ASPECTOS SOBRE A DETERMINAÇÃO DE BILIRRUBINA
A bilirrubina é uma substância produzida pelo fígado, consequente da filtragem de
glóbulos vermelhos, e é eliminada do organismo por meio das fezes e urina. Sua
formação ocorre como produto da degradação do grupo heme, em que
aproximadamente 70% se derivam de células vermelhas envelhecidas. A bilirrubina
circulante é extraída pelo fígado, onde é conjugada por esterificação.
Figura 1 – Estrutura química da bilirrubina, cuja fórmula é C33H36N4O6. Fonte: Adaptada de PubChem
(2016).
O método de determinação de bilirrubina mais amplamente usado é a reação diazo,
que distingue duas frações: direta e indireta. Aspectos sobre essas determinações
serão abordados no próximo tópico.
Na literatura científica, a reação orgânica para a determinação de bilirrubina é
conhecida como Sims-Horn, e consiste na diazotização e formação de azobilirrubina
vermelha, que tem absorção em comprimento de onda na faixa de 500 a 540nm.
As doenças hepatocelulares e a obstrução das vias biliares são as causas mais
frequentes de alterações séricas da bilirrubina.
Na prática, kits comerciais contendo os reagentes necessários são facilmente
encontrados, devendo-se apenas adicionar cada item indicado para posterior
análise. No local de trabalho, todas as etapas que devem ser seguidas para o
preparo da solução a ser analisada estarão descritas em um procedimento
operacional-padrão (POP), que deverá ser rigorosamente seguido.
A composição desses kits para testagem consiste basicamente em três frascos:
acelerador (cafeína, benzoato de sódio e acetato de sódio); nitrito de sódio; e
reagente sulfanílico (ácido sulfanílico e ácido clorídrico). Além desses, há ainda o
padrão, que é o calibrador. A partir da adição de reagentes, realiza-se a
homogeneização e posterior banho-maria, antes de ser realizada a análise
instrumental.
BILIRRUBINA DIRETA X BILIRRUBINA INDIRETA
Na rotina clínica, é comum encontrar as designações “bilirrubina direta”, “bilirrubina
indireta” e “bilirrubina total”. A reação direta ocorre com a reação imediata da
bilirrubina ao reagente diazo de Ehrlich. A bilirrubina direta, ou conjugada, é ligada
ao ácido glicurônico e dosada em meio aquoso. A bilirrubina total é a soma da direta
com a indireta, sendo dosada por solubilizador de ação catalisadora, também
denominado “acelerador”, com composição de cafeína e benzoato. A reação indireta
consiste em outra forma de a bilirrubina reagir somente após adicionar-se álcool ao
meio da reação, pois ela é insolúvel em água. A bilirrubina indireta, que é não
conjugada, pode ser determinada pela diferença entre as bilirrubinas total e direta.
A bilirrubina não conjugada, ou indireta, circula na corrente sanguínea, ligada à
albumina. No fígado, ao ser conjugada com o glicuronídeo, resulta na bilirrubina
conjugada, ou direta, que é excretada do fígado para a bile, atingindo o segmento
duodenal do intestino delgado através do ducto biliar comum.
ASPECTOS SOBRE A AMOSTRA
A maioria dos testes comerciais disponíveis permite a análise em soro ou plasma
(com uso de EDTA ou heparina), livres de hemólise, uma vez que a hemoglobina
pode causar resultados falsamente aumentados.
Como as bilirrubinas são oxidadas pela ação da luz, as amostras de sangue devem
ser protegidas da exposição direta a luz artificial ou solar. O analito é estável por
três dias, quando a amostra é armazenada entre 2 e 8°C, protegida da luz.
Uma vez preparada a solução a ser analisada no equipamento, deve-se lembrar de
que a estabilidade de sua cor é de apenas trinta minutos.
A coleta de informações prévias tem muita importância, principalmente para rastrear
o uso de possíveis substâncias, ou quadros clínicos, que podem interferir no
resultado da análise.
Algumas substâncias, como esteroides anabolizantes, ácido ascórbico, salicilatos e
vitamina A, podem elevar os valores de bilirrubina. Já a cafeína e as penicilinas
podem interferir nas dosagens, diminuindo os valores de bilirrubina.
Lipemias com valores de triglicérides acima de 150mg/dL apresentam interferência,
levando a resultados falsamente diminuídos.
INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS
O aumento na dosagem de bilirrubina permite a análise de um quadro de icterícia,
que compreende a coloração visível dos tecidos pela bile, que geralmente ocorre
com taxas acima de 2,5mg/dL. As causas mais comuns de aumento da bilirrubina
direta são as doenças hepatocelulares e as obstruções das vias biliares.
Já os casos de valores altos de bilirrubina indireta correlacionam-se com as
seguintes causas: aumento na produção de bilirrubina, decorrente de hemólise;
diminuição do transporte de bilirrubina, por ação de medicamentos e anticorpos; e
defeito na captação de bilirrubina (deficiência ou bloqueio das lingandinas) ou em
sua conjugação (icterícia fisiológica do recém-nascido, doença de Gilbert, etc.).
CONCEITOS ENVOLVENDO A MEDIÇÃO ANALÍTICA
As análises realizadas podem ser divididas em qualitativas e quantitativas.
Nas qualitativas, busca-se uma resposta sobre a presença ou ausência de
determinada substância. É o caso de testes que dão resultados positivos ou
negativos com base em uma mudança de cor (testes colorimétricos), e muitas vezes
são rápidos, com preparo muito simples, ou até mesmo sem preparo, da amostra.
As análises quantitativas, por sua vez, estabelecem um valor sobre a concentração
da substância, como a determinação de bilirrubina.
Para essas medidas, utiliza-se instrumentação analítica que correlacione a
concentração de analito com a intensidade de um sinal. Muitas vezes, faz-se
necessário um procedimento experimental para preparo de solução, por meio da
adição de reagentes, homogeneização, etc.
A chamada solução de “branco” refere-se à solução de reagente sem
amostra ou padrão. A cor da solução final é transparente, pois não há qualquer
concentração de bilirrubina para reagir. Considera-se este um “branco de reagente”,
pois contém todas as substâncias presentes no procedimento de preparo, passando
pelas mesmas etapas.
Essa solução refere-se a um pequeno erro positivo nos resultados do teste
proveniente dos próprios reagentes, e o valor medido deve ser descontado do
obtido para amostra.
É comum que ocorra confusão com a ideia de “amostra em branco” (ou “branco de
equipamento”), que é o uso de uma solução para zerar um instrumento durante um
procedimento de teste, como a água deionizada. Ao zerar o instrumento com uma
amostra em branco, apenas a cor que se desenvolve a partir da reação com os
reagentes é medida.
O padrão utilizado no procedimento consiste em uma solução preparada pelo
fabricante, com composição conhecida e concentração determinada. Este servirá
como valor de referência para estimativa do valor da amostra.
ANÁLISE POR ESPECTROFOTOMETRIA
Essa etapa é realizada em laboratório bioquímico, e engloba o preparo das soluções
após coleta de amostras. Segue-se com a adição de reagentes, homogeneização e
banho-maria, para análise em espectrofotômetro (Figura 2), a ser brevemente
explicada neste tópico.
Figura 2 – Espectrofotômetro. Fonte: Shutterstock.
A espectrofotometria UV-VIS é uma das técnicas analíticas mais empregadas,
devido a sua robustez, custo de aquisição acessível e ampla gama de aplicações
difundidas na comunidade científica.
A análise tem como base as medidas de absorção da radiação eletromagnética, nas
regiões visível e ultravioleta do espectro. Mede-se a quantidade de luz absorvida
pela amostra e relaciona-se com a concentração do analito. A absorção de luz é
determinada pelo comprimento de onda (na faixa visível e ultravioleta) selecionado
para cada tipo de pigmento de cor observado e, no caso da análise da bilirrubina,
estabelece-se em 530nm.
Esse feixe de luz no comprimento de onda estabelecido atravessa a amostra, que
está em uma cubeta (material transparente que permite a passagem de luz). A
relação da luz absorvida observada no detector do equipamento é apresentada na
forma de absorbância, sendo calculada pela Lei de Lambert-Beer. Esse valor consta
na tela do equipamento ou no computador acoplado, em que, algumas vezes, é
possível ver o perfil gráfico obtido, conhecido como espectro.
A Lei de Lambert-Beer consiste no produto da multiplicação de três fatores: caminho
óptico (tamanho da cubeta inserida no equipamento); constante de absortividade
molar da substância de interesse (dado encontrado na literatura); e concentração do
analito presente. Dessa forma, tem-se uma relação direta entre a intensidade de
sinal e a quantidade de substância presente.
A Figura 3 apresenta um esquema da análise por espectrofotometria no
equipamento, que permite ao analista obter o valor de absorbância a ser trabalhado
para conversão na determinação de glicose.
Figura 3 – Esquema do funcionamento da análise por espectrofotometria UV-VIS. Fonte: Elaborada
pelo autor.
O cálculo para determinar a concentração de bilirrubina, em mg/dL, é realizado a
partir da seguinte relação entre os parâmetros:
Concentração de bilirrubina = Absorbância da amostra * FC
Para obter a absorbância de cada leitura no teste, deve-se realizar a seguinte
subtração:
Absorbância = Absorbância lida - Absorbância do branco
BOAS PRÁTICAS DE LABORATÓRIO
Como se pode perceber, há dois momentos distintos de cuidados a serem
seguidos: a coleta de amostra e o procedimento realizado em laboratório. O uso de
equipamentos de proteção individual (EPIs) é essencial em todas as etapas,
visando garantir a segurança contra a exposição do profissional a agentes químicos
e/ou biológicos, além de blindar todo o processo de possíveis contaminações.
Todas as etapas em laboratório devem seguir o Guia de boas práticas de
laboratório – BPL (ou Good laboratory practice – GLP), cujo conhecimento é
essencial para profissionais que ingressam no mercado de trabalho. Nas referências
bibliográficas, há o link de acesso do documento em inglês, que serve como base
para documentos editados no Brasil.
O adequado manuseio da pipetagem garante que o volume correto de
amostra seja aliquotado. Nessa etapa, erros no manuseio de pipetas acarretam
medidas imprecisas, uma vez que pode ocorrer desproporção entre volume de
reagente e amostra.
Caso ocorra a coleta de menor volume de amostra ou reagente, o valor
obtido no final será menor. Se for necessário trabalhar com uma menor quantidade
de amostra (por exemplo, 5μL), é importante que a proporcionalidade seja mantida
(sendo adicionados, portanto, 500μL).
É prudente consultar a Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos
(FISPQ) de cada reagente envolvido no procedimento, a fim de conhecer a
toxicidade. Além disso, deve-se atentar ao correto descarte de material biológico
após o manuseio.
Na prática vista no Laboratório Virtual, algumas medidas visam garantir
também a não contaminação de material biológico, pelo uso de ponteiras
descartáveis para cada amostra e reagente. Nesse caso, além de se evitar a
contaminação do sangue do indivíduo A no frasco da amostra correspondente ao
indivíduo B, garante-se que não haverá adição de padrão em amostras, que poderia
acarretar uma medida incorreta.