Héctor recaiu sobre meus
lábios.
Só poderia estar procurando algum defeito em mim.
Era assunto dele sim, afinal, Damon também estava na noite
em que me encontraram na boate e eu não tinha nenhum assunto
particular com Héctor.
— É por isso que fico irritado com você. Sempre me forçando
a entrar em assuntos que não são meus. Os trinta e três anos não
amadureceram o seu cérebro? — Ele nos afastou rapidamente e
Héctor tirou as mãos de mim.
Ele não estava me machucando, mas só de ter sua presença
física um pouco distante de mim, eu me sentia aliviada.
O homem era feito de músculos e ruindade.
— Isso é você quem diz. Na minha ótica, você é um enxerido.
— Ele finalmente tirou os olhos de mim.
— Errado. Na minha perspectiva você precisa de uma camisa
de força ou um pau pra acabar com essa raiva. — Damon foi
cirúrgico nas sugestões.
Mas eu era a pessoa que falava besteiras!
Ali estava a prova de que não blefei!
Poderia dizer até mesmo que Héctor sentia ciúmes de Henrico
com Serena, por isso a pendurou no teto.
Eu conseguia pensar mais coisas e as palavras de Damon
confirmavam que aquilo poderia ser real sim.
— Foda-se! — Ele saiu da estufa.
O lugar ficou instantaneamente mais espaçoso, menos
quente, mas ainda restou o seu cheiro, que cobria o aroma de todas
as rosas ali.
Como poderia incomodar e se incomodar tanto?
— O seu irmão é metade gente e metade pinscher — Serena
comentou com Damon e eu quis rir e concordar.
Fiz isso mentalmente, para não piorar as coisas.
— Voltem ao trabalho — ele ordenou e nos deixou a sós.
Os Barones eram um bando de homens autoritários.
— Parece que ele é obcecado por me ameaçar — desabafei
com Serena, que concordou comigo voltando a mexer nas mudas.
— Henrico faz o mesmo e você ainda diz que acha que ele
gosta de mim!
Ela não entendia, apesar de ter acabado de presenciar a
forma como Héctor me tratava.
— É diferente, Serena. Héctor não é lúcido. Às vezes ele está
normal, então me encara e aos poucos o seu olhar vai mudando. É
como se o santo dele não batesse com o meu.
Ela sorriu sem graça.
Era realmente algo ruim saber que ele reagia dessa forma
diante de mim.
— O que você fez contra esse homem, Caterina? — Ela
encolheu a testa e nariz.
Faria mesmo mais sentido que ele fosse assim se eu tivesse
feito algo que justificasse, mas não achava que tinha motivos
suficientes para isso.
— Depois de atrapalhar seus planos e ter conquistado o
carinho do pai dele? — Esses eram os mais básicos que claramente
o irritaram. — Bem, aconteceram alguns acidentes, mas juro que
não foi por maldade. É que da mesma maneira que desperto raiva
nele, ele me desperta medo e fico um pouco perdida.
— Me conta isso. — Ela começou a rir antes mesmo de ouvir.
Seria uma coisa vergonhosa de contar, mas desabafar era
bom.
— Primeiro, fui levar café para o pai dele, ele apareceu na
minha frente e derramou o café todo na roupa. Culpa dele, mas ele
me culpou! — contei indignada. — Teve outro dia em que eu fui
limpar o quarto dele e me escondi debaixo dos lençóis pra ele não
me ver, porque se me visse poderia morrer do coração.
Ela não parava de rir.
— E o que ele veio fazer aqui se sabia que ia te encontrar?
Era a pergunta coringa e quem acertasse ganharia uma
ameaça de morte do próprio Héctor.
— Então... É uma mente incompreensível, Serena.
Poderia juntar os grandes filósofos e eles desistiriam de
contemplar a morte para tentar descobrir os mistérios da mente de
Héctor Barone.
— Quando você se escondeu, ele não te achou, achou? — Ela
já estava se apoiando na mesa para rir.
— Achou, claro! Ele me farejou. Olha, Serena, ainda bem que
eu tenho um coração bom, porque outra pessoa que saísse do jeito
que eu saí e o encontrasse na frente, não ficaria bem. Eu não me
assustei porque... Não sei, eu já devo estar morta por dentro,
mesmo assim morri de vergonha.
A risada dela era tão contagiante que eu ri também.
— Coitada de você, Caterina.
— Sou uma pobre coitada mesmo.
CAPÍTULO 12
CATERINA SÁNCHEZ
Os dias passaram e eu me lembrava menos dos motivos que
me levaram a chegar naquela casa. A família Barone não ficava
entediada, porque sempre tinha uma coisa acontecendo, e eu não
me entediava tentando entender como Serena era tão espetacular se
metendo em confusão, principalmente, quando se unia a Ramona e
a Chiara.
Eu nunca tinha visto Henrico tão furioso com a última coisa
que elas tinham aprontado, mas eles se resolveram sem gritos e me
restou a curiosidade para entender que merda ela tinha na cabeça,
porque as outras duas eu sabia bem que não se importavam com
nada.
Só a encontrei no dia seguinte, quando eu entrava na casa
dos Barones e ela estava mais perturbada do que nunca.
Sorri para ela entrando na casa com uma cesta com legumes.
Não me deixaram passar pela entrada da cozinha, pois
estavam limpando o piso.
Ela olhou para a minha situação e riu.
— Parece uma camponesa.
Até de lenço na cabeça eu estava, então ela não exagerou.
— Já tomou café da manhã? — Andei ao seu lado.
— Ainda não. — Ela suspirou.
— Eu também não. Vamos? — Eu gostava de ter companhia
nessas horas.
— Como estão com tempo, hein? — Héctor parou no caminho
olhando para mim com aquele sorriso esquisito, que me deixou com
medo quando viajamos juntos.
— Não estamos. É só uma refeição — esclareci para caso ele
não tivesse ouvido direito, porque Héctor sempre chegava no meio
da conversa e tirava suas próprias conclusões do assunto.
— Você deveria fazer isso depois que terminasse tudo que
tem pra fazer na casa.
Então ele finalmente tinha me aceitado como funcionária!
Não esperava ouvir aquilo dele, mas claro que ele não sabia
nada do que eu fazia no lugar e colher legumes nem era uma tarefa
minha. Eu estava apenas ajudando as outras mulheres.
— Mas não é apenas eu a funcionária aqui.
— Para mim, é. — Ele bateu a mão na cesta que eu carregava
e fez com que tudo caísse no chão. — Limpe — ordenou me olhando
por debaixo dos cílios e foi embora, deixando apenas o rastro do
perfume e os questionamentos sobre o que se passava na cabeça de
alguém que fazia isso.
Héctor era doentio.
Eu me abaixei para juntar tudo antes que me metesse em
problemas com as coisas derrubadas no chão.
— O espírito de quinta série dele é demoníaco. — Serena me
ajudou.
— É o inferno que ele prometeu que eu viveria, caso ficasse
aqui. — Eu estava certa daquilo.
Como eu não cruzava o caminho dele, ele estava me
procurando apenas para tirar a minha paz.
— Deveríamos fazer o mesmo para ele — Serena sugeriu,
deixando a última cenoura na cesta.
— Se sem motivos ele já age assim, prefiro não dar nenhum,
Serena. — Terminei de limpar tudo e fomos para a cozinha.
Como não dava para tomar café ali, apenas pegamos a
comida e depois levamos para uma mesa no quintal.
Eu amava os pães quentinhos de Camilla.
Era meu café da manhã preferido.
— Me conta. — Cobri a boca cheia. — Que diabos aconteceu
ontem?
— Vou te contar tudo, mas já adianto que Henrico não está
servindo como deveria. Sei que ele anda machucado, mas estou
resolvendo o que ele deveria resolver.
Sorrindo, ouvi todo o seu desabafo e quando terminamos,
cada uma foi para o seu lado, mas no almoço o assunto sobre a
confusão que elas se meteram ainda não tinha acabado.
O tio Alejandro brigou muito com elas, ele ficou tão furioso,
que pediu que eu levasse seu almoço no escritório.
— Deve estar no sangue, Caterina. — Ele cortava a carne
com um pouco de brutalidade, enquanto eu assistia, já que eu não
podia sair e deixá-lo falando sozinho. — Não dá certo essas três
juntas. Ramona ainda vai me dar muito desgosto, eu sinto. E ela
deveria ser a que me daria mais orgulho, já que é a única mulher.
— É complicado.
Eu não poderia opinar.
O que ia dizer?
Ele tinha toda razão.
— Presas! Agora vou ter que calar todo mundo que ficou
sabendo disso. Ok, é comum pessoas como nós serem presas ao
menos uma vez na juventude, mas é coisa de homem, não de
mulher. — Ele mastigou um pedaço do bife. — Eu sei pra quem
Serena puxou a teimosia. — Ele falava como se ela fosse parente
dele.
Era engraçado, mas triste, ao mesmo tempo.
Deveria ser por conta do problema de saúde dele.
— Pra quem?
— Salvatore. Eu também era assim, mas Salvatore era
incontrolável. Enquanto estávamos planejando uma coisa, ele já
estava fazendo do jeito dele. É meu irmão e graças a Deus não foi o
primeiro a nascer, nem me matou para ficar no meu lugar, caso
contrário essa família estaria em ruína.
Então estava claro para quem Héctor havia puxado!
Eu deveria ficar aliviada por não ser um problema
psiquiátrico, mas ser ruim de natureza?
Continuei sem alívio, porque o verdadeiro motivo era ainda
pior do que achei.
Mas poderia ser alguma coisa que se resolvesse com terapia
ou reza.
Depois do desabafo do senhor Barone, fui almoçar e fiquei
assistindo TV, especificamente um programa que poderia me dar um
norte sobre as atitudes de Héctor. Convivendo com o inimigo.

[— Eu notava que Josh não se comportava como uma criança


comum. Aos seis anos, enquanto brincava no quintal com sua irmã,
a pequena Courtney, ele fez a sua primeira maldade. Pegou o
coelhinho que Courtney ganhou de aniversário e o afogou. Ele veio
para mim com o animal morto em suas mãos e eu disse: Oh, meu
Deus, o que você fez, Josh? Ele sorriu de um jeito tão maligno que
não reconheci o meu filho. Eu me perguntava como uma criança de
seis anos era capaz de tamanha maldade. Josh era assim.]

Com que cara eu iria chegar para Ramona e perguntar se


Héctor matou o coelhinho dela?
Tinha que reunir coragem, mas parecia loucura.
Depois de uma aula sobre sinais de psicopatas, eu ainda fui à
biblioteca, pela primeira vez para ler alguma coisa.
Eu apostava — não com a Rita — que eles compravam os
livros sem saber quais temas eram.
Saí procurando algum de religião e encontrei vários, o que
condizia com a ornamentação da casa e o que eles aprontavam,
precisavam de muita proteção, perdão para isso e oração.
Será que Héctor rezava?
Será que ele sabia rezar?
Eu sabia, e naquele dia aprendi uma das mais fortes
possíveis.
Se o problema dele fosse espiritual, ela o mandaria para bem
longe de mim.
Quando saí da biblioteca, já era noite, então fui para o meu
quarto tomar banho e depois me juntei às outras para jantar.
Sempre depois dos Barones.
— Olha, Caterina, usa a sua reza para ver se a minha filha
fica quieta — Camilla pediu depois de ouvir o que eu andava fazendo
naquela tarde e ri. — Presa, como pôde? Você já foi presa, Caterina?
Ainda não era a resposta, mas eu sabia que merecia.
— Aposto que nunca fugiu de casa.
Aposta errada.
Eu fugi tantas vezes que não podia mais contar.
— Chiara precisa criar juízo. Ela é mais velha do que a
Ramona, sabe que estamos aqui sempre de favor... Ser comadre
deles não me faz parente. Temos sorte de ter uma casa, segurança,
proteção... Nem sempre foi assim e o preço para estar aqui foi alto e
nem foi pago com esse intuito.
— Ela vai mudar, quando se casar essa sede de festas vai
passar. Ela deve estar querendo namorar só. — Ri da minha própria
sugestão quando me dei conta de que dizia isso para a mãe de
Chiara.
— Bem que podia se casar logo, Caterina. Bem que ela podia.
Deveria ser boa moça como você, que passou por tanta coisa e
aprendeu que ficar quieta é o melhor a fazer. Tem dias, Caterina, cá
entre nós, que bate uma vontade de pedir para o Héctor pendurar
aquela menina no porão. O Senhor me perdoe, mas dá.
Sabendo o quão ruim era aquele castigo, fiquei atônita com a
vontade dela.
Era sinal de que a filha já tinha ido longe demais.
Assim que terminei o chá, eu me levantei para ir embora.
— Acho que essa experiência na cadeia será definitiva para
que elas mudem. — Dei minha última opinião e bocejei. — Vou dar
uma olhada na estufa, ver se a porta está fechada e depois vou
dormir.
— Pode ir, querida. Boa noite.
— Boa noite, Camilla. — Saí pela porta do lado.
Aquela noite ventava muito e meu cabelo voou com o vento,
mas era refrescante e o meu vestido, por mais fino que fosse, não
me deixava com frio.
Sem pressa, segui o caminho da estufa, até chegar à porta e
ver que realmente estava aberta.
Eu tinha medo de algum animal entrar e bagunçar tudo.
Verifiquei as lâmpadas que precisavam ficar acesas e virei
para a saída.
Héctor estava parado ali.
Daquela vez o meu coração reiniciou os batimentos, pois o
susto foi forte.
Ele estava com as mãos nos bolsos da calça e como sempre
me analisava.
Mal mexeu os lábios, eu já levantei as mãos para afastá-lo de
mim.
Seu toque não me machucava, mas me deixava com medo de
tanta proximidade para quem era tão perigoso.
— O que faz aqui?
Ele segurou minhas mãos, analisando as palmas delas com
um cuidado inesperado, passou o polegar pelo dorso e pontas dos
dedos.
— Queimaduras?
— Sim. — Minha resposta saiu quase inaudível.
Ele continuou a observar de perto.
— No dorso da mão? Isso parece... — Ele olhou em meus
olhos e eu soube que tinha a resposta certa, então arrastei minhas
mãos.
— Pra que quer saber?
— Quem fez isso? — ele exigiu saber. — Não parecem novas.
Não foi você, foi?
Era óbvio que as cicatrizes no dorso da minha mão não eram
novas e, felizmente, estavam cada dia menos aparentes. Já as
palmas das mãos, que sofreram mais, curiosamente não eram tão
marcadas.
— Você acha que eu tenho cara de quem se machuca?
Eu não me odiava tanto para fazer isso.
Eu não me odiava.
— Então quem? — Sua curiosidade levou embora o olhar
maldoso, mas ainda era profundo e me intimidava.
— Ninguém que te interesse. E antes que sugira, não foi
ninguém do puteiro de onde eu saí. — Tentei arranjar alguma coisa
para fazer, enquanto o homem não ia embora, para não precisar
passar por ele e acabar em suas mãos de novo.
— Você anda com uma coragem admirável.
— Você já fez a ameaça maior e eu já me cansei. Seja lá o
que você tem na cabeça, procure outra pessoa pra atormentar. Eu fiz
o que você queria, não fiz?
— Não.
Suspirei, cansada, encarando-o.
— Eu não cruzei o seu caminho.
— Você ainda está aqui.
Isso parecia incomodá-lo e não criando raiva.
Ele estava tenso, com o cenho franzido em preocupação.
— Eu não vou ficar pra sempre. Quando o seu pai achar que
é a hora, eu irei. E se as coisas não estiverem bem em Madrid para
mim, voltarei para os meus problemas mesmo assim. Ao menos eles
são mais claros.
Senti que não dava mais pra fugir dele.
— Eu conheço bem como funcionam as coisas na Lujuria. Eu
já ouvi muito essa história de vida dupla por não ter escolha e sei
que vocês querem uma única coisa, por isso, não acredito em seja lá
o que contou aos meus pais.
Era claro que ele não queria saber a verdade, porque suas
conclusões sempre faziam mais sentido.
— Deveria perguntar, mas de qualquer forma não fará
diferença pra você. Como o seu irmão mesmo disse, tenho sorte de
ser puta. — Já estava o encarando nos olhos mesmo, então usei a
coragem para desviar dele e sair da estufa. — Deixe a porta
trancada.
Nem precisei recitar a oração em latim para fazê-lo se calar,
mas ela me deu coragem para enfrentar aquele demônio.
CAPÍTULO 13
HÉCTOR BARONE
Semanas se passaram e parecia até que ela fazia parte
da minha vida. Mesmo se escondendo pelos cantos, eu conseguia
vê-la, conseguia encontrá-la na maioria das vezes.
Eu nem deveria “encontrá-la”.
Eu não deveria sequer ir atrás dela!
Depois que meu pai foi bem direto sobre suas condições para
eu ficar no seu lugar, a ficha caiu e o que antes era uma
possibilidade em um futuro distante, se tornou uma obrigação em
um futuro próximo, enquanto o que eu já sabia que era impossível
se tornou mais impossível ainda.
Restava me conformar.
Seria ótimo para mim se casar com alguém para quem eu não
dava a mínima.
Meu pai queria um homem de família; Edoardo, o seu
conselheiro, dizia que homens com família passavam mais confiança,
que as pessoas deixariam de pensar que eu era apenas um
assassino sem remorsos.
Eu poderia fingir isso tudo ao lado de quem eu não me
importava, teria mais poder e as pessoas respeitariam as minhas
decisões, por mais extremas que fossem, porque eu era um homem
de família.
Nunca foi a minha cara essa coisa de amor mesmo.
Era assim que eu tentava me conformar, tendo esses
pensamentos, e iria até onde fosse preciso me apoiando naquelas
ideias.
Mas isso era o meu lado racional agindo, porque tinha uma
maldita parte de mim que se negava a deixar certas coisas apenas
na possibilidade.
Na sala de treinos do porão de dentro da nossa casa,
recarreguei um revólver calibre 38 e quem eu esperava chegou
minutos depois.
— Um momento de irmãos no porão... Interessante. —
Damon fechou a porta, que rangeu com o peso do aço até encostar
na parede.
Ele andava todo arrumado, cabelo penteado, jaqueta em vez
de blazer e tênis no lugar de um sapato social.
— Algum encontro? Eu atrapalho?
— Sim e sim. Diga logo o que você quer.
— Eu não acho que você esteja com pressa pra sair, levando
em consideração que os seus encontros com a Chiara acontecem
aqui. Então essa pressa é para eu sair, certo? — Coloquei os
protetores e enquanto ele saía do estado de choque, acertei no
homem de papel no fundo da sala, no abdômen.
— Você anda bisbilhotando os cantos da casa? — Ele se
aproximou das cabines e cobriu os ouvidos com um protetor. —
Achei que só tinha tempo pra ficar perseguindo a florista.
— Errou. — Ajustei a mira para acertar na cabeça e acertei.
— O que você andava fazendo na estufa na semana passada?
Eu não ia perguntar sobre isso, mas naquela altura estava
curioso por coisas demais, tudo acerca de quem não deveria estar
na minha vida.
— Conversando.
A mania de provocar cantarolando as respostas que o meu
irmão tinha me estressava muito.
— O que estava conversando com ela? — Eu o encarei.
— Só estava curioso. Queria saber de onde ela conhecia o
meu irmão mais velho, de onde vinha tanto ódio. Parecia ser mais
fácil descobrir com ela, mas as respostas não foram satisfatórias. O
resultado foi inconclusivo. — Ele cruzou os braços e pernas enquanto
me observava. — Vocês andaram fodendo antes daquele dia naquela
boate?
— Claro que não! — Reagi como o esperado e até me
surpreendi por parecer tão desinteressado por aquilo, como se fosse
um absurdo mesmo.
Mas a verdade era que eu jamais gostaria de foder aquela
mulher que trabalhava naquela boate.
— Então vocês nunca tiveram nada?
— Óbvio que não, Damon.
— Bom saber, porque estou pensando em convidá-la para me
acompanhar no baile beneficente que o Henrico vai realizar no fim
de semana.
Suas palavras em meu ouvido chegaram como ameaças e eu
sempre reagi a elas da pior forma.
Atirei perto do pé dele e meu irmão pulou.
— CAZZO, HÉCTOR! — Ele arrancou os protetores e me
encarou com os olhos saltando. — Você quase acertou o meu pé,
bastardo!
— Foi quase, mas eu posso acertar se vier com outra ideia
absurda como a última.
Ele balançou a cabeça em negação.
— Eu sabia. Você anda mais do que interessado por essa
mulher. Me conta logo, Héctor. Você sabe que eu sou a única pessoa
que pode ver um lado bom na sua merda de conversa.
O Roman também faria o mesmo, mas riria da minha cara.
Henrico, com certeza diria que era loucura, mas eu sabia que
meu amigo andava aprontando loucuras maiores ainda com a
Serena.
Eu aceitei o pedido de Damon porque sentia que já era a hora
de falar sobre isso com alguém. Eu já tinha surtado demais e sabia
que não valia a pena, mas isso não entrava na minha mente, era
uma tortura consciente.
Talvez a conversa com Damon me ajudasse a finalizar o
assunto.
Tirei as balas do revólver, os protetores e me sentei no chão,
em um canto longe de onde vi meu irmão fodendo a irmã do meu
melhor amigo outro dia.
Ele também se sentou.
— Sabe qual é o motivo do Damiano querer me castigar há
cerca de dez anos? — questionei, mas logo me arrependi.
Era melhor deixar esse assunto superficial.
— Não! Quis perguntar se você se lembra de quando eu fui
àquele casamento em Madrid? Que era do bilionário Guzmán há
pouco mais de um mês?
— Sim, lembro. — Ele franziu o cenho, estranhando. — Foi a
sua prova de que andava se comportando bem depois das cagadas
que fez. Foi sem babá, mas nosso pai mandou cerca de vinte
homens pra te vigiarem e voltou sem apanhar do Damiano, uma
grande conquista.
Eu não sabia dos vinte homens e Damiano não sabia que eu
estava lá. Ele nem foi ao casamento. Foi por saber da ausência dele
que aceitei o convite.
— Então, o Henrico já havia cantarolado essa ideia de
casamento muitas vezes e a nossa mãe também, eu não me
importava, mas naquele dia eu vi uma coisa que me despertou o
interesse.
— Tem como pular pra parte importante? Eu sou ansioso.
E ainda se oferecia para ouvir os outros!
— Essa é a parte importante, cazzo! Eu a vi lá, rodeada de
flores até na roupa, cheia de graça, doce... — A lembrança do
momento passou na minha cabeça.
Era de dia, o vestido parecia com os que ela usava em casa,
branco com muitas rosas vermelhas, cobria até o tornozelo e metade
dos braços, o cabelo estava solto, tinha uma tiara com pedras
brilhando e os olhos mais marcados que o normal.
Aqueles olhos que eu reconheceria em qualquer lugar.
Era a mulher mais atraente do lugar.
— Sabe quando uma coisa não faz sentido e do nada
acontece algo e... — Estalei os dedos. — Tudo muda e você pensa:
faria sentido, sim. — Foi como uma segunda chance tê-la
reencontrado ali.
— Só me conta se a mulher era a florista.
Ele estava curioso demais para prestar atenção em cada
palavra.
— Era! Não ficou claro? — Admitir isso me deixou com uma
sensação de vergonha que eu não sentia desde que perdi uma
corrida na adolescência.
Eu não deveria me sentir assim.
Era por isso que eu não gostava de abrir a minha intimidade,
preferia que os meus demônios me sufocassem com milhares de
ideias sobre esse assunto do que me abrir a opinião alheia.
Damon jogou a cabeça para trás, de queixo caído.
— Não me diga que se apaixonou à primeira vista pela
Caterina.
— Não!
Foi à segunda vista!
Na primeira, eu sabia que ela era perfeita pra mim, mas não
estava pronto para viver isso, já na segunda as coisas foram
diferentes.
Na verdade, eu nem sabia como era estar apaixonado.
Se pensar naquela puta o dia inteiro fosse paixão, era certeza
que sim.
— Então qual é a parte importante?
— Você é burro, Damon? Eu achei que ela era uma mulher
decente, cazzo! Eu achei que ela era o tipo de mulher que eu
poderia fazer o que nosso pai queria. Ela parecia ser do meio
naquela época, estava em um casamento de um bilionário e quando
a vi mexendo nas flores pensei que era parte do bom gosto dela. Sei
lá, mulheres gostam de flores! E eu não me importaria se fosse uma
florista assassina também, inclusive até mandei pesquisarem para
ver se descobriam quem ela era, mas isso não vem ao caso.
Descobri quem ela era de verdade antes do fim da investigação. Eu
não posso me casar com uma prostituta.
— Não pode — ele confirmou. — Então quando a viu de puta
a reconheceu?
— Óbvio!
Eu a reconheceria em qualquer lugar, fosse em uma noite
escura, ao lado de um lago lamacento, cometendo um crime; como
florista em uma tarde ensolarada ou como uma puta em uma boate.
— Então é daí que vem a sua raiva?
Ele tinha as respostas, pra que confirmar?
— Sim! Sim! Como não vou ficar com raiva, Damon? Olha que
reviravolta de merda! A mulher que me encantou é a mais
desqualificada para o cargo que preciso! — A raiva voltou a me
tomar. — Por que ela tinha que ser tão baixa? Como podia se vestir
de boa moça de dia e de noite trabalhar naquele lugar. O pior lugar
que tem, Damon?!
— A mãe disse que ela contou que foi forçada.
— E você acredita na palavra de uma puta da Lujuria,
Damon? Eu já fodi metade daquelas mulheres e ouvi tanta mentira
emocionante que a minha sorte é que não sou muito empático,
senão eu sairia de lá falido.
Ele deu de ombros.
Damon não costumava se envolver com putas.
Eu me envolvia, mas tinha limites, jamais me casaria com
uma. O meu pai me mataria assim que eu abrisse a boca para dar a
ideia.
— Por que não se conforma, então?
— Você acha que não estou tentando? — Ri aflito. — Você
acha mesmo que não estou, Damon? Foi você quem a colocou no
avião, cazzo! Você deixou o nosso pai acolhê-la aqui!
— Você não vai me culpar, Héctor. Eu fiz o que era preciso pra
ter a pulseira de volta e eu não poderia barrar o nosso pai de tomar
as decisões dele. Ela vive longe de nós! É você quem a anda
procurando, como no dia que a encurralou na estufa. Eu já vi duas
vezes, fora quando você fica a observando de longe. Tenta viver a
sua vida e ignora essa mulher que não é pra você!
Ele estava de olho em tudo mesmo.
— Como se fosse fácil, Damon! Você é noivo e até agora não
largou da Chiara. Você sabe que a maneira rude como ela te trata é
por causa do seu noivado, não sabe? Fodeu ela por anos e quando
chegou a hora de escolher a noiva, deixou que o papà decidisse,
ainda com uma desconhecida, irmã de um traidor.
Já era tempo dele ouvir isso.
Eu, o irmão mais velho, tinha o dever de falar.
— O assunto é você e a sua cabeça fodida, não a minha. —
Ele ficou irritado.
— Eu só estou mostrando que não há ninguém melhor que
você pra entender essa situação. Eu sei que não posso ter nada com
aquela mulher e se ela não estivesse aqui, seria mais fácil me
acostumar com isso. Mas ela está, com os mesmos vestidos floridos,
os olhos marcantes, distribuindo sorrisos e sendo amável com todo
mundo. Felizmente, menos comigo. Mas isso não me ajuda. —
Apertei minha coxa, cravando as unhas por cima do moletom como
uma forma de me punir, mas não sentia muito.
Com certeza não sentia metade do que ela sentiu quando
alguém a marcou nas mãos com cigarro.
Eu queria saber quem fez e se era por isso que ela se furava
com rosas e não se importava, queimava os dedos com o ferro e não
parecia nada.
Será que ela gostava da dor, ou apenas ficou mais forte
depois de tantas marcas?
Damon tinha razão, eu sempre estava observando-a de longe.
Eu me odiava por isso, a odiava por isso, mas continuava fazendo
impulsivamente.
— Você está apaixonado e eu não constatei com o desabafo,
foi pelo tiro mesmo. O bom é que paixão tem cura e se chama
tempo. — Ele se levantou. — E falando como quem melhor pode te
entender, não, ficar sob o mesmo teto não ajuda, mas ela vai
embora em breve e você sai se casar com alguma moça casta,
criada na boa etiqueta. — Ele imitou a voz rouca do nosso pai e
abriu a porta. — Terminou?
— Não. Uma última coisa. — Também me levantei. — Não
ouse convidá-la para o baile.
Ele assentiu sem provocações.
Cadê esse tempo que não chega?
Eu não posso permanecer apaixonado por uma prostituta!
CAPÍTULO 14
HÉCTOR BARONE
Eu não tinha certeza se foi uma boa ideia falar para o meu
irmão mais fofoqueiro o que acontecia comigo, mas eu me senti
mais leve depois daquilo e ele acatou o meu pedido para não
convidá-la para o baile.
A vida já não estava fácil convivendo com ela na casa e eu
fazia o possível para ficar fora dali, já que quando presente existia
um ímã que me levava a procurá-la, mas se ela fosse aos eventos
onde eu poderia ter mais que um minuto de paz, então não seria eu
a fazer o inferno na vida dela e sim o contrário por definitivo.
O evento era de caridade, Henrico tinha questões pessoais
com vício em drogas, o pai dele era assim e ele cresceu revoltado
com essas coisas. Foi o que estimulou o meu pai a começar a se
afastar do narcotráfico. Então, com o Cesare expulso da cidade e os
viciados na droga dele quase morrendo por abstinência, meu amigo
achou que seria uma boa ideia reunir dinheiro para tratar essas
pessoas.
Henrico carregava o bom coração que eu não tinha.
Confesso que eu não me importava com o vício de ninguém,
quem escolheu usar, fez por conta própria e deveria arcar com as
consequências, o que me importava mesmo era não ter um bastardo
ganhando dinheiro sem a nossa autorização e sem pagar um tostão
de taxa para nós.
A festa era fora da mansão e fomos pontuais ao chegar lá.
Tinha muita gente rica, poderosa o suficiente para doar milhares, e
mesmo Henrico tendo idealizado o evento, eu percebia que ele não
estava focado nisso. Sua distração tinha nome, um sobrenome lixo e
uma teimosia incontrolável: Serena.
Ele não queria admitir, mas eu sabia que andava fodendo
aquela cadela.
Serena e Henrico andavam juntos como se fossem um casal,
sendo que o evento não tinha obrigatoriedade nenhuma de estar
acompanhado.
O que me irritou foi ver a família Russo, dos sogros dela, com
as filhas, passeando na festa como se não houvesse problemas,
como se o bastardo deles não andasse comendo o juízo de todos
nós enquanto se escondia em um canto e outro.
Damon ainda foi falar com a tal noiva.
O meu irmão não tinha juízo algum.
Roman, que era o mais descompromissado, estava dando
uma lição ao ir atrás de quem nossos pais sugeriram.
Eu faria como Roman?
Não, mesmo assim julgava o Damon.
Estava claro que depois que acabássemos com o Cesare
Russo, a família dele não iria querer nada conosco e vice-versa.
Para que um casamento?
E a idiota da Chiara ficou assistindo.
Como era tola!
Eu passei a maior parte da noite em um canto, tomando
lentamente uma bebida, evitando tudo o que o meu pai queria,
porque era esse o único trato para ser o próximo líder, antes dele
inventar que era obrigado a me casar com alguém.
Eu deveria apenas ficar longe de confusão e mortes.
As mulheres ali eram muito bonitas sim...
Mas sabe quando sua mente anda bloqueada sobre
determinado assunto e você não consegue enxergar nada por mais
que tente?
Era assim que eu me sentia.
Eu olhava para elas e não tinha interesse, porque a minha
mente estava presa a puta que trabalhava na minha casa.
Puta, era o nome que eu tinha que repetir na minha mente o
dia inteiro, para compreender que alguém, como eu, não se envolvia
amorosamente com alguém como ela.
Esse nome era o grande motivo para não olhá-la com outros
olhos.
Quando já era bem tarde, eu me cansei daquilo e resolvi que
iria embora.
Roman já tinha sumido e duvidei que fosse atrás da pessoa
certa.
Sim, eu me orgulhei do homem errado.
Damon, Henrico e a Serena também não estavam mais ali,
restava apenas as duas encalhadas, emburradas em um canto:
Ramona e Chiara.
— Estou indo, querem carona?
— Por favor. — Chiara deixou a taça de lado.
— Eu queria aproveitar mais, mas que música ruim! — Os
ombros de Ramona ficaram baixos. — Vamos embora. Cansei deste
lugar.
Eu sabia que nossos pais ficariam até o fim. Só tinha gente da
idade deles e todos estavam falando sobre negócios. Eu só pararia
para aquele tipo de conversa quando fosse obrigado ou por algo do
meu interesse.
E meu interesse não estava ali, estava em casa.

Eu não subi atrás das meninas, que foram logo para o quarto.
Passei na cozinha, onde peguei um copo d’água e vi a passagem por
onde não deveria andar, mas que já tinha passado algumas vezes
naqueles últimos dias.
Era o corredor de uma parte da casa que havia ficado para os
funcionários. Ela estava lá, eu sabia até mesmo onde dormia.
Eu lutei, juro que lutei para ignorar aquela vontade de ir
verificar o que acontecia lá, saber se ela ainda estava acordada, o
que andava fazendo, merda, eu não deveria, eu sei!
Entrei no corredor e escutei o som baixo de uma TV.
Deveria vir da sala que ficava no fim dele.
Eu não cheguei até lá, pois parei em frente à porta do quarto
dela.
Em minha defesa, às vezes em que estive ali não tinha ela.
Eu não era louco para ficar observando alguém dormir!
Antes daquela noite, era claro.
Se a porta estava trancada, o que nunca acontecia, então ela
estava lá dentro.
Sabia que não deveria olhar!
Era a puta que eu precisava odiar e odiava por não poder
sentir outra coisa.
Mas era mais forte que eu.
Girei a maçaneta com cuidado e olhei pela brecha.
Sim, ela estava dormindo, e fazia isso com o abajur aceso e
um livro em cima do peito.
Ela deveria estar dormindo há muito tempo, estava
completamente relaxada na cama e não iria acordar para guardar o
livro, nem apagar a luz.
Eu entrei para fazer isso.
A última pessoa a quem eu deveria cuidar era a primeira que
recebia isso de mim.
Eu estava em apuros.
Precisava dos milhares de quilômetros entre Madrid e Calábria
para me manter distante dela.
Quando parei ao lado da cama, me perdi observando seu
rosto calmo.
A mulher passava o dia inteiro distribuindo sorrisos, os
mesmos doces que distribuiu no casamento onde a vi pela primeira
vez em uma década e, felizmente, e eu conseguia evitar que ela
desse um deles pra mim, porque caso acontecesse, eu esqueceria de
vez quem ela realmente era.
Será que ela dava aqueles sorrisos para os homens que
pagavam para foder com ela todas as noites?
Com quantos homens ela se deitou, ou tinha homens fixos?
Será que ela tinha machucado aquele homem porque ele não
queria pagar o devido valor que cobrava?
Essas perguntas afastavam a afeição que tentava nascer por
ela.
Aquele rostinho delicado, de cílios tão grandes, sobrancelhas
largas e lábios carnudos não me enganava.
Segurei a parte de cima do livro e puxei para tirar dos braços
dela, mas a mulher despertou tão rápido que recuei com o coração
disparado. Ela puxou uma cruz debaixo do travesseiro e apontou
para mim.
— Crux Sacra Sit Mihi Lux. Non Draco Sit Mihi Dux[1].
Eu não acreditei no que ela estava fazendo, andei de costas
para a saída e ela continuou rezando, acompanhando minha direção
com a cruz.
— Vade Retro Satana. Num Quam Suade Mihi Vana. Sunt
Mala Quae Libas. Ipse Venena Bibas[2].
Fechei a porta e cobri a boca com a mão.
Andei a passos rápidos, com a voz dela na minha cabeça,
procurei o cômodo mais perto que tinha e depois de passar pela
cozinha e as salas, me escondi no escritório.
Enquanto Damon gritava assustado com a minha chegada
repentina, eu me mantive encostado na porta, quase explodindo em
uma vontade inesperada de rir daquele momento.
— Héctor? Que merda você tem?
Olhei para o meu irmão e não consegui conter a risada.
Foi a gargalhada mais sincera que já dei desde que tinha
meus poucos anos de idade e não via maldade em nada.
Eu fui exorcizado pela Caterina?
Era impossível não pensar na situação e não rir.
Ou ela era completamente louca ou acreditava mesmo que eu
tinha algum problema espiritual.
Mas o que fodeu a minha cabeça a ponto de me fazer cair na
risada foi a maneira como isso foi feito, ela acordou em alerta e
como se estivesse esperando aquele momento, como se soubesse
que eu apareceria no quarto dela, arrastou a cruz que não era
pequena e apontou em minha direção.
Ela falou em latim!
— Héctor, quem você matou?
Eu não conseguia falar uma palavra.
Damon estava pálido, ele segurava meu rosto e me encarava
como se tentasse decifrar o que passava na minha mente.
— Merda, você matou a Caterina? — Ele me afastou da porta
e saiu depressa.
Eu deveria falar que não.
Que loucura!
Eu jamais mataria aquela mulher, mas a vontade de jogá-la
em Madrid era real, para assim não precisar conviver com ela.
As ameaças serviam apenas para afastá-la de mim.
Eu me sentei na poltrona e tentei tomar o controle do meu
corpo.
A voz, seus movimentos, os olhos esbugalhados, tudo me
fazia querer continuar rindo, mas eu me recuperei aos poucos. Um
pigarro apareceu na minha garganta, meus pulmões puderam subir
e descer com calma, então, depois de alguns minutos, Damon voltou
e ao encará-lo toda a evolução que tive foi em vão.
Damon trancou a porta e olhou nos meus olhos, com os
cantos da boca se contraindo.
— Ela estava viva e acabou de me dizer que te exorcizou. Ela
está bem orgulhosa do que fez.
Eu ri de novo e ele me acompanhou.
— Eu não esperava por isso, Damon.
— Que mulher doida! — Ele se sentou na minha frente.
— Então ela acha mesmo que pode me fazer ser melhor
desse jeito? — Sequei os cantos externos dos olhos. — Como vou
odiar essa mulher, Damon?
Era nesse momento que eu tinha que repetir quem ela
realmente era, que tinha que sentir nojo dela, mas o nosso encontro
recente ainda me abalava.
— Que merda você foi fazer no quarto dela?
— Eu... Eu fui apagar o abajur. Só isso. — Eu nem sabia
mentir.
Damon semicerrou os olhos pra mim.
— Você, Héctor, apagando o abajur para os outros? — Ele
sabia bem que eu não era capaz daquilo. — Acho que ela estava
certa por tentar fazer isso, mas não acho que seja nada maligno. Pra
você fazer esse tipo de bondade, deve ser um anjo. Olha isso! Você
tem um sorriso normal!
— Ela tem que ir embora daqui, Damon, ou eu não sei o que
será de mim.
CAPÍTULO 15
CATERINA SÁNCHEZ
O exorcismo que fiz deu tão certo que não vi Héctor por uns
três dias seguidos.
Foi bom passear pela casa sem tê-lo reclamando comigo, mas
confesso que não sentir a sua presença foi estranho.
Parecia que estava faltando algo.
Claro que não sentia falta de ouvir suas ameaças, mas era
estranho viver ali como se ele não habitasse o lugar.
Eu fiquei tão à vontade que quando estava carregando um
jarro de porcelana com o novo arranjo que fiz para enfeitar a sala,
parei para observar o lindo teto catedral.
Eu andava até cantando de tanta paz que existia na minha
vida, os dias estavam mais claros, frescos e alegres. Os anjinhos
esculpidos no teto brilhavam com a luz que atravessava os vitrais.
Quem fez aquilo, deveria ter levado tanto tempo!
Eu não tinha jeito para arte, já a Ramona parecia ter muito.
Rita me mostrou os vários quadros na casa que foram pintados por
ela, um mais perfeito que o outro.
Porém, ela deveria ser muito pequena na época que fizeram
aquela casa, e não poderia ter feito nada daquilo que tinha no teto.
O dia escureceu ao meu redor repentinamente e a música
que eu cantava se tornou mais um mantra para afastar o medo de
mim.
Eu conhecia aquele cheiro e, por mais louco que parecesse, a
intensidade daquele calor.
— Posso te pedir uma coisa?
Eu não olhei para ele, permaneci encarando o teto.
— O quê?
— Pare de cantar.
O pedido era ridículo e me fez querer rir.
O homem se incomodava com tudo que eu fazia e a sua
presença ali significava que precisava rezar mais para continuar
mantendo-o longe de mim.
Eu me virei para ele sem temer sua presença.
Eu já sabia como lidar com o seu tipinho.
Ele me olhava de cima, com o cabelo preto brilhoso, penteado
de lado sem nenhum fio fora do lugar, os olhos pretos estavam
brilhando e seu pomo de Adão subiu e desceu.
Eu deveria odiar revê-lo, tinha consciência disso...
Mas, por que, eu gostava de tê-lo na minha frente?
Não era capaz de me compreender.
Talvez Héctor fosse o meu desafio particular e afastá-lo de
vez me deixasse sem muito propósito.
— Se acostume, porque quando você estiver no inferno, essa
será a trilha sonora, na minha voz. — Dessa vez, fui eu a ameaçá-lo,
me divertindo com o seu pedido tolo.
Ele riu com escárnio, mostrando os dentes perfeitamente
alinhados.
— Eu já vivo o inferno com você aqui.
— Então é mútuo. — Dei as costas a ele e voltei a encarar o
teto.
— Infelizmente, nenhum desses anjos vai se soltar e cair em
cima de você, então não faz sentido ficar aqui parada, os encarando.
— Só estou tentando entender como você consegue entrar
em uma casa com tantos anjos e crucifixos. — Ouvi uma risada
diferente atrás de mim, mas quando me virei, curiosa, vi o final do
seu riso e a cara de pôquer se moldou.
Será que ele estava achando graça do que eu fiz?
— O que fazia no meu quarto? — Dessa vez, deixei toda a
provocação de lado e o encarei séria, preocupada comigo mesma.
Depois daquela noite, passei a dormir com a porta bem
trancada, para evitar acordar e ver esse homem de olhar sombrio
me observando. Só não foi um trauma porque dormi em alerta,
preparada com as maneiras de afastá-lo de mim e só parei para
pensar no quanto ele foi invasivo entrando no meu quarto muito
tempo depois.
Eu nem comentei com ninguém além do Damon, que me
procurou para saber o que tinha acontecido.
Vi o olhar de Héctor se desarmar, ele o desviou de mim por
segundos demais para me fazer concluir que não sabia o que dizer.
Héctor sempre soube que queria fazer comigo. Arrancar uma
mão, cortar a língua, me jogar de um avião, acabar comigo de uma
vez por todas.
Ele entrou no meu quarto sem saber qual maldade iria fazer?
Eu não tinha dúvida de que, por mais cruel que fosse a ideia
que passava na sua cabeça, ele não temia ser sincero ao admitir.
— Eu vi a luz acesa. — Ele voltou a me encarar. — E entrei
para apagar.
— Você? — Levantei o indicador, duvidando daquilo, por mais
manso e sincero que parecesse. — Não volte a tentar entrar no meu
quarto. Da próxima vez, eu não vou usar a cruz pra te exorcizar.
Acho que você se lembra o que aconteceu com o último que tentou
me tocar.
Dessa vez, era eu quem estava puro ódio.
Podia fugir do que eu temia, mas se fosse preciso me
defender, eu não ficaria parada.
Levei o jarro até a mesa onde pretendia colocá-lo e Héctor
não saiu do lugar.
— Você acha mesmo que vou procurar você, uma putinha
refugiada, pra alguma coisa como sexo? — A risada dele era esnobe.
— Me poupe.
Eu não olhei para trás enquanto ele saía do cômodo, mas
pude imaginar o nojo dele falando aquilo.
Mesmo eu não sendo a putinha que ele disse e não
merecendo o nojo que sentia, eu me senti mal, abalada, ofendida,
como se fosse mesmo tudo aquilo. Por outro lado, tinha a voz de
Damon na minha mente, falando que eu tinha sorte por ser isso.
Das piores coisas que Héctor podia querer fazer comigo, me
desejar pra sexo seria a que mais me causaria medo.
Seu nojo me magoava, mas me deixava aliviada.
Eu já tinha visto e ouvido sobre o seu lado cruel, e não queria
experimentá-lo de qualquer maneira que fosse.
Quem também ficou distante naqueles dias foi a Serena.
Ela estava agindo muito suspeita e andava bem próxima da
Chiara e da Ramona, mas me procurou na estufa na quarta-feira,
cobrindo o rosto.
— Eu sou uma vergonha, Cate.
— O que fez? — Abri um sorriso só de imaginar o que era.
Se fosse mesmo a minha aposta, eu ficaria como quando o tio
Alejandro desabafava comigo, dizendo: é complicado.
Ela deitou a cabeça na mesa.
— Eu fui infiel. Muitas vezes infiel — ela choramingou.
Mas era um choro tão safado!
— Você e o Henrico, hein?
Ela cobriu o rosto mais uma vez.
— Eu me perdi no pecado, Caterina. É que ele tem cerca de
1,90 m, é musculoso, cheiroso e tem muita pegada. Eu não pude
resistir.
Gargalhei.
— Serena... Agora não tem mais jeito.
Eu nem sabia o que dizer pra ela.
Fui eu quem ficou falando que ele era muito protetor,
ciumento e parecia encará-la como mais do que uma obrigação para
cuidar.
— Eu te disse, quando o seu divórcio sair, ele estará
esperando do lado de fora do cartório. Divórcio ou certidão de óbito.
Ela riu olhando para mim.
— Caterina, não tem mais volta. Eu fui longe demais. Ele só
deveria me proteger, apenas isso e era o que eu deveria querer, mas
agora as coisas mudaram de propósito e ele disse... — Ela baixou o
tom de voz. — Que eu era dele.
Cobrimos a boca rindo.
Eu não conseguia imaginar Henrico falando aquilo sem
parecer um robozinho.
— É sério?
— Sim! — Ela ria, mas parecia gostar disso.
— Eu nem preciso perguntar se isso te faz feliz. Então, ele
terminou com o Héctor ou vocês andam aprontando escondidos?
Ela gargalhou, mas parou rapidamente.
— Caterina, você é louca de pensar uma coisa dessa. Você viu
como o Héctor reagiu naquele dia. Eles são 110% héteros, pelo
menos do Henrico em não tenho dúvida.
— Eu só achei pela maneira como eles falaram aquelas
coisas. — Dei de ombros.
— Homens! Homens são escrotos.
— E o Héctor deve ser o rei da escrotidão. — Peguei o
regador debaixo da mesa e o levei para encher na torneira.
Eu ainda estava remoendo o desprezo das palavras que
Héctor me disse naquela sala.
Não deveria ficar magoada, mas eu não merecia ouvir aquilo.
Poderia enfrentá-lo e falar que eu não era nada do que dizia,
mas ele já tinha deixado claro em outros encontros que não
acreditava em nada do que eu ou as outras putas falavam.
Seria perda de tempo.
— Com certeza ele é. Coitada da mulher que se casar com
ele. — Serena me acompanhou.
Ela era a minha sombra na estufa, sempre que aparecia.
— O tio Alejandro bateu o martelo mesmo, ele vai ter que se
casar. Vamos ver quando isso irá acontecer e quem será a vítima.
Com certeza será alguém que nasceu em berço de ouro e que é tão
obcecada por luxo que nem vai se importar com o jeito dele, então
vão fazer filhos em um sexo sem graça e viver cada um fazendo o
que gosta. Ela comprando e mostrando às amigas do High Society
sua riqueza, e ele arrancando cada centavo dos empresários à base
de tortura.
Era uma previsão triste, mas no contexto que eles viviam se
tornava certeira.
— Tomara que esse dia chegue logo, para ele me deixar em
paz. — Esse era o meu novo desejo.
CAPÍTULO 16
CATERINA SÁNCHEZ
Foram duas semanas estranhas, de muito silêncio e
quietude. Vi as meninas se mobilizando para fazer Serena ficar feliz
depois que algumas coisas ruins aconteceram com ela naqueles dias.
Mesmo assim, ela sempre voltava à estufa para ficar me contando
suas histórias, as coisas que aconteciam dentro da casa.
Eu estava evitando passear por ali, o tio Alejandro já não me
chamava para levar comida ou consertar alguma coisa, e os homens
estavam mobilizados para encontrar o marido da Serena.
Ela era quem me contava tudo e o que me irritava na
conversa era que eu ficava na expectativa de saber do babaca que
me desprezou.
Como poderia ter curiosidade sobre o que se passava na vida
de quem eu queria longe de mim?
Por que eu me importava se aquele cretino estava vivo ou
morto?
Eu deveria estar intoxicada por alguma planta venenosa que
ainda não tinha reparado que existia naquela estufa.
Só podia ser isso!
Ou se explicava simplesmente da mesma maneira que as
mulheres eram o maior público de True Crime, assim como o alvo
dos criminosos.
Eu era o alvo de Héctor e ele sempre estava de olho em mim.
Com o tempo eu estava ganhando coragem para enfrentá-lo, mas
me deixava no escuro não saber seus passos, sem ter ideia do que
esperar dele.
Vivíamos em um jogo de gato e rato, o qual eu me sentia
instigada a jogar.
Naquele domingo, que eu já tinha perdido a noção de quanto
tempo fazia que eu estava ali, ouvi que as meninas iam sair com
Henrico.
Achei bom pela Serena e quando assisti à saída delas, ao lado
de Camilla, vi que todos estavam indo, menos o Héctor.
Qual era o problema que ele tinha que não podia ir se divertir
com os outros?
— Caterina, acho que já está na hora de trocar as plantas do
primeiro andar — Camilla avisou.
Possivelmente, ela estava errada sobre a troca, por isso antes
de ir, peguei o menor regador e enchi de água.
Elas geralmente precisavam disso.
Entrei na casa silenciosa. Sem Damon o lugar era como um
cemitério, pois ele costumava falar alto.
Eu não ousaria subir pela escada principal por motivos óbvios.
Ainda existia um deles ali e eu não queria cruzar com ele. Entrei na
biblioteca e, focada em não derramar nenhuma gota d’água no chão
de madeira, só reparei que tinha uma luz acesa depois que fechei a
porta.
Olhei para o abajur e quando vi a pessoa sentada na
poltrona, tremi de susto. Por sorte segurava firme na alça do
regador e ele não caiu nem derramou nada, mas cobri o peito com a
mão livre, para me certificar de que meu coração não iria rasgar o
peito e pular para fora.
Ele estava batendo forte demais.
A luz refletia nos olhos escuros de Héctor, mesma cor da
cacharréu que vestia, o livro no colo dele era sobre biologia e ele
passava as folhas sem realmente lê-las, pois, seu olhar estava fixo
em mim, sem piscar.
Meu corpo não estava reagindo na forma certa diante dele,
depois do susto do inferno, eu me sentia eufórica por estar frente a
frente com ele, mesmo sabendo que nada de bom poderia vir
daquele tipo de encontro.
— Então é aqui que você se esconde?
Sim.
Merda, ele tinha descoberto o único lugar seguro da casa!
— O que faz aqui? — Não consegui esconder o quanto fiquei
aborrecida com o seu intrometimento.
A casa era dele, sim, mas desde que eu vivia ali, nem ele,
nem nenhum dos seus familiares entravam naquele cômodo.
— Estou lendo.
— Desde?
— Desde hoje. — Ele cruzou as pernas e tive a certeza de que
não pretendia sair dali tão cedo.
Não era possível que eu passaria a encontrá-lo no lugar que
justamente eu ia para não acontecer isso.
Suspirei e me senti cansada para discutir com ele.
— Ok. — Segui meu caminho, subi a escada com o regador e
o deixei tomando conta do lugar.
No fim das contas, não seria a minha reclamação que o faria
deixar de ir até lá e o que me restava era ter sorte para não passar
por ali quando ele estivesse.
Aquele encontro era só um aviso de “estou em todos os
lugares”, mas na próxima vez poderia ser mais ofensas e ameaças.

HÉCTOR BARONE
Descobri que adorava ter controle, que, na verdade, eu
achava que tinha.
Eu não tinha o principal: controle sobre mim.
Estava agindo como um perseguidor e não no melhor do
sentido. Quando estava indo atrás da pessoa certa, eu fazia o
inverso e procurava a pessoa errada descontroladamente.
O que aconteceu com a cadela do Henrico me deixou
preocupado.
Olha só, estava preocupado com alguém que não era eu!
Mas não estava preocupado com ela e sim com o que
aconteceu e como Henrico reagiu. Vi o quanto o meu amigo estava
perdido por aquela mulher, que era a pessoa errada para ele e temi
acabar da mesma forma.
Como o meu pai via vantagem em ter alguém como seu
ponto fraco escancarado para os outros?
Eu não aceitava.
Aquilo só me motivou a escolher qualquer uma de boa família
para me casar, coisa que eu não movi um dedo para procurar.
Inclusive, fazia semanas que não me deitava com uma mulher,
decente ou não. Eu estava paralisado quando o assunto era esse e
só me movia na direção errada.
A biblioteca.
Antes da reunião com meu pai, passei por lá. Era cedo e eu
sabia que tinha chance de encontrá-la.
Merda, eu não deveria querer encontrá-la, mas queria!
Desejava.
E sabia que quando ficasse sozinho com ela, só as palavras
da dura realidade nos afastariam.
Por Deus, ela era demais e nem digo por beleza. Era muito
mais que isso pra alguém como eu reparar, mas a desgraçada não
passava despercebida por ninguém.
Garcia deveria estar me odiando por ter roubado a sua puta
mais valiosa, embora ele nunca tivesse entrado em contato e
reclamado disso. Ninguém reclamava dela e acreditava que nem
meu pai, que disse que buscaria saber como as coisas estavam em
Madrid fez isso.
Já fazia mais de um mês que ela trabalhava na nossa casa e
naquelas semanas em que estivemos muito ocupados fora dali,
correndo perigo de ser o próximo, eu sabia que se voltasse para lá,
a encontraria em algum lugar.
A biblioteca era seu atalho e demorei para desvendar isso, até
que aconteceu.
Antes de me sentar na poltrona, para desperdiçar meu tempo
olhando para algum livro qualquer, procurei um deles na estante.
Um deles, fora da fileira, acabou em minhas mãos.
Era sobre plantas.
Ela deveria estar lendo.
Uma puta gostosa e inteligente.
Era de desgraçar a cabeça de qualquer um.
Eu me sentei e nele eu reconheci várias plantas que ela
costumava cuidar. Acabei lendo enquanto ignorava que meu pai
havia convocado a tal reunião.
Quando a porta se abriu, soube que estava no lugar certo e
na hora certa.
Completamente certo e errado, ao mesmo tempo.
Ela paralisou ao me ver.
Eu era obcecado por suas feições. O jeito como seus olhos
cresciam no susto, os lábios se afastando e o peito que subia e não
desinflava enquanto ela não se movesse. Ela tinha seios lindos,
curvas perfeitas, o cabelo era um dos detalhes que eu mais gostava.
Nua deveria ser a maior das perfeições.
Nua para vários...
Fodendo com vários por dinheiro...
Ela precisava ser assim pra ganhar a vida e como parecia
natural, tinha muita sorte de não precisar se esforçar pra ser
gostosa.
Ela revirou os olhos e carregando alguns lençóis foi para a
escada.
— Cansou de se esconder? — A provocação voou da minha
boca.
Eu precisava ouvir a voz dela.
Poucas palavras bastavam.
Estava me torturando, sabia, mas a essa altura eu havia
descoberto que não gostava apenas de torturar como também de
ser torturado.
Ela parou no primeiro degrau e fechou os olhos.
De perfil, era mais fácil ver a curva que sua bunda fazia junto
à lombar.
O vestido caía por ela sem poder encostar na parte de trás
das coxas.
As espanholas me atraíam, isto era um fato.
— Eu já sei o que você pensa sobre mim, então não precisa
ficar me procurando pra repetir. Todas as vezes que você me
insultou serviram para o seu propósito por muito tempo. — Ela
parecia estar bem chateada comigo.
Mais do que o normal, mas sem medo dessa vez.
Ela não poderia estar magoada por eu apontar os fatos,
mesmo assim o meu propósito era esse, porque se aquela mulher
me admirasse o mínimo que fosse, eu não saberia como lidar.
Preferia lidar com sua raiva.
— Mas você ainda está aqui...
A raiz do problema.
— Então faz assim, me joga dentro de um avião e depois no
centro de Madrid, sem uma mão e morta como você queria.
Me desafiando?
Eu me levantei e deixei o livro na poltrona, pois precisava ver
sua coragem de perto, por mais perigoso e irresistível que fosse.
Eu me encostei na estante e encarei seu rosto pequeno de
nariz empinado.
— Tem certeza mesmo que quer?
— Não é isso que você quer? — Ela ergueu a sobrancelha. —
Não é por isso que fica no meu pé? Pra me convencer a ir embora
daqui? Eu já estou me cansando do seu inferno, então voar pelo céu
de Madrid não deve ser tão mal, melhor ainda a aterrissagem, vai
me livrar de todos os problemas que deixei lá.
Ela estava dizendo que era melhor a morte do que ter que me
aguentar?
Foi isso o que entendi no meio dessa conversa.
Eu não gostava que me desafiassem e muito menos que
saíssem melhores do que eu.
Se minha ameaça — que nunca seria cumprida — a
beneficiasse, então não me parecia boa ideia, visto que ela me
deixaria mais louco do que eu já vivia.
— Então parece que te prender aqui será o seu melhor
castigo.
— Por?
Por me fazer me apaixonar por você, sua puta desgraçada!
Será que uma coisa dessa não passava pela cabeça dela?
Eu sabia que alguém como ela tinha maldade de sobra na
mente. Ela podia reconhecer potenciais fregueses facilmente.
Eu não era um, mas ela poderia ver que eu tinha algum
interesse.
— Por surgir na minha vida. Eu estava bem antes de você,
sabia?
— Não posso dizer o mesmo, mas com certeza, onde quer
que eu estivesse agora, seria melhor do que com você e seus
enigmas. Você é muito perturbado, sabia? Deveria se tratar, sei lá,
buscar um psiquiatra, um psicólogo ou... Um padre!
A mulher subiu a escada pisando forte e eu fiquei assistindo
até ela passar pela porta e trancá-la.
Não era a primeira vez que eu ouvia que precisava da ajuda
de um dos três, mas eu preferia ser encarado dessa forma do que
falar a verdade e me tornar chacota na frente de todos.
CAPÍTULO 17
HÉCTOR BARONE
A Ramona inventou uma festa.
A minha irmã caçula era a materialização da futilidade
somada ao egoísmo. Ela não se importava com ninguém, assim
como eu; se metia em problemas, assim como eu também, mas
espera que tinha as diferenças, ela também fazia o que dava na
cabeça, o que eu também fazia e ela era UMA GRANDE MIMADA!
Estava doido para me sentar no lugar do nosso pai e fazê-la
pagar por todas as burrices que fazia com o pior casamento possível
para ela e que fosse benéfico para nós.
Mas como a princesinha mimada que era, nosso pai permitiu
a festa, porque não poderia deixar a filhinha dele passando vontade,
entediada dentro de uma mansão de milhares de metros quadrados.
Não tinha um mês que Serena passou por uma situação
complicada e a minha irmã egoísta estava disposta a colocar a amiga
em perigo para satisfazer seus desejos.
Não nos restou mais do que aceitar.
Os convidados foram selecionados a dedo, gentinha próxima
a família, e para garantir que nenhum desconhecido perigoso, como
a última infiltrada que levou as mulheres a outra confusão, porque
elas se metiam em inúmeras, a festa foi feita em um dos galpões
nos fundos da casa.
Eu estava furioso porque sabia que convidaram a florista e
com meu melhor amigo obcecado pela Serena, não tive coragem de
contar pra ele o mesmo que disse a Damon, permaneci o
contrariando.
Damon buscava em cada oportunidade explanar meus
verdadeiros sentimentos, parecendo que não estava nas minhas
mãos. Uma palavra a mais e eu contaria a Henrico tudo o que ele
andava fazendo com a Chiara.
Henrico era um irmão protetor e jamais deixaria a Chiara se
envolver com um homem noivo de outra.
Sim, ele era hipócrita também.
E disse que a festa da minha irmã parecia uma boate de
baixo orçamento.
Assim que entramos na festa, cada um foi para um lado. Eu
sabia que ele se juntaria à meretriz da Serena e não assistiria àquela
palhaçada de maneira alguma.
O meu foco era outro.
Na verdade, o foco de sempre.
Se ela tivesse um pouco de juízo, não apareceria naquela
festa. Ali não era o lugar dela. Quer dizer, sim, ela estava
acostumada a ganhar a vida daquela forma, mas não queria ver
isso.
Se visse, na melhor das hipóteses eu perderia todo o encanto
que teimava permanecer em mim, na pior e mais provável hipótese,
aquela festa não terminaria bem.
Pedi uma bebida no bar e fiquei perto do balcão, observando
os convidados da festa. Como a maioria era de pessoas conhecidas,
muitos vieram me cumprimentar, grande parte eram mulheres.
— Quanto tempo, Héctor. — Uma loira de vestido dourado,
apertado nos seios, segurou o meu braço.
Eu me lembrava do seu rosto, mas não do nome.
— Pois é. — Dei um gole na bebida.
— Ainda sozinho? — Ela olhava para as minhas mãos.
— Felizmente.
Ela sorriu.
— Tirou as palavras da minha boca.
Longe de mim ter falado no sentido que ela entendeu.
— Eu terminei meu noivado. — Ela mostrou a mão com todos
os dedos preenchidos por anéis menos o anelar e o sorriso animado
garantia que estava feliz com isso.
Essa mulher, a qual não lembrava o nome, tinha um rosto
redondo, nariz pequeno e olhos azuis sufocados em camadas de
cílios postiços e lápis preto.
Era o tipo de baranga que eu passava longe.
Odiava o tipo de mulher que para ficar bonita precisava de
tanta coisa. Isso dizia mais sobre a insegurança dela do que a beleza
real.
— Vamos dançar? — ela sugeriu.
— Não — falei sem rodeios.
Não costumava inventar desculpas para esse tipo de coisa.
— Por que não? Vai passar a noite toda parado, bebendo? —
Ela encolheu o nariz.
— Isso mesmo. — E desejava que ela fizesse o que queria
longe de mim.
Ela baixou os ombros e pendeu a cabeça para o lado, como
se uma birra fosse me convencer de algo.
Eu a puxei pelo braço para poder falar no seu ouvido bem
alto e claro.
— Faz um favor?
— O que você quiser. — Ela me encarou sorrindo.
— Ótimo! Some da minha frente. — Larguei o braço dela e o
sorriso se desmanchou, dando espaço a uma cara feia.
— Foda-se! — Ela fez o que eu pedi.
Ela estava atrapalhando a minha observação!
Voltei a inspecionar a festa até que vi um rostinho sorridente
bem longe de mim, iluminado pela luz que tinha em cima dela.
Imediatamente, meu corpo perdeu o equilíbrio. Estava bem
apoiado para cair, mas por dentro meu coração estava batendo a
solavancos e o resto estava uma bagunça só, como um avião em
turbulência.
Segundos depois que recuperei a capacidade de me mover,
estava indo de encontro a ela.
A corajosa estava com o vestido que usava quando a
trouxemos para nossa casa, toda apertada no tubinho preto,
dançando como se não tivesse uma preocupação na vida, enquanto
um homem dançava perto dela.
Ela não me viu, pois eu ainda tinha alguns imbecis para
desviar até chegar nela.
Então a vi indo para o balcão e pegando um copo de drink
com o garçom.
O homem que estava a rodeando eu conhecia, um playboy
pálido que vivia torrando o dinheiro dos pais.
Eles conversavam ao pé do ouvido.
Mas que porra!
Eu empurrei quem tinha na frente, ignorei as reclamações e
segurei o braço dela.
Caterina virou a cabeça para mim com o canudo na boca e
nenhum espanto no olhar.
Eu me senti insultado.
Ela não respeitava mesmo a minha casa, a chance que teve
quando meu pai a deixou trabalhar ali e o principal, ela não tinha
mais medo de mim.
— O que faz aqui? — perguntei consumido pela raiva.
Era o meu momento de descanso dela, de pensar nela e eu já
não estava aproveitando porque sabia que ela tinha sido convidada.
Tê-la ali só me afundaria mais ainda na confusão de sentimentos
que ela me causava.
— Fui convidada.
— Héctor — o rapaz chamou e olhei para ele sem intenção de
responder. — Tudo bem?
— Poderia estar melhor. — Voltei a encarar a florista, que
continuava tomando a bebida com os cantos da boca erguidos.
Era uma provocação.
— Esse lugar não é pra você.
— É lugar de diversão e a única pessoa que parece não estar
se divertindo aqui é você, então é você que está no lugar errado.
— Escuta. — Encostei a boca no seu ouvido e senti quando
estremeceu assim que respirei para falar. O cheiro doce de rosas do
cabelo entrou nas minhas narinas e quase me fez perder o rumo da
conversa. — Você não vai fazer nessa festa o que fazia na Lujuria.
Ela arrastou o braço da minha mão e me afastou, indo para a
pista mexendo os quadris e ombros.
Eu não podia com aquilo.
— Porra, ela é gostosa demais! É alguma coisa sua? — O
idiota a assistia com um sorriso maldoso.
— Não é de ninguém, então fica na sua. — Fui atrás da
teimosa.
Ela estava dançando no lugar mais apertado da festa, sem
tirar a porra do canudo da boca. Poucos movimentos, mas o
suficiente para seduzir metade da festa. Eu estava no controle, com
raiva em pensar que ela facilmente daria pra todos e eu ainda não
tinha me conformado que aquela mulher que vi no casamento não
passava de uma impressão do lado claro da sua vida dupla ou tripla.
Então o olhar dela acertou o meu, olhos amendoados,
brilhantes. Ela parou de dançar.
— Me deixa em paz, Héctor! Foi a sua irmã quem me
chamou, então eu só vou embora daqui se ela mandar.
— Você vai agora.
Eu tinha que tirá-la dali antes que a natureza dela gritasse
mais alto e eu matasse cada um dos filhos da puta que caísse na
lábia dela.
— Não vou. — Ela voltou a dançar de costas para mim,
andando para o lugar mais apertado ainda.
Esfreguei meu rosto e o lado racional exclamava que não era
problema meu, que não valia a pena, mas meu lado sentimental
estava morrendo de medo de que ela confirmasse tudo de ruim que
eu sabia da sua existência.
Decidi chamar os seguranças, eles a conheciam, mandei que
a tirassem da festa e se ela resistisse, a trancasse em outro lugar,
então voltei para o balcão e assisti a vagabunda sendo escoltada
para fora, sem desmanchar o sorriso no rosto e ainda levando a
bebida junto.
Ela ainda iria me levar à loucura extrema.
Eu estava tão nervoso com a possibilidade dela voltar e
aprontar que tive que me certificar de que os seguranças tinham
conseguido levá-la para casa. Saí do lado de fora e assisti ao homem
de dois metros a acompanhando para lá. Ela parecia estar
conversando com ele, como se não se incomodasse com a
companhia. Quando chegaram em uma das entradas, ela abriu a
porta e acenou para o homem, depois entrou e se trancou.
Então eu queria saber que amizade era aquela.
Como aquela cadela era capaz de enganar tanta gente, até
mesmo as pessoas que eram pagas para evitar que isso
acontecesse.
Esperei o segurança voltar.
E se ela estivesse trepando com os seguranças?
Motivo para sentir nojo dela, mas o medo de ser verdade e
ciúme falava mais alto.
— Ela está em casa, senhor. — O segurança parou na minha
frente.
Ele não parecia ser o tipo de pessoa que visitava puteiros, era
um homem sério com um pouco mais de idade que eu.
— O que ela disse?
— Bobagens.
— Que tipo de bobagens? — exigi saber.
Ele deu um meio-sorriso.
— Ela falou da implicância do senhor com ela. Só isso.
Reclamando de mim para os outros?
Que ótima funcionária ela era.
— Ok. — Eu preferi acreditar naquilo para não encher a
minha cabeça com mais possibilidades sobre as práticas dela.
Voltei para a festa e bebi algumas doses sozinho.
Ainda não queria ficar assistindo meus irmãos ou o meu
amigo aprontando alguma barbaridade.
Só depois de muito tempo, que os encontrei, mas foi fora da
festa, quando Serena estava chorando desesperada nos braços do
Henrico.
— O que está acontecendo?
Ele me contou tudo muito nervoso.
— Traidores? — frisei a palavra que me deu ânimo naquela
noite. — Estou indo procurá-lo.
Eu precisava de distração e diversão para mim quase sempre
tinha um significado diferente do que era para os outros.
Poder causar dor e ouvir alguém implorando, falando tudo
que eu precisava ouvir, era ótimo!
Isso sim era festa para mim!
Mandei os seguranças caçarem por todo o lugar e assim que
encontrasse um suspeito, levassem para o porão de interrogação.
Às vezes, antes da putinha aparecer na minha vida e tomar
conta dos meus pensamentos ociosos, eu ficava imaginando
maneiras de arrancar a verdade da boca dos traidores.
Cordas, polias, arma de choque, ganchos e alicates, meus
brinquedos favoritos.
E quando precisava de uma limpeza geral, a bazuca.
Arregacei as mangas da camisa social e procurei as luvas
enquanto cantarolava a maldita música que aquela atrevida estava
cantando outro dia.
Eu não sabia dizer quanto tempo se passou, chutaria uns dez
minutos, até que um segurança trouxe o suspeito.
— Você? — Abri um sorriso enorme ao reconhecer o homem
que estava falando com a florista ao pé do ouvido. — Seja bem-
vindo.
— O-o que você quer, cara?
— Conversar. — Peguei as cordas e acenei com a cabeça para
que o segurança se aproximasse com ele. — Na coluna, por favor.
O pavor já estava nos olhos dele e era adorável ver isso.
Eu o amarrei pelas mãos e pés na coluna e com luvas de
limpeza, abri as roupas do medroso para encontrar sua parte mais
fraca.
— O que você vai fazer, Héctor?
— Possivelmente vomitar. — Senti náuseas ao me deparar
com aquilo e me levantei com a pinça. — Aposto que as mulheres
fogem de você assim que abre as calças.
— O que vai fazer, hein?
Peguei a corda pacientemente, com minhas pinças, e dei a
volta nas bolas murchas dele.
— Tenho que confessar que adoro quando vocês covardes
estão implorando pelas partes preciosas, mas o caminho até lá é
nojento e traumatizante. — Dei um nó que seria bem difícil de
desatar.
— Por favor, não puxe essa corda! — Ele começou a chorar.
— Eu? Puxar? Não. Aí não teria graça. Depois de tanto
trabalho para amarrá-la! — Reduzi o cumprimento da corda
enrolando-a na polia.
Quando ela ficou estendida, as bolas do homem foram
arrastadas e os olhos dele saltaram olhando o que estava
acontecendo.
— Não! Não faça isso, por favor! Não faça! — Ele chorou.
— Isso é por ter chegado perto dela, mas... Isso aqui. — Tirei
as luvas, girei um pouquinho a manivela e ele gemeu. — É por você
ter jogado aquele bilhete para a Serena. Então me diga, quem
mandou?
— Eu não sei! Eu não sei!
Girei mais um pouco e ele gritou.
— Para, por favor! Eu não sei!
— Posso ficar aqui a noite toda. Estou com abstinência de
diversão de qualidade. — Peguei o alicate, pensando em mais uma
motivação para ele falar, então notei que Henrico tinha chegado. —
Olha quem chegou! Pegamos esse aqui fugindo e até agora não está
colaborando. Estou em dúvida se uso esse alicate nas unhas ou nos
dentes. O que acha?
O meu amigo não apreciava esse tipo de interrogatório, mas
isso foi antes dele se apaixonar pela cadelinha assassina. Era um
homem sério por natureza, porém naquela hora ele carregava
demônios nos olhos.
Henrico não disse nada antes de analisar os dentes e as
unhas do prisioneiro.
— Os dentes.
Maravilha!
Eu sabia que com a motivação correta, Henrico saberia se
divertir de verdade.
— Não! Por favor, não! — O prisioneiro se sacudia, só
piorando a situação das bolas presas.
— Os dentes da frente — Henrico especificou.
Animado, coloquei as luvas de volta para não me sujar com o
sangue do chorão.
— Por favor. Eu digo, mas não mexa nos meus dentes.
Ele não poderia falar antes que eu arrancasse um dente que
fosse. Eu andava entediado demais sem poder fazer algo assim.
Pendurar a Serena no teto foi tão sem graça!
— Diga. Onde encontrou o Cesare? — Henrico aceitou o
pedido e começou a interrogá-lo.
— O Cesare? Não! Aquele maluco sumiu. Todo mundo sabe!
— E quem te deu o bilhete?
— Foi uma mulher. Ela me encontrou na frente da minha casa
e disse que era uma amiga da garota, inclusive mostrou uma foto,
então chorando, pediu que entregasse. Eu só fiz o que ela pediu.
Que mal tinha?
— Que mal? — Henrico rosnou segurando o rapaz pela gola
da camisa. — A minha mulher está em pânico por causa do bilhete!
Ele mexeu com a vadia errada.
— Eu não sabia!
Claramente movido pela raiva, Henrico tomou o alicate da
minha mão.
— Abra a merda da boca.
— Eu contei tudo — o homem murmurou mal mexendo os
lábios.
Envolvi a mandíbula dele com a mão e apertei as bochechas
até os lábios desgrudarem dos dentes da frente e esses se
afastarem.
Henrico foi rápido e frio arrancando a faceta de um dos
dentes.
— Que bizarrice! — Ri diante do que tinha embaixo daquela
porcelana — Arranca todos, Henrico. Vamos ver como ele é sem
maquiagem.
— Não. Por favor, não. — O covarde chorou.
— Mas o dente era falso. Aposto que nem sentiu dor. —
Henrico arrancou o dente original e vimos o verdadeiro sofrimento
enquanto sangrava na nossa frente.
Meu amigo me devolveu o alicate e por um segundo acreditei
que ele estava satisfeito com a informação que ele deu.
— Ainda não acabamos. Vamos chamar a Ramona.
Precisamos do rosto da cadela. — Ele saiu do porão.
Era o momento dele e da sua vingança, por isso deixei que
decidisse os próximos passos.
Mas, por mim, arrancaria todos os dentes.
Seria maravilhoso ver aquele playboy andando sem as
facetas, com os dentes pontudos, como uma piranha.
Fazer aquilo me deu paz, me deixou leve, como uma droga
para apagar os problemas momentaneamente da minha cabeça.
Era o que eu estava mesmo precisando depois do que vi na
festa.
CAPÍTULO 18
CATERINA SÁNCHEZ
Eu nunca fui de frequentar baladas, mas sempre gostei de
uma festa. Fazia tempo que não saía pra me divertir como fiz na
festa da Ramona e foi tão bom!
Não precisei de drogas nem de álcool para me soltar, estava
tomando drink não alcoólico e dançando como se não tivesse
problemas na vida. Nem mesmo o fato do segurança ter me tirado
de lá a mando do Héctor estragou os bons momentos que vivi.
Quando no dia seguinte a Serena me chamou para junto dela
e Mirabela para visitar o cemitério, onde ela queria fazer uma visita
ao túmulo do pai, fui e aproveitei a caminhada dentro do local
fúnebre para conversar sobre a festa.
— Você acredita que o Héctor foi atrás de mim, na festa? —
Encolhi o nariz.
— Para? — Ela já estava rindo.
— Para me atormentar, é claro. Disse que não deveria estar
lá. — Torci a boca.
Ele estava possesso quando chegou em mim e foi bem na
hora que eu conversava com um rapaz.
Se ele fosse normal, eu diria que foi uma reação de ciúmes,
mas Héctor implicaria comigo de qualquer maneira.
— O que você fez?
— Eu me afastei dele e fui dançar. — Escondi a risada com a
mão. — Depois ele ordenou aos seguranças que me tirassem da
festa.
Ele não podia se divertir com a minha presença.
Era tão bom vê-lo passando pelo mesmo desconforto que ele
me causava!
— A Ramona sabe disso? — Ela ergueu a sobrancelha.
Eu tinha certeza de que quem sugeriu dar o convite para mim
foi a Serena. Eu não era próxima de Ramona, nem de Chiara,
mesmo assim elas me convidaram.
Com certeza foi ideia da Serena.
— Não. Fui embora feliz de ver a cara dele de raiva, sem
poder fazer nada comigo. Ele ficou paralisado me olhando. Se eu
tivesse o encarado por mais de dois segundos, com certeza teria
ficado com medo, mas tinha muita gente presente para ele fazer
alguma coisa.
Ele parecia meu guarda-costas.
O engraçado era que, se ele não tivesse me procurado, talvez
eu nem o visse naquela festa.
Custava ele me ignorar?
Héctor não sabia me ignorar, era obcecado por mim.
— O Henrico deslocou o ombro do rapaz na frente de todos
— Serena revelou e rimos.
Ela estava conseguindo despertar um monstro naquele rapaz.
— Ele está muito apaixonado por você. Agora nem se esforça
para esconder. — Desfiei uma folha que ficou comigo depois que
passamos por uma árvore.
— É. Eu acho que depois de ontem não tem mais o que
esconder.
Eles já não se importavam com isso.
— Você acha que quem deixou o bilhete pode ter contado ao
seu marido o que viu você fazendo?
Imaginei o marido dela aparecendo pra chamar ela de
traidora e fazendo alguma coisa.
— Não, porque ele foi pego antes de fugir, mas se tivesse
feito, eu não me importaria. Perdi o medo do Cesare, Caterina. Já
passei por tantas coisas mais amedrontadoras do que ele, que me
recuso a sofrer por seus bilhetes bobos. Espero que ele experimente
a própria droga e morra intoxicado.
Dei uma gargalhada.
Que mulher má!
Depois eu contive a risada por não ser o ambiente correto
para isso.
— Esse não é um lugar feliz, mas adoraria saber que você
ficou viúva dessa forma.
— Seria o dia mais feliz da minha vida.
Caminhamos um pouco mais, observando a grama que de um
lado era mais verde e do outro mais seca, então ela encontrou o
túmulo do pai e eu preferi dar um momento de privacidade aos dois.
— Eu vou dar um passeio por ali. — Apontei o sentido para
ela. Iria apenas até os túmulos mais tenebrosos. Deveriam ter
séculos de construção. — Quando você quiser ir, me chama.
Ela concordou e ficou para trás.
Nunca gostei de cemitérios, mas aquele, ao menos da
entrada até o meio, parecia um lugar de paz. Para onde eu resolvi ir,
com a curiosidade pendendo para o medo, havia túmulos enormes
cinzentos e estátuas de anjos, como parte de um filme de terror.
Naquele dia, uma tempestade estava se armando, até parecia
combinado para tornar o passeio mais desconfortável. Dei uma
olhada, lendo cada lápide. Pessoas que viveram ali há muitas
décadas mesmo.
Virei para ver o outro lado, um homem tapou minha boca e
me pressionou contra a parede de um túmulo bem alto.
— Quieta — o homem alto, de barba cheia e escura, falava
sussurrando enquanto seus olhos não paravam quietos, olhando
para todos os lados. — Serena...
Ele não parecia estar me chamando de Serena, mas sim a
procurando.
Eu me lembrei da conversa que tive com ela e minhas pernas
falharam ao pensar que aquele poderia ser Cesare, o marido corno
dela.
Ele era bonito, como ela disse, mas não parecia tão bem
cuidado, as roupas escuras, luvas, todo camuflado como se quisesse
passar despercebido entre as pessoas.
Como ele conseguiu entrar em um lugar que foi revistado
pelos homens da família Barone antes de podermos entrar?
Tinha um velório acontecendo na entrada. Se ele estava lá,
Serena não reconheceu.
Tentei murmurar perguntando o que ele queria, mas sua mão
apertava muito forte a minha boca.
— Caterina? — Serena estava me procurando. — Cadê você?
Não me diga que foi até o fim disso. Não era você quem estava
reparando na tristeza do lugar?
Realmente, quando a grama ficou seca, o lugar se tornou
triste.
O homem levantou uma arma e apontou para mim.
— Se gritar eu te mato.
Foi a primeira vez que algo assim aconteceu. Eu nunca tinha
sido ameaçada daquela forma, sentido aquele medo, como se o meu
tempo estivesse acabando e eu não pudesse fazer nada.
Héctor nunca me causou ameaça tão real. Ele sempre dizia
aquelas coisas, mas não se movia para fazer, era o seu olhar, voz e
jeito que me fazia temer que poderia acontecer sim.
Já aquela arma apontada para mim era real.
Era uma ameaça direta à minha vida.
Ele tirou a mão da minha boca e me puxou pelo ombro, me
afastando da parede, então me colocou de costas para ele e cobriu a
minha boca mais uma vez, mantendo a arma encostada na minha
cabeça.
— Só estou aqui resgatando a minha mulher e é isso que
você deve dizer a eles.
— Caterina, pelo amor de Deus, me poupe dos pesadelos e
apareça. Se for me causar susto, vou mandar o Héctor aparecer à
noite no seu quarto. Sim, eu farei isso.
Eu preferia!
Eu suportaria ver Héctor na minha frente todas as noites se
isso me livrasse de morrer nas mãos do homem que me fazia de
refém.
A frieza do cano conseguia atravessar os fios do meu cabelo e
ser sentida no meu couro.
Serena pulou na nossa frente.
— Peguei você.
E assim que encarou o homem, ela perdeu toda a
empolgação.
— Não, amor, eu te peguei — o homem replicou com um tom
mais forte e medonho.
Serena olhou para mim sem ânimo algum e eu quis chorar
por imaginar que ela não poderia me ajudar, que ambas estávamos
fodidas e que seríamos mortas em breve.
— Como entrou aqui? Como soube que eu estava aqui? — Ela
ergueu a cabeça ao falar com o homem.
— Poderia ter dificuldade em te encontrar em qualquer dia do
ano, mas não nessa data, amor. Aliás, nunca tive dificuldade de te
encontrar, meus corvos estão em todos os lugares.
Eu deveria ter ficado lavando as minhas roupas, mas não
perdia uma chance de um passeio seguro.
Grande “passeio seguro”!
— Enquanto você fugia? Imaginei. — Ela não tinha medo de
enfrentá-lo, o que o fazia rir.
— Quem disse que fui a algum lugar? Ir embora sem você
sempre esteve fora dos meus planos.
Coitada da Serena!
Só precisávamos do gangster dela para nos livrar daquilo.
— Solte a minha amiga — a ordem dela me deu esperança.
— Sim, claro. Só a peguei para o caso de te encontrar
corajosa demais. E, pelo visto, você anda assim. Cadê a aliança?
Cadê a aliança, Serena?
Se ele me mandasse caçá-la em troca da minha vida, eu faria.
— No lixo. Solte-a. — Ela tinha perdido todo o juízo.
Como enfrentava um homem armado daquele jeito?
— Amor, se esqueceu de como deve se comportar?
— Na verdade, eu aprendi. Solte-a ou gritarei.
— Eu vi que andam com alguns guardinhas, mas acho que
eles estão bem distraídos neste momento. Você sabe, não queria
que ninguém atrapalhasse o nosso reencontro. Vamos para casa.
Então ele estava ali para buscá-la!
— Solte a minha amiga! Eu não vou com você.
Concordava com as duas frases de Serena, mas temia que
uma delas não me beneficiasse.
— Sei que o seu QI não é dos maiores, mas tenho uma arma
e não tenho medo de descarregar na cabeça dela. — Ele pigarreou.
— Reformulando, amor. Você vem comigo e deixarei a sua amiga ir,
ou matarei a sua amiga e te levarei comigo.
Serena ainda parecia estar se decidindo sobre o que fazer.
Eu conhecia sua história, sabia sobre o que ela passou nas
mãos daquele homem e compreendia que não queria voltar para ele.
Era o meu fim.
— Solte-a. Vou com você se soltá-la. — Ela decidiu e antes
que eu pudesse raciocinar se era bom ou ruim, fogos de artifício
começaram a explodir no céu.
Cesare então me soltou e eu corri com o coração disparado.
Parei em frente à Serena, mas mal conseguia enxergar seu rosto
com as lágrimas caindo.
Ela estava se sacrificando por mim, eu precisava fazer alguma
coisa.
— Amiga, e agora?
— Fica tranquila, vou resolver isso. Você só precisa…
— Nananão — Cesare a interrompeu, pegando-a pelo braço.
— Nada de recados.
— Me solta, seu monstro! Corre, Caterina!
Não pensei antes de acatar seu pedido. Corri subindo aquela
ladeira íngreme, ansiosa para chamar ajuda, com vontade de olhar
para trás e ver o que ele estava fazendo com ela.
— Você disse que viria comigo — Cesare reclamava com
Serena.
— Eu menti!
Uma força maior atravessou o meu ombro queimando, me
fazendo cair de cara no chão.
Eu ouvi os gritos de Serena.
— CATERINA!
Depois, apenas os fogos cessando.
Olhei para o meu ombro direito e a manga do vestido estava
escura de sangue, a grama também. A minha pele ardia, queimava
tanto e latejava de dor. Fechei os olhos e encostei a testa no chão
respirando fundo para não chorar.
— Serena — sussurrei.
Eles já não deveriam estar lá.
Eu tinha medo de me mexer por causa da dor, mas sabia que
precisava fazer alguma coisa para salvar a minha amiga.
Mesmo gemendo, gritei por socorro.
Foram tantos chamados, que depois do que parecia uma
eternidade, alguém apareceu.
— Caterina?! — Era Mirabela. — ALGUÉM! PRECISAMOS DE
AJUDA! — Ela se ajoelhou ao meu lado. — Vai ficar tudo bem,
Caterina. Cadê a Serena?
— Ele a levou. — Foi o que consegui falar antes de começar a
chorar.
Eu não pude salvá-la.
CAPÍTULO 19
CATERINA SÁNCHEZ
Contei tudo que aconteceu para Mirabela e uma
ambulância apareceu para me levar para o hospital.
Quem me acompanhou foi um segurança.
Eu insisti para que ela fosse para casa, pois alguma coisa
precisava ser feita por Serena.
Se Cesare fizesse algum mal para ela, eu me sentiria culpada
pelo resto da vida.
Mirabela ficou tão abalada que me senti mal por ser um dos
motivos.
Quando chegamos ao hospital, fui logo atendida. Foram feitos
vários exames, dos básicos até os que podiam ver o estrago que a
bala causou.
Felizmente, ela só tinha atravessado o músculo e não tinha
atingido nenhum nervo ou vaso importante, mas eles iriam me
examinar mais e outros profissionais iriam me ver.
Fiquei em um quarto após receber o curativo, esperando o
resultado de outros exames e os outros atendimentos.
Quando pensei que teria um momento de paz, ele apareceu.
Héctor...
Ele parou na entrada da porta, com uma cara de pôquer,
quase se rendendo à raiva, vestindo roupas pretas.
Eu não gostava de como andava reagindo nos nossos últimos
encontros. A adrenalina que não deveria existir me deixava com
raiva de mim e dele.
Meu coração não deveria bater mais forte por alguém que me
tratava tão mal!
Por um segundo, achei que foi bom ele ter aparecido, mas
depois repensei.
— Eu não preciso de você terminando de estragar o meu dia.
Ele estava olhando para o meu ombro e com as mãos no
casaco, chegou perto da minha cama.
— Por que você foi com elas?
O tom de voz dele me incomodou.
Era ríspido, exigente.
Ele falava como se fosse o meu chefe, meu pai.
— Era só uma visita ao cemitério. Foi a Serena quem me
chamou.
— Você sabe que a Serena é um ímã de problemas e ainda
sai com ela?! — Ele alterou a voz, que ficou mais grave e alta.
— Você não veio aqui pra brigar comigo, veio?
Era o que eu menos precisava naquele momento.
— Vim, porque se você tivesse ficado quieta no seu canto,
não estaria desse jeito! — Ele apontou para o meu ombro e me deu
as costas bagunçando o cabelo.
— Eu já estou sentindo a dor disso, não preciso que tente me
deixar mal. Isso nem é da sua conta.
Ele se virou pra mim ainda com as sobrancelhas fazendo
sombra nas pálpebras.
— Claro que é! Agora eu vou ter que explodir aquele filho da
puta que era problema do Henrico.
Eu fiquei em choque.
Ele estava tão bruto, que parecia querer mesmo fazer aquilo.
Por minha causa?
Não fazia sentido.
— Se for pela Serena, bem que ele merece mesmo, pois a
levou contra a vontade dela.
— Se pegasse mais no centro? Hein? — A sua indignação
continuava sendo por mim. — Se você morresse?
— Então eu não estaria aqui, no último lugar onde você
deveria me procurar, ouvindo seus gritos.
Ele levantou o indicador e hesitou respirando fundo, então me
deu as costas indo para a saída.
— Puta... Merda! Puta...
Mirabela apareceu olhando na direção em que o filho seguiu.
— Aquele é o Héctor?
— Uhum.
E deixou o cheiro dele misturado com os hormônios no
quarto.
Ele só podia ser obcecado por tirar a minha paz mesmo.
Nem no dia que levei um tiro e acabei no hospital Héctor me
deixou em paz!
— Achei que ele tinha saído com os outros. Saiu de casa tão
transtornado. E você, querida? — O olhar de preocupação e pena
dela me fez encolher na cama.
— E a Serena? — Ignorei sua pergunta, a minha maior
preocupação era com a minha amiga.
— Todos estão procurando. Eles não devem ter ido longe. Eu
não imaginei que ele estaria lá. Alejandro está furioso com os
seguranças, eles falaram que o lugar era seguro.
— Eu também não imaginei que ele iria aparecer ali, mas
pensei sim que poderia procurá-la. Foi tão assustador. — Eu me
lembrei da arma na minha cabeça.
Eu nem podia dizer que me sentia totalmente aliviada, pois o
machucado no meu braço era prova do mal que aquele homem
podia causar.
— Sinto muito por ter passado por isso. Você já vinha de
tantos problemas. Tudo parecia tranquilo demais nas últimas
semanas... — Ela cobriu o rosto. — Eu nunca deveria ter chamado a
Serena para fazer a visita, mas achei que com os seguranças seria
seguro e era um dia importante. Ela nunca tinha ido visitá-lo,
justamente por causa do Cesare. — Suspirou. — Meus filhos não são
os mais quietos, mas também não são perturbados a esse ponto.
O Héctor...
Héctor era o tipo maldoso sim, mas eu não sabia se era louco
como Cesare.
— Me conta, como está o ombro?
— O médico disse que não foi um machucado grave, mas
ainda foi um tiro e vai mandar a fisioterapeuta me examinar pra ver
como estou depois disso. Eles também fizeram outros exames, então
vou ter que esperar isso tudo.
— Que bom. — Ela levantou as mãos. — Eu rezei tanto vindo
pra cá.
— Obrigada. — O gesto dela me comoveu.
Ninguém nunca tinha se preocupado tanto comigo daquele
jeito. Minhas vizinhas de Madrid tinham certa preocupação, mas
nunca tinham aparecido para mim assim.
— Você quer comer alguma coisa? Eu vou buscar. Precisa de
um café ou chá?
— Chá. — Aceitei.
Ela saiu com a bolsa debaixo do braço e o salto batendo no
piso branco do lugar.
Ela era mesmo mãe da Ramona, tão elegante, estilosa e
jovial!
Era loucura eu estar no meio daquela família. De um lado
uma mãe me ajudando a me safar dos meus crimes e de outro um
filho tentando me enlouquecer.
Ela voltou com as xícaras e tomamos o chá conversando.
— A sua mãe, Caterina... Você nunca me falou sobre ela.
E não pretendia.
— Sim...
— Ela é viva?
— Eu não sei. — Pensar sobre ela me causava dor física. —
Não a vejo há algum tempo.
— Mas vocês tinham uma boa relação? Não precisa falar se
for incômodo. — A doçura dela me convencia a permanecer na
conversa, mas realmente era incômodo.
— Não tínhamos, por isso fui morar com o meu pai.
Ela comprimiu os lábios.
— Lamento. Não imagino o quanto deve ser difícil.
— Foi melhor assim. Cada um para o seu lado.
Era isso ou eu estaria presa naquele momento.
Mudamos o assunto para falar sobre a Serena e o fim daquela
situação. Foi melhor porque eu não conseguia parar de pensar no
que o Héctor iria aprontar depois de sair dali.
Será que ele mataria o homem pela Serena?
Ele falou como se fosse por minha causa, mas Héctor me
odiava demais para me proteger. Se ele matasse alguém por mim,
seria para colocar a culpa por sua ação nas minhas costas e assim
me fazer se sentir mal.
Como eu não podia fazer nada quanto ao resgate da Serena e
vingança contra o Cesare, restava esperar o resultado do que os
outros fariam.

HÉCTOR BARONE
Eu andava com tanta raiva de Cesare que contava os
segundos para chegar com a minha bazuca e deixá-lo em pedaços.
Isso era insanidade demais por alguém que eu não deveria
me preocupar, mas assim que soube do acontecido, toda a minha
sensatez se foi.
Ele a fez de refém e depois atirou nela.
E se ela morresse?
Eu não sabia conviver com aquela mulher habitando o mesmo
mundo que eu, separados por regras morais, porém, se fossem
regras muito maiores, como um existindo e outro nunca mais
podendo existir, como faria?
Tive ódio dele, da Serena e dela.
Aquela teimosa!
Ela sabia que Serena sempre se metia em problemas, por que
diabos não ficou perto da minha mãe?
Ela nem tinha nenhum ente querido naquela merda de
cemitério!
— Héctor, respira um pouco ou você mesmo vai explodir —
Roman, meu irmão caçula pediu.
Ele andava focado demais na sua possível futura esposa, mas
não perdia uma boa confusão.
Roman estava por fora de tudo que vinha acontecendo
comigo, ele não fazia ideia do que aquele tiro significava, diferente
de Damon.
— Vocês têm certeza de que vamos ao lugar certo?
— Você não viu o carro do Henrico lá atrás? — Damon dirigia.
— Só vamos parar mais perto.
Estava chovendo, trovejando, uma noite fodida.
Eu não estava ali para fazer algo por Serena, por isso Henrico
não tinha obrigação de agradecer por nada. Estava por vingança
pessoal.
Quando Damon parou o carro, Roman saiu armado para
procurar por Henrico enquanto Damon e eu ficamos esperando uma
parcial do que estava acontecendo.
Eu não podia ir até lá se Serena, Henrico e os outros homens
nossos estivessem no lugar, era o meu limite.
Fiquei parado na frente do carro, olhando o fim da estrada,
enquanto Damon tentava resolver um cubo mágico.
— Como sua namorada está?
— Namorada, Damon?
— Como sua putinha está?
Olhei para ele e desisti de corrigi-lo.
— O tiro pegou no braço.
Ela estava bem abatida na cama do hospital, com o ombro
enrolado. E no fim da nossa conversa concluí que ela não
compreendeu o quanto essa merda toda era séria.
— Ainda dá pra foder.
— Cala a boca, Damon...
Quando eu pensava naquela florista, a última coisa que vinha
à minha mente era sexo.
— Vocês dois já...
— Claro que não. Você tomaria veneno sabendo que pode te
matar?
Ele sabia bem que se eu me envolvesse com ela, corria o
risco de não conseguir me casar com outra e de tacar o foda-se para
o tipo que ela era.
— E essa paixão não passa, né?
— Você está completamente errado.
Tentei mentir, mas para quem?
Damon era a pessoa mais analítica que eu conhecia. Ele não
perdia um detalhe, um olhar.
— Hum. Eu não te entendo. Você quer que ela se afaste
enquanto a procura.
— É só pra garantir que ela se sinta mais pressionada pra ir
embora.
— Enquanto morre de medo de nunca mais vê-la. Acho que a
sua linguagem do amor ainda não foi catalogada.
— Amor... — Ri. — Que ideia idiota.
— Héctor. — Roman voltou, ao seu lado vinha Henrico
carregando Serena nos braços. — Pegue o seu brinquedo. Não vai
dar tempo para o resto do pessoal chegar.
— Finalmente. Eu já estava entediado. — Dei a volta no carro
e peguei a arma.
Damon largou o cubo e saiu do carro com uma escopeta.
— Uh. Encontrou a prima quase inteira. Ao menos está viva,
não é?
Ela merecia um tiro por levar a outra para a armadilha do
marido.
— Quem matar menos corvos se casará com uma Russo. —
Damon combinou com Roman, saindo antes de mim e eu os
acompanhei com a arma no ombro.
Logo Cesare ficaria em pedacinhos.
A estrada era escura, as copas das árvores conseguiam cobrir
bem o lugar, mas ainda caíam gotas de chuva.
— Todo mundo já saiu de lá, Héctor. — Roman destravou sua
arma. — Só tem a escória do Cesare. A gente te dá cobertura.
Fazia muito tempo que não usava um lança foguete e quando
finalmente consegui ver as barracas, parei com o corpo firme e mirei
bem no meio delas.
— Isso não é pela Serena, Cesare. — Atirei.
Um clarão se acendeu atrás de mim enquanto a granada
voava na direção do acampamento, que explodiu segundos depois.
Lindo!
— Abaixa, Héctor — Damon ordenou e eu fiz, depois tirei o
revólver da bota e destravei.
Tinha gente atirando contra nós enquanto Roman estava
falando com Henrico no rádio.
Eu me encostei em uma árvore, deixando a bazuca no chão e
procurei por mais alguma alma que iria libertar naquela noite. Com
as chamas ficava mais fácil ver. Tinha um se mexendo atrás de outra
árvore e mirei nele. Um tiro no braço, quando ele se encolheu para
se esconder, o corpo apareceu no outro lado e atirei no tórax.
Depois disso, mais nenhum.
— Vamos — Damon chamou e o seguimos, usando árvores no
caminho como escudo até chegarmos ao carro.
Deixei minha bazuca e o revólver esfriando no piso do
automóvel enquanto assistia às chamas que ficavam para trás.
— O pai vai ter um trabalhão pra acobertar isso — Roman
comentou.
— Motos, gasolina e fogueiras, não acho que para ele seja
difícil acobertar isso. — Damon fez o retorno e seguimos viagem
para casa. — Feliz, Héctor?
— Satisfeito.
Felicidade era uma palavra muito forte.
— Para onde vamos?
— Para o hospital. — Decidi.
CAPÍTULO 20
CATERINA SÁNCHEZ
Eu estava tirando um cochilo quando ouvi os passos do
Héctor.
Era pelo som deles que muitas das vezes conseguia fugir de
um encontro, mas ainda estava no hospital com o ombro enfaixado
e sem notícias da Serena.
Abri os olhos e ele entrou sem o casaco, com o cabelo
molhado.
Eu ouvi os trovões.
Era uma noite chuvosa.
Héctor se molhando para ir ao hospital?
Ele parecia mais calmo.
— A Serena? Veio trazê-la? — Ergui a cabeça, esperançosa.
— Não.
Eu achei que ele estava indo resgatá-la!
— Então o que faz aqui? A sua mãe já foi embora. —
Estranhei a visita.
Eu tinha medo de descobrir alguma boa intenção vinda dele.
Estava mais acostumada com seu jeito mau e se ele me falasse que
se preocupava comigo, não saberia como reagir.
— Vim terminar de te matar. — Ele se sentou na poltrona de
couro e eu fiquei em alerta, com o coração disparado diante da sua
justificativa. — Alguém precisa ficar de acompanhante.
Uma justificativa melhor.
— Ela te obrigou?
— Não. Não obrigou. Eu vou ficar aqui pra assegurar que
você não vai cometer mais nenhuma burrice. Sua amiga está no
mesmo ambiente, por isso as duas precisam ser vigiadas.
— A Serena está aqui? — Tentei me levantar, mas ao mexer o
braço senti a dor do tiro e desisti.
Héctor se levantou e apoiou as mãos na minha cama, me
fazendo recuar para perto da cabeceira.
— Tá vendo? Já ia fazer burrice. Você tem que ficar quieta ou
não vai melhorar logo.
— Não se preocupe. Eu não vou deixar as minhas tarefas de
lado. Tenho o braço esquerdo são.
— Mas você é destra.
O quê?
Sim!
Ele tinha reparado nisso.
Na hora eu fiquei sem reação, só olhando para ele, surpresa.
— Pra garantir que vai ficar quieta, vou ficar de olho em você.
— Não foi um aviso, foi uma penitência.
Eu não ia ter mesmo um tempinho de paz.
— Eu vou ter que rezar aquela oração de novo... —
choraminguei.
— Pode rezar. Não vai me afastar. Agora você não tem como
fugir de mim.
Eu me benzi.
Eu não o queria próximo de mim. Naquele momento parecia
que tinha suspendido os insultos, mas eles voltariam assim que ele
lembrasse de onde eu saí.
— E o que aconteceu com o Cesare?
Héctor fez um som e um gesto com as mãos de uma
explosão.
— Não é mais um problema.
— Héctor, você... — Fiz uma pausa ao ver pessoas passando
no corredor e falei mais baixo. — Explodiu o homem?
— Eu disse que estava sendo obrigado.
— Não vai me fazer sentir mal me culpando. Vocês foram
atrás da Serena.
— Ele teve o que merecia e você é tonta demais pra entender.
— Ele cobriu a boca com o antebraço e espirrou.
Ele ficava doente!
Era um ser vivo!
— Vá pra bem longe com seu resfriado. Bem longe de mim.
Ele pigarreou, se afastando da cama.
— Eu vou, mas voltarei.
Essas ameaças eram piores que as outras.
Eu tentava entender o que estava acontecendo com ele.
Por que de repente andava buscando o meu bem-estar?
Suspeitar de afeto era impossível.
Sabia quem eu era, quem ele era e o que pensava de mim,
então não podia esperar nada disso.
O tio Alejandro deveria tê-lo mandado ficar de guarda, como
um castigo para Héctor.
Mas castigou nós dois.
De repente, Serena apareceu na porta e espantou toda a
tristeza e preocupação que eu sentia.
— Serena!
Ela correu para me abraçar, se mantendo longe do meu
machucado.
Foi um abraço tão forte e cheio de alívio que não queria sair
dele.
— Pensei que tinha morrido. — Ela soluçou em meu ombro e
se afastou. — Me perdoe. Por favor, me perdoe.
— Você não tem culpa de nada. A culpa é toda daquele
monstro.
Eu também achei que poderia acontecer algo ruim com ela,
mas tinha esperança de que a encontrassem antes disso acontecer.
— A culpa é minha também. Se eu não tivesse tentado me
soltar, ele não teria atirado. — Ela se sentou na cama, olhando para
o meu curativo.
— Eu te acharia uma molenga se não tentasse. Mas doeu
muito! Foi um inferno e quase desmaiei! — Tentei dar um ar cômico
pra conversa, mas Serena parecia se sentir muito culpada pelo que
aconteceu.
— Sinto muito, Cate.
Tudo que eu menos queria era sair como o Héctor, culpando
as pessoas por coisas que não tinham culpa.
— Você também sofreu. Que alívio que conseguiram te pegar
rápido.
Levou o tempo do meu cochilo.
— É um alívio, mas as horas que fiquei no meio daqueles
alienados pareceram dias.
— Ele te fez algum mal? Ele tinha cara de quem seria capaz
de tudo. — Segurei a mão dela e não deixei de reparar na
queimadura da arma que ficou no pescoço dela. Também tinha
curativos no joelho e braço esquerdo.
— Ele tentou, mas eu o machuquei. Acho que se o Henrico
não aparecesse naquela hora, teríamos matado um ao outro.
Imaginar que ela teria essa coragem depois de tudo que já
tinha feito quase desmanchou o sorriso que surgiu ao vê-la citando o
Henrico, seu salvador.
— Ele não só está apaixonado. Já te ama.
Ela encarou nossas mãos e não parecia feliz com isso.
Se fosse por medo do Cesare, ele não seria mais um
problema.
— Cesare me contou coisas sobre o meu pai e Henrico,
Caterina, que tenho medo de acreditar.
Claro que ele tinha que tentar acabar com a felicidade dela.
Um grande corno filho da puta!
— Que tipo de coisa? Aposto que ele estava tentando te
manipular.
— Eu quero acreditar nisso também, mesmo assim essas
alegações ficam na minha mente. Eu não acredito que o meu pai era
o que ele disse, muito menos o Henrico.
— Sobre o seu pai, não há muito o que fazer, mas sobre o
Henrico sim. Pergunte para ele.
Por mais que eu evitasse falar sobre algumas coisas, assuntos
que eu sabia que eram melhores serem tratados com conversas
diretas, eu lidava da maneira certa.
Enigmas me deixavam perturbada e se eu podia perguntar e
acabar com a dúvida que me afligia, sempre fazia.
Ela concordou comigo.
— E você? Vai embora logo?
— Acho que sim. Não foi nada grave. A coisa pior nisso tudo é
o meu novo guarda-costas.
Ela apontou para trás.
— Não me diga que é o Héctor.
— Sim. Ele mesmo. Disse que não vai me deixar em paz.
Fingimos choro juntas e depois rimos.
— Que droga, Cate!
— Eu achei que teria paz aqui.
— Estou começando a acreditar que não é por ódio que ele
fica te procurando. Acho que ele sente outra coisa por você.
Ela conseguiu me deixar sem graça em segundos.
Eu queria saber sua opinião, mas antecipar isso já me
causava desconforto.
Era uma coisa impossível.
— Aposto que é bobagem.
Ela sorria, não entendia o quanto aquele homem me irritava
pra agir assim.
— Acho que ele tem uma quedinha por você. E como ele não
pode ficar com você, morre de raiva.
Eu ri descartando a ideia, mesmo que um pequeno pedaço
achasse sentido naquilo.
Damon disse que eu tinha sorte por ser puta, então se não
fosse seria alvo do Héctor?
Que tipo de alvo?
— Impossível, Serena. Ele sente nojo de mim, acha que eu
sou uma puta que já deu para tantos homens quantos os que eles
têm de segurança.
— Doido pra ser mais um.
Tentei afastar mais uma vez a sua ideia, mas a imagem
daquele homem encarando a minha boca surgiu na minha mente no
mesmo instante.
— Ah, Serena, vá embora com suas teorias absurdas! Deus
me livre de ter esse homem interessado em mim! E quem tem
interesse não maltrata quem gosta do jeito que ele faz. Quando ele
encontrar a noiva, talvez você veja o lado apaixonado dele. Se é que
isso é possível.
Ela estava rindo de mim, zombando.
— Você ficou toda vermelha, Caterina.
Cobri uma bochecha com a mão esquerda e realmente estava
quente ou era a minha mão muito fria.
— É vergonha por ver você com esse tipo de ideia. Esqueceu
o que ele fez com você? Ele jurou que faria pior comigo.
— E não fez. Mas ele explodiu o acampamento do Cesare e
depois correu pra cá, pra te ver. O que você acha disso? Ninguém
mandou.
Eu não ia cair nessas paranoias.
— Acho que ele só quer garantir o meu inferno particular. Só
isso, Serena. Chegou aqui brigando comigo, dizendo que a culpa
disso era minha por ter te acompanhado, que ele era obrigado a
explodir o Cesare, completamente dissimulado. Por quê? Porque ele
queria e ainda quer me deixar doida pra eu ir embora perturbada. E
estou quase indo, Serena.
— Eu não te vejo longe daquela mansão. — Ela balançou a
cabeça em negação. — Você tem o trabalho que ama sem se
preocupar com mais nada. Por que quer ir embora?
O encontro com Cesare tinha fodido com a cabeça dela.
— O mesmo motivo que me preocupa é o que me faz querer
ir embora. E você parece que esqueceu de tudo.
— Eu só estou dizendo o que parece ser. — Ela deu de
ombros. — Mas concordo que seria loucura se envolver com ele.
— Me envolver... Isso está fora de cogitação. Impossível. —
Encolhi o rosto. — Só você vê isso. Não sei o que te deram no
atendimento, mas te deixou biruta. E se não deram nada, você
precisa de algo.
Ela se levantou rindo de mim.
— Ficou nervosa. Será que existe alguma coisa do seu lado
também? Gosta de homens grossos, misteriosos? — Ela rodeou a
cama.
Falava apenas absurdos.
— Serena, vá embora! Chega da sua visita! — Pensei em
arremessar o controle do ar-condicionado, mas não podia, era
patrimônio do hospital.
Ela ficou rindo, na porta do quarto.
— Eu já vou. Beijos.
Revirei os olhos.
Como uma conversa triste terminou desse jeito?
Eu não sentia nada por Héctor.
Certo?
Eu nem sabia qual o tipo de homem me atraía.
Os que fiquei eram bem diferentes dele.
Homens grossos e misteriosos...
CAPÍTULO 21
CATERINA SÁNCHEZ
No dia em que levei o tiro, passei a pior noite da minha vida.
Dormir no hospital não foi nada bom. Quando conseguia cochilar,
acordava com o barulho dos monitores, quando ficava acordada, me
lembrava de quem andava me vigiando.
Héctor passou a noite no hospital.
Ele ficou do lado de fora do quarto, andando de um lado para
o outro, me observando pela janela. Quando ele virava, eu fechava
os olhos.
Parecia que eu estava em uma prisão hospitalar e ele era o
guarda que vigiava a minha solitária.
Nenhum dos dois teve por tempo suficiente para recarregar
as energias.
Se Serena não tivesse começado com aquela conversa
absurda, que em condições normais ela não falaria, eu teria pedido
para que ficasse comigo, me fazendo companhia. Sabia que ela
ficaria por se sentir culpada pelo que aconteceu.
Se eu tivesse ficado sozinha, a noite teria sido mais tranquila.
A minha cabeça não descansou sabendo que a última pessoa
que eu esperava me acompanhar numa situação como aquela estava
ali, reforçando o aviso que deu de não sair de perto de mim.
Desconfortável era a palavra.
Era como entrar no vale da estranheza de Héctor.
E quando achei que ele não iria me surpreender, acordei do
cochilo ao amanhecer do dia e ouvi sua conversa com o médico.
— E esse antibiótico? Que horas ela deve tomar?
— Está tudo na receita. Deve ser tomado na hora certa pelo
tempo indicado. Sem atraso, sem esquecimento. Os curativos devem
ser trocados uma vez ao dia, a enfermeira irá visitá-los.
— Desta vez é uma de confiança ou teremos que dar um fim
como a outra?
— Senhor Barone...
— Eu acho bom o doutor enviar alguém bem confiável,
porque não sou como o Henrico e se houver alguma surpresa,
sobrará pra o senhor também.
— Eu não sabia que aquela mulher era parceira do tal Russo.
O senhor sabe que sempre cuidei da família Barone com muito
respeito, sempre fiz o melhor e as pessoas comigo também. Eu fui
enganado assim como vocês, mas isso não acontecerá novamente.
— Espero. E pra garantir mesmo, ficarei por perto.
Era típico dele ameaçar todo mundo, mas sobre os cuidados
comigo era inesperado.
Esfreguei meu rosto, limpei os olhos e penteei o cabelo com
os dedos antes que entrassem no quarto.
Era horrível ficar dependente quando era uma pessoa
sozinha.
Eles entraram e não consegui encarar o meu acompanhante,
para completar, comecei a balançar os dedos, contando os segundos
para eles me deixarem sozinha mais uma vez.
— Bom dia, Caterina. Como se sente? — O médico parou ao
lado da minha cama e olhou o monitor, anotando algumas coisas na
prancheta.
— Bem. — Minha resposta foi fraca, assim como eu me sentia
depois de perder a noite e levar um tiro.
— Vamos te dar alta e poderá se cuidar em casa. Só precisa
tomar os remédios certinho pra evitar alguma infecção. A
fisioterapeuta vai te visitar, assim como a enfermeira pra trocar os
curativos e ver se a ferida está cicatrizando bem. Acredito que você
vai se recuperar logo, é forte, saudável e teve muita sorte.
Eu não chamava de sorte levar um tiro.
— Hum. Que bom.
Ir para casa seria ótimo, dormiria o resto do dia depois que
regasse as plantas, mas pensar que eu estaria hospedada na casa
onde trabalhava sem fazer o que eu deveria, apenas como um peso
machucado me fazia repensar se era uma boa ideia mesmo.
Eu não conseguiria me manter quieta para não deixar que
pensassem que eu não servia para nada além de dar trabalho.
Aquelas despesas médicas mesmo, eu nem tinha como pagar.
O meu trabalho na casa dos Barones era em troca de ficar lá,
não em troca de dinheiro.
O médico tirou o oxímetro do meu dedo e entregou as
receitas a Héctor.
— Pode se trocar e ir. Se cuida e qualquer coisa, pode ligar ou
voltar aqui. — O médico parecia prestativo demais, deveria ser por
estar na frente de Héctor.
— Obrigada. — Eu me arrastei na cama para descer, quando,
no degrau, um braço foi oferecido.
Eu nem precisava levantar o olhar para saber de quem era,
pois o médico andava todo de branco e aquele ali se vestia de preto.
Mesmo assim, eu o encarei, perdida na gentileza repentina.
— Vamos logo. — Ele me apressou.
Assim era melhor.
Apoiei a mão esquerda nele e desci os degraus, depois o
soltei o mais rápido que pude.
Se fazer uma simples coisa estava difícil, como conseguiria
trocar de roupa?
— A enfermeira. — Olhei para a porta na esperança de que
alguma passasse.
— Troque-se e vamos.
Rude!
O Héctor normal estava voltando.
Resolvi que faria aquilo sozinha mesmo.
A mãe dele tinha deixado uma roupa pra mim e peguei para
levar para o banheiro, onde não tinha uma fechadura decente. Ela
ficava fechada através de uma mola, mas não tinha chave, um
empurrão e abria.
Ele não iria entrar ali.
Lembrei que ele sentia nojo de mim, então deixei de me
importar com a possibilidade dele resolver entrar no lugar.
Não tinha chances.
A roupa do hospital era um avental que saía fácil, bastou
puxar o laço que tinha na frente e arrastá-lo do meu corpo, mas
colocar o vestido que era mais justo não seria a mesma coisa.
Estudei a roupa de alças e, no fim, optei por ignorá-las e
passar por baixo, puxando até cobrir os seios.
No fim me perguntei como o Henrico conseguiu agir como se
não tivesse se machucado semanas antes.
Ele não parecia sentir incômodo para nada!
Deveria ser muito frio mesmo para não sofrer, pois comigo
era diferente.
Um movimento simples do ombro machucado e eu me
arrependia, queria chorar de dor.
Saí do banheiro e Héctor continuava me esperando. Ele olhou
para o meu estado, com a cara de pôquer montada e saiu na frente.
Eu o segui.
Se ele ousasse despejar na minha cara que consumi seu
tempo, atrapalhei sua noite de sono ou coisa parecida, eu nunca
mais aceitaria o que não pedi dele.
Quando saímos na frente do hospital, descobri que ele estava
dirigindo.
Era um dos carros esportivos que Roman costumava usar, um
Porsche preto.
A cara de Héctor andar assim, mas não era o que ele
costumava fazer.
Dei a volta e abri a porta enquanto ele entrava pela porta do
motorista.
Quando puxei o cinto, vi que não poderia colocá-lo sem sentir
dor.
— Você pode dirigir devagar? Eu não consigo usar o cinto.
Ele não disse nada, apenas dirigiu pela cidade e parecia
acatar o meu pedido, então pegamos a estrada para a mansão e
sem nenhum trânsito, nem buraco, pisou fundo.
Apertei minhas coxas, pois não tinha outro lugar para me
apoiar, não conseguia respirar e mal enxergava a paisagem que
passava ao nosso lado de tão rápido que viajávamos.
Nunca fiquei tão apreensiva durante uma viagem e olha que
na última vez que dividi um carro com aquele louco, ele planejava
cortar fora a minha mão e eu não sabia para onde estava indo.
Ali, ao lado do motorista mais apressado que conheci, rezei
para que chegássemos logo.
Que seria logo, era óbvio. Ele dirigia muito depressa, mas se
chegaríamos vivos era outra história.
Quando ele virou a curva para entrar na estrada que dava aos
portões, mandei o resto do ar dos pulmões para fora e apertei o
braço dele.
— Você é louco?!
O canto dos lábios dele se mexeu e ele continuou fazendo seu
show no caminho, até que finalmente chegamos ao primeiro portão.
Respirei ofegante, como se tivesse ficado presa debaixo
d’água por um tempo maior do que podia.
Larguei o braço do bastardo e conferi meu coração, que
estava com os batimentos nas alturas.
Passamos por um portão e depois pelo outro, por fim,
chegamos à fortaleza dos Barones.
No fim da viagem, concluí que Héctor só queria garantir que
eu sobreviveria ao tiro do Cesare, para ele mesmo poder me matar
de outra forma.
Um segurança abriu a porta para mim e saí encontrando Rita
na entrada da casa.
— Ainda bem que chegou! Menina, eu tenho uma coisa pra
contar. — Ela abraçou meu braço esquerdo.
A fofoca era maior que a preocupação sobre o meu estado de
saúde.
Rita sendo Rita.
— O quê?
— A Serena foi embora — ela falou baixinho, olhando para
trás e eu fiz o mesmo.
Héctor estava de olho em nós, mas não nos acompanhou.
Tinha terminado sua fase como meu guarda-costas.
Eu deveria agradecer o tempo que ele ficou me fazendo
companhia ou tentar descontar isso pelas vezes que me disse
palavras pesadas?
O assunto era Serena e sua partida, depois eu pensaria sobre
Héctor, afinal, eu já tinha passado muito tempo com aquele homem
na minha cabeça.
— Ela foi embora por quê?
— Pelo que eu ouvi... — ela cochichou no meu ouvido e não
acreditei naquela conversa.
— Isso é sério?
— Sim. É o que parece. O senhor Barone mandou que a
levassem para onde ela quisesse ir. Parece que tem mais coisas por
trás disso, mas eu ainda não descobri.
Então Serena tinha conversado com ele, como eu sugeri e
não tinha acabado bem.
Quando ela me contou que Cesare havia falado coisas
absurdas sobre o pai, eu não parei para pensar no que poderia ser,
ela também não foi clara, mas ouvindo a fofoca de Rita, entendi o
motivo da minha amiga ter ficado tão perturbada com o assunto.
Se aquilo fosse verdade, Serena deveria estar magoada
demais com Henrico.
Eu não podia ver um ponto onde ela o perdoaria.
E eu achei que Henrico era bom, que aquela casca dura e a
frieza faziam parte de sua personalidade, que ele a amava.
Quem ama esconde esse tipo de coisa?
Era horrível!
Cruel!
Henrico era mesmo o melhor amigo e igual à Héctor com
razão.
— Qualquer coisa que descobrir, me conta. Eu vou estar na
estufa.
Alguém pigarreou atrás de nós e olhamos por cima do ombro.
Héctor estava parado ali.
— Anda com tempo livre, Rita?
— Não, senhor. Eu só estava recebendo a Caterina.
— Já recebeu. Volte a fazer suas coisas.
Saber que esse comportamento dele não era apenas comigo
me deu um grande alívio. Seu jeito rude não era pessoal.
Ela me largou no mesmo instante.
— Sim, senhor. Estou indo. Se cuida, Caterina.
Acenei com os dedos e ela sumiu em um cômodo.
Restou somente o senhor ruindade e eu.
— Já estou indo para a estufa. — Tentei antecipar sua ordem.
— Para o quarto. Agora. E coloque os alarmes. — Ele me
entregou as receitas e os remédios, insatisfeito.
Peguei tudo e abracei contra o peito pra não deixar cair.
— Depois não diga que estou com tempo livre ou de férias na
sua casa.
— Para o quarto, Caterina — ele pronunciou meu nome em
um rosnado com ênfase em todas as sílabas.
Seu olhar não me assustou tanto quanto as palavras.
Ele pronunciou meu nome pela primeira vez.
Saí de perto dele e fui para o meu quarto com sua voz
ressoando na minha mente tal qual o sino de uma catedral.
Caterina...
Caterina...
Caterina...
CAPÍTULO 22
CATERINA SÁNCHEZ
Dormi tanto que quando acordei estava com a barriga
roncando, mas com a mente revigorada.
Era engraçado me sentir em casa naquele quarto, me sentir
bem. Assim como me fez pensar sobre o que ouvi de Serena ao
contar que iria embora.
Sim, eu tinha uma rotina ali e já tinha me acostumado com
tudo. Cada dia que passava, ficava mais difícil me imaginar voltando
à minha casa e à vida que eu tinha antes.
Nem seria possível.
Independentemente do resultado do que fiz com o senhor
Albarello, tinha dado um rumo totalmente novo à minha vida.
Naquela mansão vivia a terceira opção e mais improvável que
poderia viver, mas quando voltasse para casa, eu teria apenas duas:
a cadeia, ou na pior das hipóteses acabar de novo nas mãos do
senhor Albarello, ressentido pelo que fiz com ele.
Eu queria que ele estivesse morto e se eu fosse embora,
apenas se estivesse desmotivada demais pra lutar pisaria onde
pudessem me pegar.
Eu me levantei, tomei banho, vesti uma roupa sem cheiro de
hospital e então saí do quarto.
Ainda não tinha visto Camilla e a procurei na cozinha.
Tanto ela, quanto as outras foram pegas de surpresa com a
minha aparição.
— Caterina! Você parece bem, mas o que faz aqui? — Camilla
estava de olho no meu ombro.
— Vim ver vocês.
— Precisa comer, não é? — Marieta acertou. — Aposto que
não comeu nada que prestasse naquele hospital. Eu vou fazer um
prato pra você.
Ela estava certa.
Sopa sem sal e pão foi o que me serviram no hospital.
— Obrigada. — Eu me sentei em um banco.
— Que lástima o que aconteceu! — Camilla balançava a
cabeça, me olhando com pena. — Quando eu soube, quis ir ao
hospital, mas você sabe como são as coisas aqui.
— Sei.
E era por isso que estranhava o Héctor ter me dispensado do
trabalho.
Claro que o da Camilla era mais indispensável, porém ainda
me sentia desconfortável em ter um dia de folga quando poderia
cuidar das coisas com um braço só.
— Mas estou bem. Não foi grave.
— Que homem cruel esse marido da Serena. — Benedict
estava horrorizada, cortando carnes.
— Sim. Ele era maléfico e não pensou duas vezes em me
machucar. Tive medo de que fizesse pior com a Serena. Inclusive,
soube que ela foi embora.
— Foi. — Elas confirmaram em coro e Camilla encarou as
coisas que cortava na mesa com uma tristeza de partir o coração.
— Eu nunca pensei que uma coincidência tão desgraçada
como essa pudesse acontecer. Serena é uma boa menina. Nunca
apoiei que mantivessem um caso porque por mais que esse homem
fosse ruim, ela ainda era casada com ele. Mas quem errou feio
mesmo foi o meu filho. Henrico se perdeu nessa vida de vingança e
eu não sei como trazê-lo de volta. — A voz dela embargou e apertou
a ponte do nariz, chorando.
Eu me levantei na mesma hora para consolá-la.
— Eu imagino que como mãe a senhora deve estar muito
triste. Não dá pra saber o que o motivou, se foi certo ou errado. Eu
espero que um dia eles se acertem.
— Nessas horas eu me arrependo de ter ficado aqui. — Ela se
recuperou do choro e secou as lágrimas. — Se eu estivesse longe,
mesmo sem nada do que esse lugar oferece, sei que os meus filhos
pensariam diferente.
Ela tinha razão sobre as mudanças que aquele lugar causava,
mas eu sabia, vivi coisas fora dali tão cruéis quanto o que eles
defendiam.
Henrico poderia ser tudo aquilo sem precisar crescer com os
Barone. As motivações pessoais podiam ser mais fortes e causar
mais estragos do que motivações externas.
Comi a refeição que Marieta preparou e depois saí no jardim
para tomar um pouco de ar.
— Olha, ela voltou — uma voz feminina falou perto de mim.
— Caterina?
Olhei para trás e Chiara, junto a Ramona, andava na minha
direção. Elas pareciam ter saído de algum treino físico pelas roupas.
— Oi.
— Como está? — Chiara olhava o meu curativo.
— Bem.
— Você veio com quem? — Ramona se abaixou para amarrar
o cadarço do tênis. — Não vimos quando você chegou.
— Com o Héctor. — Admitir aquilo me causava
constrangimento, embora imaginasse que elas não soubessem de
nada do que Héctor aprontava.
Mas as duas pareciam surpresas.
— Ele passou a noite lá? Não apareceu pra jantar.
A irmã dele perguntava tanto quanto o Damon e eu não
queria falar sobre Héctor e o que ele andava fazendo.
— Eu acho. — Tentei não prolongar a conversa.
— A Serena falou com você depois de ontem? — Chiara fez o
favor que eu queria, pois aquele era um assunto que eu queria
debater.
Estava preocupada com aquela louca.
Quando a confusão acabava na vida dela, aparecia uma do
passado para atormentar.
Era impressionante a sorte da mulher.
— Não falou. Ela disse alguma coisa pra vocês?
— Não. Quando chegou com o Henrico, tudo foi bem rápido.
Ela nem pegou as coisas, simplesmente foi embora. — Ramona fazia
caras e bocas, como se achasse aquilo uma loucura.
Mas alguém deveria ter falado pra elas a motivação de
Serena, por isso eu não pretendia entrar no assunto específico.
— Você acha que ela volta? — Chiara me encarou com o
cenho levemente encolhido em preocupação.
Balancei a cabeça em negação.
— Depois do que ela passou com o primeiro marido, eu não
sei. Isso envolve o pai dela e ele era muito querido por ela. Não sei
se algum dia ela poderá mudar de ideia.
Serena já tinha conquistado muita força depois de tanto
sufoco, ela não se prenderia a alguém que a magoou de novo.
Elas não ficaram contentes com a minha sinceridade.
— Vamos esperar que seja diferente. — Ramona ficou de pé.
— Mas e você?
— Eu?
— Soubemos que você trabalhava numa boate. O Roman tem
uma. Como era lá? Tinha homens bonitos?
A expectativa de Ramona seria mais destruída do que a
esperança de que Serena voltasse quando eu respondesse à sua
pergunta.
— Trabalhei, mas foi por pouco tempo.
— Lá tinha quartos com jogos? — Chiara ria curiosa. — Como
são os espanhóis?
— Tinha tudo, mas eu não vi nada. — Dei graças
internamente. — E os espanhóis que conheci dentro dela eram, no
mínimo, ousados.
— Você fazia o quê lá? Você era mesmo o que os meninos
dizem? — Ramona estava mais empolgada do que a amiga para
saber.
As coisas que elas tinham curiosidade eram as que menos me
interessavam.
— Eu fui garçonete. Apenas.
— Ah... — O ânimo das duas se foi.
— Então você não seduziu ninguém num pole dance ou usou
aqueles brinquedos sexuais de sadomasoquistas? — Ramona
questionou.
Eu só não me benzi, porque precisava do braço direito e esse
estava machucado.
— Não!
Elas não podiam desejar aquilo, mas era o que parecia.
— Acho que vocês deveriam ler menos conteúdo erótico. Na
prática não parece nada interessante — aconselhei.
— Então você já fez, fora da boate. — O sorriso de Ramona
era o completo oposto da reação que eu esperava.
— Não. Nunca fiz nada disso, mas garanto que aqueles
homens só estão naquelas boates para prazer próprio. E alguns
deles sentem isso fazendo as piores coisas, como machucando os
outros sem piedade nenhuma. Eu não gostaria de cair nas mãos de
um desses e vocês também não deveriam.
Elas se entreolharam e riram de si mesmas.
— Nós não fazemos nada. Apenas temos curiosidade mesmo.
— Ramona suspirou. — Vamos ter um homem só na vida e
precisamos rezar pra que seja bom em tudo.
Eu me contentaria com um só se pudesse escolher, mas sabia
que não era o caso delas. Elas se casariam com quem seus pais ou
irmãos escolhessem.
Precisavam rezar mesmo.
Anoiteceu muito rápido com essa conversa, voltei para a casa
e elas também.
O médico disse que uma enfermeira iria me ver, para trocar o
curativo, mas eu não vi ninguém chegando.
Quando entrei no quarto, fiquei pensando em quem cuidou
da horta e das plantas. Estava decidida a voltar às minhas tarefas no
dia seguinte.
Alguém bateu à porta do quarto e imaginei ser a enfermeira,
então fui atender logo.
Queria saber se o buraco em mim estava se curando.
Não sabia quem era a enfermeira, ou o enfermeiro, mas ao
abrir a porta não era quem eu esperava.
Héctor estava parado ali, cheirando como quem terminou de
tomar banho, com uma camiseta cinza apertada, uma calça de
moletom, o cabelo molhado e penteado como sempre, o olhar
penetrante e o semblante relaxado que não exigiam esforços para
demonstrar que ele sempre andava irritado.
Recuei.
— O que você quer?
Ele avançou sem falar nada e saí da frente antes que batesse
de frente comigo, então foi direto para a mesa de cabeceira e pegou
as cartelas dos remédios.
— O alarme.
Eu tinha esquecido completamente de ativar.
Pigarreei e mexi no despertador do relógio.
— Eu acho que está com defeito.
— Hum. Defeito, hein? Um relógio nas mãos de alguém que
sabe muito bem como consertá-lo.
Por que ele tinha que ser tão detalhista?
Ele tirou um comprimido da cartela e ofereceu na palma da
mão.
— Beba.
Ordens de novo!
Eu só estava deixando-o achar que eu seguia alguma ordem
sua porque precisava tomar o remédio.
Mas ele não mandava em mim.
Peguei a pílula e coloquei na boca, engolindo com a água que
ficava na garrafa perto do relógio.
Héctor deu a volta na cama indo para trás de mim.
Eu olhei por cima do ombro, encolhendo o rosto para ele.
— O que é agora?
Ele começou a arrastar os fios do meu cabelo de cima do
curativo, me causando arrepios.
— Seria melhor deixar isso amarrado.
Então ele sugeria penteados para o meu cabelo?
Eu congelei tentando compreender como aquela fala saiu da
boca daquela pessoa, mas a proximidade era o que mais me
afetava.
Ele não exalava apenas hormônios, exalava poder e eu temia
que exercesse isso sobre mim.
— Não está me incomodando.
Ele afastou as mãos e olhou nos meus olhos.
— Caterina — Rita chamou, acabando com o perigo que era
ficar sozinha com Héctor. — A enfermeira chegou.
Ó
— Ótimo. Ela pode entrar. — Eu me sentei na beira da cama.
Héctor guardou as mãos nos bolsos e fez questão de se
encostar na parede para assistir ao trabalho da mulher.
Se fosse para evitar que ela cometesse algum deslize como a
mulher que cuidou de Henrico fez, com sua presença e a cara de
quem mataria alguém com as próprias mãos, nada de ruim iria
acontecer comigo.
CAPÍTULO 23
HÉCTOR BARONE
Eu não sabia que era filantropo até aquela puta assassina
vestida de camponesa levar um tiro. Não havia uma hora em que eu
não me perguntasse o que diabos ela poderia estar fazendo
enquanto deveria ficar quieta.
Entre os absurdos inaceitáveis que eu fazia estava verificar se
os remédios eram tomados na hora certa, se a enfermeira não
estava tentando matá-la enquanto trocava o curativo e procurar
saber sobre o homem que ela possivelmente tinha matado.
Sim, nunca procuramos saber sobre isso, pelo menos eu, e
quando descobri, procurei meu pai para alertá-lo sobre o assunto,
mas acabei no meio de uma reunião sobre o meu estado civil mais
uma vez.
Edoardo, seu amigo conselheiro, estava presente no escritório
durante a tortura psicológica.
— Vamos dar um baile. — Meu pai estava decidido e bem
orgulhoso da ideia.
— Um baile agora que a Serena foi embora? Achei que estava
trabalhando para trazê-la de volta e acalentar o coração do seu
afilhado favorito!
— Deixa de deboche, Héctor! Serena precisa de tempo para
compreender a situação, sem contar que fazia anos que ela não via
a mãe. Quando ela quiser voltar e conversar com Henrico, voltará.
Sobre esse assunto você só precisa colocar limites no seu amigo.
Eu, a pessoa famosa por não ter limites?
Aquela missão seria interessante.
— Precisamos organizar com tempo. Daqui a um mês ou
mais. — Edoardo estava com o maldito caderninho, anotando seu
plano maléfico para a minha vida. — A família Lucchesi vem de Nova
York pra cá e acredito que não vão gostar de receber os convites em
cima da hora.
E eles teimavam na tal família Lucchesi.
Eu nem sequer lembrava de como a moça era, se conversei
alguma vez com ela.
— Vamos aproveitar e marcar também o campeonato de turfe
para depois desse baile. — A mente gananciosa do meu pai estava
ativa naquele dia. — Chame Alonso, Edoardo.
— Ele está treinando para competições estaduais, Alejandro.
— Foda-se! Se não fosse eu, ele nem estaria fazendo isso.
Apenas diga que o chamei. Ele sabe que deve responder.
Edoardo apenas balançou a cabeça concordando com a ideia
e anotou no caderno.
Enquanto isso, meu pai me analisou.
— O que queria mesmo, Héctor? Não deveria estar em uma
reunião fora daqui?
— Eu vou, mas quero falar sobre a sua protegida. — Escolhi
melhor as palavras para não ouvir mais reclamações e as
sobrancelhas dele saltaram. — Eu entrei em contato com as pessoas
de Madrid e descobri que o homem que ela deixou inconsciente na
boate ainda está vivo.
— Sim. Eu já sabia. Procurei notícias no dia em que ela
chegou e sempre que há uma novidade, os homens de lá me
avisam.
Eu não imaginei que meu pai tinha dado atenção ao assunto
daquela maneira. Ele nunca havia mencionado isso durante nossas
conversas.
— Por que não me disse nada?
— Porque você não queria saber. Sempre vive implicando com
a moça, não queria e agora que sabe não quero que use isso para
amedrontá-la.
Ela havia conseguido mesmo o apreço do meu pai.
— Então ela não sabe?
— Não e deve permanecer assim. Ela já tem com o que se
preocupar, precisa se recuperar do atentado e o tal Albarello ainda
está na UTI. Não sabemos o quanto ele pode se lembrar quando
acordar, mas isso será problema quando acontecer.
Eu pensei que ele nem precisaria acordar.
Uma simples visita ao hospital seria suficiente para evitar um
problema futuro.
Mais uma vez eu me vi querendo proteger aquela florista.
Ele não estava na UTI por causa dela, mas era o lugar mais
perto da morte e eu agradecia a quem fez isso.
— Ok. — Eu me levantei e arrumei a roupa. — Era isso
apenas.
— Vai para a reunião?
— Eu vou, pai. Tenho o dia inteiro apenas para isso.
A insistência dele me estressava.
Não precisava de pressão para fazer aquele tipo de coisa.
Saí do escritório e dei uma volta na casa, pensei em ir ao
quarto dela, mas me detive quando vi no caminho as outras
funcionárias, então fui para o jardim e dele para a estufa.
A porta estava aberta, a luz do sol tornava o material que
revestia todo o lugar bem claro, como se estivesse dentro de uma
lâmpada. O cheiro doce das flores estranhamente me acalmava,
parecia que ali não existia pressa e que os problemas lá fora
poderiam esperar.
Àquela altura eu já reconhecia muitas das plantas, seus
nomes e o que precisavam, afinal não fiquei somente folheando os
livros da biblioteca, em específico o que tratava delas.
Achei que estava sozinho no lugar, que a florista estava
respeitando seu repouso, mas ouvi sua voz cantarolando no
ambiente.
Sem acreditar em tamanha teimosia, eu a procurei, algumas
plantas eram altas o suficiente para esconder alguém e quando pude
ver o que tinha atrás delas, lá estava ela, inclinada, limpando a terra
ao redor de uma planta.
O pior de tudo era que vê-la ali era algo natural para mim,
embora naquele momento ela não devesse estar, e sabendo que o
Albarello estava vivo, a possibilidade de um dia vê-la indo embora
para evitar algum conflito com a nossa família era alta.
Aquela stronza faria falta.
Meu pai estava certo, ela não precisava saber sobre as
condições do homem.
— Você não sabe ficar quieta, não é? — Eu a peguei no susto,
ela estremeceu e se apoiou no vaso.

CATERINA SÁNCHEZ
Eu não estava cometendo nenhum crime, mas estava prestes
a acusar Héctor de vários, dentre eles invasão de privacidade.
— Não preciso ficar completamente estática para que o
ombro se recupere. Inclusive, a fisioterapeuta manda movimentá-lo
muito. — Eu me levantei, decidida de que não iria deixá-lo ditar
como iria me comportar.
Já tinha me cansado dos seus ataques e tudo que eu menos
queria era ordens disfarçadas de preocupação vindas dele.
Mesmo de pé, ainda não alcançava sua altura. Ele andava
imponente, no terno preto, com o cabelo brilhando de tão preto e
sedoso, os olhos também brilhavam fixados em mim.
— Porque ela é louca assim como você — ele disparou com a
voz um pouco aguda, fora do tom normal dele.
— Veio aqui pra implicar comigo?
Sabia que era uma pergunta retórica.
Ele sempre me procurava para implicar comigo!
— Sai! — Ele avançou em minha direção e tomou as luvas das
minhas mãos, apressado, depois as colocou.
— O que vai fazer?
— O que você estava fazendo, não é?! — Ele se abaixou em
frente à planta e começou a arrancar os brotos que tinham ao redor
dela. — Como se a planta fosse morrer se não limpasse por mais
alguns dias...
— Eu não pedi pra você fazer. — Cruzei os braços assistindo
aquilo que ele fazia com pressa.
Isso tudo para me manter quieta?
Era realmente inesperado e esquisito.
Héctor era imprevisível.
— Claro, porque você quer fazer o que não pode sozinha. A
casa cheia de gente e você não sabe falar com ninguém pra fazer
isso.
Ele não entendia, era principalmente por causa dele que eu
estava ali.
— Pra depois você aparecer dizendo que além de ainda não
ter ido embora, estava abusando de vocês, sem cumprir o que devo
fazer e me aproveitando de todo mundo?
Ele olhou pra mim com a mandíbula cerrada e não recuei nem
desviei o olhar.
Ele sabia que eu estava falando a verdade.
Ao se levantar, foi como ver um monstro crescendo na minha
frente, ficando bem maior do que eu, prestes a me engolir.
— Você economiza inteligência.
— Me chamando de burra?
— Basta pensar no que mandei você fazer e comparar com o
que a sua cabeça de vento pensa. — Ele tocou as pontas dos dedos
na minha cabeça.
— Você não me dá ordens, Héctor.
— Dou sim — ele garantiu tão confiante que ficou afirmando
com a cabeça sem parar. — Você sabe que sim.
Ele pensava que sim.
Uma coisa era ameaça, outra era uma ordem.
Eu balancei a cabeça que não e Héctor começou a limpar as
outras plantas.
Fiquei assistindo-o fazendo mais do que isso. Quando chegou
aos vasos, onde eu pretendia montar arranjos, se virou para mim.
— Quais as flores?
— Você não sabe fazer.
Ele olhou para mim, com toda a sua arrogância.
— Quem disse que não? Quais são as flores?
Eu estava pagando pra ver.
— Pensei em rosas brancas com lavanda roxa.
Ele pegou a tesoura e foi atrás das rosas brancas. Eu o segui,
temendo que estragasse a planta.
— Precisa ser em um tamanho bom para o vaso. — Era a
única colher de chá que daria para ele.
Sem muita demora, ele cortou vários galhos, depois fez o
mesmo na lavanda e com os vasos com água, arrumou tudo.
Ele não colocou nada de qualquer jeito, arrumou como se
fosse para uma foto.
Pela primeira vez, eu o vi sendo delicado e cuidadoso.
— Desde quando você mexe com plantas?
— Alguém precisava fazer isso pra que você ficasse parada,
não é?!
Eu não podia acreditar que ele tinha feito aquilo por minha
causa.
Deveria ser por causa das plantas.
— Então você aprendeu esses dias? Depois que fui
machucada?
Ele meneou a cabeça e se afastou da mesa.
— Pronto. Agora chame uma das empregadas pra levar isso
pra casa e volte pra porra do repouso. — Ele me deu as costas e
saiu desfilando para fora do lugar.
Olhei para os arranjos e para fora, o cheiro do perfume dele
misturado às flores e fiquei intrigada com a situação.
— O que será que ele tem?

Héctor estava passando muito tempo fora de casa, uma


bênção, mas depois que ele resolveu dar uma de florista, fiquei com
receio de ir à estufa e encontrá-lo agindo daquela forma outra vez.
Eu estava sentada ao lado da casa, onde tinha uma bela
piscina que ninguém usava, observando a água balançando
enquanto pensava em como as coisas tinham mudado desde que
Serena foi embora.
Não fazia nem uma semana, mas as maiores diferenças
sempre eram nos primeiros dias, como quando perdi o meu pai e
toda a minha vida mudou depois.
Henrico andava mais fechado do que o normal, até parecia
tristonho. Via Damon e Héctor dando conselhos pra ele, algo
estranho demais para aqueles dois fazerem. Também tinha as
meninas, que sempre que me viam, iam falar comigo.
Elas apareceram na piscina naquela tarde,
surpreendentemente para nadar.
— Uma pena que você não possa, Caterina. — Chiara deixou
suas roupas na cadeira ao lado de onde eu me sentei.
— Nem se não estivesse. Sou funcionária aqui.
— Acho que o tio Alejandro pensa mais do que isso, senão
não mandaria você chamá-lo de tio. — Ela desceu os degraus da
piscina e Ramona, que estava mergulhando, apareceu na superfície
com o cabelo ruivo brilhando com a água e luz do sol.
— Você tem namorado, Caterina?
— Não tenho.
— Mas já teve?
— Mais ou menos, no passado. — Ri, pensando nas vezes em
que tive a oportunidade.
Uma única vez.
— Não deixou nenhum caso sem compromisso em Madrid? —
Chiara abriu um sorriso e andou para o lado da amiga, ambas
atentas à conversa.
Elas eram curiosas demais sobre minha vida amorosa e
sexual.
— Não. — Eu continuava a rir das perguntas, enquanto elas
desanimavam a cada resposta negativa, o que me fez querer mantê-
las interessadas em conversar comigo.
Sem Serena eu andava mais calada, até sufocada já que não
tinha com quem dividir meus desabafos sobre as atitudes estranhas
de Héctor.
— Mas posso falar sobre o meu mais ou menos namoro.
Elas apoiaram os braços na beirada da piscina.
— Conta — Ramona pediu, sorrindo.
— Foi no último ano da escola, um rapaz de intercâmbio,
daqui da Itália mesmo, foi estudar lá. Eu era a única da turma que
falava italiano e acabei sendo como uma monitora pra ele. Eu o
ajudei a melhorar o espanhol e ele me ensinou mais da língua dele.
— E enrolaram as línguas — Chiara completou nos fazendo rir.
— É... — Eu não podia negar. — Mas ele tinha que voltar e eu
não namoraria a distância de jeito nenhum, então ficou só esse anel
de lembrança. — Mostrei para elas o anel com uma pequena flor que
eu carregava no dedo e ouvi suspiros.
— Que fofo! — Ramona estava derretida.
— Se ainda carrega, é sinal de que continua apaixonada por
ele. — Chiara cutucou a amiga.
— Não é isso. É só pra lembrar que alguém um dia gostou de
mim e o anel é fofo. Eu já trabalhava com plantas na época e ele
escolheu um com florzinha.
Não consegui ser menos boba que elas e ficamos as três
iludidas.
— Você disse que ele é da Itália. De qual cidade?
— Eu não lembro.
— E como ele era? — Ramona estava curiosa.
Olhei para o céu, tentando puxar na memória a aparência
dele.
— Ele era mais alto que eu.
— O que não é difícil — Chiara replicou.
— Ei! Eu tenho 1,68 m!
— Digo que os homens que conhecemos, em sua grande
maioria têm mais de 1,80 m. Olha lá os dois postes daqui. — Ela
apontou com a cabeça e vi Henrico e Héctor andando lado a lado
para longe.
Será que eles conseguiram ouvir nossa conversa quando
estavam mais perto?
— Conta mais — Ramona pediu.
— Ele tinha o cabelo cheio, de um castanho-claro, ondulado,
e tinha olhos azuis. Os olhos dele eram lindos. Eu perdi as contas de
quantas meninas queriam se aproximar dele por meio de mim.
— Eu não aceitaria! — Ramona mudou de postura. —
Acertaria um galho de rosas cheio de espinhos bem no meio da cara
delas.
Cobri a boca rindo.
— Você nunca ajudou, não é? — Chiara também ria.
— Não. Ele fez questão de mostrar que estávamos juntos.
Depois do fim do período de intercâmbio, que durou apenas seis
meses, eu fiquei muito solitária na turma até o fim do ano letivo.
Perdi toda a atenção que ganhei por causa dele e as amigas que
queriam namorá-lo.
Às vezes eu dizia que não sabia como era ser bem tratada,
mas o que eu precisava mesmo era olhar para aquele anel e me
lembrar que não era bem assim. A vida só era muito difícil para
acreditar que se repetiria e eu pensava que coisas boas aconteciam
na época da escola. Os homens adultos já estavam corrompidos
demais pra pensarem como o bom rapaz que me deu aquele anel.
— Então não foi um mais ou menos namoro. Você teve um
namorado — Ramona concluiu.
— É. Acho que posso dizer que sim. — Dei de ombros
sorrindo e encarei o anel no meu dedo.
Boas lembranças...
CAPÍTULO 24
HÉCTOR BARONE
Estava encarregado de resolver um monte de cobranças,
ainda negociando vários favores, o que me fazia passar muito tempo
fora de casa. Às vezes nem fazia as refeições lá, ou sequer podia
parar pra me incomodar com alguma coisa. Tinha coisas pessoais
mal resolvidas, tirando a minha paz, aguardando um momento para
serem concluídas.
Porém, uma semana depois de Serena ir embora, tive que
parar para conversar com Henrico.
Meu amigo estava fora de si por causa da ex-cadela dele,
arrumando as malas para ir atrás de quem não deveria depois do
que ela descobriu que ele fez.
— Eu não acho uma boa ideia. — Fui sincero.
Serena vivia me acusando de ser um psicopata, mas ela era
muito parecida comigo. Aquela mulher não tinha limites, ela cometia
loucuras se fosse preciso para se vingar ou apenas se manter viva.
Henrico estava apaixonado demais para entender e eu sabia a
cegueira que isso poderia causar, porém, ainda era um homem
parcialmente no controle, diferente dele.
— Desde quando você tenta ser sensato? — Henrico me
olhou por cima do ombro, impaciente.
Não era óbvio?
— Desde que o meu melhor amigo enlouqueceu de paixão.
Henrico, só faz uma semana que ela foi embora. Aposto que ela
deve estar pensando em um milhão de formas de te matar, caso
apareça na frente dela.
Eu não duvidava disso.
Serena era um ser imprevisível e se ela matasse o meu
melhor amigo, eu teria que fazer o mesmo com ela.
— Eu já esperei demais. Vai saber se ela já descobriu toda a
verdade, Héctor. Ela pode estar sofrendo e me odiando à toa.
Ela não odiava à toa, mas ele tinha passado por traumas
demais com o pai dele para entender isso.
— Mesmo que descubra, não vai apagar o que ela viveu com
ele. Ainda é o pai dela, Rico.
— Eu já disse que não quero ver sua versão de conselheiro
sensato, preciso do meu amigo sem limites.
O amigo sem limites andava limitado.
— Você sabe que existe uma balança e nosso equilíbrio é
alguém extremamente correto e outro extremamente incorreto. Só
trocamos de lugar hoje. Meu pai vai te matar se souber que você
descobriu onde ela está e está indo para lá.
O meu pai tinha duas protegidas e, levando em conta que
suas últimas ordens sobre uma delas faziam sentido, a outra
também deveria fazer.
— Você não vai contar até que eu já esteja bem longe daqui.
Para todos os efeitos, fui procurar uma noiva para você. — Ele
fechou a mala.
Eu quase ri da justificativa dele.
— É melhor nem brincar com esse assunto.
Já tinha um baile sendo planejado. Eu não precisava de todos
operando para fazer um milagre que eu resolveria em um estalar de
dedos, apenas não tinha pressa.
Encarei a mala pronta e meu amigo irredutível, dei de
ombros.
— Então, boa sorte.
Eu não poderia barrar Henrico.
Ele era muito mais forte que eu;
Eu não faria o que não queria que ele fizesse comigo.
Mas se a Serena o matasse, eu me sentiria culpado e mataria
aquela mulher.
Quando Henrico saiu, comecei a evitar o meu pai e o risco
dele perguntar onde o seu afilhado querido estava.
Evitando um problema e procurando outro.
— Rita. — Parei perto da camareira, que carregava alguns
lençóis dobrados nos braços.
— Sim, senhor Barone.
— Cadê ela?
— Ela quem?
— Ela, Rita.
— A Caterina? — Ela encolheu a testa.
Que mulher burra!
— É óbvio que é ela. Cadê? — Perguntar por quem não
deveria me deixava nervoso, como se estivesse fazendo algo
proibido, podendo ser pego a qualquer momento.
— Eu não sei, mas não estava na estufa.
— Diga que quero falar com ela, quando eu voltar pra casa.
— Sim, senhor. Eu vou avisar.
Assenti e ela seguiu com seus afazeres.
Tinha uma coisa me perturbando há tempos, aquela conversa
que eu ouvi ela tendo com as meninas ao lado da piscina.
Não gostei nem um pouco.
Sei que não deveria fazer nada sobre o assunto, por isso eu
tinha me segurado nas duas últimas noites na casa para não
procurá-la.
Mas foda-se, estava pensando naquilo, nas palavras dela o
dia inteiro e se me incomodava, precisava resolver.
Saí de casa e fui tomar um café com um amigo que queria
pedir um favor, mas durante todo o momento, a voz da florista soava
na minha mente.
— Eu preciso só de um passaporte e um green card para ela
morar em Nova York.
— Green card é um processo complicado demais. O
passaporte conseguimos bem rápido, mas green card...
— Eu faço o que for preciso, Héctor. Olha, eu soube que você
anda com a imagem um pouco... Manchada com o Damiano. Eu
tenho um primo que trabalha pro Damiano, lá em Madrid, e ganhou
muita moral, pode até te ajudar a ficar com a ficha limpa com ele.
Não era o tipo de ajuda que eu precisava.
— Seu primo é o que dele?
Se fosse a puta dele, eu acreditaria que tinha influência.
— Ele costuma fazer as cobranças, você sabe como é.
— Hum. — Tomei um gole do café que já estava morno. —
Não sei quando isso me será útil, mas você disse que ela vai morar
em Nova York, certo?
— Sim. — Ele sacudiu a cabeça.
— Vamos fazer o seguinte. Eu consigo um passaporte e
quando ela estiver lá, me dará informações sobre uma pessoa.
A incerteza estava estampada na cara desesperada dele, com
o sorriso amarelo.
— Informações?
— Sim. Quero que ela descubra tudo sobre a filha médica dos
Lucchesi. Tenho certeza de que não preciso dar mais informações do
que essas, afinal, o que ela quer é bem mais difícil de conseguir do
que isso.
— Sim, sim. Pelo green card. Ela vai descobrir. Pode deixar.
— Ótimo! — Deixei a xícara no prato e me levantei. — Nos
falamos.
De pé, ele se despediu de mim com um aperto de mãos.
— Obrigado pelo tempo, Héctor.
Assenti e voltei para o meu carro.
Assim que abastecemos o automóvel, o motorista dirigiu para
casa.
Eu queria saber um pouco mais sobre os Lucchesi,
principalmente, sobre a tal filha. Uma informação a mais poderia ser
decisiva para a minha escolha.
Eu não queria uma mulher para amar, mas também não
queria qualquer uma.
E falando em qualquer uma, quando saí do banho, alguém
bateu à porta do meu quarto.
— Entre.
Eu já sabia quem era.
Deixei a camiseta na cama para vestir quando saísse para o
jantar e ela abriu a porta, se mantendo na entrada com os olhos
grandes parados em mim.
— Entre logo.
Ela se assustou e mordeu os lábios.
Era impressionante como ela conseguia fazer bem o papel de
moça tímida e inocente.
— O que você quer?
Fui até a porta e a abri por completo, ficando cara a cara com
a pessoa que tirava a minha paz sem precisar de um encontro.
Na mão direita dela, dedo indicador, tinha o tal anel que ouvi
falar. Pelo menos não usava no dedo anelar, mas não apagava o
significado que me incomodava tanto.
“É só pra lembrar que alguém um dia gostou de mim.”
— O que tá olhando, hein?
Segurei a mão dela e tirei o anel.
— Ei! — Ela franziu o cenho pra mim. — O que vai fazer?
Fui até o banheiro e joguei no vaso, dando descarga logo em
seguida.
Odiava o fato dela ficar pensando em outro.
Foda-se se era uma puta e eu nunca me envolveria com ela,
o sentimento que vivia fora do meu controle não permitia viver
sabendo que ela olhava para a porra de um anel e pensava em
algum homem qualquer.
— Héctor! — Ela puxou o meu ombro.
— Você não precisava dele.
Ela cresceu na minha frente, deveria ter ficado na ponta dos
pés, e me encarou perto demais pra minha sanidade, cheia de ódio.
— Você é louco, sabia? — A voz apertada dela me fez querer
rir. — Jogar meu anel na privada, que coisa mais sem sentido! Você
não sabe o que significava pra mim!
“Eu não namoraria a distância de jeito nenhum, então ficou
só esse anel de lembrança.”
— Sei sim e isso me incomoda.
Ela abriu mais os olhos, balançando a cabeça com a boca
aberta.
Era bom sentir sua fúria, como se estivesse falando com a
verdadeira Caterina.
— Sabe o que me incomoda? Você. Eu te odeio tanto! — Ela
socou meu peito com os dois punhos e desarmou em seguida
cobrindo o ombro machucado. — Merda! Me deixa em paz, Héctor!
Eu não vou te atender nunca mais!
Sorri enquanto ela saía do meu quarto pisando forte,
resmungando insultos.
— Maluco! Completamente maluco!

Henrico voltou para casa no dia seguinte cheio de


hematomas.
Quando o visitei no quarto, não pude deixar de rir. Ele estava
sentado na beirada da cama, com um espelho na mão, olhando as
marcas no pescoço.
— Vejo que encontrar uma noiva para mim é mais difícil do
que pensei. — Eu me escorei na porta cruzando pernas e braços.
Ele parecia tão desapontado.
— Mas estou contente em te ver vivo. De verdade, Henrico.
Assim eu não preciso matar a Serena. — Peguei um cigarro de
maconha no bolso e acendi para acalmar os ânimos.
Depois de inspirar aquela fumaça, ofereci pra ele, que aceitou
sem pestanejar como de costume.
Soprei e olhei para o lado de fora, o corredor, onde Rita
passava com travesseiros.
— Ela foi vingativa, Héctor. Me desarmou e depois mostrou o
que realmente queria. — Henrico encarou o chão e fumou.
— Ela já sabe toda a verdade?
— A mãe contou. — Ele não parecia animado com isso.
— Então? Ajudou em alguma coisa?
— Sabia que a mãe dela odeia o seu pai? — Ele me devolveu
o cigarro.
— Não. — Dei uma tragada no cigarro.
— Odeia e disse que não quer que eu volte lá. — O
desapontamento estava explícito na cara dele, misturado aos roxos.
Soprei a fumaça rindo.
— Ah, Rico, sua vida tem se tornado bem divertida. Não se
deu bem com a sogra.
Ele coçou a cabeça.
— Ela quer que eu me arrependa de algo que eu não consigo
me arrepender, Héctor. Eu fiz a coisa certa, ela precisa entender.
Continuei fumando.
Eu também fiz a coisa certa e a outra ela não conseguia
entender.
— O que você acha, Héctor sensato? — Ele estendeu a mão e
passei o cigarro.
— O que eu acho? — Suspirei pensando em uma boa
resposta. — Acho que você tem que esperar. Aproveita pra fazer
isso, enquanto fica de olho naquela florista.
— Oi? — Ele ergueu a sobrancelha.
— Isso mesmo. Não se esqueça de que ela levou um tiro por
causa da sua cadela, então retribua na ausência dela.
— O que conversamos sobre a maneira como você fala dela?
— Ele franziu o cenho e eu ri. — Você pode chamar a sua de puta, o
que quiser, mas a minha não.
— Que seja. — Dei de ombros. — A protegida do meu pai
anda brava comigo, então você vigia pra ela não cometer nenhuma
burrice, enquanto eu não cometo nenhuma burrice fazendo o
mesmo.
Ele balançou a cabeça em negação e riu.
— Você se apaixonou por ela mesmo. Bem que o Damon
disse.
— O que o Damon disse? — Franzi o cenho.
Como podia ser tão fofoqueiro?
Ele pensou muito pra responder, até que assentiu.
— Todos estamos com medo dessa porra. Eu vou vigiar a
Caterina. Preciso mesmo me distrair.
A necessidade dele ligou os meus alertas. Henrico nunca foi
de ter muitas mulheres, mas Serena tirou sua virgindade e abriu os
portões do desejo.
— Não pense que vai fazer toda mulher que aparecer aqui de
sua puta — alertei.
— Se isso é um pedido pra não tocar na sua amada, acho
desnecessário.
— Eu acho necessário e isso não foi um pedido. Foi uma
ordem. Até mais, amigo. — Saí do quarto dele.
CAPÍTULO 25
CATERINA SÁNCHEZ
Fazia quase duas semanas que eu tinha tomado o tiro e
estava me sentindo bem melhor. Não tinha que tomar os
antibióticos, apenas os analgésicos se fosse preciso. Também
conseguia fazer minhas coisas sem precisar da ajuda de ninguém.
Era ótimo não ter o Héctor por perto. Depois que ele
descaradamente arrancou o anel do meu dedo e deu descarga nele,
eu não conseguia encará-lo sem querer soltar fogo pelas ventas.
Ele disse que sabia o significado que o anel tinha pra mim e
isso o incomodava.
Ótimo argumento!
Acontece que ele já estava batido, porque TUDO EM MIM O
INCOMODAVA.
Eu queria ter batido mais nele, acabar com aquela cara
perfeita, destruir seu sorriso e fazer com que ele nunca mais
ousasse tomar algo meu.
Se eu fizesse a mesma coisa com aquela pulseira velha, será
que ele teria gostado?
Com certeza não.
Ele me odiou apenas por carregá-la comigo.
Aquele anel bobo servia para me lembrar de uma parte fofa
da minha vida e a falta dele me faria lembrar por que eu nunca
deveria odiar menos o Héctor.
Antes eu só sentia repulsa, apesar de uma pequena parte de
mim estar inclinada a se divertir com a coisa do gato e rato, mas
depois disso eu não conseguia sentir menos que raiva.
Héctor era uma pessoa ruim e não sabia oferecer nada de
bom.
Eu até cheguei a pensar que o tempo que ele passou no
hospital era por preocupação comigo, mesmo ciente de que só
queria me ter viva pra me atormentar. Também pensei que o
cuidado com as plantas tinha sido para o meu bem, mas não!
Era apenas para ele se provar melhor em tudo.
Concluí isso depois de reanalisar todas as suas atitudes.
Nada com um bom motivo para o outro.
Um dia, quando eu estava varrendo a estufa, Henrico
apareceu e pensei logo que poderia ser alguma coisa sobre a
Serena.
Rita não tinha aparecido com nenhuma novidade desde que
Henrico voltou da Sicília, na visita sem autorização à Serena.
Mas ele sabia que ela era minha amiga e talvez estivesse me
procurado para falar dela.
— Oi...
Eu não estava acostumada a falar com aquele homem.
Ele era muito fechado e nem o sorriso maléfico que o amigo
tinha, oferecia.
— Oi. — Ele permaneceu parado na porta, coberto com calça
e camisa social de mangas enroladas.
Tudo em tons de cinza.
E as mãos guardadas nos bolsos da calça.
Henrico era um homem e tanto em aparência, muito forte e
com um ar de poder que exigia instantaneamente respeito.
Ele era muito diferente da Serena no quesito comportamento.
Eram opostos que se atraíam.
— Você conseguiu falar com a Serena?
— Sim. — Ele se afastou da porta e andou na minha direção.
— Ela vai voltar?
Ele não parecia contente com o assunto.
Quando eles estavam juntos eu podia ver, por mais difícil que
fosse, um pouco de alegria na cara dele.
Não em forma de sorriso, é claro.
Ele andava cheio de machucados.
Será que foram feitos por ela?
— Não acho. Não sei. Você falou com ela?
Ela com certeza estava furiosa.
Serena tinha razão.
Henrico era um homem cruel e o destino ainda mais ao unir
duas pessoas com um problema tão grande em comum.
— Eu não tenho celular aqui, nem o contato dela.
— Mas ela não ligou pra outra funcionária? Ela costumava se
misturar com todo mundo.
— Ela só andava comigo. Ninguém disse nada sobre algum
contato dela.
Ele balançou a cabeça, observando as plantas e suspirou.
Estava sofrendo, era nítido.
Eu fiquei triste pelos dois porque era o meu casal proibido
favorito.
Serena estava muito feliz com ele.
— Se acontecer, você pode me falar?
Assenti sem pensar que a Serena poderia pedir pra não dizer
caso entrasse mesmo.
Ele também balançou a cabeça e se encostou na mesa.
Eu estava certa de que tudo ficou estranho desde que aquela
maluca problemática foi embora. Eu sentia tanta falta dela e
compartilhava da mesma saudade que Henrico.
Uma hora daquelas nós duas estaríamos falando sobre coisas
íntimas.
Ela era uma ótima ouvinte.
Pensar que a última conversa que tivemos foi com ela falando
bobagens sobre o verdadeiro interesse de Héctor em mim, era uma
lástima.
Henrico permaneceu por muito tempo na estufa, calado,
encarando os pés, outras vezes as flores.
Eu já estava achando estranha a sua presença silenciosa ali.
Como acreditava que sua visita era sobre o assunto sobre o qual já
tínhamos conversado àquela altura, eu não sabia se existia outra
coisa.
— Você precisa de ajuda?
— Não. Estou bem.
— Ah. É que você ficou aí, parado. — Eu já estava sem graça.
— Preciso ficar. O Héctor mandou te vigiar quando eu
estivesse em casa.
Foi o cúmulo do absurdo ouvir aquilo.
Saí do leve incômodo para a fúria em segundos.
— O quê?! Você está brincando, não é?
— Não. Ele disse mesmo. Pra você não fazer besteira.
— Mas que babaca! — Soquei a mesa com a mão direita e
vibrou na minha ferida quase curada. Minha garganta arranhou
quando gemi de dor. — Merda! Eu não quero uma babá. Isso não faz
sentido. Depois que ele age como um idiota! Não, sempre age, mas
quando ele é tão idiota que chega a ser ridículo, inventa uma dessa.
Henrico deu de ombros, mostrando bem de qual lado ele
estava.
— Se ficar me seguindo, não vou contar sobre a Serena.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. — Ele
finalmente reagiu. — A minha relação com Serena é muito mais
séria do que o jogo de interesse e desinteresse de vocês.
— Que interesse?! Eu tenho cara de quem se interessa por
psicopatas?
— Eu não sei. Reclame com ele, porque meus conselhos não
funcionam.
— Ótimo amigo você! — Peguei dois jarros com arranjos
novos para levar para a casa e ele me seguiu. Parei na mesma hora
que percebi seus passos atrás de mim e me virei pra ele.
Outro homem gigante.
— Vai ser a minha sombra mesmo?
Ele olhou para o relógio de pulso.
— Só até às 17 horas, depois tenho compromisso.
Um homem tão sério aceitando fazer uma coisa tão
desnecessária.
Só poderia ser amigo fiel do Héctor mesmo!
Poderia ser um casal!
— Então carrega. — Entreguei os vasos nos braços dele.
Héctor deveria estar fazendo isso para que eu o procurasse
pra reclamar, mas eu não iria atrás dele tão cedo.
O que eu faria era me aproveitar daquele homem forte
demais pra ficar apenas me assistindo trabalhar.
Semanas passaram e só tivemos notícias da minha amiga
quando o tio Alejandro e as meninas foram visitá-la.
Elas contaram que Serena estava em seu habitat natural de
camponesa, continuava chateada com Henrico e sentia falta do resto
de nós.
Sempre que Henrico estava em casa, me procurava. Com o
passar do tempo, ele não apenas carregava as coisas pra mim como
também ficava conversando.
Claro que não era nada comparado a ter a Serena, que falava
mil palavras em uma conversa. Ele trocava poucas, mas pertinentes.
Uma vez jogamos damas e eu perdi todas as vezes. Nesse dia
o Héctor não apareceu pra reclamar comigo, mas chamou o amigo e
de longe eu o vi em uma conversa bem acalorada da parte dele.
Eu preferia ter o Henrico quase mudo e sem insultos do que o
Héctor no meu rastro.
Mas quando começamos a arrumar a casa para uma festa,
ouvi muitos rumores e confesso que fiquei em dúvida.
Seria um baile para reunir os amigos da família, mas Rita
disse que na verdade não passava de uma desculpa para encontrar
uma noiva para Héctor.
A essa altura, Roman, o mais novo deles, já estava noivo e
nada do primogênito colocar o anel no dedo de alguém.
Então ele iria escolher uma pessoa pra se casar. Eu esperei
tanto por aquele momento e quando ele estava prestes a chegar
fiquei apreensiva.
Eu só pensava em como ele era com as mulheres por quem
se interessava, se era um homem gentil, amoroso, se gostava de
mulheres inteligentes ou apenas olhava aparência, se estava ansioso
por aquilo.
Eram pensamentos inevitáveis quando poderia estar
pensando em como seria bom se ele sumisse, e se eu poderia
continuar trabalhando e morando ali mesmo quando o tio Alejandro
achasse que seria uma boa ideia eu ir embora.
Eu gostava da mansão dos Barones.
A única coisa que me incomodava era a perseguição do
Héctor.
Sem ele aquele lugar seria perfeito.
Será que seria?
E se ele resolvesse morar ali com a esposa?
E se continuasse implicando comigo e a esposa dele
implicasse comigo por ele agir dessa forma?
Quando estava colocando uma rosa no jarro alguém me
assustou arranhando a garganta. Eu tremi e olhei para trás, me
desestabilizando mais ao ver que era ele.
Depois de tanto tempo convivendo, quando o encontrava logo
reagia como a garota que temia suas ameaças, mas em questão de
segundos eu me lembrava que não abaixava mais a cabeça para
aquele dissimulado.
— Cadê o Henrico?
— A conversa é comigo. — Ele me encarou com sua cara de
pôquer e o cabelo desalinhado como raras vezes esteve.
Héctor precisava andar com o cabelo alinhado, porque
aquelas mechas caindo eram um charme que não deveria existir em
alguém como ele.
Outra coisa que não deveria estar acontecendo era o meu
corpo reagindo a mais do que o susto que ele me deu.
— Qual é o incômodo da vez?
— Vamos dar um baile. — Ele cruzou os braços, forçando
ainda mais a malha da camisa azul-marinho nos braços definidos.
— Eu sei. Estou arrumando a casa pra isso. — Apontei para a
decoração.
— E eu não quero ver você nele, entendeu?
Seu aviso me pegou de surpresa.
Não deveria, eu sei, mas me pegou.
Aquela festa não era algo que me causava interesse em
participar, estava até mesmo colocando questionamentos que não
deveriam na minha mente.
Preferia ouvir o resumo de Rita, que provavelmente estaria
servindo junto às outras. Ela disse que nas festas todas trabalhavam
servindo, mas acreditei que isso não se aplicaria a mim e com o
desconvite de Héctor eu tinha certeza disso.
— Ok. — Dei de ombros e voltei a fazer minhas coisas.
— Eu vou encontrar uma esposa decente, que com certeza
nunca pisou num puteiro.
Como se eu me importasse.
— Graças a Deus. Boa sorte pra ela. — Peguei uma rosa no
buquê que havia separado para colocar nos jarros das mesas.
— Uma mulher esperta também. — Ele continuou pontuando.
— Se for mesmo, não vai se casar com você. — A resposta
voou da minha boca e ele riu atrás de mim.
— Ah, vai sim. — Seus passos se afastaram e quando olhei na
direção para onde foram, o vi analisando a casa com uma satisfação
rara.
Eu bem que poderia aparecer na festa, só pra ver o milagre
acontecendo e festejar por ele ter uma nova vítima.
CAPÍTULO 26
HÉCTOR BARONE
Eu não concordava muito com a festa, mas já que os meus
pais queriam, deixei que acontecesse. Sinceramente, eu achava
aquilo uma palhaçada.
Antes de me misturar aos convidados, estive com meus
irmãos e Henrico na biblioteca, bebendo whisky.
Eles não frequentavam aquela parte da casa, mas naquele
dia, exceto os quartos, era o único lugar que não tinha visitante.
Eu não queria ter que ser o responsável pela felicidade do
nosso pai me casando. Tudo estava tão complicado para mim com
aquela mulher na minha vida.
— Roman, querido. — Arrumei a gravata dele. —Você não
pediu a mão da Van Durinha em casamento? Dê o presente ao
nosso pai.
Roman mostrou os dentes em um sorriso amarelo.
— Sim. Eu sou o orgulho da família. A esperança para o
futuro do sobrenome Barone. Obrigado por salientar. Mas, esse
orgulho segue as tradições, por isso, tenho que esperar vocês
desencalharem logo.
— Para mim, é questão de Henrico me dar a mão da irmã
dele. — Damon parecia encorajado.
Eu não esperava ouvir essa.
— Eu adoro o seu humor. — Henrico riu.
— Você sorriu.
— Eu faço isso antes de matar alguém. — Rico andava em
profunda tristeza pela falta de Serena. — Eu já disse para parar com
essas brincadeiras. A minha irmã vai se casar com um homem
melhor. Da igreja.
Da igreja?
Dessa vez, eu dei uma boa gargalhada.
— Eu vou fugir dessa festa — confessei, louco de vontade de
fazer aquilo.
— Pense no benefício. — Damon apertou meu ombro. —
Nesta festa terá um monte de mulheres querendo uma noite com
homens como nós. E depois do casamento tem a cadeira do nosso
pai, que não é menos importante, mas só vem depois.
Damon não continuava noivo depois da noite que eu explodi o
acampamento de Cesare.
Não fazia sentido.
— Todas são virgens, não? — Henrico parecia confuso.
— É o que dizem. — Roman abriu a porta da biblioteca e saiu
primeiro. — Vão ter a chance de examinar. Agora me deem licença,
pois tenho que encontrar a minha noiva.
Um grande circo!
— Será que isso vai dar certo? — Analisei Roman e sua
empolgação com o noivado.
— Vai. Eles são muito parecidos. — Damon foi o próximo a
sair.
Foi isso que achei quando vi Caterina pela primeira vez.
Larguei o copo e arrumei o blazer.
A ideia era apenas alguém para usar um anel e fazer filhos,
certo?
Eu não conseguiria fazer mais do que isso.
— Fique de olho nela, Henrico — reforcei o pedido que já
tinha feito antes sobre aquela florista.
— Você não deveria se preocupar em arranjar uma noiva?
Essa obsessão já deveria ter acabado.
— Ela apenas começou. Agora, me deixe encontrar a mulher
menos interessante e que só queira saber do meu dinheiro para
pedir em casamento. — Respirei fundo e comecei a cumprimentar os
convidados que chegaram durante a pequena reunião na biblioteca.
O meu pai estava empolgado com a presença do Alonso, seu
melhor jóquei quando o assunto era turfe.
Mas Alonso nunca foi melhor do que eu e só era campeão
porque eu não estava mais competindo.
Quando me viram, eu tive que ir falar com eles.
Tinha mais um homem ao lado dos dois. O código de
vestimenta era formal, todos de terno e as mulheres nos melhores e
elegantes vestidos.
Quase não reconheci Alonso com o cabelo cortado tão baixo,
se não fossem os faróis azuis nos olhos.
— Héctor. — Ele estendeu a mão para mim e sorriu.
Eu o cumprimentei com um aperto firme de mãos.
— Alonso. Vejo que atendeu ao chamado do meu pai.
— Jamais deixaria o padrinho na mão. Eu devo tudo a ele. Se
não fosse aquela pista, eu não seria um jóquei tão bom.
Concordei com a cabeça e meu pai riu, orgulhoso.
Era engraçada a confusão mental seletiva do meu pai.
Ramona tinha razão quanto a isso. Não se esquecia de nenhuma
novela e de seus protegidos.
— Esse é Rosário. Um amigo de longa data. — Meu pai
apresentou o homem que eu não conhecia ainda.
Era um senhor de cerca de cinquenta anos com cabelo
grisalho.
Também o cumprimentei.
— É um prazer.
— A honra é minha. Fazia tempo que não via o meu grande
amigo, Alejandro. — Ele abraçou meu pai de lado.
— Rosário é meu contato para aquele assunto em Madrid.
Minhas sobrancelhas saltaram com o novo detalhe e me
perguntei se ele conhecia a florista e sua vida.
— Interessante. — Guardei as mãos nos bolsos da calça, mas
no mesmo instante alguém segurou meu cotovelo direito, me
fazendo olhar para trás. — Sim, mãe.
Ela estava radiante, com um vestido laranja que combinava
com a cor do cabelo.
— Os Lucchesi chegaram. Quer conhecer a Hannah?
— Claro — concordei, conformado.
Eu estava realmente colaborativo naquele dia.
— Com licença. — Deixei meu pai e seus convidados para
acompanhá-la.
Mal sabia ela que eu já conhecia muito da Hannah Lucchesi.
Logo, nos aproximamos das mulheres Lucchesi, que estavam
próximas às janelas que davam para o lado da casa. Cumprimentei a
mãe e depois me deparei com a filha.
As duas eram muito parecidas, mulheres altas, com peitos
robustos em seus vestidos de decote cruzado, os cabelos curtos e
modelados.
Eram mulheres que transmitiam confiança e elegância.
Encarei Hannah enquanto minha mãe nos apresentava como
conhecidos de infância.
Beijei o rosto dela segurando sua mão.
— Você mudou muito. — Foi o que consegui comentar sendo
alguém que não fazia ideia de como ela se parecia quando mais
jovem.
Ela riu enquanto eu me afastava.
— Eu não posso dizer o mesmo porque realmente não me
lembro de você.
Isso porque nossas mães eram amigas.
Guardei minha mão na calça e olhei para a mãe dela rindo.
— Me sinto melhor agora.
— Vamos deixá-los conversando, Bela. — A mulher
esperançosa arrastou a minha mãe para longe de nós.
— Pelo visto ela não sabe do seu namorado médico, não é? —
Encarei Hannah novamente e suas bochechas ganharam um tom de
rubor diante dos meus olhos.
— Eu... Você andou me stalkeando? Isso nem é possível
porque... Não. Você deve estar confundindo.
— Christopher Jones é o nome dele, se não me engano.
Ela engoliu em seco.
— Não foi nada com que deva se preocupar. Assim como
você, eu também respeito os propósitos da família.
Assenti admirado com sua honra e com a coragem de mentir
na minha cara.
— Suponho então que se terminássemos em um casamento,
você não se importaria em se mudar pra cá, certo? Abandonar tudo
em Nova York.
— Eu tenho uma vida lá e estou me formando pra exercer
minha profissão e não ser uma esposa troféu.
Ri da sua expectativa.
— Então não vive para o propósito da família. — Olhei para o
lado de fora e meu sorriso se foi ao ver Alonso abraçando a
protegida do meu pai.
Procurei Henrico e não o vi pelo meu perímetro.
Senti meu sangue esquentando rapidamente e os batimentos
do meu coração subindo. Olhei mais uma vez e ela estava sorrindo
pra ele enquanto balançava a cabeça para o que dizia.
Os olhos azuis que ela disse eram os dele?
O mundo não poderia ser tão pequeno.
— Aposto que assim como eu, você também não tem a
intenção de fazer mais do que o planejado pelos pais — Hannah
deduziu e olhei para ela sem me esforçar para esconder o quanto eu
estava incomodado com a cena ali fora.
— Não mesmo. Mas também não quero ter uma esposa em
outro continente. — Voltei a observar a conversa no jardim.
Seja lá o que Alonso estava contando para aquela teimosa,
que nem deveria estar ali, a fazia sorrir.
Eu nunca tinha visto aquele sorriso brilhante nela.
Pelo menos, não na nossa casa.
Talvez no dia do casamento, mas ela parecia muito mais feliz
por ver aquele jóquei.
Ela estava num vestido florido, como sempre, mas aquele eu
nunca tinha visto usando. Tinha folhas verdes.
Tudo o que Henrico precisava era vigiá-la, mas o idiota não
estava fazendo.
— É ela?
Hannah me assustou com a pergunta.
— Oi? — Olhei para ela.
— Aquela moça. É ela a sua verdadeira escolhida?
— Não. — Nunca pensei que dizer isso doeria tanto.
Mas poderia ser se não fosse a vida que escolheu levar.
Eu vivi trinta e três anos e os casos que tive não se igualaram
a um que sequer existiu.
Rogaram tanta praga pra mim que me apaixonei por alguém
que nunca poderia ter.
E Alonso, não importava com quem ele ficasse, porque não
estava na mesma posição que eu e ninguém o julgaria por escolher
uma mulher como ela.
Eu tinha sede de poder, queria muito estar no lugar do meu
pai e aquela mulher estava me fazendo desejar não ser essa pessoa,
não precisar me tornar um capo e ter que seguir as tradições.
Acima do desejo que sentia por ela só estava a fidelidade à
minha família, porque se não fosse isso, eu iria quebrar aquela
tradição e ficar com quem eu realmente queria.
Mesmo sendo uma garota de boate, paga para dormir com
quem quer que oferecesse o suficiente pra ela.
Eu era sujo, minhas mãos viviam sujas de sangue e dinheiro
conseguido da maneira mais covarde, o mais justo seria eu ter ao
meu lado alguém tão sujo quanto eu.
Uma puta.
Mas nada disso se tornaria realidade.
Eu não abriria mão do meu direito, do meu dever, e seguiria a
tradição.
O pior de tudo era que ela estava me odiando desde que
arranquei aquele lixo do dedo dela, tanto que desdenhou da festa,
da minha futura esposa, de mim.
Eu não podia piorar tudo indo até eles e afastando Alonso
dela, reivindicando-a, pois seria explanar para todos onde a minha
cabeça estava.
Estragaria tudo.
Eu estava de mãos atadas enquanto ela se derretia diante de
outro como nunca faria para mim.
Aquilo me quebrou e senti o gosto de ferro na boca. Estava
mordendo minha língua e cravando minhas curtas unhas na palma
da mão.
As janelas estavam abertas, a música poderia impedir de
ouvir a conversa, mas não tinha nada que impedisse de ver.
No entanto, ela só via ele.
Era aquele tipo de homem que a interessava?
Eu só tinha certeza de uma coisa: todas as tentativas de fazer
com que ela quisesse distância de mim tinham funcionado.
Nenhuma tentativa dela, se é que existiu, me ajudou a querer
distância. Eu fingia apenas, para o meu próprio bem, assim como
fingia tudo.
A única coisa que eu não fingia era a raiva dela ser quem era
e eu ser quem eu era.
— Ai meu Deus! — minha irmã berrou perto de mim e fechei
os olhos temendo a bobagem que ouviria em seguida. Ela apoiou a
mão no meu ombro. — Agora você não vai reclamar mais dela. Com
certeza o Alonso vai levá-la embora num cavalo branco.
Eu desejava que não fizesse.
Se vê-lo abraçando-a já me quebrou, não queria imaginar
como me sentiria vendo uma intimidade maior.
Não conseguia nem imaginar.
— Impressionante como a Caterina não precisa mover um
dedo pra chamar a atenção dos homens. — Ela continuou suas
observações desnecessárias. — O Damon fica indo atrás dela, o
Henrico o tempo inteiro, até o papà gosta dela.
— Tenho certeza de que nenhum deles tem a mesma
intenção que esse cara. — Cerrei a mandíbula e respirei fundo.
Que merda ele estava contando pra ela rir tanto?
— E você? Por que não vai paquerar a Lucchesi?
Foi então que me lembrei que tinha Hannah como companhia
e não ouvia a sua voz há um bom tempo.
Ela não estava mais perto de mim.
— A noite é longa e ainda nem caiu, Ramona. Por que não vai
procurar um noivo?
— Só há idosos aqui.
— Você não é mais tão jovem.
Por mais que tentasse. Ramona se esforçava para parecer
jovial, mas, no fim, só parecia uma adulta mimada.
— Obrigada pelo elogio. Fica aí com o seu mau humor. — Ela
se afastou de mim, sufocada em um vestido preto de couro.
Quando olhei para a entrada, vi Henrico ao lado de Serena.
Tinha que ser!
Era a distração perfeita pra ele.
Fui ao encontro dos dois, me aproximando mais ainda do
caminho que me levaria para o lugar errado.
Serena estava vestida de boa moça e quando parou na minha
frente, deu um sorriso amarelo.
— Voltou. Que desprazer.
— O desprazer é meu.
Notei a mão de Henrico nela e um quase sorriso no rosto do
meu amigo.
Ele deveria estar com essa mão numa arma, pronta para
atirar naquele jóquei maldito.
— Perdoou a desgraça que ele cometeu na sua vida? Que
bom!
— Vai se foder, Héctor! — Serena arrastou Henrico, mas antes
dele estar muito distante de mim, tive que reclamar.
— Custava fazer o que eu pedi?
— Eu tenho outros assuntos agora.
Ah, que legal!
Grande amigo!
Saí da casa e dei a volta no jardim, encontrando Alonso e a
florista dos meus pecados.
— Sim. Você vai assistir, não é?
— Vou tentar. — Ela era doce com ele, aumentando o ódio
que corria nas minhas veias.
O fundo do poço para mim era esse.
Sentir ciúmes de uma prostituta.
Pigarrei e os dois me notaram.
O semblante dela mudou de forma drástica, seu olhar se
tornou intenso e as sobrancelhas ajudaram a expressar a raiva na
cara dela.
— Héctor. — Alonso sorriu. — Acabei de reencontrar a minha
salvadora espanhola. Não sabia que ela estava aqui, se soubesse,
teria vindo antes.
Balancei a cabeça analisando qual maneira de matá-lo seria
satisfatória.
Com certeza alguma pelo seu pescoço longo.
— Quanta sorte — soei irônico. — Eu quero falar com você. —
Eu a encarei.
— Eu já estou voltando pra cozinha.
Ela nem deveria ter saído de lá!
— Você pode nos dar licença, Alonso? — Forcei um sorriso
amigável que deve ter ficado bem feio.
— Claro. Eu te vejo pela festa, Caterina?
— Nos vemos por aí. — Ela sorriu pra ele.
Respirei fundo, vendo o que deveria ser proibido acontecer na
minha frente.
Não ela sorrir para outro homem, isso era o plus, mas apenas
sorrir deveria ser proibido, porque foi a porra do sorriso lindo dela
que me deixou mais obcecado naquele casamento.
Ficamos a sós e quando dei um passo para perto dela, a
mulher deu um para trás.
Eu já tinha ficado perto dela demais quando ela se machucou
e aquele cheiro doce era confortável pra mim.
Quase me fazia esquecer dos problemas que existiam entre
nós.
— Você não deveria estar aqui.
— Eu não tenho culpa se ele apareceu no quintal.
— Você não deveria estar no quintal nem em porra de lugar
nenhum nessa festa. — Minha impaciência fez minha voz sair
apertada. — Não vê que está atrapalhando tudo?
— Eu? — Ela riu enquanto encolhia as sobrancelhas. — Eu
não estou atrapalhando porra nenhuma. Só falando com um amigo.
— Sim. — Confirmei com a cabeça. — Eu vou fingir que você
não apareceu aqui pra me tirar do sério.
— Eu só queria ver quem seria a sua próxima vítima e quem
sabe agradecer a ela por aparecer na sua vida. — Ela empinou o
nariz.
Quanta coragem falar isso!
Ela tinha saído de uma mulher amedrontada para a petulante
que imaginei que era depois de saber da sua vida noturna.
— Queria mesmo? — Eu me senti desafiado e de certa forma
desapontado.
Enquanto eu não queria que outro homem tocasse naquela
cadela, ela desejava que eu me casasse com outra.
Ela nunca tinha me olhado com outros olhos e isso era
decepcionante.
Enquanto eu a desejava com todas as minhas forças, ela me
olhava como um homem ruim na sua vida.
Será que quando parava de respirar diante da minha
proximidade era de medo e não por outros motivos?
Ela ficou encarando a festa acontecendo do lado de dentro da
janela e confirmou com a cabeça.
— Tem uma fila enorme pra você. Opção é o que não falta lá
dentro.
— Então vá. Entre na festa e me assista escolhendo uma
esposa. — Eu a desafiei com um fio de esperança de que aquela
situação a incomodasse.
— Se eu entrasse não ficaria reparando nisso. — Ela acenou
para Alonso dentro da casa.
Só poderia estar me provocando!
Fechei os olhos e suspirei me lembrando do porquê que ela
era a última mulher de quem eu deveria sentir ciúme.
— Um cliente? — zombei e ela se afastou de mim, me
olhando com um sorriso pretensioso.
— Não. Meu primeiro namorado.
Meu sorriso zombeteiro sumiu com esse soco.
CAPÍTULO 27
CATERINA SÁNCHEZ
Era impressionante a capacidade de Héctor de ser
inconveniente e desagradável.
Eu estava tendo uma conversa boa com Alonso quando ele
apareceu.
Quando pensei que o reencontraria ali?
Nunca!
Alonso foi o namorado que me deu o anel que aquele
desprezível jogou no vaso do banheiro. Ele continuava sendo gentil e
agradável como me lembrava que era na escola. Se tornou um
jóquei e competia em vários lugares do mundo. Deu certo na vida,
enquanto eu só poderia falar que dei antes de tudo dar errado.
Quando voltei para a cozinha, com o gosto doce depois de
dizer para Héctor quem era o Alonso na minha vida, vi um alvoroço
entre as meninas.
— O que houve? — A curiosidade me dominou.
— A Serena voltou.
— Voltou?! — Meu ânimo se restaurou em segundos e meus
olhos começaram a procurá-la.
— Sim. Ela está com o Henrico — Rita comentou secando
algumas taças.
Eu não quis ir atrás dela naquela hora por conta disso. Ela
estava com Henrico e deveria estar se acertando, eu não iria me
intrometer.
Mas estava feliz demais por ter minha amiga de volta.
Eu tinha tanta coisa pra contar pra ela. Precisava desabafar
com alguém que não fosse o amigo do meu maior inimigo.
Eu também não podia entrar na festa vestida daquele jeito.
Era a minha roupa mais nova, mas não era adequada para a
ocasião.
De uma distância segura da porta da cozinha, mas em um
ângulo perfeito para ver o que estava acontecendo na festa, fiquei
assistindo. Vi Ramona e Chiara brindando, Damon festejando por ter
acabado com o noivado que tinha com a moça da família da qual
Serena também se livrou, Roman sendo o único romântico daquela
família ao lado da noiva e Mirabela passeando com as amigas.
Demorou para Héctor aparecer no meu campo de visão. Ele
estava distribuindo sorrisos convenientes para as pessoas e quando
parou em uma mesa, duas mulheres o rodearam.
Eu sentia raiva dele, mas não podia negar sobre o quanto era
bonito e atraente.
Era lindo demais.
Tudo.
Absolutamente tudo nele era bonito.
A mandíbula bem-marcada, o nariz curvado, os lábios com
aquele arco perfeito que a minha mente não esquecia, os olhos tão
pretos quanto seu cabelo...
Quando ele deixava a barba crescer, ficava bonito com ela,
quando tirava também ficava, o jeito que ele penteava o cabelo, a
postura corporal...
Ele sabia agir como um homem de poder.
Mas era insuportável e não me dava um dia de paz.
De nada valia a casca bonita se o interior era podre.
Héctor era uma péssima pessoa e eu teria pena daquelas
moças que estavam tentando chamar a atenção dele se não
necessitasse que ele encontrasse outro alvo e me deixasse em paz.
As pessoas não mudavam se não quisessem e também não se
arrependiam sem motivos. Héctor seria daquele jeito sempre, então
eu não podia esperar que um dia pudesse pensar diferente sobre
quem ele era.
As pessoas cometiam burrices por causa da esperança. Elas
toleravam atitudes ruins, confiantes de que um dia aquelas pessoas
mudariam.
Ele deu a atenção que elas queriam, mas a conversa foi curta
e pelas caras delas, não ouviram nada bom.
Mais uma vez eu me via aliviada por ver o Héctor agindo com
outras pessoas como agia comigo, pois tornava menos pessoal o
problema que tínhamos.
Então ele foi atrás de uma mulher que o encarava sem
sorrisos nem timidez. Eles conversaram por muito tempo, atentos
um ao outro, sérios, às vezes com sorrisos zombeteiros.
Era ela.
A única mulher que não se afastou dele.
Só poderia ser ela a escolhida para ser esposa dele.
Ela tinha tudo pra ser uma senhora como a Mirabela.
Postura e bom gosto.
— Parece que a festa vai render — Rita comentou ao meu
lado.
Ela estava olhando na mesma direção que eu.
— Render? — Eu a encarei com pouca energia, imaginando
beijos, amassos e até sexo.
Héctor parecia ser um homem muito quente na cama,
daqueles que deixavam marcas da pegada e da boca.
— Um casamento. Ela é a tal Lucchesi que a senhora Barone
gostaria de ter como nora. Bela deve estar contente agora.
Eu também deveria.
Eu precisava.
Eu não podia sentir ciúmes de uma casca bonita. Eu já tinha
sentido a podridão que tinha em seu interior.
— Vou voltar pro quarto. Se precisar de mim, é só chamar.
Já tinha me cansado de assistir àquilo.

No outro dia, eu me levantei cedo e fui verificar como as


flores que coloquei na casa estavam. Elas duravam muitos dias. Eu,
geralmente, trocava uma vez na semana ou duas. Mirabela gostava
de ver a casa cheirosa naturalmente e adorava ver as flores nos
jarros.
Só tendo seu próprio jardim para poder sustentar uma
decoração dessa, pois as pessoas que não tinham, só compravam
para ocasiões especiais.
Quando eu estava na frente da casa, regando os canteiros de
flores, tive minhas costelas espetadas e o misto de cócegas e aflição
me fez pular.
Olhei para trás com o coração disparado e Serena me
abraçou.
— Voltei!
— Sua louca! — Eu a abracei de volta, largando o regador,
que caiu no chão em seguida. — Eu nem acredito que você está
aqui mesmo.
— Eu também não. — Ela riu e segurou meu braço direito,
olhando a cicatriz que eu carregava. — Isso está bem melhor, hein?
— Sim. Graças aos remédios e outros cuidados.
Merda, eu me sentia quase obrigada a agradecer ao Dejéctor
ambulante por ter me feito cuidar melhor!
— Eu sinto muito mesmo, Cate. Não imaginei que ele te
machucaria. O negócio dele era comigo, não tinha nada que mexer
com você.
— Agora ele está morto. Pagou por tudo. Mas e você? —
Segurei as mãos dela. — Voltou, então está tudo certo com o
Henrico? Você o perdoou?
Ela mordeu os lábios e suspirou.
— Eu pensei muito... Descobri muita coisa depois que
reencontrei a minha mãe.
— Eu soube. Quem diria!
— Sim! Eu nunca imaginei nada disso. — Ela respirou fundo e
começou a me contar tudo, sobre suas descobertas e ponto de vista.
— Siga o seu coração. Pode ser clichê, mas cada um sabe o
que quer.
— É isso que estou fazendo. — Ela me soltou e pegou o
regador, que por sorte caiu em pé. — Achei que você estaria na
festa ontem.
— Não. — Tomei o regador dela e voltei a molhar as plantas.
— O melhor amigo do seu homem fez questão de me desconvidar. E
quando me viu no jardim reforçou que nem ali eu deveria estar.
— Quanta perseguição!
— Disse que eu estava atrapalhando seus planos. — Ri da
desculpa.
— Ele conversou muito com a Hannah Lucchesi. Os dois têm
um temperamento semelhante.
— Então ele encontrou a mulher perfeita. — Tentei
comemorar, mas dentro de mim a sua fofoca não causava uma boa
sensação.
— É. Tomara. Assim ele para de implicar com todo mundo.
Henrico me disse que ele o colocou para ser seu segurança.
— Sim! — admiti rindo. — Inclusive, seu namorado falou que
entendia o motivo de sermos amigas. Porque falávamos muito. Ele
sempre fala tão pouco?
— Sempre. — Ela também riu. — Ele disse que Héctor
comentou que você estava brava com ele.
Parei de jogar a água para explicar direito a situação.
— Serena, ele me chamou no quarto dele, quando cheguei,
tirou o anel do meu dedo e jogou na privada! Disse que sabia o que
significava pra mim e isso o incomodava. Simplesmente isso!
Ela cobriu a boca para esconder a risada.
— Desculpa. Que maldade! E esse anel era de quê?
— Meu namorado da escola deu.
— E como ele descobriu de onde vinha?
A empolgação dela sobre a história ligou meus alertas.
Ela já estava pensando besteira.
— Só comentei com a Chiara e a Ramona, mas ele estava por
perto com o Henrico. Agora me diz, o que ele tem a ver com isso?
Foi a desculpa mais esfarrapada que ele poderia dar, Serena, porque
tudo em mim o incomoda, não foi só o anel. Ele só tirou de mim pra
me ver triste. Acontece que eu fiquei com muita raiva. Soquei aquele
peito dele. Inferno de duro, fez doer o machucado e eu não pude
fazer pior. Eu deveria ter dado uma joelhada nas partes baixas dele.
Serena estava quase chorando de rir.
— Vocês trocaram de lugar, foi?
— Ele pode ter certeza de que eu não tenho mais medo dele.
Agora quem faz o inferno sou eu, Serena. E aposto que ele mandou
o Henrico ficar sendo minha sombra apenas para eu procurá-lo
reclamando, porque ele adora me ver perturbada. Porém, eu fiz
diferente. Aproveitei o Henrico e fiz dele meu escravo. Com todo
respeito a você.
— Você é péssima, Caterina, mas eu te apoio. Ele merece ter
alguém fazendo pior do que ele faz com todos. E como ele anda
caidinho por você, não tem pessoa melhor pra castigá-lo.
E lá estava ela, novamente com aqueles absurdos.
— Que caidinho, Serena? Você é minha amiga ou não? Sabe
que isso não existe e nunca deveria achar graça de algo assim
sabendo quem ele é.
— Eu só brinco porque sei que você não vai acreditar. Nem eu
acredito, mas é o que parece — ela falava com o sorriso congelado.
— É o que todos dizem. O Henrico e o Damon principalmente.
Henrico?
Ele era sério demais pra brincar, então ouvir que ele falava
isso do melhor amigo me preocupava, parecia que não era uma
simples zombaria.
— Eles estão loucos. Damon por ter perdido o noivado e
Henrico porque estava longe de você, ou feliz por você ter voltado.
Vamos falar de coisa boa?
Eu precisava falar de algo que não me deixasse por baixo de
todas as conquistas que aquele crápula estava alcançando.
— Vamos. Me conta.
— Eu não sei se você conheceu o Alonso ontem. — Mordi a
bochecha.
Eu não estava sexualmente interessada pelo Alonso, mas me
sentia motivada a dar atenção a ele quando sabia que era um
homem que sempre me tratava bem.
Tê-lo de novo em minha vida renovava minhas energias.
— Sim. O jóquei? Parece que ele é o campeão dos campeões
nas corridas. Eles vão fazer uma. Na verdade, um campeonato.
— Vão! E ele me chamou pra assistir. — Cobri a boca rindo.
— Chamou? — A admiração tomou o rosto da minha amiga.
— E quando vocês se conheceram se você não estava na festa?
— Foi ele quem me deu o anel que o Héctor jogou na
privada. — Enquanto eu falava, Serena estava de queixo caído. —
Ele me encontrou no jardim, conversamos até que o Héctor
apareceu pra fazer o trabalho de sempre, atrapalhar a minha vida.
— Dio mio, Caterina! — Ela soluçava rindo. — Você tem muita
sorte.
— Pois é!
— Então vai assistir à corrida, não vai?
— Acho que sim. — Ri.
— Perfeito! O Héctor vai morrer.
— Serena!
Eu não me importava com os sentimentos do Héctor, só
estava preocupada comigo e meu bem-estar.
Mas se ele se sentisse mal, seria ótimo.
CAPÍTULO 28
CATERINA SÁNCHEZ
A corrida foi uma semana depois da festa, no sábado. Os
dias anteriores eu tinha passado como de costume, com a Serena
me auxiliando nas coisas e me contando as novidades.
Não eram muitas.
Tinha o Roman pressionando os irmãos para se casarem logo,
porque ele queria fazer o mesmo, mas só podia depois dos dois mais
velhos. A Ramona sempre reclamando que a casa era uma prisão e
a Chiara apoiando; Damon cantarolando sua solteirice pelos cantos;
Henrico era o menos robótico e depressivo e o Héctor...
Não tinha notícias dele.
Parecia que ele estava resolvendo coisas de gente mafiosa.
Cobrando impostos, outras dívidas e fazendo favores, essa era a vida
dele.
Ninguém sabia se ele estava conversando com a Hannah
Lucchesi, nem se estavam se encontrando, já que a família dela
permaneceria na cidade até a corrida.
Eu evitava perguntar.
Eram coisas que a Serena falava abertamente e sem esperar
perguntas.
Eu fui com ela, Ramona e Chiara assistir à corrida, mas quis
desistir assim que as vi prontas para o evento.
Elas estavam com roupas de alta costura, claras e leves, com
leques e óculos escuros. Já eu estava com um vestido tubinho bege,
que cobria metade da minha coxa, um dos pares de tênis que ainda
não tinha usado, brancos, e o cabelo solto.
Estava simples demais para andar ao lado delas.
— Serena. — Segurei o braço dela, que parou enquanto as
outras duas entravam em um carrinho de golfe de seis lugares para
ir para lá.
— Sim.
— Acho melhor eu ficar ou ir com as outras funcionárias. Eu
não estou vestida adequadamente para esse evento. Olha como
vocês estão.
— Caterina, você não precisa de muito pra ficar arrumada.
Deixa de besteira, está linda. Os jóqueis vão jogar flores pra você,
assim como os cavalheiros das justas[3].
Rimos.
— Pelo menos um eu sei que vai — ela garantiu.
Subimos nos bancos do fundo e um motorista nos levou para
o hipódromo.
Viajar pela propriedade de carro me fazia enxergar o lugar
maior do que já via. A casa ficava bem distante dali.
— Você já foi lá? — perguntei pra Serena.
— Sim. Uma vez passeei de cavalo com as meninas. Foi muito
bom.
Tinha muita gente ali. Homens sérios, com cara de podres de
ricos e viciados em charuto e whisky. As mulheres eram elegantes e
todas andavam de cabeça erguida, com Birkins penduradas nos
braços.
Assim que chegamos, nos sentamos na fileira perto da
entrada e da pista de corrida.
— Acho que deveríamos nos sentar na sombra — Ramona
resmungou se abanando. — Além de não ter água, aqui faz muito
sol.
— E daqui a pouco os cavalos vão jogar areia na gente —
Chiara completou, já de pé para escolher outro lugar.
Quando as acompanhei, encontrei Alonso vestido com roupas
próprias de jóquei e um sorriso enorme pra mim.
— Você veio.
Eu me afastei das meninas para cumprimentá-lo.
— Claro! Quero ver do que você é capaz. Sem pressão —
brinquei e ele riu.
— Ok. Sem pressão.
Respirei um perfume conhecido e olhei para o lado.
Héctor chegava vestido para a corrida, mas com roupas
escuras, diferente de Alonso. Seu olhar sombrio nos acertou,
desmanchando nossos sorrisos.
Se ele não gostava do anel que Alonso me deu, poderia
gostar menos ainda dele. E eu falei que ele era meu primeiro
namorado.
Era bobagem pensar nisso, mas, de repente, eu estava
associando as coisas e com medo de Héctor implicar com Alonso.
— Vai correr hoje, Héctor? — Alonso o cumprimentou com um
aperto de mãos.
— Sim. — A voz dele era profunda e intensa, assim como o
olhar que me acertou em seguida.
Não!
Ele não poderia me intimidar naquela altura do campeonato.
Eu já tinha passado por todas as fases do estresse de Héctor,
já estava o odiando.
Quem odeia não fica intimidado, fica nervoso pra descontar a
raiva.
— Achei que não corria mais. — Alonso conversava
inocentemente com ele.
— Sim, mas hoje eu vou correr. — Ele voltou a olhar pra
Alonso.
— Desse jeito será mais difícil eu ganhar.
— Com certeza. — Ele nos deu as costas.
Cadê a Serena pra falar em voz alta a besteira que estava
passando pela minha cabeça?
Sim, eu achava que ele iria correr apenas porque queria
competir contra o Alonso.
Eu deveria estar enlouquecendo, mas o olhar assassino de
Héctor me preocupava e fazia milhares de possibilidades passarem
pela minha cabeça.
— Eu vou me sentar com as meninas, Alonso. Boa sorte.
— Obrigado. — Ele me assistiu se afastar sorrindo e fui atrás
da Serena com um péssimo pressentimento.
Elas tinham se sentado nos lugares mais altos, na sombra, e
já tinha um garçom colocando bebidas na pequena mesa.
Os degraus mais acima eram largos suficientes para mesas,
cadeiras e até poltronas.
Quando as encontrei, puxei Serena de lado.
— Você viu quem vai correr?
— Vi sim. — Ela estava com um sorriso bobo. — E quando te
viu ficou todo animado, hein?
— Não o Alonso. O Héctor vai correr.
Ela franziu o cenho.
— O Héctor corre?
— Corria — Ramona respondeu e viramos para ela e Chiara
na mesa. — Já faz muito tempo que ele não participa. Na mesma
época que parei, ele parou.
— Ele vai correr hoje — contei esperando que ela me desse
um motivo diferente do que passava na minha cabeça, mas só a
peguei de surpresa.
— Vai? Que estranho. Será que foi por isso que ele veio pra
cá na quinta e sexta?
Eu nem sabia que ele estava treinando.
— Eu tenho minhas apostas sobre o motivo. — Chiara abriu
um sorriso pretensioso. — A futura noiva dele está ali. — Ela
apontou e vimos a família Lucchesi ao redor de uma mesa, Hannah
se abanando sentada numa poltrona. — Aposto que ele veio mostrar
seus dotes pra ela.
Fazia mais sentido.
Onde eu estava com a cabeça pra pensar que era pelo Alonso
ou por mim?
— Levando em conta que o meu irmão nunca tentou
impressionar nenhuma mulher, ela conseguiu um milagre. Vamos ver
se o Héctor vai ganhar a corrida para o melhor jóquei que temos há
anos.
Aquilo cheirava a confusão. Héctor parecia ser o tipo que não
sabia perder, nem permitia que isso acontecesse.
Eu não sabia o que esperar, mas me sentei e esperei
acontecer.
As pessoas apostavam alto e quando Héctor se apresentou na
pista, os apostadores ficaram divididos. Eu ouvi alguém dizendo que
não valia a pena trocar a aposta do Alonso para Héctor porque o
segundo não fazia isso há muito tempo, enquanto outro falava que
era impossível ser melhor do que Héctor e que ele não sairia da
aposentadoria pra perder.
Eu torcia para que Alonso ganhasse, mas temia pela reação
de Héctor ao perder.
Quando eles entraram nas marcas, peguei os binóculos e vi
que o cavalo de Alonso era o primeiro e o de Héctor o quarto.
Tio Alejandro estava de pé, segurando um revólver e quando
ele atirou, a corrida começou.
Os cavalos saíram disparados.
O cavalo 1, 2 e o 4 eram os mais rápidos, os outros estavam
um pouco atrás.
Fiquei na ponta da cadeira, esperando o resultado.
Estava muito concorrido. Os cavalos eram lindos e deveriam
ser típicos para esses eventos, preparados para isso. Héctor e Alonso
estavam na frente, mas, de repente, o cavalo de Alonso ficou mais
rápido e largou Héctor para trás, alcançando a linha de chegada com
espaço.
Alonso era o favorito, sua vitória não foi comemorada com
gritos, mas com aplausos. Os sorrisos eram a confirmação de quem
tinha apostado no cavalo certo.
Héctor saiu da pista com o cavalo e eu acompanhei com o
binóculo, podendo ver sua cara de fúria para o vencedor. Ele desceu
do animal e com punhos cerrados foi para Paddock, depois foi
sozinho para os estábulos.
Eu sabia que ele poderia fazer alguma coisa contra o Alonso e
me levantei depressa.
— Pra onde vai, Caterina? — Serena me notou.
— Vou ao banheiro. Já voltou. — Deixei o binóculo para trás e
saí dali.
Desci correndo as escadas e dei a volta para os fundos, indo
na direção que Héctor foi.
Outro grupo de corredores estava saindo dos estábulos e
quando eu entrei parecia vazio, mas sabia que em algum lugar o mal
perdedor estava.
Não tinha mais cavalos no local, fui até o fundo e em uma
sala iluminada encontrei Héctor apoiado em um balcão, respirando
como uma fera furiosa.
Entrei e tranquei a porta.
Ele virou quando ouviu o barulho.
Seu olhar dessa vez não me causou medo algum, eu estava
decidida a parar qualquer barbaridade que passasse pela cabeça
dele.
— Você não vai fazer nenhuma loucura.
Ele encolheu o nariz, como se questionasse a minha decisão.
— Sei que está com raiva por ter perdido para o Alonso, mas
você não vai fazer nada contra ele. Ninguém mandou você inventar
de correr hoje. — Tirei a chave da porta e a prendi na palma da
mão.
Nem que eu tivesse que ficar presa com ele até o evento todo
terminar e todos irem embora, não deixaria que ele saísse e
machucasse quem não tinha culpa da sua arrogância.
Ele largou o balcão e virou por completo para mim, me
analisando com os demônios nos olhos escuros.
— Ele voltou a ser o seu namorado?
— Não.
Eu deveria ter respondido que sim, mas se eu falasse essa
mentira e ele quisesse machucá-lo, apenas para me ver sofrendo
como gostava?
— Ele sabe o que você fazia? Sabe o que você andava
fazendo naquela boate? Aposto que ele não vai querer mais te ver
quando souber.
Fechei os olhos e respirei fundo.
Eu sabia que era perda de tempo.
— Eu tenho certeza de que ele acreditaria na minha palavra,
diferente de certas pessoas.
— Você não entende que eu conheço bem você e todas as
mulheres que vivem naquele puteiro?
— Você não me conhece, Héctor! — rosnei de volta,
enfrentando seu olhar medonho e sua presença. — Você não sabe
nada sobre mim! Só vê o que quer ver. Você é um preconceituoso de
merda, que faz todos te rejeitarem com razão. — Dei um passo na
direção dele, apontando o dedo. — Você é insensível, desumano! Eu
queria que seu pai vivesse mais mil anos, porque você não ficaria no
lugar dele. E eu espero não estar mais aqui quando você conseguir
isso, porque a sua família vai ruir diante da sua falta de controle.
Ele segurou meu braço firme e me deteve.
— Você tem tanta sorte.
— Teria se você não existisse.
— Seria melhor se você nunca tivesse entrado na minha vida.
A voz profunda vibrou nos meus ouvidos.
— Tudo isso é culpa sua, não vê?
— O quê? — Soquei seu peito com o braço que estava livre.
— Eu não tenho culpa de você ser um monstro, Héctor!
Ele prendeu meu braço e fiquei sem recurso.
— Você não vê, não é? — Ele me girou para longe da porta e
me largou. — Não vê o que faz comigo?
— Agora você vai me culpar? Fala, merda! Fala o que eu faço
tanto que não vejo?
Mal calei e ele avançou depressa em minha direção, me
empurrando contra o balcão e forçando sua boca na minha. Um
beijo selvagem, que me fez perder os sentidos e fraquejar enquanto
seus lábios arrastavam os meus e sua língua exigia espaço na minha
boca.
Eu não estava disposta a dar, era loucura, mas quando suas
mãos apertaram a minha cintura e me tiraram do chão, gemi e
afastei os dentes sem querer. A língua dele me dominou e quando o
senti encaixado entre minhas pernas, enquanto me engolia com a
boca, acabei esquecendo de quem era que fazia aquilo e retribuí.
Minha pele nunca foi tão apertada como ele fez, meu corpo nunca
ficou tão colado a outro como ficou ao dele e eu não conseguia
sentir nada além de excitação. Meu coração estava a mil, a
adrenalina no meu corpo me fazia sentir fora da gravidade,
flutuando. E o desejo de permanecer naquele beijo só crescia, mas
quando o fôlego acabou, eu o empurrei, peito e depois quadril.
Nossas bocas descolaram, abri os olhos e me lembrei de quem se
tratava.
Merda!
Aquilo era impossível de acontecer.
O que deu na cabeça dele?
Foi a primeira coisa que me veio à mente e ele estava
encarando minha boca como quem não tinha acabado ainda.
— Você... — Eu não sabia qual insulto usar para me defender.
— Merda! — Ele se encostou no outro balcão e bagunçou o
cabelo, olhando para o teto. — Eu preciso que você suma da minha
frente.
Estreitei os olhos com a fúria que sentia por ele voltando.
— Com prazer. — Desci do balcão e destranquei a porta.
Saí sem olhar para trás, carregando tudo o que não deveria
sentir comigo.
O gosto dele, o cheiro dele, o toque dele e o pior, tesão por
ele...
Merda!
CAPÍTULO 29
HÉCTOR BARONE
Eu fiz a última coisa que não devia com ela.
Eu a beijei.
Mas que diabos ela tinha na cabeça para me procurar naquela
hora?
Eu estava furioso por ter perdido a corrida, por tê-la visto
trocando sorrisos com aquele jóquei idiota.
Mas ainda ouvir suas reclamações foi demais.
Trancados em um cubículo, enquanto ela dizia o que eu não
deveria fazer, que eu não a conhecia.
Porra, eu a conhecia e ela me conhecia muito bem também!
Ela nem imaginava o que eu sabia dela. Às vezes, eu queria
tocar naquele assunto, mas ela poderia ter uma reação muito ruim.
Eu ainda não sabia como chegar a ele se desde que a vi na boate
ela tinha deixado de valer a pena.
O que ela tanto causava em mim?
Porra, ela nunca deveria ter perguntado isso enquanto
estávamos a sós, ambos com o sangue fervendo.
Foda-se o que ela era de verdade, aquele beijo foi o melhor
que dei em uma mulher.
Eu desejava aquela boca há muito tempo.
Argh!
Eu estava em apuros.
O plano era esquecê-la e estava indo de mal a pior desde
sempre. Passar uma semana ou duas sem procurá-la não era nada
para o que teimava permanecer em mim.
Eu nem sabia mais se distância e ódio poderiam curar aquilo.
Só sabia que ódio e paixão podiam coexistir.
Voltei para a corrida, onde ainda aconteceriam nove páreos e
fiquei perambulando na tentativa de me distrair, enquanto o meu
corpo ainda sentia como era tê-la em meus braços, leve, pequena e
quente, o cheiro doce e os lábios macios.
Eu queria mais daquilo.
Apenas aquilo.
Eu não iria além.
Não queria ficar com a lembrança de que fodi a mulher que
queria que fosse minha para sempre, mas era impossível.
Procurei Henrico, mas só encontrei Damon. Ele andava com
um copo de whisky e um boné bordado com o nome do nosso
hipódromo cobrindo a cabeça.
— Irmão, como você sai da aposentadoria pra passar uma
vergonha daquela? — Ele segurou meu ombro esquerdo.
— Vai se foder, Damon! Cadê o Henrico?
— Onde imagina? Vocês costumam ignorar o óbvio. — Ele
apontou com a cabeça e vi Henrico sentado ao lado de Serena.
Junto com eles ainda estavam Chiara, Ramona e ela.
Ela estava distraída, roendo as unhas.
Eu apostava que ela estava pensando no que aconteceu entre
nós. E infelizmente ou felizmente eu não sabia se era vantagem ou
não, pensava pela primeira vez em mim de outra maneira.
Ela não era esperta quando o assunto era interesse.
Como conseguia ganhar dinheiro na boate?
Será que iam diretamente para ela?
— Não vai lá amar também?
— Você também não vai? — Encarei Damon, que sempre
fazia piadas sobre mim e eu já estava cansado daquilo.
Ele também tinha história e era das boas.
— Agora que não está mais noivo, pode foder a Chiara
livremente.
Ele me puxou pelo ombro.
— Não fale alto essa merda — ele rosnou e eu ri.
— Você está muito fodido, Damon. Muito fodido mesmo. O
Henrico vai te matar. Eu sugiro que use o seu senso de humor
apenas pra testar um pedido de casamento, porque se você deixá-lo
descobrir sozinho o que andam fazendo. — Estalei a língua e simulei
uma decapitação.
A graça de Damon se foi.
— Ela não quer, porra. Você acha que eu nunca perguntei?
— Uma vez?
— Sim! Perguntei uma vez e ouvi um não!
— Você não observa muito a mulher que fode, não é? Chiara
só aceita de primeira as ideias da Ramona. É claro que ela ia te dar
um fora, ainda mais que tudo que você fala não parece sério.
— Agora você vai me dar conselhos? — Ele encolheu o nariz.
— Não deveria estar preocupado com a sua futura noiva?
Meus olhos foram diretos para ela.
— A mulher certa, Héctor. Esqueça essa florista ou você
nunca será o capo.
Se antes de tê-la em meus braços já estava sendo difícil,
como iria esquecê-la depois do beijo que demos?
Tirei as mãos de Damon de mim e procurei um lugar para me
sentar.
— Ei, Héctor — alguém chamava e quando olhei para a pista,
vi o Alonso pronto para mais uma corrida. — Parabéns pelo primeiro
páreo. Foi bem difícil. — Ele estendeu a mão, mas olhei e preferi não
apertar.
— Você teve sorte. — Segui meu caminho e me sentei no
primeiro banco, perto da pista.
Os Lucchesi estavam por perto e eu ainda não os tinha
cumprimentado.
Hannah seria o meu esforço. Ela era uma mulher de classe,
boa família e estava disposta a fazer o que os pais queriam. O
problema era o seu casinho no hospital, mas isso poderia ser
resolvido rapidamente.
Seríamos o típico casal que se uniu para um propósito, que
zelava pela família, mas não se amava de verdade.
Eu não poderia me apaixonar por ela enquanto estivesse com
a minha mente em outra. Nem sei se conseguiria fazer o básico sem
enxergá-la como eu precisava.
Tudo seria péssimo e eu estava aceitando até beijar aquela
criatura que me enlouquecia há uns três meses.
Eu nem sabia mais há quanto tempo aquela mulher estava na
minha vida, porque parecia que ela tinha passado a borracha em
tudo que eu vivi antes de trocarmos as primeiras palavras.
Olhei para trás e o olhar dela encontrou o meu.
Ela murchou e olhou para as meninas, em busca de me
ignorar, era claro.
Dio mio!
Eu não me arrependia do que tinha feito, mas tentava,
lamentava. E a verdade é que se ficássemos a sós de novo eu a
beijaria.
— Héctor, não é? — Rosário apareceu na minha fileira e parou
na minha frente, sorrindo.
Eu me levantei e o cumprimentei com um aperto de mãos.
— Não sabia que ainda estava na cidade. Sente-se. — Apontei
para o banco e me sentei ao mesmo tempo que ele.
— O seu pai convidou para ver a corrida. Não sabia que era
jóquei.
— Fui há muito tempo, resolvi relembrar, mas ando meio
enferrujado. É preciso muita prática com o cavalo pra conseguir
alcançar o primeiro lugar.
— Imagino. Mas você foi muito bem. Alonso treina quase
todos os dias do ano, aquele cavalo e ele são como um só.
Achei curioso ele saber tanto sobre Alonso.
— Você e ele são parentes?
— Eu já assisti muitas corridas do rapaz e pra apostar é
importante saber o histórico dos corredores. Cavalo e humano — ele
explicou bem-humorado.
— Sim. Esperto.
Ele olhou para trás e depois focou na corrida que começava.
— O seu pai comentou que você também mandou alguém
investigar sobre a moça da boate.
— Mandei saber sobre o homem que ela feriu, mas parece
que você sabe mais do que isso.
Eu queria não parecer tão curioso, então olhei para pista,
mesmo não dando importância nenhuma para aquele páreo.
— Você sabe que ela foi comprada, não sabe?
— Ouvi dizer, mas não acreditei muito. Não sabia que o
Garcia fazia tráfico humano.
— Não é bem assim. Quer dizer, o Albarello ficou muito
interessado nela. Para você ver que ele frequentava a boate há
muito tempo e nunca tinha levado nenhuma garota para o quarto,
mas os poucos dias que ela passou lá, cinco se não me engano,
foram suficientes para ele decidir que a queria em sua casa.
Eu não consegui mais fingir pouco interesse, estava focado
nas palavras de Rosário.
— Cinco dias?
— Sim — ele confirmou. — Conversei com o dono da boate.
Ele me contou tudo. Quando Albarello soube da dívida dela, viu uma
oportunidade de levá-la embora com ele.
Eu era louco, mas aquele homem era mais.
— Ele queria protegê-la?
Tudo bem que fiquei pensando nela na primeira, segunda e
depois da terceira não tive paz na cabeça, mas tinha certeza de que
esse homem não tinha as mesmas intenções que eu.
Rosário riu.
— O que você faria se fosse um viúvo procurando uma moça
pura em um puteiro e a encontrasse?
Ergui uma sobrancelha.
— Moça pura? Quer dizer que nos cinco dias ela não se deitou
com ninguém?
— Mais que isso, Héctor. Garcia me contou que ela implorou
que ele não a obrigasse a fazer nada com os homens além de servir
as bebidas.
Afastei o tronco e perdi o fôlego.
Foi difícil me manter sem olhar para onde ela estava.
— Isso é sério, Rosário?
— Sim. García me contou isso rindo. Disse que achava que
em algum momento ela se entregaria ao programa. Mesmo que ela
fosse bem resistente, passava distante dos quartos e odiava o lugar
desde o primeiro dia, poderia fazer apenas pra adiantar o
pagamento da dívida. Quando Albarello ofereceu pagar por ela, ele
disse que ficou um pouco indeciso, mas que aceitou pela insistência.
Disse que o problema dela era com ele e os dois se resolveriam. Mas
você sabe, claro que o homem tinha outras expectativas que
negociação nenhuma funcionaria.
Ouvir aquilo de uma fonte que saiu de dentro da boate foi
como levar um choque e sentir as correntes passando pelo meu
corpo.
Eu não sabia sobre o tempo, só que não podia confiar em
mulheres que trabalhavam naquele lugar.
— Achei que ela trabalhava lá há mais tempo.
— Não. García disse que ela nem conseguia mentir para os
clientes, que não sabia insistir para vender as bebidas. A esposa dele
implicou com ela desde a sua chegada. Era péssima para o cargo e
comemorou quando o Albarello pagou a dívida e não precisava mais
dela.
Puta merda!
Aquela conversa fez minha mente ficar limpa e presa no
presente como nunca mais havia estado.
Eu não sabia o que pensar sobre e levaria algum tempo para
digerir a notícia.
— Quanto?
— Muito dinheiro, Héctor. O pai dela era um viciado. — Ele
acendeu um cigarro e quando me ofereceu, recusei, continuei
querendo saber mais.
— Muito quanto, Rosário?
Ele soprou a fumaça e olhou para os cavalos.
— Seiscentos mil euros de dívidas de jogo do pai dela.
Mais uma vez me esquivei em choque.
Era uma dívida enorme!
— Como o pai dela contraiu essa dívida? Ele não trabalhava
com relógios?
— Trabalhava, mas durante a noite vivia no cassino
subterrâneo da boate. Acumulou, acumulou, e você sabe, quando
alguém tem algo muito interessante a oferecer, eles deixam a dívida
rolar até poder pegar o que querem.
— Ela?
Parecia até que eu não vivia no mesmo mundo de sujeira que
eles.
— Sim. Você já parou para olhar pra ela? García afirmou que
os homens ficaram fascinados com ela no primeiro dia, então
quando ele disse que ela não fazia nada, eles perderam o interesse.
— Exceto o inseto do Albarello — deduzi com o ódio correndo
nas veias e Rosário confirmou.
— Ele está vivo.
Ela não tinha feito o trabalho direito.
— Imagino que saiba em qual hospital ele está. — Fiquei
esperançoso.
Ele soprou mais uma vez a fumaça do cigarro.
— Ele está sendo protegido pelos inúmeros guardas, se pensa
em matá-lo. E ainda tem o Damiano na cidade. Seu pai disse que
você tem problemas com ele.
— Uma leve inimizade.
Eu necessitava fazer alguma coisa.
Ela não era minha, mas não seria de Albarello nem de
ninguém.
Porra, ela nunca tinha se deitado com um homem e ele a
comprou motivado por isso!
Quando a vi naquele quarto, eu estava muito focado na
pulseira, fiquei mais chateado ainda por reconhecê-la naquele lugar,
vestida como as mulheres que já se ajoelharam para mim e
tentaram me enganar. Eu tinha todos os motivos para pensar muita
coisa sobre ela, menos que era uma pobre fodida virgem, vendida
pra pagar uma dívida.
Ok, eu não a conhecia tão bem.
— Eu vou pagar a dívida dela.
— Mas não dá. O Albarello já fez isso.
— Você vai entregar o dinheiro ao García e ele devolverá ao
Albarello. Ele não é e nunca será o dono dela. — Olhei para trás e
ela estava mais uma vez roendo as unhas, distraída.
CAPÍTULO 30
CATERINA SÁNCHEZ
Ainda estávamos na corrida, próximo ao final, já havia se
passado muito tempo do que aconteceu naquele cômodo, entre
Héctor e eu, e ainda estava em choque.
Meu corpo ainda vibrava com o toque dele, sentia meus lábios
levemente inchados e ainda tinha o doce dos lábios dele e a minha
língua cansada de ser arrastada com tanta brutalidade em tão pouco
tempo.
Mas eram coisas que apenas eu podia perceber.
Já o cheiro do perfume dele, bem, se alguém prestasse tanta
atenção a esse detalhe, como eu, saberia em quais braços estive no
fim do primeiro páreo.
Eu nunca deveria ter ido até lá, mas vê-lo depois de tudo,
sentado em um banco, assistindo aos outros páreos, enquanto
Alonso estava competindo, significava que meu pedido foi aceito.
Héctor não tinha cometido nenhuma brutalidade contra
Alonso depois de perder a corrida.
Ele parecia inquieto e sem foco. Apenas quando um homem
se sentou ao seu lado é que ele tomou outra postura.
Eu estava tentando não olhar para lá, mas toda vez que isso
acontecia, ele também olhava para mim.
Eu me sentia na época de escola, quando descobria que
algum rapaz que eu nunca me importava tinha interesse em mim.
Eu não olhava Héctor de outra maneira senão um potencial
psicopata que infernizava a minha vida.
Nem suas melhores ações mudavam o meu olhar sobre ele.
Tudo era um motivo a mais para a maldade dele, sempre a
seu benefício.
Ele disse que eu não enxergava o quanto mexia com ele. Eu
enxergava o seu comportamento, mas estaria louca se visse alguém
me tratando tão mal e pensasse que era por estar interessado em
mim.
Aquele beijo foi a resposta ou apenas um impulso que surgiu
de um desejo repentino, ignorando todo o assunto?
Fazia sentido quando o assunto era o Héctor.
Agir bruscamente, pegar de surpresa.
Cobria o rosto sempre que me lembrava que retribuí o beijo.
Roí todas as unhas que pude enquanto tentava assistir a
corrida, mania que eu nunca tive.
Quando finalmente acabou, saímos do lugar que ficamos à
tarde inteira.
Eu já estava com fome, pois o que ofereceram durante o
evento não era algo que dava sustância.
Pretendia voltar para casa, mas Serena estava grudada ao
Henrico ou o contrário, e Ramona e Chiara pareciam querer ficar
mais um tempo conversando com as pessoas dali.
Olhando para a distância da casa, seria cansativo voltar para
lá a pé, mas era a minha melhor opção.
Quando pensei em avisar para elas sobre a minha ida,
Hannah Lucchesi chegou e abraçou Ramona.
Ela era mais linda de perto.
Era como Chiara, o tipo de mulher alta, com peitos
empinados, cintura fina e pernas longas.
Ela usava um macacão que gritava milhares de euros.
Com certeza, era de alguma marca de grife.
Quem a via de longe, poderia pensar que ela era uma mulher
dura, de pouca conversa, mas se mostrou gentil ao se aproximar de
nós.
Ela deveria ter a nossa idade. Perto dos trinta, não mais que
isso.
Também abraçou Chiara e sorriu para mim, pois eu estava
mais distante.
Acho que estava na cara que eu não era uma delas, pelas
minhas roupas e o resto.
Serena não me iludia com seus elogios.
— Vai ficar mais tempo aqui? — Ramona perguntou.
— Não. Preciso voltar para resolver algumas burocracias antes
de começar a trabalhar como médica.
Ainda era médica.
Com a predisposição para arranjar problemas, Héctor teria
sorte se casasse com alguém que limpasse suas feridas e costurasse
seus cortes.
Eu o vi andando na nossa direção e instantaneamente entrei
em estado de fuga. Eu precisava sumir dali, não queria ter que
encará-lo depois daquele beijo seguido de “eu preciso que suma da
minha frente”.
Mas meus pés não colaboraram.
Fiquei estática vendo-o chegar cada vez mais perto até parar
ao lado de Hannah.
Assim que seu olhar recaiu sobre mim, virei em outra direção,
olhando os cavalos sendo levados para o descanso e o Alonso
comemorando as várias vitórias.
Ele tinha ganhado todos os páreos em que concorreu.
Era mesmo o melhor e tinha o melhor cavalo.
— Podemos conversar um minuto, Hannah? — Héctor pediu
para ela e eu quase olhei para ver se aquilo estava mesmo
acontecendo.
Pedindo e não ordenando?
Ele estava manso demais.
Talvez, já tivesse apaixonado por ela.
Dizem que quando as pessoas querem conquistar, agem da
maneira que agrada o outro.
— Claro. — Hannah aceitou de imediato e meu coração pulou.
Eu não tinha dúvida de que aquele casamento aconteceria e
me sentia mal por antes disso ter deixado aquele cretino me marcar
com seu beijo.
De qualquer maneira, ele continuava sendo um ser humano
podre por dentro e interesse físico nenhum iria mudar o meu
pensamento sobre isso.
Eles se afastaram e assisti os dois andando um ao lado do
outro, ele com as mãos nos bolsos, ombros relaxados e ela
segurando o leque.
— Até que os dois forma um casal bonitinho. — Chiara
também estava assistindo à caminhada.
— O Héctor só está fazendo isso pela família. — Ramona
assegurou, me deixando curiosa sobre sua opinião. — Ele não é uma
pessoa sentimental. Não quando o assunto é paixão.
Eu concordava com o tipo de pessoa que ele era e o ponto de
vista de Ramona colaborava com a alternativa que imaginei para o
beijo dele. Foi impulsivo e não uma resposta para o que tanto o
incomodava em mim.
— Eu vou voltar pra casa — avisei para elas.
— Vamos tomar alguma coisa. — Ramona balançou o braço
apontando para onde iria. — Aposto que o Alonso vai querer falar
com você.
Era impressionante como elas se empolgavam quando o
assunto era relacionamento. Qualquer faísca era como atiçar um
fogo nelas. Por isso era estranho elas não verem nada disso entre o
Héctor e a Hannah.
Talvez elas só o conhecessem bem o suficiente para não
fantasiar nada disso sobre ele.
Eu não queria falar com o Alonso, minha cabeça estava muito
bagunçada naquele momento.
— Eu já estou cansada. Depois vejo vocês. — Acenei e
caminhei pelo caminho que os carrinhos tinham feito.
Não era apenas a falta de disposição pra ficar ali, assistindo,
mas eu continuava com fome.
Passei o caminho todo pensativa e o que parecia um percurso
longo, foi feito em um tempo bem curto.
Fiquei na cozinha, comendo com as outras funcionárias,
ouvindo coisas que de onde eu estava assistindo não pude ver.
Eu não conhecia metade daqueles nomes que elas citavam,
mas era cada testemunho impressionante que mal piscava os olhos,
prestando atenção na conversa.
Não esperei que a casa ficasse cheia para decidir ir para o
meu quarto.
Era mais do que descansar.
Era se esconder.
Comi, bebi, mas os vasos ao redor da minha boca e na língua
ainda formigavam pelo beijo.
Puta merda!
Eu estava há tanto tempo sem aquilo e foi com alguém tão
improvável que parecia um evento milenar e marcante.
Antes de andar pelo corredor seguro, passei na biblioteca
para pegar um livro. Algo que me distraísse até a hora que o sono
chegasse. De preferência, algo que me levasse para outro lugar e
calasse a minha mente.
Escolhi a Pequena Sereia, que estava na minha lista de
releituras. Aquele livro tinha me deixado muito triste ao final da
primeira leitura e seria bom para aquele momento.
Antes de abrir a porta que dava para a sala, a biblioteca foi
aberta pelo lado de fora. Eu apenas olhei a mão que segurava a
maçaneta e soube quem era.
Mais uma vez senti que precisava fugir para não encará-lo.
Sabia também que forçar para fechar a porta não funcionaria,
então a larguei e andei depressa para a escada, a fim de sair pela
outra.
— Espera.
A voz de Héctor continuava profunda, mas mansa.
Não parei até chegar ao último degrau, onde o meu corpo se
deteve com um chamado.
— Caterina.
Héctor chamando meu nome era estranho.
Acho que eu estava acostumada demais com os nomes
pejorativos.
Ouvi seus passos na escada e segurei a maçaneta pronta para
seguir meu caminho, mas eu me sentia curiosa para entender aquele
milagre.
— Aprendeu o meu nome mesmo? — soei irônica.
— Precisamos conversar. — Dessa vez ele foi mais grosso,
exigiu.
— Não precisamos. Eu não tenho nada pra falar com você,
Héctor. — Tentei não virar para ele, para não me perder na sua
casca bonita.
— Mas eu tenho muito o que falar.
— Eu já sei o que você tem pra me dizer. Posso recitar sem
nenhuma cola. — Abri a porta com meus músculos começando a
tremer.
A verdade era que eu não queria ter mais motivos para
repugnar aquele beijo e sabia do risco de parar um segundo para
ouvir aquele maluco.
Ele segurou meu braço e fui obrigada a olhar para trás.
Seus olhos pretos estavam vidrados em mim, suas
sobrancelhas se encolhiam como se algo o incomodasse.
Não olhei abaixo do seu nariz.
— Me solta. — Puxei meu braço e ele apertou os dedos na
minha pele.
— Eu disse que tenho coisas pra falar, Caterina. — Ele subiu
mais um degrau, não o último antes do meu, mas o suficiente para
ficar na minha altura, cara a cara, e o olhar dele caiu para os meus
lábios.
Eu perdi o ritmo da respiração quando temi e ansiei pelo que
ele poderia fazer.
O que aconteceu na corrida não se repetiria nunca mais.
— Foda-se com suas palavras! — Eu me soltei de uma vez e
pulei para fora do cômodo, vendo Rita no fim do corredor. — Rita,
espera.
Eu sabia que tê-la por perto o fazia repensar qualquer loucura
que planejasse fazer para me colocar de volta naquele cômodo.
Estava farta das palavras dele.
Dos insultos.
Provavelmente, ele se gabaria por ter encontrado uma mulher
para se casar que não era puta, não trabalhava em uma boate e não
usava pulseiras dos outros.
Era uma ladainha que eu dispensava.
Tentei não parecer desesperada ao andar ao lado de Rita, que
era tão observadora quanto qualquer um que eu conhecia.
— Peguei um livro na biblioteca pra ver se ajuda na hora de
dormir. — Mostrei a capa.
— Anda ansiosa?
— Sim.
E a maneira frenética que balançava a cabeça ao afirmar era
uma prova disso.
— Também, com um homem bonitão dando em cima de você,
campeão. — Ela acertou o cotovelo na minha cintura, com um
sorriso maldoso.
Doeu, mas me assustou menos do que o caminho para onde
suas palavras levaram a minha mente antes de falar campeão.
Eu não estava empolgada por rever Alonso na intenção de
retomar meu namoro com ele, ainda mais que a vida dele parecia
perfeita enquanto a minha estava dando uma pausa antes do caos
máximo. Era como rever alguém que trazia boas memórias e
sensações.
Apenas isso.
Coisa que não sentiria se passasse alguns anos sem ver
aquele demônio do Héctor. Suas marcas em mim não eram
memórias boas que mereciam ser relembradas.
Ele não nos seguiu e quando me tranquei no meu quarto,
com o livro que me ajudaria a distrair, me senti tranquila.
CAPÍTULO 31
HÉCTOR BARONE
Eu odiava quando não paravam para ouvir o que eu tinha
pra falar, ainda mais quando o que pretendia dizer serviria para
corrigir algum erro.
Desde que Rosário me contou sobre a situação de Caterina
em Madrid, minha mente ficou processando aquele turbilhão de
informações que ele jogou nos meus ouvidos e fiquei aflito, ansioso
para fazer alguma coisa.
Precisava dizer a ela que era realmente uma péssima
assassina, mas que não deveria se preocupar com aquela dívida e a
compra do Albarello.
Ela não era dele.
Queria dizer que estava aliviado por saber que ela não era
uma puta mentirosa e interesseira como as outras que trabalhavam
na Lujuria.
Eu não sabia pedir desculpas, merda!
Não pretendia.
Mas me comprometeria a agir de outra maneira com ela. Da
maneira que agiria se nunca tivesse a encontrado naquela situação
na boate.
Porra, ela poderia, sim, ser minha esposa!
Ela não tinha família rica, tradicional, afiliada à minha família,
mas não era uma prostituta.
Ela era apenas uma pobre órfã muito fodida.
E esses últimos detalhes poderiam ser ignorados.
Caterina era dona dos meus pensamentos há tempo demais
para eu me importar com sua riqueza ou família.
Eu só a queria assim como na primeira vez que estivemos
frente a frente, quando vi que existia alguém parecido comigo, e na
segunda vez que a vi, quando soube que ela também era o meu
oposto.
Era forte demais para eu resistir e ser racional.
Porra, eu estava sendo muito racional até ali!
Tinha feito tudo que podia sem causar estragos para
convencê-la a sair da minha vida e para me afastar dela.
Nada deu certo.
Mas sabendo de tudo por uma fonte que eu deveria esperar
ouvir verdades, como do dono da boate, eu não precisava mais tirá-
la da minha vida, só precisava conversar com ela.
Naquela noite eu nem dormi. Pensei no nosso beijo, no
Alonso que tinha aparecido na pior hora e em tudo que Rosário me
contou.
Eu dormi aliviado e acordei ansioso.
Tinha tomado uma decisão.
Passeei com o Thor, meu cachorro e conversei com ele sobre
esse assunto.
— Pois é, Thor. Ela não é uma puta. Isso não é ótimo? Agora
você está mais do que proibido de machucá-la. Já não podia antes,
mas agora é uma regra absoluta. Sua missão é protegê-la...
Continuamos andando pelo campo.
O sol do início da manhã era ótimo pra nós.
— Acredita que um homem tentou comprá-la? E o pai dela fez
uma dívida de seiscentos mil euros. Como pôde? Eu nunca vi uma
dívida de jogo tão alta... E eu paguei. Sei que é loucura, mas eu fiz.
Eu faço muita loucura por aquela mulher, Thor.
Nem o meu pai tinha tanto controle sobre mim como ela.
— Eu tentei falar com ela ontem, mas não quis me ouvir.
Claro que vou tentar de novo, só não sei se vai funcionar. Ela anda
com muita raiva de mim e agora tem o Alonso. Eu deveria soltar
você perto dele. Aquele maldito é ex-namorado dela e eles
terminaram por causa da distância, que agora não existe.
Thor me ouvia calado.
Ele era como o Henrico, mas um pouco mais fiel.
Falando em Henrico, depois de deixar o Thor na casinha dele,
encontrei-o inquieto, andando de um lado para o outro na sala. Ao
me ver, ele parou com as mãos na cintura.
— Onde você estava?
— Caminhando com o Thor. Acabei de deixá-lo na casa dele.
— Analisei seu jeito. — O que aconteceu?
— Seu pai quer falar com você. Mas antes... — Ele se
aproximou de mim e hesitou por um instante antes de falar. — Você
acha loucura pedir Serena em casamento em tão pouco tempo?
— Você está assim por causa disso? — Ri.
Não esperava ouvir aquilo, pois Henrico não era esse tipo de
homem.
— Eu acordei pensando nisso e estou prestes a comprar um
anel pra pedi-la em casamento. — Ele olhou para a escada.
Não vinha ninguém de lá, mas deveria ser onde ela estava.
— Ela vai voltar pra Sicília e eu não me vejo passando mais
um tempo sem ela. Eu sei que você não entende bem como é isso,
mas...
Uma porra que eu não entendia!
Bati a mão no ombro dele e ele parou de mexer os braços.
— Faça o que achar melhor. Mas acho que ela vai voltar pra
casa da mãe mesmo assim. Ou vão se casar de uma hora pra outra?
— Eu sei, mas posso chamar a mãe dela aqui secretamente
com esse intuito e assim ela mata a saudade e eu faço o pedido.
Ele estava muito apaixonado.
Fodido também.
— Ok. Faça isso. — Eu o deixei para ver o que o meu pai
queria.
Isso que eu nem tinha comido nada ainda e as chances dele
estragar o meu desjejum eram altas.
Entrei no escritório e não me surpreendi ao encontrá-lo
conversando com Edoardo.
— Bom dia... — Não consegui fingir ânimo.
— Bom dia, Héctor. Precisamos falar com você antes que
suma.
— É domingo. Eu não vou a lugar algum. — Eu me sentei
sem pressa.
— Precisamos conversar sobre a sua participação na corrida.
— Edoardo cruzou as pernas na minha direção. — Por que fez?
— Por que não fazer?
Eu não sabia que na minha casa eu precisava pedir permissão
para andar no meu cavalo.
— Porque você fez isso em cima da hora.
A voz apertada do meu pai me deu a dimensão sobre sua
fúria.
— Treinei por uma semana. Você não viu, porque estava
assistindo novela com a Serena.
— Héctor, essas corridas envolvem muito dinheiro. Se você
tivesse ganhado, muita gente teria ficado furiosa. — Ele bateu a
ponta do dedo na mesa.
Quando pensei em competir, nem me lembrei que havia
apostadores, apenas queria ganhar daquele arrogante.
— Pois anota que da próxima vou ganhar. — Foi um desafio
mais para mim do que para eles.
Alonso realmente tinha ganhado por sorte.
Edoardo esfregou o rosto.
— Você não se aposentou?
— Sim, Edoardo, mas posso desaposentar se quiser. Nessa
temporada vou correr. Vou começar a treinar amanhã e vou ganhar,
então podem avisar aos seus apostadores.
Eu precisava mesmo de outra ocupação que não fosse pensar
e procurar a Caterina.
E quando eu destronasse aquele imbecil, ele não precisaria
voltar à minha casa pra ficar dando em cima dela.
Meu pai e Edoardo trocaram olhares.
— Isso é loucura. — Meu pai balançou a cabeça em negação.
— Ao mesmo tempo que pode ser lucrativo para nós, pode ser um
grande prejuízo para eles e toda a culpa pode recair em você,
Héctor.
— Eu nunca fui inocente mesmo. — Dei de ombros.
Eu estava disposto a arcar com as consequências.
— Se vocês anunciarem bem antes da corrida, com certeza
metade dessas pessoas farão a aposta na pessoa certa. Que no caso
sou eu. Muita gente vai apostar alto no Alonso e quando perderem,
vamos ganhar muito com isso. — Terminei meu discurso com um
sorriso vitorioso.
Eles ficaram em silêncio por um tempo. Às vezes, eu achava
que meu pai e seu grande amigo falavam por telepatia.
Algo que Henrico e eu dificilmente conseguiríamos fazer.
— Ok. — Meu pai se virou para mim. — Você pode correr,
mas se comprometa.
— Eu sei como isso funciona, pai. — Eu me levantei satisfeito.
— Era isso?
— E sobre a Lucchesi?
Era claro que ele iria perguntar sobre ela.
— Já conversamos e entramos num acordo. — Abri a porta.
— Espero que seja um bom acordo.
— Ótimo para ambos os lados. Com licença. — Eu os deixei
na sala.

CATERINA SÁNCHEZ
No dia seguinte ao estranho acontecimento, eu já não estava
tão chocada, parecia apenas um devaneio e eu tratava como isso.
Não tinha testemunhas, ninguém para confirmar que aquilo foi real
além da outra pessoa que, possivelmente, estava comigo, mas eu
sabia que ele deveria encarar da mesma forma que eu.
Ele encarou assim logo depois do beijo.
Quando eu estava na horta, eu o vi passando com o cachorro,
mas ele não me viu, pois me escondi atrás das folhas.
Ele sempre aparecia aleatoriamente para me insultar, então
me procurou avisando que queria falar algo.
Não me despertou a curiosidade de saber o que era.
Passei a manhã daquele domingo bem longe de onde ele
andava.
Depois do almoço, voltei para o meu quarto e foi quando a
Serena me procurou.
Ela bateu à porta que já estava aberta e sorriu balançando o
quadril em um dos vestidos que dei a ela.
— Ocupada?
— Não. Entre. — Deixei de lado o livro que tinha pegado na
biblioteca na noite anterior e me sentei de frente para a porta.
Ela entrou e se sentou na cama.
— Eu não vi quando você voltou da corrida.
— Voltei assim que levantamos. Estava com fome e não tinha
mais nada pra ver. — Dei de ombros.
— Eu ainda fiquei lá, com o Henrico e o tio Alejandro. Você
sabe, desde que voltei ele quer me apresentar pra todo mundo de
outra forma.
Balancei a cabeça concordando com ela.
Serena representava um tipo de redenção para o tio
Alejandro.
— Até que foi legal assistir à corrida, não foi? — Ela se deitou
de barriga para baixo na cama, deixando as pernas para cima. — Eu
nunca tinha assistido nada assim. O Cesare não me levava para
essas coisas.
— Foi a primeira vez pra mim também. Eu gostei.
Tirando a parte que morri de medo daquele louco tentar
vingança por ter perdido a corrida.
— O Alonso é ótimo, hein? Ele ganhou todos os páreos. Falou
com você antes de ir embora? — A expectativa dela sobre isso me
fazia querer rir.
— Não. Saí antes que ele me visse.
— Hum. Acho que ele ainda sente algo por você.
Eu estava tendo essa conversa sobre sentimentos pela
segunda vez com Serena, mas dessa vez não me apavorava tanto.
— Coisa da sua cabeça, como sempre.
Ela sorriu.
— Mas dessa vez eu não estou brincando.
Então ela estava brincando quando disse sobre o Héctor.
Ela nunca poderia saber sobre o beijo.
— Amiga, olha para ele, tem uma vida ótima. Sou apenas
uma florista refugiada aqui. Ele nem sonha com o meu passado, se
soubesse com certeza iria querer distância. Ninguém quer gente
problemática por perto.
Eu tinha consciência da minha situação para querer bagunçar
a vida de alguém.
Essa fase da vida era mais sobre sobrevivência do que sobre
encontrar um parceiro.
— Não acho que ele se importaria. Se anda com os Barones e
agregados, com certeza apronta muito. As corridas são com apostas,
Cate. Nenhum daqueles homens que esteve ontem assistindo a
corrida tem boa índole.
Não conseguia pensar em Alonso fazendo algo de errado.
— Talvez ele só saiba do que precisa saber. Não acho que ele
seja mais do que um jóquei. Enfim. — Suspirei. — Vamos falar de
outra coisa que não seja homens.
— Ok. — Ela sorriu. — A minha mãe está vindo aí. Aliás, você
nunca fala da sua mãe. Ela está viva?
Existia um motivo muito forte pelo qual eu não fazia isso, algo
que eu não podia falar com ela, nem com ninguém.
— Eu não sei.
— Ela não morava com vocês? Quando o seu pai morreu, ela
não apareceu?
— A minha mãe e o meu pai nunca se deram bem. Eles se
separaram logo que eu nasci, mas cresci entre os dois. Passando uns
dias com um, outros dias com o outro... Então a escola exigiu mais
compromisso, o meu pai viajava, começou a trabalhar em uma
relojoaria em Paris e eu fiquei com a minha mãe por muitos anos.
Eu não tinha boas lembranças daquela época, pois ela vivia
muito chateada com a mudança do meu pai e o fardo de ter que
cuidar de mim sozinha.
— E o que te fez ir morar com seu pai?
— Meu pai voltou a morar em Madrid e a minha mãe se
casou. Ainda fiquei alguns anos morando com eles, mas quando o
marido dela morreu, fui ficar com o meu pai. Há mais ou menos dez
anos.
Essa parte da história era o meu alívio, o meu respiro. Eu
conseguia ter lembranças mais coloridas, ensolaradas e felizes,
enquanto antes de morar com ele, tudo era sombrio e triste.
— Ele morreu? Morreu de quê?
Serena estava indo pelo caminho que eu não queria que
fosse.
— O encontraram flutuando num rio.
Ela abriu a boca, surpresa.
— Que triste, Caterina. Ele era uma pessoa boa?
Meu nariz encolheu na mesma hora em resposta.
Eu não conseguia mentir.
— Não era a melhor pessoa do mundo.
Para não dizer que era um monstro e a melhor coisa que
aconteceu foi ele ter morrido.
Ela suspirou.
— É complicado. Eu ainda estou tentando lidar com o
passado do meu pai. Mas é muito bom ter a minha mãe por perto de
novo. Espero que um dia a sua mãe volte. Vocês se davam bem?
Eu esperava o contrário.
— A minha mãe era uma pessoa difícil, Serena. Não há nada
que eu possa fazer para mudar a forma como ela me vê, nem
convencê-la a pensar como eu. — Sorri conformada.
— Então que apenas sejam felizes. Você não está sozinha.
Tem eu aqui. — Ela segurou minha mão e rimos.
Era bom ter uma amiga.
— Fazia tempo que eu não tinha uma amiga assim.
— Mentira, Caterina. Você faz parecer que vivia isolada no
mundo. Não é uma pessoa desagradável. Aposto que tinha várias
amigas. — Ela se levantou e mexeu no meu livro.
Ela estava certa.
— Eu tinha, mas cada uma foi viver a sua vida.
— Hum. Lendo? — Ela mudou repentinamente de assunto.
— Sim. Ando com dificuldade pra dormir, então peguei esse
pra ler, mas já vou devolver. — Eu me levantei da cama e peguei o
livro da mão dela. — Já li outra vez.
— Preciso aproveitar um pouco daquela biblioteca também.
Será que tem livros eróticos?
Rimos.
— Você não presta, Serena.
Saímos do quarto e fomos para a sala de estar da casa.
Chiara e Ramona estavam no sofá, conversando futilidades e
Serena se juntou a elas. Eu segui para a outra sala, mais fechada e
silenciosa, quando notei Héctor sair da sala do pai, com as mãos nos
bolsos da calça de moletom e pensei em voltar para trás.
Ele parecia estar esperando alguém e eu não queria ter que
ser essa pessoa por coincidência, também não queria ter certeza de
que aquele devaneio da tarde anterior foi real.
Eu me virei para sair, mas ele me notou bem rápido.
— Se você não parar pra me ouvir, vou ter que planejar uma
maneira de fazer isso acontecer. E você não vai gostar.
CAPÍTULO 32
CATERINA SÁNCHEZ
Ameaças...
Eu me virei pra ele e quando nossos olhos se encontraram,
queimei com a lembrança da corrida.
A minha mente estava selecionando hipóteses para a
conversa.
— O que você quer?
O peito dele subia e descia fundo na camisa preta de mangas
longas.
A postura de quem tinha o total controle de tudo me fez
temer as suas próximas palavras.
— Soube do que aconteceu na boate. O que o Albarello fez.
— Ele andou sem pressa em minha direção. — Sei que se eu tivesse
procurado saber antes, as coisas teriam sido menos complicadas
entre nós, mas a partir de agora não te tratarei mais daquela forma.
Eu nem conseguia piscar.
Ele estava mesmo falando aquilo e daquela maneira?
Era ridículo.
Comecei a rir da sua seriedade e palavras.
— Tá bom. Ok. — Desviei dele e fui para a biblioteca com
uma vontade forte de gargalhar.
— Estou falando sério, Caterina. — Ele empurrou a porta
assim que passei por ela, não permitindo que eu a trancasse.
Sério?
Era o que mais me fazia querer rir, mas eu me contive, por
vergonha alheia.
— Você é mesmo um bastardo insensível. — Larguei a
maçaneta e levei o livro de volta para a estante onde ele estava
antes.
— Você ouviu o que eu falei? — Ele se exaltou.
— Ouvi e achei ridículo. — Encaixei o livro entre os outros,
então me virei para ele, vendo-o com as mãos no quadril. — Não é
como se eu esperasse algo diferente, por isso nunca contei a minha
verdade. Aposto que você só acreditou porque alguém da sua
confiança contou.
— Você não entende como é viver rodeado de gente que
constantemente tenta enganá-lo. Não é possível que o tempo que
ficou naquela boate não tenha sido suficiente para aprender como
aquelas putas se comportavam. Aquele dia não foi a primeira vez
que estive lá.
Uma justificativa de merda para mim.
— E era por essas experiências que você alegava me
conhecer? — soei irônica.
— Óbvio que não! — Ele deu um passo à frente, mas ainda
estávamos bem distantes.
Dei de ombros.
— Eu não sei o motivo de ter precisado avisar sobre sua
grande descoberta. Eu não me importo com o que você pensa,
apesar de que saber que odeia putas e me achar uma o faz sentir
repulsa. Isso me traz alívio.
Ele andou depressa em minha direção e eu me afastei o
máximo que pude, batendo as costas na estante.
Meu joelho estava pronto para acertá-lo, bastava ele me
tocar.
— Eu preciso porque não tive um dia de paz desde que te
encontrei naquela boate! — Ele bateu a mão nos livros, fazendo a
estante e eu tremer, e ali a deixou apoiada. Seus olhos escuros se
fixaram nos meus e me vi presa apenas por eles. Sua mandíbula
parecia mais marcada e rígida, e sua respiração era tão forte que
soprava em mim.
Eu sentia isso e os solavancos do meu coração no meio da
conversa acalorada.
Não conseguia respirar como ele.
Eu mal respirava.
— Você não entende que eu odiei te ver ali?
— Impossível alguém se sentir assim tão repentinamente.
— Eu estava te procurando. Tinha pessoas te procurando e eu
esperava te encontrar em qualquer lugar, menos ali.
Meus olhos saltaram.
Aquilo nunca passou pela minha cabeça.
Me procurando?
— Por que você estava me procurando? — Temi a resposta.
— Eu te vi outras vezes e... — Seu olhar recaiu nos meus
lábios.
— Não ouse — avisei firme, pronta para empurrar seu peito.
— Você não vai me convencer ou forçar a nada.
— Você retribuiu da última vez. — Ele voltou a olhar nos
meus olhos.
Merda!
Ele estava confirmando que não foi um devaneio.
Meu rosto esquentou por completo.
— Eu preciso que você saia da minha frente. Agora. — Usei
as palavras dele contra ele mesmo. — Você pode me chamar do que
quiser, mas nunca vou te dar o poder de me chamar de sua puta. —
Eu o empurrei com força e saí da sua barreira.
— Eu disse que não vou tornar a agir daquela maneira,
Caterina — ele falava mais alto e sua voz profunda se tornava mais
potente.
— Isso não faz diferença. — Voltei para a porta por onde
passei. — E só pra você saber. — Olhei para trás antes de sair. —
Nem mesmo se você tivesse procurado saber a verdade mais cedo,
faria alguma diferença.

Eu estava roendo as unhas como nunca as roí.


Onde aquele crápula tinha me visto?
Por que estava me procurando?
Eu não o procuraria para perguntar e ele não fazia o mesmo
porque fui bem clara nas minhas palavras, diferente dele, que não
falava nada com nada.
Ele tinha passado a semana treinando, coisa que nos meses
anteriores que passei ali não tinha acontecido.
Héctor havia voltado a ser um jóquei e a fofoca era que ele
competiria naquela temporada de corridas que os Barones fariam.
Para mim, aquilo não passava de uma disputa ridícula entre o
ego ferido dele e o Alonso.
Eu também já tinha sido direta sobre o que ele não deveria
fazer com o rapaz.
Sabia que era loucura desafiar e dar ordens àquele tipo de
gente, mas eu estava farta dele e àquela altura eu não me
importava com o que ele era considerado. Ele não tinha moral
nenhuma comigo.
Era apenas um ser humano desprezível.
A chegada da mãe de Serena fez com que ela ficasse um
pouco mais distante de mim, mas ela me apresentou à mulher.
Marcella era uma mulher jovem e bonita. Cabelo preto, olhar
marcante, corpo esbelto e atrevida como a filha.
Os Barones, exceto os filhos homens que mal viviam em casa,
estavam se mobilizando para tratá-la como uma rainha.
A motivação se chamava culpa.
Coisa que o Héctor não parecia sentir depois de tudo que fez
comigo.
Ele queria apenas seguir em frente.
Que ridículo me avisar sobre isso!
Os pais dele sabiam da minha história, Henrico sabia um
pouco, não dei detalhes porque me envergonhava estar naquela
situação.
Para alguém que parecia me odiar tanto e querer distância de
mim, ele poderia ter investigado e me entregado de bandeja para o
Albarello, se esse infelizmente continuasse vivo, ou alguém que me
castigasse da maneira mais próxima que ele quis fazer. Então não
era a pulseira o que o irritava, mas descobrir que eu trabalhava
naquele lugar.
Ok, compreenderia se ele pensasse como eu, porque também
odiava o fato de ter que trabalhar naquele inferno.
Mas ele não pensava que era ruim para mim e sim que eu era
uma pessoa ruim.
É claro que eu sabia o que as meninas faziam, que elas
mentiam e falavam tudo o que os homens gostariam de ouvir, faziam
tudo o que eles queriam, sempre em busca de mais e mais dinheiro.
Mas eu disse que não era isso e ele não me ouviu.
Uma prostituta em busca de benefícios não diria que não era
prostituta se isso a prejudicasse.
Héctor era burro e se achava o dono da razão.
— Caterina — Rita cochichou me acompanhando na cozinha.
— Soube do que vai acontecer esta noite?
— Não.
Uma noite de sexta-feira...
Eu não sabia o que iria acontecer além do que já costumava,
que era o jantar em família com as reclamações do tio Alejandro.
Até que ele andava bem distraído com outras coisas.
As corridas o distraíam muito.
Ela sussurrou a fofoca no meu ouvido e meu queixo caiu.
Era algo muito bom, mas inesperado para aquele momento.
— É verdade?
— Sim. Talvez a Bela te peça para colocar os belos arranjos
na mesa.
— Bem, se ela precisar, estarei no quarto.
Ela ficou para trás e segui para o meu quarto.
Ao entrar, encontrei uma caixa de presente enorme, em cima
da cama. Muito maior do que uma caixa de sapatos. Ao passar a
mão sob sua tampa senti o veludo cinza escuro dela. Parecia coisa
cara. O laço servia apenas para enfeite, não envolvia a caixa e eu a
destampei sem parar pra pensar no que poderia ser.
Em cima do papel acetinado, havia um cartão escrito:

“Hoje será uma noite muito especial.


Esteja presente com isto.”

Foi o suficiente para atiçar a minha curiosidade.


Suspeitava que era coisa do Henrico, mesmo ele nunca tendo
me dado nada, sabia da minha amizade com Serena e era um
convite decente para participar do momento. Levantei as folhas e vi
um vestido estampado, com o tecido mais leve e sedoso que já tinha
sentido. Ele era um pouco transparente e claro, com uma estampa
azul em folhas enormes, por dentro tinha um forro e pelo que dava
para entender do modelo, era justo no corpo, como um corpete, de
alças de fita de seda e a saia franzida, num comprimento que
deveria chegar perto dos meus joelhos.
Procurei a etiqueta de dentro.
Era tamanho P, perfeito para caber meus seios e meu quadril.
Eu não me importava se ficasse folgado na cintura, que era
bem fina, pois o presente me agradou muito e eu usaria com prazer
para prestigiar a grande noite da minha amiga.
Eu só não sabia o que faria quando chegasse lá vestida
daquela forma, pois nunca tinha me sentado com os Barone.
Só faria isso se alguém me chamasse na frente de todos.

HÉCTOR BARONE
Eu não esperava aquela reação de Caterina ao ouvir sobre o
que eu sabia. Ela foi tão fria e debochada que me fez sentir mal
como eu não ficava há tempos.
Seu desprezo imediato às minhas palavras deixou um gosto
amargo na minha boca, como se o que eu disse não significasse
nada para ela, e depois ouvi-la dizendo essas palavras e
confirmando a impressão que ficou só piorou tudo.
Descobri que Caterina era rancorosa.
— Eu não posso fazer nada quanto ao passado, agi da forma
que achei certo, porra! — expliquei para Serena.
Henrico não me ouvia porque estava focado demais
planejando suas surpresas, então resolvi buscar alguma informação
com ela.
Serena estava assistindo TV, fingindo que me ignorava,
quando eu sabia que ela estava ouvindo tudo.
— O que você espera ouvir de mim? Só posso dizer que é
bem-feito. Você maltrata muito a Caterina.
Era a única atitude possível para afastá-la de mim, o
problema foi que eu não consegui me afastar dela.
— Eu reconheço que fui péssimo e fiz isso conscientemente,
mas foi para o bem de todos. Aposto que você não foi aceita na
família Russo com facilidade. Se eu resolvesse me casar com uma
prostituta, meu pai me mataria ao pronunciar a última sílaba desse
aviso.
— Mas ela sempre disse que não era.
— Mas eu não podia acreditar nela, merda — rosnei baixinho,
louco pra sacudir aquela teimosa e ver se assim a ideia entrava na
cabeça dela. — Pergunta pra o Henrico. Ah, deixa, ele era virgem
antes de você, nunca esteve com nenhuma daquelas mulheres, mas
o Roman esteve com todas e ele já ouviu cada história emocionante,
que se fosse caridoso estaria fodido agora. Só o fato de ter
trabalhado lá, já me fez automaticamente desconfiar de tudo nela, e
tê-la encontrado num quarto com um homem só fechou a ideia do
que ela fazia.
— Por que não procurou saber dela nos primeiros dias? Só
agora, meses depois? — Ela se virou para mim. — Poderia ter
canalizado todo o seu interesse em buscar saber se ela dizia a
verdade e não ter atormentado a coitada. Ah, nem precisa
responder. É porque você é um psicopata.
— Eu preferi acreditar no que vi, merda — admiti
conformado, pois ela estava certa.
Eu deveria ter feito aquilo, mas a decisão que achei melhor
foi tentar tirá-la da minha vida.
— Você é muito burro.
— Isso é por eu ter te pendurado no teto? Porque eu não vou
pedir desculpas. Inclusive, se eu soubesse antes que você era quem
você é, teria feito aquilo assim que se envolveu com o traidor do
Cesare.
— Aí eu teria te agradecido, mas você fez isso quando eu
salvei seu melhor amigo. — Ela se sentou virada pra mim. — Você
vê como só faz merda? Você é péssimo com as pessoas que gosta.
— Eu nem gosto de você, Serena!
— Estou falando que salvei seu melhor amigo e você nem foi
grato por isso, e da Caterina.
Eu me recostei no sofá com um mal-estar estranho referente
ao assunto, como se eu tivesse cometido um erro incorrigível.
— Ela te odeia. Quando comentei que talvez você se
interessasse por ela, no hospital, fui expulsa do quarto. Ela sente
repulsa de você. Quando cito seu nome nas conversas, ela muda,
porque você é o gatilho para sentimentos ruins. Acho que o dia mais
feliz da vida dela será quando nunca mais te ver.
Porra!
O pior de tudo foi que Serena contou isso com a maior calma
e um leve pesar, que deu mais veracidade a tudo.
Eu tinha que admitir que fiz um bom trabalho atormentando
aquela mulher, pois era esse sentimento que pensei que restaria
entre nós dois.
Mas o resultado era unilateral.
Se eu era ótimo em fazer com que as pessoas me odiassem
ao torturá-las, atormentá-las, eu deveria ser péssimo em fazer o
contrário.
Nunca sequer tinha tentado.
Mas algo em mim dizia que não era tudo ódio o que ela
sentia. Durante o beijo e depois, quando conversamos na biblioteca,
enquanto ela me ouvia, sabia que uma parte dela me entendia.
Serena voltou a se sentar de frente para a TV, assistindo à
novela.
Eu sabia que deveria ir embora dali, que ela não tinha nada
bom pra dizer, mas eu precisava tirar uma dúvida.
— Mesmo depois do beijo?
— Oi? — Ela se virou pra mim.
— Mesmo depois do beijo, ela continuou sentindo repulsa de
mim?
Serena arregalou os olhos e suas sobrancelhas se levantaram.
Caterina não tinha comentado com ela sobre aquilo.
— Ok. — Eu me levantei com duas hipóteses em mente e me
afastei antes que Serena perguntasse demais.
Ou não tinha significado nada pra Caterina, a ponto dela
sequer comentar com a melhor amiga, ou ela não tinha coragem de
falar.
Independentemente do que ela tivesse em mente sobre mim,
cumpriria o que disse sobre o modo como a trataria e não deixaria
que saísse da minha vida.
Nunca.
CAPÍTULO 33
CATERINA SÁNCHEZ
Coloquei a roupa, mas não tive coragem de me aproximar
da mesa de jantar e fiquei com as outras meninas na cozinha.
— Vai lá, mulher — Rita insistiu. — Você ficou linda demais
nesse vestido pra ninguém ver.
— Acho melhor não. Ninguém me chamou formalmente. O
vestido só apareceu no meu quarto.
— Só apareceu? — ela debochou.
Rita sempre pensando besteira.
Com a cozinha silenciosa, pudemos ouvir as conversas.
— Meu Deus, Héctor, que mãos são essas? Olha Damon,
parece que estava trabalhando na lavoura. Não passa nenhum
creme? Eu tenho vários.
Eu odiava o que me causava ouvir o nome daquele bastardo.
Sempre me deixava em alerta, com frio na barriga.
— Como se você nunca tivesse treinado corrida. São as
cordas.
— Eu usava luvas. Você não usa?
— Não, Ramona. Eu gosto de sentir a corda nas minhas
mãos. As marcas são do meu esforço, mostram que eu não estou lá
por brincadeira.
Ele estava mesmo focado naquilo.
— Vocês homens...
— Será que encontrou uma paixão? — Damon o provocou. —
Ou só está fazendo isso pela mesma que te fez segurar um livro?
Segurar um livro...
Eu não deveria me colocar no lugar de motivação para isso,
mas foi impossível não pensar que ele tinha aprendido a cuidar das
plantas quando fiquei machucada.
Talvez aquela paixão fosse pelas plantas.
Eu não podia esquecer o que Héctor falava para mim, eram
provas de que ele sempre me odiou muito e quem sente isso não faz
nada de bom para o outro.
— Pense o que quiser, Damon. — A voz de Héctor não parecia
ter a mesma potência de sempre. — Quando o jantar vai começar?
— Quando o bajulador número 1 do Henrico chegar —
Damon cantarolou. — Você sabe que a partir de hoje a pressão em
cima de você será dez vezes maior, não sabe?
— Eu não preciso que você me alerte sobre o óbvio.
— Então cadê a Lucchesi?
Era outro nome que me deixava ansiosa.
— Deve estar na casa dela. Com certeza melhor do que eu,
que estou te ouvindo. — A voz dele ficou mais baixa e imaginei que
tinha se afastado muito.
Comecei a pensar que o seu comportamento estava ligado a
ela.
Talvez, estivesse tentando ser uma pessoa melhor com todos
para impressioná-la.
Como eu não o tinha encontrado durante aquela semana, não
podia dizer que tinha provas de que alguma coisa realmente mudou
entre nós. Eu duvidava que ele fosse me tratar bem, quando seu
prazer deveria ser em me ver acuada, constrangida e com medo.
Quando o tio Alejandro apareceu, soubemos por sua voz. Ele
parecia mesmo empolgado com o que poderia acontecer naquela
noite, enquanto a Serena achava que tudo não passava de uma
cortesia para sua mãe.
Eu não tive coragem de me juntar a eles.
Se fossem apenas o tio Alejandro, sua esposa, o Henrico,
Serena e a mãe dela seria uma coisa, mas tinha o Roman, alguém
que eu não tinha proximidade nenhuma, o Damon, que perguntava
demais...
E se ele me perguntasse o que eu fazia ali?
Seria o maior constrangimento da minha vida.
As meninas também eram como ele.
E tinha o Héctor, de quem eu queria apenas distância.
Poderia ser engraçado, antes ele exigir que eu ficasse bem
longe e naquele momento ser eu a pessoa que queria distância.
Enquanto o momento importante da noite acontecia, o
bastardo do Héctor observava o amigo com um cotovelo apoiado na
mesa e os dedos puxando a lateral de um olho enquanto serviam de
apoio para a cabeça.
A cara de pôquer de sempre.
A família Barone era animada quando o assunto era
relacionamento dos outros, quando citava eles, todos tinham algo
para reclamar.
— A felicidade que meus filhos ainda não quiseram me dar,
meu afilhado e Serena estão me dando — tio Alejandro alfinetou.
— Em minha defesa. — Damon levantou a voz. — Eu estive
noivo, mas acabou em tragédia. Henrico, por que não me dá a mão
da sua irmã e faz meu pai feliz duas vezes numa mesma noite?
— Não. — Henrico, que estava mais do que feliz, voltou a
ficar sério.
— E quem disse que eu quero? — Chiara indagou, fazendo
Damon desistir da conversa.
O Roman era o mais animado da casa.
— Eu sei que você tem esse probleminha de memória, pai,
mas eu também estou noivo.
— Você nem fez o noivado aqui! — tio Alejandro replicou.
— Eu tinha que pedir aos pais da noiva! Quando os seus
filhos mais velhos vergonhosos se casarem, faremos o meu noivado
aqui. Então não pense que não tenho pressa, pai. Eu sou a pessoa
mais apressada desse lugar. Tanto quanto a Ramona. Se eu pudesse,
chamaria um padre para realizar a cerimônia de casamento do
Héctor e do Damon com qualquer ser humano, silenciosamente
enquanto dormiam, ou amarrados no porão, onde não poderiam
fugir, apenas para chegar a minha vez.
Quanto desespero!
— E você, Héctor? O tempo está passando. Não é possível
que com tantas mulheres naquele baile você não tenha se
interessado por nenhuma.
Héctor torceu a boca e seu olhar me encontrou. Pensei em
dar por finalizada a noite e voltar para o meu quarto. Eu não queria
ouvir o seu pronunciamento.
Ele voltou a olhar para o pai.
— Eu sei a mulher com quem me casaria, pai.
Os pais dele vibraram e eu me mantive ali, curiosa para ouvir.
Eu deveria estar pouco me fodendo para aquilo, mas queria
saber quem era ela, a mulher que talvez recebesse o mínimo de
respeito que ele podia dar.
— Sabe? E por que não a temos aqui conosco?
— É a noite do Henrico.
— Ou por que dispensou a garota Lucchesi? — tio Alejandro
deu a opção que chocou a todos, inclusive a mim.
Como assim ele a tinha dispensado?
Eles estavam conversando após as corridas.
Héctor não disse nada, apenas ergueu a sobrancelha.
— Por que fez isso, Héctor? — A mãe dele não escondia o
desapontamento. — Vocês formariam um casal ótimo.
— Ótimo não está bom, mãe. Como soube disso? — Ele
encarou o pai.
— Você pensa que eu não tenho ouvidos em todos os cantos?
Héctor riu e tomou um gole da bebida que tinha na taça dele.
— Quem é a moça? — a mãe exigiu saber.
— Tenham calma.
— Calma? Héctor, fizemos tudo pra que você se decidisse.
Você já tem trinta e três anos e não se importa com isso. O seu pai
já tem mais de setenta, precisa se aposentar dessa responsabilidade
e ninguém no conselho confia que você seja minimamente sensível.
— Bela estava exaltada como nunca havia visto. — E não diga que
não precisa da aprovação deles, porque precisa. Você precisa do
apoio de todos, não vai fazer nada sozinho. Você tem que se casar,
ter filhos, alguém com quem se importe além de si mesmo!
— Eu vou, mãe! Eu me importo, merda! — Héctor rosnou. —
Vocês querem um casamento? Ok. Eu vou me casar com a mulher
que eu escolhi.
— Então traga essa mulher — o pai dele pediu farto e Héctor
apontou para a direção onde eu estava.
— Ali está ela.
O sangue se agitou por todo o meu corpo enquanto cada
pessoa sentada na mesa olhou para mim.
Aquilo não poderia estar acontecendo.
Héctor se levantou e enquanto ninguém falava nada, veio ao
meu encontro.
Eu não conseguia acreditar que ele estava fazendo aquilo. Foi
a mesma coisa que aconteceu com a Serena, o Cesare a escolheu
para irritar a própria família e Héctor parecia estar tentando fazer o
mesmo comigo.
Ele nunca aparentou ter inseguranças e não foi diferente
quando parou na minha frente e agarrou o meu braço.
Eu balancei a cabeça em negação, me vendo assustada em
seus olhos.
— O que significa isso, Héctor? — A voz do pai dele soou
como trovões e me fez tremer.
Héctor se virou para todos na mesa, segurando o meu braço.
— Ela é a minha escolhida.
Eu vi o Damon e a Ramona rindo e o Henrico e Serena se
encarando de olhos arregalados, mas a negação do pai dele era o
que mais me envergonhava.
— Você quer se casar com Caterina?
— Isso mesmo.
Tio Alejandro olhou para mim, apoiando o braço na mesa,
com o olhar de estranhamento.
— Caterina?
— Eu não quero me casar com ele! — Libertei meu braço do
toque dele e a única coisa que pensei em fazer e que consegui foi
fugir para o meu quarto.
Tranquei a porta e não consegui raciocinar, apenas lembrar do
que tinha acabado de acontecer, as vozes e os olhares.
Héctor andando em minha direção, segurando o meu braço, o
espanto de todos...
Eu me perguntava por que ele fez aquilo e antes que
procurasse uma resposta, as vozes ressoavam novamente em minha
cabeça.
Eu me sentei na cama e apertei meu rosto.
Encarei o chão pelo que pareceu durar horas, repassando
tudo em minha mente, cada palavra.
Então bateram à porta e imediatamente pensei que era ele,
Héctor e seu novo plano para fazer o inferno na minha vida.
— Caterina? — Era Ramona quem chamava.
Eu me levantei, completamente desnorteada, e abri a porta.
Encará-la foi como renovar a vergonha que eu sentia por ter
passado por aquilo na frente de todos.
Ela parecia sem graça, assim como eu.
— O meu pai quer falar com você.
Era o meu fim.
CAPÍTULO 34
CATERINA SÁNCHEZ
Eu parecia uma criminosa indo para o interrogatório,
trêmula, afinal não tinha ideia do que falar para justificar a loucura
que Héctor tinha feito, mas sabia mais ou menos o que iria ouvir.
Todos tinham parado de jantar para entender a ideia de
Héctor. Quando passei pela sala de jantar na companhia de Ramona,
eles estavam dispersos, fomos para a outra sala e entramos no
escritório.
Eu nunca tinha entrado lá sendo o problema da conversa.
Tio Alejandro estava sentado no sofá, puxando o próprio
cabelo e ficamos a sós assim que Ramona trancou a porta atrás de
mim.
— O senhor queria falar comigo? — perguntei baixinho.
Eu tinha medo dele, por mais que tivéssemos uma boa
relação, era a pessoa que me mantinha segura de tudo e todos, e
sem o seu apoio eu estaria fodida.
— Sente-se, Caterina. E me conte o que anda fazendo com
Héctor.
Eu não me sentei no sofá à frente dele, desabei com as
pernas falhas depois do pedido.
— Eu não ando fazendo nada com o seu filho. Eu juro. —
Minha voz embargou muito rápido, assim como a minha visão ficou
turva.
Eu sentia tanto medo de ser mandada embora dali por causa
de uma besteira e acabar nas mãos de outro maluco que me fizesse
o mal pelo qual vinha me livrando ali.
— Vocês se conheciam antes de você estar aqui?
— Não! Eu nunca vi esse homem antes da noite que vim
parar aqui. E ele nunca me tratou bem. Não sei o motivo dele ter
dito que queria se casar comigo, mas com certeza não foi com uma
boa intenção. Não me mande embora, por favor — implorei
chorando. — Eu não sei como está lá fora. Eu não tenho ninguém.
Ele não se comovia com minhas lágrimas, embora eu não
esperasse isso. Estava em prantos por medo, muito medo.
— Caterina, eu gosto muito de você, mas não posso aceitar
que se case com o meu filho.
O olhar severo dele acabava comigo.
— Eu não quero me casar com ele, tio Alejandro! Isso é
loucura da mente maléfica de Héctor.
Ele deveria saber que nunca nos demos bem.
Ele não via aquilo?
— Héctor faz muitas coisas erradas, mas não vou deixar que
desta vez ele consiga o que quer. Caterina, eu vou confiar na sua
palavra mais uma vez, porque você nunca mentiu para mim, mas se
vê-la afastando Héctor do caminho que ele deve seguir, será o seu
último dia aqui e não te protegerei de nada. Então trate de acabar
com qualquer coisa que exista, se existir, e volte a fazer o que
deveria neste lugar.
— Não existe e eu prometo que não vou ficar mais longe
ainda dele. Não vou te decepcionar. — Passei a mão no rosto,
limpando as lágrimas, e me levantei ainda soluçando.
Eu estava recebendo uma segunda chance por um erro que
não cometi.
Na minha mente só passava maldades pelas quais Héctor fez
aquilo. Estava claro o que ele queria ao dizer que se casaria comigo
e por pouco ele não conseguiu.
Ao sair do escritório, me deparei com a Bela virando uma taça
de champanhe na boca.
Ela olhou para mim, transtornada.
— Que história é essa, Caterina?
— Não existe história, senhora Barone.
— Não é o que Héctor disse.
Ele estava mesmo disposto a acabar com a minha vida ali.
Eu quis chorar mais por estar ciente disso.
— Não existe nada — assegurei e sem coragem de encarar
mais ninguém, fui às pressas para o meu quarto.
No fim do corredor dos funcionários, onde tinha a nossa sala,
vi a figura turva de alguém e limpei as lágrimas para enxergar
melhor.
Era ele.
— Você! — Fechei o punho e corri na direção dele, acertando
seu peito com socos. — Você quer acabar com a minha vida, não é?
Admita que fez isso só pro seu pai me mandar embora daqui!
Ele segurou meus braços e me fez parar.
— Ele disse isso? Ele vai te mandar embora? — As linhas
entre as sobrancelhas dele ficaram mais profundas.
De novo, eu estava com lágrimas demais nos olhos para
conseguir vê-lo com nitidez.
— Vai se você não parar. Mas é claro que não vai, não é?
Você me odeia tanto que só vai parar quando eu estiver bem longe
daqui.
— Se eu te odiasse, não teria falado aquilo.
Eu ri com escárnio.
— Eu não brinquei, Caterina. Eu quero que você se case
comigo.
— NUNCA! Eu nunca vou me casar com um monstro feito
você!
— Precisamos conversar. Direito. Me escuta, pelo menos uma
vez.
— Eu já te escutei demais. — Arrastei meus braços e sequei o
rosto com eles. — E tudo que ouvi foi ruim. Eu não preciso que
reforce nada.
— Eu te vi naquele casamento. Você usava um vestido
parecido com esse, mas tinha flores vermelhas. — Ele ficou de
costas para mim e andou pela sala.
Seria o momento perfeito para ir embora dali e deixá-lo
falando sozinho, mas eu sabia do que ele estava falando e não
conseguia me lembrar se o vi naquele lugar também.
— Era um casamento nobre, achei que era uma convidada e
quando mandei que a procurassem, você tinha ido embora. Então eu
mandei procurarem saber quem era você por dias. — Ele pegou um
enfeite no aparador da sala.
— Por quê?
— Porque eu queria te conhecer. — Ele olhou para mim por
cima do ombro. — Eu precisava de uma esposa, aquele lugar era
adequado para conhecer pessoas e eu me interessei por você.
Depois de ter tantas conversas ruins com Héctor, era difícil
acreditar que aquela história era verdade.
Ele me viu e se interessou por mim?
Héctor Barone?
— Eu não sei se você sabe o quanto as famílias aqui são
tradicionais, muitas coisas são cobradas, por isso que muitos
casamentos são feitos com pessoas que sequer se interessam pelo
outro. Quando tem a chance de escolher, às vezes ignoram algo que
está fora do esperado, mas nem o homem nem a família mais liberal
poderia ignorar o fato da mulher ser uma prostituta.
Meus olhos já estavam secos a essa hora.
O caminho da sua história dava fácil para o que vivemos, eu
só não compreendia a intensidade dele.
— Eu te odiei muito mesmo, Caterina. — Ele largou o enfeite
e voltou sem pressa para onde estava antes, na minha frente. — E
cada vez que eu te irritei, te magoei, te chamei de puta foi
proposital. Eu queria que você sumisse da minha vida porque não
conseguia lidar com o azar que foi me apaixonar por você, sendo
quem era.
Eu estava incapaz de falar alguma coisa, suas palavras eram
tão chocantes quanto as que disse durante o jantar.
— Eu consegui te afastar, mas não consegui me afastar de
você. E você já sabe o porquê de eu não ter procurado saber se
falava a verdade antes. Eu preferi abraçar esse inferno que era ter
você sob o mesmo teto que eu, completamente proibida pra mim. E
se eu procurasse saber e fosse verdade?
— Como teve coragem de dizer que me conhecia? Se me
conhecesse, saberia que eu jamais me prestaria a esse papel.
Ele concordou comigo.
— Eu quero te conhecer e quero que me conheça.
— Pois eu não.
— Caterina, sei que não sou uma boa pessoa. Eu não fui e
talvez nunca seja, porque a verdade é que a única coisa em que sou
bom é em ser mal, mas você me desperta coisas que outras pessoas
nunca despertaram.
— Foda-se, Héctor! Eu não vou me comover com esse
discurso. O que você acha que vai conseguir com isso? Você nem
sequer se arrepende do que fez comigo.
Ele fechou os olhos bem apertados.
— Eu não sou bom em pedir desculpas, merda! Mas eu posso
me esforçar pra ser melhor com você.
Os olhos negros me acertaram em cheio.
Eu gostaria de acreditar, mas era impossível.
Balancei a cabeça em negação.
— Casa comigo, Caterina. — O pedido soou desesperado.
Ele estava baixando a guarda, mas eu não faria o mesmo.
Não tinha motivos.
— Pra quê? Me casar com alguém que só sabe me machucar?
Héctor, eu já conheci pessoas desprezíveis, que se disfarçavam de
boas para depois mostrar sua verdadeira face, mas você nem se
esforça. Você é um monstro. Já me machucou e me ameaçou tanto
desde que cheguei aqui que o sentimento mais forte que tenho por
você é a mágoa. — Meus olhos nadaram em lágrimas mais uma vez.
— Eu jamais faria com você as coisas que disse. Eu só queria
que ficasse longe.
— Conseguiu. Você tem razão quando diz que é ótimo em ser
mal, porque você é. Eu não quero você perto de mim, Héctor. Quem
está apaixonado não faz o que você fez comigo. Não me procure
mais. Me deixe em paz. — Dei as costas a ele e fui para o meu
quarto quase correndo, para entrar e poder trancar a porta antes
que me seguisse.
Quando estava sozinha, fiquei encostada na porta e chorei,
escorregando até chegar ao chão, onde cobri o rosto e derramei
todas as lágrimas que queriam cair.
Era difícil acreditar que enquanto ele me desprezava, me
chamava dos piores nomes e fazia aquelas ameaças
amedrontadoras, estava apaixonado por mim.
Aquilo era doentio e nada do que ele me prometesse iria
mudar o que pensava dele.
Héctor era tóxico, um monstro.
CAPÍTULO 35
HÉCTOR BARONE
Depois que Caterina me disse aquelas coisas, todo o resto
que falaram para mim naquela noite foi como sussurros quase
inaudíveis.
Aquela mulher me odiava, me desprezava e não queria se
casar comigo.
Eu não era tão arrogante a ponto de esperar que Caterina
aceitasse de primeira, mas achei que depois de falar que me
apaixonei por ela antes de encontrá-la naquela boate mudaria
alguma coisa.
Eu já levei tiros, facadas e choques, mas nada me incomodou
tanto quanto as palavras dela.
Não houve um momento sequer na nossa conversa em que
ela tenha soado comovida com o que eu disse.
O vestido que dei a ela foi devolvido ainda naquela noite.
Tinha o cheiro dela e acabei deixando na cama comigo, mas não
consegui dormir direito e acordei no sábado com uma enxaqueca
terrível.
Parecia que eu tinha lutado box com dois pitbulls, perdi, mas
sobrevivi.
Eu tinha o costume de passear com o meu cachorro todas as
manhãs.
Era raro não fazer isso.
Quando saí para buscá-lo naquela manhã, encontrei Henrico
se aquecendo.
— Hum. Achei que estaria fodendo a noiva uma hora dessas.
Henrico era muito certinho mesmo.
A coisa mais errada que ele fez na vida foi colocar chifres no
Cesare.
Ele não quis falar nada, apenas ficou me encarando com o
cenho franzido.
— Eu não podia te procurar ontem à noite. — Ele parou de
pular. — Aquela história acabou com o jantar. Eu fiquei com a
Serena. Era nosso noivado.
— Tudo bem. — Guardei as mãos no bolso do casaco. — Eu
não queria ver ninguém mesmo e já tinha gente demais no meu
ouvido.
Ele me acompanhou em uma caminhada lenta para a casinha
do cachorro.
— Eu sei que não ajuda, mas aquilo foi loucura, Héctor. Você
não deveria ter agido no calor do momento.
— Ela seria a escolhida de qualquer forma.
Sim, eu me senti muito pressionado e isso me encorajou a
tomar aquela decisão, mas não era uma dúvida para mim.
— Você sabe que mesmo que ela não seja uma prostituta,
ainda não é a mulher com quem um capo se casaria, Héctor. Ela
nem tem família, e quando tinha era só ela e o pai viciado em jogos,
endividado. Caterina é apenas uma florista com muitos problemas. A
pessoa errada pra você.
— Foda-se tudo isso! Eu não me importo. Tudo que eu fiz nos
últimos meses para esquecê-la não serviu para nada além de plantar
nela um ódio e desprezo assustador por mim. Você tinha que ver
como ela falou comigo, Henrico.
— Eu disse que essa obsessão já tinha passado do limite. Ela
é uma boa moça, eu concordo. Tive a oportunidade de conhecê-la
melhor quando você me colocou de guarda dela, mas isso não muda
o fato de que você será o chefe dos negócios da família e precisa se
casar com uma mulher à sua altura, fazer uma aliança poderosa.
Você tem sorte do seu pai ter permitido que escolhesse por si só.
— O motivo pelo qual querem que me case é pra mostrar que
sou um homem com o mínimo de sensibilidade. Se eu não me casar
com quem eu tenho apreço, não me vejo fingindo que me importo
com qualquer outra mulher.
Ele balançou a cabeça em negação.
— Eu não sei como posso te ajudar com isso, Héctor. Você é
muito teimoso.
Ri de mim mesmo.
— Acho que estou pagando por muitas coisas que fiz.
— Se tivesse, seria muito pior do que levar um fora.
— Você não sabe o peso que ele tem. — Abri a casinha e
Thor pulou para fora, quase me derrubando ao apoiar as patas no
meu peito. — Vamos passear, Thor?
Ele sempre ficava eufórico quando eu aparecia logo cedo.
Thor começou a cheirar meus braços enquanto não
começávamos a caminhar.
— Posso saber o que você vai fazer agora que esclareceu
tudo com ela? — Henrico fechou a porta da casinha.
O que eu ia fazer?
Eu ainda estava refletindo sobre as coisas que ouvi.
— Eu não sei, Rico, mas já sei que esquecê-la não é uma
possibilidade.

CATERINA SÁNCHEZ
Implorei para que o tio Alejandro me deixasse naquele lugar,
mas depois da conversa que tive com Héctor sentia que todo o
ambiente havia mudado. Todos os cantos, até mesmo a estufa, me
causavam mal-estar.
Eu me sentia deslocada e indesejada ali, mas com todos os
meus outros problemas fora, esperava que fosse apenas uma
sensação passageira pela recente confusão.
Quando Serena me procurou no sábado, na estufa, seu
humor oscilava entre o sorriso de felicidade e pressionar os lábios
em lamento.
— Como você está?
— Me sentindo deslocada. E você? — Eu me virei para ela
tirando as luvas.
Ela levantou a mão e mostrou o anel de noivado.
Sorri, feliz por ela e a abracei.
— Parabéns. Você merece muito ser feliz, Serena.
— Obrigada, mas você também merece. — Ela se afastou de
mim. — Todo mundo ainda está em choque com a decisão do
Héctor.
— Não foi uma decisão. Héctor agiu por impulso e eu nunca
vou me casar com um tipo como ele.
Nem consegui dormir na noite anterior, com raiva dele.
Deduzi que quem tinha me dado aquele vestido tinha sido ele
e mandei que Rita o devolvesse ao dono.
Eu não queria nada daquele bastardo.
— Quando ele conversou mais cedo comigo, não imaginei que
ele teria coragem de fazer aquilo. Eu disse ao Héctor que você o
odiava, então ele disse que vocês se beijaram. Isso é verdade, Cate?
Merda!
— Foi ele! Foi ele quem me beijou. Mas isso não faz
diferença. — Andei de um lado para o outro no corredor. — Como
ele tem a coragem de dizer que estava apaixonado por mim,
enquanto planejava com a maior maldade arrancar a minha mão
fora, Serena? — Eu me lembrei da primeira noite, quando estávamos
no carro, que ele deu aquele sorriso sádico contando essa ideia para
Damon. — Aquela pessoa não sentia nada bom por mim.
— Eu disse pra ele que só sabe maltratar quem gosta. Mas
bem que eu desconfiei que existia alguma coisa por trás de tanta
perseguição.
— Serena, quem gosta de alguém não faz nada do que ele
fez comigo. Um dia, quando pedi para não me tocar, ele disse que
nunca procuraria uma putinha refugiada, como eu, pra sexo. —
Dizer aquilo em voz alta me lembrou do que senti naquele dia e me
deixou com vontade de chorar de raiva. — Como alguém que está
apaixonado despreza a outra pessoa dessa maneira? — questionei
com a voz embargada.
Serena bufou.
— Ele não te merece mesmo, amiga. O que vai fazer agora?
— Eu já disse pra ele ficar longe de mim. O tio Alejandro falou
que se eu atrapalhar o caminho do filho e, vai me mandar embora
daqui sem proteção nenhuma. Ele disse que não sou mulher para o
filho dele. — Engoli o nó na garganta.
Sabia que não era de boa família, não tinha dinheiro e não
pretendia ser nora dele, mas ainda doeu ouvir alguém dizendo que
eu não era boa suficiente.
— Vai ser melhor assim. Eu vou perguntar para o Henrico se
ele sabe como estão as coisas em Madrid. Vou pedir para ele
investigar e se tudo estiver bem, te contarei.
— Seria ótimo. Eu queria ir embora daqui, Serena, mas tenho
medo do que me espera lá fora.
— Vamos pensar em alguma coisa. — Ela segurou minhas
mãos. — Vai ficar tudo bem.
Balancei a cabeça com a esperança de que ficasse mesmo.

Depois da ideia de casamento de Héctor, eu não tinha mais


coragem de circular pela casa dos Barones sem ser obrigada por
alguma tarefa. Não queria encarar a mãe dele, que pelo que soube,
estava inconformada com a teimosia do filho. Ela queria que ele se
casasse com a filha da amiga dela e estava certa, pois Hannah tinha
tudo o que precisava para se casar com o futuro chefe dos negócios
da família.
No domingo, acordei bem cedo para cuidar da horta e depois
de um bom e tranquilo tempo ali, fui surpreendida por latidos,
seguidos de um cão enorme que corria em minha direção.
Eu estava agachada em frente ao pé de alface e caí sentada
no chão quando o animal se aproximou de mim.
— THOR! PARE!
A voz grossa e forte de Héctor me fez estremecer e o
cachorro parar.
Meu coração não batia tão depressa há algum tempo.
O animal enorme ficou olhando para mim, então me cheirou e
lambeu meu braço, logo depois o corpo do dono do cachorro passou
na frente do sol e segurou a corda da coleira.
— Vem, Thor. Você não pode entrar aqui.
Ele tinha destruído as plantas pelo caminho que fez.
Eu não conseguia me mexer com medo de levar uma
mordida. Aquele animal me mataria fácil.
O cachorro não queria obedecê-lo.
— Vamos, seu teimoso — Héctor insistiu e o afastou o
suficiente para que eu tivesse espaço para me levantar. — Levanta.
Ele não vai te morder.
— Quem garante? — Eu o encarei e o pomo de adão dele
subiu e desceu.
Era uma das poucas vezes que o via com o cabelo
desalinhado, mas, dessa vez, eu carregava muito mais mágoa para
achar o detalhe charmoso.
— Ele conhece o seu cheiro. Não vai te atacar.
— Como ele conhece o meu cheiro se nunca chegou perto de
mim? — Eu me levantei e limpei o que pude da terra que grudou no
meu corpo.
— Talvez por que você deixou o seu vestido no meu quarto e
eu não consigo mandar lavá-lo ou devolvê-lo? — Ele ergueu uma
sobrancelha e eu quase me engasguei com a saliva.
À medida que meu rosto esquentava, eu afastava meu olhar
dele.
— Eu não quero nenhum presente seu. Faça o que quiser
com ele. Agora pode sair daqui com seu cachorro?
— Vamos, Thor. — Ele puxou o cachorro e, dessa vez, Thor o
acompanhou. — Você não me ajuda, não é? Olha a bagunça que
fez!
Realmente tinha feito uma bagunça grande, e eu teria muito
trabalho para consertar tudo.
Tentei fazer isso enquanto me perguntava o que diabos ele
andava fazendo com aquele vestido.
CAPÍTULO 36
HÉCTOR BARONE
Uma semana depois da confusão que foi falar que queria
me casar com Caterina, compreendi que não importava o que eu
fizesse, sempre estaria errado.
Era sábado, dia de corrida, e enquanto eu me vestia para ir
ao hipódromo, minha mãe sondava a minha vida como se eu não
soubesse que ela andava de olho em mim a semana inteira, assim
como o meu pai.
— Eu não fui atrás dela. Vocês não viram que passei a
semana treinando? Sequer fui a cidade. Tudo o que tinha pra fazer, o
Damon e o Henrico fizeram por mim, pra que eu pudesse me
preparar pra hoje.
— Héctor, você é adulto, entende a importância de certas
coisas, não é? Como o seu casamento. Você não pode se casar com
uma pobre coitada quando tem a oportunidade de se casar com
uma mulher de família tão rica e poderosa quanto a nossa.
— Esse não é o caso dos Lucchesi. — Calcei os sapatos.
— Não, mas eles são uma boa família. Achei que tinha se
dado bem com a Hannah.
— Nos demos tão bem que chegamos à conclusão de que não
daríamos certo. — Eu me levantei e parei na frente dela.
A mulher já estava até com chapéu na cabeça, para assistir às
corridas ao lado das amigas que só via nessas épocas.
— Mãe, você e o meu pai tiveram sorte de se casarem com
pessoas por quem se apaixonaram, mas eu acho que esse não é o
meu caso.
— Você não sabe.
— Eu sei sim, mãe, porque meses atrás eu não suportava
ouvir a palavra casamento e agora eu faria isso. E não me importo
com o que vocês acham. Só não a procurei porque ela me pediu
distância. Se aquela mulher tivesse aceitado o meu pedido, vocês só
poderiam aceitar. — Dei tapinhas no braço dela vendo que o choque
das minhas palavras a deixou muda. — Com licença, eu tenho uma
corrida pra ganhar.
Respeitei o pedido de Caterina e me mantive longe mais do
que imaginei que conseguiria. A única vez que a encontrei, foi
quando o Thor correu atrás dela e trocamos poucas palavras. Vi que
ela não tinha mudado nada desde a nossa conversa, estava fria e
apenas quando falei da roupa a vi corando.
Um simples sinal pra me dar um pouco de esperança.
Sempre que queria uma mulher, elas me atendiam facilmente,
era apenas dar a ordem.
Mas eu não era burro pra pensar que depois de tudo que fiz
contra ela, sabendo o que sentia, iria aceitar tudo o que eu falasse.
Eu nem sabia como lidar com alguém como ela, muito menos
como consertar toda a merda que fiz.
O meu plano básico era não dar mais motivos para ela me
odiar.
A essa altura eu não sentia raiva de mim por ter me
apaixonado por Caterina, afinal era impossível não sentir isso
quando até com raiva ela era perfeita aos meus olhos.
Mas me sentia menos homem por não saber o que fazer para
mudar a minha situação com ela.
Fui para a corrida com o Henrico, em um dos carrinhos.
— Você tem certeza de que vai participar disso?
— Pelo amor de Deus, Henrico! Já é a milésima vez que você
pergunta isso só essa semana! Claro que vou.
— O problema é que você é um mau perdedor e ainda está
no processo de limpeza de imagem.
— Eu não vejo necessidade de limpar minha imagem quando
o que mais um chefe deve causar é medo e então respeito.
— Errado.
— Foda-se, Henrico!
Ele era correto demais para compreender meu ponto de vista.
— Eu vou ficar perto de você. De olho.
— Eu não estou pedindo por isso.
Era só o que me faltava, Henrico virar o meu vigia!
— Faça isso com a Serena. Com o histórico que ela tem,
precisa ser vigiada vinte e quatro horas por dia. Aliás, onde ela está?
— Já foi com as garotas.
— Então a procure e fique perto dela. Nada de ficar me
seguindo, Rico.
Ele não disse mais nada e assim que chegamos ao
hipódromo, avistei Alonso conversando com uma mulher. Eu só
consegui ver a saia do vestido dela balançando com o vento, pois ele
estava na frente, mas tive certeza de quem se tratava.
Ele não perdia tempo.
Já estava conversando com Caterina.
Eu nunca fui um homem inseguro, mas saber que a mulher
por quem eu era apaixonado me odiava e poderia facilmente
começar a namorar outro, fez com que o medo disso acontecer
fosse maior que o ciúme.
Assim que coloquei os pés para fora do carrinho, Henrico
segurou meu braço.
— Você não está louco.
— Eu não vou atrás deles. — Eu ia sim. — Não quero dar
motivos pra ela querer ficar com esse idiota.
— Ela realmente anda operando milagres em você, mesmo
assim vou ficar te observando de perto.
Abandonamos o carrinho e entramos no lugar. Não tinha
como passar longe deles, já que conversavam próximo à entrada.
Eu queria arrastá-lo pelo ombro e socar sua cara de palhaço
até ele compreender que não levaria nada da nossa propriedade.
Nem dinheiro, nem medalhas ou troféus, nem a minha futura
esposa.
Foi Henrico quem chamou a atenção deles.
— Alonso. Pronto para mais uma corrida?
Quando ele se virou para cumprimentar meu amigo, pude ver
o rosto de Caterina, que não escondia em nada o desconforto em
me ver.
Eu não lembrava do momento em que ela tinha se tornado
tão audaciosa, mas sabia que foi bem antes da história do
casamento.
Caterina estava muito bonita com um dos vestidos que antes
me despertava revolta por achar que ela não era apenas a moça
sorridente das flores, com um passado obscuro. Mesmo vendo-a
puro ódio, eu me sentia feliz por saber que ela era apenas a garota
por quem me apaixonei.
Feliz, porra!
— Então, vai competir mesmo nessa temporada? — Alonso
estendeu a mão para mim e apertei.
— Com certeza.
Ele sorriu.
— Espero que tenha treinado bastante nas últimas semanas.
Alonso não tinha noção do quanto eu estava sedento para
vencê-lo e falar isso só alimentou o monstro competitivo que
habitava em mim.
Ele estava alimentando muitos sentimentos ruins em uma
única pessoa.
Quando olhei para onde Caterina estava, não a vi parada, ela
já ia longe, subindo para onde outras mulheres da casa estavam.
— Boa sorte, Alonso. — Apertei mais a mão dele e o puxei
para perto. — E não a procure mais.
— Quem?
Como se não soubesse...
— Se eu te encontrar tocando em Caterina, não vai sobrar
mãos pra segurar as cordas do cavalo. — Eu o larguei e sorri para
ele.
Henrico me afastava enquanto eu assistia ao medo
transpassar o rosto de Alonso.

CATERINA SÁNCHEZ
Assistir aquela corrida era como reviver o sábado em que a
outra aconteceu, mas dessa vez os dois minutos de corrida me
deixaram com o dobro de ansiedade e no final dela eu não sabia de
novo se ficava aliviada ou triste.
Ramona pulou comemorando que Héctor tinha ganhado com
seu famoso cavalo puro sangue.
Héctor tinha treinado muito e enquanto alguns jóqueis caíam,
outros cavalos tropeçavam, ele conseguiu deixar todos para trás e
chegar em primeiro.
Era curioso como o cavalo dele continuava veloz com um
homem acima do peso comparado aos que os homens costumavam
ter para participar dessas corridas. Eu havia aprendido aquilo, contra
a minha vontade, ao ouvir Ramona analisando as chances do irmão.
Parece que os jóqueis costumavam ter perto dos sessenta
quilos.
Héctor tinha mais de setenta, embora não parecesse.
Ele era alto e tinha músculos bem mais definidos que o
Alonso e os outros corredores.
Mas ela disse que o cavalo poderia estar acostumado com ele,
já que treinaram muito.
Admito que não estava torcendo para aquele cretino, mas
temia que se ele não ganhasse, eu tivesse que intervir mais uma vez
por medo dele fazer alguma coisa com Alonso, já que quando o viu
na entrada do hipódromo, não parecia nada amigável.
Parecia querer ser muito uma “pick me girl[4]”, mas não era
nada disso.
Apenas medo mesmo.
Quando ele desceu do cavalo, eu o vi pela primeira vez sendo
carinhoso com um ser vivo.
Não que ele não parecesse ser com o cachorro, mas com o
cavalo era bem mais visível.
— Mesmo de coração partido, ele venceu. — Chiara estava
admirada.
Eu não podia acreditar que ela estava falando aquilo. Não
tinha nada de graça essa coisa do coração partido e ela não sabia
como era porque nunca tinha sofrido com um homem.
Ramona se sentou do meu lado, se abanando com um leque.
— Escuta, Caterina. Se o meu irmão te ameaçar pra se casar
com ele, pode falar pra mim, porque vou contar pro nosso pai.
Me ameaçar pra se casar?
Era a cara dele, mas depois de tudo o que eu disse, pedi
distância, só se ele não tivesse o mínimo de respeito por mim para
insistir naquilo.
— Ele não vai fazer isso.
— Mas me avisa se fizer. — Ramona continuou a se abanar.
De onde estávamos, dava para ver o Alonso. Ele chegou em
segundo e não parecia nada contente. Muita gente tinha apostado
no cavalo dele. Eu o vi saindo da pista e se juntando ao tio Alejandro
e os outros homens que estavam com ele.
Todos sabiam que Héctor iria competir, mas acho que muita
gente acreditou que ele ia perder mais uma vez.
Esperei até que tudo terminasse para falar com Alonso.
Queria parabenizá-lo pela corrida.
Ele parecia tão distraído, que quando me encontrou tomou
até um susto.
— Oi, Caterina.
— Tudo bem? — Analisei suas feições.
Ele murmurou que sim enquanto balançava a cabeça.
— Você foi bem. Uma pena não ter pegado o primeiro lugar.
Achei que correria nos outros páreos.
— Desta vez tinha jóqueis suficientes. — Ele suspirou e olhou
ao nosso redor. — Caterina, me conta uma coisa.
— Sim.
— Você e o Héctor, existe algo? —A tensão na sua testa me
fez concluir que ele estava preocupado com isso.
— Não! — Era automático eu responder com espanto. — Eu
não tenho nada com ele.
— Que bom, mas tome cuidado. Ele não é uma boa pessoa,
Caterina. Héctor não tem boa fama aqui e em lugar nenhum, e
nenhuma das histórias horríveis que contam sobre ele é mentira.
Você não merece sofrer por causa dele.
— Eu sei disso e sempre mantenho distância.
Ouvir o óbvio de alguém que realmente se importava comigo
renovava a minha preocupação, mas eu tinha controle daquela
situação, ele não me forçaria a casar nem a fazer outras coisas.
— Mesmo assim, redobre a atenção. — Ele olhou mais uma
vez ao nosso redor, como se temesse que alguém o visse. — Agora
tenho que ir.
— Até o próximo sábado. — Sorri e acenei enquanto ele se
afastava.
Não queria que ele ficasse preocupado com isso. Tinha outras
coisas que mereciam a atenção dele e eu não pretendia ser uma
distração para ninguém.
Ele apenas acenou e sumiu entre as pessoas.
Resolvi procurar Serena, afinal fomos para o hipódromo
juntas e combinamos de voltar juntas também.
Eu a encontrei apenas porque usava vermelho, e quando a
alcancei, vi Henrico, Ramona e Héctor fazendo companhia a ela.
Héctor não se esforçava para fingir que não me via. Ele ficou
me encarando, mesmo eu o ignorando enquanto conversava com
Serena. Podia vê-lo pela visão periférica e isso fazia com que minhas
orelhas queimassem.
— Já vamos. Espera um minutinho. — Minha amiga estava
agarrada ao braço do noivo.
— Ok. — Encarei a pista e até procurei Alonso entre todos.
Eu imaginava que ele deveria ter levado alguma bronca por
não ter vencido a corrida.
— Não vai me parabenizar por ter vencido a corrida? —
Héctor perguntou.
Senti que era direcionada a mim, então olhei para ele, para
confirmar. Ele esperava a resposta me encarando com uma
sobrancelha erguida.
— Quem? Eu?
— Claro.
— Não. Nem era pra você que eu estava torcendo. — Dei as
costas a ele. — Serena, vou esperar em outro lugar.
CAPÍTULO 37
CATERINA SÁNCHEZ
— O que você fez, Caterina? — Minha mãe entrou no meu
quarto com os olhos saltando as órbitas e as narinas dilatadas.
Eu estava deitada na cama, enrolada no lençol, a janela
aberta deixava o sol da manhã entrar, mas era tão alaranjado que
parecia fim de tarde. Eu sabia que era dia, que havia acabado de
acordar, mesmo que não me sentisse sonolenta.
— FALA! O. QUE. VOCÊ. FEZ?
— Eu não fiz nada!
Eu não me lembrava de nada, nem sabia do que ela estava
falando.
— Você fez sim! Ele... — A voz dela embargou e seu rosto se
contorceu em uma cara de choro. — Ele sempre disse que você não
era uma boa menina!
Instantaneamente soube o assunto.
Sabia de tudo e só tinha um medo.
— Eu não fiz nada. Você sabe muito bem ao que ele se referia
quando falava isso. Até quando vai ficar me culpando quando a
culpa é sua por colocar esse homem na nossa casa?
— Esse homem é meu marido e você está atrapalhando tudo!
Some daqui! Volte para o seu pai!
— Mas, mãe...
— Ele só vai voltar se você for embora daqui, então saia,
Caterina! SAIA!
Lembrança desgraçada!
Eu não costumava acordar com esses pensamentos, mas nos
últimos dias isso estava acontecendo com frequência. Depois que
Serena me fez perguntas sobre a minha mãe, uma parte do meu
cérebro desbloqueou o que eu não queria lembrar.
Era um problema que eu dava por resolvido, morto e
enterrado, literalmente, e que não deveria estar tirando o meu
sonho.
Eu iria esquecer aquilo ao longo do dia.
Como a temporada de corridas estava oficialmente iniciada,
tinha alguns jóqueis treinando no hipódromo da família Barone.
Havia cavaleiros para todos os cantos.
Ainda estávamos no início da semana e parecia ser o sábado
da corrida.
Tinha um belo cavalo preto, amarrado em um poste a
caminho da estufa. Eu não resisti e parei para ver de perto.
Para mim, aquelas corridas eram um pouco cruéis com eles e
me partia o coração quando algum cavalo caía na pista. A forma
como eram tratados, os campeões, não era nada justa, já se não
fossem bons, eram descartados sem dó.
Os coitados mal sabiam o que estava acontecendo.
Aquele tinha o pelo tão preto e brilhoso que tocá-lo era algo
irresistível. Passei a mão pelo pescoço e senti a maciez da longa
franja penteada. Eu também cheirei e tinha que admitir que ele
cheirava melhor do que eu.
— Qual shampoo você usa? — perguntei para o animal, como
se fosse ouvir alguma resposta, quando de repente, fui arrastada
pela cintura e jogada de lado em cima dele.
Segurei firme na sela e olhei para quem fez aquilo com o meu
coração quase saindo pela boca.
Héctor subiu em seguida e mal pude encará-lo.
— O que pensa que está fazendo?
Ele ficou atrás de mim, seus braços em volta do meu corpo e
tomou as rédeas. O cheiro do perfume masculino dele impregnou o
ar que eu respirava. Enquanto o vento vinha levemente frio da
manhã, a respiração quente de Héctor soprava no lado esquerdo do
meu pescoço.
— Héctor? — rosnei sentindo a temperatura das minhas mãos
caindo. — Pra onde está me levando?
Ele estava nos levando para longe da casa, em direção à
mata, que não era nada perto.
Deveria ficar a uns quatrocentos metros dali.
— Isso é sequestro, sabia?
— Não é se ainda estamos na mesma propriedade.
Ele nem deveria estar perto de mim.
Se o tio Alejandro visse uma coisa daquela, iria me mandar
embora na mesma hora.
Eu não deveria estar nos braços daquele bastardo.
Olhei para o que ficou para trás e vi a casa bem longe, então
fiquei um pouco aliviada por ninguém poder ver a loucura que
Héctor estava fazendo.
— Você deveria estar longe de mim.
— Por quê? Você quer?
A voz dele soprando no meu ouvido me deixou arrepiada.
Eu não podia esquecer de quem ele era.
— Também. — Minhas palavras saíram com pouca confiança.
Não deveria ter sido assim!
Ele estava nos levando para longe mesmo, inclusive já
estávamos chegando à mata.
— Como se fosse fácil — resmungou.
Deduzi que o resto da frase fosse ficar longe de mim e não
acreditei que era para ele.
— Sem me insultar? Imagino que deve ser — zombei.
— Eu gosto desse seu deboche agressivo. — Ele apertou
minha cintura repentinamente e fiquei sem fôlego por um instante.
Gosto...
Seus elogios não funcionariam comigo.
— Só ajo como você age comigo.
— Mas eu nunca te acertei socos — ele replicou como se
fosse um santo.
Dei de ombros.
— Mas ameaçou cortar a minha mão. — Bastou eu fechar a
boca, ele passou a mão por cima da minha, depois a segurou,
deslizando as pontas dos dedos pela pele.
— Você não me disse quem fez isso.
Eu jurava que ele não se lembrava mais das malditas
cicatrizes.
— Eu não sou obrigada a me explicar pra você. Por que fica
insistindo no que não deve? Reparando no que ninguém repara? —
Quase olhei para ele, mas consegui me manter sem fazer isso.
— Porque eu não te vejo como eles.
Era impossível levar a sério qualquer conversa dele quando eu
já tinha uma péssima imagem.
— Nem vou perguntar como me vê. — Virei o rosto para o
lado contrário ao que o dele estava.
Ele só me via como tudo que eu não era.
— Parecem marcas de cigarro.
A sugestão me deixou em alerta.
Ele não deveria ser tão observador assim.
Nenhum homem era a esse ponto.
— Estou certo? Ok. Foi o seu pai?
— Meu pai nunca me machucou. — A necessidade de
defendê-lo me fez reagir de imediato. — Acho melhor parar por aí.
— A sua mãe?
— Eu disse pra parar, Héctor. — Elevei a voz e assim que o
cavalo parou perto de uma árvore, afastei o braço que envolvia a
minha cintura e pulei do animal, caindo de pé no chão. — Você não
consegue ser menos irritante por muito tempo, não é?
Ele também desceu e o encarei de frente.
Estava usando jeans e uma camisa social mal abotoada, com
a maioria dos botões de cima abertos. Para não parecer curiosa
sobre o peito à mostra, encarei o rosto dele e Héctor ergueu
levemente os cantos da boca.
— Eu só estou tentando te conhecer.
— Conhecer as minhas cicatrizes — corrigi.
— Claro. Elas fazem parte de você e de quem é. Embora não
pareça ter medo do fogo.
Andei para perto do tronco e me encostei nele.
— Ou você aprende a lidar com o que te causa medo, ou vira
refém dele.
— A sua coragem em me enfrentar saiu daí? — Ele amarrou o
cavalo em um galho e depois se virou para mim.
— Eu só me cansei de você e seus jogos, Héctor. — Cruzei os
braços e pernas, deixando todo o peso do meu corpo para o tronco
grosso da árvore. — “Não cruze o meu caminho”, depois você
aparece no meu caminho; “seja invisível”, mas você me vê. É
exaustivo.
— E você ainda pergunta o motivo de eu estar aqui. — Ele
deu passos para perto de mim com os olhos dançando, enquanto
vasculhavam meu rosto. — Eu não consigo ficar longe de você,
Caterina.
Ele sempre parecia saborear as sílabas ao pronunciar meu
nome.
Encarei o chão na tentativa de não me deixar levar pela
conversa dele.
— Você me faz mal, sabia? É por isso que não acredito que
nada que diga ou faça seja para o meu bem.
— Eu me preocupo com você. Me preocupei até quando achei
que não deveria.
Eu o encarei com um sorriso debochado.
— Vai dizer que ficou no hospital comigo porque não queria
garantir que eu ficasse viva pra continuar sua tortura psicológica,
assim como suas palavras “serei seu inferno particular”.
— Claro que não. Eu fiquei pra garantir que você ficaria bem,
porque se eu estava fodido com você perto de mim, sem sua
existência eu não sei como ficaria. — Ele apoiou um dos pés na
frente do meu e depois colou o corpo todo em mim, segurando-se
nos galhos do tronco acima de nós.
Eu só precisava descruzar os braços e empurrá-lo, mas me
sentia desafiada a permanecer ali, confiante de que ele não ousaria
tentar nada.
Os olhos pretos brilhantes estavam mais perto do que nunca
e não me causavam medo. O olhar afiado, penetrando no meu,
como se procurasse encontrar a minha alma, me deixou hipnotizada.
— Não me pergunte como, nem o motivo, mas eu não
consigo pensar em uma mulher que não seja você.
Abaixei meu rosto com o calor nas bochechas se elevando.
Eu não estava acostumada a ouvir declarações, muito menos
de homens que já sabiam muito bem o que queriam da vida.
Héctor colocou o indicador abaixo do meu queixo e ergueu
minha cabeça.
— Não sei que diabos você tem, mas tudo, até o seu jeito
hostil me agrada. — Ele encarou meus lábios e antes que eu
descruzasse os braços para empurrá-lo, me beijou.
Um beijo avassalador que me dominou por completo mais
uma vez, sequer pude rejeitar a passagem da sua língua, ela
conseguiu espaço, sedenta, envolveu a minha e me arrancou
gemidos carregados de tesão.
Quando seu braço me apertou bruscamente a cintura, quase
me tirando do chão, senti minha calcinha molhar.
Eu sabia e deveria resistir, mas meu corpo fazia o contrário.
Héctor conseguia me controlar a ponto de eu retribuir.
— Eu quero te fazer minha mulher — ele murmurou contra a
minha boca, arrastou minhas pernas para os lados, em seguida
empurrou o quadril entre elas, espremendo minha virilha com a
ereção que tinha crescido nele e forçou sua boca com mais violência
contra a minha.
Perdi a força das mãos, pernas e apenas sentia meu coração
e ventre pulsando, assim como nossas línguas lutando naquele beijo
entorpecente.
Eu jamais poderia dizer que aquilo não me agradava. Ele
sabia como me fazer refém das piores maneiras e das melhores
também.
O homem arrancou meu fôlego em questão de minutos.
Quando gemi sem ar e reuni forças para empurrar seus
ombros, afastando a minha boca, Héctor lambeu da minha bochecha
até perto da orelha e chupou todo o meu pescoço. A barba roçando
na minha pele causava arrepios. Eu precisava recuperar o fôlego,
mas descobri que ele conseguia continuar me tirando sem
necessariamente estar cobrindo a minha boca.
Gemi e me mexi entre seu corpo e o tronco, a única parte
que deslizava bem era a que estava em contato com o fundilho da
calcinha.
— Evitei pensar em você nessas condições, mas, porra, agora
eu te quero mais ainda, Caterina. — Ele me olhou com os lábios
inchados e vermelho ao redor deles, a barba estava bem baixa e
perfeitamente desenhada.
Ela tinha o mesmo efeito que o cabelo dele quando ficava
bagunçado.
Eu estava perdida nos braços daquele homem.
Perdida e molhada.
Ele mordeu o meu queixo e foi quando olhei para longe e vi a
casa dos Barones. Voltei para a realidade no mesmo instante e as
forças também ressurgiram.
— Isso está errado. Eu te odeio, Héctor!
— Aham. — Ele passou a língua pela minha orelha e meus
olhos viraram com a sensação gostosa que aquilo causava.
Eu me arrepiei toda de novo.
— É sério. Me larga, seu bastardo. — Minha ordem não tinha
tanta força como normalmente, era mais uma súplica gemida, nada
convincente.
Mas ela precisava ser.
Eu precisava sair dos braços dele de alguma forma.
Aquilo nem deveria estar acontecendo.
E o cavalo assistia a tudo, foi ele que, mesmo calado, me deu
uma ideia.
— Posso pedir uma coisa?
— Qualquer coisa menos que me afaste de você. — A boca
dele já estava descendo pelo meu colo.
Ele não poderia estar pensando que faria alguma coisa a mais
comigo. Era algo que nem nas maiores perdições e tentações eu
deixaria acontecer.
— Posso dar uma volta com o seu cavalo?
Ele me olhou por debaixo dos cílios, depois afastou a boca de
mim e me encarou surpreso.
— No Polo?
— Ele tem nome?
— Claro. — Ele se afastou de mim.
A primeira parte do meu plano tinha dado certo. Eu só
precisava resistir a olhar para o quadril dele, porque já tinha sentido
muito bem como as coisas estavam por ali.
— Eu posso dar uma volta no Polo?
A pergunta que ficava era: eu seria capaz de manipular o
homem mais frio que conheci?
— Pode, mas cuidado porque ele é um campeão e precisa
estar bem no sábado.
Coloquei o pé no estribo e antes que me impulsionasse
sozinha pra subir, Héctor segurou meu quadril e fez isso por mim.
— Por que eu machucaria o seu cavalo? Eu nem sei como
conseguiria fazer isso.
— Não sei. Talvez, por que tem um lado sádico em você se
escondendo atrás desse rostinho de anjo?
— Rostinho de anjo? — Eu o encarei sem acreditar na sua
descrição sobre mim e um sorriso quis aparecer, mas me contive,
focando em segurar as rédeas. — Eu não sou má como você.
— Tá bom que não. — Ele duvidava e não era por
brincadeira, parecia mesmo preocupado com o animal.
— Engraçado que você não era alma gêmea desse cavalo até
as últimas semanas.
— Anda me observando tanto assim? — Ele ergueu a
sobrancelha e um sorriso malicioso surgiu em sua boca.
Um pouco.
— Não, mas este cavalo nunca esteve amarrado perto da
casa.
— Agora eu treino pra corrida, mas antes eu passeava com
ele, com menos frequência. Circule por aqui. — Ele apontou o meu
percurso.
Não era a primeira vez que eu subia em um cavalo e não
tinha medo de sair do campo de visão dele.
Nem era o meu plano dar uma voltinha.
Quando coloquei o Polo para andar, eu o guiei para onde
realmente queria ir.
— Caterina, essa não é a direção.
Eu cavalguei rindo, me afastando cada vez mais dele, indo em
direção à casa.
Quando o cavalo começou a correr, foquei em me manter em
cima dele e só ouvi os gritos de Héctor.
— CATERINA, VOLTE AQUI! VOCÊ NÃO VAI FAZER O QUE
ESTOU PENSANDO! VOLTE AQUI!
Depois de um tempo não dava mais para ouvi-lo direito e o
Polo me levou até o lugar onde o encontrei, antes de ser capturada
por seu dono.
Desci do animal e aguardei a chegada de Héctor.
Demorou muito.
Ele teve que voltar correndo e eu assisti a tudo rindo.
Quando ele chegou, não parecia tão exausto, mas estava
suado e furioso.
— Muito engraçado, Caterina. Muito engraçado. — Ele tomou
as rédeas da minha mão. — Eu não emprestarei o meu cavalo a
você outra vez. Nem adianta pedir.
Enquanto ele subia no animal, eu ria da situação.
Ele se afastou resmungando.
— Essa mulher ainda vai me deixar louco.
Como se ele já não fosse.
CAPÍTULO 38
HÉCTOR BARONE
A semana estava sendo ótima, tudo ia muito bem além do
hipódromo. Eu me sentia com novos propósitos, bons propósitos,
longe do que todos esperavam.
Exceto longe dela.
Tê-la beijado de novo despertou em mim desejos que ainda
não eram tão fortes quanto os outros sentimentos que tinha por
Caterina.
Eu gostava de muita coisa nela, mas não a via apenas como
um corpo gostoso onde eu queria me afundar, chupar, morder e
foder por uma noite inteira. Eu adorava o cheiro dela, que me trazia
a mesma satisfação que o sorriso. Eu a achava linda e poderia ficar
horas admirando-a, encontrando detalhes que me deixavam
fascinado em sua aparência.
A personalidade dela me deixava louco, mas os segredos que
seus olhos em silêncio escondiam eram o que mais me intrigava.
Eu conhecia uma parte de Caterina que nem ela mesma
imaginava que eu podia.
Valorizar essas coisas e não me importar com sexo era o que
me fazia diferenciar o que eu sentia por ela do que já havia sentido
por outras mulheres. Tanto que quando acreditei que ela trabalhava
vendendo seu corpo, fiquei revoltado, afinal era completamente o
contrário do que eu admirava.
Esses novos desejos não apagavam nada do que eu sentia
antes, mas me faziam querê-la desesperadamente perto de mim.
Eu não conseguia mais respeitar o seu limite de distância, e
sua sorte era que eu andava ocupado demais com os treinos para
procurá-la e matar um pouco da minha sede na boca dela.
Se existia uma coisa que eu tinha certeza era que eu
conquistaria aquela mulher. Então, em algum momento ela
acreditaria nos meus sentimentos e me daria uma chance.
Enquanto ver Caterina me excitava, ver Alonso passeando
pela nossa propriedade me estressava. Ele estava ali por gratidão ao
meu pai e mesmo tendo perdido para mim, não deixava de ser
exibido.
Depois do meu aviso, eu não o vi se aproximar de Caterina.
Uma das duas coisas o fazia me olhar com ódio: se afastar de
Caterina ou perder o páreo para mim.
Ele continuaria vivendo as duas coisas se dependesse de
mim.
Era sexta-feira, eu tive que sair para resolver coisas da família
e pretendia treinar depois disso, já que a corrida aconteceria no dia
seguinte e precisava estar pronto pra vencer mais uma vez.
Depois que ganhei a corrida contra Alonso, não se falava em
outra coisa além de apostar no meu cavalo.
Eu não poderia decepcionar.
Então encontrei um dos cuidadores de Polo na calçada da
nossa casa, segurando um chapéu em frente ao peito.
— Senhor, o Polo não está bem.
— Como ele não está bem? — Eu não compreendi, já que no
dia anterior ele estava ótimo.
— Ele está agitado, com tremores e mal consegue caminhar.
Senti minhas energias baixando e a preocupação tomando
conta de mim.
— Cadê o veterinário?
— Ele já está o examinando. Eu só vim aqui pra avisar, pois o
senhor não apareceu no horário de sempre. Achei que gostaria de
saber.
— Sim! Claro! O que o veterinário disse até agora?
O homem olhou para o lado e eu acabei acompanhando, foi
quando vi Caterina ouvindo a conversa de olhos bem atentos.
— Senhor — ele falou mais baixo. — Ele disse que o animal
pode ter sido envenenado.
Podem me chamar de louco, mas na mesma hora vi o rosto
de Alonso na minha mente, a imagem do safado fazendo isso. Era o
único competidor à minha altura, a única pessoa que poderia se
incomodar a ponto de fazer uma barbaridade daquela.
— Volte para lá. Eu vou falar com meu pai antes de ir.
— Certo, senhor. — Ele colocou o chapéu na cabeça e saiu
por um lado da casa.
Envenenado?
Mas que porra!
Estavam tentando me prejudicar, isso era nítido!
— Héctor. — Caterina se aproximou de mim, receosa.
Eu estava tão cego de raiva em pensar no que fizeram, que
mal conseguia encará-la sem parecer o monstro que eu disse que
não tornaria a ser com ela.
— O Polo não está doente por causa daquele dia, está?
Eu não esperava que ela acreditasse que o meu cavalo era
tão frágil a ponto de adoecer porque ela montou nele.
— Não, Caterina. Não foi. — Minha voz soou mais calma do
que imaginei que poderia ser. — Pode me dar licença?
Ela balançou a cabeça e saiu da minha frente.
Meu pai precisava saber daquilo, porque se eu confirmasse
que aquele bastardo tinha tentado matar o meu cavalo, nada
terminaria bem naquele fim de semana.

CATERINA SÁNCHEZ
Eu não pretendia ouvir a conversa de ninguém, sempre que o
Héctor estava em um lugar, eu ia para outro, mas daquela vez eu
não consegui e ouvi que o cavalo dele estava doente.
Eu tinha passeado com ele no início da semana e fiquei
preocupada, pois ele parecia tão saudável que era estranho adoecer
tão repentinamente!
Não consegui ouvir o que o veterinário contou para o
cuidador quando esse cochichou para Héctor e fiquei apenas com a
certeza de que não tinha culpa daquilo.
Héctor ficou tão furioso.
Fazia tempo que não o via com aquele olhar obscuro de
assassino. Conhecendo-o, sabia que alguém pagaria por aquilo e
temi para quem sobrasse.
Naquele dia, entrei na casa sem ser obrigada.
Bela não conseguia me olhar da mesma forma depois que o
filho dela a contrariou por minha causa. Quando me viu, ela tentou
sorrir e eu também.
Deve ter sido a troca de sorrisos mais estranha que já
aconteceu.
Eu sabia que Héctor tinha ido conversar com o pai e não
resisti. Com a desculpa de trocar alguns arranjos na sala de estar
onde ficava o escritório, pude ouvir a conversa, que não era nada
discreta, pois Héctor parecia um Rottweiler rosnando, enquanto
contava ao pai o que havia acontecido.
— Eu não tenho dúvida de que foi o Alonso.
Sua suspeita me causou descrença.
A sua perseguição a Alonso estava indo tão longe que ele
começou a dizer que Alonso fazia o mesmo que ele.
Eu não duvidava da capacidade de Héctor de envenenar um
animal. Ele envenenaria uma pessoa apenas guiado pelos
julgamentos da sua cabeça.
— Que história é essa, Héctor? — o pai dele questionou com
a voz apertada e trêmula. — Não me venha com acusações sem
fundamento. Alonso é um dos nossos melhores jóqueis e ele nunca
maltratou nenhum animal. A sua competitividade está te fazendo
voltar a ser o imbecil que ninguém quer no poder. Estava indo tão
bem...
Eu concordava com o tio Alejandro, mas saí da sala com uma
pulga atrás da orelha.
Eu não tinha encontrado Alonso durante aquela semana, mas
sabia que ele estava treinando no hipódromo dos Barones, então
assim que guardei as ferramentas de jardinagem e deixei o arranjo
para fazer depois, saí à procura dele.
Dei a volta e perguntei a todos que vi por onde andava o
Alonso, até que falaram que ele estava no hipódromo, então peguei
uma carona com um dos jóqueis que estava indo para lá no carrinho
de golfe.
O assunto não era da minha conta, mas na minha cabeça
louca era, porque o Alonso foi meu primeiro namorado e o Héctor
queria se casar comigo, e tinha medo de um dos dois cometer
alguma loucura.
Alonso sempre foi um bom rapaz.
Eu não sabia o que ele tinha vivido desde que nos vimos pela
última vez na escola, as situações da vida mudaram a gente, mas
ele parecia ser o mesmo, sem ganância, sem maldade, apenas
gentileza.
Assim que o carrinho parou, agradeci ao rapaz e corri para
dentro do lugar à procura de Alonso.
Tinha algumas pessoas, mas nenhuma era ele, o que me
restou perguntar.
— Ele disse que ia olhar o cavalo nos estábulos. — O homem
apontou a direção e fui para lá.
Algumas pessoas estavam saindo dali, mas não eram o
Alonso.
— Alonso? Você está aqui?
— Oi. — Ele saiu do quartinho onde me prendi com o Héctor
da outra vez, estava com luvas nas mãos, botas e um conjunto claro
que parecia ser de costume dos jóqueis que treinavam ali.
Héctor era o único que nunca se vestia como os outros.
— Você por aqui. Aconteceu alguma coisa?
Sorri crente de que ele jamais poderia ter feito a maldade
com o cavalo de Héctor.
Quando Alonso chegou perto de mim, beijou meu rosto.
— Que bom que apareceu, embora eu não esperasse.
— Eu queria te perguntar uma coisa, sobre o Héctor.
O sorriso sumiu do rosto dele.
— Hum. Ok. O que quer saber?
— Vocês têm se dado bem depois da última corrida? Ele não
é o tipo de pessoa mais amigável e você me deu aquele conselho,
parecia tão preocupado.
— Héctor nem deveria viver em comunidade. Espero que
esteja seguindo o meu conselho.
— Mas vocês se dão bem na medida do possível? Ele ganhou
de você e isso não te prejudicou?
Eu não ia ser direta!
Ele confirmou com a cabeça, comprimindo os lábios.
— Foi um grande prejuízo para quem apostou no meu cavalo,
mas amanhã a história será diferente. — O sorriso dele se reergueu.
— O cavalo dele está doente, Alonso. Você sabe de alguma
coisa? Quem pode ter feito isso?
— Provavelmente ele mesmo — ele falou erguendo os ombros
como quem não se importava com aquilo. — Ele é grosso com
todos. Coitado daquele animal.
— Mas ele gosta muito do Polo. Não faria isso. E mesmo se
não gostasse, por que ele iria machucar o animal que o ajudaria a
vencer de novo?
Ele olhou dentro dos meus olhos.
— Você anda o defendendo agora?
— Só estou preocupada com o cavalo. Ele parecia saudável
no início da semana. Eu não conheço mais ninguém além de você.
Ele riu com deboche.
— Uma pena mesmo o cavalo dele estar doente um dia antes
da corrida. Acho que dessa vez ele não vai ganhar.
Eu pude sentir a maldade na voz dele.
— Alonso, você não é responsável por isso, é?
Ele segurou meus braços e suspirou.
— Caterina, esse mundo é muito injusto, mas se você souber
como se manter nele, conseguirá sobreviver. Eu não posso
desapontar os meus patrocinadores. Era o cavalo ou ele.
Toda a confiança e admiração que sentia por Alonso se desfez
enquanto ouvi sua confissão cheia de ganância velada.
Eu nem fui capaz de pronunciar nada, em choque com aquela
maldade.
De repente, ele foi arrastado para longe de mim e vi Héctor o
jogando no chão.
— Eu sabia que tinha sido você!
— Héctor, não faça isso. — Corri para detê-lo.
Eu nem precisei pensar muito para saber o que passava pela
mente monstruosa dele.
Parei na sua frente e segurei seus braços.
— Não o mate.
O que Alonso tinha feito era horrível, mas não podia acabar
em morte. Eu não queria ver o lado cruel absoluto do Héctor.
Ele se soltou de mim.
— Isso depende de quantos socos ele aguentará. — Furioso,
Héctor fez Alonso que já estava se levantando, cair de novo no chão.
Eles rolaram em socos, mais da parte de Héctor do que de
Alonso e eu só pude gritar por ajuda.
— Seu covarde maldito! Como você entra na minha casa e
tenta matar o meu cavalo?!
Ninguém chegava e quando já estava voando sangue, alguns
homens apareceram, mas não fizeram nada além de assistir.
— Façam alguma coisa! — implorei, tremendo.
Ambos estavam muito machucados, mas Alonso já beirava a
falta de consciência.
— RÁPIDO! — Apressei os homens, mas eles não se moviam.
— O senhor Barone... Ele não... — um dos homens tentava
justificar, mas não era claro.
— O quê? Não podem apartar uma briga do senhor Barone?
— indaguei e, pelo visto, era isso mesmo.
Se ninguém os parasse, eles iriam se matar!
— Mas que merda é essa? — A voz de Henrico ecoou no lugar
e os cavalos relincharam.
Era a minha esperança.
— Separem agora! — Henrico andou rápido e entrou na briga,
puxando o amigo pela cintura enquanto outros dois seguravam os
braços de Héctor.
O restante cuidou de Alonso, que mesmo fodido com a cara
quebrada queria continuar a briga.
O nariz dele sangrava muito. Ele precisaria ir ao hospital, já o
Héctor, apesar de muito ensanguentado, não deveria ter nada
quebrado.
Que loucura!
Eu não consegui ficar ali.
Resolvi aproveitar que a briga tinha terminado para sumir do
lugar.
Alonso era o homem que eu admirava, que sempre me tratou
muito bem, mas tinha se revelado um lobo em pele de cordeiro.
Se não fosse o cavalo, seria o Héctor.
Voltei para casa decepcionada.
Ele precisaria de muita sorte quando fosse se explicar para o
tio Alejandro.
CAPÍTULO 39
HÉCTOR BARONE
Eu estava muito arrebentado, mas satisfeito por ter
descarregado a minha raiva em punho na cara daquele desgraçado.
Sua confissão não o encrencava apenas comigo, mas com a
família toda. O que ele fez foi mais do que uma crueldade com o
meu Polo, foi trapaça.
Ótima ideia me tirar da jogada!
Ele sabia que não era páreo para mim e só teria chances de
ganhar a próxima corrida se eu não estivesse nela.
Quando o encontrei admitindo o que fez para Caterina, nem
me importei com o fato dele estar conversando com quem eu disse
que não deveria, mas a fúria me dominou ao ter certeza de que eu
não estava blefando.
Nem eu nem ele iriam participar do turfe no sábado e eu
estava satisfeito por saber disso, assim como aliviado pelo meu
cavalo estar sendo medicado para melhorar do envenenamento.
Henrico o forçou a dizer qual veneno ele tinha dado antes de
o levarem para o hospital e, para mostrar que eu era um ser
humano melhor, deixei que meu pai decidisse o futuro do seu jóquei
favorito.
Eu já tinha matado a minha vontade ao quebrar o nariz dele
que já era meio torto.
Quando voltei para casa, todos queriam saber o que tinha
acontecido e passei a noite com a minha mãe e Camilla reclamando
comigo, enquanto limpavam meus machucados.
Eu nem pedi a ajuda delas para nada, mas elas criaram a
oportunidade para falar o que desejavam.
Por conta dos hematomas no peito e cintura, eu não
conseguia encontrar uma posição para dormir e fiquei sentado, com
as costas reclinadas graças às almofadas.
Meus lábios estavam inchados, então recusei qualquer coisa
que não fosse água. Também enxergava pouco com o olho direito,
pois era onde o soco mais certeiro de Alonso tinha alcançado.
Era tarde da noite, o silêncio já tinha tomado conta de toda a
mansão, sequer ouvia os berros da Ramona no quarto ao lado,
quando a porta do meu se abriu.
Eu ainda estava com a luz acesa e até mesmo se eu estivesse
com os dois olhos inchados, conseguiria ver quem apareceu na
brecha dela.
Minhas bochechas se contraíram enquanto ela parecia apenas
estar verificando a situação, sem coragem de entrar.
— Está atrasada.
Foi o bastante para fazê-la entrar e fechar a porta, se
encolhendo em um casaco azul anil por cima do que pela barra da
saia e estampa deveria ser um de seus vestidos.
— E quem disse que eu tinha compromisso de vir aqui? — ela
quase sussurrava de tão baixa que era a voz e não me olhava nos
olhos.
Ela tinha prendido o cabelo em uma única trança que caía
sobre o ombro direito, enquanto algumas mechas escorriam pela
testa.
Porra de mulher linda!
— Claro que tinha. Sou seu futuro marido.
Eu sabia o peso que tinha falar aquilo pra ela, que ficou mais
espantada ainda.
— Eu não vou me casar com você. Eu nem sequer me
preocupo com você.
— Então, por que veio?
— Terminar de te matar, talvez. — Ela olhou para mim e
aquilo foi um tremendo aviso de que poderia não estar brincando,
então ergue as sobrancelhas e eu também.
— Não venha defender aquele bastardo. — Ao articular a fala,
senti o canto da boca rachando com a ferida, que já se formava
sobre o machucado.
Era desconfortável.
— Pelo que ele fez, era o único que merecia estar
machucado.
Ela se aproximou aos poucos, continuando receosa.
— Você também não sabe resolver nada na conversa.
— É sério que você esperava isso de mim? — Eu não podia
acreditar.
Tão perto, que senti seu perfume.
— Sente-se.
— Estou bem de pé.
— Quero o seu cheiro na minha cama. O do vestido já está
sumindo. — Fui mais direto e vi suas bochechas ganharem cor.
— Vai ficar sem ele. — Ela olhou em volta. — Voltando ao
assunto, sei que ele mereceu, porque o que fez foi muita maldade,
mas você quase o matou.
— Eu poderia ter acabado com ele apenas com um tiro. Sabe
por que não fiz?
Ela negou com a cabeça.
— Por você. Não queria que quando me olhasse, lembrasse
que matei o seu primeiro amor.
As sobrancelhas dela saltaram.
— Ele não é o meu primeiro amor.
Eu não poderia ficar mais feliz ao ouvir isso.
— Ótimo! Então mudança de planos.
— Você não é louco. — Ela quase exaltou a voz, mas se
conteve.
— Não me desafie, querida.
O medo tomou conta do semblante dela e isso me fez rir.
— Esquece isso. Você não vai cuidar de mim?
— Eu? — Ela apontou para si. — Você acha mesmo que
alguma coisa mudou entre nós, não é?
— Acho sim. — Tirei o cobertor de cima do peito e quando ela
viu o enorme hematoma na minha cintura, os olhos saltaram e sua
resistência a me ajudar se foi assim que pegou o pote com gel.
— Isso está tão feio. E se tivesse machucado algum órgão? —
Ela derramou o gel e depois o espalhou deslizando os dedos pela
minha pele.
Era bem gelado e ardia, mas o toque leve dela fazia valer a
pena.
— Você ficaria preocupada? — Eu a encarei e a malvada
apertou meu hematoma, causando uma dor intensa.
Tensionei minha mandíbula a fim de descontar o desconforto
nos dentes.
— Ah, filha da puta cruel! — rosnei.
— A culpa disso é toda sua. Merece sentir dor.
— Você deveria estar aliviando e não me causando mais. —
Era impossível esconder o meu descontentamento.
Ela parecia fria, um pouco satisfeita talvez.
— Você acha mesmo?
Tirei a mão dela de mim, mas não a soltei, aproveitei para
puxá-la para perto.
— Eu sempre soube que existia alguém vingativo dentro de
você. — Passei o polegar pela palma da mão, sentindo as
imperfeições das queimaduras que ela tinha.
Ela percebeu o que eu estava fazendo e ficou sem graça.
— Por que a sua mãe fez isso?
— Por amor que não foi. — Ela puxou o braço e se afastou da
cama. — Eu já vou.
— Fique. — Meu pedido soou um pouco carente.
Ela mordeu o canto do lábio inferior, descendo o olhar para o
meu machucado.
— Eu não posso.
— Mas quer?
Ela balançou a cabeça em negação.
— Eu não te perdoei, Héctor.
Ela era mais difícil de convencer do que eu mesmo.
— Você me beijou por muito tempo... — Tentei deixar o
assunto mais leve, mesmo sabendo que um beijo não era capaz de
apagar nada do que eu fiz.
— Foi você quem fez isso.
— Mas você retribuiu, as duas vezes. Quer dizer que não
gosta? — provoquei, vendo-a ficar sem rumo.
Ela me encarou dando de ombro.
— Eu só estava te usando.
Ouvir aquilo me tirou uma risada genuína.
— Me usando, é?
— Isso mesmo que você ouviu. Sua aparência não é capaz de
velar o ser humano desprezível que você é, Héctor.
Senti suas palavras como navalhas, machucando bem onde os
socos de Alonso não tinham alcançado.
Tudo o que eu achei que tinha feito de bom, acabava de ser
invalidado por ela.
— Com licença. — A mulher rancorosa saiu do meu quarto.
Eu só podia ter cortado o dedo anelar de um homem
mulherengo, casado com uma mulher ciumenta e vingativa para
passar por isso.
Espera, eu fiz isso sim!
Mas já que ficar distante não estava melhorando a forma
como ela me via, eu ia fazer o que bem queria para convencer
Caterina dos meus sentimentos.

CATERINA SÁNCHEZ
Eu nem deveria ter ido ver aquele bastardo, mas não
consegui dormir sem ao menos saber como ele estava e poder dar
alguma palavra para se sentir pior. Depois disso eu consegui dormir
sim, mas tinha coisas que ele falava que me deixavam muito
pensativa.
A confiança de que eu ia me casar com ele era admirável e
não via aquilo acontecendo.
Toda vez que ouvia que ele tinha interesse em mim, me
lembrava de quando achava que eu não valia nada.
Foi uma mudança tão repentina!
Quem diria que não ser puta me faria digna de um Don?
Também me lembrava do que o pai dele falou e isso me
preocupava muito. Tinha medo dele pensar que eu estava
corroborando com as ideias malucas de Héctor.
Já estava arrependida de tê-lo procurado.
Era tarde da noite e mesmo assim eu fui muito cuidadosa,
pensei bastante sobre ir até lá, o risco de ser vista, depois de entrar
e alimentar os devaneios do Héctor.
Ainda bem que eu conseguia falar coisas sensatas enquanto
por dentro meus sentimentos eram opostos ao meu racional.
Héctor só era bonito, cheiroso e me atraía...
Isso não mudava o que eu pensava dele.
Um beijo, amassos e declarações diretas não ditariam o que
eu sentia por ele.
— Caterina. — Serena me encontrou na horta.
— Olá, futura senhora Milano. — Olhei para ela com os olhos
quase fechados em função da sensibilidade à luz do sol e sorrimos.
Paixão era o nome que tinha escrito nas bochechas dela.
— Eu vim fazer um convite e te contar uma fofoca. Você quer
a notícia boa primeiro ou a má?
— A boa, por favor. Se for sobre a corrida de hoje, não estou
planejando assistir.
Eu já sentia que a má iria me derrubar e precisava de um
“pelo menos” ou “vamos pensar em” que a notícia boa traria.
— Não é. Eu quero que você seja a minha madrinha de
casamento. Antes que se preocupe, será com o Damon.
Eu nunca tinha sido madrinha de casamento.
Era realmente uma boa notícia, significava que ela me
considerava muito.
— É sério? — Precisava da sua confirmação para acreditar
naquilo.
— Sim! É óbvio, Caterina. Se não fosse você, eu já teria
enlouquecido neste lugar. — Ela me abraçou.
— Obrigada. Eu aceito sim.
Onde eu iria arranjar um vestido de madrinha?
Eu não sabia, mas daria meu jeito.
— Vocês já estão organizando o casamento?
Nem tinha um mês do pedido.
Era um casal apressado.
— Sim. É... Pra quê esperar?
— Você tá grávida, Serena?
— Não. — Ela riu e se afastou de mim. — Não estou. Só
muito apaixonada mesmo.
Eu não queria tocar no assunto do perdão sobre o que
Henrico havia feito. Pelo menos, ele estava arrependido e pediu
desculpas, diferente de um certo bastardo.
— Vou cultivar as flores mais lindas pra decorar seu
casamento.
Ela sorria com os olhos.
— Estou tão ansiosa!
— É nítido. Agora me conta a outra notícia.
Serena inclinou a cabeça para um lado e suspirou.
— Adivinha quem estava falando pra todo mundo na mesa de
café da manhã, onde aconteceu o milagre de todos estarem juntos,
que você estava cuidando dos ferimentos dele ontem à noite?
Se eu tivesse alguma coisa na mão, teria derrubado.
Fiquei em choque e o rosto do tio Alejandro com cara de
impiedoso, surgiu na minha mente.
— Ele não fez isso, Serena.
— Fez e ainda estava orgulhoso, se gabando mesmo. Quando
Damon disse que ele deveria ficar de boca fechada, Héctor falou que
todos deveriam se acostumar porque a decisão dele era definitiva e
era questão de tempo para vocês estarem noivos.
— Chame o carro do manicômio, esse homem enlouqueceu!
— Apertei minha cabeça, aflita com a visão do futuro terrível que eu
poderia ter quando o tio Alejandro me mandasse embora. — Eu vou
colocar um fim nisso, Serena. — Saí às pressas da horta.
Eu pretendia encontrá-lo e socar, nem que fosse literalmente,
a ideia de que tudo o que ele disse não aconteceria.
Apareci na frente da casa e o vi perto de um carro. Ele estava
conversando com o cuidador dos cavalos e parou quando chamei,
quase rosnei, seu nome.
— Sim, querida.
Ele estava querendo acabar com a minha vida mesmo.
Ignorei os irmãos e os outros seguranças que estavam ali,
cega de raiva. Eu estava prestes a deixar o olho roxo dele na cor
preta.
— Você anda dizendo por aí que vou me casar com você?
Quantas vezes preciso repetir que isso NÃO VAI ACONTECER?
Ele sorriu olhando para o homem que estava ao seu lado,
depois virou para mim.
— Vamos conversar sobre isso quando você mudar de ideia.
— Eu não vou! Coloque uma coisa nessa sua cabeça
demoníaca, no dia em que eu aceitar a loucura de me casar com
você, será a última vez que me verá na vida.
E não era uma ameaça vazia.
Se eu aceitasse, o pai dele sumiria comigo assim que
soubesse.
Héctor não disse nada, eu nem dei tempo para ele falar, voltei
pisando forte para os meus afazeres.
Eu sabia que ele não cumpriria o meu pedido pra me deixar
em paz, mas até quando eu não estava presente, ele cavava a
minha cova.
Héctor era um forte candidato a me deixar louca.
CAPÍTULO 40
HÉCTOR BARONE
A mulher era brava demais.
Ninguém jamais tinha ousado me desafiar, gritar comigo na
frente de todos como ela fez. Até as brigas com meu pai eram em
locais privados.
Caterina não tinha medo de mim e o pior era que ela estava
certa, porque se eu fosse fazer alguma coisa depois dos seus gritos,
seria jogá-la no meu ombro e levá-la onde pudéssemos ficar a sós,
para arrancar sua raiva nos beijos.
E enquanto eu ouvia que nunca me casaria com a mulher que
queria, Henrico já estava planejando o casamento.
— Eu quero que seja meu padrinho — ele comentou
enquanto eu fumava fora de casa e ele me fazia companhia.
O dia tinha sido péssimo com a minha suspensão da corrida,
mas o convite era bom.
— Óbvio.
— Com a Chiara. Meu amigo, quase irmão e a minha irmã.
Não preciso de tantos pares.
— E o Damon? Ele não vai com a Chiara?
— Por que iria? — Ele franziu o cenho.
— Ele não pediu a mão dela em casamento no outro dia? Pra
você mesmo.
Ele esnobou rindo.
— E você acreditou? No dia que eu levar as brincadeiras do
Damon a sério, vou quebrá-lo na porrada.
— Talvez ele estivesse te testando. — Levei o cigarro à boca e
suguei a fumaça até sentir meus pulmões cheios, depois a soltei.
— Falhou.
— Então ele vai com quem?
— Com a Caterina. A Serena decidiu.
Essa mulher não me ajudava.
— Serena sempre atrapalhando a minha vida.
— Héctor! Pelo amor de Deus, você tem que parar com essa
loucura de querer se casar com ela. Não vai acontecer. Aquela
conversa no café da manhã, puta que pariu!
— Eu não menti.
— Você não vê que isso só enfurece mais o seu pai? — Ele
me encarou mais exaltado do que o normal, o que significava que
parecia um pouco menos frio. — Héctor, se essa mulher aceitar o
seu pedido, melhor, se você repetir aquela merda mais uma vez, eu
não tenho dúvida de que o padrinho vai sumir com ela para você
nunca mais vê-la.
— Ele não faria isso. — Não me preocupei.
— Ele faria. Eu não tenho dúvida disso.
Ok, eu me preocupei sim.
— Henrico, eu não me vejo se casando com nenhuma outra
mulher.
— Eu não sei de onde você tirou essa paixão.
— Já contei.
— Mas não faz sentido, Héctor! Me diga, você gosta de vê-la
sofrendo? Foi por isso que se apaixonou? Porque foi a relação que
tiveram desde que ela veio morar aqui.
— Claro que não. Eu me apaixonei pelo jeito dela.
— Se apaixonou. — Ele deu um leve sorriso.
— Vai zombar de mim? — Eu não conseguia brincar com
aquele sentimento.
— Não. Eu só estou admirado que Héctor Barone se
apaixonou. Continue por favor.
— Eu gosto do jeito dela, merda! Fiz o que pude pra acabar
com isso, mas não deu. Nem fingindo que não sentia nada, nem me
afastando. Eu não vou me casar com uma mulher amando outra!
Posso ser o maior desserviço que o meu pai e minha mãe fizeram
pra humanidade, mas não sou esse tipo de homem.
Ele curvou os lábios para baixo, em admiração.
— Ok. Mas não acho que haja algo que você possa fazer pra
mudar a opinião dos seus pais.
— Sou adulto e posso tomar minhas próprias decisões. Basta
aquela rancorosa mudar de ideia de que vou colocar um anel no
dedo dela e levá-la para o altar.
— Rancorosa? Também você nem deu motivos, não foi? —
Ele cruzou os braços e encarou o jardim.
— E já dei motivos para ela confiar que eu não vou repetir.
— O problema é que você não se arrepende do que fez. Acha
que ela vai esquecer?
— Você se arrepende do que fez com o pai de Serena? — Eu
o encarei curioso, já que mesmo depois de descobrir, ela voltou para
os braços dele e os dois iriam se casar.
— Demorou porque eu só pensava na minha motivação, mas
depois que me coloquei no lugar dela, sim. — Ele balançou a
cabeça. — Eu me arrependo sim, Héctor. E já pedi desculpas muitas
vezes pra ela, sempre que a lembrança volta.
— E ela acreditou em você — concluí ainda que fosse difícil
de acreditar.
— Ela também olhou o meu lado. É difícil. Acredito que uma
parte dela sempre vai carregar uma mágoa de mim, sobre isso, mas
eu a amo e vou fazer sempre o possível pra que essa parte se torne
cada vez menor.
Eu não podia comparar o problema que criei com Caterina
com o que Henrico criou com Serena, mas pelo rancor que aquela
mulher carregava e por não ter passado por algo como a amiga,
poderia sim ser para ela algo pesado demais.
Pedir desculpas...
Eu sempre me recusei a fazer isso quando o assunto era
importante, porque achava que na minha posição as pessoas eram
obrigadas a engolir os meus erros, sem mágoa, sem reclamação.
Mas eu não queria que Caterina me engolisse, eu queria que
ela me amasse e se fosse preciso me ajoelhar e pedir perdão, então
eu faria.
Ao passar pela frente do quarto de Ramona, parei
reconhecendo a voz de Caterina. Ela estava com as meninas.
Serena também conversava.
E o assunto não poderia me deixar menos interessado.
— O que você fez com o meu irmão, Caterina?
— Nada! Eu não fiz nada. Por favor, não pense dessa forma.
O seu pai já avisou que se souber que estou desviando o seu irmão
do plano dele, irei embora daqui.
Então o Henrico estava certo...
Eu não estava ajudando em nada expondo meus desejos.
— Eu não duvido que ele faça — Mona comentou. — Mas que
ele está obcecado, ele está.
— A Caterina o ignora, é por isso que ele ficou assim. —
Serena fez sua tola afirmação.
Somente a existência de Caterina já me fazia desejá-la.
— Ramona, me tira uma dúvida.
Eu estava ouvindo atrás da porta.
Queria saber o que Caterina iria perguntar.
— Sim.
— O seu irmão já matou algum animal de estimação seu, do
Damon ou do Roman?
— Não. — Ramona riu. — Por que a pergunta?
— Psicopatas fazem isso. Que bom então.
Ela suspeitava mesmo que eu fosse um psicopata.
Caterina tinha cada ideia.
Eu era do jeito que fui educado para ser e adorava usar o
meu poder para me divertir, mas não era um psicopata.
Apostava que aquilo era ideia da Serena, que sempre me
chamava assim.
— Eu vou dormir.
O aviso de Caterina me fez entrar no meu quarto e trancar a
porta com cuidado.
Desde quando eu me importava com quem ia ou não me ver?
Ouvi as despedidas e a porta abrindo e fechando.
Qual a possibilidade dela passar para ver como eu estava?
Eu ainda sentia muitas dores, talvez até mais do que na noite
anterior.
O Alonso estava mais fodido que eu e soube que o meu pai
fez uma visita a ele no hospital. Eu esperava que aquele covarde não
pisasse mais na nossa casa e que tivesse um fim bem-merecido,
mas não sabia se meu pai fazia isso na sua onda de bondade.
Diziam que eu era um homem injusto, mas a verdade era que
tinha gente que merecia muito mais do que parecia.
Eu apenas dava isso.
A sorte dele foi que a surra foi motivada pelo cavalo. Se ele
mexesse em Caterina, não ficaria vivo.
Saí do quarto um pouco depois e imaginando que ela tinha
ido para o quarto dela, fui atrás.
Eu consegui alcançá-la no corredor dos funcionários.
Ela me viu quando estava abrindo a porta do quarto e se
espantou.
— O que faz aqui? — ela sussurrou ríspida.
— Eu preciso falar com você. — Tentei ser discreto como ela.
Caterina revirou os olhos e virou para a sala de estar, mas
balançou a mão para dentro do quarto, me esperando chegar perto.
— Não tente nenhuma gracinha.
Como se eu fosse disso!
Entramos no quarto que cheirava a jasmim, iluminado pela luz
que entrava pela janela e ao ver a cama entendi o quanto o aviso
dela seria importante para me manter focado.
Ela ligou um abajur, permitindo que nos víssemos com mais
nitidez.
Ficamos nos encarando de pé e suspirei me lembrando da
conversa com o Henrico, mas como a conversa dela com as meninas
era mais recente, estava ressoando mais forte na minha mente.
— O meu pai te ameaçou?
— Sim. Uma ameaça justa. — Ela abraçou o próprio corpo. —
Por isso você não deve ficar gritando por todos os cantos algo que
não vai acontecer. Isso que você quer é impossível. — Olhou no
fundo dos meus olhos, e eu sabia que não era apenas pelo meu pai.
— Me. Perdoa. — Engoli em seco ao me dar conta de quem
eu havia me tornado por causa dela, mas parecia ser mesmo a coisa
certa a fazer. — Eu não deveria ter te maltratado, nunca.
Independentemente do que você fosse e do que representava pra
mim.
— O que eu representava pra você? — Ela encolheu as
sobrancelhas.
— A pessoa que eu não podia amar. — Mais uma vez eu me
senti estranho admitindo algo pra Caterina, um pouco constrangido
por pensar que ela não sentia nada disso e me desprezava. — Eu
tentei, Caterina. Desde que chegou aqui, tentei apagar você da
minha mente. Das piores formas, eu sei, mas foi da única maneira
que eu sabia fazer. Eu não consigo te tirar da minha mente. — Esse
fato me irritava até mesmo naquele momento. — Quando você
descobre que é possível ter algo que você quer muito, o que você
faz?
Ela ficou calada, apenas me ouvindo.
— Por isso eu falo mesmo. Foi um alívio saber o que você
fazia lá, porque eu lamentei tanto por te encontrar ali. — Levantei a
mão pensando em segurar a dela, mas desisti ao vê-la naquela
postura fechada. — Se o mal-estar que você tinha quando eu te
dizia aquelas coisas e fazia ameaças puder ser comparado à dor que
te ver me desprezando, parecendo não sentir o mínimo do que sinto
por você, então sei bem como é ouvir o que não deseja e não
merece. Eu mereço, eu sei, mas dói mesmo assim. Talvez mais,
porque agora mesmo estou me culpando por ter sido um monstro
com você.
Ela olhava para os lados, como se estivesse tentando abstrair
enquanto eu falava.
Talvez tentasse não acreditar no que eu dizia.
— E o medo que eu te fiz sentir, bem, estou sentindo agora
que temo por você ir embora. Eu não vou deixar o meu pai te
afastar de mim.
— Ele vai. Se você não mudar de ideia, ele vai, sim. — Ela
também parecia assustada.
Logo, seus olhos estavam brilhando e ela se tornou agitada.
— E eu não sei o que será de mim quando voltar pra Madrid.
Mais que depressa envolvi o rosto dela com minhas mãos e
mantive sua cabeça parada.
O resto dela também se aquietou quando seu olhar se
prendeu no meu.
Ela segurou meus antebraços, mas não me empurrou.
— Eu já disse que não vou deixar, Caterina. Eu vou atrás de
você onde quer que esteja.
Ela mordeu os lábios.
— Isso é uma ameaça?
Sorri já perdido nos lábios carnudos dela.
— Entenda como quiser. — Arrastei seu rosto para perto do
meu e a beijei.
Eu queria devorá-la, mas meus machucados ainda existiam e
não pude fazer mais do que sentir seus lábios. Queria permanecer
com eles colados pelo máximo de tempo, mas quando o desejo de
chupar sua língua aumentou, eu a afastei e a admirei de perto.
— Você me perdoa? — sussurrei.
— Ainda não posso. — Ela mordeu os lábios. — Ainda não
posso confiar em você, Héctor.
Porra!
A única pessoa que eu ansiava por confiar em mim era a que
não conseguia fazer isso, POR MINHA CAUSA.
— Tudo bem. Eu entendo. Eu também não posso com uma
coisa e preciso que me entenda.
— O quê? — Ela ficou tensa repentinamente.
— Não posso mais ficar longe de você.
Ela desviou o olhar do meu e mordeu o lábio inferior.
— Não faça isso, Caterina — implorei.
Foi então que ela arrastou as minhas mãos do rosto.
— Você precisa ir. — Ela tomou aquela postura fria que era o
meu purgatório.
Mas eu já tinha dito o que precisava, insistir não me ajudaria.
— Boa noite. — Sem encostar minhas mãos nela, beijei a
testa dela e saí do quarto.
Eu compreendia a necessidade que Henrico sentia de
constantemente pedir perdão, porque eu precisaria fazer o mesmo.
CAPÍTULO 41
HÉCTOR BARONE
Quando disse que não conseguiria ficar longe dela,
significava que sempre que sentisse o cheiro, a visse ou ouvisse a
voz dela, eu iria me aproximar. No dia seguinte, depois de já ter
passado na estufa, quando estava voltando de uma visita ao Polo,
que melhorava a cada dia depois do antídoto, ouvi a voz dela em
uma conversa, no mínimo, interessante com Serena na horta.
— Não foi por minha causa, Serena. Foi por causa do cavalo
mesmo. Para de sonhar — ela discordou depois que Serena disse
que a minha briga com Alonso teria acontecido por ciúmes.
— Agora nem preciso sonhar pra desconfiar disso. Héctor está
obcecado por você e doido do jeito que é, pode muito bem cometer
atrocidades em nome da paixão.
— Alonso estava preocupado comigo pelo jeito problemático
do Héctor. No sábado passado, depois da corrida, eu o parabenizei e
ele agiu tão estranhamente, como se estivesse se sentindo
perseguido. Sabe quando a gente tem a sensação ou medo de estar
sendo vigiado e fica olhando para os lados?
— Sei.
— Foi desse jeito que ele agiu. Então pediu que eu me
afastasse do Héctor. Confesso que fazia tempo que eu não me
preocupava com as atitudes do Héctor comigo, já estava o
enfrentando então se fosse o caso, nos mataríamos, mas o jeito que
o Alonso falou me deixou preocupada como quando cheguei aqui.
O filho da puta além de fazer o que eu proibi que fizesse,
ainda tinha conseguido complicar ainda mais a nossa relação.
E eu já estava satisfeito em ter dado a surra, já tinha
esvaziado a raiva do meu peito.
Eram dias de paz, reconciliação.
Porra, Alonso!
Peguei um dos carros e dirigi para a cidade, tinha muita coisa
pra resolver durante o dia, mas guardei um momento no fim da
tarde para ir ao hospital, onde sabia que ele estava internado.
A recepção me conhecia e sabia que eu não precisava de
licença para entrar no lugar.
O bastardo não tinha ninguém mais por ele. Eu lembrava que
a família o tinha expulsado de casa depois de começar a treinar para
as corridas. Eram corretos demais para aceitar o filho andando com
criminosos.
Nem a situação de merda onde ele estava há três dias fazia
com que os pais o perdoassem.
Entrei no quarto e o vi deitado em um leito, coberto pela
roupa e lençol do hospital. A cara estava com muito mais
hematomas do que a minha. Eu tinha socado os dois olhos, o nariz
tinha um curativo e recebia suporte de oxigênio.
Mais perto, ouvi o barulho da sua respiração, como um sibilo.
Eu poderia deixá-lo definhando, mas sabia que aquela
situação era temporária.
Pelo que me falaram que ele só ficaria no hospital até se
recuperar da cirurgia no nariz.
Bem, talvez saísse mais rápido depois da minha visita.
Uma merda eu vê-lo pela última vez com uma aparência tão
distante das suas feições irritantes.
— Acorda. — Sacudi os ombros dele. — Vamos. Eu não sou
tão covarde pra acertar contas com alguém inconsciente.
Ele abriu os olhos e gemeu de susto.
— Agora sim. — Sorri.
— O que faz aqui? — Sua fala estava estranha e faltava
dentes na boca.
— O que eu disse sobre procurar a Caterina?
— Eu não a toquei. — O desespero tomou conta dele.
— Mas mandou que ela se afastasse de mim.
— Ela não merece ser perseguida por um monstro como
você.
Ignorei sua preocupação.
— E você merece? Faz por merecer. — Peguei luvas no móvel
e vesti as mãos.
Ele ficou assistindo agitado.
— Não se preocupe. Não vou cortar suas mãos. Mas... Eu vou
ter que dar o que você mereceu desde que envenenou o meu
cavalo. Acho que você deve ter percebido que fui bonzinho apenas
te dando uma surra. — Arrastei o travesseiro detrás da cabeça dele
e antes que ele gritasse, o sufoquei.
Segurei o travesseiro até o corpo parar de sacudir na cama,
então o devolvi para o lugar me sentindo satisfeito com o sono do
bastardo.

CATERINA SÁNCHEZ
Depois de cuidar da horta com Serena, ela havia voltado para
casa, para tomar o café da manhã ao lado do amado e eu fui para a
estufa.
Eu não tinha comentado nada com ela sobre as minhas
conversas com Héctor, principalmente, a da noite anterior, que havia
mexido comigo como nunca nenhuma das nossas conversas tinha
feito.
A ansiedade estava me consumindo e grande parte de mim
queria acreditar que Héctor seria capaz de me livrar de qualquer
problema, que ele mesmo me colocasse.
A verdade é que ele deveria, era obrigação dele, já que era o
culpado.
Ele me pediu desculpas.
Em hipótese alguma o desculparia no primeiro pedido, até
porque as memórias que causavam tamanha mágoa por ele não
sumiriam da minha mente tão fácil.
Eu ainda estava brava com Héctor, por mais que gostasse dos
beijos e estivesse começando a acreditar que ele carregava mesmo
uma paixão forte por mim.
Então encontrei um buquê enorme de rosas vermelhas em
cima da mesa, com um cartão.
A primeira coisa que fiz foi conferir a plantação de rosas como
aquela e sim, o buquê tinha sido feito ali.
Fiquei apreensiva, mas com uma enorme expectativa de
saber se ele era capaz de fazer aquilo.
Peguei o cartão, que estava dobrado, e li as letras cursivas.

“Considere cada rosa dessa um pedido meu de perdão,


extremamente arrependido, H.B.”

Eu me dei conta de que eu estava com um sorriso bobo,


imaginando a voz dele falando aquela frase e revirei os olhos.
Ele sabia trapacear.
Um buquê de flores era jogar muito baixo comigo.
Para conseguir segurar eu precisei abraçá-lo!
Demoraria para contar todas as rosas, mas seguindo o
significado do bilhete, eram muitos pedidos de desculpas.
Era possível mesmo Héctor Barone se arrepender e pedir
perdão?
Se apaixonar?
As coisas não poderiam ter mudado tanto.
Eu estava começando a relacionar a história do casamento,
da paixão, com a imagem dele.
Laudo: tanto eu, quanto ele precisava de terapia.
Mas era impossível não gostar do buquê.
Eu cheirei e carreguei pela estufa sem saber como
conservaria algo tão grande. O meu quarto ficaria tomado por cheiro
de rosas e eu ainda precisava bater nele por ter acabado com o
canteiro ao cortar tantas flores.
Como eu me xingava por gostar de algo que ele deu.
E ele passou o dia inteiro fora, quando ouvi sua voz, foi na
área da piscina, no momento em que eu estava próxima à janela
que dava para vê-la.
Ele estava apenas de sunga, sentado na beirada da piscina,
falando ao telefone sobre um passaporte e eu só precisava fechar a
janela devagarinho para que ele não me visse. Abaixei segurando na
barra de madeira e fui bem até que tirei os dedos e ela bateu no
batente. O resto da janela era de vidro e nem deu tempo de me
esconder quando Héctor se virou.
Ele balançou a mão me chamando para ir até lá e neguei com
a cabeça. As pessoas da casa estavam prestes a se juntar para
jantar e mesmo que as janelas e cortinas escondessem a piscina,
alguém ainda poderia passar por aquele lado da casa e me ver
conversando com ele.
Héctor insistiu, insinuou que iria se levantar e ir até mim,
então eu puxei a cortina e me apressei para impedir que ele fizesse
aquilo.
Ele disse que não deixaria o pai me mandar para longe dele,
mas nada impedia o tio Alejandro de amarrar nós dois e largar numa
jangada em alto-mar.
Ao chegar na piscina, entendi o motivo dele estar perto dela.
Aquela noite era quente e um banho de piscina era um bom alívio
para quem podia tomar.
Não era o meu caso, então fiquei distante da beirada.
A ligação já tinha acabado e Héctor me analisou com as mãos
apoiadas no chão de pedras claras e niveladas, um pouco atrás das
costas.
— Gostou do buquê?
— Você não sabe disfarçar nada? Sempre é tão direto?
— Acho que sei, porque você nunca foi capaz de enxergar o
meu interesse. Sou direto com você.
O olhar afiado e o sorriso cínico acabavam com o pouco de
crença que eu tinha sobre o seu verdadeiro interesse.
Eu não pude deixar de reparar nas marcas no corpo dele.
Sem a roupa, ficava claro que a briga pesou para os dois lados. O
olho dele estava melhor, apenas uma mancha roxa na parte de baixo
e ainda existia hematomas no tórax.
Héctor tinha o corpo esculpido, sem exageros, apenas
volumes moderados, bem-marcados e veias nos braços e mãos que
eu nunca tinha parado para analisar, pois sempre estava nervosa
demais perto dele para perceber essas coisas.
Ele também tinha tatuagens nas costas, na parte do braço
perto do ombro e nas costelas.
Pequenas e bem bonitas.
Quando notei que ele estava me assistindo mapeá-lo, desisti
de tentar compreender que desenho cada uma tinha.
— Senta aqui. — Ele mexeu os dedos do lado dele.
— Não! Enlouqueceu? O que conversamos?
— Me diga você. O que conversamos?
Eu não poderia estar tão tentada a confiar naquele cretino.
— Eu acho uma péssima ideia ficar dando motivos para o seu
pai. Se você se importa mesmo comigo, não vai querer me ver na
prisão por ter matado o Albarello.
Ele me chamou com a mão.
— Abaixa aqui pra eu te contar uma coisa, meu bem.
O pedido dele era sério e por curiosidade fiz o que ele pediu,
eu me aproximei mais e me curvei para ouvir.
— O Albarello está vivo.
— O quê? — Eu quase berrei de pavor.
Ficar triste ou feliz não era uma questão.
Héctor confirmou e eu cobri a boca.
— Estou fodida! Ele vai vir atrás de mim.
Ele riu e me agarrou, me arrastando bruscamente para dentro
da piscina. Quando vi a água prestes a alcançar o meu rosto, ainda
prendi a respiração, mas dentro dela eu estaria perdida se não fosse
o Héctor me segurando.
Prendi minhas unhas no peito dele até que nossas cabeças
alcançassem a superfície e eu pude respirar e pensar em como
sobreviver.
— Você... — Desisti de terminar a frase, pois sabia a resposta
e ele sorriu, abraçado na minha cintura. — Me solta. Eu tenho que
me trocar antes que alguém veja.
— Ninguém vai ver. — Ele me virou e me arrastou pela água.
Foi quando percebi que estávamos em uma parte rasa para a
altura dele, então me colocou contra a parede que me escondia de
qualquer pessoa que aparecesse na janela da sala.
Ele me prendeu entre seu corpo seminu e ela, se pondo entre
minhas pernas enquanto observava a minha boca.
Ele não era um ser humano bom, mas era gostoso demais.
— Você nunca vai deixar de ser um problema pra mim, não é?
Ele fez que não com a cabeça e enfiou os dedos pela minha
nuca, me puxando para perto do rosto dele, então me beijou com
sua língua maliciosa deslizando junto aos lábios sobre mim.
Eu me apoiava na ideia de estar se aproveitando dele, mas
sabia que o que me motivava a retribuir já era maior do que um
simples interesse.
Os beijos de Héctor me sufocavam de prazer e dessa vez ele
apertava a minha coxa, arrastando as unhas pela minha pele. A
sunga fina junto ao meu vestido leve e molhado permitia que eu
sentisse bem mais do pau dele contra a minha virilha.
A água era fria a ponto de refrescar, mas não ao ponto de me
fazer tremer. O homem entre minhas pernas era quente da língua
até o quadril. Passei as mãos pelo peito e costas largas apenas para
me perder mais em seus braços.
Era tão errado...
Tão errado querer permanecer ali, no beijo e no calor...
Tão errado querer quem um dia me machucou...
Afastei o rosto dele, buscando uma maneira de me proteger
antes que perdesse a sensatez.
— Você promete não me tratar como uma qualquer outra
vez?
Ele abriu os olhos e confirmou.
— Dou a minha palavra.
— E se...
— HÉCTOR! — A voz do tio Alejandro trovejou, mas parecia
distante, dentro da casa.
O susto foi o bastante para afastá-lo de mim.
— Eu sabia que isso não ia dar certo. — Eu me apressei para
sair da piscina e quando consegui, corri sem meus chinelos, que
afundaram na água, pelos fundos da casa.
Viver perigosamente não era para mim.
CAPÍTULO 42
CATERINA SÁNCHEZ
Sem o cloro no corpo e enrolada em meus cobertores,
fiquei repassando o que aconteceu na piscina.
Eram duas coisas mexendo comigo: a notícia de que Albarello
estava vivo e o Héctor.
Eu não era a assassina do senhor Albarello, mas ele poderia
estar me acusando do que fiz.
Na melhor das hipóteses eu me resolveria com a polícia, mas
era porque ignorava o envolvimento de todos aqueles homens com
Damiano e sua escória.
Albarello havia me comprado e mesmo que estivesse furioso
com o que fiz naquele dia, assim que pudesse colocar as mãos em
mim, faria.
Eu tinha imaginado as coisas diferentes, um futuro diferente
para mim, mas não me restava nada de bom em Madrid e quando
eu voltasse para lá, seria forçada a pagar pela dívida do meu pai da
pior maneira possível.
E o Héctor, bem, eu estava perdida depois dos pedidos de
desculpas e beijos, inclinada a ceder aos sentimentos que me
cercavam havia muito tempo.
Um perigo para o meu futuro.
Acho que uma parte de mim, mesmo o odiando, sentia uma
atração incontrolável por ele, já a outra parte começava a se render
as declarações apaixonadas dele e sentir confiança pelo ser mais
perigoso que eu conhecia.
Alguém bateu à porta do quarto e me levantei para ver quem
era. Já fazia algum tempo que eu estava deitada, imaginando coisas.
Não consegui suspeitar de quem poderia ser e ao abrir a
porta me deparei com um homem de dois metros usando um terno.
— Sim?
— Me acompanhe.
— Para onde? — Estranhei.
— Apenas me acompanhe agora.
Ele era tão sério que me preocupava o motivo de necessitar
que eu fizesse aquilo, mas todos os seguranças da casa eram assim.
— Eu só vou me trocar.
— Seja breve.
Assenti e fechei a porta.
Poderia ser alguma coisa com o Alonso ou com o Héctor, mas
não tinha ninguém perto da piscina quando corri de lá.
Tirei a roupa de dormir e coloquei um vestido e um casaco
por cima. Sem meus chinelos, que estavam no fundo da piscina, tive
que calçar as botas que costumava usar para ir para a horta.
Quando voltei a abrir a porta, o homem estava do mesmo
jeito e eu o acompanhei em silêncio.
Não tinha ninguém no corredor, nem na cozinha, tampouco
fora da casa.
Ele me levou até um carro e abriu a porta para mim.
Eu não consegui entrar sem antes questionar.
— Para onde vamos?
— Apenas entre.
O pedido, apesar de simples em palavras e entonação,
poderia ser considerado uma ordem, porque se eu não entrasse,
poderia ser jogada dentro do automóvel com facilidade.
Entrei sem a minha resposta e ele se sentou ao lado do banco
do motorista. O homem que estava ao volante, outro engravatado,
começou a dirigir e nos afastamos da casa.
Fiquei olhando pela janela detrás, com um mau
pressentimento.
Eles não falavam nada e durante a viagem percebi que não
estávamos indo para a cidade, lugar que eu já tinha visitado
algumas vezes e me recordava das coisas que tinha no caminho.
Ali só tinha terras e mais terras.
As minhas mãos começaram a esfriar e minhas pernas
balançavam no ritmo que a ansiedade me consumia.
Tinha algo muito errado acontecendo.
Eu podia sentir!
Pensei por diversas vezes insistir em saber para onde me
levavam, mas hesitei, então vi o que me aguardava no fim daquela
viagem inesperada.
Um jato.
Assim que o carro parou, eu saí, procurando alguém que eu
conhecia, que não fosse uma parede ambulante que cumpria ordens
pra me explicar o que estava acontecendo.
Mas não tinha nenhum conhecido.
— Me diga — exigi do homem que me tirou do quarto. — O
que significa isso?
— A senhorita voltará a Madrid esta noite.
— O quê? — Minha pressão deu uma leve caída.
— São ordens do senhor Barone.
— Qual senhor Barone?
— O Don. Agora entre. — Ele se aproximou de mim, me
impedindo de seguir outro caminho que não fosse subir para dentro
daquele avião.
O tio Alejandro estava me mandando embora?
Ele só poderia ter descoberto...
Ele sabia que não mantive a minha palavra e estava me
mandando embora para onde eu não teria sua proteção.
Uma tremenda vontade de chorar fechou a minha garganta.
Segurei no corrimão da escada, me sentindo sem outra escolha a
não ser subir.
Eu não queria voltar para lá sabendo que Albarello me
esperava para cobrar o que fez por mim sem eu pedir, e pelo que fiz
a ele quando estava me protegendo.
Olhei para trás antes de trilhar o caminho sem volta.
— Onde está o Héctor?
Nunca imaginei que gostaria de tê-lo perto de mim quando eu
mais precisasse, mas me lembrava de sua promessa de que não
deixaria que seu pai me mandasse embora.
— Ele não está aqui. Entre agora.
Será que ele sabia?
Será que aquele grito foi direcionado ao que fizemos e eu
apenas consegui sair antes que ele gritasse o meu nome?
Eu nunca pensei que desejaria ficar no lugar que cheguei
forçada, mas olhando para trás eu vi na escuridão todo o tempo que
vivi despreocupada com Madrid.
Subi a escada com os olhos ardendo e quando me sentei em
um banco, chorei com uma criança com medo.
— Senhorita, prenda o cinto de segurança. Iremos decolar em
breve — a comissária avisou e depois se afastou, me deixando
sozinha e inconsolável.
Sabia que chegaria esse momento, mas acreditei que havia
uma chance de me safar.
Como o tio Alejandro diria que estava tudo bem voltar se o
homem, meu dono, estava vivo, esperando o momento para ter sua
futura escrava sexual nas mãos?
O meu futuro era péssimo e me amedrontava.
Quando o avião se afastou do chão, tudo o que vivi com os
Barones parecia ser fora da realidade. Um tempo em que os
verdadeiros problemas foram suspensos.
Em breve, eu iria encarar meus demônios.
Só esperava que eles não estivessem me esperando no
aeroporto.

HÉCTOR BARONE
Quando o meu pai me chamou em casa, a notícia da morte
de Alonso já tinha chegado e minhas palavras de lamento não
poderiam ser menos sentimentais.
Mesmo assim, sobrou averiguar o que tinha acontecido no
hospital para mim.
Meu pai não se importava muito com o que aconteceu.
Acho que ele mataria o Alonso de qualquer forma.
Chamei Damon para me acompanhar, porque o Henrico
estava em lua de mel antes do casamento e não desgrudava
daquela mulher.
Eu já tinha passado o dia fora, estava me refrescando com a
companhia perfeita na piscina, então a simples ideia de voltar para a
cidade não me agradava.
— Eu soube que ele era namorado da Caterina — Damon
comentou de maneira despretensiosa. — Acho que ela vai ficar de
coração partido quando souber o que aconteceu.
— Eles foram namorados muito tempo atrás e não acho que
ela esteja gostando tanto dele depois do que ele fez.
— Sim, porque do lado que você estiver, ela também estará
— ele debochou.
— Muito mais do que isso. — Deixei minha confiança falar
mais alto.
Quando estive com ela em meus braços, suas últimas
palavras foram as de quem estava prestes a me dar uma chance e
um pouco de confiança.
Eu sabia que as coisas poderiam melhorar se eu tomasse as
atitudes certas.
Fazer o certo...
Ela conseguia me convencer a agir da forma que sempre
ignorei.
Não só me convencia, mas me fazia querer ser assim apenas
para ganhar as recompensas de conquistá-la um pouco mais a cada
momento juntos.
Mas eu estava com um sentimento ruim e não era por ver o
cadáver do Alonso ou ouvir a suspeita totalmente errada da
enfermeira sobre a morte dele, muito menos pelo que Damon falou
sobre como Caterina se sentiria ao saber da morte do ex-namorado.
Parecia que eu estava vivendo um momento ruim, eu só não sabia o
motivo.
Quando viajamos de volta para casa, tinha planos para aquela
noite em mente. Procuraria Caterina e passaria mais um momento
com ela.
Parecia loucura desejar tanto alguém.
Aquela pele, aquele cheiro...
Seria perfeito tê-la todas as noites perto de mim.
Eu nunca fui o homem mulherengo, sempre que sentia
vontade eu sabia onde procurar para ter o que queria, mas desde
que coloquei os olhos mais uma vez nela, naquele casamento, soube
que ela tinha sido feita para mim e nenhuma outra me interessou
além dela.
Um dia, ela seria minha para sempre e eu ansiava pela
chegada desse momento como nunca esperei por nada na vida.
Chegamos em casa e eu não me importei que Damon me
visse indo para o lado proibido. Fui para o quarto de Caterina e,
como já era tarde, optei por abrir a porta ao invés de bater.
A luz não precisava estar acesa para eu conseguir ver que
não tinha ninguém na cama.
Liguei a lâmpada e tinha uma roupa de dormir jogada sobre o
cobertor amassado.
— Caterina? — Dei uma olhada pelo lugar.
Ela havia saído.
Poderia estar na sala, pensei e foi para lá que fui.
A TV estava ligada e tinha alguém sentada no sofá de costas
para a porta.
Não era a Caterina pois o cabelo era cacheado, como o de
Rita.
Eu não pretendia perguntar à Rita o paradeiro de Caterina,
mas quando me virei para ir embora, ela me notou.
— Acho que ela foi embora.
Eu a encarei em choque.
— O quê?
Pela feição entristecida de Rita, não parecia ser uma suspeita
sem fundamento.
— Eu estava lá em cima e vi da janela, ela entrou em um
carro e eles a levaram. Foi poucas horas depois que o senhor saiu.
Desde então ela não voltou.
“Se o seu pai nos ver juntos, ele vai me mandar embora.”
Aturdido e irracional, saí a procura do meu pai, que já deveria
estar na cama.
Eu prometi para ela que não deixaria aquilo acontecer e
aparentemente tinha deixado.
Bati com força à porta do quarto e a minha mãe atendeu,
assustada.
— Que pressa é essa, Héctor?
Como era mais alto que ela, pude ver o meu pai na cama,
com o controle da TV na mão usando óculos de grau.
— Para onde você a mandou?
Ele olhou para mim por cima das lentes dos óculos.
— Para onde ela não vai te distrair.
Balancei a cabeça em negação, perplexo com a forma como
ele enxergava a minha vida.
— Você já pode descartar o discurso de ser diferente do meu
avô, porque é igual a ele. Da mesma maneira que ele acabou com a
vida do tio Fred, você está fazendo com a minha. Escolhendo quem
fica e quem sai da minha vida, diz como eu devo me comportar e
quando faço me repudia.
— Como você ousa?
— Ouso porque nunca vou satisfazer as suas vontades, nem
se sentando na merda da sua cadeira, nem me casando com a
mulher que você quer, fazendo tudo do seu jeito. Nesses trinta e três
anos eu só ouvi como o peso das minhas escolhas afetariam tudo,
pra chegar agora e nem ter o direito de decidir com quem eu quero
me casar. Aposto que se eu me tornar um Don, serei apenas um
fantoche como fui a vida inteira.
— Você não vai se casar com uma florista, Héctor! Um Don
precisa de uma mulher à altura.
— Foda-se o Don e toda a porra que esse nome carrega! Não
importa em que posição eu esteja, sempre serei o monstro do
subchefe pra fazer seus trabalhos sujos. Você já teve provas de que
Damon faz tudo que você quer, tudo pela família. Mira nele porque
eu renuncio o papel de seu sucessor. — Cego de raiva, saí pelo
corredor e desci a escada.
— Para onde vai, Héctor? — Minha mãe me seguiu.
— O que você acha?
— Isso é loucura. Uma hora dessas eles já estão voando.
— Eu vou voar atrás, então. — Saí na frente da casa e não
tinha nenhum motorista por ali, então decidi que iria sozinho
mesmo.
— Não faça isso, Héctor. O seu pai está certo. Ele só quer o
seu bem.
— Você não entende, mãe, porque nunca amou ninguém
antes de se casar e aceitou o que lhe deram. Falaram que eu
poderia decidir, mas quando eu fiz isso, rejeitaram.
— É você quem não entende.
Abri a porta do carro e antes de entrar, olhei para ela.
— Acho melhor você ir atrás do Damon, porque eu não vou
seguir o plano do seu marido e acabar como o tio Fred.
— O que aconteceu com ele foi uma fatalidade.
— Ele se matou, mãe! Se matou porque o seu sogro afastou
dele a única coisa boa que ele tinha. E o seu marido está tentando
fazer o mesmo comigo, só que eu não vou deixar. — Entrei no carro
e tranquei a porta, não ouvindo mais ela devido ao ronco do motor
do SUV e dirigi depressa para fora dali.
Não tinha nosso jato para fazer a viagem, mas eu iria entrar
no próximo voo que conseguisse para Madrid e iria revirar aquela
cidade até encontrar Caterina.
CAPÍTULO 43
CATERINA SÁNCHEZ
Acabaram me largando no aeroporto de Madrid, sem
nada.
Como eu havia chorado a viagem inteira, meus olhos estavam
ardendo e inchados, a minha cabeça e testa doíam. Eu perdi a noite
acordada e estava desorientada sobre o que fazer dali pra frente.
Não podia pegar um táxi, não tinha dinheiro, pois a minha
bolsa tinha ficado na boate no dia em que eles me levaram embora.
Eu poderia ir lá, pegar o que me pertencia e conseguir me
virar melhor, mas correria o risco de ser levada para pagar pela
bondade do senhor Albarello, e poderia andar muito mais para
chegar na minha casa, onde eu não teria nem como entrar sem a
chave.
Eu sabia que bastaria colocar os pés em Madrid novamente
para a minha vida voltar a ficar em pedaços.
De novo, eu me sentia sozinha.
Atravessei a rua e comecei a andar no melhor estilo intuitivo a
caminho da boate. Demoraria muito até chegar lá e corria o risco de
encontrar o lugar fechado, mas o lado bom era que o dia já estava
amanhecendo e durante a manhã a equipe de limpeza trabalhava na
boate. Eles poderiam não saber de mim, nunca tinham me visto, a
não ser que a foto de procurada com o meu rosto estivesse pregada
em alguma parede do lugar.
Fui na esperança de que não encontraria nenhum conhecido.
Eu andei tanto!
Estava cansada, estressada e sem energia devido a privação
de sono junto a chateação com o retorno da minha vida fodida.
Devo ter levado meia hora ou mais para chegar à boate e
quando coloquei o pé na calçada, reconheci o segurança.
Pensei em correr, mas isso poderia alertá-lo sobre mim.
Talvez ele nem se lembrasse, pois foram apenas cinco dias
que passei naquele lugar.
Eu já sabia o que me esperava e se acontecesse de ter que
pagar pelo que não escolhi, não seria uma surpresa.
O que eu ia temer?
Quando parei ao lado dele, a porta estava fechada.
— Olá. Você pode abrir a porta? Esqueci minhas coisas lá
dentro.
Ele me inspecionou dos pés à cabeça.
— Onde está o crachá?
Eu nem me lembrava se na última noite usei.
Ele não foi comigo para a Itália.
— Ficou na bolsa. Você mesmo pode buscá-la se preferir —
sugeri e ele pareceu considerar a ideia ao mexer a cabeça. —
Armário 17.
— Permaneça onde está. Eu vou buscar. — Ele abriu a boate
e eu fiquei na calçada, esperando.
Aquele lugar de dia era diferente.
A rua estava calma, o que me dava uma certa tranquilidade.
O pouco de gente que transitava por ali estava indo ou voltando do
trabalho.
Era bom pensar que eu não precisava mais trabalhar naquele
lugar. Se fosse para seguir a minha vida em Madrid, eu só queria
voltar para a floricultura e arrumar os casamentos.
Eu me lembrei da história de Héctor sobre ter me visto em
um deles. Então ele queria dizer que foi amor à primeira vista?
O Héctor?
Pior que eu gostava disso.
Àquela altura eu gostava.
— Seu nome? — O segurança voltou com a minha bolsa
aberta.
— Caterina Sánchez.
— Nascimento?
Quanta segurança!
— 27 de novembro.
Ele fechou a bolsa e me entregou.
Nem a minha aparência, nem o meu nome pareciam ter feito
ele se recordar de mim.
— Obrigada. — Procurei por meu celular e, como já deveria
esperar, estava descarregado.
Mas tinha dinheiro, então pude ir para o ponto de ônibus.
De lá, fui para a minha casa.
Como descrever que estava dividida entre a saudade de casa
e o medo por voltar a ela?
Era uma confusão de sensações e quando as minhas vizinhas
chamaram meu nome, tive uma suspensão momentânea dos
problemas.
— Onde você esteve todos esses dias, Caterina? — Rômola, a
senhora aposentada saiu na frente da casa, e as outras duas,
Narcisa e Telma, permaneceram nas janelas de suas casas.
— Estive viajando.
— Aonde? E não avisou pra ninguém.
Foi uma suspensão momentânea mesmo, pois ao ouvir a
pergunta eu me lembrei de todos os meus problemas.
— Não estava nos meus planos...
— Alguns homens tiveram aqui procurando por você. —
Telma parecia assustada contando. — Homens sérios, vieram mais
de três vezes.
Elas precisavam saber do básico.
Já tinham vivido o bastante para entender como a vida
funcionava, muito mais do que eu, que estava aprendendo.
— O vício do meu pai em jogos deixou uma dívida muito alta
e aqueles homens estão cobrando. Se eu for embora de novo, vocês
saberão o motivo. Eu não posso fazer nada além de tentar resolver
sozinha.
— Caterina... — Narcisa lamentou. — Você não merecia nada
disso. Seu pai nunca reconheceu o vício, morreu e deixou você
assim!
— Quanto é? — Rômola também estava comovida. — Talvez
com uma vaquinha você consiga pagar.
— Já não se trata mais de dinheiro. — Eu estava conformada
e esperava que elas também ficassem. — Não sei se no fim vai dar
tudo certo, mas se der, voltarei aqui pra contar. — Sorri, tentando
alegrá-las por mais fodida que fosse a minha história.
Mas a minha cara abatida já deveria estar me denunciando
sobre como me sentia com tudo.
— Vou entrar pra ver como está essa casa.
— Não tinha chave, senão eu teria limpado. — Telma fez sua
reclamação de sempre.
Como meu pai e eu sempre vivíamos fora de casa, ela
reclamava que poderíamos deixar a chave com ela pra poder ajudar
na limpeza.
— Não se preocupe. Eu dou um jeito. — Tirei a chave da
bolsa, sorrindo e abri a porta de madeira.
A casa era pequena, mas bem mobiliada e organizada. Tinha
dois quartos, um meu e um do meu pai.
Depois desses meses longe, ela precisava mesmo de uma
limpeza, tinha muita poeira no lugar, mas não tinha bagunça.
Abri as janelas e antes de tentar descansar, ao menos limpei
o meu quarto, troquei a roupa de cama e depois de deixar meu
celular carregando, me deitei.
E se tudo já tivesse passado, assim como na memória do
segurança, e eu ficasse bem?

Acordei com a Rômola chamando.


— Já vou. — Eu me levantei, me acostumando com a volta ao
lar e quando abri a porta, vi a vizinha segurando uma bandeja
cheirosa.
— Pra você comer. Eu não sei como estão as coisas aí, mas
devem estar todas vencidas. Agora as comidas não duram mais um
ano, é um mês, dois meses, uma semana até.
Peguei a bandeja e abri.
Tinha pão quentinho recheado.
— A senhora é um anjo, sabia? Senti tanta falta de comer
isso. — Sorri com a barriga roncando.
Acho que o cheiro bom despertou minha fome.
— Coma, coma. Você parece tão abatida. — Ela acariciou meu
rosto.
— Tive uma longa viagem, por isso dormi. O sono é o melhor
remédio pra tudo, não é?
Sorrimos.
— Sim. Mas não se tranque. Coma tudo e se precisar de
ajuda pra limpar a casa, é só dar um grito que tem três fofoqueiras
com tempo pra ajudar.
— Obrigada. — Ri e ela fechou a porta.
Levei a bandeja para a cozinha.
Não tinha energia nem água, só poeira.
Uma verdadeira casa abandonada.
Comi os pães quase caindo de joelhos para agradecer.
Ela tinha um jeito especial de fazer aquelas coisas.
Comi tudo e antes de limpar a casa toda, paguei as contas
pelo celular. Eram tantas que quase esvaziou a minha poupança,
mas ao menos eles poderiam voltar a distribuir energia na minha
casa.
O aviso de demissão da floricultura estava em uma
mensagem de SMS.
Eu já deveria esperar.
Cada ação parecia uma parte do quebra-cabeças bagunçado
da minha vida se encaixando.
Ao meio-dia, ouvi a maçaneta da porta e imaginei que
receberia uma Paella para o almoço. Era merecido depois de uma
manhã de faxina.
— Rômola?
Ela não respondeu, mas ouvi passos pela casa.
Eu estava no banheiro, verificando a validade dos meus
produtos.
— Telma? — Saí para ver logo quem era e me deparei com
três homens, o do meio, musculoso e tatuado até mesmo na cabeça
raspada, me encarou com um sorriso vencedor.
Eu estava estática.
— Por que está limpando uma casa onde não vai morar,
Passarinho?
— Quem é você?
— Sou o homem que vai te levar para o seu novo lar, ao lado
do senhor Albarello. Me acompanhe gentilmente.
Eu poderia com o velho, mas não com os três brutamontes.
E as peças da minha vida se embaralhavam mais uma vez.

HÉCTOR BARONE
Antes de entrar no avião para Madrid, falei com Rosário, para
que ele descobrisse o paradeiro de Caterina.
O voo que consegui para Madrid só saiu às seis da manhã e
cheguei ao meio-dia.
Liguei para Rosário assim que saí do aeroporto, precisava do
endereço do meu próximo destino e esperava que ele me desse o
paradeiro de Caterina.
Na minha mente só existia ela nas últimas doze horas.
Tinha medo de não encontrá-la e dela pensar que não cumpri
com o prometido.
O meu pai usou a morte de Alonso para me tirar de casa. Ele
conseguiu desaparecer com ela sem que eu percebesse, sem que eu
pudesse fazer algo a respeito.
Eu nunca o odiei tanto.
Quando ele falava para Marcella, a mãe de Serena, que
estava se desculpando pelo que o pai dele fez quando eram jovens,
eu via apenas mentiras.
Ele era igual ao meu avô, pensava igual e eu era o tio
Frederico.
Mas avisei pra ele e não foi em vão.
Não deixaria de lutar pra ter um destino diferente.
E me casar já havia deixado de ser um negócio a favor da
família há tempos.
Era sobre mim, sobre o que eu sentia e queria para a minha
vida.
Eu não deixaria de ser o maior assassino da família se não
fosse o Don, eles não me excluiriam do que sabiam que apenas eu
poderia lidar com frieza. E o mais importante: eu não poderia ser
encarado como um traidor quando o meu pai deu sua palavra e
depois me contrariou.
— Héctor? — Rosário atendeu.
— Olá, Rosário. Já estou em Madrid. Me diga que descobriu
alguma coisa. — Foi quase uma súplica.
— O senhor Albarello retornou para casa na semana passada
e soube hoje pelo senhor García que ele rejeitou o dinheiro que você
mandou. Estou no bairro dela e as vizinhas contaram que ela saiu há
pouco acompanhada por três homens. Eles certamente vieram a
mando de Albarello. García disse que Albarello estava decidido a não
abrir mão dela.
Maldito!
— Ele tem tanto poder assim?
— Vive numa fortaleza, então ele tem. Ainda mais comparado
a você que não tem tantos apoiadores. Mas ele não tem mais que
Damiano.
— Então eu preciso que me leve até Damiano. — Tomei a
difícil decisão.
— Mas o seu pai disse que ele quer te castigar pelas coisas
que você fez na cidade.
— Apenas venha e me leve até ele, Rosário.
Estava disposto a me entregar se ele tirasse Caterina das
mãos de Albarello.
Eu pagaria qualquer preço para ver aquela mulher bem.
CAPÍTULO 44
CATERINA SÁNCHEZ
O extenso vinhedo que escondia a estrada para a mansão do
Albarello era uma prova de que eu estava longe da cidade e,
dificilmente, escaparia dali com os cães ferozes que corriam
acompanhando o carro.
Naquela hora, eu só tinha um arrependimento: não ter
matado aquele homem quando tive a oportunidade.
Eu não sabia muito sobre como ele ficou depois que o
machuquei, se ele se levantou assim que Héctor me levou ou
demorou.
Se ele tivesse ficado bem logo, me procuraria, assim como fez
quando cheguei à cidade.
E mesmo eu tendo convivido com a dúvida da sua morte por
meses, sabia que o golpe que dei nele não tinha grandes chances de
ser fatal.
Os homens que me buscaram, apesar de serem enormes e
musculosos, tiveram tanto cuidado para que eu não tentasse fugir
que dois deles se sentaram ao meu lado no carro, enquanto o
tatuado dirigia.
Pela satisfação que carregavam em seus sorrisos, Albarello
deveria ter oferecido uma grande recompensa para quem me
encontrasse.
Eu me sentia tão mal.
Não podia dizer que tive um homem para me defender na
vida.
O meu pai, que apesar de nunca ter me maltratado, morreu e
me deixou apenas uma grande dívida. Para me cobrar, o credor me
forçou a ser garçonete e depois de me vender, me forçou a ir com
Albarello. O único homem que disse que estava me protegendo
parou de se importar comigo de uma hora para a outra. E o que
disse que não permitiria que aquilo acontecesse sequer estava lá
para cumprir sua promessa.
Então, eu estava indo morar com um homem que me via
como um objeto, esperando apenas o momento para colocar as
mãos em mim, me quebrar e depois dizer que era dele.
E eu nem contei do primeiro, que tentou de todas as
maneiras me violar.
Eu deveria ter dado fim a um por um como eu fiz com ele.
Talvez assim eu me sentisse mais forte e menos desamparada.
Se eu pudesse dar conta, não me acharia uma pobre coitada,
indefesa e sozinha.
Eu engoli toda a mágoa de quem começou a minha maré de
azar.
A minha mãe.
Se ela apenas tivesse me amado uma vez na vida, teria
acreditado em mim, me escolhido, teríamos permanecido juntas,
seríamos unidas, nenhum homem tentaria me machucar, me
venderia e me caçaria.
Mas ela nunca pôde.
Por que eu insistiria em tentar fazer quem me odiava passar a
me amar?
Eu apenas fiz o que foi preciso e o resto aconteceu. Um efeito
borboleta, que me afundava cruelmente em mais e mais maldades.
Sempre correndo riscos.
A fachada da grande casa de campo branca do senhor
Albarello apontou no fim do caminho, o sol da tarde iluminava ainda
mais as paredes e telhado claros.
Outros cachorros saíram da calçada e correram ao encontro
do carro.
Por que alguém teria tantos cães nada amigáveis?
Eles latiam de forma bruta e apenas quando um homem os
chamou, se afastaram permitindo que o carro estacionasse em
frente à casa de dois andares.
Quando os dois brutamontes abriram as portas, o vento
atravessou o interior do carro, era um dia quente, mas o seu frescor
me fez ter arrepios.
Saí pela porta direita, mais distante dos animais e próximo à
porta da casa. Já era normal para mim sempre estar procurando
uma maneira de me proteger quando sabia que a ameaça estava me
cercando.
O homem tatuado parecia necessitar de uma demonstração
de poder, pois mesmo sem resistência nenhuma da minha parte, ele
agarrou apertando meu braço esquerdo e me arrastou para dentro
da casa.
— Eu sei andar, merda! — murmurei sentindo o incomodo na
minha pele.
A casa era antiga, toda a decoração e mobília também, mas
parecia novo, brilhante e limpo. Cheirava a pinho. O chão era preto e
íntegro, as paredes brancas contrastavam com as portas azul-
marinho dos diversos cômodos que tinham em volta da sala de estar.
Foi para um deles que o homem me levou.
Quando empurrou a porta, vi o senhor Albarello sentado na
cama, soprando bolas por um cano a comandos de uma mulher de
pijama médico.
Ele me viu e parou.
— Então você finalmente voltou.
Eu sentia raiva por lembrar que ele me comprou, mas mais do
que isso, sentia medo do que pretendia fazer comigo depois do que
tentou naquele dia.
A vontade de chorar como criança fechou a minha garganta e
engoli o nó na última tentativa de parecer forte.
— A minha recompensa — o captor cobrou.
Albarello pediu licença para a mulher, então ela se levantou e
entregou um andador para ele, que se apoiou como se não tivesse
forças nas pernas.
Eu tinha feito tudo aquilo apenas com um aquário?
Ele demorou para conseguir chegar ao armário e quando
conseguiu, tirou de dentro dele um saco bege, marcado com os
blocos de dinheiro, que acabou nas mãos do captor.
— Obrigado pelo serviço.
— Estou à disposição. — O homem saiu do quarto.
Eu havia sido tirada da minha casa e largada em outra casa,
com um homem que tinha muitos motivos para querer me fazer mal.
A minha sorte era que eu tinha motivos pra querer fazer o
mesmo.
Ele voltou a se sentar na cama e depois de muito sufoco para
colocar as pernas sozinho em cima dela, suspirou olhando para mim.
— Não precisa se preocupar, querida. Isso não é sua culpa.
— Eu não sou sua querida. — Cruzei os braços desconfortável
com tudo.
— É. Você é. Quando soube que os Barones da Itália haviam
te levado, me senti tão culpado.
A voz branda não me trazia a segurança de antes dele ser o
filho da puta que achava que tinha me comprado.
— A pulseira era um presente na melhor das intenções. Não
imaginei que te traria problemas.
— Não adianta falar manso comigo, senhor Albarello. O que
você fez foi injusto, maldoso e nunca irei perdoar. Tentar me
comprar... — Balancei a cabeça com o cenho encolhido. — Isso é tão
nojento.
A moça ouvia tudo de cabeça baixa. Deveria ser alguma
subordinada dele, mas eu não era e não tinha medo daquele
homem.
Nada do que ele fizesse me levaria a acreditar que queria o
meu bem.
— Eu só tentei te ajudar. Te livrar da dívida. Uma moça como
você não deveria trabalhar em um prostíbulo como aquele.
Prostíbulo que ele frequentava fielmente.
— E depois tentou me estuprar. — Lembrar daquela noite
despertava uma angústia e necessidade de fazer alguma coisa para
escapar, mesmo que não estivesse mais lá.
— Não! — ele replicou de imediato, parecia até mesmo
ofendido em ouvir a minha acusação. — Eu só queria te dar carinho,
mas você ficou agitada e me machucou...
— PARA! Para de se fingir de vítima com essa voz de quem
tem um dedo no cu! Eu vou embora daqui. Saiba que quando você
menos esperar, não me encontrará neste lugar.
O homem mudou, as bochechas murcharam e o olhar
escureceu.
— Tente. Boa sorte com os quinze Pitbulls e os mais de trinta
homens armados que estão em volta desta fazenda, esperando
apenas alguma coisa sair do controle.
E cada dia que passava eu me impressionava mais com a
verdadeira face das pessoas.
Assim como Alonso, ele escondia um ser humano mal-
intencionado atrás de um rosto gentil.
— Mas não se preocupe, querida. Eu não vou deixar você
morrer na primeira, nem na segunda, nem na terceira fuga. Eu disse
que você é minha, então você será minha até o fim da minha vida.
Acostume-se com o novo lar.

HÉCTOR BARONE
Quando mais jovem, eu fiz coisas das quais não me
arrependia inteiramente. Digamos que eu só fiz no lugar errado e
isso foi o suficiente para criar uma sede de vingança em Damiano, o
homem mais poderoso do submundo em Madrid.
Mas ele respeitava o meu pai e o que eu seria futuramente,
como seu sucessor.
Então nunca tentou me matar, mas sempre que eu colocava
os pés em Madrid, tinha gente do meu pai e dele me vigiando,
esperando apenas um deslize para enfim conseguir me castigar.
Eu ainda me lembrava de como tudo começou. Um corpo no
rio depois da minha passagem caótica por Madrid. Foi quando
descobri como eram mentirosas as putas do Lujuria.
Isso tinha muitos anos, mesmo assim ainda reconheci o rosto
de Damiano quando cheguei no local onde ele combinou de me
encontrar. Um galpão.
— Você envelheceu. — Não pude deixar de reparar.
Damiano era um homem de meia-idade, um pouco mais baixo
que eu, barbudo e com cabelo longo. Ele carregava suas cicatrizes
como tatuagens e não fazia questão de cobri-las optando por andar
de botões abertos e mangas da camisa enroladas.
— E você continua se achando o dono do mundo, não é? —
Ele tinha uma voz grave. — Sempre passando por aqui e deixando
algum estrago... Eu esperei tanto por esse encontro.
— Se você analisar bem, a última vez que vim aqui foi apenas
para buscar as joias roubadas da minha mãe. Os caçadores daqui
são ótimos! Embora haja alguns aproveitadores, como o Albarello.
Aliás, eu soube que você não gosta tanto dele.
— Digamos que se você tivesse o matado naquele dia, eu não
acharia ruim.
— Eu? — Ri. — Eu não toquei naquele homem. Ainda. Ele
está com a minha futura esposa e eu a quero o mais rápido possível.
Sabe, uma boa desculpa para você invadir a fazenda e fazer o que
deseja. Podemos nos unir como naquele ditado: o inimigo do meu
inimigo é meu amigo.
Então foi a vez dele sorrir.
— Você veio pedir a minha ajuda?
— Uma colaboração, reconhecendo que o território é seu e
todo o seu grande poder.
Talvez eu tenha soado sarcástico ao tentar dar grandiosidade
a minha fala, mas sabia que ele tinha me entendido.
— Héctor Barone vai se casar? Eu não sabia. Apaixonado a
ponto de vir correndo atrás da noiva. Mas ela não é a moça que eu
soube que Albarello comprou, não é?
Esse assunto me deixava furioso.
— Ela nunca esteve à venda e acho que tenho um pouco mais
de força do que ela pra meter essa ideia na cabeça dele.
Ele balançou a cabeça, admirado.
— Eu tenho uma proposta melhor. Visando a morte de um
inocente há pouco mais de dez anos atrás. Você se lembra? Boiando
no rio?
Apenas o fato de eu ter passado pela cidade na época, foi
motivo para ele me culpar.
Bem, eu meio que era responsável pelo corpo estar no rio...
— Eu imaginei que teria um preço. Desde que a traga o mais
rápido possível para mim, pagarei.
Ele sorriu com satisfação.
— Isso será melhor do que eu sonhei.
CAPÍTULO 45
CATERINA SÁNCHEZ
A noite caiu e o uivo assustador dos cães junto ao vento se
tornou mais alto e medonho. Parecia que estávamos no fim do
mundo, onde ninguém poderia nos encontrar e me salvar.
Eu estava tão angustiada que o desespero só não me fazia
cometer loucuras, porque o homem que achava que me pertencia
não podia fazer nada comigo.
Ele me forçou a ouvir sua história quando começou a falar
alto e não importava em que canto da casa eu estivesse — ainda
não tinha explorado os andares de cima — podia ouvi-lo.
Alguém havia tentado contra sua vida no período em que
permaneceu no hospital para observação e fazer os exames para ver
os danos que eu podia ter causado com o golpe que dei nele.
Mas ele não entrou em detalhes sobre como aconteceu,
apenas que ficou três meses no hospital, a maior parte do tempo
inconsciente.
E com isso houve a perda das funções motoras e ele estava
fazendo o tratamento em casa.
O filho da puta quase morreu e assim que saiu do hospital, ao
invés de cuidar da própria vida, decidiu voltar ao ponto de partida e
me fazer sua prisioneira.
Com o passar das horas, conheci as outras pessoas que
trabalhavam para ele. O cozinheiro, a esposa desse homem, que
cuidava da casa e a fisioterapeuta, que ia embora todos os dias.
Quando a vi saindo dali, eu quis ir junto.
Nunca desejei tanto uma fuga.
Mas eu encontraria um jeito de sair dali.
O problema eram os cães, que ficavam soltos o tempo todo e
não paravam de latir quando viam alguém.
Bastava eu aparecer na janela e eles me verem para
começarem a latir.
— Caterina, querida. Tem roupas suas no quarto — Albarello
avisou.
A voz dele já era o som mais irritante para mim.
Uma bondade que não existia.
Era um cínico desgraçado!
Quando me virei e o vi de pé com o andador, me deu vontade
de ir até lá e chutar os apoios de metal, fazê-lo cair no chão e
afundar uma das pernas do andador na cabeça dele.
— Está no nosso quarto, querida.
Eu zombei rindo.
— Você acha mesmo que vou dividir o quarto com você?
Melhor, você tem coragem de dividir o quarto comigo?
— Eu sei que não fará nada. Você tem uma alma boa,
Caterina. O que aconteceu na boate foi apenas um momento de
descontrole. Você não estava pronta, eu entendo. Não é a primeira
vez que tenho comigo uma moça pura. Eu sei lidar. Posso esperar e
confiar em você também.
Isso sim, era um sociopata.
Não era questão de eu ter uma alma boa, mas das
necessidades de ser má diante das situações da minha vida.
Era isso ou ganhar um trauma para o resto dela.
— Vá se preparar para o jantar.
— Eu não quero. Dispenso. — Voltei a olhar pela janela, na
esperança de que surgisse alguém para me salvar.
Isso era impossível.
Uma hora daquelas, na casa dos Barones, eu estaria
conversando com as cozinheiras sobre o dia, ouvindo fofocas
absurdas. Embora, desde que Héctor revelou o seu interesse em se
casar comigo, estava evitando dar espaço para o assunto quando
conversava com elas. Passava inclusive menos tempo no mesmo
ambiente que elas.
Eu poderia ouvir as perguntas constrangedoras por horas se
pudesse escolher entre isso e estar na prisão do Albarello.
Serena com certeza deveria estar inconformada com a minha
partida. As outras nem tanto, porque não éramos tão próximas.
Será que o Héctor estava pensando em mim ou com a minha
falta já havia aceitado se casar com Hannah?
A essa altura eu já não o via como o maior monstro da minha
história.
— Uma hora você vai ter que comer.
— Meu Deus, você ainda está aí?! Me deixa em paz com
meus pensamentos!
Que homem insistente!
Eu ficaria ali pelo tempo que conseguisse, esperando ver a luz
no fim do túnel.
Depois de contar mais estrelas do que achei que podia, vi
faróis vindo em direção à casa.
Não era possível ouvir o som do que se aproximava, devido
aos cães que latiam muito, mas esperei até ele chegar perto
suficiente.
Um carro acabava de chegar.
Héctor...
Eu queria que fosse aquele troglodita. Queria que ele fizesse
todas as loucuras que quisesse para me tirar dali.
Héctor era o vilão, talvez o anti-herói, mas eu queria que ele
fosse o meu herói ao menos naquele dia.
— Quem chegou? — Albarello perguntou ríspido.
Aquela era a sua verdadeira face.
— Vou ver, senhor — o cozinheiro falou e eu, ainda próxima à
janela, observei o surgimento de mais faróis, indicando que mais
carros estavam chegando.
Tinha muita gente chegando e não era ninguém que Albarello
esperava.
Isso me deu instantânea esperança de que pudesse ser a
polícia disfarçada ou outra pessoa. As minhas vizinhas viram quando
acompanhei os homens e, embora, eu não tivesse gritado ou falado
algo que denunciasse o que estava acontecendo, as minhas feições
não escondiam o medo que sentia.
As portas do primeiro carro se abriram e quatro homens
saíram no mesmo instante. A luz que iluminava a frente da casa
permitiu que eu pudesse ver a aparência deles.
O cozinheiro já havia espantado os cães que foram
obedientes ao seu comando.
Aqueles quatro me lembravam os outros que me deixaram ali,
porém não eram as mesmas pessoas e não carregavam sorrisos.
— Onde está o senhor Albarello? — um deles com a voz
grave, se aproximou do cozinheiro.
— Quem procura?
— Viemos em nome do Damiano.
Merda!
Não era pra mim.
Eu soube na hora que aquilo não seria um resgate.
A única vez que vi Damiano foi quando começaram a procurar
o meu padrasto. Ele esteve na casa da minha mãe, eu parei de
arrumar a minha mala para desmentir qualquer acusação que ela
pudesse fazer contra mim, então ele fez perguntas e foi embora.
Não havia motivos para me procurar ali.
Foi um grande banho de água fria e me sentei no sofá,
ouvindo apenas a conversa.
Albarello demorou para conseguir chegar à porta com suas
pernas falhas, apoiadas no andador.
— O que ele quer? — A mansidão da voz do maldito havia
sumido de vez.
— Ele mandou buscar a garota.
Meu coração saltou e eu fiz o mesmo no sofá.
Eu estava enganada mais uma vez e dessa positivamente.
Eu precisava acreditar que era positivo.
O que poderia ter motivado o Damiano a querer salvar uma
pobre desconhecida?
A minha mãe não deveria ter voltado e feito isso. Ela me
odiava mais do que antes depois que perdeu o grande amor dela.
— Você não vai levá-la a lugar algum. Ela é minha.
— Ele disse que o fato de você ter pagado a dívida não
significa que ela é sua, apenas que pagou a dívida dela.
— Ela vai me agradecer ficando aqui — ele grunhiu.
Pelo discurso do representante de Damiano, aquela busca
dizia respeito ao que aconteceu na boate. Ele estava certo, Albarello
pagou a minha dívida, mas achou que me comprou.
Eu não tinha que agradecer por nada, inclusive, estava
prestes a empurrá-lo e pular nos braços daqueles homens,
independentemente de como fosse o meu futuro depois dali.
Um deles pegou um saco dentro de um dos carros.
— Ela pagou a dívida e o senhor não aceitou. Aqui está o
dinheiro, logo, ela não tem a obrigação de ficar na sua casa.
De onde eles tinham tirado aquele dinheiro?
Por que parecia que Damiano estava mesmo me ajudando?
Será que ele tinha planos piores para mim?
Ele não poderia ter descoberto o meu segredo, mas se
tivesse, depois das minhas justificativas, só me faria mal se fosse um
monstro insensível.
— Eu já tomei a minha decisão. — A insistência de Albarello
começava a me cansar.
— Senhor, estamos negociando pacificamente. Viemos em
muitos e não vamos sair daqui sem essa mulher, então, se não
quiser que aconteça uma chacina, entregue-a.
O temor tomou conta do rosto de Albarello, que fechou os
olhos e se manteve estático por alguns segundos.
Eu não acreditava naquela atuação ruim de que seria difícil
abrir mão de mim.
Quando ele me olhou, suspirou com pesar.
— Eu lamento, querida, mas não posso te proteger de tudo.
Eu fiz um grande esforço para não esnobar as palavras dele,
nem perder a paciência e adiantar a minha saída dali.
— Você precisa ir com eles — ele retomou o tom manso e
lamentoso.
Eu mordi a língua para não falar o que queria e quando ele
abriu espaço para eu passar, parei na sua frente, enojada.
— Eu nunca seria a sua querida, velho nojento. — Minhas
palavras saíram carregadas de ódio e passei pelos homens para
entrar no carro.
Por mais que o que me aguardasse fosse incerto e perigoso,
era muito melhor do que ficar nas mãos daquele homem maldoso.

Voltamos para a cidade e estacionaram em frente a um


galpão, numa região menos movimentada. Eles saíram do carro e
sinalizaram para acompanhá-los.
Eu não era burra de resistir, estava cansada, com fome e sem
curiosidade alguma sobre o que levou Damiano a me libertar das
mãos de Albarello.
A minha estadia naquela fazenda foi tão curta que não deu
para descarregar o ódio que sentia pelo dono por ter me feito de
mercadoria.
Assim que entrei no galpão, encontrei Damiano de pé, parado
na porta, como se estivesse me esperando.
Confesso que quando o vi pela primeira vez, não prestei
atenção em suas feições, cabisbaixa dei o meu depoimento, com
medo do que poderia acontecer comigo.
Mas ao encará-lo ali, me recordei dele, principalmente ao
ouvir sua voz.
— Você não me é estranha.
— O que você quer comigo? — sussurrei.
Ele olhou para trás e assim que seu corpo girou, consegui ver
um homem com as mãos amarradas para cima, em um poste.
O choque me fez gritar seu nome.
— HÉCTOR?
Era a última pessoa que imaginei ver ali e me lembrava desde
o nosso primeiro encontro que Damon alertou sobre Damiano odiá-
lo. Ele era um refém, sem camisa, me olhando como se eu fosse um
milagre.
— Caterina! Eles conseguiram. — Ele bateu a testa no poste e
riu.
Olhei para Damiano, que também sorria e não compreendi o
motivo de Héctor estar amarrado como um animal.
— O que... Como?
— Merda de carma! Eu tenho uma péssima notícia pra você,
menina. — Ele me encarava como se de repente tivesse se lembrado
de algo.
Como se eu já não estivesse me sentindo mal, ele conseguiu
fazer o desespero crescer dentro de mim.
— O que você vai fazer com ele? — Minha voz ficou aguda e
eu corri para Héctor. — O que você fez? — Tentei soltá-lo, mas os
nós eram muitos e bem apertados.
— Não se preocupe. É apenas um acerto de contas. Eles me
deram o que eu queria e eu vou dar o que eles desejam. Só isso. —
Ele alcançou meus dedos e os apertou.
Eu temia pelo que esse acerto de contas poderia causar e
temi pela morte daquele bastardo.
— Por que fez isso, Héctor? — Meus olhos arderam com a
vontade de chorar.
— Porque eu sou louco por você, Caterina. Eu disse que não
deixaria que ninguém tirasse você de mim.
Eu fiquei perplexa.
Como alguém como ele poderia ser a pessoa a me salvar?
A se sacrificar por mim, quando acreditei tantas vezes que ele
era incapaz de sentir algo além de raiva por alguém?
Ele realmente era apaixonado por mim.
— Héctor... — Eu não conseguia reunir palavras para
agradecer quando seria a culpada pelo que poderia acontecer a ele.
— Não se preocupe comigo. Só me espera. — Ele parecia
tranquilo demais para a situação.
— Que casal bonito! — Damiano se aproximou de nós e
puxou a minha mão. — Mas cadê o anel de noivado? Vai se casar
com ela sem o pedido, Héctor?
Não me surpreendeu o comentário.
Nem na situação mais fodida, ele deixava de falar que iria se
casar comigo.
Eu não conseguia sentir ódio disso naquela hora.
— Acho que você não vai querer ficar perto dele agora. —
Damiano me afastou de Héctor. — Mas vou te deixar aqui, para
assistir o que vai acontecer, porque acho que você vai gostar.
— O que você vai fazer com ele? — Dessa vez, tive mais força
na voz.
A frieza dele era comparada à de Héctor.
Eles eram dois sádicos brincando com a minha saúde mental.
— Acho que vai querer saber o motivo do que vou fazer. —
Ele tirou uma jaqueta de cima de uma cadeira e se sentou na outra.
— Sente-se.
Eu me sentei sem tirar os olhos dele.
Eu temia pelo que ouviria que certamente Héctor fez, porque
já estava sendo difícil lidar com sua mudança comigo. Enquanto
carregava aquelas mágoas, uma paixão estava crescendo contra a
minha racionalidade.
A maneira como ele parecia mesmo se importar comigo, o
que ele estava fazendo ali por mim...
Eu não queria ser o motivo dele estar preso a um poste, mas
também não queria saber que existia um motivo pior, que me
impedisse de continuar vendo seu lado bom.
— Foi ele quem matou o seu padrasto, Caterina. Foi ele quem
jogou o corpo do seu padrasto no rio.
Meu olhar se chocou com o de Héctor enquanto a minha
mente se abria para lembranças de uma noite tensa, que diziam o
contrário do que Damiano afirmava.
CAPÍTULO 46
CATERINA SÀNCHEZ
Passado...
Chutei a perna dele e não vi sinal de consciência. Quando
fiz mais uma vez, o braço dele caiu para o lado, de cima do sofá,
mole. Seu peito não subia, nem descia. Tomei coragem para colocar
o ouvido perto do nariz dele.
Sem ronco, sem sopro.
Analisei o pescoço, não havia pulso visualmente.
Eu não tive coragem de colocar minhas mãos nele.
Isso me faria suspeita.
Mamãe não estava em casa, ela trabalhava durante a noite.
Peguei o carrinho que usava com as flores e também as luvas
amarelas, as vesti e deixei o carrinho ao lado do sofá.
Arrastando pelo quadril e ombro, eu o virei para dentro da
caçamba do carro. O rosto dele bateu na beirada, mas não me
importei.
Ele não podia sentir nada.
Estava morto.
Arrumei as pernas e depois de respirar um pouco pela tarefa
cansativa, cobri tudo com a lona.
Carregar setenta quilos em um carrinho de mão nunca foi tão
difícil. Eu ainda precisava jogar terra por cima, e flores, para
disfarçar o que estava por baixo.
Quando fiz, saí de casa para ir para o rio.
Morávamos na periferia, o que irritava a minha mãe.
Aquela parte do rio já beirava um esgoto, o cheiro sempre
contaminava o ar dentro e fora de todas as casas.
Ela me culpava pela situação, dizia que as minhas despesas
eram o que a impedia de morar em um lugar melhor e o dinheiro
que papai mandava não dava para nada.
Seu marido, o cadáver no carrinho, não oferecia um tostão
para ajudar dentro de casa, mas ela o defendia.
Afinal, ele não tinha obrigação de cuidar da filha de outro.
Porém, se sentia na liberdade de me assediar e depois fazer
parecer que eu era a indecente, a filha que não prestava.
Pensar nas coisas que ouvi a minha mãe me acusar, nas
palavras maliciosas dele, me dava mais forças para empurrar o
carrinho.
Não tinha ninguém na rua, pois dias como aqueles, no fim de
semana, as pessoas saíam de seus casebres para tentar encontrar
um ar mais limpo e esquecer a pobreza de suas vidas em outros
cantos da cidade.
Meu plano era empurrar o carrinho no pequeno desfiladeiro e
quando ele virasse na água, o corpo afundasse e fosse engolido pela
lama.
Mas ao me aproximar, perdi o controle do peso, o que fez
com que o carrinho descesse sem virar.
Ele desceu e, no fim, antes de chegar à água, virou, fazendo
o corpo cair no chão.
Eu vi o meu fim ali, ainda mais quando ouvi um gemido e
olhei para trás. Um homem empurrava um carro para dentro do rio.
Enquanto eu assistia ao carro ser engolido, ele me viu e se
aproximou. Ele usava uma balaclava, luvas, e o resto do corpo
estava coberto por um terno preto.
— Precisa de ajuda? — A voz dele era jovial e profunda.
Olhei para o corpo caído de qualquer jeito no chão e sacudi a
cabeça com medo.
— Aproveita que já estou com a mão na massa. — Ele
levantou as mãos cobertas.
Eu nem sabia como ele era e tinha visto o meu corpo, digo,
do meu padrasto.
— Não é o que está pensando.
Ele passou do meu lado, tão alto em relação a mim!
Cheirava a perfume caro mesmo no lugar mais fedorento da
cidade.
Ele segurou as pernas do cadáver e as esticou, deixando-as
paralelas, depois segurou os braços.
— Vamos de uma vez.
Eu precisava resolver aquilo e foda-se o que ele pensava, se
estava disposto a me ajudar.
Afastei o carrinho, segurei nas pernas do morto e juntos o
levantamos. Apenas em um difícil balanço de um lado para o outro,
o maldito voou para o rio e afundou.
Eu tinha matado o meu padrasto.
A ficha só caiu quando pensei como a minha mãe ficaria com
o desaparecimento dele.
Não me doía não precisar vê-lo nunca mais, mas sabia que
ela sofreria.
O homem estava estático, me observando.
— Você não viu nada, assim como eu também não — avisei.
Lentamente, ele balançou a cabeça e me assistiu juntando as
flores e indo embora com o carrinho vazio.

AQUELE HOMEM ERA O HÉCTOR!


O homem que me ajudou a afundar o meu padrasto no rio
era o Héctor.
Como descobriram sobre ele?
Héctor sorriu pra mim.
— Ele está ali por causa disso?
Héctor estava pagando pelo que eu fiz?
E ele sabia que era eu, merda!
Era por isso que ele dizia que me conhecia bem?
— Sim, mas não te chateia saber que ele matou o seu
padrasto? Um homem de bem? — Damiano parecia estranhar a
minha postura.
— Homem de bem? Ele fez da minha vida um inferno desde
que se casou com a minha mãe. Vivia constantemente tentando me
estuprar. Ele não era bom! Foi por isso que...
— Eu soube e o matei — Héctor me interrompeu.
Ele estava insistindo mesmo em levar a culpa.
Eu não me arrependia de ter feito aquilo e por mais cruel que
Héctor tivesse sido comigo nos primeiros meses que passei na casa
dele, não era justo pagar pelo crime que eu cometi.
— Você fala sério ou isso é apenas para proteger o seu noivo?
— Damiano questionou e o encarei, inconformada.
A verdade era que ninguém deveria pagar pela morte daquele
monstro.
— Se falo sério? Jerome era um monstro! Ele nunca foi um
homem de bem!
Ele esfregou a cabeça.
— Ok, mas isso poderia ser resolvido conosco, não com
Héctor. Ele vai apanhar por ter se metido em problemas que não
eram dele e por tirar a ordem da minha cidade. Janeiro. — Ele
balançou a mão para um homem que levantou um chicote e acertou
nas costas de Héctor.
Eu tremi e ele caiu de joelhos, com o rosto tenso, mas sem
expressar dor nenhuma. Suas mãos se fecharam e as veias saltaram
enquanto ele parecia se conter.
Nunca tinha presenciado algo como aquilo.
— Dez chicotadas pelos anos que fiquei remoendo essa ideia
— Damiano ordenou.
— Não! — implorei ciente de que ele sofreria muito.
A culpa era minha.
Fui eu quem matou o homem.
Por que diabos ele estava dizendo o contrário?
Damiano me ignorou e Janeiro bateu seguidas vezes em
Héctor, em dado momento o sangue começou a voar e eu vi Héctor
perdendo o controle, ruindo.
Cada chicotada doía em mim e cheguei a implorar em prantos
para que Damiano ordenasse que aquela tortura parasse, mas ele
não me olhava, não me ouvia, não me respondia.
Eu nem sabia quantas tinham passado, mas parecia um
sofrimento eterno.
Depois de tanto sangue derramado, Héctor começou a
grunhir de dor, encolhido no chão com o sangue se espalhando pelo
resto do corpo e a cabeça contra o poste.
Eu me levantei e corri em sua direção, me ajoelhei na sua
frente e apertei suas mãos com o rosto banhado de lágrimas.
— Você não tinha... — Os soluços não me permitiram concluir
a frase.
O torturador deu uma última chicotada e o sangue acertou a
minha pele, enquanto Héctor apertou forte as minhas mãos. Olhei
para o subordinado e ele nos deu as costas, largando o chicote
ensanguentado no chão.
Acreditando que o castigo havia acabado, comecei a tentar
desatar os nós, então uma faca deslizou pelo chão e parou ao lado
do meu joelho.
— Agora estamos quites, Barone. Mas não torne a fazer
baderna na minha cidade — Damiano avisou colocando um cigarro
na boca, então foi para a saída.
Peguei a faca e tremendo cortei as cordas.
— Meu Deus! — O homem que andava na casa dos Barones,
correu para nos ajudar.
Eu não sabia que ele estava ali, mas com certeza Héctor não
ousaria andar sozinho pelo território de Damiano.
— Eu disse para você ir embora, Rosário — Héctor reclamou.
— Mas voltei depois de ver a loucura que fiz te ajudando.
E realmente foi uma loucura.
Ele nem conseguia se levantar.
Quando vi suas costas com machucados profundos e
ensanguentados, me senti mais culpada.
Cobri a boca chorando.
— Por que você fez isso, Héctor?
— Ele iria fazer de qualquer forma. Você não entende, meu
bem? — A tranquilidade dele havia voltado, ele tocou o meu rosto e
sorriu, depois me abraçou forte. — Nunca questione o que faço por
você. Isso não foi nada.
Não questionaria mesmo.
— Eu achei que você não viria. — Chorei contra o peito dele.
Ele beijou a minha cabeça.
— Abrir mão da minha futura esposa nunca será uma
possibilidade.
Eu ri no meio do choro.
— Você ainda insiste que serei alguma coisa sua, quando eu
só te trouxe problemas.
— Ainda, não. — Ele segurou a minha nuca e afastou a minha
cabeça, então nos encaramos. — Você é minha.
CAPÍTULO 47
CATERINA SÁNCHEZ
Depois do acontecido, fomos para a casa do Rosário.
Não era muito distante dali, mas fomos de carro. Héctor mal
conseguia vestir a camisa, então fizemos o possível para que ele não
sujasse o automóvel.
Eu ainda não conseguia acreditar que ele havia feito aquilo
por minha causa e que era o rapaz que me ajudou na noite, em que
cometi aquele crime.
A vida havia cruzado nossos caminhos duas vezes. Em uma
ele foi gentil e me ajudou a acobertar um crime e na outra não nos
demos muito bem.
Eu estava curiosa para saber o motivo dele nunca ter me
contado sobre aquilo, apesar de que me assustaria se, de repente,
ele aparecesse contando algo como: “Eu te conheço, Caterina,
porque fui eu quem te ajudou a jogar o corpo do seu padrasto no
rio”.
Se fosse na época em que ele me dizia grosserias, com
certeza eu pensaria que estava nas suas mãos, completamente
perdida.
O que Damiano fez foi crueldade. Eu estava procurando curar
a mágoa que Héctor deixou em mim, mas vê-lo se colocando no
meu lugar para receber uma punição como aquela, era como se ele
pagasse por tudo o que fez comigo.
Eu não queria que ele pagasse.
Não daquela forma.
Não de uma maneira tão cruel.
Quando entramos na casa de Rosário, a esposa dele e outros
funcionários se assustaram com a situação de Héctor, mas Rosário
disse que tudo ficaria bem e nos levou para uma suíte.
Héctor se sentou em uma cadeira, ele gemia baixo, mas eu
imaginava que sua dor era muito maior do que aparentava sentir.
Além de teimoso Héctor era um homem que sempre buscava
não parecer frágil. Quando ele estava recebendo aquelas chicotadas,
eu pude ver o quanto lutava para que não parecesse sofrer, porém
as veias, os músculos rígidos, as mãos fechadas diziam o contrário.
Ele estava sofrendo muito, disfarçava bem, mas não era o
suficiente para encobrir aquilo.
Entrei no banheiro e quando vi a banheira e o chuveiro em
cima dela, achei um bom lugar para lavar as feridas de Héctor. Pedi
para que se sentasse dentro dela, pois ele já estava sem camisa,
calado.
Pensativo talvez.
Eu não consegui decifrar sua cara de pôquer.
Quando liguei o chuveiro, ele deu um gemido gutural bem
baixo.
Logo a água começou a lavar o sangue que havia se
espalhado pelos cortes e toda a pele.
Pude ver o estrago, o que me fez sentir dor.
Era impossível ser insensível àquilo.
Feridas horríveis, tão profundas que quase davam para ver os
ossos dele, linhas em todas as direções que alcançavam desde o
ombro até a sua lombar.
A água da lavagem estava se acumulando na banheira
branca, que contrastava com a cor avermelhada que o líquido
ganhava após se derramar no corpo de Héctor.
De repente, ele segurou a minha mão e puxou para perto do
peito, então olhou por cima do ombro para mim.
— Ele fez alguma coisa com você? Ele tentou te tocar?
Balancei a cabeça em negação.
— Ele mal se mexia. E se com o pouco que conseguia,
tentasse qualquer coisa. Eu me defenderia.
O problema era se eu ficasse lá para o resto da vida.
— Eu não tenho dúvida disso.
Héctor beijou a minha mão e me peguei pensando que ele
não tinha dúvida por saber do que eu era capaz.
— O que eu fiz naquela noite não se repetiu. Foi a minha
única saída. Ele estava tentando acabar comigo, me quebrar, me...
— Não consegui pronunciar a palavra, pois ela me causava medo. —
Também não foi de uma hora para outra.
— O que você fez, Caterina? Não deu tempo de ver. Eu não
me lembro muito daquela noite, além do seu rosto e de que imaginei
que você era tão louca quanto eu. Mas como estava em outra fase
da vida, não seria uma boa ideia te sequestrar para ser minha
esposa. — Ele sorriu e eu o acompanhei.
Era uma brincadeira um pouco assustadora.
— Eu cuidava de flores e comecei a estudar sobre elas,
então... Você sabe o que os boatos dizem sobre venenos e
mulheres...
— Você o envenenou?
Balancei a cabeça confirmando.
Era a primeira vez que admitia o crime para alguém. Mesmo
assim, ainda não me deixava arrependida do que fiz.
— A sua mãe machucou suas mãos depois disso? Ela sabe
que foi você quem fez?
— Ela suspeita, mas já me maltratava antes mesmo disso.
Desde que meus pais se divorciaram, ela sempre reclamava da
responsabilidade de ter que me criar. Quando queria me punir, ela
apagava cigarros nas minhas mãos. Eu morria de medo dela me
punir daquela forma, às vezes chorava antes de acontecer. Gostava
de me ver chorar, que eu me sentisse tão mal quanto ela pela nossa
situação e quando tirei essa conclusão, parei de temer o fogo e ele
parou de ser algo assustador. Apenas lidar com os medos de frente,
sabe?
Ele me ouvia atentamente.
— Foi por isso que você foi morar com seu pai?
— Por causa do marido dela? Sim, ela me expulsou de casa. E
depois eu não tive mais notícias dela. Mesmo me acusando, ninguém
foi atrás de mim. Agora eu entendo o motivo. Pensavam que era
você, não foi? Por que eles pensaram que era você, Héctor?
— Naquela época eu andava aprontando muito em todos os
lugares que eu ia. Viajava de país em país me divertindo. Eu estava
aproveitando o tempo antes que a responsabilidade pesasse ainda
mais nos meus ombros. Foi nessa época que eu ganhei a fama de
ser impiedoso e sádico. Todas as pessoas que entravam no meu
caminho não tinham um fim muito bom. Mas me surpreendeu
encontrar uma garota que parecia inofensiva carregando um corpo
em um carrinho de ferro.
Não era algo rotineiro, então eu concordava com ele.
— E quando você me viu no casamento, me reconheceu?
— Você não mudou muito desde aquela noite, mas confesso
que o seu sorriso chamou mais atenção do que os traços que eu me
lembrava. — Ele me olhava com fascínio. — Você apareceu na minha
vida no momento em que eu não precisava e depois, quando eu
precisava, você reapareceu.
— Acho que foi o contrário para mim. — Sorri pensando que
foi uma grande ajuda quando se ofereceu para sumir com o corpo.
— Então foi bom para os dois. Infelizmente, a terceira vez foi
um mal-entendido. Mesmo que o meu pai implique com a minha
decisão de me casar com você, eu tenho que agradecê-lo por
resolver te acolher na nossa casa. Me desculpe, Caterina. — Ele
acariciou a minha mão e seu semblante ficou entristecido. — Me
desculpa por tudo que eu fiz quando você estava lá.
Ele pretendia mesmo me pedir desculpa sempre que pudesse.
— Acho que eu também tenho que te pedir desculpas por te
colocar nas costas um assassinato que não cometeu. Depois do que
aconteceu hoje... — Olhei para o estado das costas dele e
novamente senti dor.
— Não. Isso não é nada comparado ao que eu fiz com você.
Eu machuquei seu coração, o único lugar onde eu queria estar.
Merda! Olha o que você fez comigo! Agora eu fico falando coisas
bonitas.
— Eu gosto quando você fala essas coisas — admiti e ele
beijou a minha mão.
Alguém bateu à porta e interrompeu o nosso momento, então
ouvi Rosário avisando que deixou uma caixa com remédios e
curativos em cima da cama.
Agradeci enquanto via Héctor se mexendo como quem não
sentia nada. E ao fazer isso, acabei recebendo gotas d’água no
corpo e nas roupas.
— Você não parece nem um pouco alguém que está se
sentindo mal. Consegue disfarçar muito bem.
— Estou bem. Consegui o que eu queria vindo aqui. O que
são essas feridas? Vão servir para lembrar até onde eu posso ir pelo
que sinto por você. Eu não sei o que faria se não te encontrasse,
Caterina. — Ele me puxou e meu rosto ficou próximo ao dele, nossos
narizes quase se tocando. — Eu não me imagino sem saber onde te
encontrar, sem ouvir a sua voz, sentir o seu cheiro e poder ficar
admirando a sua beleza. Eu quero você perto de mim sempre. Vou
esperar o tempo que for preciso até que você pense o mesmo sobre
mim. — Encostou a testa na minha e fechei meus olhos. — Eu sei
que não sou o melhor homem do mundo, e que não sei demonstrar
muito bem o que sinto, mas por você eu faria tudo o que fosse
preciso. Tudo que ninguém espera de mim.
Eu me assustava ao ouvir Héctor falando assim, mais ainda
por saber que eu pensava da mesma forma. Antes mesmo dele
começar a declarar essa paixão, eu já havia me acostumado a tê-lo
na minha vida.
Talvez eu também me sentisse como ele.
Não era algo que eu podia controlar, porque se eu pudesse,
nunca me apaixonaria por um homem como Héctor.
Acabei me deixando levar pela emoção da conversa e o beijei.
Estávamos tão próximos que foi a única maneira que encontrei para
dizer que eu sentia algo parecido.
Héctor arrastou meus lábios e fez com que o beijo se
tornasse mais intenso e íntimo. Nossas bocas se colaram e nossas
línguas dançaram como se fossem a última vez que estivessem
juntas.
Acabei sentada na beirada da banheira, Héctor segurava meu
rosto e eu me apoiava nos ombros dele.
Não negava que gostava muito de ser beijada e tocada por
ele. Eu me sentia mais desejada do que nunca e envolvida também.
Não era algo que eu pudesse recusar porque parecia que meu
corpo inteiro queria sentir o toque dele.
O meu lado sensato sabia que aquilo era loucura, me envolver
com um homem tão intenso e até mesmo tóxico como foi comigo
quando achou que eu era uma pessoa que para ele não tinha valor.
Talvez, eu fosse tão tóxica quanto ele, pois me senti atraída
por seu lado apaixonado mesmo sabendo que existia outro que
odiava com todas as forças.
Quando Héctor me sugou o fôlego, não consegui permanecer
no beijo e afastei meus lábios para respirar.
Mas ainda ficamos com nossas testas unidas, os narizes se
tocando e a respiração de um contra o rosto do outro.
Eu não me sentia mais como na casa de Albarello, onde
ninguém, nenhum homem, nenhuma mulher, me protegeria. Onde
sentia que as pessoas só me levavam para situações piores e nunca
me protegiam.
Héctor era o meu herói, que não resgatava com gentilezas,
mas fazia o possível para me ver bem.
Fazia tempo que eu não me achava importante para outra
pessoa.
Não daquela forma que eu parecia ser para ele.
Quem estaria disposto a se machucar por mim?
Eu concordava com a versão mais jovem dele, aquela que me
ajudou na noite em que cometi um crime. Deveríamos ter alguma
coisa parecida para nos atrair. Ele era a pessoa que fazia as loucuras
que, por muitas vezes, eu precisei ter coragem de fazer para não
acabar quebrada.
— Você não vai me quebrar, não é? — sussurrei contra os
lábios dele, buscando a certeza de que ele era o homem certo.
— Jamais. Não vê que adoro o seu sorriso? Lutei tanto para
não vê-lo na minha casa, porque sabia que seria o meu fim. Você é
o meu fim, mulher, mas eu morreria tranquilo se soubesse que você
estaria bem.
— Um louco.
Isso me lembrou rapidamente a situação com o pai dele,
então me afastei para terminar o banho.
— Você me deixou toda molhada! — Analisei o meu estado.
— Espero que não apenas onde eu possa ver.
Bem, se eu não estava antes, me senti naquela hora.
— Você é muito direto, sabia? — Desliguei o chuveiro. —
Pode terminar sozinho. Suas roupas estão ensanguentadas, vou
buscar alguma seca pra você usar.
— Tem certeza de que não quer tomar banho comigo? — Ele
se levantou com a testa tensa pela dor dos movimentos, mas
mantinha um sorriso malicioso.
— Eu tenho. — Saí depressa e fechei a porta antes que ele
tirasse as roupas na minha frente.
Imagina?
Eu tomando banho com ele?
Eu não tinha coragem.
Sozinha no quarto, olhei para tudo e sorri. Não esperava
acabar a noite em um lugar seguro, com quem desejei que surgisse
do nada para me salvar.
Parecia que os meus desejos estavam se realizando.
Ao menos os últimos e mais desesperados.
Era um alívio.
Cada suspiro era de alívio.
Eu temia por ter as mãos de Albarello no meu corpo mais
uma vez. Sabia que não aceitaria, tentaria me defender como da
primeira vez, mas assim como aconteceu naquela noite em que ele
achou que havia me comprado, eu ficaria com lembranças terríveis
que me causavam aflição.
Aquilo não era mais uma possibilidade, eu não precisava me
preocupar com Albarello, nem com sua suposta morte, ou com
algum problema que eu tinha em Madrid. Todos eles haviam sido
resolvidos, até mesmo aquele que eu achei que estava enterrado a
sete palmos.
Eu poderia viver bem dali pra frente, apenas precisava decidir
como e onde.
CAPÍTULO 48
CATERINA SÁNCHEZ
Separei uma roupa para Héctor com a ajuda de Rosário,
que se mostrava um grande anfitrião. Deixei no quarto e fui buscar o
jantar.
Quando voltei, Héctor já estava vestido na calça de moletom,
sem camisa, pois ele não conseguiria vestir uma nem se quisesse
muito. Suas costas estavam machucadas demais e eu não sabia o
que fazer para melhorar aquilo. Também não conseguia olhar sem
lembrar de como elas apareceram ali.
Era doloroso.
Ele olhou para os pratos em cima da pequena mesa e curvou
os lábios, admirado.
— Bem forte para o jantar.
Para quem não tinha comido nada desde o café da manhã,
como eu, aquilo ali era tudo que precisava. Ainda mais que era o
meu prato favorito, Paella.
Antes de me sentar para jantar com ele, me tranquei no
banheiro e tomei banho. Rosário também havia dado uma roupa que
deveria ser algo que a esposa dele não usava mais. Era um vestido
reto bege, nada que me apertasse, nem que me deixasse
desconfortável de alguma forma.
A bandeja estava em cima da cama, me sentei de um lado,
puxei um prato e comecei a comer. Eu já me sentia sem forças antes
da primeira colherada, pois mesmo não tendo me esforçado tanto
fisicamente durante a tarde, não havia me alimentado para mantê-
las.
Estava tão bom!
Uma delícia!
Fechei os olhos enquanto mastigava os frutos do mar junto
aos outros ingredientes. Quando os abri, Héctor estava me
observando sem piscar.
— Está uma delícia. Você tem que experimentar.
Ele se sentou na minha frente e comeu. Enquanto mastigava,
balançava a cabeça confirmando o que eu havia dito.
Viver tanto tempo na Itália, apesar de não ter sido uma vida,
me deixou bem distante das minhas origens e eu só comia comidas
italianas, tanto que já estava me esquecendo de como era saborear
os pratos que eu mais adorava.
O silêncio, no entanto, era estranho. Eu nunca havia ficado no
mesmo ambiente que Héctor em silêncio. Ou estávamos trocando
farpas, ou...
Bem, na maioria das vezes era trocando farpas mesmo.
Mas teve alguns momentos curtos que eram beijos.
— O seu pai não achou ruim você ter vindo?
— Já sou bem grandinho para ficar seguindo as ordens do
meu pai. — Ele limpou a boca com o guardanapo. — É louco como
crescer em uma família tradicional nos deixa acostumados com
coisas que não fazem mais sentido em certa idade. Esse exagero,
essas regras. Os negócios da família deveriam ficar em família
independente do que o outro decidisse para si. Desde que estivesse
de acordo com os negócios, não importava o que fizesse da sua vida
pessoal. Você não acha?
Eu achava que Héctor estava falando muito. Não costumava
vê-lo se abrir tanto pra ninguém.
— Eu concordo. E nunca conheci uma família como a sua.
Essa coisa de escolher com quem vai se casar tendo apoio de todos,
como se fosse um evento, um reality, eu não sei, é muito estranho.
Aqui as pessoas apenas se apaixonam, se relacionam e, se der
certo, se casam. Não existe essa coisa tão rápida e tão forçada como
é na sua família.
— Eu não demoraria tanto para me casar com amor da minha
vida. Ela só precisaria dizer sim, mas não concordo que os meus pais
precisem avaliar a vida inteira dos pais dela para dizer se merece ou
não se casar comigo. Não é como se eu fosse o príncipe Harry.
Eu ri, pois, ainda estava presa na parte da pressa para se
casar.
— Então você faria como Serena e Henrico? Se casaria às
pressas?
O casamento de Henrico e Serena já estava marcado e não
demoraria a acontecer. Seria no fim da temporada de turfe.
— Eu já vi casamentos acontecerem mais depressa do que o
deles. Acredite, é algo normal entre meus familiares. Sobre isso eu
não acho tão estranho. As pessoas se guardam tanto tempo para se
casar que o que mais querem é poder recuperar isso com quem vão
passar o resto da vida.
Eu ri mais alto.
— Como se você tivesse se guardado para o casamento,
Héctor.
— Estou dizendo das mulheres. — Ele deu de ombros. — Mas
é claro que isso também instiga o homem. Se você fosse de uma
família como a minha, se guardaria para o casamento?
Ele só poderia estar brincando.
Eu não conseguiria comer se não parasse de rir e cada coisa
que ele falava fazia exatamente isso.
— Não é como se a vontade fosse a solução para isso. Sem
seguir a tradição da sua família nunca aconteceu, imagina se eu
seguisse? Ao menos eu teria uma boa desculpa. — Encarei o prato
enquanto minhas bochechas pegavam fogo, pois eu acreditava que
ele tinha entendido onde eu queria chegar com aquela resposta e
era um pouco constrangedor admitir isso na frente de um homem.
— Você nunca esteve mesmo com um homem, Caterina?
Acho que ele já sabia que não.
— Estou aqui, com você. — Não levantei a cabeça para
encará-lo.
Não teria coragem de fazer isso tão cedo, ainda mais durante
a conversa.
— Você sabe do que eu estou falando.
Sim, eu sabia e isso me envergonhava.
— Não, eu nunca estive.
Por segundos não houve nenhum comentário de Héctor. Ao
levantar o olhar, eu o vi me encarando estático, sem maldade, o que
me deixava mais constrangida ainda e arrependida por ter
respondido sua pergunta.
— Vamos falar de outra coisa, por favor. Qual era o assunto
inicial mesmo? Como chegou até aqui? Veio em outro jato particular
da sua família?
Eles eram ricos demais.
Ter um jato!
— Não. Eu peguei um voo normal. Que aliás, me deixou preso
no aeroporto por seis horas.
Eu não podia acreditar que Héctor ficou sentado em um
banco de aeroporto por seis horas, aguardando um voo. Ele era um
homem que exalava poder e autoridade, do tipo que não precisava
viajar com os plebeus, pois tinha seus próprios meios e não tinha
tempo para esperar.
— Isso é sério?
— Sim. Já me viu brincando, Caterina? Era a única maneira de
vir até aqui, já que eles usaram o jato para te trazer.
Ele realmente fez aquilo por mim.
Eu não tinha dúvida do que Héctor sentia e já tinha provas de
que ele era uma pessoa que se preocupava comigo e em quem eu
podia confiar, mas tudo isso me deixava muito chocada.
Que outra pessoa faria isso?
— Mas ninguém tentou te impedir?
— Quem conseguiria, Caterina? — Ele olhou nos meus olhos.
Eu apostava que ele conseguiria passar por cima de todos
como era teimoso.
Voltei à minha comida com um sorriso.
Eu era importante para alguém.
Quando terminamos de jantar, levei os pratos para a cozinha,
agradeci e voltei para o quarto. Ainda não tinha parado para pensar
onde eu ia dormir, já que Rosário havia nos dado uma suíte e
apenas isso, mas eu tinha que fazer algo pelas feridas.
Entreguei os comprimidos para dor e Héctor tomou, depois eu
passei uma pomada ao redor dos ferimentos.
— Acho que amanhã precisaremos procurar alguém, um
médico, ou enfermeiro para ver como deve cuidar disso.
— Faremos isso. — Ele se deitou de bruços na cama. — Acho
que será a única posição em que conseguirei dormir. — Fechou os
olhos bem apertados.
Aquelas feridas deixariam cicatrizes e toda vez que eu as
visse, lembraria que foi por minha culpa.
E lá estava eu, com vontade de chorar por causa disso.
Engoli a vontade e peguei a caixa dos curativos para colocar
em outro lugar.
Já estava conformada que dividiria a cama com ele.
O que Héctor faria com a informação que dei se ele não
conseguia se mexer?
Eu não temia que ele tentasse fazer uma maldade dessa.
Depois de escovar os dentes, desliguei a luz do quarto e
deixei apenas o abajur, então me deitei do outro lado da cama.
— Não tente nenhuma gracinha. — Olhei para ele ao meu
lado.
Era tão estranho dividir a cama com alguém, ainda mais com
Hector.
Não sabia se conseguiria pregar o olho perto dele, pensando
que ele poderia estar me assistindo dormir feia.
Ele passou o braço por cima do meu corpo e me arrastou
para debaixo dele.
As feridas nas costas não diminuíram a sua força.
— O que você está fazendo? — Tentei falar baixo.
— Não era assim que eu queria que fosse a nossa primeira
noite — ele confessou soprando o hálito de menta contra meu rosto.
Primeira noite para mim tinha um sinônimo bem forte e eu
não me sentia pronta para viver aquilo.
— Héctor, eu não vou fazer nada.
Ele balançou a cabeça com os olhos fechados.
— Você entendeu errado.
Então seu olhar afiado acertou o meu, e me rendia fácil.
— Eu quero que você seja completamente minha na noite de
núpcias e vou esperar ansioso por isso. — Ele molhou os lábios
fitando os meus.
Uma tentação...
E ainda insistia na coisa do casamento.
O pior é que eu não o imaginava casado com outra mulher e
sonhava com essas situações que ele criava para o futuro comigo.
— O seu pai me odeia, Héctor. Era a única pessoa que me
defendia e agora me odeia por causa dessa coisa de casamento.
— Eu posso te defender. Você não precisa do apoio dele. Eu
posso te dar muito mais. — Ele passou as pernas por cima das
minhas e ficou completamente em cima de mim.
Qualquer movimento meu, me fazia sentir o corpo dele mais
forte e claro que o meu reagiu da maneira mais inesperada, senti
meu baixo ventre se contraindo com choques dolorosamente
prazerosos.
Eu sabia que aquele homem poderia me satisfazer como eu
nunca, literalmente nunca havia sido.
Eu não desejava que fosse com outro, o maior problema de
todos era esse.
Eu gostava de tê-lo em cima de mim e sentir o seu corpo,
seu calor e a ereção que crescia contra a minha virilha, ver como
Héctor me olhava, ouvir as coisas que ele dizia como se fosse um
louco apaixonado por mim, como se eu fosse dele longe dos
relacionamentos forçados, o que me fazia concordar com a ideia.
Héctor arrastou seus lábios pelos meus, depois desceu pelo
meu queixo até o pescoço e deixou chupões no colo e perto dos
seios.
A roupa não permitia ser arrastada, era um vestido com
tecido sem lycra, o que de certa forma me deixava mais tranquila,
mas eu sabia que o Héctor poderia ser capaz de tudo para me
excitar.
Ele beijou a parte interna dos meus braços, me mordeu e
quando eu menos esperava, levantou seu corpo de cima do meu e
se afastou, se curvando entre as minhas coxas, distribuindo
mordidas na parte interna delas.
Ele era ousado demais e se aproveitava do meu silêncio.
Aquele prazer que eu senti no ventre, ele conseguiu aumentar
com sua boca na minha pele. As chupadas faziam barulho e quase
me arrancavam gemidos.
Eu não conseguia pedir para que ele parasse porque era
muito bom.
Eu estava sem calcinha, pois depois do banho eu lavei e a
deixei secando.
Eu não iria vestir a roupa íntima suja!
Nenhum homem havia me visto nua antes, estava um pouco
escuro no quarto, pois a luz do abajur iluminava apenas o que
estava próximo à cabeceira.
Eu temi que Héctor me julgasse por estar daquele jeito
quando estava dividindo a cama com ele.
Quando ele respirou próximo à minha vagina, senti calor,
fiquei sem ar, ansiosa pela reação dele e ouvi um grunhido.
— Você está perfeita para mim.
Vi sua cabeça ser encoberta pelo meu vestido e depois senti a
pele da minha vagina sendo puxada, sugada e a língua dele
escorregando pela parte mais sensível do meu corpo. Mordi meus
lábios como forma de prender o gemido.
Aquilo era tão bom que me perguntei como fiquei sem,
também me perguntava como o deixei chegar lá. Como
simplesmente entreguei o meu corpo para que ele fizesse o que bem
entendesse e chegasse aonde quisesse.
O fato dele falar que não iria tentar nada até a noite de
núpcias me deixou mais tranquila, porém, eu não imaginei que ele
simplesmente colocaria a boca na minha vagina e chupasse como se
fosse a minha boca.
Era tarde demais pra pedir pra parar.
Quando o meu vestido se levantou, pude ver a cabeça dele e
tudo o que estava fazendo. O olhar dele fixo no meu, tão maldoso
por baixo dos cílios.
Eu o achava ousado.
Sexo oral me gerava curiosidade, mas já tinha ouvido que
nem todos os homens costumavam fazer, então Héctor, na primeira
oportunidade, estava entre as minhas pernas.
Nem precisava chegar aos finalmentes para saber que ele não
era aquele tipo de homem que só pensava no próprio prazer. Do
contrário, não estaria me dando o maior prazer que eu havia
sentido.
Alguns segundos depois eu nem sequer conseguia pensar
direito, consumida pelo prazer da língua habilidosa dele.
Héctor não parava, não se cansava e aquele tesão gostoso só
aumentava. Se ele parasse, eu pediria para que continuasse. Eu já
estava puxando seu cabelo, apertando sua cabeça contra o meu
corpo para que ele fosse mais fundo, mais bruto e talvez fosse muito
bom em compreender isso, porque fez e fez tão forte com sua língua
dura que o meu coração quase não aguentou. Os batimentos
estavam tão disparados que me tremi por inteiro com o corpo
vibrando de prazer.
Uma felicidade que eu não sabia medir, era um prazer que
parecia não ter fim.
Eu encarei o teto como uma boba que não conseguiria se
mexer sem estar trêmula por algum tempo, apenas vivendo aquela
onda.
Héctor voltou para cima de mim e deixou seu rosto em frente
ao meu.
— Você é deliciosa, meu bem. Eu quero fazer isso todos os
dias em você. — Ele beijou meus lábios.
Eu só imaginei como seria maravilhoso se aquilo acontecesse
todos os dias.
— Eu me viciaria facilmente — admiti.
Deveria ser apenas para mim, mas meu pensamento voou
pela minha boca e Héctor sorriu com malícia.
— Eu vou adorar ter uma viciada nos meus braços. — Ele
mergulhou a língua na minha boca e eu me perdi no seu beijo.
Quando nos cansamos de nos beijar como se fosse a última
noite de nossas vidas, nos deitamos de lado, fiquei de costas para
ele, que abraçou minha cintura, deixando um beijo no meu ombro
antes de desejar boa noite.
CAPÍTULO 49
HÉCTOR BARONE
Acordar ao lado de Caterina, sabendo que ela estava
bem, era a recompensa por ter passado por tudo.
Sabia que tudo tinha valido a pena.
Que tudo que fiz valeu.
Ela havia se virado sobre mim e eu ignorei as dores para tê-la
sobre o meu peito. Vê-la dormindo tranquilamente como se eu fosse
a pessoa em que ela mais confiava na vida...
Bastava.
Foda-se os negócios da família!
Eu iria me casar com aquela mulher.
Renunciaria ao que fosse preciso para isso.
Era engraçado pensar que meses antes de reencontrá-la
naquele casamento, eu não estava me importando muito em noivar
e casar, encontrar uma esposa era um assunto delicado, eu odiava
ouvir. Quando Caterina foi morar na nossa casa o assunto se tornou
pior ainda, porque eu achava que seria impossível encontrar alguém
por quem eu sentisse a mesma coisa que sentia por aquela louca,
que parecia ser é a pessoa errada para mim.
E se antes eu tivesse ao menos um pouco da coragem que
tinha naquele momento, em que ela já estava em meus braços,
estaríamos bem há muito tempo, sem brigas e mágoas.
Foda-se quem ela era!
Eu estava apaixonado por aquela mulher.
Não importava se ela estava enganando meia dúzia de
homens em um bar, eu a arrastaria dali e ela seria apenas minha.
Mas eu demorei muito tempo para saber, entender o valor
que ela tinha para mim.
Até porque antes era apenas um interesse incontrolável que
surgiu, diferente de vê-la todos os dias e me apaixonar sabendo
quem ela era, sabendo tudo o que gostava de fazer, seus trejeitos,
todos os seus sorrisos.
Eu tinha muito mais motivos para querer tê-la perto de mim.
Não pretendia me mexer para não a acordar. Seu cabelo preto
estava caído sobre os ombros e o meu braço esquerdo, que já havia
adormecido com a cabeça dela sobre ele.
Caterina suspirava, às vezes sorria.
Seus lábios carnudos eram minha perdição.
Impossível vê-los e não querer beijá-los.
Eu desejava, mas não queria acordá-la.
Sabia que Caterina já estava me olhando de outra forma e um
novo medo nasceu em mim.
Não o medo de perdê-la, mas o de um dia decepcioná-la.
Eu não mediria esforços para ser melhor que isso, assim
como não medi quando precisei afastá-la de mim e para tirá-la das
mãos de Albarello.
Eu faria essa mulher me querer todos os dias, tanto que
jamais pensaria que poderia ter escolhido não estar comigo.
Tínhamos um acordo silencioso, foi algo que aconteceu na
noite anterior, quando conversamos e nos beijamos por um longo
tempo.
Ela era minha e eu sempre fui dela.
Então os meus planos de passar mais tempo na cama foram
interrompidos quando ouvi a voz de Damon conversando com
Rosário.
Também ouvi a voz de Roman.
Eu imaginei que eles apareceriam, pois o meu pai mantinha
contato constante com Rosário e já deveria saber tudo o que tinha
acontecido comigo.
O difícil foi sair da cama.
Afastei Caterina com cuidado e ela estava tão sonolenta que
simplesmente virou para o outro lado e continuou a dormir.
Os ferimentos das minhas costas doíam muito e tinham
grudado no lençol. Levantar e sentir o tecido sendo descolado da
minha pele, reabrindo as feridas, foi dolorido, exigiu muita
respiração profunda e autocontrole, mas eu consegui.
Ao olhar para trás, vi o lençol com marcas de sangue e
pomada, foi então que tive uma noção melhor do quanto eu estava
machucado.
Não que já não houvesse dado uma olhada antes de sair do
banheiro, na noite anterior.
O que Damiano fez comigo beirava as barbaridades que eu
praticava. Em outros casos, eu buscaria vingança, mas era muito
mais do que pagar pelo que eu teoricamente não tinha feito, foi o
pagamento que eu dei para que ele trouxesse Caterina para mim.
Muito mais do que vingança, muito mais do que castigo, um
pagamento justo.
Não ficaria remoendo aquilo.
Ao menos a minha rivalidade com Damiano havia acabado e
eu tinha a mulher que não só queria, mas necessitava na minha
vida.
As feridas valiam a pena.
Não consegui vestir uma camisa, então saí do quarto apenas
com a calça. Ao parar no topo da escada, avistei meus dois irmãos
conversando com Rosário.
A esposa dele me viu também e se afastou.
— Lamento por não poder usar uma camisa. Digamos que as
minhas costas estão um pouco doloridas. — Desci os degraus indo
ao encontro deles.
Meus irmãos me olhavam como se eu tivesse acabado de
cometer o maior crime que acabaria com os negócios da família.
— Vieram me buscar, eu suponho.
Damon deu uma olhada nas minhas costas e encolheu o
nariz.
— Que merda, Héctor! Mas eles só fizeram isso?
Rimos.
— Você deixou o nosso pai... Pensativo. — Roman pressionou
os lábios.
Efeito interessante...
Eu não esperava ouvir isso.
— Só conseguimos chegar agora. — Ele andou pela sala de
braços cruzados. — Eu espero que você se case mesmo com essa
mulher, porque o que você fez foi loucura. Se entregar para o
Damiano, porra! Depois de tantas ameaças que ele fez a você!
— Era a única maneira de tê-la de volta. Você não faria isso
pela Van Doren?
Ela já era o ponto fraco dele.
Ele concordou com a cabeça.
— Mas agora já está resolvido, certo? Vamos embora. Você
precisa se acertar com o nosso pai, sobre os negócios da família. Ele
disse que você renunciou.
— Se para trabalhar com a família, preciso deixar a mulher
que eu quero para ficar com outra por quem não sinto nada, prefiro
fazer outra coisa. Renunciei porque ele não sabe o que eu preciso.
Vocês ainda não entendem. — Dei uma volta pela sala, me
lembrando da conversa que tive com meu pai antes de viajar para a
Espanha.
— Talvez tenha sido isso que o deixou pensativo. Vamos
voltar. Ele deve tomar outra posição a partir de agora. — Roman
parecia esperançoso.
Ele andava muito esquisito.
Meu irmão caçula não era então pacífico, controlado e
esperançoso.
Roman sempre foi o dono da boate, que gostava de dinheiro
e mulheres, muitas mulheres. Ele não seguia as regras da família
começando por ter uma boate que nosso pai engoliu à força.
Mas ele estava noivo de alguém que o meu pai apoiava.
Poderia até ter se tornado o favorito da família por esse feito.
Ele com certeza estava apaixonado por ela, pois se não
estivesse não estaria desesperado para que Damon e eu,
casássemos logo e assim chegasse a vez dele.
— Ela vai comigo — informei. — Espero que vocês
compreendam e não a tratem como qualquer uma.
— Eu nunca a tratei com qualquer uma — Damon replicou. —
Inclusive, preciso dela, pois será minha parceira no casamento do
Rico. — Ele sorriu para mim. — Pode ficar feliz, porque o nosso pai
não vai deixar a Serena desapontada por não permitir que sua
melhor amiga esteja no casamento dela. Onde ela está?
— Está dormindo.
Damon e Roman se entreolharam como se imaginassem que
alguma coisa havia acontecido naquela noite.
Bem, se imaginassem que a minha boca esteve entre pernas
dela, havia acontecido sim, e foi delicioso provar do sabor de
Caterina. Foi definitivamente a prova de que ela era tudo o que eu
queria.
Eu gostava de tudo nela, todos os sabores.
— Então vá buscar sua princesa e vamos embora. Temos
muitas horas de voo até chegarmos em casa. — Roman olhou o
relógio.

ALEJANDRO BARONE
Héctor perdeu o controle por uma coisa que eu nunca
imaginei que daria importância. Ele sempre soube muito bem o que
queria ser, o homem mais poderoso que se sentaria na minha
cadeira nos negócios da família.
Héctor gostava de poder e não se importava com nada além
disso.
Sua diversão era punir as pessoas que não cumpriam com os
seus acordos nos nossos negócios.
Era isso, apenas isso.
A vida dele era essa, então surgiu a necessidade de vê-lo
casado, depois que ele já estava passando dos limites como pessoa
que abusava muito do livre-arbítrio.
Os empresários que faziam negócios conosco estavam
preocupados com o futuro com alguém como ele no poder, afinal de
contas, os negócios da família envolviam empréstimos, favores e,
principalmente, impostos.
Quando Héctor ia cobrar qualquer um deles, era muito
possível que alguém saísse dali machucado, na melhor das
hipóteses.
Eu só não imaginei que ele se apaixonaria a ponto de querer
abrir mão do que tanto desejou. Dizer que renunciava à minha
cadeira foi algo que eu nunca, nunca imaginei ouvir da boca de
Héctor.
O meu filho não era mais o homem que eu conhecia.
Achei que ele seguiria os costumes da família, sem se
preocupar muito com os sentimentos, porque era o caminho para
que alcançasse o que tanto almejava, então ele não precisaria se
importar com amor, paixão.
Isso ninguém melhor do que eu sabia que surgiria com a
convivência.
Mas se ele se apaixonou pela Caterina.
Ela era uma boa moça, consertou todos os meus relógios em
um momento que eu não estava muito bem. Eu tinha alguns
problemas que o envelhecimento ocasionava. Setenta e dois anos,
apesar de muita saúde, já passava pelas mudanças da velhice e
estava obcecado por aquilo.
Acho que a obsessão era uma coisa que todos da minha
família tinham em algum momento da vida por algo.
Eu me comovi também com a história dela. Não vi perigo de
tê-la na minha casa, não esse tipo de perigo.
Damon estava noivo, Roman mal vivia em casa e Héctor
odiava aquela moça.
De tudo o que eu esperava que ele fizesse com ela, a última
seria que a pedisse em casamento. Isso nunca passou pela minha
mente. Eu temia pela crueldade que ele poderia fazer, de repente,
com ela, mas dizer que estava apaixonado?
O meu filho mais velho não faria algo assim.
Eu queria que Héctor se casasse com alguém de uma família
como a nossa, para perpetuar as tradições, aliar os negócios,
aumentar o poder, era só isso.
Com a imagem de temido, muito temido, que Héctor
carregava, ele seria respeitado se a família que construísse fosse
baseada em valores entre duas famílias poderosas, além de somar
riquezas.
Seria perfeito.
Como o meu filho era imprevisível, se casar com uma florista
só confirmaria isso para todos.
As pessoas gostavam de saber o que esperar de quem elas
confiavam.
Depois que mandei Caterina embora, porque eu sempre fui
um homem de cumprir minha palavra, achei que Héctor de uma
hora para outra entenderia que aquela paixão acabou, que aquilo foi
passageiro.
Eu acreditei que a solução seria sumir com ela.
Mas ele foi atrás da mulher e se entregou para o homem que
há anos jurava que lhe daria um bom castigo por fazer muita
maldade na cidade dele. Damiano e eu tínhamos uma boa relação,
éramos homens de poder e fizemos negócios muitas vezes na época
em que eu trabalhava com o narcotráfico.
Ele não mataria o meu filho, mas castigaria pelas coisas que
alegou que meu filho fez.
Eu não poderia me opor a ele, pois se alguém fizesse a
mesma coisa na minha cidade também receberia minha fúria,
também seria castigado.
Achei que Héctor tinha o mínimo de inteligência para passar
longe dele, afinal medo era uma coisa que parecia que ele não tinha.
Então eu soube que ele simplesmente foi atrás de Damiano
por causa dela, e se entregou para que ele o ajudasse a tê-la de
volta.
Meu filho se entregou ao homem que mais o odiava, sabendo
que poderia ser castigado de maneira severa, por uma mulher.
Eu estava em choque com isso, tanto que nem conseguia
comparar ao que o meu irmão passou, caso que Héctor mencionou
ao descobrir que eu havia mandado sua paixão embora.
Tudo que eu não queria era ser como meu pai.
Meu irmão mais novo se apaixonou por uma mulher que não
era de boa família, uma pobre jovem, muito bonita e apaixonada por
ele. Ela não era a mulher para se casar com ele, não se encaixaria
no nosso mundo. Ele lutou muito, mas o meu pai conseguiu vencer,
afastando-a, ameaçando a ponto dela ter tanto medo que se
escondeu de nós. O fim do meu irmão foi trágico e muitos suspeitam
que ele mesmo provocou aquilo.
Eu não sei o que faria se Héctor acabasse da mesma forma.
Ele era o meu primogênito, e o amava tanto quanto meus outros
filhos.
Sabia que não deveria existir favoritismo, mas quando
coloquei aquele menino nos meus braços depois do seu nascimento,
soube que seria o meu sucessor, aquele que manteria de pé o
legado da família, o respeito e as tradições.
Eu o ensinei a ser como eu, até muito mais forte do que era.
Um homem tão forte não poderia morrer por amor.
Mas ele foi mais forte do que o meu irmão Frederico, que não
fez nenhuma loucura perto do que Héctor estava fazendo.
Minha esposa estava aos prantos com medo de que nosso
filho chegasse irreconhecível em casa. Rosário disse que ele estava
bem, Damon e Roman já haviam viajado para lá havia muitas horas,
meio-dia para ser exato, e esperamos muito mais até que soubemos
que eles tinham aterrissado.
Meu afilhado, Henrico, já havia implorado que eu não
repreendesse a moça, que não piorasse as coisas entre Héctor e eu
ao menos em consideração a Serena e o casamento deles, que
estava próximo.
Elas eram melhores amigas e Caterina era sua madrinha.
Desde que descobri a única coisa que havia restado do meu
falecido irmão, tentei de todas as maneiras fazer com que ela visse
que a nossa família havia mudado.
Marcella e Caterina estavam na mesma posição e eu agia com
elas de maneiras diferentes. Enquanto com Marcella eu tentava me
desculpar por todo o mal que os meus pais tinham causado devido
ao amor proibido entre ela e meu irmão, eu não apoiava o
relacionamento do meu filho com Caterina pelo mesmo motivo das
atitudes do meu pai.
Sabia o que meu pai pensou quando viu Frederico com
Marcella.
Mas eu também era o homem que via as consequências
daquilo, décadas depois, na vida de Marcella e na ausência do meu
irmão.
Eu não viveria tantas décadas a mais assim como meu pai
não viveu para se arrepender. O meu tempo de arrependimentos
teria que ser aquele. Se eu fosse aceitar, teria que ser naquele
momento.
Mas se eu estivesse certo de que ela não era a mulher, o que
eu faria?
Quando o carro parou em frente à casa, nos levantamos do
sofá. Apressada, Bela foi abrir a porta antes mesmo das funcionárias
chegarem nela. Damon e Roman entraram primeiro, depois vi Héctor
segurando firmemente na mão de Caterina.
O meu filho era muito corajoso mesmo.
Aquilo me deixou admirado.
Nada fazia Héctor mudar de ideia.
Não importava o quanto pedisse, ordenasse, o quanto
ameaçasse, aquele homem não mudaria de ideia.
Ele olhou para mim de cabeça erguida e peito inflado, sem
camisa, com alguns ferimentos que alcançavam a cintura e ombros,
nas costas deveria ter mais, mas a postura era de quem dizia que
aquela era a sua decisão e que eu não poderia mudá-la.
Não importava o que eu fizesse.
Decidi, sem avisar, que observaria se aquilo era amor ou
apenas uma paixão passageira. Enquanto isso, me manteria em
silêncio.
Se fosse muito mais do que uma fase de Héctor, eu não seria
como o meu pai.
CAPÍTULO 50
CATERINA SÁNCHEZ
O que mais me convenceu a voltar àquela casa foi o
casamento de Serena.
Era a minha desculpa.
Eu não queria ficar distante de Héctor, mas temia a reação
das pessoas.
Quando voltei àquele lugar, por mais que as pessoas
estivessem me olhando com estranheza, por mais que tudo
parecesse ter mudado o dobro do que aconteceu quando Héctor
disse que se casaria comigo, senti que eu havia voltado para o meu
lar.
Eu me sentia mais apegada ali do que à minha casa.
Eu sentia que aquelas pessoas já eram a minha família.
Abracei forte a Serena. Ela já era mais do que uma amiga, era
minha irmã, alguém que sabia muito bem o que eu sentia, que havia
vivido coisas parecidas comigo.
Alguém que entenderia a maioria das loucuras que eu falasse.
— Tive medo que você não voltasse mais.
— E perder o seu casamento? — brinquei como se eu fosse
ousada a ponto de dizer que decidi sozinha que voltaria.
— O que aconteceu com você lá? Me conta tudo. — Ela me
puxou pelo braço, não deixando que eu cumprimentasse as outras
pessoas.
Fomos para o lado de fora da casa, para perto do jardim.
Ela sabia de toda a minha história lá em Madrid, exceto o
caso do meu padrasto, então eu me sentia bem em contar a
conclusão de tudo.
— Aqueles brutamontes me levaram para a casa do Albarello,
Serena. O homem estava fraco e se fingindo de bonzinho. Você não
imagina o ódio que eu senti.
Eu sentia ódio só de contar e me lembrar.
— Ele tentou alguma coisa com você? O que você fez lá?
— Ele não podia tentar nada, não conseguia nem andar
direito, mas achava que eu era dele!
Minha amiga fez cara de nojo junto comigo.
— Eu achei que nunca sairia de lá, Serena. Era longe, uma
fazenda cheia de cães, pitbulls raivosos que latiam assim que me
viam, e pela conversa dele, havia muitos homens ao redor do lugar
também.
— Que inferno, Caterina! Como esse homem descobriu que
você estava lá tão rápido?
— Com certeza alguém me viu e contou. As minhas vizinhas
falaram que pessoas visitaram a rua me procurando, logo depois que
vim para cá. Na certa deixaram alguém vigiando o lugar. Não foram
elas, e quando me viram voltando, alertaram esses homens. Eles
apareceram muito rápido. Só deu tempo de tirar um cochilo, tomar o
café da manhã e limpar a casa. Eu não tive nem como dizer não, os
três eram gigantes, Serena. Tipo três Henricos, só que sorrindo.
Ela riu, pois a seriedade do Henrico sempre era motivo de
piada e comparações.
— O Héctor chegou até lá? Foi ele quem te resgatou? —
Dessa vez o seu sorriso era esperançoso.
— Não, mas ele negociou com simplesmente o diabo de
Madrid. — Eu não conseguia ficar feliz sabendo daquilo, me
lembrando do que aconteceu, mesmo que o final fosse bom para
mim. — E ele mandou vários carros, cheios de homens tão grandes
quanto aqueles que me levaram para lá. O Albarello não teve
escolha além de me entregar.
— E o que aconteceu com Héctor? Por que ele está
machucado? Henrico não quis me contar, ele disse que eu não
entenderia a confusão.
Eu não me sentia bem para contar do meu passado, acho que
ficaria apenas entre Héctor e eu.
Seria o nosso segredo.
Não queria ser vista como assassina, o que eu havia feito foi
necessário e eu não me arrependia, mas também não me orgulhava.
— Foi o próprio diabo que o castigou em troca da minha
captura.
Serena ficou de queixo caído, perplexa diante do que contei.
Eu também estava assim, só conseguia disfarçar melhor naquela
hora.
— Eu não esperava que Héctor pudesse fazer algo assim por
mim. Na verdade, não pensei que ninguém pudesse fazer algo assim
por mim.
— Eu também não imaginava, Cate. Ele está muito
apaixonado por você. Eu sempre achei que ele era o ser humano
mais insensível e desprezível da face da Terra, mas uma pessoa
insensível não faria o que ele fez. Não se entregaria a alguém para
apanhar e salvar outra pessoa. Esperava mais que entregasse
qualquer outra pessoa para sofrer por ele.
A imagem de insensível que eu tinha de Héctor também já
tinha sido apagada.
— Serena, ele continua dizendo que quer se casar comigo.
Que não consegue viver sem mim — contei na esperança de ouvir
um conselho.
— E você?
— Eu acho que... — Era difícil admitir aquilo depois de tudo o
que vivemos. — Eu acho que eu sinto mesmo. Sei que parece
loucura, Serena, porque ele me machucou tanto, mas também fez
muito mais bem para mim do que qualquer outra pessoa. Eu não
posso mentir dizendo que não sinto a necessidade da presença dele,
que eu não sinto nada de bom quando ele está comigo.
Serena olhou para trás de mim e eu virei acompanhando-a.
Mirabela estava ali, ouvindo tudo.
Ela se desmontou quando a flagramos.
— Não é do meu feitio ouvir conversas alheias, mas queria
conversar com você, Caterina, e quando ouvi tudo o que eu
precisava saber, não tive coragem de interromper.
Eu me senti envergonhada por parecer um problema na vida
deles. Ela sempre me tratou tão bem, mas parecia que eu estava
atrapalhando todos os seus planos.
Não sabia o que dizer.
— Caterina. — Ela se aproximou de nós e parou ao meu lado.
— Eu não posso dizer como vocês devem ou não se sentirem em
relação ao outro. Às vezes as coisas não saem como planejamos. As
decisões do coração são muito mais complicadas de lidar do que as
racionais. E eu não serei a mulher a acabar com o que vocês
sentem.
Eu estava mesmo vivendo um romance proibido, o que ela
dizia era basicamente isso.
— Me preocupa ver o meu filho tão loucamente apaixonado
por alguém a ponto de fazer qualquer coisa. Me preocupa também
que você o aceite por gratidão, que esse sentimento que você diz ter
não seja mais do que isso. Héctor não é um homem fácil de lidar,
Caterina, você bem sabe.
Eu concordei com ela, mas sabia distinguir gratidão de
paixão.
— Eu não sinto gratidão pelo que ele fez, me sinto culpada.
Mas não posso deixar de reconhecer que alguém que se preocupa
tanto comigo é bom. Esse meu sentimento já existia antes do que
aconteceu ontem, senhora Barone.
Ela deu uma leve erguida nas sobrancelhas e sorriu.
— Eu não sei se acho isso bom, eu me preocupo com a sua
cabecinha, querida. Mas se você faz o meu filho feliz e se ele te faz
bem, eu só posso aceitar. Era isso que eu queria que os meus filhos
sentissem quando se casassem.
Eu ainda estava um pouco alheia ao assunto casamento,
tanto que quando ouvia, não encarava como se fosse uma
possibilidade, mas era bom me sentir aceita entre eles.
Semanas se passaram, sem que o senhor Barone movesse
um lábio para falar algo sobre nós.
Héctor disse que já tinha dito o que precisava para o pai
antes de ir me buscar.
Cuidei dele esse tempo inteiro, até que ele voltou às corridas
e lá estava eu, torcendo para que chegasse em primeiro lugar.
O que aconteceu todas as vezes que ele correu.
Soube o que aconteceu com Alonso e confesso que ainda era
estranho lidar com a morte precoce dele. Inclusive tentava não
julgar o Héctor por ter sido responsável, apesar de não achar que o
Alonso fosse digno de morte.
Era complicado.
Era algo que eu não podia controlar, sabia que Héctor era
esse tipo de homem, que as minhas palavras não eram suficientes
para mantê-lo quieto, fazê-lo desistir de cometer alguma loucura. Eu
sabia também que por mais que ele sempre estivesse buscando
viver bem, tentando não fazer nenhuma besteira que me
machucasse, sempre existiria algo que me lembraria de que ele não
era o mocinho da minha história.
E mesmo assim, eu não conseguia colocar isso acima do que
eu já estava sentindo por ele.
Héctor matou o meu primeiro namorado e eu não conseguia
odiá-lo por isso.
Talvez eu fosse como ele.
Eu matei o homem que a minha mãe amava, isso não era
muito diferente do que o Héctor havia feito.
Talvez fosse muito pior.
As coisas ruins nunca deixariam de acontecer ao nosso redor
e o que me acalentava era saber que eu não estava sozinha, não ali.
Eu tinha uma amiga, tinha um homem que explodiria o mundo por
mim e pessoas que desejavam a minha companhia, para quem a
minha vida era importante.
Então chegou o dia do casamento da Serena.
Acho que os preparativos e essa data fizeram com que todos
se movimentassem sempre pensando nisso, assim como o foco da
casa.
Ninguém nem se importava se eu estava ali com Héctor,
apesar de que eu continuava vivendo a vida como antes de ser
mandada embora, no meu quartinho, com as minhas flores.
Eu não poderia dar mais motivos para que eles não me
quisessem com o filho deles.
Não passávamos muito tempo juntos, ele tinha os negócios
da família para resolver e sempre me procurava nos momentos
errados.
Ele era indomável e não importava o que dissesse, Héctor só
fazia o que queria.
Eu seria a madrinha da Serena e estava pronta para isso.
A cerimônia seria ali mesmo, na mansão, onde estávamos nos
arrumando.
Depois que a cabeleireira deixou meu cabelo pronto e a
maquiadora deixou meu rosto melhor para as fotos, me tranquei no
meu quarto para vestir a roupa e calçar os sapatos.
O vestido era lilás.
Todas as madrinhas se vestiriam iguais.
Ainda me lembrava das reclamações de Ramona sobre não
combinar com a cor durante o chá de lingerie que ela fez para
Serena. Era uma das poucas coisas que lembrava, já que ficamos
bêbadas na primeira hora da festa particular.
Ainda sentia a ressaca.
Diferente dela, o lilás combinava tão bem com a minha pele e
com o meu cabelo, que eu nunca me senti tão bonita.
O vestido tinha um decote que saía do ombro e cruzava na
cintura, deixando uma fenda enorme no decote, ainda assim
cobrindo muito bem os meus seios.
A cintura era bem-marcada e a saia caía tão leve e delicada
até os pés, que ao me movimentar parecia que eu estava flutuando.
Não mostrava os saltos que eu usava, bem confortáveis
apesar de altos. As joias encontrei em cima da cama, ao lado da
roupa.
A essa altura já imaginava quem poderia ter me dado e
quando bateram à porta, eu também soube quem havia chegado.
— Entre. Estou vestida.
Ouvi uma risadinha e o barulho da maçaneta.
— Uma pena. — Ele entrou e vi seu reflexo vestido num
smoking preto, com a camisa branca e a gravata borboleta preta.
Sorri pelo seu lamento.
Ele já tinha me visto nua outras vezes quando entrava no
meio da noite no meu quarto, para ficar me beijando e me fazendo
gozar até me viciar na sua língua.
Fosse dentro da minha boca ou entre as minhas pernas.
Héctor olhou para a minha bunda e quando chegou mais
perto, segurou meu quadril e me puxou contra seu corpo, nos
deixando colados. Então me analisou pelo reflexo, encarando
indiscretamente o meu decote.
— Você está muito gostosa. — Beijou meu pescoço, me
causando arrepios.
Depois de criar tanta intimidade, tê-lo perto de mim, me
deixava sempre excitada. Talvez o meu corpo estivesse mesmo
viciado nos beijos e no toque dele.
— Adorei as joias.
— Ficaram ótimas em você.
Ele nem fingia que não tinha dado.
Eu nunca me imaginei junto a ele e nos enxergar como um
casal, como estávamos em frente ao espelho, era impossível meses
antes.
Mas, naquele momento, parecia que não poderia estar com
outra pessoa.
Era como se realmente fôssemos um do outro desde sempre.
Eu acabei sorrindo, denunciando o que sentia quando ele
estava comigo.
Héctor era a última pessoa que achei que poderia me fazer
feliz, mas era ótimo em cumprir promessas.
Felizmente, comigo ele cumpria apenas as boas, e não fazia
mais nenhuma má.
Pelo menos, não desde que colocamos um fim na sua ideia
ridícula sobre mim.
— Eu já dei o aviso ao Damon, mas se ele tentar alguma
coisa quando eu não estiver por perto, não deixe de me avisar.
Eu me virei para ele rindo do seu ciúme bobo.
— A única coisa que o seu irmão me faz é rir.
— E é justamente isso que eu odeio nele. — Ele beijou meus
lábios. — Aproveitando o clima, pense sobre o nosso casamento.
Estou esperando o seu sim. — Deu uma piscadela e me soltou.
Fui deixada aos suspiros.
Eu não pretendia refletir sobre isso, mas plantada a ideia na
minha mente seria impossível pensar em outra coisa.
CAPÍTULO 51
HÉCTOR BARONE
Se eu falasse que prestei atenção em alguma coisa que
aconteceu naquele casamento, estaria mentindo, porque só
conseguia olhar para a Caterina e o quanto ela estava perfeita
vestida de madrinha. Sempre gostei da cor preta, mas a minha
preferida se tornava lilás quando estava no corpo dela.
Que mulher perfeita!
Eu era louco por ela, não tinha vergonha de admitir, muito
menos medo.
Desde que ela voltou para a nossa casa, ninguém ousou
tentar nos afastar, ameaçar levá-la embora novamente, muito menos
questionou a minha decisão.
Todos apenas assistiram ao que estava nascendo entre nós.
Eu sentia a necessidade de dar mais demonstrações de que
não desistiria daquela mulher não importava o que tentassem fazer.
Se nem eu, quando quis tirá-la da minha vida, da minha
mente e do meu coração consegui, ninguém conseguiria.
Eu só precisava ouvir o sim dela, apenas isso.
Não a pressionava, afinal já sabia como seria o nosso fim.
Aquela mulher era minha e em algum momento isso se
tornaria mais do que um aviso.
Ela já sabia também, nem tentava dizer o contrário, só não
falava o que eu queria ouvir.
Então a cerimônia aconteceu, enquanto admirava a minha
futura esposa.
Depois de fazer o que eu estava louco para fazer desde o
momento em que a deixei pronta para o evento no quarto, fomos
para a recepção que foi montada entre as nossas salas de estar e de
jantar.
Nem parecia a nossa casa sem o sofá e a decoração.
— Vocês não precisam mais dizer que são um par. Pode se
afastar da minha mulher, Damon. — Balancei a mão para que ele
fizesse o que pedi e meu irmão levantou as mãos em sinal de paz.
— Quanta proteção! Ou será ciúme? Possessividade? Cuidado,
Caterina, você sabe com quem está lidando.
— Se não for para ajudar, não abra a boca. Eu posso calá-la
do jeito que você não vai gostar — alertei a ele e passei meu braço
pelo de Caterina, fazendo que ela ficasse comigo do jeito que seria
até o resto da noite.
Ela não sabia lidar com os conselhos de Damon, ria, mas às
vezes parecia preocupada também.
Ninguém me conhecia melhor do que Caterina e acho que o
contrário também era verdade, então ela não precisava ouvir alertas
sobre mim.
Talvez eu fosse protetor, ciumento e possessivo, sim, seria
tudo o que fosse preciso para mantê-la longe de quem estivesse
mal-intencionado.
Damon deveria me agradecer, pois assim que me juntei a
Caterina, deixei Chiara, o meu par no casamento, livre para ele.
Eu vi como eles se olhavam o tempo inteiro na cerimônia. Às
vezes, queria estar dentro da cabeça da Chiara para tentar entender
o que pensava dele, então concluía que ela deveria ter a mesma
opinião que eu, o que quer dizer que o meu irmão não a entendia
porque ele era realmente o que pensávamos, alguém não levava as
coisas a sério.
Enquanto eu era levado tão a sério e às vezes temia coisas
como o casamento, algo que tentei fugir por muito tempo; Damon
levava tudo na brincadeira, principalmente, os sentimentos dos
outros.
Meu irmão passava muito tempo observando a vida alheia e
não parava para observar a dele e o quanto suas atitudes afetavam
as pessoas que ele amava.
Será que ele amava?
— Largue a minha madrinha — Serena ordenou.
Ela era a noiva mais mandona que vi.
Tirar as fotos do casamento foi um terror, toda hora ela
queria que eu ficasse longe de Caterina, pois eu era padrinho do
noivo e ela era madrinha da noiva. Eu poderia ficar onde eu quisesse
e quando recebesse as fotos iria cortá-las e deixar apenas as que eu
estava junto da minha mulher.
— Você já teve muito dela, não acha?
— Eu vou jogar o buquê, então larga dela e fique torcendo
para que ela pegue e tenha coragem de se casar como você.
Do jeito que Serena me olhava, parecia até que fazia
campanha do contrário.
Mas deixei Caterina ir, seria por uma boa causa.
Ela acompanhou a amiga rindo e eu me sentei perto de
Henrico e Roman.
— Eu poderia criticar o seu jeito, Héctor. — Roman se virou
para mim, com uma taça de champanhe na mão. — Mas do jeito
que vai, sinto que há um progresso, o que me diz que o meu
casamento não demorará uma década para acontecer.
A noiva dele estava com a família e era um milagre Roman
estar conosco, pois quando essa mulher colocava os pés no mesmo
ambiente que ele, meu irmão grudava muito mais do que eu fazia
com Caterina.
Talvez fosse de família esse tipo de atitude.
— Se depender de mim, você se casará em breve.
Henrico concordou, focado em outra direção. Ele estava
observando Damon dançando com a irmã dele.
— Héctor em breve se casará, Damon não estará vivo para
fazer isso, o que passa a vez para você, Roman — Henrico
completou.
Uma piada pesada para um dia tão inspirador.
— Acho que você já deveria se acostumar com a ideia de que
o Damon será seu cunhado, Henrico — aconselhei.
— A minha irmã se casará com um homem como nós, de uma
mulher só, não com o que fica dando em cima de todas.
— Me senti incluído pela primeira vez — Roman brincou, pois
ele nunca foi um homem de uma única mulher. — Concordo,
Henrico. Concordo, mas não mate o meu irmão. Eu quero ter mais
de uma cunhada.
Como a Serena atrapalhou a dança dos dois, Damon se
juntou a nós para assistir à noiva jogando o buquê. Henrico já
estava olhando meu irmão como se fosse um alvo.
Vittoria, a noiva de Roman, também entrou na brincadeira, o
que fez o meu irmão falar a maior besteira que já ouvi.
— Se a Vittoria pegar o buquê, vou me casar antes de vocês,
o que significa que nunca conseguirão se casar.
Eu não era o homem das superstições, mas...
— Vittoria, o que você faz aí? Você já está noiva. Saia daí! —
ordenei e ela riu de mim.
— É só uma brincadeira.
— Então não tente pegar essa droga de buquê.
Meus irmãos riram.
E se essa superstição fosse verdade?
Não poderia dar errado bem quando comecei a aceitar essa
coisa de casamento e encontrei uma mulher pra mim!
— Cuide melhor da sua noiva, Roman, porque não costumo
lidar muito bem com quem atrapalha meus planos.
— Eu também não, Héctor.
Entre as vezes que Serena enganou as mulheres fingindo
jogar o buquê, vimos o amontoado de flores pulando de mão em
mão, então Caterina estava segurando-o e abrindo bem os olhos
diante do que havia conseguido.
— Mas que inferno! — minha irmã resmungou alto, fazendo
com que a maioria das pessoas que estavam ao redor rissem. — Se
case logo, Caterina, pode ser com o meu irmão mesmo, mas preciso
de outra oportunidade para pegar o buquê.
Lindo jeito de mostrar apoio.
A sorte não poderia estar me apoiando tanto também.
Se aquilo não ajudasse aquela mulher a se decidir, eu não
sabia mais o que fazer.
Quando Caterina olhou para mim, tive certeza de que debaixo
daquela maquiagem haveria bochechas coradas e gesticulei para ela
de que aquilo era um sinal para que aceitasse logo meu pedido.
Ela ficou com o buquê e não voltou para perto de mim, se
juntou a minha irmã em outra mesa.
Então a música voltou a tocar e as pessoas começaram a
dançar.
Henrico foi atrás da esposa, o que eu não poderia nem julgá-
lo por ficar o tempo inteiro perto dela, já que se eu pudesse passaria
vinte e quatro horas grudado em Caterina, sentindo o cheirinho doce
de flores nela. No fim, eu fiz o mesmo que ele e chamei minha
mulher para dançar.
Ela deixou o buquê na mesa e me acompanhou.
— Você deveria cuidar melhor desse buquê, pois tenho uma
irmã louca para se casar que pode facilmente roubá-lo. — Com o
braço em volta da cintura dela, segurando a outra mão, encostei-a
no meu corpo e dançamos uma valsa lenta.
As festas sempre começavam calmas na minha família, depois
era música fervorosa e muita bebida.
— Não foi nas mãos dela que o buquê caiu, então acho que
não tem como ela roubar a minha sorte.
— E quando eu terei a sorte de ouvir que o noivo serei eu?
Não que eu já não saiba.
Ela revirou os olhos, sorrindo.
— Ainda estou pensando se vale a pena mesmo.
Sabia que era brincadeira, mas, no fundo, desconfiava que o
motivo seria a aceitação do meu pai, que não havia aberto a boca
em todas as semanas desde que eu a trouxe de volta para casa.
Caterina se importava muito com a opinião dele, por meu pai
ter sido bom quando ela chegou em nossas vidas, tinha medo e
sempre reclamava que ele a odiava.
Em algum momento ele iria aceitar.
Se fosse mais jovem, seria impossível, mas a velhice o havia
amolecido. Era impossível que as coisas que estavam acontecendo
com ele, não o fizesse pensar sobre a minha vida e o meu futuro.
— Cuidado, pois posso fazer o pedido na frente de todos.
— Não ouse, Héctor. Não ouse — ela praticamente implorou.
— E beijá-la, eu posso?
— Não parece que esteja tudo bem. Não vamos dar motivos
para especulações.
Medrosa.
— Estar com você seria a melhor especulação sobre mim que
eu já ouvi.
Ela sorriu, mas quando olhou para o lado, ele se desmanchou.
Ela tinha visto meus pais.
— Preciso ir ao banheiro, sozinha.
Eu iria acompanhá-la com o maior prazer, mas ela já tinha
colocado os limites.
— Estou te esperando. Ainda faltam algumas horas de dança.
Ela se afastou de mim, sorrindo e saiu pela casa.
Esperei conversando com os sócios da família e de Rosário, a
quem avistei apenas um tempo depois.
Andava curioso para saber como estavam as coisas em
Madrid. Eu pedi para que ele conversasse com as vizinhas de
Caterina, falando sobre como ela estava, assim como com uma
pessoa com quem minha mulher trabalhava na floricultura.
Não queria que pensassem que Caterina estava sofrendo e,
assim que fosse possível, pretendia fazer uma viagem e levá-la para
lá, para que reencontrasse essas pessoas. Meu plano não era afastar
Caterina da vida antiga que ela tinha, eu só queria estar na vida
dela.

CATERINA SÀNCHEZ
Eu não conseguia permanecer ao lado do Héctor quando o tio
Alejandro estava olhando. Nem sabia se era certo chamá-lo assim.
Eu não conseguiria dizer sim para os repetidos pedidos de
casamento do Héctor, sabendo que o pai dele odiava a ideia.
Em vez de ir ao banheiro, saí do lado de fora da casa. O meu
plano era ficar alguns instantes longe do campo de visão do tio
Alejandro.
A esposa dele entendia o que estava acontecendo entre
Héctor e eu, mas ele não havia falado nada desde que voltei para a
Itália.
Talvez ele me odiasse mais ainda por ver que não respeitei o
seu pedido e ainda voltei, passando por cima da ideia dele de me
manter distante do filho.
Eu temia que acontecesse novamente, que, de repente,
aparecesse um homem na porta do meu quarto, falando que deveria
acompanhá-lo e parasse em outro lugar, um que não fosse próximo
à minha casa, onde não pudesse ao menos me conformar.
É verdade que eu também não queria ficar mais distante do
Héctor, pois o tempo que ficamos juntos me deixou apegada a ele.
O homem realmente agia como prometeu que faria, não
parecia ser nada forçado.
Se acontecesse de eu ir embora, se houvesse a mínima
chance de ser levada para Madrid novamente ou qualquer outro
lugar, eu gritaria o nome dele.
Eu chamaria por ele.
Eu não havia passado um minuto fora da casa e um homem
parou ao meu lado, sinalizando que o meu plano não tinha dado
nada certo.
— Quem diria que estaríamos nestas posições? Você,
candidata a minha nora.
Candidata, eu não me via daquela maneira.
Se Héctor ouvisse, diria que eu não era sua candidata, e sim
sua futura esposa, com toda a certeza que ele sempre tinha ao
pronunciar essas palavras.
— Eu não imaginei que isso aconteceria, tio Alejandro. Não
queria atrapalhar os seus planos. Nunca nem esteve nos meus.
Ele suspirou dentro do terno que deveria valer a dívida que
meu pai deixou antes de morrer.
— É como se eu estivesse vivendo um déjà vu, porém,
consigo ver dos dois lados. O lado do pai, que quer manter uma
tradição, e do lado de um irmão que viu a vida do outro se
desgraçar por conta dessa mesma tradição. Eu não quero seu mal,
Caterina. — Ele olhou para mim.
Suas palavras, de certa forma, me trouxeram alívio.
Mas eu sabia que o porém era o que me incomodaria.
— Demorou muito tempo para convencer Héctor a agir como
um homem cauteloso. Ele sempre foi indomável.
Mal sabia ele que o filho continuava sendo assim.
— Eu só queria que, se casando, ele soubesse o que é ter
alguém por quem se quer voltar para casa todas as noites. Proteger.
Amar. Héctor estava muito focado em outras coisas, se distanciando
cada vez mais do que faz os seres humanos serem felizes de
verdade. Então, ele cismou que se casaria com você.
Era mesmo uma grande reviravolta.
As lembranças daquela noite ainda me deixavam chocada.
Foi tão repentino!
— Eu desacreditei da possibilidade de acontecer o que eu
queria, porque ele nunca te tratou tão bem. Como ele iria amar,
como iria ser mais cauteloso, buscar mais aliados do que inimigos
para se manter vivo para alguém? Será que ele protegeria alguém
por quem parecia sentir apenas desprezo?
— Eu também acreditei que não podia. Eu nunca pensei que
o Héctor pudesse me fazer um grande bem. Estar disposto a se
sacrificar para me salvar, mas ele fez. De alguma forma, Héctor fez e
eu não acho que alguém como o senhor diz que ele é, faria isso.
— Você acabou de tirar as palavras de mim. Passei todas
essas semanas pensando se eu deveria evitar que um casamento
fracassado acontecesse ou acreditar que o meu filho não estava
blefando, que não era apenas uma paixão passageira, motivando-o a
fazer as maiores loucuras.
— O que o senhor concluiu?
A opinião dele era muito importante para mim. Com certeza,
ela seria decisiva para a minha resposta sobre o pedido de
casamento de Héctor.
— Concluí que você faz com que o meu filho seja menos
egoísta. Por mais de dez anos Damiano tentou colocar as mãos nele,
Héctor fez de tudo para que não o encontrasse e então ele
simplesmente se entregou para que esse mesmo homem o ajudasse
a encontrá-la. Era esse tipo de mudança que eu queria ver no meu
filho. É esse tipo de homem que preciso comandando o negócio da
família. Um homem que busca alianças e não inimigos. Que
minimize os danos, mesmo que para isso tenha que se sacrificar. —
Ele ficou de frente pra mim. — Se você quiser aceitar o pedido de
casamento do meu filho, saiba que não serei contra.
Eu tinha a minha resposta.
CAPÍTULO 52
HÉCTOR BARONE
Ok!
Talvez eu fosse bastante ansioso em relação ao meu
relacionamento com Caterina, mas ele não era denominado.
Caterina era a minha futura esposa que ainda não carregava um
anel de noivado e eu não a pediria em namoro, pois já queria me
casar, mas ela não respondia se queria.
Mesmo assim, eu tentei parecer mais calmo, dei espaço para
ela pensar sem ficar fazendo perguntas. Ela tinha um buquê de
noiva e era um bom motivo para pensar no assunto.
Caterina me chamou para fazer um passeio inesperado
durante a semana, quando a encontrei do lado de fora da casa. O
meu cavalo já estava pronto para isso e ela ao seu lado, como todas
as vezes em que chegava perto, ficava cheirando e conversando com
ele. Uma vez a peguei perguntando qual shampoo ele usava.
Às vezes Caterina era bem engraçada.
— Então você quer passear? — Eu a peguei de surpresa.
Ela tremeu e me encarou.
Às vezes, ela não se intimidava comigo, mas em outros
momentos ficava nítido que ficava sem jeito perto de mim. Esse não
era um dos dias em que eu a intimidava, apenas havia a pegado
desprevenida.
— Prometo que desta vez não vou te abandonar perto da
mata. — Ela sorriu.
Eu me aproximei analisando o seu comportamento e a
levantei pela cintura.
— Por que será que não consigo confiar? — Eu a coloquei
sentada de lado no cavalo e subi em seguida.
Quando o cavalo começou a correr, ela respondeu:
— Você precisa acreditar na sua futura esposa.
Eu fiz com que o animal parasse na mesma hora, o que quase
nos fez cair.
Estava em choque com o que acabava de ouvir, afinal
Caterina nunca havia pronunciado aquelas palavras antes.
— O que disse?
— Que você precisa confiar na sua futura esposa. — Ela não
olhou para trás, mas eu me estiquei até conseguir olhar em seu
rosto e a vi sorrindo.
— Isso é um sim, Caterina?
Ela confirmou com a cabeça.
— Eu preciso que diga, que verbalize.
Ela sorriu mostrando os dentes.
— Por que você sempre exagera?
— Você quer se casar comigo?
— Eu quero, Héctor. Na verdade, eu vou.
Saltei do cavalo e a arrastei para os meus braços, no meio do
campo, encarando o rosto dela enquanto processava as palavras.
Todas as vezes que pensei em como seria tendo-a para
sempre comigo, estava prestes a se tornar realidade.
Eu a teria ao meu lado todas as noites.
— Fala alguma coisa, Héctor. É estranho quando você fica me
olhando assim, parece que está planejando o meu assassinato.
— Eu nunca amaria outra mulher que não fosse você,
Caterina. Mas nunca te forçaria a se casar comigo. É por livre e
espontânea pressão?
Ela riu.
— É por livre espontânea vontade. Você sabe que a sua
pressão não funciona mais comigo.
— Mas é claro, ou eu não estaria esperando por tanto tempo
essa resposta. — Eu a tirei do chão, abraçando forte e afundando
meu nariz entre os fios do cabelo dela. — Eu não acredito que ainda
tentei te tirar da minha vida. — Beijei seu pescoço e quando respirei,
senti o cheiro doce floral no cabelo. — Quero acordar todos os dias
com você e voltar para casa todos os dias para te encontrar.
— Eu preciso que você volte mesmo, porque também não sei
o que farei sem você. — Ela segurou meu rosto e me encarou. — Eu
também me importo com você, droga. Eu não queria, mas eu me
importo. Eu acho que temos que ter uma história feliz, certo?
Promete que vai me tratar como a rainha e que nunca vai duvidar de
mim? — Os olhos dela brilhavam.
— Eu prometo. E quanto à história feliz, eu asseguro que
teremos. Eu faço o que você quiser, Caterina, o que for preciso para
te ver feliz e bem.
Não era a primeira vez que eu repetia aquilo, mas precisava
que ela entendesse que não se arrependeria se ficasse comigo.
— Eu só queria pedir uma coisa.
— Sim, qualquer coisa.
— Eu gostaria que as minhas vizinhas viessem para o nosso
casamento. A minha patroa da floricultura já nem deve se importar
comigo, mas além de você e das pessoas daqui, minhas vizinhas são
as únicas que sempre se preocuparam comigo. Quero que saibam
que estou bem.
— Isso não é uma tarefa tão difícil, sabia? Elas estarão no
casamento. — Encarei os lábios e diante do sorriso, só pude beijá-
los. — Minha noiva — sussurrei contra a boca dela e ouvi sua risada.

Duas semanas depois do casamento de Serena com Henrico,


após a volta deles da lua de mel, avisei que o jantar seria especial.
Fazia pouco mais de uma semana que Caterina havia aceitado
o meu pedido, mas ainda não carregava um anel de noivado no
dedo e eu tornaria aquilo uma realidade naquela noite.
Por isso, quando todos se reuniram ao redor da mesa, eu me
assegurei de que Caterina apareceria e não ficaria pelos cantos.
Rita foi buscá-la.
Mesmo tendo escolhido e a presenteado com o vestido para
aquela noite, eu não deixei de me admirar quando ela apareceu
tímida no vestido longo e estampado, que combinava com o estilo
dela.
Era lilás porque ela ficava perfeita com aquela cor.
Quase não consegui dar passos para chegar à mesa e
hipnotizado fui buscá-la. Não pude fingir que não me sentia
deslumbrado ao vê-la mais de perto, seu rosto delicado estava
maquiado, nada pesado, apenas a tornava ainda mais perfeita, os
lábios carregavam um brilho molhado e os olhos estavam mais
marcados.
Talvez eu nunca me acostumasse com tudo o que ela
representava para mim, eu também não entendia como me
apaixonei de maneira tão avassaladora por ela, mas toda vez que a
encontrava, eu me apaixonava mais. Aquela chama não apagava, ela
sempre estava se renovando a cada olhar, a cada toque, a cada
beijo.
Sim, eu era obcecado por ela.
Caterina era a minha rainha.
Minha religião.
Eu faria tudo o que ela mandasse, agiria da maneira que ela
quisesse, faria tudo para que aquela mulher me amasse.
Segurei sua mão, a pele gelada e molhada, e deixei um beijo
nela.
— Você está perfeita.
Ela mordeu os lábios, colaborando para que enlouquecesse.
Quando desviou o olhar do meu, dando atenção às pessoas
que estavam no jantar, eu me lembrei que não existiam apenas nós
dois no mundo.
Mas bem que poderia.
Eu a levei para a mesa com orgulho e a coloquei sentada ao
meu lado.
— Você está linda. — Serena era a mais empolgada e até
aplaudiu a amiga.
— Os milagres do buquê — Ramona comentou com a amiga,
Chiara, que sempre estava à mesa de jantar conosco.
Não seria estranho quando Damon conseguisse levar o que os
dois tinham a sério.
Mas era a primeira vez de Caterina e ela estava tão acuada
que eu me via na obrigação de fazê-la se sentir mais tranquila.
— Pelo menos nesta noite você não vai precisar levar comida
no escritório do meu pai. Acho que você resolveu os problemas das
discussões de jantar feitas por ele.
Ela deu um pequeno sorriso e meu pai pigarreou.
— Eu ainda não vi o pedido, nem o casamento acontecendo,
então, para mim, ainda é um problema.
— Não seja por isso. — Eu me levantei e Caterina segurou a
minha mão como se implorasse para que não fizesse nenhuma
loucura. — O jantar é especial não apenas porque Caterina está aqui
conosco. — Tirei o anel de noivado do bolso, expondo-o para a
minha futura esposa, que cobriu a boca.
Ela deveria esperar por isso, então não entendi a sua reação.
Estava claro que Caterina não gostava de receber muita
atenção, mas aquela era por bom motivo e ela receberia muito mais
no nosso casamento.
— Sei que da última vez peguei todo mundo de surpresa, mas
eu sabia o que estava fazendo. Vocês têm dificuldade de entender as
decisões que eu tomo. Acreditem, essa foi a mais bem pensada,
embora tenha me sentido um pouco pressionado naquela noite.
— Ninguém imaginou isso — Roman zombou.
Eu não sairia do foco com as brincadeiras.
— Eu nunca quis me casar até conhecer a Caterina, o que
vocês não sabem é que faz muito tempo que a conheço. Quer dizer,
que a vi, pois apenas quando ela veio morar aqui que eu tive a
oportunidade de ter certeza de que era a mulher certa para mim.
— E ainda demorou — Damon frisou.
Meus irmãos sendo os idiotas de sempre.
— Sei que sou explosivo e muito radical nas minhas atitudes
— continuei o discurso. — Mas esta eu sei que vai afetar o resto da
minha vida e eu não faria o pedido se não soubesse que quero isso
para mim. E não me importo se alguém se oponha é a minha
decisão, desde que a mulher que vai ouvir essa pergunta pense o
contrário. — Eu me virei para ela e abri a caixa, onde o anel de
noivado estava.
Eu não era um homem atento aos detalhes sobre essas
coisas, mas quando vi aquela joia, que tinha uma pedra em formato
de flor, imaginei que poderia agradar à minha noiva.
— Caterina, você já me disse uma vez, mas estava faltando
isso. Eu só quero ouvir antes de colocar no seu dedo. Você quer
mesmo se casar comigo e ficar do resto da vida ao meu lado?
Ela olhou para o anel, depois pra mim, e seus olhos brilhavam
tanto quanto aquele diamante.
— Sim, eu aceito.
— Corajosa.
Ouvi Ramona falando baixinha, mas foda-se o que ela
pensava. O fato de Caterina não ter se deixado levar pelo que o
resto da família pensava sobre mim, só mostrava que ela estava
disposta a conhecer o verdadeiro eu e tirar suas próprias conclusões.
Ela me entregou a mão e eu coloquei o anel, quando se
levantou, eu beijei tanto a mão quanto seus lábios.
Caterina havia me contado tudo o que meu pai disse pra ela.
Ele ainda era um homem muito duro para ter conversas profundas
com os filhos, mas eu sabia pelo seu olhar que aceitava a minha
escolha.
Minha noiva.
Minha.
Caterina era minha e todos saberiam disso quando olhassem
para a mão dela.
CAPÍTULO 53
CATERINA SANCHEZ
Depois que aceitei o pedido de casamento do Héctor, a
minha vida na mansão dos Barones mudou completamente e as
pessoas começaram a me tratar como tratavam os Barones.
Às vezes eu me sentia um pouco mal por isso, pois parecia
que eu havia me tornado uma rainha mesmo, quando eu queria
apenas ser bem tratada e não estar no lugar de dar ordens.
Não fazia parte dos meus costumes ter pessoas fazendo tudo
por mim.
Era estranho.
A melhor coisa que fizeram foi uma festa de despedida de
solteira. Um dia antes do meu casamento, me pegaram de surpresa
e eu estava ali, sentada na cama de um quarto infantil.
Ramona jogou várias lingeries em cima da cama. Ela também
tinha cigarros de maconha e muita bebida alcoólica.
Era uma versão da festa da Serena, porém minha.
— Você pensou que não iria ter festa para você também só
porque roubou meu buquê? — Ramona brincou e olhei para Serena,
rindo.
— Não imaginei que vocês fariam isso por mim.
— Você será a minha cunhada, não é? Então merece tudo
isso mesmo, se casando com meu irmão mais esquisito... O que
você viu nele?
— Se eu explicasse, você não entenderia.
Rimos.
Chiara estava com a cara no celular, digitando bravamente,
apertando a tela do aparelho, como se pretendesse descontar todo o
seu estresse nele.
— Alguém vai receber um textão, hein?! — Serena brincou,
foi então que ela nos notou.
É
— É apenas o imbecil achando que tenho tempo para ele.
— É o imbecil que sempre fica mandando mensagens? —
Ramona tentou ver, mas Chiara não deixou. — Por que ainda não o
bloqueou?
— Eu não posso bloqueá-lo. Enfim... — Ela largou o celular de
lado. — Onde tem um isqueiro? Preciso de um cigarro.
Eu ainda não tinha me acostumado com o estilo de vida
delas.
Eu não era assim, Serena também não, apenas naquelas
festas.
Ramona e Chiara fumavam, bebiam e falavam coisas que nos
assustavam.
Elas eram o que ninguém esperava de duas moças que
cresceram presas em uma mansão.
Presas entre aspas, porque fugiam pra festas
frequentemente.
Aprontavam demais para quem dizia que não fazia nada com
homens.
Chiara fumou o cigarro e soprou a fumaça da maconha, que
bateu no meu rosto. Eu não gostava muito daquele cheiro, mas seu
efeito, tinha que admitir, era muito bom.
— Se você não era prostituta, com todo respeito, Cate, então
é virgem como naquela conversa da piscina?
Tomei o cigarro da mão dela e fumei pra ter coragem de
admitir, afinal já tinha sido difícil falar isso pro Héctor. Era diferente
estar entre as amigas, mesmo assim o assunto me deixava acuada.
Quando a fumaça nos meus pulmões causou um bom
relaxamento, confirmei.
— Eu sou mesmo.
— O Héctor será o seu primeiro homem? — Ramona abriu
bem os olhos.
— Vocês já deveriam esperar. Não é assim que se casam?
Esperam a lua de mel.
— É que você não cresceu amarrada como nós. Por que não
aproveitou a vida? — Ramona também fumou. — Se eu não vivesse
presa aqui, já teria feito tanta coisa... Essa família e suas tradições
não deixam que ultrapassemos os limites da diversão.
— Lá fora as coisas não são tão fáceis assim, Ramona.
Acredite, aqui é muito melhor — garanti tomando o cigarro da mão
dela, fumando mais um pouco.
A brisa tornava o momento mais leve, embora não tivesse
nada de pesado acontecendo, nenhum assunto importante sendo
debatido.
— Vocês que dizem que não é. — Ela deu de ombros. —
Vamos escolher qual será a lingerie para a primeira noite com meu
irmão. Esquece. Você se veste de preto, ele ficará muito feliz. Nunca
vi uma pessoa gostar tanto de roupa preta como ele. Talvez o
Henrico.
Serena riu.
— Eu não usei nenhuma das lingeries porque as coisas
aconteceram sem elas. Às vezes nem dava tempo de colocá-las.
Se tinha uma coisa que parecia que Serena e Henrico faziam
muito era sexo, eles exalavam uma energia de quem não se cansava
de fazer isso.
Se fosse tão bom quanto as preliminares, eu seria como eles.
Entre quatro paredes eu não tinha mais vergonha de estar
com Héctor, não adiantava se sentir assim se ele me olhava como se
eu fosse a mulher mais perfeita do mundo.
Dentre várias cores, preferi a lingerie lilás. Não sei o motivo,
mas ele sempre me elogiava muito quando eu estava com aquela
cor.
Talvez fosse a cor preferida dele e elas não soubessem.
Era de renda muito fina e a única coisa que não era
transparente era o cordão da calcinha.
O que eu poderia dizer sobre o sutiã?
Aquilo não protegeria nada.
— Onde você compra essas coisas, Ramona? No mercado
ilegal? — brinquei e elas riram.
— São de uma das melhores marcas de lingerie, então cuide
bem delas e faça o meu irmão feliz pra ver se ele para de se meter
na nossa vida. Não é, meninas?
— Por favor — Serena implorou com as mãos unidas. — Até
que parece que ele anda menos ruim depois de você. Não acham?
— Ela olhou para as outras.
— Eu não o vi xingando nem ameaçando ninguém de morte
nos últimos dias. — Chiara também entrou na brincadeira.
Estava certa de que ouviria aquelas piadas muitas vezes, em
todas as nossas conversas. Elas sempre fariam piadas sobre o
humor do Héctor.
Mas não estavam erradas, ele realmente não tinha um
temperamento muito bom.
— O amor é cego, não é?
— Amor — Ramona repetiu suspirando. — Quando eu me
casar com David Beckham...
— David Beckham já é casado — Chiara a interrompeu. — Por
que você não sonha com outro?
— Eu não tenho outro parâmetro de beleza. Ficará sendo ele
até que eu encontre um homem mais bonito.
Ramona era muito engraçada, ela tinha o jeito dela, um
pouco ingênua, sonhadora, desesperada pra se casar, e não se
importava com nada além dos seus dramas.
Mas eu nunca a tinha visto dizendo alguma maldade, ou
fazendo isso, então não existiam motivos para eu não gostar dela.
Ouvimos o barulho de uma conversa alta entre homens e nos
levantamos para ver pela janela. Eram os homens da casa, que
estavam carregando garrafas, indo em direção à academia. Roman e
Damon cantavam uma música sobre o quanto era bom viver a vida,
enquanto Henrique e Héctor bebiam.
— Olha como meus irmãos são homens de família! Eles
poderiam estar indo para uma boate, mas preferem se trancar em
uma academia e beber enquanto cantam desafinadamente essas
músicas ruins.
— Não é isso, Ramona — Chiara a corrigiu rindo. — Acontece
que eles são tão vaidosos que vão beber enquanto malham pelados.
Ri imaginando a cena.
— Acho que também devemos beber. Vamos aproveitar a
última noite de Caterina virgem e pura. — Serena pegou uma
garrafa de champanhe, sacudiu e abriu fazendo com que a rolha
voasse pelo quarto.
— Moderadamente, porque no casamento da Serena quase
que passamos dos limites. Lembrem-se que acordamos todas
atrasadas para nos arrumar. No meu casamento eu não vou me
atrasar.
— Olha ela como está animada para se casar com o Héctor!
— Chiara falou de um jeito engraçado que nos tirou gargalhadas.
Quem não ficaria ansioso pelo próprio casamento?

HÉCTOR BARONE
Eu não podia dizer que estava em uma despedida de solteiro
porque ficar sentado numa academia tomando uísque, enquanto
ouvia bobagens dos meus irmãos e os gemidos do Henrico não
podiam ser considerados isso.
Eu já estava prestes a tomar o celular da mão de Damon e
arremessá-lo na parede. Ele estava o tempo inteiro conversando
com alguém que eu suspeitava que fosse Chiara e parecia estar
numa discussão, pois digitava nervoso.
— Volte a cantar, Roman. Isso está ficando entediante —
implorei levando o copo de whisky à boca.
— Você queria o quê? Mulheres dançando sem roupa? — ele
soou arrogante. — Você vai se casar, será um homem de família.
Quer começar traindo sua noiva?
Olhei para o meu melhor amigo e franzimos os cenhos
estranhando a conversa.
Não era um discurso esperado do Roman.
— Não. Eu não queria estar com várias mulheres, traindo a
minha noiva, Roman. Eu queria estar com a minha noiva.
— A sua noiva está fumando maconha no quarto de bonecas.
Eu tenho certeza disso. — Damon parecia bem confiante da aposta.
— E a sua certeza mandou mensagem no seu celular, não foi?
Ele não respondeu.
— Quem é a certeza dele? — Henrico questionou.

É
— Você não quer saber, Rico. É forte demais para a sua
mente.
Ele olhou para Damon com os olhos semicerrados,
desconfiado.
— Está mandando mensagens para minha irmã?
— A sua irmã não quer falar comigo. Você não vê como ela
me trata?
Que safado!
Ele fingia muito bem!
Era por isso que o caso durou anos!
— Ah, como se você não merecesse — Roman cantarolou e
eu concordava com ele.
— Quero que você se case logo, Damon. — Eu me virei para
ele. — Assim vocês saem da minha casa. Henrico, vamos
providenciar uma casa para você, já que agora está casado. Como
sou o primogênito, irei morar com nossos pais, mas não quero vocês
e os seus filhos morando lá.
— Puta merda, Héctor! — Henrico virou a garrafa de whisky.
— Não leve a mal. Eu só quero tudo bem-organizado. Todos
teremos famílias grandes e aquela casa está ficando pequena com
tantas mulheres aparecendo.
— Mas o que é isso aqui? — Roman fez careta. — Uma
reunião de herança? Podemos ficar lá o tempo que quisermos, não é
como se a casa fosse ser sua apenas porque vai se casar.
— Depois de ouvir essa, eu vou começar a procurar uma casa
mesmo. — Henrico parecia chateado.
Eu já tinha me explicado que não era por mal.
— Recém-casados não gostam de ficar rodeados de gente.
Você não anda cansado de foder calado, Henrico?
— Ele mal usa a voz pra falar — Damon zombou e eu ri com
respeito.
— Já bastam os funcionários — continuei meu discurso. —
Talvez eu até mande nossos pais para uma viagem de dois meses
para algum lugar onde eles possam recuperar as energias que
gastaram insistindo para que nos casássemos.
Era uma ótima ideia.
Eles estavam admirados com os meus planos.
— Volte a cantar mesmo, Roman — Damon pediu. — Porque
isso aqui está mesmo um tédio.
— Amanhã vou me casar, então não quero ninguém de
ressaca. — Balancei o dedo na direção de cada um. — Apenas uma
garrafa. — Deixe as outras para o casamento ou para depois. Eu não
posso perder a chance de me casar com aquela mulher.
Esperava que ela não se drogasse, ou bebesse a ponto de
também não aparecer no casamento.
Estava chegando o dia que Caterina se tornaria a minha
esposa. Eu só dormiria por causa das doses de Whisky, pois a
ansiedade era tanta que estava contando as horas.
Minha esposa.
CAPÍTULO 54
CATERINA SÁNCHEZ
Talvez eu precisasse de um cigarro de maconha naquele
dia, porque estava nervosa demais para conseguir caminhar pelo
quarto e não conseguia me imaginar andando pela igreja.
Quando o último detalhe da minha arrumação foi colocado,
um pente que segurava o véu no meu cabelo com apenas algumas
mechas presas, me olhei em frente ao espelho.
O vestido era justo, com uma cauda de sereia, nada muito
volumoso. O tecido dele era sedoso e o decote dos seios quadrado.
Foi o meu favorito.
Eu não queria nada extravagante e sim me sentir bem, se é
que isso era possível.
Aquele momento parecia surreal, pois eu não tinha nada do
que precisava para ser a noiva, para aquele noivo, para aquela
família.
Para começar, eu não tinha família.
Foi muito bom ver as minhas vizinhas antes do casamento,
saber que estavam bem e que estavam tranquilas por me ver.
Elas eram o mais próximo que eu tinha do meu passado, mas
ainda assim não eram como um pai, uma mãe, um irmão, como
alguém de parentesco mais distante.
Minha mãe nunca apareceria no meu casamento. Ela me
odiava tanto que fazia mais de uma década que não falava comigo e
eu não me importava com a ausência dela.
Por que gostaria de ver alguém que adorava me deixar triste
no dia mais feliz da minha vida?
Ela nem estaria feliz por mim.
O meu pai estava morto, assim como meus avós e eu nunca
tive irmãos.
Eu nem tinha quem me levasse ao altar, entraria sozinha com
o buquê de flores e a coragem.
Eu me perguntava por que aceitei.
Por que não rejeitei?
O fato de que era a pessoa errada, o pedido de casamento...
Talvez Héctor se desse conta da nossa diferença ali, diante do
padre.
Vi o reflexo da mãe de Serena me observando escorada na
porta, com um pequeno sorriso.
Sorri de volta.
— Achei que estava na igreja.
— Fiquei para te esperar. Te fazer companhia. — Ela se
afastou da porta e andou pelo quarto suspirando, enquanto olhava o
meu vestido. — Você ficou linda.
— Obrigada. — Eu a encarei de frente.
Ela era um pouco mais baixa que eu e usava um vestido azul-
marinho, justo, marcando a cintura fina.
— Estou feliz por vocês e pelo Alejandro ter aceitado esse
casamento. Eu cheguei a sonhar que aconteceria o mesmo comigo,
mas naquela época era impossível.
Vi uma tristeza no seu olhar.
Eu demorei para entender que estávamos em lugares
parecidos, apenas em épocas diferentes e a tristeza nela por contar
aquilo me fez deduzir que ela o amava muito.
— Às vezes concordo com eles. Será que sou mesmo a
pessoa certa para isso? Eu não tenho nada a oferecer, Marcella.
— Foi o que tentei dizer a mim mesma várias vezes para me
conformar. A nossa diferença é, Caterina, que eu nunca consegui
chegar perto dessa família, enquanto você conseguiu fazer parte
dela, antes mesmo de estar com ele. Eles gostam de você, senão as
coisas seriam muito diferentes. — Ela segurou as minhas mãos. — E
ele fez o que o meu Frederico não fez. Lutou até o fim. Espero que
você seja feliz como eu poderia ter sido com o homem que eu
amava.
— Eu também espero — sussurrei.
Marcella me acompanhou no carro até a igreja e foi mais do
que uma companhia, acho que era a pessoa que mais me entendia
naquele momento.
Eu estava prestes a enfrentar tubarões para me casar com o
homem que jurei odiar para o resto da vida e que sentia totalmente
o contrário.
Era por ele que eu estava ali, por nada mais do que isso.
Estava tão nervosa que nem olhei para os lados, não tinha
curiosidade de ver quem estava na frente da igreja, só encarava
minhas mãos e o buquê de rosas vermelhas nelas, buscando
coragem para sair dali e entrar naquele lugar de cabeça erguida.
Quando abri a porta do carro, em frente ao tapete vermelho,
vi um par de sapatos sociais masculinos.
Olhei para cima e tomei um leve susto ao ver o noivo me
esperando fora da igreja.
Mas, porra, ele estava lindo!
O cinza lhe caiu tão bem quanto o preto.
Héctor me olhava sem dizer uma palavra, também não
piscava os olhos, apenas passava o olhar por todo o meu corpo,
como se estivesse tentando guardar a minha imagem em sua mente
com o máximo de detalhes possível.
— O que você faz aqui? — Saí do carro e fiquei de pé na
frente dele. — Não deveria estar dentro da igreja?
E se o meu medo dele mudar de ideia após entrar na igreja
tivesse se tornado realidade?
— Puta merda, você está perfeita, Caterina!
A voz profunda junto aos palavrões me deixou fraquinha e
aliviada.
Ele parecia chocado e balançava a cabeça, enquanto os olhos
passavam pelo meu decote, o buquê nas minhas mãos e o meu
rosto.
— Achei que as minhas expectativas eram altas, mas você
conseguiu superá-las.
Sorri.
Quando Héctor falava essas coisas, me olhando feito alguém
que tinha acabado de descobrir um segredo avassalador, eu queria
rir.
— O que faz aqui?
Ele entregou o braço.
— Vim te buscar para entrar na igreja, ora!
Aquela ideia era perfeita, mas bem fora dos padrões.
— Não vão achar estranho? — Passei o braço pelo dele e
segurei firme o buquê.
— O noivo ao lado da noiva? Eu acho que não tem nada de
errado.
As palavras dele me fizeram sorrir.
Aquilo era tudo que eu precisava para entrar confiante de que
estava fazendo a coisa certa.
Caminhamos juntos para dentro da igreja repleta de pessoas
que desconhecia e que com certeza buscavam entender o que eu
fazia com alguém tão poderoso.
Quem era aquela moça que surgiu do nada e conseguiu se
casar com o filho mais velho de um dos homens mais poderosos da
Calábria?
Sabia que aquele momento seria breve, depois, quando eu
saísse dali, não seria mais ninguém, eu não seria mais a moça que
se refugiou entre eles, que teve que pagar pelos erros do pai, quase
foi vendida, quase estuprada. Aquilo fazia parte do meu passado,
pois, no presente, eu seria a esposa de Héctor Barone, uma senhora
Barone e era isso que importava, porque o passado não ditaria mais
o futuro.
Quando chegamos ao altar, rodeados das pessoas mais
próximas que se sentaram ali na frente, nossos padrinhos, Héctor e
eu nos ajoelhamos e o padre iniciou a cerimônia.
Eu me perguntava se já amava Héctor, se ainda carregava
aquela mágoa, se o que estava fazendo era movida a paixão, mas a
resposta já havia sido dada há muito tempo, eu só não fui capaz de
entender.
Quando sofri vendo-o sendo castigado, me desesperei com
medo de perdê-lo, gritei indignada por estarem fazendo mal a ele,
era muito mais do que meu senso de justiça, mais do que me sentir
culpada por aquilo estar acontecendo. Eu não queria que ele
sofresse, porque já era alguém importante para mim.
E o amor não é isso?
Querer tanto o bem de alguém a ponto de sofrer se ele
estiver sofrendo e ser feliz quando ele também estiver feliz?
— Héctor e Caterina, é de livre espontânea vontade que
vieram firmar este casamento?
— Sim — respondemos juntos.
Mesmo não podendo superar a segurança de Héctor, eu sabia
que o meu sim foi sincero.
— Agora repitam comigo. — O padre se virou para Héctor e
começou a dizer as palavras, enquanto eu as ouvia sendo repetidas
com a maior confiança e a obsessão que Héctor poderia demonstrar
em seu tom de voz e pelo olhar.
— Eu, Héctor, Recebo-te Caterina por minha esposa, e
prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida — ele falou com
muita ênfase todos os dias da nossa vida.
Héctor teria que permanecer vivo, porque a minha confiança
era que com ele eu nunca mais ficasse sozinha.
Eu também fiz os meus votos, repetindo as mesmas palavras
e depois trocamos as alianças.
Eu tinha adorado o anel de noivado, que era a versão
caríssima e mais brilhante do anel que recebi do meu primeiro
namorado, mas o simples anel de casamento era perfeito apenas
pelo que simbolizava.
De frente para ele e o padre, parecia que apenas existíamos
nós três naquela imensa catedral, cheia de anjos e pessoas.
Eu não me importava com elas, o meu momento era com
Héctor e o padre, firmando o nosso compromisso.
Isso me fazia me sentir mais tranquila.
Pensar que não existia perigo, medo, pressão, ou rejeição,
tornava o momento único e maravilhoso.
Apenas quando as últimas palavras do padre foram ditas,
voltei a respirar.
— Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
— Finalmente, meu amor. — Héctor me puxou pela cintura
me dando um de seus beijos que eu tanto adorava.
Olhei para aquela multidão e me dei conta de que estávamos
firmando nosso relacionamento na frente de muitas testemunhas.
Héctor segurou a minha mão e saímos do altar como marido
e mulher.

Ao chegar à recepção, na mansão dos Barones, recebi um


abraço forte de Bela.
— Seja bem-vinda à família, Caterina. Não que você já não
fosse, mas agora é oficialmente uma Barone. — Ela segurou as
minhas mãos, sorrindo. — Eu peço perdão se em algum momento
pareci que não aceitava você conosco. Eu ainda não tinha enxergado
o quanto você fazia bem para o meu filho.
— Eu só tenho a agradecer pela senhora ter me acolhido
desde que cheguei. Não me julgou pelo que eu aparentava ser e fez
o que poderiam ser os piores dias da minha vida, serem melhores.
Muito obrigada mesmo.
Voltamos a nos abraçar.
O senhor Barone também parou na minha frente depois de
falar com o filho e sorriu.
Eu fiquei por muito tempo sem ver aquele sorriso, até a nossa
conversa no casamento de Serena, quando ele voltou a ser o
homem que era antes de tudo, quando cheguei.
— Agora você tem um grande trabalho pela frente. Manter o
meu filho vivo, são e salvo. Eu conto com você para que ele não faça
nenhuma besteira, Caterina.
Sorri enquanto Héctor nos olhava estranho.
— Então era pra isso que você queria que eu tivesse uma
esposa, pai?
— Você sempre soube que sim e ninguém melhor do que eu
para saber que são as mulheres que mandam nos homens. Basta
você ter uma para aprender. — Ele deu um tapinha no ombro do
filho e eu vi uma troca de olhares entre os dois que dizia muita
coisa, incluindo orgulho.
Então a minha tarefa seria fácil, já que o Héctor havia me dito
que faria tudo que eu mandasse. Ele concordava com as cláusulas
do casamento antes mesmo dele ser realizado.
Serena me arrastou pelo braço e me abraçou, sacudindo meu
corpo.
— Estamos casadas, Caterina. A Serena e a Caterina que
estavam na estufa naquele dia, falando sobre não existir homens
para elas, nunca esperariam que estariam casadas meses depois.
Eu concordei rindo.
Ela estava de verde-claro, a cor que escolhi para minhas
madrinhas e dessa vez Ramona não reclamou porque ficou linda
naquela cor.
Ela estava enchendo a cara junto a Chiara.
Cumprimentei o restante da família e também muitos
convidados. Foi um longo tempo recebendo os parabéns das
pessoas, sendo apresentada como a nova senhora Barone.
Héctor estava grudado em mim, por isso a minha mão direita
só ficava livre quando ele estava me apresentando para alguém, do
contrário me arrastava de um lado para o outro como se fosse parte
dele.
Joguei o buquê que foi pego por Vittoria, a noiva de Roman,
para a infelicidade de Ramona.
Eu a deixei resmungando e puxei o meu marido para dançar a
nossa valsa, para aproveitar o momento a sós, já que sempre que
estávamos conversando tinha uma terceira pessoa.
Héctor me abraçou e me guiou no ritmo lento e romântico.
Assim como na igreja, ali parecia um momento só nosso.
— Quando disse que esse momento aconteceria, eu não
estava brincando. Agora vê?
Sorri.
— Você consegue tudo o que quer mesmo, não é?
— Acho que apenas o que eu preciso.
Senti seus dedos dançando nas minhas costas, sobre o meu
vestido.
— Tive medo que você não aparecesse.
Sua confissão me fez afastar o rosto para encará-lo.
— Por que pensou isso?
— Porque esse compromisso é muito sério, Caterina. Temi
que você continuasse com mágoa de mim e desistisse em cima da
hora.
Que absurdo!
— Héctor, eu te amo. Com todos seus defeitos e as
qualidades, eu te amo. — Talvez eu tenha soado um pouco brava,
porque achei que ele deveria saber disso.
Mas ele me ouvia surpreso, como se pela primeira vez
imaginasse isso.
— E o casamento me garante uma vida inteira para fazer você
pagar as merdas que me fez. — Fiz um pequeno sorriso aparecer
nele.
— Eu também te amo muito. Porra, como eu te amo! — Ele
encostou a testa na minha. — Você desgraçou a minha mente,
sabia? Eu nem me reconheço sem você comigo. — Empurrou seus
lábios contra os meus e os sugou. — Eu te amo tanto. Merda, eu
não vejo a hora dessa festa acabar para sermos apenas nós dois.
— Quem disse que pra isso precisamos que ela acabe? —
Afastei o rosto e sorri para ele.
CAPÍTULO 55
CATERINA BARONE
Quando encorajei Héctor sobre não precisar esperar a
festa terminar para ficar sozinho comigo, não imaginei que ele me
arrastaria para o seu quarto enquanto a sala estava cheia de gente.
Não que precisasse me preocupar com o que as pessoas
poderiam pensar, pois estávamos casados.
Talvez eu só tivesse um pouco de medo.
Héctor trancou a porta e bruscamente me empurrou contra
ela, então colou seu corpo no meu e beijou a minha boca
ferozmente.
Aqueles beijos sempre me arrancavam as forças e me
enchiam de tesão. Tão selvagens que a adrenalina aumentava no
meu corpo.
Ele tentou afastar as minhas pernas, mas o vestido de noiva
não permitiu, então grunhiu me arrastando até a cama e me
debruçou nela, fazendo depois o mesmo sobre mim.
Sua respiração quente ao pé do ouvido me fez fechar os olhos
estremecendo.
Ele já estava duro e sentia perfeitamente na minha bunda.
— Finalmente vou foder essa sua boceta gostosa. — Ele
passou a mão por ela, pressionando, me deixando mais molhada
ainda. — Ah, Caterina... — grunhiu cheirando o meu pescoço. —
Você vai adorar o meu pau tanto quanto adora a minha língua.
Se ele buscava me deixar mais à vontade para a primeira vez,
estava conseguindo, porque sua propaganda me deixou ansiosa para
senti-lo dentro de mim.
Mas eu adorava a sua língua e não podia imaginar nada mais
prazeroso.
— Será? — Minha dúvida soou como um desafio.
Héctor acabou com o meu vestido ao abri-lo à força, fazendo
os botões voarem pelo quarto a cada puxada.
Quando senti o corpo dele solto, levantei e deixei a roupa cair
no chão. Eu me virei para o meu marido, que acabava de jogar a
gravata para um lado. Ele segurou o meu queixo, o olhar triangular
profundo, afiado, e pressionou meus lábios com o polegar.
— Quero tanto foder essa boca com o meu pau, mas preciso
mais desesperadamente estar entre suas pernas. — Ele arrastou a
mão por cima da calcinha rendada e olhou para ela.
Estava encharcada.
— Lilás, porra?
Antes que eu pudesse provocá-lo, fui empurrada rudemente
na cama e ele arrastou a minha calcinha desesperado, prendendo-a
na palma da mão, em seguida cheirou o tecido com os olhos
fechados.
— Eu me viciei nesse cheiro. — Ele jogou a calcinha de lado e
abriu a calça enquanto me encarava com o olhar e sorriso
maliciosos.
A minha boceta pulsava, ansiosa para sentir a pele dele na
minha, me dando prazer.
Eu já me sentia tão à vontade com ele, que não me
importava se era a primeira, segunda ou terceira vez que estaria
dentro de mim.
Eu apenas queria sentir o que ele podia me causar.
Sabia que seria delicioso de todo jeito.
Ele ficou completamente nu.
Foi a primeira vez que o vi assim.
Sua mão era grande, no entanto não me impedia de ver o
cumprimento do pau que massageava.
Ele era grande, rosado e grosso.
Estava para cima de tão duro, tanto que quando Héctor o
largou, ele continuou na mesma posição.
Recebi meu homem na cama, prendendo-o entre minhas
pernas. Ele beijou e lambeu a minha boceta antes de traçar
chupadas pelo caminho até a minha boca. Pegou a minha mão
esquerda e colocou em volta do pau. Ele tinha relevos das veias
inchadas. Era duro apesar da pele fina em volta ser um pouco mais
mole, deslizando pela ereção.
— Esse é o único pau que vai entrar na sua boceta, amor.
Eu estava mesmo fodida.
Ele me beijou e afastou a minha mão. Quando sua língua
penetrou a minha boca, senti o mesmo acontecer entre minhas
pernas, seu pau forçando a minha entrada.
Senti-lo em contato com minha pele molhada e sensível me
fez ficar mais quente, excitada.
Apertei minhas pernas em volta do quadril dele e Héctor deu
golpes mais fortes.
O desconforto de ter minha pele se abrindo me impossibilitou
de retribuir o beijo, então Héctor chupou e mordeu meu pescoço,
gemendo e grunhindo no meu ouvido.
Eu também não conseguia controlar os gemidos. Era uma
mistura de dor e prazer por pensar que estava sendo fodida por ele.
Minha pele ainda não estava acostumada a tê-lo forçando-a,
mas não diminuía o tesão que ter um pau dentro de mim causava.
— Porra... — ele rosnou e colocou a mão em volta do meu
pescoço, paralisando assim o meu tronco.
Senti meu corpo queimando ao notar o olhar de Héctor, o
rosto dele estava vermelho, com as veias saltando na testa e
pescoço.
Aquilo era insano.
Nunca imaginei sentir tesão pelo Héctor na sua cara de
malvado, mas me fodendo com aquele olhar eu adorava.
— Você gosta de ser rasgada, amor?
— Por você? Sim — sussurrei e mordi os lábios descontando
neles o desconforto.
Ele sorriu e me fodeu com mais força e pressa.
Eu conseguia sentir o quanto do pau dele estava dentro de
mim, parecia já ter ocupado tudo o que podia.
Héctor olhou para nossos quadris e sorriu. Eu não conseguia
o mesmo com seu braço bloqueando.
— Já engoliu a metade de mim. — Ele aproximou o rosto e
subiu a mão do pescoço para minha mandíbula, fazendo minhas
bochechas subirem. — Quero estar todo dentro de você, Caterina,
mas você me sufoca, me aperta demais, porra!
Seus palavrões nunca me excitaram tanto.
Héctor empurrou o polegar na minha boca e chupei enquanto
ele assistia com os lábios afastados e um leve sorriso de satisfação.
Era gostoso deslizar minha língua pela polpa levemente
áspera do dedo.
De repente, Héctor empurrou seu pau com mais força para
dentro de mim e gritei com seu dedo ainda dentro da boca, devido à
dor fina e aguda. Ele voltou e fez de novo, então acelerou me
fodendo impiedosamente.
Senti muito mais dele, aos poucos seu deslizar ficou mais
gostoso, a minha pele quente, sentia ardendo, mas não sentia mais
dor, apenas as bolas batendo na minha bunda e a pele com
pequenos pelos raspando o lado de fora da minha boceta.
Porra, tudo era gostoso, prazeroso e viciante!
Héctor jogava a cabeça para trás e sorria se deleitando.
Ele tirou o dedo da minha boca e aproximou o rosto do meu,
encostando nossos narizes.
— A melhor parte disso é saber que vou te foder tanto nas
próximas horas que essa boceta nem vai se lembrar de como era
viver sem ter meu pau dentro dela.
— Gosto dessas ameaças. — Alcancei a boca dele e nos
beijamos famintos.
A dominação de Héctor sobre mim era tão avassaladora que
eu ficava zonza, apenas me sentindo dele, dopada de prazer.
De repente, no meio da foda, ele afastou a boca e deu um
gemido gutural bem baixo, e quando senti algo quente se
derramando dentro de mim, entendi que ele havia gozado.
Encarei Héctor vulnerável, completamente perdido no prazer
e adorei.
Era por mim, por minha causa, por estar dentro de mim.
Ele abriu os olhos e sorrimos um para o outro.
— Vamos embora daqui? — sugeri, levada pelo tesão.
Eu não tinha mais nada a perder e não queria que meu corpo
esfriasse nem o tesão passasse.
— Vamos agora.

Levamos cerca de dez minutos entre nos vestirmos no quarto


dele, que ficou com o lençol sujo de sangue, e ir ao meu para buscar
o vestido que eu usaria para ir para a lua de mel.
Ele também era branco, porém curto.
Héctor adorou por ser mais fácil de se levantar.
Ele me ajudou a arrumar o cabelo. Só tiramos o véu, o
penteado era solto, então não dava para ver o que eu estava
aprontando. E se desse, foda-se, eu tinha um marido e podia fazer o
que quisesse com ele dali pra frente.
Voltamos para a festa e peguei uma garrafa de whisky e um
copo, mas tomei a dose direto dela.
Realmente não queria esfriar.
Héctor andava com um leve sorriso de quem sabia que
venceu na vida e eu acreditava que na minha testa estava escrito:
não sou mais uma virgem.
Virgindade não era um assunto muito importante para mim,
acho que por isso quando chegou a hora eu não fiquei tão abalada.
Mas era diferente estar entre todos sabendo que não fazia
mais parte da parcela de donzelas da festa.
— Mãe, pai, já vamos pra lua de mel — Héctor avisou para o
casal que tomava sem pressa suas bebidas.
— Já? — Bela se levantou e abraçou o filho. — Boa viagem,
filho. Espero que se divirtam.
— Obrigado, mãe. — Héctor deu tapinhas nas costas dela.
Foi aí que percebi que ele não era o tipo carinhoso com todo
mundo.
— Caterina. — Ela soltou o filho e me abraçou. — Boa
viagem. Aproveitem muito. O suficiente pra nos dar nosso primeiro
neto.
Olhei para Héctor chocada com a ideia, mas quando ela se
afastou de mim, sorri.
— Obrigada.
Então nos despedimos do resto da família e as meninas
reforçaram as dicas sobre a primeira noite.
Tão inocentes...
Entramos em uma limusine e abandonamos os convidados.
Viajaríamos para as Bahamas e ficaríamos lá por uma
semana.
Na limusine tinha bebidas, conforto e privacidade até o
aeroporto onde estava o jato da família.
Héctor, que estava novamente engravatado, folgou o nó da
gravata e abriu os primeiros botões da camisa.
Ele não tinha conseguido deixar de volta o penteado
impecável do cabelo. As mechas estavam soltas daquele jeito sexy
que eu reconhecia até mesmo quando o odiava.
Eu não sabia se tinha sido o sexo, o whisky, ou o fato dele ser
o meu homem, mas me senti na liberdade de montar no colo dele,
deslizar meus dedos pelo cabelo e beijá-lo.
Héctor apertou a minha bunda e me fez rebolar no pau que
endurecia a cada movimento.
Eu continuava quente, cheia de tesão e o queria dentro de
mim de novo.
Ele passou a mão por baixo do vestido e xingou contra a
minha boca.
— Porra, você anda sem calcinha!
— Não queria que nada estivesse no caminho quando você
fosse me foder de novo. — Abri o cinto e a calça dele o mais rápido
que pude enquanto era engolida pelo seu beijo.
Quando consegui liberar o pau, massageei como ele fez e
levantei o quadril para colocá-lo de volta de onde não deveria ter
saído.
Como na primeira vez, entrar ainda era desconfortável, mas
apenas no início. Quando comecei a descer e subir tudo voltou a
parecer como quando ele gozou dentro de mim.
Acho que ainda restava gozo, pois o pau escorregava mais
facilmente do que antes dele.
Parei o beijo e segurando no banco da limousine, desci mais
fundo.
Senti o pau batendo no fim da minha boceta e a porra da dor
fina que me fazia subir na mesma hora.
Mas a cara de tesão de Héctor era impagável.
Ele puxava o ar entre os dentes com a boca trincada e os
olhos pregados em mim.
Era como tê-lo em um feitiço e eu me sentia no poder, com o
homem mais indomável hipnotizado por mim.
— Quero que me faça gozar, Héctor.
Sem desviar o olhar, ele me virou no banco. Nem metade do
seu pau saiu nesse movimento. Héctor se debruçou em cima de mim
e me fodeu enquanto seus dedos me masturbavam.
Enlouqueci no banco estreito enquanto fechava os olhos
gemendo o nome dele.
Ele sabia como, me conhecia tão bem!
— Goza no meu pau, amor.
O pedido era carregado de tesão e os dedos habilidosos
esfregavam minha boceta em um ritmo tão rápido e torturante que
não aguentei muito tempo.
Gozei apertando o pau dele dentro de mim.
Héctor sentiu, ele gemeu junto comigo e me xingou por ter
feito aquilo.
Eu não podia protestar por nada, meu coração saltava em
uma pulsação acelerada e a única coisa que podia era rir de
satisfação.
— Você só aumenta a minha obsessão, sabia? — ele
sussurrou na minha orelha e passou a língua pela concha dela.
Estremeci em um espanto com a sensação daquilo.
— Eu gosto de te ver assim. — Puxei seu rosto e o beijei.
CAPÍTULO 56
HÉCTOR BARONE
Caterina havia conseguido acordar a besta dentro de
mim.
Porra, ela era muito mais ousada do que eu esperava que
fosse. E isso era ótimo, me surpreendia e aumentava o meu desejo
por ela.
Vê-la pulando no meu colo na limousine me pegou tão de
surpresa que fiquei em choque, admirando o que ela fazia.
Ela me dominou!
Saí da limusine de pau duro e dolorido depois dela tê-lo
expulsado da boceta à força.
Eu a faria pagar dentro do jato.
Assim que embarcamos, nos sentamos um ao lado do outro.
A safada andava com um sorriso bobo, satisfeita com a
gozada.
Confesso que eu também andava contente por ter rompido a
sua virgindade e ainda deixado dentro dela o gozo que acumulei o
dia inteiro de tesão, pensando em como seria aquele momento.
Mas ela tinha me provocado no carro.
Porra, sentar no meu pau daquele jeito, com aquela cara de
meia-safada, meia-inocente foi covardia.
Assim que o avião decolou e se estabilizou no ar, tirei o cinto
dela e o meu.
— O quê? — Ela olhou para mim, confusa.
— Ajoelha — ordenei abrindo a calça. — Hora de pagar pela
tortura que me fez naquele carro.
Ela mordeu os lábios, com um sorriso brincalhão.
Nunca nem sequer tinha mamado o meu pau e parecia adorar
a ideia.
Deveria ser a dose de whisky que ela tomou.
Foda-se, eu adorava ter uma esposa safada.
Ela se ajoelhou e segurou nos meus joelhos quando me
sentei na ponta da poltrona.
Liberei o pau, que estava com a cabeça vermelha do aperto
que levou. Ele pulsava na minha mão, de tanto tesão.
Quando Caterina segurou em volta dele, afastei a minha mão
e deixei que ela me masturbasse.
Ela subia e descia a mão apertando o meu pau.
Era delicioso, mas precisei arrastá-la pelo cabelo até a boca
ficar perto dele.
— Vamos, amor... Engula meu pau como a sua boceta fez
mais cedo.
Ela molhou os lábios, um pouco tímida e cobriu a cabeça do
meu pau com a boca.
Quase fechei os olhos para aproveitar melhor a sensação,
mas ver de cima Caterina lambendo e chupando a cabeça do meu
pau com os olhos quase indo para trás, olhando por baixo dos cílios
era perfeito demais para perder de vista.
Ela ajeitou o corpo e soltou meu pau, em seguida apoiou a
mão no meu outro joelho e desceu a boca pelo comprimento. Senti
sua língua até perto da garganta.
— Porra, de primeira? — Apertei seu cabelo, admirado com a
coragem. — Que mulher gulosa.
Ela continuou mamando até o fundo, se engasgando e
repetindo.
Eu não conseguia parar de xingar devido ao prazer que
sentia.
Ela era a minha mulher, a mulher que eu amava e sabia me
fazer feliz de todas as formas.
O que mais eu poderia querer?
Nem me tornar o chefe dos negócios da família me tornaria
um homem realizado, porque realização mesmo era ter Caterina com
um anel do nosso casamento no dedo, de joelhos, me mamando
cheia de vontade.
Quando vi uma lágrima caindo dos olhos dela, segurei melhor
o cabelo e ditei um ritmo sem que ela ficasse sufocada, nem se
engasgasse, apenas mamasse até eu gozar, o que não demorou
muito.
A boca dela me apertava.
Quanto mais ela tentava manter os dentes longe de mim,
mais apertados seus lábios ficavam em volta do meu pau.
Gozei na boca dela.
— Engula tudo, amor.
Ela afastou a boca e sua garganta subiu e desceu.
Acariciei seu rosto, satisfeito.
Eu não sabia o que mais me agradava, ser dominado por ela
ou vê-la dominada por mim.
— Você foi ótima. — Passei o polegar pela lágrima.
Ela sorriu e, ao se levantar, empurrou a boca contra a minha.
— Você também é delicioso.
Vai se foder!
Eu ficava mais louco ainda.
Eu a arrastei para o meu colo e a beijei com necessidade,
limpando o resto do meu gozo da língua dela.
— Eu te amo, porra.

Passamos dias quentes nas Bahamas. E nem digo apenas


pelo calor do lugar, mas pelo que Caterina e eu fizemos durante a
lua de mel.
Eu já tinha a fodido de todas as maneiras e restava apenas
algo que carregava na mala e não tinha usado com ela.
Queria ter certeza de que ela se sentia à vontade com aquilo
e não sabia como abordar o assunto, mas era um fetiche meu que
aumentou quando passamos a conviver.
Estávamos no quarto, eu havia terminado de sair do banho e
Caterina estava deitada na cama, com uma camisola preta tão curta
e transparente que eu podia ver os seus mamilos e boceta sem
esforço.
Ela sabia como fazer meu pau endurecer com facilidade.
Eu estava me secando e ela olhava para o meu corpo nu, sem
timidez nenhuma.
Quando o olhar bateu no meu pau endurecido, ela sorriu.
Só minha.
Eu estava adorando conhecer esse seu lado.
E o fato dela ser tolerante à dor tornava tudo mais
interessante.
Subi na cama e segurei a mão direita dela, acariciando suas
cicatrizes.
Não era segredo que eu era fascinado por aquelas marcas
nela e saber que ela não tinha aquilo como trauma e sim como
motivo para ser mais forte me instigava.
— Você se sente bem mesmo com o fogo?
Ela confirmou.
— Claro que se me tacar na fogueira vou ficar desesperada,
mas o calor do fogo não me assusta mais faz tempo. — Ela apertou
a minha mão. — Às vezes eu acho até bom.
Eu não poderia ter tanta sorte.
Ela me encarou e encolheu as sobrancelhas.
— Por que o sorriso?
— Porque eu estava rezando pra ouvir isso. Tem algo que
queria fazer com você.
— O quê?
Eu me levantei e fui até a mala pegar o que eu queria. Ao
voltar para a cama entreguei a caixa na mão dela.
— Uma vela de soja? Por que de soja?
— Porque quando derramar em você, quero que sinta prazer,
não dor. — Fitei seus olhos. — Você topa?
Ela mordeu os lábios.
— Topo.
Ca.Ra.Lho!
Quem escolheu Caterina foi meu coração, mas, porra, minha
mente explodia com a realidade em que me casei com a mulher que
era mais do que eu queria.
Eu me levantei e procurei por minhas gravatas.
— Precisa disso? — Ela sorriu. — Você já me domina com o
toque.
— Eu te quero quietinha. — Tirei a vela das mãos dela e
deixei Caterina no meio da cama. — Se você sentir que está no
limite, diga. Mas não a palavra pare, nem por favor, porque sempre
grita isso pra que eu te foda com mais força. Eu não conseguiria
distinguir. — Levantei a camisola e tirei a peça do seu corpo, depois
amarrei as duas mãos juntas e as pontas da gravata na cabeceira de
ferro da cama.
— Lilás.
Aproveitei os seios nus para chupá-los.
Que mulher gostosa!
Seus seios não eram tão grandes, mas eram lindos e
deliciosos. Sempre que colocava a boca neles, meus dedos
automaticamente escorregavam pela boceta dela, que ficava
molhada rapidamente.
— Lilás é a palavra — ela gemeu.
— Ok, amor. — Eu me levantei e limpei os dedos com a boca.
Amarrei cada tornozelo em um pé da cama.
Era interessante vê-la daquele jeito.
Toda aberta para mim.
— Precisamos fazer isso em outras ocasiões.
— Quais?
— Aquelas onde você aperta a minha cabeça e não me deixa
te chupar direito. — Dei uma piscadela e ela sorriu.
Era a primeira vez que fazia aquilo com alguém. Deixei um
copo com água perto da cama para caso ela sentisse desconforto e
antes de acender a vela, apaguei a luz principal do quarto, deixei
apenas ligado um abajur e a luz da vela.
Subi nela e derramei um pouco na parte interna do braço.
Ela mexeu os dedos.
— O que você acha?
— Tolerável.
Caterina era corajosa demais e eu adorava isso nela.
Experimentei derramar a cera entre os seios, passei o polegar,
espalhando a vela.
Ela mordeu os lábios.
— É bom, relaxante.
Caterina me encorajava a chegar onde eu queria.
Derramei em um dos seios e quando ela vibrou com o
contato, espalhei pela pele.
— Deixe secar.
— Porra, Caterina! Estou tentando ir com calma. — Beijei os
lábios dela.
— Me queima toda, só não queima o seu pau porque eu o
quero dentro de mim daqui a pouco.
— Foda-se! Você brinca com o meu juízo. — Descontei a
minha insanidade na boca dela e a mulher retribuiu da mesma
forma.
Se não fosse a vela acesa na minha mão e o risco de
incendiar a suíte, eu continuaria aquele beijo empurrando meu pau
dentro dela.
Arrastei o lábio dela entre meus dentes e voltei à brincadeira.
— Você torna isso bem mais interessante do que acreditei que
fosse, sabia? — Fiquei de joelhos entre as pernas dela e virei a vela
trilhando um caminho entre os seios pelo centro do abdômen até
não pingar mais.
Caterina mexeu os ombros e o quadril, gemendo feito uma
safada manhosa.
— Onde quer chegar com essa vela?
Encarei a boceta lisa e depois sorri para ela.
— Eu também preciso da sua boceta bem para o fim desta
noite. Então se eu derramar aqui. — Toquei acima do clitóris. — E
você diz o que sente.
— Faça — ela pediu, ansiosa.
Caterina era a mulher que gostava de ser torturada, casada
com um homem que adorava torturar.
Éramos o par perfeito.
Derramei uma gota e ela escorregou entre a boceta.
Caterina ergueu o tronco.
— Puta que pariu, Héctor! — ela gemeu. — Os dedos.
Massageei espalhando a cera e minha esposa se mordeu,
como se estivesse adorando aquilo.
— Você é perfeita. — Apaguei a vela, fascinado com a reação
dela e empurrei meu pau dentro da boceta molhada, cheia de cera
ao redor.
Ela gritou e sorriu.
Eu passaria o resto da minha vida com ela.
Que sorte a minha!
CAPÍTULO 57
CATERINA BARONE
A viagem de lua de mel foi ótima, deu para e Héctor nos
conhecermos melhor. Voltamos revigorados e fomos recebidos com
uma expectativa que não existia antes do meu casamento.
As meninas me contaram que o tio Alejandro havia decidido
que nomearia o Héctor como chefe dos negócios da família. Meu
marido ficou completamente surpreso quando soube. Ele já havia
renunciado àquilo no dia em que o pai mandou que me levassem
embora.
Senti alívio por ver que algo que ele tanto queria ainda
poderia acontecer, pois eu me culparia do contrário, se o tio
Alejandro colocasse outra pessoa no lugar porque Héctor havia
renunciado por minha causa.
Era coisa deles e a expectativa deles, e não queria ser a
pessoa atrapalhar os planos de ninguém.
Nesses poucos dias que chegamos, ele começou a se reunir
mais com o pai, enquanto eu me acostumava a ser a esposa e a
minha nova posição naquela casa.
Eu não dormia mais naquele quarto pequeno e Bela me levou
para comprar roupas novas, que combinavam com a esposa de um
chefe.
Eu gostava mais dos meus vestidos, mas compreendia que
precisava me adequar, afinal, eu havia aceitado aquilo e não queria
envergonhar a família.
Eu só não mudei a minha rotina de cuidar das plantas. Era
algo que eu adorava e ninguém se intrometia.
Naquela manhã quando o Héctor foi para a reunião dos
negócios, onde ele seria nomeado o novo chefe, fiquei em casa,
arrumando o nosso quarto.
Eu não gostava de deixar coisas simples como essa para
outras pessoas fazerem.
A Serena também era assim.
Então Rita me chamou na porta.
— Sim, Rita.
Rita me fazia rir muito quando tentava entender a minha
relação com Héctor.
— Tem uma mulher querendo falar com você, Caterina.
Uma mulher?
Estranhei, mas passando tudo na minha mente só poderia ser
uma de minhas vizinhas.
O que uma delas estaria fazendo de novo na Itália?
Meu casamento havia acontecido um pouco mais de uma
semana atrás e elas não passariam muitos dias ali.
— Ela disse quem era? — Arrumei outros travesseiros.
— Ela diz que é sua mãe.
Encarei Rita largando as coisas que estavam em minhas
mãos.
Eu estava em choque, atônita com aquela história.
Como a minha mãe estaria me procurando ali?
Saí do quarto a procura da sala um pouco desnorteada, até
que chegando ao topo da escada, consegui avistá-la perto da porta.
A mulher se vestia diferente do que já tinha visto, coberta por
um casaco de pele, com uma bolsa claramente cara nas mãos,
saltos, óculos escuros e cabelo bem-arrumado.
Quem a recebia era a minha sogra.
Desci os degraus lentamente, enquanto observava a conversa
delas.
Era tão estranho receber sua visita quando ela não se
importou comigo e, do nada, soube me encontrar depois de me
casar com um homem rico.
Como eu cairia na boa intenção daquela visita?
Quando Bela me viu, alertou minha mãe que tirou os óculos,
me olhando de cima a baixo.
Eu não conseguia sentir saudade.
Como poderia, se a última lembrança que tinha era dela me
expulsando de casa?
— Caterina, sua mãe resolveu te fazer uma surpresa — Bela
falou, mas ela sabia de tudo, estava ciente quem era realmente a
minha mãe.
Eu já tinha contado sobre a nossa relação, porque ela
perguntou quando estávamos preparando o casamento.
— Que surpresa. — Eu não consegui expressar o mesmo que
as minhas palavras queriam dizer.
Quando eu me aproximei delas, minha mãe beijou meu rosto.
Pelo menos, teve o bom senso de não tentar me abraçar, sabendo
que nenhuma de nós queria aquilo.
— Eu vou deixar vocês a sós. — Mirabela se afastou antes
que pudéssemos nos encarar e trocar as primeiras palavras.
— Surpresa estou eu, vendo que você está morando na Itália,
em um lugar como este. — O sarcasmo gritava na voz dela.
— Não deveria, já que sempre pensou que eu era uma
golpista espertalhona.
— É assim que você fala com a sua mãe?
— Eu não trataria diferente sabendo quem você é de verdade.
Não queira se fazer de boa agora, mãe. O que você quer aqui?
— Queria saber como você estava.
— Nos últimos dez anos, você não se importou em saber
como eu estava. Meu pai morreu, você sabia?
— Soube. — Ela me olhou por cima com o nariz empinado. —
Ele estava doente?
Ela nem sentia tristeza por saber que seu primeiro marido
tinha morrido.
Meu pai era um bom homem quando não era um viciado em
jogos.
— Uma morte trágica, como a do seu marido.
— Engraçado que os dois tenham dividido o teto com você,
na época em que morreram.
Ela não podia me acusar daquilo.
— Eu nunca faria isso com o meu pai.
— Mas com o meu marido... — Ela me analisou. — Eu não
tenho dúvida. Eu deveria ter te entregado ao Damiano quando pude.
— Como se você não tivesse tentado. Deveria perguntar para
ele como tudo terminou. — Olhei para uma das mãos dela, que
carregava um enorme anel no dedo anelar. — Ou isso não importa
mais, porque você já tem outro homem a quem dedicar a sua vida.
Ela não se intimidou.
— Digamos que as mulheres da família tiveram sorte.
E eu era a golpista.
— Família? Você não é minha família e espero que essa seja a
primeira e última vez que me procura aqui.
Eu não queria que ela estragasse a minha vida.
— Então sua nova família não vai achar estranho você afastar
a sua mãe? Eles não sabem do que você é capaz, não é?
— A minha nova família sabe muito bem da minha vida, sabe
do que sou capaz e a mãe que eu tenho, então não adianta tentar
bancar a boa senhora, que ninguém vai cair na sua história. Eu não
vou deixar você se aproveitar das pessoas que me acolheram. Volte
para sua casa.
Ela assentiu admirada.
A verdade é que ela nem fazia questão.
— Então esse será o nosso último encontro?
— Ele nem deveria ter acontecido.
Ela olhou ao redor e deu as costas para mim.
A porta da casa estava aberta e para lá ela foi.
— Boa sorte na sua nova vida.
— Digo o mesmo pra você. — Eu não a acompanhei até o
lado de fora, mas andei o suficiente para poder fechar a porta.
Quando ouvi o som do carro se afastando, resolvi ir para a
cozinha tentar me distrair um pouco.
Bela estava lá, assim como Camilla e as outras.
— Ela já foi — avisei para tranquilizá-las e tentei parecer feliz
com isso.
Aquela conversa não poderia ter terminado diferente.
— Não parecia ser uma visita que você desejava, não é,
querida? — Camilla perguntou e eu confirmei.
— Ela estava curiosa para saber até onde eu tinha chegado.
Não tinha nada a ver com querer ser mãe, mas ela não vai voltar —
assegurei tranquila com aquela realidade.
Ela não fazia falta para mim.
Eu tinha certeza de que não fazia falta para ela.
A minha mãe nunca poderia me tratar como aquelas pessoas
faziam.
Nunca poderia ser uma mãe de verdade.
Ela nunca foi.

HÉCTOR BARONE
Meu pai decidiu me nomear o chefe dos negócios da família
depois de tanto tempo.
Parecia que o casamento o fez se decidir mesmo.
Bastou voltar para casa com Caterina, que ele marcou a
reunião com sócios da família.
Era importante que todos concordassem, pois a união e apoio
fortaleciam o nosso poder. O líder precisava ser respeitado e ao
concordar com a nomeação do novo chefe, todos mostravam que
me respeitariam.
Na vez do meu pai foi muito mais fácil. Na minha, para
assegurar que ninguém nos trairia, ele fez com que todos antes de
mim, jurassem lealdade ao novo chefe da família.
Quem estava ali, era consciente de que aceitava a decisão do
meu pai.
Quando os boatos da doença do Don Barone começaram a se
espalhar, eu me tornei alvo de muitas especulações e admito que na
época dei muitos motivos para que não me quisessem no lugar do
meu pai.
Era comum que o filho mais velho fosse sucessor, mas se esse
não fosse capaz, passaria para o próximo e para o próximo
consequentemente, e se nenhum fosse, alguém mais respeitado
entre os negócios da família e os sócios, se tornariam o novo líder.
Por isso, passei meses evitando problemas, buscando limpar a minha
imagem.
Eu não deixaria que ninguém que não fosse Barone tomasse
o poder dos negócios da família.
Só mudei de ideia quando meu pai rejeitou a minha decisão
sobre o casamento e sumiu com a mulher que eu amava.
Rico e os meus irmãos também estavam presentes na
cerimônia realizada em um salão espaçoso e privado da cidade.
Meu pai alegou que o ato de ter me entregado para Damiano
e tentado me aliar a ele quando Caterina foi levada, foi digno de um
chefe e que todos deveriam reconhecer.
Eles foram ao meu casamento e viram que não era nada
arranjado.
Eu não era mais aquele homem tão insensível.
Eu precisava admitir.
Mas também não havia me tornado um molenga que deixaria
qualquer coisa passar.
Eu só precisava estar no poder e faria o possível para
controlar tudo a punhos de ferro.
Acompanhado de Edoardo e outros dois homens que estavam
há muito tempo nos negócios da família, andei até meu pai.
— Héctor, você sabe que essa família é muito mais do que os
boatos dizem. Que protegemos os fracos e punimos os poderosos
que tentam contra eles, não sabe?
Quem mais punia era eu, então era óbvio que sabia.
Os fracos apenas não entendiam e não sabiam nos agradecer.
— Sim, eu sei.
Ele segurou a minha mão e furou o meu dedo, pingando o
sangue que saiu dele em cima de uma Nossa Senhora do Pileiro de
madeira, que depois foi entregue em minhas mãos. Meu pai ateou
fogo nela e eu só precisava segurá-la até que a chama se apagasse.
Não era algo agradável, mas eu não fraquejaria.
Eu me lembrei da minha esposa tão tolerante àquilo, que eu
passaria pela iniciação sem sofrimento algum.
Eu era o homem dela e precisava ser tão forte quanto ela
para protegê-la, para passar segurança e confiança.
— Jure, Héctor — o Don ordenou.
Olhando para a chama, eu fiz o juramento.
— Juro ser fiel à família e que a minha carne queime como
essa santa se eu falhar em manter o meu juramento.
A santa era pequena e as chamas já estavam rodeando a
minha mão, até que em certo ponto, quando a minha pele começou
a arder, ela diminuiu, reduzindo até uma pequena brasa ficar acesa
na metade da escultura.
Olhei para o meu pai e ele balançou a cabeça. Deixei a santa
na bandeja de onde ele havia tirado e depois que retirou o anel do
pai dele de seu dedo, colocou no meu indicador.
— Que o seu legado seja maior do que o meu, filho.
Assenti e enchi meu peito antes de me virar para os outros.
A responsabilidade era grande demais, eu sabia que viveria
muitos desafios, mas não tinha medo.
Finalmente, havia chegado aonde eu queria.
CAPÍTULO 58
HÉCTOR BARONE
Dois meses se passaram e senti o peso de ser um líder,
tanto em casa quanto no trabalho. Só não era mais cansativo porque
quando deitava a cabeça no travesseiro, ao meu lado tinha a mulher
que eu mais amava.
Eu sempre tirava um tempo pra ficar com ela.
Rico era o meu braço direito, meu conselheiro e às vezes ele
fazia muita coisa por mim. Era quem eu mais confiava dentre todos
que estavam envolvidos nos negócios da família.
Meus irmãos também, mas eles estavam focados em outras
coisas. O Damon mesmo, estava completamente perdido na vida.
Eu estava de saída, me despedindo da minha esposa, quando
ouvi a voz dele exaltada ao lado da casa.
Caterina e eu demos a volta para ver o que estava
acontecendo e o encontramos debatendo com Chiara.
— Eu já disse que eu não me importo com a sua opinião.
Você teve a sua chance e nunca me levou a sério, Damon, então
precisa entender que encontrei alguém que me dá valor. Eu deveria
ter feito isso antes.
A temida e esperada conversa...
Ouvi boatos na casa que Chiara havia conhecido um homem
bem qualificado para ela e teria um encontro naquele dia, se não me
enganava.
Meu irmão estava perdendo-a.
Depois de tantos conselhos que dei, parece que só quando
isso aconteceu ele enxergou a situação.
Ele estava perdendo a mulher por pura falta de
responsabilidade.
— Como você quer dizer que isso não me importa, Chiara?
Depois de tanto tempo você quer dizer que eu não fiz nada?
— Você fez muita coisa, mas foi tudo menos me dar valor,
Damon.
— Quer dizer que eu nunca te pedi em casamento? Porque eu
pedi, mas você disse não.
— Você fez brincando como sempre!
Dava para ver que Chiara estava fria, esnobe.
— Você brinca com tudo, mas quando foi para ficar noivo de
outra, levou a sério. Não precisa se explicar porque eu sei que não
estou à sua altura. Acredite, o homem com quem sairei hoje acha
que estou sim à altura dele.
— Eu não falei brincando. Foi sério!
— Quando você fala sério, Damon? Talvez agora, apenas
agora. Você nunca me olhou como um futuro, sempre como a garota
com quem você poderia brincar enquanto não encontrava alguém e
até mesmo quando estava noivo, continuou brincando comigo. Eu
estou farta, sabia?
Ouvimos alguém limpando a garganta e olhamos para o lado.
Eu adorava um problema e estar no meio era bom, assim
como assistir.
Henrico acabava de chegar e pela cara dele, havia ouvido o
principal da conversa.
Serena olhou para nós cobrindo a boca e com olhos
arregalados.
Caterina também parecia estar bem surpresa.
Não era possível que elas não imaginassem.
— Mas que conversa é essa, Chiara? Como assim você e
Damon estavam “brincando”? — Rico fez aspas no ar. — Eu disse
para você ficar distante da minha irmã, Damon.
— Isso não tem nada a ver com você, Henrico. Aliás, tem sim,
porque eu só não tenho algo sério com você por causa do seu irmão
— ele falou para a Chiara. — O seu irmão parece que vai me matar
toda vez que falo da possibilidade de você e eu ficarmos juntos.
— Porque você sempre fala zombando, Damon. — Henrico
acertou um tapa na nuca dele e Damon reagiu com um soco na cara
do meu amigo.
As coisas estavam indo ao extremo e eu, mesmo curioso para
ver quem poderia ganhar aquela briga, entrei no meio antes que
tudo se intensificasse.
— Acho que vocês podem resolver isso conversando, certo?
Como gente civilizada.
Henrico estava com um olhar mortal e Damon também não
parecia tranquilo.
— Eu disse, porra! Eu disse que queria me casar com ela,
mas você ignorou!
— Quem acredita nas suas palavras, Damon? Você zomba de
tudo. Eu nunca imaginei que você olhasse para a minha irmã com
respeito e depois de ouvir essa conversa, tenho certeza que não
olhava e não fazia nada com respeito. Com ela... Não. Não me diga.
— Ele olhou para a irmã, bufando. — Eu espero que você tenha juízo
suficiente para não ter se entregado para Damon.
Chiara não conseguia falar, ela estava paralisada e apenas os
olhos brilhavam como alguém que estava prestes a chorar.
Serena interveio, falando com o marido.
— Acho que podemos conversar com mais calma. Você está
deixando sua irmã nervosa, Henrico. Tenho algo pra te contar. Algo
importante.
— Agora não, Serena. Agora o mais importante é saber como
era a safadeza desses dois, que aconteciam debaixo do meu nariz e
eu não percebi!
— Só você não percebeu, meu amigo — lamentei. — Porque
eu sempre vi.
— Héctor, você vai me ajudar ou não? — Damon reclamou.
— Eu só estou dizendo que sempre ficou nítido que vocês
tinham alguma coisa.
— Henrico, tem algo mais importante do que isso sim! —
Serena arrastou o marido. — Escuta, olha para mim. — Ela segurou
o rosto dele. — Eu acabei de descobrir que estou grávida.
Ok, ela conseguiu a atenção do homem e de todos nós.
Olhei diretamente para a barriga dela, que não tinha sinal
nenhum de que carregava algo além de órgãos.
— Grávida? — Henrico repetiu com o olhar preso na esposa.
— Sim. Sim. Eu estou grávida. — Ela colocou a mão dele na
barriga dela. — Eu acabei de descobrir e ia te contar se você não
tivesse vindo correndo para cá. Vamos ter uma criança. — Sorriu.
Nisso, Chiara já estava fugindo, aproveitando a distração do
irmão e empurrei Damon para que fizesse o mesmo.
Meu irmão saiu por outro lado, bufando de raiva.
Eu só esperava que ele não tentasse continuar a discussão,
porque o Henrico poderia matá-lo.
— Como decidiu fazer o teste? Você anda se sentindo mal? —
Henrico estava demorando para acreditar na novidade. — Eu não
percebi.
Ele focou completamente na esposa e na gravidez, então
Caterina e eu, que não tínhamos mais nada o que fazer ali, voltamos
para a saída da casa.
Caterina estava piscando os olhos em choque.
— Damon e Chiara. Eu nunca imaginei.
— Vai dizer que vocês nunca desconfiaram? Vivem grudadas e
ela nunca contou?
— Não. Você sabia e não me contou? — O olhar feroz dela
me alcançou.
— Achei que você sabia, por isso não contei. Mas você não
precisa pensar nisso. Olha lá a Serena, grávida, quem diria. Um dia
cheio de emoções.
Ela amenizou as feições e suspirou.
— E o dia mal começou. — Olhei no relógio. — Estou saindo e
nem imagino as novidades que vou ouvir quando voltar.
— Eu tenho uma.
Segurei seu rosto e a beijei sorrindo.
— Tem? E, por que antes não parecia?
— Estou me sentindo encorajada. — Ela colocou a mão no
decote do vestido e tirou de dentro dele um teste de gravidez.
Eu não sabia se ria ou ficava como o meu amigo ao ouvir a
conversa de Serena.
Peguei o teste da mão dela e dei uma olhada.
Mais fácil de entender impossível, estava escrito positivo.
— Você também está grávida? — Olhei para ela.
Talvez eu tivesse soado um pouco desconfiado, mas era uma
notícia chocante e eu não sabia lidar.
Duas grávidas de uma vez!
Eu não esperava ser pai tão rápido.
— Estou. — Ela deu um pulinho. — Comece a preparar o
psicológico para cuidar de um filho, porque preciso que ele tenha um
bom pai.
— Porra! — Eu a agarrei e beijei seu pescoço. — Grávida,
meu amor! Que notícia ótima!
Na nossa família, crianças sempre eram bem-vindas. Gravidez
nunca era indesejada, por mais que não fosse planejada. Casar e ter
filhos eram o ideal dos meus pais e avós para os seus filhos e netos.
Caterina me dava tudo o que eu queria e tudo que eu
precisava.
Eu teria um filho com a mulher que eu amava, e se isso não
fosse a maior sorte do mundo, eu não sabia o que era.
Eu a tirei do chão e beijei a boca dela.
— Que bom que você está feliz, porque estou muito ansiosa.
— Ela passou os braços pelo meu pescoço.
— Mas é claro que estou feliz! Um filho! Imagina, Caterina, a
família linda que vamos construir juntos.
O sorriso dela me deixava completamente apaixonado.
O rosto iluminado, tão perfeito, era tudo para mim.
Ela me amava do jeito que eu era e estava feliz nos meus
braços.
— Eu quero que você conte para o seu pai enquanto contarei
para o resto. — Ela saiu dos meus braços e dançou até a porta da
entrada da casa.
Meu Deus, quando pensei que estaria sorrindo bobo para
uma mulher, ainda mais uma que me deixou furioso quando a
encontrei com a pulseira da minha mãe?
Mas, no fundo, sempre soube...
Naquele momento em que joguei o corpo junto a ela no rio,
soube que aquela era a mulher perfeita para mim.
E eu a tinha.
Caterina era minha mulher.
EPÍLOGO
HÉCTOR BARONE
1 ano depois...
Toda a família se reuniu para batizar os dois novos
membros. O meu Vittorio e o Stefano do Henrico. Éramos padrinhos
do filho um do outro, por isso, enquanto Caterina segurava Stefano,
Serena segurava o Vittorio.
Os dois nasceram com pouco tempo de diferença e
disputavam quem chorava mais alto na casa.
Eles seriam melhores amigos como Henrico e eu éramos.
O mesmo padre que realizou nossos casamentos, fez o
batismo deles. E ainda os apresentamos a todos que apareceram
para assistir à cerimônia.
Meus pais nunca estiveram tão felizes e satisfeitos. Eles já
queriam mais netos e paparicavam as crianças o dia inteiro. Às
vezes, via as mães enciumadas, por não passarem muito tempo com
eles.
Quando eu estava em casa, ficava com o meu filho,
conversando sobre o futuro, afinal ele era o meu legado e queria
que fosse um homem forte e corajoso, assim como eu era.
Mas eu ensinaria algo que o meu pai não tinha me ensinado,
o quanto as mulheres eram importantes nas nossas vidas.
Quando peguei o meu filho de volta no colo, fomos para fora
da igreja.
— Agora já podemos encontrar uma futura esposa para você,
Vittorio — comentei com ele e Caterina riu ao meu lado.
— Não brinque com isso, Héctor. Você sabe o que aconteceu
na sua vez de encontrar uma esposa.
— Ele não vai levar a sério, não é, meu pequeno? — Eu o
encarei.
O cabelo dele era igual ao meu e da Caterina, escuro e liso,
os olhos eram bem pretos, tinha um olhar penetrante como o meu e
era muito esperto.
Ramona dizia que ele estava julgando.
Aliás, ela adorava crianças.
A minha irmã encalhada tinha jeito para isso, Ramona nasceu
para ser tia e quando eu brincava que ela seria isso pelo resto da
vida, ficava furiosa.
Ela compreendia que eu estava dizendo que ela não iria se
casar, mas eu só queria dizer que seria a tia favorita das crianças.
— Uma grande injustiça não me deixar ser madrinha. —
Ramona passou por nós e me olhou torto.
Tinha muito espaço para ser madrinha.
— Você seria madrinha com quem, Ramona? — zombei antes
de entrar no carro para ir embora.
— Eu vou encontrar um marido, Héctor. Guarde essa
promessa. E como você escolheu a sua mulher, serei eu a escolher o
meu.
Gargalhei e pude ter soado maléfico porque até o meu filho
estranhou.
— Eu vou deixar você sonhar, Ramona.
Entramos no nosso carro e voltamos para casa.
Dali há poucos dias o Henrico se mudaria. Depois de saber
que seria pai, meu amigo começou a planejar comprar uma casa,
mas como demorava um tempo para aprontar tudo, ele levou a
gravidez inteira para deixar o lugar perfeito. Ficaria apenas após o
batismo e depois se mudaria para a sua nova mansão.
Eu continuaria morando com os meus pais, nada mais justo já
que era o primogênito.
Damon também se mudaria, ele se casou e sua esposa estava
com a barriga cada vez maior, seria pai de gêmeos.
Eu não queria gêmeos disputando o choro do meu filho
naquela casa.
Seria duas vezes pior do que já era.
Roman finalmente tinha conseguido o que queria, se casar
com Vittoria, e da mesma maneira que Henrico, estava preparando
um novo lar, mas antes estava passando pelo processo de desapegar
da boate.
Sua esposa era brava e odiava a ideia de vê-lo em um lugar
cheio de mulheres todas as noites. Ela sabia o tipo com quem
decidiu se casar e foram eles que se escolheram.
Só a Ramona, coitada, que não tinha sorte de encontrar
ninguém.
Eu precisava encontrar um marido para minha irmã caçula,
alguém que estivesse à altura de uma princesa, que tratasse tão
bem quanto eu e meus irmãos tratávamos nossas mulheres. Seria
difícil, porque nem todos tiveram a mesma criação que nós, mas não
seria impossível.
O fato é que estávamos todos felizes, a nossa família estava
crescendo e eu tinha que admitir que ter alguém para amar me fazia
sentir mais realizado do que ter tanto poder sendo um novo chefe
dos negócios da família.
Caterina completou a parte que eu não sabia que faltava em
mim e ficaríamos juntos até o fim da vida. Ela era a minha primeira-
dama.

FIM.
— Ainda não! Espera — Caterina pediu. — Héctor, por que
você estava usando uma balaclava naquela noite?
— Porque eu era um jovem delinquente em uma cidade
governada por outras pessoas que não eram da minha família. As
pessoas usam isso quando não querem ser reconhecidas, meu amor.
— Eu deveria ter usado uma naquela noite.
Eles riram e até o pequeno no colo, sem entender nada,
soltou uma risada fofa.
— Não siga nossos exemplos, Vittorio. Pelo menos não siga os
exemplos ruins.
BÔNUS
HENRICO MILANO
— Vocês vão por ali. — Aponto para a direita, em frente à
bela casa de campo amarela e depois olho para os outros atiradores.
— E vocês para o lado contrário. Lembrem-se, quero o Cesare vivo.
Eu mesmo irei acabar com a sua vida.
Os homens seguem as minhas instruções e aguardo que o
lugar esteja limpo para entrar, dentro do carro.
É início da noite em Vibo Valentia[5] e a vizinhança fica a
muitos metros de distância. Não há ninguém para atrapalhar o
cumprimento da nossa missão.
Ligar para o futuro Don parece uma boa ideia enquanto
espero, por isso faço isso e ele atende sem muita demora.
— Henrico?
— Oi, Héctor. Já estamos invadindo a casa onde Cesare se
esconde. É certo que, desta vez, pegaremos o traidor.
Pensar nessa possibilidade me deixa com a adrenalina
correndo nas veias.
— Ótimo. Lembre-se de apagar qualquer rastro da droga que
ele criou. Nem ele, nem ninguém vai vender isso no nosso território.
— Impossível esquecer.
É o meu segundo maior objetivo na missão.
— Me ligue no final.
— Certo. — Finalizo a ligação.
Um dos meus soldados aparece na porta da casa e acena
para que eu entre.
Saio do carro com uma arma no quadril, escondida pelo
sobretudo, enquanto a sede de vingança faz meu coração bater mais
forte.
Cesare é o tipo de homem que mais odeio e ter o incentivo
para matá-lo é um presente que nunca saberei como agradecer ao
meu padrinho.
— Onde ele está?
— Não o encontramos em cômodo algum. Os guardas dele
também não.
A resposta me deixa instantaneamente desapontado.
— Não vamos sair daqui sem ele. Procurem melhor. Ao redor
da casa, em cima dela, em todos os lugares. — Não entro no imóvel,
tiro a arma do quadril e deixo a bala no gatilho, indo para o jardim.
A propriedade é rodeada de arbustos, árvores e plantas. Não
chegamos discretamente, mas não fomos recebidos a tiros.
Eles podem mais uma vez ter tentado o caminho mais
covarde: a fuga.
Observo meus soldados que estão pela propriedade,
enquanto outros estão bem distantes. Entre as plantas enormes em
vasos de cerâmica, perto da parede da garagem, encontro uma
mulher distraída na montagem do que parece ser um buquê.
Como agimos silenciosamente, ela não nos viu nem ouviu a
nossa invasão. Faz sentido.
Ela não parece se esconder propositalmente.
Agarro seu braço, viro-a de frente para mim, empurro seu
corpo contra a parede e coloco o cano da minha arma abaixo do seu
queixo. Seus olhos se arregalam diante de mim. A luz ao redor da
casa me permite ver um azul perdido no branco do pavor que ela
expressa.
Encontramos alguém e não deixarei quem quer que seja livre
antes de pegar o meu alvo.
— Você vem comigo.
— Quem é você? — ela pergunta com a voz falha, os lábios
carnudos mal se encostando e as mãos levantadas.
— Quem sou? Seu pior pesadelo.
Ela não deve ser uma funcionária pelo ouro das joias que
carrega, inclusive usa uma aliança no dedo anelar esquerdo, além da
delicadeza.
Não tenho medo de chutar que é a famosa esposa que
Cesare esconde. E, pelo visto, até mesmo na casa deles, ela fica
escondida.
Deixou a esposa para trás, grande covarde mesmo.
Parece ser tão indefesa, frágil, que me deixa com raiva.
Mulheres assim sofrem nas mãos de homens como Cesare e
como o meu pai.
Não pretendo machucá-la, mas pretendo usá-la como isca
para atrair e matar o grande amor da sua vida.
No fim, posso estar apenas fazendo um favor a ela.
Observo que ela está pálida, parece até que parou de respirar.
Droga!
Uma mulher tão bonita metida em um problema desse...
— Vo-você pegou a mulher errada — ela fala com pouco
fôlego, enquanto posso ver o medo estampado em seus olhos.
— Acho que peguei a certa. — Não contenho o sorriso sádico.
Sempre consigo tirar alguma coisa de Cesare, mesmo que
não seja a sua vida. Pouco a pouco, diminuí o poder dele. Ele foge e
tenta se recuperar, mas lá estou eu novamente arrancando mais um
pouco.
Acho que sentirei falta dessa caçada depois de finalmente
acabar com a sua vida, algo que me estressa, mas me diverte
também.
— Chefe — um soldado chama. — Ele realmente fugiu.
Figlio di puttana[6]!
— Você vem comigo.
— Como? — Ela me encara de olhos arregalados.
— Você. Vem. Comigo — repito alto e claro enquanto aceno
para os soldados.
SERENA RUSSO
Que sorte...
Digo, que azar.
Isso nunca aconteceu comigo.
Onde estão os homens que vivem me seguindo quando saio
sem o Cesare?
Não acredito que desta vez ele me deixou sozinha. Eu poderia
ter fugido e não ter sido sequestrada.
Por que tenho certeza que isso está acontecendo por culpa do
meu marido?
Esse homem apareceu do nada e resolveu que iria me levar,
que seria o meu pior pesadelo!
Spoiler para ele: Eu já vivo o meu pior pesadelo.
Agora estou sendo arrastada rudemente, com uma arma
encostada na minha cintura e não há uma alma para gritar e vir me
ajudar.
— Não precisa me levar, sou uma pedra no sapato. Meu
marido sempre diz isso. Você não vai me aguentar por uma hora...
— Tento convencer o homem que anda na frente e aponta para o
carro. — É o meu sotaque. Você não vai me aguentar falando o
tempo todo. Meu marido sempre diz que meu sotaque é
insuportável. Imagina você ter que me ouvir?
— Não vou precisar de você por muito tempo.
A frieza como ele fala desperta um frio na minha barriga.
O que ele fará quando não precisar mais de mim?
Eu sobrevivi até agora. Preciso continuar. Sei que um dia serei
livre. Quero ser uma mulher livre e viva.
— Você está me ouvindo?
— Infelizmente — ele diz. — Mas não ligo para o que vai
falar.
Que homem frio!
— Ok. Depois não vem dizer que não avisei. — Estou
tremendo.
Desnecessário me pegar, se o problema é o Cesare.
— Tira o casaco.
— Mas está frio. — Eu me abraço.
Ele olha para os dois homens que me escoltaram até aqui.
— Tirem o casaco dela.
Antes mesmo que possa protestar, os homens arrastam o
casaco do meu corpo e o vento frio faz um arrepio descer por minha
espinha. A roupa de baixo que uso não é mais do que uma camiseta
fina. Cubro os seios enquanto tremo de frio e medo diante do meu
carrasco.
— Revistem a roupa e ela — ordena com a voz grave e
levemente rouca.
Eles fazem o que foi ordenado, revistam o casaco e entregam
as coisas que estavam nos bolsos nas mãos do sequestrador: meu
celular e fones de ouvido, também me tocam em todas as partes,
até mesmo nas que não tem chance de encontrar alguma coisa.
Quero dizer que estou me sentindo um objeto pela primeira
vez, mas o Cesare me faz sentir sempre assim.
Um dos homens olha para ele e balança a cabeça em
negação.
Os olhos azuis do sequestrador encontram os meus.
— Tola. Você não anda armada. — Dá um passo para perto
de mim.
— Não — sussurro. — Estou morrendo de frio. Me devolve o
casaco, por favor — imploro com os pelos eriçados e um leve tremor
no corpo inteiro.
Ele arrasta o casaco das mãos do homem e empurra contra o
meu peito.
Quando Cesare souber que fui pega, com certeza vai querer
me estrangular e me xingar com todos os palavrões que conhece.
Por que esse homem não procurou logo o Cesare e veio atrás
de mim?
Será que ele ainda não sabe que o Cesare é a verdadeira
pessoa perigosa?
É muito problema para uma pobre camponesa.
Minha tremedeira dificulta colocar o casaco de volta.
— Quando meu marido notar a minha ausência...
— O seu marido fugiu. — Ele abre a porta do carro para mim.
— Entre.
Cesare fugiu?
Alguém me empurra para dentro do carro e não consigo
assimilar os problemas.
— Para onde vai me levar?
— Não se preocupe. Em breve, verá o seu marido pela última
vez. Ele deve vir atrás de você, certo?
Então esse é o plano dele!
Me usar como isca para pegar o Cesare.
O homem frio, cujo nome ainda não sei, fica sentado do meu
lado, no carro. Outro dirige e a minha chance de voltar para casa
hoje desaparece.
Viajamos até um hotel. O motorista para o carro bem na
entrada e meu sequestrador sai, me esperando do lado de fora.
Que ele não seja sadomasoquista, pai.
Que ele não tente me estuprar.
Que ele não me deixe com fome.
Que ele não me mate.
— Não tenho a noite toda. — Meu sequestrador interrompe
meus pensamentos.
Saio e ele faz questão de mostrar a arma que carrega no cós
da calça.
— Se gritar...
— Sei o que não devo fazer.
Não é como se fosse a primeira vez que sou ameaçada.
Sigo o homem e entramos no lugar.
As pessoas se curvam para ele e entregam uma chave antes
mesmo de alguém pedir, então vamos para o elevador em silêncio.
Eu já entendi que ele não é qualquer pessoa e talvez seja pior
que o meu marido.
O que ele pretende fazer comigo, quando não precisar de
mim?
Faz tempo que não preciso traçar um plano para sobreviver,
pois o meu plano vinha dando certo até então, no entanto, este é
um bom momento para se pensar em um novo.
Poderia tentar fugir, mas não estou louca de fazer isso agora.
Vivi o suficiente com alguém que me oferecia perigo e sei a
hora certa de ficar quieta.
O homem parece ser mais alto dentro do elevador e cheira a
um perfume muito bom no lugar fechado. Um dos poucos com o
cabelo cortado muito baixo que fica bem com esse corte. Ele não diz
nada, não olha para os lados, parece ser um boneco desligado, de
frente para a porta.
Eles são assim, os homens da máfia, só demonstram seus
sentimentos entre a família e às vezes nem são sentimentos bons,
mas quando estão diante de seus inimigos são insensíveis, cruéis,
verdadeiras máquinas de vingança.
As portas se abrem e ele verifica a chave do quarto, então o
sigo, calada.
Entramos no cômodo que é enorme e luxuoso, com uma
cama somente e iluminação no mínimo dolorosa aos meus olhos.
— Anda. — Ele me apressa e me afasto da porta, que é
trancada em seguida e a chave guardada no bolso da calça. Do
outro bolso, ele tira o meu celular e vira o aparelho para mim. —
Desbloqueie.
O que ele pretende fazer com o meu celular?
Espero que o seu plano de pegar o meu marido dê certo,
porque se Cesare colocar as mãos em mim, depois de tudo isso, a
morta serei eu.
Coloco a senha mesmo tremendo e ele fica com livre acesso
no aparelho.
Respiro fundo buscando relaxar, inclusive ouso me sentar na
cama enquanto ouço o som da chamada no viva-voz.
Ele realmente está ligando para o Cesare.
Segundos depois, o som da chamada some.
Ele atendeu.
— Serena?! Onde, você se meteu?!
Isso basta para o arrepio na espinha ser mais forte do que o
vento me causou anteriormente.
O homem encosta o telefone em mim e acena para que eu
responda.
Fecho os olhos e respiro fundo.
— Fui pega. Alguém me pegou. — Eu não posso mentir.
Não adianta mentir se sei que o homem ao meu lado
derrubará qualquer coisa que eu invente, quando começar a falar
com o meu marido.
— O QUÊ, SERENA?! COMO ASSIM FOI PEGA? NÃO SE
ESCONDEU? — grita tão forte, que estremeço e permaneço com os
olhos fechados.
Neste momento, não gostaria de voltar para casa.
Ele está tão furioso que vai me espancar.
— Ela está comigo — o homem diz.
— E quem é você, homem morto?
Cesare não é de economizar ameaças.
— Agora me dei conta de que nunca trocamos nenhuma
palavra por telefone! Henrico Milano te lembra alguma coisa?
É ele?
Ouvi Cesare falando que esse homem da família Barone anda
o caçando em todos os cantos e não imaginei que acabaria em suas
mãos.
— Será que ainda não entendeu que não vai conseguir me
vencer?
— O círculo está se fechando, Cesare, e estou com a sua
esposa. Quanto você a ama? — Henrico coloca seus dedos debaixo
do meu queixo e ergue o meu rosto.
Cesare deve me salvar ou se salvar?
Será que ele se colocaria em risco por mim?
— Acha mesmo que está em vantagem? Vou descobrir onde
você está. Sei que não está longe. O círculo está se fechando pra
você. Cansei dessa perseguição e não serei fantoche da família
Barone como meus pais são. Pode aproveitar seus últimos minutos
de vida.
— Estou esperando, Cesare Russo. E sobre aproveitar os
meus últimos momentos de vida, não me dê ideias, pois estou com
a sua esposa.
Ele não vai fazer isso.
Meus olhos se alagam enquanto encaro o homem à minha
frente.
Serei quebrada mais uma vez.
— Passa para a minha esposa. Agora!
Henrico dá um sorriso sádico, com os olhos fixos no meu
rosto e encosta o celular na minha boca.
— Cesare? — sussurro.
— SERENA, TOLA! NÃO OUSE DEIXAR ESSE HOMEM TE
TOCAR. QUANDO VOCÊ CHEGAR AQUI, VAI APANHAR TANTO QUE
VAI DESEJAR NUNCA TER NASCIDO.
Uma lágrima cai do meu olho esquerdo.
O olhar de Henrico se torna obscuro e ele arremessa o
aparelho contra a parede.

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[1]
“A Cruz Sagrada seja a minha luz. Não seja o dragão meu guia...” – trecho da
oração de São Bento, um santo católico que pediu proteção contra o inimigo de
Deus.
[2]
Retira-te, satanás! Nunca me aconselhes coisas vãs. É mau o que tu me
ofereces, bebe tu mesmo do teu próprio veneno.

[3]
Eram guerreiros que competiam em torneios de cavalaria na Idade Média e no
Renascimento. As justas eram combates marciais que envolviam a derrubada do
adversário com um golpe de lança.

[4]
É uma expressão que se refere a uma mulher que busca validação externa,
principalmente masculina. É uma gíria que se tornou popular nas redes sociais,
especialmente no TikTok.
[5]
Cidade da Calábria, Itália.
[6]
Filho da puta.

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