Table of Contents
Índice
Sinopse:
ANTES DE COMEÇAR...
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
FINAL
EPíLOGO
A série:
QUER MAIS MÁFIA?
Mais livros da Autora?
ÍNDICE
Sinopse:
ANTES DE COMEÇAR...
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
FINAL
EPíLOGO
A série:
QUER MAIS MÁFIA?
Mais livros da Autora?
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida por quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem autorização escrita
da autora.
Esta é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são produto da imaginação.
Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real deve ser
considerado mera coincidência.
Não é autorizada o uso como base para treinamento para Inteligência Artificial
ou qualquer outra tecnologia ou linguagem similar referentes a textos e criações de
histórias.
Título: A família Secreta do Assassino Mafioso
Romance / Dark
ISBN – 9798282781557
Texto Copyright © 2025 por Josiane Biancon da Veiga
SINOPSE:
Gianni Carbone é uma sombra — um nome temido, um assassino frio e
preciso da máfia Lupi Sanguinari.
Para o submundo, ele é um fantasma letal, implacável, leal apenas à
família, cujo sangue carrega o peso de séculos de dominação. Para a
mulher escondida em uma pequena cidade perto de Montreal, no Canadá,
ele é apenas um marido amoroso, e um pai adorável.
Madeline acredita que o marido é apenas um homem ocupado, um contador
que precisa viajar muito para resolver problemas com impostos para
grandes empresas, mas que sempre volta para seus braços cheio de amor e
promessas de uma vida melhor. É alheia ao monstro assassino que ele é
quando não está vendo.
Quando um erro inesperado coloca sua identidade em risco, os dois mundos
que Gianni lutou tanto para manter separados colidem de forma brutal. E
ele não pode mais jogar entre a mentira, a lealdade e a redenção.
ANTES DE COMEÇAR...
A Família Secreta do Assassino é parte de uma série sobre seis irmãos que
pertencem a máfia Lupi Sanguinari.
Para melhor entendimento desse
livro, recomendo ler os dois
primeiros, acessando o link:
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PRÓLOGO
Perto de Montreal/Canadá
cheiro de café me inundou assim que entrei naquele pequeno e afastado bar,
perto da saída da rodovia 15, em Saint-Jérôme. Esse lugar me trazia a
sensação de família e conforto que eu não sentia há muitos anos.
Olhei ao redor. Sorri diante da imagem que vislumbrei ao fundo, servindo
mesas.
Encontrei esse lugar por acaso anos atrás, numa noite em que estava caçando
um dos capangas de Vicenzo. Após me livrar do desgraçado, percebi minhas
mãos sujas de sangue, e o lugar no meio do nada era perfeito para eu me
livrar das provas.
Fui reto ao banheiro, lavei as mãos, e limpei a camisa. Quando saí, uma
jovem me esperava, uma bandeja nas mãos, um sorriso tão doce nos lábios
que eu mal acreditava que pudesse existir algo tão bonito e pudico.
Mas, ela não era pura. A barriga grande e pungente demonstrava que já era
usada. Talvez até casada. Não perguntei.
Eu me sentei numa das mesas naquela noite, aceitando o café com bolinhos
que ela ofereceu. E voltei nas noites seguintes, apenas para vê-la, andando
de um lado para o outro, com a bandeja nas mãos, e o sorriso sempre
forçando amizade a todos os clientes.
— Boa noite, Gianni — a figura bonita me disse, assim que me viu. Ela já
me conhecia bem, depois de tantos anos me servindo. — Bolinhos e café,
não é? — indagou, porque era o que eu comia desde a primeira vez.
Concordei, acenando.
Sentei-me próximo da saída. Ninguém vinha a um lugar tão longe de tudo,
mas eu sempre estava atento a quem entrava e saía do lugar.
Logo, ela se aproximou. Pôs o bolinho de sempre e o café diante de mim.
— Como vai o escritório de contabilidade? — indagou.
Ela não sabia que eu era um bandido.
— O de sempre. Números nunca mudam.
Seu cabelo balançou, enquanto ela concordava. Mas, era apenas por ser
gentil, já que não fazia ideia de como era trabalhar em um escritório.
Seu nome é Madeline. Bem assim, bem comum. Os fregueses a chamam de
Made. Ou Line. Depende o dia. Ela nunca corrige ninguém. Ela nunca
levanta a voz. Pelo que sei, nunca levantou.
Investiguei sua vida. A mãe foi embora do Canadá quando ela tinha quinze
anos e a deixou para trás. Ela ficou em abrigos até os dezenove. Depois, saiu
e foi tentar a sorte. Trabalhou em muitos lugares, e apareceu grávida depois
de alguns meses em uma fábrica. Foi despedida, e então começou a fazer
faxinas de dia, e cuidar do bar à noite para sobreviver.
Estava sempre cansada, apesar de manter um sorriso tímido no rosto.
Ela não era ninguém importante. Apenas a moça que servia as mesas e
limpava os banheiros no final da noite. Aliás, foi num dos banheiros que ela
basicamente pariu o pequeno Noah. Eu estava lá naquela noite, e a ouvi
gemer da mesa onde estava sentado. A encontrei no chão, sangue entre suas
pernas, muito líquido espalhado, e um pano de microfibra nas mãos, que ela
apertava como se isso fosse salvar sua vida.
Eu a levei ao hospital. Depois, lhe dei dinheiro, que ela não quis aceitar
porque sabia que contadores não ganham muito ali naquelas bandas. Eu
insisti, disse que eram economias que não me fariam falta.
Só então ela concordou. E sumiu do bar no mês seguinte, para cuidar do
bebê recém-nascido.
Ela voltou, todavia, no segundo mês, A criança dormia num carrinho
bonitinho e velho, de segunda mão, enquanto ela voltava a se ocupar com o
ganha pão deles. Eu podia mudar totalmente a vida dela, mas não havia uma
justificativa para isso.
Nenhuma, além de que eu a amava em segredo...
Contudo, nunca poderia ficar com ela. A Lupi Sanguinari nunca aceitaria
uma mãe solteira como esposa do irmão do Capo.
Meus olhos a seguem, enquanto ela anda pelo bar. Noah, o bebê, já está na
creche. Ela conseguiu vaga depois que eu subornei alguém. E eu pagava
metade das despesas sem que ela soubesse. Eu também sempre ia vê-la a
tarde, enquanto Madeline ia de casa em casa, fazendo suas faxinas.
Nesses três anos, ela não teve nenhum namorado. Isso me aliviou, mas
também me fazia perguntar se ela ainda amava o pai do garotinho. Eu tinha
ciúmes de um homem que nunca vi.
— Pensei em você hoje — ela disse, o que me fez arquear as sobrancelhas,
meu coração disparado. — Vi um homem parado perto do meu outro
serviço. Ele era igual a você, mas sei que trabalha o dia todo no escritório...
Sorri, acenando. Era eu.
— Você parece cansada — apontei.
— Um pouco — Madeline concordou.
E então seus olhos se encheram de lágrimas. Meu coração disparou nesse
momento.
— O que aconteceu?
Ela olha para os lados. O bar está tranquilo. Alguém bebe cerveja numa das
mesas, e um outro come uma refeição qualquer em outra.
— Não devia falar disso, mas não tenho outro amigo...
Amigo... ela me considerava um amigo. Fiquei tão feliz por ela não me ver
apenas como um cliente, que quase rastejei minha mão para o outro lado da
mesa, e segurei seus dedos. Felizmente, contive o impulso a tempo.
— O que aconteceu?
— Noah...
— O que ele tem?
— Ele está doente, você sabe...
Sim, eu já sabia disso há muito tempo. Noah nasceu com condições
adversas, mas o sistema público de saúde Canadense era muito bom, e ele
tinha todo suporte que a mãe necessitava.
— E a creche não quer mais atendê-lo. Disse que não pode se
responsabilizar. A assistente social me falou que eu devia cuidar dele e estar
mais presente, mas como posso fazer isso? Eu preciso trabalhar! Tenho
muitas contas. Aluguel, água, energia, telefone... o transporte... a creche...
Comida... não vou dar conta...
Eu sabia que Madeline não desistiria de nada, ela só estava desabafando
porque estava cansada. Nesse momento, não segurei meus dedos, e alcei
através da mesa, segurando sua mão.
— Case-se comigo — pedi. — E eu cuidarei de tudo para você.
Ela arregalou os olhos, e eu me perguntei o que diabos eu estava fazendo.
Dominus me mataria, eu não podia simplesmente me casar com uma mulher
sem a ciência e a autorização do meu irmão. Mas, que inferno... se ela me
desse uma chance... só uma...
— Você está falando sério?
— Sim.
— Mas...
— Não precisa me responder agora. Apenas, saiba que eu vou proteger você
e Noah. Nunca mais passará por nenhuma dificuldade, nunca mais precisará
acordar de madrugada e dormir de madrugada. Só preciso que diga sim.
Ela baixou a fronte. Eu via os pensamentos correndo através da sua
expressão. Verdadeiramente, Madeline não sabia o que me dizer. Então soltei
sua mão, e me levantei, jogando uma nota de cinquenta na mesa.
Saí do bar sem olhar para trás. Voltaria na noite seguinte para ouvir sua
resposta. E aceitaria o que quer que fosse que ela me dissesse.
CAPÍTULO 1
Quatro anos atrás.
poeira se levantou do chão sujo da pequena fábrica de móveis de madeira.
Minha cabeça tombou no chão, o estalo forte me fez perder o foco, todas as
imagens das mesas sendo cortadas ao meu redor se tornaram apenas nuvens
em tom pastel.
Não que fosse a primeira vez...
Eu me lembro de uma vez na escola, estudar sobre os maias, aquele povo na
América Central que ficou famoso quando todo mundo achou que em 2012 o
mundo iria acabar. Lembro-me da professora contando que eles faziam
sacrifícios humanos, colocando corpos de virgens sobre mesas de pedra e
lhes cortando a garganta.
Eu não era um sacrifício, pois não era virgem há muito tempo.
Mas eu já fui.
O cheiro de suor irrompe minha mente. Jean Smith está fungando sobre
mim, suas respirações rápidas enquanto me estupra.
Nem dói mais... Ele é só mais um...
Quando eu tinha nove anos de idade, mamãe e eu morávamos em um prédio
miserável perto da saída da Bromont. Certo dia, ela me mandou ir buscar
uma xícara de farinha no apartamento ao lado, do nosso vizinho, Sr. Samuel.
Eu era inocente demais, caí em uma armadilha. Ele abriu a porta, e me disse
para entrar.
Lá dentro, não pude fugir. Minha boca foi coberta, meu corpo pequeno e
infantil derrubado no chão.
Dolorida, assustada, chorando, voltei para a casa. Minha mãe me observou
naquele estado, e apenas disse:
— Por que está fazendo todo esse drama? Acha que não sei que ele não é o
primeiro?
Eu era virgem. Ele foi o primeiro.
Ela me sacrificou no altar da sua imoralidade, como os maias faziam, pelos
deuses da cocaína. Mas, minha morte era pior que daquelas outras virgens,
porque minha morte foi para minha inocência, e os sacrifícios não paravam,
dia após dia. Depois daquele evento, minha mãe me vendeu sempre que
faltava dinheiro para o aluguel ou suas drogas.
Isso durou até meus quinze anos, quando ela conheceu outro homem e foi
embora.
Lembro-me, de na minha ignorância, me perguntar o que seria de mim
agora, sem uma mãe. Nem imaginei que o período em que fui morar em um
abrigo de meninas foi o melhor que já vivi.
Sem abusos, sem espancamentos, sem xingamentos... Eu só estudei – com
atraso, porque com minha mãe nunca consegui estudar muito tempo, já que
nos mudávamos muito por causa do aluguel que sempre atrasava – e
aproveitei um breve momento de paz.
Mas, toda paz tem fim. Quando eu completei dezoito, soube que precisava ir
embora. O pessoal do abrigo foi legal comigo, não me colocou na rua de
imediato. Até eu encontrar um emprego, uma das professoras me acolheu em
um quarto na sua casa.
Eu me apressei depois disso. Não tinha muito tempo lá, especialmente
porque seu marido já andava me dando olhares estranhos, então
simplesmente comecei a aceitar qualquer trabalho que pudesse me fornecer
um teto.
Fiz um monte de coisas nesse período. Desde faxinas, até desentupimento de
esgotos. Onde havia um bico, eu ia. Aí surgiu a chance de trabalhar para a
fábrica.
Eu estava tão feliz. Um trabalho fixo. Não fazendo os móveis, mas limpando
a sujeira que exalava das máquinas de corte. Meu trabalho não era durante o
período que os homens estavam aqui. Era sempre após o expediente deles.
Um trabalho solitário, mas que pagava um salário razoável e que me
permitia um período de estabilidade.
Até o filho do dono começar a aparecer.
Jean Smith tinha aquele mesmo olhar de predador para mim. Aquele olhar
que não muda. Ele costumava lamber os lábios quando me via, e vinha
algumas noites, após todos saírem, para simplesmente me observar trabalhar.
Eu achei que ele apenas flertaria, mas hoje, sem que eu esperasse, ele me
deu um soco e me derrubou no chão.
Subiu em cima de mim...
E de novo eu sou um sacrifício em um altar.
O da degradação.
Não era novidade, então não devia doer mais, né? Mas, doía
desesperadamente, especialmente porque eu quase havia apagado aquelas
memórias tão terríveis.
Ele terminou. Levantou-se, me observando no chão, enquanto fechava o
zíper da calça.
— Você é uma merda... nem sequer luta... estava querendo, né? — ele jogou.
Sem saber que eu não tinha mais forças.
— Está despedida — disse, virando-se de costas e se afastando.
Eu ainda fiquei ali, um tempo. Os olhos observando a poeira que não pude
limpar, do chão, e a sujeira da minha própria alma.
✽ ✽ ✽
Se tem algo que aprendi, nesses anos, é que não adianta procurar ajuda. Não
fui a polícia, não contei a ninguém. Simplesmente fui embora. Perdi minha
fé nas pessoas e na justiça há muito tempo. Então simplesmente me recolhi a
minha insignificância, e deixei o pequeno apartamento onde estava morando.
Peguei carona em direção ao leste com uma mulher caminhoneira que me
deixou depois de Montreal, em uma pequena cidade perto da reserva de La
Vérendrye. Foi meio que uma coincidência ela ter estacionado em um bar na
rodovia para tomar um café, e ter uma placa lá de que precisavam de uma
garçonete.
Falei com o dono. Um senhor de quase oitenta anos que precisava se afastar
por motivos de saúde. Pedi o emprego, e ele concedeu. Ele tinha um
pequeno apartamento mobiliado na esquina, que podia me alugar.
Descontaria no salário, disse. Eu aceitei.
Fiquei.
A vida podia correr tranquila depois disso. O lugar era muito isolado.
Ninguém vinha aqui, além de um ou outro coitado que precisava de uma
cerveja, ou um ou outro caminhoneiro que precisava de um café para acordar
do trânsito difícil. E ninguém me olhava como predador. Os homens
chegavam, cumprimentavam rapidamente, e apenas se afastavam, enquanto
esperavam a comida e a bebida.
Mas, nada para mim é fácil. Pouco tempo depois, comecei uma série de
enjoos. Minha menstruação parou. Eu sabia o que estava acontecendo, então
decidi procurar o posto de saúde e pegar uma pílula para o aborto. Não seria
meu primeiro, minha mãe me fez tomar essas pílulas quando eu tinha onze e
depois doze anos. Ela mesma pegou no posto, ela conhecia uma enfermeira
que lhe forneceu sem fazer perguntas.
Porque ninguém se importa de você está desintegrando um ser vivo. É só um
feto, minha mãe disse, quando eu lhe perguntei se o bebê iria sofrer. Quando
perguntei se eu iria sentir dor, ela só deu de ombros.
Sim, eu senti muita dor.
Quando cheguei ao posto e expliquei minha situação, um médico me
perguntou se eu tinha certeza. Eu não tinha.
Porque das outras vezes fui forçada e não podia pensar por mim mesma.
Mas, agora seria eu mesma a tomar a atitude. Pus a mão no ventre, enquanto
ele caminhava até uma estante de medicamentos.
Antes mesmo de ele voltar, eu já havia ido embora.
Foi uma decisão rápida, não havia muito o que pensar. Eu não ia matar uma
criança. A minha criança.
Apesar da forma como vivi até agora, eu sei o que é certo. E o correto é eu
lutar como qualquer mãe faria. Porque mãe é mãe. Eu não tive uma, mas no
exato instante que soube que estava grávida, descobri também o instinto de
amar.
✽ ✽ ✽
A minha barriga estava enorme, e eu suava apesar da noite estar fria. A porta
do bar abriu perto da meia noite. Eu pus um sorriso cansado no rosto, e
peguei a bandeja para cumprimentar o cliente, mas ele nem me olhou,
rumando reto em direção ao banheiro.
Devia estar se cagando, pensei.
Aguardei. Ele voltou basicamente de banho tomado, completamente
molhado, as mangas da camisa amassadas, como se houvesse as torcido, e
até o cabelo estava meio úmido.
— Boa noite, bem-vindo ao Nunavut. Por favor, sentem-se e permita que eu
lhe sirva um café.
Ele me olhou dos pés à cabeça. Tinha um olhar gelado, e a expressão muito
séria. Depois, olhou rapidamente ao redor, como se estivesse calculando os
melhores ângulos de onde devia se sentar. Era algo diferente em um homem,
mas eu estava acostumada a homens estranhos o tempo todo.
Então, assentiu.
— Sou Madeline — disse a ele. — Vou trazer o café. Gostaria de bolinhos?
Eu mesma os fiz.
Ainda estavam frescos quando os levei. Ele experimentou, um rápido sorriso
surgiu em seus lábios. Mas, não disse nada. Nem agradeceu. Alguns minutos
depois, ele simplesmente se levantou, jogou uma nota com gorjeta sobre o
balcão e foi embora.
✽ ✽ ✽
Ele se chama Gianni Pelletier. É contador. Me contou na sétima noite que
apareceu, seguidamente. Vinha todas as noites, religiosamente às nove horas.
Eu gostava de conversar com ele, porque tinha quase a minha idade, e
porque parecia uma pessoa boa, apesar de não ser muito sorridente.
— A vida não é fácil — comentou, enquanto bebia um gole do café. — Vir
aqui é uma forma de esquecer os problemas — me confessou.
Entendia. Sorri, enquanto enchia sua xícara novamente com o bule.
— Fico feliz que venha. Saint-Jérôme não está segura ultimamente. Soube
pelo jornal que estão matando muita gente na rodovia. Na última semana
apareceram dez corpos.
Ele balançou a cabeça.
— Eu li isso.
Alguém me chamou e eu disse que já iria.
— Tome cuidado — pedi a Gianni. — Esse serial está matando apenas
homens. Não está seguro.
— Pode deixar, Madeline.
Ser cautelosa tinha sido incutido em mim. Anos e anos em uma vida
pavorosa, eu precisava sempre estar um passo à frente. Quando encontraram
um corpo perto do Nunavut, eu logo decidi que fecharia as portas sempre
que o horário desse as dez horas e só abriria se fosse um cliente antigo
vindo. Meu horário era até a meia noite, porque eu sempre tinha que limpar
tudo depois das onze. Mesmo assim, não deixaria de ficar atenta ao meu
redor.
✽ ✽ ✽
As mortes não rarearam nos meses que se seguiram, e chegou um momento
que eu até pensei em deixar Saint-Jérôme. Não que houvesse qualquer risco
para mim. Seja quem for que está matando gente pela rodovia 15, está
focado apenas em homens com ficha criminal. Especialmente traficantes de
drogas. Ainda assim, eu sei que, às vezes, as coisas respingam em inocentes.
Bocejei, cansada, mais um dia que se arrastou. Olhei o relógio, dez para as
dez da noite. Só Gianni ainda está aqui, comendo algo. Minha barriga está
dolorida essa noite, e eu tenho pontadas na parte de baixo que estão me
matando, mas ainda tenho que limpar o banheiro antes de ir.
Como confio nele, já que conversar durante todos esses meses me trouxe um
vínculo com esse cara; simplesmente o deixei ali, sozinho, e fui para o
banheiro, carregando um balde e o esfregão.
Contudo, mal cheguei, e senti algo úmido descendo nas minhas pernas.
Levantei um pouco a saia, e vi o sangue. Minha reação de imediato foi gritar,
mesmo sabendo que eu precisava manter a calma, e voltar até o balcão para
chamar uma ambulância.
Mas, tudo se tornou um borrão rápido demais. Perdi as forças, e caí como
um dia caí no chão daquela fábrica.
— Made? — ouço Gianni a entrada do banheiro.
É o feminino. Ele não sabe se pode entrar ou não, então está ali, perto da
porta, me buscando.
— Me ajude — pedi.
Eu nunca pedi isso a ninguém, especialmente a um homem. Quando ele
avançou pelo banheiro, minha mente nublada lembrou-se de que ele era um
homem, e eu estava sozinha com ele num lugar onde bastaria ele puxar
minha saia para cima e conseguiria fácil acesso a um abuso.
Mas, Gianni apenas se curvou perto de mim, sua mão no meu ombro, seus
olhos arregalados.
— Calma — me pediu. — Vou pedir ajuda.
✽ ✽ ✽
Noah nasceu três horas depois. O parto foi induzido, houve algum tipo de
acúmulo de sangue no meu útero, e eles também precisaram removê-lo.
Havia um pequeno tumor nas minhas paredes, mas meu filho estava bem.
— Eu sinto muito — o médico me disse. — Precisamos agir porque podia
morrer. Infelizmente, não poderá ter outros filhos.
Eu não me importava. Ao contrário das garotas que já conheci, não tinha o
sonho de me apaixonar e ter filhos com um homem incrível. Eu só estava
passando a vida, um dia após o outro, tentando sobreviver.
Me entregaram Noah nos braços. Ele estava perfeito, incrivelmente perfeito,
alheio aos meus problemas de saúde. Eu sorri, meu coração de imediato
transbordando de amor.
— Não estou mais sozinha — disse ao médico.
Pela primeira vez na minha vida eu lembro de ter chorado de pura felicidade.
Agora eu tinha alguém, um bebê... um amigo... um parceiro para
compartilhar a vida. Não mais sozinha. Não mais sem ninguém que me
importe ou para quem eu importe também.
✽ ✽ ✽
Quando eu acordei, momentos depois, o meu bebê estava nos braços do
homem que me ajudou no bar.
— Obrigada Gianni... — disse a ele. — Não sei o que teria acontecido sem
você...
Ele sorriu para mim. Era a primeira vez que o fazia em meses. Sempre
carrancudo, com cara de poucos amigos, mas sorriu.
— Tome — me estendeu um envelope. — Para você ter uma reserva, já que
terá que ficar fora do bar por um tempo, até se recuperar do parto.
Gianni Pelletier era um contador que ganhava pouco e trabalhava muito
exaustivamente em Saint-Janvier. Não era certo, de jeito nenhum, aceitar
esse dinheiro dele.
— Não posso.
— Por favor, eu insisto.
— Não. Eu agradeço, Gianni, mas não vou pegar suas economias. Sei que
ganha apenas o suficiente para si mesmo.
— Não vai me fazer falta. É parte de uma pequena herança. E você vai
precisar. Não seja orgulhosa — insistiu.
Sim, eu precisava. Ficar um tempo sem trabalhar... Meu chefe entendeu os
motivos, mas isso iria me quebrar demais. Então, estendi a mão e peguei o
envelope.
— Obrigada, Gianni... Eu... vou devolver quando puder.
— Não precisa. É um presente para o Noah — ele sorriu. — A enfermeira
me disse que escolheu esse nome... Tem algum significado?
Assenti.
— Repouso de uma longa vida — murmurei. — Eu li isso em algum lugar.
— Sua vida não foi tão longa, foi? — Gianni brincou.
Ele nem fazia ideia.
✽ ✽ ✽
Voltei ao trabalho cerca de dois meses depois. Noah era um anjo, e ficava
sempre deitado na cadeirinha conforto, enquanto eu servia mesas e conversa
com os clientes.
Me disseram que Gianni sumiu nesse tempo. Vários clientes já o conheciam
de vista. Pensei que talvez nunca mais fosse vê-lo e isso me deixou triste.
Mas, sem surpresa, uma noite ele voltou.
Entrou, a carranca de sempre, sentou-se à mesa, e me aguardou trazer o café
e os bolinhos.
— Eu vou batizar meu bebê — contei a ele. — Quer se o padrinho?
Ele me encarou, surpreso.
— Você é católica?
— Eu fiquei em um abrigo católico quando adolescente. Então, eu passei os
sacramentos.
— Eu também sou católico — ele abriu um sorriso enorme. — Meu tio é
padre em Boston.
— Que legal!
Eu tinha um vínculo com esse homem de tantas maneiras, e eu basicamente
não sabia nada sobre a vida dele além do nome e da profissão.
— Você tem uma família grande?
— Somos em seis irmãos. Na verdade, dois deles são meio-irmãos, os dois
mais novos são de meu pai e minha madrasta.
Eu nem imaginava ter tanta gente assim para mim.
— E como eles são?
— Difíceis — apesar da palavra, ele sorriu ao dizer isso. — Uma família...
peculiar.
Me sentei diante dele.
— Então, aceita ser o padrinho?
— Claro que sim. É uma honra.
Eu o analisei por um momento. Seus olhos volveram para o bebê que dormia
no carrinho perto do balcão. Ele sorriu.
— Ele é um garoto adorável.
— Sua família mora por aqui? Eu não tenho...
Amigos... Ninguém além dele...
— Não tenho ninguém mais convidar... — murmuro, completando. — Para
ver, sabe? A cerimônia... Será que eles podem vir?
— Não.
Ele foi curto e grosso.
— Não se dá bem com sua madrasta?
Esse foi meu primeiro pensamento, quando analisei sua reação.
— Francesca é uma das melhores pessoas que eu já conheci. Mas, eles
moram muito longe — me explicou. — Três de meus irmãos moram no
Alaska. Um no México e outro na Colômbia. Eles são muito ocupados.
— Todos são contadores?
Ele balançou a cabeça.
— De certa forma, todos envolvidos com negócios.
Alguém me chamou ao longe.
— Preciso ir atender. Fiz o bolo de caneca que mais gosta — disse. —
Aproveite.
✽ ✽ ✽
Só trabalhar no bar não estava mais pagando minhas contas. Quando Noah
completou três anos, ele começou a emagrecer muito. Tinha fome, mas era
como se seu corpo fosse um buraco incapaz de absorver os nutrientes. Seu
olhar demonstrava cansaço, ele ficava irritado por qualquer coisa, brigava,
até que as professoras da creche que ele ficava me chamaram.
— Ele não está bem. Você precisa saber qual é o seu diagnóstico.
Eu sabia que havia algo errado. Mas, me desdobrava em trabalhos diários de
faxina, e a noite no bar, para sustentá-lo. Então, simplesmente entrei em um
torpor de ignorar esses sintomas. Contudo, isso não mais podia acontecer.
Num misto de culpa e vergonha, procurei novamente o posto. O mesmo
médico de quem fugi anos atrás atendeu Noah. Ele não me reconheceu, mas
eu sim. Eu o observei atentamente enquanto me pedia exames.
— Ele vai ficar bem? — perguntei.
— Vamos aguardar os exames.
Os três dias que se seguiram foram os mais difíceis da minha vida. Até que
veio o diagnóstico. Diabetes. Tipo 1. Seu pâncreas estava sofrendo.
Eu me entreguei a um estado de confusão depois disso. O médico me
garantiu que o governo me daria a assistência necessária. A escola disse que
também me daria o suporte. Todo mundo foi solidário, enquanto eu aprendia
a aplicar insulina no meu filhinho de três anos.
Mas, os meses passaram, e o governo estava atrasando a insulina, e a escola
já não estava mais se achando apta a fornecer as particularidades alimentares
de Noah. Eu estava tão confusa e paranoica que até acreditei ver Gianni na
rua do local onde eu fazia faxinas, naquela tarde.
— Você precisa dar mais atenção ao garoto — a professora me disse,
basicamente sugerindo que eu pare de trabalhar.
Como eu posso fazer isso? Como posso sustentar uma criança apenas com o
salário pífio e as gorjetas do bar?
Durante a noite, eu aguardei com ansiedade o rosto do meu melhor amigo
aparecesse, porque precisava muito conversar com ele.
Religiosamente, Gianni sempre surgia, perto das nove. Ele entrou como
sempre, e foi reto até sua cadeira. Terminei de atender um homem que pediu
cerveja, e então fui até ele.
—Pensei em você hoje — disse.
Ele ergueu as sobrancelhas, como sempre fazia quando estava interessado
em um assunto.
— Vi um homem parado perto do meu outro serviço. Ele era igual a você,
mas sei que trabalha o dia todo no escritório...
Queria dizer que achava que estava ficando louca, mas ele me interrompeu.
— Você parece cansada.
— Um pouco.
Eu não consegui mais segurar as lágrimas. Não era apenas preocupação, era
exaustão.
— O que aconteceu?
— Não devia falar disso, mas não tenho outro amigo...
— O que aconteceu? — insistiu.
— Noah...
— O que ele tem?
— Ele está doente, você sabe... E a creche não quer mais atendê-lo. Disse
que não pode se responsabilizar. A assistente social me falou que eu devia
cuidar dele e estar mais presente, mas como posso fazer isso? Eu preciso
trabalhar! Tenho muitas contas. Aluguel, água, energia, telefone... o
transporte... a creche... a babá noturna... Comida... não vou dar conta...
Mas, eu precisava dar. Desistir do meu filho não opção. Ele é tudo para mim.
Ele é simplesmente tudo que me importa.
— Case-se comigo. E eu cuidarei de tudo para você.
Uma parte de mim achou que suas palavras eram parte das alucinações que
eu estava passando. Uma parte de mim pensou que ele iria rir, dizer que era
uma piada.
— Você está falando sério?
— Sim.
— Mas...
— Não precisa me responder agora. Apenas, saiba que eu vou proteger você
e Noah. Nunca mais passará por nenhuma dificuldade, nunca mais precisará
acordar de madrugada e dormir de madrugada. Só preciso que diga sim.
E então ele se levantou e foi embora. Eu fiquei ali, pasma, tentando
processar meus pensamentos, enquanto sua figura desaparecia pelo breu da
noite.
CAPÍTULO 2
unca pensei em Gianni como um homem. Claro, de início eu o temia como
temia qualquer outro ser masculino, mas conforme o fui conhecendo,
comecei a enxergá-lo simplesmente como um amigo.
Agora, estava ponderando.
E o vendo sobre uma ótica que nunca reparei.
Ele é imponente. Grande, forte, rígido. Ele tem ombros largos, os braços
poderosos… Há algo nele que inspira a segurança que tanto desejo. Na
mesma medida, ele está sempre sério. Carrancudo. Irritado. Ele dificilmente
sorri. Mas, ele é um bom homem.
E ele pode me dar segurança. Proteção...
Amor...
Amor não porque não acredito que exista, mas uma pessoa como eu... ao
menos eu teria alguém para dividir a carga. E ele é bom para Noah. Sempre
me ajudando como pode, sempre dando presentes e colo...
Ele não está mais inserido na vida do afilhado porque eu tenho minhas
barreiras de proteção, mas Gianni ainda é a pessoa mais perto que meu filho
e eu possuímos na vida.
E ele tem um emprego estável, uma vida estável.
Começo a fritar a carne. Estou preparando o jantar de um cliente. O bar está
vazio como sempre, naquela noite. Gianni não apareceu como de costume
para ouvir minha resposta. Estou aliviada por não o ver ainda por que não
tenho o que lhe dizer.
Depois de Jean, nenhum outro homem me tocou. Depois de uma vida de
abusos, eu estou aliviada por causa disso. E, agora, meditava se estava
disposta a me submeter novamente a um homem.
Gianni tem olhos escuros e intensos, profundos, como se guardassem
segredos que ninguém jamais decifrará. Mas, quando ele me olha, sinto
como se pudesse ver além dele. É como se, seja o que for que esconde em
seu íntimo, ainda é apenas meu amigo, aquele que me estendeu a mão nos
piores momentos.
Eu termino de fritar a carne e a arrumo no prato com pão. Depois disso,
espalho as saladas em cima, e vou pegar uma cerveja no freezer. Começo a
caminhar com a bandeja até a mesa, sorrio, como sempre, enquanto entrego
o jantar para o cliente.
Depois, retorno, buscando o pano em cima do balcão para limpar.
Se eu aceitar, como vai ser? Ele disse que ele cuidaria de mim e de Noah, eu
não precisaria mais trabalhar. Mas, contadores não ganham tanto assim,
ganham? Contudo, não sei muito da vida de Gianni. Aquela vez ele me
trouxe um valor e disse que era herança. Quem sabe ele tenha exatamente
esses recursos de reserva e que usaria comigo.
Eu poderia cuidar pessoalmente de Noah. Fazer seu almoço e seu jantar.
Ajudá-lo em todas as suas necessidades. Eu teria um tempo de qualidade
com ele, e uma vida de dona de casa. Nunca nem pensei em ter isso.
Uma família...
O pensamento corta repentinamente. Uma família... nem imaginava que isso
pudesse existir para mim. Mas, eu teria que contar a verdade sobre meu
passado para Gianni... O que eu duvido que teria coragem.
Se ele soubesse... ele teria nojo de mim... Eu mesma tinha nojo de mim...
— Ei, Line — ouço a voz de um dos clientes gritar. — Mais cerveja.
Aceno.
— Aqui está! — digo, me aproximando com uma garrafa gelada nas mãos.
Uso o abridor preso em um cordão na minha cintura.
— Onde está seu namorado? — o senhor Luke indagou.
— Namorado?
— O rapaz que vem aqui todas as noites e a quem você dá atenção especial.
Eu fiquei muito surpresa por ele pensar em Gianni como meu namorado,
pois nunca demonstramos nada disso.
— Somos amigos — expliquei.
— É? Mas vocês formam um belo casal.
Sorri, desajeitada.
— Soube que houve um assassinato hoje na Scott, perto do saloon de
quilles? — mudou de assunto.
Arregalei os olhos. Isso era muito perto do bar.
— O que aconteceu?
— Tinha uma casa naquela rua. Estavam traficando. Ouvi boatos que a
Máfia Romagna tomou o território.
— É mesmo?
Eu já tinha ouvido falar sobre eles. Claro, sempre se falava sobre o poderio
da família de Filippo Romagna, um ítalo canadense que dominava o todo o
leste do Canadá com mãos de ferro.
— Eu conheço alguém que conhece alguém que tem certeza de que a irmã
de Filippo vai casar-se com o Capo dos Lobos de Sangue.
— Lobos de Sangue?
— Lupi Sanguinari... os donos do oeste dos EUA. É uma máfia partida ao
meio, briga de família das grandes. O capo precisa casar-se com alguém com
bom sobrenome, e a irmã do Romagna é essa pessoa. Então, eles vão acabar
tomando conta de tudo aqui. E estão limpando o território dos inimigos.
O mundo é um lugar selvagem, violento e perigoso. E eu sou apenas uma
mulher sozinha, tentando sobreviver cuidando de um bebê.
Outra pessoa entra no bar nesse momento. Eu sorrio para um jovem cheio de
tatuagens e olhar ameaçador.
— Sim? Gostaria de uma mesa? — pergunto, solícita.
— Me traz uma cerveja, vadia — ele me diz, insultando, enquanto se apruma
perto de uma janela.
Há um silêncio sepulcral nesse momento. Todos os homens olham para mim,
mas nenhum faz menção de me proteger ou me defender. Claro, sabem que é
um marginal, e temem pela própria vida.
Sinto lágrimas nos olhos enquanto baixo a cabeça e vou buscar a cerveja que
ele pediu. A palavra vadia sempre me remete a minha mãe, a como ela me
chamava, e a vida infernal que tive ao lado dela. Minha garganta dói, mas
repreendo a dor, e volto-me para perto do homem. Eu o sirvo a cerveja em
silêncio, Quando vou me afastar, ele dá um tapa na minha bunda.
E é nesse exato momento que Gianni entra no bar.
✽ ✽ ✽
— Está tudo bem aqui? — ele pergunta, enquanto eu trago o café que toma
toda as noites. — Há clientes novos essa noite?
Assinto.
— Tudo bem — digo, contudo, não quero causar problemas para ele. — Há
muita gente nova chegando em Saint-Jérôme.
— É uma cidade que fica bem no caminho da rodovia 15 — ele explica. —
Muita gente chega, muita gente vai. Trabalhar a noite está ficando perigoso,
Madeline. Talvez tenha chegado a hora de parar de lutar.
Concordo, como se ainda estivesse processando o que estava acontecendo.
— Eu sei.
— Já tem uma resposta para mim?
— Eu não posso te dar filhos — contei, de súbito, porque ele tinha que saber.
— Eu perdi meu útero no parto. Se casar comigo, nunca terá uma criança
sua.
O olhar abrupto dele me surpreende.
— Eu sei. Eu estava lá no hospital, esqueceu? — Gianni pareceu analisar-me
por um momento. — É uma desculpa? Você não quer? Não se sinta coagida,
se não quer, não quer! Não precisa se forçar.
— Não é isso... é que...
Sou tão suja... ele nem fazia ideia...
— Eu sempre te vi como um amigo...
— Eu sei. Mas, nunca te vi assim.
Arregalei os olhos. Minha boca abriu-se para rebater, mas um som forte ecoa
nas minhas costas.
— Ei vadia! Outra cerveja!
Eu vejo o rosto de Gianni mover-se lentamente para trás. Por um momento,
eu pensei que ele fosse ir até o homem, mas ele pareceu se segurar. Nesse
breve instante em que ficamos assim, no impasse, reparei no marginal
querendo encrenca e pensando em se levantar para vir até mim, então me
movi rapidamente e fui buscar sua cerveja.
Quando voltei para perto de Gianni, ele me encarou com um toque de
ferocidade que nunca vi antes.
— Quem é esse? — indagou.
— Não sei. É novo aqui.
Eu estava tão nervosa que meus ouvidos zumbiam. Minhas mãos tremiam.
— Eu não sei nada sobre você, Gianni. Nem onde mora. Nunca conheci sua
família. E se já for casado e está me enganando? — indaguei, e ele quase riu.
— Não sou. E te mostro meu apartamento, pode ser?
Eu assenti.
— Se for assim, eu posso dizer sim.
Gianni sorriu. Era a primeira vez naquela noite.
— Eu vou indo. Me ligue, você tem meu número.
Eu não queria que ele saísse agora. Eu me sentia insegura, e ele era um
suporte importante para mim.
— Não pode ficar?
Negou.
— Eu tenho muito trabalho a fazer nessa noite. Apenas, fique tranquila.
Quando eu sair, vou chamar a polícia para dar uma olhada no bar, dizer que
está com problemas, eles virão e mandarão esse cara embora.
Não era a melhor das primeiras impressões como noivo, me deixando aqui
sozinha, mas nunca tive um relacionamento então não sabia exatamente
como reagir.
— Ok... — disse.
E foi exatamente o que ele fez. Cerca de dez minutos depois, dois policiais
entraram e foram reto até a mesa do homem desagradável. Conversaram por
um momento, pediram documentos, e então o forçaram a saída. Nenhuma
explicação, nada... apenas, ele foi embora.
Gianni não ficou para me defender, mas ao menos enviou reforços.
CAPÍTULO 3
la disse sim.
E eu estou ferrado.
“Onde você está?”, a mensagem de Filippo Romagna brilha na tela do meu
aparelho de celular. “Atende a porra do telefone.”
Ele tentou me ligar quatro vezes. Não lhe dei nenhuma resposta.
Eu vivo no Canadá há cerca de cinco anos. Sou um faxineiro. Eu limpo a
bagunça que minha família espalha pelo mundo. Ao contrário de meus
irmãos que se dividem entre Capos e Sottocapos, eu sou um assassino
treinado que simplesmente controlo territórios conquistados para a Lupi
Sanguinari. Não necessariamente para minha família. Às vezes para aliados.
Filippo é um deles.
Ainda assim, ele não é meu chefe. Não tem que me dar ordens. O cara
nasceu como chefe de uma família de máfia e acha que todo mundo vai
obedecê-lo? Eu não respeito leis nem regras, então quero que se foda.
Acendo o cigarro enquanto aguardo. A delegacia de polícia está ao longe, no
final da esquina. Eu aguardo que liberem o idiota encrenqueiro. Mal posso
esperar para colocar as mãos nele. Normalmente, apenas daria um susto num
idiota desses, mas o cara se atreveu a bater na bunda de Madeline, e depois a
chamou de vadia.
Ele se arrependeria amargamente dessas palavras.
A imagem dela assustada corta minha mente.
Deus, ela realmente me disse sim...
Eu me casaria com ela...
Eu estou ferrado.
Dominus vai me matar quando descobrir, mas o que eu poderia fazer além
de enganar todo mundo para ter o que eu quero? Madeline, correta como é,
nunca se envolveria com um bandido, e meu irmão, do jeito que é
autoritário, jamais aceitaria que eu me casasse com uma garçonete de beira
de estrada, mãe solteira.
O telefone toca de novo. Deixo que caia na caixa postal. Trago novamente o
cigarro.
Meu pai ainda era vivo quando decidiu que a melhor maneira de levar
drogas para a Groenlândia era pelo mar de labrador. Então, ele me mandou
para fazer o trabalho sujo e limpar a área de Liam Roy, que dominava o
território na época. Para isso, me uni a família Romagna, primeiro ao pai,
que logo faleceu, então me tornei amigo de seu filho, Filippo. Juntos,
conseguimos fazer Liam sair. Agora, ele estava preso a região de Ontário.
Quebec já estava dominada pelos Romagna e pelos Lobos de Sangue. Logo
o faríamos recuar mais ainda, na direção Manitoba.
Éramos como uma infestação, pegando um território de cada vez. Eu estava
quase finalizando Quebec. Já matei tantos merdas enviados por Liam nos
últimos meses que minhas mãos escorriam sangue.
Não era o momento certo para eu me casar.
Mas, eu amo Madeline. Ela é a única coisa que me importa nesse momento.
Estou exausto de ser usado como um cachorro que é atiçado a cada instante
para cima dos nossos inimigos. Entendo o valor disso, entendo como
importa para a Lupi Sanguinari... Mas, também tenho vontade de ser feliz,
como qualquer ser humano.
Acho que as vezes Dominus esquece que também sou apenas um homem.
Outra mensagem no celular. Pego-o.
“Liam Roy está marcando encontro com Vicenzo Carbone. Você precisa me
atender”.
O nome de Vicenzo me dá ânsia de vômito. Meu primo estava forçando
entrada no Canadá. Ele sabia que os Roy são inimigos dos Romagna e estava
pensando em se aliar? Era um idiota se ele acha que eu vou permitir.
Estou com esse cara entalado na minha garganta há muito tempo.
E um dia eu vou matá-lo. Talvez não hoje, nem amanhã, mas vai acontecer.
O desgraçado... a pessoa que arruinou nossas vidas...
Não gosto de pensar nele, porque me irrita. Mais ainda quando outra imagem
surge, a de minha irmã, desafiadora, dizendo que não iria remover o fruto do
estupro que sofreu sob a proteção de Vicenzo. Deus, que ódio... A única
mulher da família, violada, e dando à luz a um bastardo que nenhum de nós
sabia quem era o pai.
Vicenzo disse que o homem havia sido morto, mas era pouco para mim. Ele
também tinha que morrer. Ele roubou minha irmã e a devolveu com a barriga
espichada. Isso me deixou doente por dentro. Indignação e desonra. Eu
aceito muitas coisas nessa vida, mas isso não.
Eu nem conseguia olhar para o rosto do meu sobrinho... Eu sei que a criança
não tem culpa, mas até hoje não aceito o seu nascimento e a vergonha que
trouxe para cima de nós. Todos nós.
O fato de Liam Roy estar negociando com Vicenzo só prova que ninguém
mais nos respeita. Já estava complicado desde que meu pai caiu doente na
cama. Diziam, às suas costas, que suas mulheres o traíram. Tanto eu, quanto
meus irmãos, não éramos seus filhos. Não sei o quanto isso é real, mas
machuca e humilha de uma maneira louca. E desde que Dominus se tornou
Capo, estávamos sempre lutando contra traição e descrença. Nossa vida era
um problema atrás do outro.
“Ocupado agora”, devolvi para Romagna.
Eu entendo o que Filippo quer. Ele precisa estar mais seguro na relação entre
os Romagna e os Carbone. A melhor maneira de fazer isso é um casamento.
União de sangue. Para isso, ele planeja entregar a irmã para Dominus.
O problema é que Dom tem uma ideia estranha de se casar com a
namoradinha da escola. Nenhum de nós nunca viu a mulher, mas sabemos
que ele a comprou do pai há anos. De qualquer forma, é necessário que
Filippo e eu viajamos para o Alaska assim que possível, para que eu possa
convencer meu irmão de que se casar com Chiara Romagna é a solução de
nossos problemas, ao menos no Canadá.
E nem é uma má escolha. Chiara é bem-criada, educada, boa pessoa. Pouco
conversei com ela, mas sei que é uma senhora de máfia, preparada para ser
uma excelente esposa e suporte para qualquer homem líder.
São três da manhã quando o cara do bar sai da delegacia. Ele está ao lado de
um advogado, e ambos se cumprimentam rapidamente, antes de cada um ir
por direções opostas.
Esse país é uma merda. Acho que todo mundo acredita que o Canadá é
estruturado e perfeito, mas a verdade é que é um antro progressista, e como
todos os antros, qualquer advogado de porta de cadeia tira os criminosos
facilmente de qualquer delegacia.
E onde não existe lei, existe nós.
Quando o cara chegou na esquina, liguei o motor do meu carro. Faróis
desligados, tudo lentamente feito para não chamar sua atenção. Havia uma
área de mata que levava a um bairro afastado. Algo me dizia que ele morava
por aquelas bandas, pois caminhava reto, mãos nos ombros e os passos
firmes.
Foi quando ele me notou. Olhou para trás, ficou em dúvida se eu realmente o
seguia. Então, correu, de assalto, o que me fez rir em deboche, dessa vez
melhorando as marchas e indo com tudo para cima dele.
Ele tentou fugir. Deus sabia como tentou. Correu até as pernas aguentaram, e
quando se aproximou das árvores que ficavam na beira da 918, achou que
tinha escapado. Mas, eu acelerei e joguei o carro para cima dele.
Ele despencou acima da cerca de proteção, em meio as árvores que, mesmo
na escuridão, não perdiam o aspecto funesto de seus tons dourados pelo
outono.
Saí do carro e pulei a mureta. Caí de pé, dois metros abaixo, percebendo que
o rapaz havia se machucado em sua própria queda. Puxei minha arma e
apontei para sua cabeça.
— Por favor... não fiz nada... vou pagar o dinheiro... vou pagar — ele jurou,
provavelmente acreditando que eu havia sido mandado por um agiota.
Um carro cruzou na avenida atrás de nós. Era muito tarde, e não houve
nenhum outro som de veículo por perto. Olhei rapidamente e calculei o
tempo que poderia gastar. Quem cruzou podia apenas ser alguém viajando,
cruzando a rodovia, e nem se lembraria de ver outro carro parado por ali.
Contudo, sempre há a possibilidade de o abençoado gravar a imagem de um
carro – meu carro! – parado a beira da estrada, exatamente onde encontrarão
o corpo do idiota.
Então, não podiam encontrar o corpo dele aqui. Isso era claro. Assim, um
carro parado na beira da estrada simbolizava apenas que o motorista teve
problemas mecânicos, ou precisou mijar.
Movi-me silenciosamente até ele, agarrando-o pelo colarinho. O puxei,
firme, erguendo-o do chão e o ajudando a subir de volta o pequeno barranco.
Não disse nada, enquanto o forçava a entrar no meu porta-malas.
— Por favor... por favor... — implorou.
Eles sempre imploram.
Engraçado como são corajosos contra mulheres indefesas, mas quando
encontram um homem armado, mudam completamente a postura.
Voltei ao banco do motorista. Disparei, um pouco ofegante, o coração aos
saltos. Era sempre emocionante, a adrenalina corria pelas minhas veias.
Foi meu pai que me ensinou a matar. Um Carbone não tem direito de
escolha, então fui criado basicamente em regime militar. Regras e regras
eram tudo que eu tinha. Não era tão inteligente quanto Beniamino, tão líder
quanto Dom, ou tão sociável quanto Nico. Meu pai até tentou me dar alguma
educação, mas eu era burro como uma porta para aprender as letras direito.
Então, não lhe restou muito além de me usar como simplesmente uma arma.
E nisso eu sou bom.
Havia muitos pensamentos correndo pela minha mente. Eu estava
enlouquecido de raiva contra esse cara, e pensei em torturá-lo de muitas
maneiras, mas simplesmente não tinha tempo, então levei o carro
rapidamente até a mata fechada da 333.
Metade do número da besta para metade de um homem.
Me irritei quando cheguei lá e abri o porta-malas. O cara mijou no meu
estofado limpo. Isso só me deu mais ódio. O puxei outra vez, arrancando-o
pela estrada de terra que cortava a rodovia. Havia um edifício abandonando
no final dela. Empurrei o desgraçado até lá.
— Qual seu nome? — indaguei a ele.
— Por quê? — ele perguntou, de repente se dando conta de que talvez eu
tivesse cometido um erro e ele não fosse o cara certo. — Meu nome é
Kayden. Eu não sou dos grandes... Só estou de passagem... Eu juro que vou
voltar para Montreal e devolver a grana... juro.
— Eu não te segui. Não sei sobre o que está falando — expliquei, enquanto
o empurrava ao chão. — Quero saber seu nome, porque sempre mando rezar
uma missa pela alma dos infelizes que cruzam meu caminho. E, sim, você
vai morrer por ter colocado as mãos na minha garota.
Ele arregalou os olhos, tentando se lembrar provavelmente da última mulher
com quem dormiu.
— A garçonete na estrada — explanei. — Chamou-a de vadia.
— Não sabia que ela tinha namorado —tentou justificar.
— E se não tivesse? Ainda assim era seu direito chamá-la de vadia?
— Você não vai me matar por tão pouca coisa, não é?
Eu suspirei.
— É exatamente o que eu vou fazer.
E então apontei a arma, e disparei contra sua cabeça.
CAPÍTULO 4
e tem algo que é explícito em minha personalidade é o quanto não sou
paciente nem gostava de perca de tempo. Francamente, cada segundo da
minha vida era bem planejado e contado, eu precisava sempre estar à frente
dos capangas de Vicenzo e isso não era um trabalho fácil. Portanto, qualquer
quebra da minha rotina podia ser meu fim.
A única exceção foi Madeline e esses religiosos últimos três anos, em que
mantive uma frequência diária em sua presença. Todo mundo merece um
período para respirar.
Mas, isso não significava que eu daria espaço para outras pessoas, outras
chances de perder tempo.
Olhei para Filippo irritado. Era uma ofensa pessoal que ele me trouxesse a
esse clube de Striptease. É uma besteira sem fim ver tetas balançando
enquanto homens fungam e despejam dinheiro em cima de meninas
desesperadas.
Eu sou um homem criado a base de sangue e violência. Mas, tenho meus
princípios. Ao contrário de meus irmãos, não sou um libertino.
— Relaxa, Gianni — ele resmungou. — Eu te conheço a tantos anos. Não é
meu amigo? Não sou eu o seu?
— Não somos adolescentes — despejei, as palavras cuspidas entre os dentes.
— Quer trocar pulseirinhas que combinam também?
— Não força — deu de ombros. — Eu sabia que você não iria vir aqui de
boa vontade. Então, tive que mentir. Às vezes me pergunto se é um padre ou
um gay...
— Apenas um homem com dignidade — devolvo.
Uma garota vem coreografar diante de nós. Filippo bate as mãos,
empolgado, enquanto coloca dólares nas dobras de sua calcinha. Eu desvio
os olhos, porque assistir Sodoma e Gomorra em ação não é algo que me faz
bem.
Eu nunca pensei que um dia teria alguém. Mas, eu encontrei essa pessoa.
Apesar de nunca sequer ter trocado um único beijo com ela, meu coração e
minha mente inteira eram de Madeline.
Não sou como Dominus, que se considera noivo, mas mantêm uma amante
em casa enquanto não desposa a mulher que quer. Não sou como Ben, que
tem cinco amantes no México. Ou como Nico, que vive agarrado a um rabo
de saia. Rocco ainda é muito menino para esses instintos, mas
definitivamente, sou um homem diferente dos outros.
Não assexual, mas jamais dormiria com alguém que não amo. Fiz isso
poucas vezes na vida, e me arrependi, me senti vazio após o ato, como se
fosse um erro enorme que não pudesse mais ser corrigido. Desde então, vivo
em celibato, sonhando com o momento em que poderei ter Madeline.
E isso não demoraria muito.
— Conversou com seu irmão sobre Chiara?
— Ainda não. Estou ocupado.
— Com o quê?
— Não te interessa.
Filippo podia se ofender com meu tom, mas ele apenas riu, porque já me
conhecia bem demais. Me devia a vida, já o salvei inúmeras vezes, então ele
compreendia as nuances da minha personalidade.
O telefone dele tocou. Atendeu brevemente, irritado porque alguém o
incomodava em seu momento festivo com as mulheres. Seu olhar, todavia,
logo alterou de irritado para cauteloso, e ele desligou antes de me dizer:
— Um homem de Vicenzo na região.
— Acha que está nos seguindo? — indaguei, já em alerta.
— Não. Não está aqui. Está conversando com um dos capangas de Liam
Roy em um bar na outra rua.
Nós nos levantamos rapidamente. Uma das garotas veio até Filippo, mas ele
apenas a beijou em despedida. Quando outra tentou fazer o mesmo comigo,
recusei.
— Você é gay pra caralho — Filippo ofendeu, ou tentou, mas
homossexualidade não era uma ofensa para mim.
✽ ✽ ✽
Fechando minha mão, impulsionei meu corpo, pronto para socá-lo no
queixo. Eu já tinha minha outra mão em volta da garganta de Jackson. Eu
poderia quebrar seu pescoço se quisesse, mas antes queria que o homem de
Liam Roy falasse.
— O que fazia encontrando-se com Toni Rinaldi?
O desgraçado Toni era um dos poucos dentre todas as máfias que eu temia.
Era filho bastardo de um SottoCapo, criado em um regime tão cruel quanto
eu. O primeiro homem de armas de Vicenzo Carbone, nosso maior inimigo.
O que ele fazia no Canadá, em Montreal, era um mistério.
— Deixe-me clarear uma coisa, Jackson. Você vai morrer. Eu vou matá-lo.
Mas, posso fazer isso rapidamente, indolor, ou posso torturá-lo sem piedade
por dias. O que escolhe?
Filippo permaneceu em silêncio atrás de mim. Sua mão buscou um cigarro e
ele acendeu, enquanto aguardava que eu fizesse o serviço. Ele tinha uma
equipe de dez homens ao redor, mas todos eles sabiam que deixar tudo nas
minhas mãos era mais seguro.
— Só negócios, senhor — o homem disse, sangue cuspindo de sua boca. —
Só negócios.
— Que tipo de negócios?
— Estamos apenas tentando pegar nosso território de volta.
— Esse território sempre foi meu — resmungou Romagna, mentindo. —
Mate-o — me ordenou.
— Você acha que sou idiota? — Lhe dei outro soco. — Acha que Toni
Rinaldi viria ao Canadá apenas por uma cidade?
O homem começou a chorar. Eu odiava pessoas fracas. Lágrimas não faziam
parte da minha vida de jeito nenhum. Meu pai me espancaria até a morte se
me visse fraquejando.
Eu soltei o homem, dando-lhe as costas por um breve momento. Puxei uma
carteira de cigarros do bolso e acendi um, enquanto calculava o que iria
fazer.
— Uma sessão longa de tortura, e ele falará — disse a Filippo, aguardando
ordens.
Apesar de eu não ser um Romagna, estava ao trabalho dele.
— Pode ser. Você vai fazer isso?
— Não sou um homem de tortura. Qualquer idiota pode quebrar dedos,
arrancar unhas, ou enfiar um pau no cu desse desgraçado — resmunguei. —
Quando for para fechar o serviço, eu mesmo faço. Mas, enquanto isso, deixo
a cargo de seus homens.
Comecei a caminhar na direção da saída daquele galpão perto do Val Royal.
Filippo me seguiu, depois de apontar aos homens que cuidassem do
sequestrado.
— Aonde vai?
— Tenho um compromisso quando o dia amanhecer — disse a ele.
— Está indo para Saint-Janvier?
Eu me virei, minhas sobrancelhas erguidas, em questionamento.
— Como você sabe?
— Faz três anos que você desaparece todas as noites. Acha que sou idiota e
não iria me perguntar onde está?
— Não é seu direito. Você não é meu Capo.
— Então falarei a Dominus Carbone que o irmão vai todas as noites para a
beira de uma estrada, beber café e comer bolinhos em um bar acabado de
Saint-Jérôme. O que diabos está fazendo? E por quê?
— Não te interessa — devolvi.
— No começo pensei que estava indo se encontrar com alguém. Suspeitei de
traição. Mas, você não fala com ninguém além da atendente. Se a garota
fosse interessante, eu suspeitaria de paixão, mas ela é mãe solteira... Um
homem como você nunca se interessaria por uma mulher assim. Se quisesse
comer, já tinha comido e dado no pé. O que está buscando lá?
Eu sentia meu estômago queimar de raiva. Como ele se atreveu a colocar
seus capangas para me seguir? E como eu não vi isso?
— Se você tivesse as mãos tão sujas de sangue quanto eu, saberia que um
homem precisa de um momento de paz para aliviar a mente, Romagna.
Filippo respirou fundo.
— Está certo.
— Nunca mais coloque nenhum de seus homens ao meu encalço se não
quiser que eu me volte contra você — ameacei.
— Está certo — repetiu. — Somos amigos, Gianni. Eu precisava saber se
você está bem.
Tentei me acalmar. Nós dois éramos parceiros por anos, eu confiava nele, ao
ponto de colocar minhas mãos no fogo, apesar de temer me queimar.
— Por que começou a ir lá, Gianni?
Eu pensei em não responder, mas o desgraçado pegava no pé e não largava
mais.
— Eu estava atrás de alguns homens de Liam Roy anos atrás. Os peguei na
cidade, e antes de ir embora, passei nesse bar. Queria apenas lavar as mãos,
mas acabei ficando e gostei dos bolinhos e do café.
— Você é estranho, Gianni... — resmungou. — E por que diabos está vendo
uma corretora de imóveis em Saint-Janvier?
Droga, ele sabia de tudo!
— Vou comprar um apartamento lá.
— Disso eu sei. O que me pergunto é porque está procurando apartamentos
miseráveis numa cidadezinha de bosta daquelas, quando tem um luxuoso
apartamento em Montreal.
— Você quer saber demais, Filippo. O que te importa o que faço nas horas
vagas?
— Sou seu amigo.
— Estou repensando isso — devolvi. — Amigos não colocam pessoas para
seguir os outros.
— Fiz o que tinha que fazer. Maldito seja, Gianni Carbone. Você é seco
como a areia do deserto, e frio como o Alaska. Eu sempre tenho o pé atrás
com você.
Eu não iria ficar discutindo com ele. Então simplesmente fui embora.
Ao menos, ele não sabia o que importava. Madeline estava fora dos radares,
e com meu pedido a Filippo, eu realmente acho que ele não vai mais mandar
ninguém para me seguir. Contanto que a história não caíssem nos ouvidos de
Dom, eu estava seguro.
CAPÍTULO 5
aint-Janvier é um distrito localizado na cidade de Mirabel, na província de
Quebec, basicamente ao lado de onde eu moro atualmente. Já ouvi falar dele,
é bem pequeno, basicamente um lugar de transição, de quem pretende ir do
sul ao norte, usando a rodovia 15, que passa pelo local.
Eu sei que é um lugar tranquilo, com aquele charme típico das pequenas
comunidades, mas ao mesmo tempo bem conectado com as áreas urbanas
próximas.
— O que achou? — a voz de Gianni, às minhas costas, me faz virar para ele.
— É um lugar adorável, Gianni — respondi, pousando Noah no chão e
deixando que ele conheça melhor o local onde iremos morar a partir de
agora.
Gianni sorriu, entrando melhor no pequeno apartamento de dois quartos na
rua Charles. Eu observei melhor o ambiente, e tive a impressão de que
ninguém morava aqui, pois tudo era impessoal, limpo demais, como se fosse
apenas o cenário de um filme.
— Não há plantas — eu murmuro. — Nem quadros, nem enfeites... não tem
porta-retratos... — o encarei. — Você realmente mora aqui?
Ele me sorriu, mostrando todos os dentes.
— Sou um homem prático, que não sabe ajeitar a casa. Mas, Noah terá um
quarto com muitos brinquedos. Venham, quero mostrar.
Nós cruzamos o estreito corredor e nos aproximamos de uma porta. Ao
nosso redor, havia duas janelas abertas, e o ar misto entre o rural e o urbano
nos tocou. Estava frio, o inverno se aproximava com tudo esse ano, mas de
repente me dei conta de que teria um lar de verdade, meu, para me aquecer.
Não mais as crises por não conseguir pagar o conserto do aquecedor. Não
mais as crises pela preocupação em não ter dinheiro para as comidas que
Noah precisa... De repente, estou segura.
Mesmo que para isso eu tenha que me casar sem amor.
Ao menos, há amizade.
Eu paro diante da porta. Noah está quietinho, suas mãos presas as minhas.
Quando Gianni abre a porta, sinto um poderoso sentimento me tomando.
O quarto é adorável. Realmente pensado para um menino. Tem tantos
brinquedos ao redor de uma cama em formato de carro de corrida. As
paredes são azuis. Há uma pequena caixinha de música soando no fundo.
— É lindo — eu murmuro.
E meus olhos se enchem de lágrimas, porque eu sei que nunca poderia dar
isso ao meu filho.
— Olhe mamãe! — Noah diz. — É o homem de aço — ele ergue um boneco
do chão e me mostra.
— Sim, amor. Foi Gianni que deu para você… Agradeça-o.
Noah corre até o padrinho, e se joga em seus braços. Uma parte de mim acha
que Gianni não é acostumado a abraços, porque ele parece surpreso
simplesmente pelo afeto de uma criança, mas então ele sorri, mostrando
aqueles lindos dentes brancos.
Ele é um homem tão bonito... Não entendo por que me quer... Acho que... ele
tem pena de mim...
Mas não pode ser só pena. Ele está abdicando de filhos próprios para ficar
comigo, deve haver algo especial em seu coração. Não é?
Mas, ninguém nunca gostou de mim. E, nisso, incluo o simplesmente gostar.
Amar, então.. nem mesmo minha própria mãe. Eu tenho dificuldades em
entender por que esse homem está me trazendo para sua vida, quando ele
pode conseguir alguém bem melhor.
✽ ✽ ✽
Nós nos sentamos a mesa da cozinha. Logo, Gianni trouxe uma assadeira. O
cheiro do assado invadiu o ambiente, mas antes de servir Noah, perguntei o
que ele havia preparado.
— Fique tranquila. Cuidei que cada ingrediente não o prejudicasse. É um
quiche de legumes, com brócolis, milho, cenoura...
Ele se preocupou... Mais uma vez, me pergunto como a sorte sorriu desse
jeito para mim. Não existe pessoas tão boas...
— O inverno aqui é rigoroso, como em boa parte de Quebec, mas o
apartamento é muito bem protegido. Estamos perto de uma área de mata,
podemos fazer caminhadas também, acho que Noah iria gostar — ele disse.
— Sim! — meu filho concordou.
— No verão, podemos fazer muitos piqueniques. Eu tenho certeza de que
gostará de viver aqui, Made. No geral, é uma cidade com ótima qualidade de
vida. Tranquila, segura...
Nem tanto.
— Você soube que encontraram um corpo perto da 333? — contei-lhe o que
li no site de notícias regionais nessa manhã.
— É mesmo?
— Vi a foto. Pareceu o homem que entrou no bar naquela noite... Dizem que
é um cara vindo do leste, e que devia muitos a traficantes. A polícia suspeita
que foi morto pelo seu envolvimento com o tráfico.
— Nossa, triste fim — ele concordou. — Mas, o importante é que ele não
fez nada contra você naquela noite, não é? A polícia foi buscá-lo, não?
— Sim — concordei.
Continuei dizendo isso a mim mesma que Gianni não me deixou sozinha
com aquele homem. Apenas precisou sair e chamou a polícia para me
auxiliar. Eu tinha que parar de achar que um dia apareceria um príncipe
encantado para me salvar. Meu homem de verdade era um contador, que
ganhava pouco, e não parecia muito corajoso. Mas, estava se doando
totalmente para mim.
— Você gostou da casa? — ele perguntou, entre uma garfada e outra. —
Poderá decorá-la como achar melhor.
— Sim. Gostei — sorri. — É muito mais espaçosa que a apartamento que
moro. Divido a cama com Noah. Não tenho uma sala ou uma cozinha, o
fogão fica basicamente ao lado da cama.
— Eu espero que seja muito feliz, aqui... Made.
— Sim. — Respiro fundo. — Assim que nos casarmos, vou procurar
emprego.
Contei por que não renunciava a isso. Não dois turnos, como fazia
atualmente, mas um trabalho meio turno, apenas para cobrir algumas
despesas e ter uma renda minha.
— Claro que pode, mas saiba que vou sustentar vocês. Não precisa se
preocupar com nada.
Nunca colocaria cem por cento minha vida, e a vida de Noah, nas mãos de
qualquer pessoa.
— Você trabalha aqui perto?
— Meu escritório mudou-se para Montreal...Mas, é menos de uma hora de
ida e volta. Estarei sempre em casa.
Sorri, não sei bem se era animação. Eu estava preocupada com outras
nuances da nossa relação. Claramente, não havia paixão de qualquer lado,
mas eu entendia que Gianni se sentia sozinho – como eu – e queria uma
parceira para dividir seus dias. A solidão é algo terrível, e eu também achava
bom tê-lo como companheiro.
Somos amigos há tantos anos. Mas, eu não sei se consigo pensar em dividir a
cama com ele. Porque não é simplesmente ir deitar-se com um cara bonito. É
uma cadeia de eventos de horror que me cercaram a vida inteira.
— Tem televisão? — Noah lhe perguntou, assim que terminou o prato.
— Primeiro agradeça por Gianni ter feito sua comida — disse a ele, não o
permitindo sair da mesa.
Meu filho agradeceu. O sorriso que Gianni deu a ele fez meu coração
disparar. Ele sempre sorria pouco, mas hoje parecia muito feliz.
— Na sala — o homem apontou a porta, e não consegui mais segurar Noah.
Quando ele correu, eu precisei me desculpar.
— Crianças... Tenho um sobrinho quase dessa idade — Gianni disse.
Eu não sabia basicamente nada dele.
— É mesmo?
— Sim... mas, não tenho uma relação muito próxima, pois moramos muito
longe.
Será que ele não gostava de crianças e estava apenas fazendo um teatro na
minha frente? Ou seria apenas porque a família morava nos Estados Unidos?
— Quando você estará pronta para o casamento? — ele indagou.
— Já pedi demissão do bar. Semana que vem não precisarei mais ir.
— Então... Semana que vem conseguimos nos casar?
— Sim. Eu consigo um vestido emprestado com uma das moças com quem
faço limpeza.
— Você pode comprar um vestido. — Ele mexeu nos bolsos, e me entregou
um cartão. — Oh, tome... Você pode pagar um vestido com esse cartão. E
fazer os cabelos... as unhas... o que quiser...
— Não posso aceitar.
— Se eu não posso pagar um único vestido para minha noiva, nem devia me
casar — ele devolveu. — Faço questão. — pigarreou, mudando de assunto.
— Não terei convidados, minha família não poderá vir...
— Entendo... Eu também não.
— Bom, um casamento civil precisa de uma testemunha... Eu posso —
coçou a cabeça. — Eu vou conseguir alguém...
Assenti.
— Isso não parece meio frio e impessoal? — indaguei.
Ele me encarou como se me visse pela primeira vez.
— Mas, não é. Eu realmente gosto de você, Madeline.
— O que você espera de mim? — indaguei, precisava saber. — Nós teremos
uma vida conjugal comum?
Ele me encarou como se me estudasse, cada detalhe do meu rosto.
— Eu quero isso. — Sua voz rouca carregava um peso incomum. — Mas,
não vou te forçar. Podemos ir aos poucos.
Eu não fazia ideia do que era ir aos poucos.
— Sei que está se casando comigo porque precisa, Made... Mas, também sei
que somos amigos há tempos, e podemos construir afeto. Acredito muito
nisso, se não acreditasse, não teria a pedido em casamento.
Construir algo...
Sim, era possível.
Meu futuro marido era agradável de olhar. Bonito até demais para mim. E
ele tinha uma personalidade firme como uma rocha, que sempre me atraiu.
Me sinto culpada por estar pensando nisso agora. Meu principal objetivo era
dar estabilidade a Noah. Mas, também... havia um apego a uma feminilidade
que nunca pôde desabrochar. Uma parte de mim queria ser mulher, amada e
desejada, uma única vez.
— Eu também não sei muitas coisas sobre você, Madeline. Me disse uma
vez que cresceu num abrigo.
— Por um tempo.
— E seus pais?
— Não sei quem é meu pai. Minha mãe foi embora. Nunca mais a vi.
— E o pai de Noah?
Um fio de eletricidade correu forte no meu peito. Uma dor absurda perante
uma imagem que apaguei.
— Ele não será um problema. Ele nem sabe que Noah existe.
— Término ruim?
Não consegui responder.
— Serei um pai para Noah, eu lhe dou minha palavra — disse. — Eu amo o
menino, já. Perante Deus, já sou um pai, já que o batizei. Ele terá tudo que
precisar comigo. Mas, preciso que saiba... terei regras. Uma delas é que o pai
de Noah nunca se envolva com ele.
Essa coisa... possessiva... nele, não o deixou apenas sensual. De repente, ele
também parece, firme, forte... isso me atraiu muito.
Na verdade, Gianni podia me atrair de muitas maneiras, se eu me permitisse.
Ele era um ítalo-americano de cabelos grossos e olhos profundamente
negros. Hipnotizantes.
Minha mente pensou no que aconteceria se ele me beijasse. A reação foi tão
inesperada que fiquei enrubescida. Meus mamilos duros, meu baixo ventre
latejando. Isso é inapropriado e vergonhoso.
Vergonhoso...
Eu sou uma puta como minha mãe sempre disse...
— Eu juro. Esse homem nunca saberá nada de Noah.
O sorriso de Gianni terminou de acender o fogo que correu por mim.
CAPÍTULO 6
frio cortava minha pele enquanto eu esperava na porta do cartório.
O dia anterior foi cheio. Procurei nas lojas de aluguel de Montreal o terno
mais simples que consegui achar. Também precisei montar um armário de
roupas totalmente novo, com calças e camisas de liquidação. Uma vida falsa,
para receber a única coisa real que havia em mim.
Soprei nas mãos, tentando aquecê-las, e olhei para o céu acinzentado. Não
havia sol em Montreal há muitos dias. Iria nevar em breve, tenho certeza. O
inverno seria terrível. Graças a Deus, Madeline estaria a salvo dessa vez.
Eu sei que ela sofreu muitos nos invernos que passaram. Ouvi seus
comentários sobre os problemas de aquecimento no seu antigo apartamento.
Também soube que ela procurava roupas de segunda mão para Noah, mais
quentes, porque o menino estava crescendo e nada mais lhe servia.
Na época, eu lhe trouxe alguns casacos e calças. Era o padrinho, então tinha
a desculpa de sempre poder ajudá-lo. “Roupas que o filho de um amigo
descartou”, justifiquei, sem lhe contar que Noah estava vestindo algo que
custaria mais que o ano inteiro trabalhado de seu salário.
É um fato que não sei viver com pouco. Eu nasci em uma família de máfia,
usando as melhores roupas, tendo qualquer luxo que desejava. Mas, chegou
o momento de abdicar disso, e viver discretamente. Ao menos, na frente de
Madeline. Eu não teria como explicar as roupas de grife, ou o apartamento
luxuoso, sem explicitar que sou membro da Lupi Sanguinari.
De repente, um carro de Uber encostou defronte ao cartório. Eu sorri diante
da noiva que desceu de mãos dadas com o menino. Madeline devolveu o
sorriso para mim, enquanto apertava o grosso casaco de lã em seu corpo. Ela
usava um discreto vestido cor de creme, feito de veludo, e tentou colocar
alguma maquiagem no rosto, já que suas bochechas estavam claramente
mais rosadas que o normal, mas francamente, ela não precisava de nada
disso.
Madeline era a mulher mais linda que eu já vi. E meu peito aquecia só de
olhar para ela.
— Tudo bem? — eu disse, segurando suas mãos. — Ainda dá tempo de
desistir, se quiser...
Ela riu, baixinho.
Ela não desistiria, não porque me amava, eu não tinha ilusões disso, mas
porque eu era a sua melhor chance de o mínimo de estabilidade. Um cara
honrado, bom, amigo... ela não conseguiria nada melhor em outro lugar.
Não que estivesse procurando. Nunca a vi flertar com ninguém. Nem
comigo.
— Mamãe... — Noah a chamou, e seu olhar desviou de mim. — Bolo — ele
apontou o outro lado da rua, onde a porta aberta de uma padaria exalava um
cheiro delicioso de assado.
— Depois nós vamos, Noah — disse a ele, mexendo nos seus cabelos, em
um cafuné. — Temos também que ver se eles tem opção sem açúcar, certo,
garoto? — disse, lembrando-o de que não podia comer tudo que via.
Ele assentiu.
Entramos juntos, sem música, sem enfeites, sem plateia. Apenas nós dois e o
menino. Caminhamos reto para dentro, onde as testemunhas nos
aguardavam. Paguei um casal na rua para fazer isso. Eles não nos
conheciam, mas ficaram felizes pelo dinheiro extra.
Paguei um adicional ao juiz para não ler meu nome completo, também. Todo
mundo nessa cidade era um poço de corrupção, então o homem nem
pestanejou em fazer isso.
Nos colocamos diante do juiz, que leu as palavras de praxe, perguntou se
aceitávamos, e nossas vozes firmes preencheram a sala pequena e impessoal.
— Sim.
E era isso. Encerrado. Canetas expostas, assinaturas rápidas. Madeline nem
teve tempo de ler que estava se casando com um Carbone. E agora ela era
minha.
Diante dos homens. Não de Deus. Porque de Deus, eu não poderia subornar
ninguém.
Mas, talvez um dia... Talvez eu conte a ela a verdade, e talvez possa haver
uma igreja, um vestido branco, uma festa luxuosa, com família ao redor.
— Eu os declaro marido e mulher.
Eu nunca assisti um casamento no civil, não sabia se devia beijar a noiva
agora. Encarei Madeline, e percebi que era isso que ela esperava. Nunca
trocamos um beijo e agora eu simplesmente iria beijá-la na frente dessas
pessoas que nunca vi antes.
Me aproximei, e depositei meus lábios em sua testa. Respeitosamente. O
menino também estava atrás da mãe, e eu fiquei com vergonha de beijar sua
boca na frente dele, apesar de saber que haveria momentos que eu faria isso.
Então fiz o que achei que fosse o certo. Pude ver uma breve decepção nos
olhos de Madeline por causa disso.
Quando saímos, um floco de neve solitário pousou na manga do meu terno.
Enfim, a neve. Noah riu de felicidade, e o rosto dele transbordou interesse
para o outro lado da rua.
— Devíamos convidar seus amigos para comer conosco? — Madeline
perguntou, apontando o casal que já se afastava, rapidamente, com os bolsos
cheios.
— Eles estão ocupados — disse. — Vamos nós!
Noah fez menção de correr, e meus instintos clamaram na hora. Antes
mesmo de ele dar um passo em direção à rua movimentada, eu o peguei no
colo. Madeline me encarou com surpresa:
— Como você foi tão rápido?
— Ah... eu... não sei — disse, sabendo exatamente a resposta. Mentir para
ela seria a base desse relacionamento. — Noah, nunca mais atravesse a rua
sem dar as mãos para sua mãe, ok? — falei ao menino, meio repreendendo,
meio preocupado pelo que podia ter acontecido.
— Sim, padrinho — ele disse.
Sorri. Ele me chamava de Gianni ou padrinho. Gianni quando queria me
contar algo, padrinho, quando estava testando minha sensibilidade. É um
garoto esperto, sem dúvidas.
✽ ✽ ✽
Sentei-me na ponta da mesa, com Madeline e Noah diante de mim. Eu
estudei atentamente o local, observando se não havia ninguém em meu
encalço, ou um inimigo à espreita. Desde que soube que Filippo me seguiu,
redobrei meus cuidados.
— Eu quero esse bolo...
— Esse não dá, filho... Pode ser esse aqui — ela apontou algo no menu. —
Vou pedir, está bem?
O garoto concordou. Uma garçonete se aproximou depois disso, e pegou
nosso pedido. Enquanto isso, estudei Made atentamente. Apesar da roupa
simples, era a mulher mais deslumbrante que eu já vi. Não apenas bonita,
mas com um charme natural que me atraía como mosca no doce.
— Então é isso? — ela perguntou, um sorriso, para mim. — Casados.
Meus pensamentos conseguiram focar nessa verdade. Casado. Com a mulher
que eu amo. O que eu farei agora? Levo-a para casa e a tomo nos braços?
Mas, não faria isso sem ela ter o mínimo de vontade. Então, vou dormir no
sofá? O que eu faço? Eu realmente não planejei tudo.
A subida e descida do seu peito chamou minha atenção. Ela estava nervosa
esperando minha resposta.
— Não tem nada com que se preocupar — disse.
— É que... Somos amigos há tantos anos, mas nunca pensei nas coisas desse
jeito.
Eu estava atraído por ela. Mal conseguia tirar os olhos dela.
Mas, não a forçaria de jeito nenhum.
— Eu te disse, vou esperar.
— Eu... realmente quero que não espere.
Isso foi tão inesperado que não consegui esconder o choque. Meus olhos se
arregalaram, e precisei me segurar na cadeira para não a arrastar agora
mesmo para o apartamento que chamo de lar, e fazê-la minha mulher do
modo bíblico.
Mas, claro que não fiz isso. Havia uma criança perante nós, sem entender
nada, obviamente, mas ainda ali.
De repente, meu telefone tocou. Eu o peguei nas mãos, olhando a tela.
Merda. Filippo. O desgraçado nunca me deixava em paz.
“Urgente”, ele mandou a mensagem.
— Algum problema? — ela indagou.
— Eu... ah... — não sabia o que dizer. — Não é importante... Sempre tem
alguma planilha que os cálculos não fecharam. Meu chefe é um chato.
— Você não disse a ele que estava indo se casar?
— Não. Não quero que ele saiba nada da minha vida pessoal — fui franco.
— Sei que parece estranho, mas lá no escritório, só temos uma vida
profissional juntos. Nunca falo nada sobre mim.
Eu esperava que ela aceitasse minhas palavras docemente, mas seu olhar
demonstrou certo receio. O que ela estava pensando? Que eu tinha vergonha
dela? Isso não era verdade. Eu tinha é vergonha de mim mesmo diante dessa
garota.
Eu não deveria especular, então baixei a tela do celular, e foquei em seu
rosto.
— Eu quero uma vida tranquila, sem envolvimento de quem não importa.
Você me conhece como ninguém mais, Made... É a única amiga que tenho.
Sou um homem recluso, prefiro os livros a confraternizações. Mas, saiba que
cuidarei de você e serei o melhor marido que puder para você. E a melhor
figura paterna de Noah. Você pode confiar em mim.
Madeline estendeu suas mãos pela mesa, e segurou meus dedos. Nós nos
tocamos poucas vezes, então mesmo esse toque discreto e gentil causava
certo rebuliço dentro de mim. Mas, segurei meus instintos e vontades de
aprofundar.
— Está certo, Pelletier — ela disse meu sobrenome falso. — Eu confio em
você.
Era um erro. Para ela. Mas, ao menos, ela teria segurança ao meu lado.
“Problemas! Droga, Gianni desgraçado, responda a merda do telefone!”, o
celular voltou a brilhar.
Pelo local que estava, podia ver que Made leu a mensagem que veio com a
notificação. Ela balançou a cabeça para mim.
— Responda-o.
Assenti. Nesse momento, a garçonete chegou com os pedidos. Eu vi Noah
ansioso pelo bolo de aveia, e sorri para o menino, enquanto segurava meu
próprio telefone.
— Filippo, eu estou ocupado — disse, assim que ele atendeu a ligação.
— Onde você está? Aconteceu um desastre!
— Estou ocupado — repeti.
— Pois se desocupe, e venha para a mansão Romagna agora. AGORA! —
Gritou.
E algo no seu tom me acendeu o alerta.
Desliguei o aparelho, meu olhar confuso. A mulher na minha frente sorriu,
meio triste.
— Vá, Gianni. Trabalho é trabalho.
— Estamos comemorando nosso casamento.
— Eu sei. Mas, se teve um problema, vá resolvê-lo. Ou não conseguirá ter o
dia tranquilo. Noah e eu vamos comer e depois vamos para casa — sorriu.
— Minhas malas já estão no seu apartamento, aproveito sua ausência para
arrumar tudo.
Isso era estranho e descabido. A pior maneira possível de começar bodas.
Mas era a coisa mais razoável a se fazer.
— Eu sinto muito mesmo, Madeline.
— Está tudo bem.
Então coloquei algumas notas polpudas sobre a mesa, para pagar o lanche e
o Uber deles. Depois disso, saí. Havia culpa no meu coração, mas não podia
simplesmente esquecer que sou uma arma da máfia, e como toda arma,
preciso estar devidamente engatilhada.
CAPÍTULO 7
le não voltou para nossa noite de núpcias. Uma parte de mim se sente
completamente rejeitada, já que disse a ele que não queria esperar. Em parte,
é porque quero acabar logo com isso. Em parte, é porque uma pequena
parcela de mim ainda sonha em uma família tradicional que nunca tive. Um
marido, meu filho...
Olho ao redor da sala quente. O inverno lá fora balança o vidro da janela.
Levo a xícara de café aos lábios e degusto o líquido. É reconfortante ter um
local seguro. Gianni não está aqui para mim, mas ao menos preparou a casa
para me receber com tudo que eu precisava.
A despensa está cheia de comida. Há aquecimento. Uma cama quente. Uma
televisão com canais a cabo. Um computador em um canto, que tem acesso à
internet. Ele realmente se preocupou com tudo.
E não há o que fazer se houve problemas no trabalho dele. Ele lida com
números, e problemas em cálculos aparecem. Gianni também precisa
organizar impostos, e o governo é muito exigente com valores exatos.
Ainda assim, fiquei esperando que ele voltasse até onde aguentei. Meus
olhos pesaram, meu corpo doía de exaustão. Por fim, apaguei, basicamente
sentada na cama, as cobertas sobre o colo. Quando acordei, um pouco
dolorida pela ruim posição, ele ainda não tinha voltado.
E o sol já brilhava em um novo dia.
Levantei-me da cama, arrumando tudo. Comecei a andar pelo meu novo lar,
observando os detalhes à luz do dia. Noah ainda dormia quando fui para a
cozinha preparar seu café.
Meu casamento foi meio rápido demais. E mal tive tempo de vir a Saint-
Janvier verificar as escolas, mas Gianni fez uma lista para mim, e eu
começaria a escolher hoje mesmo. Eu também queria andar por aí e procurar
um trabalho. Sei que Gianni não ganha muito, e é injusto jogar duas pessoas
nas suas costas.
Mais uma vez penso por que ele se casou comigo. Não consigo acreditar que
gosta de mim, porque não há nada em mim para um homem gostar. Sou uma
pessoa comum, não tenho grandes atrativos na aparência. E ainda tenho um
filho cujo pai é desconhecido. Por que um homem bonito como ele se casaria
comigo?
Conforme vou andando dentro do apartamento, a palavra solidão surge na
minha mente.
É isso. Ele se sente sozinho.
Termino o café e lavo a xícara. Há pão num armário, manteiga e queijo na
geladeira. Eu procuro o presunto. Procuro também as frutas para preparar
tudo de melhor para meu filho. Nesse momento, um barulho na porta da
frente chama minha atenção.
Largo todos os ingredientes sobre a mesa, e basicamente corro naquela
direção. Me aproximo da entrada, e vejo meu novo marido ali, arrancando o
casaco pesado, seus olhos demonstrando que não teve uma noite de sono, o
cansaço transparecendo em seu olhar.
— Bom dia — eu lhe digo, com um sorriso.
Ele volve seu olhar para mim. Meu coração dispara descompassadamente
nesse instante. Fiquei chocada pela reação inesperada que tomou conta de
mim. Porque nunca senti isso antes, em mais de três anos que nos
conhecemos. É como se as palavras do juiz de paz tenham mudado algo
dentro de mim.
Marido e mulher. Mulher. Esposa.
— Não tenho palavras, Madeline — ele diz, vejo a culpa o transbordando.
— Não pude voltar.
— Está tudo bem. Você está muito cansado? Quer um café? Eu posso
preparar uma omelete...
— Não, eu... Vou tomar um banho. Depois nós conversamos — ele diz, antes
de se afastar.
Voltei para a cozinha. Quando segurei o pacote de pão, percebi que minhas
mãos estavam tremendo. Imagens inapropriadas tomavam conta de mim,
meus pensamentos voltados para Gianni no banheiro, tirando a roupa.
Como ele seria? Ele sempre estava bem-vestido, muitas camadas para que eu
pudesse ter uma ideia de como seria seu corpo sem todos os tecidos. Eu me
casei com ele, mas nunca o toquei, nem ele me tocou.
Não o conhecia, não dessa maneira. Mas, conhecia o que importava. Ele era
bom para mim, para Noah. Ele me ajudou muitas vezes, ele esteve lá para
mim quando dei à luz. Gianni foi o único amigo que eu tive em todos esses
anos de vida. Sei que posso entregar esse cheque em branco para ele. Não
vai me decepcionar. Quero que esse casamento seja real, quero ser uma boa
esposa, porque ele merece.
Por gratidão.
E por... por isto que faz meu coração bater tão forte... que faz essa esperança
estranha tomar conta do meu âmago.
Ele volta cerca de vinte minutos depois. Está sorrindo na cozinha, enquanto
percebe que eu realmente fiz uma omelete para ele. Senta-se a mesa, e
indaga:
— Cadê Noah?
— Está dormindo ainda. É muito cedo, e ontem ele teve um dia corrido. E
ainda assistiu desenhos na televisão até tarde.
Assente.
— Eu tenho um presente para você — diz, e se afasta brevemente de volta a
entrada.
O sigo. Ele vai até o casaco, e tira uma caixa pequena de um dos bolsos. Me
entrega.
— O que é isso?
— Um celular — riu. — Eu preciso falar com você quando estou
trabalhando — dá de ombros. — Ou você falar comigo. Nem consegui te
avisar ontem que não iria conseguir voltar.
Eu nunca tive um aparelho novo. Tinha um muito velho que nem internet
tinha, e que usava apenas para o dono do bar ou os clientes das faxinas me
ligarem. Nunca pensei que teria algo tão bonito assim, e dado de presente.
Agradeci, enquanto abria a caixa e via a tela escura brilhando na minha
direção.
— Não foi muito caro?
— Não se preocupe com isso. Consegui um desconto — justificou, sua voz
estava mais profunda do que antes, mais rouca.
— Obrigada, Gianni.
Eu dou um passo na sua direção. O abraço como agradecimento, e sei que
ele ficou em choque pela reação, porque pareceu segurar a respiração por um
segundo.
— Não agradeça antes de saber que terei que viajar a negócios.
O solto de imediato, recuando.
— Agora? Precisa dizer ao seu chefe que se casou, e que seria bom uns
poucos dias de folga.
Era estranho eu pedir isso. Era quase vergonhoso, mas eu queria muito que
essa relação fosse firme e direita. E ela não começaria com a ausência de
meu marido um dia após o casamento.
— Eu sinto muito, Made. As coisas estão difíceis no escritório. Às vezes
viajar será preciso. Mas, prometo, serão poucos dias, e logo estrarei de volta,
e juro que farei o possível para te dar uma vida melhor.
Engoli em seco.
— Você tem vergonha de contar para ele que se casou comigo?
A pergunta não foi planejada. Era apenas aquele leve murmuro nos meus
ouvidos que me alertava que podia ser algo assim. Vi seu rosto
transbordando algo que não era capaz de alçar.
— Claro que não, Madeline...
Dessa vez foi ele que se aproximou de mim. Sua mão direita segurou meu
rosto, envolvendo minha bochecha, enquanto ele estudava minha expressão.
— Você é a melhor parte da minha vida, Made... Eu contava as horas para
chegar à noite e ir vê-la.
Não esperava essa confissão. E não sabia se conseguiria retribuí-la
adequadamente, mas entendia que ouvir isso me causava algo poderoso
dentro do peito.
Avancei. Meio temendo, meio receosa, mas avancei. Lentamente, fiquei na
ponta dos pés e toquei meus lábios nos seus. Lentamente. Temendo que ele
me rechaçasse. Temendo que ele acreditasse ser ousadia demais.
Apenas queria sentir se tudo que dizia era verdade.
Por um momento, ele pareceu surpreso demais. Como se não acreditasse que
eu havia feito isso. Então, sem que eu esperasse, ele reagiu.
Sua mão, que estava na minha bochecha, envolveu minha cabeça, minha
nuca e ele me puxou. Seu rosto girou para o lado, sua língua invadindo
minha boca.
Nunca fui beijada. Teria coragem de dizer isso a ele? Como explicar a ele
que eu era uma mulher que já havia passado pelas mãos de vários homens,
era até mãe, e nunca fui tocada de verdade?
Houve uma onda de choque entre nós quando nossos dentes bateram. Um
gemido exalou de meus lábios, e seu corpo se reteve um instante, como se
apenas experimentasse o som que saiu de mim.
— Made... — ele suspirou.
Eu sentia que estava duro. Sentia que tinha vontade de me levar para o
quarto agora e tornar tudo isso real. Mas, então ele me soltou.
Dolorosamente.
— Não posso fazer isso. Estou embarcando ao meio-dia — explicou. —
Quando eu voltar, está certo?
Devia ficar zangada, mas não fiquei. Gianni era responsável, e honrado o
suficiente para não me levar para a cama e me abandonar no instante
seguinte. E ele me trouxe para a vida dele quase que por instinto, sem muito
planejamento. Entendia que ele tinha compromissos, e respeitava isso.
CAPÍTULO 8
ão me restou alternativa além de aceitar minha realidade. Meu marido, um
bom marido, um marido que me deu lar e proteção, tinha suas ocupações,
então ainda não um marido real, mas... meu marido... viajou.
No dia seguinte a sua saída, eu coloquei um grosso casaco de lã e botas
quentes e saí caminhando pela cidade. Gianni deixou dinheiro, mas eu
preferi ir andando até a escola onde iria conversar sobre Noah com a
professora. Queria conhecer a cidade, conhecer as pessoas, também os locais
onde se vendia comida, roupas... enfim, estar por dentro de tudo que
acontecia aqui.
Essa era minha nova cidade. Eu esperava ser feliz aqui.
Eu me apaixonei de imediato. Havia muitos parques pela redondeza, e até
um complexo esportivo. De mãos dadas com Noah, nós cumprimentamos
vizinhos, e zanzamos perto de um estádio de Baseball. A cidade, apesar de
gelada, era animada.
Quando, contudo, chegamos a pequena escola infantil, eu adquiri uma
postura mais ereta e séria. A educação de Noah era o que mais me importava
nessa vida. Eu queria que ele tivesse as chances que eu não tive, que ele
pudesse ter uma profissão que lhe pagasse bem, que tivesse esperança de
construir algo.
— Aqui temos uma planilha com todo nosso método pedagógico — disse
Sra. Emma, a diretora que me atendeu. — Também temos um método de
avaliação singular, pois nosso método de ensino é construtivista.
— Como assim? — indaguei, enquanto andávamos pelos corredores limpos
da escola.
— Acreditamos que o conhecimento é construído pelo aluno, não
transmitido pelo professor. Queremos que ele desenvolva autonomia, senso
crítico e pensamento lógico, respeitando seu ritmo de aprendizado, é claro.
— E como fazem isso?
— Estimulamos pesquisa, experimentação, desafios...
Eu não sei se é isso que procuro exatamente para Noah, mas como ele ainda
é muito criança, talvez seja exatamente disso que precise, nesse momento. A
educação mais básica ele podia adquirir quando estivesse perto dos sete
anos.
— Bom, eu gostaria muito que ele estudasse aqui — apontei. — Como faço
para me inscrever?
— Preciso perguntar do pai... O pai de Noah também virá conversar
conosco?
Não era uma pergunta incisiva ou com julgamento. Ela apenas parecia estar
traçando o perfil do meu filho.
— Ele tem padrasto. Mas, está viajando a trabalho.
— Ok. Vamos preencher as papeladas, então? Gostaria de deixar Noah
conosco por algumas horas? Uma leve introdução?
Meu filho já estava na sala de aula, brincando com uns bonecos. Foi levado
lá pela própria Emma, momentos antes, e conseguiu se enturmar de cara, o
que me deixou muito feliz.
Assenti para ela, acreditando que seria bom que ele já conhecesse o
ambiente, antes de vir no dia seguinte, em definitivo.
Assim sendo, quando saí de lá, duas horas depois, estava sozinha. Caminhei
pela calçada da 117, já observando as vidraças das lojas que cruzava,
planejando deixar um curriculum quando viesse, no dia seguinte.
Meu telefone balançou. Com ansiedade, baixei meus olhos, o coração aos
saltos. Percebi, tarde demais, que todos os motivos da minha ansiedade
estavam no meu marido. Mas, Gianni não me mandou mensagem nenhuma
desde o dia anterior, quando viajou. Eu entendo e respeito. O chefe dele é
muito desrespeitoso na forma de cobrar. Vi como ele o xinga. Gianni deve
estar com a cabeça cheia.
E ele não me desprezou por completo, tento reforçar a mim mesma. Eu o
senti quando nos beijamos – quando eu tomei a iniciativa! -, meu marido
queria me levar para a cama. Não o fez porque era decente demais para isso,
quando estava prestes a sair em viagem.
Havia uma esperança desse casamento dar certo. Especialmente de minha
parte. Eu realmente desejava ser a melhor esposa que pudesse. E um pouco
da minha inquietação em me deitar com ele, era porque queria tirar esse
estado nervoso da minha cabeça. Eu não sabia o que esperar do sexo com
Gianni. Tudo que vivi até hoje foi horror e degradação. Mas, acreditava que
ele... bom, ele tentaria não me machucar. Mas, saber mesmo, só depois que
me levasse para a cama.
Então, que acontecesse logo e eu não precisasse viver com a apreensão do
que poderia ser.
Parece maluco, mas cheguei a um ponto que prefiro viver a dor que viver a
aflição.
Li a mensagem no celular. Era da companhia telefônica avisando que minha
nova linha estava devidamente registrada.
Ergui os olhos. Cruzei reto por um bar, pois não queria trabalhar num lugar
assim de novo. Rumei até uma pequena loja de roupas, pronta para entrar e
oferecer meus serviços, mas estava fechada.
O telefone tocou de novo. Olhei de novo, dessa vez acreditando que era
novamente a companhia de telefone, mas era Gianni.
Meu coração saltou no peito. Não sei por que está acontecendo ultimamente.
“Oi... Desculpe não mandar mensagem ontem. Está uma confusão aqui”.
Eu quase podia vê-lo digitando a mensagem. Seu rosto sério, sempre
ranzinza, incomodado pelo chefe estar em seu pé. Pensar nisso, me trouxe
uma sensação estranha. Não houve aviso para o jato de eletricidade que
cruzou meu corpo. Eu respirei fundo.
“Está tudo bem. Fez uma boa viagem?”.
“Sim, chegamos em segurança”.
“Quando você volta?”
Deus, era loucura, mas eu o queria comigo. Eu não conseguia respirar
aguardando a resposta. Meus pensamentos cheios de desejo me
mortificaram. Não entendo como ele causa isso em mim. Nunca causou
antes, mas desde que se colocou como uma opção para minha vida, só
conseguia pensar que queria que tudo entre nós fosse real.
Ele era meu melhor amigo, meu único amigo. Ele se casou comigo, está
cuidando de mim, me dando a chance de criar Noah da melhor forma. É
claro que eu quero que seja real, justifico.
“Em três ou quatro dias”.’
Outra mensagem veio em seguida.
“Preciso ir. Cuidem-se”.
Baixei o aparelho de celular, uma parte de mim tão triste por não receber
algo mais romântico ou coisa assim, mas entendo que ainda não temos essa
intimidade.
Intimidade...
Eu nem conseguia imaginá-lo nu. Como devia ser? Ele parecia ter um corpo
bonito por baixo do casaco pesado. O rosto era muito belo, mas sempre
envolto em uma névoa que eu não entendia.
Suspiro pesadamente.
Volto a andar, de repente, meus olhos capturados por uma imagem do outro
lado da rua.
Eu travo por um momento.
Acho que estou alucinando, mas quando a figura se move, enquanto
conversa com outra pessoa ali, eu sei que é real.
Nunca esqueceria esse rosto, especialmente porque vejo traços dele no meu
pequeno filho, a pessoa que mais amo nesse mundo.
Jean Smith está ali. Parado, conversando com outro homem enquanto aponta
para um prédio que tem uma placa de aluga-se.
Deve ser um pesadelo. Sim, é um pesadelo...
Três anos, e eu ainda estou alucinando sobre esse desgraçado.
Eu giro para o lado. Estou pronta para fugir. Eu era uma mulher forte, mas
esse homem me reduziu a um lixo humano.
E agora ele estava de volta.
Por sorte, ele não me viu, mas pelo jeito estava comprando uma propriedade
na região e era questão de tempo para ele me descobrir nessa cidade
pequena.
Pior que isso.
Descobrir Noah.
CAPÍTULO 9
véspera do casamento, e a única coisa que tenho na mente é que tenho pouco
tempo para fazer Dominus desistir dessa loucura. Cheguei em Tana, nosso
covil de lobos, e rumei reto para seu escritório, ignorando completamente
minha irmã, minha madrasta, e meu sobrinho à minha espera na entrada.
— Gianni — Filippo vinhas as minhas costas. Ele parecia nervoso e
preocupado. Quando me disse que Dominus lhe mandou um convite de
casamento para ali dois dias, achei que estava blefando. Todavia, fui conferir
meus próprios e-mails e ali estava o meu, de dias antes, algo que ignorei
totalmente porque estava focado em minhas próprias bodas. — O que vamos
fazer, Gianni? — indagou, em seguida.
— Convencê-lo de que é uma loucura.
Minha última semana foi conseguindo um juiz de paz que pudesse subornar.
Comprar o apartamento, mobiliá-lo o suficiente para enganar Made, comprar
coisas para Noah, e me preparar para minha cerimônia. Nisso tudo, ainda
tive uns cinco caras para matar e Filippo para ludibriar.
Estava cansado e irritado. Não deixaria Dominus em paz sem terminar com
essa ideia louca de casamento!
Dominus estava em pé entre a porta e a enorme mesa de madeira. Ele abriu
os braços para mim, paternal. Era o irmão mais velho, e sempre se mostrou
lúcido e preparado para ser o Capo. Mas não podia simplesmente se casar
com uma mera filha de um desconhecido, quando um acordo vantajoso
podia acontecer se desposasse Chiara.
✽ ✽ ✽
— É isso, Dom. Vamos perder Montreal e Quebec se Vicenzo se unir aos
Russos.
Não apenas aos russos, que andavam ciscando no nosso galinheiro. Liam
Roy era a maior preocupação. Ele estava sedento pelo desejo de vingança.
— Não vou fazer esse acordo — Dominus responde, firme.
— Por que não? — Filippo se revolta. — Minha Chiara é linda. A moça mais
bonita de todo Canadá. Uma princesa, prendada, pura... É o melhor enlaço
que você pode fazer. E fortalecerá nossas duas famílias.
Nada disso era real. Chiara era o ser mais desinteressante da face da terra.
Não tem personalidade, não demonstra nada. Vazia. Fria. Mas, ainda assim,
uma Romagna.
— Vou me casar amanhã — Dominus retruca. — Não vou desistir de Ava.
Por nada no mundo.
Como se invocasse um demônio, a porta estala, e a figura feminina da noiva
de Dominus surge diante de nós. Eu não posso esconder a surpresa. Meu
irmão vai perder a chance de um acordo extremamente vantajoso com
Filippo por causa dessa mulher? Ela nem é bonita o suficiente. É grande
demais, tem o rosto desafiador o tempo todo. Ela, efetivamente, não nasceu
para ser a esposa do Capo.
— Ava! — ouço a voz potente de Dominus emergir. — Entre. Quero que
conheça meu irmão, Gianni. E esse é Filippo, um amigo do Canadá.
Para completar a cena patética, vejo Filippo avançando na sua direção. Ele
segura a mulher pelos ombros, e seu olhar carregado deixa nítido que ele
gostou do que viu.
— Você é linda — diz. — Entendo agora por que Dominus insiste tanto... Eu
também insistiria...
Isso é ridículo. A cena mais imbecil que eu já fui forçado a assistir.
Especialmente porque vejo o embate entre os dois nesse momento. Dominus
puxando Ava para si, Filippo parecendo pronto a enfrentar uma guerra para
roubar a gorda de meu irmão.
— Podemos fazer um acordo, meu amigo — Filippo sugere, depois de um
momento de silêncio realmente constrangedor. — Você se casa com Chiara,
e eu farei o favor de me tornar esposo de sua noiva, para não a deixar
abandonada, e envergonhar sua família... Nossas famílias irão se entrelaçar
e...
— Cale a boca, Filippo — Dominus está rouco. É raiva, eu sinto, reconheço.
É difícil vê-lo tão alterado. — Eu entendo que precise de um marido para
Chiara, mas não serei eu. Já estou comprometido, e não sou homem de voltar
atrás com minha palavra.
— Eu compreendo, Dom... Eu também não voltaria — ele diz.
Eu iria vomitar a qualquer momento.
— Bom, meu irmão... — interpelo, querendo me afastar dali o mais rápido
possível. — Vamos deixá-lo a sós com sua noiva… Quero ver Caterina e
meu sobrinho... Filippo, me acompanha?
Nós rumamos para fora. Eu estou tão pasmo por estar vivenciando isso,
vendo a chance de uma união poderosa entre os clãs acontecer, e Dominus
jogando isso fora, que nem cumprimento a mulher.
Avanço para longe deles. Caminho pelo corredor, Filippo diz algo sobre ela
ser uma grande gostosa, mas não presto atenção.
Irritação, irritação. Meus dedos contorcem.
— Meu irmão — Rocco me interpela nesse momento. — Estava com
saudades.
Ele e Nico são dois poços de sentimentalismo. Os dois gostam de toque e
abraços. Eu sou esmagado pelos seus braços ainda juvenis, enquanto suspiro,
pesadamente. Depois disso, fomos a sala. Ben está ali, com Luigi nos braços.
Desvio os olhos do meu sobrinho de olhos azuis, não quero olhar a criança.
Ele é filho de um estupro. Como pode ser tão querido?
— Onde está Francesca? — pergunto de minha madrasta para minha irmã.
Caterina é a única como eu. A única que não tem necessidade corporal o
tempo todo, então ela apenas me cumprimenta com um balanço da face.
— Saiu com Nico. Foram ver uma das éguas que deu à luz na montanha.
Claro que Nico ia dar um jeito de ficar perto dos animais. Ele preferiria um
cachorro a qualquer um de nós.
— Quando nosso tio chega?
— A tarde.
— Vou descansar um pouco da viagem, então. Quando Dom sair para buscar
tio Afonso, me avise.
Ela não respondeu, enquanto eu rumava em direção aos meus aposentos.
✽ ✽ ✽
— Você precisa desistir desse casamento — eu insisto, o copo diante de
mim, cheio. — Precisa se casar com Chiara, para podermos perpetuar o
poder no Canadá.
Não sou de beber, mas estamos em um bar Juneau, aguardando que meu tio
apareça. Ben foi buscá-lo no pequeno aeroporto. Dominus está degustando a
cerveja preta, é o momento ideal de tentar dissuadi-lo dessa loucura.
— Eu acho que vai chover por aqui — ele diz, apontando o céu carregado de
nuvens densas através dos vidros embaçados. — Isso significa que irá nevar
na cerimônia.
— Pelo amor de Deus, Dom! Estou falando sério aqui.
— Eu também.
Rocco bate nos meus ombros, como se me dissesse para deixar para lá. Ele é
um moleque ainda, não sabe tudo que está implícito nesse momento. Além
disso, ele tem uma devoção cega por Dom, jamais discutiria ou discordaria
de qualquer coisa que Dominus dissesse.
Nico está aqui também, e ele ri de alguma coisa que não presto atenção.
Levo a caneca de cerveja aos lábios, tomo um gole. Estou apreensivo, se
perdermos Filippo não conseguirei conter sozinho o avanço de Vicenzo.
Parece que ninguém mais aqui se importa.
— Você se recusa a deixar Ava porque sente pena dela? — de repente me
dou conta.
Ela era uma mulher avantajada, sem sobrenome, que não importa para
ninguém. Mas, Dom lhe deu sua palavra anos atrás, e agora parecia disposto
a arriscar tudo por isso.
— Não.
— Filippo já disse que está mais que disposto a desposá-la... — argumentei.
— Minha vida toda eu fiz tudo por essa família — ele me devolveu, senti a
irritação em sua voz. — Ao menos uma vez, me permita ser feliz por mim
mesmo.
— Nós vamos perder o Canadá se Filippo casar Chiara com um aliado de...
— Foda-se o Canadá! Estou há um dia de me casar, e você não cessa me
encher a paciência com essa merda toda!
— Respire, Dom — Nico se intrometeu. — Gianni só está preocupado. Há
anos não temos um dia de paz.
— Se perdermos o Canadá, perdemos a saída pelo mar de Labrador —
alertei.
Eles não viam isso? Se perdermos o Canadá, perdemos a Groelândia. A
Islândia e a Noruega em seguida. Vamos enfraquecer, e seremos um alvo
fácil para Vicenzo.
— Eu já estou pensando em uma outra solução — ele me diz, e seus olhos
brilham de um jeito que me incomoda.
— O mundo não é mais o mesmo... — Nico diz, saudosista. — Antigamente,
as famílias detinham todo o poder. Mas, os cartéis na América do Sul, e as
Bratvas na Europa, estão tomando conta de tudo. Somos como velhos
aristocratas que estão perdendo espaço para os novos ricos.
— É, as coisas são complicadas... — Dom concorda. — Mas, eu ainda tenho
a América. Ainda detenho boa parte da América do Sul. Estou na Europa. E
vou tentar a Oceania em breve.
— Um bom casamento facilitaria tudo — alerto.
— Que inferno! Mude o disco!
— Você a ama, Dom? Se você amar essa mulher, eu calo minha boca. Mas,
todos esses anos, tudo que disse era que a queria — lembrei. Porque ele
falava realmente que se casaria com ela, mas nunca disse uma única vez que
a amava ou era apaixonado. — Você quer esse casamento por capricho? Por
desejo? Porra! Ela é uma Amato. Durma com ela, e mate essa vontade. Não
precisa colocar um anel no dedo dela para isso.
— Vou me casar com ela, e esse assunto está encerrado.
De repente, um homem de terno preto entra no ambiente. Todos nós nos
levantamos para abraçar meu tio Afonso. Ele era padre em Boston, um
homem extremamente respeitável.
Beijei rapidamente suas mãos em sinal de respeito. Mas, seu foco estava em
Dominus. Enquanto ele não trocasse os votos, eu ainda tinha a chance de
fazê-lo mudar de ideia.
✽ ✽ ✽
Nada adiantou. Os votos foram trocados, e o dia seguinte ao casamento
amanheceu mais gelado que de costume. Tudo aqui no Alaska era frio
intenso, e eu estava com meu rotineiro mau humor quando peguei o telefone
para enviar uma mensagem a minha esposa.
Deus, eu me casei com a mulher que eu amo há dois dias e a deixei de lado
porque minha vida era um caos. Não sei quanto tempo ela suportaria isso.
Viver sem a certeza de ter um marido presente. E como justificaria todas as
ausências?
— Está feito — Filippo murmura para mim, quando me encontra na
escadaria. Escondo meu telefone.
— O que está feito?
— Vicenzo e Liam Roy.
Gelei.
— Como sabe?
— O que eu não sei, Gianni? — rebateu. — Enquanto estamos aqui
brincando de conto de fadas e finais felizes, Liam Roy se fortalece em
Ontário. — Ele coça o queixo um pouco espinhento. — Recebi uma
proposta por Chiara.
— É mesmo? De quem?
— Roy.
Fiquei chocado.
— Ele disse que podemos nos unir ao invés de guerrear. Mas, não confio
nele. Seu irmão era minha melhor opção, porque os Carbone são honrados.
Ele estava dizendo exatamente o que estava dizendo. Aceitaria Dom, mas
como Dom não veio, entregaria Chiara para outro. E assim, adeus Mar do
Labrador.
Começo a andar na direção da sala de jantar. Logo vejo o noivo sentado à
mesa. Não tenho escrúpulos ao reclamar:
— Vicenzo se uniu ontem a Liam Roy, que controla a região de Ontário.
Você tomou uma péssima decisão em não desejar se unir a família de
Filippo. Se Vicenzo ou Liam desposar Chiara, perdemos o Canadá. Só nos
restará sair de lá em silêncio para não sermos mortos.
— Eu não preciso desposar Chiara. Qualquer um de vocês pode fazer isso —
desprezou.
— É um insulto a Filippo oferecer qualquer outro que não o Capo —
destaquei.
— Ava falará com ele.
— Está brincando comigo? — fiquei embasbacado.
O que a gorda faria que pudesse convencer Filippo em casar Chiara com um
dos meus irmãos? Isso era um absurdo, nenhum de nós era digno o
suficiente. Minha cabeça estava uma desordem.
Eu peguei uma xícara de café e comecei a tomar. Estava colocando manteiga
num pão quando Ava se aproximou.
Não tinha nada contra ela. Apenas, não a achava a pessoa certa para Dom.
Ela não tinha o sobrenome necessário. Mas a cumprimentei respeitosamente.
— Então, Ava... Está gostando de ser casada? — pergunto, após ela se sentar
e Dom e ela trocarem meia dúzia de palavras.
Estou tentando estabelecer uma conversa amigável. Fui contra o casamento
o tempo todo, mas depois que tio Afonso fez os votos está feito. Acabou. O
que Deus une, ninguém separa.
— Não.
A resposta sincera quase me fez derrubar o pão. Havia uma mágoa revoltada
em seu tom. Foi quando me dei conta de que a garota não queria se casar.
Como não notei isso antes? Como não a ajudei a fugir?
— Respondendo assim, até parece que odeia ser a esposa do Capo.
— Odeio o Capo num modo geral — ela devolveu.
Deus... Deus...
Ela realmente disse isso em voz alta?
— Outras mulheres seriam punidas por dizer tal coisa — adverti.
— Não há nada que seu irmão possa fazer contra mim, que já não tenha feito
antes.
— Eu posso pensar em algumas coisas — Dom devolveu, escondendo um
riso.
Ele realmente estava achando muito fofa a reação de sua esposa, mas eu
sentia que a verdade estava escancarada ali.
— Como assim? O que Dom fez?
— Pergunte a Ben. Ele sabe — Dom cortou o assunto.
Depois disso, ele chamou sua nova esposa para um passeio. Eu ainda
permaneci parado à mesa, pasmo com a conversa surreal.
✽ ✽ ✽
Eu não tive tempo de conversar com Beniamino. Especialmente porque
Francesca me ocupou devidamente com sua ladainha enorme de como eu
devia levar Caterina para uma temporada no Canadá.
— Ela precisa sair de casa — disse. — O México é maravilhoso, mas Ben
está muito ocupado. E a Colômbia não está segura. Leve sua irmã para uns
dias no Canadá. Não precisa ser muitos dias, apenas um momento fora de
casa... Ela precisa.
Não tenho tempo para Caterina.
— Duvido que ela ficaria longe do filho.
— Luigi pode ir junto. Ah, Gianni, você é a pessoa certa para cuidar dela. É
tão forte, e não está liderando nenhum clã. Poderá ter um tempo de
qualidade com ela. Você dá pouca atenção a sua irmã.
O assunto interrompe quando os demais membros da família chegam à sala.
Estamos a véspera de ir embora, e estou ansioso para ver minha esposa. Não
posso dizer isso a nenhum deles.
— Foi um bom casamento — Nico comenta enquanto bebe uma xícara de
café. — Contudo, preciso voltar para a Colômbia — demonstra sua
ansiedade.
Dominus sorri na sua direção.
— Eu sei. Sentirei sua falta.
Duvido que Nicola estava pensando na máfia que controlava como
SottoCapo. Aposto que ele estava preocupado com os macacos que estava
criando na selva.
— Eu também preciso ir — Beniamino se intromete. — Quanto mais tempo
fico, mais os Russos tomam territórios.
— Filippo pretende retornar para o Canadá em dois dias, e eu voltarei com
ele — apontei. Por mim, embarcava agora mesmo, mas não podia
demonstrar diante deles minha ansiedade. — A festa foi muito boa, mas a
vida real nos chama.
De repente, um estouro ecoa perto da minha cabeça. Meus instintos são
atiçados na mesma hora, e meu primeiro pensamento é proteger as mulheres,
mas Nico é mais rápido, e logo está protegendo Caterina com o próprio
corpo.
Pego minha arma que nunca sai da minha cintura.
— O que está acontecendo? — a voz de Ava demonstra sua aflição.
Estamos sendo atacados.
Alguém invadiu Tana, nossa fortaleza mais impenetrável.
E logo quando todos os Carbone estavam aqui. Isso tinha um significado.
Não éramos mais temidos. Estávamos sendo desafiados.
✽ ✽ ✽
A invasão foi controlada antes mesmo de eu chegar ao pátio central. O
homem de armas de meu irmão matou o chefe dos invasores, um homem
bom e gentil que trabalhou conosco desde que eu era um moleque.
Estávamos sendo atacados de dentro. Por quê? Depois da divisão dos
Carbone entre o clã de Vicenzo e o clã de Dominus, não podíamos mais nem
respirar. Tana é um covil. É uma fortaleza muito bem guardada, e nunca foi
atacada antes, não dessa forma. Nosso poder está se enfraquecendo, dia após
dia. Eu vejo a preocupação dos olhos de Dominus.
— Tem que ser Vicenzo — Dominus reage, depois de ouvir algo de
Beniamino. — Claro que é ele! Desgraçado, vou matá-lo! Como se atreve a
me emboscar dentro de minha própria casa!
Seu grito indignado faz o bebê Luigi chorar assustado. Dominus caminha até
nossa irmã e pega o sobrinho colo, tentando acalmá-lo.
Ele ama a criança. Sempre amou. É o pai de verdade, criou Luigi como um
filho. Eu desvio meus olhos, não sou capaz de aceitar isso.
— Eu não sei... Voltar para a Colômbia depois do que aconteceu... — ouço
Nico murmurar. — Tenho medo pelas mulheres.
Isso me apavora. Se Dominus ordenar que todos nós devemos ficar, como
vou voltar para Madeline?
— Ainda sou o Capo dessa Famiglia, Caspita — Dominus recusa. — Não se
preocupe, dobrarei a vigilância.
O alívio toma conta de mim. Eu não quero ficar. Não quero mais um
segundo aqui. Não quero viver longe de minha esposa.
✽ ✽ ✽
Nico foi o primeiro a ir embora na manhã do dia seguinte. Ben partiria
também, mas Dominus nos ordenou ficar mais um pouco, porque tinha um
almoço especial, onde gostaria de dar um anúncio. Ele e Filippo estavam
sendo trocando conversa fiada pelos cantos. Ava também estava nisso, então
acreditei que chegaram a um acordo sobre Chiara. Esperava que os Romagna
e os Carbone firmassem compromisso. E devia ser isso mesmo, algo grande,
porque estava cheio de aliados à mesa quando ele falou:
— Amigos, família... Hoje é um dia especial. E por ser especial, fiz questão
de convidar a todos. Sei que faz pouco tempo que a maioria de vocês esteve
presente no meu casamento, mas aconteceu algo recentemente... — Então,
surpreendentemente, Dominus me encarou. — Romagna e eu conversamos
longamente sobre a união de nossas famílias. Todos sabem que Chiara está
na idade de se casar. E ela deve se casar com alguém digno, que possa cuidar
dela e ajudar Filippo na manutenção e expansão do território.
É isso. Ele vai casar Chiara com um de meus irmãos. Ben, claro. Nico já foi
embora, Rocco é um garoto de dezenove anos.
— Qual dos seus irmãos, Dom? — Elijah, um dos chefes no Vale do Silício
pergunta.
Eu giro o rosto para Ben. Estou prestes a felicitá-lo, pois Chiara é uma boa
garota. Mas, então me dou conta de que todos os olhares estão em mim.
TODOS.
Fran, que está sentada ao meu lado, segura meus dedos como se quisesse me
dar forças, e Caterina parece tão assombrada e revoltada que acho que ela
vai atirar um prato na cabeça de Dominus.
As mulheres da casa sabem que, de todos os homens aqui, eu sou o único
que não devia ser considerado.
Levanto meu olhar e vejo Ava. Ela sabe que eu sei. Foi ela que armou isso.
Mas, não a culpo, ela tentou apenas achar uma solução, e talvez considerou
que por Filippo e eu sermos próximos, era a melhor saída.
— Seremos uma família, Gianni — Filippo dá dois tapinhas nos meus
ombros. Ele está verdadeiramente feliz.
Meu olhar fixa em Dominus. Ele não sabe, mas não vou me casar com
Chiara. Nunca. Especialmente porque já sou casado.
— É uma honra — murmuro, depois de quase um minuto de silêncio. —
Meu irmão, posso falar com você? — me coloco me pé, e já me retiro,
esperando que Dominus me siga.
✽ ✽ ✽
Fale a verdade a ele!, ordeno a mim mesmo.
— Eu nem a conheço! Chiara e eu nunca trocamos meia dúzia de palavras.
— E eu a vi duas vezes na vida, e você queria que eu me casasse com ela.
— Você é o capo!
— E você é o irmão do capo! Qual é o problema, Gianni? Te arrumei uma
esposa bonita, de uma família poderosa.
Fale a verdade a ele!
— Eu gosto de outra mulher.
Era isso. Minha sinceridade absurda. Minha alma revelada. Nunca fiz isso a
ninguém, a nenhum dos meus irmãos. Eu os amava, especialmente Dominus.
Ele me criou quando mamãe morreu. Eu era leal a ele, eu morreria por ele,
mas nunca falei tão sinceramente com ele.
Não podia me casar com Chiara porque gosto de outra mulher. Esperei que
ele compreendesse, mas ele soltou:
— Eu também gosto de outra mulher. Você não teve problemas quanto a
isso, quando o assunto era comigo.
— Está certo! É uma vingança?
— Claro que não, Gianni. É um acordo, um bom acordo. Filippo aceitá-lo
nos salvou de muitos problemas. Além disso, Ben está no México, Nico na
América do Sul. E Rocco é muito menino. Você precisa fazer o melhor para
a família.
O melhor para a família. Era o que papai dizia. E eu faço isso sem
pestanejar a tantos anos.
— Por que não me avisou antes?
— Irmão, você teria fugido na calada da noite. Não sou idiota, Gianni...
O homem de armas de Dom aparece e eu me calo. Não há uma escolha,
Dominus já tomou sua decisão.
Eu balanço os dedos sobre o telefone no meu bolso. A mensagem trocada
com Madeline de manhã me entorpece. Eu nunca amei ninguém, e agora eu
tinha alguém para mim. E tudo isso seria colocado de lado porque não tenho
escolha.
Eu me afasto. Deixo-os com seus próprios problemas, enquanto caminho na
sala vazia. Me aproximo da janela, olho para a neve que cai.
Pego o telefone. Devo mandar uma mensagem para Madeline, dizer que o
casamento foi um erro... Implorar perdão, dizer que ajudaria como pudesse,
mas teríamos que anular. Não consumamos, então não seria difícil.
De repente, sinto alguém atrás de mim. Viro e vejo Ava.
— Fui eu que sugeri a Filippo que casasse um dos irmãos de Dominus com
sua irmã, Chiara — ela confessou. — Sinto muito. Nunca devia ter me
envolvido nisso. Dizem que o sonho do oprimido é ser opressor. Acho que é
verdade, porque nem pestanejei em fazer com você exatamente o que
fizeram comigo.
Incrivelmente, eu não a odiei nesse momento. Ela é sincera, franca, direta.
Uma parte de mim entende por que Dominus insistiu tanto por ela.
— Está tudo bem, cunhada... O que está feito, está feito.
— É isso? Não vai brigar pela sua liberdade?
— E você acha que eu tenho alguma chance? Dominus decidiu, está
acabado. Recusar Chiara seria colocar toda a Lupi Sanguinari em uma
guerra. Filippo parece um cara tranquilo, mas ele é um assassino cruel, um
capo que controla o Canadá com mãos de ferro. Um embate seria
catastrófico, e custaria a vida de muita gente.
Ela ergueu a mão, e apertou meu braço, tentando me confortar.
✽ ✽ ✽
Eu voltei para casa no dia seguinte. Não mandei a mensagem terminando
tudo com Madeline porque não era capaz de fazer isso com ela. Não por
mensagem. Não tão impessoal. Decidi que seria franco e diria tudo
pessoalmente.
Talvez até contasse a verdade. Mostrasse as tatuagens de máfia que escondia
dentro da camisa. Explicaria que, por um breve momento, sonhei com a
liberdade de amá-la e cometi uma loucura.
Mas, todas as minhas resoluções terminaram quando entrei no pequeno
apartamento e dei de cara com a cena mais incrível que já vi na vida.
Madeline estava fazendo o jantar, com Noah desenhando à mesa. Naquela
pequena cozinha, enquanto eles não me percebiam ainda, eu pude vislumbrar
um sonho que sempre ousei desejar.
Uma família. Uma esposa. Um filho. Paz. Eu nunca tive isso antes.
De repente, ela girou para mim e seu rosto se iluminou em um sorriso. Já
fazia dias que eu parti. Não pensei que ela sentiria minha falta porque
ninguém jamais sentiu. Madeline veio na minha direção, perto demais,
definitivamente perto demais, e agora meus pensamentos centralizaram no
beijo que trocamos e em como eu poderia desistir de tudo apenas por esses
lábios.
Eu evitei pensar no beijo enquanto estava no Alaska para não cair na
tentação de voltar correndo para ela. Mas, agora, com ela tão perto, tudo que
eu pensava era em beijá-la de novo. Mais uma vez. Talvez a última.
— Sentimos a sua falta — ela disse.
E esperou. Ela tomou a iniciativa da outra vez. Agora, aguardava que eu o
fizesse.
Eu me vi cerrando os punhos. Madeline era como a areia movediça. Eu me
afundei nela, e quanto mais me movia para me afastar, mais dentro estava.
Sem retorno.
Então eu a beijei.
CAPÍTULO 10
oi um beijo forte, carregado de saudade. Não foi longo, porque Noah estava
perto de nós, e Gianni era muito respeitoso, mas quando ele segurou meu
rosto, e afundou seus lábios nos meus, eu senti uma onda de carinho e
saudade.
Queria ficar assim para sempre. Apenas sentindo meu coração bater forte e
um calor gostoso subindo pelo meu corpo. Não sei que sentimentos são
esses, mas são intensos, tão fortes que me fazem sentir vontade de esquecer
tudo.
Esquecer que vi Jean na cidade...
Esquecer que ele está perto, à espreita, e pode acabar com meu casamento
que mal começou.
Essa foi a única exigência de Gianni. Ele não dividia atenção. Ele assumiu
totalmente os cuidados de Noah, e eu sei que seria um pai maravilhoso, mas
estaria fora no momento que outro homem se colocasse nessa posição.
Estava com medo de perdê-lo. Nunca tive ninguém em minha vida antes, e a
presença dele me trazia um conforto tão intenso que não podia simplesmente
ignorar.
— Eu trouxe um presente para ele. — Gianni desviou de mim quando me
soltou, e foi até a mesa. Sentou-se ao lado de Noah. — Tome — tirou do
bolso um pequeno cavalo talhado em madeira, que fez os olhos do meu filho
brilharem.
Noah pegou-o e começou a estudá-lo. Eu vi o interesse pelos detalhes, e
sorri.
— Aproveitei que estava perto do Alaska, e fui ver minha família. Saí na
cidade, um dia, para receber um tio que também estava indo para lá, e passei
em uma loja com artesanato dos nativos americanos — explicou, para mim,
porque Noah não entenderia a narrativa tão longa. — Então, Noah... você já
conheceu sua nova escola?
— Sim, é muito legal.
— Já fez amigos?
— Eu fiz — ele ergueu seus pequenos dedos. — O James, o Ethan, o
Nathan...
Ele era muito sociável. Vi o sorriso orgulhoso de Gianni e me empolguei por
isso.
— Nunca tive amigos — Gianni me disse, talvez para se explicar. — Só
andava com meus irmãos...
— Eu também não. Só você — apontei.
A expressão de Gianni ficou sombria por um instante.
— Meu chefe — ele murmurou. — Eu o considero meu amigo, mas... —
suspirou.
— Mas? — repeti, sorrindo. — Ele é um babaca?
— Não. É um cara legal. Eu só não sei se um dia você vai conhecê-lo. Não
quero vê-lo tentando pousar suas asas sobre você.
— Ele faria isso?
— Ele deu em cima da minha cunhada na frente do meu irmão.
Não pude deixar de rir.
— Então ele é um babaca!
Ele respirou fundo.
— Vou tomar um banho. Tenho folga hoje, podíamos fazer um passeio.
Estou devendo alguma coisa por esse afastamento.
Uma parte de mim quis recusar, ficar trancada dentro do apartamento era
mais seguro. Mas, outra, disse que eu não podia privar meu filho de uma
vida porque o maldito Jean estava na cidade. Talvez ele nem ficasse. Talvez
nem lembrasse de mim. Ou talvez apenas fingisse que não me conheceria.
Por que ele teria interesse em aparecer na minha vida agora?
✽ ✽ ✽
O parque Du Domaine é um lugar lindo, com uma extensa área de mata
nativa, um lago onde as pessoas podem fazer piqueniques, e ainda uma praça
cheia de brinquedos infantis que um menino da idade de Noah pode
aproveitar muito.
Eu pus uma toalha de mesa no gramado, e organizei ali os sanduíches e os
copos onde serviria o café. Ao longe, podia ver Noah sendo empurrado pelo
padrinho em um balanço. O clima estava ameno, não frio como nos dias
anteriores, e o sol era um brinde a vida.
— Mamãe, os patinhos! — Noah exclamou, apontando o dedo para o lago.
Eu sorri para ele, batendo as mãos, mostrando empolgação, e ele riu
exatamente como uma criança feliz faria.
Era por isso que me casei. Dar uma vida tranquila a Noah. Sei que haverá
momentos difíceis, mas Gianni é meu melhor amigo, e conseguiremos passar
por tudo juntos.
Eles voltaram meia hora depois. Noah estava exausto, ele não era
acostumado a tanta atividade física. Já Gianni parecia simplesmente
esplendoroso, com sua camisa de gola alta, e um casaco de lã por cima.
— Sabe o que tenho vontade de fazer? — ele me perguntou, apontando para
uma das trilhas. — Comprar uma bicicleta e explorar.
— Você pode fazer isso — disse.
— Nunca fui muito livre — admitiu. — Nunca tive tempo...
Eu imaginava que mexer com números e impostos devia ser maçante. E um
trabalho que exige muito.
— A empresa que você trabalha é muito grande?
— Sim...
— E são muitos funcionários?
— Muitos.
Era respostas relapsas, como se não quisesse falar do assunto.
— Por que não abre sua própria empresa? Um escritório pequeno aqui
mesmo, em Saint-Janvier?
Ele me encarou. Ele tinha um jeito de me olhar como se eu tivesse dito algo
estúpido. Talvez ele realmente acreditasse que eu não fazia ideia do que
sugeri.
— Nunca tive essa ambição — explicou. — Sou apenas um peão. Sei fazer o
que mandam, mas não sei liderar. Meus outros irmãos, sim, eles sabem.
Dom, o mais velho, é o chefe absoluto. Beniamino, o próximo, controla uma
grande empresa no México. Nicola, que é mais novo que eu, na Colômbia.
— Você disse que tinha mais irmãos. E os outros?
— Caterina, é a única mulher. Ela é simplesmente... ela. Quieta, reservada. É
mãe solteira — me contou, não sei se ele insinuou algo ou foi coisa da minha
cabeça. Afinal de contas, ele se casou comigo, mesmo eu sendo a mesma
coisa. — Ela mora na casa do mais velho. É isso.
— Você tem um jeito estranho de falar dela.
— Ela já me decepcionou muito — explicou.
Eu queria perguntar por que, mas não consegui.
— Você a ama?
— Evidente. Se não amasse, não teria me decepcionado.
— Então não perca tempo com mágoas bobas — aconselhei. — Porque a
vida passa tão rápido. Eu olho para Noah agora, brincando, e parece que foi
ontem que dei à luz a ele, perdida, sozinha naquele hospital. — ele me
encarou estranho, então emendei. — Sim, você estava lá, mas sozinha
porquê... as outras grávidas tinham família, e tudo mais, e na época nós dois
mal nos conhecíamos... Enfim.. O que eu quero dizer é que a vida passa,
tudo passa, mas a família fica.
Ele escutou tudo, mas não respondeu. Parecia algo difícil para ele, como se a
irmã fosse um remédio amargo que ele não podia engolir.
— E seu outro irmão? — tentei aliviar o assunto.
— Rocco. Vai fazer vinte daqui uns três meses. Inteligente pra caramba —
senti o orgulho na voz e me surpreendi. — Ele é incrível, você tinha que
conhecê-lo. Sabe, nós quatro, Dom, Ben, Nico e eu... Nós somos secos,
porque nós tivemos uma vida difícil com nosso pai, e nossa mãe morreu
quando éramos muito crianças. Mas, Rocco teve mãe. Então ele é mais...
leve. Sem o peso que carregamos, entende?
Eu olhei para Noah agora, comendo um sanduíche com os olhos cansados e
quase fechando. Sim, eu entendia. Eu também não tive mãe, porque não
podia chamar assim a genitora que me vendeu e me expôs tantas vezes. Não
conseguia contar isso a Gianni, então apenas assenti.
— Noah está quase dormindo — ele observou, a mão se erguendo e
mexendo no cabelo de meu filho. — Ele já está tão crescido que, às vezes,
esqueço que ainda é um bebê.
— Foi um dia muito agradável, mas devemos ir. Você também deve estar
cansado da viagem...
Ele não negou nem concordou. Ficou em pé, suas mãos estendidas para me
ajudar a me levantar. Começamos a recolher as coisas. Eu estava ansiosa
para voltar para casa, colocar Noah para dormir, e ver no que iria dar esse
relacionamento. Não sei se Gianni também pensou isso, ou simplesmente
estava cansado demais para tentar.
Estávamos casados há quase uma semana e ainda não dormimos juntos.
Seria hoje?
CAPÍTULO 11
la foi dar banho no menino, e depois colocá-lo para dormir. Eu estava
cansado da viagem, mas havia mais que cansaço no meu semblante
preocupado.
Devia ter terminado esse casamento, mas não o fiz. Ao contrário, passei a
tarde toda tentando imaginar como me livraria de Chiara Romagna sem
causar um estresse terrível dentro das famiglias. Sei que não sou dono de
mim, mas ao menos uma vez eu gostaria de poder fazer o que eu quero.
Vou até a cozinha. Gostaria de beber uma cerveja apesar de nunca beber
álcool. Minha cabeça está uma tempestade, e não sei como agir a partir de
agora. Madeline espera que eu consuma o casamento, ela me beijou
ansiosamente no primeiro dia, e recebeu meu beijo com entusiasmo quando
voltei. Se eu fizer isso, não poderei voltar atrás.
Mas, na mesma medida, como resistir a tanta vontade?
O telefone em meu bolso vibrou. Ele vibrava todos os dias. Era comum, e eu
sabia que Filippo não me deixaria sem trabalho no meu retorno, apenas
porque eu precisava descansar.
Tentei ignorar, mas o aparelho começou a vibrar sem parar.
— O quê? — atendi, irritado, fechando a porta da geladeira.
Não tem cerveja em casa. Só suco de laranja, e é o que eu tenho nas mãos,
enquanto procuro um copo.
— Por que parece enfurecido? — ele devolveu. — Estou na sua casa. Onde
você está?
O apartamento de luxo em Montreal não era mais minha casa.
— O que você quer? — rebati.
— Precisamos conversar. Soube por bocas menores que Vicenzo Carbone
está na cidade.
Meu primo... O homem que mais odeio na vida. O homem que desgraçou
minha irmã. Eu seguro o telefone com toda força, o apertando quase ao
ponto de quebrar. Uma parte de mim tenta se lembrar que o aparelho não é o
pescoço de Vicenzo, e que esse direito é de Dominus.
— É certo que ele tentará tomar nosso território aqui. Liam Roy andou se
gabando de que vai retomar Quebec até o final do ano.
— Deixe que fale. Vou matá-lo.
— Preciso de você em Montreal. Preciso que venha morar na minha casa,
para que possa me orientar, ser meu braço direito.
O quê? Eu não sairia daqui e moraria em Montreal não importava o quê.
— Eu não posso. Estou fazendo... coisas... para a Lupi Sanguinari —
inventei. — Coisas secretas de família. Além disso, sou um péssimo
conselheiro. Sou burro, não esperto. Você sabe disso. Te daria péssimos
conselhos.
— Mas, confio em você — Filippo suspirou. — Está certo. Não quero
também me intrometer nos seus assuntos e de Dominus. Você não pertence a
Romagna, apesar de que seu enlace com minha irmã facilitará muitas coisas.
Permaneci quieto.
— Gianni — ele chamou meu nome, quase em um suspiro. — O que acha se
eu me casar com Caterina?
Essa pergunta foi tão simplesmente absurdamente ridícula que eu mal
consegui processá-la.
— Ela é muito bonita. Eu nem me lembrava mais — ele suspirou. — Falta
carne... Claro... não é como Ava... Ava sim, vira a cabeça de qualquer
homem, mas... Ela tem um certo charme.
— Aonde diabos quer chegar? — Deus, eu mataria Filippo Romagna se ele
estivesse na minha frente.
— Um acordo mais firme ainda entre a Lupi Sanguinari e os Romagna. Você
se casará com Chiara, e eu com Caterina. Acha que Dominus aceitaria tal
coisa?
Dominus nem pensou nessa possibilidade, porque Caterina era uma mulher
usada, não uma virgem digna de um Capo.
— E o que faria com Luigi?
— Enviaria o menino para ter educação na Europa. Claro que não me
livraria da criança, apenas a afastaria.
Eu me enchi de fúria com a sugestão. Era sorte de Filippo sugerir tal coisa
por telefone, porque provavelmente eu quebraria seu pescoço se me dissesse
pessoalmente. Mesmo eu mal conseguindo olhar Luigi, ele ainda era meu
sobrinho, e não era uma coisa descartável para ser mandada embora.
— Acho que você está maluco — resmungo.
Um barulho no corredor me alerta que Made está voltando. Eu me apresso
em encerrar a conversa.
— Estarei aí amanhã. Vou dormir agora, me deixe em paz.
E desliguei.
Momentos depois, Madeline aparece diante de mim. Ela está com os cabelos
soltos, caídos sobre os ombros femininos. Sua maneira de me olhar parece
inquirir algo, e logo percebo que ainda estou com o telefone na mão.
— Meu chefe — disse.
— Você mal chegou de viagem — ela disse, percebi que estava zangada pelo
tom de voz.
— Sim... Ele... Não importa. Amanhã vou trabalhar e resolvo meu problema
com ele.
Ela sorriu.
— Você quer algo especial para jantar? — indagou.
— Noah dormiu?
— Sim.
— Eu vou tomar um banho, então... Daí podemos jantar.
Eu fiz menção de me mexer, mas Made me observava de um jeito que não
consegui dar um único passo. Ela parecia querer perguntar alguma coisa,
mas não tinha coragem.
— Sim? O que houve? — a ajudei.
— Na...da — balbuciou, saindo do espaço da porta e me deixando passar.
Eu sabia o que era. Como um homem jovem e com direitos, ainda não havia
a tomado como mulher. Se ela soubesse... Estou em uma rede tão grande de
mentiras, mentindo para exatamente todo mundo que eu conheço. Ela, em
especial. Ela realmente acredita que sou um simples contador, com um
emprego maçante, sendo cobrado o tempo todo por um chefe maluco.
Do outro lado, não uma, mas duas máfias inteiras, acham que estou
simplesmente tentando me afastar do luxo e do poder por um tipo de
cansaço, então me escondi nessa pequena cidade em um apartamento
simples, longe de toda ostentação.
Isso era perturbador pra caralho. Mas a pior parte é que de todo mundo que
eu mentia, a única pessoa que realmente me matava fazer isso era Madeline.
Ela não merecia isso.
Entro no quarto. Começo a puxar a gola da camisa enquanto me aproximo
do banheiro. De repente, me dou conta de que ela está atrás de mim.
Travo do mesmo momento.
— Você tem tatuagens no pescoço — ela aponta.
Nunca tinha visto. Vivemos num dos países mais frios do mundo, e estou o
tempo todo com o pescoço escondido. Ou uma manta, ou a gola da camisa.
— Foi coisa de adolescente idiota — contei. — Nunca devia ter estragado
meu corpo com isso.
Ela deu dois passos na minha direção. Meu corpo inteiro gelou e incendiou
ao mesmo tempo. O cheiro dela, a maneira como emanava uma energia
feminina... isso me deixava louco.
— É um lobo? — perguntou, sua mão subindo ao meu pescoço, curiosa.
Deus... Nunca fui um homem sexual. Francamente, eu tive o quê? Duas, três,
relações na vida toda? Meu pai me forçou a dormir com uma prostituta
quando eu tinha quinze anos. Eu não queria. Meu pai temia que eu fosse gay.
Não era. Homens nunca me atraíram. Depois disso, saí uma garota certa vez.
Algo rápido. Tive outro encontro anos depois. Também coisa de uma noite.
Então, conheci Madeline. E nunca mais saí com outra mulher.
Porque eu era esquisito. Eu só conseguia sentir atração sexual por uma
mulher se estivesse apaixonado. E, desde então, eu só sinto atração por ela.
Mas, agora, estava completamente desesperado pelo toque dela, sentindo as
batidas descompassadas no meu peito alertando que o controle estava se
esvaindo.
— Sim... — resmunguei.
O dedo dela correu meu pomo de Adão. Eu o senti subir e descer, enquanto
todo meu corpo estava cada vez mais nervoso. Era só estender a mão e tocá-
la, e nunca mais haveria volta.
— Eu não devia ter me casado com você — as palavras simplesmente
escaparam de mim.
Ela recuou no mesmo instante, os olhos arregalados.
— Tem muitas coisas sobre mim que não sabe — justifiquei. — Sobre meu
trabalho, eu basicamente não paro em casa e...
— Você está arrependido? Quer terminar? — ela indagou, lágrimas brotando
nos seus olhos.
Era isso. Diga a ela, Gianni. Diga a ela que não está certo do que fez. Que
você precisa simplesmente afastá-la. Diga que ela pode ficar no
apartamento, que você enviará dinheiro, que honrará o compromisso, mas
que não pode ficar porque... invente alguma coisa... Diga!
— Não. Toda a minha vida, a única vez que realmente quis fazer algo, foi
me casar com você.
Madeline sorriu para mim. Eu estou perdido, porque não importa o que vai
acontecer, tenho apenas certeza que não vou desistir dela.
CAPÍTULO 12
or um momento, pensei que ele fosse desistir. De tudo, do casamento, de
nós, e entrei em pânico. Não apenas pelo teto em minha cabeça, ou pela
proteção que ele me dá. É desespero para não o perder. Uma parte de mim
flerta com a ideia de que tudo isso é apenas conveniente para mim, mas
outra lembra que Gianni foi a única coisa constante em minha vida nesses
últimos anos.
Dia após dia, só ele se preocupava em sempre me ver. Só ele me ajudou
quando dei à luz. Só ele se mostrava preocupado quando o inverno ficava
mais intenso e eu não tinha roupas o suficiente para Noah. Ou dinheiro para
pagar a conta de energia. Só ele deixava gorjetas maiores para mim. Só ele
conversava comigo como se eu fosse um ser humano maior do que apenas
um serviçal.
Eu não posso perdê-lo. Não posso. Não agora que eu sei que ele também se
importa. Porque quando ele diz que realmente quis se casar comigo, então...
isso é uma confissão de sentimentos, não é?
Não digo amor. Não sou tola. Esses sentimentos são pra gente que nasceu e
cresceu cercado de afeto. Pessoas como eu são apenas andantes dessa vida, e
tem sorte se simplesmente alguém cruzar pelo caminho e demonstrar alguma
coisa.
Gianni está demonstrando alguma coisa.
Seus braços me envolvem, um abraço tão bom que tudo que eu quero é estar
mais e mais perto dele. Eu me sinto fogo em segundos, de repente me dando
conta de que sou também humana, de que também posso sentir, como
sentem os personagens das séries que eu assistia antes de dormir.
Uma pessoa que também pode gostar de alguém.
Não apenas ser usada. Mas, compartilhar.
Ele toma meus lábios. Sua boca sedenta chupa e lambe minha boca. Eu fico
perdida nas sensações que provoca. Repentinamente, os botões da minha
camisa começam a serem abertos. Botão após botão, ele vai revelando o que
há por baixo. Meus seios estão cobertos por um sutiã fino e branco, as
aréolas escuras estão duras e visíveis aos seus olhos.
Gianni olha por um momento, como se quisesse apenas observar da visão.
Seus dedos deslizam pelo bico e eu me assusto com a sensação que provoca.
Um gemido exala dos meus lábios, um pedido desesperado de que ele faça
algo mais que apenas isso.
Então, sua boca caí no meu peito. Só meu filho havia tocado meus seios
antes, e nunca pensei que um homem poderia despertar tal sensação.
— Gianni...
— Posso tirar seu sutiã? — ele indaga, como se ignorasse que o tecido
molhou com sua saliva.
— Sim — murmuro. — Por favor.
Ele me beija na boca outra vez, enquanto seus polegares esfregam as pontas
apertadas. Só depois de me arrancar outro gemido, é que leva as mãos atrás
da peça, e abre o fecho.
Depois disso, ele desliza as mãos pelas minhas costas, tocando, descendo,
até chegar na minha bunda. Eu preciso me segurar nele para não cair. Já
recebi toques ali, mas sempre horríveis, de gente que eu não queria que
tocasse, como aquele rapaz, certa vez, no bar. Mas, com Gianni era diferente.
Eu desejava. E fui eu mesma que comecei a abrir os botões da minha calça,
ansiando que seu toque se estendesse para minha pele.
Pude ver um leve sorriso em seus lábios quando fiquei desnuda, apenas de
calcinha. Ele me girou no quarto, me levando até a cama, me forçando a
sentar lá.
Só então ele começou a ficar desnudo diante de mim.
Eu sabia que ele tinha uma tatuagem no pescoço, mas não imaginava que
seguisse e descesse por todo seu tórax, até seu baixo ventre. Basicamente
não havia um centímetro de pele sem desenhos, o que lhe deu um ar tão
selvagem que me fez perder o fôlego.
— O que é LS? — eu perguntei, deslizando a mão sobre a sigla ao lado da
cabeça de um lobo faminto e raivoso.
Ele pareceu travar por um momento.
— É uma ex-namorada — contou. — Perdeu a importância a anos —
reiterou, deixando claro que não era algo que eu devia me preocupar.
Ergui minha mão e toquei a sigla. Meu coração aqueceu com algo que eu
não entendia, um tipo de dor e mágoa por ele ter feito isso, mas entendia que
todo mundo tem um passado e não era meu direito me envolver nele.
— Você é tão linda, Madeline — ele cortou meus pensamentos. — Tão
linda... desde o primeiro momento que eu a vi naquele bar, seu sorriso gentil
e doce, sua suavidade feminina...
Ele se ajoelhou diante de mim. Suas mãos se ergueram e seguraram meus
seios pesados. Ele pareceu experimentar o peso, e sorriu.
— Eu sonho com você desde aquele momento...
— Por que não disse nada durante todos esses anos?
— Não sei... — murmurou. — Acho que me acostumei a viver nas sombras.
Meu coração batia tão forte. Viver nas sombras, eu passei uma vida inteira
me esgueirando para não ser vista, mas ele me enxergou. Talvez por ser igual
a mim. Um homem que se marca tanto deve ter suas cicatrizes. Eu devia
confessar as minhas a ele?
Não tenho coragem. Não quero que seu olhar mude. Não quero que ele tenha
nojo de mim, como muitas vezes eu mesma já senti.
Ele volta a ficar em pé, puxando a calça. Ele é tão bonito, nu. Nem
imaginava que fosse tão perfeitamente musculoso, tão malhado, com
músculos tão salientes. E tem uma tora enorme entre as pernas, dura,
orgulhosa, que não tem receio de demonstrar como me deseja.
— Eu não quero forçar nada... — ele diz. — Você pode... ter o tempo que
quiser.
Por que ele podia considerar que eu não o quisesse?
— Eu te quero tanto — confesso a ele. — Você é a melhor coisa que já me
aconteceu, Gianni.
Meu marido avança. Seus lábios gemendo contra os meus, enquanto me
beija de novo, fodendo minha boca com a língua, enquanto seus dedos
avançam pelo meu corpo, deslizando sobre minha calcinha sentindo a
umidade, tentando entender se eu digo a verdade.
Quando ele me encontra molhada, um sorriso desavergonhado, como nunca
vi antes, explode em seus lábios.
— Nem nos meus melhores sonhos, Made...
Ele abre mais as minhas pernas, se encaixando entre elas, a boca beijando na
mesma intensidade que seus dedos trabalham entre meus lábios inchados e
pulsantes.
— Você está tão quente — murmura, quando um dos seus dedos avança, me
fazendo gritar rouca. Meu coração para por uma batida, apenas para voltar
ao movimento quando ele começa a subir em mim, esfregando sua ereção
através do algodão fino da calcinha.
— Por favor, eu estou pronta. — imploro, eu mesma baixando minha
calcinha até abaixo dos meus quadris, liberando a visão específica de minha
boceta pulsante.
O pau dele dá um soco no ar enquanto ele observa meu estado febril.
— Estou pronta desde a primeira noite. Estou morrendo de vontade de sentir
você dentro de mim.
Ele traz as mãos trêmulas para minhas coxas. Ele é tão gentil no gesto,
pegando firme mas de uma forma tão sensível minhas pernas, subindo,
encaixando-se exatamente no ponto que precisamos.
— Eu queria lamber você inteira, até vê-la gozando na minha boca, mas eu
preciso estar dentro de você agora, ou eu vou gozar antes mesmo de entrar.
Sua confissão é tão quente, sussurrada, faz minha boceta latejar.
Ele me atravessa, reivindicando minha boca enquanto avança, firme contra
mim.
Eu já fui fodida muitas vezes, mas nada foi como isso, agora. Porque das
outras vezes eu não queria, eu tinha nojo, eu lutava contra. Mas, agora, eu o
estava recebendo em minha boceta lisa.
E isso é tudo que existe. O calor entre nós, e meus músculos o apertando
firme enquanto ele avança inteiro, até o talo.
Nosso olhar se encontra. Vejo seus lábios entreabertos, como se quisessem
respirar e não conseguissem oxigênio suficiente. Isso é tão quente, tão
deliciosamente quente...
Gianni sai um momento, e depois empurra pra frente de novo. Ele afunda
seu pau, e a sensação me faz atirar a cabeça para trás, enquanto me inclino
inteira para ele.
Caralho... é tão bom...
É tão selvagem e sensual quando ele balança contra mim, tomando cada
centímetro com seu pau, me transportando para um nível anteriormente
desconhecido do céu carnal.
O sexo sempre foi horrível, mas agora...
Isso é mágico.
Sinto uma forte contração, a primeira que já experimentei. Estou latejando, e
começo a implorar para ele, de novo. Não sei o que estou implorando, mas
repito seu nome um milhão de vezes, até que sei que sou um caso perdido.
Gianni bombeia com mais força, mais rápido, tão profundamente que,
quando finalmente, gemendo, suas bolas parecem explodir, minha libertação
vem sem controle.
O prazer é tão intenso que minha visão se confunde. De repente, eu sou
incapaz de ver, de me concentrar em qualquer coisa, focada na felicidade
que se espalha em cada centímetro do meu corpo, expirando meu líquido
sem parar, recebendo o dele em mim, pulsando através de todas as minhas
células.
Nem imaginava que isso podia existir.
Gianni esguicha algumas vezes em mim, de repente, seu gozo segue o meu.
Ele encosta a testa na minha, enquanto seu corpo vibra, se entregando, e
então desaba sobre meu corpo, como se enfim conseguisse voltar a respirar.
— Não importa o que aconteça, Made... Eu nunca vou desistir de você —
jura.
Sorrindo, tudo que posso fazê-lo é segurá-lo nos braços, jurando a mim
mesma que sempre estaria ao seu lado.
CAPÍTULO 13
u caminho pelo enorme e brilhoso corredor, até me aproximar à mesa onde
Filippo está tomando seu café da manhã. Ele abre um enorme sorriso ao me
ver, e depois estende a mão em direção a uma cadeira, apontando-a,
enquanto gira o rosto para Chiara, que, em silêncio, apenas me observa
sentar.
— Cumprimente seu noivo, minha irmã — ele ordena.
— Sim, senhor — ela responde de praxe. Sempre foi assim, fazendo o que
mandam sem nem pestanejar. — Como vai, Sr. Carbone?
A conheço a anos, mas mal troquei poucas palavras com ela. Chiara é como
um fantasma. Também sou um fantasma, mas ela é quase daqueles mal-
assombrados, que simplesmente vaga pela mansão, com seu semblante triste
e derrotado.
— Eu vou bem, senhorita — respondo.
A infeliz nem tenta esboçar um sorriso. Quando Dom se casou com Ava e eu
perdi a chance de ajudar a – agora – minha cunhada de fugir, entendi que
devia prestar mais atenção as nuances. Chiara não queria se casar comigo,
isso era claro, mas ela faria qualquer coisa que o irmão mandasse.
Então, tudo que eu precisava era fazer Filippo mudar de ideia.
— Temos um problema — o homem me entregou um envelope. — Um
informante de Roy.
Abri o envelope. Um nome e sobrenome estava escrito em cima de um
endereço. Ethan Gagnon.
— Como sabe?
— O que eu não sei? — ele deu de ombros. — Precisa se livrar dele.
— Qual meu prazo?
— Ontem — ele sorriu. — Mas, você anda muito relapso e não atende
minhas ligações.
— Eu precisava descansar — justifiquei.
E também queria um tempo com minha esposa. Sim, porque Madeline era
agora minha mulher. Em todos os sentidos. Nós fizemos amor, e depois de
um breve cochilo, fizemos de novo. Eu estava tão louco por ela que
simplesmente desliguei o celular. Quando Noah acordou, perto das nove
horas da noite, querendo jantar, decidi que não ligaria novamente o aparelho,
dando um pouco de atenção a meu afilhado. Assistimos a um desenho da
Disney na televisão, até ele apagar no meu colo. Então, eu o pus para dormir,
e voltei para os braços de Madeline.
Era a vida perfeita que eu sempre quis ter.
— Quero o homem morto até o final da tarde — Filippo mandou, e ele
falava disso com uma tranquilidade que gelou minha alma. — Não admito
traidores dentro do meu território.
— E tem certeza de que é um traidor?
— É claro. Sr. Carter...sabe de quem estou falando, não é?
— Sim, o seu fornecedor de bebidas.
— Pois então... Carter viu esse desgraçado trocando figurinhas com um dos
homens de Liam Roy em um bar perto da Mont Royal. Andei mexendo os
pauzinhos, e descobri que Ethan frequentava muito aquele bar. Lembra-se de
que há três anos você precisou fazer uma limpa em Jérôme? Pois então...
Roy entrou naquela província porque sabia que eu não tinha olhos lá. Quem
informou ele? Esse infeliz! Ethan estava, na época, entregando drogas em
Prevost, e cruzou por Jérôme. Percebeu o limbo, e avisou meus inimigos.
Filippo não era ansioso ou inconsequente. Ele devia ter uma série de provas
do que falava. Mas, não perguntei. Não era meu papel perguntar nada. Meu
papel era cumprir o que ele ordenou.
— Bom, eu vou indo, então...
Me levanto, e me preparo para sair. Me despeço rapidamente de Chiara, e
começo a rumar em direção a saída, quando noto Romagna a curtos passos
de mim.
— Achei que seria mais empolgado com minha irmã, mas nem a olhou... —
murmurou, às minhas costas. — Quero que saiba que Chiara deve ser feliz.
Exijo isso. Dê filhos a ela, uma vida confortável. Eu te escolhi para isso.
Volvi-me para Filippo. O que eu diria a ele que não parecesse que estou
desprezando Chiara?
— Eu a vejo como uma irmã — menti. Mentir era uma prática que eu fazia
muito bem. — É quase como se estivesse olhando Caterina. Me sinto
incestuoso.
Ele pareceu surpreso pelas minhas palavras, e um pouco lisonjeado.
— Claro... somos como irmãos... Eu o amo como amo a um irmão — disse,
se aproximando e batendo nos meus ombros. — Como não notei isso antes?
Você com certeza se sentiria desconfortável... Mas, ainda é a melhor coisa,
porque se casarem-se, seremos realmente irmãos.
Deus, era isso. Era apelar pelo sentimentalismo de Romagna.
— Eu penso... talvez seja melhor ela ficar com outro Carbone. Eu nem sou o
Capo, nem o SottoCapo. Sou apenas um assassino. Chiara merece ser uma
senhora de máfia. Merece sentar-se em um trono. Ser reconhecida e
respeitada.
Ele lutou contra essas palavras.
— Mas, ela teria que ir embora... Seus irmãos moram longe.
— Vínculos de sangue não são quebrados pela distância, Filippo. Você não
vai perder sua irmã. Sei que a ama, do seu jeito estranho de amar.
Ele não se ofendeu, apenas pareceu absorvido em pensamentos.
— Quem sugere?
— Ben ou Nico tem domínios próprios. Beniamino é o segundo em
comando. Ele tem sua própria Tana no México. Uma fortaleza que manteria
Chiara muito protegida.
— Mas, ele mora com dezenas de mulheres. Minha irmã sempre mostrou
desprezo por ele.
— Com certeza ele mandaria as amantes para longe. E mostraria respeito
diante dela. Sabe que nenhum homem deixaria de viver uma vida de
prazeres por uma esposa, mas... Ela teria uma casa, um sobrenome, e
Beniamino é um bom homem, incapaz de machucá-la.
— E se ele não aceitar?
— Nicola é uma ótima opção. Outra Tana, mais ao sul...
— Dizem que ele brinca com jacarés nos rios da Amazônia — Filippo
balbuciou os boatos que eu já ouvi, mas nunca acreditei.
— Um Carbone determinado, forte como poucos. Também muito bom com
mulheres. Seria um bom marido, sabe como tratar uma dama.
Uma parte de mim acreditou que ele iria desprezar totalmente minhas
palavras, mas Filippo realmente as recebeu.
— Vou pensar — me deu esperanças.
Eu sorri, animado como nunca.
— Certo. Enquanto isso, vou cumprir suas ordens.
E então me afastei.
✽ ✽ ✽
A chuva tamborilava no para-brisa como dedos impacientes.
Ethan Gagnon gostava de motos. Meus olhos fixos nele, mal piscavam,
enquanto o via cortando a rodovia 640 numa velocidade muito acima da
permitida.
Uma gotícula branca cortou meu para-brisa. Percebi que a chuva congelou.
O limpador, em seu hipnótico movimento, a removeu para o lado, mas outras
vieram depois dela.
Afundei o pé no acelerador, ao encalço do desgraçado.
Ele não me viu. Não me viu nenhuma vez enquanto a tarde avançava. Ele
frequentou um bar ainda em Montreal, dormiu com uma vagabunda por
trinta minutos em um motel beira de estrada, e depois começou a seguir para
o norte. Era tão despreocupado que me dava nos nervos.
Mantive distância. Nada que chamasse atenção, mas o suficiente para não
perdê-lo. Meus dedos bateram no volante. Estavam inquietos. Ansiosos.
Queria que ele avançasse logo para uma rodovia deserta, para que eu
pudesse meter o carro por cima dele. Um acidente. Acidentes acontecem.
Mas, eu tinha que ter paciência para não arriscar a vida de ninguém.
Ser assassino de máfia exige paciência. Porque não é algo que você faz por
raiva, ou impulso. É método. Precisão. É cálculo.
De repente, Ethan derrapou. Aquilo foi tão inacreditável que me vi freando
para não passar por cima dele – o que teria me servido essencialmente.
Parei o carro. Seu corpo estendido no asfalto, gemendo. A velocidade e o
impacto da queda fez sua perna quebrar. Ele estava zonzo – pela bebida, não
saberei – e tudo que me disse quando me viu foi:
— Me ajude...
Assenti. A estrada deserta foi testemunha enquanto eu me aproximava dele,
olhava sua perna, e então minha mão esquerda agarrou seu ombro com
firmeza. Ele não reagiu, pensando que eu estava tentando ajudá-lo. Nem
sequer disse nada, enquanto eu rapidamente ia para trás dele, e com a mão
direita girava sua cabeça com um movimento seco e rápido — um estalo
surdo ecoou como um galho se partindo.
Era isso. Um acidente. Motociclista bêbado caí na estrada e quebra o
pescoço. Acidentes acontecem....
Os músculos dele estremeceram, o corpo ainda tentando entender o que tinha
acontecido. Os olhos ficaram abertos, arregalados. O pescoço torto num
ângulo antinatural.
Tudo durou menos de cinco segundos.
Terminou. Voltei para o carro, dei ré, fiz o retorno.
Sem culpa. Sem pressa. Apenas dever cumprido.
E a chuva congelada terminando de lavar minhas pegadas perto do infeliz.
✽ ✽ ✽
Respirei fundo antes de sair do veículo. O trânsito incomum me atrasou um
pouco e o sol já havia desaparecido quando me aproximei da confeitaria que
ficava perto da minha casa.
— Quero algo sem açúcar — disse a confeiteira. — Para uma criança com
diabetes.
— Eles tem um bolo de farinha de maracujá que é uma delícia — ouço uma
voz atrás de mim, e giro, dando de cara com um desconhecido. —
Desculpe... eu sei por que também sou diabético — ele explicou.
— Ah sim... Obrigado pela sugestão.
— Você também é?
— Não. Meu filho — dei de ombros. — Mas, ainda aprendendo a lidar —
justifiquei.
Ele ri, meio cúmplice.
— Um pai nunca sabe lidar com isso, né? Meu pai morreu ano passado, e
morreu sem saber o que eu devia ou não comer. Era minha mãe que
arrumava minhas refeições quando criança.
— Estou tentando aprender.
Ele assentiu. Deu de ombros lentamente, enquanto outra atendente o
chamava. Ele fez exatamente o pedido do bolo de maracujá. Seus olhos
demonstravam animação pelo doce. Não sei por que, algo nesse cara me
lembrou alguém, e eu fiquei travado um momento, como se quisesse me
lembrar onde o tinha visto antes.
A atendente me entregou o bolo que solicitei, e fui para o caixa pagar. Dei
uma última olhada no cara, e então saí do estabelecimento. Lá fora, o vento
gelado me recebeu novamente. Eu estava ansioso para chegar em casa,
tomar um café com minha família, enquanto ouvia de Madeline como foi seu
dia.
✽ ✽ ✽
No sábado, levei minha família para o parque Germaine-Guèvremont. O dia
estava frio, e o lugar estava deserto, mas Noah estava na idade mais
empolgante de todas, e ele queria brincar, então era justo levá-lo onde há
muitos brinquedos.
— Vamos brincar de pique esconde? — ele me pediu, em algum momento,
enquanto eu e sua mãe estávamos sentados em um banco ao lado de um
escorregador.
Olhei para Made. Ela riu, animada.
— Eu nunca brinquei — ela me contou, e eu precisava admitir que na minha
vida regrada com Paolo Carbone, eu também nunca aproveitei nada.
— Está certo. Sua mãe e eu vamos nos esconder. Você precisa nos achar ok?
Porque era claro que não iríamos dizer a uma criança de três anos para se
esconder de nós. E se ela se perdesse? Mas, nós ficaríamos olhando-o
enquanto ele nos procurava.
Noah ficou tão animado. Correu até uma árvore e escondeu seu rosto no
caule. Eu podia ouvir o farfalhar de árvores e uma risada feminina animada.
Demos as mãos e fomos para atrás de uma árvore, enquanto víamos o
menininho contando algo, se perdendo nos números que mal aprendeu na
creche, e então abrindo os olhos.
— Estou indo — ele gritou.
Fizemos silêncio. Um sorriso surgiu em meu rosto, genuíno, enquanto eu o
olhava indo atrás de pequenas árvores perto dele.
Olhei de relance para Madeline, que estava de mãos dadas comigo. Ela ria
furtivamente, tão animada. Como uma criança. E estava tão perto de mim, a
poucos segundos. O cheiro do perfume dela, se misturava ao ar puro, e
parecia mais intenso.
Ergui minha mão, e a levei até seu rosto. Segurei-o. Meu corpo formigava de
antecipação, enquanto resvalava até ela, e a beijava languidamente nos
lábios.
Eu a amo...
Ela me dá fome de algo além da comida.
Quase instintivamente, envolvi sua garganta com minha mão, puxando-a e
afundando em sua boca.
— Mamãe! — a voz chorosa nos fez soltar, rapidamente, enquanto ríamos.
Noah não nos achou, e pareceu desesperado. Eu soltei a mãe dele, e fui até o
garotinho, erguendo-o do chão.
— Ei, campeão! Por que está chorando?
— Não achei vocês.
— Mas, eu estava olhando você. Não precisa ter medo de nada, ok? Eu
sempre vou olhar você — jurei.
O menino assentiu, sua cabeça pousando no meu peito. Virei para Madeline,
e ela sorria, agradecida.
Ela nem fazia ideia o tanto que sou grato todos os dias da minha vida por tê-
los.
CAPÍTULO 14
eu marido é um homem ocupado. Mas, não ausente. Ele pode passar o dia
inteiro fora de casa, assim como passa algumas noites em Montreal, mas sua
presença é sempre constante. Eu aprendi, com o passar das semanas, a viver
no seu aguardo, ansiosa para que volte para mim, que me tome em seus
braços e me faça sempre feliz.
Eu nem sabia que isso existia. Esse aperto no peito quando ele vai. A
felicidade que transborda quando ele surge de novo.
Gianni deve ser a melhor pessoa do mundo. Não acredito que possa haver
um homem tão bom assim...
— Quando eu for firme demais com Noah, me alerte — me disse, naquela
noite, após dar uma mini bronca em meu filho porque ele se recusava a
recolher os brinquedos que jogou no chão da sala.
Eu sorri.
— Foi perfeito — disse, acalmando-o. — Falou que ele devia recolher, com
um tom tão sério e firme.
Nós nos deitamos lado a lado na cama.
— Eu não tive isso, sabe? Se eu deixasse algo espalhado, meu pai não me
pediria para pegar. Ele me daria uma surra enorme para que eu entendesse
que nunca devia falhar em nada. Não quero que Noah cresça assim.
Ele revelava tão pouco sobre seus traumas. Eu queria conhecê-lo mais. Antes
de irmos nos deitar, preparei duas xícaras de chá que coloquei na cabeceira
da cama. Uma entreguei a ele, e a outra segurei, aquecendo os dedos,
enquanto o observava em suas lembranças.
— Me conte, Gianni... Eu tenho muita curiosidade em saber como era sua
vida. Qual é o nome do seu pai?
— Paolo.
— Paolo Pelletier... — murmurei. — Bonito nome... É italiano?
— Sim, minha família vem da Itália.
— Dizem que as mães italianas gritam muito. É verdade?
— Eu não sei. Eu tinha a idade de Noah quando a minha se foi.
Seu tom baixou tanto. Eu suspirei e me acomodei nele, minha cabeça
descansando em seu ombro.
— Do que ela morreu?
Silêncio. Parecia algo difícil para ele digerir.
— Se não quiser conversar sobre isso...
— É que me incomoda — admitiu. — Dói, ainda... entende?
Eu entendia as nuances. Gianni era uma grande caixa de pandora, eu podia
sentir isso. Se eu abrisse a fechadura, talvez não conseguisse dominar as
coisas que sairiam de lá. Então deixei quieto.
— Eu gostaria de conhecer seus irmãos — murmurei. — Você já disse a eles
que está casado?
Outro silêncio profundo.
— Não consegui conversar com ninguém. Mas, vou falar, eu juro.
Gianni terminou seu chá, e pôs a xícara ao lado. Depois, desligou o abajur ao
seu lado. O quarto ficou escuro, mas não havia nada de opressivo nisso. Se
tem algo que descobri em meu marido, nessas semanas, é o quanto ficar no
escuro com ele é bom.
— Você está cansado? — indaguei, vendo- se aninhar nas cobertas.
A mão dele deslizou entre nós. Ele sorriu, podia ver pela lâmpada acesa às
minhas costas, do meu próprio abajur. Ele acariciou meu rosto
amorosamente.
— Eu acordei muito cedo hoje — lembrou. — Seis da manhã.
— Sim, eu sei... Ainda não entendo por que precisa ir para Montreal. Pode
tentar um emprego aqui.
— Não vou arriscar. O emprego em Montreal é seguro. E não sou mais
sozinho, não vou colocar tudo a perder. Aliás, como está sendo a escola para
Noah?
— Ele se adaptou fácil — contei.
— Vi pelo saldo no cartão que está usando muito Uber para levá-lo a escola.
Enrubesci. A verdade é que podia levá-lo caminhando, mas temia encontrar
Jean Smith nas ruas.
— Me desculpe — murmurei.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Queria dizer que podíamos comprar um carro. Um usado, barato... apenas
para você se locomover melhor. Você sabe dirigir?
Achei que ele iria me repreender pelo gasto. Estou surpresa pela sugestão.
Neguei.
— Eu posso te ensinar. Quer aprender?
Girei de lado e pus a xícara vazia sobre o meu próprio criado-mudo. Meus
dedos roçaram no abajur, e o desliguei rapidamente. Mal me deitei e a mão
poderosa de Gianni toma minha cintura e me puxa para ele.
Me contorci e gemi, amando como ele é forte.
— Você não está cansado? — provoquei.
— Bom, ainda tenho uma noite toda para descansar — seu sorriso surge
entre o breu da noite.
Choques selvagens correm entre nós. A mão de Gianni desce até minha
bunda. Ele a segura, e isso apenas aumenta a tensão já grande. Eu gosto
como ele toca, aperta, dá leves batidinhas enquanto me puxa mais contra ele.
Esse homem causava em mim uma atração avassaladora.
A boca dele me toma de novo. Nunca me senti tão excitada na minha vida.
Coloquei minhas mãos em seu peito. Sua pele estava quente, me fazendo
ofegar. A escuridão o nosso redor causava um mistério poderoso que só nos
deixava mais quentes.
— Sabe o que eu estava pensando? Podíamos nos mudar para Montreal, o
que acha? Assim você não ficaria tanto tempo fora.
Nossos lábios colidem, nenhum de nós tomando a liderança, apenas fazendo
aquilo que é natural. O som rouco de Gianni me instiga e eu o aperto contra
mim,
— Talvez... Eu precisaria vender esse apartamento para comprar outro lá, e
Montreal está... — ele vai se acomodando sobre mim, seu pau duro sendo
puxado da calça. — Está tudo tão caro, lá...
Eu queria ir embora dessa cidade por causa de Jean. Mas, nesse momento,
apenas assenti e concordei, porque minhas forças se esvaíram, enquanto ele
puxava a calça do meu pijama.
Já faz um mês que estamos casados. E nesse tempo, ele viajou a trabalho nos
primeiros dias, e teve uma ou duas ausências também a trabalho. No mais,
esteve comigo todas as noites, e fez amor comigo todas as noites da mesma
forma apaixonada que só ele tinha.
Senti os dedos da outra mão puxando minha camiseta para cima. Eu não
havia colocado roupa de baixo porque sabia que ele usufruiria do meu corpo
nessa noite. E eu queria muito isso.
Eu gosto de ficar exposta para ele, porque Gianni não me vê como uma
coisa, um objeto. Vejo sentimentos em meu marido, e isso me faz feliz como
nunca. Ele segurou peito, massageando, enquanto sua língua fincou-se
dentro da minha boca.
Gemi com o beijo.
Meus dedos enredaram-se em seu cabelo escuro. Meus quadris se moveram
para frente e para trás contra Gianni. Estava pedindo que ele fizesse. Mas, ao
invés disso, ele arrastou uma série de beijos contra meus lábios. Eu estava
molhada e quente e precisava de libertação. Aquela mesma que me dava o
melhor sono de todos.
Sua boca caiu para baixo. Um desfile de beijos do queixo ao pescoço, e mais
adiante. Ele capturou um mamilo com a boca, e depois o outro. Ele
pecaminoso e delicioso na medida certa.
— Gianni... — implorei.
— O quê, amore mio?
Ele arrastou a língua entre meus seios enquanto eu fazia tudo que podia para
arrancar meus braços de seu aperto. Eu ansiava por tocá-lo lá embaixo,
segurar sua tora grande e grossa, e enfiá-la em mim.
São pensamentos loucos. Não consigo impedi-los.
Gianni estava com o corpo duro, incluindo seu pau. Eu sabia que ele também
queria libertação, mas ele não parou os beijos, descendo até minha barriga.
Eu estava prendendo a respiração enquanto ele descia, seus dedos ásperos
pegando minha coxa.
— Gianni...
— Sua bocetinha está toda molhadinha para mim, esposa... — suas falas
sopraram exatamente na minha entrada úmida, e eu gemi com o calor da
voz. — Olha só — ele levou um dedo até minha entrada, e deslizou por toda
a extensão, capturando o líquido como gema de ovo que me deixava
completamente molhada.
E envergonhada.
Soltei um gemido estrangulado quando seu dedo retornou ao meu clitóris.
Tremores me invadiram quando ele começou a bater a mão bem em cima do
ponto mais sensível. Agarro seu cabelo, puxando involuntariamente
enquanto ele brincava ali, seus dedos batendo, girando, apertando, raspando.
Ele me disse algo em italiano, mas eu não consegui entender, sua voz estava
rouca demais, e eu não conhecia o idioma.
Quando Gianni mergulhou a língua entre minhas dobras o grito de prazer
que me dominou foi impossível de controlar. Ele me esticou com sua língua,
cavou, como se eu fosse um banquete, e eu adorei a sensação.
Ninguém nunca fez isso antes comigo. Graças a Deus. Porque em ao menos
em uma coisa ele era o primeiro.
O primeiro a me tocar com tanta intimidade. O primeiro que eu amo.
Amor...
Minha cabeça cai para trás, meu corpo se contorcendo de prazer.
Gianni é o primeiro que eu amo, e será o último também, porque sei que
nunca mais conseguirei ter isso com mais ninguém. O que ele desperta em
mim não é só o acaso desse momento, é a junção de confiança que ele
conquistou todos esses anos.
Ele é grande e poderoso, mas eu não tenho medo dele.
Mesmo agora com Gianni provocando meu clitóris e me fodendo com sua
língua, não havia medo. Apenas feixes de prazer.
Puxei seu cabelo. Me contorci em seus lábios. Ele sacudiu a língua sobre
mim mais algumas vezes, antes de se elevar, e encaixar sua tora dura na
minha entrada.
Quando ele me invadiu, tudo explodiu em prazer. Eu gemia em “ah, ah, ah”
sucessivos sem conseguir controlar minha própria respiração. O êxtase era
tão bom.
Eu cheguei ao orgasmo de uma forma tão animalesca, enquanto ele metia
sem parar, em um ritmo frenético em mim. O som dos sulcos invadiu minha
consciência, e por alguns segundos eu fui apenas nervos e prazer.
E então tudo se tornou rápido demais. Até que uma última estocada veio tão
firme e dura que eu mal acreditava que era possível. Eu cheguei ao céu, e
despenquei de lá, direto nos braços dele.
Ele caiu com a cabeça no meu peito.
— Seu coração está batendo tão forte — ele murmurou.
E sorrindo, fechou os olhos.
CAPÍTULO 15
om a minha resolução de anular o casamento jogada às favas, comecei uma
campanha para Ben desposar Chiara.
Foram meses até Filippo aceitar a troca, e agora só me restava convencer
Ben de que era a coisa certa. Não era difícil, era? Ele nem olhava direito
para a cara das mulheres que comia. E ele queria muito uma saída pelo norte,
e teria isso com Filippo.
Mesmo assim, ele me disse não. Duas vezes. Então precisei avisar minha
esposa que estava indo viajar.
— De novo?
— É comum, Made... Serão apenas dois dias. Estarei em casa antes mesmo
de sentir minha falta.
Ela pareceu mitigada, mas não disse nada. Ao lado do fogão, preparando
uma sopa, ela só parecia meditativa e cansada.
— O que houve?
— Por que não vamos embora para Montreal?
Era a segunda vez que sugeria isso. Mas, Montreal, apesar de enorme, não
era segura para mim. Não com Filippo fungando no meu cangote e eu tendo
que esconder uma família com esposa e filho do chefe da máfia.
— Eu não consigo comprar um apartamento de dois quartos como esse em
Montreal, Made. Se eu vender aqui, teria que financiar o próximo, dando
apenas entrada. E nossa qualidade de vida cairia muito.
Deus do céu, era tanta mentira que eu nem sabia mais de onde tirava forças
para falar.
— Está certo. Desculpe pedir — minha esposa pareceu culpada.
— Você gostava da cidade. O que aconteceu? — indaguei, porque não era
normal ela pedir qualquer coisa.
— Continuo gostando, apenas...
Talvez sentisse minha falta. Era estranho provocar isso em qualquer pessoa.
Ninguém mais sentia, em canto nenhum desse planeta.
Dou dois passos em sua direção, seguro sua face, e deposito um beijo gentil
em seus lábios.
— Vai ficar tudo bem, esposa — digo.
Ela sorriu, lindamente.
— Gosto quando me chama assim...
Arqueei as sobrancelhas. Eu sei que não é comum que as pessoas usem
títulos para se referirem aos seus parceiros. Pessoas “normais” ao nosso
redor chamavam suas mulheres de “amor” ou pelo próprio nome. Mas, na
Lupi Sanguinari, sempre nos referíamos a mulher como “esposa”.
Porque era algo sagrado. Algo importante. E eu gostava do som que soava
nos meus lábios.
Dou um beijo em sua boca. Madeline era uma mulher incrível. Eu a amava.
E ficar longe dela custaria muito caro ao meu coração. E faria meu pau doer
todos os dias da ausência.
✽ ✽ ✽
Esse lugar era um inferno na terra. Mesmo com o ar-condicionado ligado, eu
sentia um suor gelado descendo pelas minhas costas. Apesar de uma
fortaleza na praia, não havia umidade esperada, era tudo seco e quente.
— Por favor — rogo, mais uma vez.
São tantas vezes... Tantas vezes implorando. Eu preciso que ele despose a
irmã de Filippo, ou minha vida vai se tornar um tormento. De uma simples
mentira, eu serei gravemente acusado de traição.
— Dom devia saber disso — Beniamino sugere.
Seus olhos nem saem do computador onde digita alguma coisa. Ele mal
parece perceber que eu cheguei. Contudo, não está totalmente contra a ideia.
Parece dizer que aceita, contando que Dominus saiba. Mas, se Dom saber,
fodeu tudo. Dominus não aceitaria a troca, porque é teimoso e porque não
concorda com nada que não seja ele mesmo a sugerir.
— Eu me viro com Dominus. Ele está ocupado com a gravidez da esposa, e
com sua própria guerra contra Vicenzo. Por favor, eu te imploro...
— Filippo concorda?
Assentiu, rapidamente.
— É até melhor. Você é o segundo em comando.
— E ele deixaria a irmã vir morar no México?
— Sim. Ele quer fazer um corredor entre o Tennessee e Ohio para passar
contrabando. Sua presença em Vera Cruz ajudaria isso. Você sabe que o
território é de Vicenzo, atualmente, e ninguém mais teria coragem de infiltrar
homens ali, além de um Lupi Sanguinari.
A tentação cruzou os olhos de Beniamino. Ele era ambicioso. Francamente,
não fosse pela ordem de nascimento, ele seria o Capo. Era muito
determinado, e ao contrário de Dominus que colocou tudo a perder por causa
de uma mulher, Beniamino não deixaria nada cruzar sem caminho em
direção ao sucesso.
E tinha mais. A citação de Vicenzo causou ira em seu âmago. O nome de
nosso primo ainda era alimentado com muita raiva. Pensar em Vicenzo era
automaticamente volver-nos a Caterina, e na mulher quebrada e sem viço
que ela é hoje.
— Mas, e quanto a minha reputação? Sabe bem que não poderia deixar de
ser quem sou...
Ben era um cretino. Nesse momento mesmo em que conversamos, ele estava
com cinco amantes na casa. Para ele, bocetas são tentações que ele não pode
deixar de lado. Ele gosta da diversidade. Ele tem mulheres de toda
aparência. Estranhamente, pensei em Chiara, e na sua figura apagada, magra,
sem formas, com aqueles enormes cabelos pretos caídos sem vida sobre os
ombros.
— Ninguém espera que mude sua personalidade — respondi.
Porque, francamente, que mulher na máfia espera isso? Eu sou uma peça
rara, não voltada a sexo, mas ninguém mais é assim. Havia uma palavra que
me definia, vi uma vez em um programa de televisão. Demissexual...
E ser assim era uma merda. Só sinto atração por alguém se tenho
envolvimento emocional. A própria Madeline, eu não desejei de primeira. Só
passei a querê-la depois de me apaixonar por ela. Eu era estranho, e via isso
refletido nos olhos de meu irmão. Mas, eu não estava aqui para atrair
simpatia ou questões de âmbito íntimo.
— Irmão, por favor... Dizer a Romagna que mais um Carbone está recusando
sua irmã... É uma ofensa tão grande que perderemos nosso aliado.
Ele podia devolver dizendo para que então eu não a recusasse. Eu aguardei
que fizesse, mas Beniamino me encarou com aqueles enormes olhos negros
e penetrantes, como se me estudasse. E então disse:
— Tudo bem. Que mal há de fazer? Tenho muitas mulheres queimadas do
sol todos os dias para me entreter. Uma branquinha será algo diferente. Diga
a Filippo que vou cuidar bem dela. Terá uma casa grande, terá filhos... E
uma vida pacífica, como é direito de toda mulher. A única coisa que não
posso prometer é amor.
— Chiara não espera amor — disse, rápido. — Que mulher espera isso?
Madeline esperava. Eu via em seus olhos, toda vez que eu a tocava. Nunca
disse a ela que a amava, mas amava. Sempre deixei claro o quanto meus
sentimentos são verdadeiros, mas nunca tive coragem de expressar algo mais
significativo. Não antes dela também deixar claro que sentia o mesmo.
— Obrigado — eu disse a meu irmão, e apenas assentiu e voltou ao seu
ofício.
✽ ✽ ✽
Cheguei em casa por volta das catorze horas. Não fiquei no México, foi um
bate-volta rápido, com uma finalidade específica que deu certo. Eu queria
comemorar com alguém, mas não podia contar a ninguém sobre meu plano.
Ainda assim, estava animado quando entrei pela porta. Contudo, tudo mudou
quando vi o olhar triste de Madeline à mesa.
— Oi — disse a ela, me aproximando e sentando-me ao seu lado. — O que
foi?
— Não consegui a vaga de emprego na loja de roupas — ela me contou. —
Nem no mercado. Não sei o que fazer...
Ela não precisava fazer nada, mas parecia preocupada.
— Made, não tenha pressa... Vai aparecer algo...
— Não é justo você ter que trabalhar igual um condenado, ter que viajar toda
semana... Eu devia entrar na sua vida para somar, mas estou tirando de você
seu tempo... Você está tendo que assumir duas pessoas, e sei que está
trabalhando dobrado.
Não sei o que dizer. Ela realmente estava se martirizando por não estar
contribuindo financeiramente a casa.
— Made... eu realmente não me importo...
— Não é certo — afirmou.
— Eu ganho o suficiente. Nem estou preocupado com isso. Sou um homem
à moda antiga, se eu me casei com você é porque posso sustê-la e a Noah.
Para mim, você trabalhar fora é apenas porque você quer fazer isso. Não é
algo que eu esteja exigindo de você.
— Sei que não está — disse, os ombros caídos. — Ainda assim, eu me sinto
culpada. — Suspirou pesadamente. — Como foi em Houston?
— Deu tudo certo, e fechamos o contrato.
Ela sorriu para mim e segurou minha mão sobre a mesa.
— Eu tento tanto orgulho de você. É um homem muito batalhador.
Cresci dentro de uma máfia. Matei meu primeiro homem aos dezesseis. Sou
um assassino cruel, que nunca teve alma e sentimentos. Mas, pela primeira
vez na minha vida, eu fiquei com vergonha de quem sou.
E ciente do quanto a decepcionaria se ela soubesse a verdade.
— Made... — murmurei.
— Sim? — disse, suavemente.
O cheiro dela segurou minha língua da verdade. O amor que eu sentia por
ela, me custava muito. Eu temia perdê-la. Eu não suportaria isso.
O silêncio ficou um pouco constrangedor porque o que eu iria confessar,
engoli como remédio amargo. Tentei pensar em outra coisa, mas nada vinha
na minha mente. Minha boca abriu, fechou.
O que eu diria: “Não sou um contador. Na verdade, sou um assassino que
pertence a um grupo chamado Lobos de Sangue”? Independentemente de
termos criado um vínculo de afeto, ela arrumaria as malas e iria embora na
hora.
— Que tal um piquenique no final de semana?
CAPÍTULO 16
—M
amãe, posso levar esse chocolate?
Olhei para o lado. Meu pequeno filho estava segurando uma barra escrito
DIET. Ele já entendia as nuances de suas necessidades. Uma parte de mim se
sentiu orgulhosa por Noah estar amadurecendo, mas outra apenas alertou o
preço.
Olhei por cima da etiqueta sobre o nome. Não era caro, mas também não era
barato. E meu marido estava pagando tudo. Ele nunca cobrou, colocava o
cartão de crédito na minha mão, e nem olhava as notas, apesar de eu deixar
na mesa para quando chegasse. Mesmo assim, me sentia culpada por
qualquer coisa fora do essencial.
Eu precisava de um emprego. E logo.
— Pode levar — disse a ele, que fez colocou a barra no pequeno carrinho
que eu empurrava.
Depois ele viu as frutas no final do corredor. Em seus passos trôpegos e
esforçados, correu naquela direção. Chamei sua atenção para que não se
afastasse muito, enquanto olhava uma das prateleiras, e pegava o cereal.
Nesse momento, uma voz as minhas costas pediu licença para pegar uma
caixa ao lado do cereal.
Fiquei entorpecida por um momento.
Relâmpagos de imagens cruéis tocaram minha mente, enquanto eu olhava o
homem alto, de olhos castanhos e rosto quadrado. Ele me olhou por um
breve segundo, mas seguiu o caminho.
Jean não me reconheceu.
Eu não sabia o que sentir diante disso. Alívio? Vergonha? Minhas mãos
tremiam tanto que desisti do resto das compras. Movi meu carrinho
rapidamente no corredor, buscando Noah e o puxando em direção aos caixas.
— Mamãe, quero bananas — ele disse.
Mas, neguei.
— Vamos para casa — disse, segurando sua pequena mão.
Eu estava apavorada e não conseguia esconder isso. Sinos batiam nos meus
ouvidos, alertando a tempestade que se aproximava.
Jean não me reconheceu, tentei argumentar contra mim mesma, mas isso não
bastava. Ele estava na cidade, por perto, e a memória podia voltar a qualquer
momento. Não sei quantas garotas ele abusou na vida, provavelmente
muitas, para simplesmente ignorar minha imagem. Mas, não podia fingir que
não estava acontecendo e seguir a rotina sem sobressaltos.
Ele estava perto demais. De mim. De Noah.
Cheguei em casa completamente abalada, mas tentei não demonstrar. Meu
marido já havia retornado do trabalho, e estava no banho. Noah foi brincar
na sala, enquanto eu guardava as coisas compradas no armário. Minhas mãos
tremiam e meu coração estava nervoso e desesperado, quando ouvi um som
ecoando da mesa na cozinha.
Olhei de relance. Era o celular de Gianni. Eu podia ignorar, porque não
devia atender seu aparelho. Ele nunca me deu liberdade de tocar no seu
celular, e eu não queria ultrapassar nenhum limite. Mas, quando vi o nome
de Filippo brilhando na tela, lembrei de imediato que era seu chefe, já que
não era a primeira vez que ligava. E não queria deixar o chefe dele
esperando.
Peguei o aparelho e atendi.
— Alô.
Ouve um silêncio do outro lado da linha que durou uns cinco segundos.
Quando a voz veio, era basicamente em espanto.
— Quem é?
Com certeza ele achou que havia ligado errado.
— É o telefone de Gianni, mas ele está no banho. Deseja deixar algum
recado?
— Quem é? — ele repetiu, inquirindo sobre mim.
— Sou a esposa de Gianni Pelletier.
— Pelletier?
Ele repetiu o sobrenome de meu marido, enquanto se volvia para o lado e
falava com alguém. Acho que era um palavrão em italiano. Depois disso, ele
não disse mais nada, simplesmente desligou, e me deixou pasma com tanto
desrespeito.
O chefe de Gianni era um babaca, com certeza. Um homem que não
respeitava horários e exigia que meu marido estivesse sempre viajando a
negócios ou que cumprisse carga horária absurda. Mas, ainda assim, era o
chefe, e eu segurei a vontade de dizer umas poucas e boas para ele.
Larguei o telefone de lado, e voltei a guardar os mantimentos. Momentos
depois, senti uma mão me segurando na cintura, e o corpo de Gianni me
puxou contra ele, um beijo rápido em meu pescoço, antes de indagar:
— O que temos para o jantar?
— Ainda não preparei nada — respondi, com um sorriso.
— Quer que eu peça uma pizza? Podíamos assistir um filme na televisão.
Neguei. Apesar das massas integrais, eu ainda temia dar tal alimento para
Noah.
— Vou ficar com ele na sala — Gianni me disse. Depois, ele se voltou para a
mesa que tinha algumas sacolas de comida. — Você comprou poucas coisas
hoje — observou.
Nem metade do que saí de casa para comprar. Mas, não podia contar a ele
sobre Jean, então simplesmente dei de ombros.
— Eu estava um pouco cansada para compras.
Estava mentindo para ele. A culpa tomou meu coração. Gianni era a melhor
pessoa que conheci, ele era meu marido, meu amigo, meu companheiro, mas
eu estava mentindo para ele.
— Seu chefe ligou — mudei de assunto, quando ele pareceu prestes a sair da
cozinha.
Gianni travou. Volveu para mim. Pela primeira vez seu semblante era uma
incógnita.
— Filippo, não é? Eu vi o telefone tocando e atendi. Perguntei se ele queria
deixar recado, mas ele desligou.
Meu marido balançou a fronte, como se recebesse a notícia com apreensão.
Não entendia por que, mas também não questionei.
— Certo — murmurou.
CAPÍTULO 17
—E
stá ruim? Quer que eu prepare alguma outra coisa?
A voz de minha esposa ecoa em meus ouvidos. Eu recuso, levando uma
garfada dos legumes cozidos a boca. Noah, ao meu lado, me conta como foi
incrível seu dia na escola, e eu tento me concentrar nele enquanto tagarela
animado.
Mas, não consigo. Volto a atenção para o prato. Encaro-o por quase um
minuto inteiro. Logo, sou despertado novamente por Madalena, que indaga
se há algo errado. O esforço dela me causa culpa.
Ela quer tanto me agradar. Ela faz o possível para deixar a casa limpa, bem
arrumada, ela cozinha todas as noites, ela tenta estabelecer vínculos de afeto
o tempo todo. Ela é esposa perfeita.
Eu a amo.
Mas, ela cometeu um grave erro nessa noite, sem saber.
Ela atendeu meu telefone. A culpa é minha. Me esqueci do aparelho em cima
da mesa. Nem ao menos o desliguei. Esse tipo de falha não é coerente a
mim. Mas, agora só me resta lamentar e ver no que vai dar.
— Gianni — minha esposa chama minha atenção. — Você está zangado?
Nego.
— Claro que não.
Apreensivo é a palavra. A minha vida vai virar de cabeça para baixo agora,
se eu não convencer Filippo a manter a boca fechada.
— Eu estive no mercado hoje. Deixei a nota sobre a mesa, mas você não
olhou.
Deus, precisava ao menos forçar um sorriso, mas não conseguia me
concentrar.
— Comprei um doce para Noah — disse.
Assenti, lutando para manter o interesse.
— Tem algum problema?
Era uma pegadinha? Eu olhei o menino, e depois volvi para Mada.
— Não sei. Tem açúcar?
— Não, era diet — ela suspirou. — Estou perguntando se tem algum
problema eu ter gastado esse dinheiro, Gianni.
Droga... Sério mesmo que ela achava que talvez eu estivesse com a cara
fechada por causa de uns míseros centavos num chocolate? Eu estendi a mão
e segurei seus dedos, tentando passar a ela uma confiança que nem de longe
eu sentia.
— Eu não ganho tão mal, Mada — afirmo, tentando tranquilizá-la.
Ela me vê como um assalariado, quando na verdade eu ajudava a manter
uma máfia inteira dentro de um país inteiro. O lucro era inimaginável para
Madalena. Ela era grata pela pouca ajuda financeira aqui, e pelo pequeno
apartamento seguro, quando na verdade, eu devia levá-la para meu luxuoso
apartamento em Montreal. Era injusto que ela fosse a única das mulheres
Carbone que não estivesse usando roupas de grife e vivendo a vida sem
pensar um segundo em dinheiro.
— O cartão está livre, você pode gastar até estourar o limite. Eu tenho o
limite dentro do meu orçamento. Não precisa se preocupar — afirmo.
Ela assentiu, sem saber que não havia limite.
Mais tarde, sentei-me no sofá, apreensivo, esperando uma mensagem de
Filippo perguntando o que estava acontecendo. Noah voltou a contar as
coisas de escola, e eu me esforcei para estabelecer uma conversa com ele.
Não podia deixar Filippo tirar minha paz, mas a verdade é que meu medo
centralizava em ele contar tudo a Dominus.
Não sei o que eu faria com meu irmão mais velho. Ninguém age pelas costas
de Dominus, ninguém toma nenhuma atitude sem ele ordenar. E eu criei uma
vida inteira, com esposa e filho, sem seu conhecimento.
Madalena estava lavando louça e o som da televisão ecoava um programa de
auditório. O barulho de Noah completava a cena. Ele me mostrou um
desenho que fez na escola, e eu tentei afastar meus pensamentos dos
problemas mais uma vez.
— Quem é?
— Mamãe e papai — ele disse, apontando a figura de dois humanoides
rabiscados embaixo de uma árvore.
Eu gelei com tudo que eu tinha.
“Papai”.
Nunca perguntei o quanto Noah sabia sobre o pai.
— Quem é? — repeti, apontando a figura masculina.
— Você! — ele exclamou, dando os braços para o ar, como se fosse a coisa
mais óbvia do mundo.
Senti uma emoção poderosa me tomando. Segurei o garotinho nos braços e
lhe dei um abraço. Ele estava certo, eu era seu pai. E eu não desistiria dele,
não importava o que quisesse a máfia Carbone.
✽ ✽ ✽
Sentei-me na cadeira do escritório, determinado a garantir que Romagna
entendesse que não estava diante de um covarde. Ele não estava ali, mas eu
ouvia seus passos ecoando do corredor.
Mascaro minhas emoções, mas estou com medo. Medo é algo positivo,
sempre entendi. Medo faz você agir cautelosamente. Coragem te torna um
tolo, que age por impulso. Estou vivo até então, porque nunca agi
corajosamente.
— Gianni Carbone...
A voz de Filippo invade e escritório. Ele caminha entre a porta e sua mesa, e
se senta atrás dela. Seus olhos fixos em mim, questionadores.
— Explique — ordenou.
— Você não é meu capo — devolvi.
— Está certo. Então vamos colocar Dominus Carbone na linha — ele puxa
um aparelho de celular, mas eu me sobressalto e o impeço antes mesmo de
conseguir digitar qualquer coisa.
— Aconteceu há alguns meses — admito. — Antes do casamento de
Dominus.
— Você já estava casado quando Dom ordenou que desposasse Chiara?
— Sim.
— Por que que não assumiu tudo naquela vez? Não contou a verdade?
Eu o encarei como se fosse um louco.
— Podíamos resolver — ele afirmou. — De que família a jovem é?
Neguei.
— Ela nem sabe quem é o pai. Não tem família, cresceu em um abrigo.
— Como a conheceu?
— Era a garçonete que me atendia quando eu sumia, naquelas vezes... você
lembra?
Ele suspirou.
— Sim, eu entendo. Mandei investigar, o menino já tem três anos...
— Noah não é meu filho biológico — decidi que seria sincero de toda
maneira.
Ele pareceu muito surpreso.
— Não?
— Made já estava quase parindo quando a conheci.
— Você se casou com uma mãe solteira? — só então ele começou a ter
dimensão do tamanho do problema. — Está maluco? Dominus Carbone vai
cancelar esse casamento no mesmo instante.
— Ele não vai fazer isso se não souber que estou casado. Não conte a ele,
Filippo.
Incrivelmente, se eu fosse frio e racional, perceberia que não havia nenhum
motivo para Filippo me ter lealdade. Eu o enganei e menti para ele, me
tornei noivo da sua irmã mesmo já sendo casado. Mas, havia um vínculo de
amizade entre nós que ficou forte agora.
— Eu soube que Dominus está lutando para acessar a Oceania. Ele já está
negociando Ben em casamento com uma máfia de lá. Mas, Ben está vindo
para se casar com Chiara. Quando Dominus descobrir, ele provavelmente
fará a troca com você. Precisa resolver isso antes de Dom descobrir.
Era isso. Apesar de todos os problemas que nos cercavam, Filippo
demonstrou amizade verdadeira.
— Quero conhecer sua esposa — ele disse. — Marque um almoço e a traga.
— Não posso trazê-la. Ela não vai entender...
— Não vai entender o quê?
— Ela acha que sou um contador pobre. Ela não sabe que trabalho para
organizações tão poderosas.
— Você mentiu para ela? — ele arregalou os olhos. — Mas, o nome? Ela
não reconheceu “Carbone” de algum lugar?
— Menti falando que sou Pelletier. E ela nunca prestou atenção a certidão de
casamento. É mãe, mal tem tempo de respirar. E não tem motivos para
duvidar de mim.
Filippo recostou-se para trás, na cadeira. Ele suspirou pesadamente,
enquanto analisava a situação.
— Seu irmão está chegando para o casamento com Chiara. Vou focar nisso,
mas quando eles forem embora, quero que marque um encontro com sua
esposa. Não me importa onde, pode ser no cubículo que chama de lar. Quero
conhecê-la.
Assenti.
— Você é um idiota, Gianni. Mas, é meu amigo. O único que tenho, e me
ofende que não foi capaz de confiar em mim num segredo tão importante.
Filippo, com certeza, era a única pessoa que podia me chamar de idiota e sair
impune. Pela primeira vez entendi a dimensão de nossa amizade.
— Vai ter que contar a ela um dia. E a seu irmão. As coisas não podem ficar
em segredo para sempre. Dominus tem que saber.
— Enquanto eu conseguir manter meus mundos separados, farei isso.
CAPÍTULO 18
casa estava quieta demais depois que Gianni saiu para o trabalho. Ele levou
Noah consigo, dizendo que o deixaria na escola. Aproveitando a solidão,
decidi fazer um bolo para recebê-los no final da tarde.
A casa estava quieta demais... Era estranho estar assim.
Eu pensei em ir para a sala e ligar a televisão, para ter algum barulho, mas
acabei me concentrando em bater o bolo e esqueci. Ainda assim, a quietude
incomodava. Nenhum som de vento, nenhum estalo da madeira do assoalho,
nada. Só o silêncio... e aquela sensação incômoda, como se alguém estivesse
me observando.
A campainha tocou nesse momento. Fazia meia hora que Gianni saiu. Ele
devia ter esquecido algo, porque era a única pessoa que poderia estar
tocando a campainha. As chaves, com certeza.
Lavo rapidamente as mãos, e pego um pano de prato, enquanto caminho na
direção da porta. A maçaneta estava ali, diante de mim, mas minha mão
travou antes de chegar nela. Eu não sei explicar por quê. Era como se uma
parte de mim soubesse exatamente o que havia do outro lado — mas eu
precisava abrir. Precisa olhar. Precisava encarar.
Então a peguei com coragem. O pânico cresceu à medida que a porta era
aberta. E ele tomou me semblante, subindo, viscoso, até minha garganta. O
pânico me sufocou como mãos invisíveis conforme eu olhava a figura de
Jean Smith.
Eu queria correr. Eu queria. Mas as pernas não obedeciam. As paredes
começaram a fechar, o corredor se alongava, distorcido, como um túnel de
pesadelo.
Então eu gritei.
E acordei.
Num sobressalto arfante com Gianni ao meu lado, me sacudindo
gentilmente.
— Made... — ele sussurrou, na escuridão da madrugada.
Um choro desesperado tomou conta do meu semblante, enquanto eu me
agarrava ao meu marido.
— Você estava apenas tendo um pesadelo, Made...
Sua voz profunda pairou sobre mim.
— Pesadelo? — murmurei, conforme ia ficando ciente de que estava segura,
ao lado de Gianni, dormindo em nossa cama.
Jean não me reconheceu no mercado. Eu era apenas uma figura
insignificante para ele. Não havia riscos de ele me machucar ou tentar algo
contra mim. Estava segura, tentei me convencer, enquanto as mãos de
Gianni acariciavam meu rosto, num conforto que só ele sabia me dar.
Mas, o choro veio em compulsão. Uma dor tão profunda, como uma ferida
pungente que nunca cicatriza. Eu fingi por anos que ela não estava lá, mas
ver Jean a fez sangrar novamente.
— O que aconteceu, Made? Você quer falar sobre isso?
Não, eu não queria sequer me lembrar. E jamais conseguiria contar a ele. Era
vergonhoso demais. Ele teria nojo de mim, com certeza. E eu já o amava o
suficiente para temer perdê-lo.
— Não, eu estou bem — disse, me sentando na cama, buscando o copo com
água ao lado do leito. Acendi o abajur antes de pegá-lo. — Acho que... nem
lembro o que sonhei — menti.
— Certo... pesadelos acontecem — ele murmurou, sua mão direita
deslizando pela minha bochecha. Quando ele capturou uma lágrima foi que
percebi que estava chorando.
Fazia tanto tempo que eu não chorava...
— Não se preocupe. Eu cuido de você — ele disse.
Eu sorri. Eu sabia que ele faria o possível para sempre estar ao meu lado,
mas a dor que eu tinha no coração, Gianni não teria como dar conta.
— Desculpe te acordar. Que horas são?
Gianni olhou o relógio de pulso.
— Cinco e dez. Logo acordaria de qualquer maneira, para ir trabalhar.
— Mesmo assim, é quase uma hora de sono atrapalhado. Realmente sinto
muito.
— Não há nada para se desculpar. Que homem não quer ser acordado com
uma mulher o abraçando como se ele fosse a salvação de sua vida? —
brincou.
Sorri para ele, enquanto buscava seu maxilar. Fiz um carinho doce na barba
mal-feita e espinhenta. Ele estava sempre impecável, com certeza rasparia os
pelos no banho da manhã, mas agora se apresentava o mais humano
possível.
Eu gosto dele assim.
Ele parecia tão selvagem. Eu me esgueirei até ele, subindo em seu colo.
Gianni apenas me recebeu, segurando minha cintura, enquanto eu balançava
meus quadris para frente e para trás lentamente.
Era um ritmo gostoso. Logo ele beijava minha boca, o som estrangulado de
sua respiração ansiando para algo a mais. Estava de calcinha, então ele não
me penetrou, apenas brincamos assim, deslizando, aproveitando a ereção da
manhã que sempre despontava quando o dia amanhecia.
— Você está com sono? — perguntei, enquanto ele segurava meus seios.
— Não mais.
A provocação não durou muito. Ele conseguiu me erguer o suficiente para
deslizar a calça de pijama e a cueca pelos quadris. Foi o incentivo que eu
precisava para também tirar a calcinha.
Gianni me fazia sentir livre. Humana. Não uma coisa, mas algo a se amar. O
toque dele me aquecia, a voz dele alçava algo dentro do meu coração que eu
não era capaz de explicar.
Acho que eu o amo. Acho que sim. Acho que é amor essas batidas tão fortes
no meu peito. Mas, não consigo contar a ele meu segredo, porque sei que o
olhar dele vai mudar. E gosto como ele me olha agora. Como se eu fosse
apenas uma garota normal. Com um passado sim, talvez deixada grávida
pelo namorado, e só isso. Mas, não uma coisa, violada desde a infância, que
manteve no ventre o fruto de um estupro.
Talvez ele me julgue. Eu mesma me julgava a noite, quando ninguém estava
me olhando.
— Made? — ele perguntou, acho que eu me afastei do momento por pensar
demais.
Então, voltei para ele. Voltei a bater minha boceta pulsante no seu pau, sem
penetrar, apenas sentir, e a sensação era deliciosa. Carne contra carne, meu
corpo totalmente sensível ao meu marido.
Sua respiração estava difícil. E eu sei que ele estava lutando para prolongar a
provocação, tentando deixar o tempo entre nós ficar mais longo. O calor do
seu corpo queimava, o desejo enlouquecido desencadeou uma onda de jatos
quentes sobre minha xana.
— Você vai me fazer gozar só em ficar raspando assim — ele disse.
Eu adorava como ele parecia completamente entregue a mim. Eu estava no
controle. Isso era bom. Os sussurros que saíam de sua boca eram roucos e
doces, mas ainda assim revelavam sua fome.
A excitação me rasgou. Sem fôlego, eu me encaixei melhor, aberta, entregue.
Gianni se deixou guiar.
Nós nos fundimos em um só. Havia desejo e entrega absoluta. Tentei respirar
enquanto ele meteu, bem fundo, um pouco agressivo, cheio de energia. Meu
marido me girou na cama, ficando por cima de mim. Para isso, ele tirou
provisoriamente seu pau de mim. Quando voltou, sua cabeça parecia mais
inchada, e minha boceta o sugou de antecipação.
Ele começou a enfiar, recuar e enfiar em um ritmo alucinado, sua boca
buscando a minha, sua língua no mesmo ritmo de seu pau.
Levantei minha perna, esfregando-a para cima e para baixo na parte externa
da coxa dele. Ele segurou seu eixo por alguns segundos e então começou a
foder desesperadamente.
Eu comecei a gozar pela forma como ele penetrava fundo. Minha mente
implodiu em êxtase, enquanto bombeava para dentro e para fora,
aumentando cada vez mais a velocidade.
Era tão forte que beirava o bruto. Mas, ainda havia um toque de gentileza
que não sei explicar.
— Made... vou gozar — ele disse.
Continuei transando enquanto ele derramava, querendo capturar cada
momento especial, conforme seus jatos iam espirrando dentro de mim. Não
usávamos camisinha porque eu não tinha útero e não havia como engravidar.
E éramos exclusivos, tenho certeza disso. Casados. Marido e mulher.
Éramos sagrados um para o outro.
— Eu te amo — murmurei em seu ouvido.
Ele se retesou por um momento, seu pau ejaculando, mas seu corpo inteiro
travado. Então ele sorriu para mim, beijando minha boca antes de devolver.
— Eu também a amo, Made... Mais que tudo nessa vida... Goze no meu pau,
querida...
Minha pele formigava a ponto de loucura e eu gritei conforme o nirvana ia
cruzando minha pele.
Eu gozei alucinadamente, sentindo todo meu corpo recebendo o amor que
nunca imaginei que um dia mereceria. E então desabamos, exaustos, rindo e
aproveitando esse momento especial.
CAPÍTULO 19
or mais que eu estivesse vivendo o melhor momento de minha vida, com um
homem bom que cuidava de mim, eu ainda era mãe e responsável, e quando
o emprego na loja não veio, fui conversar no pequeno restaurante que ficava
as margens da rodovia 15, ao lado de um posto de combustíveis. Não queria
mais trabalhar servindo mesas, mas não havia outra escolha.
— Vem gente de todo tipo aqui — a dona me alertou, sra. Avenir. — Você
terá que ter jogo de cintura.
Eu assenti. Já trabalhei num lugar assim antes e sei que sempre haverá
alguém desrespeitoso e bêbado, e eu precisaria dar conta da situação sem
causar alvoroço.
— Pode deixar.
Não sei dizer se Gianni gostou de saber. Seu rosto foi uma incógnita quando
lhe contei. Ele apenas me lembrou de que eu não precisava fazer isso, e
achei fofa a maneira como ele estava tentando me proteger e cuidar de mim,
mas não era justo que só ele contribuísse.
Naquela manhã, eu acordei cedo, pus meu uniforme novo, e saí com Noah
para a escola. Eu o deixei lá por volta das sete e meia, e depois rumei para o
restaurante. Já havia outras duas garotas lá, terminando o turno da noite, e
elas me cumprimentaram rapidamente, antes de começar a me explicar sobre
como Sra. Avenir gostava das coisas.
— Sempre deixe os mantimentos pré-preparados, na geladeira... — apontou
Marion Dame, uma jovem de seus vinte e poucos anos, com a pele de ébano
e o cabelo bem apertado em um coque na cabeça. — Quando acabar, você
faz mais. Isso facilita quando alguém pedir, fica mais rápido preparar o
prato.
— Certo.
Trabalhar lá acabou se tornando uma das melhores partes da minha vida.
Especialmente porque as duas meninas, Marion e Alicia, eram muito gentis,
e eu sempre dava gargalhadas com as histórias que elas contavam sobre o
turno noturno. Ficávamos poucas horas juntas, já que elas saíam quando eu
chegava, mas criou-se amizade nesses poucos momentos.
Já de dia, os clientes eram mais razoáveis e amigáveis. Normalmente
famílias cruzando o país e parando ali para comer algo, ou algum
caminhoneiro que fazia o mesmo trajeto. Cheguei a atender um cliente de
Saint Jérôme. Foi incrível descobrir como eles gostavam de mim e me
tinham em boa memória.
Os dias começaram a passar. As semanas.
Noah estava bem no colégio. Gianni seguia a rotina de viagens diárias para
Montreal. Às vezes ele chegava exausto, às vezes pensativo, mas nunca
deixou que o trabalho interferisse em seu momento de família.
Meu marido sempre separava um sábado ou domingo para levar Noah para
passear. Ele também se sentava ao seu lado na sala e o ajudava com a lição –
que na verdade era mais desenhar rabiscos ou coisas assim. — Gianni
sempre estava disponível para ouvir as histórias de Noah.
Acho que foi nossa melhor época. Mas, como tudo que é bom dura pouco,
um dia, perto do meio-dia, um cliente entrou no restaurante.
Eu o cumprimentei sem olhá-lo, oferecendo uma mesa. Só quando terminei
de guardar um valor no caixa, foi que ergui minha face para ele. E gelei.
— Oi Madeline...
Jean Smith sabia quem eu era. Ele sabia meu nome. Sabia onde eu
trabalhava. Eu senti o pânico me sufocar, enquanto tentava encontrar uma
saída. O que ele faria agora? Iria tentar me violar no próprio restaurante?
Por sorte, e pelo horário, havia outras pessoas aqui. E ele era um covarde.
Jamais faria algo que pudesse denunciá-lo aos demais.
— Eu já sei sobre Noah — ele antecipou, e eu precisei me segurar no balcão
para não despencar. Minhas forças se esvaíram completamente. — Eu
preciso conhecê-lo.
Eu congelei. Não foi o corpo — foi a alma. Cada célula do meu ser gritou.
Quem ele achava que era para ousar pedir tal coisa? Quem? Desgraçado...
desgraçado... O encarei seriamente, dessa vez estudando sua expressão. Era
o mesmo Jean. Esse olhar de arrependimento não me causava simpatia.
Porque era o mesmo olhar que me assombra e me aterroriza até hoje. Ele
está mais velho, mas não mudou nada.
Ele ainda me vê como uma caça.
— O quê? — minha voz saiu baixa, mas afiada.
Ele sorriu. Como se tivesse o direito. Como se não tivesse arrancado de mim
mais do que qualquer ser humano podia.
— Eu te reconheci no mercado. Depois, eu a segui. Vi o menino. Fiz os
cálculos. Mas, mesmo sem eles... o garoto é a cara do meu pai.
Meu estômago revirou.
— Vá para o diabo!
Apesar da exclamação, minha voz saiu tão baixa.
— Madeline, por favor. Eu só quero ver ele. Conhecê-lo. Tenho direito de...
— Direito? Você me estuprou!
— Eu era um garoto...
Essa justificativa me quebrou.
— Eu também. Uma menina recém-saída de um abrigo. Sem uma casa, sem
família. Tentando a sorte em um emprego. E você me destruiu.
Ele hesitou. Mas, não é culpa. Ele não se arrepende de nada. Ele apenas quer
tentar mudar a ótica de minhas lembranças.
— Você também queria, Made...
— Nunca! Eu tenho nojo de você.
— Você não gritou.
— Adiantaria de algo? Acha que foi o primeiro a me violentar? Eu sei bem
que você queria que eu gritasse para se sentir poderoso, mas você é só um
merda, que conseguiu me derrubar porque tem – tinha – um pouco mais de
força do que eu. Mas, isso acabou.
Ele suspirou longamente.
— Eu mudei, Madeline. Minha vida mudou. Meu pai morreu num acidente
há dois anos. Minha mãe ano passado. A fábrica entrou em declínio, eu tive
que vendê-la... Eu estou sozinho desde então. É muito difícil. Mas, agora eu
descobri que tenho um filho...
— Você não tem um filho!
— Noah, ele...
— Ele não é nada seu. Ele já tem um pai!
— Quem? O bananão com quem você se casou? O cara é um coitado!
— Ele é decente. É honrado — afirmei. — Saía daqui, ou chamarei a polícia.
— Algum problema?
A voz externa a nossa discussão me fez girar na direção de outro homem que
chegava. Ele tinha cabelos pretos e olhos pretos intensos, como olhos de
demônio. Ele era tão grande e imponente que eu quase o temi, se seu foco
não estivesse totalmente voltado ao homem parado perto de mim.
— Não é assunto seu — Jean resmungou.
Ele não era corajoso. Era tolo. Inconsequente.
— Que idiota — um outro resmungou, às costas do recém-chegado. — Sabe
com quem está falando, seu babaca?
Jean o estudou. Eu fiz a mesma coisa. Era uma aura poderosa demais para
ser ignorada.
— Vai embora, Jean — disse, por fim. — Antes que eu chame a polícia.
Antes que eu grite para o mundo o que você fez.
Ele me encarou. Então ele se foi. Eu ainda estava trêmula quando ele saiu,
meus olhos ardendo, raiva, indignação e vergonha tomando conta de mim.
— Muito obrigada — disse ao homem que chegou. — Por favor, aceitem um
café como agradecimento — disse.
Os dois homens se encararam.
— Não temos muito tempo, Roy — o de olhos intensos lembrou-se. —
Estamos na cidade a procura de um homem chamado Carbone — girou para
mim. — Você conhece?
Carbone... Carbone... Eu havia lido sobre esse sobrenome em algum lugar.
— Não — respondi, sincera. — Qual é o primeiro nome dele?
Talvez fosse algum cliente, e eu só o conhecesse pelo primeiro nome. Os
homens me seguiram até uma mesa, eles se sentaram, enquanto eu ia buscar
as xícaras e bule.
— É Gianni – o tal Roy explicou.
Sorri.
— Só conheço um Gianni. Mas, ele é Pelletier. Meu marido.
Ambos se olharam.
— Não é a mesma pessoa.
Eu terminei de servi-los, e então continuei.
— Eu agradeço muito o que fizeram. Me chamo Madeline — me apresentei.
— Sou Roy — o mais jovem falou. — E esse é Vicenzo.
Outro sorriso grato. Mais um cliente me chamou, querendo algo no cardápio.
Me afastei para atendê-lo. Cinco minutos depois, quando olhei novamente
para a mesa onde deixei os homens, eles já haviam desaparecido.
Restava apenas a presença intensa que pareceu impregnar no lugar, como um
perfume, e uma nota de cinquenta dólares, como uma gorjeta gentil.
Não precisavam ter feito isso.
Mas, sorri, enquanto pegava o dinheiro.
De repente, me dando conta de que estou mais corajosa. Não vou pedir
demissão nem fugir. Vou enfrentar Jean, e ele saberá que nunca chegará
perto do meu filho. Preciso fazer isso sem que Gianni saiba. Não quero
trazer mais esse fardo para os ombros já cansados de meu esposo.
CAPÍTULO 20
ejo a figura grande e poderosa saltando da SUV escura assim que o
motorista abre a porta. Eu respiro profundamente, dando graças a Deus por
Beniamino estar cumprindo nosso trato.
O clima estava frio. Flocos de neve caíam suavemente. Eu era acostumado,
mas sabia que Ben, por viver em um lugar seco e quente, sentiu-se agredido
pelo vento que o massacrou. Me aproximei, sorrindo, estendo meus braços
para ele assim que se afastou minimamente do veículo.
— Meu irmão!
Não sou muito sentimental, mas estou tão feliz por Beniamino estar me
livrando de Chiara que o seguro mais tempo no abraço que a habitual troca
de afeto masculino.
— Os outros já chegaram? — ele indagou.
Queria saber do resto da família. Dei a entender que Dom seria ciente da
troca, mas não pude fazer isso. Dom não aceitaria. Francesca e Caterina não
manteriam segredo. E Nico estava ocupado demais para tal coisa. Então, não
me restou saída além de conversar apenas com meu tio Afonso, e meu irmão
mais novo.
— Somente Rocco. Nico está com problemas na Colômbia — Comecei a
série de mentiras. — Luigi estava com febre, meio adoentado, nosso pobre
sobrinho, então Caterina e Fran não puderam vir. A gravidez de Ava está
complicada... Ela está com diabetes gestacional, e teve um sangramento
esses dias. Está em repouso, e Dom não vai sair de seu lado.
— Mas, ele concorda com a troca que fizemos?
Ele realmente me colocou contra a parede com a pergunta direta.
— Aham.
Seu olhar demonstrou que fui pego no pulo.
— Você prometeu, Gianni...
— Calma. Ele apenas está repleto de problemas e... Dom não tem cabeça
para pensar nisso agora. Comecei a falar do casamento, e ele me
interrompeu, falado sobre Ava e o bebê — mais mentiras. — Está
preocupado, não quero miná-lo com isso agora. Francesca disse que irá
explicar melhor a situação assim que for possível.
Realmente Dom estava ocupado, e Ava estava com diabetes. Mas, nunca
cheguei a levantar o assunto com o Capo sempre que o ligava. Até queria, na
verdade. Podia dar dicas para Ava sobre a gravidez, já que nos últimos meses
me tornei um expert em comida saudável, mas não pude dizer nada.
A impressão que tenho é que passo todas as horas da minha vida mentindo
para todo mundo.
✽ ✽ ✽
Rocco me dava muito orgulho. Ele se tornou um homem forte e
determinado. E ele realmente manteve meu segredo sobre o casamento de
Ben. Agora, aqui, diante do altar do padre Afonso, vendo Ben e Chiara
trocando os votos, eu me sinto o homem mais sortudo do mundo.
A mão de Rocco bateu no meu ombro, enquanto nós assistíamos brevemente
Ben jurar amar e proteger a sem sal da Chiara.
— Por que fez tudo isso, irmão? — ele indagou, me mostrando que também
se tornou perspicaz.
— Só não queria me casar com ela.
— Você sabe que pode me contar tudo, não sabe? Não precisa guardar tudo
para si mesmo.
O que ele devia imaginar que era?
— Não há segredos, Rocco. Apenas minha falta de vontade.
Ele me estudou por algum momento a mais, mas logo foi interrompido pela
celebração ao final dos votos.
Estava feito. Nem Dominus conseguiria nos fazer voltar atrás.
✽ ✽ ✽
— Você devia contar a Ben — Filippo me sugeriu, enquanto víamos Chiara
entrar no veículo que a levaria para longe. — Divida o segredo, senão o
fardo ficará pesado demais, Gianni.
— Nenhum deles entenderia.
Filippo não pareceu concordar, mas avançou na direção dos noivos. O assisti
se despedindo da irmã… Ele a amava, do jeito torto dele, mas amava. Ele
queria um bom futuro para ela, um casamento decente, e fez o que pôde para
conseguir isso. Ele não sabia fazer de outro jeito para resolver as coisas.
— Cuide de minha irmã — pediu a Ben.
— Esteja certo de que o farei.
Me despeço de Ben nesse momento. Logo, estão longe, e a vida voltaria ao
normal, não fosse o pedido urgente de Filippo.
— Precisamos conversar.
Afonso e Rocco já foram. Ben e Chiara, também. O casamento acabou,
então sabia que não havia mais nada sobre as bodas que pudesse ser alvo de
uma conversa. Assim, só restava o trabalho. E pelo olhar de Filippo, era algo
sério. O segui rumo ao seu escritório, o ar quente do aquecimento central
tocando meu rosto.
— Soube que Vicenzo Carbone estava na sua região — ele me contou,
arrepiando os pelos de meu braço, assim que entramos.
Como não me disse isso antes? Entendi os motivos: o casamento.
— Por quê?
— Não sei. Mas dizem que ele perguntou por você na cidade.
Eu caminhei até a janela. O vidro embaçado mostrava a neve que caía de
forma intensa pelo jardim.
— Deixe que ele venha — murmurei.
— Não acho que ele esteja tentando matá-lo. Ele não viria pessoalmente
fazer isso.
Não me importava o que Vicenzo quisesse. Eu só queria matá-lo. Não
ouviria uma única palavra de sua boca. Se ele aparecesse na minha frente, eu
puxaria meu revólver e dispararia com gosto na sua cabeça.
— Você precisa tirar sua esposa da cidade. Seu filho — Filippo avisou. —
Claro que Carbone pode não desejar fazer nenhum mal aos seus, mas sempre
há um risco.
Ele estava certo. Mas, apesar de Madeline ter me pedido para vir morar em
Montreal meses atrás, hoje ela estava feliz e satisfeita na cidade. Tinha um
emprego, Noah estava bem na escola...
— Vou ver sobre isso — murmurei.
— Tem outra coisa...
Sempre tem.
— Meus homens, você sabe... estão sempre infiltrados. Eu tenho gente no
comércio local, tenho gente nas transportadoras... enfim... Um dos meus
homens que vive na região me contou que há um homem perguntando de
Madeline.
Como é que é?
— Quem?
— Ele comprou um prédio abandonado perto da sua casa. Pode ser apenas
um... admirador... Mas, ele andou se aproximando da escola de Noah
também. Eu acho que devia conversar com sua esposa sobre isso.
Assenti, agradecendo a Filippo pela informação.
— Qual é o nome dele?
— Jean Smith — Filippo dedurou. — Espero que tenha uma bonita lápide —
sorriu.
E seria isso mesmo.
CAPÍTULO 21
u era um mentiroso nato. Um mentiroso capaz de detectar outro a
quilômetros. Foi assim que eu soube que Madeline mentiu para mim quando
a perguntei se ela conhecia Jean Smith.
Ela estava de costas, lavando a louça. Noah, na mesa da cozinha, pintando
um sapo em cores vívidas. O mundo parecia exatamente igual a todos os
dias, mas havia um quarto elemento aqui: a mentira.
Esse elemento andava sempre comigo, mas era a primeira vez que o via ao
lado de Madeline.
— Jean Smith? — ela repetiu.
E hesitou. Por um segundo. Mas eu sou acostumado a ler as nuances dentro
de pausas. Eu sabia que havia algo ali.
— Não... não que eu me lembre. Por quê?
Vi a tensão no ombro, a mudança na respiração. Ela aguardou o confronto,
mas eu não lhe dei isso. Eu conhecia bem demais minha esposa para saber
que, se ela estava guardando um segredo, era por medo. Não despeito. Não
traição. Medo. Eu não admitia que nada causasse medo em Madeline.
— Nada demais — eu disse, com um sorriso que doeu nos dentes. — Soube
que ele comprou um prédio aqui na cidade e vai abrir um empreendimento.
Estava pensando em oferecer meus serviços de contador.
Lá vi novamente, o medo e o pânico em seus olhos. Suas mãos tremeram,
segurando a louça.
Mas, ela não disse mais nada. Também não ousei forçar. Madeline era como
eu, um ser de muitas camadas. E eu sabia que ela me amava. A forma como
se entregou para mim, a forma como me afirmou isso, eu não tinha dúvidas
que era amor.
Estava ciente de que não era traição. Estava ciente que ela não confessou por
algo que trazia dentro de si.
Eu só precisava descobrir o que era.
✽ ✽ ✽
Perdi outra noite de sono, minha preocupação focada em Madeline.
Já fazia dias que eu não dormia direito. Nem ela. Eu a via se revirando nos
lençóis, tremores que me indicavam um choro reprimido. Aquilo me matou.
Madeline não me traía, mas estava aterrorizada. Tanto, que nem conseguia
me contar o que era.
Mas, ela não precisava que eu dissesse. Eu sou o fantasma da família
Carbone, eu posso descobrir por mim mesmo.
Todas as noites, depois do jantar, eu saio. Digo que vou ao mercado, ou que
vou simplesmente espairecer. Digo que estou com problemas no trabalho.
Digo que preciso pensar. Ela nem questiona. Mas, Noah pede para vir
comigo. Aceito quase sempre, mas às vezes digo que preciso ir sozinho.
Até porque, não é seguro manter comigo um garotinho de quase quatro anos,
enquanto planejo matar esse homem.
Eu ando pela Charles, até o prédio onde Jean Smith está empreendendo. Ele
sempre vem, entre as nove e dez. Ele mesmo está pintando o prédio, então
sua roupa é multicolorida, e suas mãos carregam baldes de tinta. Jean
estaciona seu carro sempre na esquina, e dá algumas voltas diante da fachada
para ver como ficou.
Então ele sorri sozinho, como um tolo, parecendo muito orgulhoso de si
mesmo.
Já levantei tudo que pude dele. Nunca produziu nada na vida, tudo que tem
vem do que o pai deixou, e ele já colocou fora metade da herança que
recebeu. Ele não é um homem admirável. Não é errado ter sorte e receber
herança, mas é errado perder tudo que um homem levou uma vida para
produzir, em poucos meses.
Puxo um cigarro na escuridão, enquanto olho. Jean entra sozinho. Fica horas
lá dentro. Às vezes luzes se acendem no segundo andar. Às vezes vozes
ecoam pelas janelas quebradas. Eu anoto tudo. Os horários, os padrões.
Quando chega. Quando saí. O que carrega no porta-malas. Com quem fala
quando cruza a esquina. Quem entra com ele, quando contrata algum serviço
externo.
Não sou afobado. Um assassino nunca pode ser. Além disso, não quero
matá-lo sem saber exatamente o que ele quer. Qual seu propósito em estar
aqui.
E uma parte de mim sabe que não vai importar a resposta.
✽ ✽ ✽
O dia amanheceu calmo, como todos os dias em minha casa, com minha
família. Dou um beijo na bochecha de Madeline, enquanto ela arruma o café,
e ajudo Noah a arrumar sua pequena mochila do homem aranha, enquanto o
ouço contar sobre como eles farão muitas atividades na escola.
Tudo calmo. Tudo igual.
Não fosse o telefone tocar um pouco antes de eu sair.
Gelei quando li o nome. Mas, tentei disfarçar para minha esposa. Não era um
nome que eu podia desconsiderar ou ignorar, então simplesmente rumei na
direção da saída, para o corredor, enquanto atendia.
— Dominus? — o chamei, assim que ouço sua voz do outro lado.
— Você acha mesmo que vai agir pelas minhas costas e eu não vou
descobrir?
Não sei o que esperar. Dominus lembrava meu pai em alguns momentos,
apesar de dizerem que nenhum de nós era filho biológico de Paolo. Nunca
fizemos os exames, não queríamos saber a verdade.
Ele era como uma raposa à espreita o tempo todo. Mas, ele ainda era meu
sangue, o irmão mais velho que cuidou de mim quando mamãe saiu de Tana
com o pescoço quebrado. Foi ele que me segurou no colo enquanto eu
chorava sem entender o que estava acontecendo. Era ele que também me
escondeu naqueles primeiros dias, para que Paolo não visse a fraqueza em
mim. E ele se colocou na minha frente quando meu pai foi me bater porque
homem não chora.
— Irmão...
— Como pôde ter casado Chiara com Ben? Não foi isso que eu decidi! —
ralhou.
Chiara... Ben... nenhuma palavra sobre Madeline. Quase suspirei de alívio.
— Era o melhor.
— Não era o melhor! Eu tinha um casamento planejado para Beniamino.
Quero que venha para Tana, agora!
Um barulho as minhas costas, giro e vejo Madeline com os olhos curiosos.
Mas, por sorte, ela não diz nada, e sua presença é alheia a meu irmão.
— Claro, chefe — digo alto, para que ela entenda com quem estou falando.
— Chefe? Nunca me chamou assim.
— Vou pegar um voo amanhã, ok? Estarei aí antes que perceba e vou
resolver isso.
E desliguei, sem dar tempo de Dominus entender a conversa estranha.
— Terá que viajar de novo? — ela parecia verdadeiramente triste.
E mais. Havia algo a mais em seu olhar, que eu não era capaz de captar.
— Sim, esposa... Mas, não se preocupe. Bate, volta. Estarei em casa antes
que perceba.
Vi uma preocupação nos olhos dela, mas Madeline não explicou nada.
Ela estava preocupada em ficar sozinha? Por causa de Jean Smith? Por quê?
O cara era um pamonha!
Me aproximo e dou um beijo em sua testa. Ela suspira e se agarra em mim.
Ela tem tantas nuances, às vezes me sinto incapaz de alçar tudo nela.
✽ ✽ ✽
— Preciso que coloque seguranças perto de Madeline. Há um apartamento
vazio no mesmo andar do meu. Já mexi os pauzinhos e o aluguei. Você pode
colocar Luca lá — disse a Filippo. — Apenas um ou dois dias, até que eu
volte.
Romagna balançou a cabeça. O escritório dele estava estranhamente quieto
hoje.
— O que aconteceu? — indaguei, porque ele parecia estranho.
— Minha empregada está morrendo no hospital.
Eu conhecia os criados.
— Olívia? — era a única com câncer. Então imaginava que era a mais
suscetível no momento.
— Sim. Chiara ficará arrasada.
— Eu sinto muito — fui sincero.
Sou um assassino, mas não sou um monstro. Pessoas boas não deviam
morrer, não ao menos em sofrimento.
— O que dirá a Dominus? — Filippo questionou.
Eu tinha a sensação de que estava prestes a ser atirado em um poço sem
fundo. Não sei como olhar nos olhos de Dominus e mentir descaradamente.
— Preciso confessar a ele a verdade. E torcer para que seu espírito católico
reconheça o valor do meu matrimônio.
— Ele não vai aceitar — me advertiu. — A moça é boa pessoa, mas... Ela
não tem... você sabe... o nível.
Eu sabia que Filippo não queria ser grosseiro nem ofensivo. O nível que ele
tratava era o que Dominus exigiria para ser esposa de um de seus irmãos:
boa família, sobrenome importante dentro da máfia, jovem, bonita, disposta
a dar muitos filhos a Lobos de Sangue e, em especial, alguém que ele
pudesse usar para um bom acordo.
— Eu preciso falar outra coisa com você.
Ergo a face e encaro Filippo.
— Quero pedir a mão de Caterina.
Ele já havia insinuado isso. Mas, não gostei da ideia.
— Ela tem filho.
— Eu sei. Já disse, assumo os estudos do garoto e ele pode ir para uma
escola interna.
Não era o bastante para mim. Luigi era da idade de Noah. Se você não está
disposto a amar um garotinho como se fosse seu, nem devia se interessar por
uma mãe solteira.
— Não — fui direto. — Luigi está no pacote.
— Mas... Você sabe... Se fosse, tipo... uma viúva, ou uma moça enganada
pelo namorado... Mas...
Mas, Luigi era fruto de violência. Fruto de maldade. Era olhar para ele e ver
tudo que Caterina passou. Entendia as nuances porque passava pelas mesmas
dúvidas. Eu nem conseguia pegar a criança no colo...
— Eu nunca vou entender por que ela não tirou — murmurei, em voz alta.
Filippo arregalou os olhos, mas não comentou mais nada.
— Falarei com Caterina primeiro. Mas, reforço: Luigi está no pacote.
Ele assentiu. Mesmo com o menino, Caterina ainda era um nome importante
e uma união com ela era mais do que Filippo podia desejar.
CAPÍTULO 22
u já estava abalada por mais uma viagem de meu marido, quando cheguei ao
trabalho e soube que um homem, Jean, andou perguntando sobre mim de
noite.
— Ele parecia muito interessado — Marion apontou, enquanto me
encurralava de canto.
Acho que ela viu algo em meu semblante, não sei dizer. Talvez por eu jamais
ter tido uma amiga, ou alguém para conversar, de repente tudo desabou
sobre meus ombros. Toda a pressão que já enfrentava a dias, e agora mais
uma viagem de Gianni...
Isso estava me incomodando. Eram muitas viagens, muitas noites passadas
fora de casa. De repente, comecei a criar teorias na minha cabeça de que ele
tinha uma outra vida, na qual eu não podia estar presente. Isso me causou
tanto mal-estar que comecei a passar mal, ainda antes de sair de casa.
Por que o chefe dele não sabia nada de mim?
Por que perguntou tão incisivamente quem eu era?
Por que ele se afastava quando atendia o telefone?
Não era normal. Eu nunca tive uma vida normal, nunca fui casada ou tive
uma família, mas eu sabia que não era normal. Uma parte de mim insinuava
que Gianni apenas tinha vergonha de mim, de Noah... Como um homem
como ele se interessou por alguém como eu? Mas, outra sussurrava na minha
mente que ele tinha outra família.
Talvez outra esposa. Talvez até um filho próprio.
— Madeline? — Marion insistiu, quando me viu entrando em colapso.
— Eu acho que meu marido tem um caso — disse a ela, que arregalou os
olhos.
— O bonitão?
Ela o havia visto algumas vezes na cidade.
— Ele desaparece. Dias. Ele diz que é viagem a trabalho, mas... eu tenho
uma intuição — murmurei a ela.
Marion ficou realmente sem saber o que dizer.
— E tem mais... Nunca falei com ninguém do escritório que ele trabalha.
Não sei quem são. Ele nunca fala comigo sobre eles, nunca compartilha nada
do seu dia a dia.
— Você já foi no trabalho dele?
— Não. Eles não sabem que eu existo. Gianni nunca contou a eles que
somos casados.
Ela arregalou os olhos.
— Talvez a amante trabalhe com ele — sugeriu.
E, de repente, tudo se encaixou.
ERA ISSO! ELE ESTAVA ME TRAINDO COM ALGUÉM DO
ESCRITÓRIO.
Meu Deus, eu sou tão tola!
— Bom, mas antes de criar mil teorias, vá até o escritório dele, e procure-o.
Tire essas dúvidas da cabeça — ela disse. Era coerente. — Porque se ele
estiver te traindo, você vai ficar sabendo. Mas, se não, também vai saber. Se
falar com o chefe dele, entenderá as viagens...
Ela tinha razão.
— Não sei onde fica... Só sei que fica em Montreal...
— Procura o endereço na internet.
— Eu nem sei o nome da empresa.
— Ele deve ter algum papel em casa. Procura lá, um cartão, uma fatura, sei
lá...
Assenti... nunca mexi em suas coisas, mas hoje eu iria revirar aquele
apartamento até encontrar algo.
— Mas, e o cara que veio de madrugada especular sobre sua vida? —
Marion indagou.
Eu suspirei pesadamente.
— Ele é um monstro — desabafei. — Por favor, não falem nada sobre mim
para ele.
A sobrancelha bem delineada dela se ergueu, como se indagasse o porque
das minhas questões.
— Um stalker?
— Pior — disse. — Há alguns anos eu trabalhava como faxineira na
empresa do pai dele. Um dia ele me pegou e...
Não consegui terminar. Um choro compulsório tomou conta de mim, e eu
solucei. Marion se adiantou e me abraçou tão docemente que eu quase me
afundei nela porque precisava muito desse amparo.
— Você denunciou?
— Ele não foi o primeiro que fez isso comigo. E ninguém nunca me ajudou,
então... Eu me calei. Sei que sou culpada por ter me calado, mas...
— A maioria de nós se cala... Se culpa — ela murmurou. — Eu também já
passei por isso. Acho que toda mulher já passou. A gente simplesmente não
fala. Até porque nunca adianta falar...
— Eu fiquei grávida — continuei o relato. — É Noah.
Marion me soltou, dando um passo para trás, embasbacada.
— Ele está atrás do menino?
— Sim...
— Você precisa falar com a polícia. Ou com seu marido. Por mais que ache
que ele está te traindo, ainda assim ele vai te proteger, e ao menino. É uma
questão de segurança. Esse homem pode fazer mal a Noah.
Ela tinha total razão. Decidi naquela hora que resolveria isso o mais rápido
possível.
— Obrigada por me ouvir.
Marion bateu no meu ombro. Do lado externo da cozinha, alguém chamou.
Um cliente. Nós nos separamos e voltamos a nossa rotina de atendentes
porque a vida não espera o drama acabar.
✽ ✽ ✽
Uma rajada de vento corta minha pele como navalha. Eu levo a mão ao
rosto, pensando que preciso comprar um novo hidratante, porque o vento
frio está acabando comigo. Ignorando isso, caminho rapidamente pela
calçada até chegar à porta da escola. O guarda da frente acena para mim,
enquanto comenta rapidamente que vai nevar.
De novo.
O ano todo está assim. Ele lembra que na juventude ainda havia períodos de
breve calor. Não verão como nos trópicos, mas ao menos um pouco de alívio
para os invernos difíceis dali. Eu concordo.
Então vejo Noah. Saltitante, com sua nova mochila da Patrulha Canina,
presente de Gianni desde que meu filho se apegou nos personagens.
— Mamãe! Olhe o desenho que eu fiz — ele me mostra um papel cheio de
rabiscos coloridos e eu o pego no colo, enquanto beijo seu rosto.
— Que lindo, meu amor — digo, demonstrando empolgação. — Você quer
fazer mais um desses para mim quando chegarmos em casa?
Noah concorda. De repente, vejo sua professora, Emma, se aproximando. Eu
realmente gosto da mulher. Ela é inteligente de um jeito espontâneo, mas não
parece arrogante. E ela realmente nasceu para lidar com crianças.
— Vamos preparar uma festinha com as crianças na próxima semana — me
contou. – Em comemoração ao Thanksgiving Day. Aqui está uma lista de
coisas que Noah deve trazer.
Agradeci, pegando o bilhete e o lendo. Eram coisas simples, um bolo
simples, uma garrafinha com chá, alguns sanduíches. Eu faria tudo
facilmente um dia antes.
— Pode deixar.
Então me despedi dela e do guarda, e saí da escola. A rua estava lotada de
carros e de pais, buscando seus filhos. Um dia típico, não fosse os dois olhos
vidrados na minha direção.
Eu vi Jean antes de ele me ver. E então me dei conta de que ele já sabia onde
Noah estudava. Já sabia a rotina de Noah. E Marion estava certa, era questão
de segurança que eu procurasse a polícia e relatasse o que estava
acontecendo.
Mas, agora... agora eu só estava precisando fugir. Em pânico, começo a
caminhar rapidamente na direção oposta, meus nervos colapsando mais uma
vez. Não sei se Noah percebeu, mas ele estava em silêncio, enquanto me via
puxando o celular e tentando conseguir alguma ajuda.
Mas, para quem eu ligaria? Gianni não estava na região. Mais uma vez, ele
me deixava a mercê de alguém. Não é justo pensar assim, mas estou
magoada e cheia de questões. Não é a primeira vez que ele faz isso comigo.
Ele já fez no bar, quando me deixou com aquele bandido...
De repente um carro para ao meu lado. Eu travo, assustada.
— Ei, você não é a esposa de Gianni?
Eu giro e vejo um homem de cabelos claros, e olhar amistoso. Ele é jovem,
tem no máximo trinta anos. Está bem-vestido. Não parece uma ameaça.
— Sim... Sou eu.
— Sou seu vizinho. Estou morando no 202. Já conheci seu marido. Quer
uma carona? Estou indo para casa agora.
Eu nem pestanejei. Entre um desconhecido e ficar à mercê de Jean, mil
vezes o desconhecido. Entrei no carro, aceitando a oferta de imediato.
— Oi garotão — ele cumprimentou Noah quando este se sentou no banco
traseiro. Depois, volveu novamente para mim. — Desculpe eu não ter me
apresentado antes para você. Sou Luca — ele disse, enquanto já girava o
volante e dirigia para longe da escola. — Você é...?
— Madeline — percebi que meu tom trazia um crescente alívio.
— Parecia nervosa lá... Aconteceu alguma coisa?
— Eu só acho que vi alguém... — contei. — Alguém que não queria ver —
admiti.
Ele assentiu, compreensivo. Depois, mudou de assunto. Falou do tempo,
clima e do trânsito. Minutos depois, chegávamos em casa. Em segurança.
CAPÍTULO 23
ominus estava vermelho de raiva. Em pé, na enorme sala, diante de toda
família, ele me encarou com uma expressão estranha, como se estivesse se
segurando para não torcer meu pescoço.
— Quero uma explicação, Gianni...
Eu mal havia colocado os pés para dentro de Tana. Nem cheguei a
cumprimentar minha cunhada, minha irmã ou minha madrasta. Minha mala
ainda estava segura na minha mão, meu olhar frio mantido firme.
Diga a ele a verdade... Algo sussurrou no meu ouvido.
Era só dizer. Que porra! Não dava para voltar atrás agora! Ben já havia
desposado Chiara, o casamento foi consumado e acabou. Ele não iria
reverter nossos papeis. Mas, lembrei-me do que disse Filippo... Ainda havia
um acordo com a Oceania sendo planejado, e ele podia me usar...
Então... Diga a verdade...
Olhei para meu irmão cuidadosamente, enquanto Francesca se colocava em
pé e abria espaço. Ela veio até mim e me abraçou. Era a mulher mais bonita
que qualquer um de nós já havia visto. Sinceramente, seria uma modelo ou
atriz de sucesso, caso não tivesse sido vendida ao meu pai.
— O que aconteceu, Gianni... Por que armou tudo isso? — ela me
perguntou.
Sou casado!
— Mal consigo acreditar que meus próprios irmãos descumpriram minhas
ordens e fizeram o que quiseram, sem que eu ficasse sabendo. Sabe a
imagem que transmitiram aos demais? Que ninguém precisa cumprir o que o
Capo ordena!
Sou casado!
“Diga a ele, Gianni”... A voz continuava nos meus ouvidos. “Diga que é
casado. Diga que não pode desposar outra. Que já tem uma família”.
— Fale, Caspita! — Dominus bramiu.
Só a família estava aqui agora. As três mulheres e meu irmão. Rocco não
estava aqui, acho que de alguma maneira ele entregou Ben. Sem querer,
claro... Mas, estava envergonhado. Não estava com raiva dele. Era um
menino ainda e, sinceramente, não dava para esconder para sempre.
Só precisava que ele escondesse até o casamento de Ben ser consumado.
Depois disso, acabou. Nossas leis são muito claras sobre casamento. E
Dominus é o mais religioso de todos.
Apesar disso, era astuto e calculista. Sabia que o mundo estava mudando,
que as facções estavam fortes – tão fortes – quanto as máfias. E não havia
escolha além de se fortalecer em laços sanguíneos. Dom buscava honra. A
honra é mais forte que o dinheiro.
— Eu entendo sua frustração — disse a ele. — Mas, eu fiz o que precisava.
Francesca apertou meu braço. Acho que não eram as palavras certas.
— Fez o que precisava? E o que precisava era trair seu irmão? — Dominus
gritou, avançando.
Eu empurrei minha madrasta brevemente para o lado. Entre os irmãos
Carbone, as coisas eram violentas as vezes.
— Por quê? Diga! — exigiu, tão perto que o calor da sua respiração bateu no
meu rosto.
Sou casado!
Sou casado!
Sou casado!
— Eu sou gay.
Que diabos de mentira foi essa? Mas, foi a única coisa que exalou dos meus
lábios, na ânsia de proteger a vida que eu tinha com Madeline.
Eu vi uma variação de cores despontar na cara de Dominus, enquanto Ava
abria a boca num “O”, e Caterina escondia um sorriso, que logo se tornou
uma gargalhada. Francamente, fazia anos que eu não a via rir.
A mão de Francesca, que nunca deixou meu braço, apertou com mais força.
Eu imaginei que Dominus surtaria enquanto começaria uma série de
exigências da verdade, mas ele recuou de imediato, como se sentisse dor
física.
— Papai dizia isso, mas eu nunca acreditei — ele murmurou. — Nunca te vi
com nenhuma mulher...
Não acredito que ele realmente estava acreditando.
— Pois é... — murmurei.
E, para surpresa de todos, ele simplesmente saiu da sala. Sem uma palavra a
mais. Era como se tivesse caído de cabeça no chão, e estivesse zonzo,
precisando de espaço. Não o segui. Apenas fiquei de longe, observando seu
afastamento. Logo, Francesca me deixou e o seguiu. Caterina não se mexeu,
apenas me encarou como se me estudasse, mas não disse nada. Apenas Ava,
com aquela barriga enorme, veio até mim.
— Vamos, cunhado... Seu quarto o espera.
✽ ✽ ✽
— O que é que tem no bolso?
Indaguei, quando a percebi enfiando as mãos no vestido, e mexendo em algo
ali.
— Não é nada.
Eu vi a culpa na cara de Ava e avancei. Estravamos só nos dois no quarto,
segurei sua mão e a ergui. Em seus dedos, percebi duas pequenas bolachas
doces.
— Você está brincando comigo! — ralhei.
— Não aguento mais comida saudável!
— Sabia que seu bebê pode nascer doente? Pode ter até diabetes! Você quer
condenar seu filho a levar agulhas de insulina para o resto da vida?
Acho que ninguém nunca tinha ralhado assim com ela. Vi a culpa nos olhos
de Ava, acredito que ela só calculava o risco para si mesma, até o momento.
Ela soltou as bolachas na minha mão, e jurou nunca mais comê-las.
— Como você sabe essas coisas?
Dei de ombros.
— Vivi variáveis situações na minha vida. Sei de tudo um pouco.
Voltei a abrir minha mala. Eu tinha roupas em Tana, dentro do armário.
Comigo, agora, só trazia duas ou três peças de baixo. Ava se sentou na cama,
enquanto me observava arrumando as coisas. Eu sabia que ela queria me
dizer algo, mas não sabia como trazer o assunto à tona.
— O que é?
— Gianni, o amor da sua família por você não vai mudar — ela garantiu.
Ah, que saco!
— Sei.
— Não importa a sua sexualidade a nenhum de nós.
Incrível como eles realmente não duvidaram da situação. Mas, era melhor
que pensassem isso mesmo.
De repente, o quarto é invadido pelo meu irmão. Dom me encara, sua
expressão fechada, como se estivesse pronto para uma guerra.
— Quero conhecer seu homem!
Que porra!
— Que?
— O seu homem — explicou. — Quem é esse cara?
— Não estou em um relacionamento — tentei argumentar.
— É Filippo?
A situação era tão irreal que não aguentei mais e comecei a rir. Acho que eles
nunca me viram rindo. Não sou do tipo que ri, não sou do tipo agradável.
Mas, agora cheguei a me curvar ao lado do armário, tentando controlar a
gargalhada e as lágrimas.
No mais, silêncio. Dominus esperava, e Ava parecia apreensiva pelo marido.
— Não, não é Filippo — disse, assim que consegui controlar o riso. – Ao
contrário, Filippo está pensando em pedir Caterina.
Dominus pareceu surpreso demais para uma resposta.
— Caterina... Luigi é...
— Filippo sabe. E pensa em assumir o menino. Ele precisa se casar, e quer
fixar os laços com nosso clã.
— Eu... preciso conversar com Caterina sobre isso...
Ele nunca precisava conversar com nenhum irmão para estabelecer
matrimônio. Ele apenas comunicava. Mas, Caterina sempre foi a luz dos
olhos de Dominus. Talvez por isso a traição de Vicenzo doía tanto.
— Está bem, meu irmão — lhe disse. — Sobre mim, espero que, se possível,
não haja mais casamentos. Sinceramente, não é a melhor coisa me casar com
qualquer filha de máfia.
Dominus não respondeu. Mas, eu sabia que, por enquanto, estava seguro.
✽ ✽ ✽
— Dominus conversou comigo — minha irmã se colocou ao meu lado no
sofá.
Eu bebia uma xícara de chá preto. Abri um pouco de espaço, enquanto a via
com a expressão apagada, enquanto tentava analisar toda a situação.
— O que você acha? — perguntei.
— É uma saída para mim. Luigi teria um pai. Um sobrenome. As pessoas
não mais o apontariam como...
Ela não terminou. Não precisava. Eu a estudei por momento. Minha irmã
parecia abatida, cansada. Ela nunca mais foi a mesma depois de ser
devolvida por meu primo. Mas, agora, a coisa beirava a exaustão
psicológica.
— Ele será um bom marido. Eu prometo. Ou eu o mato — jurei. — E ele
sabe disso. Sabe que eu o mataria se fosse mau para você.
Ninguém que nasce em uma máfia acredita piamente que tem qualquer
liberdade. Somos frutos de casamentos arranjados, e seremos figurantes de
nossas vidas, toda uma existência. Eu ousei fazer diferente, e por isso vivia a
pura mentira. Há muito tempo.
— Você não é gay, é? — ela indagou.
Não era uma pergunta, na verdade. Ela estava afirmando.
— Não sei como Dominus acreditou — admiti. Não mentiria para ela.
— Porque eles acham que todo homem tem que viver no meio das pernas de
uma mulher. Eles não entendem pessoas mais... como você — apontou. —
Você não tem esse tipo de necessidade. Mas, eventualmente, algumas vezes,
eu vi seus olhos interessados por alguma mulher. Brevemente, nunca muito
tempo... mas... Eu vi. Todavia, acima de tudo, nunca vi por um homem.
Ela era perspicaz, inteligente. Eu fiz um breve carinho em seu rosto.
— Quero que me leve ao Canadá. Antes de aceitar Filippo, quero uma breve
experiência de como é a vida lá.
Fiquei surpreendido. Ela não saía do casulo há anos.
— Eu não tenho muito tempo para cuidar de você — disse.
— Eu sei. Posso ficar no seu apartamento, trancada. Há segurança lá. Às
vezes, quando der, posso ir conversar com Filippo, em sua presença, claro.
Quero ver como ele irá conviver com Luigi. Dominus me disse que posso
recusar o pedido, mas só farei isso depois de ver pessoalmente como
Romagna reage a Luigi.
Ela era fria. Estava calculando seus passos. E não faria nada que pudesse
colocar Luigi em risco.
Mas, nem sempre foi assim. Era a garotinha casa, uma adolescente atrevida e
cheia de vida. Amava bandas de rock, e criticava abertamente as escolhas de
Dominus. Brigava, lutava... brincava, ria...
E então foi sequestrada. E, meses depois, devolvida grávida. Foi abusada. E
mudou.
E lembrar de Caterina antes, e vê-la agora, como se todos os dias apenas
buscasse energia para viver... Isso mexia comigo. Mesmo eu sabendo os
segredos que precisava esconder, não deixaria Caterina para trás.
— Está certo, irmã.
CAPÍTULO 24
e eu fosse franca comigo mesma, saberia que desde o primeiro momento em
que conheci Gianni, algo não se encaixava. Um homem bonito como ele,
perdendo seu tempo em um bar longe de tudo, vindo todas as noites, apenas
para tomar um café. Então, anos depois, o pedido de casamento. O fio solto
no tecido do nosso cotidiano parecia despontar da realidade.
A casa que ele me trouxe, sem nenhum acessório, nenhum adorno, nenhum
quadro. Nunca falei ou vi a fotografia de ninguém de sua família. Nem falei
com ninguém com quem convivia. Isso não era normal.
Não era mesmo!
Eu não queria ver, é verdade. Porque eu me apaixonei por ele. O homem
bom que pagava tudo sem questionar nada. O marido gentil que elogiava
qualquer comida que eu fizesse. O homem que sempre me levava para
passear no parque de mãos dadas.
Mas, a verdade é que eu não conseguia mais ignorar como Gianni era
estranho. Calado. Ausente em muitos momentos. Durante meses tentei me
convencer de que era coisa da minha cabeça, que nenhum casamento é
perfeito. Mas a dúvida tem um jeito silencioso de se infiltrar, e quando
Marion falou, ela simplesmente tomou conta de tudo.
Eu cheguei em casa, o coração aos saltos. Fiz minha obrigação primeiro, dei
banho em Noah, dei um lanche para ele, e então o coloquei em frente a
televisão e lhe disse para assistir um filme. Enquanto ele mordiscava o bico
da mamadeira com chá de camomila e assistia os desenhos com olhos
pesados de sono, eu comecei a fuçar em tudo na casa. Todas as gavetas,
todas os armários da cozinha. Não sei exatamente o que eu procurava, mas
entendi o que não achei: sem contas vencidas, sem papeis velhos, sem
lembranças.
Vazio... o lugar era vazio.
Fui para o quarto. Abri o lado dele no armário e comecei a retirar seus
casacos do lugar. Revirei peças, o cheiro dele me fazendo hesitar por um
breve momento.
Eu realmente estava disposta a encarar o que podia encontrar?
Mas já havia cruzado o limite, não tinha mais volta.
Duas calças, e encontro um papel. Um recibo de um café em nome de...
Gianni...
Carbone...
Gianni Carbone...
Algo gelou no meu íntimo. Eu já tinha ouvido esse nome dos dois caras no
restaurante. Mas, não liguei ao meu marido porque ele é um Pelletier. Tenho
certeza disso... Afinal, eu me casei com ele. Não é? Eu li seu nome na
certidão... Não li?
Volvi para meu lado do armário, buscando uma caixa em uma gaveta. A
verdade é que nunca realmente peguei aquela certidão na mão. No dia do
casamento estava muito nervosa. E, depois dele, enfim, eu não alterei meus
próprios documentos.
Eu continuava a ser Madeline Anderson.
Puxei a caixa. Observei a certidão como se queimasse as mãos, antes de
pegá-la. Não queimou. Eu a ergui e li.
“Compareceu na presente data...” eu comecei a ler, até que cruzei meu
nome. Madeline Anderson, havia também meu número de documento e
registro social. Então, o nome de meu marido.
“Gianni Carbone”... Americano com cidadania canadense.
Um choro compulsivo tomou conta de tudo em mim. Uma parte de me
alertava que tinha mais. Esse sobrenome me lembrava algo, mas eu não
lembro o quê. Mas, tento ser fria enquanto volto para o lado dele no armário.
Preciso procurar algo a mais.
Volto a mexer nas roupas. Eu já sei que ele mente para mim, que ele mentiu
o próprio nome, mas eu preciso descobrir por quê.
Então, uma folha de papel embolada no bolso da calça surge entre meus
dedos. Eu a abro rapidamente. É uma conta de energia elétrica, mas não
daqui. O nome dele estampado no topo, sim, mas o endereço... é em
Montreal.
Sim, ele tem outra casa. Outra vida.
Meu coração para por um instante, como se quisesse me dar tempo de
entender.
Ele tinha outro endereço. E talvez, outra mulher.
Em passos trôpegos vou até a cama, onde o celular que ele me deu descansa
sobre o leito onde fiz amor apaixonadamente com Gianni tantas vezes. Eu
disco um número. Não é o dele.
— Alô... Marion... Eu preciso de um favor...
✽ ✽ ✽
Gianni ligou para mim naquela noite, mas eu não atendi. Apenas lhe mandei
uma mensagem dizendo que não conseguia falar com ele porque estava com
dor de cabeça fortíssima. Ele tentou mais algumas vezes, mas me recusei.
Não queria falar com ele, não por um aparelho. Minhas dúvidas teriam que
ser sanadas pessoalmente, e eu faria isso no dia seguinte.
Não dormi naquela noite. A conta de luz ficou ali, ao meu lado na cama, um
parceiro pesado, como se me impedisse de fechar os olhos. Cada vez que eu
a olhava, a dor voltava latejante.
Pensei em mil possibilidades para tentar perdoá-lo — talvez fosse um
imóvel antigo, talvez ele estivesse ajudando alguém, talvez... Mas no fundo,
eu já sabia.
Na manhã seguinte, após o turno de Marion, eu deixei Noah com ela. Ele
teria escola, ela o levaria para lá, depois o buscaria se eu ainda não tivesse
voltado. Até dar o horário da aula, ficaria com ele. Ela me desejou boa sorte,
mas não havia sorte no meu destino.
Pedi um Uber até o endereço. O papel amarrotado tremia nas minhas mãos, e
a cada quilômetro percorrido, meu coração batia mais forte. Chegamos a um
bairro de luxo. Casas de alto padrão, mansões que me fizeram arregalar os
olhos, até aproximarmos de um prédio de uns cinco andares, claramente
também luxuoso.
— A senhora tem certeza de que é esse endereço? — o rapaz perguntou.
Claro, ele via minhas roupas comuns, e esse lugar era próprio de
celebridades.
— Sim, é aqui — murmurei.
Desci do automóvel, e ele foi embora. Eu fiquei em um ponto discreto, perto
de uma árvore ao lado de um parque, segurando a conta de energia e
tentando ganhar fôlego para ir até a portaria do prédio dele e perguntar por
Gianni.
Mas, ele surgiu antes.
Meu marido.
Mas, não era meu marido.
Não com essas roupas, esse sobretudo negro que claramente custa uma
fortuna, não dirigindo uma Ferrari importada, não descendendo do veículo
com naturalidade, enquanto faz a volta no carro e abre a porta do passageiro.
Então vejo a mulher. Muito bem-vestida. Linda de doer os olhos. Cabelos
escuros, pele pálida. Ela tem um jeito suave e delicado, que aceita a mão de
Gianni para sair do carro. Ela diz algo, eu acho que está reclamando de
alguma coisa, porque seu rosto tem uma expressão estranha, mas então ela
ri, enquanto se aproxima dele e o abraça.
Apertado.
Ele aceita e retribui.
Se soltam em seguida. Ele volta ao veículo, puxa um pouco o banco, e vejo
um garotinho surgindo. Meus olhos se enchem de lágrimas. Ele tem a idade
de Noah...
O sangue gelou nas minhas veias.
Vi quando ele se abaixou para pegar o menino no colo. Mas, algo o impediu,
e ele pareceu incomodado, em algum momento. Então volveu para a mulher,
e solicitou que ela mesma fizesse isso. Quando ela o pegou, Gianni pareceu
encaminhá-los para o prédio.
Fiquei ali, invisível, por um tempo, apenas observando a cena. Minhas mãos
trêmulas, a garganta seca. Uma parte de mim queria bater nele, mas outra
comparou as duas realidades.
Comecei a andar na direção deles. Não levou nem dois segundos para Gianni
me ver. Seu rosto mudou de imediato, assumindo uma tonalidade azul,
enquanto a mulher me encarava com curiosidade.
— Madeline... — ele murmurou, mas eu não conseguia nem ouvir a voz
dele.
Então, desferi minha repulsa na sua cara. Um tapa de dor e indignação.
— Quem é essa mulher maluca, Gianni? — a outra indagou.
Não me importava o que ela pensasse. Ele que resolvesse sua outra
realidade, sozinho. Não tinha raiva dela, provavelmente era outra vítima
dele.
— Nunca devia ter confiado em você — eu disse.
Comecei a me afastar. Minha mão já buscando o celular para pedir outro
Uber. A mão de Gianni segura meu braço quando vou fazer isso.
— Espera, Made... Eu posso explicar.
— Claro que pode. Carbone — apontei, porque queria que ele soubesse que
eu já sabia até mesmo que ele mentiu seu próprio nome. — Carbone... Tudo
em você é uma mentira.
— Made...
— Não ouse me seguir. Nosso casamento acabou — fui tão firme. Eu estava
surpresa comigo mesma. — Você achou mesmo que iria me enganar para
sempre?
Só então ele me deixou. Com os olhos transbordantes de lágrimas, eu me
afastei. A fantasia romântica que criei não era real. Amor não existe para
pessoas como eu. Não sei como fui capaz de me iludir por tanto tempo.
✽ ✽ ✽
Voltei para casa em transe. O mundo do lado de fora parecia embaçado,
distante, como se eu estivesse assistindo à vida por uma janela trincada. O
Uber que me pegou em Montreal, retornou comigo em total silêncio,
percebendo que eu não estava bem. Mas, ele não disse nada. Apenas parou o
carro diante do prédio e eu desci, depois de pagar.
O céu já começava a escurecer, tingido de tom cinza. Iria chover. Não estava
tão frio hoje, então não era neve. Pensei que precisava chorar um pouco na
cama, antes de ir até a escola, pegar Noah.
Fui para as escadas. Comecei a subir vagarosamente, sem perceber quando
uma presença surgiu atrás de mim. Dei um passo hesitante, para o lado, para
sair do caminho do morador, mas a sombra se moveu rápida no canto da
minha visão, e antes que eu pudesse gritar, algo gelado — uma lâmina? —
encostou no meu pescoço.
— Madeline — sussurrou uma voz masculina, baixa e arrastada. — Eu
quero meu filho.
Meu corpo congelou. Tentei me virar, mas Jean me segurou firme pelos
braços, me arrastando para fora do prédio.
CAPÍTULO 25
—E
xplique, Gianni! — Caterina esbravejou contra mim, assim que a porta do
meu apartamento se fechou.
Eu sabia que isso não ia durar para sempre. Que em algum momento as
mentiras iam começar a tropeçar umas nas outras. Mas nunca imaginei que
tudo fosse desmoronar num dia comum, tão rápido que mal consegui
processar.
Estava com minha irmã, Caterina, quando Madeline apareceu. Foi muito
rápido. Me orgulho de ter olhos nas costas, mas não fui capaz de vê-la antes
de Made estar ao meu lado, o rosto transbordando indignação e vergonha.
Ela me deu um tapa, e então foi embora. Eu pensei em ir atrás dela nesse
momento, mas sabia que as coisas só ficariam piores se eu fosse. A primeira
coisa que Caterina faria seria ligar para Dom e contar o que estava
acontecendo. Então fiquei, porque precisava que minha irmã não me traísse.
Enquanto a levava para dentro, puxei o telefone e mandei uma mensagem a
Luca. Ele ainda estava lá. Só sairia quando eu voltasse. Mandei ficar de olho
em Made, para que ela não cometesse nenhum desatino. Recebi um ok como
resposta.
Eu mal tinha lido a resposta, quando o telefone saiu das minhas mãos.
— Que porra é essa? — Caterina exigiu. — Quem é essa mulher? E por que
ela precisa de proteção?
Suspirei.
— Eu tenho duas vidas, Caterina. Duas vidas distintas. Numa, sou seu
irmão, e o irmão do Capo. Sou um assassino que vive nas sombras e cumpre
ordens sem questionar. Mas, em outra...
Minha voz travou, mas o olhar aguçado de Caterina era forte demais para
parar.
— Sou um contador. Um assalariado. Casado. Com um filho pequeno. Que
mora em uma cidadezinha próxima daqui...
A boca dela abriu-se em espanto, enquanto pareceu-se sentir-se fraca. Ela
rumou até o sofá e sentou-se ao lado de Luigi, que brincava com a tela de
um game portátil.
— Você está brincando...
— Não estou. — Fui até o sofá e me ajoelhei diante dela. — Dominus não
pode saber.
— Está brincando! — ela repetiu, dessa vez com mais revolta. — Você quer
continuar sua onda de mentiras?
— Ele não vai entender... Madeline não é de uma família de Máfia. Ela é
uma mulher comum e...
— Mas, ele terá que entender. Porque você tem um filho, não é?
— Não exatamente. Não biológico. Eu amo o garoto como meu, mas ele não
é meu. Quando eu a conheci ela já estava grávida...
Só então Caterina calculou a dimensão. Realmente, dizer para Dominus que
eu era gay era melhor que confessar que tirei dele a oportunidade de um
casamento bom para o clã, e ainda trouxe uma criança sem nosso sangue
para casa.
— Certo. Mas, o que está feito, está feito. Precisa ir atrás de sua esposa e
resolver. Conte que sou sua irmã e...
De repente, uma imagem surgiu na minha cabeça. Até então, eu estava tão
surpreso por Madeline ter descoberto minha vida secreta que não me atentei
a ela me chamar de Carbone...
— Ela sabe que sou um Carbone — murmurei.
— Como assim? Ela não sabia?
— Claro que não. Eu menti o nome também. É longa história.
— Então ela sabe que você é um Carbone, se pesquisar, vai saber que
pertence a uma das máfias mais poderosas que existe. E também está
achando que tem outra mulher e filho, porque quando ela me olhou, deu para
ver de longe o grau de decepção. Deus...
Caterina suspirou pesadamente. Apesar da história inacreditável, ela era
prática, e parecia apenas querer resolver tudo.
— Vá atrás dela, Gianni... E resolva isso. Luigi e eu ficaremos na casa,
amanhã vem me buscar para conhecê-la. Depois, falaremos com Dominus.
Eu ficarei ao seu lado, eu prometo.
— Acha que será tão fácil? Ela é uma mulher trabalhadora, acha que ela vai
aceitar um mafioso? — estava indignado.
E envergonhado. Pela primeira vez, por quem eu era.
Caterina me observava, imóvel, como se estivesse tentando decifrar o que
via.
— Como pôde ter mentido tanto, irmão? Para uma esposa? Para sua própria
família?
Eu não sei. Apenas, era mais fácil manter cada um em seu quadrante do que
envolver Made nos planos de Dom.
— Não vou te entregar a Dom, mas precisa contar a verdade a ele. Dominus
está organizando um casamento para você na Oceania. Há um clã poderoso
lá, e uma jovem que será usada para unir as famílias. Você precisa alertá-lo,
antes que ele firme o compromisso e tenha que voltar atrás, de novo. Já uma
vez com Filippo... duas vezes... as pessoas falam, Gianni... Ele se enfraquece
como Capo.
Ela tinha razão.
Mas, agora, estava entorpecido, mal conseguindo funcionar enquanto
permanecia parado diante dela.
— Uma parte de mim achou que podia viver nas sombras para sempre —
confessei.
A mão de Caterina subiu do meu rosto. Ela alisou minha têmpora daquele
jeito que fazia quando era adolescente e queria nos confortar por qualquer
coisa. Como os anos passam. Ela está tão madura agora, tão firme. Viro o
rosto e encaro Luigi. Ele tem olhos intensamente azuis que brilham para a
tela.
— Você realmente vai aceitar se casar com Filippo?
— Sou uma mulher maculada, e meu filho é apontado como um bastardo,
um fruto de... — ela não prosseguiu. — Eu farei o que for necessário para
dar uma vida a Luigi. Uma vida de respeito.
— Mas, nem gosta de Filippo.
— Isso não importa. O que importa é Luigi. Se Filippo for capaz de tratar
meu filho com dignidade, eu me casarei.
— Você sabe... Filippo gosta das avantajadas.
— Eu sei. Eu o vi comendo Ava com os olhos no casamento. Já sei que terá
muitas amantes. Não tenho mais a esperança de viver um amor, irmão. Isso
acabou há muito tempo.
Assenti. De todos os nossos destinos, o dela era o pior, porque era sem
expectativa de nada. Só viver. E permitir que Luigi cresça. Eu me ergo, e
começo a andar na direção da saída.
— O apartamento está todo preparado para você. O prédio tem segurança em
cada andar. Vou atrás de Madeline, fique à vontade aqui, Caterina.
Saí antes de ver minha irmã assentindo com a face.
✽ ✽ ✽
Eu já estava na rodovia quando meu telefone tocou.
— Gianni?
O som chiado no autofalante do automóvel invadiu todo o espaço.
— Fala Luca.
— Estava seguindo sua esposa. O tal Jean a pegou, perto da sua casa. Estou
atrás deles, ele nem faz ideia de que eu o segui. Ele está usando uma faca
quase nas costelas dela, para forçá-la a andar. Então, não me aproximei
demais, para não termos nenhum acidente.
Minhas mãos se agarraram ao volante, mas minha expressão não mudou
conforme ia ouvido.
— Ok — eu disse.
— Estão naquele prédio que ele comprou. Estou armado, mas ainda não
entrei. Podia matá-lo, se quiser. Ele não parece disposto a fazer mal para
Madeline, mas a colocou sentada no chão e está falando com ela — isso
denotou para mim que Luca estava espiando de alguma janela. — Me
autoriza a atirar?
— Não. Eu preciso saber por que ele está fazendo isso — fui claro. —
Segure as pontas, se ele avançar nela, atire.
— Meu dedo está no gatilho e estou com a nuca dele na minha mira —
disse. — Quanto tempo para chegar?
— Dez minutos.
— Ótimo.
— Não o perca da mira. Estarei aí em breve e vou resolver isso. De uma vez
por todas.
CAPÍTULO 26
ean me amarrou. Meus pulsos doem por causa da corda áspera, mas não
grito — implorar não adianta. Ergo meus olhos, e vejo meu algoz andando e
um lado para o outro, passos desencontrados, enquanto me observa sem
dizer nada.
Eu sei o que se passa com ele.
É a solidão.
Ele está completamente sozinho no mundo, e vê em Noah, agora, a chance
de ter alguém. Eu sei o que é a solidão, sei qual é a densa e desesperadora
sensação que pode te fazer cometer qualquer desatino.
Uma simples – porém breve – simpatia cruza por mim. A solidão me fez
casar com um homem que mente sem piedade. A solidão me fez ignorar os
sinais.
Tenho vontade de chorar. A tarde está se findando, as noites vem logo nesse
canto gelado do mundo. A luz, outrora mais acesa, agora mal consegue
entrar pelas janelas de vidros quebrados. Uma lâmpada amarela brilha sobre
a cabeça de Jean, enquanto ele continua caminhando.
De repente, ele para. Sinto um calafrio percorrer a espinha, não sei se é de
medo ou do frio úmido que emana do chão. Tento manter a calma, enquanto
ele me encara, suas mãos enfiando-se em seu bolso, enquanto puxa um
documento.
— O que é isso?
Seus olhos estão vidrados enquanto aponta o papel. E, de repente, vejo o
mesmo monstro de anos atrás, capaz de tudo para ter o que quer. Esse rosto
ainda me assombra nos pesadelos. Mas, ele não será capaz de me fazer
fraquejar. Porque existe Noah. E existe o que Noah representava para mim…
ele é tudo.
— Você vai assinar esse documento — apontou. — Reconhecendo que sou o
pai de Noah e passando a guarda do menino para mim.
— O quê?
Ele largou o papel bem diante dos meus pés, à minha frente.
— Você ficou maluco? — inquiri.
— É meu direito. Eu sou o pai!
Direito?
— Você não é o pai. Você é meu estuprador.
Ele balançou a cabeça. Foi assim que percebi que sou forte porque nada do
que ele está fazendo, de todo esse descontrole, me causa pavor. Porque
jamais vou assinar. Jamais vou entregar meu garotinho nas mãos desse
desgraçado.
— Assina logo! — gritou.
— Mesmo que eu assinasse, isso não tem nenhum poder legal — adverti. —
Você por acaso procurou um advogado para saber? — de repente, ri. —
Claro que não. Está desesperado. Está falido — apontei. — E pode ameaçar,
gritar, pode bater em mim, me espancar... mas não conseguirá nada. Nenhum
papel. Porque se algo acontecer comigo, Noah ficará com meu marido. Eu
sou casada, legalmente casada. E Noah foi criado por Gianni, ele é o
padrinho, esteve comigo até no hospital. Nenhum juiz do mundo tiraria a
guarda dele para dar a um maluco qualquer que sequer tem condições de
custear um filho.
Eu vi um traço de lucidez cruzando por ele. Era uma hipótese remota que ele
realmente conseguisse entender tudo que fez, mas ainda assim, era uma
chance. Então, tentei bancar a compreensiva para fazê-lo me soltar.
— Posso colaborar com você, Jean. Posso, de verdade. Mas, não tem como
ser rápido. Noah nem te conhece... Você não pode simplesmente surgir na
frente dele querendo direitos.
Eu vi que ele foi se acalmando.
— Você vai ver... o Noah vai ser muito mais feliz comigo — seus
pensamentos confusos foram expressos. — Ele merece saber quem eu sou.
Ele merece saber que tem um pai...
O nome do meu filho na boca dele... era como veneno. Eu fechei os olhos,
engolindo o pânico. Tentei manter a farsa.
— Ele vai sim. Só... só me desamarra. Por favor. Eu vou colaborar, eu
prometo.
Ele se afastou um pouco, como se estivesse considerando. Levantou-se
devagar. E então... algo mudou. O sorriso sumiu. A testa franziu. Os olhos se
estreitaram.
— Está mentindo pra mim, não tá? — ele cuspiu. — Você me odeia, nunca
vai deixar eu chegar perto do meu filho!
De repente, ele estava em cima de mim, as mãos no meu pescoço. Os olhos
arregalados, tomados por fúria. As cordas me impediam de reagir, mas eu me
contorcia, sufocando, o mundo começando a girar.
Lutei por ar, por segundos. Talvez por Noah. Era só isso que me mantinha
acordada. Porque eu sabia: se ele me matasse ali, não seria por mim — seria
por poder. Pelo mesmo poder que teve em mim há mais de três anos.
Precisava sobreviver… por Noah. Não podia deixar meu filho à mercê desse
desgraçado.
A pressão no meu pescoço apertava cada vez mais. Meus olhos
lacrimejavam, minha visão já começava a se fechar pelas bordas. Mas então
— um estrondo. Uma explosão seca, violenta, que fez o prédio inteiro
estremecer.
O impacto fez o monstro soltar meu pescoço. Ele se virou para a entrada,
confuso, e cambaleou para trás. A fumaça invadiu o ambiente, engolindo
tudo num véu cinzento. E então, entre os escombros e o pó suspenso no ar,
duas silhuetas surgiram.
Armas em punho.
Com os olhos entreabertos, eu reconheci os dois. Um deles, meu vizinho,
Luca. O outro, meu marido...
— Gianni..? — minha voz saiu rouca, rasgada, como se tivesse vindo das
entranhas. Tossi, tentando entender o que estava acontecendo.
Porque era difícil entender. Meu marido, um contador, estava ali, com uma
pistola ainda fumegante na mão, vestindo preto dos pés à cabeça, expressão
dura, fria... Nem parecia a mesma pessoa.
Sim, eu já sabia que ele tinha vida dupla, mas ainda era difícil entender
como o homem que embalava Noah no colo tantas vezes, e tão gentilmente,
ainda era o mesmo que nem pestanejava em caminhar até Jean.
Gianni parou diante dele. O encarou, antes de apontar com os dedos, um
sinal para Luca, que logo se aproximou e agarrou Jean, o tirando de perto de
mim. Só então, Gianni volveu para mim, ajoelhando-se ao meu lado. As
mãos tremiam enquanto cortava as amarras com uma faca que não sei de
onde tirou.
— Você está bem? Ele te machucou? — a voz dele agora era outra, ainda
tensa, mas embargada, enquanto analisava meu pescoço.
Eu não respondi. Dividida entre a gratidão e a raiva. Ele me enganou tantas
vezes, mentiu para mim por anos. Eu não esqueci apenas porque ele bancou
o herói.
Os olhos de Gianni me deixaram e olharam o chão. O papel descansava lá,
ele o pegou e o leu.
— Ele é o pai biológico?
Nunca seria o pai.
— Ele fez o menino, se é isso que está perguntando. Mas, ele não é o pai.
— Se ele fez...
— Ele me estuprou — contei, porque não me importava mais com as
consequências. — Eu era uma menina recém-saída do abrigo. Meu primeiro
emprego formal foi na empresa da família dele. Eu limpava a fábrica após o
expediente. Um dia ele veio, e ele me jogou no chão e...
Não pude continuar. O choro de dor que nunca se esvaiu continuou a partir
de mim.
E, até aquele momento, eu nunca soube o quanto ainda doía.
A mão de Gianni repousou no meu ombro por um momento. Ele queria
mostrar compreensão e apoio, mas eu estava com raiva dele também. Raiva
por ele me fazer acreditar que as coisas podiam ser diferentes, que nem todos
eram iguais, mas no fundo ele era apenas um mentiroso nato. Então eu me
mexi, afastando a mão dele. Minha mão já estava livre, assim o empurrei.
— O que está fazendo aqui? — indaguei.
— Como assim, Made? Sou seu marido.
— Mentiroso... Você tem outra família... Eu vi!
— Ela é minha irmã. Vou apresentá-las, prometo.
— Sua irmã? Então porque mentiu tudo para mim, inclusive seu nome. Não
há nada em você que eu possa acreditar!
Repentinamente, há um terceiro elemento entrando no lugar. E um quarto,
um quinto. Um batalhão de homens vestindo preto tomando o lugar. Uma
parte de mim quis se assustar, mas a absoluta tranquilidade de Gianni acabou
por me acalmar. Ele os conhecia.
— Gianni — um dos homens se aproximou. Ele era alto e poderoso. — Essa
é a sua senhora?
— Sim — Gianni o respondeu, antes de volver para mim. — Meu chefe,
Madeline... Filippo Romagna.
De repente, eu me lembrei do nome. Lembrei de ouvir falar deles. Mafiosos
poderosos, pessoas imponentes que dominaram completamente o país. Uma
família italiana, fortalecida a base de aço e sangue.
— Você é da Máfia? — perguntei ao meu marido.
— Ele não é um Romagna — Filippo respondeu por ele. — Não pertence ao
nosso clã, mas sim a um aliado. Uma das maiores organizações mundiais. Os
Lupi Sanguinari, Lobos de sangue.
LS... Ele tinha tatuado no corpo. Ele me disse que era uma antiga namorada.
— O quanto você mentiu para mim? — indaguei.
— Não começou de propósito... — ele murmurou. — Vou conversar com
você mais tarde e explicar, ok? Mas, agora preciso resolver as coisas com...
— seu rosto volveu para trás. — Não pouparei a vida de Jean Smith. Assim
como não pouparei a vida de Vicenzo Carbone. Ambos são culpados do
mesmo crime.
CAPÍTULO 27
s homens são animais inconstantes.
Vejo meu marido – ainda marido – se colocando em pé e avançando até onde
Luca está. O outro homem guarda a arma, e se afasta respeitosamente. Eu
observo enquanto Gianni fica de frente a Jean.
— Acho que devia olhar para o outro lado, senhora Carbone — o tal Filippo
me disse.
Senhora Carbone...
Ignorei o título e o conselho. Eu não iria desviar o olhar. Queria ver. Queria
que a dor desaparecesse, e uma parte de mim sabia que isso aconteceria
quando Jean parasse de respirar.
Não sou vingativa. Nunca quis que ele morresse, apenas não queria mais vê-
lo. Mas, ele retornou a minha vida, e pior, queria acesso a Noah. Agora eu só
queria ver seu cérebro explodindo.
— Você tocou na minha esposa — Gianni disse, como se fosse uma
sentença.
— Ela gostou. Ela gemeu quando eu a peguei — Jean contou.
Ele estava louco, alucinando, querendo se gabar. Acho que uma parte de
Gianni entendeu isso. Provavelmente ele queria tirar a história completa de
Jean antes de matá-lo, mas não conseguiria nada mais que palavras
desencontradas de um lunático.
Então, ele sacou a arma, e rapidamente atirou. O som do disparo preencheu
tudo. Ressoou pelas vigas ocas, pelos tijolos expostos, pelos meus ossos. Por
um segundo, só houve silêncio — um silêncio absoluto —, e então o corpo
de Jean tombou sem resistência. Um buraco escuro no centro da testa. Os
olhos ainda abertos.
Por um momento eu esqueci como respirar. Não consegui. Apenas fiquei
olhando. O homem amável, carinhoso, que me dava beijos na bochecha toda
vez que chegava em casa, o homem que me abraçava quando eu tinha
pesadelos... esse mesmo homem, frio, duro, sem remorso, olhando um
cadáver como se estivesse olhando uma sujeira no chão.
Ele não voltou para mim de imediato. Primeiro, baixou a arma devagar.
Depois, guardou-a com destreza. Só então apontou para o demais.
— Limpe — disse, a Luca, que assentiu.
Então me encarou. E era como se fosse um estranho. Porque foi muito fácil
para ele. Muito profissional.
— Quando eu te conheci... estavam matando pessoas na região... Eu te
aconselhei a ter cuidado... Era você o assassino? — indaguei.
— Sim — respondeu de imediato.
— O rapaz que me ofendeu no bar?
— Sim, também o matei. Deixei que acreditasse que a deixei sozinha para
que não desconfiasse.
— E sobre Jean? Você sabia?
— Não tudo. Mas, Luca estava de olho, cuidando de você caso fosse
necessário, ele iria intervir. Foi o que fez. — Respirou fundo. — Não me
arrependo de nada. Eu matei esse cara porque eu faria qualquer coisa por
Noah. Eu posso impedir que ele se aproxime enquanto é um garotinho, mas
não poderei manter Noah sempre no casulo. Ele vai crescer, e haverá o
perigo desse homem em seu encalço. Eu o mataria mil vezes se necessário
fosse, para que Noah tivesse a chance de ser feliz e livre.
O nome do meu filho voltou a me ancorar à realidade. Esse homem diante de
mim, esse assassino frio, fez o que fez para me salvar e ao meu filho. Eu era
grata. E estava aliviada. Ou com medo. Não havia exatamente como saber.
✽ ✽ ✽
Foi o próprio Gianni que pegou Noah na escola. Calmo, pacífico, com a
tranquilidade de uma consciência limpa que eu jamais teria. Enquanto eu
estava trêmula e arrasada dentro do carro – um dos veículos em comboio –
Gianni trouxe Noah nos braços e o entregou para mim, antes de entrar na
parte traseira de uma enorme Suv, e bater de leve no vidro que nos separava
do motorista.
— Nós devíamos chamar a polícia — murmurei.
— Não temos ligação com autoridades. Nosso mundo é paralelo, nossas leis
são paralelas.
Cruzamos a extensão da cidade. Eu mal me dei conta de que estávamos
saindo de Saint-Janvier quando entramos na rodovia que nos levaria a
Montreal.
— Para onde estamos indo?
— Para casa — ele respondeu. — A casa de verdade.
Nego com a face. Quero reclamar, gritar, mas não quero deixar Noah
nervoso, então apenas falo baixo, mas firme.
— Estou saindo — aviso. — Acabou.
— Nunca vai acabar, Made. É para sempre.
— Não aceito isso.
— Terá que se conformar. Um casamento é sagrado para os Carbone. Você é
minha esposa para o bem ou para o mal. E ficará ao meu lado.
Esse Gianni, ele era diferente. Duro.
Possessivo.
Suas palavras não foram superficiais, e traziam à tona uma intensidade que
eu não conseguia ignorar.
— Você mentiu para mim — acusei. — Como poderia ficar ao seu lado
depois disso?
Só então o olhar dele amenizou. Não remetia a arrependimento, mas
amenizou.
— Eu sinto muito, Madeline. É uma longa história, eu vou te explicar tudo
quando chegarmos em casa.
E depois disso, ele encerrou o contato, volvendo o rosto para frente e se
recusando a me encarar novamente.
✽ ✽ ✽
Quando as portas se abriram, um mundo novo me engoliu, um borrão
imenso, extremamente luxuoso, com lustres de cristal e arte nas paredes. O
apartamento era completamente diferente daquele em que eu vivia. E, na
mesma medida, parecia encaixar tão bem Gianni aqui.
A mão de meu marido nas minhas costas me fez andar. Eu pisei no mármore
no chão, logo sentindo um tapete felpudo amaciar meus passos. Adiante de
mim, o perfume discreto me fez olhar para cima, e encarar a linda mulher
que parecia apreensiva, parada no meio da sala.
— Olá. Eu sou Caterina.
Não conseguia responder. Estava em choque. Ainda tentando juntar os
pedaços.
— Tudo bem. Eu imagino que tenha sido uma surpresa. — disse, firme e
elegante. Os cabelos escuros presos num coque impecável. Os olhos tão
semelhantes aos de Gianni que me gelaram. — Sou a irmã de Gianni. Sei
que vocês dois tem muito a conversar, então vou cuidar desse pequeno
garoto, ok? Como ele se chama?
— Noah — eu murmurei.
Ela se curvou para meu filho. O avaliou. Não com desprezo... mas como se
estivesse tentando entendê-lo.
— Oi Noah, sou sua tia. Você tem um primo que está no quarto agora. Quer
ir comigo lá brincar com ele?
Tinha uma postura materna natural, e Noah apenas me encarou para que eu
autorizasse, e depois seguiu com ela. Não levou muito tempo, e Gianni
voltou a me empurrar, dessa vez em direção ao corredor. Andamos em um
labirinto, até que ele se aproximou de uma porta. Abriu. Era um quarto.
Ele me guiou para dentro, e me ajudou a sentar na cama.
— Você passou por um inferno, eu sei. E não vai entender tudo hoje. Mas o
que precisa saber agora é o seguinte — ele disse, me encarando com os
olhos firmes: — o homem com quem se casou nunca foi um contador. Na
verdade, inventei isso apenas para ficar perto de você.
— Pelletier... — murmurei. — Quem é Pelletier?
— Pelletier é o sobrenome de uma personagem que eu gosto muito, de uma
série americana. Carol Pelletier... Uma guerreira, uma sobrevivente... Então,
quando perguntou meu nome, saiu naturalmente... Porque é o que eu sou,
Made... Um sobrevivente.
— Explique — exigi.
Ele parecia tenso. Como se esperasse que eu desmoronasse. Mas não tinha
mais forças para cair.
— Sou o terceiro filho de uma família importante. Os Carbone. Sou filho do
falecido Capo. Hoje, meu irmão mais velho lidera um clã chamado Lobos de
Sangue, ou Lupi Sanguinari. Somos muitos poderosos e temos laços com
outras famílias espalhadas pelo globo.
Se antes minha vida era uma mentira… agora ela era uma bomba prestes a
explodir.
— Você não pode estar falando sério...
— Eu sinto muito, Made...
— Por que se aproximou de mim? Não sou ninguém.
— Naquela noite que entrei no bar que você trabalhava, eu só queria limpar
as mãos cheias de sangue. Mas, você me ofereceu café e companhia... e eu...
bem, sou muito sozinho. Meus irmãos estão espalhados, mas a maior parte
da família mora em uma fortaleza chamada Tana, no Alaska. Você parecia a
companhia perfeita. Não impunha a presença, respeitava meu silêncio.
Apenas estava lá... Claro, não podia confessar a verdade para você, então
inventei uma mentira... E ficaria nisso para sempre, não fosse aquele de
pedido de casamento...
Inaceitável. Era a palavra que ele queria dizer depois de casamento. Mas,
não disse.
— Meu irmão organizou outro casamento para mim. Com a irmã de Filippo.
Precisei viajar para convencer outro de meus irmãos a desposá-la. Então
comecei a enrolar dos dois lados. Mentia para você e para eles. Mas, você
descobriu...
— Sua família não sabe sobre mim, então?
— Apenas Caterina, agora. Esclareci as coisas com ela quando você me
confrontou.
— Então é fácil se livrar de mim. Pode agir como se isso nunca tivesse
acontecido.
— Nunca faria isso, Madeline. Eu a amo. Você não consegue acreditar?
— Depois de tanta mentira. Como?
— Porque eu nunca menti o que sentia. Nem por você, nem por Noah.
Não estava em condições de entender ou aceitar nada agora. Precisava de
espaço para colocar a cabeça no lugar. Mas, Gianni deixou claro que não
deixaria as coisas assim.
— Noah é fruto de um estupro?
Era a hora de eu contar o que escondi dele. Assenti.
— Você gostava de Jean?
— Nunca! — me revoltei. — Eu nem o conhecia. Como pode pensar isso?
— Por que não foi em um posto de saúde e tirou?
— Você acha que era o certo? É sério? Você acha?
De repente, ele arregalou os olhos, como se a ficha estivesse caindo.
Lágrimas quentes rolaram pelo meu rosto e eu as limpei com toda a fúria que
consegui reunir. Então me dou conta de que ele também está com lágrimas
nos olhos. É a primeira vez que eu vejo isso.
— Tente descansar um pouco, Madeline. Há um banheiro na suíte, tome um
banho, tenho roupões no armário. Durma, descanse... Amanhã veremos o
que se seguirá, ok?
Então ele simplesmente saiu.
CAPÍTULO 28
aminho reto entre os corredores, cruzando pelo quarto onde Caterina e Luigi
estão. Só o menino está lá, empurrando um carrinho ao lado de Noah. Eles
parecem alheios ao horror, simplesmente crianças felizes e descomplicadas,
vivendo a tenra infância.
Eu sou um monstro por simplesmente desejar que nenhum deles tivesse
nascido. Ambos são amados por mim, especialmente Noah. Eu o embalei no
colo quando ele nasceu. Eu o visitei desde sua primeira infância, e eu cuido
dele como pai há meses.
Ele é um ser humano. Ele tem sentimentos. Ele existe.
Deixo os meninos e rumo para a cozinha. Vejo Caterina parada lá,
arrumando uma xícara de chá quando me aproximo. Ela me encara com
curiosidade, mas não sou capaz de dizer nada além de pegá-la nos braços e
trazê-la para um abraço.
— O que houve, irmão? — murmurou.
— Me perdoe — murmurei. — Sempre fui duro com você.
Não precisava dizer mais nada, ela entendeu. Eu a culpei por ter sido
abusada, culpei porque ela não tirou a criança. Agora que eu via Madeline,
uma mulher tão incrível que também sofreu a mesma violência, tendo
passado as mesmas coisas... Eu sabia que não fui justo. Com as crianças.
Com elas.
— Luigi e Noah são bênçãos de Deus — murmuro em seus ouvidos. —
Ainda bem que você não me ouviu.
— Noah... — ela murmurou. — Noah é como Luigi?
Assenti.
— Não importa. O passado não importa mais. O futuro é a única coisa que
nos interessa.
✽ ✽ ✽
— Minhas fontes dizem que Vicenzo Carbone está perto. Mais perto do que
imaginamos.
Cruzei os braços enquanto Filippo disparava as palavras.
— O que você acha que ele quer?
— Não faço ideia — Romagna deu de ombros. — Seu primo é um homem
difícil de ler.
Sempre foi assim. Tínhamos basicamente a mesma idade. Ele, filho da irmã
de Paolo Carbone, e de o chefe de uma casa em Nova York. Cresceu no
nosso meio, as mesmas inclinações para o errado. Éramos como cópias, até
que ele mudou.
Um dia raptou Caterina. Disseram que queria o poder total e a usaria como
moeda de troca. Mas, poucos meses depois ela foi devolvida. Grávida. Havia
uma carta com ela dizendo que o homem que a violentou estava morto. Não
sabíamos se era verdade, porque Caterina não falava.
De qualquer maneira, nossa raiva, que já existia por causa do poder do clã,
triplicou. Ele foi capaz de tirá-la de dentro de Tana, mas não foi capaz de
proteger sua honra. Nenhum dos irmãos Carbone perdoaria Vicenzo. Jamais.
E começou então uma guerra fria em busca de territórios. Estávamos nessa
guerra a anos, e nos preparando para uma aniquilação total. Queríamos
destruir Vicenzo, então fortalecemos nossos laços com facções na América
do Sul, e estávamos em negociação com russos, nossos eternos rivais.
Tudo para acabar com Vicenzo. Tudo para limpar o nome dele do mapa.
— E onde está minha noiva? — Romagna perguntou, levando uma xícara
aos lábios.
Estávamos no escritório. Era muito cedo ainda, e Caterina ainda não havia se
levantado. Bem da verdade, eu nem dormi. Preocupado com Madeline, com
a reação dela diante de tudo que estava acontecendo.
— Acha que minha mulher irá me perdoar? — indago a Filippo.
— Ela vai se acostumar a vida de luxo que as mulheres no nosso meio tem.
E ficará feliz, acredite em mim.
Como se confrontasse as palavras de Filippo, logo escuto um barulho vindo
da porta da frente. Eu me levanto rapidamente, e sigo naquela direção,
Filippo em meu encalço, apenas para encontrar Madeline tentando abrir a
tranca, segurando um Noah sonolento nos braços.
— Onde você pensa que vai? — indago.
Porque não consigo acreditar que depois de tudo ela realmente vai me
abandonar.
— Eu vou embora.
— Mas eu te expliquei...
— O que eu sei é que não vou viver com um homem que mente para mim
com a facilidade que troca de camisa. Você olhou nos meus olhos e me
negou até mesmo seu nome de verdade.
— Madeline...
— Para mim, acabou. Obrigada por ter me livrado de Jean, obrigado por ter
cuidado de mim todos esses meses, mas não confio mais em você.
— Você não vai embora — disse, firme.
— Acho que quem deve ir embora sou eu — ouço Filippo tentando escapar.
— Um assunto entre marido e mulher...
— Ex-marido — Madeline apontou. — Eu vou embora sim. Você não vai
me manter prisioneira. Ou acha que vai fazer o que quer, sem que eu tenha
nenhuma vontade?
— Vou. Sempre faço o que quero. Já tentaram me impedir disso antes, mas
todos falharam. Sempre falham.
De repente, cortando o assunto entre nós, há uma batida na porta. Ninguém
sobe pela portaria se não pertence ao clã Romagna, ou ao clã Lupi. Filippo e
eu nos encaramos por um momento, porque nem ele nem eu estávamos
esperando ninguém.
Puxo Madeline da porta. Logo, ela se vê envolvida por Filippo, enquanto eu
puxo uma pistola da cintura e aponto na direção da madeira.
Acho que ela sentiu a seriedade, porque por um momento ficou em total
silêncio.
— Quem é? — pergunto.
Nada. Encostei o ouvido na madeira. Do outro lado, silêncio. Nem
respiração. Mas eu sentia, como se uma névoa se infiltrasse pela fechadura
— quente, amarga.
Girei a maçaneta devagar, como quem abre uma ferida antiga.
— Vai me poupar o trabalho ou vai fazer barulho? — murmuro.
A porta se abriu num estalo seco, e eu levantei a arma sem hesitar. O dedo
firme no gatilho, o olhar gelado.
E então eu o vejo.
— Baixa essa merda, Gianni — Dominus estava ali. Sua postura grande e
forte, sua voz grave, acostumado a não pedir nada, e sim ordenar.
Meu braço tremeu por meio segundo. Só meio. Depois baixei a arma,
devagar. O coração ainda martelando no peito, como se quisesse fugir dali
antes de mim.
Era isso. Eu tinha uma esposa querendo ir embora, e um irmão furioso na
minha porta.
Abro o caminho e ele entra sem pedir permissão, como era seu costume.
Passou por mim como se fosse dono da casa, e talvez fosse. Tirou o
sobretudo de lado, enquanto adentrava o ambiente, seus olhos estudando
Filippo e a mulher miúda que segurava a criança nos braços, como se o gesto
pudesse protegê-la do furacão diante dela.
— Foi por ela? — Dominus indagou. — Foi por ela que fez sua família
sangrar, Gianni?
CAPÍTULO 29
u tive sorte, dada as circunstâncias, de Dominus ser um irmão mais velho
amoroso e protetor, porque em outros momentos, eu sei – e ele sabe – que
minha morte seria certa.
Você não engana o Capo. Não importa o que aconteça, você não engana o
Capo. A forma como ele encarou Filippo deixava isso claro. De repente, me
dou conta que esconder meu segredo pode não ter trazido ruína sobre mim,
mas pode ter causado o fim de Romagna.
Há um clima tão tenso no ar. Um clima que pode estourar inconsequente a
qualquer momento, então eu ajo, caminhando na direção de meu irmão,
tocando seu braço, tentando trazê-lo para meu lado, restaurando a fenda que
se criou entre nós.
Ele está com raiva. Eu vejo. Sinto. Me odeio por isso. Dominus não merece
ser traído. Ele é justo e é bom.
— Irmão — peço.
— Você acha que sou idiota? Acha mesmo que depois de mentir para mim
em Tana, eu não iria tentar descobrir tudo o que andava aprontando no
Canadá? Acha que engoli o papo sexual? Acha que pode comprometer a
Lupi Sanguinari e não sofrer nenhuma consequência?
Não sei o que dizer, então não digo nada. Apenas aguardo que ele desabafe,
do jeito torto e grosseiro dele.
— Gianni, você devia estar casado com Chiara Romagna! Esquivou-se
disso, mas então tinha que se comprometer com a família Gray, na Austrália.
E, mais uma vez, eu descubro que não consigo fazer isso, porque
simplesmente — ele tira um papel de dentro do casaco e atira em mim —
você já está casado!
Antes que eu possa pensar exatamente no que está acontecendo, meu irmão
gira para Madeline. A estuda. A expressão em seu rosto diz mais do que se
pode imaginar.
— E com quem? Com essa... mulher... Que mulher é essa? Madeline
Anderson? Não é filha de ninguém, não tem laços com ninguém...
— Por pouco tempo — a vejo reagindo, porque não sou capaz de reação. —
Porque estou prestes a ir embora.
Enfrentar Dominus num momento de raiva nunca é a melhor saída. Mas,
Madeline não está medindo as consequências. Então avanço novamente, me
colocando entre eles, meus olhos fixos no meu irmão.
— Você pode me perguntar qualquer coisa — digo. — Pode me fazer
qualquer coisa. Mas, não a toque.
Ele estreita os olhos.
— Acha que sou um covarde de bater em uma mulher?
— Meu irmão, você está com tanta raiva que simplesmente não sou capaz de
saber o que pode ou não fazer...
A postura de Dom permanece rígida, mas ele não está mais tão firme.
— Explique. De onde a conhece?
— Há três anos, trabalhei contra Roy na região que Madeline morava. Ela
trabalhava em um bar de beira de estrada, e eu parei lá para lavar as mãos.
Nos tornamos amigos.
— Há três anos. — Ele olhou por cima do meu ombro, para Noah dormindo
no colo da mãe. — É um Carbone?
— Não. — Noah ser um Carbone facilitaria muito as coisas, mas eu estava
cansado de mentir. — Madeline já estava grávida.
— Casou-se com o resto de outro homem?
Eu nem sei como tudo aconteceu tão rápido depois disso. Em um momento,
Noah dormia no colo da mãe, em outro, já estava sendo segurado por
Filippo, enquanto Madeline avançava sobre Dom e tentava esbofeteá-lo. Eu
reagi por puro impulso, acostumado a proteger o Capo, e a segurei antes que
conseguisse atingir a face de Dominus.
— Entenda uma coisa, irmão — digo a ele. — Você pode pensar o que
quiser, e falar o que bem entender contra mim, mas respeite minha esposa —
digo a ele.
Acho que é a primeira vez que o confronto. Vejo o espanto em seus olhos,
minha frase o pegou desprevenido. Surpreendentemente, sua postura acalma.
Nesse exato instante Caterina entra na sala. Ela nos encara, espantada, não
sei o quanto ela ouviu, mas a percebo indo em direção à Madeline.
— Venha, vamos para o quarto. Deixamos os homens conversarem — ela
aconselha Made. — Além disso, o menino pode acordar. Não é bom para
Noah ver esse embate.
Pensei que Madeline iria recusar, mas a menção ao filho a fez retroceder. Ela
deixou-se ser levada junto ao menino.
✽ ✽ ✽
— Eu já sei tudo sobre ela — me alertou, quando estávamos só entre os
homens, na sala. — Essa mulher nem pode te dar filhos. Ela perdeu o útero.
— Eu já tenho um filho.
Sei que ele ficou chocado e em espanto. Sua boca abriu como se estivesse
disposto a rejeitar as palavras.
— Você ficou maluco, meu irmão?
— Eu não me importo se Noah tem meu sangue, ou não. Eu o vi nascer. Eu
fui a primeira pessoa a segurá-lo no colo. Ele tem meu coração, e sempre
terá.
Há uma pausa entre nós. Vejo Filippo tamborilando os dedos na coxa,
sentado no sofá, em completo nervoso. Ele não quer comprometer tudo que
conseguiu entre nossos clãs. Sua irmã está casada com meu irmão, a união
entre os Carbone e os Romagna expandiram seu território e seu poderio.
Romagna é um assassino frio e calculista, mas não está disposto a uma
guerra.
— Quem me passou o dossiê sobre Madeline não me passou nada sobre o
pai do garoto. Por isso pensei que fosse você — Dom prosseguiu.
— O pai biológico está morto. Eu mesmo o matei. Noah é como Luigi.
Isso explicava mais que palavras. E isso atingiu Dom em cheio.
— É mesmo?
— Madeline era só uma menina sozinha no mundo, que foi violentada por
um canalha. Eu o matei. Acabou.
— Ela sabia sobre você?
— Não. Eu menti para ela, como menti para você. — Me aproximei dele. —
É uma boa garota. Decente, honrada, trabalhadora. Casou-se comigo
achando que eu pobre, esforçava-se para não comprometer meu orçamento.
Eu a admiro a anos, eu a amo a anos. Nunca amei outra além dela. Não há
nada que possa fazer para que eu desista de Madeline. Eu prefiro que me
mate a perdê-la.
— Também não sejamos tão dramáticos — Filippo interveio, provavelmente
achando que Dom poderia realmente me matar.
— Sua felicidade me importa, Gianni — Sua voz parecia tão reservada. —
Mas nunca pude pensar apenas nisso. Sempre estivemos comprometidos
com o além. Com as guerras. Com o poder. Com o sobrenome.
— Sei disso.
— E as coisas não estão fáceis... Me facilitaria a vida casá-lo com o clã que
domina a Austrália e a Nova Zelândia. Além de você, quem eu poderia
envolver nisso? Preciso de Nico na Colômbia. Lá é nossa base de produção
de cocaína. O presidente da Colômbia me convidou para um almoço, ele
apoia a legalização...
— Que bondade a dele — debochei. Eu sabia bem que o objetivo era
angariar impostos.
— O governo facilita o plantio de coca. Nico está fortalecendo a Lupi em
meio as Farc e ao Clã do Golfo. Estamos crescendo. Muito dinheiro
envolvido, não posso tirá-lo de lá. Devia ser você a se casar com a filha
única do clã Gray.
— Peça mais um ano de prazo, e faça esse acordo com Rocco.
— Rocco? — ele pareceu considerar o nome apenas agora. — Ele é um
menino.
— Ele já é um homem. Apenas tentamos ignorar isso.
— Francesca vai me matar, enviar seu menino para o outro lado do mundo.
— Francesca entende nosso mundo — justifiquei. — Eu não posso me casar
com outra mulher, Dom. Já sou casado, e não vou me divorciar.
Eu conseguia ver a situação do ponto de vista de Dominus. E isso me
preocupava. Mas, tentei confiar que meu irmão não faria nada que pudesse
destruir minha felicidade.
— Meu cérebro racional diz que devo terminar agora com isso, matar o juiz
de paz que fez seu casamento, anular os papeis, e fazê-lo cumprir com seu
dever dentro do clã.
— Honestamente? Fara isso?
— Não. Porque há algo a mais. Sentimentos que não posso evitar. Eu
entendo o que é amar alguém e se recusar a fazer o que todos querem que
você faça. Lembra-se de como tentou me evadir da ideia de desposar Ava?
Não houve um único momento, desde que me casei, que me arrependa de ter
insistido na ideia. Ava me faz feliz. Ela me enlouquece também, mas me faz
feliz. Eu a amo... Não estou casado com ela por acordo ou por conveniência.
Eu estou casado por amor... Não tenho o direito de tirar isso de você.
Não posso evitar sentir um imenso alívio tomando conta de mim.
— E sobre o menino? Você o aceita?
— Sim.
Sua resposta imediata me deixou espantado.
— Quando Caterina apareceu, com a barriga enorme, e aquela carta
informando como aconteceu a gestação, eu me confrontei com minha fé.
Lembro de perguntar ao tio Afonso o que devia fazer... e ele me disse que a
vida da criança é sagrada. Quando Caterina não quis tirar, eu simplesmente
fiquei aliviado. E eu amo Luigi como se fosse meu. Meu filho nascerá em
poucas semanas, mas sinto no fundo do meu coração que Luigi é como meu
primogênito. Ele não é diferente de nenhuma criança porque eu não sei
quem é o pai, ou porque é fruto de violência. Então, entendo seus
sentimentos pelo garotinho. E, tem minha palavra, ele crescerá me
chamando de tio e nunca saberá que não é um Carbone legítimo.
Isso me pegou de jeito. Senti a emoção correndo dentro das minhas veias.
Por um segundo, ficamos só nos encarando. O silêncio dizia mais que
qualquer confissão. Ele deu um passo à frente. Eu fiquei imóvel. Porque para
mim é mais difícil. Sempre foi. Eu sempre senti culpa por qualquer
sentimento ou reação. Então, Dom tomou a dianteira.
A mão dele subiu devagar, pousou no meu ombro — pesada, firme, como
antigamente, quando me puxava do chão nas brigas entre meus irmãos. E aí,
do nada, veio o abraço.
Foi seco, duro. De homem para homem. Braço contra braço, peito contra
peito, como se o instinto ainda não soubesse se era afeto ou luta.
— Ah, isso é tão comovente — ouço Filippo exclamando. — Tão
maravilhoso fazer parte dessa família.
E então ele se uniu ao abraço, o que quebrou o encanto quase de imediato.
— Esse cara sabe que eu achava que vocês dois tinham um caso? — Dom
resmungou, o que fez Romagna nos soltar na hora.
Eu ri, sem responder.
CAPÍTULO 30
—E
u entendo seus sentimentos.
Encaro Caterina. Estou sentada na cama de Gianni, com minha nova
cunhada diante de mim. Ao nosso redor, nossos filhos brincam juntos como
velhos amigos que se reencontraram após anos.
— Como poderia?
— Tirando o fato de que sou filha da Máfia e você uma jovem que acabou
caindo de paraquedas nesse mundo, somos a mesma coisa.
Ainda não me convenceu, mas aceitei que se sentasse ao meu lado. Era tão
bonita, e tinha um cheiro tão bom, que trazia conforto.
— O que quer dizer?
— Sou a quinta filha de Paolo Carbone. Meu pai, o pai de Gianni, era
horrível. Ele casou-se com outra mulher antes de minha mãe, e dizem que a
matou quebrando seu pescoço. Não me lembro direito dele, era pequena
quando morreu, mas mamãe vivia aterrorizada. Minha mãe, Francesca, era
apenas uma garotinha quando foi entregue ao meu pai, que já tinha mais de
quarenta e cinco anos na época. A vida dela não foi fácil, nem a de meus
irmãos mais velhos. Sei que Dom foi grosseiro com você, mas na verdade,
ele não queria ser. Acho que ele me viu em você e então disparou algo que
estava embrenhado nele, mas não tinha coragem de dizer.
Ela era absolutamente misteriosa. Permaneci ouvindo porque queria saber
tudo. Tudo que Gianni não me disse.
— Do primeiro casamento, Paolo Carbone teve quatro filhos. Dominus, o
capo, que você já conheceu. Beniamino, que mora no México. Gianni, seu
marido. E então Nicola, que está na Colômbia. Eles são homens duros
porque precisam ser. Dominus, o mais velho, lidera a Lupi Sanguinari depois
da morte de meu pai. Mas, é o tempo todo confrontado, duvidam de sua
capacidade, e tentam destruí-lo e roubar a liderança. Uma parte de mim acha
que ele adoraria que isso acontecesse, mas ele sabe que isso seria a ruína de
todos nós. Ninguém deixaria um único filho de Paolo vivo para tentar reaver
o poder. Então, ele... ele precisa o tempo todo ser mais duro do que
realmente é.
— Não acredito. O acho absolutamente detestável.
— Sim, eu imagino. Ouvi o que disse para você. Mas, mais uma vez, não era
com você que ele falava. — Ela apontou Luigi com a cabeça. — Sou mãe
solteira. Não tenho marido. No mundo normal, não há nenhum problema. No
mundo da máfia, meu filho é um bastardo que não devia existir.
Fiquei espantada por isso.
— Quando apareci grávida, havia sido estuprada — ela me contou, baixo,
longe dos ouvidos infantis. — Todos exigiram que eu tirasse. Somos
católicos tradicionais, mas até mesmo meu tio Afonso, padre, achou que era
melhor livrar-se do menino. Mas, eu não podia... você me entende, não é?
Lágrimas que já estavam difíceis segurar, despencam dos meus olhos.
— Eu entendo... Nem imagina o quanto.
— Eu imagino sim... — deixou claro que já sabia do meu infortúnio. —
Dominus me apoiou. Ele cria o sobrinho como pai. Tenho a sorte de a esposa
dele ser uma mulher maravilhosa que não é acometida de ciúmes, e aceita a
presença da criança sem ficar enlouquecendo ninguém. Vai gostar dela,
quando a conhecer...
— Não pretendo. Vou me divorciar do seu irmão.
— Não vai, Made. Não estou impondo isso a você, mas não vai. Um
Carbone não se divorcia. E Gianni não é um marido ruim.
— Ele mentiu para mim.
— Todos os homens mentem. Podia ser pior.
— Você aceita tudo com tanta facilidade — resmunguei.
— Meu irmão fez tudo porque te ama. Ele está enfrentando Dominus lá na
sala por amor. Você acha que esse homem merece ser abandonado? No lugar
dele, apaixonado, o que acha que ele devia ter feito? Confessar que é um
assassino frio? Você se afastaria, e ele nunca mais a veria de novo.
Uma parte de mim queria se agarrar nessas palavras como uma tábua de
salvação. Porque... eu queria ficar. Era vergonhoso sequer pensar nisso, mas
eu queria. Não conseguia me imaginar longe de Gianni. Agora que eu
experimentei a felicidade, não queria abandoná-la. Era como um vício no
pecado.
— Além disso, Vicenzo Carbone já sabe sobre você. Poderia capturá-la e
torná-la uma arma contra meu irmão. O menino também.
De repente, entendo a dimensão. Sim, algo já havia despertado em mim
quando vi Gianni em alerta, segurando a pistola, perto da porta. Mas, ouvir
as palavras de Caterina agora abriram minha mente.
— Vai ficar, não vai? — ela sorriu para mim. — Precisa ficar para meu
noivado... — convidou, e pela primeira vez, eu senti uma parte de
naturalidade vindo dessa história toda.
— Noivado?
— O homem que estava com Gianni. Vamos nos casar. Ele é o Capo da casa
Romagna e disse que assumirá a paternidade de Luigi.
Ouvi-la chegava a doer. Era de uma tristeza absurda.
— Você o ama?
Seu sorriso desanimado respondia por ela.
— Por que vai se casar sem amor?
— Porque estou condenada. Uma mulher... Como Dom chamou? O resto de
outro homem. É o que sou. Por isso estou afirmando que ele não falava com
você. Era para mim, eram palavras que ele não tem coragem de me dizer
pessoalmente. — Suspirou pesado. — O que eu posso fazer? Meu filho
precisa de um pai. Precisa de um sobrenome. Precisa que as pessoas
esqueçam o que ele é, e possa crescer com respeito. Filippo Romagna
prometeu isso.
— Ele te ama?
O riso debochado dela me cortou.
— Ele gosta de mulheres gordas. E eu não sou. Ele come minha cunhada,
Ava, com os olhos sempre que a vê. Mas, sou uma opção porque sou
Carbone. Ele quer estreitar laços. Sua irmã Chiara já está casada com meu
irmão, Ben...
Segurei sua mão. Eu podia dizer que ela estava surpresa com meu gesto. Não
sei se é acostumada com simpatia feminina, mas eu compartilhava sua dor.
— Quando seu irmão me pediu em casamento, eu não estava apaixonada. Só
queria me casar com ele para dar um pai a Noah — contei. — Mas, me
apaixonei por ele.
Seu olhar ficou tão longe.
— Não vai acontecer comigo. Nunca amaria Romagna.
Talvez ela ame outro homem. Pode ser. Não quero inquirir. Sinto que
seremos muito amigas, mas não vou impor isso a ela.
— Obrigada Caterina... — murmurei. — Suas palavras me ajudaram muito.
Seu sorriso foi genuíno. Eu fiquei aliviada de ter nela uma aliada.
✽ ✽ ✽
Durante a tarde, roupas foram deixadas no apartamento. Pessoas chegaram e
saíram aos montes. Novos professores para Noah foram apresentados,
enquanto se organizava a nova escola dele, faxineiras, empregadas... muita
gente para proteger a casa, e a mim e ao meu filho.
Eu mal vi Gianni durante o dia. Mas, vi Dominus. Ele permaneceu no
apartamento, quase o tempo todo preso no escritório. Em um momento,
conversou comigo, a fim de se desculpar pela primeira impressão que me
deu. Não sei o quanto foi sincero, mas não sou do tipo que fica alimentando
raiva e ressentimento.
Então, no final da noite, quando enfim Gianni entrou no quarto, eu já sabia
que não havia volta para a vida que eu teria a partir de agora.
— Você entendeu? — ele indagou, quando me viu sentada na cama, as
costas na cabeceira, o corpo coberto pelo caro lençol de linho.
— Não sei se esse é meu mundo. Talvez nunca seja.
— Mas, não posso deixá-la ir. Não mais.
— Caterina disse que podem fazer mal a Noah.
— Podem. Mas, não permitirei isso. Acredite em mim, terá uma vida
protegida, como todas as mulheres Carbone.
Ele se aproximou da cama. Sentou-se ao meu lado. Seu perfume permanecia
o mesmo, mas era só isso parecido com o homem com quem me casei. As
roupas eram diferentes, o semblante, a postura.
— Eu vou ficar — afirmei.
— Tem certeza disso? — Eu vi seu rosto se iluminar. Posso dizer que está
mais relaxado.
— E você? Tem certeza de que quer que eu fique? Não sou elegante como
sua irmã, com certeza não sou parecida com nenhuma das outras mulheres
da máfia.
— Você acha que todas as mulheres da família são elegantes como Caterina?
Ava é uma canastrona, e Chiara parece um fantasma — ele riu. — Deus,
Madeline... Eu quero você na minha vida. Você é o ar que eu respiro, você
me dá energia de passar os dias. Sem você, vazio como era, já teria desistido
a anos...
E então, ele esmaga seus lábios contra os meus. Não sei se quero
corresponder, mas meu corpo me trai em um nível absurdo. Não consigo
negar o que eu sinto, o calor, a necessidade, a certeza de que pertenço a esse
homem e não sou capaz de deixá-lo para trás.
O beijo se tornou mais sobre necessidade do que qualquer outra coisa. Um
desejo desperto de deixar o outro ciente de que estávamos aqui. Um para o
outro.
Suaves gemidos exalam em minha boca, excitados. E isso despertou algo em
Gianni, porque em segundos ele já se erguia sobre mim, arrancando a
camisa, arrastando as roupas, sem fôlego, querendo experimentar o
arrebatamento das vibrações entre nós.
Ele é o único homem que me fez sentir assim. Nenhum antes dele, nunca
haverá outro depois dele. E por mais que uma parte de mim estivesse receosa
e quisesse afastá-lo, outra sabia que não havia mais volta. Não era apenas
sobre o jeito como ele estava me olhando, ou como ele me fazia incendiar.
Era sobre amor. Sobre amar. Sobre entender e aprender com esse sentimento.
Eu fui sozinha uma vida inteira, mas agora meu coração batia em uníssono
com ele.
Tirei a camisola e depois meu sutiã, minhas mãos tremiam. O efeito
hipnotizante em seus olhos era algo especial. Um sorriso cruzou meu rosto
enquanto baixava a calcinha. Quando estava completamente nua, acenei para
ele. Eu até balancei meus quadris para frente e para trás como um incentivo.
Ele não precisou de uma segunda ordem. Arrancando o resto das roupas, ele
se achegou a mim, mãos tocando, beijos sendo espalhados. Meu rosto, meu
pescoço, meu peito. Nós dois éramos seres complicados e quebrados, mas
que de alguma maneira conseguimos juntar as peças. Eu era grata por isso.
— Ti amo con tutto il cuore... — disse, mas como sabia que eu não as
entendia, completou com a tradução. — Eu te amo com todo meu coração.
As palavras me deixaram emocionada. Ele envolveu seus braços ao meu
redor. A proximidade era especial, o beijo foi mais suave dessa vez. Eu
saboreei o gosto dele, sentindo a felicidade transbordante de estar ao seu
lado e me entender sua mulher.
Gianni agarrou meus quadris em seguida, me levantando para receber seu
pau. Não havia nada como a sensação dos músculos da minha boceta se
expandindo para recebê-lo. Era como ser livre e pertencer ao mesmo tempo.
Amei a sensação, agarrando seus ombros enquanto o recebia, nossos corpos
superaquecidos, cheios de vida.
Ele olhou nos meus olhos enquanto me fodia. Ficamos assim, todo o tempo,
como se o outro pudesse se esvair a qualquer instante. O balanço trouxe o
atrito e a sensação gostosa do sexo. Seu pau pulsava no mesmo ritmo do
meu coração batendo forte.
Ele bateu, bateu... fodeu várias vezes até seu corpo ficar tenso, e em nenhum
momento ele me deixou. Seu olhar fixo, mesmo quando as pinceladas de
orgasmo me fizessem apertar as vistas, apenas para experimentar mais forte.
— Vem... comigo... agora... juntos — ele murmurou, sedutor.
Uma onda de vibrações me atravessou, e só então Gianni se permitiu fechar
os olhos. Sua mandíbula cerrada não impediu seu rugido enquanto ele se
liberava profundamente dentro de mim.
Foi duro, e gostoso... e cheio de sentimentos ao mesmo tempo.
— Eu te amo — murmurei, quando seu corpo pesado caiu sobre o meu.
Ele sorriu.
Eu sabia que a vida podia ser muito difícil, mas ao lado de Gianni estava
disposta a enfrentar qualquer dificuldade.
CAPÍTULO 31
jantar de noivado de Caterina e Filippo pareceu frio e impessoal demais para
uma união, mesmo arranjada.
Do outro lado da mesa, observava minha irmã com olhos abatidos, como se
estivesse prestes a ser estripada sobre uma mesa. Ao lado dela, o noivo,
inconveniente, comentava que ela precisava engordar um pouco mais.
Perto de nós, Dom observava a tudo com uma falsa sensação de conforto,
mas eu conseguia lê-lo o suficiente para saber que não era de seu agrado que
Caterina se tornasse Romagna.
Ele estava permitindo por Luigi. Ela também estava aceitando por Luigi.
Copos tilintando por cima de conversas falsas, enquanto ao nosso redor
outros homens do clã comentam sobre como estão os negócios.
— Soube que Nico se uniu ao Clã do Golfo... — um deles disse para
Dominus, que ergueu as sobrancelhas.
— Nico não gosta das Farc.
— Nico odeia comunistas — comentei, num murmuro, enquanto me
lembrava do quanto ele dizia que ideias marxistas eram apenas para meia
dúzia mandar e uma multidão obedecer cegamente, a custo da própria vida,
valores e identidade.
— Quem gosta de comunistas? — Dom resmungou, do outro lado. — O fato
é que Nico está indo bem. Ele é essencial na Colômbia.
O homem assentiu, enquanto outra figura chamava minha atenção.
Madeline...
Minha esposa.
Começou tudo errado, como tudo nesse mundo sujo. Mas hoje… ela estava
diferente. Ela me aceitou. Aceitou o papel que precisaria ter em minha vida.
Quando um estilista veio à casa, na semana anterior, para lhe fazer uma
encomenda de roupas novas, ela não recusou nada. Entendeu. Eu era grato.
E agora, o vestido azul celeste desenhava seu corpo com uma elegância que
me fez esquecer, por um instante, o cheiro de pólvora que carrego na
memória.
Pego sua mão que repousa sobre a mesa, e a levo aos lábios. Um beijo,
apenas para confirmar a ela que estou aqui.
— Sua irmã parece tão infeliz — ela murmura, se aproximando de meus
ouvidos, enquanto dá de ombros, parecendo infeliz também.
Meu olhar volta a Caterina. Seu garfo se enrola num loop infinito entre a
massa e o molho branco. Ela é linda, nem imagina o quanto. Claro, ela
sempre foi comparada a Francesca, e sempre foi rebaixada por isso, porque
Francesca é surreal, mas Caterina tem um charme que a destaca de todo
mundo.
Eu queria que ela se visse, ao menos uma vez.
Uma parte de mim quer encerrar esse noivado, dizer para pararem, que não
vai dar certo. Mas, outra, sabe que não tenho o direito.
De repente, o som corta meus pensamentos.
Não foi um estouro. Foi seco. Controlado. Profissional.
Vidros estilhaçaram. A primeira bala passou rente à minha orelha. A segunda
cravou na parede, onde segundos antes estava a cabeça do noivo.
Madeline gritou, assustada, enquanto eu a guiava para baixo. Era uma sorte
que as crianças não estivessem aqui. Não dava para acreditar que alguém se
atreveu a enfrentar Romagna em sua própria casa, no dia de seu noivado.
Ou... a intenção era contra Dominus?
Por instinto, mantive minha esposa abaixada, enquanto olhava para minha
irmã.
— Fica abaixada. — Gritei para Caterina, mas ela não me olhou.
Tirei a pistola do coldre sob o paletó. Beretta apx preta, silenciosa, eficiente.
Olhei pelo vidro da janela, outro disparo. Havia homens lá fora, tanto nossos
quanto de Romagna, e estava havendo um enfrentamento.
Eles estavam tentando entrar pela varanda dos fundos. Eu reconheci um
deles.
Rinaldi... o homem de armas de nosso primo.
— É Vicenzo! — gritei para Dominus, e o vi se transformando na mesma
hora.
O desgraçado se atreveu... Depois de anos em uma toca escondido, ele se
achava no direito de atentar contra nós.
Filho da puta!
A sala de jantar virou um caos. Filippo berrava ordens, os seguranças
trocavam tiros com os invasores. Eu me aproximei da janela. Mirei, respirei,
disparei. Um caiu. O segundo tentou correr e tropeçou num garçom morto.
Dei dois tiros no peito, um na testa. O terceiro hesitou. Erro de amador, para
um assassino profissional como eu. Atirei sem pensar.
Volto minha atenção para trás, querendo verificar as mulheres. Made está lá,
encolhida embaixo da mesa, mas Caterina...
Então eu a vejo. Ela ruma na direção da saída, uma arma em punho. Como
um relâmpago, percebo o perigo e corro na direção de minha irmã.
Ela vai morrer... Não... Não posso deixar!
Mas, Caterina é mais rápida. Logo está na varanda, o corpo exposto a
qualquer bala, atirando.
Atirando...
Eu não sei em quem ela está mirando, mas as balas contrárias param.
Ninguém atira nela. Ninguém. E ela dispara até esvaziar o próprio tambor. E
continua a disparar, mesmo sem nenhum outro estouro.
Consigo alcançá-la quase no mesmo instante que Dominus. Ele também a
viu, e teve o mesmo instinto de salvá-la. Quando a peguei nos braços, ela
tremia.
— Você ficou maluca? — eu gritei, mas ela não me ouvia.
Sua beleza parecia morta, seus olhos apagados. Ela caiu o braço, a arma
desabando no chão. A puxamos para dentro, mas as balas já haviam findado.
O confronto parou. Os homens de Vicenzo simplesmente fugiram assim que
ela apareceu.
✽ ✽ ✽
—Você está bem?
Madeline assentiu, enquanto recebia um copo de água doce de um dos
criados.
Ela estava. Não havia um único rasgo em seu vestido, nem perturbação em
seu semblante.
— Isso sempre acontece? — ela perguntou.
— Isso nunca aconteceu. Foi uma afronta audaciosa até mesmo para Vicenzo
— expliquei. — Famílias são sagradas, eles nunca atacaram lugares onde
estão as mulheres...
— Vicenzo é um bastardo desgraçado que não respeita regras — Dominus
disse.
Ele tremia de raiva, mesmo assim, seus olhos não deixaram nossa irmã em
nenhum momento.
— Você percebeu? — murmurei a ele, não querendo deixar todos ali cientes
do assunto.
— Pararam o ataque quando Caterina apareceu. Por quê?
Então ele avança. Eu tento interceptá-lo porque já sei o que vai resultar tudo
isso, mas Dominus é simplesmente imparável. Ele a pega nos braços, a
levanta do banco em que ela está.
— O que Vicenzo quer com você? — indaga, forte, mas ela não responde
nada.
Ela não vai falar. Não sei se é greve de silêncio ou simplesmente perde a
capacidade quando o assunto é Vicenzo. E se isso for assim, ficará por meses
sem dizer um único som.
Passos perto de nós. Eu viro meu rosto e vejo Romagna em choque.
— Como ele conseguiu entrar?
— Vicenzo é um parasita, ele entra em qualquer lugar — Dominus avisou.
— Ele roubou Caterina de minha casa anos atrás, enquanto eu dormia no
quarto ao lado do dela. É um cretino.
Ou ele teve ajuda. Resisti em trazer essa ideia a Dominus, porque não queria
piorar as coisas. Algo estava errado e parecia uma bomba-relógio.
— Eu sinto muito, Dominus. Não sei como me desculpar — Filippo parecia
seriamente envergonhado. — Isso nunca devia ter acontecido. — Girou para
Madeline, que ainda estava sentada na cadeira, ao lado da mesa. — Senhora
Carbone, seu primeiro jantar em família e acontece uma coisa dessas... A
vergonha me toma.
— Por favor, eu entendo — Madeline estava sendo tão madura que me
surpreendeu. — Eu sabia que coisas assim podiam acontecer, e aceito. Não
nasci numa máfia, nem cresci em uma. Mas, agora ela faz parte da minha
vida.
— Não devia ser assim — Dominus disse. — Mas, enquanto houver um
Carbone vivo, não ficará jamais desamparada ou correrá perigo — lhe
garantiu. — Acho que devemos ir para casa, esse jantar está acabado, de
qualquer maneira.
Sei que Dominus queria dizer mais coisas. Não apenas encerrado o jantar,
mas também o noivado. Essa merda não daria certo mesmo. Mas, não disse.
Não diria agora, com os nervos aflorados. Sei que ele vai pensar melhor, sei
que vai colocar a cabeça no lugar, e no momento certo e oportuno,
conversará com Filippo.
— Vamos? — vou até minha esposa e pego na sua mão. — Foi emoção
demais para uma noite.
Ela sorriu, me confortando. Estava tudo bem, ao menos para Madeline. Era
uma preocupação a menos na minha cabeça já destruída de nervos aflorados.
CAPÍTULO 32
—A
cho que não vai dar certo...
Eu ergo meus olhos e encaro Filippo Romagna. Ele costuma vir ao
apartamento dia sim, dia não, para tomar café comigo. Acredito que sinta
falta da irmã e se sinta solitário. Por isso, minha presença lhe traz algum
conforto.
— Também acho que não vai dar — respondo.
O noivado entre Caterina e Romagna parece loucura. Eles não se amam,
acredito que nem sintam atração um pelo outro. São apenas negócios, mas
nem todo negócio vale a pena.
— Eu gosto dela — me confessou. — Não paixão, sabe? Mas, eu simpatizo.
É inteligente, séria, bonita... E é uma amiga. Nós conversamos
eventualmente, em eventos. Ela tem um humor sarcástico que me faz rir.
Quando visitei Tana, no casamento de Dominus, Caterina foi minha parceira
no altar. Dançamos juntos... enfim, achei que pudesse dar certo.
Aceno.
— Você é como um irmão para Gianni... — digo. — Ele realmente está ao
seu lado. E tem o fato de sua irmã já ser casada com um Carbone. Já
estreitou os laços, Filippo... Não precisa se forçar a mais nada, por qualquer
motivo.
Ele assentiu.
— E ela também não te ama — completei. — Nem de perto.
— Eu sei — seu sorriso quase me fez rir também. — Por um breve
momento, quando atacaram a festa, acredito que ela torceu para a bala
atingir minha cabeça.
— Não chega a tanto — resmunguei, e ele gargalhou. — Agora que eles
foram embora, que Dominus voltou para o Alaska com a irmã, você pode
planejar uma maneira respeitosa de quebrar o acordo. Sei que Dominus
também está pensando nisso.
— É mesmo? Acha?
— Ele viu que Caterina está quebrada demais para um casamento.
— Então vou deixar que ele termine tudo, porque francamente não tenho
essa coragem.
É engraçado ver como ele é um homem poderoso, e como sei que já
enfrentou Dom no passado, mas agora luta para se manter em paz. Gianni
me comentou que o principal motivo é a felicidade da irmã. Filippo não quer
problemas com os Carbone, porque isso poderia atingir Chiara de alguma
maneira.
— Dom disse antes de ir que vai esperar um pouco para contar sobre mim
para os Carbone de Tana. Esperar o filho nascer, as coisas se acalmarem...
Depois disso, Gianni vai me levar para lá para conhecer a família. O que
acha?
Ele fez um bico, parecendo pensar.
— De início, vai se sentir intimidada por Francesca. Ela é como uma deusa
grega, bonita demais. Mas, depois vai amá-la. É uma pessoa maravilhosa.
Muito jovem, também. Então, as mulheres têm um pouco de ciúmes dela —
balancei a cabeça, esse tipo de bobagem não passava por mim. — Caterina
você já conhece. Ava... bom... Ava é como a luz do sol naquele lugar gelado,
cercado por neve.
Eu quis zombar da forma como ele falava da esposa de Dominus, mas não
tive coragem.
— Você a roubaria se pudesse, não roubaria?
— Se ela me quisesse... colocaria todo o poder em jogo por ela.
Meus lábios não afastam o sorriso dessa vez.
— Fale dos demais.
— Rocco é o outro membro da casa. É um jovem rapaz, muito gentil. Minha
irmã gosta muito dele. Acho que, por ter sido criado por uma mãe, ele tem
esse temperamento mais agradável. Então, fora da Tana do Alaska, temos a
fortaleza de Tana no México, onde mora minha irmã, Chiara... um doce de
pessoa... E seu marido, Beniamino, que é um ano mais velho que Gianni.
Nós chamávamos Ben de libertino, mas ele está sendo um bom marido.
Ele respirou fundo, como se fosse custoso a acreditar. Mas, eu sabia que
Filippo estava dando um voto de confiança ao homem.
— E, por fim, temos Nico.
— Ouvi falar dele no jantar... Está na Colômbia, não é?
— Tem uma Tana dentro da floresta Amazônica. É o próprio Tarzan. Ama
animais, incrível como o mesmo cara que se importa decididamente com o
nascimento de um macaco é o mesmo que daria um tiro na cara de alguém
sem o menor pudor.
Essa frase me levou ao dia que descobri que meu marido era da Máfia.
Lembrei-me de como ele matou Jean.
— Mas eles matam sem sentimentos...
— Nunca, jamais, por motivos pessoais. Eles matam porque são treinados
desde garotos para matarem. Claro que, às vezes, existe um pouco de
emoção envolvida... Como quando... — ele apontou para mim, mas não
completou, se recusando a citar Jean. — Mas, no geral, é apenas trabalho.
Impessoal. Frio.
— Imagino como deve ter sido uma infância difícil...
— Não... você não imagina... Eu cheguei a conhecer o falecido Paolo
Carbone. Ele era o próprio demônio em carne e osso. Francesca vivia
aterrorizada. Todo mundo tinha medo dele. Gianni nunca falou muito do
assunto, mas eu sei que ele cresceu reprimindo qualquer demonstração
sentimental. Ele apanhava se chorava. Então Dominus e Ben tomavam a
frente e o tirava das vistas do pai.
— Por isso ele era tão distante quando o conheci... — murmurei. — Ele não
é mais assim...
— Porque ele a ama. Você é uma mulher especial que capturou seus
sentimentos.
Eu sorrio, aliviada.
— Eu o amo também — confessei, porque era fácil conversar sobre isso com
Filippo. — Apesar das circunstâncias, acho que jamais estive mais feliz em
toda minha vida.
CAPÍTULO 33
Ele vestia uma camisa branca folgada e um jeans escuro. Seu corpo era
visível em tela inteira, enquanto Nicola ajeitava a câmera do celular,
apoiando-a contra algo, a fim e poder conversar comigo sem ter nada lhe
atrapalhando as mãos.
Nada, além do pequeno mico-dourado, que circulava entre seus braços e
seus ombros.
— As coisas estão um pouco complicadas na fronteira com a Venezuela —
ele me contou. A tela brilhou com estática por um segundo antes de
estabilizar no rosto preocupado de Nicola. Atrás dele, dava para ver a
montanha verde, a umidade pesando no ar como um pano molhado.
Ele parecia o próprio Pablo Escobar, com a camisa meio aberta, suada, um
cigarro preso no canto da boca. Se ele estivesse em Medellín, juraria que era
com o finado que eu estava conversando.
— Complicadas, como? — indaguei, encostando na cadeira de couro do meu
escritório. — Soube que Beniamino fez um acordo com os russos por armas
bélicas.
— Isso mesmo. Em troca, ajuda para adentrar no território venezuelano.
— E o que está impedindo?
— As Farc. Os caras são bons. Sabem o que fazem.
— Você também é bom.
Nico riu com desprezo.
— Eu sou bom. Mas, estou na corda bamba aqui. De um lado a Farc, do
outro, o Clã do Golfo. Juro que não sei quem é pior. No meio de tudo,
existem pessoas inocentes. — Ele terminou o cigarro, jogando a bituca no
chão. — O sinal está ruim aqui. Não sei por que, está cada vez pior em
Letícia.
Ele morava no norte de Letícia, em San Sebastian. Um lugar completamente
isolado, perto das montanhas.
— Mas está valendo a pena. As folhas tão brotando fortes este ano. As
sementes que recebemos do Peru estão respondendo melhor do que o
esperado.
Assenti com a cabeça, mas fiquei de olho nos detalhes. A barba dele
crescida, o olho esquerdo mais inchado que o normal. Tinha tido briga por
lá.
— E os homens do Clã?
— Eu tenho um exército aqui. Mas, não tenho a lealdade de todos. Eles vão
aonde tem mais dinheiro. Eles me trairiam se fosse financeiramente bom
para eles. Mesmo assim, já tenho um bom número armado controlando a
floresta e os agricultores. Com a guerra entre o Golfo e a Farc, eu achei uma
brecha e entrei. O povo está cansado deles, e me são leais. Reconstruí a
igreja Católica em Letícia e consegui um padre para rezar as missas. As
pessoas são gratas.
Suspirei, passando a mão pelo cabelo. A coisa estava andando rápido demais.
— Tu sabe o que isso significa, né?
— Eu não vejo a hora, meu irmão — confessei. — Soube que Caterina e
Filippo estão prometidos?
— Isso não vai dar certo — comentou.
— Eu sei. Mas, estão. Por enquanto. Vicenzo atacou a festa de noivado.
Fiquei calado por um instante. Olhei pela janela do meu escritório, havia um
parque quieto ao fundo. Lá fora, os meninos brincavam entre as árvores,
ignorando que logo o sangue ia escorrer pela Colômbia inteira.
— Não dá mais para esperar. Ele está cada vez mais audacioso.
— Eu não posso começar a guerra sozinho — Nico rebateu. — Eu ainda
tenho que ajudar os russos a entrarem na Venezuela.
Meu rosto endureceu.
— Precisamos de mais dinheiro. Assim, minamos até as Farc. Manda avisar
os plantadores. O dobro esse mês. Mercado para vender nós temos,
precisamos de mais mercadoria.
Ele assentiu. Sabia que não era uma escolha.
— Dominus me contou do seu casamento.
Eu inclinei minha cabeça.
— Sim.
— Forçou a moça a ficar com você?
— Não poderia fazer isso. Ela escolheu.
— Ela escolheu o que você queria, não é? Teria forçado a ficar, se ela
quisesse ir embora.
Era verdade. Quando Made quis ir, não deixei. Só a permiti livre quando ela
deixou claro que estava comigo.
— Conheço você, Gianni. Estou feliz que tenha encontrado um porto seguro.
Um homem precisa de uma companheira.
Levantei meu olhar para meu irmão.
— Diz isso, mas não tem uma.
— Tenho muitas.
Neguei com a face. Não entendia esse tipo de relação e tentei não confrontá-
lo sobre isso. Sempre achei que nosso corpo é um templo sagrado e não
devemos deixar qualquer um entrar.
— Sobre o noivado de Caterina. Por que acha que Vicenzo atacou?
Ele tinhas as mesmas suspeitas que eu?
— Você tem informações sobre isso? — indagou.
— Ela não fala.
— Às vezes tenho vontade de bater nela até que confesse — murmurou, tão
baixo, mais para si mesmo que para mim.
— Confessar o quê?
— Soube que Vicenzo atacou também um comboio onde estava Francesca?
Para mim, ele queria pegá-la.
— Para quê?
— Eu não sei. Mas, agora ele ataca onde está Catarina. Acho que há mais do
que está explícito diante de nós.
As pontas soltas estavam sendo amarradas. A percepção começou a tomar
conta de mim. Mas, como saber a verdade se minha irmã não abria a boca
para nada.
— Há algo errado — observei.
— Vicenzo nunca atacou para matar. Reparou?
— Ele tentou matar Filippo Romagna. A bala cruzou por centímetros do
crânio.
— Sim. O noivo.
Eram observações importantes, mas nem Nico nem eu devíamos ficar
fantasiando. Então, tentei desvanecer desse pensamento.
— Está quase na hora de eu buscar meu filho na escola — disse a ele. —
Conversamos amanhã.
— Certo. Se eu não atender, é por causa do sinal.
Assenti.
— Não vamos desviar nosso foco do maldito Vicenzo. Só isso importa para
nós.
Nico concordou.
CAPÍTULO 34
incrível que, mesmo que você não tenha tido nada a vida inteira, se acostuma
as coisas boas. Se acostuma a boas roupas. A boa comida. Se acostuma a não
precisar se preocupar com dinheiro. É muito mais fácil o caminho em
direção a paz, quando há estabilidade financeira.
Não sou hipócrita de pensar diferente.
O tempo foi passando em minha nova vida. Não depressa, mas também não
se arrastou. Aprendi a dirigir, agora eu mesma levava meu filho a escola de
ricos que jamais pensei que ele um dia iria ter condições de estudar. Vê-lo de
uniforme dentro do carro brindado era a coisa mais adorável que podia
existir. Eu sorri de relance para sua imagem no retrovisor, enquanto
manobrava e parava diante do enorme prédio de três andares.
O som dos gritos felizes das crianças cruzou por mim quando abri minha
porta. Fiz a volta, abri a de Noah. Ele me deu suas pequenas mãozinhas para
se apoiar enquanto eu o ajudava a sair do carro.
Meu filho sorriu para mim, ajeitando a mochila nos ombros.
— Seja um bom menino — disse, enquanto uma das professoras se
aproximava. — Seja obediente e faça tudo que a professora mandar —
ordenei.
Ele assentiu. Era sempre um bom garoto.
Cumprimentei rapidamente a nova professora, enquanto me preparava para
voltar ao meu carro. Mas, não cheguei a entrar nele. Antes mesmo de pôr a
mão na maçaneta, mãos firmes seguraram meu braço.
Girei o rosto e o vi. E o reconheci, de imediato. O mesmo homem que,
àquela vez, me salvou de Jean no bar. Lembrei-me de que ele estava à
procura do meu marido, então era certo que também estava envolvido em
coisas ilegais. Preparei-me para gritar, mas fui interrompida.
— Por favor, eu só quero conversar. Me chamo Vicenzo Carbone. Sou primo
de seu marido.
— E seu maior inimigo — adverti, informando-o de que sabia a verdade.
— É o que ele acha — confirmou.
— É o que eu vi. Você o atacou.
— Não a ele. Ataquei Romagna.
Para mim, é a mesma coisa. Filippo já era da família.
— Por favor, eu te peço. Me encontre no café da esquina. Um local público,
estará segura. Eu preciso falar com você.
Há algo nos olhos dele, não sei. Não é perigo. É desespero. Aceno. Já senti
esse sentimento antes.
— Estou indo — disse.
Ele me soltou e se afastou. Eu entrei no carro e podia simplesmente ir
embora agora. Mas, me vi guiando o veículo na direção do café.
✽ ✽ ✽
A campainha sobre a porta tilintou quando entrei no café. O aroma de grãos
moídos e pão recém-saído do forno inundou minhas narinas enquanto eu o
procurava com os olhos.
Vicenzo estava em uma mesa próxima à janela, onde a luz do sol filtrava-se
pelas cortinas de linho, projetando sombras delicadas sobre a madeira gasta.
Sentei-me diante dele, observando-o em seu terno perfeitamente alinhado,
escuro como a meia-noite, os cabelos num preto intenso semelhantes ao de
Gianni. Eram parecidos, ouso dizer.
— Quer um café ou prefere um capuccino?
— Café. Preto. Sem açúcar.
Ele pareceu impressionado, mas ergueu a mão e chamou o barista. Quando o
homem fez os pedidos, seus olhos volveram para mim, e um arrepio gelado
percorreu minha espinha.
O que diabos estou fazendo aqui? Não é certo me encontrar com o inimigo
de Gianni, não importa o quê.
— O que você quer comigo? — indaguei, ousando ignorar o peso silencioso
em seus olhos.
Vicenzo não respondeu de imediato. Ao invés disso, numa calma meticulosa,
ele ajeitou-se melhor na cadeira.
— Sou o pai de Luigi.
Juro que tentei ficar impressionada, mas não fiquei. Porque havia traços
claros no meu sobrinho que remetiam a Vicenzo.
— Você é um covarde — disse, revoltada.
— Sou.
— Você abusou de Caterina...
— Não — negou, e por um instante eu achei que ele fosse usar o mesmo
argumento de Jean. De que ela queria que ele a tomasse. — Eu a amo. Ela
me ama... ou talvez não mais... Já se passaram anos, ela me odeia com
certeza. Mas, na época, não houve abuso de minha parte. Caterina aceitou
fugir comigo. Ela escapou de Tana e veio para mim. Nós iríamos
desaparecer por um tempo, nos casar escondido, mas... — Ele respirou
fundo, como se as memórias fossem borrões sem sentido. — Eu confiei no
homem errado.
— O que quer dizer?
— Dominus descobriu que fui eu que a raptei. A notícia correu e ele iria
atacar um dos meus fortes. Fui para a guerra, e a deixei com um soldado que
confiava como um irmão. Ele a estuprou...
— E quando ela apareceu grávida, você considerou que podia ser filho do
estuprador...?
— Isso.
— E você a deixou sozinha para enfrentar as consequências... mesmo que
tenha sido por sua culpa?
— Eu matei o homem e a devolvi ao irmão — concordou.
— Grávida. Humilhada. Despachada como um objeto.
— Acha que tenho orgulho disso? — ele pareceu mitigado. — Eu me
arrependo desse ato desde o instante que ela entrou naquele avião que a
levou para o Alaska.
— Ela é sua prima — reforcei. Não tinha pena dele. — Você é um monstro!
— Não de sangue. Caterina é filha de um dos soldados de Paolo. Francesca
traiu meu tio.
Eu soube dos boatos um dia, por Filippo. Ninguém tinha certeza, e como
Paolo reconheceu todos os filhos em vida, ninguém ousava acusar isso.
— E como tem certeza de que Luigi é seu filho?
— Desde que Caterina se foi... Eu tenho pessoas que me informam... Eu vi
fotos do garoto... Ele é meu. É a minha cara.
Era verdade. Tirando, claro, os intensos olhos azuis que ninguém sabia de
onde vinha, mas todos desconfiavam que era do homem que a violou.
— Eu não vou deixar que ela se case com Filippo Romagna — avisou.
— E vai fazer o quê? Impedir de que maneira? Você não tem direito a nada.
— Ele não vai dar o sobrenome ao meu filho. Luigi é um Carbone legítimo.
Meu filho. Eu o quero. Preciso que me ajude.
— Não há nada que eu possa fazer.
O café chegou. Nós permanecemos em silêncio, enquanto eu tomava um
longo gole da bebida. Havia notas de chocolate que me agradou. Mas, não
disse um elogio. Não queria falar nem ser simpática com ninguém ali.
— Você é mãe — ele observou, quando o barista se foi. — Eu imploro que
me ajude. Só quero vê-lo. Alguns minutos, pegá-lo no colo...
— Sem chance. Você não tem direito de nada. Abandonou a mãe dele,
deixou-a desamparada num mundo que você conhece muito bem. Sabia que
tentaram que ela tirasse?
A culpa correu seus olhos.
— Ela não tiraria — observou. — Eu pedi que tirasse. Disse que podíamos
colocar isso de lado, e recomeçar. Ela me deu um tapa na cara, e nunca mais
me olhou...
— Como é fácil se livrar de uma criança, não é? Você não está disposto a
cuidar, então simplesmente tira. É tão simples para vocês, homens... Não
fazem ideia de como isso mexe com o corpo e com a alma de uma mulher.
Vicenzo baixou os olhos, a vergonha transparecendo em seu semblante.
— Eu sei que não vai simplesmente pegar Luigi e trazer para mim, mas
podia entregar um recado a Caterina? Ou a Francesca, mãe dela? Diga que
me arrependo, que não quero uma guerra, e todos os meus ataques, até então,
estão sendo na tentativa de derrubar um pouco as defesas de Dominus para
que eu me aproxime.
— Você não tem esse direito - reafirmei.
— Madeline, eu sei — afirmou. — Mas, estou desesperado. Eu juro que
tentei seguir em frente, tentei encontrar outras mulheres, tentei fingir que
Caterina não existia, que Luigi não existia... Mas, eu não consigo... Eu
preciso ver meu filho.
Eu me levantei. Puxei uma nota da bolsa, indicando que não permitira sequer
que ele me pagasse um café. Larguei na mesa e saí sem lhe dar uma única
resposta.
De mim, Vicenzo Carbone não teria nada. Sequer simpatia.
CAPÍTULO 35
oda a história que Madeline me relatou me chocou de muitas formas.
Entendi que ela seguiu Vicenzo porque já o havia conhecido antes, e ele a
protegeu de Jean. Mas, ainda assim, achei muito arriscado e deixei claro para
ela que nunca mais fizesse isso. Depois, vinha o relato sobre Caterina.
— Você acha que é possível? — minha esposa questionou.
— Não me lembro dos dois juntos, ou tendo qualquer relacionamento
próximo de uma amizade.
Por mais que eu puxasse na memória, nada vinha. Nenhuma conversa, ou
momento fraterno. Eram como dois desconhecidos. Talvez tivessem trocado
meia dúzia de cumprimentos em festas da Lupi Sanguinari, mas... não... eles
nunca estiveram um único segundo sozinhos.
— Precisa perguntar a sua irmã.
— Ela não vai falar — apontei. — Caterina nunca fala do assunto.
— Mas, talvez seja verdade.
— Independentemente de tudo, a guerra contra Vicenzo vai acontecer. Não
importa como, nem de que forma. Ela vai.
E a demora para enfim começarmos era o que mais me deixava frustrado. Da
mesma forma que o clã de Dominus se preparava para o combate, eu sei que
Vicenzo também está fazendo isso. Ele se uniu ao Oriente Médio, e aos
europeus. Ele basicamente dominou o leste dos EUA. Ele estava pronto para
a guerra, mas não estava dando o primeiro tiro.
De repente, Madeline me abraça. Estávamos sentados na cama, ao final
daquele dia. Eu não esperava o abraço, não num gesto tão temeroso. Ela não
queria me perder e isso me fez despontar um sorriso nos lábios.
— Não vou morrer, Made.
— Não sabe com certeza.
— Eu juro que não. Sou pior que uma erva daninha. Não vai se livrar de
mim tão fácil.
Ela me abraçou mais forte, e simplesmente me deixei embalar em Made. Sei
o que ela teme, sei que imagina que não restará pedra sobre pedra depois
dessa guerra, mas eu pretendo sobreviver. Por ela, e por Noah.
Havia muito mais em mim agora do que apenas morte e assassinato.
Essa mulher mudou meu mundo.
✽ ✽ ✽
O motor do carro ronronava suavemente enquanto avançávamos pela estrada
sinuosa, ladeada por pinheiros cobertos de neve. O céu estava pintado de
cinza, e pequenos flocos dançavam no ar, pousando delicadamente no para-
brisa antes de serem varridos pelo movimento constante das palhetas.
Minhas mãos firmes no volante, sentia a vibração do asfalto irregular sob os
pneus, cada curva revelando uma nova paisagem de gelo e silêncio.
Assim era Juneau. Assim era Tana.
Ao contrário dos meus irmãos que viviam cercados por seguranças, eu
gostava da solidão e de dirigir sozinho para cá. Dessa vez, não estava
completamente só. Pelo retrovisor, sorri observando o garotinho de olhos
arregalados no banco traseiro, enquanto olhava pela janela lateral a beleza da
paisagem.
Ao meu lado, minha esposa estava em silêncio, os olhos perdidos no
horizonte branco que parecia não ter fim. Nossos olhares se encontraram por
um breve segundo, e um sorriso sutil surgiu em seus lábios, como se
partilhássemos um segredo, algo que apenas o vento frio e as montanhas
saberiam entender.
— Olhe as montanhas, mamãe — Noah apontou uma cadeia ao longe, o
rosto quase colado no vidro embaçado.
A cada sopro quente que ele soltava, círculos de vapor apareciam e
desapareciam, criando pequenos mundos efêmeros que ele desenhava com
os dedos.
— Estamos chegando — anunciei, porque sabia o que a próxima paisagem
causaria neles.
E quando a estrada se estreitou, e o horizonte finalmente se abriu, a fortaleza
apareceu.
Tana. O esconderijo, a toca de todos os lobos.
— Meu Deus — ela disse. — É um castelo, como nos filmes.
Majestosa, Tana ficava entre as montanhas como se fosse parte delas, suas
torres atingindo o céu nublado, emolduradas por penhascos cobertos de
neve. A bandeira de um lobo feroz, de olhos vermelhos, com a cabeça entre
duas espadas, tremulava lentamente no topo, carregada pelo vento gélido que
soprava das montanhas mais distantes.
Estacionei o carro diante dos grandes portões de ferro, antes que fossem
abertos por uma horda de soldados.
Cumprimentos rápidos e então segui em frente, parando o carro perto da
enorme escadaria.
— Chegamos — murmurei.
Minha esposa tocou meu braço levemente, e meu filho saltou do carro antes
mesmo que eu pudesse abrir a porta. Observei enquanto ele corria pela neve,
suas pegadas marcando um caminho temporário pela enorme área aberta.
Ouço um gritinho feliz, e então vejo Francesca descendo as escadas,
envolvida por um enorme e pesado casaco de peles.
— Você disse que ela era linda... Mas, eu nunca pensei no tanto — Made
disse, rapidamente, na minha direção.
A porta principal se abriu com um ranger pesado, revelando o interior
iluminado por candelabros antigos. Posso ver no topo, Ava, com um sorriso
enorme nos lábios. Ela já havia dado à luz, e estávamos aqui para conhecer
Olívia, a filha de Dominus.
— Agora, elas são sua família também — disse a minha esposa. — Desça e
conheça-as.
FINAL
espirei fundo, percebendo como Noah se encaixava perfeitamente dentro de
Tana, como se houvesse nascido para estar aqui. Ele brinca
despreocupadamente perto de nós, ao lado do primo, com uma naturalidade
que assusta.
Eu também... também me encaixo tão perfeitamente...
E era incrível como as mulheres, além de Caterina, me receberam tão bem.
Eu, que nunca tive ninguém na vida, agora tinha uma família enorme e
completa.
Gianni tinha razão sobre Francesca. A beleza dela intimidava um pouco no
começo, mas bastou poucos minutos para eu entender o quanto ela era
especial. Uma jovem mulher, mãe e avó, que acabou se tornando
propriedade de um Capo cedo demais. Acho que ela escondia sonhos, mas
não revelava, talvez pelo medo do fracasso. De toda maneira, era amada
pelos filhos e pelos enteados. E basicamente liderava Tana.
Mais que Ava.
Até porque Ava parecia mais preocupada com a filha e com sua estufa de
plantas do que em organizar a fortaleza com algum toque feminino. Não que
isso fosse um problema para alguém. As coisas andavam perfeitamente sem
que a esposa do Capo distribuísse ordens.
— Ele parece um bolinho — Ava murmurou, enquanto sorria para Noah, que
brincava com o primo Luigi ao lado da lareira.
— Você só pensa em comida? — Caterina ralhou, a fazendo rir.
— Pensei que era coisa da gravidez, mas ando com tanta fome desde que
Olívia nasceu... — Ava suspirou.
— Talvez esteja grávida de novo — apontei.
— Não. Jamais. Olívia será única. Não aguento outra gestação.
Eu entendia, apesar de querer ficar grávida de novo. Infelizmente, perdi meu
útero, isso nunca aconteceria.
— Soube que a irmã de Filippo está grávida também — citei Chiara. —
Estou ansiosa para conhecê-la.
— Vai amá-la — Caterina apontou. — Ela é um doce de pessoa.
— Das boas, sabe? Das que fazem caridade, das que se importam... — Ava
destacou.
Era difícil imaginá-la assim, porque era difícil desconectá-la de Filippo, que
era bastante egocêntrico.
De repente, ouço vozes vindo do corredor. Dominus e Gianni caminham
lado a lado. Olívia está nos braços do pai, enquanto seu semblante sério
denota que eles estavam conversando sobre a guerra que planejam.
Eu me pergunto se Gianni contou a Dominus o que sabe. Acredito que não.
A verdade não muda nada. Caterina ainda foi preterida e escanteada como
um nada. Eles tem o dever moral de limpar sua honra.
— Os ativistas contra a mineração estão fodendo o trabalho de Nico —
Dominus contou a todas nós, sem indicar ninguém especial. Reparei como
ele sempre compartilhava as informações mais importantes com as mulheres.
— Como assim? — Francesca indagou. — O que temos a ver com a
mineração?
— Os mineradores protegem os negócios. Mas, os ambientalistas são contra,
porque prejudica a floresta.
— Então Nico está numa crise existencial, porque também quer proteger a
natureza — Caterina destacou. — O que ele disse?
— Está vendo como vai fazer... Se recusa a derrubar árvores para plantar
mais coca. Mas entende o papel dos mineradores. O valor do imposto dos
mineradores custeia a produção.
— Imposto? — indaguei. — O governo cobra imposto deles?
— Não. As facções cobram — Gianni me explicou. — Eles só podem
minerar se dividir o ouro com os clãs. Inclusive com o nosso.
Tudo era muito complexo.
— Acho que essa coisa de máfia era mais simples na era da lei seca. Apenas
guerra por álcool.
Dominus riu.
— É verdade. Mas, o poder hoje é mundial. E são vários clãs ou facções.
Uma luta que não para.
Apesar do nosso começo desastroso, fui capaz de entendê-lo agora. Ele vivia
em uma corda bamba onde qualquer erro cometido podia colocar a vida de
todos em risco. Não sei nem como ele consegue dormir a noite.
Mais tarde, após o jantar, eu zanzei por Tana, observando os quadros dos
antepassados dos Carbone nas paredes do corredor, entendendo a relevância
de cada um deles em sua história. De repente, sinto meu marido ao meu
lado. Ele me puxa levemente, espalhando as mãos nos meus braços, antes de
me cercar carinhosamente.
— Esse é meu tio — apontou um homem vestido de padre. — Ele é bispo
em Boston, mas será Cardeal em breve. Temos relações fortes e estreitas no
Vaticano. É lá que protegemos nosso dinheiro.
— Ele será papa? — brinquei.
— Ele seria um papa maravilhoso. Ele tem o dom com a religião, com as
pessoas, um homem de vocação.
Fiquei próxima de toda a família dele e gostei de passar tempo com eles.
Estava ansiosa para conhecer aqueles que ainda faltavam, incluindo o padre.
Era incrível, eu estava feliz. Mesmo dentro de uma organização criminosa.
Os meus parâmetros morais realmente mudaram muito.
Talvez porque eu amasse muito esse homem. Gianni é minha vida. E ele
tornou essa vida fabulosa.
— No que está pensando? — indagou.
Giro para ele, e o beijo. Nossas línguas se entrelaçaram, enquanto o beijo foi
se tornando mais e mais intenso.
— Estou pensando em ir para a cama.
Ele sorriu enquanto eu andava na direção do quarto. Olhei de relance para
trás.
Meu homem me encarava com mistério. Mas, não havia surpresas no que eu
ou ele sentia. Era real.
Gianni era meu amigo. Meu parceiro.
Meu marido.
A vida tinha dessas surpresas. Quando achei que não restaria mais nada, ele
apareceu, e tornou meus dias momentos que valem a pena.
EPÍLOGO
NICO
u não sou um bom garoto.
Isso é um fato. Posso enganar, porque sou do tipo que parece gente boa, mas
a verdade é que sou do time dos vilões, e não dos mocinhos. Respiro fundo,
esse pensamento cortando minha mente, infiltrando-se para não me fazer
esquecer a realidade da situação.
— Então é isso, chefe... — Jorge Juan chamou minha atenção, enquanto seus
olhos se erguiam para o céu tingido de dons dourados naquele final de tarde.
O sol estava se indo devagar, entre as montanhas da cidade mais austral da
Colômbia. O calor estava mais ameno, mas eu sabia que quando o sol raiasse
de novo, tudo se tornaria denso e abafado, carregado do cheiro da selva e da
poeira que se erguia dos caminhos de terra.
— A colheita vai ser grande — ele completou.
Eu virei meu rosto para o colombiano de bigodes ridicularmente latinos. Ele
era quase uma caricatura desenhada em jornal. E o nome composto fortalecia
isso.
— Precisamos de mais barcos — concordei.
— A polícia está interceptando os rios.
— Dominus verá isso com o presidente.
Eu preciso mandar construir um aeroporto por aqui. Havia um no lado
brasileiro, mas a polícia federal do Brasil era um pé no saco. E lá o governo
ainda fingia que não fazia vistas grossas para o tráfico de drogas.
— As Farc souberam que o Dom Nico está ajudando os russos na Venezuela,
e disseram que vão retaliar — me contou, como se eu não soubesse.
Minha mão direita desliza pelos galhos, sentindo as folhas ásperas da coca
no meu tato. Estão tão bonitas, verdes, fortes e vigorosas. Incrível como solo
da Colômbia faz bem para elas. Cada uma dessas folhas era um pedaço do
império que a Lupi Sanguinari mantêm a alto custo. Cada planta, uma
engrenagem em uma máquina que girava sem parar, movida por dinheiro,
poder e sangue.
— Eu já esperava isso — respondi a ele.
De repente, algo quebra o silêncio. Não sei direito o que é. Um som baixo,
quase um gemido de angústia chama minha atenção. Ergo meus olhos das
plantas, observando a paz de Leticia, a cidade que morava, ser relativamente
destruída.
— Você ouviu? — indaguei, fazendo um sinal para a mata adiante.
— O quê? — ele apurou os ouvidos, tentando captar algo. — O que é, Dom
Nico?
A selva escondia seus próprios demônios, e a linha entre aliado e inimigo era
fina demais para se ver a olho nu. Então eu comecei a rumar na direção de
onde o silêncio foi quebrado.
— Algo abafado — murmurei.
— Deve ser uma onça.
— Eu conheço o barulho das onças. Não é — apontei.
Passos firmes, rápidos. Entramos na área mais fechada da floresta. Há algum
tipo de hesitação dentro do meu coração, entrar na mata sempre é arriscado
demais. Mas, não há escolha, porque eu sinto que preciso ir lá.
Foi então que um som diferente se misturou aos ruídos da selva. Um grito
abafado, quase um gemido, perdido entre o farfalhar das folhas.
— Agora você ouviu? — virei-me para Jorge, que assentiu, balançando o
chapéu na cabeça.
— Ouvi sim, senhor... É mulher.
Ele franziu o cenho antes de dispararmos naquela direção. De repente,
chegamos a uma clareira, e eu posso ver nitidamente o que está acontecendo.
São dois membros do clã do golfo, tecnicamente meus aliados, numa luta
contra uma jovem de olhos desesperados. Um dos homens segurava a garota
nos braços, enquanto o outro a atirava no chão.
— Ei! — chamei a atenção — O que estão fazendo? Esse é meu território!
— Dom Nico — eles me chamaram, como todos me chamavam aqui. —
Desculpe, mas a menina fugiu para cá.
A garota, suja de poeira, levantou o rosto, os olhos arregalados de medo e
esperança na minha direção.
— O que está acontecendo?
Não se precisava ser muito inteligente para entender. A maneira como a
roupa da garota estava rasgada, a forma como um deles a mantinha presa nos
braços, enquanto outro estava entre suas pernas...
— Essa é Sierra Lopez — um dos homens me contou, como se isso
explicasse tudo. — Filha de Juan Lopez.
O nome não me era estranho.
— Isso devia significar alguma coisa?
— O pai dela é aquele ativista que acabou com a mineração perto de
Nazaret.
— E o que a garota faz com vocês?
— Entramos na casa dele ontem, pegamos o velho dormindo com a mulher.
Matamos os dois, e estávamos levando a filha para o chefe quando ela
escapou.
— E decidiram se aproveitar um pouco? — resmunguei.
Achei que eles fossem ficar constrangidos, mas estupro era algo comum ali e
não houve nenhum tipo de vergonha em seus semblantes.
— Sabe como é... Somos homens. E não aconteceu nada, chefe… só uma
brincadeira — um deles se arriscou a dizer, a voz trêmula.
Eu apenas sorri. Um sorriso curto e vazio.
— Claro, eu entendo — destaquei.
Então, rapidamente, puxei minha arma, e sem uma única palavra a mais,
atirei no primeiro. O estampido ecoou pela mata, e o corpo dele caiu pesado
sobre a terra vermelha.
O segundo deu um passo para trás, as mãos tremendo, erguidas, em
rendição.
— Por favor, eu...
Não vou ouvir desculpas. Não gosto delas. Então, simplesmente apontei e
atirei. Outro corpo no chão.
Guardei a pistola no coldre e encarei a garota, que ainda tremia, os olhos
fixos nos corpos.
— Jorge, leve a garota para Tana — ordenei.
— Chefe... são homens do clã do golfo...
— Eu sei, homem de Deus — resmunguei. — Leve a garota, agora. E limpe
a bagunça. Jogue os corpos para o canto do rio que tem piranhas. Não quero
vestígios.
Ele assentiu, e eu voltei a caminhar na direção das folhas de coca, sentindo o
cheiro da pólvora se dissipar no ar.
A SÉRIE:
Dominus
Beniamino
Gianni - Livro Atual
Nico - Em breve...
Rocco - Em breve...
Caterina - Em breve...
QUER MAIS MÁFIA?
Série Completa: Máfia Tirreno
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