De Genocidio A Mal Do Século - A Construção de Uma Memória Despolitizada Da Ais No Advento Do Neoliberalismo Estadunide
De Genocidio A Mal Do Século - A Construção de Uma Memória Despolitizada Da Ais No Advento Do Neoliberalismo Estadunide
PORTO ALEGRE
2024
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PORTO ALEGRE
2024
Rafaela Bello Fialho Cirne Lima
BANCA EXAMINADORA
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Antes de tudo, gostaria de agradecer às várias pessoas que, de tantas formas, tornaram
possível e, apesar das tragédias enfrentadas no percurso e do aterrador tema desta monografia,
agradável a minha jornada no curso de História e a seu último ato. Primeiramente, agradeço à
minha família, em especial aos meus pais e minhas avós, que desde que eu escrevia contos
mirabolantes de poucas páginas no Ensino Fundamental, sempre me encorajaram a seguir um
caminho permeado por leituras e palavras. Ao meu primeiro (e único) orientador de Iniciação
Científica na UFRGS, Fernando Nicolazzi, que, apesar de ter trabalhado comigo um tema
completamente alheio ao que aqui escrevi, introduziu-me ao caríssimo Luppa. À professora
Caroline Bauer, minha excelentíssima orientadora que aceitou me acompanhar nesta reta final
e me indicou boa parte da bibliografia teórica que tornou isto mais do que hipóteses e
argumentos desconexos. Aos dois maiores presentes que a UFRGS me deu; Luiza, minha
grande/pequena amiga e parceira de conversas absurdas tanto na faculdade quanto na praia
(ainda vamos escrever algo juntas), e Noam, meu parceiro de curso e de vida, que me faz
sorrir mesmo quando a situação é tão pavorosa que é difícil levantar qualquer músculo. Ao
lendário Paulinho, dono do mercado que me forneceu hidratação, sustância e energia a preço
justo durante meus dias no Campus do Vale. Aos meus queridíssimos amigos de outras
esferas da vida: Luísa, Carlos, Vinícius (os dois!), Vitor, Pedro, Juma, Mia, Mel, Cris, Adara,
Artur e Miguel. Sem vocês, eu nem sei como seria depois de todos esses anos. Por último,
mas não menos importante, agradeço ao meu querido e amado companheiro Alfredo (apesar
de ser ciumento e ter o hábito de desligar meu computador enquanto estou escrevendo), que
talvez seja o primeiro cachorro que também é drag queen. Muito, muitíssimo, infinita e
plenamente obrigada por tudo.
Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que
essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica
ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode
ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos,
nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em
que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria
morrer numa cidade feliz. [Albert Camus, A Peste]
RESUMO
Este trabalho visa analisar a construção da memória da AIDS nos Estados Unidos
entre 1981 e 1997, e como a racionalidade neoliberal foi impactando esse processo de forma
acelerada e crescente; a ideia da pandemia de HIV/AIDS como um genocídio perpetrado
contra (principalmente) a população gay dos EUA parece ter decaído no período observado.
Para tanto, foram examinadas duas peças de teatro: The Normal Heart (Larry Kramer, 1985) e
Rent (Jonathan Larson, 1993), que representam a crise da AIDS de formas bastante distintas.
Ao longo do desenvolvimento do texto, foram apontados elementos em ambos os roteiros que
ilustram a influência do neoliberalismo na forma como se enxerga o mundo em todas as suas
esferas — neste caso específico, a pandemia da AIDS e seus desdobramentos. Busca-se
mostrar, por meio da análise dessas produções literárias, como a crise da AIDS nos EUA
deixou de ser representada como consequência de ações deliberadas das autoridades para dar
lugar a uma ideia abstrata de tragédia sem perpetradores.
This work aims to analyze the construction of the memory of AIDS in the United
States between 1981 and 1997, and how neoliberal rationality impacted said process in a rapid
and crescent manner; the idea of the HIV/AIDS pandemic as a genocide committed against
(mainly) the USA’s gay male population seems to have decayed in the observed period. For
this purpose, two theater plays were examined: The Normal Heart (Larry Kramer, 1985) and
Rent (Jonathan Larson, 1993), which represent the AIDS crisis in very distinct ways.
Throughout the text’s development, elements that illustrate the influence of neoliberalism in
general worldview⸺in this specific case, the AIDS pandemic and its unfoldings⸺were
pointed out in both scripts. It is intended to show, through the analysis of the aforementioned
literary works, how the AIDS crisis in the USA stopped being represented as a consequence
of deliberate actions of the authorities to make room for an abstract idea of a tragedy without
perpetrators.
1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 10
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………... 63
REFERÊNCIAS…………………………………………………………… 66
10
1 INTRODUÇÃO
memória da AIDS.1 Portanto, a escolha do assunto justifica-se pela escassez de trabalhos que
o abordem em específico.
Além do ponto anterior, o contexto histórico-social atual pesou na decisão do tema.
Com a recente ascensão da extrema-direita e de suas teorias da conspiração, tem-se visto certo
retrocesso discursivo e em relação às políticas que garantem os direitos de várias minorias,
dentre elas a comunidade LGBTQ+, embora saibamos que a AIDS atinge pessoas de todos os
grupos sociais. Em diversos países, como Estados Unidos, Brasil e Inglaterra, grupos de
ativistas (geralmente influenciados por doutrinas neofascistas e/ou ultrarreligiosas) têm
pressionado as autoridades, por vezes com relativo sucesso, para que sejam cerceadas
liberdades há poucas décadas conquistadas. No ano de 2023, por exemplo, um deputado
brasileiro levou à Câmara um projeto de alteração na lei que proibiria o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, citando a Bíblia e referindo-se à remoção da homossexualidade do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), ocorrida em 1973, como “o
lamentável desfecho que se deu quando a militância político-ideológica se sobrepôs à ciência”
(LOURES, 2023). Discursos como esse, que têm ganhado popularidade nos últimos anos, não
apenas ignoram a laboriosa luta pelos direitos da comunidade LGBTQ+, mas também dão
espaço para que esses direitos sejam retirados.
O que talvez seja o mesmo moralismo conservador que levava boa parte do público
geral a enxergar a pandemia da AIDS como uma espécie de punição divina permeia hoje as
pautas da direita sob o guarda-chuva da “defesa da família”. Afinal, o discurso não muda
muito desde a década de 70, se formos observar seu tom, suas referências e seus detalhes. Se
observarmos, por exemplo, o discurso de membros da atual Bancada Evangélica, como o
deputado Pastor Eurico, que se utilizou da Bíblia e de afirmações sobre a suposta natureza
humana para argumentar contra a legalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, suas
alusões religiosas e pseudocientíficas em muito se assemelham à posição a respeito da AIDS
do conselheiro político do Partido Republicano, aliado próximo de Reagan, Pat Buchanan Jr.:
A Revolução sexual começou a devorar seus filhos. E dentre a vanguarda
revolucionária, os ativistas dos Direitos Gays, a taxa de mortalidade é a mais alta e
crescente. [...] Os pobres homossexuais—eles declararam guerra à natureza, e agora
1
Não fui capaz de encontrar muitos trabalhos que vão além de dados, reportagens e outros textos a respeito da
Colcha de Retalhos e de outras instituições e ONGs dedicadas à memória das vítimas da AIDS nos EUA. No
âmbito acadêmico, sobre a questão do recalcamento da percepção da AIDS como genocídio, surgiu apenas o
artigo de Steven Epstein, publicado em 1997 pela revista Social Identities, intitulado Specificities: AIDS Activism
and the Retreat from the 'Genocide' Frame..
12
2
Tradução própria do seguinte trecho em inglês: The sexual revolution has begun to devour its children. And
among the revolutionary vanguard, the Gay Rights activists, the mortality rate is highest and climbing. [...] The
poor homosexuals—they have declared war upon nature, and now nature is exacting an awful retribution.
13
3
Tradução própria do seguinte trecho em inglês: Unlike the highly contagious coronavirus which can travel
through aerosol droplets, HIV spread through direct contact with bodily fluids. AIDS proliferated among
intravenous drug users who shared needles, hemophiliacs who depended upon regular blood transfusions,
children born to infected mothers, and men who had sex with other men. In New York, like other affected cities,
the epicenter of the outbreak was within the stigmatized gay community. This made it easy for political leaders
to moralize and ignore the HIV/AIDS epidemic. President Ronald Reagan explicitly forbade Surgeon General C.
Everett Koop from publicly addressing AIDS, an order he finally broke in 1986. Dr. Donald C. Francis, an
epidemiologist from the Center for Disease Control (CDC) assigned to the AIDS epidemic, was instructed to
“look pretty and do as little as possible.”
Facing indifference from state officials and disavowal from homophobic segments of society, gay men in New
York City and their allies took it upon themselves to contain the spread and care for members of their
community.
[...] When staring down a frightening and unprecedented epidemic, gay New Yorkers and allies responded by
changing their daily behaviors and securing care for the most vulnerable members of their communities. Their
actions offer lessons for today: Healthy people can help curtail the virus’ spread. They can spread the word about
best practices for stopping transmission. And they can take care of the sick, the vulnerable, and anyone else who
needs the community’s support. (WIESNER, 2020)
14
4
Ao New York Times, dois meses antes de sua morte, Kramer novamente criticou o governo estadunidense e as
autoridades sanitárias pelas terríveis reações à AIDS, nos anos 80 e 90, e à COVID-19, em 2020 (LELAND,
2020).
15
A base teórica deste trabalho será composta de três “eixos” principais. O primeiro
deles se trata de literatura a respeito não necessariamente do conceito de neoliberalismo em si,
mas de sua capilar circulação por todas as esferas da vida, individual e coletiva, e de seu papel
estruturante na construção da memória. As principais obras selecionadas, com o auxílio da
orientadora, para embasar o segmento, foram o livro de Pierre Dardot e Christian Laval, A
nova razão do mundo (2016), Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution (2015),
de Wendy Brown, dois artigos publicados em 2020 por Cristian Cercel, intitulados Towards a
Disentanglement of the Links between the Memory Boom and the Neoliberal Turn e Whither
Politics, Whither Memory?, um trabalho de Enzo Traverso, De la memoria y su uso crítico
(2008) e outro de Isabel Piper-Shafir, La construcción del sujeto víctima. (2008). Também
serão bastante utilizados os artigos Sobre víctimas y vacíos; ideologías y reconciliaciones;
privatizaciones e impunidades (2011) e La privatización de la memoria en España y sus
consecuencias (2020), de Richard Vinyes. Estes dois últimos, apesar de tratarem
especificamente do caso da memória na Espanha, sobretudo a respeito do franquismo na
contemporaneidade, trazem importantes contribuições teóricas e processos comparáveis ao
tema aqui estudado.
A segunda parte teórica será estudada no campo da vitimologia, área sociológica
dedicada a analisar a construção da ideia da vítima. Embora The Ideal Victim (CHRISTIE,
1986), seu texto mais “emblemático”, que serviu de ponto de partida para a maior parte dos
estudos a respeito do assunto, trate da concepção da vítima enquanto indivíduo e de forma
relativamente limitada, serão utilizados, também, outros textos mais recentes. Em Being
‘ideal’ or falling short? The legitimacy of lesbian, gay, bisexual and/or transgender victims of
domestic violence and hate crime (BARNES; DONOVAN, 2018), as autoras observam a
dificuldade de se caracterizar pessoas LGBTQ+ como vítimas de violência, considerando o
impacto do conservadorismo e do moralismo na construção dessa ideia. Apesar de o artigo ser
sobre, em específico, violência doméstica e crimes de ódio, diversos pontos nele levantados
dialogam com o tema desta pesquisa. The Victimology Handbook (WALKLATE, 2017), em
alguns capítulos, eleva a ideia da “vítima ideal” e de seus desdobramentos à noção coletiva.
Constructing victims: Suffering and status in modern world order (BARNETT et. al., 2024)
analisa uma perspectiva internacional e interseccional do status da vítima, tanto individual
16
Essa “coerção muda” faz com que, de forma inconsciente para o coletivo, o sujeito
passe a ser capital humano. Rótulos que outrora definiam e delimitavam funções sociais e
dinâmicas de poder, explicitando à população as nuances da sua própria realidade, deixam de
fazer sentido. Tal processo é essencial para que a governamentalidade descrita pelos autores
opere de fato. Pois ao tornar o sujeito capital, o sistema transforma tudo ao seu redor em uma
questão de investimento; o que, por sua vez, faz com que limites outrora bem definidos
tornem-se abstratos e difusos. Enquanto outrora era esperado do Estado que prestasse
assistência a um sujeito desempregado, por exemplo, um exemplar de capital humano deveria,
seguindo a lógica do mercado, investir em si mesmo e tornar-se um “autônomo”, desprotegido
por leis trabalhistas e outras medidas que garantiriam pelo menos parte de sua dignidade. Em
Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution, Wendy Brown (2015) explica essa
lógica implantada ao longo dos anos e sua importância enquanto engrenagem da máquina
neoliberal:
A negação da estratificação e das disparidades de poder no campo de análise e ação
é uma característica crucial da racionalidade neoliberal, precisamente o fator que
apaga discursivamente as distinções entre capital e trabalho, proprietários e
produtores, senhorio e inquilino, rico e pobre. Há apenas capital, e se é humano,
corporativo, financeiro ou derivativo, se é minúsculo ou gigantesco, é irrelevante
tanto para sua conduta normativa quanto para seu direito de ser livre de interferência
(BROWN, 2015, p. 161).5
5
Tradução própria do trecho em inglês: This disavowal of stratification and power differentials in the field of
analysis and action is a crucial feature of neoliberal rationality, precisely the feature that discursively erases
distinctions between capital and labor, owners and producers, landlord and tenant, rich and poor. There is only
capital, and whether it is human, corporate, financial, or derivative, whether it is tiny or giant, is irrelevant to
both its normative conduct and its right to be free of interference. (BROWN, 2015, p. 161)
18
6
Tradução própria do trecho em inglês: [...] Devolution sends decision making and resource provision down the
pipeline of power and authority. Responsibilization, on the other hand, especially as a social policy, is the moral
burdening of the entity at the end of the pipeline. Responsibilization tasks the worker, student, consumer, or
indigent person with discerning and undertaking the correct strategies of self-investment and entrepreneurship
for thriving and surviving; it is in this regard a manifestation of human capitalization. As it discursively
denigrates dependency and practically negates collective provisioning for existence, responsibilization solicits
the individual as the only relevant and wholly accountable actor. [...]
[...] Through this bundling of agency and blame, the individual is doubly responsibilized: it is expected to fend
for itself (and blamed for its failure to thrive) and expected to act for the well-being of the economy (and blamed
19
for its failure to thrive). [...] Perhaps most importantly, even when they are not blamed, even when they have
comported properly with the norms of responsibilization, austerity measures taken in the name of
macroeconomic health may legitimately devastate their livelihoods or lives.
.
Thus, responsibilized individuals are required to provide for themselves in the context of powers and
contingencies radically limiting their ability to do so. But devolution and responsibilization also make
individuals expendable and unprotected. This turn in neoliberal political rationality signals more than the
dismantling of welfare-state logic or even that of the liberal social contract: once more, it expresses its precise
inversion (BROWN, 2015, p. 132-134).
20
quando a figura do perpetrador está ausente. A rápida “queda” da noção da AIDS como
genocídio não apenas afasta as vítimas do auto-reconhecimento enquanto cidadãs com direitos
fundamentais, mas impuniza aqueles que nada fizeram para combater a fatal propagação da
doença. Vinyes (2011) define a impunidade dos algozes como não apenas judicial, mas
também ética, cultural e na consciência coletiva. Se não houve qualquer reparação,
institucional ou não, e a ideia da pandemia da AIDS como genocídio parece ter sido relegada
ao discurso dos ativistas mais radicais do movimento LGBTQ+. e se as vítimas dessa situação
são até hoje culpabilizadas por discursos homofóbicos e sorofóbicos (BARBOSA FILHO;
VIEIRA, 2021), pode-se dizer que o grande resultado do horror vivido por aqueles atingidos
principalmente nas décadas de 1980 e 1990 foi nada além de impunidade para seus algozes.
Dentro desse cenário de perpetradores impunes, é difícil para que a violência dessa pandemia
se manifeste no consciente coletivo. E, se as vítimas de uma história moralizante de bem
versus mal são, até hoje, vistas como figuras maléficas e amorais por grande parte da
sociedade, esse processo toma ainda mais uma camada de complexidade.
indivíduos escanteados ao colocá-los num mesmo grupo. Isso lhes concede uma vida social
ativa, o que desmantela a sua imagem de sujeito fragilizado. Logo, enquanto não são
membros produtivos da sociedade, justamente por seu isolamento, mas receptores de
benefícios como estabilidade financeira, moradia e afeto, gerando revolta. Christie toma por
exemplo o arquétipo da bruxa, muito presente, já aponta o autor, em piadas e histórias
escabrosas de sogras megeras. Ou seja, se uma bruxa sofrer um assalto, o sentimento de pena
da comunidade se transformará em uma reação diferente. Por que uma senhora que colhe
benefícios, mas não está no rol de produtores desses benefícios, seria digna de qualquer
comoção e empatia? Qual o problema em se roubar de uma bruxa?
De maneira coletiva, podemos ver esse processo se manifestar de diversas formas.
Intersecções de gênero, classe, etnia e outros atravessamentos modificam o que pode ser
definido como a desejabilidade da vítima (CHRISTIE, 1986; BARNETT et. al., 2024). No
cenário da pandemia da AIDS nos Estados Unidos, que se deu majoritariamente durante a
administração do presidente Ronald Reagan, observamos uma situação similar àquela
hipotética proposta em The Ideal Victim. Um dos pioneiros do neoliberalismo, Reagan
também teve seu governo caracterizado por uma avassaladora onda de conservadorismo, que
pregava valores cristãos aos moldes do protestantismo norte-americano (ROSSINOW, 2015).
Portanto, considerando a lógica generalizada de concorrência e de modelo empresarial
estimulada pelas políticas econômicas e sociais do governo (DARDOT; LAVAL, 2016),
combinada à ascensão vertiginosa da moral reacionária, pode-se dizer que o “câncer gay”
(ROCHA; DIL, 2022) gerou pouquíssima empatia no grande público, cuja repulsa em relação
à unheimlich comunidade LGBTQ+, sobretudo os homens homossexuais, causava pânico
generalizado nos “cidadãos de bem”.
Não se pode deixar de fora da argumentação que outros grupos também
desproporcionalmente afetados, as pessoas negras e os imigrantes latinos (FINKELSTEIN,
2017; SNOWDEN, 2019), também não se encaixavam no protótipo WASP (sigla de White
Anglo-Saxon Protestant, expressão usada para denotar o grupo étnica e religiosamente
dominante nos EUA, os cristãos protestantes, brancos e de origem anglo-saxônica). As
vítimas da AIDS demoraram a serem vistas como vítimas, e não receptoras de alguma forma
de justiça divina. Se mesmo no século XXI há certa dificuldade de boa parte da população
em reconhecer a posição de vítima das pessoas LGBTQ+ (BARNES; DONOVAN, 2018), da
classe trabalhadora e das minorias étnico-raciais que sofrem diferentes tipos de violência
(WALKLATE, 2017; DUGGAR, 2018), a situação era ainda mais grave quatro décadas atrás.
A deliberada inação das autoridades sanitárias, orientadas a nada fazer a respeito da fatal
22
proliferação de uma doença pouco conhecida e, até então, sem tratamento (ROSSINOW,
2015; SNOWDEN, 2019; FINKELSTEIN, 2017; WIESNER, 2020), prova embasado o ponto
trazido por Christie (1986). O que dificulta ainda mais a popularização da ideia dessa situação
como um genocídio do povo gay, negro e latino (FINKELSTEIN, 2017). Mas, afinal, o que é
um genocídio?
7
Tradução própria do trecho em inglês: Coined by Hague (1997), hetero-nationality is a term in which
heteronormativity is applied to national group identities. While Hague (1997) used the term to reference mass
rapes in Bosnia-Herzegovina and how perpetrators rape and impregnate women/girls to assert their own
perceptions of power and sexual dominance, I believe the term could be expanded to understand how national
identities (or those who represent the government) are asserted in respect to the political ideology of
heterosexuality. As such, the assertion of hetero-nationalism could include the systematic government-imposed
oppression and the eventual genocidal deaths of those who do not conform to heteronormative ideologies (i.e.
LGBT+ identities). I use ‘heteronormativity’ here in respect to systematical and structural social adherence to
heterosexuality, gender conformity, and femininity while defining other sexualities as inferior (see Schilt and
Westbrook, 2009). Notably, active social prejudice or passive indifference is founded upon religious, statutory or
scientific focus on heterosexuality, and expected social norms (i.e. hetero-nationalist principles). [...] (PANTER,
2022, p. 69)
24
adotado pelos nazistas para a denominação dos homens homossexuais nos campos de
concentração durante o Terceiro Reich —, afirmam que tal comparação é insensível e
despolitizante para com a luta dos judeus. No entanto, vale ressaltar que Kramer, Finkelstein e
outros ativistas eram, além de gays, pessoas judias, o que dificilmente é levantado pelos
opositores da analogia. Isso, combinado à dificultante razão neoliberal, torna extremamente
disputada a “retratação” (em inglês, chamada de frame, palavra traduzida literalmente para
“moldura” por Epstein em 1997) da pandemia da AIDS como genocídio.
25
respectivas nações entre os anos 70 e 80 (por via democrática ou não), tornaram-se uma
espécie de “faces” do crescente movimento neoliberal. Margaret Thatcher, no Reino Unido,
Augusto Pinochet, no Chile, e Ronald Reagan, nos EUA, implantaram, em suas gestões,
políticas ultraliberais que seriam indissociáveis de outros aspectos fora do âmbito diretamente
econômico. Afinal, a governamentalidade neoliberal subordina todas as esferas da vida a si
própria (DARDOT; LAVAL, 2016). E é dentro dela que o sujeito, outrora transfigurado em
mão de obra, torna-se capital humano.
O processo da implantação do neoliberalismo, tanto como regime econômico quanto
como razão de mundo, deu-se nos EUA praticamente da exata forma descrita por Dardot e
Laval (2016); o desmonte das instituições ocorreu por meio delas próprias, com intervenções
estatais instaurando o anti-intervencionismo. A drástica redução de impostos sobre a renda,
privilegiando as camadas mais abastadas da sociedade americana, a diminuição exacerbada do
investimento em políticas de bem-estar social, como a educação e a saúde públicas, surgiu da
própria administração Reagan. O foco em enviar o dinheiro público às forças militares, sob a
justificativa da ainda corrente Guerra Fria, bem como o discurso conservador e individualista
do presidente, foram também fortes “destaques” de seu governo. E, dentre a maioria da
população, isso fez com que o republicano se tornasse relativamente bem quisto.
Reagan, evidentemente, não é o único responsável ou idealizador da neoliberalização
estadunidense. Ao contrário do que prega o discurso que aqui brevemente analisaremos para
fins de contexto, bem como a delegação da autoridade e a responsabilização individual
essenciais para a governamentalidade neoliberal (BROWN, 2015, p. 132-134), é impossível
que um fenômeno econômico, político e social seja realizado por um único sujeito8. No
entanto, seu discurso e seu programa de governo tornaram não apenas a sua administração,
mas a sua própria figura, elementos emblemáticos e simbólicos da ascensão do
neoliberalismo. Ronald Reagan acabou por se tornar, pelo menos nos EUA, a face da New
Right.
Estabelecida em diferentes “ondas” (MUDDE, 2019), a New Right (Nova Direita, em
tradução literal) foi efetivamente consolidada após o final da II Guerra Mundial. As
democracias liberais e as repúblicas socialistas, depois de uma breve aliança bélica contra a
Alemanha nazista, passaram a protagonizar a grande divisão política do momento. O
antifascismo que unira as duas facções dava lugar ao embate, que já existia antes da guerra,
8
Isso não quer dizer de forma alguma, no entanto, que o ex-presidente dos EUA não tenha sido um agente
perfeitamente consciente das medidas e não-medidas tomadas em relação não somente à pandemia da AIDS, mas
à inflamação do discurso que serviu para marginalizar ainda mais as suas vítimas.
28
9
A Alemanha e a Itália, com seus regimes derrotados ao final da IIGM, baniram ideais e movimentos
“neo-fascistas” (MUDDE, 2019, p. 11).
29
à Second New Right (Segunda Nova Direita), segundo os próprios conservadores, eram
democratas (WOLTERS, 2006. p. 624-625). Foi nesse cenário que surgiu a figura de Ronald
Reagan, ator transformado em governador da Califórnia pelo Partido Republicano e,
posteriormente, eleito duas vezes presidente da república. No verbete New Right,
contribuição de Raymond Wolters à enciclopédia conservadora organizada por Frohnen et. al.,
explica-se nas palavras dos próprios conservadores este fenômeno:
Esta nova nova direita era formada por conservadores sociais, muitos dos quais
haviam sido democratas no passado. Alguns se ressentiam a respeito de altos
impostos após recém terem atingido o status de classe média. Outros se opunham às
preferências raciais invertidas que haviam passado a caracterizar a esquerda liberal.
Outros, ainda, estavam insatisfeitos com suas tradicionais amarras democráticas
devido à preopcupação com o crime, o divórcio, a pornografia, e outras mudanças na
cultura.
10
Fenômeno estadunidense do transporte de crianças para escolas fora de seu bairro de residência com o
propósito de atingir um “equilíbrio racial” nas instituições de ensino.
11
Tradução própria do trecho em inglês: This new new right was made up of social conservatives, many of
whom had been Democrats in the past. Some resented high taxes after having only recently achieved
middle-class status. Others took exception to the reverse racial preferences that had come to characterize the
liberal left. Still others were disaffected from their traditional Democratic moorings because of concern about
crime, divorce, pornography, and other changes in the culture.
Ronald Reagan recognized the opportunity to build a Republican majority. In a 1977 speech to the American
Conservative Union, he explained that he wanted to maintain the support of the Republican base by continuing
to favor lower taxes and less government regulation of business. But he also wanted to use “the so-called social
issues—law and order, abortion, busing, [and] quota systems” to appeal to millions of other Americans “who
may never have thought of joining our party before.” His goal was “to combine the two major segments of
contemporary American conservatism into one politically effective whole.” (WOLTERS, 2006, p. 625)
30
12
Tradução própria do trecho em inglês: Ironically, Reagan had spent the first half of his life as a New Deal
Democrat. While his politics had started shifting to the right by the 1950s, it took decades for him to develop the
blend of policies, ideology, and rhetoric that led him to that rickety stage in 1980. The tumultuous politics of the
Cold War era transformed his politics, which were shaped first by the anxious anticommunism of the 1950s, then
the domestic unrest of the 1960s, and finally the economic woes of the 1970s. Each decade left its imprint on
Reagan, fashioning his politics into a distinct form of Cold War conservatism, something that commentators
came to call Reaganism. [...]
If it simply referred to his ideology and policy preferences, Reaganism would be synonymous with conservatism.
After all, Reagan’s conservatism was not unique. It was the same blend of ideologies that movement
conservatives had woven together over the previous decades: small-government libertarianism, social
conservatism, and muscular anticommunism. Conservative activists never really found a way to resolve all the
contradictions in their creed—small government, except when it came to the military or Red-hunting at home;
social conservatism, except when libertarians wanted to be left alone; muscular anticommunism, except when it
required foreign aid or higher taxes. So it should be no surprise that Reaganism was full of contradictions as
well, and rhetoric and reality parted ways plenty of times.
Still, there was a definable Reaganism, one formed when Cold War conservatism was filtered through Reagan’s
personality, rhetoric, and experiences. Those were not superficial influences but decisive ones. For decades,
movement conservatism had been intractably linked with Arizona senator Barry Goldwater, far-right groups like
the conspiratorial John Birch Society, and frothing segregationists unable to come to terms with the success of
the civil rights movement. Many Americans saw it as dour, hateful, and nutty. And while some Americans
certainly saw Reagan as embodying all three of those traits, he persuaded a hefty majority of voters that he was
something different. (HEMMER, 2022, p. 22-23)
31
13
Em termos de políticas de assistência social referentes a saúde, educação, trabalho, etc.. Não havia medidas
concretas para, por exemplo, proteger a comunidade LGBTQ+ de preconceito e crimes de ódio; se hoje em dia
estas são majoritariamente regionalizadas, relativas e baseadas quase que por inteiro em precedentes jurídicos, na
Era Reagan eram inexistentes.
32
“produtivos” da sociedade americana. Até, é claro, que esse grupo demográfico também fosse
visivelmente afetado.
14
Apesar de Robert Gallo, pesquisador do NCI, ter anunciado que “descobrira” o vírus em 1984, funcionários do
CDC vazaram à imprensa a informação de que, na verdade, seu isolamento havia ocorrido primeiramente na
França, realizado pelo Institut Pasteur. Gallo tentou ao máximo, ao longo dos anos, restringir e boicotar a
colaboração internacional pois não queria que os franceses recebessem o crédito pelo trabalho, o que causou uma
série de conflitos e atrasos nas pesquisas conduzidas nos EUA (SHILTS, 1987, p. 350-420)
33
precisamos enfrentar este fogo bem cedo.” A realidade foi que isso foi o que nós no
CDC recomendamos, e isso nos foi ordenado a não acontecer pelas autoridades
superiores e pelo governo dos Estados Unidos. [...] então nós tínhamos um monte de
informações. Tínhamos testes de laboratório. Vimos como o vírus havia ocorrido,
como ele era transmitido. Então, voltei-me à direção do alto escalão do CDC para
fazermos um plano de prevenção. Acho que o chamamos de Operação Controle da
AIDS, e aquele plano era terrivelmente caro -- era US$ 30 ou 40 milhões por ano a
nível federal e mais a níveis locais, estaduais e locais. Iríamos lançar programas para
testagem, aconselhamento e educação sobre HIV/AIDS. O programa foi passado a
limpo em várias páginas por mim, e várias páginas do documento foram para o
diretor do CDC… Foi a Washington, e a palavra que recebemos de volta de
Washington, até onde me lembro, foi algo como “Não, nós não vamos financiar isto,
e queremos que vocês pareçam bonitinhos e façam o mínimo possível.” [...] isso
estabeleceu um precedente para que outros governadores conservadores de alto
escalão e outras figuras similares a dizer: “Bem, as maiores autoridades da Casa
Branca não acham necessariamente que tenhamos de investir dinheiro no
HIV/AIDS; então por que deveríamos? E também é constrangedor falar sobre sexo e
compartilhamento de agulhas e agulhas e educação escolar a respeito de abstinência
e sexo e escolhas, etc., e eu não gosto disso, de qualquer jeito. E visto que Ronald
Reagan não gostou, eu também não vou fazer coisa alguma.” (FRANCIS, 2004)15
15
Tradução própria do seguinte trecho em inglês: The important part about dealing with epidemics is to deal
with them early. Just like the fire department would really rather come into a building when there was smoke
coming out of one window instead of when there are flames coming out of every window, because it's a lot easier
to control the fire early on, it's much easier to control an epidemic early on. The first sight of AIDS, with the
incredible dangers that it obviously posed in terms of mortality, should have said, "We have to take this fire on
very early." The reality was that's what we at CDC recommended, and that was actually told to us not to happen
by the higher authorities and the United States government. [...] then we had a lot of information. We had
laboratory tests. We saw how far the virus had gone, how it was transmitted. It was all very clear by that time.
Then I shifted at the direction of the higher levels of CDC to make a plan of prevention. I think we called it
Operation AIDS Control, and that plan was terribly expensive -- it was $30 [million], $40 million per year at the
federal level and more at local levels, state and local. We would launch programs for testing and counseling and
education for HIV/AIDS. That program was outlined in several pages by me, and several pages [of the]
document went to the director of CDC. ... It went to Washington, and the word that we got back from
Washington, as best as I can recall, was something like, “No, we're not going to fund it, and we want you to look
pretty and do as little as you can.” [...] it set a precedent for other conservative, high-level governors and the like
to say: “Well, the highest levels of the White House don't necessarily think we should put money into
HIV/AIDS; then why should we? And it's also embarrassing to talk about sex and needle exchange and needles
and school education about abstinence and sex and choices, etc., and I don't like that anyway. And since Ronald
Reagan didn't like it, then I'm not going to do anything either.” (FRANCIS, 2004)
35
reconhecimento público e sua divulgação por canais oficiais até 1986 (FRANCIS, 2004;
SHILTS, 1987; KRAMER, 1989; ROSSINOW, 2015; SNOWDEN, 2019) seria, na melhor e
mais ingênua das hipóteses, um crime grave de responsabilidade. Na pior e
compreensivelmente defendida por grupos radicais como a ACT UP, o governo Reagan teria
submetido intencionalmente o grupo a condições de vida destinadas a causar a sua
destruição física, no todo ou em parte (ONU, 2024).
Reagan orientou C. Everett-Koop, então cirurgião-geral dos EUA, a escrever um
relatório a respeito da crise da AIDS somente em fevereiro de 1986. Segundo os C.
Everett-Koop Papers, documentos localizados na National Library of Medicine,
Everett-Koop, cristão conservador popular entre os republicanos, após encontrar-se com
diversas associações e organizações não-governamentais dedicadas ao enfrentamento da
pandemia, incluindo aquelas formadas pelos LGBTQ+, o médico reconheceu publicamente a
necessidade da educação sexual nas escolas para a prevenção do contágio. O presidente da
república ainda se recusava a, de fato, falar sobre a doença publicamente, restringindo-se a
breves e rasas menções quando muito pressionado pela imprensa. No entanto, a essa altura, os
casos de AIDS no país já chegavam às centenas de milhares. O governo agiu,
propositalmente, tarde demais (ROSSINOW, 2015; SNOWDEN, 2019). Quando Ronald
Reagan finalmente realizou um discurso a respeito da pandemia da AIDS e da ameaça que
esta representava à saúde da população, no dia 1º de abril de 1987, 36.058 cidadãos
estadunidenses haviam sido diagnosticados com a doença no total. Destes, 20.849 estavam
mortos (SHILTS, 1987, p. 596).
Dentre os ativistas e os cientistas da linha de frente, especialmente aqueles envolvidos
em organizações não-governamentais, o discurso de Reagan causou revolta. Não houve
menção às vítimas fatais que haviam dedicado suas vidas, até seu doloroso final, ao combate à
pandemia enquanto o governo se omitia. Em momento algum, Reagan falou a palavra gay,
enfurecendo desde as alas mais radicais das ONGs, como Larry Kramer e a ACT UP, até os
médicos e aliados mais moderados do movimento (SHILTS, 1987, p. 596). Afinal, mesmo
após anos de deliberada negligência, Ronald Reagan não tinha um plano para realmente
conter o avanço do HIV.
Nos vinte minutos seguintes, o presidente trouxe à tona sua visão sobre a AIDS.
Houve pouca conversa sobre educação e muita conversa sobre testagem. Não houve
menção, entretanto, a garantias de confidencialidade ou direitos civis de proteção
àqueles que testassem positivo. O programa de Reagan, é claro, faria quase nada
para de fato parar a propagação da AIDS. Por mais que testar heterossexuais em
cartórios criasse a ilusão de ação, pouquíssimas daquelas pessoas estavam infectadas
com o vírus e pouquíssimas vidas seriam salvas. Mas salvar vidas nunca fora uma
prioridade para a administração Reagan. O discurso de Reagan não tinha a intenção
36
de servir à saúde pública; era uma solução política para um problema político. As
palavras criavam uma posição que era politicamente confortável para o presidente e
seus adeptos; era também uma posição que matava pessoas. Alguns já diziam que
Ronald Reagan seria lembrado nos livros de história por uma coisa acima de todas
as outras: Ele fora o homem que deixara a AIDS devastar a América, o líder do
governo que, quando desafiado à ação, colocara politicagem acima da saúde do povo
americano (SHILTS, 1987, p. 595).16
16
Tradução própria do trecho em inglês: In the next twenty minutes, the president laid out his views on AIDS.
There was little talk of education and a lot of talk about testing. There was no mention, however, of
confidentiality guarantees or civil rights protection for those who tested positive. Reagan’s program, of course,
would do very little to actually stop the spread of AIDS. Though testing heterosexuals at marriage license
bureaus created the illusion of action, very few of those people were infected with the virus and very few lives
would be saved. But then saving lives had never been a priority of the Reagan administration. Reagan’s speech
was not meant to serve the public health; it was a political solution to a political problem. The words created a
stance that was politically comfortable for the president and his adherents; it was also a stance that killed people.
Already, some said that Ronald Reagan would be remembered in history books for one thing beyond all else: He
was the man who had let AIDS rage through America, the leader of the government that when challenged to
action had placed politics above the health of the American people (SHILTS, 1987, p. 595).
37
nome irá aparecer nos créditos da pesquisa, referindo-se aos pesquisadores do Pasteur como
“seus amigos fora do país” (GALLO, 1984). O tom de Gallo, na carta, pode ser lido como
competitivo e as disputas entre ele e Luc Montagnier ao longo dos anos são relativamente
conhecidas pelo público (SHILTS, 1987). Esse individualismo exacerbado é sintomático do
princípio da lógica competitiva de mercado já inconscientemente presente na razão neoliberal
(DARDOT; LAVAL, 2016). Mesmo que não possamos saber exatamente as motivações e
ideais de Gallo, sua postura diante da possibilidade de não ser individualmente reconhecido,
enquanto milhares de pessoas morriam, encaixa-se nos padrões descritos por Dardot e Laval
(2016) e Brown (2015).
Além do pouco alarde na imprensa, da competitividade individual e da negligência
deliberada do governo, outro agente foi fundamental no agravamento da crise da AIDS.
Depois de forte pressão de grupos ativistas, finalmente surgiu um tratamento “oficial”. Em
1987, apesar de outras opções terem sido apresentadas, a Food And Drug Administration
(FDA) aprovou o uso da zidovudina ou azidotimidina (AZT), e de dois tratamentos similares,
como antirretrovirais para o tratamento do HIV/AIDS. É interessante ressaltar que a AZT já
era uma droga conhecida, porém não utilizada. Apesar de ter sido desenvolvida como forma
de quimioterapia, não era tão eficaz contra o câncer, além de necessitar de uma produção
caríssima e bastante tóxica. No entanto, era produzida pela então chamada Burroughs
Wellcome, grande empresa da indústria farmacêutica cujo lobby se estendia às autoridades
sanitárias dos EUA (MARSA, 1993). Surgiu, de forma efêmera, um clima de esperança entre
a população afetada. Porém, não demorou para que maiores problemas passassem a se
manifestar. O altíssimo custo de produção da AZT levou companhias especializadas na
produção de medicamentos genéricos a entrar na justiça em busca de uma quebra de patente.
Estas alegavam que, se a Burroughs vendia o medicamento por US$ 3000, poderiam fazê-lo
por metade do preço. O pedido foi ignorado em 1992 e reavaliado em 1996, quando a
Suprema Corte dos EUA decidiu a favor da Burroughs, apesar desta não ter testado a AZT
contra o HIV, e a empresa manteve sua patente até 2005 (GREENHOUSE, 1996).
A baixa efetividade, os efeitos colaterais severos, visto que tratava-se de uma
quimioterapia, e a pouca acessibilidade da AZT rapidamente levaram os ativistas à revolta
outra vez, reivindicando seu direito a um tratamento de qualidade (MARSA, 1993). Outros
antirretrovirais passaram a ser testados e aprovados ao longo da década de 90, mas a
insistência em uma droga cara, tóxica e ineficaz foi mais um atraso no enfrentamento da
pandemia da AIDS. Abaixo, um pôster da ACT UP protestando o protagonismo da AZT e
questionando a legitimidade dos motivos para este.
38
FIGURA 1
“Enjoy AZT” (Aproveite a AZT) Pôster da ACT UP convocando pessoas para manifestação na sede dos
National Health Institutes. (FONTE: ACT UP, 1991)
Na imagem, vemos uma escolha deliberada de design. A frase “Enjoy AZT”, a paleta
de cores, a linha ondulada no centro e a fonte escolhida são referências escancaradas à
Coca-Cola, gigante da indústria alimentícia emblemática em relação à ganância corporativa.
Abaixo do slogan, um parágrafo diz o seguinte:
O governo dos EUA gastou um bilhão de dólares nos últimos 10 anos para pesquisar
novas drogas para a AIDS. O resultado, 1 droga--AZT. Ela deixa metade das pessoas
que a experimentam doentes e, para a outra metade, para de funcionar depois de um
ano. A AZT é a última e melhor esperança para as pessoas com AIDS, ou é um
atalho para o massacre que a Burroughs Wellcome está fazendo no mercado da
AIDS? Montes de drogas definham em dutos do governo, enquanto fortunas são
feitas nesse monopólio. (ACT UP, 1991)17
Por mais que houvesse, então, finalmente uma possibilidade de tratamento para os
pacientes infectados com o HIV, organizações como a ACT UP não deixaram de lutar. Nos
17
Tradução própria do texto em inglês: The U.S. government has spent one billion dollars over the past 10 years
to research new AIDS drugs. The result, 1 drug--AZT. It makes half the people who try it sick and for the other
half it stops working after a year. Is AZT the last, best hope for people with AIDS, or is it a short-cut to the
killing Burroughs Wellcome is making in the AIDS marketplace? Scores of drugs languish in government
pipelines, while fortunes are made on this monopoly. (ACT UP, 1991)
39
anos seguintes, mais milhares de pessoas morreriam por conta de complicações oriundas da
AIDS, e um remédio caro, pouco efetivo e extremamente debilitante estava longe de ser a
solução. A priorização da manutenção de uma patente, seguindo uma exacerbada lógica
mercadológica, em detrimento das vidas de milhares de pessoas que passaram a ter sua saúde
tratada como capital (BROWN, 2015), também foi agente causador dos horrores enfrentados
pelas vítimas da AIDS.
Tendo tudo isso em vista, partimos, então, para uma possível ilustração de como esses
fatos foram observados, e posteriormente, em grande parte, recalcados pela memória coletiva.
Como diferentes representações de um evento histórico não apenas recente, mas do tempo
presente, podem refletir as mudanças na razão de mundo (DARDOT; LAVAL, 2016) em um
intervalo relativamente curto? Primeiramente, voltemos ao ano de 1981.
4 A AIDS E SUA MEMÓRIA NOS PALCOS: THE NORMAL HEART VS. RENT.
40
A análise das peças The Normal Heart (KRAMER, 1985) e Rent (LARSON, 1997),
neste caso, dá-se fundamentalmente em função do contexto em que foram escritas e
inicialmente apresentadas. Kramer, líder da ACT UP e ferrenho opositor não apenas do
governo Reagan, mas também da assimilação da comunidade gay às diretrizes
heteronormativas e cristãs, publicou sua obra no auge da luta e da resistência à pandemia da
AIDS. Larson, (publicamente posicionado como) heterossexual e já mais desconectado do
ativismo de vanguarda, trouxe Rent aos palcos da costa leste dos Estados Unidos na década
seguinte, quando a ideia de genocídio já estava em desgaste diante da chegada de alguns
grupos LGBTQ+ às discussões oficiais de políticas de saúde pública (EPSTEIN, 1997).
Ambas as peças se passam durante a pandemia da AIDS nos Estados Unidos, mas a diferença
da racionalidade coletiva de uma década para a outra já modifica a forma como a situação é
retratada. Como afirma Borges (2014), a literatura “apresenta-se como uma configuração
poética do real, que também agrega o imaginado, impondo-se como uma categoria de fonte
especial para a história cultural de uma sociedade”. Ou seja, a representação literária da
história, além de buscar, de alguma maneira, retratá-la, traz sintomas socioculturais da época
em que é realizada.
Neste capítulo, iremos observar como, apesar das evidentes semelhanças — a temática
da crise da AIDS nos Estados Unidos, o “protagonismo” LGBTQ+ e os elementos
autobiográficos, sendo eles explícitos e diretos ou sutis e muitas vezes emprestados de amigos
e colegas estão presentes nas duas obras — The Normal Heart e Rent, em sua essência, são
peças completamente diferentes. Além do formato, visto que apenas uma delas é um musical,
o contexto a motivação da escrita de cada uma delas, bem como as biografias de seus autores,
tornam-as quase antagônicas nas suas representações. Enquanto Larry Kramer traz uma
perspectiva de medo e raiva diante de um problema coletivo, Jonathan Larson se utiliza do
cenário para trazer uma mensagem de esperança e empoderamento pessoal. Será analisado,
nas próximas páginas, como a comparação entre uma obra que retrata uma angústia coletiva e
outra que prega a autenticidade individual ilustra, por meio da dramaturgia produzida entre as
décadas de 80 e 90, a velozmente vertiginosa disseminação da razão neoliberal e as suas
consequências para a construção da memória da AIDS, especialmente nos Estados Unidos.
41
18
Título retirado do texto de Micahel Specter, Larry Kramer, public nuisance, escrito para a revista The New
Yorker em 2002.
42
fundaram a Gay Men’s Health Crisis (GMHC), organização sem fins lucrativos dedicada a
enfrentar a pandemia da AIDS, escolhendo Paul Popham como seu presidente (SHILTS, p.
120). Oferecendo serviços como uma linha direta de auxílio e apoio comunitário, a GMHC
rapidamente se tornou referência no combate à doença. Apesar de a organização perdurar até
os dias de hoje, a jornada de Larry Kramer em seu elenco foi curta. Enquanto ele era adepto a
ações mais diretas que batiam de frente tanto com as autoridades quanto com a própria
comunidade gay, como confrontar abertamente o prefeito de Nova York sobre sua negligência,
condenar a inércia dos National Health Institutes, insistir na abstinência sexual como
profilaxia mais eficaz enquanto se tinha pouca informação e apoiar o fechamento de saunas, a
diretoria da GMHC possuía tendências mais assimilacionistas, buscando apoio com
negociações, conciliações e pacíficos eventos de caridade. Em 1983, após sucessivos conflitos
com Popham e outros em relação à sua abordagem, Kramer viu-se sem escolha a não ser sair
da diretoria da GMHC (SHILTS, p. 210).
Frustrado e excluído das grandes decisões da organização da qual ele próprio fora
cofundador, Kramer passou alguns meses na Europa em meados daquele ano. No entanto, a
viagem sem data para retorno foi abruptamente interrompida quando, durante um período em
Munique, ele leu as datas escritas na entrada de Dachau; o campo de concentração havia sido
estabelecido em 1933, seis anos antes do início da II Guerra Mundial e oito antes da entrada
dos EUA no conflito. Uma profunda fúria tomou conta de Larry Kramer, que não conseguia
aceitar que o resto do mundo não havia feito coisa alguma para impedir tamanha brutalidade:
onde estavam todos naqueles anos? Kramer lembrou-se do estado da crise da AIDS na sua
terra natal, pegou um avião de volta e começou, imediatamente, a trabalhar em uma peça
(SHILTS, 1987, p. 385).
Kramer, em seu retorno aos EUA, passou a dividir o tempo entre a elaboração de The
Normal Heart, cujo título referencia um poema que W. H. Auden escreveu logo após a invasão
alemã à Polônia em 1939 (AUDEN, 1939)19, e o ativismo, mesmo excluído da diretoria da
GMHC. Os ensaios se deram no início de 1985 e a peça estreou no dia 21 de abril do mesmo
ano, no Public Theater em Nova York. Apesar da reputação belicosa de Kramer, a imprensa e
a audiência geral consideraram sua peça um excelente drama político (SHILTS, 1987, p. 555).
No entanto, mesmo tendo provocado uma reação emocionada e politicamente impactada da
plateia, o autor ficou insatisfeito com a recepção, que foi mais impactada com o preconceito
19
É interessante observar que, além da peça, o poema de Auden intitulou também a biografia de Larry Kramer,
We must love one another or die, organizada pelo médico e amigo de longa data do escritor, Lawrence D. Mass,
publicada em 1997.
43
abordado no roteiro do que com a necessidade de mudanças radicais nas medidas para a
contenção de uma pandemia que ainda tirava, e tiraria, muitas vidas (p. 556). Para ele, a
explícita mensagem de alerta havia sido sufocada em meio aos assuntos mais abstratos da
trama:
[...] Até onde Kramer se preocupava, a AIDS não era a fúria de Deus mas a fúria dos
heterossexuais. Os heterossexuais haviam decretado que os gays não podiam se casar
ou mesmo viver juntos em qualquer forma de abertura sem arriscar ignomínia. O
movimento gay, na visão de Kramer, havia conspirado com os héteros ao se tornar
uma causa de libertação sexual, em vez de libertação humana. Como o alter ego de
Kramer na peça, Ned Weeks, disse, “Por que vocês não lutaram pelo direito de nos
casarmos em vez do direito de legalizar a promiscuidade?” A peça terminou com
Weeks se casando com seu amante em uma cama de hospital, momentos antes de o
amante sucumbir à AIDS.
20
Tradução própria do trecho em inglês: [...] As far as Kramer was concerned, AIDS was not the wrath of God
but the wrath of heterosexuals. Heterosexuals had decreed that gays could not legally marry or even live together
in any semblance of opennes without risking ignominy. The gay movement, in Kramer’s view, had colluded with
straights by becoming a cause of sexual liberation, rather than human liberation. As Kramer’s alter ego in the
play, Ned Weeks, said, “Why didn’t you guys fight for the right to get married instead of the right to legitimize
promiscuity?” The play ended with Weeks marrying his lover in a hospital bed, moments before the lover
succumbed to AIDS.
As for GMHC, Kramer decried the group as a bunch of “Florence Nightingales” who had turned away from
pressuring the government for their share of research funds and services in favor of the melodrama of deathbed
scenes. “I thought I was starting a bunch of Ralph Naders or Green Berets,” fumed Weeks in Act II, “and at the
first instant they have to take a stand on a political issue and fight, almost in front of my eyes they turn into a
bunch of nurse’s aides.” (SHILTS, 1987, p. 556)
44
consistindo de ações como um grupo se fingindo de morto em frente à sede da FDA e outro
jogando as cinzas de seus amigos que sucumbiram à AIDS no gramado da Casa Branca.
Havia, também, o segmento do “Clube da Ciência” (Science Club), que juntava pesquisadores
de diversas áreas para reunir e discutir conhecimentos médicos e consequentemente ir atrás de
mudanças concretas no sistema de saúde (STRANGE, 2022, p. 5). A divisão de artistas da
ACT UP, autointitulada Gran Fury, era composta por figuras como Avram Finklestein e Keith
Haring e foi responsável por popularizar o movimento Silence=Death, simbolizado pelo
cartaz preto com o slogan e o triângulo cor-de-rosa com o qual os nazistas rotularam os
homens homossexuais nos campos de concentração.
FIGURA 2
O icônico pôster, cujo slogan e cuja mensagem perduram até os dias de hoje,
principalmente entre os ativistas da ACT UP, tem um design simples, com um pequeno
parágrafo escrito abaixo da mensagem principal que critica não apenas Reagan, mas também
as grandes autoridades sanitárias e religiosas:
45
SILÊNCIO=MORTE: Por que Reagan está em silêncio sobre a AIDS? O que está
acontecendo no Center for Disease Control, na Federal Drug Administration, e no
Vaticano? Gays e lésbicas não são dispensáveis… Use o seu poder… Vote…
Boicote… Defendam-se… Transformem raiva, medo, luto em ação. (ACT UP,
1987)21
Apesar do protagonismo dos homens gays brancos na organização, não era apenas
com eles próprios a sua preocupação. Sabendo que, além deles, estavam sendo afetadas
mulheres, imigrantes latinos, pessoas negras, pessoas em situação de rua e usuários de drogas
intravenosas, seus direitos também se tornaram parte dos debates e dos protestos. Os dois
pôsteres abaixo são uma ilustração dessa inclusão.
FIGURA 3
21
Tradução própria do inglês: SILENCE=DEATH: Why is Reagan silent about AIDS? What is really going on at
the Center for Disease Control, the Federal Drug Administration, and the Vatican? Gays and lesbians are not
expendable… Use your power… Vote… Boycott… Defend yourselves… Turn anger, fear, grief into action.
(ACT UP, 1987)
46
FIGURA 4
“DEAD WOMEN CAN’T VOTE: CURE AIDS” (Mulheres mortas não podem votas: curem a AIDS) Pôster da
ACT UP exigindo uma cura para a AIDS e evitar mais mortes de eleitoras. (Fonte: ACT UP, 1992-1995)
O primeiro pôster (Figura 3), de 1987, faz um jogo de palavras para comparar a
deliberada inércia da administração Reagan ao Watergate, escândalo político que levou à
desgraça do então presidente Richard Nixon na década de 70. Atrás da palavra AIDSGATE, o
rosto de Ronald Reagan aparece com os olhos cobertos por um rosa neon que lhe dá um ar
sobrenatural. Abaixo, um parágrafo indica a indignação dos ativistas e chama abertamente
Reagan de genocida:
Este Escândalo Possível Deve ser Investigado! 54% das pessoas com AIDS em
NYC são Negras ou Hispânicas… A AIDS é a assassina No.1 de mulheres de idades
entre 24 e 29 anos em NYC… Até 1991, mais pessoas terão morrido de AIDS do
que em toda a Guerra do Vietnã… Qual a verdadeira política de Reagan em relação
à AIDS? Genocídio de todos os Não-Brancos, Não-homens e Não-heterossexuais?...
SILÊNCIO = MORTE. (SILENCE=DEATH, 1987)22
22
Tradução própria do inglês: "This Political Scandal Must be Investigated! 54% of people with AIDS in NYC
are Black or Hispanic… AIDS is the No. 1 killer of women between the ages of 24 and 29 in NYC… By 1991,
more people will have died of AIDS than in the entire Vietnam War…What is Reagan’s real policy on AIDS?
Genocide of all Non-Whites, Non-males and Non-heterosexuals?… SILENCE = DEATH." (SILENCE=DEATH,
1987)
47
pelas grandes corporações farmacêuticas. O próprio Larry Kramer, até o final de sua vida,
jamais deixou de lutar por uma cura.23 Em outubro de 2019, durante um evento do Partido
Democrata organizado pela CNN, Kramer enviou a seguinte demanda ao então pré-candidato
à presidência Joe Biden:
A AIDS é o presente que continua rendendo à Big Pharma e à indústria de seguros.
Truvada e tratamentos profiláticos similares NÃO são uma cura para o HIV. As
companhias farmacêuticas lucram irracionalmente em cima de americanos
HIV-positivos que dependem das medicações para sempre. Como presidente, como
você financiaria uma CURA e conteria a avareza de companhias farmacêuticas?
(KRAMER, 2019)24
Larry Kramer sofreu com diversos problemas de saúde a partir da década de 80, mas
continuou escrevendo; em 1992, publicou uma sequência de The Normal Heart intitulada The
Destiny of Me (MASS, 1997). Em 1988, ao ser submetido a uma cirurgia para remover uma
hérnia congênita, Kramer descobriu que possuía danos no fígado causados por hepatite B e,
consequentemente, que fora contaminado pelo vírus HIV (MASS, 1997, p. 56). Em 2001,
recebeu um transplante de fígado (LEWIS, 2020) e chegou a ter sua morte erroneamente
noticiada pela imprensa (STRYKER, 2002). Em 2013, Kramer e seu companheiro desde o
início da década de 90, David Webster, casaram-se na UTI de um hospital universitário em
Nova York (LELAND, 2020), ironicamente espelhando a cena final de sua peça de 1985. No
entanto, a cerimônia de casamento não acabou em uma trágica morte. Sete anos depois, em
maio de 2020, Larry Kramer faleceu por conta de uma pneumonia. Ele tinha 84 anos. Tendo
em vista, agora, a biografia do autor, seu trabalho no ativismo e suas motivações, vamos ao
enredo de The Normal Heart.
Ambientada na Nova York do começo dos anos 1980, The Normal Heart conta a
história de Ned Weeks, baseado no próprio Larry Kramer, um escritor gay e judeu que se vê
aterrorizado pela chegada de uma nova doença que parece afetar intensamente o seu
demográfico. Weeks tenta montar uma organização para combater essa nova epidemia. Uma
23
Considerando que, em novembro de 2024, Donald Trump foi novamente eleito presidente dos EUA e anunciou
que o responsável pela saúde pública será Robert F. Kennedy Jr., um notório negacionista anti-vacina, é difícil
que o país vá investir muito de seu orçamento em pesquisas sobre uma cura para a AIDS nos próximos 4 anos.
Especialmente considerando que, em 2023, Kennedy Jr. foi gravado afirmando que o vírus HIV não existe e que
a AIDS é contraída por meio de um “estilo de vida gay” (GLAAD, 2024).
24
Tradução própria do inglês: AIDS is the gift that keeps on giving to Big Pharma and the Insurance Industry.
Truvada and similar prophylactic treatments are NOT a cure for HIV. Pharmaceutical companies profit
irrationally from HIV-positive Americans who depend on the medications forever. As president, how would you
finance a CURE and scale back the avarice of pharmaceutical companies. (KRAMER, 2019)
48
médica com quem costuma se consultar, a Dra. Emma Brookner (versão fictícia inspirada em
Linda Laubenstein), parece ter se tornado uma das maiores especialistas na enfermidade, e
mesmo assim reclama da falta de fundos e de preocupação das autoridades com pesquisas a
respeito da epidemia, recomendando, por enquanto, a abstinência sexual. Weeks tenta
convencer seu irmão Ben, um prestigioso advogado baseado em Arthur Kramer, a contribuir
financeiramente com sua fundação, mas Ben acaba demonstrando sua homofobia de forma
velada. Na mesma época, Weeks se apaixona e se relaciona com um jornalista chamado Felix
(Larry Kramer nunca confirmou em quem o personagem foi baseado). À medida que as
contaminações vão aumentando e o caso se torna, de fato, uma epidemia, o protagonista vai
ficando cada vez mais revoltado. Ele corta relações com o irmão e busca o auxílio do prefeito
Ed Koch, que também lhe vira as costas.
A organização de Weeks, com mais adeptos diante do cenário desesperador, elege o
pacífico Bruce Niles (baseado em Paul Popham) como seu presidente. Niles e Weeks se
tornam forças opostas; enquanto um “está no armário” e prefere medidas baseadas na
civilidade e no diálogo, o outro é agressivo, favorável à ação direta e abertamente gay.
Enquanto as tensões dentro da organização se acirram, Felix revela que suspeita estar
contaminado com o vírus. Weeks segue tentando buscar a ajuda do prefeito, mas sua teimosia
e sua agressividade deixam seu representante horrorizado. A Dra. Emma Brookner também se
envolve com o ativismo, inclusive a respeito da epidemia no estrangeiro e da incidência da
doença entre os heterossexuais. Seu desespero diante das sucessivas rejeições de seus pedidos
de dinheiro para pesquisa culmina em uma explosão de raiva durante uma conversa com outro
médico. Niles finalmente expulsa Weeks da diretoria da organização em favor de posturas
mais diplomáticas.
No segmento final, Felix, já muito doente, pede a Ben que redija seu testamento e
espera que ele se reconcilie com o irmão. No leito de morte de Felix, no hospital, os três
participam de uma cerimônia encenada de casamento oficiada pela Dra. Brookner. Felix
morre e um desolado Ned Weeks, culpando a si mesmo pela morte do companheiro, pois
pensa não ter lutado o suficiente, abraça o corpo dele e chora. A peça acaba com um blecaute
e é mostrada a crescente taxa de mortalidade da AIDS.
O cenário da peça é simples, porém minimamente calculado e impactante. Em sua
primeira produção no New York Public Theater, consistia de paredes brancas e alguns poucos
móveis para ilustrar apartamentos, consultórios e quartos de hospital. Tanto no palco quanto
por todo o teatro, dados e reportagens sobre a doença e suas consequências e listas de vítimas
49
estavam escritas pelas paredes. Dentre estas, figuravam nomes de amigos pessoais de Larry
Kramer (KRAMER, 1985, p. 9-12).
Talvez por ser um trabalho autobiográfico que traz uma representação de eventos e de
pessoas reais, o elenco é relativamente limitado, trazendo apenas 14 personagens. Dentre eles,
os que mais se destacam são o protagonista Ned Weeks, seu irmão Ben Weeks, o ativista
Bruce Niles, o jornalista Felix Turner e a Dra. Emma Brookner. Os temas do enredo giram em
torno do amor, de conflitos familiares, da homofobia e dos horrores vividos durante os
primeiros anos da crise da AIDS. No entanto, dois sentimentos da esfera da angústia parecem
ser majoritariamente evocados: o medo e a raiva. Ned Weeks começa sua jornada no ativismo
por medo. Felix tem medo do que a doença possa fazer com ele. Bruce Niles tem medo de não
ter a organização levada a sério devido à postura de Weeks. Emma Brookner tem medo pela
vida de seus pacientes e da escala que a epidemia pode tomar se nada for feito. A raiva
também se manifesta, em especial no protagonista, cujos temores são negligenciados e se
transformam em indignação, e na Dra. Brookner, que, em um diálogo com um médico de alto
escalão dos NIH em seu consultório, estoura:
[...] Como é que sempre acontece de todos os idiotas estarem sempre na sua equipe?
Vocês têm todo o dinheiro, dão as ordens, isolam todo mundo, e então operam de
portas fechadas. Eu estou cuidando de mais vítimas desta epidemia do que qualquer
um no mundo. Nós temos mais resultados de exames acumulados, mais dados, mais
amostras de sangue congeladas, mais experiência! Como você pode não financiar
minha pesquisa ou me convidar para participar na sua? Um vírus promissor já foi
descoberto—na França. Por que nós estamos sendo ordenados a não cooperar com
os franceses? Só para você conseguir roubar um Prêmio Nobel? Os seus Institutos
Nacionais de Saúde receberam meu primeiro pedido de dinheiro para pesquisas dois
anos atrás. Levou um ano para que você apenas imprimisse formulários de
aplicação. Você levou dois anos e meio desde meu primeiro caso registrado apenas
para aparecer aqui e dar uma olhada. A quantidade ínfima de dinheiro pela qual você
está nos fazendo implorar—dos quatro bilhões que vocês recebem todo ano— não
vai chegar até Deus sabe quando. De qualquer forma em que você combine tudo
isso, é um atraso inconcebível e nunca, nunca existiu em qualquer outra emergência
de saúde durante este século inteiro. Enquanto algo que causa morte está sendo
espalhado. Descobriram que mulheres têm isso na África— onde é claramente
transmitido heterossexualmente. É apenas uma questão de tempo. Podemos todos
estarmos mortos antes de vocês fazerem qualquer coisa. Você quer meus pacientes?
Leve-os! LEVE-OS! (Ela começa a jogar suas pastas e papéis contra ele, sem rumo
no espaço) Apenas faça algo por eles! Você está certo, porra, eu sou imprecisa e
desfocada. E vocês são todos idiotas! (KRAMER, 1985, p. 82-83)25
25
Tradução própria do trecho em inglês: [...] How does it always happen that all the idiots are always on your
team? You guys have all the money, call the shots, shut everybody out, and then operate behind closed doors. I
am taking care of more victims of this epidemic than anyone in the world. We have more accumulated test
results, more data, more frozen blood samples, more experience! How can you not fund my research or invite me
to participate in yours? A promising virus has already been discovered—in France. Why are we being told not to
cooperate with the French? Why are you refusing to cooperate with the French? Just so you can steal a Nobel
Prize? Your National Institutes of Health received my first request for research money two years ago. It took you
one year just to print up application forms. It's taken you two and a half years from my first reported case just to
show up here to take a look. The paltry amount of money you are making us beg for—from the four billion
dollars you are given each and every year— won't come to anyone until only God knows when. Any way you
50
add all this up, it is an unconscionable delay and has never, never existed in any other health emergency during
this entire century. While something is being passed around that causes death. We are enduring an epidemic of
death. Women have been discovered to have it in Africa— where it is clearly transmitted heterosexually. It is
only a question of time. We could all be dead before you do anything. You want my patients? Take them! TAKE
THEM! (She starts hurling her folders and papers at him, out into space.) Just do something for them! You're
fucking right I'm imprecise and unfocused. And you are all idiots!
51
da AIDS (WINSHIP, 2018). Kramer claramente escreve apenas sobre comunidades que
conhece com certa intimidade. Mesmo assim, é inegável a importância de The Normal Heart
para a produção teatral sobre a AIDS. No ano de 1985, Larry Kramer buscou e, até certo
ponto, conseguiu publicar uma obra politicamente mobilizante para as massas. Veremos, em
seguida, como o processo criativo e os elementos críticos em Rent tiveram intenções e
consequências muito diferentes.
Assim como Kramer, Jonathan Larson também teve sua origem em uma família
judaica na Costa Leste dos Estados Unidos. Nascido em Mount Vernon, no estado de Nova
York, em 1960, Larson teve, no entanto, uma formação educacional e profissional diferente.
Enquanto Larry Kramer, seguindo a própria tradição familiar, estudou inglês em Yale, Larson
esteve sempre ligado à música e ao teatro. Da infância à adolescência, envolveu-se em
atividades artísticas extracurriculares, tocando diversos instrumentos e estrelando produções
teatrais estudantis. Em 1978, ingressou na Adelphi University, em Garden City (no estado de
Nova York), com a intenção de seguir a carreira de ator, mas acabou se envolvendo ainda
mais na composição de canções para musicais. Após completar a graduação, em 1982, Larson
se mudou para a cidade de Nova York e passou a escrever e compor suas próprias peças
(GUSSOW, 1996). Suas composições baseavam-se tanto na música popular, principalmente
nos trabalhos de artistas de pop e rock como Prince, Pete Townshend, Liz Phair e Kurt
Cobain, quanto nos grandes nomes do teatro, como Leonard Bernstein e Stephen Sondheim.
Este foi citado diversas vezes pelo autor como um grande mentor durante o início de sua
carreira (LARSON, 1996).
Para se manter enquanto tentava conquistar uma carreira na competitiva cena
dramatúrgica de Nova York, Larson passou a trabalhar como garçom e dividia, entre o final
dos anos 1980 e o início dos 1990, um apartamento em Tribeca com vários outros jovens—de
diversas origens e situações de vida, dentre eles dependentes químicos, portadores de HIV e
pessoas LGBTQ+, que podem ter vindo a influenciar a caracterização do elenco de Rent
(PACHECO, 1996). Afinal, os temas de sexualidade, HIV e drogadição são parte fundamental
da trama desenrolada pelo autor. Mas não foi essa a inspiração inicial para o roteiro.
Por volta da década de 1980, por mais que o teatro da Broadway ainda fosse, até certo
ponto, extremamente prestigioso e rentável, havia um consenso entre diversos diretores,
produtores e compositores a respeito de uma necessidade de modernizar o teatro mainstream
52
nova-iorquino. No começo dos anos 90, o produtor Ira Weitzman entrou em contato com
Jonathan Larson, que já havia composto uma releitura em forma de rock opera do livro 1984,
de George Orwell, em seu musical Superbia (LARSON, 1996), a respeito de uma ideia do
diretor Billy Aronson, que pretendia produzir uma releitura de La Bohème, clássica ópera de
Puccini. No entanto, em vez de ambientar a obra na Paris dos anos 1830, o cenário seria a
Nova York da década de 1980, e no lugar dos boêmios franceses estariam os yuppies
nova-iorquinos. Larson preferiu, entretanto, retratar o que considerava a boemia da cidade em
vez da nova geração de engravatados. Além de uma questão de (des)interesse próprio, ele
conhecia mais dessa realidade, afinal, estava nela relativamente inserido. Em uma carta
introdutória ao New York Theatre Workshop (NYTW), onde a peça teve sua estreia
Off-Broadway26 logo depois de sua morte, o autor escreveu:
Com este trabalho, eu celebro meus amigos e os muitos outros que continuam a
realizar seus sonhos e viver suas vidas à sombra da AIDS. Nestes tempos perigosos,
nos quais parece que o mundo está se rasgando pelas bordas, nós todos podemos
aprender a sobreviver com aqueles que encaram a morte todos os dias, e deveríamos
nos conectar uns com os outros e nos unir como uma comunidade, em vez de nos
escondermos dos terrores da vida. (LARSON, 1994, apud. PACHECO, 1996)27
Ou seja, por mais que a premissa original da peça, e o tema principal que a norteia,
seja uma reimaginação da ópera La Bohème (LARSON, 1996), Larson incluiu elementos com
os quais teve contato, principalmente de forma indireta por meio de seu círculo social, na
narrativa e na construção de seus personagens (PACHECO, 1996). E a mensagem por ele
pretendida é uma de esperança espelhada na maneira escolhida por alguns indivíduos de
enfrentar a situação. Assim como Larry Kramer em The Normal Heart, aspectos vivenciados,
direta ou indiretamente, pelo autor foram não apenas condicionantes na escrita como
tornaram-se parte explícita e integral dela.
Embora Rent seja considerada quase unanimemente a magnum opus do dramaturgo, e
o que o fez abandonar seu emprego como garçom para se dedicar inteiramente ao teatro
musical (GUSSOW, 1996), a peça não foi seu único trabalho a chegar aos palcos; além de ter
composto canções para obras como o programa de televisão infantil Vila Sésamo, Larson
26
Off-Broadway é um termo que se refere a qualquer teatro que não faça parte do circuito oficial, e extremamente
limitado, do distrito teatral de Nova York. Os teatros são espalhados por diversas regiões da cidade e costumam
ter uma capacidade maior para a audiência.
27
Tradução própria do texto em inglês: “With this work, I celebrate my friends and the many others who
continue to fulfill their dreams and live their lives in the shadow of AIDS. In these dangerous times, where it
seems the world is ripping apart at the seams, we can all learn how to survive from those who stare death
squarely in the face every day, and we should reach out to each other and bond as a community, rather than hide
from the terrors of life. (LARSON, 1994, apud. PACHECO, 1996)
53
apresentou seu monólogo de rock, Tick, Tick…Boom!, em 1991. Outras peças, como Superbia
e JP Morgan Saves The Nation, foram realizadas com financiamento oriundo de prêmios de
teatro (PACHECO, 1996). Apesar do grande sucesso de crítica e de audiência, Jonathan
Larson não chegou a ver Rent chegar à Broadway. Em abril de 1996, três meses após sua
morte aos 35 anos por conta de uma dissecção da aorta28, o musical estreou no Nederlander
Theatre. Analisemos, agora, a peça em si.
Rent, assim como The Normal Heart e a maioria das outras produções sobre a crise da
AIDS na costa leste, é ambientada na Nova York oitentista. No bairro East Village, o aspirante
a cineasta Mark Cohen e seu amigo rockeiro e ex-usuário de heroína Roger Davis reclamam
das dificuldades de suas vidas empobrecidas dentro de seu apartamento caindo aos pedaços.
Mark quer documentar as vidas de seu círculo social e tenta gravar Roger compondo uma
música com uma câmara de mão. Eles são, no entanto, interrompidos por uma mensagem da
mãe preocupada de Mark em sua caixa postal. Quando Benjamin “Benny” Coffin III, o
proprietário do prédio em que a dupla vive, avisa-lhes que estão lhe devendo um ano de
aluguel, Mark e Roger se revoltam e, cercados de um coro de punks e moradores de rua,
cantam uma música de protesto. Eles queimam seus roteiros e rascunhos de canções para se
manterem aquecidos, já que estão sem eletricidade, e revelam que Roger é HIV-positivo,
tendo sido contaminado por sua ex-namorada April via agulha infectada. Após descobrir que
tinha a doença, April cometeu suicídio e deixou um bilhete revelando o contágio a Roger.
Amigo de Roger e de Mark, Tom Collins, que foi assaltado e esfaqueado ao tentar
visitar o apartamento, conhece a drag queen hispânica Angel, que o ajuda com seus
ferimentos e os dois se apaixonam. Quando Mark sai de casa, Roger tenta escrever uma
canção que vá ser seu legado. Ele recebe a visita de Mimi Marquez, uma dançarina viciada
em heroína, que flerta com ele ao pedir ajuda para acender uma vela, mas reluta em aceitar as
insinuações da jovem. Collins e Angel chegam ao apartamento e Benny propõe que, para
poderem morar ali de graça, Mark e Roger o ajudem a expulsar Maureen Johnson,
ex-namorada de Mark, de uma construção que ela usa de espaço para suas performances para
que seja construído um centro de tecnologia. Eles se recusam, pois não querem desalojar as
28
De acordo com uma análise retrospectiva do Journal of Urgent Care Medicine, publicada com o aval e a
contribuição de Allan, o pai de Larson, o quadro do dramaturgo provavelmente foi agravado pois ele muito
possivelmente era portador da Síndrome de Marfan, condição genética que causa má-formação dos tecidos
conectivos.
54
pessoas em situação de rua que lá vivem. Mark vai ajudar Maureen com sua apresentação,
mas encontra a atual namorada dela, Joanne, que acaba virando sua amiga após discutirem
sobre os comportamentos tóxicos de Maureen.
Angel e Collins frequentam um grupo de apoio para pessoas com AIDS, e Mark vai
junto a uma reunião para gravá-los e colocar em um documentário. Ao longo da peça, as
dinâmicas entre os personagens vão se alterando. Mark recebe uma proposta de trabalho em
um tabloide, mas recusa por medo de “se vender”. Roger e Mimi começam um
relacionamento turbulento, visto que Mimi não quer parar de usar drogas e Roger sente ciúme
de um antigo relacionamento da jovem com Benny. Joanne e Maureen têm um término
dramático. A saúde de Angel vai piorando até que ela finalmente sucumbe às complicações da
AIDS. Mark, com medo de ver todos os seus amigos morrerem por conta da doença, decide
aceitar o emprego no tabloide. Benny paga para que Mimi vá a uma clínica de reabilitação e
Collins não consegue pagar pelo funeral de Angel.
Um ano depois, tanto Mark quanto Roger conseguiram desenvolver suas grandes
obras artísticas. Mark está produzindo um documentário sobre a vida de Angel e Roger se
inspira em Mimi para escrever sua grande canção. Mimi, no entanto, está desaparecida, e é
encontrada à beira da morte. Ela quase morre, mas volta à vida ao ouvir a música de Roger.
Quando ele entoa a última estrofe, lamentando-se pela morte da amada que deixou escapar, o
músico explicita o papel de musa de Mimi: “Quando eu olhei em seus olhos / Por que a
distância nos torna mais sábios? / Você era a canção o tempo todo / E antes que a canção
morra / Eu deveria lhe contar, eu deveria lhe contar / Eu sempre amei você / Você pode ver
em meus olhos”29 (LARSON, 1997, p. 127). Os amigos, fora Angel, se abraçam e cantam um
número musical final em tom de esperança.
A montagem do cenário, de acordo com o roteiro, é complexa, porém tradicional de
musicais de alto orçamento. O cenário, que varia entre um apartamento, uma sala de reuniões,
a rua, um bar, um abrigo e outros locais, é cercado por pequenos edifícios de madeira com
corrimões de metal que simulam um prédio. As performances musicais, que tomam conta de
praticamente toda a narrativa, são interrompidas periodicamente por mensagens na caixa
postal dos personagens vindas principalmente de famílias preocupadas. Em uma cena em que
os personagens vão a um grupo de apoio para pessoas HIV-positivas, o elenco é orientado, no
libreto, a trocar o nome dos membros do grupo de apoio todas as noites, chamando-os pelos
29
Tradução própria do inglês: “When I looked into your eyes / Why does distance make us wise? / You were the
song all along / And before the song dies / I should tell you, I should tell you / I have always loved you / You can
see it in my eyes” (LARSON, 1997, p. 127)
55
nomes dos amigos que recentemente sucumbiram à AIDS (LARSON et. al., 1997, p. 88). A
principal questão enfrentada pelos protagonistas, apesar de uma terrível realidade material, é
colocada como a busca por sua obra prima, um trabalho artístico autêntico, inovador e
individual. Para o bem ou para o mal, a individualidade é glorificada durante toda a peça em
detrimento de elementos abstratos como o amor romântico, a amizade e uma ideia confusa de
boemia.
Rent, após sua estreia oficial, tornou-se um marco no teatro estadunidense. Ao
humanizar seus protagonistas, muitos dos quais são racializados, LGBTQ+ e/ou
HIV-positivos, a peça contribuiu para difundir uma ideia mais simpática aos grupos
marginalizados dentre o público. Até hoje, a obra de Larson é muito elogiada quanto à sua
representação da pandemia da AIDS, dos seus personagens LGBTQ+ e da diversidade de seu
elenco (WINSHIP, 2018). No entanto, diversas críticas também apontam que a escolha de
ambientar sua trama em meio à crise da AIDS em Nova York não recebe a seriedade e a
politização necessárias. Em um vídeo ensaio de 2017, a YouTuber Lindsay Ellis aponta esses
problemas. Segundo ela, é feita uma falsa equivalência entre o cenário de La Bohème e a
Nova York oitentista; enquanto a tuberculose, que aflige os personagens de Puccini, era uma
doença sobre a qual nada se sabia principalmente por conta da falta de tecnologia para a
pesquisa na época, o atraso no isolamento do HIV e no desenvolvimento de tratamentos foi
uma negligência proposital das autoridades (ELLIS, 2017). A França do século XIX, ainda
que populações marginalizadas fossem, de fato, desproporcionalmente vitimizadas, não
possuía os materiais ou o conhecimento científico necessários para aprofundar pesquisas. Já
os Estados Unidos da década de 1980 eram não apenas considerados vanguarda na pesquisa
médica, mas também detentores da maior parte dos recursos financeiros necessários para
realizá-la. Larson ignorar esse detalhe é, na melhor das hipóteses, sintomático do pensamento
neoliberal que abstrai papéis e conceitos, individualizando a ideia da vítima e, por
conseguinte, eliminando a ideia de um ou mais perpetradores.
A peça de Jonathan Larson, apesar de trazer a temática da AIDS com personagens
humanizados ao público mainstream, é uma perfeita ilustração dessa despolitização. Mesmo
se passando na Nova York da década de 80, palco de ações políticas de grupos como a ACT
UP, Rent já traz a AIDS como uma tragédia abstrata em vez de um genocídio, equalizando-a
ao papel da tuberculose em La Bohème. Os personagens passam o musical inteiro
expressando sua rejeição ao “sistema”, mas este em nenhum momento é questionado como
sendo responsável pela propagação da AIDS entre as populações marginalizadas. Na verdade,
o “sistema” antagonista de Larson não é o regime neoliberal, o governo negligente ou a
56
desigualdade social, e sim uma ideia muito vaga de algo que vai diretamente contra a vida
boêmia almejada pelos personagens. Em La Vie Bohème, no primeiro ato, os personagens se
reúnem em um restaurante, apesar dos protestos do garçom que não deseja lidar com a
bagunça e a falta de pagamento costumeiras de Mark, Roger e companhia, e fazem brindes
como:
Por amar tensão, sem pensão / Por mais de uma dimensão / Por morrer de fome por
atenção / Odiar convenção / Odiar pretensão / Sem mencionar, é claro / Odiar os
queridos Mamãe e Papai // Por andar de bicicleta / Ao meio-dia ultrapassando os
ternos de três peças / Por frutas / Por nenhum absoluto / Por Absolut / Pela escolha /
Pelo The Village Voice / Por qualquer moda passageira30 (LARSON, 1997, p. 102).
30
Tradução própria do inglês: To loving tension, no pension / To more than one dimension / To starving for
attention / Hating convention / Hating pretension / Not to mention, of course / Hating dear old Mom and Dad /
To riding your bike / Midday past the three-piece suits / To fruits / To no absolutes / To Absolut / To choice / To
The Village Voice / To any passing fad (LARSON, 1997, p. 102)
31
Tradução própria do espanhol: “nuevas identidades, fundadas en una vivencia fragmentaria y cambiante, pero
vaciadas de cualquier experiencia transmitida” (TRAVERSO, 2008, p. 8).
32
Tradução própria do inglês: “MARK: And we’re hungry and frozen / ROGER: Some life we’ve chosen”
(LARSON et. al., 1997)
57
Roger e Mark afirmam que escolheram, por conta própria, viver devendo milhares de
dólares e sem eletricidade para o aquecimento no inverno. O que os incomoda é que acabou a
luz no prédio e que Benny não quer perdoar a dívida de um ano de aluguel, e não o fato de
moradia e eletricidade não serem serviços básicos fornecidos pelo Estado. Os dois estão
desempregados, mas por escolha própria. Mark somente aceita uma proposta de emprego no
segundo ato. Para não se venderem ao “sistema”, esse espectro amorfo repudiado ao longo da
peça, não querem trabalhar em algo que não seja a própria “arte”, autêntica e individual, ou
pagar. Vemos aqui uma ilustração do processo neoliberal da delegação da autoridade e da
responsabilização do indivíduo (BROWN, 2015, p. 132-134); ao delegar elementos básicos da
sobrevivência de sua população a entidades privadas cada vez menores, como o proprietário
Benny ou mesmo aos próprios Mark e Roger, o governo responsabiliza esses indivíduos pela
própria qualidade de vida e pelo capital. Benny precisa investir na especulação imobiliária
para movimentar a economia. Os inquilinos precisam produzir obras de arte que possam ser
capitalizadas tanto por eles quanto por quem queira ajudar a financiá-las.
personagens latinas.33 Sim, de fato. Mas ambas, Angel por meio do documentário de Mark
(LARSON, 1997, p. 124) e Mimi da canção de Roger (p.127-128), acabam relegadas à
posição de musas de homens brancos, heroínas trágicas, mas sempre em um papel secundário.
Collins, um homem negro que entende muito de computação usa suas habilidades para
basicamente roubar um caixa eletrônico, fazendo-o soltar dinheiro para qualquer um que
insira o código “A-N-G-E-L”. E vale ressaltar que, apesar de o próprio Collins afirmar que
“bancar o Robin Hood” não resolverá os problemas em larga escala, ele declara em seguida
que Os poderes que devem ser minados onde eles moram / Em uma pequena e exclusiva
instituição gourmet / Onde nós cobramos a mais da clientela abastada”34, o que o leva à
conclusão de que, junto a Mark e Roger, ele deveria abrir um restaurante superfaturado na
Califórnia (p. 125). Toda a discussão em torno dessa forma de comparação, utilizando o
conceito difuso de “representatividade” é profundamente marcada pela racionalidade
neoliberal; afinal, é diferente comparar aspectos específicos de diferentes peças de forma
crítica e aprofundada, mas medir aspectos difusos e complexos de forma rasa é sintomático de
uma lógica mercadológica (DARDOT; LAVAL, 2016), de uma competitividade aplicada à
arte. Este trabalho, apesar do tom crítico, não pretende comparar a “qualidade” das duas
obras, mas sim a manifestação da racionalidade neoliberal em cima de suas abordagens da
crise da AIDS.35
Com todas as problemáticas apontadas em relação à sua representação relativamente
limitada da pandemia da AIDS, The Normal Heart é inegavelmente uma consolidação das
ideias dos ativistas de vanguarda do movimento gay dos anos 1980. A ideia da AIDS como
um genocídio permeia toda a peça. Larry Kramer escolheu, como epígrafe para ser incluída
em todos os programas e edições do roteiro, o trecho do poema de Auden, escrito a respeito
da invasão nazista à Polônia, que dá título tanto à peça quanto à sua biografia editada por
Lawrence D. Mass (KRAMER, 1985, p. 3). Na seção de agradecimentos (p. 5-6), o autor cita
uma série de trabalhos acadêmicos acerca do Holocausto. Ned Weeks e outros personagens,
33
Não cabe, aqui, entrar na discussão sobre o que significa ser/ser lido como “latino” nos Estados Unidos e todas
as suas complexidades. Nas resenhas da peça e no entendimento da maior parte da audiência estadunidense, no
entanto, Mimi e Angel são tratadas como personagens racializadas.
34
Tradução própria do inglês: “The powers that be must be undermined where they dwell / In a small, exclusive
gourmet institution / Where we overcharge the wealthy clientele” (LARSON, 1997, p. 125)
35
Há um argumento que vai contra essa linha de pensamento, trazendo a ideia de “arte pela arte”, que tira da arte
uma suposta responsabilidade de funcionalidade, didática e moral, mas pode-se considerar que, no contexto e
nos objetivos deste trabalho, não necessariamente se aplicaria. Afinal, o que está sendo analisado aqui não é
exatamente um propósito das peças de teatro, mas a presença de uma racionalidade então ascendente que afeta a
forma como é representada a pandemia da AIDS que tanto The Normal Heart quanto Rent explicitamente
buscam retratar.
61
como seu amigo e camarada Mickey, Felix e Emma, declaram abertamente que o governo, ao
deliberadamente negligenciar a epidemia, está matando milhares. Mickey, em uma discussão
da organização da qual faz parte junto com Ned, Bruce e outros, indaga: “Por que nos
ajudariam; nós estamos, na verdade, cooperando com eles ao morrermos?” (p. 76)36. A
indignação dos personagens se refere, majoritariamente, a um cenário coletivo com papéis
bem definidos. As autoridades, principalmente as estatais, são responsabilizadas pelo que
ocorre ao longo de toda a peça.
No caso de Rent, por outro lado, vemos o quanto se exacerba a abstração e a
individualização típicas do que se pensou como Fim-da-História (FUKUYAMA, 1991). Não
há motivações políticas na revolta dos personagens da peça. Embora alguns tenham sido
infectados pela AIDS, seu grande problema não é a dificuldade de acesso ao tratamento por
conta da negligência do governo e da falta de um sistema público de saúde, e sim o fato de
que a sociedade (também muito vaga, representada principalmente pelas famílias preocupadas
e pelo dono do prédio onde vivem os protagonistas) espera que eles consigam um emprego e
paguem as próprias contas. Em vez de irem às ruas reivindicar o acesso à saúde, à dignidade e
à cidadania, como faziam os ativistas, os personagens de Rent lutam pelo direito ao aluguel
gratuito (não para todos, mas para artistas como eles) e de não trabalhar, pois isso seria “se
vender ao sistema”, apenas expressando sua artisticidade individual. Sua prioridade não é
derrubar a opressão estrutural que permite a mortalidade da pandemia de AIDS, e sim investir
no próprio pertencimento à frágil e difusa identidade boêmia (BROWN, 2015; TRAVERSO,
2008). A AIDS torna-se um “mal do século”, uma quase inevitabilidade do contexto
histórico-social, como é tratada a tuberculose na ópera de Puccini. Essa equivalência de
Larson ignora o fato de que, enquanto em 1830 não se tinha recursos para tratar a tuberculose,
em 1980 as autoridades ativamente negligenciaram as pesquisas sobre possíveis tratamentos e
formas de profilaxia. A abordagem da AIDS em Rent é um sintoma da despolitização que
perdura até os dias de hoje.
Pode-se argumentar que, talvez, a diferença entre as duas representações se dê pelo
fato de The Normal Heart, de 1985, tenha sido escrita e originalmente encenada no que se
conhece como o auge da crise da AIDS, enquanto Rent, de 1993, surgiu quando a situação
estava sob controle. No entanto, 1996, quando a peça estreou tanto Off-Broadway quanto na
Broadway, foi o ano em que a Suprema Corte vetou a quebra da patente da AZT pela segunda
vez, após ter ignorado o pedido em 1992 (MARSA. Organizações como a ACT UP, que só foi
36
Tradução própria do trecho em inglês: “Why should they help us; we're actually cooperating with them by
dying?” (KRAMER, 1985, p. 76)
62
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
tomada de medidas genocidas contra a população LGBTQ+, como o artigo de Heather Panter
(2022), a reação do governo dos EUA e, posteriormente, das grandes companhias
farmacêuticas, à crise da AIDS não costuma aparecer. Apesar de sua definição oficial (ONU,
2024) não incluir métodos específicos, a ideia de um genocídio no imaginário coletivo
torna-se extremamente debatível. É mais plausível chamar de genocídio algo como as
políticas denunciadas na Arábia Saudita, por exemplo, que pune a homossexualidade com
encarceramento, chibatadas e, segundo alguns relatos, decapitação (PANTER, 2022, p. 75).
Uma negligência institucional, mesmo que documentadamente deliberada, em vez de medidas
diretas, acaba abrindo menos espaço para ser colocada como genocida.
Logo, de um lado temos os setores mais conservadores, que se recusam a enxergar as
populações desproporcionalmente afetadas pela pandemia da AIDS (principalmente em seus
estágios iniciais) como vítimas, seja por homofobia e racismo explícitos ou por considerarem
as pessoas LGBTQ+ um grupo político, e por isso não aplicável às diretrizes da ONU. Se
aqueles contaminados pelo HIV possuem “estilos de vida gay” (KENNEDY, 2023, apud.
GLAAD, 2024), são eles mesmos os culpados pelo próprio sofrimento. De outro, setores
progressistas, geralmente bem intencionados, que reconhecem as baixas da crise da AIDS
como vítimas apenas da doença em si, e não de um governo e de um empresariado que,
durante anos, recusaram-se a conter uma pandemia mortal por preconceito e ganância. A
identidade dessas pessoas como vítimas é difusa (TRAVERSO, 2008) e completamente
desligada da ideia de um sujeito perpetrador. Este papel acaba, mesmo que de forma
inconsciente, sendo delegado ao próprio vírus.
Considerando tudo isso, concluo este trabalho observando que a memória da AIDS
nos Estados Unidos, ao longo de sua construção, foi, de fato, tornando-se progressivamente
mais despolitizada e abstrata, e esse processo é ilustrado pelas diferentes abordagens das
peças de teatro The Normal Heart (1985) e de Rent (1993). A primeira lida com a pandemia
da AIDS como um problema coletivo e alarmante, além de tratar a negligência das
autoridades como um genocídio — a obra é permeada por referências ao Holocausto, do título
ao tom do texto. A revolta dolorosamente politizada dos personagens em relação à inação das
autoridades, sabendo que esta é proposital, diretamente baseada na do autor e de seus
companheiros de luta, mostra que, pelo menos na vanguarda do ativismo oitentista,
enxergava-se a AIDS como uma espécie de arma que caiu no colo de autoridades que já se
posicionavam contra os direitos das populações que foram mais afetadas. A segunda peça
transforma a doença em um mal do século, um agente invisível que assombra seus
personagens e dá as caras por si só em alguns momentos chave. Por mais que a peça
65
REFERÊNCIAS
ACT UP New York records. The New York Public Library Digital Collections. Disponível
em:
<https://digitalcollections.nypl.org/collections/act-up-new-york-records#/?tab=navigation>
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