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213 As Vezes Acontece

Maxwell Randall recebe uma carta em branco que deve ser reencaminhada a Kent Griffin, mas ao cumprir sua tarefa, é assassinado. Em uma conversa entre jornalistas, Brigitte Montfort e Miky Grogan discutem sobre Henry Kissinger e a possibilidade de paz mundial proposta por um misterioso Mr. YZ, que a CIA está considerando. A história se desenrola em um ambiente de intriga e espionagem, onde a busca pela paz é entrelaçada com perigos e segredos.

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213 As Vezes Acontece

Maxwell Randall recebe uma carta em branco que deve ser reencaminhada a Kent Griffin, mas ao cumprir sua tarefa, é assassinado. Em uma conversa entre jornalistas, Brigitte Montfort e Miky Grogan discutem sobre Henry Kissinger e a possibilidade de paz mundial proposta por um misterioso Mr. YZ, que a CIA está considerando. A história se desenrola em um ambiente de intriga e espionagem, onde a busca pela paz é entrelaçada com perigos e segredos.

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© 1973/SET - LOU CARRIGAN - LOS ESLABONES ROTOS

Publicado no Brasil pela Editora Monterrey


Tradução de Luiz de Drummont Navarro // ® 400319 / 431026
As Últimas Notícias
Maxwell Randall estava folheando o último número da
revista Playboy, quando soou o telefone interno do edifício
no qual ocupava um dos apartamentos pequenos e, por
conseqüência, mais baratos.
Levantou-se imediatamente e foi atender.
— Alô?
— Mister Randall, acaba de chegar uma carta para o
senhor e talvez seja a que está esperando.
— Ah! Com certeza, Desmond. Muito obrigado. Desço
agora mesmo...
— Se quiser, posso levá-la.
— Bom, muito obrigado.
Desligou, franziu a testa como sempre que pensava
naquele estranho assunto e acabou por dar de ombros.
Diabo: pagavam-lhe bem, muito bem para fazer uma coisa
simplíssima, que além disso lhe parecia um pouco tola, de
modo que não ia esquentar a cabeça procurando
explicações, que aliás não lhe importavam em absoluto. Só
o que lhe importava em tudo aquilo eram os dois mil
dólares que já havia recebido. O resto...
Lançou um olhar pelo postigo da porta e viu deter-se o
elevador, do qual saiu o porteiro Desmond. Abriu a porta,
sem esperar que ele batesse.
O porteiro era um homem de meia-idade, calvo, de
óculos, expressão simpática. Sorriu amplamente.
— Devem ser notícias muito importantes, mister
Randall, a julgar pelo seu interesse.
— Realmente, Desmond. Obrigado por me trazer a carta.
Olhe: passe depois pelo Harri’s e tome uma cerveja por
minha conta.
— Não a trouxe por isso. Com o senhor...
— Eu sei, homem. Mas uma cerveja nunca fez mal a
ninguém.
— Claro que não. Obrigado, mister Randall. Até logo.
— Até logo, Desmond.
O porteiro voltou ao elevador e Maxwell fechou a porta,
examinando com curiosidade o envelope que tinha na mão e
a respeito do qual recebera instruções tão concretas. Que
podia conter?
Logo saberia.
Abriu-o, tirou a folha de papel dobrada em quatro e
arqueou as sobrancelhas, ao vê-la em branco. Nem uma só
palavra. Mas também havia um outro envelope, muito
menor, fechado... e em branco. Uma vez mais, Maxwell
Randall franziu a testa, olhando a folha em branco e o
pequeno envelope. Bem, este era o que devia enviar ao
endereço que lhe haviam facilitado, claro, porém esperara
mais alguma explicação, algo esclarecedor.
— Diabo!
Sobre a mesinha onde estava o telefone havia também
um envelope em branco, no qual introduziu o pequeno, após
olhá-lo a contraluz. No vão intento de ver alguma coisa.
Tudo o que viu foi uma forma negra, simplesmente.
No envelope em que acabara de introduzir o outro,
escreveu:
KENT GRIFFIN
18, Vandam Street
New York City
Durante uns segundos, esteve contemplando o nome e
endereço do tal Griffin, a quem não conhecia em absoluto.
Tomou a dar de ombro, desenganchou o telefone e discou
um número.
— Aqui fala Randall. Recebi o envelope e já está pronto
para ser reexpedindo ao endereço combinado.
— Meia hora? De acordo. É tudo?
— Okay. Não se preocupe, nunca esqueço nada. Adeus.
Desligou, tomou o envelope recebido e levou-o ao
banheiro, onde o queimou dentro do lavatório, abrindo
depois a torneira para que a água levasse as cinzas.
Voltou à sala, pôs o paletó, ajeitou a gravata... e sentou-
se. Meia hora de espera. Tornou a pegar o Playboy.
Trinta minutos mais tarde, depois de consultar várias
vezes o relógio, levantou-se, tocou no bolso onde guardara
o envelope pequeno, saiu do apartamento e desceu à rua.
Havia uma caixa do correio a menos de sessenta metros.
Nela introduziu o envelope. Voltou. Desmond estava na
porta, olhando-o, talvez um tanto intrigado. Por que todo o
mundo gosta de saber da vida dos outros? Mas Desmond
era simpático, serviçal e talvez fosse aquele um bom
momento para irem juntos ao Harry’s tomar a cerveja
prometida.
Um carro deteve-se à sua altura, junto ao meio-fio.
— Feito, Randall? — perguntou uma voz de seu interior.
Inclinou-se um pouco, viu a pessoa ao volante e avançou
até o carro.
— Feito — disse.
— Você trabalhou bem.
Ao mesmo tempo em que recebia este elogio, Maxwell
viu a pistola com silenciador na mão enluvada. Seus olhos
se arregalaram, sua boca se abriu...
Plop, plop, plop...
Já não receberia mais cartas, nem notícias de nenhuma
espécie.

CAPITÚLO PRIMEIRO
Paz total e definitiva

— Isto é o que eu chamo boas notícias de verdade —


disse Brigitte Montfort. — E acrescentou alguma coisa:
Henry Kissinger é maravilhoso. Fica demonstrado que
merecia o Prêmio Nobel da Paz.
— Evidentemente — assentiu Miky Grogan, diretor do
Morning News. Mas não esqueça, Brigitte, que afinal de
contas Kissinger é um simples colaborador do Presidente
Nixon, sendo este quem toma as decisões.
— De acordo. Mas parece que as coisas se suavizam
quando ele intervém. Não pensa assim, Frankie?
Ela estava sentada numa poltrona da sala de Grogan e
olhou para Frank Minello, o chefe da seção esportiva. Mas
este pareceu não a ter ouvido. Olhava-a, simplesmente...
Olhava seu belíssimo rosto, ou suas pernas sensacionais
quase totalmente à mostra devido à minissaia, ou seus
róseos lábios que pareciam pedir todos os beijos do
mundo...
Ela estalou os dedos.
— Frankie! Não me ouviu?
— Hem? — ele pareceu acordar. — Como foi que disse?
Eu estava distraído... Ou melhor: estava sonhando com
você, como me acontece com tanta freqüência, mulher
adorada e fatal, que não faz mais que espezinhar meu
sensível coração!
— Já começaram as idiotices — rosnou Miky Grogan.
— Chama de idiotices as palavras que me escapam em
louvor de minha amada? — Minello olhou-o torvamente.
— Vá para o inferno! — explodiu Grogan.
— Para quê? Já estou em sua sala, não é? Haverá
alguma diferença entre isto aqui e o chamado do Quinto
Círculo, entre você e o próprio Belzebu?
Miky Grogan pareceu confuso um instante. Súbito,
tornou-se rubro, crispou as mãos nos braços de sua cadeira e
pôs-se a respirar fundo. Era visível que tentava
desesperadamente controlar-se. Tinha um aspecto tão
assustador que Minello, impressionado, balbuciou:
— Bom, chefe, é que... é que... Raios, não me insulte e
eu não direi barbaridades! Por que há de me chamar sempre
de idiota? É idiotice admirar Brigitte, a criatura mais
admirável que existe?
— Viva! — celebrou esta. — Eu diria que isso é ter
muito bom gosto. Você está bem, Miky?
Grogan, imóvel, ia-se recuperando devagar. Seu rosto
voltava ao avermelhado normal e suas mãos já não
ameaçavam esmigalhar os braços da cadeira.
— Um dia esse animal acaba comigo — murmurou.
— Acabo coisa nenhuma — replicou Minello. — Há
anos que ouço essa história da úlcera, do miocárdio e não
sei quantas outras complicações, mas você não morre
nunca: ao contrário, cada dia se mostra mais saudável. Um
pouco de decisão, homem! Afinal: morre ou não morre?
Agora Miky Grogan empalideceu, enquanto Brigitte ria.
— Você é um bárbaro, Frankie! Como pode dizer coisas
assim? Se Miky morresse, eu teria que me vestir de preto,
ainda que fosse por uns dias... E detesto o preto.
— Vocês... vocês dois estão zombando de mim —
queixou-se Grogan. — Sim, os dois!
— Um pouco, querido — admitiu Brigitte. — E você
merece, por fazer caso das maluquices do Frankie.
Estávamos falando de Henry Kissinger... Não o acha um
homem formidável, Frankie?
— Quem?
— Kissinger.
— Ah, esse cara de óculos que sempre anda por aí de
avião? Por que o devo achar formidável?
Brigitte suspirou, levantou-se e disse:
— Parece que já é hora de nos retirarmos para descansar.
São... — olhou seu reloginho — três e quatro minuto, da
madrugada e uma moça decente como eu já devia estar na
cama há muito tempo.
— Azar meu! — lamentou-se Minello.
— Azar seu? E por quê?
— Porque se você não fosse decente, poderíamos passar
juntos o resto da noite, não é?
A batida na porta de vidro da sala fez com que ele
ficasse sem resposta. Olharam para a porta, mas, como o
reato do andar estava às escuras, não puderam distinguir
nem sequer a silhueta de quem batia.
— Entre — autorizou Grogan.
A porta se abriu e Minello levou ambas as mãos aos
olhos, como querendo furtar-se a uma visão horrenda.
— Oh, não! — gemeu. — Estava escrito que hoje
haveria catástrofe... Temos aqui nada menos que o abutre da
CIA! Vem, como sempre, em busca de carniça...
Charles Pitzer, parado no limiar, olhava torvamente para
Minello, que agora, braços estendidos, estava recuando para
o fundo da sala. Resmungou alguma coisa sobre palhaços,
desviou para Brigitte os olhos astutos e disse:
— Boa-noite. Como vai, Grogan?
— Bem. Que há? — perguntou este, fitando com
expressão de alarma o chefe do Setor Nova Iorque da CIA.
— Veio buscar Brigitte?
— Assim é. Telefonei para o apartamento dela e Peggy
me disse que sua patroa ainda devia estar aqui. É urgente,
Brigitte.
— Está com fome... — soluçou Minello. — O velho
abutre está com fome, é urgente! Fuja, Brigitte, que eu
protejo sua retirada.
— Eu é que lhe cortarei a língua um dia, Minello —
disse friamente Pitzer.
— Oh-oh! O abutre está de mau humor. Não é verdade,
Brigitte?
— A verdade, Frankie, é que você hoje está
insuportável.
— Por Deus, Brigitte! É você quem me diz isso? Você?
— Eu.
— Ah, mísero que sou! Só me resta acabar com a minha
triste vida... Ei, que estão fazendo?
Ficou olhando assombrado para Grogan e Pitzer. O
primeiro estendia-lhe uma alentada espátula de abrir cartas
e o segundo, uma pistola com silenciador.
— Parece que eles querem colaborar, Frankie — riu
Brigitte.
— Ah, sim? Pois não estou achando graça nenhuma na
brincadeira!
— Não se trata de brincadeira, homem. Decida — disse
suavemente Grogan. — Suicida-se ou não?
— Só se Brigitte me pedir... Você me pede, amor de
minha vida?
— Não, Frankie. Mas peço-lhe outra coisa —
aproximou-se dele e beijou-o nas duas faces: — vá dormir.
Ele sossegou como por encanto.
— Boa-noite a todos — disse, dirigindo-se para a porta.
Quando ele desapareceu, Brigitte tornou a sentar-se
perguntando a Charles Pitzer:
— Que quer de mim às três e meia da manhã. tio
Charlie?
Ele tirou um envelope do bolso, sentou-se também e
olhou para Grogan.
— Isto não é publicável ainda — murmurou.
— Está bem — aquiesceu o diretor do Morning News.
Não houve mais comentários. E Pitzer sabia que não
precisava insistir. Anos atrás, Grogan lhe havia falado de
uma jovem que começara a trabalhar em seu jornal e talvez
pudesse servir à CIA. Pouco depois, sob a hábil orientação
de Pitzer, a jovem já estava voando sozinha, transformada
na extraordinária agente “Baby”, a espiã mais completa de
todos os tempos. Não, não era provável que Grogan
cometesse a menor indiscrição a respeito de Brigitte
Montfort e, portanto, a respeito de qualquer de seus
trabalhos para a CIA.
Brigitte olhava o envelope que Pitzer tinha na mão, mas
não fez nenhum gesto para tomá-lo. Esperava,
simplesmente.
— Vejamos se consigo começar do princípio — disse
Pitzer. — Você conhece Mr. YZ?
— Só de nome. Um nome que não é propriamente um
nome, claro, mas um código.
— Como sabe da existência de Mr. YZ?
Brigitte sorriu.
— Não faz muito, tio Charlie, ficou demonstrado que
tenho meus próprias canais de informação dentro da CIA.
Mas não espere que lhe diga que canais sejam esses 1.
— Não, não. Está bem. Vejamos: Mr. YZ é um
personagem que apareceu de repente nos Estados Unidos, a
CIA encarregou-se dele e o manteve afastado de tudo.
Ninguém o conhece e, teoricamente, ninguém deveria ter
sequer conhecimento de sua existência. Assim ficou
decidido pela CIA e, durante semanas, foi o que aconteceu.
Estas semanas serviram para que ele pusesse a CIA ao
corrente de certas propostas muito interessantes, baseadas
em seis pontos, mediante os quais, somando fatores
políticos, militares, estratégicos, sociais e outros, pode-se
conseguir, em menos de um mês, a paz total e definitiva no
mundo...
Brigitte ergueu vivamente a cabeça.
— E você, que diz? — perguntou.

1
Aventura COM A MORTE EM SEUS OLHOS (FURAMUNDO) - 211
— Digo o que me foi mandado dizer a você. Não me
pergunte mais, pois não sei.
— A paz total e definitiva... — murmurou Grogan. —
Isso é uma utopia, Pitzer. Ninguém a poderia conseguir.
— Talvez não. Mas a CIA escutou Mr. YZ durante
semanas e parece disposta a considerar a aplicação dos seis
pontos que ele propõe. Para este fim, dentro de uns dias,
não me disseram quantos, haverá uma reunião em local que
tampouco me disseram. Estarão presentes Mr. YZ,
representantes da CIA, da Casa Branca e enviados especiais
de alguns países que perecem ter sido selecionados por Mr.
YZ. Entre eles, a Rússia e a China, suponho. De tal
conferência secreta, é possível que saia um princípio de
acordo que daria lugar a outra, já não secreta e de alto nível,
entre os dirigentes adequados de todo o mundo. E desta
última conferência, Mr. YZ assegura que surgiria a paz total
e definitiva.
— Mas esse homem é maravilhoso! — exclamou
Brigitte, festiva. — Quem é, qual a sua nacionalidade, de
onde saiu? Tio Charlie, tenho que conhecê-lo o quanto
antes, pôr-me incondicionalmente às ordens, oferecer-lhe
todo o meu apoio! Tenho que conhecê-lo e se a CIA me
negar permissão para isso...
— A CIA quer que você conheça Mr. YZ — disse
Pitzer, estendendo-lhe então o envelope.
Brigitte tomou-o e sacou as fotos que continha. Quatro
ao todo. Em todas elas viam-se três homens sentados mim
sofá, conversando. E não foi preciso que Pitzer lhe dissesse
qual deles era Mr. YZ, já que conhecia os outros dois. Um
era o diretor da CIA; outro, na outra ponta do sofá, era um
dos secretários da Casa Branca. Portanto, o que estava
sentado entre ambos era Mr. YZ. Olhou-o com atenção.
— Decepcionante, não é? — murmurou Pitzer. —
Parece que um homem assim devia ter outro aspecto: mais
idade, cabelos brancos que lhe dariam certa nobreza, um
olhar que irradiasse luz... Entretanto, Mr. YZ é
completamente vulgar... em aparência.
Brigitte assentiu com a cabeça, contemplando aquele
rosto que, em que pese o tamanho reduzido da fotografia,
distinguia-se perfeitamente. Mr. YZ teria quarenta e cinco
ou cinqüenta anos, seus cabelos eram escuros e- suas
feições comuns, embora agradáveis. Nada de extraordinário
em nenhum sentido.
— Bom — ela encolheu os ombros —, para mim
continua sendo maravilhoso. Não podiam ter-lhe feito fotos
maiores na Central? Um primeiro plano...
— Essas fotos não foram feitas por ninguém da Central.
Pelo menos — Pitzer franziu a testa —, não com a
permissão da Central. São fotos de microfilme ampliadas,
feitas clandestinamente.
CAPITÚLO SEGÚNDO
Uma investigação sutil

A agente “Baby”, subitamente alerta, olhou para o seu


chefe de Setor.
— Que quer dizer? — perguntou.
— Fora terminantemente proibido fotografar Mr. YZ.
Entretanto, essas fotos foram feitas numa das reuniões
secretas de várias personalidades importantes em
determinado lugar. Naturalmente, já que nas fotos se vê esse
lugar, sabemos que pessoas lá se reuniram, mas ignoramos
qual delas fez uso de uma câmara. Eram nove ao todo.
Duas, isto é, nosso diretor e o secretário da Casa Branca,
estão fora de suspeita, já que aparecem nas fotos. Restam-
nos, portanto, sete homens a investigar.
— Um dos quais podemos considerar como traidor, não
é assim?
— Bom... Desconhecemos os propósitos desse homem
ao operar uma câmara fotográfica, mas é evidente que
desobedeceu à ordem de manter o mais estrito anonimato de
Mr. YZ. Seria preciso encontrá-lo e interrogá-lo.
— Estou encarregado desse trabalho?
— É uma investigação sutil. Conhece alguém mais
indicado que você para realizá-la?
— Não sei, mas aceito. Qualquer coisa relacionada com
esse homem que procura a paz mundial me interessa... Um
momento! — subitamente Brigitte pestanejou,
desconsertada: — Não disse que estas fotos foram feitas
clandestinamente?
— Sim.
— E não sabem quem as fez?
— Não. Pode ter sido qualquer dos sete...
— Mas então como chegaram elas às mãos da CIA?
Parece-me absurdo que alguém corresse o risco de fazê-las
para depois enviá-las à Central. Não?
— Diabo! — sorriu secamente Pitzer — Pensei que lhe
tivesse passado por alto esse pequeno detalhe.
— Creio que não compreendo, tio Charlie. Estou ficando
idiota?
— Não. Vou lhe explicar como a CIA conseguiu essas
fotos, depois se fará o que convenha. Vejamos: esta noite,
um pouco depois das seis.
— Das seis da tarde, então.
— Sim, claro. Aproximadamente às seis da tarde, o
homem chamado Maxwell Randall, residente no n.0 514 da
Rua 84, recebeu uma carta que, ao que parece, estava
esperando com impaciência. O porteiro do edifício sabe
disto porque Randall várias vezes o interrogara sobre a
chegada da correspondência. Finalmente, chegou a carta e o
porteiro subiu para entregá-la ao destinatário. Meia hora
depois, Randall desceu, saiu à rua e, tirando uma carta do
bolso, dirigiu-se a uma caixa de coleta do correio, situada a
uns sessenta metros do edifício. O porteiro compreendeu
que ele ia enviar a resposta à carta que havia recebido.
Randall parecia satisfeito e, como tinha oferecido uma
cerveja ao porteiro, este postou-se na entrada, pensando que
depois de expedir a carta ele. lhe diria para ir tomar a
cerveja. Bem, Maxwell Randall chegou à caixa, nela
introduziu a carta e empreendeu o caminho de volta ao
edifício. Súbito, virou-se para um carro que havia parado
junto ao meio-fio, aproximou-se, passou a cabeça por cima
da porta... e dois segundos depois recuou violentamente
para cair de costas na calçada, O carro partiu a toda
velocidade, desaparecendo... O assombrado porteiro
começou reagir quando já algumas pessoas rodeavam
Randall, que estava morto com três balaços no peito e um
na cabeça.
— Ninguém anotou a placa do carro?
Pitzer soltou um grunhido, movendo negativamente a
cabeça.
— Não, a ninguém ocorreu isso. A única informação é
que se tratava de um Dodge vermelho-escuro, do ano
passado.
— Duvido muito que por aí consigamos alguma coisa.
Que mais?
— Em seguida compareceu um guarda, que ouviu as
explicações do porteiro, cujo nome é Desmond Redigan.
Pouco depois, chegou uma viatura da Rádio-Patrulha, com
dois detetives. O guarda que ouvira o porteiro informou-os
sobre o que este lhe havia dito e os detetives relacionaram o
ocorrido com a carta que Randall havia recebido e a
resposta que acabava de introduzir na caixa de coleta,
colocando junto a esta um agente incumbido de pedir ao
público que se abstivesse de utilizá-la. Foram efetuadas as
diligências oportunas, a caixa foi aberta e as cartas de cima
separadas. A que Randall nela havia introduzido foi
identificada pelo porteiro, pela letra, pois em várias
ocasiões ele lhe havia deixado recados para a mulher que
periodicamente ia limpar e arrumar o apartamento. A
Polícia subiu a este e encontrou coisas escritas por ele: não
havia dúvida quanto à letra, portanto, e aquela era a carta de
Randall.
— Encontraram a que ele tinha recebido?
— Não. Nem a carta nem o envelope. Também a
procuraram no cadáver e chegaram à conclusão de que
Randall tinha queimado tudo. Havia, então, unicamente a
carta que ele postara. Foi obtida permissão para abri-la... e o
que pensa você que encontraram dentro?
— As fotografias? — arriscou Brigitte.
— Não. Só uma tira de microfilme envolta em papel
preto, do que se usa para impedir que um filme se vele. Por
sua vez, este envoltório preto estava dentro de um pequeno
envelope branco; este, dentro de uma folha de papel
dobrada em quatro; e este papel, finalmente, no envelope
que Randall havia postado sem o nome do remetente.
— A quem estava dirigida a carta?
— A um tal Kent Griffin, residente no n.0 18 de Vandam
Street.
— Bem. Parece que temos uma boa pista. Sabe-se algo
desse Griffin, ou do próprio Randall?
— Nada em absoluto. Nenhum dos dois jamais se
dedicou à espionagem, nem foram fichados pela Polícia ou
pelo FBI. Nada. Está sendo investigada a vida de Randall,
que o porteiro declarou ter sido um rapaz amável,
inteligente, educado, etc. Veremos o que sai dessa
investigação. Quanto a Kent Griffin, por enquanto sabe-se
que é fotógrafo: tem um estúdio no endereço para o qual
Randall enviou a carta com o microfilme.
— Não quero bancar a esperta. mas creio que Griffin
devia revelar o microfilme, não?
— Isso é lógico. Entretanto, a Polícia o revelou, para
conseguir mais pistas. Resultaram essas fotos que você tem
nas mãos. Alguém do Departamento identificou nosso
diretor e, pouco depois, foi identificado o secretário da Casa
Branca. Avisou-se a Central e, a partir daí, o assunto passou
à nossa alçada.
— Trabalhou-se muito e bem em poucas horas —
murmurou Brigitte. — E o resto não me parece demasiado
difícil. É só ver Kent Griffin, o fotógrafo, e pressioná-lo um
pouco...
Pitzer soltou um de seus grunhidos.
— Você sabe que não é assim, que não vai ser tão fácil:
está-se recorrendo ao processo dos elos partidos.
— Sim, é verdade. Maxwell Randall era um deles e
temos o seguinte, Kent Griffin, mas quem está antes de
Randall, quem lhe enviou o microfilme?
— Teoricamente, deveria ser a pessoa que fez as
microfotos, um dos sete homens de quem suspeitamos.
Interessa-nos, é claro, conhecer os outros elos, ter a cadeia
completa, mas nosso máximo interesse é descobrir quem fez
as microfotos, o traidor.
— Trouxe uma lista desses sete homens entre os quais
ele está?
Pitzer estendeu-lhe outro envelope, do qual ela tirou um
pape!, que leu detidamente... enquanto ia empalidecendo.
Por fim, devolveu-o, murmurando:
— Não é possível...
— Pois estes são os nomes dos nove homens que
estavam com Mr. YZ quando foram feitas as fotos. Por
enquanto, como já disse, podemos descartar dois. E há
outros dois que, parece, não tiveram oportunidade de fazê-
las.
— Os nomes que estão assinalados com um asterisco?
— Sim. Vou lhe dizer como é a sala onde se realizou a
reunião: à esquerda da porta, uma estante que ocupa toda a
parede; no centro, uma mesa retangular com revistas,
cinzeiros, o serviço de bebidas, etc.; ao fundo, duas
poltronas que defrontam a porta; à direita destas duas
poltronas, uma grande lâmpada de pé; e à direita da porta,
um grande sofá, que é onde estão os três homens
fotografados. Uma vez sabido isto, é fácil compreender que
os dois homens que ocupavam as poltronas do fundo não
puderam fazer as fotografias: o ângulo não corresponde.
Portanto, teve que ser um dos cinco que ficaram de pé,
diante da estante ou nas proximidades desta. Quer dizer que,
de nove pessoas, podemos eliminar quatro.
— Quase — frisou “Baby”. — E outra coisa, tio Charlie:
não se pensou na possibilidade de que quisessem fotografar
outra pessoa ou outra coisa?
— Julgue você mesma. O secretário enviado pela Casa
Branca pode ser fotografado em qualquer momento, já
apareceu muitas vezes nos jornais e na televisão. Quanto ao
nosso diretor, duvido muito que algum serviço de
espionagem desconheça seu rosto; além do que, não é
nenhum homem-fantasma e qualquer um pode conhecê-lo.
Resta apenas Mr. YZ... a menos que alguém tivesse o
capricho de fotografar um sofá e uma parede.
— De acordo. Então temos sete suspeitos, dos quais
quase poderíamos descartar dois, e um tal Griffin. É tudo?
— No momento, sim. Como sugestão, lhe direi que deve
basear suas investigações em três pontos. Primeiro: quem
fez as fotos? Segundo: que elementos formam, com ele,
toda a cadeia de espiões? Terceiro: que se propõem obtendo
fotografias de Mr. YZ?
— Nada mais que isso?
— Para a CIA, de início, será suficiente.
— E não lhes interessa saber quem assassinou esse rapaz
chamado Maxwell Randall, que sem dúvida utilizaram
como elo para o eliminar depois?
— Se você identificar toda a cadeia, saberemos isso. Por
outro lado, que nos importa quem foi o assassino de
Randall? Foi coisa entre eles. Ao que parece, tratava-se de
um bom rapaz que nunca se havia metido em confusões e
por isso o devem ter escolhido para que fosse um dos elos...
e eliminá-lo depois de utilizado. Como você sabe, não se
pode esperar que a CIA sinta piedade por ninguém.
— Sei. Kent Griffin está sendo vigiado?
— Naturalmente.
— A que horas deveria receber amanhã a carta enviada
por Maxwell Randall?
Às onze da manhã, aproximadamente.
— Isso quer dizer que posso dormir como se nada
estivesse acontecendo.
— Claro. Se houver novidade, você será avisada
imediatamente.
— Obrigada. Sabe quem eu gostaria do conhecer, tio
Charlie?
— Quem? Mr. YZ?
— Não. Esse pode esperar. Gostaria de conhecer o
homem do Dodge vermelho-escuro, o que baleou Randall.
Pobre rapaz! Estou certa de que nem tinha idéia do que
estava fazendo. Mas o outro, sim: um assassino profissional,
que o estava esperando na rua. Devia saber quando ele
sairia para cumprir as instruções e ficou à espera para matá-
lo. O puro profissional. Gostaria de conhecê-lo.
— Tenho certeza de que você chegará a ele. E não o
lamento. Alguma dúvida?
— Por ora, não. Verei depois de conversar com o... elo
seguinte. Oh, um pequeno detalhe: suponho que você se
tenha encarregado de pastar uma carta de modo que chegue
ao fotógrafo amanha às onze da manha.
— Naturalmente.
— Muito bem. Por hoje já tresnoitei bastante. Adeus,
Miky.
— Adeus, querida... Pitzer, quando poderei dispor dessa
notícia?
— Brigitte lhe dirá.
— Okay. Oh, um momento, que diabo! O jornal já deve
estar na rua, portanto, pegarei o meu exemplar e irei dormir
também. Desço com vocês.
Minutos depois, despediam-se diante do edifício e cada
um se dispôs a entrar em seu carro.
— Brigitte! — chamou Grogan. — Só por curiosidade:
como pensa você começar este trabalho?
— Querido Miky, a pergunta é idiota: fazendo-me
fotografar, naturalmente!
CAPITÚLO TERCEIRO
O elo seguinte

O número 18 de Vandam Street era um prédio de quatro


andares, velho, com um aspecto que não convidava
ninguém a entrar nele. Muito perto do cais do East River,
ainda parecia que a rua estivesse submersa na neblina
noturna, quando, às dez da manhã, o táxi deteve-se diante
dele. Um dia desagradável do fim de outubro.
Entretanto, ao motorista não parecia assim. Estava
maravilhado, considerando a vida uma delícia, quando após
encostar ao meio-fio virou a cabeça, sorrindo de orelha a
orelha.
— Aqui estamos, miss: Vandam Street, 18.
— Obrigada. Quanto lhe devo?
Como o homem se limitava a olhá-la como assombrado,
sem se lembrar de responder, ela estendeu-lhe uma nota de
vinte dólares e saiu do carro, dizendo:
— Não me espere.
Subitamente desolado, o motorista deu a partida. Ela
virou-se para o prédio é viu um pequeno cartel numa janela
do primeiro andar. Segundos depois, estava diante do
estúdio fotográfico de Kent Griffin. Ia bater, quando se deu
conta de que a porta estava aberta.
Entrou silenciosamente. Havia uma saleta com algumas
cadeiras e fotografias pelas paredes, sendo umas bastante
boas. Alegrou-se por não haver fregueses esperando. Se
algo do que temia tivesse ocorrido, era melhor que ela fosse
a primeira a saber.
— Kent Griffin? — chamou.
— Olá! — respondeu uma voz masculina, proveniente
dos fundos. — Um momento! Veio para as fotografias?
— Vim... Onde esta você?
— Na cozinha. Entre no estúdio e dispa-se. Irei em meio
minuto.
Brigitte arqueou as sobrancelhas, depois sorriu e entrou
no estúdio. Olhou ao redor. A câmara, umas poltronas, uns
horríveis painéis... Consultou seu relógio: dez e cinco.
Tinha tempo.
Sentou-se numa das poltronas. Ao que parecia, tinha
chegado a tempo, tudo ia bem. Pelo menos, no sentido de
que o assassino de Randall não soubera que a carta
expedida por este fora interceptada.
Certamente, pensou, ele imaginava que a carta tivesse
seguido seu curso normal. E se precipitara muito matando o
rapaz ali mesmo. As vezes, queremos fazer as coisas tão
bem que estragamos tudo. Devia ter esperado.
Ouviu passos se aproximando e levantou-se, cheia de
curiosidade. Não se surpreendeu, entretanto, com o aspecto
de Kent Griffin: alto, elegante, sorridente, esportivo... Um
rapaz simpático, que entrou enfiando na calça a fralda da
camisa e dizendo:
— Olhe, benzoca, como esta manhã... Eu... Você não é a
garota que estou esperando!
— E como sabe? — sorriu Brigitte.
— Pelas fotos que me mandou oferecendo-se para
trabalhar como modelo. Que aconteceu com a outra?
— Com quem?
— Com sua amiga, a das fotos... Não foi ela quem
mandou você?
— Sim, claro.
— Bem, dispa-se então. Tenho que sair às onze esta
manhã e, sendo assim, não podemos perder tempo... Oh,
fico bem alegre por não ter vindo a outra!
— Que quer dizer com isso?
— Irmã, você tem melhor blindagem que um porta-
aviões da Marinha. Um momento... Com a sua amiga
combinei um preço. Pois não penso aumentar nem um
centavo!
— Está bem.
— Ah! Como é seu nome?
— Brigitte.
— Um nome bonito, tão bonito como você...
Francamente, não entendo como uma boneca tão estupenda
vem tirar a roupa diante de mim!
— Não foi exatamente para isso que vim — riu Brigitte.
— Você é Kent Griffin, não?
— O próprio... Venha mais para perto, que quero ver
melhor essa carroçaria... Diabo, não haverá um erro em tudo
isso?
— Por quê?
— Você não parece... Olhe, sou um morto de fome, mas
tenho olhos na cara. E eles dizem que você não é um
modelo comum... Para quem trabalhou antes?
— Para a CIA.
— Ah! — ele estremeceu de súbito. — Para quem?
— Para a Central Intelligence Agency: CIA.
— É uma brincadeira?
— Não.
— Quer dizer que... não veio se despir?
— Sendo necessário...
— Ah, ah! Você me agrada. Além de bonita, sabe
brincar. Olhe, já lhe disse que tenho pressa esta manhã,
portanto...
— Kent Griffin? — ouviu-se fora do estúdio uma voz
feminina.
— Parece — sorriu Brigitte — que está chegando o seu
modelo.
O fotógrafo pestanejou, coçou a cabeça... Bruscamente,
fez meia-volta e saiu. Brigitte tornou a sentar-se e acendeu
um cigarro, sorrindo enquanto escutava a conversa entre ele
e a mulher que tinha chegado, que terminou num acordo:
ela voltaria na manhã seguinte. Depois Griffin reapareceu,
olhou-a atentamente e perguntou:
— Que há entre a CIA e eu? Não aprecio esse tipo de
brincadeira, amiguinha.
— Já lhe disse que não é nenhuma brincadeira. Você
está esperando uma carta?
— Por que pergunta?
— Em primeiro lugar, vou lhe dizer como estão as
coisas, assim a conversa será mais direta e proveitosa. Você
não é mais que um... elo numa cadeia. Quando receber a
carta e cumprir as instruções que contêm, já não será
necessário. Quero dizer com isso que o matarão.
Kent Griffin empalideceu e, durante uns segundos,
esteve imóvel, como fascinado por aqueles olhos azuis.
Depois aproximou uma cadeira e sentou-se diante de
Brigitte.
— Estou disposto a falar sério — disse com voz tensa.
— Ótimo. Diga-me tudo o que se refere à carta que está
esperando.
— Mmm... Bom, dias atrás, ao sair de um cinema, fui
abordado por um fulano que me perguntou se eu era quem
sou. Disse-lhe que sim e ele quis saber se eu lhe faria um
trabalho urgente, além de cumprir determinadas instruções.
Passava das onze horas e.
— Como era ele?
— De boa estatura, bem vestido, falante... Tinha uma
barba...
— Sim, claro. E se fosse de dia, estaria usando óculos de
sol. Suponho que não lhe deu nome, nem endereço.
— Me deu um número de telefone.
Brigitte ficou perplexa.
— Que você anotou?
— Não. Disse-me que o guardasse de memória.
— Ah! E lembra-se desse número?
— Certamente. Por cinco mil dólares eu seria capaz de
decorar a lista telefônica de Manhattan.
— Ele lhe ofereceu cinco mil dólares?
— E deu.
— Bem. É um bom modo de inspirar confiança. Quais
foram as suas instruções?
Kent Griffin coçou a cabeça.
— Olhe, boneca...
— Pensei que íamos falar sério. Eu, pelo menos, não
estou brincando, Kent. Fique sabendo que o meteram num
caso de espionagem e que pensam dar cabo de você quando
tiver cumprido a sua parte. Já eliminaram o elo que o
precedeu.
— Que coisa é essa de elos? — tornou o empalidecer o
fotógrafo.
— Vou lhe dizer em poucas palavras. Um agente secreto
tem algo a fazer, mas não lhe interessa que o relacionem
com isso. Então contrata algumas pessoas, a quem
encarrega de “coisas simples”. Cada uma dessas pessoas faz
uma parte do que lhe competia fazer e todas elas, juntas,
formam a cadeia. Se algo acontece, essas pessoas é que são
relacionadas com o fato, nunca o agente secreto, que assim
não corre nenhum risco... Somente o de depois ir
eliminando os elos. Quanto ao trabalho de espionagem a ser
realizado pelos elos, pela cadeia, se fracassar nada
acontecerá, já que ninguém poderá identificar o agente
secreto, que sempre se apresentou disfarçado. E se não
fracassar, melhor. De qualquer modo, os elos vão sendo
eliminados. Em certos casos, os elos não são mortos, mas
não no atual: já mataram um. Você é o segundo... Não sei se
entendeu, Kent.
— Sim, sim, entendi. Quem é você?
— Sua boa fada, neste momento — sorriu Brigitte. —
Vai me explicar essas instruções ou prefere correr o risco?
— Talvez você esteja me enganando, mas... Olhe, espero
um envelope com uns negativos.
Tenho que revelá-los, fazer duas cópias de cada foto e
metê-las num envelope...
— E enviá-lo a quem?
— A ninguém. Meterei as fotos num envelope, irei ao
Washington Square Park e darei umas voltas antes de me
sentar num banco. Ficarei sentado uns minutos, depois
levanto-me, afasto-me um pouco e volto... No banco haverá
uma caixa. Abro-a e coloco dentro o envelope, sem tocar
nem olhar nada que a caixa contenha. Depois amarro-a
fortemente com um barbante, para que não se abra e caia o
seu conteúdo...
— Não sabe o que haverá dentro da caixa?
— Não. Nem me ocorreu perguntar. Mmmm... Com a
caixa bem amarrada, saio de Nova Iorque e vou a Long
Island. Tomo a estrada 25-A em direção a Manhasset. Na
saída de Manhasset há um bar-restaurante. Paro lá e tomo
um trago. Somando todas essas andanças, inclusive um
possível atraso na chegada dos negativos às minhas mãos, já
serão cinco horas da tarde, pelo menos. Espero até que falte
pouco para anoitecer. Então torno a entrar no carro e
prossigo pela 25-A. Depois de percorridas duas milhas, faço
um sinal com os faróis: duas vezes, três vezes, uma vez.
Após percorrer mais trinta milha, devo atirar a caixa por
sobre a porte, na valeta, parando só os segundos
indispensáveis. Depois sigo para East Norwich e lá dou a
volta para regressar a Nova Iorque. Eis tudo.
— Como tudo? — surpreendeu-se Brigitte.
— Então para que esse homem lhe deu um número de
telefone?
— Oh, sim! Bom, quando eu receber os negativos,
deverei telefonar para esse número e dizer que... que recebi.
— Nada mais?
— Nada mais.
— Bom, quer que lhe diga o que encontraria ao voltar
aqui esta noite?
— Que encontraria?
— Claro que também poderiam matá-lo pelo caminho,
mas também será possível que o estivessem esperando aqui,
no escuro, e, antes que você tivesse, tempo de acender a luz,
lhe metessem umas quantas balas no peito... Porém acho
mais provável que, quando você abrisse a porta do estúdio:
pum!
— Pum?
— Uma bomba. Não restariam de você nem os dentes.
Griffin engoliu em seco e cravou os olhos naquela
belíssima jovem, que, embora falasse com seriedade, devia
estar zombando dele.
— Não — disse ela, também olhando-o fixamente. —
Não é nenhuma brincadeira, Kent. Quer me dar esse número
de telefone?
— Mas... que vai acontecer comigo? O
— Se fizer o que lhe sugiro, nada. Posso conseguir-lhe
um empréstimo de vinte e cinco mil dólares para que se
lance em grande estilo no negocio de fotografias. Alguns de
seus trabalhos me agradam. Você me devolveria esse
empréstimo em... dez anos, por exemplo?
— Com vinte e cinco mil dólares, em um ano você
ouvirá falar de mim em todo o Estado — afirmou Griffin.
— Se eu continuar vivo, claro. Olhe, talvez eu lhe pareça
cretino, mas acho tudo isto tão estranho, tão misterioso...
— Como um desses filmes sobre espionagem?
— É verdade.
Ela moveu negativamente a cabeça.
— Dê-me esse número de telefone, Kent.
— E depois?
Ela sorriu. E, coisa curiosa, Griffin pensou que de
maneira nenhuma as coisas podiam ir mal enquanto aquela
beldade estivesse com ele, Assim, escreveu o número
pedido e entregou-o a Brigitte, que olhou ao redor.
— E o telefone?
— Na cozinha. Quer falar?
Era uma pergunta tola, o que ele compreendeu em
seguida. Foram os dois à cozinha, que estava uma perfeita
bagunça, mas Brigitte pareceu não reparar. Discou um
número.
— ...?
— É você esse simpático rapaz chamado Johnny que
cultiva rosas no jardim do tio Charlie? — perguntou.
— ...!
— Sim, sou eu. Johnny querido, tenho um trabalho
especial para você e quero que esteja feito antes do meio-
dia. Espero seu telefonema no segundo elo... Compreende?
— ...
— Muito bem. Telefone LA 4-6906. A quem pertence?
— ...
— Até logo, Johnny. Um beijo.
Desligou, olhou então ao redor e torceu o narizinho.
— Kent, se eu fosse prestativa, me oferecia para dar um
jeito nesta cozinha. Está um lixo.
— Que... que fazemos agora?
— Que faria você, normalmente?
— Bem, como já despachei a outra garota, faria
pequenas coisas à espera do aparecimento de algum freguês.
— Pois dedique-se a isso com toda a tranqüilidade.
Ficarei aqui, fumando e pensando... mas não vou arrumar a
cozinha!
Griffin deu de ombros.
— Isso dos vinte e cinco mil dólares... é pra valer?
Ela abriu sua extraordinária maletinha vermelha
adornada de minúsculas flores azuis, sacou um talão de
cheques e preencheu um rapidamente. Quando o estendeu
ao fotógrafo, a cifra US$ 25.000,00 pareceu a este o fim
definitivo da brincadeira.
— A... a reembolsar em dez anos? — gaguejou.
— Exato. Mas não a mim. Envie cada ano dois mil e
quinhentos dólares a uma instituição de caridade. Se
possível, de crianças ou anciãs. E, Kent — seu sorriso
deixou-o sem fôlego — eu saberei se você fez isso.
— Farei... Juro que farei!
— Você ê um rapaz simpático: alegro-me por lhe ter
salvo a vida. E agora vá trabalhar... Não se lembre de mim
até que chegue uma carta não contendo nada.
— Nada? Mas...
— Ao trabalho, por favor.
***
Faltavam uns minutos para as onze e meia, quando Kent
Griffin entrou na cozinha. Trazia numa das mãos vário.
envelopes e só um na outra, já aberto.
— O resto é propaganda — disse. — Este só continha
um papel em branco, dobrado.
— Está bem. Esse é o envelope que devia conter uns
negativo. para você. Mas será como se os tivesse recebido.
De acordo?
— Sim... Telefono para comunicar o recebimento?
— Ainda não. Esperemos um pouco. Consultou seu
reloginho e franziu a testa. Mas ainda não haviam decorrido
cinco minutos, quando o telefone tocou. Levantou-se, mas
se deteve em seco. Nada de riscos.
— Atenda você. Se perguntarem por uma “Baby”, sou
eu. Se for o seu amigo da barba, naturalidade: muita
naturalidade.
Griffin assentiu, atendeu e virou-se para ela, passando-
lhe o telefone.
— Johnny?
— ...
— Ah! Bom, era de esperar algo assim. Quanto tardaria
você a chegar com dois companheiros ou gente bem
preparada até essa cabina?
— ...
— De acordo. Dentro de quinze minutos vai tocar o
telefone da cabina. Tem que haver um homem esperando lá,
possivelmente um barbudo, que atenderá à chamada.
Deixem-no fazer, depois sigam-no. Trata-se de segui-lo
apenas, sem lhe fazer nada. Mas escute isto: se ele escapar,
nunca mais em minha vida aceitarei suas rosas vermelhas.
— ...
— Ótimo — riu Brigitte. — As comunicações seguintes
serão pelo rádio, portanto leve um. Adeus, Johnny.
Desligou, tornou a sentar-se e abriu a maletinha,
certificando-se de que todo o seu conteúdo estava em
ordem. Griffin, que a olhava como hipnotizado, perguntou:
— E eu que faço?
— Esperar. Dentro de quinze minutos, chame esse
número que o barbudo lhe deu. É uma cabina de telefone
público em Times Square, mas ele deve estar esperando lá.
Faça tudo o que ele lhe indicou e, sobretudo, não me falhe,
Kent estamos atrás de um assassino profissional.
Griffin assentiu com a cabeça e sentou-se também. Para
Brigitte, a espera não significou nada, mas para ele foi a
aquisição de um vício: roer as unhas.
— Quinze minutos — disse finalmente ela, olhando seu
reloginho. — Telefone. Eu escutarei.
O fotógrafo discou o número, deixando o auricular de
modo que também da pudesse ouvir. Do outro lado,
tardaram apenas três segundos a atender.
— Alô? — ouviu “Baby”.
— Aqui é Kent Griffin — disse este. — Aí é a pessoa
que está esperando meu chamado?
— Sim, sim, sou eu, Griffin, Recebeu a carta?
— Recebi, minutos atrás. Contém uns micro-negativos.
— Muito bem. Já sabe o que tem a fazer. Lembra-se de
tudo?
— Perfeitamente.
— Adiante, então. E muito obrigado, Griffin.
— De nada... Adeus.
— Adeus.
Griffin desligou e virou-se para Brigitte.
— Agora — disse ela — você ficará aqui todo o tempo
que realmente teria necessitado para revelar e copiar essas
fotografias. Depois fará tudo o que esse homem lhe disse.
Sempre com a máxima naturalidade.
— Tentarei... Mas não tenho as fotos para pôr num
envelope. E se esse homem o abre e não vê nada...
— Ele não abrirá o envelope. Nem sequer o verá. A
caixa que você apanhará num banco do Washington Square
Park não é para ele, mas para o elo seguinte.
— Não entendo nada, francamente.
— Ponha num envelope quaisquer fotografias e não se
preocupe. Agora preste atenção. Isto — ela tirou da maleta
seu radinho sobressalente — é um rádio de bolso. Funciona
de um modo muito simples: se ouvir um zumbido, é que eu
estou chamando e, em tal caso, aperte este botãozinho para
podermos falar. Se você quiser chamar-me, coisa que só
fará em caso de perigo, aperte este botão que eu
responderei. Muito fácil, não?
— Sim, muito fácil.
— Não o perca. Se algum imprevisto ocorrer, este
aparelho será o seu seguro de vida, Kent. Bem, até a vista.
— Vai embora? ..... Bom, eu pense....
— Você tem que agir sozinho. Mas não se preocupe,
pois durante todo o tempo estará protegido. Faça
simplesmente o que lhe foi indicado, depois volte aqui e
esqueça tudo.
— Também a você? — tentou sorrir Griffin.
— A mim especialmente.
— Será um pouco difícil. Em primeiro lugar, esquecer
alguém como você não é possível. Em segundo, essa colher-
de-chá que me deu... refiro-me ao empréstimo de vinte e
cinco mil dólares...
— Bom, não percamos tempo — cortou ela. — Adeus,
Kent.
Saiu do estúdio e pouco depois aparecia na rua. Dirigiu-
se para Greenwich Street, chegou a Washington Street,
depois a West Street, passou por baixo do West Side
Elevated Highway e alcançou finalmente o Pier 40. Poucos
segundos depois, um velho Ford Capri detinha-se diante
dela. Entrou no veículo sem hesitar, sorrindo para a sua
loura e bonita empregadinha Peggy, que estava ao volante.
— Obrigada, querida. Você não esqueceu nada?
— Não, miss Montfort, Trouxe tudo o que me pediu —
Peggy indicou o assento traseiro.
— Muito bem. Espero que tenha sabido escolher um
carro de aluguel em boas condições. Agora tome um táxi e
volte para casa. A sua parte terminou.
— E a sua, miss Montfort?
— Oh, eu estou apenas começando!

CAPITÚLO QÚARTO
A faca de marfim

Meia hora mais tarde, a quarentona de rosto gordalhufo


e ásperos cabelos louros, com óculos que faziam brilhar
seus olhos escuros, recebia o primeiro chamado pelo
radinho que enfiara no decote.
— Alô — abriu a comunicação.
— “Baby”, sou eu.
— Johnny querido, boas noticias?
— Localizamos o tal que atendeu o telefone em Times
Square. Um barbudo, com efeito, como também eu o
poderia ser, se usasse uma barba postiça. Mas, em honra da
verdade, só um profissional se daria conta disso.
— Onde está ele?
— Ao sair da cabina, dirigiu-se a pé para um hotel de
terceira categoria, em Spruce Street. E continua lá.
— Não tardará muito a sair. Tem que ir ao Washington
Square Park levar uma caixa. Sigam atrás dele, deixem que
faça seu trabalho. E muito cuidado, Johnny: talvez quando
reaparecer já não seja barbudo, compreende?
— Por muito que mude de aspecto, não nos escapará.
Diabo, não quero que você recuse nunca as duas dúzias de
rosas vermelhas que lhe envio diariamente, “Baby”... Eu
morreria de tristeza!
— Prometo-lhe duas lágrimas, se isso acontecer. Quanto
ao fulano, talvez os ajude a identificá-lo, se mudar de
aspecto, o fato de que levará uma caixa, ou uma pasta com
ela dentro.
— Não nos escapará, juro.
— Ciao, amore.
À uma e meia, o radinho tomou a soar no decote da
quarentona loura.
— “Baby”?
— Diga, Johnny.
— O fulano saiu. Já não usa barba e veste-se de outra
maneira. Leva uma bolsa com algo que parece pesado
dentro. Tomou um táxi e neste momento se dirige para o
norte.
— Vai ao Washington Square Park. Sigam-no. Temos
alguma notícia do tio Charlie?
— Não, nenhuma... Continua em Washington,
cumprindo instruções suas, segundo creio.
— Sim... Espero que consiga resultados... a tempo. Até
logo.
***
— “Baby”?
— Transformada numa horrenda loura, mas sou eu,
Johnny.
— O fulano esteve no Washington Square Park, com
efeito. Passeou por lá e, por fim, deixou num banco uma
caixa que tirou da bolsa. Afastou-se, mas só o suficiente
para poder vigiar a caixa. Um rapaz, que já estivera sentado
naquele banco, voltou, apanhou a caixa e foi embora. Devia
ser o fotógrafo, de modo que não o seguimos. Continuamos
atrás do fulano, que tomou outro táxi e está atravessando
Manhattan no sentido da largura.
— Não voltou ao hotel? Ótimo, pois vou dar uma
olhadela por lá. Continuem atrás dele, sempre guardando
distancia. Vejamos aonde vai, finalmente. Cuidado, Johnny:
já sabe que é um assassino.
— Nós também, quando necessário.
— Boa resposta. Até logo... Ah, como se chama o hotel?
— Blyton.
— Okay. Vou lá.
***
Era realmente um hotel de terceira classe e tinha o
recepcionista que lhe correspondia: um homem gordo e
feio, de modos grosseiros e ar mal-humorado, que
contemplou com certa desconfiança a quarentona loura e de
óculos.
— Como quer que eu saiba se esse homem está no hotel,
se não me diz seu nome? — resmungou.
— Tem razão — admitiu ela, timidamente. — Mas é que
esqueci o nome. Era... era... Não consigo lembrar! Mas o
senhor tem que saber quem é: usa barba, veste-se bem...
— Ah, usa barba! Então tem que ser mister Creviston,
Uriah Creviston.
— É isso! — exclamou a loura. — Não sei como pude
esquecer... Ele está?
— Deve estar, pois desde que voltou do almoço não o vi
sair. Se quiser, posso telefonar para ele...
— Não, não... Já incomodei bastante o senhor. Qual é o
número do quarto?
— O 3-B. Mas não tem elevador.
— Minhas pernas são boas. Obrigada.
A loura dirigiu-se para a escada e o recepcionista
lançou-lhe um olhar crítico. Bem, talvez tivesse boas
pernas, mas o resto... Deu de ombros e tomou a dedicar sua
atenção ao jornal que estivera lendo.
Enquanto isso, a loura subia ao terceiro andar. Lá
chegando, tirou a pistola da maletinha, que ficou em sua
mão esquerda. Na palma da direita ocultou a pequena arma
e, com os nós dos dedos, bateu na porta 3-B. Sabia que o
homem não estava, mas não queria cometer a. menor falha.
Tornou a bater. Nenhuma resposta. Sacou uma gazua,
manobrou-a uns segundos e a porta se abriu. Entrou, tornou
a fechar e acendeu a luz, pois o quarto estava às escuras.
Ninguém. Foi ao armário, único lugar onde podia haver
uma pessoa escondida, além do exíguo banheiro.
Vazio. Alguns cabides pendurados. Roupa nenhuma.
Abriu e fechou gavetas. Nada.
Foi ao banheiro. Também nada. Nem um pente, ou
sabonete, ou qualquer outro detalhe que indicasse estar
aquele quarto ocupado. E se Uriah Creviston se tivesse
mudado, o recepcionista saberia...
Entretanto, ele devia ter chegado trazendo bagagem, pois
do contrário chamaria atenção. Bem, podia ter retirado
pouco a pouco as suas coisas, mas não trouxera mala?
Saiu do banheiro e olhou em cima do armário. Lá estava
a mala. Aproximou uma cadeira, subiu nela, alcançou a
mala e desceu-a, colocando-a sobre a cama. Olhou-a com
desconfiança. Mas não... Por que o homem da barba teria
colocado nela um explosivo?
Abriu a mala. Não continha nada em absoluto. Procurou
um fundo falso. Não existia.
— Um profissional — murmurou. — chega, faz seu
trabalho e desaparece. Perfeito. E agora está atravessando
Manhattan num táxi, no sentido da largura... Então dirige-se
para as pontes...
Lançou uma exclamação e sacou à toda pressa o
radinho.
— Johnny!
— Que há? — sobressaltou-se o espião.
— Ele se dirige ao aeroporto, vai tomar um avião! Sigo
para lá imediatamente, mas, se eu não chegar a tempo,
impeça-o de embarcar!
— De acordo. Por processos técnicos... ou físicos?
— Tanto faz: ele não deve tomar esse avião.
— Entendo. E de fato é possível que esteja indo para o
aeroporto... Como você sabe disso?
— Explico depois. Outra coisa: Johnny, permitam que
ele se mova à vontade até o momento final. Quer dizer, até
que tire do bolso a carteira ou a passagem. Quero saber para
onde pretende ir.
— Okay. Fica entendido: se você não chegar antes que
ele tome o avião, nós o deteremos de qualquer maneira.
— Sim, fica entendido. Vou para lá!
***
Após deixar o carro no estacionamento, orientada pelo
rádio por Johnny, Brigitte apareceu na sala de espera às 3 e
10 da tarde.
Procurou Johnny-Floricultura com o olhar. Viu-o
sentado numa poltrona, com uma revista nas mãos, fazendo
magistralmente seu trabalho. Parecia de todo absorvido na
leitura.
Aproximou-se e ele ergueu os olhos... para olhar o
relógio da sala. Viu também a loura de óculos que o olhava
fixamente. Não teve a menor reação. Mas seu olhar
desviou-se e, durante um segundo, deteve-se num dos
homens sentados ao balcão do bar. Em seguida, olhou
novamente a loura e outra vez se pôs a ler.
A loura suspirou e foi ocupar um banco ao lado do
homem que lhe fora indicado tão discretamente. Virou-se
para ele, sem dissimulação. Era um homem elegante, de
pouco mais de trinta anos, olhos claros, cabelos castanhos
ondulados, queixo forte, ombros largos. Um formidável
exemplar de... assassino profissional.
Ele virou um pouco a cabeça e viu o olhar fixo da loura.
— Nota-se? — perguntou esta, rapidamente.
— Como? — ele pareceu intrigado.
— Nota-se que vou viajar de avião pela primeira vez?
— Ah, não sei! Eu diria que não — sorriu amavelmente.
— Pois estou muito assustada. Com todos esses
seqüestros...
— Compreendo. Mas a porcentagem de seqüestros é
reduzida. Faço votos para que não seja justamente o seu
avião um dos seqüestrados do dia de hoje.
— O senhor é muito amável — sorriu a loura. — Vou
para São Francisco. Também vai?
O homem olhou-a muito sério. Mas, súbito, tomou a
sorrir.
— Vou a Nassau, nas Baamas.
— Oh! É um lindo lugar!
— Já esteve lá?
— Não, não... Mas li muitas coisas sobre Nassau. É
verdade que tem praias de areia rosada?
— É verdade.
— E palmeiras, águas transparentes como cristal e
bandos de borboletas...? O senhor é inglês?
— Não.
— Mas também não é americano, suponho.
— Também não.
— Mmm... Canadense?
— Não.
— Ah, já sei! É australiano!
— Poderia ser — admitiu ele, olhando rapidamente ao
redor.
— Mas se é australiano, não deveria ir à Austrália?
Claro que se pode ser australiano e residir em Nassau. Gosta
de viver lá?
— Gosto.
— Ah! Sua esposa o espera?
— Não.
— Não é casado?
— Não.
— Então viaja por negócios... A que se dedica?
Uriah Creviston, que já olhava com mais atenção a seu
redor, fixou agora com frieza a curiosa e impertinente loura.
Abriu a boca, mas naquele momento ouviu-se o anúncio de
um dos vôos: o vôo 341, com destino a Nassau...
— Com licença — pediu ele. — Desejo-lhe boa...
Já estava descendo do banco, mas a mão da loura pousou
em seu braço esquerdo. Olhou-a, Surpreso.
— Sugiro que aceite esportivamente a perda desse vôo,
mister Creviston — disse ela, voz tranqüila.
— Que está dizendo? Não tenho por que... Alem disso,
meu nome não é Creviston. Parece-me que desde o
princípio está cometendo um engano. Seu modo de...
— Posso examinar sua bolsa de viagem?
— Claro que não. E será melhor que me largue... Prefiro
não recorrer à violência.
— Oh, não se preocupe por isso: estou preparada para
toda espécie de ação. E meus amigos também,
naturalmente. Vamos, seja sensato... Não compreende que
teve azar?
— Você está louca! Não sei de que...
— Não queira ser esperto. Quanto à sua bolsa de
viagem, sei que contém uma pistola. Claro que não a poderá
levar para o avião, mas já pensou no modo de resolver este
problema: ao passar pelo portão de embarque, teria jogado a
bolsa num dos coletores de papéis, já que, estando
terminado o seu trabalho, não necessita da pistola para nada
e, por outro lado, ela poderia comprometê-lo. Pois bem, vou
lhe poupar o trabalho de desfazer-se dessa bolsa. Passe-a
para cá. Sem meter a mão dentro, claro. Sou muito perigosa,
sabe? E não tenho contemplação com assassinos como
você. A menos que consigam justificar os assassinatos. É
este o seu caso?
Uriah Creviston suspirou profundamente e estendeu a
bolsa à loura, que a tomou e deixou sobre o balcão, sem
desviar os olhos dos dele.
— É este o seu caso? — insistiu.
Ele apertou os lábios.
— Está bem — continuou a loura. — Agora sairemos
daqui. Você caminhará à minha frente até chegarmos lá
fora, depois caminharemos juntos. Iremos a um carro. Você
entrará primeiro, pela porta de trás, e imediatamente
entrarão também dois homens, que se sentarão um a cada
lado de você. Depois outro homem e eu ocuparemos o
assento da frente. Este último homem conduzirá o carro e eu
viajarei virada para você, de modo que poderemos
conversar comodamente, isto é, você mais comodamente do
que eu. Entendido?
Creviston assentiu com a cabeça. Estava pálido.
— Qual foi minha falha? — perguntou.
— Quer mesmo saber?
— Quero. Sou um homem que aprende as coisas.
— No seu caso, aprender não lhe servirá de nada. Mas
vou lhe dizer: você matou Maxwell Randall depressa
demais. Devia ter esperado.
— Por quê?
— Porque assim a Polícia não relacionaria a caixa do
correio com aquele assassinato e não teria encontrado a
carta que o pobre rapaz estava enviando a Kent Griffin.
Você agiu precipitadamente, não está de acordo?
Cada vez mais pálido, ele tomou a assentir.
— Estou — murmurou. — Vamos.
— Muito bem. Comece a caminhar.
— Vão fazer um fiasco comigo.
A loura olhou-o friamente.
— Sim? Por quê?
— Estão perdendo tempo.
— Isso veremos. Caminhe.
O homem deu de ombros e dirigiu-se para uma das
saídas. A loura apanhou a bolsa e foi atrás dele. Já no
exterior, colocou-se a seu lado e apontou para onde havia
deixado o carro. Creviston virou a cabeça e pestanejou ao
ver Johnny-Floricultura sair atrás deles, com a mão direita
metida no bolso do paletó. Passou a língua pelos lábios e
olhou para a esquerda. Um homem estava apoiado a uma
das colunas; tinha numa das mãos um jornal e a outra
também metida no bolso. Um olhar à direita permitiu-lhe
ver o terceiro homem, que caminhava paralelamente a
eles...
— Pensou que lhe tivesse mentido, que estava sozinha?
— sorriu secamente a loura.
Ele não respondeu. Baixou o olhar para a bolsa, que ela
segurava com a mão do outro lado. Não lhe seria fácil
arrebatá-la...
— À esquerda — disse ela, que o olhava de relance,
sarcástica.
Meteram-se entre os carros. Por cima destes, Creviston
via os três homens que iam convergindo para o mesmo
ponto, sem o perder de vista um segundo. Uma coisa era
certa: se entrasse no carro, tudo estaria terminado.
Assim, jogou a última cartada, um instante depois que a
loura indicou o Ford Capri, dizendo:
— Ali...
Creviston saltou de súbito atrás dela, rodeou-lhe o
pescoço com o braço esquerdo e obrigou-a a girar
rapidamente, de modo que ela ficou entre ele e os três
homens, que se detiveram em seco.
Ao mesmo tempo, o assassino deu um puxão na borda
da manga direita de seu paletó e algo passou com brilho
fugaz diante dos olhos da loura, antes de fazer pressão em
sua garganta, com torça contida.
— É uma pequena faca de marfim... — arquejou
Creviston. — Algo como um brinquedo, mas suficiente para
matá-la num segundo, compreende?

CAPITÚLO QÚINTO
Sucessão de elos

A loura tentou mover afirmativamente a cabeça, mas não


pôde. Estava segura com a força terrível e a ponta daquela
pequena faca de marfim podia perfurar a qualquer momento
sua garganta.
Creviston tornou a olhar para os três homens, que
estavam imóveis. Ao redor deles, ninguém parecia se dar
conta de nada.
— Faça-lhes sinais para que se afastem. Depois você e
eu recuaremos até o carro que me indicou e, quando eu lhe
disser, abrirá minha bolsa para que eu possa tirar a pistola.
Está claro?
— Está...
— Pois caminhemos para trás. E eles que se afastem.
Creviston iniciou a marcha e, a um sinal da loura, os três
homens, após hesitar visivelmente, começaram a afastar-se,
virando com freqüência a cabeça.
— Pronto... — disse o assassino. — Minhas costas estão
apoiadas no carro. Abra a bolsa.
Ela obedeceu. Sem afastar a faca de sua garganta, ele
estendeu a mão esquerda para a bolsa aberta. A loura girou,
de modo que a ponta da faca apenas roçou por seu pescoço.
O movimento nervoso de Creviston fez com que ela fosse
cravar-se no ombro esquerdo dele próprio, que lançou um
grito de dor e surpresa... enquanto esta soltava a bolsa e
acertava-lhe uma violenta cotovelada no estômago. Fez isto
colocada lateralmente com relação a seu inimigo e
completou o giro para defrontá-lo, quando então lhe aplicou
com o outro punho um direto no maxilar, enquanto ele, já
retirada a faca do ombro, desferia um golpe contra seu
ventre.
Os dois gritaram ao mesmo tempo: Creviston porque o
direto, além de lhe partir dois dentes, fez sua cabeça chocar-
se contra o carro; a loura porque, apesar de sua rápida
esquiva, a faca de marfim cravou-se em sua virilha.
E enquanto ele caía de joelhos, sangrando
abundantemente, ela recuava, muito pálida... Os três agentes
da CIA, que tinham percebido a mudança da situação,
chegaram correndo, pistola na mão.
Arquejante, Johnny-Floricultura precipitou-se para a
loura, enquanto fazia um sinal a seus companheiros.
— Deixe-me ver!
— Não é nada, Johnny. Vamo-nos daqui...
— E virou-se para os outros dois, um dos quais acabava
de aplicar um raivoso pontapé no estômago de Creviston.
— Não! Vocês poderiam matá-lo e eu o quero vivo.
Carregaram-no para o carro e, antes que algum curioso
tivesse tempo de aproximar-se, o velho Ford Capri era posto
em marcha.
***
O despertar de Uriah Creviston não foi propriamente
agradável.
Aqueles três homens o olhavam de um modo tão hostil
que não podia haver dúvida a respeito de suas intenções
para com ele. Quis mover-se e percebeu que estava atado a
uma cadeira. Percebeu depois outras coisas; tinha os lábios
inchados, doloridos, faltavam-lhe dois dentes e havia um
tremendo galo na parte posterior de sua cabeça. A mulher
que estava junto à mesa usava apenas calcinhas e sutiã. Em
sua virilha esquerda, através do semitransparente tecido das
calcinhas, podia-se ver uma larga tira de esparadrapo. Ah, o
ferimento causado pela faca de marfim... Mas era claro que
tal ferimento não a privava nem um pouco de suas energias.
Mas seria a mesma loura de óculos que a ele se dirigira no
aeroporto? Não usava óculos e tinha um corpo juvenil,
elástico, maravilhoso... Ela agora estava se vestindo, após
ter feito o curativo. E agora, já vestida, acendia um cigarro,
olhando fixamente para ele. O rosto, gorducho,
decididamente não combinava com o corpo...
— Espero que se tenha dado conta de sua situação,
Langdon — disse ela.
Creviston pestanejou. Mas por que assombrar-se? Tinha
visto seu passaporte, claro.
— Receio que sim — tentou sorrir.
— Bem. Por onde acha que devemos começar?
— Já lhe disse que iam perder tempo comigo. E não
porque eu queira bancar o duro e ficar calado, mas porque
não sei nada.
— Nada? Nem sequer que ontem assassinou um homem
em plena rua? Ou vai negar isso?
— Posso negar — murmurou o assassino.
— Duvido. A pistola foi mandada ao FBI e este
certamente constatará que se trata da mesma arma que
matou Maxwell Randall. Suponho que você entenda alguma
coisa de balística.
— Entendo.
— Só pelo assassinato de Randall, seria condenado à
pena máxima. Portanto, pense na conveniência de chegar a
um acordo. De maneira nenhuma lhe prometo a liberdade,
mas estou certa de que poderia conseguir-lhe uma redução
da pena. Que diz?
— Gostaria de poder aceitar, mas é impossível. Insisto:
não sei nada.
— Vejamos, você veio de Nassau para assassinar
algumas pessoas, não é assim?
— É.
— Quantas?
— Duas: Maxwell Randall e Kent Griffin. Recebi todas
as instruções a respeito.
— Explique-se mais detalhadamente.
— Alguém pôs-se em contato comigo em Nassau, pelo
telefone. Disseram-me que sabiam quem eu era e a que me
dedicava, oferecendo-me 25 mil dólares por um trabalho
duplo, bem-feito. Aceitei. No dia seguinte recebi uma carta
com todas as instruções. Assim, viajei para cá e fui esperar
Maxwell Randall à saída do cinema ao qual o havia
seguido. Propus-lhe o que me tinham mandado propor-lhe.
Aceitou. O mesmo com Kent Griffin.
— Foi você quem escolheu os dois?
— Não. Deram-me nome e endereço de ambos em Nova
Iorque.
— Mas você sabe quem lhe deve pagar.
— Já me pagaram. E não conheço ninguém. Só sei o que
tinha que fazer com relação a esses dois homens. As
instruções eram muito claras e precisas.
— Compreendo. Onde está a tal carta? Queimou-a?
— Naturalmente.
— Acredito. Sabemos, então, como devia fazer com
esses dois pobres rapazes. Sabe quem enviou os negativos a
Maxwell Randall?
— Não.
— Azar... para todos. Mas talvez se dê um jeito nisso.
Vejamos a caixa que você deixou num banco do
Washington Square Park... Que contém?
— Somente as fotos que Griffin terá colocado nela e
uma pistola, colocada por mim.
— Quem a recolherá?
— Não sei. Aí termina meu trabalho: colocar a pistola na
caixa, deixar esta sobre o banco, certificar-me de que
Griffin a recolhia e mais nada.
— Mas sem dúvida essa pistola é para que alguém
assassine alguém, não acha?
— Ignoro.
— Quanto a você, tinha que matar Randall e Griffin... O
primeiro já matou ontem. E ao que parece, estava
perdoando a vida de Griffin, já que ia partir sem tentar nada
contra ele. Como devo entender isso? Custa-me crer que um
profissional como você deixe uma parte do trabalho por
fazer. Sobretudo, tendo em conta que quem lhe pagou pode
localizá-lo e você não sabe quem é, o que aumenta o perigo
para o seu lado. Estou enganada?
— Não.
— Então explique-me como é possível que fosse partir
sem ter eliminado Griffin.
— Ele morrerá... ou morreria esta madrugada.
— Sim? Como?
— Saiu esta noite e eu coloquei uma bomba-relógio,
dentro de uma caixa de lâminas de chumbo muito finas,
debaixo de sua cama. Está preparada para explodir às três.
Os agentes da CIA olharam para a loura, a qual assentiu
com a cabeça e apontou para um deles, que saiu apressado.
— Outra pequena questão que logo estará resolvida —
murmurou ela. — Uma coisa: você tem algo a ver com
algum serviço secreto?
— Não, em absoluto!
— O que me alegra muito. É, simplesmente, um
assassino profissional... Correto?
— Correto.
— Então, segundo você, isto nada tem a ver com
espionagem.
— Para mim é uni trabalho como outro qualquer, muito
bem pago.
— Além de Randall e Griffin, com quem mais você
tratou?
— Mais ninguém. Já lhe disse que recebi as instruções
pelo correio e não sei para quem irão a pistola e as fotos
reveladas por Griffin. Fui apenas um intermediário.
— Nós dizemos um elo. Sabe o que isso significa?
— Não...
— Significa que, quando você voltasse a Nassau, seria
assassinado.
— Creio que não.
— Pois eu creio que sim. Mas de qualquer modo,
Langdon, você está condenado, tanto se enfrentar um
tribunal americano como se regressar a Nassau. E ou a
qualquer outro lugar, pois não resta dúvida de que o
encontrariam. E há mais: devem ter tudo previsto para
eliminá-lo. Francamente, não gostaria de estar em sua pele.
— Você... me ofereceu uma pena reduzida...
— Em troca de informação produtiva. Acha que me
proporcionou alguma pista valiosa?
— Como poderia fazer isso se nada sei? Só o que tinha
que fazer.
— Mas isso já sabíamos antes que você falasse. Você
não nos serviu de nada. Entretanto, se refletisse um pouco
mais, talvez pudesse encontrar algo que nos fosse útil.
Então?
Langdon tinha a testa coberta de suor e engoliu em seco
antes de replicar:
— Não posso refletir sobre o que desconheço.
— Pior para você. Outra coisa: sabe o que continham os
filmes que Griffin devia revelar?
— Não. Nem sequer os vi...
A loura balançou a cabeça, como se não pudesse
acreditar.
— Fantástico! Uma cadeia perfeita, que se vai rompendo
elo a elo, um após outro. No momento, que saibamos,
existem... ou existiam cinco elos. Um, o traidor que
conseguiu as fotos. Segundo, Maxwell Randall, que se
limitou a recebê-las e enviá-las por sua vez, e que, morto
ele, queimado o envelope em que as recebeu e sem que
existisse nenhuma outra pista anterior, deixa esse traidor
afastado do assunto... Sabe você se o homem que fez as
fotografias também foi ou vai ser eliminado?
— Nada sei que já não lhe tenha dito.
— Bom... Quanto a esse traidor, tenho a esperança de
que muito em breve nos chegarão notícias dele.
Prossigamos: o terceiro elo é Kent Griffin, que devia morrer
esta madrugada às três, já tendo feito sua parte, sobre a qual
ninguém saberia nada. O quarto elo é você, que, uma vez
tendo eliminado o segundo e o terceiro, morreria, por sua
vez, ao chegar a Nassau. E o quinto é o homem que tem que
receber na estrada 25-A a caixa com a pistola e as fotos
daquele a quem, segundo creio, deverá assassinar. Dos
cinco elos, conhecemos três. Restam o primeiro e o quinto.
Quanto a este, bastará seguir Griffin, deixar que jogue a
caixa na valeta, esperar e detê-lo, quando aparecer para
recolhê-la. Não lhe parece?
— Você é quem sabe.
— Sei muitas coisas. Por exemplo, que o primeiro elo é
um traidor americano. E sei que o quinto é outro assassino,
como você. E pergunto-me: realmente nos seria tão fácil
agarrá-lo, quando fosse recolher a caixa? A coisa não pode
ser tão simples. Esse homem deverá tomar suas precauções,
embora possivelmente lhe tenham assegurado que não
haverá perigo. Sim, ele tomará precauções, como você
tomou... Na verdade não o conhece, não sabe quem é, nem
como é?
— Já disse que não. Que vão fazer comigo?
— Salvo novas idéias mais proveitosas, será entregue à
Justiça, naturalmente. E condenado.
— Não poderíamos... chegar a um acordo?
— Um acordo entre você e a CIA.
— Eu e a CIA, não. Eu e vocês. Tenho algum dinheiro...
Como se não o estivesse ouvindo, a loura virou a cabeça
para a porta. Um instante depois, ouviam-se passos
aproximando-se. Johnny-Floricultura e o outro Johnny
colocaram-se rapidamente aos lados da porta, pistolas na
mão.
Os passos se detiveram e uma voz um tanto
sobressaltada avisou:
— Sou eu, “Baby”: o tio Charlie.
Os dois agentes se relaxaram e a loura sorriu.
— Entre, tio Charlie: estávamos à sua espera.

CAPITÚLO SEXTO
Liberdade de ação para o assassino

Charles Pitzer entrou. Olhou o prisioneiro, a loura feiosa


em que estava transformada sua belíssima espiã favorita e
não pareceu surpreender-se nem um pouco, limitando-se a
saudá-la com a cabeça e a fazer um aceno com a mão aos
dois espiões.
— Já o temos — disse.
— Conseguiram? — exclamou “Baby”, incrédula.
— Sim. O plano que você propôs deu resultado: caiu
como um passarinho inocente. Está aí fora, com dois
rapazes.
— Quem é?
— O assessor militar da Casa Branca. Craig Ashbery.
— Oh, não! — assombrou-se “Baby”. — Como é
possível...?
Pitzer franziu a testa e soltou um grunhido.
— Que seja um ou outro — resmungou —, qual é a
diferença? A decepção não seria menor, suponho. Faço-o
entrar?
— Sim, sim, que entre.
O chefe do Setor Nova Iorque foi até a posta e fez um
sinal. Três homens entraram, um adiante e dois atrás. O
primeiro estava lívido. Teria uns cinqüenta anos e era
robusto. Em seu rosto agradável, tisnado pelo sol,
destacavam-se os olhos azuis. O cabelo grisalho nas
têmporas dava-lhe aspecto distinto.
Olhou para a loura, que o contemplava com ar abatido.
— Mister Ashbery — murmurou ela —, diga-me a que
se propunha.
Craig Ashbery pestanejou, perplexo.
— Essa voz... Eu a conheço, não? — perguntou.
— Sim. Mas, ao que parece, eu não o conhecia... Por
Deus, não me diga que fez isso por dinheiro!
Ele baixou a cabeça e não respondeu. Não parecia
assustado, mas completamente derrotado... e desconcertado.
Dir-se-ia que lhe soava ainda aos ouvidos o zumbido do
helicóptero que o trouxera de Washington, em companhia
daqueles três homens. Porém assombrava-o mais ainda o
ocorrido em sua casa, minutos depois do almoço, quando
Pitzer se apresentara com quatro agentes da CIA,
declarando que o detinha por traição.
***
— Por traição? Acaso o senhor está doido?
Pitzer não se perturbara.
— Receio que a loucura tenha sido sua, mister Ashbery.
E saiba que lhe seria inútil negar. O senhor mandou uma
carta a um tal Maxwell Randall, de Nova Iorque, com os
negativos das fotos que fez com uma microcâmara durante
a última reunião com Mr. YZ.
— Mentira! Não sei de que está falando!
— Havia nove homens presentes, além de Mr. YZ.
Quatro deles, devido ao ângulo de que foram feitas as fotos,
havemos que descartar. Restavam cinco suspeitos, incluído
o senhor. Mas certamente nunca o teríamos descoberto, se
suas impressões digitais não tivessem sido encontradas no
envelope que enviou a Maxwell Randall. Este foi
assassinado depois de enviar uma carta a um tal Kent
Griffin... Conhece-o?
— Não!
— Não importa. A Polícia relacionou a morte de
Randall com a carta que tinha recebido um pouco antes e
foi ao seu apartamento, onde só encontrou o envelope.
Foram reveladas as fotos que Randall tinha recebido e que
enviara a Griffin, nelas sendo reconhecidos o diretor da
CIA e o secretário da Casa Branca. A visados, solicitamos
o envelope encontrado no apartamento de Randall e em
nossos laboratórios obtivemos várias impressões que havia
nele. Três de seu polegar direito e uma do índex foram
identificadas... Por favor, terá que vir conosco.
— Estão equivocados... Não é verdade!
— Temos o envelope e as impressões à sua disposição,
mister Ashbery. Poderá chamar um advogado ou a quem
quiser. Mas estamos bem certos do que afirmamos, pois
nosso diretor também o denunciou.
— O... o diretor... da CIA?
— Exato. Partindo da posição em que devia estar a
pessoa que fez as fotografias e de acordo com o ângulo
fotográfico, nosso diretor acabou por indicar o senhor. Era
o único que tinha ocupado aquela posição e, além disso, ele
viu em suas mãos o isqueiro que, sem dúvida, continha a
microcâmara.
— Não... Não!
— É Inútil que negue. E saiba, mister Ashbery, que
estamos dispostos a tudo. Poiso que não gostará de
conhecer as últimas... técnicas da CIA para interrogatórios
enérgicos.
***
— Não me ouviu, mister Ashbery?
Este levantou a cabeça, olhou aquela loura cuja voz lhe
recordava alguém e moveu negativamente a cabeça.
— Na.... Mas já não importa. Quem é este homem?
— Outro elo da cadeia. Compreende?
— Não...
Olhava fixamente para Roger Langdon, o qual fazia o
mesmo com ele. E “Baby” olhava para um e outro, com
grande interesse e curiosidade. Ali estavam dois homens
que faziam parte do mesmo plano e que nada tinham a ver
um com outro. Dois homens diferentes: um conselheiro
militar da Casa Branca e um assassino profissional. Ambos
do mesmo bando, mas que não se conheciam, nunca se
tinham visto.
— Então lhe direi que este é o homem que assassinou
Maxwell Randall. Conhecia Randall?
— Não.
— Pessoalmente, não, mas sabia seu nome e endereço
em Nova Iorque, não é isso?
— Sim... Sim.
— Sabemos que Maxwell Randall era um bom rapaz.
Um tanto despreocupado e alegre, desses que não gostam
muito de compromissos. Trabalham hoje aqui, amanhã ali...
Mas não fazia mal a ninguém. E foi assassinado por este
homem, por culpa sua, mister Ashbery.
— Por culpa minha? — reagiu este.
— Bom. Foi o senhor quem lhe enviou o envelope com
as fotos de Mr. YZ, não?
— Mas não sabia que o iam matar!
— Não? Pois que sabia, que sabe o senhor? Ou já
explicou tudo a mister Pitzer?
— Nós o sondamos durante o vôo — disse secamente
Pitzer. — E você não vai gostar do final, “Baby”.
— Por que não? Poderá me agradar ainda menos que
saber que um assessor da Casa Branca cometeu traição?
— Receio que sim... E pergunto-me se este homem não
esteve zombando de nós.
— Explique-se, por favor.
— Bem... Tudo é uma conspiração militar.
— Uma quê? — quase gritou “Baby”.
— Você sabe que Ashbery tem o posto de major da
reserva...
— Sei! Mas você falou em conspiração...
— Uma conspiração militar internacional, para
assassinar mister YZ.
— Deus meu! De que está falando, tio Charlie?
— Foi o que deduzimos do que, com bons modos,
pudemos ir arrancando de Ashbery. Ao que parece,
militares de alta graduação de vários países poderosos
conspiram para matar mister YZ, o homem que poderia
acabar com as armadas pacificamente. Se conseguisse uma
paz mundial duradoura e satisfatória para todos, que seria
dos militares profissionais?
— Não posso acreditar no que estou ouvindo... E entre
esses militares também há dos nossos?
— Naturalmente. Americanos, russos, ingleses, alemães,
franceses... Que sei eu? O fato é que militares de vários
países prepararam tudo. E a Craig Ashbery, por estar
próximo de mister YZ, coube a tarefa de levá-lo ao
matadouro. Tudo o que tinha a fazer era fotografá-lo e
enviar as fotos. Depois um assassino profissional se
encarregaria de matá-lo, identificando-o por meio das fotos
que, de um modo indireto, chegariam a ele. A morte de
mister YZ, justamente enquanto se reunia com
representantes políticos nossos e enviados especiais de
vários países, provocaria uma reação capaz de aumentar a
tensão já existente entre vários dos países que enviaram
representantes. Em primeiro lugar, os Estados Unidos
seriam acusados de inépcia, senão de falta de um desejo
autêntico de conseguir uma paz mundial. E as coisas
prosseguiriam como até agora.
— Quer dizer: guerra, guerra e guerra.
— Sim. E se você quer minha opinião, lhe que não
conseguiremos nada salvando mister YZ esta vez. Eles o
matarão, em qualquer lugar, mais cedo ou mais tarde. Está
condenado, haja o que houver, vá aonde vá.
— Está sugerindo que devemos deixar que o matem?
— Não, não. Mas ele morrerá de qualquer forma, em
qualquer tempo. Não podemos fazer nada. Sinto muito.
— Mas podemos escondê-lo... Escondê-lo bem!
— Onde? Você sabe muito bem que o encontrariam.
— Mas isto é somente uma conspiração militar, tio
Charlie. Poderíamos localizar esses homens. Não me diga
que todos os militares do mundo querem eliminar Mr. YZ!
— Claro que não. Felizmente trata-se de poucos, que
vivem da guerra. Ignoro quantos sejam: dez, vinte, vem,
quinhentos... Mas a eles não interessa a paz, pois a guerra é
seu modo de vida...
— É só um grupo! — súbito, ela cravou os olhos no
assessor militar. — E o senhor faz parte desse grupo, não é
assim? Que faria se não tivesse nada que aconselhar? E isso,
Ashbery? É isso?
— Está bem. Um grupo... Pois daremos a esse grupo
uma lição que nunca será esquecida. Quais são os nomes de
seus integrantes?
— Não sei.
Tão logo disse isto, Ashbery estremeceu ao olhar para
“Baby”, tal a frieza com que esta o contemplava. Sentiu que
um calafrio o percorria.
— Ashbery — disse ela, em voz apenas audível —,
suponho que saiba com quem está tratando.
— Sei... Mas desconheço os outros membros do grupo.
Recebi a proposta de um modo indireto, depois as
instruções... Não lhe poderia dar nenhum nome, ainda que
me fizesse em pedaços!
— Penso que ele está dizendo a verdade — interveio
Pitzer.
— Sim... Por desgraça, é o que também penso. Como
todos os outros nesta cadeia, é um elo, um elo solto, que em
nada nos poderá ajudar... Nem sequer sabe o nome do
assassino, ou onde está, ou...? Refiro-me ao homem que
deve matar Mr. YZ.
— Não sei nada dele, juro.
— Muito bem, Ashbery. Não conhece o assassino, nem
os militares que compõem o grupo. (...) isso. Mas sabe que
vão... ou querem matar Mr. YZ.
— Sim. Isso eu sei — murmurou Craig Ashbery.
— Onde e quando?
A hesitação do assessor foi captada por todos.
— Não... Não sei.
— Agarrem-no — disse “Baby”. Os dois agentes da CIA
apressaram-se a obedecer; então ela ergueu a mão e seus
dedos índex e médio, rígidos, apontaram para os olhos de
Ashbery. Seu rosto parecia de gelo, quando insistiu: —
Onde e quando?
— Na... na reunião... Na reunião! — gritou ele, rosto
desfigurado e lívido. — Na reunião de enviados especiais,
amanhã à noite!
— O assassino estará lá?
— Sim, sim...
— Como sabe ele o local da reunião?
— Eu... eu lhe disse.
— Você? Mas se jurou que não o conhece...!
— Enviei outra carta a uma caixa postal de Nova Iorque,
indicando o lugar e a data! Isto é tudo que sei!
— Você se dá conta, Ashbery, de que a CIA lhe salvou a
vida? Engraçado, não é?
— Que... que está dizendo?
— Se você não tivesse sido trazido aqui, certamente
outro assassino se teria encarregado de o fazer calar para
sempre. Claro, um assassino que tampouco saberia nada de
nada e que, por sua vez, tal como devia ocorrer com Roger
Langdon — indicou este —, teria depois sido eliminado.
Esta é uma cadeia fantástica cujos elos vão sendo destruídos
um a um, não compreendo? Mas não o matariam hoje.
Teriam esperado que a reunião terminasse e que Mr. YZ
fosse assassinado. Depois matariam você, que sabia demais.
Sim, Ashbery: você, tal como Langdon, está condenado à
morte, vá aonde vá, faça o que fizer...
— Não, não... Não!
— Sim, Ashbery... Mas gostaria de salvar a sua vida?
— Como... como poderia conseguir isso?
— Olhe, quanto a Langdon, vamos entregá-lo às
autoridades civis, acusado de assassinato, simplesmente.
Com você, tendo em conta quem é, poderiam ser feitos
alguns arranjos muito interessantes.
— Um momento — interveio Pitzer. — Creio que nos
deveríamos ocupar dessa última carta. A que ele enviou
informando sobre a reunião de amanhã. Talvez ainda
estejamos em tempo de agarrar seu destinatário, ou, pelo
menos, por meio da caixa postal...
— Não, não. Isso daria o alarma entre “eles”, tio
Charlie. Deixemos que esse homem receba a informação... e
a caixa com as fotografias e a pistola. Sim, vamos deixar
que faça seu trabalho. Pelo menos, parte dele.
— Aonde quer você chegar?
— Ao fim... Ao fim, tio Charlie.
— Entendo.
— Entende mesmo?
— Bom... Para que esse assassino possa matar Mr. YZ
deve ir ao local da reunião.
— Evidentemente. E...?
— E você quer deixar que ele se mova livremente para
que não desconfie e agarrá-lo lá. Se tentássemos pôr-lhe as
mãos hoje, ao recolher a última carta de Ashbery, ou a caixa
com a pistola e as fotografias, talvez não aparecesse, ou
pudesse escapar. E não é isso o que você quer, mas
simplesmente agarrá-lo.
— Mais ou menos.
— E de que serviria isso? — perguntou Johnny-
Floricultura. — Se esse assassino, como todos os outros
elos da cadeia, não sabe nada (...) que tem que matar um
homem cuja foto recebeu de que nos servirá? Não poderá
dizer nada!
— Talvez você se engane — sorriu a mais astuta espiã
do mundo.
— Acha que justamente esse assassino saberá alguma
coisa, que conhecerá alguém, que poderá dizer algum
nome?
— Não. Estou convencida de que ele tampouco sabe
nada. Mas nos será utilíssimo: com elo, vamos dar uma
lição a esse grupo de militares... De que está rindo,
Langdon?
— De nada.
Ela o olhou fixamente uns segundos, depois deu de
ombros.
— Bem, prossigamos... Está disposto a colaborar,
Ashbery?
— Eu? Como? — surpreendeu-se o traidor.
— Que lhe ofereceram em troca de sua participação
neste assunto? Dinheiro?
— Não... A patente de general dentro de dois anos e a
chefia suprema do assessoramento militar nos Estados
Unidos.
“Baby” emitiu um assobio.
— Nada mal, francamente. Receio que não lhe possa
oferecer tanto... apenas livrá-lo de um conselho de guerra e
suas conseqüências.
— Pode me garantir isso? — exclamou
— Posso. E se perguntar, lhe dirão que sempre faço o
que prometo.
— Aceito! E farei o que você disser! Ela aproximou-se
da mesa onde estava sua maletinha e desta tirou um cigarro,
que acendeu, olhando fixamente para aquele homem.
— Vai confiar nele? — Johnny-Floricultura pareceu
adivinhar seu pensamento.
— Que remédio, Johnny? Além disso, ele fará o que eu
determinar. Não é verdade, Ashbery?
— Sim, sim, sim... Seja o que for!
— Na verdade, é muito simples: será novamente levado
a Washington, como se nada tivesse acontecido, e deixado
em sua casa. Se alguém se interessar por sua viagem
relâmpago a Nova Iorque, dirá que... foi solicitado pelos
nossos representantes na ONU para uma consulta. Quanto
ao resto, continuará fazendo sua vida normal; irá amanhã a
essa reunião... Tudo normal, Ashbery.
Este, que a olhava incredulamente, perguntou, por fim:
— Quer dizer que me deixa em liberdade?
— Vigiada, não esqueça. Sempre haverá perto de você
alguns dos meus rapazes, bem escondidos, portanto será
melhor que não faça tolices e que cumpra este acordo. Está
certo?
— Está. Não falharei.
— Bom, o fato é que não sei se devo confiar muito em
você: não demonstrou ser muito cauto.
— Não me ocorreu que pudessem encontrar minha pista.
— Sua pista? Onde? A que se refere? — sorriu
ironicamente “Baby”.
— Refiro-me às impressões que deixei no envelope
enviado a Maxwell Randall...
— Ah! Mas não havia impressões a localizar, já que o
pobre rapaz queimou o envelope tão logo o recebeu.
Craig Ashbery ficou como se tivesse recebido uma
martelada no estômago.
— Está dizendo que...? — balbuciou.
— Que o envelope foi queimado pelo próprio Randall.
Tudo não passou de uma idéia minha, que deu resultado. E
espero que os outros quatro cavalheiros me perdoem.
— Que... que quatro...?
— Os outros que podiam ter feito as fotos de Mr. YZ.
Cada um de vocês cinco, por minha sugestão, recebeu a
visita de um pequeno grupo de agentes da CIA, que
aplicaram o golpe das impressões digitais. Os outros quatro
resistiram galhardamente, indignaram-se, etc. Mas você, o
verdadeiro culpado, caiu como um patinho. Não é verdade,
tio Charlie?
— É — Pitzer permitiu-se um ,sorriso.
— Então, era tudo mentira... Não tinham certeza de que
havia sido eu...
— Nenhuma, Ashbery — disse Pitzer. — Tudo foi um
pequeno truque de “Baby”, que aliás não acreditávamos que
desse resultado. Levem-no. E muito cuidado com o que faz
até o momento da reunião, Ashbery.
Este, que parecia ter-se transformado em pedra, não
reagiu até que um dos agentes o empurrou para a porta.
Então ele pestanejou, abriu a boca, mas saiu sem ter dito
uma palavra.
— Você ficará comigo, tio Charlie, se está de acordo —
disse “Baby”. — E vocês dois, queridos, levem Langdon
daqui. Entreguem-no à Polícia e digam que, oportunamente,
a CIA enviará um relatório completo sobre ele.
— Okay — sorriu Johnny-Floricultura. —Desatemos
este pássaro e Policia com ele, Reg... Johnny.
O outro .Johnny também sorriu. Desataram Langdon,
puseram-no de pé e empurraram-no para a porta.
— Vamos, vamos — disse Johnny.
— Calma — reagiu Langdon. — A mim ninguém vai
julgar, nem levar e trazer como um boneco. Vão todos para
o diabo, especialmente você, maldita estúpida! — terminou,
olhando para “Baby”.
Esta, que o olhava entre incrédula e divertida, viu-o
levantar bruscamente o braço esquerdo e arrancar com os
dentes um dos botões da manga. Saltou sobre ele, braços
estendidos, mas já o assassino profissional tinha engolido o
botão. E tão logo “Baby” o soltou, caiu no chão, arquejante.
Ela ajoelhou-se a seu lado e ainda pôde ver a última
centelha de vida naqueles olhos claros, que logo pareceram
transformar-se em cristal, enquanto um pouco de espuma
esverdeada escorria de um canto de sua boca.
— Cianureto... — murmurou Pitzer. — Um homem
duro!
— Um profissional — disse “Baby”. — Levem-no
daqui.
— Bem — Opinou Pitzer, quando os dois Johnnies
saíram com o cadáver —, só nos resta conhecer o último
elo, Brigitte: o homem incumbirá de assassinar Mr. YZ
nessa reunião. Não (...) no que o tentemos agarrar?
— Não — ela consultou seu reloginho e fez rápido
cálculo, ao ver que marcava quatro horas e vinte e cinco
minutos.— Quatro e vinte cinco... Kent Griffin já deve estar
em Manhasset, tomando uns tragos.
— Talvez o matem depois de ter entregue a caixa.
— Não. Langdon colocou uma bomba debaixo de sua
cama e um Johnny foi retirá-la. Não precisamos nos
preocupar com esse simpático fotógrafo, Tio Charlie. Sabe
você o que poderia fazer?
— O que você mandar — sorriu Pitzer.
— Não fale assim — riu ela, passando-lhe um braço
pelos ombros e beijando-o em ambas as faces. — Você sabe
que quem deve mandar é a pessoa que está controlando a
situação.
— Dá na mesma, já que é sempre você quem controla a
situação.
— Que culpa tenho eu de, além de bonita, ser uma
garota inteligente?
— Já que tocamos no assunto, por que não tira de uma
vez esse disfarçe? Você está horrível, criatura.
— Creio que ainda o usarei por um tempo. Bom, tio
Charlie, o que você pode fazer é ir à floricultura, chamar a
Central pelo rádio e informar de tudo isto o nosso diretor,
suplicando-lhe que siga minhas... sugestões com respeito a
que convêm fazer por enquanto com Craig Ashbery. Ao
mesmo tempo, peça ao nosso maioral que lhe diga onde será
a reunião de amanhã e uma autorização para que eu assista a
ela.
— Tinha certeza de que você ia querer assisti-la.
Chamo-a pelo rádio ou estará em algum lugar com telefone?
— Estarei em meu apartamento a partir das... nove da
noite. — E sorrindo: — das vinte e uma horas.
— Muito bem. Olhe, não quero parecer teimoso, mas
esse assassino que vai recolher a caixa com a pistola e as
fotos terá toda a liberdade de ação, o que pode representar
um grande perigo...
— Quero que ele tenha liberdade de ação, tio Charlie,
quero que se aproxime. Esteja certo de que não escapará.
— Estou. Mas a pergunta é esta: e se quando você o
agarrar, ele já tiver disparado contra sua vítima?
— Tem razão — pestanejou Brigitte. — Mas (...) é
preciso arriscar algo para conseguir algo, não lhe parece? E
agora me desculpe, pois tenho muitíssima pressa...

CAPITÚLO SETIMO
Com um só tiro

O reluzente Cadillac transpôs o recém aberto portão de


ferro forjado da luxuosa vila (...) nas cercanias de Nova
Iorque e deteve-se a poucos metros além. Enquanto dois
homens tornavam a fechar o portão, outros dois apareceram,
um de cada lado do carro, como se brotassem do escuro.
Mais ao fundo, por entre árvores, via-se a formosa casa,
discretamente iluminada.
A belíssima criatura que ia ao volante do Cadillac sorriu
às duas cabeças que se inclinavam para ela.
— Olá! — saudou. — Como estão?
— Bem, obrigado — disse o homem da direita, enquanto
o da esquerda, mais perto dela, pelo que a podia ver melhor,
estava mudo de admiração. — E você?
— Oh! Eu me arranjo para ir vivendo.
— E nós nos perguntamos como é que consegue...
“Baby”?
— Como! — surpreendeu-se ela. — Acaso esperavam
uma outra mulher? Isso é infidelidade!
— Não tenha medo — pôde falar por fim o da esquerda.
— Para nós, os Johnnies, não existe nenhuma outra.
— Isso me agrada mais — sorriu docemente “Baby” —
Estão vigiando bem?
— Não... — o agente da CIA pareceu desconsertado. —
Na verdade, não. Mas essas são as ordens... Não lhe
parecem adoidadas?
— Foram ordens minhas — disse ela.
— Ah! Então tudo vai bem. Continuaremos vigiando
mal, mas fingindo muita atenção.
— É isso.
— Já chegou o chefe do Setor Nova Iorque: está
esperando você na casa.
— Muito bem. Até depois, queridos. Continuem
desvigiando.
— Sabíamos que você vinha — disse o outro — e
cometemos um furto neste bonito jardim, “Baby”.
— Um furto? Mas isso é muito feio... O que foi que
furtaram?
A mão direita do agente apareceu por cima da porta,
com umas quantas flores.
— Estas rosas para você. Seja bem-vinda. Brigitte
tomou as rosas, olhou para um e outro, depois atirou um
beijo para cada um, reencetando a marcha para a casa.
Mal detivera o carro, Charles Pitzer apareceu na porta,
acompanhado de Johnny-Floricultura, o qual, quando ela
saltou, pôs-se ao, volante e levou o Cadillac para a área de
estacionamento.
— Logo chegarão os outros — disse Pitzer.
— Quer dar uma olhadela à casa, enquanto isso?
— Não. Para quê?
— Bom, se vai acontecer algo aí dentro, pensei que você
quisesse conhecer o terreno.
— Não vai acontecer nada aí dentro, tio Charlie. O que
tiver que acontecer será aqui fora.
— Que quer dizer?
— Que o assassino está no jardim, não na casa.
— Impossível... — discordou Pitzer. — Segundo sua
instruções, não caprichamos muito na vigilância aqui fora,
mas, mesmo assim, chegamos à conclusão de que ninguém
pode entrar ou sair sem ser visto. E um assassino, por
estúpido que seja, não vai cometer uma ação sabendo que
nela morrerá também.
— Como? — Brigitte olhou-o vivamente. — Eu disse
com toda a clareza que não era para matá-lo!
— Sim, e teremos isso em conta, mas ele ignora que a
ordem é deixar-lhe liberdade de movimentos e respeitar-lhe
a vida. De modo que não verá maneira de fazer nada. Isto é,
que não virá...
— Já está aqui.
— Ora vamos, Brigítte...
— Já está aqui — insistiu ela. — Esconde-se em lugar
conveniente e, além disso, tem sua fuga preparada. Um
esquema infalível.
— Escute, Brigitte — resmungou Pitzer — se você sabe
mais do que está dizendo a todos, muito bem. Mas a mim
pode dizer o que é que sabe, não?
— Só sei que se trata de um assassino profissional de
primeira categoria e que, não esqueça isto, tio Charlie, conta
com ajuda. Você está esquecendo que há alguns militares de
alta graduação metidos neste assunto e que se terão
organizado para assessorar o assassino, oferecendo-lhe
indiretamente tais facilidades que ele não pôde recusar o
trabalho.
— É muito arriscado, de qualquer modo... Muito
arriscado. Se o deixarmos atirar, matará Mr. YZ. Um
homem como o que você descreve não se permitirá falhar
um único tiro.
— Um homem? E quem lhe assegura que e um homem a
pessoa encarregada de matar Mr. YZ?
— Com todos os diabos...! Uma mulher! Não me havia
ocorrido!
— Talvez isso se deva ao fato de você não conhecer
nenhuma mulher capaz de praticar um assassinato perfeito,
em qualquer circunstância.
— Está bem, sou um boboca... — grunhiu Pitzer. —
Mas diante do que você está dizendo, insisto em que
devíamos ter tentado deter esse... ou essa assassina quando
foi apanhar a caixa na estrada 25-A.
— Não, porque então nos seria impossível dar aos
militares que prepararam isto uma lição inesquecível.
— Eu acabo ficando doido... Como vamos dar uma lição
a essa gente?
— Uma lição inesquecível, garanto-lhe... Aí vem
Johnny.
— Majestade, vosso carro está estacionado — chegou
dizendo o assistente de Pitzer.
— Obrigada, formoso pajem — riu Brigitte.
— Interessou-se pela criadagem que estará de serviço
nesta pequena festa?
— Além dos empregados da casa, há mais trás garçons,
duas garçonetes e um ajudante de cozinha. Todos enviados
pela mesma agência a que já recorreu diversas vezes o
proprietário da vila, pois costuma dar festas... Tudo gente de
confiança.
— Quer dizer que a coisa não está fácil para nós.
— Bem... — Johnny hesitou. — Eu suponho que o
assassino não virá.
— Claro que não, se já veio.
Por um instante, o assistente de Pitzer ficou estupefato.
Depois riu.
— Você sempre com suas brincadeiras, “Baby”!
— Não estou brincando — riu ela também, com toda a
naturalidade. — E como é possível que ele nos esteja vendo
agora, Johnny, sorria, sorria... E você também, tio Charlie.
Pitzer sorriu, como se lhe estivessem arrancando um
dente.
— Seu senso de humor acabará comigo — afirmou.
— Eu aprecio o senso de humor de “Baby” — declarou
Johnny —, mas às vezes não o entendo. Como pôde entrar
alguém aqui se desde de manhã estamos vigiando? E por
muito mal que o tenhamos feito, seguindo suas instruções...
— Quem lhe diz que o assassino entrou no jardim depois
de montada a vigilância? — Brigitte continuava rindo
encantadoramente.
— Quê? — sobressaltou-se Johnny.
— Sorria, querido, sorria.
— Mas... mas...
— O assassino já sabia ontem à noite onde seria a
reunião. Acha você que ele não previu a vigilância que seria
montada hoje?
— Quer dizer... que esse assassino velo ontem... e que
desde então está escondido em algum lugar da vila?
— De preferência, no jardim. Até logo, queridos... Vou
dar as boas-vindas a Mr. YZ: tenho tanta vontade de
conhecê-lo!
E deixando os dois homens que sorriam crispadamente,
a mais perigosa espiã do mundo voltou a pé à entrada da
vila, olhando sorridente para ambos os lados da alameda.
Não viu nada, não viu ninguém, mas um arrepio percorreu-
lhe a espinha, ao pensar que naquele mesmo instante dois
olhos podiam estar fixos nela...
Mas não: não era ela a vítima, não era a peça a ser
abatida.
— Se me engano, nada terá servido de nada. Se o
assassino não veio ontem à noite, não virá mais... Não se
atreveria a entrar. Ou já está aqui, ou não virá.
Pensou também na possibilidade de que, em usar a
pistola que Roger Langdon lhe havia proporcionado junto
com as fotografias, o assassino utilizasse uma bomba,
lançando-a contra o carro em que Mr. YZ chegaria... Não.
Tampouco. Pois como poderia ele saber em que carro
chegaria Mr. YZ?
— Tem que ser diante da casa, quando ele sair do
carro... — continuou pensando. — Ao chegar, não quando
partir... Ao chegar, para que não fale com os representantes
desses países e para fazê-los crer que é uma jogada da CIA,
a qual teria inventado tudo isso dos seis pontos de paz para
impô-los astutamente, de modo que favorecessem os
Estados Unidos, utilizando como... pacificador do mundo
um infeliz desde o primeiro momento destinado ao
sacrifício. Sim: atirará quando vir sua vítima sair do carro...
Brigitte deteve-se em seco e o esforço que fez para não
se virar quase foi doloroso. A nova idéia deixou-a
paralisada, gelada: ao sair do carro? Como o assassino ia
disparar do jardim, estando de costas os homens que iriam
saindo dos carros para entrar na casa? Vendo-os pelas
costas, como poderia identificar sua presa? Tinha que vê-los
de frente, para que a luz desse em cheio nos rostos dos que
fossem chegando.. e pudesse reconhecer aquele que lhe
interessava...
Tinha que vê-los de frente, isto é, da própria casa.
Da porta, talvez? De uma janela? Talvez o esperasse no
interior, a despeito do que ela pensava, isto é, que o faria ao
ar livre para poder escapar mais depressa.
A conclusão só podia ser uma:
— O telhado... Santo Deus, o telhado!
Caminhou mais alguns passas e tomou a deter-se,
voltando lentamente para a casa. A luz da planta baixa fazia
com que, por contraste, o telhado ficasse quase invisível.
Mas não o bastante para que ela deixasse de ver que
formava diversos ângulos...
Podia mandar cercar a casa, já agora sem dissimulação,
mas um novo pensamento cruzou sua mente: aquele homem
ou mulher era um assassino profissional, cada bala que
disparasse tinha que dar no alvo. Por que arriscar a vida de
alguns agentes da CIA antes que estes pudessem caçá-lo...
vivo?
Continuou caminhando para o gradil que rodeava a vila
e, pouco depois, um dos agentes aparecia diante dela.
— Não sente frio? — perguntou ele. — Com um vestido
de noite tão decotado...
— Johnny, vá para o portão e fique à espera do nosso
diretor. Quando ele chegar, diga-lhe que não vá até a casa
antes de decorridos dez minutos a partir de agora. E se antes
chegarem outros convidados, entretenha-os durante esse
tempo, seja como for, antes que sigam até a casa. Entendeu?
— Não. Mas assim farei, ah-ah...
— De que está rindo? — surpreendeu-se Brigitte.
— Vou gostar bastante de dar uma ordem ao diretor da
CIA.
— Oh! Mas espero que você seja amável com ele.
Lembre-se que é mais difícil saber mandar que saber
obedecer.
— Pensarei sobre isso.
Ele regressou à casa e, novamente, ao chegar à porta,
Pitzer saiu ao seu encontro.
— Pode-se saber o que você anda fazendo?
— Tudo em ordem — disse ela, voz um tanto alta. —
Vamos tomar alguma coisa, enquanto esperamos os
convidados, tio Charlie.
Tomou-o pelo braço e quase o empurrou para dentro da
casa. Johnny-Floricultura estava no vestíbulo, olhando um
quadro. Virou-se e riu.
— Pode me explicar...? — começou Pitzer.
— Está no telhado — disse Brigitte. — Vocês o
examinaram?
— O telhado? — ele empalideceu. — Não...
— Ainda bem. Esse assassino teria eliminado alguns de
vocês... Vamos lá.
— Aonde?
— Ao telhado, homem. Entendo que conhece a casa,
não? Pois leve-me até o lugar por onde se possa subir ao
telhado.
— É no telhado que ele está? — exclamou Johnny.
— Creio que sim.
— Ótimo! Vamos caçá-lo como...!
— Não. Subirei sozinha. Vocês continuem se
comportando com naturalidade. Vamos, tio Charlie.
— Brigitte...
— Não me faça perder tempo, pois só dispomos de oito
minutos e quero evitar que esse homem dispare um tiro que
seja.
— Se está no telhado, podemos...
— Se está, eu o caçarei. E se está no jardim, ficará
alarmado vendo que o procuramos. Então, talvez perca o
controle e haja várias mortes.
— Mas você sozinha....
— Tio Charlie, você me enviou sozinha a todas as partes
do mundo. Que é que há? Teme que me aconteça algo num
telhado?
— Mas é uma loucura — murmurou Johnny. — Deixe-
me acompanhá-la.
— Vocês dois estão me irritando!
— Okay — assentiu Pitzer, muito pálido. — Venha.
Indicou a branca escada que conduzia ao andar superior.
De lá, por um corredor, chegaram à porta dos fundos, que
ele abriu, meteu a mão...
— Não acenda nenhuma luz — sussurrou Brigitte.
— Há uma escada bem à frente — sussurrou também
Pitzer. — No fim, o alçapão que dá acesso ao telhado.
— Ele range?
— Quem?
— O alçapão.
— Que sei eu! Não o tente abrir...
— Volte para baixo, tio Charlie. E que não lhe ocorra
concentrar os rapazes ao redor da casa, olhando para o
telhado. Não faça nada, entende? Nada!
Charles Pitzer engoliu em seco e com um gesto. Sacando
sua pistolinha de coronha de madrepérola, que, como de
hábito, trazia aderida à coxa esquerda por meio de uma tira
de esparadrapo cor de carne, Brigitte transpôs a porta,
fechou-a cuidadosamente e ficou imóvel. Segundos depois,
pôde distinguir a escada à sua frente. Tirou os sapatos e
começou a subir, até que sua cabeça entrou em contato com
o alçapão. Enfiou a pistola no decote e, tateando com ambas
as mãos, encontrou o ferrolho. Correu-o, tensa, temendo
fazer algum ruído, o que não aconteceu. Empurrou o
alçapão. Subiu mais um degrau, outro, outro. Sempre
empurrando o alçapão para cima. Por fim, saiu ao telhado e
tornou a baixá-lo.
Olhou a seu redor. Estava no fundo de uma das vertentes
do telhado. À direita e esquerda, a cobertura de telhas se
elevava em ângulos de 45º.
— Encontro-me nos fundos da casa — observou —, de
modo que tenho que percorrer todo o telhado para chegar à
frente, onde ele deve estar esperando.
Engatinhou vertente acima, apoiada nas mãos nos
joelhos. Não o podia fazer bem por causa do vestido de
noite, nada apropriado para semelhante façanha. Deteve-se
e o tirou, ficando de sutiã e calcinhas. Chegou ao ângulo
superior da vertente e assomou a cabeça, ao mesmo tempo
em que via as luzes de um carro que chegava e ouvia o,
motor. Olhando o mostrador luminoso de seu reloginho,
esteve a ponto de lançar uma exclamação: já se tinham
passado nove minutos! Olhou para a parte dianteira da casa,
mas tudo o que viu foi outro ângulo das vertentes.
Continuou a engatinhar. O motor de um carro
aproximando-se da casa. Não... Dois carros.
Já se haviam passado dez minutos e, portanto, os carros
avançariam até a casa à medida que fossem chegando.
Iniciou a subida da que imaginava fosse a última vertente.
Chegou em cima, esteve uns segundos tomando fôlego,
depois espiou... Não viu nada. Só o telhado e o contraste
entre a borda deste e o jardim. A lua, em quarto minguante,
estava trabalhando de bandida com ela... ou melhor, as
nuvens que a ocultavam. Empunhou a pistolinha enquanto
ouvia a chegada de outro carro, e espiou novamente, agora
durante mais tempo... Nada. Sentia-se tensa, nervosa.
— Deve estar vestido de preto — refletiu.
— E talvez oculto pela saliência de uma das chaminés.
O mais provável é que esteja deitado de bruços e, como
estão chegando os carros, deve olhar para baixo, pronto para
comprimir o gatilho. Mas não o vejo... Entretanto, tem que
estar aí!
Espiou mais uma vez, pistolinha pronta. Se pudesse,
evitaria que o assassino disparasse, mas não à custa de sua
própria vida, claro, pois a pessoa que podia morrer com os
disparo. dele não valia a pena...
Estava chegando outro carro e a luz de seus faróis
espalhava-se para cima como uma tênue névoa amarelenta,
que produzia mais sombras no telhado, em vez de dissipar
as já existentes. O carro se deteve, as luzes foram apagadas.
Durante dois ou três segundos, Brigitte permaneceu ainda
um pouco ofuscada. Depois, de súbito, vislumbrou aquela
forma estendida à borda do telhado. Começou a erguer-se,
levantando a pistolinha... e, naquele momento, chegou a
seus ouvido um som que jamais confundiria com nenhum
outro:
Plop.
Ao mesmo tempo ouvia-se um grito embaixo e um
clarão avermelhado iluminava a forma estendida, que se
moveu a toda pressa, levantou-se, virou-se...
— Não se mova! — gritou “Baby”. — Estamos...
O que aconteceu então deixou-a petrificada um instante:
lá, onde estava o assassino vestido de preto, brotou uma
labareda azul-pálido, muito intensa, espalhando uma
claridade parecida com a de um relâmpago, e soou um grito
de surpresa, de terror, de morte... enquanto o assassino era
lançado para trás, transformado num archote fulgurante.
Embaixo soaram gritos, exclamações... Estavam-se
acendendo luzes...
A atônita espiã internacional pôde finalmente reagir. E
foi para pensar:
— Sou mesmo uma estúpida: Langdon tinha razão...
Porque agora tinha que compreender a razão de seu riso
quando ela lhe dissera que o assassino lhes seria útil. Ele
sabia que jamais capturariam vivo aquele homem. Tinham-
lhe enviado uma pistola, certo, mas preparada para um só
tiro autentico. O resto da carga estava preparado para que,
ao segundo tiro, toda a pistola explodisse na mão do
assassino. E, a julgar pela terrível violência daquela
explosão, aquela carga devia conter napalm ou algo
parecido...
Roger Langdon tivera razão ao rir dela. Claro, já havia
pensado que também aquele assassino morreria por sua vez,
mas não lhe ocorrera que acontecesse ali mesmo, diante de
todos, quando o homem tivesse cumprido sua missão.. com
um só tiro, o qual tinham certeza de que ele não falharia. Se
escapasse depois do primeiro tiro, eles o matariam mais
tarde.
— Sou uma colossal estúpida! — tornou a dizer-se.
— “Baby”! — ouviu gritar atrás dela, na outra vertente
do telhado. — “Baby , você está bem?
— Estou bem, Johnny, não se preocupe — respondeu.
— Espere, vamos...!
Depois disto, um grito de sobressalto, o rolar de um
corpo pelo telhado, uma exclamação de dor... e finalmente
uma praga que ela identificou de imediato. Deslocou-se
com agilidade para aquele ponto, deixou-se escorregar pelas
telhas e chegou junto a Johnny-Floricultura, que estava
ajudando Pitzer a levantar-se no fundo (...) vertente.
— Que é isso, tio Charlie? Esquiando pelos telhados?
— Como você é mal-agradecida! — bufou Pitzer. —
Uma gata mal-agradecida!
— De acordo. Mas, como gata, sei caminhar pelos
telhados... Tem algum osso partido?
— E como diabo posso saber?
— Pergunto-me — Brigitte olhou para Johnny — por
que tem ele que se zangar Comigo.
— Deixe de dizer tolices — retrucou Pitzer — e ajude-
me a descer deste maldito lugar! E o que anda fazendo nua
por aqui, pode-se saber?
— Estou tomando sol — riu ela. — Será melhor que o
ajudemos a descer antes que se zangue de verdade, Johnny.
Vamos, tio Charlie, me dê a mão... Estou impaciente por
chegar lá embaixo para que me digam o que aconteceu.
Embaixo esperava-os uma notícia que parecia muito má:
o assassino, com efeito, tinha abatido sua peça com um só
tiro.

A Paz, Essa Invençao

Um após outro, foram chegando os detalhes à grande


sala onde devia celebrar-se a reunião. Uma reunião que já
não se celebraria, pois os convidados, ao ver a feição que
tomavam as coisas, tinham-se apressado a despedir-se... e
não exatamente com frases de cortesia. De modo que na
formosa mansão só restavam, além de seus habituais
ocupantes, o diretor da CIA e o pessoal desta organização,
que acompanhavam o convidado de honra, Mr. YZ, o qual
escutava também as explicações dos agentes, olhando com
curiosidade aquele artefato que um deles tinha colocado aos
pês de “Baby”.
— Estava no telhado — murmurou.
— E isso o que é? — perguntou Mr. YZ.
— Um brinquedo divertido... — sorriu a espiã. — Não é
verdade que parece uma simples mochila? Já usei uma coisa
destas por duas vezes. Veja estes tubos: contêm uma carga
de propulsão suficiente para por fora de nosso alcance
qualquer pessoa, em poucos segundos, voando com plena
autonomia. Quer dizer que o assassino estava munido deste
pequeno aparelho, que na CIA chamamos Jet, para que
escapasse. Mas, se não escapasse, também estava prevista
sua morte por meio da pistola preparada por um especialista
chamado Roger Langdon... que me xingou de estúpida com
toda razão. Jamais poderemos acusar ninguém diretamente,
pois os quatro personagens que intervieram nisto, não
poderão dizer. Três porque morreram. E o único que está
vivo, Kent Griffin, porque não sabe nada de nada... com
exceção do que nos disse, claro. Temos que admitir que os
militares, esta vez, fizeram tudo muito bem... Foi
conseguido algum resultado com o cadáver do assassino,
Johnny?
— Nada... — o agente moveu a cabeça. — A explosão o
destruiu por completo. Nem sequer será possível identificá-
lo.
— Tanto pior — suspirou “Baby”. — De qualquer
modo, continuem procurando alguma pista... coisa de que
duvido. Quanto ao senhor, Mr. YZ, quero fazer-lhe uma
proposta que espero tenha a cordura de aceitar.
— Creio que será uma proposta razoável — sorriu o...
inventor da paz.
— Sem dúvida. Já viu como estão as coisas, sabe o que
tramaram militares de todo o mundo, portanto não creio que
nos surpreendêssemos se voltassem a tentar.
— Parece provável — murmurou Mr. YZ.
— Eu lhe direi o que tem a fazer: esta mesma noite
tomará um avião para a Europa. Para Roma, exatamente. Irá
protegido, claro. Uma vez no aeroporto de Fiumicino, um
homem o abordará e dirá que tudo está resolvido. Esse
homem o levará a um lugar seguro, lhe dará tudo quanto
pedir, o apoiará em tudo. Durante um tempo, o manteremos
escondido, enquanto encaminhamos os seus seis pontos de
paz diretamente às Nações Unidas. Se conseguirmos que
sejam postos em prática, já não haverá necessidade de que
matem o senhor e poderá tornar a apresentar-se em público.
— E se não conseguirem?
— O senhor deverá continuar estudando, trabalhando
nesse... invento chamado paz. Eu o apoiarei e também meus
amigos... Até que o consigamos, deverá conformar-se com
uma vida bastante solitária. E não o quero enganar: parece-
me que será por muito tempo.
— Não me importo. Continuarei lutando por isso.
Brigitte Montfort sorriu crispadamente.
— Pois já somos dois... — murmurou. — Disposto a
tomar o avião?
— Quando quiserem. E esse homem que deverá me
esperar no aeroporto de Roma? Posso confiar plenamente
nele? Quem é?
— Chame-o Número Um. De início, ele lhe parecerá
carrancudo, mas não faça caso — sorriu. — Em poucos dias
o senhor o estimará profundamente. Bem, isso é tudo...
salvo se meu diretor tiver algo a acrescentar.
O diretor da CIA limitou-se a mover negativamente a
cabeça. Mas em seguida murmurou:
— Eu me encarregarei de colocá-lo no avião, Mr. YZ.
— Obrigado. Ah, outra coisa! — Mr. Parecia na verdade
desconcertado. — Entendi muito bem esse assassino era
infalível e que lhe proporcionarem fotografias minhas: não
compreendo como pode confundir-me com mister Ashbery.
— Não faço idéia... — Brigitte arqueou as
sombrancelhas. — A menos que alguém tivesse feito
umas fotos de Craig Ashbery, tivesse alcançado a tempo
Kent Griffin e trocado na caixa as fotos do senhor pelas
do nosso assessor militar. Isto é algo sobre que os futuros
traidores deverão meditar muito. Espero que aprendam a
lição. Boa viagem, Mr. YZ. Eu o visitarei em breve.
Na grande sala ficarem somente Brigitte, Pitzer e
Johnny-Floricultura, que comentou:
— Não há dúvida de que esses militares devem Ter
levado um bom susto com a morte de Ashbery. Gostaria de
saber o que pensarão. Terá o nosso assessor enviado suas
próprias fotografias para o assassinarem?
— Não creio — sorriu Brigitte.
— Então talvez pensem que há traidores entre eles
mesmos, que deverão pensar muito nas coisas antes de fazê-
las, que um não pode confiar no outro... Oh-oh, foi uma
estupenda lição, realmente!
— Seria interessante descobrir — disse Pitzer com
sossego — quem foi que trocou as fotografias.
Os dois ficaram olhando para Brigitte, que acendeu um
cigarro e estremeceu graciosamente.
— Brrr, que frio senti lá em cima! O que você disse, tio
Charlie?
— Nada... — sorriu Pitzer. — Ou melhor, disse alguma
coisa, mas era uma pergunta tola, pois conheço a resposta.
— Melhor então — “Baby” parecia a mais ingênua das
criaturas. — Já não precisa de mim, tio Charlie?
— Não, não.
— Nesse caso, retiro-me. Tenho que pensar no melhor
modo de prestar auxílio a Mr. YZ. Menos mal que alguém
trocou aquelas fotos, não? Mas já diz o velho adágio: espião
prevenido vale por dois... Ou será por dez, por cem?
— Depende — disse Johnny. — Alguns valem por mil...

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