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Quadro de Análise

Clarice Lispector, nascida na Ucrânia em 1920, é uma renomada escritora brasileira conhecida por sua prosa inovadora e introspectiva. Seu conto 'Amor' explora a rotina de Ana, uma dona de casa que, ao se deparar com um homem cego, inicia uma reflexão profunda sobre sua vida e identidade. A narrativa destaca o fluxo de consciência e a complexidade emocional das personagens, revelando a superficialidade e as contradições da vida cotidiana.

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Quadro de Análise

Clarice Lispector, nascida na Ucrânia em 1920, é uma renomada escritora brasileira conhecida por sua prosa inovadora e introspectiva. Seu conto 'Amor' explora a rotina de Ana, uma dona de casa que, ao se deparar com um homem cego, inicia uma reflexão profunda sobre sua vida e identidade. A narrativa destaca o fluxo de consciência e a complexidade emocional das personagens, revelando a superficialidade e as contradições da vida cotidiana.

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PROFESSORA BARBARA LUZZEN – PORTUGUÊS E REDAÇÃO

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LINGUAGEM UERJ
1º EXAME DE QUALIFICAÇÃO
“AMOR” – CLARICE LISPECTOR
______________________________________

QUEM É CLARICE LISPECTOR?

Haya Pinkhasovna Lispector nasceu na aldeia de Tchetchelnik, na


Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920. Aos dois anos de idade,
sua família fugiu da Guerra Civil Russa, devido à perseguição
sofrida pelos judeus na época. Inicialmente, viveram em Maceió, no
estado de Alagoas, mas mudaram-se para Recife, em Pernambuco.
Por fim, com 12 anos, aquela que adota o nome de Clarice passa a
morar com a família na cidade do Rio de Janeiro, cidade que inspira
grande parte de suas obras.

Clarice publicou seu primeiro romance, “Perto do Coração


Selvagem”, em dezembro de 1943 e se formou em Direito pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1944. Em 1943, casou-se com o colega Maury Gurgel Valente,
que se tornaria um diplomata a quem Clarice acompanharia em diversas viagens. Em 1949, Clarice teve
seu primeiro filho, Pedro, e em 1954, seu segundo filho, Paulo. Em 1960 publicou o premiado lviro “Laços
de Família” e, em 1977, publica sua obra última obra em viva, o famoso romance que conta a história de
Macabéa, “A Hora da Estrela”. Clarice Lispector faleceu no Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro de 1977,
um dia antes de seu aniversário.

O QUE DIZIA A CRÍTICA LITERÁRIA?

ALFREDO BOSI SOBRE CLARICE LISPECTOR


“Clarice Lispector se manteria fiel às suas primeiras conquistas
formais. O uso intensivo da metáfora insólita (comparações
pouco usuais, inesperadas, estranhas), a entrega do fluxo
da consciência (priorização dos pensamentos), a ruptura
com o enredo factual (abordagem do dia a dia, do cotidiano)
têm sido constantes do seu estilo de narrar que, na sua
manifesta heterodoxia, lembra o modelo batizado por Umberto
Eco de “opera aperta”.” – obra aberta – texto que apresenta
possibilidades de interpretação para o leitor.
(A História concisa da literatura brasileira, p. 452)
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ANTONIO CANDIDO SOBRE CLARICE LISPECTOR


Naquele momento, 1943, alguns perceberam que Clarice
Lispector estava trazendo uma posição nova, diferente do
sólido naturalismo ainda reinante. Diferente, também, do
romance psicológico e, ainda, da prosa experimental dos
modernistas. Era uma experiência nova, nos dois sentidos:
experimento do escritor, compreensão do leitor. A jovem
romancista ainda adolescente estava mostrando à narrativa
predominante em seu país que o mundo da palavra é uma
possibilidade infinita de aventura (ampliação, jogos de
sentidos, as possibilidades de significações), e que
antes de ser coisa narrada a narrativa é forma que narra. De
fato, o narrado ganha realidade porque é instituído, isto é,
suscitado como realidade própria por meio da organização
adequada da palavra. Clarice Lispector instaurava as
aventuras do verbo, fazendo sentir com força a dignidade
própria da linguagem.

(Publicado originalmente em Clarice Lispector. A paixão segundo G. H. Edição crítica coordenada por Benedito Nunes.
Edições UNESCO/Edusp (1988) – Fonte: https://aterraeredonda.com.br/clarice-lispector-no-comeco-era-de-fato-o-
verbo/).

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA OBRA DE LISPECTOR

 Fluxo de consciência – exposição dos pensamentos das personagens, de forma que um


puxa o outro, gerando um emaranhado de ideias que nem sempre se interligam.
- mistura o externo e o interno
 Alteridade dos personagens – não estão apenas em uma categoria, em um grupo
 Construções sintática anômalas – exposição, por meio da sintaxe, a fragmentação e a
estranheza dos pensamentos interiores
 Referências à própria linguagem (caráter metalinguístico)
 Crise da personagem-ego – consciente da personagem
 Contradições irresolvidas – perguntas e aflições que não recebem soluções
 Narrativa intimista e autorreflexiva – narrativa individual
 Consciente supraindividual – percepção única do indivíduo sobre o mundo
 Questões sociais do cotidiano – crítica social é mais indireta, mais simbólica
 Superficialidade transformada em reflexão – os pequenos detalhes são importantes para o
pensamento e a reflexão do consciente
 A existencialidade como ponto central – se entender no mundo é fundamental
 Labirintos da memória e da mente- confusão, multiplicidade dos pensamentos
 Autoanálise e autorreflexão – foco no eu, no consciente
 Ruptura com o enredo factual – abordagem do cotidiano não sendo foco apenas na
descrição dos fatos, mas servindo como gatilho para a organização dos pensamentos
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LAÇOS DE FAMÍLIA, UM LIVRO DE CONTOS DE CLARICE LISPECTOR

Laços de Família, como o nome já indica, é uma coletânea de contos domésticos, ou seja, histórias curtas
que abordam a rotina e o cotidiano de dentro dos lares. O foco, costumeiramente, é nas figuras femininas
da classe média, mas também há contos que abordam a perspectiva masculina dentro desses ambientes e
situações. Esses contos caminham na transformação das ações em pensamentos. Os fatos que ocorrem no
dia a dia se transformam em uma sequência de reflexões que ora evidenciam a superficialidade da vida, ora
promovem um aprofundamento que revela camadas mais complexas do ser humano.

“AMOR”, A TRIVIALIDADE DA ROTINA E AS PROFUNDEZAS DO PENSAMENTO

Resumo do conto: aborda um dia na rotina de Ana que é interrompido por um


súbito impacto ao ver um homem cego mascando chiclete no ponto do bonde.
Enquanto segue suas funções de sempre, Ana se percebe mergulhada dentro de
seus próprios pensamentos e sentimentos, estabelecendo uma superposição de
imagens enquanto tenta compreender o motivo de estar tão emotiva por causa do
cego.

O conto é narrado em terceira pessoa, através de um narrador onisciente que


mostra o consciente da protagonista por meio de um discurso indireto-livre. Assim,
percebemos, pelo medo de seu momento de ócio, que a satisfação com a vida que
tem é apenas aparente e frágil. Ana tem medo do que pode confrontar e se pensar
mais em sua rotina, se precisar encarar quem é fora de sua função como mãe e
esposa.

PERSONAGENS

Ana: aparentemente, uma dona de casa da classe média alta, cuja rotina é extremamente dedicada à sua
família. Encontra-se em um estado de letargia, em que funciona no automático. A virada de chave da
história é justamente que um fato trivial é capaz de movimentar um ciclo de reflexões e incômodos que ela
jamais havia experienciado, ou, pelo menos, tinha esquecido como.

Marido: aparece como a representação estrutural de uma família tradicional da classe média alta, como o
provedor da família e aquele que se coloca na função de organização o funcionamente geral.

Filhos: os filhos são representados de forma ampla, sem definição de gênero ou idade. Também
representam a dualidade do amor que satisfaz e incomoda simultaneamente.

Homem cego: seria um figurante se não despertasse a consciência reflexiva da protagonista. O Homem
cego é um elemento simbólico, estático e trivial capaz de trazer o absurdo, gerar um mergulho profundo nos
próprios pensamentos.
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CARACTERÍSTICAS DA NARRATIVA DO CONTO “AMOR”

Ausência de nomes próprios (exceto pela protagonista): um traço comum de muitos contos de Lispector
é a generalização das personagens. A ausência do nome do marido e dos filhos ocorre justamente para dar
uma sensação de amplitude, que muitas donas de casa podem ser uma Ana, envolvida na rotina do
cotidiano e refletindo profundamente sobre coisas aparentemente superficiais. A principal função social é
característica definidora e, portanto, o nome.

Fluxo de consciência: construído a partir de um discurso indireto-livre, o fluxo de consciência em “Amor” é


caracterizado pela descrição ora física, ora psicológica de espaços, sensações e fatos do cotidiano.
Complementa-se também com o constante questionamento e a reflexão sobre elementos comuns e simples
do cotidiano da personagem.

Discurso indireto-livre: o narrador onisciente promove uma constante fusão de sua narrativa com os
pensamentos da personagem, de modo que, raramente, seja possível diferenciar as vozes no texto. Essa
estratgégia também traz uma característica polifônica.

AS PARTES DA NARRATIVA

Para facilitar nossa análise, vamos considerar que o conto é dividido em partes, ou seja, diferentes
momentos que podem ser esmiuçados de forma organizada.

PARTE 1: ANA E SUA ROTINA

ONDE COMEÇA E ONDE TERMINA?


Páginas 17-19

“Um pouco cansada...”

Até

“O bonde vacilava nos trilhos...”

Podemos indicar como a primeira parte do conto a apresentação da protagonista e de sua rotina. A partir do
ato de subir no bonde, sabemos que Ana é uma dona de casa, descobrimos sobre o fogão com defeito na
cozinha, somos apresentados aos filhos (ou à percepção de Ana sobre os filhos). Mais do que uma
justaposição de ações do cotidiano, temos uma justaposição mais subjetiva de pensamentos sobre esse
mesmo cotidiano simplório. Nessas reflexões iniciais, percebemos uma tentativa de se manter superficial,
vaga e sem peso. Há traços de melancolia e letargia que conduzem o consciente da personagem e seu
fluxo de pensamentos. Também é possível encontrar uma insistência em se manter alheia aos
pensamentos mais profundos, como se qualquer outra coisa além de sua calmaria pudesse colocar em
risco sua vontade de ter a vida que possuía.

DETALHE: o ócio é a hora mais perigosa da vida da personagem porque é a hora que ela pode pensar.
Sem ter que lidar com as necessidades dos filhos e do marido, sem precisar cumprir as tarefas de casa, a
Ana é deixada consigo mesma. Pensamentos podem representar a possibilidade de questionar sua vida e
ela está conformada na estagnação de sua rotina.
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TRECHO DE ANÁLISE 1
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde.

Ação que desencadeia o conto.

Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando
conforto, num suspiro de meia satisfação.

- O primeiro parágrafo do conto é bastante descritivo. Apenas indicado pelo narrador.


Parece, a princípio, uma narrativa tradicional. As sequências de ações são organizadas para
contar a história.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta.

- coisa: processo de coisificação -> seres humanos ainda em formação


- coisa: marca de oralidade
- verdadeira: apresenta a possibilidade de erros
- sumarenta: com peso, com mais do que parece, recheado

Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos.

- Entre as duas primeiras frases há um jogo de quebra de expectativa. Espera-se que “ser
bom” signifique não ter defeitos, mas eles são crianças.
- Gradação da abstraçãao da percepção sobre os filhos

A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento
que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara
lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte.

- Descrição mais objetiva, mais próxima da narração comum.

Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas.

- Ana fazendo o apenas o que é necessário. Não há uma movimentação de grandes atos ou
grandes feitos. Fazer o mínimo como suficiente.

E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo
o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e
sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente,
sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

- Mínimo também é exigente. Ainda que não haja grandes feitos, a rotina da casa é
extremamente exigente e pesada para essa mulher.
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TRECHO DE ANÁLISE 2
Presente nas questões 6 a 10

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela.
- Percepção íntima de Ana. Abstração pela personificação das árvores -> personificação
que ocorre simbolicamente e não concretamente.
Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se.
- Sua principal função é ser necessária. Inquietude é perigosa porque gera espaço para
outras coisas que não servir sua família.

No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se
ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na
fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar
os dias realizados e belos; com o tempo seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e
suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de
aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser
feita pela mão do homem.

- Inicialmente, a ideia de ser sólida pode parecer uma questão simbólica de sua essência,
mas a exemplificação é física, concreta.
- Desejo artístico há muito tempo é direcionado para fazer um lar belo.
- Pressupõe-se que antes desse “muito tempo”, o desejo artístico era direcionado a outras
coisas.
- Vida aceitável, admirável nada mais é do que uma construção, uma montagem. Sem o
aprimoramento, não há satisfação completa.
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar
perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a
surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.
- A vida doméstica não era o que Ana deseja inicialmente.
- Cumprimento com as expectativas da sociedade => mulher se torna mãe e dona de
casa
- Surpreendente: facilidade de funcionamento nesse papel
- Inevitabilidade do “destino” -> dificuldade de escapar das imposições sociais
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O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos
verdadeiros. – Cumprem com as expectativas

Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos
poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a,
encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com
persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para
sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com
felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto.
Assim ela o quisera e escolhera.
- Felicidade é inexistente atualmente. Na vida, há outros sentimentos válidos.
Sentimentos mais seguros e contidos.
- Reflexão filosófica sobre o que é felicidade e a associação dela com a juventude.
- Felicidade é sempre momentânea em oposição à persistência e à alegria que podem ser
recorrentes
- Juventude é feita de momentos x Vida Adulta é feita de estabilidade
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava
vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas
funções.

- Todos possuem uma vida externa, para além da casa. Menos a Ana.

Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida
não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto – ela o abafava com a mesma
habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou
levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles.
- Cuidado compulsório
Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim
chegaria a noite, com sua tranquila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos
deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem
arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do
mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e
escolhera.
- Ser uma raiz que não aparece, que nem todos conseguem perceber sua relevância
(Laços de Família – Clarice Lispector – páginas18-19)
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PARTE 2: A JANELA DO BONDE REVELA O CEGO MASCANDO CHICLES – marca pelo produto =
metonímia
ONDE COMEÇA E ONDE TERMINA?
Páginas 19 - 20

“O bonde se arrastava...”

Até

“Poucos instantes depois...”

O que podemos considerar como a segunda parte do conto é, justamente, o momento de maior tensão.
Pela janela do bonde, a protagonista vê um homem parado no ponto, um cego mascando chicles, ou para
os mais novos, chiclete. Aqui, encontramos a grande ironia e provocação de Lispector. Uma mulher tão
centrada e organizada, como Ana, perder completamente o controle ao ver algo trivial como algo
absurdamente incomum, quase insólito. O que há de errado em um cego mascar chiclete? Nada. Mas,
talvez, por não pensarmos no cego para além de sua cegueira, a quebra dos pressuspostos é intensificada
quando ele se torna uma pessoa comum.

DETALHE: há uma alteridade escancarada na percepção de Ana sobre as diferenças entre si e o homem
cego. A ideia de que algo tão simples é capaz de desorganizar a vida de alguém ao ponto de representar
perdas – físicas como os ovos, ou simbólicas como o esforço da alienação.

ANÁLISE DE TRECHO 3
O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que
olhou para o homem parado no ponto.

A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se
mantinham avançadas. Era um cego.

O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava
sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles…Um homem cego mascava chicles.

- Gradação na apresentação do homem cego


- A raridadde de percepção dessas pessoas que torna esse destaque muito absurdo.
- Trivialidade da cena que intensifica a sensaçaõ de absurdo

ANÁLISE DE TRECHO 4
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar – o coração batia-lhe
violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê.

- Conforto de poder analisar sem a expectativa do outro ou a percepção do outro sobre a sua
análise
- Falta de barreiras para o início do pensamento

Ele mastigava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da
mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir – como se ele
a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas
continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada – o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a
desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão – Ana deu um
grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava – o bonde estacou, os
passageiros olharam assustados.

- Afastamento de sua visão do cego é brusco que causa espanto, que causa perturbação
- Esse movimento do bonde mostra o nível de intensidade da análise de Ana
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PARTE 3: MERGULHANDO EM ANA ENQUANTO ELA MERGULHA EM SI MESMA

ONDE COMEÇA E ONDE TERMINA?


Páginas 20 - 23
“A rede de tricô era áspera...”

Até

“Mas quando se lembrou das crianças...”

Após deixar o homem cego para trás, a personagem começa a ficar aflita sobre o impacto daquela cena.
Então, perde o ponto do bonde e se vê obrigada a descer em um lugar, a princípio, desconhecido. Quando
reconhece as portas do Jardim Botânico, ela caminha até lá e é sufocada por uma onda de pensamentos
que passam pela simplicidade da natureza até a complexidade de suas relações e a possibilidade de
abandonar ou não sua família. O fluxo de pensamento aqui atinge um ritmo acelerado, em que as imagens
se sobrepõem sem que haja uma explicação clara sobre elas. É essa aceleração do pensamento que
mostra a intensidade do impacto do despertar da personagem.

DETALHE: o trecho com maior quantidade de menções indiretas à crítica social inserida na narrativa. O
Jardim Botânico funciona como um segundo personagem – ao menos, um espaço muito intensificado – que
mostra a decadência da burguesia, em oposição ao descaso e indiferença do mundo com o cego. No
entanto, essa questão nunca fica clara para a personagem que percebe um incômodo sem conseguir defini-
lo.

ANÁLISE DE TRECHO 5
Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em
serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para
serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite – tudo feito de modo a que um dia se
seguisse ao outro.

- Vida planejada. DENTRO dos acordos, do que era esperado. Sem surpresas porque se
seguiam regras e rotinas.
- Rotina não surge pela sorte ou é espontânea. A rotina é a mecanização da vida.
- Organização é intrínseca à vida, ou seja, não é natural
- Apaziguar a vida = domesticar a vida

E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida
cheia de náusea doce, até a boca.

- A vida espontânea é assustadora, é perturbadora, é incômoda.


- Natural é a bagunça, é o inesperado
- Vida como imprevisível, impossível de controlar que é o oposto à segurança e à rigidez que
Ana almejava
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ANÁLISE DE TRECHO 6
Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava tudo
a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a
rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.
Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava
inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento
mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde
localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim
Botânico.

- Funcionalidade já não é mais tão eficaz


- O nível de afetação psicológica está, justamente, em como há uma alteração do físico

Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim.
Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.
A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.

- O espaço do Jardim é familiar (conhecido) e, por isso, tem o poder de começar a acalmá-la.
- Mas ao acalmá-la, o espaço permite que ela perceba e analise mais o seu redor.

De longe via a aleia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.
Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o
Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual
estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande
demais.

- Meio sonho -> meio realidade = pensamentos transitam entre o concreto e o abstrato
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PARTE 4: A VOLTA DA REFLEXÃO E O RETORNO AO ESTADO DE PASSIVIDADE

ONDE COMEÇA E ONDE TERMINA?


Páginas 24 - 27
“Enquanto não chegou à porta do edifício...”

Após deixar o homem cego para trás, a personagem começa a ficar aflita sobre o impacto daquela cena.
Então, perde o ponto do bonde e se vê obrigada a descer em um lugar, a princípio, desconhecido. Quando
reconhece as portas do Jardim Botânico, ela caminha até lá e é sufocada por uma onda de pensamentos
que passam pela simplicidade da natureza até a complexidade de suas relações e a possibilidade de
abandonar ou não sua família. O fluxo de pensamento aqui atinge um ritmo acelerado, em que as imagens
se sobrepõem sem que haja uma explicação clara sobre elas. É essa aceleração do pensamento que
mostra a intensidade do impacto do despertar da personagem.

No entanto, ao chegar em casa, há uma diminuição gradativa de toda a aflição que atingiu a protagonista.
Aos poucos, a rotina e o conhecido começam a assentar o desespero e os questionamentos, ainda que
permaneçam quase até o fim do dia, dão lugar a um silenciamento progressivo.

DETALHE: é possível perceber uma crítica a esse apaziguamento final da protagonista. O narrador julga
toda a epifania de Ana como algo temporário, frívolo. E isso é reforçado pelo fato de que, antes de dormir, já
não havia “nenhum mundo no coração”.

ANÁLISE DO TRECHO 7
Deixou-se cair numa cadeira, com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?

- Parece uma pergunta retórica, mais reflexiva

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava.
Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha?

- A repetição dessa pergunta mostra como ela precisa ser respondida, como ela precisa ser
entendida.

É que já não era mais piedade, não era só piedade AMOR DO TÍTULO É ÁGAPE: seu coração se
enchera com a pior vontade de viver.

- Despertar contra a vontade própria.


- Quebra de expectativa -> vontade de viver apresentado como algo problemático
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ANÁLISE DO TRECHO 8
Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por
quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! mas ela
amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria
a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a
empregada a preparar o jantar.

- Amar o cego> despertar da consciência social. Sua condição socioeconômica não a


aproxima do cego.

Não ir para a igreja pode ter uma dupla interpretação: não é com um amor tão intenso ou a
igreja não é o espaço para se desenvolver sentimento como um amor ao pobre e cego.

- Jardim a chama porque é do seu convívio social. O Jardim desperto questionamentos são
mais aceitáveis.
- Filosofar sobre a decadência, sobre a finitude, sobre a natureza é um comportamento mais
burguês

- No meio da aflição, ela escolhe voltar para a rotina.

Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror
da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a
jarra para mudar a água – havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos.
O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a
formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d’água caíam na água
parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma
vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando
os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma
noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios
escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.

- Sequência de frases curtas -> aceleração do texto -> intensificação do pensamento


- Afastamento progressivo da crítica social -> contemplação da vida começa a ser preenchida
por fatos simplórios do cotidiano -> volta gradativa à letargia inicial

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nenhum estudo existe sem uma pesquisa intensa e extensa.Embora nenhum trecho efetivo tenha sido
citado diretamente, é importante indicar os pesquisadores e estudiosos que, de alguma forma, contribuíram
para a construção teórica deste material.

LINKS
https://brasilescola.uol.com.br/biografia/clarice-lispector.htm
https://www.ebiografia.com/clarice_lispector/
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LIVROS
BOSI, ALFREDO. A história concisa da literatura brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.
LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

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