Universidade do Estado do Pará
Centro De Ciências Naturais e Tecnologia
Bacharelado em Relações Internacionais
Relações de Trabalho na Pan-Amazônia
Docente: Prof. Mílton Ribeiro
Discente: Amanda Fonseca Dias
Atividade: Resenha do artigo “A sociedade dos adoecimentos de trabalho” (Antunes; Praun,
2015), com “Sociologia do Trabalho” (Ferreira, 2012), “Uberização: a era do trabalhador just-
in-time?” (Abílio, 2020) e “A saúde e os processos de trabalho no capitalismo: reflexões na
interface da psicodinâmica do trabalho e da sociologia do trabalho” (Merlo; Lapis, 2007)
Os acidentes de trabalho e as manifestações de adoecimento com nexo laboral não são
fenômenos novos, mas processos tão antigos quanto a submissão do trabalho às diferentes
formas de exploração. Por enfermidade com nexo labora, entende-se por processos que resultem
da exposição do trabalhador a condições de trabalho nocivas à sua saúde e que gerem como
desdobramento o adoecimento físico e/ou mental. (Atunes; Praun, 2015)
Diante do capitalismo, Engels (2010) descreve como as condições de vida e trabalho do
operariado nas industriais inglesas encontravam-se na raiz de um conjunto de enfermidades
que, consequentemente, levavam os trabalhadores à óbito. Com a produção em massa e a
ampliação do controle e intensificação do trabalho no decorrer do século XX, devido à expansão
do taylorismo-fordismo, novas formas de acidentes e adoecimentos no contexto laboral
passaram a fazer parte do cotidiano do trabalho. (Atunes; Praun, 2015)
O taylorismo é um modelo de gestão do processo de trabalho surgido no final do século
XIX e início do século XX, nos EUA período no qual a eletricidade tornou-se, gradativamente,
inserida no cotidiano das cidades e nas indústrias de motores (Merlo; Lapis, 2007). É uma
administração científica do trabalho organizado com base nas funções de planejamento e
execução, na segmentação e na especialização das tarefas, cujas realizações demandam de
controle dos tempos e movimentos empregados (Ferreira, 2012). Seu fim era garantir a elevação
da produtividade no trabalho por meio do controle e da disciplina dos trabalhadores, o que induz
na eliminação da autonomia deste sujeito – um potencializador para a organização capitalista –
e, consequentemente, do tempo ocioso durante a produção (Cattani, 2002). Esse modo de
organização visava alienar a ação colaborativa entre os trabalhadores especialistas e os do
operariado (chão de fábrica) e não propiciava a emancipação humana por intermédio do
trabalho (Ferreira, 2012).
O fordismo, por sua vez, é um sistema de gestão e produção de trabalho produção do
iniciado no século XX e que, por isso, detém semelhanças com o taylorismo, como a separação
entre o planejamento e execução, nas quais existem a perda de suas qualificações devido à
incorporação das máquinas (Ferreira, 2012). O ritmo do trabalho, neste modelo, era
determinado pela velocidade da esteira (Larangeira, 2002) e é orientada para um consumo em
massa, o que requer a existência de uma população com poder de compra. A necessidade de um
mercado consumidor massivo conduzia as indústrias a incluírem, na sua pauta de atuação, a
negociação com os sindicatos como uma forma de assegurar a elevação dos níveis de vida dos
trabalhadores que seriam os consumidores das mercadorias produzidas em grande escala
(Ferreira, 2012). Assim, foi uma gestão que gerou a necessidade de um Estado intervencionista,
criador de políticas que possibilitassem à classe trabalhadora a utilização dos salários para o
consumo de produtos (Larangeira, 2002). No entanto, o fordismo não se efetivou plenamente
nos países periféricos, pois a exclusão resultante da forte concentração de renda impossibilitou
a criação de um mercado consumidor em massa.
Com as crises de acumulação desses sistemas, os anos 1970 seriam marcados pela
estagnação e um conflito estrutural do sistema do capital (Mészáros, 2002; Antunes, 2010). A
partir dos resultados aos obstáculos do processo de acumulação, nos anos 1980, um conjunto
de medidas, articuladoras por meio de antigas e novas formas de exploração do trabalho,
redesenhou a divisão internacional do trabalho e alterou a composição da classe trabalhadora
em escala global, de maneira significativa. Segundo a ideologia neoliberal, a origem da crise
era atribuída à intervenção estatal, localizadas no poder excessivo dos sindicatos, do movimento
operário e das pressões reivindicativas desse grupo ao Estado (Anderson, 2003).
Para responder à crise capitalista, uma mudança que ganhou destaque no processo de
produção do capital e no modo como os trabalhadores realizam seu trabalho foi o expressivo
aumento tecnológico (Ferreira, 2012), juntamente com o processo de introdução da gestão
flexível, que teve como referência o modelo de organização do trabalho a experiência japonesa
o toyotismo (Merlo; Lapis, 2007). É um modelo que tem como objetivos elevar a produtividade,
reduzir custos e promover um controle preciso da qualidade, apresentando-se ao Ocidente
técnicas, métodos e princípios de relações humanas e de participação no interior da empresa
diferentes dos utilizados até então (Merlo; Lapis, 2007). Algumas das principais características
dessa gestão de processo de trabalho é a sua fundamentação no o princípio just in time, ou seja,
o aproveitamento máximo do tempo de produção, com a adoção do sistema kanban, que visa à
reposição mínima de estoque; o trabalho operário é realizado em equipe, com alternância de
funções; transfere-se a terceiros o que antes era produzido no interior da fábrica/empresa.
(Ferreira, 2012).
É um momento no qual as transformações em curso no mundo do trabalho deveriam ter
um efeito positivo sobre os trabalhadores – por meio do uso adequado da tecnologia e com a
efetiva diminuição da carga de trabalho e redução da sua jornada, sem decrescer os salários.
Porém, a alteração do quadro dependeria das relações de força entre empregador e trabalhador,
por meio de seus respectivos sindicatos, intermediados pela participação do Estado, enquanto
regulador dessa relação (Merlo; Lapis, 2007). Contudo, em países periféricos, como o Brasil,
as formas modernas de produção convivem com as formas antigas, uma vez que a alta
tecnologia é somada ao trabalho infantil, escravizado, informal, etc., enraizados na questão
social (Ferreira, 2012).
Dessa maneira, a marca da reestruturação de trabalho está aliada à diminuição dos postos
de trabalho, o desemprego dos trabalhadores da economia formal e a sua transformação em
trabalhadores por conta própria, sem carteira assinada, tornando-se vítimas do desemprego, em
suas várias formas (Mota; Amaral, 2000). É a consolidação de uma estratégia da cultura
moderna neoliberal de desaparelhamento do Estado e de desarticulação do movimento operário.
Somada a essas consequências da reestruturação capitalista de acumulação flexível, é o
desencadeamento de novas enfermidades, típicas das recentes formas de organização do
trabalho e da produção; e a disseminação de práticas que articulam os pressupostos da
liofilização organizacional (Antunes, 2010), da empresa enxuta (lean production) a condições
de baixa (ou nenhuma) proteção do trabalho. É a precarização dos trabalhadores e que inclui
pelo menos dois aspectos: a ausência ou diminuição de direitos e garantias do trabalho e a
qualidade no exercício da atividade (Galeazzi, 2002).
Quanto mais frágil a legislação protetora do trabalho e a organização sindical em uma
determinada localidade, maior o grau de precarização das condições de trabalho,
independentemente do grau de “modernização” no modelo de produção ou ambientes de
trabalho (Praun, 2014). Trata-se, nesse sentido, de um redesenho do mapa mundial dos
acidentes e doenças profissionais e do trabalho demarcados por diversas transversalidades entre
trabalhadores estáveis e precários e intercedidas por gênero, raça, classe, idade e capacidades
produtivas.
Há uma reconfiguração do trabalho que articula a ampliação de grandes contingentes
que se precarizam ou perdem o emprego e vivenciam novos modos de extração de sobretrabalho
e da mais-valia (Atunes; Praun, 2015) e que está amplamente relacionada ao trabalho mediado
por plataformas digitais, mas não se restringe a ele: a uberização (Abílio, 2020). É a
materialização e consolidação do trabalhador just-in-time. O fenômeno ganhou visibilidade
com a empresa Uber e seus respectivos motoristas, que reconfiguram a mobilidade urbana
mundial. É possível conceituá-la como o um amplo processo de informalização do trabalho que
traz mudanças qualitativas para a própria definição de trabalho informal. Assim, é
compreendida como mais um passo no processo de flexibilização do trabalho, ao mesmo tempo
que concorre com as terceirizações na forma como as conhecemos nas últimas décadas (Abílio,
2020).
A flexibilidade ou flexibilização sintetiza ordenadamente os múltiplos fatores que
esclarecem as mudanças na sociabilidade do capitalismo contemporâneo. Este é um fenômeno
parte da essência da onda de mundialização da economia desencadeada a partir da crise dos
anos 1970, da qual a esfera financeira, tal como destacou Chesnais (1998), constitui elemento
essencial. Tal conceito e sua expressão multifacetada no mundo do trabalho sintetiza o que parte
dos autores da sociologia tem definido, desde os anos 1980, como precarização do trabalho.
Nas épocas de crise — ainda mais quando esta tem um claro acento estrutural — o que se assiste
é a sua intensificação, o que vimos denominando como a persistente tendência à precarização
estrutural do trabalho em escala global. Não existem, nesse sentido, limites para a precarização,
mas apenas formas diferenciadas de sua manifestação (Atunes; Praun, 2015).
Resume-se, portanto, a gestão de trabalho frente ao modelo de uberização, sob o papel
ativo do Estado, a partir, por exemplo: da eliminação de direitos, de mediações e controles
publicamente constituídos; da flexibilização do trabalho por meio da eliminação de freios legais
à exploração do trabalho, que envolve a legitimação, legalização e banalização da transferência
de custos e riscos ao trabalhador. Somado a esse processo, existe ainda a pressão pela
capacidade imediata de resposta dos trabalhadores às demandas do mercado, com atividades
sendo cada vez mais controladas e calculadas, assim como a necessidade de eliminar
completamente os tempos mortos dos processos de trabalho, tem convertido o ambiente de
trabalho em espaço de adoecimento. (Atunes; Praun, 2015).
Referências
ABÍLIO, Ludmila. Uberização: a era do trabalhador just-in-time?. In: Estudos Avançados, 34
(98), 2020, p. 111-126. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em 11/10/2024.
ABÍLIO, L. Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São
Paulo: Boitempo, 2014
ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir (Org.). Pós-neoliberalismo: as
políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: Paz e Terra. 2003. p. 9-23.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do
mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2015. (Edição especial de 20 anos.)
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.
São Paulo: Boitempo, 2010.
ANTUNES, Ricardo & PRAUN, Luci. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Em:
Serviço Social & Sociedade, n. 123, 2015, p. 407-427. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/0101- 6628.030. Acesso em 11/10/2024.
CATTANI, A. D. Taylorismo. In: CATTANI, A. D. (Org.). Dicionário crítico sobre trabalho
e tecnologia. 4. ed. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002. p. 309-311.
CHESNAIS, François. A mundialização financeira: gênese, custos e riscos. São Paulo:
Xamã, 1998.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora inglesa. São Paulo: Boitempo, 2010.
FERREIRA, José Wesley. Sociologia do Trabalho. Ijuí: Ed. Unijuí, 2012. Disponível em:
https://www.scribd.com/doc/225732522/Sociologia-Do-Trabalho. Acesso em 20/10/2024
GALEAZZI, I. Precarização do trabalho. In: CATTANI, A. D. (Org.). Dicionário crítico sobre
trabalho e tecnologia. 4. ed. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002. p. 242-
247.
LARANGEIRA, S. Fordismo e pós-fordismo. In: CATTANI, A. D. (Org.). Dicionário crítico
sobre trabalho e tecnologia. 4. ed. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002. p.
123-127.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
MERLO, Álvaro Roberto Crespo; LAPIS, Naira Lima. A saúde e os processos de trabalho no
capitalismo: reflexões na interface da psicodinâmica do trabalho e da sociologia do
trabalho. Psicologia e Sociedade (Impresso), Porto Alegre, v. 19, n.2007, p. 61-68, 2007.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/d4BywgBQn9QkpbLQsXVGPcP/. Acesso em
20 nov. 2024.
MOTA, A. E.; AMARAL, A. S. Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho e Serviço
Social. In: MOTA, A. E. (Org.). A nova fábrica de consensos: ensaios sobre a reestruturação
empresarial, o trabalho e as demandas ao serviço social. São Paulo: Cortez, 2000. p. 23-44.
PRAUN, Lucieneida Dováo. Não sois máquina! Reestruturação produtiva e adoecimento na
General Motors do Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) — Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas/Departamento de Sociologia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.