INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ
IFCE CAMPUS CRATEÚS
LICENCIATURA EM LETRAS
PAULA CRISTINA
IAN CAVALHEIRO
ANÁLISE CRÍTICA DA SÉRIE ADOLESCÊNCIA E A EXPERIÊNCIA ESCOLAR
DE JAMIE MILLER
CRATEÚS-CE
2025
A minissérie Adolescência (2025) oferece um retrato contundente da crise dos
vínculos sociais e da omissão adulta para com os mais jovens, centrando-se na
trajetória de Jamie Miller, um adolescente de 13 anos envolvido em um crime
violento contra uma colega de sala. A narrativa da série explora como fatores
pessoais, ambientais e interpessoais se entrelaçam para moldar sua experiência de
vida escolar, culminando em um desfecho trágico. A análise desses fatores revela as
raízes da violência juvenil e a urgência de repensar as estruturas que deveriam
proteger e educar os jovens.
Fatores que influenciam a vida e comportamento de Jamie
Jamie é retratado como um adolescente emocionalmente fragilizado, cuja
saúde mental é minada pela repressão afetiva e pela falta de escuta. Esses fatores
são inicialmente mascarados nos primeiros momentos da série com um apego e
segurança de Jamie em relação ao seu pai, com quem vemos Jamie escolhê-lo para
lhe acompanhar em todas as etapas do processo de identificação do protagonista na
delegacia. Sua autoestima é corroída pela exclusão social e pelo bullying na escola,
especialmente após ser associado à colega vítima de violência simbólica. A série
destaca sua dificuldade em expressar emoções, reflexo de uma masculinidade
tóxica que reprime vulnerabilidades - como quando seu pai o força a praticar
esportes "viris", como futebol e boxe, ignorando seu talento para o desenhos, por
exemplo. Tais emoções reprimidas são observadas nos comportamentos dele ao
longo da série, quando mesmo parecendo ser um jovem calmo, ele é explosivo nas
suas reações quando chega ao pico de raiva; Jamie descreve como seu pai também
possuía tal comportamento, não sendo um homem violento mas que já destruiu um
galpão uma vez que estava com muita raiva; em dado momento da série, Manda
(mãe de Jamie) diz que o jovem “genioso” como o pai.
A adesão de Jamie a discursos misóginos e comunidades online radicais
(como as comunidades de incels, que Jamie alega ter entrado porém não
permaneceu devido o conteúdo dos grupos, mas que não difere de suas ideias)
funciona como um mecanismo de compensação, oferecendo um senso de
pertencimento distorcido que só foi possível por causa da internet, Influenciadores
de masculinidade, como Andrew Tate, mencionado na série, agora são famosos no
mundo todo. Esses elementos ilustram como a falta de suporte emocional e a
negação de suas necessidades individuais o levaram a internalizar a violência como
forma de lidar com a dor.
O ambiente familiar de Jamie é marcado pela reprodução intergeracional da
violência. Seu pai, vítima de abuso na infância por ter um pai que o agredia muito,
repete padrões de repressão emocional, incapaz de oferecer afeto ou limites
saudáveis, apesar de não utilizar da violência física. A mãe, embora presente
fisicamente, é emocionalmente ausente, refletindo a "sociedade do cansaço"
descrita por Byung-Chul Han, onde as mulheres são silenciadas pelo esgotamento.
Assim, dentro desse ambiente, Jamie se perde dos seus hábitos e fica imerso no
seu próprio mundo, sem dividir suas questões com a família, chegando em casa e
apenas se trancado no quarto e tendo seu computador como companhia até a
madrugada.
Na escola, a falência institucional é evidente: professores nitidamente
despreparados, celulares usados como ferramentas de exclusão e a incapacidade
de mediar conflitos. A proibição do uso de dispositivos móveis, por exemplo, é
ineficaz, pois a escola não oferece alternativas para lidar com a violência digital.
Essa impotência institucional espelha a crise da autoridade adulta, onde a falta de
escuta e vínculos transforma o espaço escolar em um terreno fértil para tensões não
resolvidas. Jamie, apesar de ter dois melhores amigos, não se encaixava com os
demais colegas.
Assim, as relações de Jamie são pautadas pela exclusão. Ele não consegue
estabelecer laços genuínos, seja com a família, seja com colegas. A vítima do crime,
por exemplo, também marginalizada, recusa-se a se aproximar dele, reforçando um
ciclo de solidão mútua. As interações são mediadas por códigos digitais (emojis,
mensagens codificadas), que escapam ao entendimento dos adultos, aprofundando
o abismo geracional e dificultando ainda mais a compreensão entre jovens e adultos.
A série também critica o apagamento das vozes femininas - tanto da vítima
quanto da mãe de Jamie, destacando como a violência de gênero e a misoginia são
normalizadas e ainda tornam os homens os “protagonistas” das histórias, mesmo
que trágicas. A dinâmica entre os jovens reflete a polarização ideológica
contemporânea: meninas alinhadas a pautas progressistas e meninos radicalizados
em discursos de ódio por frustração, sendo opositores às ideias femininas de avanço
e evolução pessoal.
Adolescência* demonstra que a tragédia de Jamie não é um evento isolado,
mas resultado de uma rede de falhas sistêmicas. Seus fatores pessoais (saúde
mental fragilizada), ambientais (família que não se preocupa e não lhe dá atenção e
escola inoperante) e interpessoais (exclusão e violência simbólica) convergem para
um colapso evitável, que foi entendido pelos pais de Jamie ao final da série. A série
sugere que a justiça restaurativa - como a escuta clínica oferecida pela psicóloga -
poderia romper esse ciclo, substituindo punição por reparação. A omissão adulta
alimenta tragédias. Reconstruir laços exige coragem para enfrentar as raízes da
violência - seja no âmbito familiar, escolar ou social - e substituir a cultura do silêncio
pela ética do cuidado. Como Jamie, muitos jovens clamam por ser vistos, seja
dentro de casa, ou nos ambientes que frequentam, como a escola.