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também exporta parte disso (principalmente para China, que pasteurizam e processam leite e derivados; a cadeia
Hong Kong, Rússia). Embora o consumo per capita de do leite pasteurizado é toda refrigerada até o consumidor.
carne suína in natura no Brasil seja menor comparado ao
Em relação ao mercado externo, as exportações de
de bovina e frango, a carne suína está muito presente na
carne bovina brasileira cresceram principalmente a partir
forma de embutidos, presuntos e outros derivados.
dos anos 2000. O país exporta carne bovina tanto in natura
Além desses, há setores pecuários específicos como (congelada ou resfriada, geralmente em cortes já desossa-
ovinocultura (criação de carneiros/ovelhas para carne e dos) quanto industrializada (enlatados, carne cozida). Os
lã), caprinocultura (bodes e cabras, para carne, leite e principais compradores variam, mas incluem China
pele), piscicultura e aquicultura (criação de peixes, ca- (grande importadora recente de carne bovina e de frango),
marões e outros animais aquáticos, um setor que vem Hong Kong, Egito, União Europeia, Irã, Chile, dentre ou-
crescendo no agronegócio brasileiro), e criação de ani- tros. A carne de frango brasileira é muito competitiva
mais como búfalos, equinos (cavalos, mulas – mais para globalmente devido ao eficiente sistema de integração
trabalho/esporte, mas há consumo regional de carne de agroindústria – grandes empresas integradoras (como
búfalo) e até abelhas (apicultura, produção de mel, própo- BRF, JBS, Marfrig, etc.) coordenam criação de frangos
lis). Todos esses contribuem para o amplo leque do agro- com produtores integrados, garantindo custo baixo e qua-
negócio pecuário. lidade. Os frangos são exportados inteiros ou em cortes, e
o Brasil tem conseguido manter-se líder mesmo frente a
Em termos de importância econômica, a pecuária
concorrentes como EUA e UE, muito por conta de seu sta-
representa uma parcela significativa do PIB do agronegó-
tus sanitário (o Brasil nunca registrou influenza aviária em
cio. Estimativas indicam que a cadeia pecuária bovina
seu território, por exemplo, o que dá vantagem nas expor-
(carne bovina) sozinha participa com cerca de 6% do PIB
tações). Já a carne suína tem como principal mercado ex-
total do Brasil e cerca de 30% do PIB agropecuário, mo-
terno a China, que nos últimos anos aumentou importa-
vimentando centenas de bilhões de reais na economia. Se
ções devido a surtos de Peste Suína Africana que reduzi-
somarmos as demais cadeias (frango, suínos, leite), a con-
ram a produção deles.
tribuição é ainda maior. O Brasil gera milhões de empre-
gos diretos e indiretos na pecuária – desde a criação nas Um fator importante na comercialização de carnes é
fazendas, passando pelos insumos (rações, medicamentos a questão sanitária e de qualidade. O Brasil precisou in-
veterinários, genética), transporte, frigoríficos, laticínios, vestir muito em saúde animal para abrir e manter merca-
até o varejo. Em muitas regiões, especialmente no Centro- dos. Campanhas de vacinação e controle da febre aftosa
Oeste, Norte e parte do Sudeste, a pecuária de corte foi a ao longo de décadas permitiram ao Brasil ser reconhecido
atividade que impulsionou a colonização agrícola e o de- como país livre de aftosa (com vacinação na maior parte
senvolvimento econômico local. das regiões, e sem vacinação em algumas). Isso foi crucial
para acessar mercados exigentes de carne bovina. Similar-
mente, programas de controle de doenças aviárias e suínas
10.3. MERCADO E COMERCIALIZAÇÃO DE mantêm as exportações confiáveis. Além disso, existem
CARNES E DERIVADOS barreiras sanitárias e exigências específicas: por exem-
plo, a UE exige rastreabilidade da origem do gado (tra-
O mercado de carnes no Brasil atende dois princi- zendo o SISBOV – sistema de identificação bovina), al-
pais destinos: o mercado interno, que consome a maior guns países muçulmanos exigem abate halal (segundo
parte da produção (especialmente no caso de bovinos,
preceitos religiosos), outros mercados requisitam que a
cerca de 70–80% da carne bovina produzida fica no mer-
carne esteja livre de certos medicamentos ou promotores.
cado doméstico; para frango, cerca de 70% consumo in-
As indústrias brasileiras de carne se adaptaram a essas de-
terno; suínos, aproximadamente 80% interno) e o mer-
mandas, diversificando produtos e certificados conforme
cado externo (exportações), que cresceu muito nas últi-
o destino.
mas décadas. Essa diversificação é positiva, pois garante
escoamento da produção e receitas em moeda forte Derivados cárneos
quando exportada.
Além da carne fresca/resfriada ou congelada, a pecu-
No mercado interno, a comercialização de carnes ária fornece matéria-prima para inúmeros produtos. Das
ocorre através de vários canais: matadouros locais e regi- carnes, produzem-se embutidos e defumados (linguiças,
onais abastecem açougues tradicionais, enquanto grandes salsichas, salame, presunto, bacon, mortadela, etc.), cujo
frigoríficos abastecem as redes de supermercados e tam- mercado interno é grande. Parte da produção suína e de
bém distribuem cortes padronizados embalados a vácuo. frango é direcionada a esses produtos industrializados. O
A cadeia fria (refrigeração) é essencial para manter a qua- couro bovino é outro derivado valioso: o Brasil é grande
lidade da carne desde o abate até o ponto de venda, evi- produtor e exportador de couro, usado na indústria de cal-
tando deterioração. O Brasil tem rígidos serviços de ins- çados, móveis, automóveis, etc. Há também gelatina e co-
peção sanitária (federal – SIF, e estaduais) que garantem lágeno extraídos de partes bovinas e suínas para uso ali-
que as carnes comercializadas estejam dentro dos padrões mentar e farmacêutico. Da pecuária leiteira, uma vasta
de higiene e inocuidade alimentar, com abate inspecio- gama de derivados: queijos (o Brasil produz dezenas de
nado e condições adequadas. Nos laticínios, de forma se- tipos, incluindo especialidades regionais e também muça-
melhante, o leite cru produzido nas fazendas é coletado relas, cheddars, etc. em larga escala), iogurtes, manteiga,
(sistema de resfriamento a granel) e entregue a indústrias leite condensado, leite em pó (muito exportado para paí-
ses importadores de leite). O soro do leite (subproduto do
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queijo) é aproveitado na indústria alimentícia para suple- germinação. Por exemplo, grãos de milho podem sair do
mentos proteicos. Até dejetos da pecuária, hoje, são apro- campo com 20-30% de umidade, mas precisam ser arma-
veitados – esterco bovino e de aves viram adubo orgânico zenados em torno de 13-14% de umidade para não mofa-
e até fonte de biogás/energia em fazendas de modelo inte- rem; o café colhido em terreiro, com polpa, tem 50-60%
grado. de umidade e deve ser seco até ~11-12%.
No âmbito doméstico, a comercialização de carne Os princípios da secagem envolvem transferência
bovina e suína passou nos últimos anos por transforma- de calor e massa: calor é fornecido para vaporizar a água
ções com a adoção de cortes especiais e marcas pre- contida no produto, e o vapor de água gerado difunde-se
mium. Tradicionalmente, o brasileiro consumia muita para fora, sendo removido pelo ar de secagem. Na prática,
carne em cortes básicos (como acém, paleta, fraldinha, existem dois métodos principais: secagem natural e se-
contrafilé, picanha) ou processamento (carne moída). Atu- cagem artificial.
almente, impulsionado por churrascarias e consumidores
mais exigentes, há mercado para carne bovina de quali- • Na secagem natural (ao sol), os produtos são
dade superior (raças europeias especializadas, como An- espalhados em camadas finas sobre terreiros, lo-
gus, ou cruzamentos, e animais terminados em confina- nas ou secadores solares e revolvidos periodica-
mento para melhor marmorização), vendida com marcas mente, permitindo que o calor do sol e o vento
e certificações de maciez e sabor. Isso agrega valor e cria evaporem a umidade. É método de baixo custo
nichos de mercado interno e até de exportação (carne energético e muito utilizado em propriedades pe-
gourmet). quenas (ex: secagem de café, arroz ou amendoim
no terreiro). No entanto, depende do clima (dias
Em relação a políticas e organização de mercado, o secos e ensolarados) e é mais lenta; se mal con-
Brasil conta com entidades de classe e programas de pro- duzida, pode haver fermentações indesejáveis ou
moção: por exemplo, a ABIEC (Associação Brasileira chuva inesperada arruinar o produto.
das Indústrias Exportadoras de Carne) promove a carne
bovina brasileira no exterior; a ABPA (Associação Brasi- • Na secagem artificial (mecânica), usa-se equi-
leira de Proteína Animal) representa os setores de aves e pamentos chamados secadores ou silos-secado-
suínos, e assim por diante. O governo, através do Minis- res, onde ar aquecido é forçado a passar por
tério da Agricultura (MAPA), também atua nos acordos meio da massa de grãos, retirando a umidade.
sanitários internacionais, abertura de mercados e fiscali- Esse ar quente é produzido geralmente quei-
zação interna via SIF. mando combustível (lenha, gás, óleo diesel) ou
via trocadores de calor. Existem secadores de di-
versos tipos: de fluxo contínuo (coluna, cascata)
muito comuns para milho e soja em silos de fa-
11. TECNOLOGIA DE PÓS-COLHEITA E AR- zendas e armazéns, e intermitentes (como seca-
MAZENAMENTO dores rotativos para café e sementes, ou secado-
11.1. CONCEITO res estacionários). Um cuidado é não exceder a
temperatura de secagem adequada para cada
A tecnologia de pós-colheita abrange os processos e produto, para não danificar a qualidade: semen-
técnicas aplicados aos produtos agrícolas após a co- tes para plantio requerem temperatura mais
lheita, com o objetivo de manter sua qualidade, reduzir baixa para não matar o embrião; já grãos para
perdas e agregar valor até o momento do consumo ou pro- consumo toleram um pouco mais. A secagem
cessamento final. Inclui operações como secagem, lim- mecânica permite processar grandes volumes ra-
peza, classificação, acondicionamento (embalagem), ar- pidamente e independe das condições climáticas
mazenamento e conservação de produtos de origem vege- externas, garantindo a operação logo após a co-
tal (grãos, fibras, frutas, hortaliças, etc.). Trata-se de uma lheita. Entretanto, ela tem custo (combustível e
etapa crucial no agronegócio, pois de nada adianta produ- energia elétrica) e demanda controle técnico
zir grandes quantidades no campo se uma parcela signifi- (ajuste de temperatura, vazão de ar, tempo de re-
cativa se perde ou se deteriora antes de chegar ao consu- sidência) para evitar secagem excessiva ou desi-
midor. gual.
11.2. PRINCÍPIOS DE SECAGEM, ARMAZE- Durante a secagem, uniformidade é importante – se-
NAGEM E ACONDICIONAMENTO DE GRÃOS E car demais causa perda de peso desnecessária e pode que-
FIBRAS brar grãos (grãos muito secos ficam mais frágeis); secar
de menos deixa focos de alta umidade que estragam de-
11.2.1. Secagem de grãos pois. Por isso, muitas vezes combina-se secagem: por
Muitos produtos agrícolas, especialmente grãos exemplo, milho colhido a 25% pode ser pré-seco em se-
(como arroz, milho, trigo, soja, feijão, café) e algumas se- cador até ~15%, e então vai para um silo onde ventilado-
mentes e frutos secos, são colhidos com teor de umidade res terminam de secar até 13%. Isso evita choque térmico
acima do ideal para armazenamento. Secagem é o pro- muito forte e economiza energia.
cesso de retirar o excesso de água do produto, reduzindo
sua umidade a um nível seguro em que microrganismos
(fungos, bactérias) e processos bioquímicos indesejáveis
sejam inibidos, evitando podridões, fermentações ou
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11.2.2. Armazenagem de grãos e fibras hermeticamente, a respiração dos próprios grãos e de
eventuais insetos consome o oxigênio interno e aumenta
Depois de secos e limpos, os produtos agrícolas pre-
CO₂, criando uma atmosfera que impede pragas e fungos.
cisam ser armazenados adequadamente até seu uso ou
Silos bag (grandes bolsas plásticas horizontais colocadas
comercialização. A armazenagem envolve manter os
no campo) têm sido adotados por produtores como solu-
grãos/fibras em condições controladas de umidade, tem-
ção rápida de armazenamento temporário de grãos, em-
peratura e proteção contra pragas ao longo do tempo. Para
bora apresentem desafios de manuseio e riscos se rasga-
grãos, os principais locais de armazenamento são silos
dos.
(estruturas verticais, metálicas ou de concreto, bastante
usadas para milho, trigo, soja etc.), armazéns graneleiros No caso de fibras como algodão em pluma, o arma-
(galpões horizontais onde os grãos ficam estocados a gra- zenamento requer evitar umidade (para não man-
nel em pilhas, comum em cooperativas) ou sacarias char/mofo) e evitar contaminações (o algodão deve per-
(grãos ensacados armazenados em paletes dentro de arma- manecer limpo, livre de pragas e também separado de pro-
zéns – método menos usado para grandes volumes, mas dutos químicos que possam afetar suas características).
comum em arroz beneficiado e sementes, por exemplo). Por ser altamente inflamável, cuidados contra incêndio
Já fibras agrícolas, como o algodão, após colheita e pré- também são essenciais no armazenamento de fardos de al-
limpeza, são enfardadas (fardos de algodão em pluma) e godão.
guardadas em armazéns abrigados da umidade; fibras
como juta, sisal, etc., também são secas e enfardadas antes 11.2.4. Acondicionamento e classificação
do armazenamento e transporte.
Antes do armazenamento ou do envio ao mercado,
Os princípios de armazenagem segura incluem: os produtos agrícolas geralmente passam por beneficia-
manter o produto seco (teor de umidade seguro definido, mento pós-colheita, que inclui limpeza (retirar impure-
p.ex. 13% p/ cereais), evitar entrada de água (infiltração zas, partículas de solo, palha, sementes de plantas dani-
de chuva, goteiras) ou umidade do solo (daí a importância nhas), classificação ou padronização (separar por tama-
de armazenar sobre estrados, paletes, manter silos bem ve- nho, peso, qualidade, teor de umidade, etc.) e embala-
dados e com bases isoladas do solo). Também é crucial o gem/condicionamento adequados para transporte e
controle de temperatura: em silos, os grãos costumam venda. Por exemplo, arroz colhido com casca vai para uni-
aquecer devido à respiração residual e à possível atividade dades de beneficiamento onde é seco, armazenado, depois
de insetos/fungos; temperaturas acima de ~25–30°C já descascado e polido, e o arroz branco é classificado em
preocupam, pois favorecem insetos e perdas. Por isso, ar- tipos (inteiro, quebrados) e embalado em sacos para va-
mazéns modernos usam a técnica da aeração: são instala- rejo ou em bags para granel. Café colhido em coco é seco,
dos dutos ou ventiladores que insuflam ar (ambiente ou descascado (beneficiado para obter o grão verde), seleci-
refrigerado, se necessário) por entre a massa de grãos, onado por peneira e cor, e ensacado em sacarias de pano
para dissipar calor e homogeneizar a temperatura, além de de 60 kg para exportação. O milho e a soja, por serem
remover leve excesso de umidade. No verão, muitas vezes commodities, usualmente são armazenados a granel; seu
aerar à noite (quando o ar externo está mais fresco) ajuda acondicionamento para transporte ocorre em caminhões
a manter a massa de grãos em temperatura menor que graneleiros, barcaças, etc., sem embalagem unitária – mas
20°C, o que inibe insetos. passam por classificação oficial (umidade, impurezas,
grãos avariados) que define padrões de comercialização
11.2.3. Pragas de armazenamento: (tipo 1, tipo 2...).
Um dos grandes desafios em armazenagem de grãos Para sementes (usadas para plantio), o acondiciona-
são os insetos e ácaros que atacam produtos estocados, mento é especial: após secagem controlada, as sementes
como gorgulhos (carunchos do feijão, do milho), traças são limpas e passam em máquinas classificadoras e trata-
dos cereais, besouros de grãos (Rhyzopertha, Tribolium), dores, podendo receber tratamento fungicida/inseticida e
entre outros. Eles proliferam em ambientes quentes e com são embaladas em sacos com camadas impermeáveis ou
alimento abundante (os grãos em si). Para controlá-los, o mesmo em embalagens a vácuo (para sementes hortíco-
manejo inclui: medidas preventivas (higienização dos si- las), de modo a preservar a viabilidade até a semeadura.
los e instalações antes de armazenar a nova safra, evitando
Em resumo, armazenar bem é estender a “vida”
deixar resíduos da safra anterior que possam conter
do produto colhido, mantendo sua qualidade próximo do
ovos/larvas; uso de inseticidas protetores inertes como pó
estado inicial. Isso requer tecnologia (secadores, silos, ter-
de fósforo de alumínio em quantidades seguras, ou terra
mometria, aeradores), manejo apropriado e conhecimento
diatomácea, misturados aos grãos), monitoramento (ar-
das características de cada produto. Uma falha nessa etapa
madilhas e inspeções periódicas nos grãos armazenados)
pode resultar em mofo disseminado (perdendo grãos),
e, se necessário, controle curativo – muitas vezes feito
perda de peso (respiração excessiva dos grãos aumenta
via fumigação. A fumigação usa gases inseticidas (fos-
temperatura e consome matéria seca), infestação de pra-
fina/PH3 ou expurgo com gás carbônico em alta concen-
gas ou degradação da qualidade (grãos rançosos, descolo-
tração) para eliminar infestações dentro de silos, devendo
ração de fibras). Portanto, a pós-colheita de grãos e fibras
ser feita por pessoal especializado, pois envolve risco e
é tratada com a mesma importância da fase de cultivo, as-
período de carência. A armazenagem hermética (em silos
segurando que aquilo que foi produzido chegue em bom
herméticos ou em bolsas plásticas especiais tipo “silo
estado à indústria ou ao consumidor.
bag”) também é uma tecnologia interessante: ao fechar
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11.3. PERDAS NA PÓS-COLHEITA, FORMAS Diante dessas causas, existem formas de controle e
DE CONTROLE E REDUÇÃO DE DESPERDÍCIOS redução de desperdícios que podem ser implementadas
em vários níveis:
Após a colheita, uma parcela considerável dos ali-
mentos pode se perder antes de chegar ao prato do consu- a) Treinamento e cuidados na colheita
midor. Perdas pós-colheita são definidas como a quanti-
Capacitar trabalhadores para colher no ponto de ma-
dade de produto que é desperdiçada (por deterioração, ata-
turação ideal (nem verde demais, nem maduro em ex-
que de pragas, condições inadequadas) em qualquer ponto
cesso), usar ferramentas adequadas (facas afiadas, tesou-
entre a colheita e o consumo. Em países tropicais e em
ras de poda), e manusear os produtos com delicadeza. Co-
desenvolvimento, essas perdas podem ser bastante eleva-
lher nas horas mais frescas do dia também ajuda, especi-
das devido a infraestrutura insuficiente de armazenamento
almente para hortifrutis, pois eles estarão menos estressa-
e transporte, condições climáticas adversas e práticas ina-
dos e a respiração pós-colheita será menor.
dequadas. Por exemplo, estimativas globais indicam que
entre 20% e 30% dos grãos produzidos podem se perder b) Melhoria das instalações de secagem e armaze-
ao longo da cadeia pós-colheita em situações precárias, e namento
no caso de frutas e hortaliças frescas as perdas podem che-
Investir em secadores eficientes e boas práticas reduz
gar a 30-50% em alguns locais, dado que são mais perecí-
fortemente as perdas em grãos. A construção de mais silos
veis. Reduzir essas perdas é essencial para melhorar a dis-
e armazéns nas regiões produtoras é estratégica – no Bra-
ponibilidade de alimentos (sem precisar expandir tanto a
sil, historicamente, uma parcela de grãos colhidos era es-
produção), garantir rentabilidade aos produtores e dimi-
nuir o desperdício de recursos naturais investidos na pro- tocada de forma improvisada, o que resultava em perdas;
dução daqueles alimentos. a ampliação da rede de armazenagem próxima às áreas
agrícolas (fazendas, cooperativas) diminui as distâncias e
11.3.1. Principais causas de perdas pós-colheita: tempos de espera para guardar a safra, preservando os
grãos. Revestimentos e estruturas à prova de pragas e ro-
• Manuseio inadequado na colheita: Produtos
edores também entram aqui.
colhidos de forma brusca ou no ponto errado de
maturação podem estragar mais rápido. Ex: jo- c) Refrigeração e atmosfera controlada
gar frutos em baldes causa machucados; colher
Para muitos alimentos, a refrigeração imediata após
grãos muito úmidos aumenta a chance de mofo.
a colheita é a medida mais eficaz de conservação. Montar
• Deficiências na secagem e armazenamento:
cadeias de frio – câmaras frias nas propriedades ou
Como discutido, grãos mal secos ou armazena-
packing houses, caminhões refrigerados, câmaras nos
dos em condições inadequadas desenvolverão
centros de distribuição e varejo – pode reduzir drastica-
fungos (mofo, como Aspergillus e Penicillium,
mente as perdas de frutas, verduras, carnes e leite. Para
que além de estragar produzem micotoxinas pe-
grãos e sementes de longo armazenamento, existem silos
rigosas), insetos, ou mesmo germinarão se úmi-
climatizados ou o uso de atmosfera controlada/modifi-
dos, tornando-os impróprios para consumo. Em
cada (redução de oxigênio, aumento de CO₂ e controle de
armazenamento aberto, roedores e aves também
umidade) que prolonga a viabilidade e evita infestações
podem consumir e contaminar os grãos.
sem químicos.
• Falta de refrigeração para perecíveis: Frutas,
verduras, raízes e produtos de origem animal se d) Embalagens adequadas
deterioram rapidamente em temperatura ambi- Desenvolver e utilizar embalagens protetoras ajuda
ente tropical. Sem refrigeração, ocorre murcha a diminuir danos mecânicos e mantém a qualidade. Caixas
(perda de água), apodrecimento por bactérias e de plástico ou madeira ventiladas para hortaliças, engra-
fungos, e perda de qualidade sensorial. dados almofadados para frutas sensíveis, sacarias bem
• Transporte e embalagem inadequada: Saca- costuradas ou seladas para grãos, big-bags resistentes para
rias mal empilhadas que rasgam e derramam produtos a granel, filmes plásticos que reduzem perda de
produto; caminhões descobertos sujeitos a chuva água dos vegetais (ex: filme PVC envolvendo vegetais fo-
ou sol excessivo; contêineres sem controle tér- lhosos). Novas tecnologias incluem embalagens ativas
mico para longas distâncias; vibração e choques que absorvem etileno (hormônio do amadurecimento)
mecânicos no percurso que lesionam frutas e le- dentro de caixas de frutas, retardando seu amadureci-
gumes. Tudo isso resulta em perdas quantitativas mento excessivo.
e qualitativas.
• Demora na distribuição/comercialização: e) Processamento mínimo ou transformação
Quanto mais tempo o produto fica parado em al- Uma estratégia para evitar que produtos in natura se
gum elo (no campo, no entreposto, no mercado), estraguem é processá-los. Por exemplo, frutas muito ma-
mais perde qualidade. Por exemplo, uma alface, duras ou com pequena avaria podem virar polpa conge-
que demora 3 dias para chegar da fazenda ao lada, geleias ou sucos – agregando valor e salvando o ali-
mercado pode ter perdido grande parte do fres- mento que, in natura, talvez não fosse vendido. Vegetais
cor e redução de peso. Filas em unidades de re- “feios” podem ser processados em conservas, molhos, etc.
cebimento (ex: caminhões de grãos esperando O chamado “processamento mínimo” – lavar, descascar,
descarga por dias) também elevam perdas, pois picar e embalar pronto para consumo (como salada pré-
o produto fica exposto. lavada, frutas descascadas em bandeja) – também agrega
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valor e aumenta a chance de consumo rápido, evitando • Utilizar embalagens resistentes e do tamanho
desperdício pelo consumidor. adequado, evitando sobrecarga que amassa os
produtos;
f) Gestão logística eficiente
Reduzir o tempo entre a colheita e o consumo é vital. • Implementar silos e armazéns na fazenda ou co-
Isso envolve otimizar rotas de transporte, ter mercados operativa, diminuindo transporte longo de pro-
atacadistas (CEASAs) bem estruturados e próximos das duto úmido;
áreas urbanas, e sistemas de informação que conectem • Fazer manejo integrado de pragas em armazena-
oferta e demanda para evitar excesso de produto enca- mento (limpeza, monitoramento, controle quí-
lhado. Quando há supersafra de um hortifrúti, planejar o mico/alternativo quando preciso);
escoamento para outras regiões ou exportação pode evitar
que ele apodreça localmente. • Melhorar estradas e meios de transporte, dimi-
nuindo o tempo de trajeto e vibração;
g) Controle fitossanitário no armazenamento
• Promover venda direta ou encurtar cadeias (ex:
Aplicar técnicas como fumigação, armadilhas, con- mercados do produtor, que eliminam etapas in-
trole biológico para pragas de grãos armazenados (como termediárias, significando que o produto chega
visto) reduz perdas quantitativas e qualitativas (insetos mais rápido ao consumidor final);
podem elevar temperatura e umidade local e facilitar fun-
gos). Em silos maiores, a termometria (uso de sensores • Educar o consumidor também – pois o desperdí-
de temperatura inseridos na massa de grãos) detecta pon- cio não ocorre só no “pré-consumo”, mas tam-
tos quentes que indicam atividade biológica, permitindo bém na fase final, doméstica ou nos mercados
intervenção rápida antes que o problema se alastre. (produtos descartados por aparência apesar de
próprios para consumo). Programas de aprovei-
h) Conscientização e treinamento em todos os ní- tamento integral de alimentos, conscientização
veis para não se basear apenas na estética dos frutos,
Muitas perdas ocorrem por descuido ou desconheci- e doação do excedente comercializável podem
mento. Assim, treinar desde o produtor e funcionários (so- ser considerados extensão do combate às perdas.
bre importância de não deixar frutos colhidos expostos ao
sol, de limpar silos, de calibrar secadores, etc.), até moto- 11.4. PÓS-COLHEITA E COMERCIALIZA-
ristas (dirigir com cuidado para não sacolejar demais a ÇÃO DE PRODUTOS HORTÍCOLAS FRESCOS
carga) e comerciantes (armazenar corretamente, não mis- Produtos hortícolas frescos incluem as frutas, hor-
turar lotes velhos e novos) faz diferença. Programas edu- taliças (verduras, legumes) e raízes/tubérculos destina-
cativos e de assistência técnica difundidos por órgãos pú- dos ao consumo in natura. Esses produtos são altamente
blicos, cooperativas ou empresas ajudam a implementar perecíveis e requerem cuidados pós-colheita especiais
essas melhorias. para que cheguem ao consumidor com boa qualidade e em
Reduzir perdas pós-colheita é um esforço multidis- condições seguras de consumo. Além disso, a comerciali-
ciplinar que envolve engenharia (instalações), logística, zação desses itens apresenta características próprias: são
biologia (entender fisiologia de amadurecimento e con- geralmente consumidos próximos à região de produção
trole de pragas) e gestão. Os benefícios são enormes: mais (devido à perecibilidade), passam por centrais de abaste-
alimentos disponíveis sem expandir área agrícola, melho- cimento (no Brasil, as CEASAs) e sofrem variações de
res rendimentos financeiros para agricultores (que ven- preço e demanda conforme sazonalidade.
dem uma parcela maior do que produzem) e preços poten-
cialmente mais estáveis para os consumidores. No Brasil, 11.4.1. Colheita e manuseio inicial
iniciativas de pesquisa pela Embrapa e universidades ge- O momento da colheita dos hortícolas é crucial. Em
raram muitas das técnicas citadas, e políticas públicas vêm geral, colhe-se manualmente, com cuidado, porque co-
focando em ampliar armazéns e centrais de distribuição. lheitas mecanizadas podem causar dano físico incompatí-
Ainda assim, é um campo onde contínuos avanços e in- vel com venda de produto fresco (há exceções, como ba-
vestimentos são necessários, dado o volume continental tata ou cenoura em grandes áreas usando colhedeiras, mas
da produção agrícola nacional e os gargalos ainda existen- mesmo assim o dano precisa ser minimizado). Cada fruto
tes em infraestrutura. ou hortaliça tem o ponto de colheita ideal: alguns devem
ser colhidos maduros (p.ex., morango, alface – já prontos
11.3.2. Medidas práticas para reduzir perdas pós- para consumo), outros são colhidos “de vez” ou maturos
colheita: (como banana verde que amadurecerá após colheita, to-
• Colher na maturação correta e em horários fres- mate de mesa colhido pintando, manga colhida firme para
cos; amadurecer no transporte). Determinar esse ponto en-
volve conhecimento da aparência, sabor, firmeza e até me-
• Pre-resfriar frutos e hortaliças logo após colhi- dição de sólidos solúveis (açúcares) ou acidez no caso de
dos (por exemplo, usando água gelada – hidro- frutas. Colher cedo demais pode resultar em fruto que não
resfriamento – ou câmaras frias móveis); atinge sabor adequado; tarde demais, ele amolece e tem
vida útil muito curta.
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
Logo após colher, reduzir a temperatura é funda- sofrem de chilling (lesão pelo frio) se armazenados a tem-
mental porque frutos e hortaliças continuam vivos respi- peraturas muito baixas. Exemplos: quiabo, berinjela, pe-
rando, consumindo seus açúcares e amadurecendo. A taxa pino, pimentão, banana, mamão, manga não devem ser
de respiração praticamente dobra a cada 10°C de au- guardados abaixo de ~7-12°C dependendo do produto,
mento de temperatura (regra de Van’t Hoff). Portanto, res- pois podem escurecer, amolecer ou perder sabor. Assim,
friar diminui o metabolismo e prolonga a vida útil. Exis- regula-se a câmara para temperatura adequada a cada pro-
tem métodos como o pré-resfriamento (precooling): duto. Alguns também são sensíveis ao gás etileno (hor-
mônio gasoso produzido por frutos climatérios – aqueles
• Hidrocooling: imersão ou chuveirada com água que amadurecem após colheita, como banana, maçã, to-
gelada nos produtos (usado para produtos resis- mate, mamão). Maçãs e bananas maduras emitem etileno
tentes à água, como milho verde com palha, al- e podem acelerar o amadurecimento/ senescência de ve-
gumas frutas colhidas com casca resistente). getais verdes ao redor. Por isso, em armazenamento e
• Vacuum cooling: colocação de verduras folho- transporte, é bom separar produtos produtores de etileno
sas em câmara de vácuo; a pressão reduzida faz daqueles sensíveis, ou usar absorvedores de etileno no
parte da água interna evaporar, extraindo calor e ambiente.
resfriando rapidamente (muito usado para al-
face, brócolis em produções maiores). 11.4.3. Transporte e distribuição
• Câmaras de resfriamento forçado de ar: pi- No Brasil, a maior parte dos hortifrutis é escoada via
lhas de caixas de frutas são resfriadas com ar frio transporte rodoviário. Caminhões tipo baú refrigerado
forçado através delas (por ex., sistema “cooler” (câmara fria sobre rodas) são essenciais para longas dis-
para maçãs e citros). tâncias ou produtos delicados. Para mercados próximos,
caminhões abertos cobertos com lona também são usados
• Gelo: uso de gelo triturado junto ao produto (por (mas sem refrigeração, adequados só para curtas distân-
ex., caixa de quiabo ou pimenta pode levar uma cias ou produtos mais resistentes como batata, melancia).
camada de gelo por cima; pescados são conser- A logística muitas vezes envolve sair da fazenda para um
vados em gelo também). entreposto atacadista (CEASA) – lá os produtos são ven-
Depois, os hortícolas passam por seleção e classifi- didos em lotes para diversos feirantes, mercados varejistas
cação. São retirados os indivíduos danificados, muito ma- e restaurantes, que então levam aos pontos de venda final.
duros ou muito fora do padrão (esses podem ser desviados Algumas grandes redes de supermercado montaram seus
para processamento). Os demais são classificados por ta- centros de distribuição (CDs) específicos para hortifrúti,
manho, cor, peso ou tipo, conforme padrões de mercado comprando direto do produtor ou cooperativas e evitando
(por ex., laranja tipo 1, tipo 2; tomate salada extra A, A, passar pelo mercado atacadista tradicional; nesses CDs
B, etc., de acordo com diâmetro e ausência de defeitos). mantém-se câmara fria e ocorre nova triagem de quali-
Essa padronização facilita a venda por criar lotes homo- dade antes de distribuir às lojas.
gêneos.
11.4.4. Comercialização
A seguir vem o acondicionamento/embalagem. Di-
ferente de grãos (que podem ser a granel) ou frutas para Os produtos hortícolas são usualmente comercializa-
indústria (que vão soltas em caminhão), os hortifrutis fres- dos no mercado spot diário – ou seja, preços definidos
cos usualmente são embalados em caixas ou contêineres pela oferta e demanda do dia, sem muita utilização de con-
adequados: caixotes plásticos ou de madeira, caixas de tratos futuros (diferente de grãos). Isso leva a flutuações
papelão ondulado (descartáveis, limpas, leves), bandejas de preço e àquela famosa “safra cheia = preço despenca,
com filme plástico (para morangos, figos, tomates cereja), safra escassa = preço dispara”. Produtores podem optar
sacos telados (batatas, cebolas). A embalagem deve: pro- por vender diretamente em feiras ou via programas ins-
teger contra danos mecânicos, permitir ventilação (res- titucionais (ex: Programa de Aquisição de Alimentos, Pro-
piro) para trocas de gases e calor, e ter tamanho compatí- grama Nacional da Alimentação Escolar, que compram de
vel (uma caixa muito grande de fruta no fundo amassa agricultores familiares) para obter melhor preço, ou esta-
pelo peso das de cima; por isso há limite de camadas). belecer parcerias com redes de mercado para forneci-
Além disso, a embalagem é a unidade de comercialização mento constante. A exportação de frutas frescas (manga,
– no atacado, vende-se por caixa/peso padrão. Etiquetar melão, uva, limão, mamão, etc.) também exige procedi-
as embalagens com informações de origem, qualidade e mentos pós-colheita rígidos: geralmente as frutas expor-
peso é importante para rastreabilidade. tadas são colhidas um pouco menos maduras, tratadas (al-
gumas passam por tratamento hidrotérmico contra moscas
11.4.2. Armazenamento em frio das frutas, por exigência fitossanitária de países importa-
dores), enceradas (cera comestível aplicada para reduzir
Uma vez embalados, os produtos hortícolas frescos perda de água e dar brilho, comum em citrus e manga),
são mantidos em câmaras frigoríficas até a expedição. embaladas individualmente em papel e levadas em contêi-
Cada grupo tem uma temperatura ótima de armazena- neres refrigerados por navio ou avião.
mento: a maioria das frutas e hortaliças se conserva bem
entre 0°C e 10°C, com umidade relativa alta (~85-95%
para não murcharem). Contudo, nem todos podem ser ar-
mazenados próximos de 0°C – muitos produtos tropicais
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
11.4.5. Vida de prateleira e qualidade 12. LOGÍSTICA DE ESCOAMENTO (TRANS-
PORTE, ARMAZENAGEM E DISTRIBUIÇÃO)
O tempo que um hortifrúti pode ficar disponível para
venda (shelf-life) depende de todos esses cuidados. Folho- 12.1. CONCEITO
sas, por exemplo, mesmo refrigeradas, duram poucos dias
A logística de escoamento refere-se ao conjunto de
antes de começarem a amarelar ou apodrecer pontas; já
operações e infraestrutura necessárias para transportar,
maçãs podem ser armazenadas por meses em atmosfera
armazenar e distribuir os produtos agropecuários desde
controlada e chegar firmes ao consumidor muito tempo
as regiões de produção até os centros de consumo ou ex-
após colhidas. Produtores e comerciantes buscam maxi-
portação. Em um país de dimensões continentais como o
mizar a vida de prateleira sem perder qualidade. Isso in-
Brasil, e com produção agrícola altamente concentrada
clui manter a cadeia do frio sem quebras (temperaturas al-
em certas áreas (por exemplo, grãos no Centro-Oeste, fru-
tas eventuais podem condensar água ao resfriar de novo,
tas no Nordeste, etc.), a logística assume papel estratégico
favorecendo fungos; além do estresse do vai-e-vem tér-
no agronegócio. Ela é responsável por conectar a fazenda
mico), e expor corretamente no ponto de venda (super-
ao mercado, garantindo que a safra colhida chegue no
mercados usam balcões refrigerados ou borrifadores de
tempo certo, em boas condições e com custo viável aos
água para manter vegetais frescos).
consumidores nacionais e internacionais. A eficiência lo-
gística influencia diretamente a competitividade do agro-
11.4.6. Perdas na comercialização
negócio brasileiro: gargalos em transporte ou armazena-
Infelizmente, mesmo com todos os cuidados, ainda gem podem elevar custos, causar perdas de produtos e li-
ocorrem perdas significativas até no varejo – produtos que mitar a expansão do setor.
não são vendidos murcham ou apodrecem e são descarta-
Há três elementos-chave da logística de escoamento:
dos. Por isso, iniciativas de doação do excedente ou trans-
transporte, armazenagem (no contexto da cadeia logís-
formação (supermercados fazendo polpas, saladas prontas
tica, ou seja, estocagem em pontos intermediários ou ter-
com os que estão quase perdendo a validade) vêm ga-
minais) e distribuição física dos produtos agrícolas.
nhando atenção para reduzir o desperdício.
12.2. TRANSPORTE DE PRODUTOS AGRÍCO-
11.4.7. Tendências na comercialização de frescos
LAS
Há uma demanda crescente por rastreabilidade –
O transporte é, talvez, o componente mais crítico da
consumidores querem saber a origem e se foi produzido
logística de escoamento, pois o Brasil depende majorita-
de forma segura (sem excesso de agrotóxicos). Isso faz
riamente do modal rodoviário (caminhões) para movi-
com que muitos produtores invistam em certificações (por
mentar sua produção agropecuária, apesar de esforços
exemplo, GAP – Boas Práticas Agrícolas) e coloquem có-
para diversificar. As distâncias entre as áreas de produção
digos de rastreio nas caixas ou até QR codes nas embala-
e os portos/exportação ou grandes centros consumidores
gens para o consumidor conferir a fazenda de origem. Ou-
internos podem ser enormes – por exemplo, a soja colhida
tra tendência é a agricultura urbana e periurbana, tra-
no Mato Grosso percorre cerca de 2.000 km de caminhão
zendo a produção de hortaliças para mais perto dos cen-
até o porto de Santos (SP) ou Paranaguá (PR) para ser ex-
tros, encurtando a cadeia. E também os circuitos curtos
portada. Isso representa um custo significativo, tanto fi-
de comercialização via assinaturas de cestas de orgâni-
nanceiro quanto de tempo.
cos, feiras de produtores, etc., que pulam intermediários,
podendo oferecer produtos mais frescos (colhidos no dia)
e com preço justo.
12.2.1. Modais de transporte utilizados no agro-
A pós-colheita de hortícolas frescos envolve colher negócio brasileiro:
no ponto certo, remover campo de calor, embalar e refri-
gerar, transportar rápido e vender logo. Qualquer deslize a) Rodoviário (caminhões)
– atrasos, refrigeração insuficiente, embalagem ruim – re- Responde por cerca de 60% ou mais do volume
sulta em perda de qualidade perceptível no produto: casca transportado. Vantagens: capilaridade (alcança a porteira
enrugada, manchas, bolores, folhas murchas, polpa fari- da fazenda, mesmo em locais sem ferrovia ou rio navegá-
nhenta, sabor deteriorado. Por isso, essa etapa demanda vel), flexibilidade de rotas, rapidez em curtas distâncias.
diligência e investimento. A comercialização, por sua vez, Desvantagens: custo por tonelada.km mais alto que outros
lida com um produto que é sensível e cujo valor depende modais em longas distâncias, sujeição às condições das
fortemente da aparência e frescor; estratégias de mercado rodovias (buracos, congestionamentos), maior impacto
então incluem classificar bem (para não misturar produto ambiental (combustível fóssil, emissões). Caminhões gra-
ótimo com mediano), atingir o consumidor rapidamente e neleiros (carretas do tipo bitrem, rodotrem) levam soja,
comunicar a qualidade (marca, certificação). Para o con- milho, açúcar a granel; caminhões frigoríficos levam car-
sumidor, todas essas técnicas se traduzem em frutas mais nes; caminhões tanque transportam leite; caminhões baú
saborosas na gôndola e verduras mais viçosas, e para o ou gaiola levam frutas, animais, etc. A safra recorde de
produtor e comerciantes, menores perdas e melhores pre- grãos dos últimos anos gera literalmente filas de milhares
ços. de caminhões nas estradas e nos portos, evidenciando o
gargalo rodoviário.
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b) Ferroviário (trens) Santarém crescendo em movimentação). Congestiona-
mentos em portos do Sul/Sudeste e greves de caminhonei-
Cerca de 20% do transporte de cargas agrícolas no
ros também expuseram vulnerabilidades. Os custos logís-
Brasil ocorre por ferrovias, porcentagem que vem cres-
ticos podem representar 20-30% do valor da soja, por
cendo. Trens têm alta eficiência energética e de capaci-
exemplo, em trajetos longos – um ônus que reduz a com-
dade – um único trem pode carregar o equivalente a deze-
petitividade do produtor
nas de caminhões. No agronegócio, destacam-se corredo-
res ferroviários como a Ferronorte/Malha Norte e a Fer-
12.4. TRANSPORTE
rovia Norte-Sul, que conectam Mato Grosso e Goiás aos
portos de Santos (SP) e Itaqui (São Luís-MA) respectiva- No Brasil, o transporte de produtos agropecuários é
mente. Também a antiga Ferronorte permite escoar soja dominado pelo modal rodoviário, ou seja, pelo uso de
de MT até Santos via conexão em SP. Eixos como EFVM caminhões em estradas. Isso se deve tanto à extensão ter-
(Vitória-Minas) levam minério mas também são usados ritorial quanto à distribuição geográfica da produção e à
para produtos como celulose. A limitação é que a malha falta de alternativas melhor desenvolvidas. Embora o país
ferroviária brasileira ainda é insuficiente em algumas ro- tenha a segunda maior produção de grãos do mundo,
tas e tem bitolas diferentes, exigindo transbordos. Há pro- sua logística ainda enfrenta desafios, pois grande parte da
jetos em andamento para ferrovias como a Ferrogrão (do safra de grãos, fibras e outros produtos viaja milhares de
MT para PA) voltadas a grãos, que se implementados re- quilômetros por estradas até chegar aos portos de expor-
duzirão o custo de transporte e pressão nas rodovias. tação ou aos grandes centros consumidores internos. Por
exemplo, soja e milho colhidos no Centro-Oeste muitas
c) Hidroviário (fluvial/marítimo de cabotagem) vezes percorrem mais de 1.500 km de carreta até os portos
de Santos (SP), Paranaguá (PR) ou até portos no Arco
Aproveitar rios navegáveis é uma alternativa econô-
Norte (como Itaqui-MA ou Barcarena-PA). Isso torna o
mica. Já existem hidrovias importantes: a Tietê-Paraná
custo de frete um componente significativo no preço final
(interior de SP e PR, escoando grãos até hidrovia Paraná-
do produto brasileiro.
Paraguai), a do Madeira (grãos de Porto Velho-RO des-
cendo o rio Madeira até Itacoatiara-AM, onde há porto
12.5. CARACTERÍSTICAS DO MODAL RO-
para exportação via navio), a do Tapajós-Amazonas
DOVIÁRIO
(grãos do norte de MT vão de caminhão até Miritituba-
PA, de lá via barcaças descem o Tapajós e Amazonas até as vantagens do transporte por caminhões incluem
portos no Pará, como Santarém ou Barcarena, para serem capilaridade (alcança praticamente qualquer fazenda, in-
exportados). Essas rotas hidroviárias estão aliviando a de- dependentemente de haver ferrovia ou hidrovia), flexibi-
pendência de Santos e Paranaguá, encurtando caminho lidade de roteiros (pode-se adaptar rotas conforme neces-
para exportar pelo Norte (Estratégia conhecida como sidade, contornar problemas nas estradas, etc.) e agili-
“Arco Norte”). O custo por tonelada na hidrovia é baixo, dade em percursos curtos ou médias distâncias. Porém, há
mas os gargalos incluem necessidade de terminais ade- desvantagens: o custo por tonelada transportada é mais
quados, períodos de seca que reduzem o calado dos rios e alto em longas distâncias quando comparado a trem ou hi-
limitações de eclusas. A cabotagem (navegação costeira) drovia; a dependência de combustíveis fósseis e a emissão
também vem sendo explorada: por exemplo, milho do Sul de poluentes são maiores; e a eficiência pode ser prejudi-
do Brasil pode ir de navio até o Nordeste para abastecer cada por condições ruins das rodovias ou por burocracias
granjas, em vez de cruzar tudo de caminhão. (pedágios, esperas em fronteiras estaduais, etc.). Além
disso, o fluxo concentrado de caminhões em épocas de sa-
d) Aéreo
fra frequentemente congestiona estradas e áreas portuá-
Transporte aéreo de cargas agrícolas é raro por causa rias, resultando em filas e atrasos.
do custo altíssimo, mas ocorre para produtos de altíssimo
valor agregado ou extremamente perecíveis que justifi- 12.5.1. Diversificação modal
cam. Exemplos: exportação de frutas nobres (como figos,
Para melhorar a logística, o Brasil tem investido na
amoras, mangostão) ou flores por avião para chegar fres-
ampliação de outros modais:
cos à Europa; embarque de carnes frescas ou processadas
de alto valor para mercados distantes urgentes; ou trans- a) Ferroviário: O transporte por trens é mais econô-
porte de reprodutores animais de alto valor genético. Po- mico em grandes volumes e longas distâncias. Nos últi-
rém, em termos de volume, é irrelevante comparado aos mos anos, foram expandidos e interligados trechos ferro-
demais. viários importantes para o agronegócio, como a Ferrovia
Norte-Sul e a integração da malha do Centro-Oeste com
12.3. INFRAESTRUTURA E DESAFIOS a sudeste. Hoje já se envia, por exemplo, boa parte da sa-
fra de soja de Mato Grosso até o porto de Santos via fer-
O Brasil enfrenta desafios de infraestrutura logística:
rovia (conectando-se à malha paulista). Trens carregados
estradas em más condições (a famosa BR-163, que liga
de milho e farelo de soja também seguem até o porto de
MT ao PA, por muito tempo teve trechos sem pavimenta-
Santos e Paranaguá. Uma composição ferroviária pode
ção, atolando caminhões na chuva; investimentos recentes
transportar o equivalente a 200–300 caminhões, mos-
melhoraram isso), falta de ferrovias transversais, poucos
trando a vantagem em escala. Entretanto, existem garga-
portos especializados em granel agrícola no Norte/Nor-
los: nem todas as regiões produtoras possuem acesso fer-
deste (a situação está melhorando com Itaqui, Barcarena,
roviário próximo; há diferenças de bitola (largura dos
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trilhos) entre malhas que dificultam a integração; e a ex- especiais por avião). Há também dutos (oleodutos, gaso-
pansão ferroviária é cara e demorada. Projetos futuros, dutos) relevantes para insumos agrícolas, como transporte
como a Ferrogrão (planejada para ligar o norte de MT ao de etanol ou gás que alimenta fertilizantes, mas para o es-
porto de Miritituba no PA) e a extensão da Norte-Sul até coamento de produção em si, não se aplica.
o Pará, visam facilitar ainda mais o escoamento da safra
pelo chamado Arco Norte, diminuindo a dependência ex-
clusiva de rodovias rumo aos portos do Sul/Sudeste. 12.6. CUSTOS E DESAFIOS DO TRANSPORTE
b) Hidroviário: O Brasil possui rios extensos e po- A logística de transporte responde por uma parcela
tencialmente navegáveis em áreas agrícolas. O transporte expressiva do custo final dos produtos. Em safras abun-
hidroviário (barcaças em rios, balsas, etc.) é o modal de dantes, o preço do frete rodoviário pode subir muito por
menor custo por tonelada e de grande capacidade. Um falta de caminhões suficientes, prejudicando o lucro dos
exemplo de sucesso é a Hidrovia do Rio Madeira: grãos agricultores. O desbalanceamento regional é outro pro-
produzidos em Mato Grosso são levados por caminhão até blema: caminhões sobem carregados com grãos do Cen-
Porto Velho (RO) e lá carregados em comboios de barca- tro-Oeste ao Sudeste, mas muitas vezes voltam vazios
ças que descem o Rio Madeira até Itacoatiara (AM) ou (falta carga de retorno), encarecendo o frete. Melhorias
Belém (PA), onde são transferidos para navios oceânicos. logísticas buscam otimizar essas rotas, por exemplo, arti-
De modo semelhante, opera a Hidrovia Tapajós-Amazo- culando para que o caminhão de retorno traga fertilizantes
nas, partindo de Miritituba (PA) e indo até portos em Bar- ou outros insumos para a região produtora.
carena (PA) ou Santarém (PA). Essas rotas encurtam a dis-
tância terrestre e aliviam as rodovias. No Sudeste, a Hi- No Brasil, há também o desafio de melhorar a infra-
drovia Tietê-Paraná permite que produção de Mato estrutura viária: investir na pavimentação e manutenção
de rodovias (reduzindo acidentes e tempo de viagem), am-
Grosso do Sul e Goiás siga de barcaça até o estado de São
pliar ferrovias planejadas e tirar do papel projetos parados,
Paulo ou ao sul. As limitações das hidrovias incluem a de-
equipar e modernizar portos (evitando filas de navios es-
pendência do regime dos rios (períodos de seca extrema
perando para atracar, o que gera custo de sobre-estadia).
podem reduzir o calado e a navegabilidade), a necessidade
de infraestrutura de transbordo (portos fluviais equipados) Em tempos recentes, o país tem avançado na ampliação
e, no caso brasileiro, questões ambientais para abertura e do escoamento pelo Arco Norte – hoje cerca de 30% dos
grãos do Centro-Oeste já saem por portos do Norte (Ita-
manutenção das rotas (dragagem, eclusas em usinas hidre-
qui, Barcarena, Santarém, etc.), diminuindo a sobrecarga
létricas etc.). Ainda assim, a hidrovia é vista como com-
em Santos e Paranaguá. Isso foi possível com melhorias
ponente-chave para a logística sustentável: menos cami-
nhões na estrada, menor emissão de CO₂ por tonelada como a pavimentação da BR-163 até Miritituba (PA), no-
transportada, e custo reduzido para o produtor. vos terminais portuários privados e melhor aproveita-
mento das hidrovias amazônicas. Porém, a continuidade
c) Modal marítimo e cabotagem: Para produtos desse progresso requer investimentos constantes e plane-
destinados à exportação, a etapa final de transporte é o jamento de longo prazo.
navio. Os navios graneleiros (bulk carriers) levam as car-
gas de soja, milho, açúcar, farelo, algodão, café, entre ou- 12.7. ARMAZENAGEM NA LOGÍSTICA
tros, do porto brasileiro até os portos de destino (China,
Europa, etc.). A logística portuária, portanto, integra-se ao A armazenagem não acontece só na fazenda, mas
também ao longo da cadeia logística. Após a colheita,
transporte interno: é preciso que os portos tenham capaci-
muitas vezes os produtos precisam ser guardados tempo-
dade de receber e armazenar as commodities (silos portu-
rariamente em silos e armazéns antes de serem transpor-
ários, armazéns) e embarcar rapidamente nos navios. No
tados, ou então aguardar em instalações nos portos até o
Brasil, portos como Santos, Paranaguá, Rio Grande, Ita-
qui (São Luís) e os terminais próximos a Belém/Barcarena embarque nos navios. Uma boa infraestrutura de arma-
possuem silos e carregadores de navios de alta velocidade zenagem permite regular o fluxo de produtos no mer-
cado: segurar parte da produção colhida em momentos de
(por gravidade ou correias transportadoras), capazes de
pico, liberando gradativamente para venda e exportação,
embarcar dezenas de milhares de toneladas por dia. A ca-
o que evita saturar estradas e portos de uma só vez e pos-
botagem refere-se à navegação entre portos do próprio
sibilita ao produtor vender em melhores condições de
país. Ela é usada, por exemplo, para transferir cargas de
uma região a outra usando a costa: há casos de milho do preço.
Sul sendo enviado por navio até o Nordeste (para abaste- No Brasil, historicamente, há um déficit na capaci-
cer indústrias de ração), ou fertilizantes descarregados no dade de armazenagem em relação à produção. Ideal-
Sudeste sendo levados de barco até Manaus e Porto Velho mente, um país agrícola deveria ter silos para armazenar
para atender produtores do Norte. A cabotagem tem custo 100% da sua safra e ainda uma “folga” (alguns estudos
menor que rodoviário, mas demanda integração logística indicam 120% da produção, pois a safra nova entra
(precisa levar ao porto inicial e do porto final até o destino quando a anterior não foi totalmente escoada). Porém, a
por outro modal). capacidade estática nacional de armazenagem é inferior à
produção anual de grãos – resultado de investimentos in-
d) Outros modais: O transporte aéreo é aplicado
suficientes em armazéns, principalmente nas propriedades
apenas a nichos do agronegócio – produtos de altíssimo
rurais e regiões mais novas de cultivo. Isso faz com que
valor ou que exigem entrega urgentíssima (ex: exportação
de frutas frescas muito perecíveis ou de flores e sementes parte da safra seja armazenada “a céu aberto” ou em ar-
mazéns improvisados, aumentando perdas e obrigando
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muitos agricultores a vender rapidamente (pressionando o CDs que recebem frutas, hortaliças e demais itens de di-
preço para baixo na colheita). Nos últimos anos, progra- versos fornecedores, estocam por curtos períodos e redis-
mas governamentais (como o PCA – Programa para Cons- tribuem rapidamente às lojas. Nesses casos, a armazena-
trução de Armazéns) incentivaram a construção de silos gem é parte da logística urbana/distribuição, com foco em
nas fazendas e cooperativas, com financiamentos a juros curto prazo e controle de qualidade (manter refrigera-
baixos. Houve crescimento, mas ainda aquém do necessá- ção contínua, rodar estoques para não vencer).
rio em algumas áreas.
12.8. DISTRIBUIÇÃO E ESCOAMENTO AO
Existem diversos níveis de armazenagem logística:
MERCADO
a) Nas propriedades ou cooperativas locais
A etapa final da logística de escoamento é a distri-
Logo após colher e secar, o agricultor pode guardar buição, ou seja, fazer com que os produtos cheguem efe-
o grão em seu próprio silo ou levar a uma cooperativa/em- tivamente aos destinos finais – seja o mercado externo
presa cerealista próxima. Esse estoque local dá flexibili- (exportação) ou os consumidores domésticos e indústrias.
dade de aguardar fretes mais baratos ou preços melhores A distribuição envolve aspectos comerciais (venda, con-
para vender. Cooperativas agrícolas muitas vezes centra- tratos) e físicos (entrega). No contexto do agronegócio
lizam a produção dos cooperados e armazenam em gran- brasileiro, podemos distinguir dois grandes fluxos: distri-
des estruturas, negociando lotes maiores diretamente com buição para exportação e distribuição para o mercado
tradings e indústrias. interno.
b) Armazéns regionais e estações de transbordo 12.8.1. Fluxo de exportação
Em rotas ferroviárias e hidrovias, é comum haver Grande parte das commodities agrícolas brasileiras
terminais de transbordo: pontos onde a carga muda de (soja, milho, café, açúcar, carne bovina e de frango, celu-
modal, por exemplo, sai de caminhão e entra num trem ou lose, suco de laranja, algodão) é destinada a outros países.
barcaça. Nesses locais, silos e armazéns são necessários O escoamento exportador termina no porto de saída – a
para acumular carga suficiente e formar lotes grandes. Por partir do momento em que o produto é carregado no navio,
exemplo, em Porto Velho (RO) existem silos que juntam ele já está no circuito internacional. A logística até ali pre-
as cargas de dezenas de caminhões, para então encher um cisa atender prazos e quantidades estipulados em contra-
comboio de barcaças. Em Alto Araguaia (MT) há termi- tos de exportação (por exemplo, um contrato de soja CIF
nais onde a soja de caminhão é armazenada e carregada China para embarque em março implicará que até aquela
nos vagões ferroviários da Ferronorte. Esses armazéns in- data o volume esteja no porto para o navio). Traders e
termediários funcionam como “pulmões logísticos”, regu- cooperativas exportadoras coordenam essa distribuição:
lando a transferência de um meio de transporte para outro compram a produção dos agricultores (ou atuam vertical-
de forma contínua. mente desde a originação), consolidam lotes, providen-
ciam transporte, cuidam da documentação de exportação
c) Armazéns em portos e retroportos e contratação de frete marítimo, etc. Muitas tradings glo-
bais (ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Cofco, etc.)
Ao chegar ao porto, os produtos aguardam a chegada operam no Brasil e possuem estruturas logísticas próprias
do navio ou a sua vez de embarque. Portos modernos pos- ou integradas – silos, terminais portuários, frotas dedica-
suem silos graneleiros verticais (metálicos ou de con-
das – para garantir o fluxo até o navio. Uma atenção im-
creto) com capacidade para dezenas de milhares de tone-
portante é a janela de exportação: como a safra brasileira
ladas, bem como armazéns horizontais. Eles recebem os
de grãos é colhida no primeiro semestre, os embarques se
trens ou caminhões, armazenam o produto e depois, atra-
concentram de março a agosto (soja principalmente), de-
vés de correias transportadoras, elevadores e calhas, car- pois milho de segunda safra entre agosto e janeiro, en-
regam os porões dos navios. A eficiência do embarque de- quanto nos meses de entressafra o fluxo cai. Planejar a lo-
pende de se ter produto suficiente já estocado no porto.
gística para esses picos (mais navios agendados, mais
Alguns portos operam no sistema just-in-time, onde a
trens e caminhões necessários no período de pico) é fun-
carga chega sincronizada com o navio, mas isso é arris-
damental para evitar colapso. Nos últimos anos, a distri-
cado se houver atrasos. Por isso, zonas de retroporto (ar-
buição geográfica das exportações mudou um pouco:
mazéns fora da área portuária imediata, mas próximos) antes 100% das exportações de grãos saíam pelos portos
também são utilizados: a carga fica ali até ser liberada para do Sul/Sudeste, agora quase um terço sai pelo Norte/Nor-
o terminal quando o navio atraca.
deste, como mencionado. Isso aproxima os portos das re-
giões produtoras e reduz distâncias médias de trans-
d) Armazenagem na distribuição interna
porte, o que é positivo. Para carnes e produtos refrigera-
Quando pensamos em distribuição para consumo in- dos, portos como Itajaí-SC e Santos-SP possuem contêi-
terno, especialmente de produtos processados ou perecí- neres refrigerados (reefers) para exportação – a logística
veis, a armazenagem ocorre em centros de distribuição aqui envolve contêineres específicos, que vão de cami-
(CDs) de redes varejistas ou atacadistas. Por exemplo, fri- nhão ou trem ao porto e são embarcados em navios con-
goríficos armazenam carne congelada ou resfriada em câ- teineiros para chegar, por exemplo, com frango congelado
maras frias até distribuir aos supermercados; indústrias de ao Oriente Médio ou China.
laticínios mantêm estoques reguladores de leite UHT e
queijos em depósitos; grandes supermercados possuem
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12.8.2. Fluxo para mercado interno de 30 km, várias vezes ao dia durante a safra (logística
canavieira); carretas entregam milho e soja em fábricas de
A distribuição doméstica conecta a produção agrope-
ração ou em granjas integradas (logística pecuária in-
cuária às indústrias alimentícias e ao varejo dentro do
terna). Essas cadeias geralmente são integradas (no caso
país. Em muitos casos, há necessidade de processamento
de agroindústrias integradoras, elas próprias gerenciam ou
industrial antes da distribuição final: por exemplo, a soja
contratam transportadores fixos) e funcionam em circui-
vai primeiro para fábricas de óleo e farelo, depois o óleo
tos curtos, porém intensos.
refinado é distribuído aos supermercados, e o farelo vai
para fábricas de ração que, por sua vez, distribuem a ração
d) Desafios da distribuição interna
para granjas; o leite cru sai da fazenda aos laticínios, onde
é pasteurizado/envazado, e então o leite pasteurizado é No mercado interno, o grande objetivo logístico é re-
distribuído refrigerado aos pontos de venda. Assim, a lo- duzir custos e tempos, mantendo a qualidade dos produ-
gística de distribuição interna envolve várias cadeias es- tos, especialmente os perecíveis. Os desafios incluem a
pecíficas: deficiente infraestrutura urbana (engarrafamentos atrapa-
lham entregas nas cidades), custos altos de combustível,
a) Centrais de Abastecimento (CEASA) carga tributária e burocracia em transporte interestadual
(nota fiscal, postos fiscais), e a necessidade de infraestru-
São mercados atacadistas regionais para produtos
tura especial para produtos refrigerados ou congelados. As
frescos (hortifrutigranjeiros). Produtores ou intermediá-
empresas investem em logística inteligente, usando rotei-
rios levam frutas, legumes, verduras, ovos, flores, etc.,
rização via software (para otimizar sequência de entre-
para a CEASA, onde comerciantes e donos de feiras/sa-
gas), frota própria ou terceirizada com gestão de manuten-
colões compram em grandes quantidades e depois reven-
ção, e até parcerias logísticas (por exemplo, compartilha-
dem no varejo. As CEASAs funcionam como um hub lo-
mento de frete: duas empresas que têm cargas para uma
gístico: concentram a oferta e facilitam a distribuição ur-
mesma região dividem o caminhão, aumentando a efici-
bana. Contudo, por serem mercados muito movimenta-
ência).
dos, também enfrentam problemas logísticos, como trân-
sito de caminhões nas redondezas, desperdícios (produto Além disso, cada vez mais se fala em logística sus-
que estraga sem venda) e variação diária de preços. Ainda tentável: no campo, isso significa eventualmente utilizar
assim, cumprem papel essencial na distribuição de produ- biodiesel nos caminhões, ou ferrovias elétricas, para redu-
tos perecíveis pelo país. zir emissões; na cidade, implica renovar frotas para veí-
culos menos poluentes e adequar horários de entrega (evi-
b) Centros de distribuição (CDs) de redes varejis- tar picos de trânsito, restringir circulações de caminhões
tas grandes em horário comercial central).
Grandes redes de supermercados e atacarejos costu-
12.8.3. Integração logística
mam centralizar a logística em CDs. Eles recebem produ-
tos de diversos fornecedores (indústrias alimentícias, co- Em todos os níveis, a tendência moderna é integrar
operativas, importadores) e então consolidam cargas para as etapas de transporte, armazenagem e distribuição de
enviar às suas lojas em diferentes cidades. Por exemplo, forma coordenada – isso é o que se chama de gestão lo-
um CD de supermercado na Grande São Paulo pode rece- gística integrada ou supply chain management. A ideia é
ber 100 caminhões por dia de itens diversos e expedir 100 que produtores, armazenadores, transportadores, indús-
caminhões menores abastecendo centenas de lojas. No trias e varejo compartilhem informações de demanda e
agronegócio, isso impacta principalmente produtos já pro- oferta, para planejar o escoamento de maneira otimizada.
cessados ou embalados: arroz e feijão beneficiados, açú- No agronegócio, ainda há muito a evoluir nesse sentido,
car refinado, óleo de soja engarrafado, leite UHT de cai- mas algumas cadeias já são bastante integradas (como a
xinha, caixas de ovos, hortifrúti selecionado e embalado, cadeia de frango de corte, na qual a empresa integradora
cortes de carne refrigerada, etc. A eficiência desses cen- planeja a produção dos aviários, a entrega da ração, o
tros afeta preços e disponibilidade: um sistema bem coor- abate e a distribuição dos cortes, tudo sincronizado).
denado evita falta de produtos nas gôndolas e minimiza
A logística de escoamento é a espinha dorsal que
estoques excessivos (just in time). A tecnologia é muito
liga o robusto setor agropecuário brasileiro aos mercados.
empregada aqui – sistemas de gerenciamento de armazém
Os avanços em transporte (novas ferrovias, hidrovias, pa-
(WMS), controle de temperatura, rastreabilidade de lotes
vimentação de estradas), em armazenagem (maior capaci-
(importante se há recall ou problemas sanitários) e otimi-
dade e melhor gestão de estoque) e em distribuição (cone-
zação de rotas de entrega.
xão eficiente produtor-consumidor) serão determinantes
para que o Brasil continue crescendo no agronegócio de
c) Distribuição para indústrias e fábricas
forma competitiva. A redução de desperdícios, a diminui-
Outra parte da logística interna é levar matérias-pri- ção de custos logísticos e a manutenção da qualidade dos
mas agrícolas para as indústrias de processamento. Isso produtos até o destino final beneficiam toda a cadeia – do
pode ser visto como “abastecimento industrial” mais do produtor, que ganha mais por sua safra bem colocada, até
que distribuição ao varejo. Exemplo: caminhões-tanque o consumidor, que recebe alimento de qualidade a preço
distribuem leite cru das fazendas para os laticínios diaria- acessível.
mente (logística do leite); trens e caminhões levam cana-
de-açúcar cortada para usinas de açúcar e álcool no raio
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
Referências Bibliográficas resíduos e não constatou extrapolação da IDA nos alimen-
Taiz, L. & Zeiger, E. (2017). Fisiologia Vegetal (6ª ed.). Artmed, Porto Alegre. tos monitorados, indicando que, naquelas amostras, os re-
Kerbauy, G.B. (2008). Fisiologia Vegetal. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro.
Bernardo, S., Soares, A.A. & Mantovani, E.C. (2006). Manual de Irrigação (8ª ed.).
síduos estavam dentro de níveis considerados seguros.
Editora UFV, Viçosa. Entretanto, irregularidades como a presença de agrotóxico
Sousa, D.M.G. & Lobato, E. (eds.) (2004). Manejo da Fertilidade do Solo em Cerrado.
Embrapa Cerrados, Planaltina-DF. não autorizado para certa cultura ou acima do LMR foram
Embrapa Meio Ambiente (2007). Manejo Ecológico de Pragas: Uso de Controle Bio-
lógico. Documentos 58, Jaguariúna-SP.
encontradas em alguns casos, o que acende o alerta para a
Kimati, H. et al. (2005). Manual de Fitopatologia: Doenças das Plantas Cultivadas (4ª necessidade de melhores práticas agrícolas e controle do
ed., Vol. 2). Editora Ceres, São Paulo.
ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (2020). Per- uso desses produtos. Vale lembrar que, além do risco ao
fil da Pecuária no Brasil – Beef Report 2020. São Paulo.
Chitarra, M.I.F. & Chitarra, A.B. (2005). Pós-Colheita de Frutas e Hortaliças: Fisi-
consumidor final, o uso impróprio de agrotóxicos traz ris-
ologia e Manuseio (2ª ed.). UFLA, Lavras. cos ocupacionais graves aos trabalhadores rurais e conta-
Resende, O., Ullmann, R. & Júnior, V.R. (2012). Secagem e Armazenagem de Produ-
tos Agrícolas. Editora UFG, Goiânia. minação ambiental.
Confederação Nacional do Transporte (2015). Entraves Logísticos ao Escoamento de
Soja e Milho. CNT, Brasília.
13.3. CONTAMINANTES MICROBIOLÓGI-
COS EM ALIMENTOS
13. SEGURANÇA DO ALIMENTO: AGROTÓ-
XICO E MICROBIOLÓGICA. Outra dimensão crítica da segurança dos alimentos
são os contaminantes microbiológicos, ou seja, micro-or-
13.1. CONCEITO ganismos patogênicos (bactérias, vírus, parasitas) que po-
A segurança do alimento (do inglês food safety) re- dem estar presentes nos alimentos e causar doenças de ori-
fere-se ao conjunto de medidas para garantir que os ali- gem alimentar. Hortaliças e frutas frescas, muitas vezes
mentos disponibilizados sejam seguros para o consumo consumidas cruas, podem servir de veículo para patóge-
humano, sem oferecer riscos à saúde. Isso envolve o con- nos como Salmonella, Escherichia coli (principalmente
trole de agentes contaminantes de natureza química, física cepas tóxicas como E. coli O157:H7), Listeria monocyto-
ou biológica ao longo de todas as etapas, desde a produção genes, entre outros, se houver contaminação durante o
e manuseio até o consumo. Diferencia-se do termo “segu- cultivo, colheita, manipulação ou distribuição. Os riscos
rança alimentar” (food security), que se relaciona ao microbiológicos incluem desde intoxicações alimentares
acesso da população a alimentos em quantidade e quali- leves até quadros graves de infecções gastrointestinais,
dade suficientes. Já a segurança do alimento foca na qua- hepáticas ou neurológicas.
lidade higiênico-sanitária dos produtos alimentícios, asse- Por isso, existem padrões microbiológicos oficiais
gurando que não contenham contaminantes em níveis pre- que os alimentos devem atender. A Anvisa, por meio da
judiciais. RDC nº 331/2019 e da IN nº 60/2019, estabelece que ali-
mentos não podem conter micro-organismos patogênicos,
13.2. RISCOS DE AGROTÓXICOS NOS ALI- toxinas microbianas ou metabólitos em quantidades que
MENTOS possam causar danos à saúde. Em outras palavras, espera-
Os agrotóxicos (defensivos agrícolas ou pesticidas) se ausência de patógenos como Salmonella spp. em amos-
são amplamente utilizados na produção vegetal para con- tras de determinado peso, limites máximos para colifor-
trolar pragas e doenças, mas o uso inadequado pode deixar mes, Staphylococcus coagulase positiva etc., dependendo
resíduos químicos nos alimentos. A exposição humana a da categoria do alimento.
resíduos de agrotóxicos em pequenas doses, de forma crô- Para cumprir esses padrões, os setores produtivos de-
nica (ao longo da vida), tem potencial de causar efeitos vem realizar análises microbiológicas periódicas e asse-
adversos à saúde, incluindo distúrbios endócrinos, neuro- gurar que durante todo o processo (do campo à prateleira)
lógicos, danos hepáticos, riscos de câncer, entre outros. sejam seguidas as boas práticas de higiene e fabricação.
Embora haja limites máximos de resíduos (LMRs) No caso de produtos hortícolas frescos, as principais fon-
permitidos para cada pesticida em cada alimento, estabe- tes de contaminação microbiana incluem: água de irriga-
lecidos com base em estudos toxicológicos (parâmetros ção ou lavagem contaminada, adubação orgânica com es-
como Ingestão Diária Aceitável – IDA e Dose de Referên- terco não curtido (fonte de patógenos fecais), manipula-
cia Aguda – DRA), o uso excessivo ou irregular de agro- ção por pessoas infectadas ou sem higiene, superfícies e
tóxicos pode levar a resíduos acima do permitido ou ao utensílios contaminados, presença de animais domésticos
uso de substâncias proibidas. No Brasil, a legislação de ou pragas no campo, entre outras.
agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989, regulamentada pelo De- Os riscos microbiológicos podem ser mitigados com
creto nº 4.074/2002) estabelece que só podem ser utiliza- medidas como higienização adequada (lavagem dos vege-
dos produtos registrados nos órgãos competentes e avali- tais com água potável, sanitização com soluções cloradas
ados quanto à saúde (Anvisa), meio ambiente (Ibama) e quando apropriado), controle de temperatura (refrigeração
eficácia agronômica (Mapa). inibe a multiplicação de muitas bactérias) e evitando a
Os órgãos de fiscalização realizam monitoramentos contaminação cruzada (separando alimentos crus de cozi-
regulares: a Anvisa, por exemplo, conduz o Programa de dos, por exemplo).
Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos
(PARA), coletando amostras de alimentos em todo o país
para verificar conformidade com os LMRs. Nos resulta-
dos recentes do PARA (2017–2018), a Anvisa avaliou
tanto o risco agudo quanto o crônico da ingestão de
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13.4. LEGISLAÇÕES E NORMAS PERTINEN- com evidência de carcinogenicidade, mutageni-
TES (ANVISA, MAPA) cidade, distúrbios hormonais etc., conforme pre-
visto na Lei 7.802/89 (princípio da precaução).
A garantia da segurança dos alimentos é respaldada
por um arcabouço legal robusto no Brasil, envolvendo di- No âmbito microbiológico e higiênico-sanitário:
ferentes órgãos.
• Resolução RDC nº 331/2019 (Anvisa) – Esta-
No âmbito químico (agrotóxicos), destacam-se: belece os padrões microbiológicos de alimentos
e sua aplicação em toda a cadeia produtiva.
• Lei nº 7.802/1989 (Lei dos Agrotóxicos) e o
Substituiu a antiga RDC 12/2001. Define, por
Decreto nº 4.074/2002 – Dispõem sobre o uso
categoria de alimento, quais micro-organismos
de agrotóxicos, seu registro e controle. Determi-
devem ser ausentes (por exemplo, Salmonella
nam que um agrotóxico só pode ser comerciali-
em 25 g no caso de vegetais minimamente pro-
zado e utilizado se registrado nos órgãos federais
cessados), contagens máximas aceitáveis para
competentes, de acordo com diretrizes da saúde
indicadores de higiene (coliformes, por exem-
(Anvisa), meio ambiente (Ibama) e agricultura
plo) e patógenos, planos de amostragem etc.
(Mapa). Esses órgãos avaliam, respectivamente,
Também exige que os setores produtivos adotem
os riscos à saúde (toxicologia), ao ambiente e a
Boas Práticas de Fabricação (BPF) e procedi-
eficácia agronômica. A Anvisa classifica toxico-
mentos de autocontrole para garantir que os pa-
logicamente os produtos e define parâmetros de
drões sejam atendidos durante todo o prazo de
segurança como a IDA e DRFA; o Mapa estabe-
validade do alimento.
lece os LMRs para cada combinação produto
agroquímico/cultura e realiza a fiscalização do • Resoluções Anvisa de Boas Práticas – A RDC
uso nas lavouras; o Ibama avalia impactos ambi- nº 275/2002 e a RDC nº 216/2004, por exemplo,
entais. Há também resoluções específicas da An- tratam de regulamentos técnicos de BPF em in-
visa para contaminantes químicos em alimentos dústrias de alimentos e em serviços de alimenta-
(por exemplo, limites para metais pesados, aditi- ção, respectivamente. Embora mais voltadas a
vos e coadjuvantes de tecnologia, migrantes de alimentos processados e preparados, seus princí-
embalagens etc.), mas no caso de resíduos de pios se aplicam a packing houses de hortifrutíco-
pesticidas, os limites e monografias são publica- las: aspectos como higiene do pessoal, potabili-
dos pelo Mapa/Anvisa em conjunto. dade da água, controle de pragas, saneamento
das instalações e equipamentos, manejo ade-
• Programas de monitoramento: A Anvisa coor-
quado de resíduos – todos visam minimizar con-
dena o PARA, enquanto o Mapa conduz o
taminações.
PNCRC (Plano Nacional de Controle de Resí-
duos e Contaminantes) para produtos de origem • Normas do MAPA para produtos in natura –
animal e vegetal, especialmente voltado ao con- O Ministério da Agricultura estabelece padrões
trole em produtos exportados. Esses programas de identidade e qualidade para produtos vegetais
coletam amostras de alimentos no mercado in- in natura. Embora focados em classificação co-
terno e externo para verificar se os resíduos de mercial (como tamanho, defeitos etc.), alguns re-
agrotóxicos estão dentro dos limites legais. Os gulamentos também abordam sanidade. Por
resultados subsidiam ações regulatórias – por exemplo, instruções normativas de classificação
exemplo, já embasaram a proibição de ingredi- de frutas e hortaliças usualmente exigem que o
entes ativos particularmente tóxicos (caso do en- produto esteja “são, limpo e isento de matéria es-
dossulfam, banido em 2010 com suporte nos da- tranha visível” e livre de podridões ou pragas vi-
dos de monitoramento). vas, o que tem impacto na segurança (produto
limpo e sem infestação reduz riscos microbia-
• Legislação trabalhista e ambiental relacio-
nos). Adicionalmente, o Mapa e a Anvisa emiti-
nada: Normas do Ministério do Trabalho (NR-
ram em conjunto a Instrução Normativa Con-
31) e do Ibama regulam o manuseio seguro de
junta nº 02/2018, que tornou obrigatória a rastre-
agrotóxicos e a destinação de embalagens vazias
abilidade de frutas e hortaliças frescas – dessa
(Lei 12.305/2010 – Política Nacional de Resí-
forma, cada lote de produto deve ser identificá-
duos Sólidos – obriga devolução e destinação
vel, permitindo acionar recalls e investigar a ori-
correta de embalagens de agrotóxicos). Essas
gem em caso de detecção de perigo, como resí-
medidas indiretamente contribuem para a segu-
duos excessivos ou surtos de doenças.
rança do alimento, prevenindo contaminação do
meio ambiente e dos trabalhadores, o que faz • Código de Defesa do Consumidor (Lei
parte de uma abordagem ampla de inocuidade 8.078/1990) – Embora não seja específico de ali-
alimentar. mentos, prevê o direito do consumidor à prote-
ção da vida e saúde, responsabilização do forne-
• Normativas de registro e reavaliação: A An-
cedor por produtos impróprios ou inseguros,
visa estabelece atos normativos (Resoluções
obrigatoriedade de recall ao identificar risco etc.
RDC) definindo procedimentos para registro de
Isso embasa ações de vigilância sanitária quando
agrotóxicos do ponto de vista sanitário, inclu-
alimentos contaminados são vendidos.
indo critérios de não aprovação para substâncias
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comestíveis com óleos essenciais de ação antimicrobiana,
13.5. MÉTODOS DE CONTROLE E ANÁLISE por exemplo).
DE RESÍDUOS
A análise microbiológica periódica de amostras (por
Para assegurar a segurança do alimento, diversos mé- métodos de cultura ou rápidos, como kits de PCR) é outra
todos de controle são empregados na produção e pós-co- ferramenta: unidades processadoras de vegetais minima-
lheita. No caso dos agrotóxicos, a estratégia essencial é a mente processados testam lotes para Salmonella, E. coli e
adoção das Boas Práticas Agrícolas (BPA), que incluem o Listeria, garantindo que só produtos dentro do padrão se-
uso racional de defensivos – aplicar apenas produtos re- jam distribuídos. Quando um patógeno é detectado em ní-
gistrados para a cultura, nas doses recomendadas, respei- veis acima do permitido, procedimentos de recolha do
tando o intervalo de carência (tempo entre a última apli- produto do mercado (recall) devem ser acionados para
cação e a colheita) –, bem como alternativas de manejo de proteger o consumidor.
pragas (controle biológico, rotação de culturas, variedades
resistentes) para reduzir a dependência química. As BPA 13.6. BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS E MEDI-
também abrangem treinamento de aplicadores, calibração DAS DE SEGURANÇA
de equipamentos e respeito às instruções de rotulagem,
As Boas Práticas são um alicerce tanto para reduzir
evitando misturas ou aplicações acima do indicado. Tais
resíduos de agrotóxicos quanto para prevenir contamina-
práticas contribuem para minimizar os resíduos nos ali-
ções microbianas. No campo, além do manejo racional de
mentos e proteger o meio ambiente.
defensivos já citado, os agricultores devem atentar para a
Após a colheita, os produtos podem passar por aná- qualidade da água utilizada (idealmente água potável para
lises de resíduos em laboratórios especializados, usando irrigação de partes comestíveis que serão consumidas
técnicas como cromatografia, para verificar a conformi- cruas; se não, implementar tratamentos ou usar métodos
dade com os LMRs. Empresas exportadoras e redes vare- de irrigação que minimizem o contato com o produto,
jistas de grande porte costumam monitorar lotes de pro- como gotejamento no solo em vez de aspersão nas folhas).
dutos hortícolas em programas de qualidade, rejeitando ou
O treinamento dos trabalhadores rurais em higiene
redirecionando aqueles com resíduos acima do permitido.
pessoal (uso de instalações sanitárias, lavagem das mãos)
Órgãos oficiais, como mencionado, realizam fiscalização
e em procedimentos seguros de aplicação de agroquími-
periódica no mercado interno (PARA da Anvisa) e nos ca-
cos previne tanto a transmissão de doenças aos alimentos
nais de distribuição (Conformidade em Ceasas, inspeções
quanto a contaminação química acidental. Estruturas
do Mapa em propriedades). Se detectado um resíduo irre-
como galpões de seleção e embalagem devem ser manti-
gular (ex.: agrotóxico não autorizado ou acima do limite),
das limpas, protegidas de pragas (insetos, roedores) e
podem ser desencadeadas ações: multas e interdições ao
afastadas de fontes de contaminação (por exemplo, não
produtor, recall do alimento, além de investigações para
criar animais de produção próximo à horta sem barreiras).
identificar a causa (por exemplo, uso clandestino de pes-
ticida proibido). Na indústria e distribuição, protocolos de segurança
de alimentos como o HACCP (Hazard Analysis and Cri-
No âmbito microbiológico, os métodos de controle
tical Control Points, ou Análise de Perigos e Pontos Crí-
se concentram em prevenção da contaminação e elimina-
ticos de Controle) podem ser aplicados a cadeias de pro-
ção/redução de patógenos eventualmente presentes. Na
dutos frescos. Isso envolve mapear onde estão os riscos
produção agrícola, aplica-se o conceito de Boas Práticas
significativos (por exemplo, contaminação durante lava-
Agrícolas e de Higiene: uso de água de irrigação de fonte
gem; temperatura de armazenamento) e estabelecer con-
segura (ou tratamento da água), correta compostagem de
troles monitorados (dosagem de cloro na água de lava-
esterco antes de aplicação no solo, afastamento de animais
gem, manutenção da cadeia do frio etc.).
das áreas de cultivo, higiene dos colhedores (uso de EPI
limpos, lavar as mãos), limpeza de caixas e recipientes Auditorias e certificações vêm ganhando espaço: por
utilizados na colheita etc. exemplo, certificações de GlobalG.A.P. ou Brasil GAP
nas fazendas de hortifrúti avaliam as práticas agrícolas
Na etapa de beneficiamento e embalagem (packing
adotadas, incluindo rastreabilidade e uso de defensivos e
house), adota-se BPF com lavagem e sanitização dos ve-
higiene, garantindo ao comprador que aquele produtor se-
getais (com cloro ou outros sanitizantes aprovados)
gue padrões internacionais de segurança do alimento. Da
quando aplicável – por exemplo, folhas para salada costu-
mesma forma, no varejo, programas de controle de quali-
mam ser higienizadas em tanque clorado. Também é im-
dade verificam o cumprimento de boas práticas.
portante a refrigeração rápida dos produtos após colheita,
para manter temperaturas baixas que inibem o cresci- Sobre legislação específica para boas práticas, o
mento bacteriano. Alguns tratamentos pós-colheita aju- Mapa publicou a IN nº 2/2018 (citada antes) que, além de
dam no controle microbiano, como a irradiação de alimen- exigir a rastreabilidade, traz anexos com Guias de Boas
tos (em baixas doses para inativar patógenos em especia- Práticas Agrícolas para diferentes grupos de culturas, ori-
rias, frutas etc.), embora não seja comum em hortaliças entando produtores sobre manejo seguro de agrotóxicos e
frescas no Brasil, ou o uso de conservantes naturais e tec- higiene na produção. A Anvisa também publica manuais
nologias emergentes (atmosfera modificada com baixo O₂ orientativos para produtores sobre redução de contami-
e alto CO₂, que além de retardar maturação pode dificultar nantes, e em âmbito internacional o Codex Alimentarius
crescimento de aeróbios; aplicação de revestimentos disponibiliza códigos de práticas para saladas prontas,
melão cortado etc.
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Cabe mencionar que a implementação dessas práti- características, garantir rastreabilidade e atrair clientes
cas refletiu em melhorias: o PARA tem observado ao com boa aparência do produto). Para cumprir tudo isso,
longo dos anos incremento na conformidade dos alimen- uma embalagem adequada deve ser projetada com mate-
tos analisados, atribuído em parte à maior consciência e rial e formato apropriados: resistente o suficiente para
capacitação dos agricultores. proteger, porém leve e de custo viável, inócua (não trans-
ferir substâncias tóxicas ou odores ao alimento) e em con-
Por fim, a educação do consumidor também é rele-
formidade com padrões dimensionais e sanitários.
vante: práticas simples na cozinha, como lavar bem frutas
e verduras em água corrente e sanitizá-las (imersão em so-
14.2. PRINCIPAIS TIPOS DE EMBALAGENS
lução de hipoclorito por 15 minutos), remover as folhas
PARA HORTÍCOLAS – PRIMÁRIAS, SECUNDÁ-
externas de vegetais folhosos, cozinhar adequadamente
RIAS E TERCIÁRIAS
alimentos de risco e armazená-los refrigerados, são a úl-
tima barreira para evitar que um eventual contaminante No setor de hortifrutícolas, podemos classificar as
presente cause danos. embalagens em três níveis: primárias, secundárias e ter-
ciárias.
14. EMBALAGEM: FUNÇÕES, TIPOS, LEGIS- A embalagem primária é aquela que está em con-
LAÇÃO. tato direto com o produto, envolvendo-o individualmente
14.1. FUNÇÕES DAS EMBALAGENS NA CON- ou em pequena quantidade – por exemplo: um saquinho
SERVAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO plástico contendo 1 kg de cenouras, uma bandeja de poli-
estireno com filme PVC envolvendo tomates, uma rede
A embalagem agrícola – entendida como qualquer (saco de malha) contendo cebolas ou laranjas, ou ainda o
recipiente ou invólucro que acondiciona os produtos hor- próprio maço amarrado de hortaliças folhosas. Essa em-
tícolas – desempenha múltiplas funções essenciais. Se- balagem primária geralmente é também a unidade de
gundo a definição da Anvisa, a embalagem é o recipiente venda ao consumidor e tem grande importância em prote-
destinado a garantir a conservação, o transporte e o ger cada item e apresentar o produto de forma atraente e
manuseio dos alimentos. Ou seja, sua principal função é conveniente.
proteger o produto, mantendo sua qualidade e integri-
dade desde o ponto de origem até o consumidor final. Isso Já a embalagem secundária é um invólucro maior
implica atuar como barreira contra agentes de deterio- que agrupa várias embalagens primárias ou uma certa
ração: proteger contra contaminações externas (sujeira, quantidade de produto a granel, facilitando o transporte
microrganismos, pragas), contra danos físicos (impactos, em massa. São exemplos típicos: as caixas e engradados
compressão, vibração durante o transporte) e retardar al- usados no atacado – caixas de papelão ondulado contendo
terações químicas ou biológicas (oxidacão, perda de água, vários pacotes de morango; caixotes plásticos ou de ma-
amadurecimento exagerado). Uma boa embalagem favo- deira com 20 kg de pimentão colhido a granel; caixas tipo
rece a conservação pós-colheita, ajudando a prolongar a “K” padrão de certos mercados contendo diversas unida-
vida útil do alimento ao controlar fatores como umidade, des (melões, por exemplo). Essa embalagem secundária
luz e gases ao redor do produto. Por exemplo, embalagens não fica em contato direto com todos os produtos (às ve-
com ventilação permitem a remoção de calor do campo e zes há camadas internas, forrações ou as primárias dentro
a refrigeração rápida (evitando “queima” por calor e mul- dela) e sua função principal é consolidar a carga e proteger
tiplicação microbiana); já embalagens com filmes plásti- durante o transporte e manuseio logístico.
cos podem criar uma atmosfera modificada benéfica (re- Por fim, a embalagem terciária refere-se aos ele-
duzindo O₂ e aumentando CO₂, o que desacelera a respi- mentos de unitização de cargas para distribuição em larga
ração dos produtos e o crescimento de fungos). Além de escala, englobando geralmente a paletização e o acondi-
proteger e conservar, a embalagem facilita o manuseio e cionamento final para transporte: paletes (estrados) de
transporte, agrupando unidades para movimentação efi- madeira ou plástico onde se empilham as caixas secundá-
ciente. Embalar em caixas padronizadas, por exemplo, rias, envolvidos por filme stretch (filme plástico esticável)
torna possível empilhar e paletizar cargas de modo se- ou cintas para formar uma unidade estável, prontas para
guro, otimizando o espaço nos caminhões e armazéns. A serem carregadas em caminhões ou câmaras frias. A em-
embalagem também tem função de identificação e comu- balagem terciária garante que muitas unidades possam ser
nicação – rótulos trazem informações sobre o produto movimentadas de uma só vez com empilhadeiras, confere
(tipo, variedade, categoria de qualidade, peso, origem, estabilidade durante viagens e protege contra intempéries
produtor, datas), importantes tanto para a logística quanto e roubo durante o transporte.
para orientar o consumidor na escolha.
No percurso do campo ao mercado, um mesmo lote
As principais funções das embalagens de hortícolas de hortaliças pode estar envolto em uma embalagem pri-
são: contenção (conter o alimento em quantidade defi- mária (ex.: bandejas), inserido dentro de uma secundária
nida, evitando perdas de unidades), proteção (preservar (caixa), e diversos desses agrupados na forma terciária
qualidade contra danos mecânicos, químicos e biológi- (pallet envolto em filme).
cos), conservação (manter frescor e prolongar vida pós-
colheita por controle de fatores ambientais), facilitar o Além dessa classificação por níveis, podemos falar
transporte/distribuição (unificar unidades em volumes em tipos de embalagem por material e formato, muito
maiores, possibilitar empilhamento e movimentação me- relevantes em hortícolas:
canizada), e comunicação/marketing (informar
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
a) Caixas e caixotes rígidos: d) Embalagens especiais:
São os mais usados para transporte a granel ou com Incluem filmes termorretráteis (shrink films) utili-
unidades maiores. Podem ser de madeira, plástico ou pa- zados para envolver pallets (terciária) ou mesmo envolver
pelão. Os caixotes de madeira foram tradicionais no pas- individualmente alguns frutos para reduzir perda de água
sado (como as caixas de madeira ripada para tomates, pi- (ex.: pepinos tipo japonês muitas vezes são envelopados
mentões, etc.), oferecendo boa resistência mecânica e em filme plástico individual). Embalagens ativas (com
ventilação, porém apresentam farpas, podem abrigar con- absorvedores de etileno, sachets antimicrobianos) e em-
taminantes e são de peso maior; seu uso vem sendo subs- balagens inteligentes (com indicadores de tempo/tempe-
tituído. As caixas de plástico (polietileno de alta densi- ratura, etiquetas que mudam de cor ao detectar deteriora-
dade, polipropileno) são hoje muito comuns: são retorná- ção) são inovações que começam a chegar ao setor, pro-
veis, laváveis, empilháveis (muitas desenhadas para se en- longando ainda mais a conservação e garantindo segu-
caixar em paletes de 1,0 x 1,2 m), e bastante duráveis – rança, embora ainda tenham uso incipiente comercial-
embora exigindo investimento inicial e logística de re- mente.
torno. Caixas plásticas vazadas (“engradados”) são usadas
Vale ressaltar que as embalagens utilizadas em horti-
para quase todas as frutas e hortaliças nos principais en-
frutícolas estão se diversificando com a preocupação am-
trepostos, pois atendem às normas de facilitar a paletiza-
biental: buscam-se materiais biodegradáveis e soluções
ção e higienização【46†L109-L117】【46†L117-L125
sustentáveis. Por exemplo, produtores orgânicos e algu-
】. As caixas de papelão ondulado são outra categoria mas redes substituem bandejas de isopor por polpa de pa-
muito utilizada, especialmente para produtos destinados pel biodegradável; filmes plásticos estão sendo desenvol-
ao varejo e exportação. São descartáveis (recicláveis) e vidos a partir de fontes vegetais (como amido de mandi-
leves, podem ser impressas com identificação do pro- oca) e incorporados com óleos essenciais para atuar como
duto/marca, e seu formato é ajustado para a carga (ex.: conservantes naturais. Embora tecnologias assim ainda te-
caixa de papelão de 18kg para manga, com furos de ven- nham custo elevado, a tendência regulatória e de mercado
tilação e separadores internos). No entanto, caixas de pa- aponta para embalagens mais ecológicas nos próximos
pelão perdem resistência se molhadas e não suportam anos, reduzindo o uso de plásticos de uso único.
muitas reutilizações; ainda assim, para muitas cadeias
(flores, folhosas, exportação de frutas) são preferidas por 14.3. NORMAS E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
questões de praticidade e custo unitário. SOBRE EMBALAGENS (INMETRO, MAPA, AN-
VISA)
b) Sacos e bags flexíveis:
No Brasil, o tema embalagens de produtos hortíco-
Aqui entram os sacos de malha ou ráfia usados para las é regulamentado por uma Instrução Normativa Con-
produtos como batata, cebola, laranja (muitas vezes de junta que envolve três órgãos: o Ministério da Agricultura
20kg ou 25kg). São leves e baratos, mas oferecem menos (Mapa), a Anvisa e o Inmetro. Trata-se da INC nº 09, de
proteção contra impactos e não são estruturados para em- 12/11/2002 (SARC/ANVISA/INMETRO), que estabe-
pilhar (costuma-se acomodá-los sobre pallets com conten- lece requisitos para as embalagens de produtos hortícolas
ção lateral para não deformarem). Em outro segmento, sa- in natura destinados à comercialização. De acordo com
cos plásticos perfurados são usados para embalar algu- essa normativa, as embalagens devem atender, sem preju-
mas folhosas ou vegetais minimamente processados, cri- ízo de outras legislações específicas, aos seguintes crité-
ando uma atmosfera modificada passiva (as perfurações rios básicos:
controlam troca gasosa). Sacos de papel também podem
embalar alguns produtos (ex.: milho verde com palha às a) Dimensões padronizadas para paletização:
vezes é vendido em sacos de papel ventilados).
As dimensões externas das embalagens devem per-
c) Bandejas e potes (embalagens de consumo): mitir o empilhamento em paletes de 1,00 m x 1,20 m
(preferencialmente) Ou seja, o tamanho da caixa ou en-
Muitos hortifrutis de alto valor agregado ou delica- gradado deve ser submúltiplo dessas medidas, garantindo
dos são embalados já em unidades para varejo, como ban- encaixe otimizado no pallet padrão. Essa padronização fa-
dejas de isopor ou biorresina com filme plástico envol- cilita a logística e evita espaços vazios ou instabilidade
vendo (ex.: bandeja com 6 tomates maduros, bandeja de nas cargas paletizadas. (Ex.: caixas de 60 x 40 cm são co-
morangos de 300g). Clamshells (potes rígidos transpa- mumente adotadas, pois arranjam bem nesse pallet). Na
rentes, geralmente de PET, PP ou PLA) são muito usados prática, feiras e centrais de abastecimento passaram a in-
para frutas vermelhas, minimizando danos e permitindo centivar embalagens com medidas modulares, e a própria
visibilidade. Essas embalagens primárias agregam conve- Ceagesp definiu caixas “tipo K” seguindo essa lógica de
niência e higiene (consumidor percebe produto protegido paletização.
do excesso de manuseio). Embora aumentem o custo e a
quantidade de resíduos sólidos, há tendências a usar ma- b) Integridade e higiene:
teriais recicláveis e biodegradáveis nesses formatos
(como clamshell de PLA – ácido polilático de fonte reno- As embalagens devem ser mantidas íntegras, limpas
vável – compostável). e higienizadas. Embalagens danificadas (quebradas, com
farpas, sujas de terra ou contaminantes) não devem ser
usadas, para não causar danos ao produto ou
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
contaminação. No caso de embalagens retornáveis (reu- ergonômicos e evitar esmagamento do produto nas cama-
tilizáveis, como caixas plásticas), exige-se que sejam re- das inferiores.
sistentes ao manuseio e às operações de higienização, e
Todas essas regras visam modernizar e padronizar as
que não se tornem veículo de contaminação – em outras
embalagens de hortifrutícolas, pois antigamente havia
palavras, precisam suportar lavagens sucessivas sem sol-
grande heterogeneidade (caixas de tamanhos variáveis,
tar resíduos ou se deteriorar, e devem ser devidamente
acondicionamento precário levando a perdas e dificulda-
limpas entre usos para não transferir patógenos de um lote
des de comercialização). Com a INC 09/2002, criou-se
para outro. Já as embalagens descartáveis (caixas de pa-
um referencial único no país. As Ceasas, em conjunto com
pelão, sacarias) devem ser de materiais preferencialmente
a Abracen, vêm implementando essas diretrizes, estimu-
recicláveis ou facilmente elimináveis.
lando, por exemplo, o uso de caixas plásticas paletizáveis.
c) Boas Práticas e segurança dos alimentos: Estudos mostraram que adequar embalagens reduz perdas
e melhora a eficiência logística. Ressalte-se que embala-
As embalagens devem estar de acordo com as nor-
gens adequadas são estratégia fundamental na mitiga-
mas higiênico-sanitárias e as Boas Práticas de Fabri-
ção de perdas pós-colheita – segundo a Conab, o acon-
cação/Manipulação pertinentes. Isso significa utilizar
dicionamento correto diminui danos e dá agilidade no
materiais próprios para contato com alimentos (atóxicos,
abastecimento das centrais e do varejo.
aprovados pela Anvisa – por exemplo, plásticos grau ali-
mentício que sigam as resoluções sobre migração de mo- A Anvisa também contribui nesse tema ao regular os
nômeros), e atender requisitos de limpeza e armazenagem materiais de embalagem que entram em contato com
segura. Implicitamente, embalagens não devem causar alimentos. Existem resoluções específicas para cada tipo
risco químico ou biológico ao alimento. O Inmetro, nesse de material: por exemplo, Resolução RDC nº 91/2001 (e
contexto, atua na metrologia e qualidade: por exemplo, atualizações posteriores) para plástico, Resolução RDC nº
garantindo que as indicações quantitativas (peso líquido 88/2016 para celulose (papel e papelão em contato com
declarado) estejam corretas e que as embalagens atendam alimento), entre outras para metais, vidros, adesivos etc.
a padrões de capacidade/carga declarados pelo fabricante. Essas normas estabelecem listas positivas de componen-
tes permitidos e limites de migração de substâncias da em-
d) Rotulagem obrigatória:
balagem para o alimento, garantindo que a embalagem
Devem conter as informações obrigatórias de mar- não contamine quimicamente o conteúdo. No caso de hor-
cação ou rotulagem (quantitativas, qualitativas e outras tifruti in natura, o contato é geralmente breve e a tempe-
exigidas pelos órgãos oficiais) impressas de forma clara. ratura ambiente, então os riscos migratórios são menores
Informações quantitativas incluem o peso líquido ou nú- do que em embalagens de alimentos processados (que en-
mero de unidades contidas; qualitativas referem-se à clas- volvem aquecimento, longa vida de prateleira, etc.), mas
sificação do produto (categoria, classe, calibre, conforme ainda assim, materiais como PVC usado em filme têm
padrão oficial do Mapa); e outras podem ser origem restrições de uso para determinados alimentos com gor-
(nome do produtor, CNPJ, lote). Essas exigências se ali- dura, por exemplo. A Anvisa exige que os materiais de
nham à legislação de rotulagem do Mapa para produtos embalagem sejam aprovados quanto à sua composição.
vegetais e às normas de metrologia do Inmetro (que fisca- Entretanto, embalagens em geral são isentas de registro
liza se o peso indicado bate com o conteúdo real). Inclu- sanitário (RDC nº 27/2010), desde que atendam às nor-
sive, conforme a Lei da Classificação Vegetal mas vigentes – isso desburocratiza a fabricação, mas de-
(9.972/2000) e seu decreto, a classe de qualidade do pro- manda responsabilidade do produtor em seguir as especi-
duto deve constar na embalagem quando a classificação ficações.
for obrigatória. Assim, por exemplo, uma caixa de maçãs
O Inmetro atua fiscalizando a conformidade me-
deve vir marcada como “Maçã Fuji – Categoria Extra –
trológica e de qualidade das embalagens no comércio.
Classe 1 – 110 a 130 g”, conforme o padrão.
Um aspecto importante é a fiscalização de conteúdo no-
e) Identificação do fabricante da embalagem: minal: por exemplo, se uma embalagem declara 1 kg de
produto, o Inmetro verifica nos pontos de venda se, em
O fabricante ou fornecedor da embalagem deve estar
média, aquela embalagem entrega o peso correto (respei-
identificado na própria embalagem, no mínimo com ra-
tando tolerâncias). Além disso, o Inmetro, através de pro-
zão social, CNPJ e endereço. Essa rastreabilidade do fa-
gramas de avaliação, incentiva a normalização (existem
bricante é importante para controle de qualidade das em- normas ABNT para dimensionamento de embalagens para
balagens e responsabilidades (por exemplo, se uma emba- paletização, testes de resistência, etc.).
lagem defeituosa causar problema, sabe-se quem produ-
ziu). Adicionalmente, o fabricante deve informar as con- Em âmbito internacional, as embalagens de produtos
dições apropriadas de uso – carga máxima que suporta, vegetais devem ainda obedecer regulamentações de países
empilhamento máximo seguro, se é retornável ou descar- importadores (no caso de exportação) – por exemplo, a
tável. União Europeia exige que embalagens de madeira sejam
tratadas e certificadas (padrão fitossanitário ISPM 15)
f) Peso bruto limitado: para evitar disseminação de pragas florestais; também
Embora não explicitado no trecho citado, é prática (e existem acordos sobre rotulagem de origem (país, região)
consta em orientações Ceagesp) limitar o peso líquido nos produtos hortícolas.
máximo por embalagem, geralmente em torno de 20–25
kg, para facilitar o manuseio humano sem riscos
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15. PADRÕES DE QUALIDADE DOS PRODU- normalmente precisam estar devidamente classificados e
TOS HORTÍCOLAS FRESCOS. rotulados com sua categoria. Além da lei, compradores
privados (supermercados, exportadores) usualmente exi-
15.1. CONCEITO gem em contrato um padrão mínimo de qualidade, o que
Os padrões de qualidade para frutas, legumes e ver- força a adoção dos critérios de classificação.
duras frescas são critérios estabelecidos para avaliar as ca-
racterísticas dos produtos e categorizá-los de acordo com e) Promover a competição saudável e a melhoria
seu grau de excelência. Formalmente, a legislação define contínua na produção:
classificação como o ato de determinar as qualidades in- Com padrões bem definidos, produtores competem
trínsecas e extrínsecas de um produto vegetal com base em qualidade, investindo em tecnologias e manejos para
em padrões oficiais, sejam eles atributos físicos medidos atingir frutas e hortaliças mais uniformes e atrativas. Isso
ou descrições qualitativas pré-definidas. Em outras pala- eleva o nível médio dos produtos ofertados no mercado ao
vras, o Ministério da Agricultura (Mapa) estabelece, para longo do tempo.
cada produto hortícola padronizado, um conjunto de re-
quisitos de qualidade (tamanho, cor, maturação, defeitos No Brasil, o Mapa, via Coordenação-Geral de Qua-
permitidos, etc.), e a partir daí os lotes de produto podem lidade Vegetal (Dipov/SDA), é responsável por editar as
ser classificados em categorias (tipos ou classes) con- Normas de Classificação para produtos de origem vege-
forme atendam a esses requisitos. tal padronizados. Atualmente existem cerca de 60 produ-
tos (ou grupos de produtos) com padrão oficial de clas-
A existência de padrões de qualidade possui múlti- sificação disponível, abrangendo diversas frutas (maçã,
plos objetivos e benefícios: citros, mamão, banana, etc.), hortaliças (batata, tomate, al-
face, cenoura, cebola, entre outras), grãos, fibras, casta-
a) Facilitar a comercialização e padronização do nhas, etc. Essas normas técnicas (geralmente publicadas
mercado: como Instrução Normativa do Mapa) definem as catego-
Ao classificar, produtores e compradores têm uma rias de qualidade e seus critérios. Por exemplo, a IN nº
referência comum sobre o que está sendo negociado. Por 69/2018 traz o padrão de classificação para tomate: define
exemplo, “cenoura Classe A, Extra” terá significado uni- classes Extra, Comercial e Inferior com base no grau de
forme no mercado atacadista, evitando ambiguidades. defeitos e desenvolvimento, calibres (tamanhos) baseados
Isso melhora a transparência na transação e permite for- no diâmetro transversal, coloração de maturação (verde,
mação de preços justos de acordo com a qualidade. pintado, maduro, etc.), e tolerâncias percentuais de frutos
fora do padrão dentro de um lote. Da mesma forma, existe
b) Atender expectativas do consumidor e agregar norma para batata (classificando por tamanho e defeitos,
valor: e até diferenciando tubérculos lavados ou não), para ce-
noura (categorias “água branca”, “semilonga”, com parâ-
Produtos de melhor aparência e tamanho geralmente metros de comprimento e diâmetro, e graus de defeitos
alcançam preços mais altos. A classificação incentiva os permitidos), e assim por diante. Cada cultura tem suas pe-
agricultores a melhorarem seus processos para atingir ca- culiaridades consideradas.
tegorias superiores. Por outro lado, permite ao consumi-
dor escolher de acordo com sua preferência ou bolso (às 15.2. PRINCIPAIS CRITÉRIOS DE QUALI-
vezes um produto de segunda categoria pode ser aceitável DADE UTILIZADOS
para certos usos, a preço menor).
Embora cada produto hortícola tenha seu quadro es-
c) Auxiliar no controle pós-colheita e redução de pecífico de avaliação, há critérios recorrentes que fun-
perdas: damentam a classificação de qualidade:
Ao separar produtos defeituosos ou fora do padrão • Aspecto visual geral e sanidade: É talvez o cri-
logo após a colheita, o produtor impede que itens estraga- tério mais óbvio ao julgar frescor e qualidade.
dos comprometam saudáveis dentro da mesma embala- Avalia-se se o produto está limpo, com coloração
gem (por exemplo, uma fruta podre pode contaminar as característica, sem sinais de podridão, mofo ou
demais se não for apartada). Além disso, o produto mal danos severos. Produtos sãos, firmes e limpos
conformado pode ser destinado a outros canais (indústria são primordiais. Qualquer presença de doenças
de sucos, doação etc.), diminuindo desperdício. (fúngicas, bacterianas) ou de pragas (insetos
vivos, galerias de broca) desclassifica ou joga
d) Atender exigências legais e contratuais: para categoria inferior. A cor do fruto ou horta-
liça indica maturação e variedade – muitas nor-
Em muitos casos a classificação é obrigatória por mas especificam uma faixa de coloração ideal
lei quando o produto vai ao mercado consumidor. A Lei nº (ex.: banana Categorias 1ª e 2ª devem ter cor
9.972/2000 instituiu a classificação de produtos vegetais verde-médio uniforme se para amadurecimento,
e tornou compulsória essa classificação em três situações: enquanto muito verdes ou amareladas demais
I) quando destinados diretamente à alimentação humana podem ser rebaixadas).
(venda ao consumidor final), II) em operações de compra
e venda envolvendo o Poder Público, e III) na importação.
Assim, hortícolas comercializados no varejo interno
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
• Tamanho e Peso (Calibre): Grande parte das Parâmetros objetivos como índice de refração
hortaliças frescas é classificada por calibre. Me- (Brix de doçura) e acidez podem ser considera-
didas como diâmetro, comprimento ou peso mé- dos nas normas de algumas frutas para definir
dio por unidade servem para enquadrar em clas- maturação mínima aceitável. A textura ou fir-
ses. Por exemplo, laranjas de mesa têm calibres meza é avaliada: legumes como pepino, abobri-
expressos em mm de diâmetro; cenouras têm nha devem estar firmes (não murchos), sem
classes de comprimento (A, B, C); alface pode perda d’água; folhosas devem estar turgidas, não
ser classificada pelo diâmetro da cabeça ou peso. murchas. Qualquer sinal de flacidez indica pro-
Normalmente, produtos maiores e bem forma- duto velho ou mal armazenado.
dos são preferidos – categorias superiores exi-
• Sabores e odores anormais: Embora a classifi-
gem tamanho mínimo maior. Entretanto, tama-
cação de hortícolas frescos seja principalmente
nhos muito além do normal também podem ser
visual e dimensional (ao contrário de alimentos
indesejáveis (por prejudicar sabor ou apresenta-
processados onde análises sensoriais são aplica-
ção). Portanto, padroniza-se para oferecer lotes
das), espera-se implicitamente que o produto não
homogêneos. A uniformidade do tamanho den-
apresente sabor desagradável, amargor exces-
tro do lote também é considerada: uma caixa de
sivo (exceto quando inerente, como no jiló), nem
maçãs Extra deve ter frutos bastante parelhos em
cheiro estranho (por exemplo, repolho fermen-
calibre, ao passo que muita variabilidade faria
tado). Certos padrões estabelecem que produtos
perder a categoria.
não devem ter “odor ou sabor estranhos ao pro-
• Forma e Conformação: Espera-se que o pro- duto” – o que, na prática, exclui lotes contami-
duto tenha a forma típica da cultivar, sem defor- nados por químicos, ou com fermentação.
mações acentuadas. Por exemplo, cenouras
• Presença de materiais estranhos ou impure-
muito bifurcadas ou tortas vão para categorias
zas: Produtos devem estar limpos, isentos de
inferiores; pimentões Extra devem ter formato
terra excessiva, areia, pedrinhas, folhas secas,
quadrado bem desenvolvido, sem malformação.
insetos mortos, etc. As normas de classificação
Curvaturas, geminações, cascas estouradas,
geralmente mencionam que o produto deve vir
“pescoços” em frutos, são avaliados. Formatos
“isento de matérias terrosas ou sujidades visí-
anômalos geralmente não afetam o sabor, mas
veis”. Por exemplo, batatas e cenouras podem
reduzem o valor comercial por questões estéticas
vir com terra aderida, mas em Categoria superior
ou de manuseio/industrialização.
espera-se um nível mínimo (às vezes até se exi-
• Defeitos externos: São verificados defeitos de gem lavadas). Também não pode haver corpos
superfície como arranhões, cortes, manchas, estranhos perigosos (cacos, pedaços de ma-
queimaduras de sol, dano por granizo, áreas mal deira). Essa limpeza é importante até para peso
formadas, picadas de inseto cicatrizadas, machu- líquido real e para higiene.
cados por pressão, etc. As normas costumam lis-
• Temperatura e apresentação (no momento da
tar quais defeitos são tolerados e em que intensi-
classificação): Embora não seja exatamente um
dade para cada categoria. Por exemplo, a catego-
“atributo de qualidade intrínseca”, na comercia-
ria Extra geralmente exige ausência de defeitos
lização há padrões de apresentação. Produtos re-
notórios na casca; a Categoria I pode admitir pe-
frigerados devem ser mantidos frios durante a
quenos arranhões ou leve alteração de cor em até
exposição; alguns mercados têm exigências de
5-10% da superfície; Categoria II pode aceitar
que folhosas venham pré-resfriadas. Uma boa
defeitos mais evidentes, porém sem comprome-
apresentação inclui embalagem adequada e rotu-
ter mais que, digamos, 10-15% da peça. Defeitos
lagem correta (indicando a categoria de quali-
graves que afetem a polpa ou a comestibilidade
dade no rótulo, conforme requerido. Assim, um
(como rachaduras profundas, regiões podres) ex-
lote para ser considerado de qualidade deve estar
cluem o produto das classes comerciais, consi-
não apenas intrinsecamente bom, mas bem
derando-o fora de tipo.
acondicionado e identificado.
• Estado de maturação/Firmeza: Para frutas, o
Os critérios principais para hortícolas frescos en-
ponto de maturação é crítico. Muitas normas
globam: sanidade (ausência de podridões e pragas), in-
definem a faixa de maturação apropriada para
tegridade (sem danos severos), limpeza, tamanho e
colheita ou comercialização. Frutos climatérios
peso dentro de faixa comercial, forma típica e atrativa,
(que amadurecem após colheita, como manga,
coloração/maturação adequadas, e uniformidade do
mamão, abacate) muitas vezes são colhidos fir-
lote. Cada padrão oficial detalha limites numéricos e per-
mes e “de vez” (maturidade fisiológica porém
centuais. Por exemplo, a norma de classificação da maçã
não totalmente maduros). Se forem colhidos ver-
estabelece que na Categoria Extra não mais que 5% dos
des demais (imaturo) – o que acarreta baixo sa-
frutos podem estar fora das especificações de calibre ou
bor e qualidade – não devem ser categoria supe-
apresentar defeitos leves; já na Categoria II pode-se tole-
rior. Ao mesmo tempo, frutos passados (maduros
rar até 20% de frutos com defeitos leves/moderados. Es-
demais ou macios a ponto de perecer rapida-
sas tolerâncias visam refletir a variabilidade natural, mas
mente) também podem ser rebaixados.
mantendo um nível de homogeneidade.
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As Ceasas (Centrais de Abastecimento) por sua vez,
15.3. NORMAS TÉCNICAS BRASILEIRAS embora não legislativas, atuam na disseminação e exigên-
(MAPA, CEASAS) cia desses padrões. Muitas Ceasas só permitem a comer-
cialização de produtos padronizados e rotulados com a
A criação de padrões oficiais de qualidade no Bra-
classificação. Por exemplo, na Ceasa de Minas Gerais,
sil decorre da Lei nº 9.972/2000, regulamentada pelo De-
existem painéis eletrônicos e fiscais que verificam a qua-
creto nº 6.268/2007, que conferiu ao Mapa a atribuição
lidade dos lotes que entram, e orientam para que todos os
de classificar produtos vegetais para consumo. Com base
produtos estejam em conformidade com os padrões ofici-
nisso, o Mapa publicou diversas Instruções Normativas
ais, sob pena de serem retirados do mercado de lá. Isso
padronizando produtos. Cada IN traz um “padrão de
ajuda a uniformizar a oferta e proteger o comprador de
identidade e qualidade”: tipicamente, define categorias
receber mercadoria de baixa qualidade sem saber.
(Extra, Especial, Primeira, Segunda ou às vezes apenas
Classes 1, 2, 3 dependendo do produto), calibres ou clas- Exemplo de classificação na prática
ses de tamanho, e defeitos permitidos por categoria. Além
Os pêssegos são acondicionados de diferentes for-
disso, as normas definem a amostragem para fiscaliza-
mas conforme sua categoria de qualidade e calibre –
ção: quantos frutos examinar de um lote para atestar a
frutos de polpa amarela de maior qualidade vão em caixas
classificação.
de papelão com bandejas individuais (maior proteção e
valorização), já frutos menores ou de qualidade inferior
15.3.1. Exemplos de Normas de Hortícolas:
são embalados a granel em caixas simples. Esse procedi-
• Maçã: IN nº 11/1999 (atualizada pela IN nº mento ilustra a separação por padrão de qualidade: a apre-
21/2018) – Categorias Extra, I e II definidas por sentação e embalagem refletem a categoria do produto.
coloração (percentual de superfície vermelha, no
caso de variedades vermelhas), defeitos de escal- 15.3.2. Sistemas de Classificação e Categorização
dadura, podridões (não pode haver nenhuma em
Os sistemas de classificação adotados no Brasil para
Extra e I), rachaduras, russeting na casca etc.,
hortícolas frescos usualmente definem duas a quatro ca-
além de tamanhos em mm. Exige mínimo de só-
tegorias comerciais. Uma nomenclatura comum é: “Ex-
lidos solúveis (°Brix) e firmeza para colheita.
tra”, “Categoria/Classe I (1ª)”, “Categoria/Classe II
• Batata: IN nº 27/2021 – Classifica em grupos de (2ª)”, e eventualmente “Fora de Classificação” (produto
cultivares (pele lisa vs. roxa, etc.), classes de ta- que não atende aos requisitos mínimos das anteriores,
manho (I, II, III por diâmetro), e categorias de muitas vezes nem deveria ser comercializado para con-
qualidade (Extra, Comercial, Inferior) conforme sumo in natura). Algumas normas usam “Especial” em
porcentagem de tubérculos com defeitos como vez de Extra, ou denominam “Grupo” e “Subgrupo”
verdeamento, cortes, brotação, podridão. Por para distinguir características. Mas a lógica é semelhante:
exemplo, Extra não admite tubérculos grelando
• Categoria extra ou especial: Produto de quali-
ou com queimadura, e todos devem ter diâmetro
dade superior, praticamente isento de defeitos,
> 45 mm.
de alta uniformidade, tamanho privilegiado. Re-
• Cebola: IN nº 30/2019 – Define categorias “Es- presenta a melhor apresentação – por exemplo,
pecial” e “Comercial” e classes de diâmetro (pe- frutas de exportação geralmente se enquadram
quena, média, grande, gigante). Na Especial, aqui. Volumes nessa categoria tendem a ser me-
bulbos com diâmetro ≥ 50 mm e praticamente nores e preços maiores.
sem defeitos; na Comercial admite-se alguma
• Categoria I (Primeira): Alta qualidade, mas
deformação ou casca manchada leve.
permitindo leves defeitos ou variações. Em geral
• Folhosas (alface, repolho etc.): Algumas é o padrão “comercial” ótimo para mercado in-
Ceasas adotam padrões próprios para folhosas, terno. O produto ainda é atraente, com pequenos
mas nacionalmente não há uma IN específica defeitos superficiais tolerados que não afetam
para todas. Porém, cultivos como repolho e al- significativamente a aparência ou o sabor. A
face geralmente seguem critérios de peso mí- maioria dos frutos e hortaliças nas gôndolas de
nimo por cabeça, diâmetro mínimo, isenção de supermercados se enquadra aqui.
pragas, folhas firmes sem murcha excessiva.
• Categoria II (Segunda): Qualidade mediana,
Ceasas e Conab podem publicar normas inter-
aceitando defeitos moderados ou tamanho fora
nas ou recomendações (por ex., o Programa
do ideal, porém ainda perfeitamente apto ao con-
Brasileiro para a Modernização da Horticul-
sumo. Pode incluir frutos com formato irregular,
tura elaborou manuais de classificação usados
coloração não tão uniforme, ou com cicatrizes
nas Ceasas nos anos 1990/2000, que serviram de
mais visíveis, mas ainda íntegros e seguros. São
base para as normas oficiais posteriores).
produtos muitas vezes destinados a feiras livres,
ou a consumidores menos exigentes com esté-
tica. Cumpre destacar que o sabor muitas vezes
permanece bom; a distinção é mais cosmética.
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• Inferior/Fora de tipo: São produtos com defei- Os sistemas de categorização no Brasil fornecem
tos graves, muito fora do padrão, ou que não uma linguagem comum de qualidade entre produtores,
atingem critérios mínimos (imaturos, excesso de comerciantes e consumidores. Eles se materializam na
podridões, dano extenso). Esses não devem ser forma de rótulos com categoria e calibre, certificados
ofertados para consumo in natura. Podem ser de classificação quando requeridos, e procedimentos de
aproveitados na indústria (polpas, sucos, proces- fiscalização para garantir veracidade. É importante desta-
samento) ou descartados. A legislação não per- car que a qualidade não se resume aos aspectos visuais
mite misturar produto fora de tipo junto com Ca- classificados – envolve também a segurança (como vi-
tegoria I ou II, por exemplo; eles devem ser se- mos, ausência de contaminantes) e qualidades organolép-
gregados. ticas –, mas a classificação foca no que é mensurável ou
visível. Ainda assim, ela promove uma elevação geral
Cada categoria vem acompanhada normalmente de dos padrões e integra a estratégia de cadeia de abasteci-
um rótulo indicando a classificação. Conforme citado, a mento: as Ceasas relatam que a implementação de progra-
legislação exige que nas embalagens conste a classifica- mas de classificação reduziu disputas comerciais e am-
ção do produto. Assim, sacarias de batata carregam eti- pliou a confiança, pois “fala-se a mesma língua” sobre o
quetas do tipo “Batata - Categoria Comercial - Classe que está sendo vendido. Por exemplo, um comprador do
55/60 mm”, caixas de maçã vêm impressas “Maçã Fuji – Nordeste pode encomendar “Batata categoria superior,
Cat. Extra – Calibre 100/110”, etc. Essa rotulagem padro- classe graúda” de um produtor do Sul, confiando no sig-
nizada, fiscalizada pelo Mapa nas propriedades e nas nificado técnico disso e esperando receber mercadoria
Ceasas, dá confiança ao comprador de que o lote foi clas- conforme anunciado.
sificado por um agente credenciado (classificadores
treinados e habilitados pelo Mapa). A manutenção de padrões de qualidade também
agrega valor ao produto nacional frente a competidores
O Brasil conta com classificadores oficiais habilita- estrangeiros e contribui para satisfação do consumidor,
dos que podem ser servidores do Mapa ou profissionais que percebe consistência na qualidade dos hortifruti ad-
autônomos credenciados para emitir certificados de clas- quiridos. Por isso, tem sido cada vez mais enfatizado pelo
sificação quando necessário (por exemplo, para vendas Mapa e pelas Ceasas que os produtores se capacitem em
governamentais ou para exportação, costuma-se exigir classificação (existem cursos de formação de classifica-
certificado de classificação do lote emitido por classifica- dores) e que os padrões sejam rigorosamente seguidos,
dor habilitado). Em mercados atacadistas, a classificação garantindo um mercado de hortícolas frescos mais efici-
muitas vezes é declarada pelo próprio produtor/embalador ente, justo e de qualidade elevada.
sob responsabilidade, e os agentes de inspeção verificam
por amostragem.
As Ceasas participam disseminando informações so- 16. ABASTECIMENTO E COMERCIALIZA-
bre padrões, muitas vezes publicando cartilhas ilustra- ÇÃO PELAS CENTRAIS DE ABASTECIMENTO.
das de classificação para orientar produtores e comerci-
antes. Algumas centrais, como a Ceasa do Rio Doce (Gov. As Centrais de Abastecimento (Ceasas) são gran-
Valadares/MG) e a Ceagesp/SP, implementaram o Pro- des entrepostos atacadistas destinados à concentração,
grama HORTIESCOLHA, que é uma padronização das distribuição e comercialização de produtos agroalimenta-
principais hortaliças e frutas com fotografias de referência res, especialmente hortifrutigranjeiros (frutas, hortaliças,
de cada categoria, facilitando a adesão dos agricultores legumes, ovos, flores, etc.), para abastecer as cidades.
aos padrões. Essas iniciativas complementam as normas Surgiram no Brasil na década de 1960 como uma inicia-
oficiais e as tornam mais acessíveis. tiva do governo federal para organizar e modernizar o es-
coamento da produção agrícola perecível, que até então
Além das categorias de qualidade, os sistemas de ocorria de forma desestruturada em mercados municipais
classificação também lidam com calibragem (tama- e ruas. Nos anos 1970, em parceria com governos estadu-
nhos). Muitas vezes, no rótulo final, vai indicada a cate- ais e apoio de órgãos internacionais (como a FAO), foram
goria + calibre. Por exemplo: “Cenoura 1ª – Comprida implantadas Ceasas nas principais capitais do país. Inici-
A”. Assim, o comprador sabe tanto a qualidade global almente integravam o Sistema Nacional de Centrais (Si-
quanto o tamanho predominante. Essa calibragem é im- nac) sob coordenação da Cobal (Companhia Brasileira de
portante para determinados clientes (industriais precisam Alimentos); após a década de 1980, esse sistema foi des-
de tamanhos uniformes para processamento, consumido- centralizado e as centrais passaram a ser administradas pe-
res podem preferir frutos maiores ou menores dependendo los estados ou municípios, muitas transformando-se em
do uso). empresas de economia mista ou públicas estaduais. Hoje,
No contexto internacional, o Brasil se alinha a pa- existem dezenas de Ceasas pelo Brasil, ligadas pela Abra-
drões similares aos da CEPE/ONU e Codex Alimenta- cen (Associação Brasileira das Centrais de Abasteci-
rius para frutas e hortaliças, o que facilita exportações. mento) que atua como fórum de cooperação.
Por exemplo, categorias Extra, I, II das nossas normas são A importância das Ceasas é estratégica: elas funci-
análogas às Classes I, II, III europeias, permitindo que onam como nós centrais na rede de abastecimento ali-
produtos nacionais atendam mercados externos sem difi- mentar, articulando o fluxo dos produtos do campo (prin-
culdade de entendimento. cipalmente de pequenos e médios produtores ou atacadis-
tas distribuidores) até o varejo urbano (feirantes, sacolões,
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supermercados, restaurantes). Ao centralizar em um só lu- • Áreas de apoio: incluem câmaras frigoríficas
gar muitos vendedores e compradores, a Ceasa dinamiza para armazenagem temporária (caso algum per-
a comercialização, reduz custos logísticos e garante missionário precise estocar sob refrigeração),
oferta regular de alimentos nas cidades – o que impacta unidades de processamento mínimo (algumas
diretamente a segurança alimentar da população. Sem as Ceasas têm, por exemplo, serviços de higieniza-
Ceasas, produtores teriam dificuldade de acessar numero- ção e corte), centrais de resíduos (para tratar res-
sos comerciantes individualmente, e comerciantes teriam tos de alimentos descartados), escritórios de des-
que percorrer várias propriedades para suprir suas lojas, pachantes, agências bancárias, restaurantes e
encarecendo os alimentos e criando ineficiências. Assim, serviços úteis aos comerciantes e caminhonei-
as Ceasas cumprem a missão de “receber, consolidar, ros.
classificar, selecionar, armazenar e comercializar alimen-
tos perecíveis”, atuando como verdadeiros mercados ata- O funcionamento é dinâmico e diurno/noturno. Em
cadistas centralizados. muitas Ceasas, a comercialização de hortifrúti começa de
madrugada (2h, 3h da manhã) e atinge pico ao amanhecer,
quando os compradores atacadistas e varejistas percor-
rem as bancas para adquirir produtos frescos do dia. Os
16.1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE
compradores podem ser feirantes, donos de sacolões,
UMA CEASA
mercados, restaurantes, hotéis, cozinhas industriais, e até
As Ceasas são geralmente estruturas de grande porte, consumidores finais madrugadores (embora, oficial-
pavilhões e galpões localizados em regiões metropolita- mente, a Ceasa seja atacadista, qualquer pessoa tem
nas. Elas providenciam a infraestrutura (boxes, bancas, acesso para comprar desde que respeite as quantidades
armazéns, câmaras frias, estacionamento de caminhões, mínimas negociadas). Geralmente as vendas ocorrem em
equipamentos de movimentação) e serviços de apoio (se- quantidades maiores ou embalagens fechadas – não é
gurança, limpeza, informações de mercado) para que a permitido comprar “um quilo” apenas; o comprador leva
compra e venda ocorram, mas não compram nem ven- a caixa, o fardo ou saco inteiro. Isso garante característica
dem produtos por conta própria. Ou seja, a Ceasa é ges- de atacado.
tora do espaço e reguladora do mercado, mas as transa-
A Ceasa organiza a logística de entrada e saída de
ções ocorrem entre terceiros: produtores, atacadistas, dis-
caminhões, possui docas de descarga. Produtores chegam
tribuidores e compradores diversos.
com seus caminhões e descarregam nos boxes dos comer-
Dentro da Ceasa, há tipicamente: ciantes ou nas áreas de produtores. Após as vendas, os
produtos saem em veículos menores dos compradores
• Boxes ou lojas: espaços fixos alugados para co-
para os destinos finais.
merciantes atacadistas (também chamados de
permissionários). Esses comerciantes podem ser A gestão da Ceasa inclui manter a ordem e quali-
empresas que compram produtos de agricultores dade: usualmente há fiscais que inspecionam a qualidade
para revender, cooperativas de produtores, ou dos produtos (rejeitando produtos podres ou fora do pa-
produtores individuais de maior porte que garan- drão, a fim de manter o mercado com nível aceitável).
tem oferta contínua. Cada box expõe diversos Também controlam balanças (para evitar fraudes de peso),
produtos e marca preços diariamente. Os permis- limpam resíduos das transações (muitas caixas, paletes
sionários pagam taxas à Ceasa (muitas vezes há quebrados, folhas descartadas, se acumulam e precisam
uma comissão padrão de corretagem, historica- ser removidos). Segurança e vigilância são providas, dado
mente, aproximadamente17% sobre vendas, em- o manuseio de dinheiro e movimentação noturna.
butida nos preços).
Importante destacar que a Ceasa não define os pre-
• Pavilhão do produtor: muitas Ceasas têm áreas ços diretamente, mas cria um ambiente de concorrência
específicas destinadas aos produtores rurais e transparência para que vendedores e compradores nego-
que queiram vender diretamente (sem intermedi- ciem livremente. Em alguns produtos de grande volume,
ários). Nesses pavilhões, pequenos e médios ocorrem até leilões ou pregões (por exemplo, em certas
agricultores trazem seus caminhões carregados e Ceasas há leilão eletrônico de hortaliças, ou pregão pú-
comercializam em bancas temporárias ou áreas blico de flores).
designadas. Geralmente funcionam nas madru-
gadas e manhãs. Essa iniciativa apoia o pequeno 16.2. FORMAS DE COMERCIALIZAÇÃO:
produtor, dando-lhe acesso ao mercado urbano, ATACADO, VAREJO E OUTROS
e reduz intermediação. O “Barracão do Produ- A vocação da Ceasa é mercado atacadista. Entre-
tor”, citado em algumas centrais, é exatamente tanto, há diferenças:
esse espaço para auxiliar pequenos produtores a
agregarem valor e terem local certo de venda. • Atacado tradicional (de produtor para lo-
jista/varejista): É o núcleo – agricultores ven-
• Mercado livre do produtor (MLP): é outro dendo para comerciantes intermediários ou dire-
nome dado em algumas Ceasas ao setor de pro- tamente a varejistas. Exemplo: um produtor de
dutores. Ali as regras podem ser diferenciadas melancia do interior monta sua banca e feiran-
(por exemplo, produtores pagam menos taxa que tes/comerciantes de várias cidades compram por
atacadistas fixos, para incentivá-los). lote.
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• Atacadista-distribuidor para varejista: Mui- 16.3. PAPEL DAS CEASAS NA REGULAÇÃO
tos permissionários (boxes fixos) atuam como DE PREÇOS
distribuidores, ou seja, compram grandes lotes
Devido ao volume e diversidade de participantes, as
de diversos produtores (às vezes até importam de
Ceasas atuam como uma espécie de “bolsa de valores”
outros estados/países) e revendem fracionado a
dos alimentos. Ali se descobre diariamente o preço de
mercados e feirantes menores. Eles agregam o
equilíbrio entre oferta e demanda para cada produto. Essa
serviço de selecionar, padronizar, e garantir
descoberta de preços em mercado aberto traz estabilidade
oferta contínua. Assim, um supermercado pode
relativa e referenciais importantes: a existência de muitos
ter contrato com um atacadista do Ceasa para lhe
vendedores concorrendo impede que um ou poucos agen-
fornecer diariamente certas quantidades de vari-
tes consigam impor preços abusivos; e a presença de mui-
ados produtos.
tos compradores garante escoamento mesmo em grandes
• Varejo no atacado: Algumas Ceasas permitem ofertas. Assim, as Ceasas contribuem para preços mais
o acesso de consumidores finais (pessoas físicas) justos e estáveis ao longo do ano. Por exemplo, se uma
em determinados horários ou dias, para compras determinada semana a produção de tomate foi abundante
no varejo, às vezes chamado de “Varejão da nacionalmente, nas Ceasas o preço despenca; isso rapida-
Ceasa”. Nessas ocasiões, a Ceasa atua como mente se difunde e beneficia o consumidor com tomate
feira para o público. Por exemplo, a CEAGESP barato naquela época. Inversamente, se há escassez (ge-
em São Paulo realiza feiras de varejo abertas em ada destruiu plantios de alface), o preço sobe muito na
certos dias da semana. Em outras Ceasas, ao tér- Ceasa, freando um pouco a demanda e incentivando pro-
mino do horário atacadista (final da manhã), o dutores de outras regiões a enviar mercadoria, até que o
excedente pode ser vendido a preços baixos di- equilíbrio retorne.
retamente à população, evitando desperdício. No
geral, porém, a compra em pequenas quantida- As Ceasas também influenciam a política de preços
des não é o foco durante o horário comercial mínimos e controle de inflação. Dados coletados nelas
principal. são usados por órgãos como Conab, IBGE e instituições
• Mercados especiais: Dentro de algumas Ceasas de pesquisa (Cepea, etc.) para acompanhamento de índice
há setores especializados como mercado de flo- de preços de hortifrutícolas. Em cenários de inflação alta
res e plantas ornamentais, peixaria/mercado dos alimentos, atuar para melhorar a eficiência das Ceasas
de pescado, que podem ter dinâmica um pouco (reduzir perdas, intermediar estoques de segurança) é uma
distinta (como leilões de flores de madrugada, estratégia de governo, pois centrais bem abastecidas sig-
etc.), mas também funcionam em atacado para nificam menores oscilações. O próprio combate ao des-
floriculturas, decoradores e etc. perdício é visto como ferramenta de controle de inflação:
• Programas sociais e compras governamen- reduzir perdas de 30% para 15% equivale a aumentar a
tais: As Ceasas muitas vezes apoiam programas oferta, o que tende a baixar preços. O presidente da Abra-
como o PAA (Programa de Aquisição de Ali- cen destacou que ações contra desperdício (como aprovei-
mentos) e PNAE (alimentação escolar), servindo tamento de excedentes e melhorias logísticas) ajudam a
de ponto de encontro entre agricultores familia- controlar a alta de preços, pois maior oferta leva a preços
res e governo. Há casos de bancos de alimentos mais justos, e as Ceasas são fundamentais nesse processo
nas Ceasas, onde produtos doados ou não comer- ao regularizar os preços praticados.
cializados são selecionados e distribuídos a ins- Para auxiliar na negociação diária, as Ceasas pos-
tituições sociais. Isso aproveita excedentes e suem pesquisadores de preços percorrendo as bancas e
atende populações carentes, contribuindo para anotando cotações efetivas. Esses preços são divulgados
redução de desperdício. nos sites e murais, dando transparência a todos os partici-
• Integração com outros canais: As Ceasas estão pantes. Telões eletrônicos em alguns entrepostos mostram
incorporando tecnologia; já existem plataformas em tempo real os preços médios do dia por produto, ori-
on-line de negociação. Porém, o modelo presen- entando negociações e evitando distorções. Tudo isso cria
cial ainda predomina, pela natureza perecível e confiança no processo de formação de preços.
necessidade de inspeção visual do produto.
Adicionalmente, como as Ceasas concentram muita
A comercialização na Ceasa impacta diretamente oferta, elas funcionam como amortecedores de choque
a formação de preços no mercado hortícola. Os preços de oferta. Num problema localizado (ex: uma região teve
praticados ali se tornam referência. Muitas Ceasas publi- quebra de safra), outros produtores de outras regiões en-
cam diariamente boletins de cotações, indicando preço viam mais para a Ceasa central, suprindo a falta e segu-
mínimo, comum (médio) e máximo obtido para cada rando a alta de preço que seria muito mais severa se não
produto naquele dia. Essa transparência favorece um am- houvesse essa confluência. Nesse sentido, as Ceasas re-
biente de competição saudável e evita grandes assimetrias duzem a variabilidade de preços entre diferentes locais
de informação. Quando há alta oferta, os preços caem; e épocas, beneficiando tanto produtores (que encontram
quando alguma safra quebra ou a oferta é baixa, os preços sempre algum comprador disposto) quanto consumidores
sobem – e isso se reflete nas Centrais e rapidamente é (que não enfrentam desabastecimento completo).
transmitido ao consumidor final, pois a maioria do abas-
tecimento passa por elas.
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16.4. RELAÇÃO DAS CEASAS COM O PE- As Ceasas têm investido também em tecnologia de
QUENO PRODUTOR informação para aproximar produtores e compradores –
plataformas online como o CEASA Virtual permitem que
Um dos papéis sociais mais importantes das Centrais
produtores ofertem seus lotes e compradores reservem
de Abastecimento é integrar o pequeno produtor rural
compras, otimizando o encontro. Contudo, no modelo
ao mercado consumidor urbano. Antes das Ceasas, pe-
clássico, o contato presencial ainda prevalece, e muitos
quenos agricultores eram reféns de atravessadores infor-
relacionamentos de confiança se constroem nesse ambi-
mais ou limitavam-se a vender localmente, muitas vezes
ente (feirantes fidelizam fornecedores específicos, e vice-
com grande dificuldade de escoar excedentes. Com as
versa).
centrais, mesmo o agricultor familiar tem a chance de
acessar dezenas de compradores em potencial num só dia,
16.5. IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E REGU-
aumentando sua renda e reduzindo perdas. Programas
LADORA DAS CEASAS
como o “pavilhão do produtor” ou “mercado do produtor”
dentro das Ceasas isentam ou aliviam tarifas para esses As Ceasas movimentam cifras bilionárias anual-
agricultores, tornando viável financeiramente participar. mente e geram milhares de empregos diretos e indiretos
(desde carregadores, comerciários, caminhoneiros, até
Além disso, Ceasas e órgãos parceiros oferecem as-
fornecedores de insumos, serviços de embalagem, etc.).
sistência técnica e capacitação a produtores, ensinando
Elas são polos que impulsionam economias regionais e
técnicas de classificação, embalagem e até ajudando na
integram diferentes regiões produtoras do país – por
organização em cooperativas para que atinjam escala e re-
exemplo, numa Ceasa de São Paulo encontram-se produ-
gularidade de fornecimento. Por exemplo, a CeasaMinas
tos vindos de MG, BA, GO, importados de outros países,
em Contagem possui um centro de treinamento onde pro-
o que demonstra seu papel integrador nacional e até inter-
dutores aprendem sobre pós-colheita e redução de perdas.
nacional.
A Abracen e a Conab, juntas, implementaram projetos de
melhoria da logística da agricultura familiar, como o Entretanto, enfrentam problemas de infraestrutura
já citado Barracão do Produtor em alguns estados, onde (pavilhões antigos, saturação de espaço, trânsito pesado),
pequenos agricultores podem até fazer uma pré-seleção e e desafios de modernização para acompanhar as novas
embalagem de seus produtos em instalações próximas ao exigências. Tem-se discutido a necessidade de moderni-
mercado, agregando valor. zar as Centrais com investimentos em logística (mais câ-
maras frias, plataformas eletrônicas de comércio, melhor
As Ceasas também muitas vezes priorizam esses pro-
gestão de resíduos e sustentabilidade). Outro desafio é re-
dutores no acesso a programas governamentais: por
duzir perdas e desperdícios dentro da Ceasa – tonela-
exemplo, facilitam que cooperativas vendam para o Pro-
das de alimentos podem sobrar ou estragar por falta de
grama de Alimentação Escolar municipal dentro da cen-
venda ou manuseio inadequado. Muitas centrais estão im-
tral, servindo de ponto de encontro com representantes das
plementando programas de aproveitamento de excedentes
escolas. A centralização oferece inclusive poder de barga-
(doação para bancos de alimentos, como a “Sopa Amiga”
nha ao produtor: vários pequenos juntos podem negociar
em Recife que utiliza produtos não vendidos para fazer
melhores condições de frete, por exemplo, para trazer seus
sopas populares) e buscando soluções para acondiciona-
produtos à central.
mento melhor dos produtos durante a comercialização
É fato que nas últimas décadas houve alguma redu- (uso de nebulizadores para folhosas, paletes em vez de
ção relativa da participação das Ceasas no total de horti- deixar sacos no chão, etc.).
fruti comercializado, devido ao crescimento de canais al-
No âmbito ambiental e urbano, Ceasas precisam li-
ternativos (como vendas diretas a supermercados via
dar com resíduos orgânicos (cascas, frutas estragadas) de
centrais de distribuição privadas, contratos de forneci-
forma sustentável – compostagem e biodigestão são cami-
mento, delivery etc.). Contudo, as Ceasas ainda respon-
nhos, mas poucas centrais têm essas práticas instituídas e,
dem por grande parte (estima-se cerca de 40% a 50%) do
como apontado em análises comparativas, as Ceasas bra-
volume de frutas e hortaliças que chegam ao consumidor
sileiras ainda carecem de políticas robustas de gestão am-
brasileiro. E, para muitos pequenos e médios produtores,
biental e aproveitamento de resíduos, diferentemente de
especialmente de regiões tradicionais de cinturão verde, a
centrais em países desenvolvidos. Esse é um ponto de me-
Ceasa continua sendo o principal ou único mercado viá-
lhoria para torná-las mais sustentáveis e alinhadas às
vel.
agendas modernas (ESG no setor de HF, etc. citados em
É importante notar que desafios persistem: o pe- artigos recentes).
queno produtor às vezes enfrenta forte competição de
Em termos de planejamento de abastecimento, as
grandes atacadistas na Ceasa, e pode ter dificuldade em
Ceasas trabalham junto com a Conab para identificar gar-
obter preço justo se chegar em horário desfavorável ou
galos e articular políticas públicas. Por exemplo, se deter-
com produto de qualidade inferior. As Ceasas tentam
minado produto está com oferta muito concentrada, po-
equilibrar isso impondo, por exemplo, horários específi-
dem incentivar diversificação regional para evitar depen-
cos para entrada de produtores, garantindo a exposição de-
dência excessiva de uma área (o que em caso de desastre
les em igual condição. Além disso, cooperativismo entre
climático causaria falta nacional).
pequenos produtores é incentivado para que se comple-
mentem (um traz folhosas, outro raízes, etc., vendendo
juntos e atraindo mais clientela).
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As Ceasas como instituição têm dupla natureza: são manutenção de baixa temperatura desde logo após a co-
prestadoras de serviço (aos comerciantes e produtores, lheita desacelera quase todas as atividades biológicas in-
oferecendo espaço e infraestrutura) e simultaneamente desejáveis: reduz a respiração dos tecidos vegetais (dimi-
agentes de regulação pública de mercado (garantindo nuindo consumo de reservas e produção de calor), freia o
padrões de pesagem, qualidade, higiene, e coletando da- amadurecimento excessivo (no caso de frutos climaté-
dos de preços). rios), inibe o crescimento de micro-organismos deteriora-
dores e preserva a firmeza e suculência. A regra de ouro é
As Centrais de Abastecimento continuam sendo um
resfriar o mais rápido possível (pré-resfriamento) após
pilar do sistema hortigranjeiro brasileiro. Apesar de evo-
a colheita – técnicas como hidrocooling (imersão em água
luções nos canais de distribuição, elas preservam sua re-
fria), ar forçado refrigerado, ou gelo em contato são usa-
levância por proporcionarem:
das conforme o produto. Uma vez resfriados, os produtos
• Concentração da oferta, reduzindo custos lo- devem permanecer na cadeia do frio, isto é, em ambiente
gísticos e viabilizando a presença de uma incrí- refrigerado contínuo durante armazenamento, transporte,
vel variedade de produtos de todo o país durante distribuição e exposição no varejo. Interrupções nessa ca-
o ano todo num só local. deia (variações abruptas para temperaturas elevadas) cau-
• Transparência e formação de preços competi- sam “choques térmicos” que podem levar a condensação
tivos, evitando monopólios locais e ajudando a de água (facilitando podridões) e retomada acelerada da
estabilizar valores. atividade biológica, estragando o alimento rapidamente.
• Incentivo à qualidade (exigindo classificação e Estudos mostram que a falta de infraestrutura adequada de
boas práticas) e à segurança dos alimentos (ins- frio, especialmente em regiões quentes ou longínquas,
peções in loco). leva à deterioração rápida e perdas substanciais de ali-
• Inclusão do pequeno produtor e distribuição mentos.
de renda mais equilibrada na cadeia. No Brasil, com seu clima tropical e longas distâncias
• Abastecimento regular das cidades, o que se re- logísticas, a ausência de refrigeração confiável é um dos
fletiu inclusive durante períodos críticos (como principais fatores para o índice elevado de desperdício –
greves ou pandemia, em que as Ceasas adapta- estima-se que cerca de 30% da produção de frutas e
ram operações para não faltar comida nos cen- hortaliças seja perdida no pós-colheita nacionalmente.
tros urbanos). Logo, investir em câmaras frias nas centrais de distribui-
O desafio adiante é integrá-las às tecnologias e de- ção e em caminhões refrigerados é fundamental para me-
mandas do século XXI – melhorar infraestrutura, infor- lhorar a conservação e reduzir esse desperdício.
matizar operações, adotar sustentabilidade – para que con- Cada grupo de hortícolas tem uma temperatura
tinuem a ser, como já foram chamadas, a “bolsa de ali- ideal de conservação: por exemplo, brócolis e folhosas
mentos” e o “coração logístico” do abastecimento de hor- se beneficiam de 0–5 °C; frutas tropicais como banana
tifrúti no Brasil. não devem ser mantidas abaixo de ~12 °C (sob risco de
danos por frio); tomate maduro se conserva bem em torno
17. CONSERVAÇÃO E LOGÍSTICA DE PRO- de 10 °C. A umidade relativa também é controlada (ge-
DUTOS HORTÍCOLAS FRESCOS. ralmente alta, 85–95%, para evitar desidratação, exceto
em cebola, alho e outros que requerem ar mais seco para
17.1. Conceitos de conservação pós-colheita não brotar). Em armazenamento prolongado de maçãs,
A conservação pós-colheita refere-se ao conjunto peras e kiwis, emprega-se atmosfera controlada (AC):
de técnicas e condições empregadas para manter a qua- além de frio (~0–1 °C), ajusta-se a composição do ar em
lidade e prolongar a vida útil de frutas, legumes e ver- câmaras herméticas (reduz O₂ para ~1–3% e eleva CO₂
duras após serem colhidos. Diferentemente de produtos para ~1–5%). Essa condição suprime ainda mais a respi-
processados, os hortícolas frescos são organismos vivos ração e a produção de etileno, podendo conservar frutos
que continuam respirando e metabolizando mesmo depois por meses em ótimo estado. Para hortaliças de folhas, uti-
de colhidos. Assim, sofrem processos naturais de matu- liza-se atmosfera modificada passiva via embalagens:
ração e senescência que, se não controlados, levam rapi- sacos ou filmes semipermeáveis nos quais a própria respi-
damente à deterioração (amolecimento, perda de água e ração do produto altera a atmosfera interna (reduzindo O₂
murcha, escurecimento, apodrecimento por microrganis- e aumentando CO₂ até um equilíbrio), o que prolonga a
mos). O objetivo da conservação é retardar esses proces- vida útil. Muitos vegetais minimamente processados (sa-
sos sem comprometer a segurança ou as características ladas embaladas) empregam esse princípio – filmes com
sensoriais, de modo que o alimento permaneça em condi- permeabilidade calibrada para obter cerca de 5% O₂ e 5–
ção adequada de consumo desde a fazenda até o prato do 10% CO₂ internamente, condições que retardam o escure-
consumidor. cimento e o crescimento microbiano.
Outro método de conservação é a técnica de filmes
17.2. MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO PÓS- e revestimentos comestíveis, que age formando uma bar-
COLHEITA (REFRIGERAÇÃO, ATMOSFERA MO- reira na superfície do produto para reduzir perda de água
DIFICADA, CONSERVANTES NATURAIS) e trocas gasosas. Por exemplo, aplicação de cera em pepi-
A refrigeração é o método mais universal e impor- nos, maçãs e cítricos é prática comum e pode aumentar
tante para conservar produtos hortícolas frescos. A bastante sua vida de prateleira, ao selar microfissuras e
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reter umidade (além de conferir brilho comercial). Hoje menos desenvolvidas, o problema é mais grave –
há pesquisas avançadas com biofilmes comestíveis (à produtores simplesmente não dispõem de meios
base de quitosana, alginato, amido) incorporados com refrigerados, resultando em grande volume de
compostos naturais antimicrobianos ou antioxidantes perda ou necessidade de vender muito abaixo do
(óleos essenciais, extratos vegetais), que prolongam a preço antes que apodreça.
conservação sem uso de químicos sintéticos.
• Embalagens e acondicionamento inadequados
Falando em conservantes naturais, vale mencionar no transporte: Historicamente, muito produto era
as tecnologias de sanitização e controle microbiano pós- transportado em sacos ou solto em caminhões, su-
colheita: uso de água quente em lavadoras (termoterapia) jeito a sacolejar e amassar. Hoje, com a padroniza-
para reduzir patógenos de superfície, radiação UV-C em ção de caixas paletizáveis, isso melhorou, mas
câmaras de sanitização, atmosfera enriquecida com ozô- práticas ruins persistem: empilhamento excessivo
nio ou aplicação de bacteriocinas naturais. Embora essas de caixas pode esmagar as de baixo; falta de amar-
técnicas sejam mais específicas e ainda em adoção gra- ração de pallets faz carga tombar em freadas; uso
dual, elas complementam o arsenal de conservação, espe- de embalagens frágeis que rompem no caminho;
cialmente para produtos minimamente processados onde carregamento de caminhão sem separar por com-
a carga microbiana inicial precisa ser baixíssima. patibilidade (frutas climatéricas como banana e
mamão produzem etileno que faz outras hortaliças
Um ponto crucial é que as técnicas pós-colheita de-
amadurecerem e senescerem mais rápido – se tudo
vem ser combinadas de forma integrada para resultados
vai misturado, há impacto negativo). Boas práticas
ótimos. Por exemplo, cenouras para armazenamento pro-
logísticas recomendam sempre unitizar cargas
longado são primeiro “curadas” em ambiente quente e
(palletizar e fixar com cintas/filme stretch), manter
úmido por alguns dias (para cicatrizar ferimentos), depois
alturas de pilha seguras e não sobrecarregar pal-
refrigeradas a 0°C em alta umidade; bananas verdes para
lets além do limite da caixa inferior, além de se-
exportação são colhidas e mantidas em 13 °C com atmos-
gregar produtos incompatíveis.
fera controlada e depois induzidas a amadurecer no des-
tino com etileno exógeno; folhosas como alface ou agrião, • Infraestrutura viária e de armazenagem defici-
extremamente perecíveis, muitas vezes são colhidas de ente: Além das estradas precárias em alguns tre-
madrugada, hidrocoolizadas (imersas em água gelada) e chos, muitos centros de distribuição urbanos não
despachadas no mesmo dia por via aérea a mercados dis- possuem docas climatizadas ou espaço de estoca-
tantes para minimizar o tempo fora da planta. Ou seja, gem adequado para hortifrúti – resultando em situ-
tempo é fator crítico – quanto mais rápido e adequada- ações comuns de pallets de verduras esperando ho-
mente se processar e distribuir, menores as perdas. ras na calçada no sol para descarregar em super-
mercados, por falta de estrutura melhor. Esses gar-
17.3. DESAFIOS LOGÍSTICOS: INFRAES- galos elevam a temperatura do produto e geram
TRUTURA, TRANSPORTE E PERDAS perdas invisíveis (redução de vida útil que se ma-
A logística de produtos frescos é notoriamente desa- nifestará na gôndola ou na casa do consumidor).
fiadora. Esses alimentos são volumosos, sensíveis e têm • Coordenação e planejamento ineficientes: Lo-
vida curta, exigindo velocidade e condições especiais no gística não é só estrutura física, mas também ges-
transporte. No Brasil, alguns desafios são: tão de fluxos. Se houver falhas de comunicação,
• Grandes distâncias e tempo de trajeto: Produ- um caminhão pode atrasar para descarregar e nesse
ções agrícolas concentradas em certas regiões pre- meio tempo o produto se deteriora; ou então colhe-
cisam viajar centenas ou milhares de quilômetros se muito produto sem ter frete disponível, ficando
até os grandes centros consumidores. Se o trans- parado na fazenda. A falta de sincronização entre
porte é lento (devido a estradas ruins, engarrafa- colheita, transporte e demanda nos pontos de
mentos, veículo inadequado) o produto pode che- venda leva tanto a sobras (excesso enviado e não
gar já comprometido. Uma alface colhida no inte- vendido, estragando) quanto a faltas (produto che-
rior e enviada por caminhão comum ao Nordeste gando tarde). Implementar sistemas de informação
pode murchar em poucas horas de calor; morangos e planejamento (como programação de colheita e
vindos do Sul em caixas mal refrigeradas podem entrega just-in-time) é um desafio para muitos pro-
fermentar antes de chegar ao Norte. dutores e distribuidores tradicionais.
Todas essas dificuldades contribuem para índices al-
• Falta de infraestrutura de frio e manuseio:
tos de perdas logísticas. Além do dado nacional de ~30%
Ainda é relativamente pequeno o percentual de
de perdas pós-colheita, estudos setoriais mostram que boa
carga hortigranjeira transportada sob refrigeração
parte desse desperdício ocorre nas etapas de transporte e
no país. Especialmente em rotas curtas e regionais,
distribuição, muitas vezes por más condições de manuseio
muitos produtores usam caminhões abertos ou to-
e armazenagem.
cos simples. A falta de câmaras frias em centrais
de abastecimento menores ou em feiras também
interrompe a cadeia do frio. Tudo isso contribui
para a rápida deterioração e perda de qualidade dos
alimentos durante o percurso. Em áreas remotas ou
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17.4. CADEIA DE FRIO, RASTREABILIDADE forma, sistemas de rastreamento de frota ajudam
E BOAS PRÁTICAS DE DISTRIBUIÇÃO a planejar rotas mais rápidas e alertar sobre atra-
sos.
A cadeia de frio já mencionada merece ênfase: man-
ter a temperatura controlada em todos os elos é crucial • Integração logística: consolidar cargas de forma
para preservar a qualidade e evitar desperdícios. Isso en- inteligente (evitando meia carga que deixa muito
volve ter câmaras frias nas propriedades para pré-res- espaço vazio – o que prejudica a manutenção da
friar, utilizar veículos isotérmicos refrigerados, equipar temperatura e é ineficiente economicamente), e
centros de distribuição e atacadistas com câmaras clima- planejar entregas em horários de menor tráfego
tizadas e expositores refrigerados nos pontos de venda. É (para reduzir tempo em trânsito) também são
um investimento alto, porém necessário. Quando a cadeia práticas importantes.
de frio se rompe, inicia-se um “ciclo vicioso do desperdí-
cio”, pois o produto que aquece deteriora-se e torna-se A rastreabilidade é outro componente essencial na
mais difícil de conservar depois. Por exemplo, folhas ver-logística moderna de hortifruti. Desde 2018, com a IN
des se não mantidas próximas de 0 °C perdem água e ama- Conjunta Anvisa/Mapa nº 02, tornou-se obrigatório que
relecem muito mais rápido; brócolis a temperatura ambi- todos os produtos vegetais frescos tenham uma forma de
ente em 1 dia perde mais qualidade que em 1 semana a identificação única do lote e do responsável (produtor)
0 °C. Além disso, do ponto de vista sanitário, temperatu- na própria embalagem ou envoltório. Em nível prático,
ras inadequadas podem permitir multiplicação de patóge- isso significa que cada caixa, engradado ou pallet deve
nos, colocando em risco a segurança do alimento. Como trazer informações que permitam ligar aquele lote a regis-
destaca o Vice-Presidente da ABRAS (Associação Brasi- tros de produção (nome do produtor, propriedade, lote,
leira de Supermercados), o primeiro passo para garantir a data de colheita) – seja via etiqueta impressa com códigos
segurança do alimento no varejo é fazer o básico bem- ou QR code. Essa rastreabilidade possibilita que, em caso
feito: controle rigoroso de temperatura, manutenção de detecção de um problema (como resíduos de agrotó-
periódica dos equipamentos de refrigeração, uso de xico indevidos ou surto de contaminação bacteriana), as
embalagens adequadas e bom planejamento logístico. autoridades e empresas consigam identificar rapida-
Esse conjunto de ações – conhecido como Boas Práticas mente a origem do produto e acionar recall dos lotes
de Transporte e Distribuição – é vital para assegurar que afetados. Por exemplo, se em testes de rotina encontra-se
não se perca todo o esforço de qualidade aplicado na pro- agrotóxico proibido num lote de pepino numa rede de su-
dução. permercados, pelo código de rastreio na caixa pode-se sa-
ber de qual fazenda e data veio, e assim investigar e retirar
Além da refrigeração, outras boas práticas na dis- do mercado os pepinos daquela origem. A rastreabilidade
tribuição incluem: também traz benefícios logísticos: melhora o controle in-
terno de estoque e facilita a gestão de qualidade (já que
• Rotação de estoques (FIFO): adotar o critério
cada lote é monitorado separadamente). Muitas Ceasas e
“primeiro que entra, primeiro que sai”, para que
distribuidores agora exigem que os fornecedores impri-
produtos mais antigos sejam distribuídos/vendi-
mam etiquetas de rastreio nos volumes, atendendo à legis-
dos antes dos mais novos, evitando envelheci-
lação e dando mais transparência a toda a cadeia. Esse sis-
mento em câmara. Isso requer organização e eti-
tema está alinhado com as exigências internacionais e traz
quetagem de lotes com data de colheita/entrada.
confiança ao consumidor sobre a responsabilidade em
• Higiene e sanitização dos veículos e caixas: ca- caso de problema.
minhões e contêineres devem ser limpos regular- Finalmente, boas práticas na distribuição contem-
mente para evitar contaminação por sujeira ou plam também a colaboração entre os elos. Produtores,
restos de cargas anteriores (por exemplo, não transportadores, centrais de abastecimento, distribuidores
transportar vegetais em baús que antes levaram e varejistas devem se comunicar e ajustar planos con-
peixe, sem devida limpeza). Caixas retornáveis forme as necessidades. Por exemplo, se um carregamento
devem ser lavadas e sanitizadas a cada ciclo de atrasou por motivo de força maior, avisar antecipada-
uso. mente o cliente pode permitir ajuste de temperatura de câ-
• Treinamento de pessoal: transportadores, carre- mara para recebê-lo sem choque. Se um supermercado ve-
gadores e armazenistas precisam ser capacitados rifica na entrega que a temperatura da carga está fora do
sobre a fragilidade dos produtos. Técnicas ade- ideal, pode recusar ou destinar a venda imediata com des-
quadas de empilhamento, cuidado no manuseio conto, evitando vender produto deteriorado ao consumi-
para não lançar ou derrubar caixas, e atenção dor final. Essa comunicação e postura proativa são partes
para não romper a cadeia de frio (ex.: manter de uma logística mais resiliente e voltada à qualidade.
portas de câmaras fechadas quando não em uso) A conservação e logística de hortifrutícolas fres-
fazem diferença significativa. cos são tão importantes quanto a etapa de produção para
• Uso de tecnologias de monitoramento: hoje garantir alimentos de qualidade na mesa do consumidor.
existem dataloggers de temperatura e umidade Técnicas de conservação pós-colheita (sobretudo refrige-
que podem acompanhar a carga e registrar se ração) prolongam a vida dos produtos, mas sua eficácia
houve desvios. Grandes redes já exigem loggers depende de uma logística bem gerenciada que mantenha
dentro de pallets sensíveis para verificar se a ca- as condições ideais. Infraestrutura adequada – estradas,
deia de frio foi mantida no transporte. Da mesma câmaras frias, transportes refrigerados – aliada a boas
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práticas operacionais – controle de temperatura, higiene, clima, agricultores podem tomar decisões informadas so-
rapidez, rastreabilidade – formam a espinha dorsal de um bre quando semear, irrigar, fertilizar e colher, bem como
sistema eficiente. Onde esses elementos faltam, vemos se preparar para eventos extremos como secas, geadas e
desperdício elevado, preços maiores e oferta irregular. Por tempestades.
outro lado, investir em melhoria pós-colheita traz retor-
nos: estima-se que cada R$1 aplicado em reduzir per- d) Escalas de estudo:
das logísticas retorna múltiplos em produtos aprovei-
A agrometeorologia abrange desde escalas micro-
tados que antes seriam descartados, além de contribuir
climáticas (por exemplo, o microclima dentro de uma
para reduzir custos e estabilizar preços ao consumidor. Su-
plantação ou estufa) até escalas regionais e globais. Em
permercados relatam que o cuidado com a cadeia de frio
nível de lavoura, existem microclimas específicos – áreas
e manuseio reduziu drasticamente quebras e melhorou a
com condições diferenciadas do entorno, causadas por fa-
satisfação dos clientes (que passam a encontrar verduras
tores locais como tipo de solo, relevo, vegetação, presença
mais frescas e duráveis). Em um mundo que busca susten-
de água e manejo agrícola. Esses microclimas podem al-
tabilidade, diminuir o desperdício de alimentos é funda-
terar a temperatura e a umidade em escala local, exigindo
mental – e isso passa, invariavelmente, por melhorar a
estratégias de manejo diferenciadas dentro da mesma fa-
conservação e distribuição.
zenda. Já em nível regional, padrões climáticos mais am-
plos (como regimes de chuva e temperatura sazonais) de-
18. AGROMETEOROLOGIA: METEOROLO- terminam quais culturas são viáveis em determinada área.
GIA BÁSICA Assim, o agrometeorologista precisa considerar tanto as
a) Definição: variações espaciais (diferenças de climas entre regiões e
dentro da propriedade) quanto as variações temporais
Agrometeorologia é a ciência interdisciplinar que (mudanças diárias, sazonais e anuais do tempo).
estuda a influência do tempo e do clima na agricultura,
analisando como os fatores meteorológicos afetam o cres- e) Elementos meteorológicos básicos:
cimento, o desenvolvimento e a produtividade das cultu-
ras agrícolas. Também chamada de meteorologia agrícola, Os principais elementos meteorológicos de interesse
essa área aplica conhecimentos de meteorologia e agrono- agronômico incluem: temperatura do ar e do solo, preci-
mia para otimizar a produção de alimentos, fibras e outros pitação (chuva), umidade relativa, radiação solar (lumino-
produtos agropecuários. Em termos simples, a agromete- sidade), velocidade e direção do vento, pressão atmosfé-
orologia investiga os agroecossistemas, buscando melho- rica, além de fatores derivados como evaporação e evapo-
rar os rendimentos e reduzir os riscos climáticos nas ati- transpiração. Cada um desses elementos possui métodos
vidades agrícolas. específicos de medição em estações meteorológicas e im-
pacto distinto sobre o ambiente agrícola (desenvolvido
b) Meteorologia vs Climatologia: nos itens a seguir).
Meteorologia básica refere-se ao estudo do tempo 18.1. CLIMATOLOGIA APLICADA À AGRI-
atmosférico, ou seja, das condições momentâneas ou de CULTURA
curto prazo da atmosfera (temperatura, umidade, chuva,
vento etc.) e dos fenômenos físicos associados. Climato- Conceito:
logia, por sua vez, refere-se ao estudo do clima, isto é, o Climatologia agrícola é o ramo da ciência do clima
conjunto médio das condições meteorológicas de uma re- que analisa os padrões climáticos de longo período e sua
gião ao longo do tempo (décadas, anos). Na agricultura, influência na produção agropecuária. Isso inclui estudar
ambas as escalas são importantes: o tempo (meteorolo- normais climatológicas (médias históricas de chuva, tem-
gia) afeta as operações diárias e o desenvolvimento ime- peratura etc.), classificações de clima, variabilidade inte-
diato das plantas, enquanto o clima (climatologia) define ranual e ocorrências de eventos extremos, com o objetivo
o ambiente de crescimento a longo prazo e a aptidão de de aplicar esse conhecimento no planejamento agrícola.
cada região para diferentes culturas. Em outras palavras, trata-se de compreender o “clima mé-
dio” de uma região e suas flutuações para determinar
c) Importância para a agricultura: quais culturas, variedades e manejos são mais adequados
A agricultura é uma das atividades mais sensíveis às em cada localidade.
condições atmosféricas. Estima-se que cerca de 80% da
variabilidade anual na produção agrícola seja devida às Classificação climática e aptidão agrícola:
oscilações meteorológicas durante o ciclo das culturas Uma aplicação clássica da climatologia na agricul-
(especialmente em sistemas de sequeiro). Temperatura do tura é a classificação climática de regiões e a determina-
ar, radiação solar, precipitação, umidade e vento influen- ção da aptidão agrícola de cada zona. Sistemas de classi-
ciam processos fisiológicos vitais das plantas (fotossín- ficação como o de Köppen ou Thornthwaite permitem de-
tese, respiração, transpiração, floração, enchimento de finir tipos de clima (tropical, temperado, semiárido etc.)
grãos etc.) e podem limitar ou potencializar os rendimen- com base em temperatura e precipitação, os quais estão
tos conforme sua disponibilidade. Devido a essa forte de- diretamente relacionados às culturas viáveis. Por exem-
pendência, a aplicação de conhecimentos meteorológicos plo, climas tropicais úmidos favorecem culturas perenes
e climáticos é fundamental para a sustentabilidade e a efi- como banana e cacau, enquanto climas temperados com
ciência da produção agropecuária. Com base em dados do
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
inverno frio são necessários para trigo de inverno ou ma- maturação de certos cultivos), avaliação do período livre
çãs que demandam frio hibernal. Ao conhecer o clima pre- de geadas (frost-free period) indispensável para culturas
dominante, agrônomos podem recomendar espécies e cul- sensíveis, e análises de índices climáticos (como índices
tivares adaptadas às condições locais de temperatura mé- de aridez, concentrações de chuva) para fins de classifica-
dia, estação chuvosa e risco de geadas. ção agroclimática. Todos esses aspectos ajudam a respon-
der quais culturas podem ser cultivadas, onde e quando.
Por exemplo, pelo zoneamento agroclimático do café
Zoneamento agroclimático: arábica, a faixa de temperatura ideal para a cultura é de
18°C a 23°C, com precipitação anual entre 1200 e 1800
No Brasil, uma ferramenta importante de climatolo- mm. Em regiões fora desses parâmetros, até é possível
gia aplicada é o Zoneamento Agrícola de Risco Climá-
cultivar café, porém as plantas ficam sob estresse climá-
tico (ZARC). O ZARC é um estudo que define, para cada
tico maior, exigindo práticas mitigadoras como irrigação
cultura e região, as áreas e épocas de semeadura mais fa-
complementar ou sombreamento para obter boa produti-
voráveis, considerando-se o clima histórico local. Esse vidade.
zoneamento utiliza longas séries de dados meteorológicos
(chuvas, temperaturas) e técnicas de balanço hídrico para
18.2. AVALIAÇÃO DE RISCOS CLIMÁTICOS
estimar períodos com menor risco de adversidades du-
PARA A AGRICULTURA, MÉTODOS DE ANÁLISE
rante o ciclo da cultura. Por exemplo, com base em séries
DE RISCO E ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO
históricas, o ZARC indica janelas de plantio em que a pro-
babilidade de seca ou geada durante fases críticas da 18.2.1. Riscos climáticos na agricultura:
planta seja inferior a um determinado percentual (20%,
São considerados “riscos climáticos” as probabilida-
30% etc.). O resultado é um mapa/calendário de risco que
des de ocorrência de eventos ou condições meteorológicas
orienta os agricultores sobre quando plantar com maior
adversas capazes de provocar perdas nas atividades agrí-
segurança. Vale ressaltar que o zoneamento considera
colas. Entre os principais riscos climáticos estão: déficit
apenas o risco agroclimático, presumindo que fatores de
hídrico severo (seca), excesso hídrico (enchentes, enchar-
solo, pragas e manejo estão adequadamente controlados.
camento), geadas, granizo, ventos extremos (vendavais),
Ferramentas como essa exemplificam a climatologia agrí-
ondas de calor, friagens e oscilações anômalas de tempe-
cola em ação, guiando políticas de crédito rural e seguro
ratura ou chuva durante fases críticas das culturas. Por
agrícola para incentivar o cultivo nas épocas de menor
exemplo, uma geada tardia no outono pode dizimar plan-
risco climático.
tações de milho safrinha; uma estiagem prolongada em ja-
neiro pode comprometer a safra de soja; chuva excessiva
Análise de séries históricas:
na colheita do trigo reduz a qualidade dos grãos — e assim
A climatologia aplicada envolve o estudo de séries por diante.
históricas de dados meteorológicos (normalmente regis-
A avaliação de riscos climáticos consiste em quan-
tros de 30 anos ou mais). A partir dessas séries, calculam-
tificar, com base em dados históricos, a probabilidade de
se normais climatológicas (médias mensais de tempera-
tais eventos ocorrerem em determinada região e período,
tura, totais médios de chuva etc.), frequência de extremos
além de estimar os impactos potenciais na produção agrí-
(por exemplo, número médio de dias com geada por ano)
cola.
e tendências de longo prazo. Essas informações subsidiam
a agricultura de diversas formas: planejamento de safras
18.2.2. Métodos de análise de risco climático:
(calendário agrícola), dimensionamento de sistemas de ir-
rigação (com base em déficit hídrico médio), escolha de A principal abordagem é estatística, utilizando séries
cultivares (variedades precoces para regiões com estação históricas de dados meteorológicos de pelo menos várias
de crescimento curta, por exemplo) e definição de estraté- décadas. Alguns métodos incluem:
gias de armazenamento e comercialização (safras estima-
das conforme clima esperado). Fenômenos climáticos de a) Análise de probabilidade/extremos:
grande escala, como El Niño e La Niña, também são con-
Cálculo da probabilidade de uma variável exceder
siderados – eles alteram os padrões regionais de chuva e
(ou ficar abaixo de) um certo limiar. Exemplo: chance de
temperatura em muitos locais do Brasil, podendo causar
ocorrer geada antes de uma dada data (baseado nas datas
secas severas em umas regiões e excesso de chuvas em
da última geada registrada), ou probabilidade de chover
outras. Assim, a previsão de um evento El Niño ou La
menos que X mm em um mês crítico. Ferramentas como
Niña permite antecipar cenários prováveis (por exemplo,
a distribuição de Weibull são usadas para estimar períodos
El Niño tende a trazer veranicos no Brasil central) e ajus-
de retorno de eventos extremos (ex.: “seca de 5 anos” ou
tar o planejamento de cultivos em resposta.
“chuva de 50 anos”).
Exemplos práticos:
b) Balanço hídrico climatológico:
A climatologia aplicada abrange estudos como: de-
Método que combina precipitação e evapotranspira-
terminação da evapotranspiração média e balanço hídrico
ção estimada para determinar períodos de déficit ou ex-
climatológico de uma região (para saber a exigência de
cesso de água no solo. A partir das médias e desvios his-
irrigação das culturas), mapeamento de zonas térmicas
tóricos, identificam-se meses com maior risco de déficit
(regiões com somas de graus-dia suficientes para
hídrico para as plantas. Esse método, proposto por
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Thornthwaite & Mather, é empregado no zoneamento b) Melhoramento genético e escolha de cultivares:
agrícola brasileiro para mapear riscos de seca durante o
Selecionar culturas e variedades adaptadas ao clima
ciclo das culturas. Por exemplo, se ao longo dos anos uma
local é fundamental. Em regiões sujeitas à seca ou verani-
região apresenta deficiência hídrica significativa em feve-
cos, optar por cultivares mais tolerantes à seca (ou espé-
reiro (plena fase reprodutiva da cultura), então plantar
cies menos exigentes em água) mitiga o risco de quebra.
nessa época representa um risco climático.
Analogamente, em áreas com inverno rigoroso, varieda-
des resistentes ao frio ou com requerimento de frio ade-
c) Zoneamento de risco climático (ZARC):
quado devem ser escolhidas. O melhoramento genético
Conforme citado, o ZARC é um exemplo de avalia- tem produzido cultivares de milho e soja mais tolerantes
ção sistemática de risco climático. Ele utiliza séries mete- ao estresse térmico, por exemplo, aumentando a resiliên-
orológicas longas, balanços hídricos e modelos fenológi- cia das lavouras às variações do clima.
cos para estimar, por região e época de plantio, a probabi-
lidade de frustração da safra por adversidades climáticas. c) Manejo hídrico – irrigação eficiente:
No zoneamento do feijoeiro, por exemplo, simulações in- A irrigação é uma medida clássica para mitigar o
dicam quais calendários de semeadura têm menos de 20% risco de déficit hídrico. Sistemas de irrigação eficientes
de risco de seca nas fases críticas, mapeando em cores as (gotejamento, pivô central etc.) permitem suplementar a
regiões de menor risco (20%) até maior risco (40% ou água durante estiagens, evitando perdas de produção por
mais). Essa espacialização do risco orienta os agricultores falta de chuva. A adoção de irrigação, associada ao moni-
a semear dentro da janela de baixo risco e evitar períodos toramento do solo e do clima, pode reduzir drasticamente
historicamente problemáticos. o risco climático em muitas regiões, embora envolva cus-
tos e infraestrutura. Em contrapartida, em áreas com risco
d) Modelagem e simulação: de encharcamento, obras de drenagem podem mitigar da-
Outra forma de analisar riscos é por meio de modelos nos por excesso de chuvas.
de crescimento de culturas (ver item 18.7), rodados com sé-
ries climáticas históricas (ou cenários estocásticos) para d) Manejo do solo e conservação:
quantificar a distribuição estatística da produtividade. Assim, Práticas de conservação do solo ajudam a mitigar ris-
pode-se estimar, por exemplo, a probabilidade de a produti- cos tanto de seca quanto de chuvas intensas. Por exemplo,
vidade do milho cair abaixo de certa quantidade devido às o plantio direto e a manutenção de palhada ajudam na re-
variações climáticas ano a ano. Esse procedimento permite tenção de umidade no solo, tornando as culturas mais re-
avaliar riscos de quebra de safra e os benefícios de práticas silientes a veranicos. Essas práticas conservacionistas
mitigadoras (como irrigação) em termos probabilísticos.
também reduzem a erosão em eventos chuvosos extremos.
Outro exemplo é o uso de cobertura vegetal e matéria or-
18.2.3. Interpretação e uso do risco:
gânica para melhorar a capacidade de retenção de água do
A avaliação de riscos climáticos fornece informações solo. Tais medidas atenuam os impactos de períodos secos
como: “esta região tem 30% de chance de sofrer seca mode- e contribuem para a estabilidade da produção.
rada em determinado ano” ou “a cada 5 anos, em média,
ocorre uma geada forte na região”. Essas informações subsi- e) Calendário de plantio ajustado:
diam decisões de investimento e manejo. Por exemplo, cul-
Adequar as datas de plantio/colheita para evitar as
turas perenes de alto valor (frutíferas, café) podem não ser
fases mais suscetíveis durante os períodos de maior risco
recomendadas em áreas onde geadas severas tenham proba-
bilidade elevada. Da mesma forma, ao saber que há alta
é uma estratégia de manejo importante. Por exemplo, em
chance de veranicos (estiagens curtas) em determinada fase, locais com risco de geada no início de setembro, pode-se
o produtor pode optar por variedades mais precoces ou insta- atrasar a semeadura do milho safrinha para escapar das
lar irrigação de salvamento. últimas geadas do inverno. O ZARC já indica as janelas
seguras de plantio justamente com esse intuito. Também é
18.2.4. Estratégias de mitigação de riscos: comum escalonar plantios em diferentes datas ou áreas
para diluir o risco — se algumas áreas pegarem uma seca
Uma vez identificados os riscos, desenvolvem-se es- atípica, outras podem escapar.
tratégias para mitigar (reduzir) os impactos negativos dos
eventos climáticos adversos. Essas estratégias podem ser f) Monitoramento e alertas (sistemas de alerta
técnicas (no campo) e também financeiras/gerenciais: precoce):
a) Seguro agrícola e proteção financeira: A mitigação envolve ainda preparar-se com antece-
dência quando um evento adverso é previsto. Por isso,
É considerada uma das principais estratégias de mi-
monitorar constantemente as condições meteorológicas e
tigação de risco climático, por meio do seguro rural ou de receber alertas antecipados é crucial. Por exemplo, se há
outros mecanismos financeiros. Ao contratar um seguro previsão de frio intenso, um produtor de hortaliças pode
de safra, o produtor garante compensação financeira em
acionar sistemas de aquecimento ou proteção das plantas.
caso de perdas causadas por secas, geadas, granizo etc.,
Se um episódio de El Niño for previsto para a próxima
reduzindo o prejuízo econômico e aumentando a estabili-
safra, a estratégia pode ser reduzir a área plantada com
dade do negócio. Programas governamentais de subven-
culturas sensíveis à seca naquela temporada.
ção ao prêmio do seguro e mecanismos como títulos vin-
culados ao clima também atuam nessa frente.
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Secas prolongadas, chuvas excessivas e geadas são d) Escalonamento e diversificação:
exemplos de riscos climáticos que diminuem rendimentos
Uma estratégia de planejamento para lidar com in-
e qualidade das culturas, causando prejuízos ao produtor.
certezas climáticas é escalonar plantios em datas diferen-
Para proteger-se, deve-se conhecer esses riscos e adotar
tes (dentro da janela recomendada) ou diversificar cultu-
medidas como seguros agrícolas, escolha de variedades
ras. Assim, nem toda a produção ficará sujeita a um
resistentes, uso de irrigação eficiente e práticas conserva-
mesmo evento climático adverso. A alternância entre duas
cionistas de solo, além de monitorar as condições climáti-
culturas distintas pode garantir que pelo menos uma tenha
cas constantemente. Essas estratégias aumentam a estabi-
bom resultado conforme o clima da estação.
lidade da produção e a resiliência frente às adversidades
do clima. O planejamento agrícola climatizado conta com fer-
ramentas computacionais e serviços de informação. Siste-
18.3. PLANEJAMENTO DE CULTIVOS E SIS- mas de suporte à decisão agrometeorológica (como o por-
TEMAS DE ALERTA PRECOCE PARA EVENTOS tal Agritempo no Brasil) fornecem monitoramento (índi-
CLIMÁTICOS ADVERSOS ces de seca, chuva acumulada) e previsões de curto e mé-
dio prazo, ajudando agricultores e técnicos a ajustar seus
18.3.1. Planejamento agrícola com base no clima:
planos. Planilhas, simulações de produtividade e as reco-
O planejamento de cultivos envolve decidir quando, mendações do ZARC também são amplamente utilizadas
onde e o que plantar, de forma a aproveitar as condições no planejamento.
climáticas favoráveis e evitar (ou minimizar) as desfavo-
Além disso, o acompanhamento de fenômenos de
ráveis. Um planejamento eficaz depende de informações
larga escala (ex.: previsões de El Niño ou La Niña divul-
meteorológicas e climáticas confiáveis, incluindo dados
gadas por centros meteorológicos) permite orientar deci-
históricos, monitoramento atual e previsões futuras. Ele-
sões sazonais — autoridades agrícolas e cooperativas fre-
mentos do planejamento climático da lavoura incluem:
quentemente ajustam calendários de plantio com base
nessas previsões climáticas sazonais.
a) Calendário de plantio e colheita:
Definir a data ótima de semeadura é crucial. Deve-se 18.3.2. Sistemas de alerta precoce:
sincronizar o ciclo da cultura com as janelas climáticas
Os sistemas de alerta precoce (early warning) são
ideais — por exemplo, iniciar o plantio logo no início da
conjuntos de monitoramento projetados para antecipar
estação chuvosa, evitando semear muito cedo (risco de
eventos climáticos extremos e alertar os produtores e au-
falta de chuva) ou muito tarde (risco de seca ou geada na
toridades com antecedência suficiente para a adoção de
colheita). Conhecendo as previsões de chuva e a umidade
medidas preventivas. Esses sistemas integram dados de
do solo, o produtor pode tomar uma decisão mais segura
estações meteorológicas, radares, satélites e modelos de
sobre quando plantar. Da mesma forma, informações so-
previsão para detectar sinais de condições severas, como
bre o clima dos meses finais do ciclo orientam a época da
secas, cheias, ondas de frio ou calor extremos, tempesta-
colheita: colheitas são programadas para períodos de me-
des severas, entre outros. De acordo com a ONU, sistemas
nor chuva, reduzindo perdas pós-colheita por umidade.
de alerta precoce são medidas custo-efetivas de redução
de risco de desastres e adaptação climática, pois salvam
b) Escolha de culturas e variedades:
vidas e reduzem perdas materiais quando corretamente
O planejamento considera quais culturas ou cultiva- implementados.
res são mais apropriadas ao clima esperado. Em caso de
No contexto agrícola, os alertas precoces permitem
previsão de seca (por exemplo, sob influência de La
ações como:
Niña), pode-se optar por culturas menos exigentes em
água ou variedades de ciclo mais curto. Em contrapartida, • Avisos de geada: Em regiões produtoras de hor-
se a previsão indicar um verão chuvoso prolongado, o pro- taliças, frutas ou café, serviços de meteorologia
dutor pode planejar safra e safrinha aproveitando a umi- emitem avisos de geada com 1 a 2 dias de ante-
dade. Condições climáticas atuais e passadas ajudam a de- cedência quando há previsão de frio intenso.
cidir quais culturas implantar em cada talhão da fazenda Com esse alerta, produtores podem acionar sis-
— por exemplo, áreas mais altas e secas podem receber temas de aquecimento em estufas, realizar irri-
culturas diferentes das áreas baixas e úmidas. gação emergencial (aspersão contra geada) ou
cobrir mudas sensíveis, reduzindo danos. Há no
c) Dimensionamento de recursos e insumos: Brasil, por exemplo, sistemas regionais de alerta
Planos de irrigação, necessidade de secadores de de geada (no Paraná, São Paulo, Minas Gerais),
grãos, estocagem de água e até mão de obra podem ser operados por instituições de pesquisa e extensão,
antecipadamente previstos. Se se espera um verão muito que notificam agricultores via SMS, e-mail ou
quente, pode-se reforçar sistemas de irrigação ou sombra rádio quando uma geada se aproxima.
para culturas sensíveis. Se a previsão for de inverno • Alertas de chuvas extremas e vendavais: Em
ameno, talvez se reduza o cultivo de espécies que depen- caso de previsão de tempestade severa ou gra-
dem de frio para perfilhar adequadamente. nizo, os agricultores podem ser avisados para
ajustar o manejo — proteger máquinas e insu-
mos, agilizar a colheita de áreas prontas para
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evitar perdas, acionar seguros, etc. No Rio semear em solo seco. Durante o ciclo, ele acompanha da-
Grande do Sul, por exemplo, há sistemas de dos de umidade do ar e do solo, chuvas acumuladas e
alerta de granizo para parreirais de uva, permi- evapotranspiração para decidir quando irrigar parcelas
tindo acionar sistemas de proteção das videiras específicas e quando aplicar fungicidas (pois sabe que
horas antes. umidade alta + temperatura moderada podem precipitar
doenças foliares). Perto da colheita, ao receber um alerta
• Monitoramento de seca e colapso de safra: de chuva forte nos próximos dias, ele acelera a colheita
Sistemas mais complexos, como o desenvolvido de uma parte pronta para evitar que os grãos brotem na
pelo Cemaden/MCTI para o semiárido brasi- vagem por umidade excessiva. Esse exemplo ilustra como
leiro, instalam redes de coleta automática de da- o planejamento climático aliado a alertas precoces auxilia
dos (chuva e umidade do solo) em tempo real e em todas as etapas – do plantio (escolhendo a data certa),
usam modelos para prever riscos de fracasso de do manejo (irrigação, tratos com base no clima) até a co-
safra com semanas ou meses de antecedência. lheita (evitar perdas por eventos previstos).
Esse sistema integra dados de PCDs agrometeo-
rológicas e simulações para identificar municí- Em síntese, planejamento agrícola e alertas preco-
pios onde a falta de chuvas deverá comprometer ces caminham juntos na gestão de riscos climáticos: o
a agricultura de subsistência, emitindo alertas planejamento estratégico minimiza a exposição a riscos
para que medidas mitigadoras sejam tomadas conhecidos, e os sistemas de alerta permitem ações táticas
(distribuição de sementes resistentes, aciona- imediatas frente a riscos inesperados ou inevitáveis. Com
mento de programas emergenciais, etc.). Como as atuais tecnologias de monitoramento e previsão, já é
ressaltado pelo Cemaden, o monitoramento da possível ao produtor dispor de uma agrometeorologia
seca e os sistemas de alerta precoce são compo- operacional, na qual dados atuais, passados e futuros do
nentes centrais da gestão de risco agrícola no se- clima são integrados para apoiar todas as decisões no
miárido. campo.
• Alertas fitossanitários climáticos: Alguns sis- 18.4. IMPACTO DAS VARIÁVEIS METEORO-
temas de alerta correlacionam condições meteo- LÓGICAS NA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
rológicas com risco de pragas e doenças. Por
exemplo, bases de dados indicam que certos fun- As variáveis meteorológicas fundamentais – tempe-
gos (como o do míldio ou da ferrugem) prolife- ratura, precipitação, radiação solar, umidade, vento, entre
ram após períodos específicos de chuvas e calor. outras – exercem influência direta em todas as fases da
Assim, ao detectar essa sequência climática, um produção agrícola, desde a implantação até a colheita. O
alerta de possível surto é enviado aos produtores sucesso de uma safra depende da interação complexa des-
para que intensifiquem o monitoramento e apli- sas variáveis com as plantas cultivadas. A seguir, os prin-
quem defensivos preventivamente. Esse é um cipais impactos de cada elemento meteorológico na agri-
alerta precoce “indireto”, porém valioso, ao re- cultura:
lacionar clima e sanidade.
a) Temperatura (do ar e do solo):
18.3.3. Comunicação e resposta: É uma das variáveis mais importantes para as plan-
De nada adianta prever sem comunicar. Por isso, a tas, pois regula a velocidade das reações bioquímicas e
capilaridade dos sistemas de alerta é importante – eles dos processos de desenvolvimento fenológico. Cada espé-
devem alcançar até o agricultor no campo, de forma com- cie tem uma faixa de temperatura ótima na qual seu meta-
preensível e acionável. No Brasil, institutos como IN- bolismo funciona de forma mais eficiente. Temperaturas
MET, CEMADEN, Embrapas e serviços estaduais (Ce- amenas/adequadas aceleram o crescimento e favorecem
maden-SP, Cepagri-UNICAMP, etc.) trabalham em con- a fotossíntese, enquanto extremos de calor ou frio pre-
junto com a defesa civil e órgãos de extensão rural para judicam o desenvolvimento, reduzem a produtividade e
difundir alertas. Tecnologias móveis (aplicativos, SMS) e podem causar danos irreversíveis aos tecidos vegetais. Por
rádios comunitárias têm sido empregadas para levar men- exemplo, no milho (cultura tropical C4), temperaturas en-
sagens de alerta precoce a comunidades rurais. Um exem- tre ~24°C e 30°C são ideais para o crescimento; abaixo de
plo é o projeto SIGA (Sistema de Informações para Ges- ~10°C a planta praticamente entra em dormência, e noites
tão Agroclimática) que enviava boletins climáticos por ce- prolongadas acima de 30°C levam a redução no enchi-
lular para agricultores familiares, orientando-os conforme mento de grãos e senescência foliar precoce. Já culturas
a previsão da temporada. de clima temperado, como trigo, preferem temperaturas
mais baixas (ótima em torno de 15–20°C) e necessitam de
Exemplo prático: frio (vernalização) em algum estágio. Ondas de calor em
Considere o planejamento de safra em uma fazenda períodos críticos (florescimento, frutificação) podem pro-
de sequeiro. Após o fim da estiagem de inverno, o produ- vocar falha reprodutiva (como esterilidade do pólen de ar-
tor observa pelas previsões de tempo que as chuvas regu- roz acima de 35°C) e perda de qualidade (queima de fru-
lares devem começar na próxima semana e que o solo já tos, porte reduzido). Geadas ou congelamento de tecidos
apresenta umidade acumulada suficiente. Ele decide então destroem culturas sensíveis (ex.: hortaliças, café) quando
iniciar o plantio de soja em tal data, conforme o nível de a temperatura do ar cai abaixo de 0°C, gerando cristaliza-
água no solo e a previsão de chuva, evitando perdas por ção de água nos tecidos. A temperatura do solo também
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importa: solos frios retardam a germinação e a emergência hídrico se a planta não tiver água suficiente para transpirar
de plântulas (a maioria das sementes de cereais exige solo e resfriar seus tecidos. A luz solar também influencia a
> 10°C para germinar vigorosamente). Em suma, a tem- temperatura (dias ensolarados aquecem mais o micro-
peratura controla o relógio biológico das culturas – dentro clima que dias nublados). Outro aspecto é a qualidade da
de limites ótimos, acelera ciclos; fora deles, impõe estres- luz: níveis elevados de radiação ultravioleta podem dani-
ses que podem reduzir drasticamente a produção. ficar tecidos e reduzir a fotossíntese, embora muitas cul-
turas tenham mecanismos de proteção (pigmentos, cutí-
b) Chuva (precipitação): cula). Em resumo, radiação solar abundante e bem distri-
buída é, em combinação com água e nutrientes, um fator-
É a principal fonte de água para as plantas em siste-
chave para altas produtividades agrícolas.
mas de sequeiro e, portanto, essencial para suprir a de-
manda hídrica da cultura. Uma precipitação adequada
d) Fotoperíodo:
garante umidade do solo suficiente para absorção de nu-
trientes e manutenção do turgor das plantas. Déficit hí- Embora relacionado à radiação, o fotoperíodo (dura-
drico (estiagem) faz com que as plantas fechem seus es- ção do dia) atua mais como um sinalizador fisiológico do
tômatos para reduzir perda de água, o que limita a entrada que como fonte de energia. Muitas espécies apresentam
de CO₂ e diminui a fotossíntese. Com pouca água, há re- sensibilidade fotoperiódica, iniciando fases reprodutivas
dução do crescimento, murcha foliar e eventualmente somente quando o dia atinge certa duração. Culturas foto-
morte de plantas em secas prolongadas – é um dos fatores periódicas, como a soja tradicional, o fumo e algumas va-
que mais reduzem a produtividade agrícola globalmente. riedades de arroz, podem florescer apenas quando o foto-
Por outro lado, excesso de chuva pode ser tão prejudicial período encurta (plantas de dia curto) ou se alonga (dia
quanto a falta: chuvas continuadas encharcam o solo, ex- longo) além de um limiar. Por exemplo, a soja é fotoperí-
pulsando o ar dos poros e criando condições de anoxia odo-sensível: cultivares de determinadas regiões depen-
radicular (falta de oxigênio para as raízes). Isso prejudica dem de dias mais curtos para induzir a floração – se plan-
a absorção de nutrientes e pode causar podridões radicu- tadas em latitude muito diferente, podem florescer preco-
lares. Lavouras encharcadas ficam amareladas e com de- cemente ou tardiamente, afetando o ciclo e a produtivi-
senvolvimento travado. Além disso, precipitações inten- dade. O fotoperíodo, portanto, relaciona-se com adapta-
sas causam erosão do solo, carregando embora nutrientes bilidade varietal: escolher uma variedade com exigência
e reduzindo a fertilidade para culturas futuras; chuvas for- fotoperiódica compatível com a latitude local é crucial. Na
tes próximas à colheita podem acamar (deitar) culturas de prática, melhoristas desenvolveram cultivares de soja me-
porte alto como trigo e arroz, dificultando a colheita e pro- nos sensíveis (soja “de dia neutro”) para ampliar a adap-
vocando perdas. Resumidamente, a quantidade, distribui- tação geográfica. Apesar de o fotoperíodo em si não ser
ção e regularidade das chuvas ao longo do ciclo definem manejável, seu conhecimento permite planejar épocas de
o resultado da safra de sequeiro. Mesmo curtos períodos semeadura de modo que a cultura floresça na época mais
secos (veranicos) em fases sensíveis, como florescimento, favorável (por exemplo, evitar que o trigo floresça tarde
podem derrubar a produtividade; já um regime bem dis- demais no sul, quando dias já alongando podem encurtar
tribuído e suficiente maximiza o potencial produtivo. Por seu ciclo). Além disso, o fotoperíodo interage com tempe-
isso, práticas de armazenamento de água no solo (plantio ratura para definir o desenvolvimento (conceito de graus-
direto, terraceamento) e irrigação são focadas em mitigar dia), influenciando a duração do ciclo das plantas.
a variabilidade da chuva.
e) Umidade relativa do ar:
c) Radiação solar (luminosidade):
A umidade atmosférica afeta a agricultura principal-
É a fonte de energia para a fotossíntese, processo no mente via transpiração e sanidade das plantas. Em am-
qual as plantas convertem CO₂ e água em carboidratos, biente de baixa umidade relativa (ar seco), a taxa de trans-
base da formação de biomassa e rendimento econômico piração vegetal aumenta, pois o gradiente de vapor entre
(grãos, frutos, fibras). Quanto mais luz disponível (dentro a folha e o ar é maior. Isso pode acelerar o consumo de
do limite de saturação da cultura), maior pode ser a taxa água do solo pela planta e levar a estresse hídrico mais
fotossintética e, consequentemente, o crescimento. Cultu- cedo se as raízes não acompanharem a reposição. Já am-
ras exigentes em luz, como a maioria das gramíneas (mi- bientes muito úmidos reduzem a transpiração, o que em
lho, cana, sorgo), respondem com altos rendimentos si pode não ser problemático para a planta (exceto que di-
quando recebem alta irradiância. Por exemplo, o milho ficulta o resfriamento dela em dias quentes), mas elevam
(C4) tem fotossíntese bastante eficiente e pode atingir ele- a probabilidade de doenças. Fungos e bactérias patogêni-
vada produção de matéria seca sob luz intensa, enquanto cos prosperam em condições de umidade alta: folhas
plantas C3 como feijão saturam a fotossíntese em níveis constantemente molhadas ou um microclima saturado de
mais baixos de radiação. Baixa luminosidade (dias nu- vapor favorecem infecções de míldio, ferrugens, antrac-
blados contínuos) geralmente reduz a produtividade, pois nose, entre outras doenças. Por isso, em agricultura, níveis
limita o acúmulo de fotoassimilados. Algumas culturas de altos de umidade exigem atenção redobrada na defesa fi-
dias curtos (como soja indeterminada) podem ter seu ciclo tossanitária. Ambientes fechados como estufas precisam
prolongado sob baixa radiação, atrasando a maturação. Já de ventilação para evitar saturação de umidade. Por outro
excesso de radiação raramente é um problema por si só – lado, umidade muito baixa pode prejudicar certos pro-
o que ocorre é que radiação muito alta vem acompanhada cessos reprodutivos – por exemplo, o pólen de algumas
de maior demanda evaporativa, podendo causar estresse plantas pode não germinar se o ar estiver extremamente
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seco. Também aumenta a suscetibilidade a pragas como Além dos efeitos diretos sobre as plantas, o clima im-
ácaros (que preferem ambiente seco). Além disso, ar pacta práticas agrícolas e a cadeia produtiva. Por exem-
muito seco e quente causa o fenômeno de murcha fisio- plo, preparo do solo e colheita dependem de condições de
lógica diurna: mesmo com solo úmido, a planta não con- umidade adequadas – solo muito molhado impede tráfego
segue absorver água na velocidade da transpiração e tem- de máquinas; já solo muito seco dificulta o arado. A apli-
porariamente murcha nas horas mais secas do dia. Assim, cação de defensivos não deve ser feita sob chuva ou ven-
a umidade do ar ideal é moderada – suficiente para não tos fortes, para evitar lavagem ou deriva do produto. As-
estressar a planta por transpiração excessiva, mas não tão sim, o agricultor precisa sincronizar suas operações com
alta a ponto de gerar doenças. o tempo: pulverizar em dias sem vento e sem previsão de
chuva imediata, colher grãos apenas após dias secos para
f) Vento: ter umidade baixa, etc. Além disso, a ocorrência de certos
climas favorece ou não pragas e doenças: invernos ame-
O vento influencia as plantas de maneiras diversas,
nos podem não controlar populações de insetos (que em
podendo ser benéfico em alguns aspectos e prejudicial
climas frios morreriam), verões chuvosos aumentam do-
em outros. Ventos moderados ajudam na troca gasosa, re-
enças fúngicas, e assim por diante. Portanto, o impacto do
novando o CO₂ ao redor das folhas e dispersando o ex-
clima na agricultura vai além do crescimento vegetal – ele
cesso de vapor d’água, o que pode aumentar a fotossín-
permeia todo o sistema de produção.
tese e a transpiração em níveis saudáveis. Muitos culti-
vos dependem do vento para polinização (anemofilia) – As variáveis meteorológicas estabelecem o potencial
por exemplo, milho libera pólen que precisa ser carregado e os limites da produtividade agrícola em cada safra. Um
pelo vento para fecundar flores de plantas vizinhas. As- clima ideal (chuva bem distribuída, temperaturas dentro
sim, ausência total de vento pode prejudicar a polinização da faixa ótima, alta insolação e baixa ocorrência de extre-
em alguns casos. Ventos fortes, contudo, são geralmente mos) permite que as culturas expressem seu máximo po-
nocivos: podem causar danos mecânicos como o acama- tencial genético de produção. Já condições subótimas ou
mento (tombamento) de plantas altas e pesadas, quebra de eventos extremos resultam em perdas de produtividade,
ramos ou caules, ou até arranquio de mudas jovens. Cul- algumas vezes severas. Estudos estimam que no mundo
turas arbóreas podem ter galhos e frutos derrubados por cerca de 80% da variabilidade anual da produção se deve
rajadas intensas. Ventos quentes e secos elevam a de- ao clima, valor que tende a ser ainda maior em regiões
manda evaporativa, podendo dessecar folhas e flores (há tropicais de sequeiro. Por isso, manejo agrícola e pesquisa
fenômenos como “queima do trigo” associada a ventos se- estão constantemente buscando formas de amenizar os
cos durante a fase de enchimento de grãos). Em regiões impactos negativos do clima – seja através de irrigação,
litorâneas, ventos carregam sal, causando estresse salino cultivares melhoradas ou mudanças no sistema de cultivo
em plantas costeiras. Por outro lado, brisas leves reduzem – e aproveitar os positivos, como a abundância de sol em
microclimas muito úmidos, podendo diminuir doenças regiões tropicais, para aumentar a eficiência produtiva.
foliares. Em pomares densos, a ventilação reduz a conden-
sação e o tempo de molhamento foliar após chuvas, ini- 18.5. ANÁLISE CLIMÁTICA E PRODUTIVI-
bindo fungos. Ou seja, o vento age tanto no microclima DADE AGRÍCOLA
(secando o ambiente ou refrescando as plantas) quanto di-
A análise climática visa compreender como as vari-
retamente na planta (força mecânica). Em cultivos sujei-
ações e tendências do clima se relacionam com os níveis
tos a ventos fortes, usam-se quebra-ventos (cercas vivas,
de produtividade agrícola ao longo do tempo e entre dife-
barreiras) para proteger as plantas e reduzir a velocidade
rentes regiões. Basicamente, procura responder perguntas
do vento sobre a lavoura.
como: por que determinadas safras foram melhores ou pi-
ores que outras? ou por que certa região é mais produtiva
g) Outras variáveis meteorológicas:
para uma cultura do que outra?, tendo o clima como fator
Pressão atmosférica tem efeito indireto (variações explicativo principal.
normais de pressão pouco afetam plantas, exceto em alti-
Alguns aspectos importantes dessa análise incluem:
tudes elevadas onde a menor pressão reduz a densidade de
CO₂ e pode limitar a fotossíntese). Granizo é um evento 1) Correlação entre clima e rendimento:
meteorológico extremamente danoso: pedras de gelo
caindo lesionam folhas, caules e frutos, chegando a des- Por meio de dados históricos, pode-se correlacionar
truir totalmente lavouras em minutos. Neve (em raras indicadores climáticos (chuva total na estação, média de
temperatura, frequência de eventos extremos) com os ren-
áreas agrícolas do Brasil, como altos da serra catarinense)
dimentos obtidos em cada ano/safra. Muitas vezes há cor-
pode causar quebras de galhos pelo peso e congelamento
relações claras – por exemplo, anos com chuva abaixo da
de estruturas. Radiação ultravioleta e ozônio troposfé-
rico são fatores atmosféricos que, quando elevados, po- média se associam a produções menores de grãos em re-
dem levar a estresses oxidativos nas plantas, mas em con- giões de sequeiro. No Nordeste brasileiro, estudos encon-
traram correlação entre índices de seca (como desvios ne-
dições normais não são determinantes da produtividade.
gativos de chuva ou dias secos consecutivos) e quebras de
Evapotranspiração não é variável meteorológica em si,
produtividade em culturas como milho e feijão. Um es-
mas uma combinação de clima (radiação, temperatura,
tudo na microrregião de São Carlos (SP) mostrou que em
umidade, vento) e desenvolvimento da planta – é frequen-
temente usada como indicador da demanda atmosférica de anos considerados secos ocorreu retração significativa
água e para manejo da irrigação. na produção de cana-de-açúcar, enquanto anos úmidos
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favoreceram a safra. Essa análise confirmou que o au- calor excessivo no Nordeste que limitam o enchimento de
mento de produtividade observado em duas décadas se de- vagens. Ao mesmo tempo, verificou-se que em anos mais
via majoritariamente à expansão da área e melhorias tec- úmidos o Nordeste reduz essa diferença, demonstrando o
nológicas, mas nos anos de seca houve quedas produtivas peso da chuva. Mapas de produtividade média das cultu-
marcantes que foram atribuídas às condições climáticas ras quando sobrepostos a mapas de clima reforçam essas
adversas. associações. Estimativas indicam que o clima responde
por uma fração substancial – em certos casos majoritária
2) Identificação de fatores limitantes: – da diferença de produtividade entre locais, dado que fa-
tores de solo e manejo sejam comparáveis.
A análise climática ajuda a identificar qual fator cli-
mático está limitando a produtividade em dado contexto.
6) Explicando anomalias de safra:
Por exemplo, no Brasil Central a precipitação é geral-
mente o fator mais limitante para o milho (escassez hí- Em nível de safras nacionais, a análise climática é
drica reduz o potencial) enquanto no Sul pode ser a tem- utilizada para explicar por que uma safra foi recorde ou
peratura baixa em alguns períodos que atrasa o ciclo. Ao porque houve quebra generalizada em determinado ano.
se determinar que fator pesa mais (água, calor, radiação), Por exemplo, a safra de grãos 2020/21 no Brasil foi pre-
direcionam-se esforços de pesquisa e manejo para atenuá- judicada por uma intensa seca e geadas no Centro-Sul (as-
lo. Em regiões irrigadas do Nordeste, por exemplo, a li- sociadas a uma La Niña), resultando em queda de ~10%
mitação pode ser térmica (excesso de calor), indicando a na produção de milho. Já a safra 2022/23 teve clima favo-
necessidade de adaptar calendários ou variedades. Já em rável na maioria das regiões, batendo recordes. Assim, ór-
regiões de sequeiro no Sudeste, pode ser hídrica, indi- gãos como Conab e IBGE usam dados meteorológicos
cando investimentos em irrigação ou armazenamento de para justificar revisões nas estimativas de safra. A quanti-
água. ficação pode vir via modelos (ex.: estimativas de perda de
produtividade por falta de chuva de acordo com estágios
3) Uso de índices climáticos combinados: afetados).
Muitas vezes, combinações de variáveis explicam Um resultado importante dessas análises é quantifi-
melhor a produtividade do que isoladamente. Por isso, uti- car a “penalidade” climática na produtividade. Por
lizam-se índices agroclimáticos que integram informa- exemplo: quanto de produção deixa-se de obter devido à
ções. Um exemplo é o Índice de Satisfação das Necessi- limitação hídrica em média? Pesquisas de longo prazo in-
dades de Água (ISNA), que relaciona chuva e evapotrans- dicam que, no Brasil, sob clima plenamente favorável as
piração durante o ciclo – valores mais baixos de ISNA in- produtividades médias de culturas como soja e milho po-
dicam deficiência hídrica e tendem a correlacionar com deriam ser significativamente maiores que as atuais – a
menor produtividade. Outros índices como número de diferença sendo atribuída a estresses climáticos. Em con-
dias com deficiência/excesso ou ocorrência de veranicos trapartida, também há casos de clima excepcionalmente
em fases críticas também são analisados. No estudo citado favorável ter permitido produtividades acima do esperado
em São Carlos, calcularam-se índices climatológicos pelo (ex.: “safra das águas” em regiões onde normalmente falta
software RClimDex (ex.: dias consecutivos secos, dias chuva, ou verões amenos que evitaram abortos florais).
muito quentes, chuva máxima em 5 dias) e achou-se cor- Combinando a análise climática e a estatística agrí-
respondência entre períodos com muitos dias secos con- cola, derivam-se modelos empíricos que predizem pro-
secutivos e reduções de safra. dutividade a partir de variáveis climáticas. Por exem-
plo, um modelo pode prever a produtividade de soja de
4) Análise de tendência e mudanças: uma região usando como inputs a chuva total de janeiro-
fevereiro e a temperatura média de fevereiro, baseado em
Além da variabilidade interanual, verifica-se se mu-
regressão múltipla. Esses modelos são úteis para previsão
danças climáticas graduais já estão afetando a produti-
de safra e sistemas de alerta, permitindo antecipar colap-
vidade. Por exemplo, se a tendência de aumento de tem-
sos produtivos ou safras excelentes conforme o clima se
peratura está associada a alguma alteração em rendimen-
desenrola.
tos ou em práticas (como escalonamento de plantio). Em
algumas regiões, notou-se adiantamento de fases fenoló- Exemplo ilustrativo:
gicas (florescimento mais cedo) devido a aquecimento, o No Estado do Rio Grande do Sul, a produtividade de
que pode influir no período de enchimento de grãos e peso soja apresenta alta variabilidade anual. Analisando a série
final. Identificar essas tendências permite prever desafios histórica, verifica-se que os piores anos (como 2005 e
futuros. 2020) coincidem com estiagens severas causadas por El
Niño e La Niña respectivamente, enquanto anos de alta
5) Zoneamento de produtividade (avaliação espa- produtividade (como 2013, 2015) tiveram chuvas bem
cial): distribuídas. Assim, é possível correlacionar o desvio de
Comparando climas de regiões distintas e suas pro- chuva no verão com o desvio de produtividade da soja.
dutividades, entende-se quais condições climáticas levam Essa análise embasa políticas de seguro e também me-
a maiores rendimentos potenciais. Por exemplo, a produ- lhora a confiança na adoção de variedades mais responsi-
tividade de soja no Brasil é historicamente maior no Sul vas quando o clima é favorável (pois se sabe que sem res-
do que no Nordeste, em parte devido ao clima mais ameno trição hídrica o potencial é elevado, mas um déficit pode
e com chuvas bem distribuídas no Sul, versus veranicos e anular esse ganho).
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18.6. RELAÇÃO ENTRE VARIÁVEIS CLIMÁ- climas quentes a moderados: no caso do café arábica, o
TICAS E PRODUTIVIDADE DE DIFERENTES ideal são temperaturas médias de 18–23°C; acima de 30°C
CULTURAS a planta sofre e há queda de produtividade e qualidade.
Assim, regiões de baixa altitude muito quentes não são
Cada espécie cultivada possui exigências climáticas
propícias ao arábica, sendo preferidas áreas mais altas e
específicas e responde de forma particular às variáveis do
amenas (ex.: Sul de MG). O café robusta (conilon) tolera
meio. Assim, a influência do clima na produtividade varia
um pouco mais de calor (ótimo 22–26°C), então é plan-
de cultura para cultura. Podemos destacar alguns exem-
tado em altitudes menores no ES e BA.
plos e contrastes entre diferentes grupos de plantas culti-
vadas:
3) Exigência hídrica e eficiência de uso da água:
1) Culturas C4 vs. C3 (diferenças fotossintéticas): Diferentes culturas têm também distintas tolerâncias
à seca ou necessidade de água. Por exemplo, sorgo e mi-
Plantas com mecanismo fotossintético C4 (como mi-
lho são relativamente tolerantes a déficits curtos (especi-
lho, cana-de-açúcar, sorgo, capins tropicais) aproveitam
almente o sorgo, que é conhecido por resistir melhor à
melhor altas intensidades luminosas e temperaturas eleva-
seca do que o milho, fechando estômatos mais eficiente-
das em comparação com plantas C3 (como trigo, arroz,
mente e entrando em dormência). Arroz irrigado é extre-
soja, feijão). Por exemplo, o milho apresenta taxa fotos-
mamente exigente em água (mantém-se alagado), mas o
sintética máxima em radiação solar plena e tem ótimo de-
arroz de terras altas precisa de um regime bem distribuído
senvolvimento em temperaturas em torno de 30°C. Já cul-
de chuva. Milho safrinha plantado no inverno no Centro-
tivos C3, como o trigo, podem ter redução fotossintética
Oeste convive com menos chuva e consegue produzir ra-
por saturação de luz em níveis mais baixos e preferem
zoavelmente – variedades precoces escapam do pior da
temperaturas mais amenas (15–25°C) durante grande
seca. Em contrapartida, culturas folhosas e hortaliças em
parte do ciclo. Isso significa que em regiões muito quen-
geral demandam suprimento hídrico constante para não
tes, culturas C4 tendem a superar em produtividade as C3,
perder qualidade (folhas murcham rapidamente). Culturas
desde que haja água disponível. Por outro lado, em climas
de raiz tuberosa como mandioca são notavelmente tole-
frescos, as C3 (ex.: cereais de inverno) prosperam onde
rantes à seca (perdem folhas e rebrotam quando chove).
C4 tropicais não conseguiriam completar o ciclo devido
Assim, a produtividade potencial de cada cultura num
ao frio. Um exemplo é a comparação entre milho e trigo:
dado ambiente depende do quanto as condições hídricas
o milho tropical não é plantado no inverno sul-brasileiro
locais atendem à exigência daquela espécie. Um caso ilus-
devido às temperaturas baixas, enquanto o trigo sim; já no
trativo: cana-de-açúcar (ciclo perene) necessita de alta
verão do Centro-Oeste, o milho alcança alto rendimento
disponibilidade hídrica ao longo de muitos meses – em
sob calor e alta radiação, condições em que o trigo teria
regiões com estação seca definida, a produtividade de
dificuldades (necessitaria de noites mais frescas).
cana de sequeiro pode ser limitada. De fato, projeções
apontam que as regiões canavieiras do centro-sul, se sub-
2) Culturas de estação fria vs. estação quente:
metidas a secas mais longas por mudanças climáticas, te-
Algumas culturas prosperam em climas frios ou fres- rão redução de produtividade a menos que expandam irri-
cos – são tipicamente originárias de latitudes médias/altas gação ou mudem manejo.
– enquanto outras são estritamente de clima quente. Por
exemplo, trigo, cevada, batata, maçã e pera desenvol- 4) Sensibilidade a extremos específicos:
vem-se melhor com temperaturas mais baixas; essas cul-
Certas culturas têm pontos fracos climáticos bem co-
turas de clima temperado frequentemente requerem um
nhecidos. O feijoeiro comum (Phaseolus vulgaris) é bas-
período de frio (vernalização ou acúmulo de horas de frio)
tante sensível a excesso de chuvas na floração e colheita
para induzir fases reprodutivas ou quebra de dormência de
– chuvas nessa fase causam aborto de flores e mancha nos
gemas. Em contrapartida, arroz, algodão, café, citros,
grãos. Já o amendoim não lida bem com falta de chuva
milho, sorgo são de clima quente e não toleram geadas ou
durante o enchimento de vagens, pois seu sistema radicu-
longos períodos frios – o arroz, por exemplo, tem germi-
lar superficial requer umidade constante. Frutíferas tem-
nação e crescimento praticamente cessados se a tempera-
peradas (maçã, pêssego) têm a já mencionada necessi-
tura cair abaixo de 15°C; já o trigo não se dá bem se tem-
dade de frio invernal; se o inverno for quente demais, há
peraturas noturnas não caem o suficiente (precisa de frio
baixo “pegamento” de frutos e safra pobre. Videiras para
para perfilhamento robusto, dependendo da cultivar).
uva vinífera precisam de tempo seco na maturação –
Produtividade ótima ocorre quando a cultura é plan-
chuva em excesso próximo da vindima dilui os açúcares
tada em seu intervalo climático ideal. Por exemplo,
da uva e favorece fungos, arruinando a qualidade do vi-
trigo em locais com inverno muito brando pode não ren-
nho. Citrus são muito sensíveis a frio abaixo de 0°C (ge-
der bem por falta de estímulo de frio, enquanto arroz em
adas severas matam laranjeiras). O cacaueiro não tolera
clima frio cresce lentamente e produz menos. Isso reflete-
períodos prolongados de seca nem temperaturas abaixo de
se no zoneamento: as áreas aptas para trigo no Brasil são
~10°C. Já oliveiras demandam verões quentes e secos e
sobretudo o Sul (onde há frio), enquanto áreas aptas para
um certo frio no inverno para induzir floração adequada –
arroz irrigado incluem desde o Sul (clima mais fresco, me-
por isso regiões subtropicais com verões não tão chuvosos
nor risco de seca) até o Sudeste e Centro-Oeste (contanto
e algum frio (como sul do Brasil) têm se prestado ao cul-
que haja irrigação, pois tolera calor desde que haja água).
tivo de oliveiras, enquanto em climas tropicais úmidos a
Culturas tropicais perenes como café e cacau exigem
produtividade é baixa devido a doenças e ausência de frio.
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aquecimento, sombreamento) e geralmente menor produ-
5) Efeito do fotoperíodo e latitude: tividade.
Culturas como a soja, algodão e certas variedades de Com o avanço da agricultura, foi possível atenuar al-
arroz são fotoperiódicas, como discutido. Isso significa gumas limitações climáticas – irrigação contorna a falta
que sua produtividade ótima depende de estarem na lati- de chuva, estufas protegem contra frio e excesso de chuva,
tude certa para que o fotoperíodo atinja o nível necessário quebradores de dormência químicos substituem frio –
na época correta do ciclo. Por exemplo, uma cultivar de mas esses insumos têm custo, de modo que ainda é mais
soja desenvolvida para o Centro-Oeste (15°S, dias relati- econômico adequar a cultura ao clima do que o contrário.
vamente uniformes) pode não performar bem em latitude
30°S, pois lá os dias de verão são bem mais longos e po- 18.7. MODELAGEM AGROCLIMÁTICA E SI-
dem atrasar/atrapalhar a floração. Por isso, há grupos de MULAÇÃO DE CULTIVO
maturidade de soja específicos por região. Já culturas di-
18.7.1. Definição:
áfanas (neutras ao fotoperíodo), como milho e trigo (na
maioria das cultivares modernas), não têm esse problema Modelagem agroclimática refere-se ao desenvolvi-
e dependem mais da temperatura acumulada (graus-dia) mento e uso de modelos matemáticos/computacionais que
para completar o ciclo. A latitude também influencia a descrevem o crescimento e a produção das culturas em
radiação recebida: latitudes tropicais recebem radiação função de variáveis do clima (além de solo e manejo). Es-
mais intensa e constante ao longo do ano – bom para cul- ses modelos de simulação de cultivo procuram reprodu-
turas que precisem de muita energia, mas pode exceder a zir virtualmente o comportamento das plantas ao longo do
necessidade de culturas de sombra ou de dias curtos. Em ciclo, calculando etapa por etapa – desde a semeadura até
latitudes altas, a radiação no verão é ótima, mas o período a colheita – parâmetros como desenvolvimento fenoló-
total de crescimento pode ser curto devido ao inverno ri- gico, índice de área foliar, absorção de radiação, biomassa
goroso. Assim, cada cultura “escolhe” a latitude/clima acumulada, consumo de água e, por fim, o rendimento
onde atinge seu máximo: trigo e batata, por exemplo, pro- (produção de grãos, matéria seca, etc.). Ao integrar variá-
duzem recordes em climas temperados (Canadá, norte da veis climáticas (temperatura, radiação, chuva), edáficas
Europa) onde dias longos e verões amenos prolongam o (tipo de solo, disponibilidade de nutrientes) e decisões de
enchimento de grãos/tubérculos; já cana e milho rendem manejo (datas de plantio, irrigação, adubação, controle de
mais em climas tropicais/subtropicais com muita energia pragas), esses modelos permitem simular cenários e pre-
solar. ver resultados sob diferentes condições. Em essência, são
ferramentas que conectam meteorologia e fisiologia vege-
6) Culturas anuais vs. perenes: tal para apoiar o planejamento agrícola.
As culturas anuais (grãos, hortaliças) normalmente
18.7.2. Componentes dos modelos:
expressam impacto climático de forma mais direta no seu
rendimento daquela safra, enquanto culturas perenes Um modelo de cultura típico inclui submodelos que
(café, frutas, pastagens perenes) podem ter impactos cu- representam processos chave:
mulativos. Por exemplo, uma seca extrema num ano pode
não só derrubar a produção de café daquele ano, mas com- • Fenologia – cálculo do progresso do desenvol-
prometer a formação de gemas para o ano seguinte, pro- vimento da planta (em dias ou graus-dia) do
longando o efeito. De outro lado, se um ano tem clima plantio à emergência, depois até florescimento,
excepcionalmente bom, uma cultura perene pode armaze- enchimento de grãos e maturação, geralmente
nar reservas e ter produção superior no próximo ciclo tam- dependente de temperatura e fotoperíodo.
bém. Pastagens (gramíneas forrageiras) reagem rapida- • Crescimento – estimativa da fotossíntese diária
mente à chuva e temperatura: crescimento explode com com base na radiação solar interceptada pelo
chuva e calor, e praticamente cessa no frio ou seca – isso dossel (calculado via índice de área foliar) e na
afeta a produção pecuária (suporte animal) de forma direta eficiência de uso da luz, ajustada por tempera-
e imediata. tura e estresses (hídrico, nutricional). Aqui mui-
Cada cultura possui uma “assinatura climática” pró- tas vezes entra o conceito de radiação fotossin-
pria. A máxima produtividade de cada cultura só é obtida teticamente ativa interceptada e conversão em
quando suas exigências específicas de temperatura, luz, biomassa (modelo de Monteith).
água e ausência de extremos prejudiciais são atendidas. Se • Partição de assimilados – divisão da biomassa
algum fator climático foge do ótimo para aquela cultura, produzida entre órgãos (raiz, caule, folhas, ór-
sua produtividade será menor do que o potencial. Esse é o gãos de reserva/grãos) conforme a fase do ciclo.
fundamento do zoneamento agroclimático: alinhar cul-
turas às regiões onde o clima é mais compatível. Por • Hídrico – simulação do balanço de água no solo
exemplo, o cafezal terá melhor desempenho em altitudes (entrada por chuva/irrigação, saída por drena-
onde a temperatura média anual fique entre 19–21°C, en- gem e evapotranspiração). Com isso, determinar
quanto a mangicultura industrial prefere climas semiári- se a cultura sofre estresse hídrico em dada fase,
dos irrigados com alta radiação e baixa umidade (que re- reduzindo crescimento e produtividade. Alguns
duzem doenças). Cultivar plantas fora de seu ambiente cli- modelos incorporam o cálculo da evapotranspi-
mático ideal resulta em maiores custos (irrigação, ração de referência (por equação de Penman-
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Monteith) multiplicada por coeficientes de cul- como ferramenta de apoio à decisão em sistemas de pro-
tura para obter o consumo hídrico. dução.
• Nitrogênio/nutrientes (em modelos mais avan- Exemplo prático de uso:
çados) – simulação da dinâmica de nutrientes no
Pesquisadores calibraram e validaram os modelos
solo e captação pela planta, afetando o cresci-
DSSAT e APSIM para cultivar de trigo em condições de
mento (pois deficiência nutricional diminui taxa
sequeiro em Islamabad, Paquistão. Os modelos, após ajus-
fotossintética e formação de estrutura).
tes, conseguiram reproduzir bem os resultados de bio-
• Térmico – contabilização de danos por tempe- massa e produtividade observados em campo sob diferen-
raturas extremas (ex.: abortamento de flores sob tes cultivares e anos, com coeficientes de erro (RMSE) re-
calor excessivo, ou paralisação de crescimento lativamente baixos. Verificou-se que o APSIM simulou
sob frio). com um pouco mais de precisão que o DSSAT nesse caso.
Os autores então usaram os modelos para explorar cená-
Ao final, o modelo gera como saída o rendimento rios de manejo: verificaram qual cultivar seria mais ade-
(por exemplo, kg/ha de grãos) e outros indicadores (pro- quada sob determinadas condições e qual época de seme-
dução de palha, umidade do grão na colheita, etc.) para as adura otimiza a produtividade média e minimiza risco,
condições climáticas e manejo fornecidos. considerando a variabilidade climática. Concluíram que
tais modelos são úteis como suporte na definição de sis-
Exemplos de modelos e aplicações: temas de produção e seleção de genótipos sob cenários
Diversos modelos foram desenvolvidos global- climáticos variáveis, ajudando a planejar estratégias
mente, por exemplo: frente às mudanças do clima.
• O modelo DSSAT (Decision Support System Decisões orientadas por modelos:
for Agrotechnology Transfer), um conjunto de
modelos para mais de 40 culturas, bastante Hoje, é crescente o uso desses modelos em pacotes
usado em pesquisa e extensão. de agrometeorologia operacional. Empresas e institutos
• O modelo APSIM (Agricultural Production podem rodar simulações diariamente conforme o clima
Systems Simulator), modular, também simula observado e previsto, gerando previsões de produtividade
sistemas de rotação, integração lavoura-pecuá- para agricultores. Por exemplo, um modelo pode indicar:
ria, etc. “se plantar tal variedade na data X, com esse solo e clima
• Modelos da família WOFOST (usado na Eu- medido até agora, a produtividade esperada é Y; porém, se
ropa), STICS (França), InfoCrop (Índia), atrasar 15 dias, o risco de déficit hídrico durante o enchi-
AquaCrop (FAO, focado em simulação de cul- mento de grãos aumenta e a produtividade esperada cai
turas com ênfase em água), entre outros. Z%”. Essa informação permite ao produtor ajustar a tática
de plantio. Alguns modelos simplificados rodam até
Esses modelos são utilizados para uma variedade de mesmo embarcados em estações meteorológicas automá-
fins: avaliação de práticas de manejo (por exemplo, ticas, dando um tipo de “previsão de rendimento em
comparar datas de plantio ou doses de nitrogênio e ver o tempo real” conforme o clima do ano vai ocorrendo.
efeito na produtividade média e no risco, usando longos
registros climáticos), zoneamento agrícola (rodando o Integração com previsões climáticas:
modelo em diversas localidades e anos para mapear onde
a cultura atinge certos níveis de rendimento), previsão de Uma poderosa aplicação é integrar modelos de cul-
safras (rodando-se o modelo com dados meteorológicos tivo com previsões climáticas sazonais. Por exemplo, me-
observados até o presente e dados climatológicos ou pre- teorologistas preveem com alguns meses de antecedência
visão para o restante da estação, obtém-se uma estimativa se a próxima estação será mais seca ou mais úmida que o
de rendimento da safra atual), e análise de cenários de normal (graças a fenômenos como El Niño). Essas previ-
mudanças climáticas (alimentando o modelo com clima sões podem ser traduzidas em cenários climáticos que ali-
futuro projetado para ver como a produtividade responde- mentam o modelo de crescimento de culturas, indicando
ria e quais adaptações seriam necessárias). a probabilidade de diversos níveis de produtividade. Isso
permite uma espécie de alerta agrícola antecipado: “há
Modelos de simulação são considerados ferramen- X% de chance da produtividade de milho ficar abaixo de
tas complementares a experimentos de campo. Eles tal valor na região Y devido ao clima previsto”. Estudos
permitem extrapolar resultados para condições não testa- na Europa demostraram que previsões sazonais de clima
das experimentalmente e explorar uma gama enorme de podem antecipar o tempo de florescimento do trigo e o
cenários a baixo custo. Por exemplo, ao invés de plantar risco de estresse hídrico durante o enchimento de grãos,
fisicamente em 100 locais diferentes para testar adaptação dando base para seleção de variedades e planejamento de
de uma cultivar, pode-se simular no modelo essas 100 lo- manejo com meses de antecedência.
calidades (desde que o modelo esteja bem calibrado). Es-
tudos com DSSAT e APSIM mostraram que, quando cali- Limitações:
brados com dados de alguns experimentos, conseguem
prever com razoável precisão o crescimento e rendimento Nenhum modelo é perfeito – eles são aproximações
de culturas como trigo sob diversas condições, servindo da realidade. Precisam ser constantemente calibrados e
validados com dados locais para garantir confiabilidade.
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Ademais, requerem bastante informação de entrada resultados. Isso fornece uma probabilidade do evento
(clima diário, características de solo, parâmetros varietais) ocorrer. Por exemplo, pode-se comunicar que “há 80% de
que nem sempre estão disponíveis com precisão. Modelos chance de chuva acima de 50 mm amanhã na região tal”.
também têm dificuldade em capturar efeitos de fenôme- Essa linguagem probabilística está entrando no agronegó-
nos extremos ou danos por eventos como granizo, que não cio, permitindo avaliação de risco. Ferramentas de now-
são facilmente quantificáveis. Apesar disso, quando usa- casting (previsão de curtíssimo prazo, 0–6h, usando radar
dos com entendimento de suas incertezas, são valiosos meteorológico) também ajudam a antecipar eventos seve-
para reduzir a incerteza nas decisões agrícolas. ros iminentes.
18.8. MODELAGEM CLIMÁTICA, PREVISÃO Previsão climática sazonal (médio prazo):
DE EVENTOS EXTREMOS E PREVISÃO CLIMÁ-
Refere-se às previsões de anomalias climáticas para
TICA PARA A GESTÃO AGRÍCOLA
as próximas semanas, meses ou trimestre. Ao contrário da
Além dos modelos de crescimento de culturas discu- previsão do tempo (que dá detalhes dia a dia), a previsão
tidos no item anterior, a agricultura também se beneficia climática indica tendências médias – por exemplo, espera-
de modelos voltados para a previsão do clima em si – se que o verão seja mais seco que a média no Sul do Bra-
desde modelos numéricos de previsão do tempo para os sil, ou que o próximo trimestre tenha temperaturas acima
próximos dias até modelos climáticos de longo prazo que da média no Nordeste. Essas previsões se baseiam em mo-
projetam tendências futuras. A modelagem climática delos climáticos globais que simulam o oceano-atmos-
aqui refere-se aos modelos matemáticos que simulam a fera, inicializados com as condições atuais (por exemplo,
atmosfera (e frequentemente o oceano e outros compo- temperatura do Pacífico para ver evolução de El Niño/La
nentes) para prever ou projetar condições meteorológi- Niña) e projetam a evolução do clima. São produtos tipi-
cas/climáticas. Tais modelos permitem antecipar eventos camente fornecidos por centros como o IRI/Columbia,
extremos e fornecer previsões climáticas sazonais, infor- NOAA, Met Office, CPTEC/INPE, entre outros, geral-
mações valiosas para a gestão agrícola em diferentes ho- mente em formato probabilístico (probabilidade do tri-
rizontes temporais. mestre ficar dentro da categoria abaixo, normal ou acima
da média).
Previsão de eventos extremos (curto prazo):
Para a agricultura, as previsões sazonais constituem
São as previsões de tempo a poucos dias de antece- uma ferramenta estratégica de gestão de risco. Apesar de
dência (1 a 15 dias) fornecidas por modelos numéricos de não terem resolução espacial tão alta (são em escala regi-
previsão do tempo de alta resolução. Esses modelos resol- onal) e carregarem incerteza, elas permitem planejar a
vem equações físicas da dinâmica atmosférica usando su- safra com base em cenários mais prováveis. Estudos mos-
percomputadores e dados observacionais (de estações, ra- tram que, quando bem calibradas, tais previsões fornecem
dares, satélites) assimilados continuamente. Para a agri- informações úteis para a tomada de decisão agrícola. Por
cultura, as previsões de curto prazo mais críticas são jus- exemplo, na Europa foi demonstrado que a previsão cli-
tamente aquelas de eventos severos: tempestades convec- mática conseguiu predizer com antecedência o tempo de
tivas, ondas de frio ou calor, geadas, ciclones tropicais florescimento do trigo e a ocorrência de secas durante pe-
(em áreas suscetíveis, como furacões que possam atingir ríodos sensíveis do ciclo, permitindo aos agricultores se-
lavouras costeiras), entre outros. A qualidade dessas pre- lecionar variedades e planejar práticas de manejo adequa-
visões vem melhorando nas últimas décadas, e hoje é co- das. De modo geral, se o agricultor sabe com 2–3 meses
mum o agronegócio acompanhar boletins diários de insti- de antecedência que há alta probabilidade de estiagem na
tuições meteorológicas. Quando um evento extremo é pre- segunda metade da safra, ele pode:
visto, ações podem ser desencadeadas (como detalhado no
item 18.3: sistemas de alerta precoce). Por exemplo, se o • Optar por culturas menos sedentas ou reduzir a
modelo numérico indica alta probabilidade de geada da- área plantada de culturas vulneráveis.
qui a 3 dias em determinada microrregião, serviços de ex- • Escalonar mais o plantio para tentar escapar da
tensão e cooperativas difundem alertas para que produto- pior falta de chuva.
res de hortaliças acionem medidas anti-geada. Se indica • Ajustar investimento: talvez segurar gastos altos
chuvas intensas (20–30 mm ou mais em poucas horas) so- (fertilizantes, etc.) se a chance de retorno for me-
bre uma lavoura pronta para colher, o produtor pode reor- nor sob seca, ou ao contrário, investir mais em
ganizar a colheita para anteceder a chuva. Assim, previ- irrigação de salvamento.
sões de curto prazo permitem intervenções táticas ime- • Negociar seguro ou contratos futuros ciente de
diatas na lavoura, mitigando danos ou aproveitando que a produção pode ser menor.
oportunidades (ex.: irrigar ou aplicar fertilizante antes de No Brasil, um caso de uso é o Setor Sucroalcoo-
uma chuva esperada, otimizando uso da água). leiro, que acompanha previsões sazonais porque safras de
É importante ressaltar que eventos extremos, por de- cana duram o ano todo. Se modelos indicam um inverno
finição raros e localizados, representam um desafio à pre- mais seco que o normal (bom para a colheita e ATR, teor
visão. Modelos numéricos têm incertezas – por isso uti- de açúcar), as usinas podem programar a logística de co-
liza-se muito previsão por conjunto (ensemble): rodam-se lheita de acordo. Se indicam verão chuvoso além do nor-
vários modelos ou o mesmo modelo com pequenas varia- mal, já se espera uma safra seguinte melhor, etc. Outro
ções nas condições iniciais, gerando um conjunto de exemplo: durante eventos de El Niño, que costumam tra-
zer chuva acima da média no Sul e abaixo da média no
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Nordeste/Norte, as empresas de sementes, cooperativas e A modelagem climática e as previsões em diferen-
governo usam essa informação para direcionar ações (dis- tes escalas temporais constituem hoje um pilar da agro-
tribuição de sementes tolerantes à seca no Semiárido, por meteorologia aplicada. Elas fornecem informações pros-
exemplo, ou incentivo a safra cheia no Sul). pectivas que, quando incorporadas à gestão, aumentam a
capacidade de resposta do setor agrícola às vicissitudes do
Modelagem climática de longo prazo (mudanças tempo e do clima. Seja um produtor individual decidindo
climáticas): a irrigação amanhã com base na previsão do tempo, seja
uma cooperativa regional ajustando seu financiamento de
Em um horizonte ainda maior, modelos climáticos
safra com base na previsão climática da estação, ou for-
globais (GCMs) e regionais (RCMs, com downscaling)
muladores de políticas montando programas de apoio di-
são empregados para projetar o clima nas próximas déca-
ante das projeções de clima futuro – todos se beneficiam
das sob diferentes cenários de emissões de gases de efeito
dos avanços na capacidade de prever o comportamento
estufa. Esses modelos alimentam relatórios como os do
climático. Estudos de caso comprovam ganhos: na Eu-
IPCC e indicam prováveis mudanças na frequência de
ropa, por exemplo, o uso de previsões sazonais no setor
eventos extremos e deslocamentos de padrões climáticos
de trigo possibilitou selecionar variedades e planejar
importantes para a agricultura. Tais projeções não são
operações com eficácia, dado que já se sabia o provável
“previsões” no sentido determinístico, mas cenários. Para
padrão de clima da safra antes mesmo dela se desenvolver.
a gestão agrícola, servem de base para planejamento de
Ainda há desafios, como melhorar a previsão de excesso
adaptação (ver item 18.9). Por exemplo, as projeções
de chuvas (que se mostrou mais difícil, com baixa habili-
para o Brasil apontam com alta confiança um aumento de
dade preditiva em alguns estudos), mas o caminho aponta
temperatura em todas as regiões nas próximas décadas e
para uma agricultura cada vez mais orientada por infor-
possíveis mudanças no regime de chuvas – tendência de
mações climáticas antecipadas – concretizando o con-
secas mais intensas e frequentes no Centro-Oeste e parte
ceito de serviços climáticos para a agricultura.
do Sudeste, e chuvas mais concentradas e irregulares. Es-
sas informações fazem com que o setor agrícola invista
18.9. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AGRICUL-
em variedades mais tolerantes a calor, em pesquisa por
TURA
melhor eficiência de uso de água, em ampliar irrigação,
em alterar zonas de cultivo gradualmente (como viticul- 18.9.1. Cenário de mudanças climáticas:
tura indo para regiões mais frias de altitude, etc.). Aqui a
O clima global está passando por um processo de
modelagem climática e a agrometeorologia se encon-
aquecimento e alteração dos padrões de chuva, em grande
tram para delinear o futuro: as safras de amanhã serão
parte atribuído às emissões antrópicas de gases de efeito
moldadas pelas condições projetadas pelos modelos de
estufa. Desde meados do século XX, a temperatura média
clima global, e o papel dos especialistas é traduzir esses
do planeta subiu cerca de 1,1 °C e, se as emissões conti-
cenários em impactos e estratégias.
nuarem no ritmo atual, projeta-se um aquecimento adici-
onal de vários graus até o final do século. Para o Brasil e
Previsão de fenômenos oceano-atmosféricos
a América do Sul, os modelos climáticos indicam (no ce-
(como El Niño/ La Niña):
nário de emissões altas) tendência de aumento de tempe-
Grande parte do sucesso em previsão sazonal vem da raturas extremas, mudanças na distribuição das chu-
modelagem desses fenômenos de larga escala. O acopla- vas – com regiões possivelmente ficando mais secas (es-
mento oceano-atmosfera simulado em modelos consegue pecialmente o interior do Nordeste e partes do Centro-
prever com vários meses de antecedência o desenvolvi- Oeste) e outras enfrentando eventos de chuva mais con-
mento de um El Niño (aquecimento anômalo no Pacífico centrados e intensos – e maior frequência de eventos cli-
Equatorial) ou La Niña (resfriamento). Como esses even- máticos extremos como secas severas, ondas de calor e
tos influenciam o regime de chuvas em várias partes do tempestades intensas. Essas mudanças no clima trazem
globo, sua previsão funciona como sinal de alerta para a consequências profundas para a agricultura, setor que é
agricultura mundial. Por exemplo, um El Niño forte pre- altamente dependente das condições ambientais.
visto costuma acender alerta de seca no leste da Austrá-
lia e na Amazônia e de excesso de chuvas no sul do Bra- 18.9.2. IMPACTOS ESPERADOS NA AGRI-
sil e norte da Argentina. Assim, produtores podem ante- CULTURA:
cipar redução de oferta de certos produtos e se posicionar
Redução de Impactos esperados na agricultura:
no mercado, governos podem preparar ajuda em regiões
De modo geral, espera-se que as mudanças climáticas tra-
propensas a quebra de safra, etc. Já a La Niña historica-
gam mais estresse hídrico e térmico para as lavouras em
mente traz alta chance de seca no Sul do Brasil e Argen-
muitas regiões, afetando negativamente a produtividade
tina – saber disso com antecedência permite à cadeia de
média de diversas culturas. Áreas hoje marginalmente ap-
grãos desses países planejar estoques e logística para pos-
tas podem se tornar inviáveis sem irrigação devido ao au-
síveis quebras. Nos anos 2015–2016 (El Niño forte) e
mento de regiões em situação de estresse hídrico (falta
2017–2018 (La Niña), essas previsões ajudaram a mitigar
de água). Estudos projetam, por exemplo, redução signi-
surpresas, embora a variabilidade interna do clima sempre
ficativa de produtividade de grãos em partes do Nordeste
traga alguma incerteza nos impactos regionais.
brasileiro em cenários de aquecimento elevado. Na região
Centro-Sul, projeções do sistema AdaptaBrasil/MCTI su-
gerem que o interior de São Paulo, sul de Minas e Goiás
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enfrentarão secas mais intensas e frequentes nas próximas por noites frias) podem reduzir se essas condições se tor-
décadas – nessas áreas (que concentram grande parte da narem menos frequentes – ou seja, haverá mudanças no
produção de cana-de-açúcar), a probabilidade de au- complexo patógeno-planta para as quais a pesquisa agro-
mento de seca varia de nível médio a muito alto con- nômica terá de se antecipar.
forme diferentes cenários. Isso implica necessidade de
preparar o setor sucroenergético para perdas de produtivi-
dade e instabilidade na oferta de matéria-prima. 18.9.4. Elevação de CO₂ atmosférico:
Outro impacto é a possível mudança na aptidão Um aspecto potencialmente positivo é o efeito ferti-
agrícola regional. Culturas que hoje prosperam em certas lizante do CO₂ para as plantas C3. Em teorias controladas,
regiões talvez precisem migrar para outras conforme o mais CO₂ pode aumentar a fotossíntese e a eficiência do
clima se altera. Por exemplo, o café arábica, que é sensível uso da água de culturas como trigo, arroz e soja. Estima-
a calor excessivo, poderá perder área apta em altitudes tivas indicam ganhos de produtividade da ordem de +10 a
baixas e tender a migrar para zonas mais elevadas e ame- +20% para duplicação de CO₂ em algumas culturas C3,
nas; estudos já indicam redução das áreas ideais para café desde que nutrientes e água não sejam limitantes. Con-
no sudeste brasileiro com o aquecimento global, caso não tudo, no campo aberto, esse efeito pode ser mitigado por
haja adaptação. Da mesma forma, frutíferas de clima tem- outros fatores limitantes (calor, nutrientes) e não compen-
perado (maçã, uva, pêssego) podem ter dificuldade em sar as perdas causadas pelos extremos climáticos. Ainda
acumular frio suficiente em invernos mais quentes, deslo- assim, é um fator que pode amenizar parcialmente as que-
cando-se para latitudes ou altitudes maiores. Enquanto das de produtividade para certas culturas em cenários de
isso, certas culturas anuais de ciclo curto (como milho, mudança do clima, e modelos agrícolas incorporam esse
sorgo) poderiam até expandir para períodos antes inviá- efeito em projeções de longo prazo.
veis caso o inverno se torne mais brando (permitindo sa-
fras de segunda época em latitudes maiores). Porém, esse 18.9.5. Mitigação e adaptação:
possível benefício pode vir acompanhado de novos pro-
Diante desse panorama, a agricultura precisa atuar
blemas fitossanitários e necessidade de cultivares adapta-
em duas frentes: reduzir suas próprias emissões de gases
das.
de efeito estufa (contribuindo na mitigação do aqueci-
Fenômenos extremos e riscos tendem a se agravar: mento global) e adaptar-se às mudanças climáticas já em
eventos de chuva muito intensa podem aumentar, cau- curso e previstas.
sando mais alagamentos e perdas por erosão; ondas de
calor podem se tornar mais comuns e severas, prejudi- a) Emissões e agricultura de baixo carbono:
cando polinização e enchimento de grãos; secas prolon-
gadas aumentarão a frequência de quebras de safra e cri- A agropecuária é fonte significativa de GEE – seja
via desmatamento, fermentação entérica do gado (me-
ses hídricas para irrigação. Um caso prático recente foi a
tano), manejo do esterco, queima de resíduos ou uso de
seca excepcional de 2020/21 no Sul do Brasil (associada
fertilizantes nitrogenados (gerando óxido nitroso). No
a La Niña), que causou perdas severas em soja e milho –
Brasil, cerca de 1/3 das emissões de GEE vêm do setor
eventos desse tipo podem se repetir com maior frequência
conforme o clima se torna mais variável. De forma simi- agropecuário e de mudanças de uso da terra relacionadas.
lar, o risco de geadas pode se reduzir em longo prazo com Por isso, a agricultura ocupa dois papéis no cenário climá-
tico: ela contribui para o problema e ao mesmo tempo so-
o aquecimento, mas nos próximos anos a variabilidade
fre com ele. Isso torna urgente difundir uma agricultura
ainda trará geadas tardias ocasionais (como as fortes gea-
de baixo carbono, baseada em práticas sustentáveis que
das de 2021 no Brasil Central), surpreendendo culturas
reduzam as emissões e aumentem a fixação de carbono no
não preparadas.
agroecossistema. Iniciativas como o Plano ABC (Agricul-
18.9.3. Pragas e doenças agrícolas: tura de Baixa Emissão de Carbono) promovem técnicas
como plantio direto, Integração Lavoura-Pecuária-Flo-
O aquecimento e mudanças no regime de chuvas resta (ILPF), recuperação de pastagens degradadas, fixa-
também influenciam as pragas. Há expectativa de au- ção biológica de nitrogênio, tratamento de dejetos ani-
mento da incidência de pragas em culturas agrícolas – mais e expansão da florestação/reflorestamento nas pro-
insetos tropicais podem expandir sua distribuição geográ- priedades, visando mitigar o impacto climático da agricul-
fica para áreas antes frias demais, e invernos menos rigo- tura. Essas ações, além de contribuírem globalmente, mui-
rosos favorecerão a sobrevivência de populações de pra- tas vezes trazem benefícios locais (solo mais fértil, siste-
gas de um ano para outro. Por exemplo, a broca-do-café, mas mais resilientes). Por exemplo, o plantio direto au-
que em altitudes maiores era limitada pelo frio, pode pas- menta o teor de matéria orgânica do solo (sequestrando
sar a ser problema também em regiões montanosas se as carbono) e ao mesmo tempo melhora a retenção de água,
temperaturas subirem. Novos cenários de distribuição de ajudando na adaptação à seca.
doenças de plantas também são previstos: fungos e bacté-
rias podem aparecer em épocas ou regiões até então livres b) Adaptação às mudanças do clima:
deles. Essas alterações exigirão vigilância fitossanitária Inclui um conjunto de estratégias para conviver com
redobrada e talvez maior uso de defensivos, impactando novas condições. Entre as principais estão o melhora-
custos de produção. Por outro lado, algumas doenças es- mento genético e biotecnologia para desenvolver culti-
pecíficas de clima frio (como o oídio em trigo, favorecido vares mais tolerantes a estresses (variedades de trigo e
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soja tolerantes a calor, milho tolerante à seca, feijão resis- permitindo que produtores acompanhem minuto a minuto
tente a vírus que proliferam em calor, etc.), o ajuste do o microclima de sua lavoura e o estado do solo, e tomem
calendário agrícola (mudando épocas de plantio e co- decisões baseadas nesses dados. Essa digitalização do
lheita conforme mudanças de estação – por exemplo, an- campo melhora a eficiência do uso de insumos, reduz ris-
tecipando plantio se as chuvas de primavera passarem a cos e aumenta a produtividade, integrando-se à gestão
iniciar mais cedo, ou evitando períodos que tendem a ficar agrícola diária.
mais secos/quentes no futuro), a diversificação de cultu-
ras e de sistemas (sistemas agroflorestais que são mais re- Estações meteorológicas automatizadas:
silientes, consórcios e rotações que protegem o solo e re-
São unidades compostas por diversos sensores (ter-
duzem riscos), e o fortalecimento da irrigação e arma-
mômetros, higrômetros, pluviômetros, anemômetros, ra-
zenagem de água em regiões críticas. Tecnologias de
diação, etc.) conectados a um registrador de dados. Mo-
sombreamento e estufas podem ser implementadas para
dernas estações são autônomas (painel solar e bateria) e
proteger hortaliças e frutas de extremos de calor ou chu-
transmitem os dados via telemetria (celular, rádio ou saté-
vas violentas. Na pecuária, há esforços para adaptar o ma-
lite) praticamente em tempo real. Instalar uma estação
nejo: raças bovinas mais tolerantes ao calor, sombrea-
meteorológica na fazenda permite conhecer com exati-
mento de pastos, modificação de dietas para reduzir es-
dão as condições a que a cultura está sendo exposta – tem-
tresse térmico e emissões entéricas.
peratura do ar e do solo, índices de calor, volumes de
Outra frente adaptativa importante é a informação e chuva caídos, umidade e vento – as quais podem diferir
o seguro: com riscos maiores, disseminar sistemas de significativamente dos dados de estações distantes. Essas
alerta climático e ampliar mecanismos de seguro rural informações ajudam o produtor a entender os microclimas
torna-se ainda mais essencial para absorver os choques de da propriedade e ajustar o manejo de acordo. Por exemplo,
safras ruins. Comunidades agrícolas vulneráveis necessi- ao ver que em determinada área a temperatura noturna tem
tam de planos de contingência para secas prolongadas ou caído a níveis críticos, pode-se acionar irrigação anti-ge-
eventos extremos – por exemplo, estoques estratégicos de ada; ou se a estação registra chuvas muito abaixo da média
alimento, sementes adaptadas, acesso facilitado a crédito no mês, pode-se planejar irrigar mais cedo. Dados locais
pós-desastre. e em tempo real aumentam a assertividade das deci-
sões agronômicas. Muitos agricultores já combinam os
As mudanças climáticas impõem à agricultura o de-
dados de sua estação com outros sensores e sistemas, ga-
safio de fazer mais com menos certeza: aumentar a pro-
nhando eficiência nos processos. Além disso, existem
dução de forma sustentável e segura em um contexto cli-
aplicativos gratuitos (como o AgroMet da Embrapa) e
mático em rápida transformação. A resposta envolve ciên-
portais meteorológicos que fornecem dados e previsão
cia, tecnologia e políticas públicas: desde o desenvolvi-
para a região, porém a estação no campo oferece granu-
mento de cultivares e técnicas inovadoras até programas
laridade e especificidade que os serviços gerais não atin-
governamentais de incentivos à adaptação. A agropecuá-
gem – principalmente em regiões com relevo acidentado
ria brasileira, por exemplo, investe em pesquisas via Em-
ou influência de corpos d’água, onde o microclima difere
brapa e universidades, cujos resultados orientam medidas
do macro.
como as listadas acima. Internacionalmente, conceitos
como Climate-Smart Agriculture (Agricultura Inteligente
Sensores de solo em tempo real:
em relação ao Clima) ganham espaço, integrando produ-
tividade, adaptação e mitigação. Monitorar continuamente a condição do solo é igual-
mente importante. Hoje há sensores IoT (Internet das
Apesar dos possíveis ganhos localizados (como au-
Coisas) que medem umidade do solo, temperatura do solo,
mento de produtividade em altas latitudes e efeito fertili-
pH, condutividade elétrica e até teores de nutrientes in
zante do CO₂ em algumas culturas), o consenso é que os
situ, com leituras frequentes (de hora em hora, por exem-
riscos superam os benefícios para a agricultura global se
plo) transmitidas por redes sem fio de baixo consumo. Os
o clima se alterar drasticamente. Por isso, adaptação efi-
sensores de umidade do solo vêm revolucionando a irri-
caz e participação do setor agro na mitigação são vitais
gação – eles fornecem aos agricultores dados em tempo
para garantir a segurança alimentar futura. Em última aná-
real sobre o nível de umidade no perfil do solo, o que per-
lise, a agricultura – como atividade humana fundamental
mite irrigar na quantidade certa e no momento certo,
– precisará evoluir continuamente para “driblar” as novas
evitando tanto o estresse hídrico quanto o desperdício de
condições climáticas, assim como fez durante milênios
água. Com esses sensores, pode-se automatizar sistemas
com as variações naturais, mas agora em uma velocidade
de irrigação: quando a umidade cai abaixo de um limiar,
sem precedentes.
aciona-se a irrigação, e desliga quando atinge outro pata-
mar, otimizando o consumo. Isso aumenta a eficiência
18.10. TECNOLOGIAS E SENSORES PARA
hídrica e energética, além de prevenir problemas de en-
MONITORAMENTO EM TEMPO REAL DAS CON-
charcamento e lixiviação de nutrientes. Em regiões sujei-
DIÇÕES CLIMÁTICAS E DO SOLO
tas a secas, tal tecnologia é vital para conservar água. Ou-
O monitoramento preciso e em tempo real das con- tros sensores diretos de solo permitem analisar matéria or-
dições meteorológicas e do solo é um componente-chave gânica e textura (por meio de condutividade elétrica, que
da agricultura de precisão e da chamada Agricultura se relaciona à granulometria e teor de água) em tempo
4.0. Nos últimos anos, houve um grande avanço em tec- real, mapeando a variabilidade dentro do talhão. Há tam-
nologias de sensores e sistemas de transmissão de dados, bém sensores de molhamento foliar no campo que
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indicam quando as folhas estão úmidas (após chuva ou or- até a colheita com boa acurácia. Outra integração benéfica
valho) e por quanto tempo – informação crucial para pre- é com máquinas agrícolas: tratores e colheitadeiras mo-
ver surtos de fungos e programar pulverizações no mo- dernos vêm equipados com GPS e sensores de rendi-
mento certo. mento, e podem receber em tempo real dados climáticos e
de solo para otimizar operações (por exemplo, colheita-
Redes e conectividade: deiras ajustando sua velocidade conforme umidade do
grão monitorada). Esta sinergia de informação resulta em
Esses sensores geram dados que precisam ser coleta-
maquinário inteligente e geolocalizado trabalhando
dos e transmitidos. Em muitas fazendas, estabelecem-se
com dados de clima e solo mapeados, o que permite um
redes sem fio de longo alcance (LPWAN) ou usam-se as
manejo extremamente refinado. Em essência, o agricultor
redes celulares para enviar os dados a servidores ou dire-
4.0 tem em suas mãos (ou tela do computador) um painel
tamente ao smartphone do produtor. Assim, mesmo à dis-
completo do microclima, do solo e das plantas, quase
tância ele acompanha suas lavouras. Projetos governa-
como um “check-up” contínuo da lavoura. Problemas são
mentais de monitoramento, como o do Cemaden no semi-
detectados mais cedo e localizados com precisão, econo-
árido, estão instalando centenas de Plataformas de Coleta
mizando recursos e maximizando resultados.
de Dados (PCDs) agrometeorológicas e de umidade de
solo integradas em rede automática, mostrando a tendên- Algumas tecnologias que ilustram esse cenário in-
cia de ampliar a malha de monitoramento em tempo real cluem: sistemas de previsão local (onde o software da
para melhorar análises de risco e respostas rápidas. estação meteorológica usa os dados atuais e históricos
para projetar tendências horárias de temperatura/umidade
Sensores remotos (satélites e drones): – ex.: previsão de risco de orvalho nas próximas horas
para orientar uma pulverização), aplicativos móveis que
Além dos sensores “in loco” (diretos), há os sensores
agregam dados de vários sensores e fontes (estações inter-
remotos, que coletam dados à distância, notadamente sa-
nas, estações públicas próximas, radar meteorológico, sa-
télites de observação da Terra e veículos aéreos não tripu-
télite) e enviam alertas customizados – por exemplo, aviso
lados (VANTs, popularmente drones). Satélites meteoro-
de vento forte iminente na fazenda, ou de que certa área
lógicos já fornecem há tempos imagens de nuvens quase
da lavoura está secando além do limite.
em tempo real e estimativas de chuva (via radiômetros de
micro-ondas), úteis para monitorar o clima em áreas onde Como resultado, vimos que produtores conseguem
não há estações terrestres. Para agricultura, satélites com hoje planejar melhor plantio, manejo e colheita munidos
sensores óticos e infravermelhos produzem índices de ve- desses dados. Por exemplo, sabendo dos níveis de umi-
getação como o NDVI, que correlacionam-se com o vigor dade do solo em tempo real, ele decide adiar ou adiantar
da plantação. Esses índices, atualizados de forma regular o plantio para coincidir com umidade ideal; monitorando
(alguns satélites diariamente, outros a cada 5 ou 10 dias), o molhamento foliar e a previsão de chuva, ele avalia o
permitem detectar secas, identificar pragas e estimar momento certo de aplicar fungicida (evitando desperdiçar
produtividades a partir do espaço. Por exemplo, se uma antes de uma chuva que lavaria o produto); verificando a
parcela de milho começa a apresentar NDVI decrescente umidade do grão via sensores e a previsão de tempo seco
anormalmente cedo, pode indicar estresse hídrico ou ata- por alguns dias, determina a data ótima de colheita para
que de pragas, alertando o gestor para inspecionar o local. minimizar custos de secagem.
A integração de imagens de satélite com dados meteoro-
As novas tecnologias de monitoramento climático e
lógicos consolida sistemas de monitoramento agrícola
edáfico representam os “sentidos e nervos” da fazenda
em larga escala – o Brasil possui o sistema Agri-
moderna conectada. Aliadas à automação e à inteligência
tempo/INMET e a CONAB usa imagens e modelos para
analítica, elas elevam a agricultura a um patamar de pro-
acompanhar safras em tempo real. Drones complemen-
atividade e precisão sem precedentes. Os desafios futu-
tam essa monitoração com alta resolução: equipados com
ros incluem tornar essas soluções acessíveis a todos os
câmeras multiespectrais, podem mapear talhões inteiros
perfis de produtores (inclusive os pequenos), melhorar a
detectando falhas de plantio, infestação de plantas dani-
conectividade no campo para transmitir os dados (expan-
nhas ou variabilidade de desenvolvimento, informação
são do acesso à internet rural) e treinar recursos humanos
que pode ser cruzada com mapas de solo e terreno. Tudo
para interpretar e agir conforme as informações geradas.
isso alimenta plataformas de agricultura de precisão que
Mas o caminho é promissor: com sensores cada vez mais
geram mapas de aplicação variável de insumos, correções
baratos e confiáveis, e sistemas integrados, o produtor ru-
localizadas, etc.
ral passa a dispor de um assistente virtual climático 24h
por dia, garantindo que nenhuma mudança no tempo ou
Integração e tomadas de decisão:
no solo passe despercebida – e permitindo resposta rápida
O verdadeiro poder do monitoramento em tempo real para manter as culturas nas condições ótimas de desenvol-
se revela quando integrado a sistemas de apoio à deci- vimento.
são. Os dados dos sensores alimentam softwares (muitas
vezes em nuvem) que aplicam algoritmos e modelos para
fornecer insights ao produtor. Por exemplo, combinando-
se disponibilidade de água no solo, temperatura acu-
mulada (graus-dia) e evapotranspiração, modelos con-
seguem prever a produção de uma lavoura ou o tempo
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
Referências de cinza conforme a reflectância dos alvos. Como depen-
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melho termal (tipicamente ~8–14 µm de comprimento de
onda). Diferente dos sensores ópticos, que “veem” a luz
refletida do Sol, os sensores termais “sentem” o calor emi-
19. GEOPROCESSAMENTO: SISTEMAS SEN- tido pelos objetos. Assim, eles medem a temperatura de
SORES: ÓPTICO, TERMAL, RADAR brilho dos alvos, produzindo imagens termográficas. São
19.1. CONCEITO: usados para monitorar o balanço de energia, identificando,
por exemplo, áreas mais quentes ou frias em um campo.
Geoprocessamento refere-se ao uso de técnicas com- Na engenharia agronômica, imagens térmicas são valiosas
putacionais para coletar, manipular, analisar e apresentar para indicar estresse hídrico em plantações (plantas com
dados geográficos. Em termos simples, é o conjunto de falta de água tendem a aquecer mais), auxiliar no manejo
ferramentas tecnológicas (hardware e software) que per- da irrigação e detectar queimadas ou incêndios. Como
mite trabalhar com informações espaciais (dados com re- operam tanto à noite quanto de dia (não dependem do
ferência geográfica), produzindo resultados como mapas, Sol), complementam os sensores ópticos. Entretanto, pos-
imagens e análises espaciais que subsidiam decisões sobre suem resolução espacial geralmente mais baixa. Um
o território. Trata-se de uma área ampla, englobando Sis- exemplo é o sensor termal do Landsat 8 (TIRS), empre-
temas de Informações Geográficas (SIG), sensoriamento gado para mapear a temperatura superficial e a umidade
remoto e outras geotecnologias para integrar e examinar do solo.
dados georreferenciados (dados ligados a coordenadas).
O geoprocessamento difere do sensoriamento re-
moto, pois este último foca na coleta de dados à distância, c) Sensores de Radar (micro-ondas):
enquanto o geoprocessamento concentra-se na análise e São sensores ativos, ou seja, emitem sua própria
manipulação desses dados depois de coletados. Em re- energia na forma de ondas de rádio (micro-ondas) e regis-
sumo, o geoprocessamento provê meios de transformar tram o sinal refletido pelos alvos de volta ao sensor. O tipo
dados espaciais brutos em informações úteis sobre a loca- mais comum é o Radar de Abertura Sintética (SAR). Ope-
lização e distribuição de fenômenos, apoiando uma agri- ram em comprimentos de onda longos (centímetros),
cultura de precisão e o planejamento agronômico efici- como bandas C, L e X, capazes de penetrar nuvens, ne-
ente. blina e até parte da vegetação ou do solo superficial. As-
sim, o radar pode imagear a Terra independentemente das
condições climáticas ou de iluminação, seja dia ou noite.
19.2. SISTEMAS SENSORES EM SENSORIA- As imagens de radar têm aparência bem diferente das óp-
MENTO REMOTO: ticas (são em tons de cinza representando a intensidade do
No contexto do geoprocessamento, os dados fre- retorno), revelando características como a textura rugosa
quentemente são obtidos por sensores remotos acoplados ou lisa da superfície, conteúdo de umidade e estrutura fí-
a satélites, aeronaves ou drones. Esses sensores podem ser sica dos alvos. Em agricultura, sensores radar (ex.: Senti-
classificados, do ponto de vista do tipo de energia que de- nel-1, RADARSAT) permitem monitorar áreas mesmo
tectam, em três categorias principais: sob cobertura de nuvens — crucial em épocas chuvosas
—, estimar a umidade do solo, detectar inundações e dis-
a) Sensores Ópticos (passivos): tinguir diferentes estágios de crescimento das culturas
São sensores que captam a radiação solar refletida pela sua estrutura. Como sensores ativos, não sofrem in-
pelos objetos da superfície terrestre, operando nas faixas fluência direta da atmosfera e ampliam a gama de infor-
do espectro eletromagnético que incluem a luz visível mações quando combinados com dados ópticos e termais.
(aproximadamente 0,4–0,7 µm) e o infravermelho refle-
tido (próximo e médio infravermelho, até ~2,5 µm). Eles
funcionam de forma análoga a uma câmera fotográfica,
produzindo imagens multiespectrais coloridas ou em tons
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
imagens infravermelhas (plantas estressadas refletem me-
nos no infravermelho próximo), enquanto a verificação
de alagamentos ou compactação do solo após chuvas
pode ser feita com radar. Assim, o geoprocessamento
agronômico beneficia-se de sensores passivos e ativos
operando em diversas porções do espectro, proporcio-
nando uma visão multifacetada do campo. Esses dados
alimentam sistemas de decisão agrícola, mapeando desde
a variabilidade de solo dentro de uma fazenda até o acom-
panhamento de safras em nível nacional.
20. NOÇÕES DE SISTEMAS DE INFORMA-
ÇÃO GEOGRÁFICA (SIG);
Figura 1: Ilustração das faixas do espectro eletromagnético captadas por senso-
res ópticos em satélite, cobrindo desde a luz visível (esquerda, representada pelas 20.1. CONCEITO:
cores do espectro) até o infravermelho termal (direita, em tons avermelhados).
Sensores passivos típicos, como os de satélites Landsat, coletam bandas espec- Um Sistema de Informação Geográfica (SIG) — em
trais distintas (ex.: Bandas 1 a 7) nessa faixa, permitindo inferir propriedades da inglês Geographic Information System (GIS) — é um sis-
vegetação, solo e água a partir da energia refletida/emitted.
tema computacional integrado de hardware, software, da-
19.3. CARACTERÍSTICAS DOS SENSORES: dos geográficos e procedimentos, projetado para coletar,
armazenar, gerenciar, analisar e apresentar informações
Além do tipo de energia, os sensores diferem em suas georreferenciadas (dados ligados a localizações na super-
resoluções: fície da Terra). Em outras palavras, um SIG permite ao
usuário visualizar, questionar e interpretar dados espaciais
• Resolução espacial indica o tamanho mínimo
para entender padrões e relações no espaço geográfico.
das feições distinguíveis na imagem (por exem-
plo, 10 m, 30 m ou 0,5 m por pixel). Segundo a definição clássica de Fitz (2008), os SIGs
“são sistemas computacionais que possuem programas es-
• Resolução espectral refere-se ao número e à lar-
peciais para a coleta, o armazenamento, o processamento
gura das bandas do espectro que o sensor capta
e a análise digital de dados georreferenciados visando à
(multiespectral, hiperespectral). Sensores ópti-
produção de informação espacial”. Ou seja, o SIG é a fer-
cos geralmente possuem múltiplas bandas estrei-
ramenta principal de geoprocessamento, habilitando a
tas no visível e infravermelho; sensores hiperes-
transformação de dados brutos (como coordenadas, ima-
pectrais avançados chegam a centenas de ban-
gens, tabelas) em informações úteis (mapas, estatísticas,
das, permitindo identificar características espec-
relatórios) sobre o espaço.
trais sutis.
• Sensores de radar podem operar em diferentes 20.2. COMPONENTES DE UM SIG:
polarizações e frequências para extrair mais de- Todo SIG é composto basicamente por cinco elemen-
talhes. tos inter-relacionados:
• Resolução temporal (frequência de revisita) 1) Equipamentos (hardware, como computadores,
também é crucial: satélites como o Sentinel-2 re- GPS, sensores);
visitam a cada 5 dias, permitindo monitora- 2) Programas (softwares especializados de mapea-
mento quase em tempo real da lavoura, enquanto mento e análise);
drones oferecem revisita sob demanda. 3) Dados geográficos (informações espaciais em
Em aplicações agronômicas, escolhe-se o sensor formato digital, incluindo dados vetoriais e raster);
considerando essas resoluções: por exemplo, monitorar 4) Pessoas (analistas, técnicos e usuários que operam
um talhão requer alta resolução espacial (drones ou saté- o sistema);
lites comerciais de alta definição), enquanto acompanhar 5) Métodos (protocolos e modelos de análise).
a safra nacional requer alta resolução temporal e ampla A eficácia de um SIG depende da sinergia entre esses
cobertura (satélites de média resolução e revisita fre- componentes — por exemplo, profissionais capacitados
quente). usando softwares adequados podem extrair conhecimento
valioso de uma base de dados georreferenciados de quali-
dade.
Importância na Agronomia:
Os diferentes sistemas sensores fornecem dados 20.2.1. DADOS GEOGRÁFICOS EM SIG:
complementares. A integração de imagens ópticas (infor- Podem ser representados de duas formas principais:
mações de cor/vigor vegetativo), dados termais (informa-
ções de temperatura e umidade) e radar (estrutura e umi- • Dados vetoriais, que modelam entidades discre-
dade, mesmo sob nuvens) permite um monitoramento tas do mundo real (pontos representando árvores
abrangente das áreas agrícolas. Por exemplo, a detecção ou cidades, linhas representando rios ou estra-
precoce de estresse em plantas pode ser feita com das, polígonos representando talhões agrícolas
ou limites de propriedades);
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• Dados matriciais (raster), que modelam variá- 21. INTERPRETAÇÃO DE IMAGENS; TO-
veis contínuas em forma de grades/pixels (ima- MADA, TRANSMISSÃO, ARMAZENAMENTO,
gens de satélite, modelos de elevação, mapas de PROCESSAMENTO E INTERPRETAÇÃO DE DA-
temperatura ou umidade), onde cada célula pos- DOS;
sui um valor.
21.1. INTERPRETAÇÃO DE IMAGENS – DE-
Um SIG consegue integrar ambas as representações, FINIÇÃO
permitindo, por exemplo, cruzar um mapa vetorial de uso
do solo com uma imagem de NDVI raster para analisar a Consiste na arte e ciência de extrair informações
saúde da vegetação em cada classe de uso. significativas de imagens obtidas por sensoriamento
remoto (fotografias aéreas, imagens de satélite, etc.). A
interpretação de imagens pode ser visual (realizada pelo
20.2.2. Funcionalidades de um SIG: olho humano treinado) ou digital (feita por algoritmos de
computador), ou uma combinação de ambos. Em essên-
As operações típicas incluem: cia, ao interpretar uma imagem de satélite, transformamos
dados visuais brutos em insights valiosos sobre objetos
• Armazenamento de grandes volumes de dados
e fenômenos na Terra, permitindo compreender caracte-
espaciais em bancos de dados geográficos;
rísticas do terreno e da vegetação a partir da análise dos
• Consulta e recuperação de informações (por lo-
padrões presentes na imagem. Por exemplo, um analista
calização ou por atributos);
pode identificar diferentes tipos de culturas agrícolas em
• Análises espaciais (como sobreposição de cama- uma imagem pela cor e textura, ou um algoritmo de clas-
das — map overlay, medições de distâncias e sificação digital pode rotular pixels correspondentes a
áreas, análise de proximidade, roteirização); soja, milho, pastagem, etc., com base nas assinaturas es-
• Modelagem espacial (simulações de erosão, pectrais.
crescimento urbano, adequação de culturas);
• Visualização cartográfica por meio de mapas te- 21.2. ELEMENTOS DA INTERPRETAÇÃO VI-
máticos, gráficos e relatórios. SUAL
Por exemplo, no contexto agronômico, um SIG pode A interpretação visual de imagens baseia-se em reco-
gerar mapas de aptidão agrícola combinando camadas de nhecer padrões e características na imagem, relacio-
solo, declividade e clima, ou ajudar a planejar a logística nando-as com objetos do mundo real. Sete elementos clás-
de colheita e escoamento da produção, otimizando rotas. sicos auxiliam o intérprete humano nessa tarefa:
a) Tom/cor
20.3. Aplicações e importância:
O tom refere-se ao brilho ou intensidade de cinza em
Os SIGs revolucionaram a forma de realizar o plane- imagens pancromáticas, e a cor diz respeito às tonalidades
jamento e a gestão territorial. Na agricultura e no meio em imagens coloridas. Diferentes alvos apresentam cores
ambiente, permitem o planejamento agrícola (escolha de ou tons distintos (ex.: vegetação densa tende ao verde-es-
culturas mais adequadas a cada área), o monitoramento de curo em cor real, ou ao vermelho em infravermelho falso;
desmatamento e uso do solo, a gestão de propriedades ru- água limpa aparece preta em imagens infravermelhas). As
rais (cadastro de glebas georreferenciadas) e a análise de variações de tom são geralmente o primeiro indicativo
produtividade (correlacionando mapas de colheita com fa- para diferenciar feições.
tores do terreno).
Órgãos públicos utilizam SIG para zoneamento agrí- b) Textura
cola e ordenamento territorial, enquanto empresas do É o grau de variação tonal ou repetição de padrões
agronegócio empregam-no na agricultura de precisão, de- de tom numa área. Superfícies lisas (um lago calmo, uma
limitando zonas de manejo dentro de lavouras. A vanta- plantação homogênea) têm textura fina ou homogênea,
gem de um SIG está em possibilitar a integração de infor- enquanto áreas rugosas (floresta heterogênea, área ur-
mações de naturezas diversas — imagens de satélite, da- bana) mostram textura grosseira. A textura ajuda a distin-
dos climáticos, dados econômicos — em um mesmo refe- guir, por exemplo, uma floresta (textura mais rugosa) de
rencial espacial, facilitando uma visão holística. uma pastagem (textura suave).
Com um SIG, pode-se, por exemplo, produzir mapas
temáticos que mostram a evolução temporal de um fenô- c) Padrão (arranjo espacial)
meno (como a expansão da fronteira agrícola), ou realizar Diz respeito à disposição ou repetição espacial das
análises multitemporais comparando safras ano a ano. Es- feições. Certas culturas agrícolas apresentam padrão geo-
sas capacidades fazem do SIG uma ferramenta indispen- métrico (linhas de plantio, pivôs centrais circulares), áreas
sável tanto em pesquisas acadêmicas quanto em ativida- urbanas exibem padrões reticulados (quarteirões), en-
des práticas de engenharia agronômica e gestão ambien- quanto elementos naturais têm padrões mais aleatórios.
tal. Reconhecer padrões caracteriza o tipo de uso da terra.
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d) Forma 21.3. TOMADA, TRANSMISSÃO, ARMAZE-
NAMENTO, PROCESSAMENTO E INTERPRETA-
É o formato geométrico das feições. Muitos objetos
ÇÃO DE DADOS
têm formas reconhecíveis – por exemplo, talhões agríco-
las retangulares, reservatórios com forma irregular, silos O ciclo completo do sensoriamento remoto – desde
circulares. A forma é um forte indício da identidade de o momento em que os dados são coletados por um sensor
uma feição (um campo de futebol tem forma retangular até a extração de informações – envolve várias etapas se-
característica, por exemplo). quenciais, todas importantes para garantir a qualidade da
informação final:
e) Tamanho (e escala relativa) a) Tomada de dados (aquisição)
Refere-se às dimensões absolutas ou relativas de Corresponde à captura das imagens brutas pelo
objetos na imagem. Uma mesma cultura pode ter talhões sensor remoto. Nesta etapa, o satélite, drone ou avião ima-
de diferentes tamanhos em regiões distintas, mas conhecer geador realiza a varredura da área de interesse. Os senso-
a escala ajuda a identificar: árvores individuais vs. bos- res convertem a radiação eletromagnética refletida/emi-
ques, pequenas propriedades vs. latifúndios. O tamanho tida pelos alvos em sinais digitais (níveis de cinza ou con-
também auxilia na diferenciação de construções (galpões tagens). Exemplos: um satélite Landsat passando sobre
grandes vs. casas pequenas). uma região agrícola às 10:00 captura uma imagem multis-
pectral da área; um drone equipado com câmera RGB so-
brevoa um talhão e fotografa em alta resolução. A quali-
f) Sombra/altura dade dos dados obtidos depende da calibração do sensor,
das condições de iluminação (para sensores passivos) e da
A altura ou elevação de objetos pode ser inferida geometria de visada.
pelas sombras projetadas (em imagens oblíquas ou aé-
reas). Embora imagens de satélite nadir (verticais) mini- b) Transmissão dos dados
mizem sombras, em imagens aéreas a sombra e o deslo-
camento radial indicam alturas (por exemplo, silos altos Os dados coletados pelo sensor, geralmente em ór-
projetam sombras alongadas). Esse elemento é útil para bita, precisam ser enviados a uma estação em terra. Essa
identificar feições verticais como prédios, árvores e re- transmissão ocorre via enlace de comunicação (rádio/mi-
levo. cro-ondas). Os satélites enviam pacotes de dados digitais
para antenas receptoras no solo assim que estão dentro do
alcance. Por exemplo, as imagens do satélite CBERS são
g) Localização/associação transmitidas para a estação de recepção do INPE em Cui-
abá. Esse passo é crítico – ruídos ou falhas na transmissão
Também chamado de contexto, é a análise da posi- podem introduzir erros ou perdas de partes da imagem.
ção e associação de um objeto com outros ao seu redor.
Certas feições só fazem sentido em determinados locais – c) Armazenamento e arquivamento
por exemplo, um padrão circular verde pode ser um pivô
de irrigação se estiver em área agrícola; tanques de criação Uma vez recebidos, os dados de sensoriamento re-
de peixes normalmente aparecem próximos a rios. A asso- moto são armazenados em servidores e bancos de da-
ciação com outras estruturas (vias de acesso, relevo, hi- dos especializados. Inicialmente, pode-se armazenar os
drografia) fornece pistas para a interpretação correta. dados brutos (nível bruto de telemetria) e, após algum pro-
cessamento inicial, as imagens são arquivadas em forma-
Utilizando esses elementos em conjunto, um intér- tos padronizados (GeoTIFF, por exemplo) em catálogos
prete experiente consegue identificar com confiança mui- de dados. Grandes instituições (INPE, NASA, ESA) man-
tos alvos em imagens. Por exemplo, na interpretação de têm acervos históricos com milhares de imagens, organi-
uso do solo, a vegetação arbórea pode ser reconhecida zadas por data, sensor e área geográfica, acessíveis para
pela textura irregular e tom de verde escuro, áreas de co- processamento e análise futuros. O armazenamento orde-
lheita por padrões geométricos e tons marrons claros, nado permite que, posteriormente, usuários baixem as
áreas urbanas por conjunto de formas retangulares de tons imagens de interesse e também garante a preservação his-
variados, e assim por diante. Atualmente, técnicas de pro- tórica (para comparações temporais, por exemplo, entre
cessamento digital (realce de contrastes, composições anos agrícolas diferentes).
coloridas, índices espectrais) potencializam a interpreta-
ção visual, destacando elementos de interesse (como a sa- d) Processamento de dados
úde da vegetação via NDVI, que colore as plantas vigoro-
sas em verde e as estressadas em vermelho, facilitando a Nesta fase, os dados brutos passam por uma série of
interpretação). correções e transformações para se tornarem utilizáveis
como informação. O processamento primário inclui cor-
reção radiométrica (ajuste de valores de pixel conside-
rando ganhos do sensor, remoção de efeitos instrumen-
tais), correção geométrica (georreferenciamento da ima-
gem, correção de distorções geométricas e registro carto-
gráfico para que cada pixel corresponda a coordenadas
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reais conhecidas) e correção atmosférica (compensação coordenadas exatas do terreno que representa – isso é feito
dos efeitos da atmosfera na luz recebida). Depois, gera-se identificando pontos de controle (coordenadas conheci-
a imagem “nivelada” ou ortorretificada. Em seguida, pode das, como cruzamentos de estradas, marcos, etc.) e apli-
ocorrer processamento secundário, como realce de con- cando transformações (deslocamento, rotação, escala e
trastes, fusão de bandas, cálculo de índices (e.g. NDVI), eventual ortorretificação) de modo que a imagem coincida
classificação de uso do solo, etc., dependendo do objetivo. com a realidade. O resultado do georreferenciamento é
Por exemplo, pode-se processar uma série temporal de que cada pixel ou elemento do dado passa a ter coorde-
imagens Sentinel para realçar mudanças ocorridas numa nadas (latitude/longitude ou X/Y) conhecidas, permi-
safra. O processamento normalmente é feito por softwares tindo sobreposição com outros dados em SIG.
de sensoriamento remoto (como ENVI, ERDAS, QGIS)
No contexto agronômico e fundiário, o georreferen-
ou plataformas na nuvem, e requer conhecimento técnico
ciamento tem aplicações importantes: mapas de propri-
para escolher os algoritmos adequados. O resultado dessa
edades rurais devem ser georreferenciados no sistema
etapa são imagens prontas para análise, corrigidas e ca-
oficial (por exemplo, SIRGAS 2000 no Brasil) para fins
libradas, bem como produtos derivados (mapas temáticos,
de cadastro e titulação de terras – isso garante que os li-
mosaicos, etc.).
mites do imóvel estejam precisos no globo e evita sobre-
posições com imóveis vizinhos. Outro exemplo é o geor-
e) Interpretação e análise da informação
referenciamento de amostras de solo ou de pontos de co-
Finalmente, ocorre a análise dos dados processa- leta de dados em campo (via GPS): ao vincular cada ponto
dos, seja de forma visual, seja por técnicas computacio- à sua coordenada, podemos criar mapas de fertilidade ou
nais, para extrair as informações relevantes para o obje- mapas de infestação de pragas, essenciais para agricultura
tivo em questão. Nesta etapa, entram as atividades de in- de precisão. O georreferenciamento é o que conecta os
terpretação de imagens já discutidas – um analista agronô- dados à realidade geográfica, sendo etapa prévia funda-
mico pode inspecionar as imagens para identificar pa- mental para qualquer análise espacial acurada. Sem ele,
drões de colheita, por exemplo, ou utilizar métodos de dados ficariam “soltos”, sem referência de localização,
classificação automática para mapear culturas plantadas. impossibilitando sua integração em projetos de planeja-
Inclui-se aqui a geração de produtos finais como mapas mento.
temáticos, relatórios e estatísticas. A interpretação pode
envolver trabalho de campo de validação (verificar in loco 22.2. APLICAÇÕES DO SENSORIAMENTO
se o que foi interpretado na imagem corresponde à reali- REMOTO NO PLANEJAMENTO E MONITORA-
dade). O ciclo então se fecha ao disponibilizar essas infor- MENTO AGRÍCOLA
mações aos tomadores de decisão – por exemplo, infor-
O uso de imagens de satélite e outras tecnologias de
mando quais áreas de uma fazenda precisam de insumos
sensoriamento remoto transformou a forma de planejar e
extras, ou quais regiões do país tiveram redução de área
acompanhar atividades agrícolas. A seguir, são destacadas
cultivada. Essa fase traduz pixels em conhecimento acio-
algumas das principais aplicações teóricas e práticas:
nável.
Cada etapa acima é fundamental: erros na calibração a) Mapeamento de uso do solo e cobertura vegetal
do sensor (tomada) ou falhas de registro (processamento)
Por meio de imagens multiespectrais, é possível ma-
podem prejudicar a interpretação final. Por isso, a avalia-
pear extensas áreas agrícolas, distinguindo culturas (soja,
ção de dados de sensoriamento remoto requer cuidado
milho, cana, etc.), pastagens e florestas. Isso auxilia no
em todo o fluxo, do satélite ao analista. Quando bem exe-
planejamento territorial rural, indicando quais áreas
cutado, esse processo completo permite que imagens sa-
estão cultivadas, em pousio ou preservadas. Instituições
telitais e outros dados remotos se tornem efetivamente in-
governamentais utilizam esses mapeamentos para estimar
formações confiáveis para planejamento agrícola, moni-
a área plantada de cada cultura a cada safra e detectar al-
toramento ambiental e diversas aplicações de engenharia.
terações de uso da terra. Por exemplo, a Conab e o INPE,
no Brasil, cooperam para mapear as áreas cultivadas via
22. GEORREFERENCIAMENTO; APLICA- satélite e estimar a área das culturas no território nacional,
ÇÕES DE SENSORIAMENTO REMOTO NO PLA- gerando informações para previsão de safras e abasteci-
NEJAMENTO E MONITORAMENTO AGRÍCOLA. mento.
22.1. CONCEITO
b) Monitoramento do desenvolvimento das cultu-
Georreferenciar um dado significa associá-lo a co- ras
ordenadas geográficas reais, inserindo-o em um sistema
de referência espacial conhecido (datum e projeção carto- Através de índices espectrais de vegetação como o
gráfica). De acordo com a definição do Dicionário GIS da NDVI (Índice de Vegetação por Diferença Normali-
Esri, georreferenciamento é “o processo de alinhamento zada), obtidos de imagens óticas, os agrônomos conse-
de dados geográficos a um sistema de coordenadas conhe- guem avaliar a vigorosidade e saúde das plantas quase
cido para que possam ser visualizados, consultados e ana- em tempo real. Áreas com NDVI alto indicam vegetação
lisados com outros dados geográficos”. Em termos práti- densa e saudável; áreas com NDVI baixo podem indicar
cos, é tornar uma imagem, mapa ou objeto “colocado no falhas no estande, pragas, doenças ou déficit hídrico. Esse
mapa” corretamente. Por exemplo, uma fotografia aérea monitoramento contínuo permite identificar precoce-
bruta precisa ser georreferenciada para encaixar nas mente problemas na lavoura. Por exemplo,
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acompanhando o NDVI de um canavial ao longo da safra, dentro de propriedades, identificar focos de desmata-
pode-se notar quedas abruptas do índice sugerindo ataque mento ilegal ou queimadas em zonas agrícolas, e acom-
de pragas ou necessidade de nutrientes, permitindo inter- panhar a recuperação de matas ciliares. Isso tudo alimenta
venção imediata. Da mesma forma, o sensoriamento re- o planejamento de uso da terra sustentável. Programas de
moto ajuda a prever a produtividade – correlacionando Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), por
os valores de índices de vegetação ao rendimento colhido, exemplo, empregam imagens para monitorar a implanta-
modelos preditivos estimam a produção antes da colheita. ção de técnicas como plantio direto ou integração lavoura-
pecuária-floresta, avaliando a cobertura do solo ao longo
c) Detecção de estresse hídrico e manejo de irriga- do tempo.
ção
Imagens no infravermelho termal, ou mesmo análi-
ses multiespectrais, possibilitam avaliar o status hídrico
das culturas. Plantas sob estresse hídrico geralmente apre-
sentam temperatura foliar mais alta (detectável via termo-
grafia) e redução na reflectância do infravermelho pró-
ximo. Com isso, consegue-se elaborar mapas de irriga-
ção indicando quais parcelas do campo requerem água su-
plementar, otimizando o uso de água. Essa aplicação se
insere na agricultura de precisão, regulando a irrigação
de forma variável conforme a necessidade detectada re-
motamente. A identificação de áreas encharcadas ou pro-
blemas de drenagem após chuvas intensas pode ser feita
Figura 2: Exemplo de mapa NDVI (Índice de Vegetação) de uma área agrícola,
por radar, auxiliando projetos de engenharia agrícola para derivado de imagem de satélite.
correção.
As aplicações acima ilustram que o sensoriamento
d) identificação de pragas, doenças e deficiências remoto tornou-se uma ferramenta estratégica na agricul-
nutricionais tura moderna. Ele fornece uma “visão sinótica” (de con-
junto) das terras, impossível de obter apenas com obser-
Alterações sutis na coloração da vegetação podem vações de campo pontuais. Com imagens periódicas, o
indicar ataques de pragas ou doenças (manchas amarelas, monitoramento contínuo das lavouras é uma realidade –
por exemplo, podem sugerir deficiência de nitrogênio ou hoje um agricultor pode, via plataformas online, receber
presença de certas pragas). Com sensoriamento remoto de alertas de anomalias em suas parcelas com base em ima-
alta resolução, especialmente por drones, é possível detec- gens de satélite quase em tempo real. Para o planejamento
tar focos de infestação em estágio inicial, monitorando a agrícola, isso significa decisões mais embasadas: desde o
evolução no tempo. Isso permite um controle localizado planejamento pré-safra (seleção de áreas e culturas de
– por exemplo, direcionar defensivos apenas às áreas afe- acordo com aptidão observada em mapas) até o pós-safra
tadas – aumentando a eficiência e reduzindo custos. Mo- (avaliação de resultados e planejamento da próxima
delos baseados em séries temporais de imagens também época). Em concursos e estudos agronômicos, é funda-
ajudam a prever ciclos de pragas, orientando o planeja- mental compreender que o sensoriamento remoto permite
mento do monitoramento (onde e quando inspecionar). tanto planejar melhor (escolhendo onde, quando e o
quê plantar) quanto monitorar eficientemente (acom-
e) Gestão e planejamento da colheita panhando o desenvolvimento e problemas da safra),
Imagens de satélite ajudam a mapear a maturação de integrando-se a sistemas de apoio à decisão no agronegó-
culturas em regiões extensas. Produtores podem observar cio.
diferenças no desenvolvimento das plantas para planejar
a colheita de forma escalonada, priorizando áreas prontas. 23. INOVAÇÕES EM TECNOLOGIAS DE SEN-
Também servem para estimar biomassa residual pós-co- SORIAMENTO E GEOTECNOLOGIAS.
lheita (palhada) e programar operações como dessecação,
A área de sensoriamento remoto e geotecnologias
colheita e preparo do solo na sequência adequada. Em ní-
está em rápida evolução, trazendo inovações que impulsi-
vel macro, órgãos de planejamento utilizam dados de sen-
onam a chamada agricultura 4.0 ou digital. Nos últimos
soriamento remoto para planejar logística – por exemplo,
anos, observa-se crescente integração entre diferentes tec-
se imagens indicam adiantamento da safra de soja em de-
nologias – sensoriamento remoto, sistemas de geoproces-
terminada região, pode-se antecipar a necessidade de ar-
samento e Internet das Coisas (IoT) – resultando em uma
mazenamento ou transporte, evitando gargalos.
agricultura mais inteligente, conectada e precisa. A se-
f) Acompanhamento da sustentabilidade e meio guir, destacam-se algumas inovações tecnológicas rele-
ambiente vantes:
No contexto do monitoramento agrícola, as geotec- a) Veículos aéreos não tripulados (drones)
nologias auxiliam também na verificação de boas práti-
O uso de drones equipados com câmeras e sensores
cas ambientais. É possível monitorar remotamente áreas
especializados revolucionou o sensoriamento em nível de
de preservação permanente (APPs) e reservas legais
campo. Essas aeronaves podem voar abaixo das nuvens,
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obtendo imagens de altíssima resolução (centímetros) e d) Tecnologia LiDAR (Light Detection and Ran-
no momento desejado pelo usuário. Com drones, agrôno- ging)
mos conseguem monitorar vigor das plantas, falhas de
O LiDAR, um sensor ativo que emite pulsos de laser,
plantio, surgimento de ervas daninhas ou ataques locali-
trouxe inovações na cartografia de alta precisão. Em geo-
zados de pragas com detalhe antes inimaginável. A flexi-
tecnologias agronômicas, o LiDAR aerotransportado (por
bilidade de voo (podem cobrir áreas quando o satélite não
avião ou drone) permite obter modelos digitais de ter-
passa) permite um monitoramento sob demanda – por
reno com resolução centimétrica, fundamentais para pla-
exemplo, após um evento de granizo, um drone pode ma-
nejar curvas de nível, terraços e manejo conservacionista
pear rapidamente os danos em uma lavoura. Equipados
do solo. O LiDAR pode mapear a estrutura vertical da
com sensores multiespectrais ou termais, fornecem dados
vegetação – por exemplo, estimar altura de plantas, vo-
equivalentes aos de satélite, porém com resolução muito
lume de copas e até biomassa florestal – algo útil para cul-
maior, viabilizando a agricultura de precisão intra-talhão.
turas perenes e silvicultura. No contexto de engenharia
A inovação dos drones também reduz custos e tempo de
agronômica, integrações do LiDAR com dados espectrais
resposta, e atualmente são usados não só para imagea-
possibilitam uma compreensão 3D da lavoura: imagine-
mento, mas também para aplicação localizada de insu-
mos sobrepor um mapa de vigor vegetativo (NDVI) a um
mos.
modelo de terreno obtido por LiDAR – pode-se correlaci-
onar baixo vigor com áreas de depressão onde há acúmulo
b) Satélites de nova geração e constelações comer-
de água, por exemplo. Essa sinergia de dados é uma ino-
ciais
vação que melhora a interpretação de fatores limitantes à
Tradicionalmente dependíamos de poucos satélites produtividade. LiDAR terrestre (em tratores ou fixo) tam-
governamentais (Landsat, SPOT, etc.). Hoje, o cenário in- bém vem sendo usado para monitorar crescimento de
clui constelações de nano-satélites privados que forne- plantas e contagem de frutos.
cem imagens diárias de toda a Terra em resolução métrica.
Empresas como Planet Labs operam dezenas de micro-sa- e) Internet das coisas (IoT) e redes de sensores em
télites, oferecendo monitoramento diário – algo revoluci- campo
onário para a agricultura, onde mudanças podem ocorrer
A IoT se refere à proliferação de sensores conectados
em questão de dias. Isso significa detecção quase imediata
transmitindo dados em tempo real. Na agricultura, isso
de problemas (praga, deficiência) e acompanhamento fe-
significa estações meteorológicas automáticas, sensores
nológico muito mais fino. Novos satélites de alta resolu-
de umidade do solo, sensores de nutrientes em lavoura,
ção (e.g. WorldView-3, GeoEye) alcançam detalhes de 30
armadilhas inteligentes para insetos, todos enviando infor-
cm, permitindo identificar features individuais (árvores,
mações continuamente para a nuvem. A inovação está em
sulcos) desde o espaço. Outra inovação são satélites geo-
integrar esses dados de campo em plataformas de geopro-
estacionários de observação da Terra, ainda em desen-
cessamento. Por exemplo, sensores de solo espalhados em
volvimento, que ficariam “parados” sobre uma região, co-
diferentes pontos de um talhão geram um mapa dinâmico
letando imagens a cada 10 minutos – úteis para monitorar
de umidade, que combinado com imagens de satélite, for-
ciclo diário de estresse hídrico ou formação de tempesta-
nece um quadro mais completo para manejar a irrigação.
des que afetam a lavoura.
Outro caso são armadilhas de insetos conectadas via IoT,
com câmera e AI, georreferenciadas em um mapa: quando
c) Sensores hiperespectrais
detectam determinada praga, automaticamente sinalizam
Trata-se de sensores ópticos capazes de adquirir de- no mapa a área problemática. Isso permite resposta rá-
zenas ou centenas de bandas estreitas do espectro eletro- pida e localizada no controle de pragas, evitando que pe-
magnético, em vez das típicas 3–10 bandas multiespec- quenas infestações tornem-se grandes problemas. A IoT
trais. Essa resolução espectral refinada permite identificar agrícola também inclui máquinas e tratores equipados
“assinaturas espectrais” de alvos com muito mais precisão com telemetria e sensores que reportam operações em
– por exemplo, diferenciar espécies de plantas, diagnosti- tempo real, alimentando SIGs com o andamento do plan-
car deficiências nutricionais específicas (cada estresse tio/colheita, por exemplo. A inovação reside em transfor-
pode alterar levemente a reflectância em bandas particu- mar a lavoura em um ambiente “inteligente” e monito-
lares), ou mesmo detectar níveis de clorofila, teor de água rado 24h, onde solos, plantas e máquinas “conversam”
e compostos químicos nas folhas. Satélites hiperespectrais entre si através de dados georreferenciados.
(como o Prisma, da agência italiana, ou futuros satélites
da NASA) e sensores hiperespectrais em drones abrem ca- f) Inteligência Artificial e Big Data Geoespacial
minho para um monitoramento ultra-detalhado da sa-
Com o aumento drástico de dados (imagens diárias
úde das culturas, possibilitando intervenções agronômi-
de satélite, drones frequentes, milhares de sensores IoT),
cas ainda mais direcionadas. Embora gerem grande vo-
surgem também inovações no processamento desses big
lume de dados e exijam processamento avançado (big
data. Técnicas de aprendizado de máquina e IA têm
data), são uma fronteira promissora das geotecnologias
sido aplicadas para analisar imagens e dados geoespaciais
agrícolas.
em escala e velocidade antes impossíveis. Redes neurais
convolucionais conseguem identificar padrões complexos
em imagens – por exemplo, classificar automaticamente
tipos de culturas com alto acerto, ou detectar sinais
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Conhecimentos Específicos (Engenharia Agronômica/Agronomia - Prof. Jorge)
precoces de doença foliar pela textura sutil nas imagens. tecnologias emergentes, pois elas definem a nova era da
Modelos de deep learning podem combinar dados de múl- agronomia de precisão. Conhecer drones, novos sensores,
tiplas fontes (clima, solo, imagens multitemporais) para ferramentas de SIG online e análise de big data geográfico
prever fenômenos agrícolas, como produtividade ou deixou de ser um diferencial e passou a ser parte inte-
risco de pragas. Algoritmos de visão computacional per- grante do rol de competências em engenharia agronômica.
mitem interpretar imagens de drones em tempo real, As geotecnologias inovadoras continuarão a evoluir, com
guiando equipamentos autônomos no campo. A IA tam- expectativa de melhorias em resolução espacial, espec-
bém facilita a interpretação de séries temporais longas, de- tral e temporal dos sensores, maior automação das aná-
tectando tendências e anomalias que escapariam ao olho lises e integração em tempo real das informações, con-
humano. No âmbito de geotecnologias, surgem platafor- solidando um cenário em que decisões agrícolas sejam to-
mas inteligentes (muitas vezes acessíveis via web) que au- madas quase instantaneamente com base em dados geor-
tomatizam análises espaciais complexas – por exemplo, referenciados confiáveis.
um sistema que alerta o produtor se determinada área da
Referências
fazenda ficou três dias consecutivos com NDVI decres-
cente (possível problema), cruzando isso com dados de Gomes, J. A. (2024) – “Usos e aplicações do sensoriamento remoto e geoprocessamento na agricultura.”
Blog Agroadvance, 30/05/2024. (Conteúdo sobre conceitos de sensoriamento remoto, tipos de sensores e
chuva para sugerir “pode ser estresse hídrico”. Tais inova- integração com IoT).
Fitz, F. (2008) – Definição de SIG citada em material didático do Programa de Modernização do Patri-
ções trazem agilidade e predições antes indisponíveis, mônio da União – Apostila de SIG.
Mundo Educação (s.d.) – “Sistema de Informações Geográficas – SIG.” Disponível em UOL Educação
tornando o processo decisório mais proativo do que rea- (artigo introdutório sobre SIG e suas aplicações).
Aeroengenharia (2023) – “O que é Avaliação de Dados de Sensoriamento Remoto.” Glossário Aeroen-
tivo. genharia (explica etapas desde aquisição até interpretação de imagens).
Tempfli, K. et al. (2008) – “Principles of Remote Sensing” (4ª ed., ITC, Enschede). Apostila traduzida:
“Interpretação de fotografias aéreas e imagens de satélite” (Universidade de Twente/ITC, 2013) – for-
nece fundamentos e elementos da interpretação visual de imagens.
g) Agricultura de orecisão e maquinário inteli- EOS Data Analytics (2025) – “Interpretação de Imagens de Satélites: Métodos e Elementos.” Artigo de
blog EOS.com, atualizado em 14/03/2025. (Discute técnicas de interpretação, uso de NDVI e exemplos
gente práticos de análise de imagens).
Esri GIS Dictionary (2020) – Verbete “Georeferencing” (Georreferenciamento). Definição técnica de
georreferenciamento e procedimentos envolvidos.
Conab/INPE (2020) – Webinar Mapeamento Agrícola – Sensoriamento Remoto Agrícola. (Acordo de
As geotecnologias vêm inovando também na maqui- Cooperação Conab–INPE para mapeamento de áreas cultivadas e monitoramento agrícola).
Medium – FIT Tecnologia (2025) – “Agricultura de Precisão: O Papel do Sensoriamento Remoto e IoT
naria e operações agronômicas. Tratores autônomos ou no Monitoramento de Pragas.” (Exemplo de integração de IoT, sensores e IA no controle de mosca-
branca).
guiados por GPS já são realidade – mantêm o alinha- NASA Earthdata (s.d.) – “Remote Sensing – Earth Observation Data Basics.” (Noções sobre sensores
mento exato em campo, reduzem sobreposições e falhas passivos vs. ativos e espectro eletromagnético usados em sensoriamento remoto).
no plantio. Monitores de colheita em colhedoras ma-
peiam em tempo real a produtividade em cada parte do
talhão (gerando mapas de colheita georreferenciados). 24. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA O RE-
Pulverizadores com mapas de prescrição aplicam insumos CONHECIMENTO AUTOMÁTICO DE PADRÕES
variáveis conforme necessidade espacial identificada pre- DE IMAGENS DE SATÉLITE PARA USO EM PRO-
viamente em mapas de solo ou índices de vegetação. A CESSOS PREDITIVOS EM CIÊNCIAS AGRÁRIAS.
inovação está em fechar o ciclo: dados de sensoriamento 24.1. DEFINIÇÃO E CONTEXTO:
remoto alimentam mapas de recomendação, que são exe-
cutados por máquinas inteligentes no campo, e o resultado A Inteligência Artificial (IA) aplicada a imagens de
(ex.: mapa de colheita) volta ao sistema para ajuste contí- satélite refere-se ao uso de algoritmos capazes de identi-
nuo. Essa integração máquina-dado levou a eficiência a ficar automaticamente padrões e características em da-
patamares elevados e reduziu impactos ambientais (uso dos de sensoriamento remoto, sem intervenção humana
otimizado de agroquímicos e água). Hoje, iniciativas de direta. No contexto das ciências agrárias, isso significa
fazendas inteligentes combinam drones que inspeccio- empregar técnicas de machine learning e deep learning
nam culturas, sensores que informam condições, e robôs para analisar imagens multiespectrais ou de radar e reco-
agrícolas que agem – todo esse processo orquestrado via nhecer elementos de interesse agrícola – por exemplo,
sistemas GIS centralizados. distinguir diferentes culturas, detectar sinais de estresse
hídrico ou pragas, estimar índices de vegetação etc. O ob-
As inovações em sensoriamento e geotecnologias es- jetivo é extrair informações úteis para processos prediti-
tão tornando a agricultura mais precisa, previsível e sus- vos, como prever safras, monitorar a saúde das lavouras
tentável. A combinação de múltiplas fontes de dados (sa- ou antecipar riscos agrícolas, apoiando a tomada de deci-
télites, drones, sensores in situ) aliada a métodos avança- são no campo de forma precisa e automatizada.
dos de análise (IA, computação em nuvem) permite aos
engenheiros agrônomos e produtores entenderem e con- 24.2. TÉCNICAS DE IA E RECONHECI-
trolarem em detalhes o ambiente agrícola, reduzindo MENTO DE PADRÕES:
incertezas. Por exemplo, o manejo de pragas tende a se
antecipar aos surtos graças a armadilhas inteligentes; a ir- Tradicionalmente, o reconhecimento de padrões em
rigação tende a fornecer exatamente a água necessária em imagens satelitais envolvia métodos de classificação esta-
cada ponto graças a sensores de solo e imagens; o melho- tística (como classificadores de máxima verossimilhança)
ramento de plantas pode utilizar mapas de produtividade ou análise visual. Com os avanços da IA, redes neurais
e clima de diversas safras para recomendar as variedades profundas – especialmente as Redes Neurais Convoluci-
ideais a cada talhão. Conforme apontado em publicação onais (CNNs) – tornaram-se padrão para análise de ima-
recente, a integração de sensoriamento remoto, geopro- gens. Essas redes conseguem aprender características
cessamento e IoT está criando uma agricultura cada vez complexas diretamente dos pixels, identificando padrões
mais conectada e resiliente. Para profissionais e estudan- espaciais e espectrais que distinguem classes de interesse.
tes, é essencial manter-se atualizado quanto a essas Hoje, redes neurais aplicadas a imagens de satélite
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