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Eleições, Política e
Gestão Pública
Uma coleção de artigos
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E38 Eleições, política e gestão pública: uma coleção de artigos [livro
eletrônico]./ - Dimitre Braga Soares de Carvalho, Luciano do
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Grande: EDUEPB, 2018.
Modo de acesso: eduepb.uepb.edu.br/e-books
ISBN EBOOK: 978-85-7879-540-5
1. Política. 2. Eleições. 3. Corrupção. 4. Propaganda eleitoral.
I. Carvalho, Dimitre Braga Soares de. II. Silva, Luciano do
Nascimento. III. Ferreira, Rodrigo Costa. IV. Título.
21. ed. CDD 320
Sumário
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Dimitre Braga Soares de Carvalho
Luciano Nascimento Silva
Rodrigo Costa Ferreira
Publicidade: poder no combate à corrupção . . . . . . . . . . . . . 9
André Pereira de Medeiros
Felipe Pereira de Medeiros
Thiago Garcia
A ciência contábil como instrumento de
combate à corrupção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
André Pereira de Medeiros
Felipe Pereira de Medeiros
Thiago Garcia
Fisiologismo de muitos, democracia de
poucos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Augusto de França Maia
Propaganda pré-eleitoral e o uso de
ferramentas de publicação patrocinada
em redes sociais: desigualdades e incertezas . . . . . . . . . . 30
Camila Oliveira da Costa
Raíssa Alves dos Santos
Má gestão da res publica:
o problema brasileiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Clécio Araújo de Lucena
Wanessa Murielly Fernandes de Andrade
Reforma política e eleitoral:
corrupção tem jeito? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Daniel Monteiro da Silva
Os atos administrativos e as formas de
Controle da administração pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Daviton Gurgel Guerra Fernandes
Constitucionalização e crise do direito
privado no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Dimitre Braga Soares de Carvalho
A soberania popular como elemento da
política democrática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
EmillyNaeli Alves Araújo
Isac Rafael Soares de Queiroz
Proteção aos direitos autorais das
propagandas eleitorais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Francisco Segundo de Sousa
Lenilson Silva de Azevedo
Sistema prisional: política de insegurança
pública?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Igor da Silva Gomes
Augusto de França Maia
Sebastião Caio dos Santos Dantas
Crimes contra a administração pública,
improbidade administrativa e corrupção:
acepções e ferramentas de punição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Jéssica Dantas de Oliveira
A regulação da mídia como efetivação prática
da comunicação social no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Leandro dos Santos Araújo
Leonilson dos Santos Araújo
Corrupção, crime e sebocracia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Lucas Cavalcante de Lima
Princípio da proporcionalidade e as provas
ilícitas no direito processual penal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
Luciano Nascimento Silva
Cinthya Fernanda Vicente Souza
Democracia em Direitos Humanos e sua
proteção internacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Mariana Camilo Medeiros Rosa
Carolina Camilo Medeiros Rosa
O fornecimento de água em tempos de
crise hídrica no RN: os poços artesianos
descontrolados à luz do CDC/90 e da
tutela inibitória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Pablo Brenno Medeiros
Política judiciária democrática para
brasileiro ver. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
Dr. Rodrigo Costa Ferreira
Delimitação de competência entre o
ICMS do Estado do Rio Grande do Norte
e do ISS do Município de Natal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Rui Paulino de Medeiros Sena
Reflexões acerca da formação das
coligações dentro dos sistemas eleitorais
brasileiros e suas implicações para com a
relação eleitor-eleito no processo
sufragista vigente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Sebastião Caio dos Santos Dantas
Franco Bareze Silva Vital
Felipe Nathanael de Medeiros
O preço a pagar pela corrupção ainda
compensa?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Thiago Garcia
Felipe Pereira de Medeiros
Políticas públicas ambientais:
uma questão principiológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Tiago José de Souza Lima Bezerra
Apresentação
Uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição ante-
rior, mesmo que o agrave.
Carlos Drummond de Andrade
São poucos os políticos que sabem fazer política. Mas,
quando um intelectual tenta entrar nesse meio, então é
o f im do mundo.
Jorge Luis Borges
Em alguns botequins da cidade, se resolvem mais pro-
blemas que na administração pública.
Saint-Clair Mello
A
obra ora estampada nas páginas digitais, premiadas e recor-
distas da EDUEPB corresponde ao Congresso nominado XV
Just Et Justitia nesta edição apresentado com natureza jurídi-
co-política, formulado, organizado e realizado no âmbito das atividades
acadêmico-científicas do Curso de Direito do CERES/UFRN – Centro
de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, cidade de Caicó.
O Congresso com tema Juridico-Político XV Just Et Justitia –
Eleições, Política e Gestão Pública, recebeu o contributo acadêmico da
produção científica de professores internos e externos a IES, de pesqui-
sadores das ciências sociais aplicadas e dos estudantes que participaram,
participações apresentadas no formato de artigos sob a orientação
acadêmica de um docente, textos que foram submetidos à análise em
espaço de GTs – Grupos de Trabalho, à luz de uma banca examinadora
formada por 3 (três) professores.
Os referidos textos (formato de artigos) apresentados no Congresso,
versão sobre:
Eleições, Política e Gestão Pública 9
Uma coleção de Artigos
– Ciência contábil como instrumento de combate à corrupção; A
idéia da propaganda pré-eleitoral e o fenômeno das redes sociais; A
biografia da má gestão da coisa pública na realidade brasileira; Os atos
administrativos e o controle da administração pública; O paradigma da
constitucionalização e a crise do direito privado brasileiro; A exigência e
a necessidade da reforma política e eleitoral; A soberania popular como
elemento de democratização da política; A complexidade entorno aos
direitos autorais; A dramática questão do sistema prisional brasileiro;
O fenômeno dos crimes contra à administração pública; A polêmica
questão da regulação da mídia; O teorema complexo dos crimes de
corrupção; A problemática da prova no processo penal; A combalida
democracia e a garantia de direitos; e, A questão ambiental no para-
digma da água;
O leitor que vai se deparar com o corpo da obra digital ora apre-
sentada na sua nominação XV Just Et Justitia – Eleições, Política e Gestão
Pública terá a oportunidade de alargar os olhares, expandir a cognição e
renovar os saberes e conhecimentos. Mais ainda, duas outras conseqüên-
cias inevitáveis a serem vividas: primeira, o inequívoco enriquecimento
jurídico, político e cultural; segunda, a constatação de construções jurí-
dico-científicas relevantes na produção acadêmica de olhares, letras e
vozes as mais distintas e singulares possíveis.
Não podem ser outras as expressões que não de agradecimento à
EDUEPB – Editora da Universidade Estadual da Paraíba, que se dis-
ponibilizou a estar presente no evento com seu estande de livros e a
produzir o livro digital (formato e-book/e-pup) produto dos aconteci-
mentos acadêmicos construídos e vividos no XV Just Et Justitia – Eleições,
Política e Gestão Pública.
Dimitre Braga Soares de Carvalho
Luciano Nascimento Silva
Rodrigo Costa Ferreira
Eleições, Política e Gestão Pública 10
Uma coleção de Artigos
Publicidade: poder no combate à corrupção
André Pereira de Medeiros1
Felipe Pereira de Medeiros2
Thiago Garcia3
Introdução
P
orque a publicidade é um elemento de tão grande importância no
combate à corrupção, que merece estar presente entre os princí-
pios que regem a administração pública, elencados no artigo 37
da CRFB?
Rui Barbosa, em conferência editada na Bahia em 1920, disse:
Sem vista mal se vive. Vida sem vista é vida no escuro,
vida na soledade, vida no medo, morte em vida: o receio
de tudo; dependência de todos; rumo à mercê do acaso; a
cada passo acidentes, perigos, despenhadeiros. Tal a con-
dição do país, onde a publicidade se avariou, e, em vez de
ser os olhos, por onde se lhe exerce a visão, ou o cristal,
que lha clareia, é a obscuridade, onde se perde, a ruim
lente, que lhe turva, ou a droga maligna, que lha perverte,
obstando-lhe a notícia da realidade, ou não lha deixando
senão adulterada, invertida, enganosa (1990, p.21,grifo
nosso).
1 Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
[email protected].
2 Acadêmico do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. E-mail:
[email protected].
3 B. Sc. em Ciências Contábeis pela Fundação Universidade do Tocantins, pós-graduando em
Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e acadêmico do curso
de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: thiago_garcia97@
hotmail.com.
Eleições, Política e Gestão Pública 11
Uma coleção de Artigos
Para Rui Barbosa, apenas a transparência dos atos governamen-
tais, mais tarde ensejada pelo princípio da publicidade dos atos da
administração pública, seria capaz de refrear a corrupção nata do ser
humano.Ainda mais, em países cujo “ideal dos governos está na irres-
ponsabilidade”, como o nosso. Por isso, disse ele:“Só onde os povos se
costumaram a tomar contas aos seus administradores, e estes a dar-lhas,
é que os homens públicos apreciam as vantagens dos regimens [sic] de
responsabilidade” (1990, p.24).
Evidentemente, a exigência de prestar contas de suas atividades,
quer o indivíduo seja um administrador de empresas, quer um gestor
público, carece de graça e satisfação. Mas é condição inafastável da
administração pública, conforme disposição do artigo 37 da CRFB de
1988.
Parece obvia essa necessidade. Em 1862, nos EUA, a comissão
de investigação das irregularidades do ministério da Guerra, elabo-
rou um relatório final apresentado à descoberta de fraudes gigantescas
no governo. O relatório conclui que a comissão fora “acabrunhada de
assombro e tristeza com as revelações apuradas”, mas declara por fim
que “a um povo livre não se deve ocultar coisa alguma do que tão inti-
mamente o interessa”(BARBOSA, 1990, p.16). Nada deve ser mais
de íntimo interesse da nação que a forma como são gastos os recursos
públicos. E, uma vez sendo do interesse do Estado o perfeito cumpri-
mento obrigacional da iniciativa privada, constitui-se, deveras, interesse
da nação.
Nesse cenário, é imperioso constatar a função de instituição vital
a fim de se dar transparência, publicidade às atividades empresariais e
estatais, e à impressa.
A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação
acompanha o que lhe passaao perto e ao longe, enxerga o
que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam,-
colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe
alveja, ou nodoam, mede o que lhecerceiam, ou destroem,
vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.
[...]
Eleições, Política e Gestão Pública 12
Uma coleção de Artigos
Um país de imprensa degenerada ou degenerescente
é, portanto, um país cego e umpaís miasmado, um país
de idéias[sic] falsas e sentimentos pervertidos, um país,
que, exploradora sua consciência, não poderá lutar com
os vícios, que lhe exploram as instituições (BARBOSA,
1990, p.20-22).
Ainda citando o exemplo dos Estados Unidos da América, Rui
Barbosa menciona que aquela nação conheceu a corrupção desde os seus
primórdios, na “idade dos patriarcas”. Os depoimentos documentados
apontam para uma corrupção em tão grande proporção que “subver-
tia o senso moral do povo” (1990, p.40).Porém, hoje, os EUA figuram
entre os 20 países menos corruptos e mais transparentes do mundo. O
que tem sido feito desde a época de Rui Barbosa “é investir sem pie-
dade contra esses desaforos, e entregá-los a uma publicidade inexorável”
(BARBOSA, 1990, p.41).
Este artigo apresenta uma exposição metodologicamente biblio-
gráfica da instrumentação legalmente estabelecida no Brasil a fim de se
dar eficácia ao princípio jurídico administrativo da publicidade.
A instrumentação legal a fim da eficiência da
publicidade
A CRFB de 1988 destaca em seu artigo 1º que todo o poder emana
de um povo representado. Como representantes, os administradores dos
recursos públicos têm uma responsabilidade objetiva por seu desem-
penho. A isso pertence à terminologia ainda difícil de conceituar: o
accountability(CORBARI, 2015, p.106). Porém, em linhas superficial-
mente gerais, é a responsabilidade, de que me é feito delegado, de prestar
contas periodicamente ao delegante (NAKAGAWA, 1993, p.17).
Por esse motivo, em novembro de 2004, foi lançada uma plata-
forma virtual, que posteriormente seria implantada em todos os níveis
da administração pública: o portal da transparência, cujo objetivo gira
em torno de garantir à população a publicidade dos atos praticados
pelos gestores públicos.
Eleições, Política e Gestão Pública 13
Uma coleção de Artigos
No ano de 1998, em meio à crise internacional, o Brasil estava
enfrentando diversos problemas por causa da alta inflação e da alta
dívida internacional acumulada. Embora o plano real tenha sido eficaz
em controlar a hiperinflação, as elevadas taxas de impostos e a privati-
zação de muitas instituições públicas não se mostraram suficientes para
conter os gastos públicos e melhorar a economia do país que estava
grandemente prejudicada pela enorme quantidade de recursos desper-
diçados pelos municípios e estados do país. Havia necessidade de um
mecanismo legal que contribuísse para o equilíbrio fiscal no país e que
tornasse efetivo o uso dos princípios da transparência e da responsabi-
lidade fiscal (NUNES; NUNES, 2015). Neste contexto, em setembro
de 1998, começou-se a construir a proposta da Lei da Responsabilidade
Fiscal.
A Lei Complementar n.º 101, de maio de 2000, a Lei de
Responsabilidade Fiscal, foi estabelecida para normatizar as finanças
públicas de modo a atingir a gestão responsável dos recursos públicos,
com ação planejada e transparente, por prevenir riscos e corrigir desvios
capazes de afetar as contas públicas mediante o cumprimento de metas
fiscais entre receitas e despesas e a obediência de limites e condições,
a fim de garantir o cumprimento das obrigações governamentais e o
pagamento das dívidas existentes.
Em termos simples, esta lei foi criada para garantir que os gestores
públicos não gastem mais do que arrecadam, para não aumentar a dívida
pública, e que utilizem de modo responsável os recursos à disposição
dos órgãos e instituições públicas (DEBUS, 2015, p.11). Para isso, a
lei estipula o uso de diversas ferramentas para garantir o planejamento,
o controle, a transparência e a execução dos recursos públicos. Dentre
estas ferramentas, estão: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA), o Relatório
Resumido da Execução Orçamentária (RREO) e o Relatório de Gestão
Fiscal (RGF). O PPA, a LDO e a LOA são destinados ao planejamento
orçamentário e ao estabelecimento das metas a serem cumpridas no
próximo exercício ou nos exercícios seguintes. O RREO e o RGF têm
o objetivo de apurar a execução orçamentária e o efetivo cumprimento
Eleições, Política e Gestão Pública 14
Uma coleção de Artigos
das metas. Em suma, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) tornou
vital a íntima relação entre a Contabilidade, a Administração Pública e
a Transparência.
Porém, de nada adiantaria tantas ferramentas se não houvesse quem
fiscalizasse o cumprimento das normas de gestão fiscal. A responsabi-
lidade pela fiscalização das mesmas é atribuída ao Poder Legislativo,
auxiliado pelo Tribunal de Contas, e pelos sistemas de Controle Interno
de cada Poder e do Ministério Público (DEBUS, 2015, p.91). Estes
devem frequentemente fiscalizar e alertar os Poderes e Órgãos sobre o
não cumprimento das metas e dos limites estabelecidos, bem como das
irregularidades encontradas nos processos administrativos.
A insistência no descumprimento da LRF ou a não apresentação,
em meios oficiais e dentro dos prazos estabelecidos, desses relatórios
podem levar a sanções tanto institucionais como pessoais. As sanções
institucionais podem envolver desde a interrupção de transferências
voluntárias realizadas pelo Governo Federal ao impedimento de con-
tratação de operações de crédito. As sanções pessoais recaem sobre o
agente administrativo podendo levar a: cassação do mandato, multa de
30% dos vencimentos anuais, inelegibilidade e detenção que pode variar
entre 6 meses e 4 anos (DEBUS, 2015, p.100, 102).
Além disso, para facilitar e acelerar o processo de fiscalização das
empresas e instituições privadas foi criado o SPED (Sistema Público de
Escrituração Digital),por meio do Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro
de 2007, que consiste em um conjunto de sistemas de informações des-
tinados ao cumprimento das obrigações acessórias, transmitidas pelos
contribuintes às administrações tributárias e aos órgãos fiscalizadores. A
partir do sistema de contabilidade, as empresas geram um arquivo digi-
tal em formato específico e o envia via internet para a Receita Federal, o
qual também é disponibilizado para as Juntas Comerciais.
O SPED permite a integração dos fiscos por meio da padronização
e do compartilhamento dos dados contábeis e fiscais. Assim, tornou-se
mais fácil constatar e punir irregularidades nos procedimentos empre-
sariais e contábeis com o avanço no controle dos processos, o rápido
acesso às informações e a fiscalização mais efetiva das operações pelo
Eleições, Política e Gestão Pública 15
Uma coleção de Artigos
uso do cruzamento dos dados e da auditoria eletrônica. Isto contribui
para um melhor ambiente de negócios para as empresas do país por coi-
bir a sonegação fiscal e busca eliminar a concorrência desleal trazendo
transparência e igualdade nas relações comerciais.
Porém, é bem verdade que existe uma diferenciação entre trans-
parência e publicidade. A transparência possui uma dimensão muito
superior. Algo pode ser público e não ser transparente. Por isso,a impor-
tância de serem os dados não apenas informados, mas inteligíveis,
compreensíveis. Sendo, portanto, a linguagem uma das maiores difi-
culdades para a correta aplicabilidade do princípio da publicidade. A
grande questão não é o quê informar, mas como informar. Para que as
pessoas possam atingir o objetivo desse mecanismo — o controle — é
necessário que elas primeiramente entendam a informação (CORBARI,
2015, p.102-103).
Neste ponto, mostra-se imperiosa a necessidade de garantir uma
imprensa livre e responsável, não monopolizada por interesses oligarcas
ou particulares: uma imprensa imparcial, cujo objetivo seja transmitir
a verdade dos fatos. A incumbência de dar publicidade aos fatos é da
organização. Mas, a incumbência de dar transparência às informações
publicadas cabe aqueles que efetivamente as interpretam e divulgam.
“Patria cara, carior-Libertas, Veritas caríssima” (BARBOSA, 1990, p.37).
Corbari ainda afirma serem vitais para o enfrentamento da corrup-
ção, além da transparência, um forte controle por parte da sociedade e a
responsabilização dos atos criminosos dos gestores (2015, p.106).
Conclusões
Para tornar mais caro o custo da corrupção, instrumentos valio-
sossão utilizados como ferramentas de publicidade; são os:mecanismos
de publicidade dos gastos públicos, atribuindo a uma imprensa livre e
imparcial a responsabilidade de tornar transparentes os dados informa-
dos; a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece metas
a serem cumpridas pelos gestores públicos, instando-os a agir de modo
responsável e transparente, diante da possibilidade de punição severa.
Eleições, Política e Gestão Pública 16
Uma coleção de Artigos
Para garantir a fiscalização e punição dos corruptos é que uma vez
prestadaas contas dos gestores, são examinadas pelo poder legislativo,
auxiliado pelos Tribunais de Contas, pelos sistemas de Controle Interno
de cada poder e pelo Ministério Público.
Mais recentemente, a criação do SPED, que integraliza os fiscos
por meio do compartilhamento de informações contábeis e fiscais,
veio para buscar constatar, coibir e punir os atos ilícitos por parte das
empresas privadas, pelo cruzamento de dados e pela auditoria eletrônica,
contribuindo para um melhor ambiente de negócios para as empresas
do país e buscando eliminar a concorrência desleal.
Por fim,acrescenta-se o imperioso poder da imprensa livre e res-
ponsável no combate à corrupção. Poder este importante e capaz de
tornar inteligível o que parece ser um emaranhado de informações. O
poder que de fato é capaz de tornar transparente aquilo que é apenas
público.
Referências
BARBOSA, Rui. A imprensa e o dever da verdade. São Paulo: Com-
Arte; Editora da Universidade de São Paulo, 1990. (Clássicos do
Jornalismo Brasileiro 2).
CORBARI, Ely Célia. Accountability e Controle Social: desafio à cons-
trução da cidadania. Cadernos da Escola de Negócios da Unibrasil,
Curitiba, n.2, Jan-Jun 2004. Disponível em: <http://www12.senado.
gov.br/senado/educacao/artigos/accountability-e-controle-social-desa-
fio-a-construcao-da-cidadania-ely-celia-corbari> Acesso em: 19 out.
2015.
DEBUS, E. R. N. I.Entendendo a Lei de Responsabilidade
Fiscal. Disponível em:<http://www3.tesouro.gov.br/hp/downloads/
EntendendoLRF.pdf>. Acesso em: 19 out. 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 17
Uma coleção de Artigos
NAKAGAVA, Masayuki. Introdução àcontroladoria: conceitos, siste-
mas, implementação, São Paulo: Atlas, 1993.
NUNES, S. P. P.; NUNES, R. C.. O processo orçamentário na lei de
responsabilidade fiscal:instrumento de planejamento.Disponível em:
<http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/acervo/orcamento/boletins/O_
Processo_orcamentario_na_LRF_instrumento_de_planejamento.pdf>.
Acesso em: 19 out. 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 18
Uma coleção de Artigos
A ciência contábil como instrumento de
combate à corrupção
André Pereira de Medeiros1
Felipe Pereira de Medeiros2
Thiago Garcia3
Introdução
N
o setor privado, a corrupção se dá, em muito, por meio da sone-
gação fiscal. Segundo estudos realizados pelo SINPROFAZ
(Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional)
sobre a média dos indicadores de sonegação dos tributos de maior rele-
vância para a arrecadação, pôde-se estimar, apenas no ano de 2013, um
indicador de sonegação de 28,2% da arrecadação, o que representaria
para os cofres públicos cerca de R$ 501,9 bilhões, que equivale a 10,4%
do PIB do ano de 2013. Dentre os motivos para esse índice de sonega-
ção, podem ser citadas as altas cargas tributárias e a falta de fiscalização
efetiva dos órgãos correspondentes, o que diminui a probabilidade de
detectar e punir tais atos ilícitos (2015, p.24).
No setor público, a corrupção se dá, em grande parte, por meio
do superfaturamento em licitações e contratos (TREVISAN, 2004). O
que torna essa realidade ainda mais preocupante é a enorme quantidade
de recursos públicos desviados. Um exemplo disso é demonstrado no
1 Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
[email protected].
2 Acadêmico do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. E-mail:
[email protected].
3 B. Sc. em Ciências Contábeis pela Fundação Universidade do Tocantins, pós-graduando em
Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e acadêmico do curso
de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: thiago_garcia97@
hotmail.com.
Eleições, Política e Gestão Pública 19
Uma coleção de Artigos
balanço trimestral da Petrobrás referente ao quarto trimestre de 2014,
onde se reconheceu um desvio de verbas avaliado em 6.194 milhões de
reais (PETROBRÁS, 2015).
Os maiores prejudicados com a corrupção são os próprios cidadãos
que contribuem honestamente com seus impostos e esperam o retorno
em melhorias nos serviços públicos tais como educação, saúde, segu-
rança e benefícios sociais (THOMAS, 2002). A população tem recebido
o contrário do que espera, porque diante da crise internacional e nacio-
nal, em especial causada por atos corruptos de autoridades, a moeda
brasileira tem sido desvalorizada, a inflação subiu consideravelmente,
o desemprego aumentou e muitos gastos públicos têm sido cortados.
Assim, surge a pergunta: que ferramentas administrativas podem ser
utilizadas para combater a corrupção existente nos setores público e pri-
vado no Brasil?
Este trabalho utiliza uma metodologia dedutiva fundamentada em
uma pesquisa explicativa com a finalidade de analisar a Ciência Contábil
como instrumento de combate à corrupção, baseado nos estudos dos
instrumentos contábeis utilizados usualmente e nos desafios enfrenta-
dos pela ciência ao tentar refrear ações corruptas. Procedimentalmente,
esta é uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa.
Um instrumento que pode ser bastante útil é a Ciência Contábil.
Essa pode ser definida como a ciência social aplicada cujo objetivo é cap-
tar, registrar, acumular, resumir e interpretar os fenômenos que afetam as
situações patrimoniais, financeiras e econômicas de qualquer ente, seja
pessoa física, empresa privada ou pessoa de direito público (FEA/USP,
2010, p.1). Infelizmente, o termo contabilidade pode ensejar o entendi-
mento errôneo de que a Ciência Contábil se restringe à escrituração dos
fenômenos patrimoniais e à elaboração de relatórios para o atendimento
das obrigações fiscais e legais. É bem verdade que, em muitos casos, a
atividade profissional dos contadores tem se resumido a isso (FEA/USP,
2010, p.11). Contudo, esse processo, apenas, não logra êxito no combate
à corrupção, uma vez que o contador fica limitado a mensurar aquilo que
lhe é remetido.
Eleições, Política e Gestão Pública 20
Uma coleção de Artigos
A contabilidade é bem mais abrangente. Na qualidade de ciên-
cia, a contabilidade possui diversos ramos ou ênfases. Podemos citar: a
Contabilidade Financeira, a Contabilidade Gerencial, a Controladoria
e a Auditoria. A utilização interna (por meio dos gestores das organiza-
ções) e externa (por meio dos órgãos reguladores e fiscalizadores) dessas
ferramentas contábeis pode permitir um combate efetivo à corrupção
e a manutenção e o crescimento patrimonial das entidades públicas e
privadas.
O grande problema se dá quando os gestores e os contadores uti-
lizam de má-fé em suas atividades. Muitas vezes, as ações ilícitas são
desconhecidas pelos contadores. Um exemplo disso é quando uma
empresa vende mercadorias sem notas fiscais ou quando há fraudes em
licitações ou contratos. Mas, em certos casos, os contadores se tornam
cúmplices por colaborar e acobertar seus clientes até mesmo no uso de
manobras fiscais ou da conhecida “contabilidade criativa” (MARTIN;
SILVA, 2015). Portanto, é necessário que existam controle e fiscalização
efetiva.
O desafio da contabilidade como ferramenta de
combate
Apesar dos enormes avanços das ferramentas que auxiliam e
aperfeiçoam os processos, a contabilidade ainda é passível de entraves
técnicos que não apenas permitem como omitem a corrupção, pois os
registros contábeis, como são, ainda são flexíveis e propensos à fraude.
Legalmente, os procedimentos contábeis permitem o embelezamento
de balanços ou a contabilidade criativa que aumentam as receitas e
diminuem as despesas, que mesmo apesar da contraposição a ética con-
tábil, é usada em certos casos de maneira desinibida e costumeira.
A contabilidade criativa é contemporânea à aplicação contábil,
sendo essa, a centralidade da recente discussão acerca da irresponsabi-
lidade fiscal do Governo Federal, contabilmente manobrada para dar
aparência de sanidade financeira (SENADO FEDERAL, 2015). É
cada vez mais necessária a utilização de métodos capazes de expor os
Eleições, Política e Gestão Pública 21
Uma coleção de Artigos
mecanismos contábeis que contadores utilizam aliados a seus saberes e
informações legais para distorcer saldos e movimentações, não neces-
sariamente deixando de seguir os princípios e normas contábeis, ou
dificultando ao máximo a sua constatação. O consultor legislativo do
Senado, Marcos Mendes, defende que essa é possível diante da manipu-
lação do termo de “resultado primário” e “dívida líquida do setor público”
(2015, p.7). Assim, diante dos critérios adotados, a organização que
aplica na sua contabilidade o embelezamento de balanço, terá vantagens
sobre as que não o fazem (KRAEMER, 2015).
Com essas práticas, os administradores não apenas omitem a real
situação, como também postergam despesas que deveriam ser conhe-
cidas no presente para serem apenas no futuro. Tais procedimentos,
evidentemente, acarretarão prejuízos para as próximas gestões e para
a comunidade de investidores e credores da organização que, cedo ou
tarde, terão de arcar com as consequências, além de enfrentar toda a
questão antiética dessas práticas perante a sociedade e o quadro de
investidores (MENDES, 2015, p.7-11).
Quando alguns administradores omitem movimentações financei-
ras das suas entidades, arriscam, portanto, não apenas suas reputações
ou negócios, mas até mesmo suas liberdades. Os contadores, por sua
vez, quando apenas registram as movimentações que são do seu conhe-
cimento, nada tendo a fazer, ficam à margem da real situação financeira
das organizações, além de sujeitarem-se, caso haja, à figuração de assis-
tência da atuação fiscalizadora do Estado, em aplicação da Lei n.º 4.729,
de 14 de julho de 1965.
Não restam dúvidas, quanto aos avanços significativos das leis, nor-
mas e mecanismos tecnológicos que auxiliam a contabilidade a transmitir
de maneira mais eficiente e transparente a real situação das entidades
públicas e privadas. Assim, a ciência contábil se desenvolveu como res-
posta a essas mudanças. E tudo indica que essa evolução contábil, assim,
continuará a servir, à medida que houver mudanças legais e tecnológicas
significativas. No entanto, para que haja a máxima aproximação da rea-
lidade das organizações, facilitando a gestão e impedindo ou reduzindo
as possibilidades de fraudes disfarçadas de práticas contábeis lícitas, a
Eleições, Política e Gestão Pública 22
Uma coleção de Artigos
tecnologia, as leis e as normas contábeis, ainda, precisam avançar muito
(HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999, p.38).
Quando alguns entes aparentemente mostram-se imunes à apli-
cação das leis, de certa forma protegidos pelo tamanho continental do
país e pela quantidade limitada de agentes fiscalizadores, atestamos que
a fiscalização existente não tem se mostrado eficiente. O alto índice de
sonegação fiscal no Brasil é prova da falta de fiscalização ou sua inefi-
cácia, sendo um incentivo para o aumento de atos ilegais, porque se há
impunidade, se o risco de penalidade é baixo ou se as sanções decorren-
tes das mesmas são de baixo valor em relação ao rendimento gerado pela
atividade ilícita, a disposição de assumir tais riscos aumenta. Assim, pre-
cisam-se melhorar os mecanismos de fiscalização e, consequentemente,
de punição aos corruptos (MELO, 2015).
A melhoria da fiscalização e a aplicação de sanções mais elevadas
diminuirão a quantidade de atos ilícitos e fará com que as punições dei-
xem de atingir a apenas uma minoria que é descoberta, mas a todos os
infratores. Isto tornará as oportunidades de mercado mais igualitárias,
porque os contribuintes que trabalham e pagam seus impostos hones-
tamente terão preços semelhantes aos que antes sonegariam diante
das facilidades existentes. Isto tornará leal a concorrência comercial
(MARTINS, 1998).
Considerações finais
A fiscalização estatal tem se mostrado insuficiente ou inade-
quada, agindo sua falta, portanto, como incentivadora para o aumento
de atos ilegais. Ocorre o inverso da maximização econômica: se o risco
de penalidade é baixo ou se as sanções delas decorrentes são de baixo
valor em relação ao rendimento gerado pela atividade ilícita, a disposi-
ção de assumir tais riscos aumenta. Assim, apontamos a contabilidade
como ferramenta de combate à corrupção. Mas, destacamos a impe-
riosa necessidade de controle e fiscalização em razão do surgimento da
chamada contabilidade criativa e da omissão de informações, quer de
maneira criminosa ou não.
Eleições, Política e Gestão Pública 23
Uma coleção de Artigos
Referências
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dutória. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
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MENDES, Marcos. O que é ‘’contabilidade criativa’’? Disponível
em: <http://portalrevistas.ucb.br/index.php/CEN/article/view-
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SENADO FEDERAL. Contabilidade criativa: debate conclui que
governo esconde realidade econômica. Disponível em: <http://www12.
senado.leg.br/noticias/materias/2014/05/05/contabilidade-criativa-
debate-conclui-que-governo-esconde-realidade-economica>. Acesso
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Eleições, Política e Gestão Pública 24
Uma coleção de Artigos
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herói?Disponível em: <http://www.peritocontador.com.br/artigos/con-
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SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA
FAZENDA NACIONAL – SINPROFAZ. Sonegação no Brasil.
– Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de
2013. Disponível em: <http://www.quantocustaobrasil.com.br/
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TREVISAN, Antoninho Marmo. O combate à corrupção nas pre-
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ZANINI, Juliano Cézar. Corrupção administrativa e mecanismos de
controle externo: Discussão doutrinária principiológica. 2014. 202 fls.
Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica). — Itajaí, SC:Universidade
do Vale do Itajaí, UNIVALI, 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 25
Uma coleção de Artigos
Fisiologismo de muitos, democracia de poucos
Augusto de França Maia1
Introdução
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
D
emocracia, em seu sentido original, surgido na Grécia Antiga,
significa governo do povo. A partir de tal constatação, urge
perguntar: que povo? Pois bem. Na própria Atenas, principal
cidade grega, berço do democratismo, muitos já carregavam a exclusão
das decisões políticas, entre os quais mulheres, estrangeiros, escravos e
crianças. Desde o princípio, portanto, o regime democrático demons-
trou certa dificuldade em ser, de fato, um governo de todo o povo.
A partir desta linha de pensamento, surge a ideia de um “povo esco-
lhido”, isto é, poucas pessoas decidindo o destino de muitas pessoas.
A democracia representativa, daí, nasce como um modelo de regime
onde os eleitores exercem o poder político através de seus representan-
tes, os eleitos, legitimados pela soberania popular. Esta, aliás, é princípio
fundamental da Constituição Federal brasileira, que delega ao povo a
emanação de todo o poder, exercido pelos seus representantes, conforme
já dito.
A representatividade democrática, não fosse o seu afastamento dos
conflitos imediatos da sociedade, se afiguraria como uma boa saída para
as discussões e problemas sociais, maximizados, muitas das vezes, pelo
modelo fisiologista cultivado no Brasil, onde interesses individuais ou
de pequenos grupos, muitos dos quais obscuros, quase sempre se sobre-
põem ao bem comum.
1 Discente do 10º período do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), E-mail:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 26
Uma coleção de Artigos
Se inegavelmente pode-se falar em crise da democracia representa-
tiva, a partir de constatações como diminuição da participação popular,
afastamento político dos grandes debates de interesse da sociedade, des-
crédito das instituições políticas, entre outras, pode-se falar também,
consequentemente, em crise da democracia partidária. O multipartida-
rismo brasileiro, acentuado, sobretudo, na última década, se viciou a um
fisiologismo escancarado, sem nenhum receio ou pudor frente à opinião
popular.
Deste modo, a partir da estilhaçada democracia brasileira, com
situação piorada por uma profunda ressaca econômica e política que fez
o país literalmente parar, o que fazer daqui para frente?
“Deitado eternamente em berço esplêndido”
Obviamente que não há aqui qualquer pretensão de esgotamento
do tema, entretanto, é preciso trazer à baila alguns pontos centrais que
certamente deram significativa contribuição para o estremecimento da
confiança popular nos poderes constituídos, o que, por certo, prejudica o
ideal andamento do regime democrático.
A jovem democracia brasileira, em seus períodos de permanência,
sempre viveu momentos de glórias e fracassos, mas na história recente
do país, após o advento da Constituição Cidadã de 1988, pouca ou
nenhuma vez se viu um desinteresse tão largo da sociedade com a polí-
tica. É como se os líderes tivessem deixado de ser capazes de representar
os sonhos da nação, em virtudeda desconfiança generalizada, provocada
principalmente pela divulgação de diversos escândalos de corrupção, em
distintos setores da máquina pública.
A aproximação dos políticos com os escândalos que envolvem des-
vio de dinheiro público e desvirtuamento de mandatos eletivos deve-se
sobremaneira ao fisiologismo instalado nas siglas partidárias. O sistema
político brasileiro transformou-se num balcão de negócios, onde quem
tem um partido em suas mãos pode mais, manda mais, indica mais e,
quem sabe, rouba mais. É a escalada do poder pelo poder, que, no final,
haverá de ser jogada no lixo da história.
Eleições, Política e Gestão Pública 27
Uma coleção de Artigos
As ideologias e grandes defesas de pensamento, realizadas outrora
pelos grupos partidários, transformaram-se numa exceção, vez que
a regra é o pensamento homogêneo de atrelar as suas ideias àquelas
de quem está no poder. De acordo com dados do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), o Brasil tem atualmente 35 siglas partidárias, e somente
no último ano, três novos partidos foram registrados. Desde 1986, 31
partidos foram assentados pelo TSE, alcançando uma média superior a
uma nova sigla a cada ano.
Além disso, 32 novos partidos estão em formação e esperam o
quanto antes receber o registro da Justiça Eleitoral, o que pode fazer
crescer ainda mais nos próximos anos a quantidade de legendas partidá-
rias no país. Os propósitos de cada um deles são os mais diversos, e os
seus nomes vão desde Partido Nacional Corinthiano (PNC) até Partido
Militar Brasileiro (PMBR) ou Partido Pirata do Brasil (PIRATAS), por
exemplo.
O multipartidarismo desenfreado provoca disputas acirradas no
Congresso Nacional e nos legislativos estaduais e municipais, e a busca
pela divisão de espaços no executivo em todas as esferas obriga os ges-
tores a muitas vezes, para governar, ceder a apelos e benesses. É a busca
pela tão propalada governabilidade. Ressalte-se que em países como
França, Reino Unido, México e Estados Unidos, a título exemplifica-
tivo, o Congresso funciona com menos de 15 partidos, e o número de
cadeiras em todos eles é semelhante ao do Brasil.
Há quem entenda doutro modo, a exemplo do cientista político
Otávio Dulci, e veja diferentemente, até mesmo de maneira positiva, o
grande número de partidos existentes no país.
O incômodo com a existência de muitos partidos talvez reflita
uma imagem idealizada da democracia partidária como jogo de pou-
cos competidores, portanto mais previsível. Ora, em todos os países de
democracia consolidada, a liberdade de competição propicia a apresen-
tação de partidos efêmeros, e candidaturas folclóricas sem com isso pôr
em xeque a estabilidade do sistema. O debate político e o voto dos elei-
tores é que decidem, e geralmente decidem por poucos partidos efetivos
(DULCI, 2005).
Eleições, Política e Gestão Pública 28
Uma coleção de Artigos
Entretanto, prefere-se aqui adotar o entendimento de que a ele-
vada quantidade de partidos políticos, muitos dos quais com ideologias
rasas e/ou indefinidas, somente colabora com o “toma lá da cá” que
corrompe a política e, a pretexto de garantir uma suposta governança
administrativa, aparelha o Estado e confunde os limites entre o público
e o privado.
Os péssimos exemplos exercidos por parcela significativa dos par-
tidos políticos e pelos seus líderes, por sua vez, afastam a população da
vida política nacional, diminuindo gradativamente a participação popu-
lar na democracia, limitando aquela aos objetivos eleitorais, quando, na
verdade, o processo democrático vai muito além do voto dado na urna
eletrônica.
A vontade de participar do poder, na democracia representativa,
nos moldes atuais, é restritivista, visto que cessa no momento em que
ocorre o provimento eleitoral. De maior duração e profundidade é a
vontade de exercer o poder na democracia semidireta, na qual se vai
além do mero voto, galgando intersecções e imbricações necessárias com
a esfera pública representativa do exercício do poder pelos representan-
tes do ‘soberano’ (povo) (TAVARES, 2004).
Se não há participação efetiva da sociedade na construção política
e nas grandes discussões que envolvem o país, mas, pelo contrário, se
presencia um profundo descrédito e desesperança com o futuro nacio-
nal, não há que se falar em processo democrático consolidado, mas sim
fragilizado. Esse quadro de falta de esperança representa graves riscos
ao sistema democrático, reconquistado a duras penas após longo regime
ditatorial, na medida em que os brasileiros aumentam a desconfiança
nos políticos em geral.
O principal ideal da democracia, a autonomia popular, entendida
no sentido preciso da palavra, a produção das próprias regras, foi descar-
tado como quimérico. No lugar da ideia de poder do povo, colocou-se o
dogma elitista de que o governo é uma atividade de minorias. A descrença
na igualdade que, tradicionalmente, era vista como um quase-sinônimo
da democracia – levou, como corolário natural, ao fim do preceito do
rodízio entre governantes e governados (MIGUEL, 2002).
Eleições, Política e Gestão Pública 29
Uma coleção de Artigos
Apesar disso, se a democracia é a pior forma de governo, excetu-
ando-se as demais, conforme sabiamente disse o democrata britânico
Winston Churchill, somente uma solução democrática deve ser encon-
trada para o renascimento da democracia brasileira, a fim de conter o
estilhaçamento nela causado pelo fisiologismo exacerbado. Uma reforma
política ancorada nos anseios sociais indubitavelmente seria um passo
significativo para o início e posterior consolidação desse processo.
Considerações finais: “Verás que um filho teu não
foge à luta”
Uma reforma política séria e coerente, capaz de constranger velhas
práticas e costumes viciados, é mais do que uma necessidade pontual,
mas uma solução para o sistema político-democrático brasileiro, que
entre perdas e ganhos deve mirar como alvo um saldo positivo. Por mais
que a sociedade se sinta órfã de sua representação política, e a partir
disso seja pouco crível que a mesma classe política que merece des-
crédito tenha a capacidade de promover efetivas reformas, não se pode
esquecer de que, num regime democrático, o povo tem consigo a maior
arma, que é o voto, e assim como a vida, a democracia pode utilizar os
erros para compreender diferentes formas a fim de acertar.
Um processo na história que se está construindo e em relação aos
problemas concretos que deve ir resolvendo. É, portanto, uma coisa cons-
truída, que não cai do céu por milagre. A democracia não está tanto em
representar as opiniões, mas sim em como elas são construídas. Porque
as opiniões, como tudo mais, não estão aí preexistentes, à espera de que
venhamos descobri-las, mas estão em permanente construção, e o inte-
ressante é que se possa construir livremente e com a maior informação
possível. A democracia não é uma coisa abstrata realmente existente ou
não, mas sim processos que se constroem ou destroem, dependendo do
papel desempenhado pelas diferentes forças sociais, em cada situação
concreta e complexa (VILLASANTE, 1999).
Assim, compreendida a crise do modelo instalado no sistema
democrático brasileiro, bem como entendidas as suas deficiências e
Eleições, Política e Gestão Pública 30
Uma coleção de Artigos
necessidades, é possível lutar pelo fortalecimento e consolidação de um
processo que, ao longo do tempo, motivou os sonhos, o suor e o san-
gue de muita gente, e com Mário Quintana acreditar que “no décimo
segundo andar do ano vive uma louca chamada esperança”.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 26 jul. 2016.
_________.Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <http://www.
tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse>. Acesso em:
26 jul. 2016.
_________.Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <http://www.
tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/partido-em-formacao>. Acesso
em: 26 jul. 2016.
DULCI, Otávio. Os percalços da reforma política. Teoria e Debate,
[S.I.], n. 62, abr./maio 2005.
MIGUEL, Luís Felipe.A democracia domesticada: bases antidemocrá-
ticas do pensamento democrático contemporâneo. Dados. Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.45, n.03, p.483-510, 2002.
TAVARES, André Ramos. Democracia e exercício do poder: apon-
tamentos sobre a participação política.Revista Brasileira de Direito
Constitucional, [S.I.], n.03, p.351-378, jan./jun. 2004.
VILLASANTE, Tomás R.Estado, sociedade e programações alternati-
vas.Revista Brasileira de Educação, Anped, p. 97-105, jan./abr. 1999.
Eleições, Política e Gestão Pública 31
Uma coleção de Artigos
Propaganda pré-eleitoral e o uso de
ferramentas de publicação patrocinada em
redes sociais: desigualdades e incertezas
Camila Oliveira da Costa1
Raíssa Alves dos Santos2
Introdução
C
ada vez mais utilizadas como instrumentos publicitáriose de
propaganda, as redes sociais,como o Facebook e o Instagram, vêm
aprimorando as suas ferramentas de alcance, fazendo com que,
dependendo do valor que a empresa divulgadora esteja apta a pagar, suas
publicações e divulgações alcancem a vista de milhões de usuários.
Com um público voltado para a maior parte da população tra-
balhadora ativa, os sites e aplicativos eletrônicos têm se tornado um
instrumento forte de divulgação. Não só pela visibilidade dos anúncios,
mas também pela oportunidade que o cliente tem de expor sua opinião,
auxiliandoo crescimento de empreendedores que, com trabalho e sorte,
podem crescer no mercado online e expandir o público que visualiza
suas propostas. O seu caráter gratuito e democrático, ao alcance de qual-
quer cidadão, gera ainda mais o crescimento da medida.
Pensando em usufruir desses benefícios, têm sido cada vez mais
comum nas últimas campanhas eleitorais se deparar com pré-candida-
tos ao mandato político utilizando destas ferramentas para dar maior
visibilidade à sua pré-campanha, angariando, consequentemente, no
futuro, um maior público eleitoral, bem como porque o art. 57-C da
1 Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CERES –
Campus Caicó/RN. E-mail:
[email protected].
2 Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CERES –
Campus Caicó/RN. E-mail:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 32
Uma coleção de Artigos
Lei 9.504/97 veda que haja propaganda política online paga durante a
campanha eleitoral e os programas de publicidade dessas redes sociais
proíbem que seus anúncios via internet contenham qualquer tipo de
conteúdo explorador de questões políticas.
Com a reforma eleitoral ocorrida em 2015, houve a permissão
dos atos de pré-campanha. Em virtude disto, juristas e profissionais
do direito discutem se o pagamento desses anúncios na internet, sem
incluir aqui a publicidade feita por adesão, ou seja, aquela na qual o usu-
ário escolhe voluntariamente acompanhar as propostas de determinado
partido político ou futuro candidato em suas páginas, no período ante-
rior ao início da campanha eleitoral, é permitido ou não, sob pena de se
infringir osarts. 36, §3°, e 34-A da Lei 9.504/97, podendo ser caracteri-
zada como conduta de propaganda eleitoral antecipada.
Os atos de pré-campanha e o financiamento privado
A propaganda política nasce com o objetivo de impactar a vontade
do eleitor e fomentar os debates eleitorais, sendo uma via de movimen-
tação essencial para os que almejam a candidatura certa. Necessária ela é
também para o eleitor, que precisa de informações suficientes para con-
seguir identificar uma série de elementos essenciais para destinar o voto
final. Os dados que chegam aos cidadãos são os que permitirão a sua
identificação com a coligação partidária e ideológica do candidato a par-
tir das impressões e avaliações sobre a nação, economia e desempenho
destes. É essa correlação de elementos entre as referências, opiniões e
propostas com as preferências do eleitor que formará o voto do eleitorado.
Orienta o Tribunal Superior Eleitoral que “constitui ato de pro-
paganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de
forma dissimulada, a candidatura, a ação política ou as razões que indu-
zam a concluir que o beneficiário seja o mais apto para a função pública”
(AgR-AI nº 9936/PA, DJE de 5.8.2010).
Obedecendo ao ideal de igualdade de concorrência entre os can-
didatos, a lei n° 9.504/97 prevê no seu art. 36 o período exato em que
a propaganda política é permitida, qual seja depois do dia 15 de agosto
Eleições, Política e Gestão Pública 33
Uma coleção de Artigos
do correspondente ano eleitoral até a véspera da votação. Qualquer ato
publicitário anterior a este período, com exceção da propaganda intra-
partidária, realizada quinze dias antes da escolha do candidato pelo
partido, é terminantemente proibido, o uso de rádio, televisão e out-
door, aqui se inclui ainda a internet, por analogia, havendo a sujeição
do responsável à condenação em multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao
custo da propaganda, se este for maior.
Todavia, aLei nº 13.165, promulgada em 2015, veio com o objetivo e
força de realizar uma reforma na nossa Lei Eleitoral nos pontos referentes
àredução dos custos das campanhas eleitorais, simplificação da admi-
nistração dos Partidos Políticos e incentivos à participação feminina.
A referida lei deu nova redação ao art. 36-A da Lei 9.504/97 que passou
a compreender um rol taxativo de atos publicitários permissivos que não
configurariam propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam
pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura e a exaltação
das qualidades pessoais dos pré-candidatos, sob pena de se configurar
abuso de poder econômico. Permite a participação de filiados a partidos
ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates
no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plata-
formas e projetos políticos.
O que se criou com a alteração do dispositivo foi uma flexibilização,
admitindo-se que em certas situações a conduta não seja considerada
propaganda eleitoral antecipada e, portanto, não haverá a incidência da
irregularidade quando for veiculada antes do prazo estabelecido pela
Lei. Estes atos permissivos, criados com a alteração da lei, até o presente
momento, têm sido chamados informalmente de atos de pré-campanha
eleitoral, realizados no período de pré-campanha.
Após a vacatio legis da Lei nº 13.165/15, a propaganda irregular
antecipada somente estará caracterizada quando infringir as hipóteses
articuladas no art. 36-A da Lei de Eleições, independentemente do tipo
de veículo de divulgação utilizado, incluindo-se aqui as postagens em
internet.
É o teor do artigo:
Eleições, Política e Gestão Pública 34
Uma coleção de Artigos
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral anteci-
pada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a
menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualida-
des pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que
poderão ter cobertura dos meios de comunicação social,
inclusive via internet:
I - a participação de filiados a partidos políticos ou de
pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou
debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com
a exposição de plataformas e projetos políticos, observado
pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir
tratamento isonômico;
II - a realização de encontros, seminários ou congressos,
em ambiente fechado e a expensas dos partidos políti-
cos, para tratar da organização dos processos eleitorais,
discussão de políticas públicas, planos de governo ou
alianças partidárias visando às eleições, podendo tais
atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comuni-
cação intrapartidária;
III - a realização de prévias partidárias e a respectiva dis-
tribuição de material informativo, a divulgação dos nomes
dos filiados que participarão da disputa e a realização de
debates entre os pré-candidatos;
IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates
legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre ques-
tões políticas, inclusive nas redes sociais;
VI - a realização, a expensas de partido político, de reu-
niões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio
de comunicação ou do próprio partido, em qualquer
localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas
partidárias.
§ 1o É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de
rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo
da cobertura dos meios de comunicação social.
§ 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são per-
mitidos o pedido de apoio político e a divulgação da
pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das
que se pretende desenvolver.
§ 3o O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de
comunicação social no exercício da profissão.
Eleições, Política e Gestão Pública 35
Uma coleção de Artigos
Pelo teor do art. 57-C, caput, da Lei 9.504/97, e ao art. 23, caput, da
Resolução TSE nº 23.457, qualquer tipo de propaganda paga durante
o período eleitoral é expressamente vedada, independentemente da pla-
taforma de divulgação, abarcando-se as realizadas em qualquer página
na web e, portanto, blogs, redes sociais, páginas pessoais e assemelha-
dos incluindo-se aqui as postagens publicitárias de impulso do Facebook,
rede social gratuita, que possui mecanismos próprios para atrair recursos
financeiros, na qual o usuário paga para a plataforma digital aumentar o
número de pessoas que visualizarão a postagem ou anúncio. O número
de pessoas impactadas cresce acompanhando o valor pago, o que fere
gravemente o princípio da isonomia entre os candidatos e caracteriza
ato de abuso de poder econômico na eleição.
O que implica aqui destacar é que o art. 36-A da Lei de Eleições foi omisso
quanto aos atos de natureza publicitária pagos que não configurem propa-
ganda eleitoral antecipada. Apesar da omissão, tendo em vista que o período
pré-eleitoral é aquele em que não há candidaturas registradas nem registro
de CNPJ com abertura da conta bancária para se realizar a fiscalização
e movimentação dos valores e pagamento das despesas de campanha,
quaisquer condutas pagas em benefício ao candidato deve ser proibida,
sob pena de se desrespeitar a lisura das eleições e a concorrência legal
entre os futuros candidatos, em especial quando é de conhecimento
público e notório que o personagem divulgado será candidato.
Em continuidade, o art. 36-A da Lei nº 9.504/97 reconhece, impli-
citamente, que os atos de pré-campanha integram o processo eleitoral,
praticamente enfraquecendo o entendimento de que o processo eleitoral
se iniciava apenas com a realização das convenções partidárias, ou até
mesmo com o início do prazo para pedido de registro de candidatura
(ALBUQUERQUE, 2016). A Lei ainda deixou claro, ao incluir condu-
tas proibidas durante essa fase, que o controle da Justiça Eleitoral e do
Ministério Público subsiste nesse período. Além disso, os atos de pré-
campanha podem ser objeto da Ação de Investigação Judicial prevista
na mesma lei, a qual serve para apurar condutasrelativas à arrecadação e
gastos de recursos.
Eleições, Política e Gestão Pública 36
Uma coleção de Artigos
Os Tribunais Regionais Eleitorais, em especial os dos Estados de
Pernambuco e Santa Catarina, têm se manifestado no sentido de proi-
bir que candidatos se utilizem da ferramenta de anúncios publicitários
no Facebookdurante a pré-campanhanas eleições de 2016, condenando
ao pagamento da multa prevista no art. 36, §3º da Lei de Eleições. O
Tribunal Superior Eleitoral ainda não se manifestou sobre a matéria,
apesar de ter sido encaminhada pela Procuradoria Geral Eleitoral peti-
ção no sentido de que o Tribunal esclareça algumas matérias com relação
aos atos de pré-campanha, incluindo-se o seu financiamento.
Considerações finais
Em razão das modificações feitas na Lei 9.504/97, a propaganda
pré-eleitoral passou a ser permitida desde que não infrinja as hipóteses
estabelecidas pelo art. 36-A, caso em que estará configurada a propa-
ganda irregular antecipada. Com o grande aumento do uso da internet,
em especial das redes sociais, ficou cada vez mais frequente a utilização
desses meios de comunicação social para veicular os atos de pré-cam-
panha, surgindo problemas com relação à propaganda pré-eleitoral
patrocinada, vez que teoricamente ainda não teria iniciado o período
eleitoral.
No entanto, como exposto, o art. 36-A da Lei 9.504/97 reconhe-
ceu os atos de pré-campanha como integrantes do processo eleitoral.
Desta forma, no período da propaganda pré-eleitoral, o processo eleito-
ral já terá iniciado, sendo, portanto, proibido o patrocínio de publicações
em redes sociais, por expressa vedação legal do art. 57-C, caput, da Lei
9.504/97, por ferir o princípio da isonomia entre os candidatos e carac-
terizar abuso de poder econômico na eleição. Os atos de pré-campanha
devem atender aos requisitos formais da propaganda eleitoral pro-
priamente dita, sendo submetidos ao controle e fiscalização da Justiça
Eleitoral.
Eleições, Política e Gestão Pública 37
Uma coleção de Artigos
Referências
ALBUQUERQUE, Rodrigo. Justiça Eleitoral deve fiscalizar gas-
tos com atos de pré-campanha. Disponível em: <http://justificando.
com/2016/07/21/justica-eleitoral-deve-fiscalizar-gastos-com-atos-
de-pre-campanha/>. Acesso em: 21 jul. 2016.
BRASIL. Lei Nº 9.504, de 30 de Setembro de 1997. Brasília, 30 set.
1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9504.htm>. Acesso em: 21 jul. 2016.
BRASIL. Lei Nº 13.165, de 29 de Setembro de 2015. Brasília, 29 set.
2016. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13165.htm>. Acesso em: 21 jul. 2016.
DINO, Nicolau. Petição ND nº 655/2016. Nº 109980-PGE.
Disponível em: <http://www.eleitoralbrasil.com.br/uploads/files/
cta_24631_-_pre-campanha.pdf.pdf/>. Acesso em: 21 jul. 2016.
FIGUEIREDO, Marcus. Intenção de voto e propaganda política: Efeitos
da propaganda eleitoral. Logos: Comunicação & Universidade, Rio de
Janeiro, v.27, n.14, p.9-20, 2° semestre, 2007. Semestral.
Eleições, Política e Gestão Pública 38
Uma coleção de Artigos
Má gestão da res publica: o problema brasileiro
Clécio Araújo de Lucena1
Wanessa Murielly Fernandes de Andrade2
Introdução
N
ão é de hoje que a coisa pública não recebe uma gestão de exce-
lência na República Federativa do Brasil. Sem dúvidas, muitos
são os fatores determinantes. Contudo, nesse trabalho, abordar-
se-ão dois deles, os quais são notoriamente conhecidos pela sociedade,
quais sejam, a corrupção e a falta de capacitação cognitiva de modo
específico e aprofundado.
Para tanto, utilizar-se-á como subsídio material bibliográfico de
filósofos renomados ao longo da História, a fim de dialogar com o tema
proposto.
Objetiva-se com este trabalho refletir e discutir, embora sucin-
tamente, as razões, por meio dos dois fatores alhures anunciados, que
ocasionam a má gestão da res publica.
A corrupção generalizada
É impressionante observar os inúmeros casos de corrupção revela-
dos nos últimos tempos. Com uma frequência enorme, a mídia noticia
novos fatos que são descobertos.
Na verdade, ao pararmos para refletir, perceberemos que não trans-
corre um único mês sem que um caso de corrupção seja alvo das manchetes
1 Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN. Caicó, RN, Brasil. Email:
[email protected].
2 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Caicó, RN, Brasil. Email:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 39
Uma coleção de Artigos
de jornais. Isto é preocupante, pois, apesar da ampla divulgação que se
alcançou atualmente, o que se vê é que os agentes públicos ainda não se
sentem coibidos de usar o dinheiro público para fins pessoais.
Não obstante o empenho de órgãos e instituições em combater esse
mal que assola a política brasileira, como é o caso da Polícia Federal e
os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, outro aspecto é ainda mais
desolador: se não são poucos os casos descobertos através das investiga-
ções, o que pensar do quantitativo de situações em que a verba pública
foi utilizada de modo diverso ao interesse da coletividade e o responsá-
vel por trás dessa vilania ao povo e à res publica nunca foi apontado por
qualquer suspeita? Quantos são os números por trás da corrupção do
Brasil? Quantos agentes já fizeram uso do dinheiro de todos e nunca
foram nem serão descobertos? As respostas para estas perguntas sem-
pre permanecerão em aberto. O que se objetiva com elas é tão somente
visualizar que o problema do nosso país para o mau gerenciamento da
Administração Pública sob a égide da corrupção está muito além do que
aquilo que acompanhamos na mídia televisiva.
O que mais desassossega os corações dos brasileiros honestos é
reparar que aqueles que mais têm, mais querem, e ainda adotam meios
fraudulentos para alcançarem os objetivos ilícitos, mesmo fazendo parte
de um sistema jurídico-legal do qual fazem parte ativamente. Embora
pertencente a outro contexto, é com perfeição que se encaixa a célebre
frase já tão conhecida de Thomas Hobbes ao afirmar, em Leviatã, que o
“homem é o lobo do homem”.
Consoante a teoria da tábula rasa de John Locke, a mente do ser
humano ao nascer seria como um papel em branco, despida de conhe-
cimentos, e, ao longo do tempo, com as experiências vivenciadas através
dos sentidos, passar-se-ia ao seu preenchimento. Ao trazer à discus-
são o pensamento lockeano, questiona-se até que ponto a corrupção,
enquanto prática empirista bastante contaminada em nossa sociedade,
afeta as ideias do homo politicus, seja durante o seu exercício na política
ou mesmo antes de ingressar nesta.
Enfim, qual a verdadeira razão para o corrompimento do homem,
ser político que é?
Eleições, Política e Gestão Pública 40
Uma coleção de Artigos
A ausência de formação em cursos de Ensino Superior
Se, por um lado, a corrupção atinge diretamente a coisa pública
por meio de atos comissivos de seus agentes, por outro, nota-se que a
má gestão pela carência de conhecimentos técnicos e específicos dos
homens e mulheres públicos lesiona a coletividade com a omissão que
lhe é peculiar.
Reflitamos: quais são os requisitos necessários para candidatar-se
a um cargo eletivo? Bem, de acordo com o art. 14, § 3º, incisos I a VI,
da Constituição Federal de 1988, são condições de elegibilidade: I) a
nacionalidade brasileira;II) o pleno exercício dos direitos políticos;III)
o alistamento eleitoral; IV) o domicílio eleitoral na circunscrição;V) a
filiação partidária; e, VI) a idade mínima de 35 anos para Presidente
e Vice-Presidente da República e Senador, 30 anos para Governador
e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, 21anos para
Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e Juiz de paz e 18 anos para Vereador.
Na prática, não necessita um gestor ou legislador possuir uma gra-
duação ou menos um curso de técnico relacionado à área de sua atuação,
malgrado lide os cargos supracitados com questões de ordem técnica,
específica, aprofundada e extensa no cotidiano da vida pública.
De modo bem superficial, quanto às suas funções típicas, tem-se
que o Poder Executivo cuida de administrar a res publica. O Legislativo
é o responsável por legislar, criando as leis. Já ao Judiciário compete a
função de julgar, aplicando as leis criadas pelo Poder Legislativo.
Por qual motivo aos operadores do Direito ligados ao Poder
Judiciário é dada a incumbência de estudar e aprimorar-se anos a fio para
então aplicar o que manda a lei? Não seria de igual modo imprescindí-
vel para o bom desempenho das funções do Executivo e do Legislativo
esperar que os ocupantes de cargos eletivos tivessem, analogamente,
que cumprir exigências referentes à capacitação político-cognitiva,
como, por exemplo, a colação de grau em um curso de Administração,
Contabilidade, Direito, Filosofia ou outros?
Eleições, Política e Gestão Pública 41
Uma coleção de Artigos
Em A República, de Platão, constata-se a defesa de Sócrates no sen-
tido de que a república deveria ser governada por filósofos. Da mesma
maneira que não entregamos nossas vidas a profissionais que não pos-
suam conhecimentos da Medicina, porque então confiar a administração
de um Município, Estado ou País ou a criação de leis a uma Câmara (de
Deputados ou Vereadores) e a um Senado sem que os indivíduos que ali
estejam possuam a devida preparação para tal encargo?
Conclusão
Corrupção, propina, lavagem de dinheiro, improbidade administra-
tiva e diversos outros nomes são os que comumente escutamos quando o
tema é a política brasileira. Infelizmente, é a verdade. É a nossa verdade!
Os motivos para as ocorrências destas mazelas são os mais variados.
Detemo-nos apenas a dois os quais consideramos cruciais na má gestão
da coisa pública: a corrupção e a ausência de capacitação político-cogni-
tiva para o melhor desempenho dos cargos eletivos.
Difícil é apontar soluções concretas. Contudo, observa-se que a
revolta brasileira contra a corrupção já foi iniciada. Acredita-se que, com
a evolução da nossa democracia, o fortalecimento das instituições e a
facilidade de acesso às informações cada vez maior, é questão de anos
para expungir a corrupção – e com elas os corruptos – da nossa política.
E, com uma possível implementação de requisitos educacio-
nais, como a formação em algum curso de graduação (Administração,
Contabilidade, Direito, Filosofia e afins), esperar-se-ia uma atuação
política cada vez mais capacitada, assim como se percebe no Poder
Judiciário, e quiçá mais ética.
Referências
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado
eclesiástico e civil. São Paulo:Abril Cultural, 1979. (Coleção Os
Pensadores).
Eleições, Política e Gestão Pública 42
Uma coleção de Artigos
LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. v.1. Lisboa:
Fundação CalousteGulbecnkian, 1999b.
PLATÃO. A República. 10. ed. Lisboa: Fundação
CalousteGulbenkian, 2007.
Eleições, Política e Gestão Pública 43
Uma coleção de Artigos
Reforma política e eleitoral: corrupção tem
jeito?
Daniel Monteiro da Silva1
É
por demais sabido que o sistema político brasileiro é marcado
por uma profunda crise, sobretudo relativa ao imenso abismo
existente entre representantes e representados. Sem dúvida, um
dos principais vetores dessa realidade é a corrupção sistematizada e
arraigada àquele sistema.
Aqui é prudente não se generalizar, pois existem sim políticos bons,
honestos e que buscam exercer uma fidedigna representação popular,
em que pese essa afirmação possa parecer utopia para muitos, atual e
justificadamente incrédulos.
A corrupção por definição comum é algo que degenera, corrói e
modifica as caraterísticas originais de algo.2 No sistema político, ela
promove os interesses privados e escusos dos mandatários, em detri-
mento dos anseios sociais. Sendo assim, a corrupção tem comprometido
em grande escala o que há de mais importante em nosso Estado
Democrático de Direito: a Soberania Popular.3
Tais circunstâncias têm abastecido reações contundentes da
sociedade e das instituições brasileiras. Prova disso são os recentes acon-
tecimentos históricos, exemplificados pelas Manifestações de Junho de
2013, o Impeachment de uma presidente, a elevadíssima quantidade do
1 Mestre e especialista em Direito. Professor Adjunto I da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN. Ministra Direito Processual Civil e Direito Eleitoral. Professor de Curso
de Pós-Graduação da UFRN. Palestrante. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da
OAB/RN. Membro fundador do Instituto Potiguar de Direito Eleitoral – IPDE. Advogado
Eleitoralista.
2 https://www.dicio.com.br/corrupcao/
3 Art. 1º (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de repre-
sentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (CF/88).
Eleições, Política e Gestão Pública 44
Uma coleção de Artigos
não-voto4 (nulos, brancos e abstenções) nas Eleições 2016 e, ainda, os
efeitos e revelações decorrentes da Operação Lava Jato.
Nesse contexto, a realização de uma reforma política legítima é
cada vez mais urgente no país, sob pena de maior submersão deste na
crise econômica corrente. E a legitimidade buscada naquela reforma
deverá advir não só de uma ampla e intensa participação popular, mas
também de reformulações estruturantes do sistema político, passando,
no mínimo, pelas revisões dos sistemas partidário, eleitoral e de finan-
ciamento de campanhas eleitorais.
Diante desta ótica, já se verifica o tamanho e a complexidade do
desafio.
Não por outra razão tem se conseguido promover até agora apenas
reformas gradativas e pontuais, especialmente de ordem infracons-
titucional, segundo as quais o processo legislativo revela-se menos
dificultoso.
Trata-se das quatro Minirreformas Eleitorais (Leis n.º 11.300/2006,
12.034/2009, 12.891/2013 e a 13.165/15). De uma forma geral, essas
reformas objetivam proporcionar maior transparência e redução dos
gastos de campanhas, igualdade entre os candidatos, regulação de pro-
pagandas eleitorais, diminuição da interferência do poder econômico
nas eleições, entre outros aspectos.
A última Minirreforma Eleitoral, promovida pela Lei n.º 13.165/15,
almeja reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a adminis-
tração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina. Sem
dúvida alguma, trouxe valorosas contribuições para o combate à corrup-
ção já a partir das Eleições 2016.
Mas, como se dá a tão propagada corrupção sistematizada? Existe
relação entre as reformas político-eleitorais e este tipo de corrupção?
Quais as contribuições dadas nas Eleições 2016 para combatê-la?
Existem outros fatores que colaboraram para este mister?
4 http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/resultados.
Eleições, Política e Gestão Pública 45
Uma coleção de Artigos
Primeiramente é oportuno indicar algumas concepções do termo
corrupção. Para que esta relação promíscua se efetive deve se considerar
o seu caráter bilateral, de modo a atuarem o agente ativo (corruptor) e o
passivo (corrompido).
Daí porque existir o crime de corrupção ativa (art. 3335, CP) e pas-
siva (art. 3176, CP). E, na seara penal-eleitoral, há o crime de corrupção
eleitoral (art. 2997, CE). E, na vertente cível-eleitoral, dita corrupção
revela-se pelafamosa captação ilícita de sufrágio do art. 41-A8, da LE
e também pelo abuso de poder econômico do art. 229 da LC n.º 64/90.
5 Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para deter-
miná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze)
anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem
ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever
funcional.
6 Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que
fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A
pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário
retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. §
2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever
funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um
ano, ou multa.
7 Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro,
dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer
abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento
de 5 a 15 dias-multa.
8 Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrá-
gio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor,
com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive
emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive,
sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, obser-
vado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
9 Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral
poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, rela-
tando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação
judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de
autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício
de candidato ou de partido político, obedecido ao seguinte rito:
Eleições, Política e Gestão Pública 46
Uma coleção de Artigos
Mas estas condutas não devem ser consideradas apenas em uma
perspectiva restrita. É preciso compreendê-las em um panorama mais
amplo, onde se verificam tais condutas ilícitas de maneira sistematizada.
Assim, tem-se a corrupção sistematizada, promovida por diver-
sos agentes (ativos e passivos) e, principalmente, em CICLOS
CONTÍNUOS.
Explica-se.
Inicia-se um ciclo corrompendo lideranças políticas e partidárias,
vale dizer, comprando-as, para que sejam conjugadas tantas legendas
partidárias e apoios políticos quantos forem necessários para o sucesso
da empreitada eleitoral.
Em seguida, promove(m)-se certa(s) candidatura(s) pela prática
intensa da corrupção eleitoral10, em especial nas vésperas e no dia da
eleição. Para conseguir tal intento, há agente(s) financiador(es) des-
tes ilícitos, que considera(m) esta atividade como um mero negócio
comercial segundo o qual é feito um investimento e se exige o retorno
financeiro, com seus respectivos “lucros” adiante.
Uma vez eleito(s) e empossado(s) o(s) candidato(s) ainda pela via da
corrupção, utilizam-se de seus mandatos para praticarem os mais varia-
dos ilícitos administrativos, no intuito de pagarem e/ou contemplarem
os seus “investidores” e formarem o “caixa” para a próxima campanha.
Não raras vezes, esse contexto resulta em ineficiência administra-
tiva, comprometimento dos serviços públicos e em mais aumento de
tributos.
Mas na próxima eleição, os “frutos” desta sistemática corrupta irão
financiar e ampliar novas candidaturas, iniciando-se um novo ciclo da
corrupção sistematizada.
Ao que parece é este tipo de corrupção, a sistematizada, que deve
ser coibida com mais vigor. Nesse plano, a Operação Lava Jato demons-
trou que a principal plataforma deste tipo de corrupção eram as doações
por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.
10 Reis, Marlon. O nobre deputado: relato chocante (e verdadeiro) de como nasce, cresce e se
perpetua um corrupto na política brasileira. Rio de Janeiro: LeYa, 2014, p. 105.
Eleições, Política e Gestão Pública 47
Uma coleção de Artigos
Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, na ADI
465011, corroborada pela Lei n.º 13.165/15, ambos proibindo as doações
empresariais, comprometeu um dos pilares daquela sistemática ilícita.
Mais ainda, a Minirreforma Eleitoral de 2015 trouxe vários meca-
nismos fiscalizatórios e de transparência, inibindo a prática da corrupção
eleitoral sistêmica. São eles: a) redução e fixação de limite de gastos nas
campanhas eleitorais; b) divulgação em até 72 horas das doações recebi-
das; c) redução do tempo e limitação dos meios de propaganda eleitoral;
d) utilização de percentual mínimo do fundo partidário para candidatu-
ras femininas, entre outras.
Somem-se a estas medidas outras tomadas pela Justiça Eleitoral:
a) campanhas de conscientização, b) criação do Sistema Pardal para
denúncias de ilícitos eleitorais; c) cruzamento de dados do Sistema de
Prestação de Contas da Justiça Eleitoral com outros sistemas públicos.
Também se destacam os esforços das entidades da sociedade civil
organizada (OAB12, CNBB, MCCE), no combate ao “Caixa 2”.
E ainda as peculiaridades de ordem prática decorrentes da Crise
Econômica do país e da Greve dos Bancários, que permearam parte
significativa das Eleições 2016.
Tudo isso parece ter colaborado para que as Eleições 2016, consi-
deradas “eleições laboratório”, significassem, de forma geral, um avanço
no sentido de coibir a corrupção sistematizada, especialmente quando
comparadas às eleições anteriores.
E no plano do combate à corrupção individualizada (casos concre-
tos), a Justiça Eleitoral, as Instituições de Controle (Ministério Público,
Tribunais de Contas, Sociedade Civil Organizada) e demais atores do
processo eleitoral têm demonstrado buscar as devidas apurações e puni-
ções judiciais, sobretudo, quando consideradas as inúmeras notícias de
11 http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4650&classe=A-
DI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M . Acesso em 06/11/16.
12 https://acesso.oab.org.br/login?signin=97c2e15e27566dd35b435ef430559f9d. Acesso em
06/11/16.
Eleições, Política e Gestão Pública 48
Uma coleção de Artigos
denúncias, procedimentos investigatórios, ações eleitorais e decisões por
todo o Brasil.
Por outro lado, viu-se uma relação direta entre a necessidade de
realização de reformas política e eleitoral e a corrupção sistematizada
no país. Há um nítido vínculo de interdependência, segundo o qual as
primeiras podem coibir a segunda. Isto é, reformas legítimas promovem
a redução da corrupção.
Logo, em que pese o título desse escrito ser provocativo, a corrup-
ção tem jeito sim. Tem jeito de ser prevenida, tem jeito de ser reduzida,
de ser mais bem contida, apurada e punida.
Mas, longe de se buscar uma solução única e redentora, devem-se
trilhar vários caminhos, inaugurar múltiplas frentes de combate, promo-
ver ações sistematizadas, coletivas e intensas, todas de enfrentamento a
um problema que se revela com estas mesmas características.
É certo que para um problema de tamanha envergadura, as solu-
ções refluem do terreno jurídico, em que pese todos devêssemos ser
conscientes da nossa soberania popular13 e praticá-la sempre que possí-
vel. Mas com frequência isso não ocorre.
Há uma evidente marca cultural nessa corrupção sistematizada,
mas que pode esvaecer com medidas a exemplo da educação para a
cidadania, conscientização para o voto, fiscalização14 da coisa pública,
capacitação multidisciplinar para pretensos, novos e atuais políticos,
participação em audiências públicas, filiação partidária, dentre outras.
O conjunto de condutas, individuais e coletivas, na direção de uma
cultura da soberania popular, é, certamente, o aspecto mais animador no
desafio de combater a corrupção sistematizada...
13 “(...) a soberania popular se revela no poder incontrastável de decidir (...)” Gomes, José Jairo.
Direito Eleitoral. – 11 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Atlas, 2015. P.44.
14 BEZERRA, Jarbas; Limeira, Ligia. Manual Prático das Eleições. Natal/RN: Econômico,
2016. p.210.
Eleições, Política e Gestão Pública 49
Uma coleção de Artigos
Referências
BEZERRA, Jarbas;LIMEIRA, Ligia. Manual Prático das Eleições.
Natal/RN: Econômico, 2016, p.210.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. – 11 ed. rev. atual. eampl. São
Paulo: Atlas, 2015. p.44.
BRASIL. Constituição Federal. 1988.
_________.Lei Ordinária nº 4.410. 1964.
_________.Lei Ordinária n.º 13.165. 2015.
_________.Lei Ordinária n.º 9.504. 1997.
_________.Lei Complementar n.º 64. 2010.
REIS, Marlon. O nobre deputado: relato chocante (e verdadeiro) de
como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na política brasileira. Rio
de Janeiro: LeYa, 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 50
Uma coleção de Artigos
Os atos administrativos e as formas de
Controle da administração pública
Daviton Gurgel Guerra Fernandes1
Introdução
O
controle da Administração Pública se apresenta como um
dos temas mais atuais e relevantes do Direito Administrativo.
Trata-se da “faculdade de vigilância, orientação e correção
que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional
de outro”. A doutrina classifica esse controle de diversas formas. A
principal divide em: Controle Administrativo, Controle Legislativo e
Controle Judicial.
Dessa forma, tem-se como objetivo geral do trabalho: abordar as
formas de controle dos atos da Administração Pública. Especificamente:
pormenorizar os elementos constitutivos dos atos administrativos, ana-
lisar os aspectos gerais dos tipos de controle dos atos do Poder Público
e discutir a efetividade dessas formas de controle.
Quanto à metodologia, foram feitas pesquisas bibliográficas, uti-
lizando-se livros e artigos científicos sobre o tema, como também
pesquisas documentais: legislação vigente e decisões proferidas pelos
tribunais em casos pertinentes.
Os atos administrativos
Inúmeros atos são praticados, diariamente, em todo o território
nacional, nos mais variados órgãos e entidades do Poder Público. Por
ato administrativo, pode-se entender toda manifestação unilateral de
1 Especialista em Direito Administrativo. E-mail: [email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 51
Uma coleção de Artigos
vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha
por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir ou
declarar direitos, bem como impor obrigações aos administrados ou a si
própria (MEIRELLES, 2011, p.154).
Representam, portanto, uma manifestação volitiva da Administração
no desempenho de suas funções, produzindo, então, efeitos jurídicos.
Indo além, em uma definição mais estrita:
Declaração unilateral do Estado no exercício de prerroga-
tivas públicas, manifestada mediante comandos concretos
complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria
Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedi-
dos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle
de legitimidade por órgão jurisdicional (MELLO, 2014,
p.390).
Desta feita, nem todos os atos praticados pela Administração
Pública podem ser considerados atos administrativos. São espécies desse
gênero também: os atos regidos pelo Direito Privado; os atos materiais,
chamados de fatos administrativos; e os atos políticos ou de governo
(MELLO, 2014, p.387-388).
No intuito de atender ao interesse público, os atos da Administração
Pública, no Brasil, independentemente de sua espécie, estão subordi-
nados à lei, sendo que alguns decorrem diretamente da Constituição.
Assim, todos os atos são passíveis de revisão pelo Judiciário, mediante
provocação da parte interessada, tanto para a defesa de interesse cole-
tivo, difuso ou individual (SIRAQUE, 2009, p.70).
Os elementos do ato administrativo (competência, objeto, forma,
motivo e finalidade) são um termômetro quanto à regularidade desses
atos. Qualquer defeito em um desses elementos é suficiente para eivar
de vício todo o ato, não restando alternativa senão a extinção do mesmo
(art. 2º da Lei nº 4.717/65).
Através do controle, faz-se o exame da regularidade de tais atos,
os quais podem ser revogados ou anulados pela própria Administração
(controle interno) ou anulados pelo Poder Judiciário (controle externo).
Eleições, Política e Gestão Pública 52
Uma coleção de Artigos
A anulação é o desfazimento do ato administrativo por razões de
ilegalidade. Pode ser feita pelo Poder Judiciário, mediante provocação
dos interessados, ou pela própria Administração, com base no seu poder
de autotutela, independente de provocação (PIETRO, 2014, p.248).
É esse o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), na Súmula 346, que diz: “A administração pública pode declarar
a nulidade dos seus próprios atos”.
Já a revogação é a extinção de um ato válido, por razões de conveni-
ência e oportunidade. Decorre do poder discricionário da Administração,
portanto não pode ser feita pelo Judiciário. A Súmula 473 do STF sin-
tetiza bem essas duas formas:
Súmula 473 – A Administração pode anular seus pró-
prios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados
os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial.
Por fim, vale ressaltar que a anulação produz efeitos retroativos à
data em que foi originado o ato invalidade (efeitos extunc), enquanto
que a revogação não retroage, gerando efeitos a partir da própria revo-
gação (efeitos ex nunc).
As formas de controle dos atos da Administração
Pública
O controle da Administração Pública decorre do Estado
Democrático de Direito. “É a faculdade de vigilância, orientação e
correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta
funcional de outro” (MEIRELLES, 2011, p.713). Abrange todas as
esferas dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, incluindo-se a
Administração Direta e a Indireta, no exercício de suas funções.
É um conjunto de instrumentos jurídicos e administrativos para
fiscalização e revisão de toda atividade administrativa, constituindo
um dever do Poder Público e direito de todo cidadão. Por fiscalização
Eleições, Política e Gestão Pública 53
Uma coleção de Artigos
entende-se a avaliação da gestão pública, através da análise de dados e
informações (controle concomitante ou posterior), enquanto que a revi-
são visa corrigir alguma falha legal ou procedimental ou ainda adequar
o ato ao interesse público (controle posterior), no uso de seu poder dis-
cricionário (MARINELA, 2012, p.1014-1015).
A doutrina traz diversas classificações quanto aos tipos de controle,
que variam conforme alguns fatores. Quanto ao fundamento, o controle
pode ser hierárquico (decorrente do escalonamento vertical dos órgãos,
é fundado na subordinação de um órgão a outro) ou finalístico (controle
sobre as entidades da Administração Indireta; não há subordinação).
Quanto ao momento: prévio ou a priori (antecede a conclusão do
ato), concomitante ou sucessivo (acompanha a realização do ato) e pos-
terior ou a posteriori (após a conclusão do ato).Já com relação ao objeto,
pode ser de legalidade (conformação do ato com as normas legais que o
regem) ou de mérito (que examina a eficiência, o resultado, a conveni-
ência e a oportunidade do ato controlado).
Ainda, relativo à extensão do mecanismo (ou pertinência do órgão),
temos controle interno (exercido no âmbito da Administração, no
interior do próprio órgão controlado) e externo (realizado por órgão
independente, estranho ao responsável pelo ato controlado), além do
controle externo popular (exercido pelos cidadãos).
E, por fim, quanto ao órgão que o exerce, o controle pode ser adminis-
trativo, legislativo e judicial. O controle administrativo consiste no poder
de fiscalização e correção que a Administração Pública, em sentido amplo,
exerce sobre sua própria atuação, quanto à legalidade e mérito, mediante
provocação de algum administrado ou exofficio. Decorre do poder de auto-
tutela, o qual permite à Administração rever seus próprios atos quando
eivados de ilegalidade (anulação) ou quando demonstrarem-se inconve-
nientes ou inoportunos ao interesse público (nesses casos, revogação).
A autotutela encontra fundamento nos princípios a que se submete
a Administração Pública, especialmente os princípios da legalidade e
da primazia do interesse público sobre o privado. Para isso, são criadas
no âmbito dos órgãos diversas comissões de fiscalização, corregedorias
e controladorias.
Eleições, Política e Gestão Pública 54
Uma coleção de Artigos
Como exemplos de meios de controle administrativo, temos: a
fiscalização hierárquica, a supervisão ministerial, o direito de petição,
incluindo os recursos administrativos, como a representação, a reclama-
ção administrativa, o pedido de reconsideração, os recursos hierárquicos
próprios e impróprios e a revisão.
Já o controle legislativo é exercido pelas casas legislativas, em
suas respectivas áreas de atuação, no sentido de conformar os atos da
Administração Pública com os interesses do Estado e da comuni-
dade (GASPARINI, 2012, p.1054).Como se trata de interferência de
um Poder sobre outro, as hipóteses devem se limitar às previstas na
Constituição Federal, sendo vedado às constituições estaduais, leis ordi-
nárias ou complementares preverem modalidades diversas.
Basicamente, são duas as modalidades de controle: o político e o
financeiro. O controle político abrange aspectos tanto de legalidade
quanto de mérito, visto que aprecia as decisões administrativas também
sob a ótica da discricionariedade. Enquanto que o controle financeiro
permite a verificação da contabilidade, das receitas e despesas, da exe-
cução do orçamento, dos resultados e dos acréscimos e diminuições
patrimoniais da Administração, incluída também a Indireta (PIETRO,
2014, p.822-825).
Finalmente, tem-se o controle judicial. Nessa modalidade de con-
trole, o Poder Judiciário, a requerimento das partes interessadas, controla,
no caso concreto, a legitimidade dos comportamentos da Administração
Pública, anulando condutas ilegítimas, compelindo-a a fazer aquelas que
são obrigatórias e condenando-a a indenizar os prejudicados, quando
for o caso (MELLO, 2014, p.965).
Está-se diante, então, de um direito público subjetivo dos adminis-
trados que, quando se sentirem injustamente prejudicados pelo Poder
Público, podem acionar o Poder Judiciário, individual ou coletivamente,
para garantir o cumprimento do que lhe é por direito, cessar uma injusta
lesão ou ter a devida reparação dos danos causados.
Afora as ações do Direito Privado que podem ser intentadas para
correção da conduta administrativa, como as de defesa ou reintegração
de posse, existem meios específicos para o exercício do controle judicial,
Eleições, Política e Gestão Pública 55
Uma coleção de Artigos
como: o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança individual
e o coletivo, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública
e a ação direta de inconstitucionalidade.
Conclusão
A Administração Pública desenvolve suas atividades por meio de
atos administrativos. Diariamente, inúmeros atos são praticados em
todas as esferas administrativas. Logo, alguns desses atos podem não
estar em conformidade com a lei. Por esse motivo, a verificação da regu-
laridade dos atos administrativos é um trabalho extremamente relevante
para a sociedade.
Todos os tipos de controle precisam ser desenvolvidos de modo
sério e comprometidos com a finalidade da atividade administrativa.
Tanto o controle interno quanto o controle externo precisam ser efica-
zes, para que esses atos que estão em desconformidade com a lei sejam
o mais rápido possível corrigidos, quando possível, ou declarados nulos,
quando o vício for insanável, no sentido de serem minimizados os preju-
ízos aos administrados eventualmente prejudicados pelos referidos atos.
Contudo, esse papel não cabe apenas aos órgãos competentes, mas
também aos cidadãos. A população precisa estar atenta aos atos do
Poder Público, cobrando, fiscalizando e, quando necessário, utilizando
os instrumentos legais que tem à disposição, como a ação popular.
Referências
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 17.ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 6.ed.Niterói:
Impetus, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37.ed.
São Paulo: Malheiros, 2011.
Eleições, Política e Gestão Pública 56
Uma coleção de Artigos
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 27 ed.
São Paulo: Atlas, 2014.
SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do
Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009.
Eleições, Política e Gestão Pública 57
Uma coleção de Artigos
Constitucionalização e crise do direito
privado no Brasil
Dimitre Braga Soares de Carvalho1
N
ão restam dúvidas de que a Constitucionalização do Direito
Privado, no Brasil, trouxe profundos avanços para este ramo da
Ciência Jurídica. As inovações da doutrina e da jurisprudência
do Direito Civil, após o advento da constitucionalização, superaram, em
quantidade e qualidade, qualquer outro momento histórico da matéria.
Mas esta mudança, no contexto da experiência brasileira, também
proporcionou certas deturpações.2
Inicialmente, cabe tratar da função da extrema liberdade interpreta-
tiva e hipervalorativa atribuída aos julgadores dos casos de Direito Civil.
Tal protagonismo precisa ser reconhecido, inicialmente, como amplia-
ção do reconhecimento dos direitos fundamentais aplicáveis aos casos
de família, como legítimos defensores do próprio constitucionalismo.3
Mas também se percebeu um crescimento sem precedentes de
decisões que, baseadas em aspectos apenas constitucionais, deixaram de
1 Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Mestre e
doutorando em Direito. Advogado. Chefe do Departamento de Direito do CERES – UFRN.
2 “A tradição jurídica de civil law não passou incólume aoprocesso de constitucionalização.
Aqui se radicam diversastendências, escolas ou pretensas escolas de pensamento jurídicoe
uma miríade de autores que utilizam o imenso “guarda-chuva”teórico da constitucionaliza-
ção para sustentar a utilização de novosfatores de correção das normas de Direito Civil, sua
interpretaçãoconforme o texto constitucional ou a aplicação direta de suasnormas às relações
de Direito Privado.” Rodrigues Junior, Otavio Luiz, Estatuto epistemológico do Direito Civil
contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios, Belo
Horizonte, Meritum, Vol.5 – n. 2 – p. 13-52 – jul./dez. 2010.
3 “En esta última decada, plagada de desilusiones y desencantos, pero tambien de novos hori-
zontes, han sido muchas vezes nuestros jueces quienes han asumido um rol protagónico en la
defesa del constitucionalismo como nuevo paradigma del derecho.” Dominguez, Andres Gil;
Fama, Maria Victoria; Herrera, Marisa, Derecho Constitucional de Familia, Tomo I, Buenos
Aires, Ediar, 2006, p. 52.
Eleições, Política e Gestão Pública 58
Uma coleção de Artigos
lado a legislação codificada de Direito, e decidiram em desconformi-
dade com o que está previsto na lei, sem que fosse apresentada uma
justificativa teórica plausível para esta mudança de fundamentos.
É preciso reconhecer que a Constitucionalização do Direito, no
Brasil, incorreu em excessos, os quais desvirtuaram parte dos seus obje-
tivos, e culminaram por levar o próprio Direito Civil a um momento de
judicialização de sua aplicação.
O fato é que a constitucionalização, neste contexto, após uma
utilização superlativa, abriu espaço para uma crise hermenêutica.4
Desenvolveu-se, com efeito, uma espécie de “autonomização” do Direito
Civil, baseada na ampliação da discricionariedade das decisões judiciais,
e em uma liberdade interpretativa sem precedentes, alicerçada, no mais
das vezes, na própria ideia (por vezes distorcida) do que se chamou de
“constitucionalização do Direito Privado”.
O Direito que se sobressai do paradigma do Estado Democrático
de Direito deve ser compreendido no contexto de uma crescente auto-
nomização do direito, alcançada diante dos fracassos da falta de controle
da política. A Constituição, nos moldes construídos no interior daquilo
que denominamos de ‘constitucionalização’ representa, assim, a mani-
festação desse grau de autonomia do direito. Essa autonomização se
dá no contexto histórico do século XX, tendo atingido o seu auge com
a elaboração das Constituições sociais, compromissórias e dirigentes do
segundo pós-guerra.5
4 “A crise que atravessa a hermenêutica jurídica possui uma relação direta com a discus-
são acerca dacrise do conhecimento e do problema da fundamentação, própria do início do
século XX. Veja-se que asvárias tentativas de estabelecer regras ou cânones para o processo
interpretativo a partir dopredomínio da objetividade ou da subjetividade ou, até mesmo, de
conjugar a subjetividade dointérprete com a objetividade do texto, não resistiram às teses da
viragem ontológico-linguística(especialmente com Heidegger e Gadamer), superadoras do
esquema sujeito-objeto.” Streck, Lenio Luiz, Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista?
Disponível em: www.univali.br/seer/index.php/%20nej/article/viewFile/2308/1623. Acesso
em: 02 de abril 2015.
5 Streck, Lenio Luiz, Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Disponível em: www.
univali.br/seer/index.php/%20nej/article/viewFile/2308/1623. Acesso em: 02 de abril 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 59
Uma coleção de Artigos
Neste sentido, temos a lição de Lenio Luiz Streck:
Dito de outro modo, se houve a diminuição do espaço de
poder da vontade geral e se aumenta o espaço da juris-
dição (contramajoritarismo), parece evidente que, para
a preservação dessa autonomização do direito, torna-se
necessário implementar mecanismos de controle daquilo
que é o repositório do deslocamento do polo de tensão da
legislação para a jurisdição: as decisões judiciais.
E isso implica discutir o cerne da teoria do direito, isto
é, o problema da discricionariedade na interpretação, é
dizer, das decisões dos juízes e tribunais.
E continua o respeitável professor:
Assim, negar a possibilidade de que possa existir uma
resposta correta pode vir a se constituir –sob o ponto de
vista da hermenêutica filosófica – em uma profissão de fé
no positivismo e, portanto, na discricionariedade judicial,
uma vez que o caráter marcadamente não-relativista da
hermenêutica é incompatível com a existência de múlti-
plas respostas. Corre-se o risco de conceder ao juiz uma
excessiva discricionariedade (excesso de liberdade na atri-
buição dos sentidos), acreditando, ademais, que o direito
é (apenas) um conjunto de normas (regras).6
A Constitucionalização do Direito Privado vem consolidando,
principalmente na jurisprudência, uma amplíssima liberdade de julgar
e de decidir. Tal liberdade é reforçada pela utilização de mecanismos
interpretativos, como princípios e cláusulas gerais, que servem como
instrumentos para afastar o julgador do texto codificado.
Em alguns casos, mais graves ainda, é possível dizer que os próprios
juízes, implicitamente, tornam inválidas determinadas normas previstas
na legislação, mesmo sem que estas tenham sido objeto de um processo
formal de discussão de sua revogabilidade. São revogadas pelo desuso,
6 Streck, Lenio Luiz, Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Disponível em: www.
univali.br/seer/index.php/%20nej/article/viewFile/2308/1623, Acesso em:02 de abril 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 60
Uma coleção de Artigos
pelo não uso, posto que são continuamente ignoradas em sentenças e
acórdãos.
Essa liberdade excessiva tem fortíssima ligação com o subjetivismo
interpretativo possibilitado por meio da constitucionalização do Direito
de Civil, sobretudo na experiência brasileira.
Esse fenômeno jurisprudencial, nos termos aqui apresentados,
faculta aos julgadores a utilização de um arsenal de recursos técnicos
propícios a um decisionismo extremamente individual e personalista
(solipsismo). A lei que trata de Direito Civil, então, perde significativa
parte de seu espaço como elemento normatizador das relações humanas
em sociedade, haja vista que ela pode ser utilizada conforme a interpre-
tação judicial de cada momento.
A constitucionalização das relações civis, ao passo que possibilitou
a abordagem horizontal de normas fundamentais em casos que discu-
tiam relações estritamente privadas (sendo essa sua maior conquista),
também trouxe para o sistema brasileiro um certo relativismo nas deci-
sões das matérias. A previsibilidade e a segurança jurídica, desse modo,
vêm sendo deixadas, paulatinamente, em segundo plano.
Forçosa, então, uma reflexão sobre a qual venha a ser a função da
jurisprudência de Direito Civil, na experiência do modelo da Civil Law
brasileira, temperado pela pesadíssima influência da constitucionaliza-
ção das relações privadas.
Como se sabe, a jurisprudência vai além de um mero banco de
dados. No dizer de Luiz Edson Fachin, ela se configura como ver-
dadeiro método, isto é, um caminho para a atribuição de sentidos e
interpretações dos vários campos jurídicos conformadores de um orde-
namento. Assim, temos que:
A jurisprudência pressupõe a consolidação de uma her-
menêutica que seja coerente, mas não engessada, atenta
à forma normativa dos fatos e que não se perca no rela-
tivismo, enfim, que solidifique os entendimentos dos
tribunais projetados da cultura jurídica do país. E isso a
fim de se ter um reduto de segurança jurídica e previ-
sibilidade dos tribunais, que seja palpável, e que não se
esboroe na primeira brisa.
Eleições, Política e Gestão Pública 61
Uma coleção de Artigos
Considerando esses elementos como pressupostos para
a afirmação de uma verdadeira jurisprudência, é mesmo
temerário defender que haja uma jurisprudência civilís-
tica geral no Brasil, quanto menos no âmbito do Direito
de Família.7
No Direito Civil brasileiro, existe frenético trabalho de produções
de decisões, decorrente da intensa atividade jurisdicional. Contudo,
não há método consolidado para essa atividade. O volume de decisões
em um mesmo sentido, acerca de determinado tema, não significa a
construção de julgamentos parametrados em rigor metodológico de
abordagem teórica.8
É necessário dizer, com certa dose de sinceridade acadêmica, que,
na experiência brasileira, há flagrante ocorrência de excessos de cons-
titucionalização e seus efeitos sobrea perda de referenciais teóricos do
Direito Civil contemporâneo; havendo também a ausência de rigor-
técnico a propósito do que seja a constitucionalização, bem assim o
usoequívoco da teoria dos direitos fundamentais em torno de categorias
privatísticas particulares - e em especial, da família e dos contratos.
O professor Otávio Luiz Rodrigues Junior, veemente crítico do
modelo deturpado de constitucionalização que se abateu sobre as rela-
ções privadas no Brasil, aponta algumas características do que ele chama
de “crítica à dogmática civil contemporânea”, quais sejam:a) usa-se com
7 Fachin, Luiz Edson, No Direito de Família, doutrina e jurisprudência vivem união estável,
Revista eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-
fev-01/processo-familiar-direito-familia-doutrina-jurisprudencia-uniao-instavel. Acesso
em 01 de fevereiro de 2015.
8 “Há acesa atividade jurisdicional e um frenético exarar de decisões. Contudo, há método for-
mado para atribuição de sentido? A existência de inúmeras decisões em mesmo sentido sobre
um determinado tema ainda não é de todo suficiente; é mandatória consolidação hermenêu-
tica, de modo que haja preocupação com o constructo do julgamento, sua fundamentação e
forma de análise”. Fachin, Luiz Edson, No Direito de Família, doutrina e jurisprudência vivem
união estável, Revista eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.
br/2015-fev-01/processo-familiar-direito-familia-doutrina-jurisprudencia-uniao-instavel,
Acesso em: 01 de fevereiro de 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 62
Uma coleção de Artigos
extrema promiscuidade oconceito de constitucionalização, sem que se
saiba propriamentea que se refere, o que implica trazer para seus limites
situações oufenômenos jurídicos totalmente diferenciados ou incom-
patíveis,como interpretação conforme a Constituição, interpretação
dodireito ordinário sob a égide da supremacia constitucional, controlede
constitucionalidade das leis, uso de princípios constitucionaispara inter-
pretar o Direito Privado, eficácia dos direitos fundamentaisem relação
aos particulares; b) os direitos fundamentais devemser compreendi-
dos nos moldes da teoria externa, distinguindo-seentre seu conteúdo
essencial e respectivos limites; c) não há comose admitir direitos fun-
damentais ilimitados; d) o exame da funçãosocial da propriedade, por
exemplo, pressupõe o reconhecimentoda distinção entre propriedade e
função social.9
Segundo o mesmo autor, uma parte dos atritos causados pela
tentativa de plena acomodação doDireito de Família no espectro da
constitucionalização é decorrênciada contínua buscapor um elemento
de correção para o Direito.
Assim, em brevíssimas conclusões, é possível afirmar que o cons-
tante recurso à Constituição, no âmbito do Direito Civil, é explicável,
“embora seu barateamento peladogmática brasileira tenha chegado a
níveis intoleráveis”.10 Vivemos, assim, uma fase de redefinição episte-
mológica de nossa matriz de Direito Civil, que transita entre extremos:
de um lado, o Direito Civil dogmático, fundamentado na legislação
9 “Esse modelo de utilização discricionária e contra legem dos textos normativos, até mesmo
da Constituição, dá margem a graves desvios lógicos. Invoca-se a Constituição, certos
“princípios” ou “valores constitucionais”, para desfazer de regras de inquestionável univo-
cidade semântica. Esse abuso chega ao extremo de se voltar contra a própria Constituição.”
Rodrigues Junior, Otavio Luiz, Estatuto epistemológico do Direito Civil contemporâneo na tra-
dição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios, Belo Horizonte, Meritum,
v.5, n. 2, p. 13-52 – jul./dez. 2010.
10 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Estatuto epistemológico do Direito Civil con-
temporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos princípios.
Belo Horizonte: Meritum, Vol. 5 – n. 2.Dominguez, Andres Gil; FAMA, Maria Victoria;
HERRERA, Marisa. Derecho Constitucional de Familia, Tomo I. Buenos Aires:Ediar,
200613-52 – jul./dez. 2010.
Eleições, Política e Gestão Pública 63
Uma coleção de Artigos
ordinária, de cunho tradicionalista e pouco inclusivo. De outro, um
Direito Civil pensado para bases da Constitucionalização, com toda a
carga interpretativa e valorativa acima demonstrada, mas sem signifi-
cativos avanços práticos, ou seja: um direito muito mais funcional nas
teorias que efetivo na sua aplicação diária.
Decerto a perspectiva de humanização desse Direito Civil
Constitucional consiga alcançar os objetivos de agregar, simultanea-
mente, aspectos mais significativos da matriz teorética da sua formação,
ao lado de possibilitar um pleno exercício nas lides forenses das suas
premissas.
Referências
DOMINGUEZ, Andres Gil; FAMA, Maria Victoria; HERRERA,
Marisa, Derecho Constitucional de Familia. Tomo I. Buenos
Aires:Ediar, 2006
FACHIN, Luiz Edson. No Direito de Família, doutrina e jurispru-
dência vivem união estável.Revista eletrônica Consultor Jurídico.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-fev-01/processo-fami-
liar-direito-familia-doutrina-jurisprudencia-uniao-instavel. Acesso em:
01 fev. 2015.
RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz, Estatuto epistemológico do
Direito Civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neo-
constitucionalismo e dos princípios. Belo Horizonte:Meritum, v.5, n.
2,p.13-52 – jul./dez. 2010.
STRECK, Lenio Luiz,Aplicar a letra da lei é uma atitude positi-
vista?Disponível em: www.univali.br/seer/index.php/%20nej/article/
viewFile/2308/1623.Acesso em: 02 abr. 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 64
Uma coleção de Artigos
A soberania popular como elemento da política
democrática
EmillyNaeli Alves Araújo11
Isac Rafael Soares de Queiroz 12
Introdução
É perceptível o momento conturbado e preocupante do cenário
político brasileiro contemporaneamente, necessitando, portanto, uma
mudança substancial. A crise institucional no cenário político perma-
nece e neste ano tornou-se ainda mais acentuada, pois coadunou com a
crise econômica. Ademais, tornando a situação ainda mais preocupante,
surgiram escândalos de políticos de todo o Brasil envolvidos com casos
de corrupção e consequentemente provocando maior intensidade no
sentimento de traição e aborrecimento no povo brasileiro.
É nesse contexto desanimador e lastimoso que surge a imprescindí-
vel busca pela transformação, através do exercício da soberania popular,
tendo como objetivo superar essa vasta crise que abrange a estrutura
política, econômica e social.
Além disso, é a atuação popular que consolida o sistema democrá-
tico, pois aproxima o cidadão das decisões importantes que são tomadas
pelos representantes políticos em prol da sociedade. De modo que é
fundamental que desperte no povo a vontade de buscar a sabedoria e
discernimento necessário para transformar a situação vivenciada.
Este trabalho caracteriza-se pelo levantamento bibliográfico e tam-
bém através da pesquisa online para realizar uma descrição minuciosa e
11 Graduanda em Direito pelas Faculdades Integradas de Patos. Email: emilly.naa@hotmail.
com.
12 Graduando em Direito pelas Faculdades Integradas de Patos. Email: isac-soares@hotmail.
com.
Eleições, Política e Gestão Pública 65
Uma coleção de Artigos
ao mesmo tempo abrangente do tema. As ideias que foram extraídas
passarão a ser comparadas e organizadas, tendo como objetivo facilitar
o entendimento do leitor em relação ao que está sendo abordado no
trabalho.
Desenvolvimento
O termo “democracia” como bem afirmou o filósofo Kant (1990,
p.78) diz respeito “à forma de domínio na qual todos aqueles que consti-
tuem a sociedade possuem o poder soberano”. No Brasil, a concretização
desse ideal é a Constituição de 1988, pois o seu texto é eminentemente
democrático. Como expressa o caput do Art. 1° e o seu parágrafo único:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
[...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição.
Como mencionado pelo texto da Constituição, o Estado
Democrático de Direito atribui ao povo uma supremacia que se fun-
damenta com o exercício da democracia podendo esta ser realizada de
forma direta ou indireta.
Portanto, o Estado contemporâneo não é apenas para o povo, mas
construído pelo povo através dos seus representantes e até mesmo das
atuações mais efetivas dos eleitores que de maneira autônoma assegu-
ram os seus interesses e buscam um ideal de justiça.
Acerca do assunto, José Afonso da Silva (2006, p.46) destaca:
[…] o regime político adotado pela Constituição de 1988
funda-se noprincípio democrático. (...) como valores
supremos de uma sociedadefraterna, livre, justa e soli-
dária e sem preconceitos (art. 3º, II e IV) (…).Trata-se,
assim, de um regime democrático fundado no princípio
Eleições, Política e Gestão Pública 66
Uma coleção de Artigos
da soberania popular, segundo o qual todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes, ou
diretamente (parágrafo único do art. 1º).
Locke (2006) é um dos precursores do pensamento político con-
temporâneo, desenvolve uma doutrina cuja ideia principal é a de que
todo poder emana do povo, ou seja, o governo deve impreterivelmente
atender às demandas da sociedade, haja vista que o pacto proposto pelo
autor é baseado na confiança, no consentimento e na representação.
Todavia, sabe-se que somente a criação de um sistema democrático
não é suficiente, ou seja, é necessária a utilização de mecanismos dota-
dos de praticidade que permitam a concretização do que é defendido
pela democracia, pois a mera inclusão desses princípios nos textos legais
não assegura o sucesso da medida. Dessa forma, torna-se perceptível
a necessidade de fortalecer os instrumentos já existentes e criar novas
formas de exercer a soberania popular nos termos previstos na legislação
brasileira.
Em virtude disso, faz-se necessário mencionar a ideia de apli-
cação do recall que apesar de ter sido desenvolvido na legislação dos
Estados Unidos esse mecanismo tem ganhado forças no Brasil, pois é
um instrumento que expressa a insatisfação e concretiza a supremacia
popular.
Paulo Bonavides (2011, p.311) conceitua o instituto da seguinte
forma: “É a forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a des-
tituir funcionários, cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe
esteja agradando”.
Assim, o recall é a forma de revogação que capacita o eleitorado, ou
seja, atribui a este o direito de retirar o poder dos governantes que estão
abusando do poder e contrariando a vontade popular.
A teoria lockeana, assim como é explicitada na obra de Varnagy
(2006), não admite que o governo seja tirânico e arbitrário, atribuindo
ao povo a possibilidade de revogá-lo quando se fizer necessário, con-
siderando, inclusive, esse direito de resistência um dos elementos
principais do que se entende por democracia. Em face disso, o governo
que porventura vier a violar a propriedade do povo não mais terá
Eleições, Política e Gestão Pública 67
Uma coleção de Artigos
legitimidade para exercer tal função, fazendo com que o povo, desse
modo, esteja desobrigado a obedecer-lhe, configurando, assim, o que
autor chama de estado de guerra. Além disso, Varnagyfala do pensa-
mento político de Locke e reitera que a dissolução do governo ocorre
quando as atitudes tomadas pelos governantes não condizem com os
desejos da população.
Caio Márcio de Brito Ávila (2009, p.27) resume bem a ideia central
proposta por Locke:
Locke afirma também que o poder legislativo, apesar de
ser supremo, é um poder fiduciário limitado a fins deter-
minados, permanecendo no povo um poder superior para
destruir ou alterá-lo quando o ato legislativo promulgado
por este poder for contrário à confiança nele depositada.
Portanto, entende-se que assim como a escolha dos representantes
é um ato democrático, a reversão disso também seria, pois o eleitor per-
maneceria no controle e não seria “vítima” de abusos de poder.
Considerações finais
Em virtude do que foi mencionado, entende-se que é necessá-
riaa inserção do instituto da revogação de mandato no ordenamento
jurídico-político brasileiro, pois capacita o eleitor para exercer a sua
soberania. Além disso, desenvolve o processo democrático consagrado
pela Constituição.
Todavia, sabe-se que é imprescindível uma maior organização na
estrutura política, ou seja, uma reforma política para que se garantam
resultados bons, eficientes e satisfatórios.
Além disso, com a inserção do instituto da revogação de mandato
no ordenamento Jurídico-político brasileiro, iria abranger uma partici-
pação popular ainda maior e, por consequência, fortalecer a soberania
que é atribuída ao povo.
Eleições, Política e Gestão Pública 68
Uma coleção de Artigos
Referências
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pelos eleitores: uma proposta para o sistema jurídico brasileiro. 2009.
152 f. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito da USP, São
Paulo, 2009.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 18.ed., São Paulo: Malheiros,
2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil. Brasília:
DF, Senado, 1988.
KANT, Immanuel. Primeiros princípios da filosofia do Direito. In:
WEFFORT, F. (Org.). Clássicos da Política. V.2. São Paulo: Ática,
1990.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos:
ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. 4.
ed. Petrópolis (RJ): Bragança Paulista: Vozes: Editora Universitária São
Francisco, 2006.
SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 27.
ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
VÁRNAGY, Tomás. O pensamento político de John Locke e o surgi-
mento do liberalismo. Enpublicacion: Filosofia política moderna. De
Hobbes a MarxBoron, Atilio A. CLACSO, ConsejoLatinoamericano de
CienciasSociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciências Políticas,
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP, Universidade
de São Paulo. 2006. ISBN: 978-987-1183-47-0.
Eleições, Política e Gestão Pública 69
Uma coleção de Artigos
Proteção aos direitos autorais das
propagandas eleitorais
Francisco Segundo de Sousa1
Lenilson Silva de Azevedo2
Introdução
E
m mercado comercial, têm-se diversos produtos à disposição e
muitos deles valem-se de propagandas elaboradas para conquis-
tar o comprador.A analogia que se encontra à da livre iniciativa
e disputa de mercado comercial é direta, com relação à disputa pelo
eleitor. Em ambos os casos, as propagandas podem ser protegidas pela
legislação vigente e isso garante um mínimo de qualidade do produto.
Na confecção das propagandas de marcas comerciais e também eleito-
rais, altas somas de recursos são investidas no pagamento de artistas, que
debruçam suas potencialidades intelectuais em criações das mais altas
qualidades. Para a propaganda eleitoral em geral, aqui analisada como
uma busca pelo consumidor que é o eleitorado, não há motivos para
pensar diferente.
A lei eleitoral como regra do jogo
Na apresentação das candidaturas, a teleologia roga por utilida-
des exclusivamente comerciais para alegislação eleitoral, vedando a
utilização de pecúnia para pagamento de outros meios que não pro-
pagandísticos, punindo a maioria das transgressões legais com multas.
A legislação assegura a possibilidade também da petição para a defesa
dos direitos do candidato, sendo esse tipo de petição de que se valerá o
1 Graduando de Direito pela UFRN. e-mail: <[email protected]>
2 Graduando de Direito pela UFRN. e-mail: <
[email protected]>
Eleições, Política e Gestão Pública 70
Uma coleção de Artigos
candidato para a obtenção das proteções exclusivas por sua ideologia e
simbologia.A preocupação com o registro fiel do candidato se associa
semelhantemente com as características do mercado e do respeito pela
conquista da clientela.
A lei eleitoral (BRASIL, 1997),no artigo 26, considera como gastos
eleitorais a propaganda e a publicidade direta ou indireta, por quaisquer
meios de divulgação, desde que destinadasa conquistar votos, e prevê
o registro de gastos com produção de programas para radiodifusão, a
produção de programas de televisão ou vídeo em outras fontes de dis-
tribuição legais de conteúdo midiático. Essas produções são carregadas
de artifícios audiovisuais e demandam profissionais gabaritados para sua
elaboração. Por isso, a lei eleitoral busca o registro, mesmo que na forma
de doação, do gasto com pessoal na sua produção, também sujeitos ao
registro e aos limites fixados.
As definições de propaganda
Na busca pela conquista do voto,tudo é usado como instrumento
de conquista.Renato Dias traz, à tona, a grande importância da uti-
lização de propagandas em períodos eleitorais à guisa de estratégias
políticas para convencer o eleitor, sem pormenorizar as repercussões de
utilização de propagandas no âmbito jurídico(DIAS, 2004).Seus estu-
dos apresentam três recursos para a propaganda do candidato: o slogan,
o jingle e o símbolo, elementos que devem figurar na ponta da imagem
do candidato, por serem os principais recursos de que esse dispõe para
se apresentar perante o eleitor (DIAS, 2004, p.167).
Oslogané definido comouma frase de efeito e de fácil memorização
que resume as características do candidato (DIAS, 2004, p.174), o jingle
comouma mensagem musicada e com propósito de ser lembrada com
facilidade pelo eleitor (DIAS, 2004, p.176), e o símbolo de candidato
como uma representação de fácil identificação para o eleitor (DIAS,
2004, p.168). Francisco Ferraz traz abordagem semelhante dos ele-
mentos publicitários, slogan, jingle e símbolo, para a campanha eleitoral,
considerando-os fundamentais para a apresentação do melhor conceito
Eleições, Política e Gestão Pública 71
Uma coleção de Artigos
sobre o candidato (FERRAZ, 2004). Esses três elementos publicitários,
por serem produções estritamente originais e fruto de criativo trabalho
intelectual, são passíveis de proteção nos termos da lei.
O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI)define
marca como o sinal aplicado ao serviço, no caso o do candidato, com
funções de identificar e distingui-lo de outros, criando a possibilidade
de iconografia própria. Tem então a proteção à marca utilizada pela
indústria e comércio tradicional total aplicação para a produção inte-
lectual das suas iconografias e simbologias na campanha do candidato.
Surge a dificuldade de se escolher e utilizar simbologias adequadas
às características do candidato, considerando também a necessidade de se
proteger o uso indevido de simbologia própria, que em situações hones-
tas pode custar parte considerável do orçamento da campanha de muitos
candidatos.Denis Barbosa afirma que a proteção fiel da marca da empresa
tem sido a modalidade mais pretendida pelas empresas americanas, e a
que as empresas consideram de maior relevância (BARBOSA, 2003).
Proteção das marcas de campanha
É a lei de propriedade industrial o instrumento adequado para a
proteção que é dada ao mercado de consumo. A Lei nº 9.279, de 14 de
maio de 1996 (BRASIL, 1996), dá a necessária segurança jurídica ao tema,
considerandosuscetível de registro a marca, definindo ainda três tipos
dessas marcas. A lei prevê ainda um utilíssimo rol de impedimentos
de registro, dentre os quais a impossibilidade de proteção às cores par-
tidárias, sendo a combinação de modo peculiar e distintivo do partido
possível de proteção.
O registro de marca ou simbologia amparado pela lei de proprie-
dade industrialbusca primordialmente a proteção à marca de campanha
valiosa e cuidadosamente criada para o uso associado ao candidato,
assegurando a imediata e rápida associação com suas qualidades admi-
nistrativas, para a conquista do sufrágio do eleitor, semelhantemente às
atividades encontradas na preferência dos consumidores pelos produtos
de mercado.
Eleições, Política e Gestão Pública 72
Uma coleção de Artigos
Registrar marca e simbologia de campanha dá a garantia legal ao
candidato para uso exclusivo dessa em todo o território nacional. É a
segurança jurídica mister para fazer a necessária separação do joio do
trigo no âmbito da preferência do voto. Sem tal segurança, abre-se a
possibilidade de candidatos se valerem de plágios, paródias e princi-
palmente da utilização do que se pode chamar de “omnisimbologias”, a
utilização de grande sorte de simbologias para limitar ou mesmo con-
fundir o eleitorado, porque na ausência do registro não pode o candidato
buscar a exclusividade do uso de uma marca sua em particular.
No âmbito comercial, a criação artística de slogans,jingles e símbo-
los se assemelha com o âmbito eleitoral, e não se pode pensar diferente
quanto aos benefícios e proteções advindos do registro dessas peças
publicitárias.No sentido da elaboração de simbologias e marcas artís-
ticas,há a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que define obras
intelectuais e fomenta a possibilidade de negócios jurídicos sobre as
peças publicitárias elaboradas no âmbito também das eleições, tal como
o é no âmbito do mercado de consumo de produtos e serviços (BRASIL,
1998).
É evidente o risco iminente na utilização descuidada de material
comercial protegido, quando a lei assegura que depende de autoriza-
ção do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, direta ou
indiretamente (BRASIL, 1998, art. 29).A infringência ao regramento
incorre no descumprimento de regulamentação eleitoral, com previsão
da cessão dos direitos dos slogans,jingles ou símbolos desenvolvidos, ou
mesmo a execução de paródias e alterações em obra já existente asso-
ciada ao candidato, que a própria lei considera onerosa. Mas não é
novidade que se observa a utilização intensa de simbologias comerciais
por candidatos, muitas das quais protegidas.
O artigo26,inciso XVI da Lei 9.504/1997, considera gastos elei-
torais, sujeitos a registro e aos limites fixados em lei, a produção de
jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral (BRASIL, 1997,
art. 26). Por este modo, deve constar na prestação das contas eleitorais
dos candidatos ao menos a execução de algum recurso para pagamento
de profissionais artísticos. Entretanto, o reconhecimento dos negócios
Eleições, Política e Gestão Pública 73
Uma coleção de Artigos
jurídicos, aqui apresentados, contabilizados nas contas eleitorais previs-
tas pela legislação, pode trazer um ônus a mais, se seguidos, à risca, aos
limites estabelecidos em lei, mas a obrigação de se dar o devido trata-
mento jurídico é necessária na busca da transparência nas campanhas
eleitorais que se deseja.
Considerações finais
As campanhas eleitorais atuais são permeadas de estrutura de pro-
paganda nos diversos segmentos de eleitores e deixou a propaganda
eleitoral de ser somente a distribuição de folhetos publicitários.As legis-
lações que circundam a temática,tanto normas eleitorais como asque
protegem os direitos de produção de propaganda genérica e específica
para os candidatos, devemestabelecer um continuum proveitoso.
Destarte identifica-se como uma válida estratégia de campanha o
registro e proteção das simbologias e marcas das candidaturas e o con-
trole legal da utilização de marcas comerciais no âmbito das eleições,
trazendo uma maior segurança jurídica e garantias de transparência nas
campanhas eleitorais.
Entretanto, os candidatos parecem não considerar importantes
os benefícios de se registrarem suas marcas “comerciais” no âmbito do
período eleitoral, e demonstram que a campanha eleitoral no Brasil, a
despeito de toda uma carga legislativa disponível para os candidatos
acompanharem, ainda resta o descuido para com os detalhes.
Ainda mais,a proibição do uso de simbologia protegida também
se torna um artifíciobélico, nas mãos de bons juristas e advogados, que
podem custar recursos e desgastar a imagem dos candidatos adversá-
rios. A utilização descuidada e prematura, às vezes beirando ao plágio
inclusive, de marcas sem autorização pelos candidatos, na busca por
conquistar o eleitor assim como se conquista um consumidor, pode
ensejar a perda de, se não uma campanha mesmo, alguns dias preciosos
de seu tempo de angariar votos, tentando se defender da mácula de mau
costume.
Eleições, Política e Gestão Pública 74
Uma coleção de Artigos
Referências
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ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. [Brasília], 1996. Regula
direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso
em: 30 jul. 2016.
_________. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. [Brasília], 1997.
Estabelece normas para as eleições. Disponível em: <https://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 30 jul.
2016.
_________. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. [Brasília], 1998.
Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/Leis/L9610.htm>. Acesso em: 30 jul. 2016.
DIAS, Renato Costa. Marketing político: como ganhar uma cam-
panha eleitoral seguindo os ensinamentos de Sun Tzu, Maquiavel e
Clausewitz. Natal: Ed do autor, 2004.
FERRAZ, Francisco. Manual completo de campanha eleitoral. [S.l.]:
L&PM Editores, 2010.
INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INTELECTUAL.
Guia básico de marca. Brasil, [201-]. Disponível em: <http://www.inpi.
gov.br/menu-servicos/marcas/guia-basico-de-marca>. Acesso em: 30
jul. 2016.
Eleições, Política e Gestão Pública 75
Uma coleção de Artigos
Sistema prisional: política de insegurança
pública?
Igor da Silva Gomes1
Augusto de França Maia2
Sebastião Caio dos Santos Dantas3
Introdução
E
m uma conjuntura de crise e tensão em diversos setores sociais
no Brasil, alavancada por uma instabilidade política e econô-
mica, a população e o poder público redirecionam seus olhares
para outras preocupações e se esquecem de um “calo nos pés” do âmago
social que já vem provocando dores há algumas décadas e que, por falta
de estruturação de uma política pública decente, não tem obtido resul-
tados satisfatórios.
A crise no sistema penitenciário, impulsionada, sobretudo, pelo
déficit de vagas e inexistência de um sistema eficaz de reabilitação, tem
como resultados iminentes a superlotação dos equipamentos prisionais,
o total desrespeito às garantias e direitos do apenado, a reincidência
criminal e, consequentemente, índices apavorantes de insegurança. Esta
conjuntura é fruto da adoção de estratégias penais que apresentam o
agente infrator como inimigo social, gerando novas finalidades e objeti-
vos ao se aplicar o instituto da pena, notadamente da reclusão.
1 Discente do curso de graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte-UFRN, e-mail:
[email protected].
2 Discente do 10º período do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), e-mail:
[email protected].
3 Bacharelando em direito e Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
– Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e-mail:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 76
Uma coleção de Artigos
A sistemática envolta do tema é marcada por um paradigma que se
encontra atrelada a uma população que, instigada por uma mídia, quase
sempre manipuladora de dados da violência e do sistema carcerário,
clama por medidas mais severas de punição a atos criminosos, todavia
se esquece de que é através da implementação de políticas públicas para
a reabilitação dos apenados ou o cumprimento das legislações penais
que efetivamente obter-se-ia uma diminuição nos números da violência.
Doravante, este breve estudo buscará demonstrar o porquê do fra-
casso da forma de gerenciamento e organização do sistema penitenciário
no Brasil, trazendo justificativas para tal, ante os grandes investimentos
em segurança pública sem os devidos retornos satisfatórios.
Através da colheita e análise de dados do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, do Conselho Nacional de Justiça, dentre outros
órgãos, realizar-se-á uma discussão em torno da aplicabilidade da Lei de
Execuções Penais e de toda a dogmática envolta à punição e consequente
reabilitação do agente transgressor, na ótica de atingir as finalidades
previstas ao instituto da pena no ordenamento jurídico brasileiro.
Este breve estudo será de relevância imensurável, pois trará novas
perspectivas para ampliar e diversificar o diálogo em torno da discus-
são, apresentando soluções e metodologias que podem ser aplicadas para
mudar essa cruel realidade que assola o país.
O sistema prisional brasileiro em colapso
Aduz a sistemática processualística penal que a regra no ordena-
mento jurídico brasileiro é a liberdade, sendo o indivíduo privado desta
excepcionalmente. Para que se prenda uma pessoa,faz-se necessária a
observância de pré-requisitos essenciais, entre os quais os previstos na
Constituição Federal de 1988, quais sejam, o flagrante delito ou a ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (artigo 5º,
LXI), salvo, ainda, os casos de transgressão militar ou crime propria-
mente militar.
Ademais, o Código de Processo Penal apresentou outra moda-
lidade de prisão, a cautelar, dividida em preventiva e provisória, estas
Eleições, Política e Gestão Pública 77
Uma coleção de Artigos
que devem ser decretadas para garantir a ordem pública, econômica,
por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a execução da
lei penal, quando houver indícios suficientes de autoria e materialidade
delitivas. Para tanto, devem-se levar em consideração outros dispositivos
estabelecidos pelo código.
Deste modo, percebe-se que a prisão deve ser aplicada apenas para
os crimes em que o nível de culpabilidade e periculosidade for elevado,
podendo o infrator, em liberdade, pôr em risco toda a sociedade. A
quantidade de crimes deste tipo que chegam ao conhecimento das auto-
ridades policiais é ínfima, em comparação à quantidade de pequenos
delitos cometidos e autuados.
Doutra banda, percebe-se que o número de pessoas encarceradas
tem crescido exorbitantemente no Brasil, estando o país no ranking dos
países com maior população carcerária do mundo. Segundo dados do
Conselho Nacional de Justiça, o Brasil atingiu a marca dos 567.655
presos no ano de 2014, ocupando a 4ª posição no ranking mundial, per-
dendo apenas para Rússia, China e Estados Unidos, estes dois últimos,
ressalte-se, possuindo contingente populacional bem maior que o do
Brasil.
De mais a mais, a população carcerária provisória totaliza um mon-
tante de aproximadamente 232.739 presidiários, o qual perpassa a marca
dos 41% do total de presos, o que, a princípio, demonstra uma exagerada
decretação de prisões cautelares.
Numa análise inicial dos dados, torna-se evidente que a maior
parte das prisões em flagrantes ou autuadas pelas autoridades policiais
é resultante da prática de pequenos delitos, com baixo grau de pericu-
losidade. Deste modo, como explicar um número tão elevado de prisões
cautelares decretadas, frente à disposição legal de que a liberdade é a
regra, sendo sua privação a exceção?
Todo o exposto corrobora a ideia de que no Brasil se prende muito,
mas se prende mal. Tudo isso é resultado da adoção de uma política
pública de encarceramento como meio para se garantir a aplicabilidade
das leis penais e efetivação da segurança pública. O resultado é o que se
vê amplamente em todos os meios de comunicação: a superlotação e o
Eleições, Política e Gestão Pública 78
Uma coleção de Artigos
colapso no sistema prisional. Dados do Conselho Nacional de Justiça
informam que o déficit de vagas totaliza 210.436, cerca de 37.1% do
total de vagas.
Este problema traz consequências alarmantes, uma vez que a
superlotação dificulta a aplicação dos regramentos da Lei de Execuções
Penais, a começar pelo desrespeito ao espaço mínimo de seis metros
quadrados por preso numa cela, disposto no artigo 88, parágrafo único,
alínea a, da LEP.
Com a total ausência de iniciativas eficazes, rebeliões quase sempre
decorrentes de insatisfação dos presos, revoltados com a insalubridade e
indignidade humana nos equipamentos prisionais, a ausência de políti-
cas de reabilitação, a quantidade de fugas, mortes de policiais e o número
elevado de homicídios e reincidência criminal, resta comprovado o fra-
casso da sistemática de gerenciamento das penitenciárias e centros de
detenção, o que requer novas perspectivas de organização e controle.
Assim, o que se conclui de todo o quadro apresentado é que sem
uma política pública adequada e o devido gerenciamento do sistema
prisional, o que deveria tratar-se de uma questão de segurança acaba se
tornando, pasmem, uma questão de insegurança pública.
Nova perspectiva: o sistema prisional como verdadeira
política pública
Não obstante toda a complexidade na qual está envolta o sistema
prisional brasileiro, a solução não parece estar muito distante: aplicar a lei
ao caso concreto. Todo o desrespeito ao disposto na ordem constitucio-
nal e legal brasileira, aqui trabalhado, coloca em xeque todo um sistema
que, sem resultados práticos positivos, provoca na sociedade, além de
altos índices criminais, uma profunda sensação de medo e insegurança.
A noção de política pública remete, resumidamente, ao estudo, esta-
belecimento de metas, encaminhamento de projetos e apresentação de
soluções acerca dos mais diversos problemas sociais. Qualquer gargalo
presente no amplo tecido social, quando não passado por essas etapas,
compromete a eventual obtenção de quaisquer resultados positivos. Não
Eleições, Política e Gestão Pública 79
Uma coleção de Artigos
raramente, é bem verdade, a administração pública, em todas as esferas,
passa por profundas dificuldades de gerência da máquina estatal, provo-
cadas, sobretudo, pela falta de planejamento das suas ações, deflagrando,
inclusive, a piora em seus índices de popularidade. Daí a importância
da utilização de metas e planos, organizados em políticas públicas com
a participação do Estado e da sociedade civil organizada, para a apre-
sentação das repostas necessárias às necessidades sociais, entre elas a
insegurança pública.
O fracasso do modelo adotado no sistema prisional brasileiro repre-
senta o fracasso do próprio Estado. Prado e Melchior (2012) asseveram
que a desconfiança no exercício do poder punitivo é reflexo do abismo
entre as práticas penais e a expectativa democrática.
Aquele que cria as leis não se mostra capaz, sequer, de pôr em prá-
tica as suas próprias criações, desvirtuando, muitas das vezes, o próprio
sentimento para o qual determinada norma fora criada. Entretanto, pas-
sos largos podem (e devem) ser dados a partir de uma nova visão do
sistema carcerário, na qual os estabelecimentos prisionais sejam enten-
didos como centros de ressocialização de apenados, como há muito já
prevê a lei, embora descumprida, e não como locais unicamente destina-
dos à severa punição a quem descumpriu normas legais.
É profundamente necessário adotar a compreensão de que o
detento, por mais perigoso que seja, um dia, provavelmente, voltará ao
convívio social, e a vivência estabelecida dentro do estabelecimento pri-
sional, controlado pelo Estado, pode determinar uma melhora ou piora
do indivíduo. Os altos índices de reincidência, porém, têm apontado
para uma utilização incorreta das ferramentas penais.
Ressocializar, antes de tudo, é reintegrar uma pessoa ao convívio
social, e sem o suporte necessário para tal reintegração, o indivíduo
provavelmente não conseguirá conviver em harmonia com a sociedade.
A compreensão do cárcere como local de reeducação só será posta em
prática quando o Estado passar a discuti-lo como política pública de
segurança. Do contrário, por mais bem intencionada que seja uma ini-
ciativa, o sistema prisional continuará produzindo agentes ainda mais
perigosos, sendo transformado numa política de insegurança pública.
Eleições, Política e Gestão Pública 80
Uma coleção de Artigos
Considerações finais
Ante todo o exposto, resta evidente o caminho tortuoso e fracas-
sado trilhado pelo modelo de gerenciamento das políticas para controle
e organização do sistema prisional brasileiro, que se encontra inegavel-
mente em colapso.
Pelos dados alarmantes de encarceramento e reincidência, além do
enorme déficit de vagas no sistema, denota-se imprescindível a adoção
de novas políticas públicas para reorganizar e reestruturar toda a siste-
mática envolta das medidas necessárias à aplicação da pena com vistas à
obtenção de suas respectivas finalidades, quais sejam, a preventiva, retri-
butiva e reabilitação.
Ressalte que se faz necessária ainda a integração do sistema pri-
sional à construção da segurança pública como uma política de Estado,
dotada pelo viés da gestão púbica que garanta os mínimos para efetiva-
ção da justiça social, diferente do que é possível observar na atualidade,
onde fica evidente o desmonte dos direitos humanos bem como o suca-
teamento dos aparelhos estatais destinado a este fim.
Por fim, é notória a necessidade da construção de espaços sociais
de debate e discussão a despeito do sistema prisional que temos na cena
contemporânea e dos moldes necessários à efetivação do direito.
Referências
BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocom-
pilado.htm>. Acesso em: 20 jul. 2016.
_________. Conselho Nacional de Justiça. Novo diagnóstico de pes-
soas presas no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/
imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf>.Acesso em: 25 jul. 2016.
Eleições, Política e Gestão Pública 81
Uma coleção de Artigos
_________. Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 22 jul.
2016.
PRADO; MELCHIOR. Breve análise crítica da Lei nº. 12.403 de
2011 que modifica o regime das cautelares pessoais no Processo Penal
brasileiro. 2012.
Eleições, Política e Gestão Pública 82
Uma coleção de Artigos
Crimes contra a administração pública,
improbidade administrativa e corrupção:
acepções e ferramentas de punição
Jéssica Dantas de Oliveira1
Introdução
E
specialmente no nosso atual cenário político, econômico e social,
em que os ânimos da sociedade brasileira apontam cada vez mais
para um crescimento no interesse de controle e fiscalização dos
atos dos gestores e agentes públicos, face ao crescente descrédito que
cerca as instituições políticas, é necessário que se faça um estudo acerca
dos fenômenos jurídicos nos quais qualquer uma das pessoas que traba-
lham diretamente com a máquina pública pode ser enquadrada.
As figuras jurídicas da improbidade administrativa, da corrupção e
os diferentes tipos de crimes contra a Administração Pública não raras
vezes se confundem e acabam gerando equívocos caso não sejam bem
compreendidos. De fato, há institutos dentro destes diferentes gêneros
que recebem sanções das mais diferentes naturezas o que acaba dificul-
tando ainda mais o estudo dessas figuras.
Os atos de improbidade administrativa, por exemplo, importam,
muitas vezes, em condutas punidas pelo direito administrativo, penal e
cível, o que por si só já evidencia o quanto os fenômenos estão interli-
gados, e o quanto é importante o estudo acerca da real significação de
cada um deles.
Apenas a partir de então é que podemos também, por via de con-
sequência, conhecer quais as ferramentas de punição e de prevenção
que devem ser aplicadas quando da verificação de qualquer uma delas e,
1 Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, CERES -
Campus Caicó/RN. E-mail:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 83
Uma coleção de Artigos
assim, efetivamente mantermos o controle e fiscalização daqueles que,
por qualquer motivo, façam mau uso da res pública.
Dos tipos penais contra a Administração Pública
No título XI do Código Penal Brasileiro, estão previstos os tipos
penais que têm como bem tutelado a Administração Pública, entendida
esta como sendo a atividade de todo o Estado e das entidades públicas,
visando-se a proteção ao funcionamento dos poderes (legislativo, exe-
cutivo e judiciário), e evitando a perturbação à atividade administrativa
do Estado.
O Código Penal prevê três modalidades de crimes contra a
Administração: os praticados exclusivamente pelos funcionários públi-
cos contra a administração em geral, os praticados por qualquer particular
contra a administração em geral e os praticados contra a administração
da justiça.
No presente caso, como o estudo segue o viés dos mecanismos de
fiscalização e de controle da conduta de quem desempenha funções
públicas, tratemos dos crimes praticados por funcionários públicos con-
tra a Administração Pública.
O próprio Código Penal prevê em seu art. 327 quem pode ser
considerado funcionário público para efeitos penais, entendido como
sendo quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce
cargo, emprego ou função pública, estendendo o conceito a quem exerce
cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para
empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execu-
ção de atividade típica da Administração Pública.
Já as figuras típicas praticadas por estes agentes estão previstas
do art. 312 ao 326: Peculato, seja ele culposo ou por erro de outrem;
inserção de dados falsos e modificação ou alteração não autorizada em
sistema de informações; extravio, sonegação ou inutilização de livro ou
documento; emprego irregular de verbas ou rendas públicas; concussão;
corrupção passiva; facilitação de contrabando ou descaminho; prevari-
cação; deixar o Diretor de penitenciária e/ou agente público de cumprir
Eleições, Política e Gestão Pública 84
Uma coleção de Artigos
seu dever de vedar ao preso acesso a aparelho telefônico ou similar; con-
descendência criminosa; advocacia administrativa; violência arbitrária;
abandono de função; exercício funcional ilegalmente antecipado ou pro-
longado; violação de sigilo funcional e violação do sigilo de proposta de
concorrência.
Como as condutas acima enumeradas são consideradas criminosas,
é cabível a aplicação de sanções de reclusão ou detenção, conforme o
tipo. Além disso, o Código Penal prevê a possibilidade de efeitos con-
denatórios anexos, conforme teor do art. 92, I, a, o qual aduz a perda de
cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa
de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes pratica-
dos com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração
Pública.
Sendo assim, tendo o funcionário público praticado qualquer das
condutas acima, está sujeito à ação penal. Ressalte-se que, a princípio, os
crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública
são também considerados atos de improbidade e, portanto, podem se
sujeitar às sanções de natureza cível, penal e administrativa, cada qual
nas suas respectivas esferas.
Dos atos de improbidade administrativa
Além da prática de crimes contra a Administração Pública, os agen-
tes públicos também estão sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/92
(lei de improbidade administrativa). Como se sabe, o trato com a res
pública exige cuidado e zelo, e, portanto, também merecem maior puni-
ção aqueles que dela fazem mau uso.
Para tanto, o legislador previu também atos ilícitos de natureza
civil, os quais quando praticados pelos agentes públicos e por terceiros
em conluio com aqueles, dão ensejo a outros tipos de punição, a depen-
der do ato de improbidade praticado.
Na visão de José dos Santos Carvalho Filho, a ação de improbi-
dade administrativa busca a preservação do princípio da moralidade
administrativa, de sorte que o agente considerado ímprobo sempre é
Eleições, Política e Gestão Pública 85
Uma coleção de Artigos
qualificado como violador do princípio da moralidade (CARVALHO
FILHO, 2014).
Podem ser vítimas de atos de improbidade administrativa as pes-
soas jurídicas da Administração Direta, da Administração Indireta e as
entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido com mais
de 50% do patrimônio ou da receita anual (art. 1º, Lei 8.429/92). No
que se refere aos sujeitos ativos, podem ser autores de atos de improbi-
dade os agentes públicos, inclusive os agentes políticos, e terceiros.
Quanto às condutas que se configuram como atos de improbidade,
a Lei 8.429/92 as enumera em seus arts. 9º, 10 e 11, diferenciando-as
em atos que importam enriquecimento ilícito, dano ao erário e/ou vio-
lação aos princípios da Administração Pública. Deve-se deixar claro,
ademais, que as figuras previstas são meramente exemplificativas.
Os atos que importam enriquecimento ilícito ocorrem quando o
autor adquire vantagem patrimonial indevida, em virtude do exercício
de cargo, mandato, função ou atividade em qualquer das entidades que
podem ser sujeitos passivos de improbidade (art. 9º, LIA).
Os atos que ensejam dano ao erário verificam-se por qualquer ação
ou omissão, seja ela dolosa ou culposa, que resulte em perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens e haveres
das entidades vítimas do ato (art. 10, LIA).
Por fim, os atos de improbidade que violam princípios da
Administração Pública ocorrem por meio de ação ou omissão que atente
contra os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições (art.11, LIA).
É importante mencionar que os agentes públicos considerados
ímprobos estão sujeitos a diferentes tipos de sanções, previstas no art.
12 da LIA. Tais medidas punitivas são aplicadas conforme o tipo de ato
praticado e envolvem: suspensão dos direitos políticos, perda do cargo
ou função, perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
ressarcimento integral do dano, se houver, pagamento de multa civil. A
dosimetria da aplicação destas sanções leva em consideração a extensão
do dano causado, bem como o proveito patrimonial obtido pelo agente
(art. 12, parágrafo único, LIA).
Eleições, Política e Gestão Pública 86
Uma coleção de Artigos
Neste sentido, é de se concluir que apesar de várias das condu-
tas previstas na LIA serem consideradas também crimes contra a
Administração Pública, nem todas o são. E, por esta razão, nem sem-
pre um agente público ímprobo também será criminoso em razão do
mesmo ato. Daí a importância da separação que a LIA deixou clara
entre as sanções de diferentes naturezas, de sorte que um mesmo ato
pode ter repercussão nas esferas administrativas, cíveis e penais, bem
como em apenas algumas delas.
Da corrupção
Quando se fala em corrupção, coloquialmente, se entende o termo
como sendo atos que importem em prejuízos para a Administração
Pública e resultantes de desvio ou fraude. Na visão do Código Penal, a
palavra corrupção adquire diferentes feições. Apenas a título de exem-
plificação, fala-se em corrupção ativa e passiva (arts. 333 e 317, CP,
respectivamente), corrupção de água potável (art. 271, CP) e corrupção
de menores (art. 218). Em todos estes exemplos, o termo é utilizado
com significados diferentes, mas a visão de desvio e/ou deturpação
permanece.
Em se tratando de maus-tratos com a coisa pública, o termo cor-
rupção deve ser considerado em sentido amplo, abrangendo “toda forma
de comprometimento dos princípios que informam a administração
pública” (COSTA, 2005). E, neste caso, pode-se dizer que os atos de
improbidade administrativa são atos de corrupção administrativa.
A relação entre os atos de improbidade administrativa e corrupção
se fortalece ainda mais quando percebemos que apesar de nem todos os
atos de improbidade configurarem tipos penais da corrupção, as figuras
da corrupção ativa e passiva (as quais estão nas modalidades de cri-
mes contra a Administração Pública), sejam consumadas ou tentadas,
importam em prática de improbidade.
Na visão de Sérgio Ferraz, citado por IanaiêSimonelli da Silva e
Roberta Marcantônio, algumas leis infraconstitucionais brasileiras per-
sonificam o combate à corrupção: a lei da ação popular, da ação civil
Eleições, Política e Gestão Pública 87
Uma coleção de Artigos
pública, da improbidade administrativa, a lei de responsabilidade e, por
fim, o Código Penal, especialmente nos arts.312 a 327, 332, 333 e 335.
Considerações finais
À medida que conhecemos os significados das expressões crimes
contra a Administração Pública, improbidade administrativa e corrup-
ção, e à medida que sabemos as repercussões de cada um deles, podemos
evitar chegar a conclusões equivocadas, tendo em vista o grau de inter-
ligação que existe entre estes institutos.
Conclui-se, por fim, que o fenômeno da corrupção repercute tanto
nas esferas penais, quanto civis e administrativas. Contudo, nem todos
os atos de improbidade administrativa importam em condutas crimi-
nosas, embora, regra geral, todos os crimes contra a Administração
Pública, que não se restringem apenas à corrupção, tenham o condão de
configurarem também práticas de improbidade.
Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2014.
COSTA, Humberto Pimentel. Corrupção e improbidade adminis-
trativa. 2005. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/
default/files/anexos/15970-15971-1-PB.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2016.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 8.ed. Niterói: Editora
Impetus, 2014.
SILVA, IanaiêSimonelli da; MARCANTÔNIO, Roberta. A corrupção
e a improbidade administrativa.2014. Disponível em: <https://online.
unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/download/.../1512>.
Acesso em: 06 ago. 2016.
Eleições, Política e Gestão Pública 88
Uma coleção de Artigos
A regulação da mídia como efetivação prática
da comunicação social no Brasil
Leandro dos Santos Araújo1
Leonilson dos Santos Araújo2
Introdução
P
artindo da premissa de que os veículos de comunicação no Brasil
têm uma função pública, sobretudo rádio e televisão. Faz-se
necessário e urgente a regulação da mídia. De modo que regular
não é censurar e sim adequar a mídia à sua real função social conforme
assegura a Constituição.
Nessa perspectiva, analisando os princípios constitucionais, com
ênfase ao capítulo V que trata da comunicação social, propõe-se impul-
sionar a reflexão acerca do processo de regulação da mídia no país.
Nesse sentido, sem distanciar-se das garantias fundamentais do artigo
5° da Carta Magna, sobretudo o princípio da liberdade de expressão,
destaca-se, neste trabalho, uma análise sobre a legalidade constitucio-
nal e a necessidade de uma eficaz regulação da mídia. Por último, será
levantada uma provocação acerca de possíveis alternativas de regulação,
dentro de uma perspectiva constitucional.
1 Graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e aca-
dêmico em Direito, cursando o 6° período pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte – UERN, Campus Central de Mossoró. Endereço eletrônico: Leandro.sa86@hotmail.
com.
2 Acadêmico em Direito, cursando o 10° período pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN, CERES, Campus de Caicó/RN e estagiário na Defensoria Pública do Rio
Grande do Norte. Endereço eletrônico: [email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 89
Uma coleção de Artigos
O poder da mídia na sociedade e a ineficiência das
atuais normas reguladoras
Atualmente, os meios de comunicação têm se firmado como ele-
mentos fundamentais para a sociedade. É através desses que as pessoas
se interligam e têm acesso ao que acontece no mundo como um todo.
A mídia exerce influências sobre o cidadão, podendo incidir em suas
opiniões e comportamentos sociais. Mesmo que esses indivíduos não se
distanciem de seus processos de aprendizagens e relações tradicionais
e as suas corriqueiras formações de opiniões; o que se vê diariamente
– ouve e lê – exerce uma poderosa força, sobretudo na construção dos
discursos e debates individuais.
Nesta seara, verifica-se que essa forte influência da mídia possibilita
“aos meios de comunicação e, a quem está no controle deles, um enorme
poder de definir o que está ou não disponível para se conhecer e como
a realidade é representada. Essa decisão de como mostrar o mundo e o
que ocorre nele não é automática nem neutra”, afirma Valente (2013).
No país, o Código Brasileiro de Telecomunicações em vigor, data
de 24 de agosto de 1962, que pelo seu tempo já sofreu inúmeras modi-
ficações. Já sob a égide da CF/1988, algumas leis foram promulgadas
objetivando regular determinadas demandas midiáticas. São destaques:
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069/1990 que traz
imposições à mídia do artigo74 ao 80. A lei 8.389/1991, que instituiu o
Conselho de Comunicação Social; a lei 9.294/1996 que regula o § 4° do
artigo 220 da CF/1988; a lei 9.472/1997 que dispõe sobre a organização
dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão
regulador e outros aspectos institucionais, e a lei 10.610/2002 que trata da
participação de capital estrangeiro em empresas de comunicação no país.
É percebível que estas são normas um tanto espaças e muito espe-
cíficas, não conseguem abranger todas as necessidades e os aspectos
da comunicação socialelencados na Constituição. Por exemplo, em se
tratando do ECA, as imposições contidas entre os artigos 74 ao 80 cons-
tituem normativos exigidos pelas garantias fundamentais do artigo 5° da
Constituição vigente e não como um propósito finalístico de regular a
mídia. No que pese as demais leis, essas não discutem sequer a vedação
Eleições, Política e Gestão Pública 90
Uma coleção de Artigos
de monopólios midiáticos bem como o efetivo cumprimentodoinciso I,
alínea ‘a’ do artigo 54 da vigente Constituição.
Possibilidade constitucional da regulação da mídia
versus censura
Atualmente, vive-se no Brasil uma espetacularização da mídia
onde na maioria das vezes a mesma promove uma verdadeira descarga
dramática. Neste cenário, limites são ultrapassados e abusos são come-
tidos com a finalidade de atender interesses individuais, de modo que o
controle da mídia é exercido exatamente por aqueles que se apresentam
como defensores exclusivos da liberdade de informaçãoe expressão: os
monopólios midiáticos.
Defender que regular a mídia é censurar, é uma afirmação con-
trovertida, tendo em vista que a regulação é uma garantia assegurada
constitucionalmente. Os limites impostos à mídia pela legislação vigente
são frágeis e visam muito mais ao favorecimento do empresariado que
ao interesse público.
A liberdade de expressão tão preterida e defendida pela imprensa
nos moldes atuais é censurada em sua essência pela própria mídia,
de tal modo que as liberdades individuais ficam comprometidas. A
Constituição veda a formação de monopólios e oligopólios midiáticos,
mas na praticidade ocorre o contrário, e essa concentração permite maior
influência do empresariado da área, em vários setores da sociedade, de
tal modo que nenhuma tentativa de regulação é bem vista por estes.
Nesse raciocínio, VOGEL (2013) nos assegura que“os proprietários dos
meios de comunicação no Brasil resistem à regulamentação do mercado
em que atuam, sob a justificativa de que esta afetaria a liberdade de
imprensa (na realidade, a liberdade de empresa)”.
Aos que defendem a não regulação com o argumento de que se
estaria ferindo os direitos fundamentais garantidos pelo artigo 5º da
CF/88, sobretudo no que diz respeito à liberdade de expressão e opi-
nião, em oposto, deve-se frisar a posição de Napolitano (2012) quando
esse afirma que essas garantias estão intimamente ligadas a um fim
Eleições, Política e Gestão Pública 91
Uma coleção de Artigos
determinado que “é o ser humano, a pessoa física”, logo“têm nítido viés
individual”. Ainda, vale salientar que o incisoXI do artigo 21, da CF/88
determina que é competência da União regular os serviços de radiodifu-
são sonora, de sons e imagens.
Nesse raciocínio, a regulação da mídia é constitucional e não tem
a finalidade de promover a censura, como determinados grupos susten-
tam. Tem o objetivo de assegurar e expandir a liberdade de expressão,
uma vez que a regulação permitiria que outros grupos, ainda margi-
nalizados e as minorias pudessem se expressar e assim garantir maior
difusão de ideias e/ou pensamentos. Para tal é imprescindível a criação
de uma legislação que promova uma regulação de cunho democrático
atendendoos requisitos que a Constituição Republicana exige.
A regulação da mídia como instrumento de utilidade
pública
Sabendo da constitucionalidade da regulação da mídia no Brasil,
diante dos pressupostos aqui frisados, é fundamental discutir como regular
e para que regular a mídia. Valente(2013) nos afirma que “regular, então,
pode ter um sentido mais amplo até um entendimento mais restrito de
estabelecer regras, em especial no âmbito legal (emendas, leis, decretos,
portarias, etc.)”. Partindo da ideia da regulação num sentido amplo, pas-
samos a perceber que a mídia exerce uma função pública e sua regulação
atingiria a finalidade da comunicação social assegurada pela Constituição.
A Carta Magna de 1988 suscita a necessidade de criação de nor-
mas infraconstitucionais que venham promover a regulação devida da
comunicação social, disposta entre os artigos 220 ao 224.E observando
o § 5° do artigo 220 da CF/88, esse assegura também que: “os meios
de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto
de monopólio ou oligopólio”, entretanto na atividade prática, a comu-
nicação social é formada justamente pelo oposto disso; apenas poucas
famílias e/ou empresários controlam a mídia no Brasil.
É necessário dizimar os monopólios midiáticos reduzindo o seu
controle exacerbado perante a mídia hodierna. E como possível solução
Eleições, Política e Gestão Pública 92
Uma coleção de Artigos
para afastar e/ou desarticular estes, teríamos como ferramenta a criação
de uma lei –lege ferenda – e para tal,já existem projetos de iniciativa
popular, os quais lançam propostas de regulação para o Brasil, trazendo
em seu arcabouço central a participação popular efetiva por meio de
conselhos e um Fundo Nacional de Comunicação Social, promovendo,
nesse sentido, uma democratização da mídia.
Nesse ensejo, a regulação com finalidade pública passa pela necessi-
dade de posicionamento do Estado, de modo que se estabeleça não uma
garantia individual e sim coletiva, diante do “quadro de desigualdade
inerente à sociedade capitalista, complexificado pela formação do Brasil,
cabendo ao Estado, em conjunto com a sociedade civil, criar mecanis-
mos para que haja um equilíbrio na esfera da produção e circulação de
ideias, opiniões e informações” (VALENTE, 2012).
Por fim, a mídia como objeto de finalidade pública pressupõe uma
exigência do Estado como garantidor, de modo que haja ampla par-
ticipação da sociedade civil organizada em seu projeto de elaboração.
Estabelecendo assim novas diretrizes para a comunicação social no
Brasil, com menos demagogia e maior qualidade. Garantir maior igual-
dade entre os detentores dos meios comunicativos e maior acesso de
todos os grupos sociais à produção midiática, conforme assegura a ideia
de um Estado que se diz de Direito Democrático.
Considerações finais
Verificou-se que a regulação da mídia no Brasil, na visão atual,
é superficial e sequer atende às complementações exigidas pela
Constituição, fazendo nascer a necessidade de um sistema de regula-
ção que estabeleça uma comunicação social democrática nos moldes
constitucionais.
Não resta dúvidade que é necessáriauma regulação da mídia para
atenderao interesse público e, com isso, não se torne um subproduto da
velha máquina da politicagem, beneficiando partidos A, B, C, etc., ou
privilegiando determinadas ideologias em detrimento da coletividade.
Eleições, Política e Gestão Pública 93
Uma coleção de Artigos
Portanto, é imprescindível que se leve a sério a mídia como serviço
de utilidade pública e o Estado se posicione na intervenção,através de leis,
para que se possa firmar a garantia de isonomia entre os detentores dos
meios de comunicações brasileiros e seguir o propósito constitucional.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil. Brasília: DF, Senado, 2013.
LINS, Bernardo F. E. Perspectivas da regulação de mídia no Brasil.
Brasília, DF: Câmara dos Deputados. Consultoria Legislativa, 2013.
Disponível em: http://www.belins.eng.br/tr01/reports/2013_4200.
pdf>. Acesso em: 23 jun. 2016.
NAPOLITANO, Carlo José. A regulação constitucional da
Comunicação Social e a efetivação de suas normas. ALCEU, v.12,
n.24, p.204 a 215, jan./jun. 2012. Disponível em:<http://revistaalceu.
com.puc-rio.br/media/Artigo%2015_24.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2016.
Projeto de lei de iniciativa popular da Comunicação Social Eletrônica.
www.paraexpressaraliberdade.org.br. Brasília. 2015. Disponível em: <
http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/projeto-de-lei/>. Acesso em
22 jun. 2016.
VALENTE, Jonas. Regulação democrática dos meios de comunica-
ção. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2013. 102 p. ; 18 cm.
(Coleção o que saber 2).
VOGEL,Luiz Henrique. A Comunicação Social na Constituição
de 1988 e a concentração da Mídia no Brasil. Brasília, DF: Câmara
dos Deputados. Consultoria Legislativa, 2013. Disponível em: <http://
www2.camara.leg.br/documentos-e pesquisa/publicacoes/estnottec/
areas-da-conle/tema3/2013_9029.pdf>. Acesso em 23 jun. 2016.
Eleições, Política e Gestão Pública 94
Uma coleção de Artigos
Corrupção, crime e sebocracia
Lucas Cavalcante de Lima1
Introdução
Como o futebol, de repente, a corrupção virou um assunto nacional,
debatido nas esquinas, nas casas, entre amigos, família, nas páginas dos
jornais, das revistas, nas rádios, televisão, internet. Um bombardeio de
imagens, palavras, notícias, revelações, acusações, escândalos. Para além
da terra brasilis, a corrupção se tornou um tema mundial, sobretudo a
partir dos anos 90. Estados Unidos, Itália, Alemanha, Rússia, Japão,
União Europeia, América Latina e organismos internacionais já foram
destaques em decorrência da corrupção (“podridão”) política, econômica
e social (para aprofundar, vide JORDÃO, 2000, p.7-20). A corrupção é
um fenômeno multifacetado e interdisciplinar. Neste texto, a presente
abordagem será necessariamente seccionada e superficial, até porque
não seria possível em pequeno espaço abordar o tema em sua comple-
tude e complexidade.
Desenvolvimento
Na literatura especializada, há uma grande dificuldade em definir
exatamente o que é corrupção. Sem exageros, a temática expande-se
para além da ciência política, atraindo institutos e concepções da eco-
nomia, sociologia, filosofia e direito, entre outras variantes das ciências
humanas, pela simples (será?) razão de ser a corrupção um fenômeno
humano, individual (porque nasce da vontade, nem sempre espontânea,
1 Pós-graduado em Direito Processual Civil (UNESA); Pós-graduado em Direito Penal e
Processual Penal (UCAM); Graduado em Direito (UFRN); Advogado no Escritório José
Delgado & Dutra - Advogados; e-mail:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 95
Uma coleção de Artigos
do indivíduo corrupto ou corruptor) e coletivo (porque pressupõe a
interação, a comutatividade entre os sujeitos ou, pelo menos, de conse-
quências transindividuais).
O termo corrupção deriva do latim corruptio/corruptionis, que em
sua origem significava a deterioração da matéria, a putrefação do corpo,
passando mais tarde a ser empregado para descrever a corrupção do
corpo político, bem como o desvio para conquista de interesses privados
em detrimento do interesse público (PIMENTEL FILHO, 2015). É
nesse sentido que para Platão as formas boas de governo, monarquia,
aristocracia e democracia, degenerar-se-iam em formas corrompi-
das, oligarquia, tirania e anarquia, respectivamente, na medida em que
passavam os governantes a contemplar apenas o interesse individual
(PLATÃO, 2002).
Também interessante é a abordagem de Espinosa que, tratando a
corrupção especialmente como deturpação/degeneração do exercício do
poder, diz que sua gênese está mais na má qualidade das instituições
públicas, que no defeito moral dos governantes (SPINOZA, 2013),
embora, em nosso sentir, as duas circunstâncias sejam com causas, entre
outras causas (ontológicas, sociológicas, políticas e econômicas), do
mesmo ato corrupto ou corrompido.
Enfim, o conceito depende da ciência social usada e da corrente
de pensamento adotada, porque a corrupção é um fenômeno múltiplo
e transdisciplinar. Como este texto é, essencialmente, jurídico, então se
deve adotar uma definição sob este prisma. Em apertada síntese, cor-
rupção é “um ato praticado por agente público (ou equiparado), com
violação dos deveres normativos inerentes a sua atividade, e com a fina-
lidade de perseguir qualquer vantagem privada” (PIMENTEL FILHO,
2015, p.48). É abusar das instituições públicas para a satisfação de inte-
resses privados.
A visão corrente sobre a corrupção é de que ela faz parte do jeito
(ou jeitinho) brasileiro de ser, como se estivesse, de alguma forma, em
nosso código genético ou em nosso sangue. Apesar do esforço (ainda
tímido) das instituições de controle e repressão, acaba prevalecendo no
imaginário coletivo a ideia de que “o Brasil não tem jeito”, “somos todos
Eleições, Política e Gestão Pública 96
Uma coleção de Artigos
corruptos mesmo” e “nenhum político presta”. Embora as proposições
não sejam de tudo absurdas, não devem ocupar o nosso imaginário, pois
trazem um efeito paralisante e devastador, obstando o retorno a um
nível tolerável de desmandos e descalabros com a res publica. Se não o
primeiro, mas um grande passo para vencer a corrupção é desfazer do
imaginário populara ideia de que a corrupção seja inevitável e insupe-
rável. A prevalecer essa imagem, a paralisia, o ceticismo e o pessimismo
sepultarão de vez qualquer chance de mudança.
Os efeitos da corrupção são danosos, sobretudo, para a política, a
economia e, consequentemente, para a sociedade em geral, especialmente
para os mais necessitados, pois dependem precipuamente dos serviços
públicos de saúde, educação, moradia, emprego entre outros direitos
sociais exemplificados no art. 6º da Constituição Federal. A política se
torna politicagem, quando os candidatos inescrupulosos vendem a pró-
pria alma para conseguirem se eleger; depois abusarem ao máximo da
máquina pública para, primeiro, saldarem as dívidas de campanha e, em
seguida, enriquecerem-se ilicitamente e, assim, fazerem valer a pena o
“investimento eleitoral”.
A economia de um País inteiro também pode ser afetada pelo des-
vio de dinheiro público. Os bilhões de propinas poderiam ser aplicados
em atividades produtivas ou injetados no mercado para gerar emprego,
renda, tecnologia e, assim, impulsionar o crescimento do País. A crise
aguda porque passa o Brasil nos últimos anos é reflexo, em grande parte,
da roubalheira generalizada dos cofres públicos. As contas públicas
estão no vermelho faz tempo e assim permanecerão por um longo perí-
odo. Como diz Saad Masloum, “o mal causado à sociedade é devastador.
É fato: corrupção também é causa de miséria” (2003, p.15). Pimentel
Filho vai mais longe ao afirmar que “não seria mera retórica dizermos
que em determinadas circunstâncias a corrupção é causa de verdadeiros
genocídios” (2015, p.99).
A corrupção não se limita à questão ética ou política. É crime!A
maioria das modalidades delituosas está inserida nos “crimes contra a
Administração Pública”. De acordo com o Código Penal, a corrupção
pode ser passiva ou ativa. Naquela, o funcionário público solicita ou
Eleições, Política e Gestão Pública 97
Uma coleção de Artigos
recebe vantagem indevida, para si ou para outrem, em razão da fun-
ção, ou aceita a promessa de tal vantagem (art. 317, CP). Na corrupção
ativa, o particular oferece ou promete vantagem indevida a funcionário
público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício
(art. 333, CP).
Ainda incluída nos tiposdo Código Penal há uma série de especifi-
cações que em geral entendemos como corrupção: peculato (apropriar-se
ou desviar dinheiro ou valor qualquer em proveito próprio ou alheio,
art. 312);prevaricação (retardar ou deixar de praticar ato de ofício para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal, art. 319);facilitação de contra-
bando ou descaminho (facilitar, com infração de dever funcional, a prática
de contrabando ou descaminho, art. 318);emprego irregular de verbas ou
rendas públicas (dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da
estabelecida em lei, art. 315);concussão (exigir, para si ou para outrem,
em razão da função, vantagem indevida, art. 316);excesso de exação (exi-
gir tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido,
ou, quando devido, empregar na cobrança meio vexatório ou gravoso,
art. 316, § 1º);corrupção ativa de auxiliares da Justiça (dar, oferecer ou
prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem à testemunha, perito,
contador, tradutor ou intérprete para mentirem ou omitirem a verdade,
art. 345); ecorrupção ativa em transação comercial internacional (prometer,
oferecer ou dar vantagem indevida a funcionário público estrangeiropara
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à
transação comercial internacional, art. 337-B). Não é apenas no Código
Penal que a corrupção está posta como crime. Em outras leis, como no
Código Eleitoral e na Lei 8.137/90, encontra-se igual tratamento para
essa conduta criminosa.
Já temos uma noção sobre o fenômeno da corrupção e suas con-
sequências nas searas econômicas, políticas, sociais e jurídicas. Em tom
de autocrítica, a corrupção espelhada no setor público é apenas a ponta
do iceberg da degeneração (“apodrecimento”, “podridão”) do caráter
humano e do malogrado projeto social e comunitário. Muitos que se
levantam contra os corruptos midiáticos não percebem que a corrupção
está presente também na vida privada, nos atos invisíveis à grande mídia
Eleições, Política e Gestão Pública 98
Uma coleção de Artigos
e mesmo em práticas sociais e políticas aparentemente “inofensivas” à
primeira vista, como negociar uma multa de trânsito, comprar um fis-
calou trocar o voto por uma dentadura ou um saco de cimento. “Com
o passar do tempo, aquele que comete pequenas corrupções pode passar
a ser grande corruptor. O mesmo se diga de quem se deixa corromper”
(NUCCI, 2015, p.8).
A democracia, idealmente o poder do povo (governo em que o
povo exerce a soberania), transformou-se em sebocracia, pois o poder é
corrompido e a sebosidadepolítica e moral reina como regra neste País
de Bruzundangas, para lembrar Lima Barreto(2016).A política nesse
País imaginário era cômica. Políticos eram nomeados pelo voto do
povo, mas quem votava não tinha a mínima ideia do que estava fazendo.
Ao se olhar mais de perto, esse País imaginário é bastante real. Mas, a
corrupção não está apenas no ato político, embora seja o mais notado
e nocivo. O indivíduo que usa de amizade com um servidor público
para “furar” a fila em determinada instituição pública e receber atendi-
mento privilegiado não percebe que esse ato é uma “microcorrupção” e
a prática de atos corruptos maiores dependerá apenas de oportunidade.
Não é necessário haver ganhado patrimonial, pois “nem sempre as prá-
ticas corruptoras envolvem recompensa financeira” (BARROS FILHO;
PRAÇA, 2014, p.45).
Muitos que criticam os políticos corruptos e ladrões só não fazem o
mesmo porque não chegaram ao poder. “Quem não tem o pudor em ficar
com o troco de uma venda (por vezes, algumas moedas), esquecido pelo
cliente, já se mostra corrupto, embora se vislumbre a pequenez do dano
patrimonial” (NUCCI, 2015, p.9). O povoacaba por contribuir para a
corrupção, quando se vende ou negocia seu voto, poisem razão da com-
pra de votos, promessas e alianças, o candidato eleito necessariamente
precisará recorrer ao caixa dois e propina para saldar compromissos,
cumpridos mediante desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de
dinheiro.
Eleições, Política e Gestão Pública 99
Uma coleção de Artigos
Conclusão
Em tom de conclusão e a título de sugestão, o primeiro passo para
vencer a corrupção é não aceitá-la como natural (reforma moral); o
segundo é aumentar as penas mínimas cominadas em abstrato e tornar
os delitos de corrupção em crimes hediondos ou equiparados (reforma
penal). Nesse sentido, já há propostas legislativas em curso, no Senado
Federal e na Câmara dos Deputados; e o terceiro é acabar com o foro
por prerrogativa de função (reforma processual). Para ver outros ins-
trumentos de combate à corrupção,(cf. PIMENTEL FILHO, 2015,
p.121-186;FURTADO, 2015, p.411-429). O caminho todo não se
resume nesses passos, mas já seria boa parte da estrada no retorno à
civilidade.
Ademais, a punição deve ser certa, justa e tempestiva, pois “o sólido
alicerce da corrupção é a impunidade” (NUCCI, 2015, p.13). Desviar
milhões de reais dos cofres públicos e cumprir prisão domiciliar (em
mansões de luxo), ficar em regime semiaberto ou mesmo ver a pena
prescrever é uma afronta à justiça e ao povo. Com esse desfecho, os
políticos, funcionários públicos e corruptores avaliam que, neste País, o
crime compensa.
Nada obstante, o foco não deve ser a repressão, pois é preferível
prevenir. “A melhor abordagem a ser utilizada para combater a corrup-
ção, a mais efetiva, deve estar relacionada à prevenção da ocorrência dos
ilícitos, e não à sua repressão” (FURTADO, 2015, p. 36). Nesse contexto,
a sebocracia precisa ser destituída do poder e o povo deve entender que
o político é um espelho do eleitor. Como diz o francês Joseph-Marie
Maistre, em sua célebre frase, “cada povo tem o governante que merece”.
Em outras palavras, para lembrar Apparício Fernando, se há um idiota
no poder, é porque os que o elegeram estão bem representados.
Eleições, Política e Gestão Pública 100
Uma coleção de Artigos
Referências
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nerativa. Campinas/SP: Papirus 7 Mares, 2014.
FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudos
de caso e lições para o futuro. Belo Horizonte/MG: Fórum, 2015.
HABIB, Sérgio. Brasil: quinhentos anos de corrupção - enfoque sócio
-histórico-jurídico-penal. Porto Alegre/RS: Sérgio Antônio Fabris,
1994.
JORDÃO, Rogério Pacheco. Crime (quase) perfeito: corrupção e lava-
gem de dinheiro no Brasil. São Paulo/SP: Fundação Perseu Abramo,
2000.
LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Os Bruzundangas. Editor
Olavo Gama. Rastro Digital, eBookKindle, 2016.
MAZLOUM, Saad. Corrupção: crime e improbidade. São Paulo/SP:
Edição do autor, 2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Rio de
Janeiro/RJ: Forense, 2015.
PIMENTEL FILHO, André. (Uma) teoria da corrupção: corrupção,
estado de direito e direitos humanos. Rio de Janeiro/RJ: Lumen Juris,
2015.
PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. Rio de Janeiro/
RJ: Best Seller, 2002.
SPINOZA, Baruch de. Tratado político. Tradução de José Pérez. Rio
de Janeiro/RJ: Nova Fronteira, 2013.
Eleições, Política e Gestão Pública 101
Uma coleção de Artigos
Princípio da proporcionalidade e as provas
ilícitas no direito processual penal
Luciano Nascimento Silva1
Cinthya Fernanda Vicente Souza2
Introdução
É
inegável que as instituições de controle social, como a mídia, a
igreja e o Estado, sempre exerceram considerável influência nos
lares e no modo de vida das pessoas. A influência dessas insti-
tuições se tornou tamanha, que as pessoas deixam de ter o seu próprio
conceito ou opinião para seguirem um modelo adotado pelos meios
sociais.
Baseado nisto, é que, ao longo dos anos, o instituto da prova, no
que tange a sua forma de capitação, tomou outro caminho. A título de
exemplo, basta ligara televisão e assistir a algum noticiário, que bem se
vê a busca da mídia pela audiência, com suas reportagens por meio de
“gravações ilícitas” sobre supostos crimes cometidos pelas grandes auto-
ridades do nosso País.
Com isso, surge a necessidade de se limitar o direito à prova,
podendo a vedação ocorrer tanto em lei processual, quanto em norma
material. Assim, indispensável é, para caracterização da ilicitude da
1 Pós-Doutor em Sociologia do Direito pela FacoltàdiGiurisprudenzadell`UniversitàdelSalento,
Itália. Professor adjunto no CCJ/UEPB. Professor Colaborador no PPGCJ/UFPB e
no PPGDH/NCDH/UFPB. Líder do Grupo NUPOD – Núcleo para Pesquisa dos
Observadores do Direito (DGP/CNPq).
2 Pós-Graduanda em Prática Judicante pela ESMA/PB – Escola Superior da Magistratura
do Estado da Paraíba. Advogada. Pesquisadora do NUPOD – Núcleo para Pesquisa dos
Observadores do Direito (DGP/CNPq). Bacharela em Direito pela Universidade Estadual
da Paraíba (CCJ/UEPB).
Eleições, Política e Gestão Pública 102
Uma coleção de Artigos
prova, que a violação das regras de direito material afeteo direito funda-
mental constitucionalmente resguardado.
Nesse sentido, as provas ilícitas encontram-se na encruzilhada da
busca da verdade em defesa do bem jurídico tutelado e o respeito a
direitos fundamentais que podem ou não ser afetados pela presteza pro-
batória do Estado.
Dessa maneira, há frequentemente conflitos entre princípios igual-
mente tutelados pelo texto constitucional. Entretanto como não pode/
deve haver incompatibilidade entre preceitos constitucionais, é preciso
que direitos “aparentemente” em conflito e antagônicos sejam harmoni-
zados entre si pelo intérprete (aplicador da norma).
Em que busque um modelo jurídico-interpretativo solucionador
do impasse pelo qual será possível o balanço dos valores em questão,
estabelecendo no caso concreto o peso de cada um dos bens ou valores
em jogo, para que ao final seja estabelecido qual deles deverá prevalecer.
Nesse contexto, a proteção da sociedade está mais bem amparada
pela preservação do núcleo básico de garantias de todos, e o princípio da
proporcionalidade deve ser invocado na sua essência,quando dos confli-
tos entre bens jurídicos tutelados.
É importante também verificar, quando se fala em justiça dentro
da nova ordem constitucional, examinar, além das análises jurídicas, a
comoção popular que gera o assunto em questão. Fazendo uma análise
por meio da influência que a mídia tem para com as camadas sociais,
vez que estas, não compreendendo a forma de processamento de delitos,
clamam por justiça, na expectativa de penas privativas de liberdade cada
vez mais duras e demoradas.
Em continuidade, falar que um acusado não será punido porque
houve produção ou uso de uma prova ilícita no processo, soa “de longe”
como mais uma impunidade para o País, o qual não é de hoje “anda”
desacreditado no Poder Judiciário.
Com referência, evidentemente, a situações de provas ilícitas uti-
lizadas pela acusação, pois em proveito do réu, ou seja, em sua defesa,
pacífico é o entendimento tanto da doutrina como da jurisprudência, da
autorização das “provas ilícitas”.
Eleições, Política e Gestão Pública 103
Uma coleção de Artigos
Considerando aspectos como este da nossa realidade, o presente
artigo parte da seguinte problemática: Seguindo a sistemática proces-
sual brasileira é possível a utilização de provas ilícitas com a finalidade
de proteger interesse coletivo?
Assim, respalda-se de uma pesquisa com um material teórico base-
ado em leis brasileiras, sobretudo na Carta Magna, bem como revelar
os fundamentos por trás de cada um dos posicionamentos doutrinários
encontrados e a forma como nossos tribunais vêm decidindo o pro-
blema, evidenciando que não há uma uniformidade na área.
Ademais, busca-se decifrar como as provas ilícitas estão sendo
analisadas tanto no transcorrer da persecução penal como na hora da
decisão, na expectativa de agregarmos conhecimento sobre um tema de
salutar importância, porém tão pouco discutido.
Este artigoalmeja, portanto, à luz do estudo das provas ilícitas e
o critério da proporcionalidade, analisar os conflitos entre a legislação
brasileira, sobretudo nossa Lei Maior, bem como as teorias e posiciona-
mentos jurisprudenciais de maior destaque, fazendo um enfoque rápido
sobre a teoria da prova e suas análises mais importantes, bem como dos
princípios que norteiam o tema, para então adentrarmos no estudo das
provas ilícitas e o critério da proporcionalidade.
Do instituto da prova
O processo, na sua ideal conceituação, objetiva fazer a reconstrução
dos fatos ocorridos. A prova está para a persecução penal como impor-
tante e, portanto, indispensável para demonstração dos verdadeiros fatos
ocorridos à época do delito.Assim, compreender sua base, entender seu
conceito, é de inquestionável valor para continuar seu estudo, já que a
prova é a reunião de todos os elementos encontrados e produzidos pelas
partes em busca da verdade real.3
3 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: esquematizado. Rio de Janeiro:
Forense: São Paulo: MÉTODO, 2009. p.372.
Eleições, Política e Gestão Pública 104
Uma coleção de Artigos
Com isso, o convencimento do julgador, que é a pretensão das
partes que litigam em juízo, procurando fazê-lo a partir do manancial
probatório levado aos autos. Fase esta (instrução processual) onde se
utilizam dos elementos (provas) disponíveis para se chegar a “verdade”
dos fatos. Feita, como já dito anteriormente, pela utilização das provas.
Estas quesão, como afirma Nestor Távora em sua obra de direito proces-
sual penal, tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento
do magistrado, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio
direito discutido no litígio.4
O professor Greco Filho,5corroborando do mesmo entendimen-
to,entende que, no processo, a prova é todo meio destinado a convencer
o juiz a respeito da verdade dos fatos, afirmando:
A prova é todo elemento que pode levar o conhecimento
de um fato a alguém. O direito processual regula os meios
de prova, que são instrumentos que trazem os elementos
de prova aos autos. No processo, a prova é todo meio des-
tinado a convencer o juiz a respeito da verdade de uma
situação de fato. A palavra “prova” é originária do latim
probatio, que por sua vez emana do verbo probare, com o
significado de examinar, persuadir, demonstrar.
Nesse sentido, Guilherme Nucci, citado por Távora,6 arremata que
existem três sentidos para o termo prova, o primeiro trata-se do ato
de provar; o segundo corresponde ao meio; e o terceiro diz respeito ao
resultado da ação de provar, conforme se verifica:
Três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o
processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do
fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória);
b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra
4 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal.
Salvador: Editora Podivm, 2013. p.388.
5 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8. ed. Editora Saraiva: São Paulo,
2010.p. 185/186.
6 NUCCI apud TÁVORA, op cit. p. 388.
Eleições, Política e Gestão Pública 105
Uma coleção de Artigos
a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da
ação de provar: é o produto extraído da análise dos ins-
trumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade
de um fato.
Desse modo, pode ser percebido que não há divergências doutri-
nárias no que se refere à conceituação da prova, ambos entendem que a
mesma está intimamente ligada à demonstração da verdade dos fatos e
ao convencimento do magistrado.
O presente artigo irá além, entendendo ser a prova verdadeiro
direito subjetivo com amparo constitucional, sem ela, restaria difícil a
demonstração/comprovação, seja da culpa ou da inocência daquele que
está sendo processado. Por isso, torna-se indispensável e extremamente
importante compreender sua base, ou seja, seu conceito, para continui-
dade de seu estudo.
A prova, como já dito, tem, como destinatário direto, o Magistrado,
este formará o seu convencimento a partir do material trazido aos autos
os quais, por sua vez, também são destinatários da prova. No entanto,
de forma indireta, as partes, pois serão “convencidas” daquilo que ficou
demonstrado no processo.7
Quanto à natureza jurídica da prova, trata-se de um direito subjetivo
ligado intimamente à demonstração da verdade dos fatos. Tendo aplica-
ção imediata, já que versa de uma natureza processual, com desempenho
do direito de ação e de defesa para demonstração da realidade dos fatos,
com a submissão à discussão processual num escorço probatório sólido
e posterior valoração na sentença.
A doutrina ainda vai mais adiante, estabelecendo o objeto da prova.
Nos dizeres de Nestor Távora:8 “É o que se deve demonstrar, ou seja,
aquilo sobre o que o juiz deve adquirir o conhecimento necessário para
resolver a demanda. É o que de fundamental deve estar conhecido e
demonstrado para viabilizar o julgamento”.
7 TÁVORA, op cit. p.388.
8 TÁVORA, op cit. p.389.
Eleições, Política e Gestão Pública 106
Uma coleção de Artigos
Logo, torna-se notório que, quando se trata de objeto da prova, é
necessária a reconstrução dos fatos, ou seja, os fatos narrados ou trazidos
precisam demonstrar sua veracidade. Contudo, é importante destacar
que o direito, como regra, não precisa ser provado, eventualmente é que
se precisa provar a vigência do direito estadual, municipal, consuetudi-
nário e alienígena.
Nessa ótica, os fatos notórios ou de verdade sabida, por exemplo,
não carecem de prova, pois são aqueles de domínio da população infor-
mada.9 Existem também os fatos axiomáticos que se autodemonstram e
também não dependem de prova; e os fatos inúteis por serem irrelevan-
tes à persecução penal.10
O Código de Processo Penal não traz de forma exaustiva todos os
meios de prova admissíveis, nesse viés podem ser utilizadas as provas
disciplinadas pela legislação e também aquelas ainda não normatizadas,
as ditas atípicas.
Eis que entra o Princípio da Verdade Real, adotado pelo Brasil, no
qual se admite/permite a utilização de meios probatórios não discipli-
nados em lei. Desde que moralmente legítimos e não afrontadores do
próprio ordenamento, tornando assim a liberdade probatória regra e as
limitações figuram na parte das exceções.
A seu turno, o princípio da liberdade probatória não é absoluto,
a prova é taxada de proibida ou vedada.11 O seja, os meios de provas
não disciplinados pelo CPP encontram-se limitados toda vez que sua
produção implique violação da lei ou princípios de direito material ou
mesmo processual “afrontando” a disciplina normativa.
Ocorre que a prova taxada de proibida ou vedada é o gênero,
enquanto as demais representam espécies segundo classificação
amplamente aceita: as provas ilegítimas (violam normas processuais e
princípios constitucionais da mesma espécie). E, por último, tema do
9 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal: rev. e atual. – 5. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2010. p.337.
10 TÁVORA, op cit. p. 389.
11 TÁVORA, op cit. p. 392.
Eleições, Política e Gestão Pública 107
Uma coleção de Artigos
presente estudo, as provas ilícitas (violam disposições de direito material
ou princípios constitucionais penais) as quais serão analisadas ao longo
deste artigo.
Por último, cabe ressaltar que alheia à classificação doutrinária, a
Constituição Federal não diferenciou as provas ilícitas das provas ile-
gítimas. Tampouco a Lei nº 11.960/2008, a qual trouxe a reforma do
sistema probatório brasileiro, fez qualquer distinção.
Direito à prova
Cada indivíduo detém o direito de exigir do Estado a suposta solu-
ção de um litígio, feita, por meio da prestação jurisdicional, conforme
se verifica na nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXV,12a
qual assegura ao cidadão que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Sendo assim, para que se concretize esse princípio, é necessária
uma ampla produção de prova que demonstre a veracidade do direito
pleiteado e consequentemente o convencimento do Juiz. Consoante
se verifica, o direito à prova surge do direito de ação e da necessidade
do direito de defesa, do contraditório e da ampla defesa. Bem como do
devido processo legal, todos previstos na Carta Magna, pois assegurar
o direito de ação no plano constitucional é conferir o acesso ao devido
processo legal. Destacando-se o contraditório e a ampla defesa a fim de
propiciar às partes a possibilidade ampla na formação do intérprete da
lei.
O doutrinador Pedro Lenza, em sua obra Direito Constitucional
Esquematizado,13 ao tratar das relações entre particulares em seu con-
texto legal, aduz:
12 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República do Brasil. Brasília, DF: Senado,
1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocom-
pilado.htm. >. Acesso: 18 jun. 2014.
13 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. rev. atual e ampl. – São
Paulo: Saraiva, 2011. p.880.
Eleições, Política e Gestão Pública 108
Uma coleção de Artigos
No âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o
que a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia
da vontade, lembrando a possibilidade de ponderação
desse valor com o da dignidade da pessoa humana e,
assim, a aplicaçãohorizontal dos direitos fundamentais
nas relações entre particulares.
Nessa linha, parece natural o entendimento de que o juiz poderia
admitir os mais variados meios de prova, independentemente de sua
origem ilícita ou não. Porém, essa prerrogativa conflita diretamente com
inúmeros princípios constitucionais, que limitam a produção de provas
direcionando-as a contornos moralmente legítimos e lícitos.
Desta forma, apesar de estar assegurado constitucionalmente o
direito à produção probatória, não é absoluto. Posto que sua própria
função de garantidor do direito das partes que litigam implica restrições
ao objeto da prova e que aquela seja produzida e valorada corretamente,
excluindo a que contrarie o ordenamento jurídico.
O dogma da verdade real
O princípio da verdade real almeja o ideal de que a justiça somente
seria realizada quando a verdade material dos fatos fosse alcançada,
importando em uma atuação ilimitada do juiz na busca da veracidade
dos fatos ocorridos.
A busca pela verdade real, portanto, induziu o legislador a ampliar
as possibilidades na produção de provas no processo penal. Já que, como
citado, estamos diante de direitos infinitamente protegidos constitucio-
nalmente, a exemplo da liberdade. E, por isso, só se condena o acusado
diante de provas efetivamente capazes de demonstrarem, mesmo que
relativamente, a “verdade” sobre os fatos.
Ressalve-se, tal princípio, ao defender a prevalência do interesse
público sobre a proteção da liberdade individual, foi/é severamente cri-
ticado pela doutrina, com o posicionamento de que a justiça não pode
ser realizada ou mesmo encarada a “qualquer preço”. E sim buscada com
respeito às garantias individuais consagradas constitucionalmente e às
regras morais que norteiam o ordenamento jurídico.
Eleições, Política e Gestão Pública 109
Uma coleção de Artigos
Na análise do professor Pacelli,14 em sua crítica sobre a criação do
princípio da verdade real, aduz que “talvez o mal maior causado pelo
citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cul-
tura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos
estatais responsáveis pela persecução penal”.
Completando sua crítica, continua:
O aludido princípio, batizado da verdade real, tinha a
incumbência de legitimar eventuais desvios das auto-
ridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa
probatória reservada ao juiz em nosso processo penal. A
expressão, como que portadora de efeitos mágicos, auto-
rizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da
atuação ministerial (ou da acusação). Dissemos autoriza-
dora, no passado, por entendermos que, desde 1988, tal
não é mais possível.15
A crítica que se faz é em relação à rigidez de uma ou outra inter-
pretação, que pode levar a consequências processuais desastrosas, o que
deve haver é uma ponderação na busca pela “verdade” real.
Seguindo outra vertente, no tocante à atuação do juiz no que se
refere às provas, existem doutrinas favoráveis à direta interferência do
magistrado. Seguem os ensinamentos do professor Nucci:16
O princípio da verdade real significa, pois, que o magis-
trado deve buscar provas, tanto quanto as partes, não se
contentando com o que lhe é apresentado, simplesmente:
arts. 209, 234, 147, 407 ambos do Código de Processo
Penal. (...) Enquanto na esfera cível o magistrado é mais
um espectador da produção da prova, no contexto crimi-
nal, deve atuar como autêntico co-partícipe na busca dos
elementos probatórios.
14 OLIVEIRA, Eugênio Pacellide. Curso de Processo Penal. 15. ed. Editora Lumen Juris: Rio
de Janeiro, 2011. p.333.
15 PACELLI op cit. p.333.
16 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 98/99.
Eleições, Política e Gestão Pública 110
Uma coleção de Artigos
Data venia, a visão de o presente trabalho discordar do Ilustre,
afinal, por mais evidente que seja a busca da verdade real no processo
criminal, não se pode produzir a prova a qualquer custo. Corroborar
com esse entendimento seria ignorar que o magistrado que teve contato
com a prova ilícita pode ter comprometido, direta ou indiretamente, a
imparcialidade necessária para julgar a demanda. Mesmo de forma não
dolosa, o magistrado, direcionado pelo convencimento pré-concebido,
em contato com o material ilegal, corre o risco de refletir na decisão,
mesmo que de forma implícita, importando assim em um juiz inquisi-
dor, que ao interrogar já sabe o que vai sentenciar.
Com isso, o legislador reformista inseriu o § 4º ao artigo 157 do
CPP, estabelecendo que o juiz que tivesse contato com o material ilícito
estaria impedido de proferir decisão, devendo remeter os autos ao subs-
tituto legal. Contudo, o referido parágrafo, alvo de muitas discussões, foi
vetado pela Presidência da República. Resguardando o direito do magis-
trado, quando da percepção dos maléficos efeitos da prova ilícita no seu
convencimento, declare exofficio a sua incompatibilidade para sentenciar.
Em suma, pode-se notar que as discussões não são voltadas para a
existência ou não do princípio da verdade real no processo penal, mas
sim na forma como a lei concretiza tal princípio na legislação vigente.
Pois também o presente trabalho corrobora com o entendimento de
que este princípio é uma das formas de se chegar o mais próximo da
realidade dos fatos.
É tormentoso saber que existe um princípio relativizado pela proi-
bição das provas ilícitas, mas que dá a oportunidade ao magistrado de
ordenar a produção da prova. Noutras palavras, não se busca a verdade
a qualquer custo, mas também não se pode deixar de punir aquele que
é culpado.
Tomará para que, na análise do caso concreto, o judiciário seja capaz
de dirimir, a partir de um equilíbrio no princípio da proporcionalidade,
questões complexas, como a citada anteriormente, as quais colocam a
doutrina em lados opostos. Por outro lado, é de mister o estudo e as dis-
cussões doutrinárias, pois a partir destas é que conseguiremos chegar o
mais próximo do ideal de justiça.
Eleições, Política e Gestão Pública 111
Uma coleção de Artigos
Tratamento doutrinário e jurisprudencial das provas
ilícitas
De imediato,faz-se necessário trazer à colação a distinção entre
prova ilícita e prova ilegítima. A primeira viola regra de direito material,
a segunda regra de direito processual. Quanto ao momento da ilegali-
dade, a prova ilícita está atrelada ao momento da obtenção, ou seja, que
antecede a fase processual, enquanto que a prova ilegítima acontece no
momento da produção da prova (interprocessual).17
Outra diferença que não se pode deixar de lado, é que a prova ilí-
cita é inadmissível, portanto não pode ser juntada aos autos e se juntada
carece ser desentranhada. Já a prova ilegítima é nula e deve ser decla-
rada pelo juiz e posteriormente renovada. Ressalve-se que o fato de uma
prova violar regra de direito processual, nem sempre conduz ao reco-
nhecimento de uma prova ilegítima. Se se trata de uma prova obtida
fora do processo, por exemplo, importa em prova ilícita, ainda que viole
concomitantemente duas regras: material e processual.
Feitas tais distinções, será agora analisada a prova ilícita. Em suma,
trata-se de uma prova não permitida no nosso ordenamento jurídico.
A Constituição Federal vigente preconiza serem inadmissíveis, no pro-
cesso, as provas obtidas por meios ilícitos.
Ademais, por força da nova redação do artigo 157 do CPP, as pro-
vas ilícitas são aquelas obtidas em violação a normas constitucionais,
é, portanto, a que viola regra de direito material, seja constitucional ou
legal, no momento da sua obtenção. Importante destacar que a noção de
prova ilícita está diretamente vinculada com o momento da obtenção da
prova, ou seja, fora do processo (extraprocessual).
Dessa forma, para que se verifique a ilicitude de uma prova tida como
“ilícita”, será necessário, além do conteúdo material da norma afrontada,
que a violação acarrete ofensa à garantia ou princípio constitucional.
17 GOMES, Luiz Flávio. Provas ilícitas e ilegítimas: distinções fundamentais. Disponível
em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1972597/provas-ilicitas-e-ilegitimas-distincoes-
fundamentais>. Acesso em: 27 jun. 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 112
Uma coleção de Artigos
A seu turno, é certo que o tema das provas ilícitas tem total afini-
dade com os direitos fundamentais da pessoa, as regras que disciplinam
a obtenção das provas estão voltadas para os órgãos persecutórios do
Estado. Mas não somente para eles, os particulares também não podem
obter prova violando as limitações constitucionais.
Descobrir a verdade dos fatos ocorridos é o que se almeja em toda
investigação, no entanto não pode ser feito a qualquer custo, nem o
Estado nem o particular podem conseguir ou produzir uma prova vio-
lando regras de direito constitucional. Usar-se da tortura, por exemplo,
para que o indivíduo confesse um crime não infringe apenas normas
constitucionais como também normas internacionais, previstas em tra-
tados de direitos humanos. Pois todas essas regras fazem parte do devido
processo legal vigente no País e devem ser respeitadas.
Os dois clássicos sistemas, sobre a prova ilícita no Brasil, são o da
admissibilidade e o da inadmissibilidade.18 Antes da CF/88, vigorava no
Brasil a admissibilidade das provas ilícitas, justificando-a com o prin-
cípio da veracidade da prova. Posteriormente, com o referido diploma,
passou-se a prosperar tanto na doutrina como na jurisprudência a inad-
missibilidade da prova como regra e a admissibilidade figura no campo
das excepcionais exceções.
A corrente doutrinária que se posicionava pela admissibilidade das
provas ilícitas, sustentava que o direito da coletividade deveria prevale-
cer sobre eventual produção de prova ilícita na obtenção da prova, sem
prejuízo da aplicação de sanções.
Já a segunda corrente, predominante na doutrina majoritária até os
dias atuais, não aceita a possibilidade de admissão de provas ilícitas. Um
dos argumentos que sustentam a inadmissibilidade das provas colhidas
de maneira ilícita é o da unidade do ordenamento jurídico, em que qual-
quer que seja a violação a uma norma do sistema jurídico implica em
violação ao ordenamento como um todo, diante de sua unidade.
18 GOMES, Luiz Flávio. Provas ilícitas e ilegítimas: distinções fundamentais. Disponível
em: < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1972597/provas-ilicitas-e-ilegitimas-distincoes-
fundamentais >. Acesso em 27 jun. 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 113
Uma coleção de Artigos
Destarte, é sabido que o tema supracitado é alvo de muitas discus-
sões, nesse sentido, abordaremos tais sistemas de forma mais precisa a
partir das teorias sobre o tema provas ilícitas que analisaremos no tópico
seguinte.
Teorias sobre o Tema “Provas Ilícitas”
É de singular importância o enfrentamento das teorias que tratam
do tema provas ilícitas, seja justificando ou não a sua utilização, con-
forme se verifica:
Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada
Por esta teoria, de origem na Suprema Corte norte-americana,
chamada de fruit ofthepoisonoustree, a prova ilícita produzida tem o
condão de contaminar todas as provas dela decorrentes. Assim, tudo
o que é originário de uma prova ilícita seria imprestável, devendo ser
desentranhado dos autos, mesmo que formalmente perfeitas, estarão
contaminadas no seu nascimento.19
Nesse sentido, uma vez que a prova ilícita (árvore) se encontra
envenenada, consequentemente as provas dela decorrentes (frutos) tam-
bém estarão. Visto que segundo esta teoria, a prova obtida a partir de
uma primeira prova por meios ilícitos passa a ser também viciada pela
ilicitude da prova originária. De tal modo que a prova ilícita, por deri-
vação, da mesma forma que a prova ilícita originária também deve ser
desentranhada do processo.
O tema por sua vez não é pacífico, a corrente minoritária preconiza
que a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso LVI, não tratou
da prova ilícita por derivação. Esta omissão levaria ao afastamento da
contaminação da prova derivada, pois onde a lei não distingue, não cabe
ao intérprete distinguir. Por oportuno, cabe ressaltar que se adotado tal
19 MOUGENOT, op cit. p. 346.
Eleições, Política e Gestão Pública 114
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entendimento, a rigidez dessa interpretação pode levar o processo a con-
sequências de difícil reparação.
Ademais, se as provas derivadas da ilícita também são imprestáveis,
deve o magistrado dar os limites desta contaminação, identificando no
caso concreto a extensão do dano. Porém, a preocupação da doutrina
hoje está em estabelecer quando estaremos diante de uma prova ilícita
por derivação.
Nesse contexto, segue a nova redação dada pela Lei nº 11.690/08
ao artigo 157 do CPP, verbis:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas
em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilí-
citas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser
obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si
só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da
investigação ou instrução criminal, seria capaz de condu-
zir ao fato objeto da prova.20
No mesmo sentido, corroborando com entendimento da inad-
missibilidade da prova tida como ilícita, o Superior Tribunal Federal
estabelece:
...Ilicitude da prova - Inadmissibilidade de sua produ-
ção em juízo (ou perante qualquer instância de poder)
– Inidoneidade jurídica da prova resultante da transgres-
são estatal ao regime constitucional dos direitos e garantias
individuais. Ação persecutória do Estado, qualquer que
seja a instância de poder perante a qual se instaure, para
se revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em
elementos probatórios licitamente obtidos, sob pena de
ofensa à garantia constitucional dodueprocessoflaw, que
20 BRASIL.Presidência da República. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. >. Acesso em: 18 jun. 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 115
Uma coleção de Artigos
tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas,
uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no
plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição
da República, em norma revestida de conteúdo vedató-
rio (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com
os postulados que regem uma sociedade fundada em
bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja
obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a
cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso
mesmo, quaisquer elementos probatórios que resul-
tem de violação do direito material (ou, até mesmo, do
direito processual), não prevalecendo, em conseqüência,
no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de ati-
vidade probatória, a fórmula autoritária do male captum,
bene retentum. Doutrina...21 (grifo nosso).
Pode ser percebido claramente que aquelas regras de exclusão
também foram adotadas pela legislação brasileira e pelos tribunais supe-
riores, em sua parte final o próprio § 1º do referido artigo quando dispõe
primeiramente que serão autorizadas as provas, quando não evidenciado
o nexo de causalidade entre elas e, em seguida, quando trata das deri-
vadas, estas quando puderem ser obtidas por uma fonte independente.
A rigor, existem inúmeras críticas principalmente com relação à
parte final do citado parágrafo. Visto que a definição das exceções é por
demais vaga, não estabelecendo rigor para o uso da teoria na prática,
deixando a cargo do juiz a decisão se se trata de prova derivada da ilícita
ou não a partir da análise do caso concreto. Em linhas gerais, a relação
de causalidade é o liame que deve existir entre uma prova ilícita e outra
prova “ilícita” para que se possa falar em contaminação.
21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 82.788.Rel. Celso de Mello,j. 12.04.05, gn.
Eleições, Política e Gestão Pública 116
Uma coleção de Artigos
Teorias Decorrentes
A teoria dos frutos da árvore envenenada não é absoluta, a sua
incidência sofre várias limitações.Dentre elas, a limitação da fonte
independente (independentsourcelimitation) e a limitação da descoberta
inevitável (inevitablediscoverylimitation).22
De acordo com a doutrina, a “limitação da fonte independente”,
baseia-se na prova não relacionada com os fatos que geraram a produção
da prova contaminada. Ou seja, se existirem provas novas no processo,
independente de uma determinada prova ilícita produzida, não há de se
falar em contaminação, nem em aplicação da teoria dos frutos da árvore
envenenada.
Consoante observar a simples existência de prova ilícita no processo
não levará a declaração de nulidade, consequentemente o processo poderá
ser aproveitado, quando da existência de outras provas independentes das
ilícitas. Neste caso, cabe ao magistrado aferir os limites de interdepen-
dência do material probatório, partindo-se do pressuposto de que não
havendo vínculo entre as provas, não há que se falar em contaminação.
Conforme se verifica no recente julgado do Supremo Tribunal
Federal, publicado em 15 de maio de 2012, a 2ª Turma daquela corte
adotou expressamente essa teoria:
Polícia militar e execução de interceptação telefônica - 1
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava
nulidade de interceptação telefônica realizada pela polí-
cia militar em suposta ofensa ao art. 6º da Lei 9.296/96
(“Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá
os procedimentos de interceptação, dando ciência ao
Ministério Público, que poderá acompanhar a sua rea-
lização”). Na espécie, diante de ofício da polícia militar,
dando conta de suposta prática dos crimes de rufianismo,
manutenção de casa de prostituição e submissão de
menor à exploração sexual, a promotoria de justiça reque-
rera autorização para interceptação telefônica e filmagens
22 TÁVORA, op cit. p.396.
Eleições, Política e Gestão Pública 117
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da área externa do estabelecimento da paciente, o que
fora deferida pelo juízo.
Polícia militar e execução de interceptação telefônica - 2
Asseverou-se que o texto constitucional autorizaria inter-
ceptação telefônica para fins de investigação criminal ou
de instrução processual penal, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma da lei (CF, art. 5º, XII). Sublinhou-se
que seria típica reserva legal qualificada, na qual a autori-
zação para intervenção legal estaria submetida à condição
de destinar-se à investigação criminal ou à instrução pro-
cessual penal. Reconheceu-se a possibilidade excepcional
de a polícia militar, mediante autorização judicial, sob
supervisão do parquet, efetuar a mera execução das inter-
ceptações, na circunstância de haver singularidades que
justificassem esse deslocamento, especialmente quando,
como no caso, houvesse suspeita de envolvimento de
autoridades policiais da delegacia local. Consignou-se
não haver ilicitude, já que a execução da medida não seria
exclusiva de autoridade policial, pois a própria lei autori-
zaria o uso de serviços e técnicos das concessionárias (Lei
9.296/96, art. 7º) e que, além de sujeitar-se a ao controle
judicial durante a execução, tratar-se-ia apenas de meio
de obtenção da prova (instrumento), com ela não se con-
fundindo23 (grifo nosso).
A partir desse precedente jurisprudencial,pode-se perceber que
mesmo uma prova tida como “ilícita”, considerando o caso citado acima,
a busca e apreensão ocorreram sem as formalidades legais, foi possível a
sua admissão no processo, afastando a contaminação.
De outro turno, a teoria da “descoberta inevitável”fundamenta-se
no fato de que se a prova, devido às circunstâncias, decorre de prova ilí-
cita e conseguida de qualquer maneira por atos de investigação válidos,
aquela (a prova) será aproveitada sem contaminação.
Frise-se que na descoberta inevitável o nexo de causalidade existe
(entre a prova ilícita e a descoberta), exatamente, por se tratar de meios de
provas muito utilizados em investigações. Diferentemente da limitação
da fonte independente, que não há nexo entre a prova ilícita e as demais.
23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 96986/MG.Rel. Min. Gilmar Mendes,
15.5.2012. (HC-96986).
Eleições, Política e Gestão Pública 118
Uma coleção de Artigos
A inevitabilidade da descoberta faz reconhecer que não houve
proveito com relação à violação legal. A prova ilícita que deu ensejo à
descoberta de nova prova, acabou não sendo decisiva, por menos inevi-
tável, pois seria colhida mesmo sem a existência de ilegalidade.
Diante disso, tanto o CPP, inserindo o § 1º do artigo 157, já citado,
quanto o STF, no seguinte julgado, reconhecem a teoria da descoberta
inevitável:
Exame grafotécnico e recusa do investigado
A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se sustentava
a nulidade de sentença condenatória por crime de falso,
sob a alegação de estar fundamentada em prova ilícita,
consubstanciada em exame grafotécnico a que o paciente
se negara realizar. Explicitou-se que o material a partir
do qual fora efetuada a análise grafotécnica consistira em
petição para a extração de cópias, manuscrita e formu-
lada espontaneamente pelo próprio paciente nos autos da
respectiva ação penal. Consignou-se inexistir ofensa ao
princípio da proibição da auto-incriminação, bem assim
qualquer ilicitude no exame grafotécnico. Salientou-se
que, conforme disposto no art. 174, II e III, do CPP,
para a comparação de escritos, poderiam servir quaisquer
documentos judicialmente reconhecidos como emanados
do punho do investigado ou sobre cuja autenticidade não
houvesse dúvida. Em seguida, aduziu-se que a autoridade
poderia requisitar arquivos ou estabelecimentos públicos
do investigado, a quem se atribuíra a letra. Assentou-se
que o fato de ele se recusar a fornecer o material não afas-
taria a possibilidade de se obter documentos. Ademais,
mesmo que se entendesse pela ilicitude do exame gra-
fotécnico, essa prova, por si só, não teria o condão de
macular o processo. Por fim, em relação à dosimetria,
assinalou que o STF já tivera a oportunidade de afirmar
entendimento no sentido de que, uma vez reconhecida
a continuidade delitiva, a exasperação da pena, a teor do
que determina o art. 71 do CP, ocorreria com base no
número de infrações cometidas.24
24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 99245/RJ.Rel. Min. Gilmar Mendes, 6.9.2011.
(HC-99245).
Eleições, Política e Gestão Pública 119
Uma coleção de Artigos
Contudo, parece imprescindível fazer uma crítica a esta teoria, pois
é evidente a dificuldade que enfrenta o magistrado quando da análise do
caso concreto.Definindo se realmente a inevitabilidade da descoberta
existia ou não, pois mais uma vez cabe ao juiz a decisão de reconhecer
ou não. Ademais, o artigo do CPP, citado anteriormente, ao reconhecer
a teoria da descoberta inevitável, “abre brechas” para as provas deriva-
das serem produzidas por fontes independentes.Eis o questionamento:
quais fontes independentes? Já que o texto da lei não traz as limitações,
tornando frágil e insegura a abrangência da mácula.
Conforme se percebe, inúmeras são as teorias a respeito das provas
ilícitas e inúmeras são as exceções quanto à teoria dos frutos da árvore
envenenada. É importante frisar que aqui foram apresentadas apenas
as mais relevantes. Partindo do pressuposto de que são as que trazem
maiores divergências e, destarte, recepcionadas, como visto, pelo orde-
namento jurídico como também amplamente aceitas pelos Tribunais
Superiores.
Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade
Superadas tais discussões, será agora analisado o critério da pro-
porcionalidade quando se trata de provas ilícitas. Tal princípio ganhou
desenvoltura no Direito alemão, funcionando como regra de exclusão a
inadmissibilidade das provas ilícitas. Quando na análise do caso con-
creto chegue-se à conclusão de que a exclusão da prova tida como ilícita
levaria a absoluta injustiça.
O princípio da proporcionalidade constitui uma atenuação à
moderna doutrina constitucional de vedação das provas ilícitas, pre-
vendo sua utilização sempre que o interesse tutelado se sobrepuser à
tutela da intimidade, representando uma limitação ao Poder estatal.
Assim a prova ilícita só poderá ser aceita em caráter excepcional ou em
casos de extrema gravidade.
Eleições, Política e Gestão Pública 120
Uma coleção de Artigos
E para tanto os ensinamentos de Robert Alexy, citado por Távora,25
com o entendimento de que deve haver um sopesamento de valores
quando da colisão entre princípios constitucionais, sumarizam que:
Princípios são mandamentos de otimização em face das
possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporciona-
lidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento,
decorre da relativização em face das possibilidades jurí-
dicas. Quando uma norma de direito fundamental com
caráter de princípio colide com um princípio antagônico,
a possibilidade jurídica para a realização dessa norma
depende do princípio antagônico. Para se chegar a uma
decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei
de colisão (TÁVORA, 2013, p.400).
Dessa maneira, os conflitos existentes entre bens jurídicos tutelados
pelo nosso ordenamento induzem ao intérprete da lei a dar prevalência
aquele bem de maior relevância; com isso, surge a necessidade de se
harmonizar e compatibilizar direitos aparentemente colidentes, tor-
nando-se imprescindível a utilização do princípio da proporcionalidade,
como mecanismo de ponderação dos valores. Lançando mão de um
princípio regulativo a fim de se examinar até que ponto merece dar pre-
ferência ao todo ou às partes, pautado em determinado limite, para não
afastar o mínimo indispensável.
Apesar disso, a preocupação quanto ao uso do critério da propor-
cionalidade nas provas ilícitas está ligada à acusação, em que pese a
doutrina majoritária entender que se de um lado está o jus puniendi esta-
tal e do outro a liberdade do réu, que objetiva demonstrar a inocência,
este último deve prevalecer, mesmo que ilícita a prova, em seu benefício.
Nesse sentido, a posição é unânime em reconhecer a possibilidade
de utilização no processo penal, da prova favorável ao acusado (pro reo),
invocando o princípio da proporcionalidade para preservação dos inte-
resses do mesmo, a fim de inibir condenação injusta.
25 ALEXY apudTÁVORA, op cit. p.400.
Eleições, Política e Gestão Pública 121
Uma coleção de Artigos
Contudo, é importante acreditar também no uso da prova ilícita
além da tutela do réu, ou seja, na utilização da prova ilícita pro societate,
pois a violação legal para a produção probatória não se justifica ape-
nas para a manutenção do status de inocência do acusado. E, claro, que
devem ser respeitados os limites de sua utilização, a sua real utilidade
para a persecução penal, bem como o seu grau de contribuição e os pre-
juízos que venham a causar, já que a sociedade está mais bem amparada
no direito à garantia de todos.
Saliente-se mais uma vez que esse entendimento deve ser usado
dentro dos limites legais, a partir da análise do caso concreto, invo-
cando o critério da proporcionalidade para que não seja o caminho
para o desrespeito à segurança de todos. Não se estáaqui fazendo a
defesa de produção de provas arbitrárias e sem regras, mas a análise
da proporcionalidade no caso concreto, talvez assim existam menos
casos “injustos” com a condenação de réus efetivamente culpados.
Para tanto, os ensinamentos do professor Pacelli26 ao entender que
o critério da proporcionalidade deve ser utilizado, desde que não colo-
que em risco a aplicabilidade potencial e finalística da lei:
(...) o critério de proporcionalidade poderá validamente
ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco
a aplicabilidade potencial e finalística da norma da
inadmissibilidade. Por aplicabilidade finalística e poten-
cial estamos nos referindo à função de controle da atividade
estatal (responsável pela produção da prova) que desem-
penha a norma do art. 5º, LVI da CF. Assim, quando não
se puder falar no incremento ou no estímulo da prá-
tica de ilegalidade pelos agentes produtores da prova,
pensamos ser possível, em tese, a aplicação da regra da
proporcionalidade (PACELLI DE OLIVEIRA, 2011,
grifo nosso).
Nossos Tribunais Superiores também vêm corroborando do mesmo
entendimento ao usar do critério da proporcionalidade em suas decisões:
26 PACELLI DE OLIVEIRA op cit. p. 377.
Eleições, Política e Gestão Pública 122
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GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA
DE CONSENTIMENTO DE UM DOS
DIALOGANTES. LICITUDE DA PROVA
O Plenário concluiu questões de ordem suscitadas em
inquérito no qual se imputa a senador e a prefeito a suposta
prática de desvio de verbas federais (DL 201/67, art. 1º, I)
— v. Informativos 395, 422 e 624. Inicialmente, rejeitou-
se, por maioria, a questão de ordem proposta pelo Min.
Gilmar Mendes no sentido de que, antes de se examinar
a licitude da prova, fosse assentada a incompetência do
Supremo, por ausência de justa causa para investigar o
detentor de foro por prerrogativa de função. Deliberou-se
pelo prosseguimento do inquérito, sob a fiscalização da
Corte, porquanto se estaria em fase embrionária, na qual
apenas cabível a indagação sobre a existência, ou não, de
indícios quanto ao possível envolvimento do parlamen-
tar, presentes na espécie. O Min. Marco Aurélio salientou
as referências feitas ao senador pelo subscritor da “carta/
denúncia”, posteriormente reafirmadas em depoimento
prestado na polícia federal, sobre eventual percentual de
comissão destinado ao parlamentar. Vencidos o suscitante
e os Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Celso de Mello.
Em seguida, também por votação majoritária, resolveu-se
a questão de ordem outrora levantada pelo Min. Marco
Aurélio para se admitir o processamento do inquérito.
Reputou-se inocorrente a ilicitude apontada, e, ainda
que houvesse, ela não teria o condão de contaminar as
provas subseqüentes. O Min. Celso de Mello acrescentou
que, no caso, a investigação penal poderia ter por base
elementos de informação obtidos a partir de captação
ambiental — ainda que à revelia de qualquer dos sujei-
tos que participaram da relação dialógica — e de delação
não-anônima (“carta/denúncia”). Vencidos o suscitante e
o Min. Gilmar Mendes, que, ante origem ilícita da prova,
determinavam o trancamento do feito27 (grifo nosso).
No mesmo sentido, a 2º Truma do STF, ao admitir gravação clan-
destina como meio de prova lícita:
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 2116 QO/RR, rel. orig. Min. Marco Aurélio,
red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 15.9.2011. (info 640).
Eleições, Política e Gestão Pública 123
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ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA E GRAVAÇÃO
CLANDESTINA. AUSÊNCIA DE CAUSA LEGAL
ESPECÍFICA OU RESERVA DE CONVERSAÇÃO
A 2ª Turma desproveu agravo regimental interposto
contra decisão do Min. Joaquim Barbosa, que negara
seguimento a agravo de instrumento, do qual relator,
tendo em vista a jurisprudência sedimentada desta Corte,
segundo a qual é lícita a prova consistente em gravação
de conversa realizada por um dos interlocutores, sem
conhecimento do outro, se não há causa legal específica
de sigilo nem de reserva de conversação. Na espécie, o
autor da ação de indenização instaurada na origem, ora
agravado, na condição de advogado, sócio do escritório de
advocacia recorrente e um dos interlocutores da conversa,
juntara ao processo prova obtida por meio da gravação de
diálogo, que envolvia a sua demissão, mantido com outros
sócios nas dependências do escritório. Asseverou-se que a
gravação ambiental meramente clandestina realizada por
um dos interlocutores não se confundiria com a inter-
ceptação objeto de cláusula constitucional de reserva de
jurisdição28(grifo nosso).
É por todas as razões acima expostas que a presente pesquisa esta
coesa a esse entendimento, pois do contrário, o Estado estaria sendo
incentivado a violar direitos e garantias fundamentais o que colidiria
frontalmente com a noção de provas ilícitas, as quais, originariamente,
foram idealizadas para reprimir o Estado de violar direitos fundamentais.
Assim, percebe-se que a jurisprudência já se tenciona ao admitir
algumas flexibilizações desse entendimento. Todavia, os casos citados
são excepcionais, não se podendo afirmar que a exigência foi defini-
tivamente revogada. Apesar de existir forte corrente doutrinária que
defende a não utilização da prova ilícita pro societate, inclusive com res-
paldo jurisprudencial.
Considerações finais
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 560223 AgR/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa,
12.4.2011. (inf 623).
Eleições, Política e Gestão Pública 124
Uma coleção de Artigos
Chegando ao término deste trabalho científico, resta evidente a
amplitude do problema. A discussão revelou-se multidisciplinar, unindo
vários ramos da Ciência Jurídica, desde o Direito Constitucional até
chegar ao específico Direito Processual Penal. Embasados em princí-
pios e nas diversas teorias que envolvem o tema, vários doutrinadores
se digladiam buscando responder ao grande questionamento que é o da
admissibilidade ou inadmissibilidade da prova tida como ilícita.
Como visto, todos os dois principais entendimentos possuem argu-
mentos fortes e já foram adotados por nossa jurisprudência. Não há,
ainda, um posicionamento que vincule magistrados ou tribunais, mas é
certo que temos exceções que devem ser analisadas. Mostrar o debate,
citando os fundamentos levantados por cada uma das correntes, foi jus-
tamente um dos objetivos do presente artigo. Ademais, buscou-se deixar
claro que a discussão doutrinária já chegou aos tribunais, não conse-
guindo os julgadores, ainda, adotar uma solução definitiva e uníssona
para o impasse.
De todo modo, atingiu-se também outro alvo inicial: a partir do
estudo dos mais recentes precedentes do Superior Tribunal Federal,
pôde-se indicar o entendimento mais seguro para os operadores do
direito.Sendo esse o de não tratar a proibição da produção e da entrada
da prova ilícita no processo de forma absoluta. Visto que esta análise
comporta exceções e deve ser feita, a partir do caso concreto, com o peso
dos valores em questão para se chegar o mais perto do ideal de justiça.
A seguir, reservaram-se, ainda, vários momentos para expor críticas
e as posições adotadas no presente trabalho, tudo isso a partir do estudo
do princípio da proporcionalidade, o qual pode ser o divisor de águas
para se chegar o mais próximo possível da solução do impasse.
E é certo que esse princípio tem conseguido atender às muitas
divergências, seja jurisprudencial, seja doutrinária. Pois se tem, de um
lado, a sociedade que clama por justiça sem efetivamente conhecer as
formalidades processuais e, de outro, o Judiciário que busca aplicar a lei
e, principalmente, os princípios e garantias constitucionais, a partir de
uma sanção adequada com a consequente melhor forma de justiça.
Eleições, Política e Gestão Pública 125
Uma coleção de Artigos
Todavia, os entendimentos foram expostos sempre de forma cau-
telosa, lembrando aos que leem o fato de ambas as correntes possuírem
uma relevante fundamentação por trás, sendo possível e justificável a
adoção por uma ou por outra.
Por fim,fica a certeza de que muito ainda será estudado sobre o
tema e há muito para ser compreendido sobre a questão da prova ilícita,
principalmente no que se refere não apenas as mudanças do Código
de Processo Penal.Até porque o direito é mutante, como também as
diversas realidades sociais no intuito de buscar sempre a decisão menos
injusta. E, sem dúvida, o novo modelo da ordem constitucional a exigir
do Judiciário a aplicação e respeito às regras constitucionais.
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Eleições, Política e Gestão Pública 128
Uma coleção de Artigos
Democracia em Direitos Humanos e sua
proteção internacional
Mariana Camilo Medeiros Rosa1
Carolina Camilo Medeiros Rosa2
Introdução
Os direitos humanos remontam aos dogmas iniciais do cristia-
nismo, que introduziu valores que dignificavam o homem. Em seguida, a
Declaração dos Direitosdo Homem e do Cidadãotrouxe a noção de que
os homens são iguais, livres e possuidores de direitos intransmissíveis.
Por conseguinte, a Revolução Francesa eternizou a luta pelos
direitos da pessoa humana, relutando contra a aristocracia dominante
e tratando o homem comum como sujeito de direitos. Depois, as atro-
cidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, sob o manto
da legalidade, findaram por unir as nações e dar sentido universal aos
direitos humanos.
A Guerra Fria (1945-1991), além de traduzir o conflito socialismo
versus capitalismo, também representou o de regimes totalitários versus
democracia liberal. Seu fim conferiu à democracia e aos direitos huma-
nos a condição de valores inquestionáveis mundialmente. Diante desse
cenário, o direito internacional se mostrou essencial na consolidação dos
regimes democráticos: através da edição de normas de direitos huma-
nos, passou a exercer funções legislativas, mediadoras e jurisdicionais,
ditando cláusulas democráticas, sistemas de fiscalização e resolução de
conflitos entre Estados (SILVA, 2004).
1 Mestranda em Direito Constitucional, enfoque em Direito Internacional e Concretização
dos Direitos (UFRN). Correio eletrônico:
[email protected]2 Graduanda em Direito (UFRN). Correio eletrônico:
[email protected] Eleições, Política e Gestão Pública 129
Uma coleção de Artigos
Nesse contexto, utilizando-se do método dedutivo, buscou-se no
presente artigo fazer um estudo explanatório, por meio de pesquisa
bibliográfica, de forma a resgatar, na doutrina, aspectos de interde-
pendência entre democracia e direitos humanos, como também
analisar os mecanismos legislativos de proteção voltados àquela advin-
dos dodireito internacional,abordando-se a temática à luz do senso
teórico-científico.
Direitos humanos e democracia
Concomitantemente à evolução da tutela aos direitos humanos
sociais, progrediram os meios de proteção contra o abuso de poder
estatal. KELSEN (2000) conceitua a democracia como o direito
fundamental do ser humano de participar do governo e das decisões
políticas que definem o futuro de sua pátria para libertar-se das for-
mas de governo opressoras. BOBBIO (2003) remonta à existência, na
democracia, de “leis fundamentais”, que permitem aos membros de
uma sociedaderesolver conflitos que surjam entre grupos que defen-
dem valores e interesses diferentes, sem necessidade de recorrer à
violência.
As citadas leis fundamentais são as que protegem o cidadão contra
as ações arbitrárias do Estado e garantem direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à ampla defesa, à segurança, à propriedade, à locomoção.
Não coincidentemente, estes são conhecidos como os direitos humanos
de primeira geração. Ou seja: não há democracia onde não há direitos
humanos.
Os direitos interligados ao exercício da cidadania fazem parte do
conceito universal de democracia, tutelados pelos institutos internacio-
nais de proteção aos direitos humanos, que visam garantir, globalmente,
uma sociedade mais igualitária e justa, de forma que o poder de gerir
o Estado se mantenha difundido entre os cidadãos, independente da
cultura da nação.
Eleições, Política e Gestão Pública 130
Uma coleção de Artigos
Mecanismos internacionais de proteção da
democracia
Os direitos humanos, como valores fundamentais da convivên-
cia coletiva, logicamente correlacionados com a democracia no plano
interno e a paz no plano internacional, na lição de Noberto Bobbio,
podem ser considerados como um “adquirido axiológico” de alcance
universal. (LAFER, 1999). Além de normas principiológicas, são tam-
bém utilizadas as cláusulas democráticas, que adotam compromisso entre
Estados de adotarem o regime democrático, com o fim de consolidar a
soberania popular no plano interno de cada país, tratadas adiante.
Pacto dos direitos civis e políticos e seu
protocolo facultativo
O Pacto dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pelaOrganização
das Nações Unidas em 1966.3 Seu art. 25 prevê o direito de os cida-
dãos atuarem na vida política do Estado, de forma direta ou indireta, de
assumirem funções públicas, de votarem periodicamente, por sufrágio
universal, igualitário e voto secreto.
A violação ao previsto no Pacto pode ser denunciada ao Comitê de
Direitos Humanos4 no âmbito da ONU, que iráacompanhar a imple-
mentação dos direitos e garantias e buscar solução pacífica de conflitos
entre os Estados-partes. O Comitê analisa relatórios entregues pelos
Estados a cada cinco anos, que informam da aplicação do Pacto em
nível nacional.
3 O Congresso Nacional brasileiro aprovou o texto do referido Pacto por meio do Decreto
Legislativo n° 226, de 12 de dezembro de 1991, que foi promulgado em 06 de julho de 1992,
pelo Decreto Executivo nº 592.
4 Composto por dezoito membros, indicados pelos Estados-partes entre pessoas de elevada
reputação moral e experiência jurídica em matéria de direitos humanos, não podendo haver
mais de um representante de uma mesma nacionalidade.
Eleições, Política e Gestão Pública 131
Uma coleção de Artigos
Já a solução de conflitos funciona por meio de denúnciasao Comitê,
orafeitas por Estado-parte que ratificouo Pacto (caso em que se tentará
uma solução amistosa para a questão e, se ineficiente, constituir-se-á
uma Comissão de Conciliação ad-hoc, constituída por cinco membros
designados pelos Estados interessados), ora apresentadas as próprias
pessoas vítimas de violações(após esgotamento dos recursos judiciais
internos ou indevido protelamento e desde que o caso não tenha sido
objeto de análise em outra instância internacional), modalidade prevista
no Protocolo Facultativo do Pacto, assinado em 1966 em Nova York5
e, por esse motivo, exige a ratificação pelos países envolvidos, tanto do
Pacto quanto do seu Protocolo.
Mercosul e o Protocolo de Ushuaia
Os membros integrantes do Mercosul,6 ao lado de Bolívia e Chile,
celebraram oProtocolo de Ushuaia sobre CompromissoDemocrático no
Mercosul em 1998.Seu art. 1ºconsidera a democraciacondição essencial-
para o desenvolvimento da integração entre os Estados-partes, e seu art.
2º prevê sua aplicação em casos de ruptura com a ordem democrática,
por meio de sistema de consultas no qual se aplicará ao Estado afe-
tado a sançãode “suspensão do direito a participar nos distintos órgãos
dos respectivos processos de integração, até a suspensão dos direitos
e obrigações originários de tais processos”7 (art. 5º),que vigorará até o
momento em que a democracia for restabelecida (MERCOSUL, 1998).
A política brasileira vive, atualmente, um momento delicado, no qual
sofreuimpeachment a Presidente da República eleita, Dilma Rousseff, ora
5 Ratificado pelo Brasil apenas em 2009, por meio do Decreto Legislativo nº 311/2009.
6 Bloco econômico, criado por meio do Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de
1991, do qual são membros, hoje, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela e conta
como Estados observadores a Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
7 Esses “direitos e obrigações originários” são os instituídos pelos Tratados de Constituição do
Mercosul, a saber: Tratado de Assunção (1991), Protocolo de Olivos (2002) e Protocolo de
Ouro Preto (1994).
Eleições, Política e Gestão Pública 132
Uma coleção de Artigos
afastada de suas funções. Por diversas vezes, já foi levantada a hipótese
de se aplicar as regras do referido Protocolo ao caso (DYNIEWICZ,
2016), quando se teria uma posição do Tribunal do Mercosul acerca.
Unasul e o Protocolo de Georgetown
A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) é a consolidação do
processo de integração regional dos países da América Latina. Composta
por doze Estados-membros8 e aberta a adesões por países também da
América Central, tem como instrumento formal de constituição o
Tratado de Brasília, assinado em 2008. Seu art. 2º prevê como objetivos,
dentre outros, a promoção da participação cidadã, o fortalecimento da
democracia nos Estados-membros (UNASUL, 2011). Em adicional do
Tratado de Brasília, há oProtocolo Adicional sobre Compromisso com
a Democracia, assinado em Georgetown, que entrou em vigor em março
de 2014. Dos Estados-membros, até então, apenas Brasil9 e Paraguai
não ratificaram.
É um instrumento aplicável em caso de “ruptura ou ameaça de
ruptura com a ordem democrática, de uma violação à ordem constitu-
cional” (art. 1º), por provocação do próprio Estado afetado ou de outro
Estado-membro (art. 2º),que permite missões diplomáticas para res-
tabelecimento da democracia (art. 5º) e adoção de sanções decunho
comercial, suspensão da participação na Unasul, e até o fechamento de
fronteiras (art. 4º) (UNASUL, 2014).
A Unasul tem atuado como incentivadora da continuidade
democrática. Sua ingerência, porém, não pode ser considerada
8 Atualmente, são membros da Unasul: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru; Argentina, Brasil,
Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Guiana e Suriname.
9 No Brasil, está pendente a ratificação do Protocolo de Georgetown, que tramita na Câmara
dos Deputados por meio do Projeto de Decreto Legislativo nº 8/2015, pendente ainda de
aprovação legislativa.
Eleições, Política e Gestão Pública 133
Uma coleção de Artigos
austera.10MAZZUOLLI (2014) sugere a melhoria do sistema de reso-
lução de controvérsias por meio de criação de um Tribunal, de jurisdição
obrigatória e contenciosa, com competência para controlar a convencio-
nalidade de suas normas.
Conclusão
Do exposto, chega-se à compreensão primeira de que há coincidên-
cia entre os direitos humanos de primeira geração (civis e políticos) e as
leis fundamentais necessárias para instauração da democracia, desenca-
deando uma relação de interdependência entre ambos.
Transparece, ademais, a importância do sistema internacional de
direitos humanos para a tutela e manutenção do regime democrático nos
Estados, pois os vinculam através de mecanismos legislativos, mediado-
res e até repreensivos, utilizando-se de documentos que são ratificados
pelos países e, assim, assumem caráter universal.
Dentre os mecanismos utilizados, estãoas cláusulas democráticas,
que objetivam manter a democracia nos Estados. Passíveis de aplicação
no direito brasileiro, há oPacto dos Direitos Civis e Políticos (ONU), o
Protocolo de Ushuaia(Mercosul)e o Protocolo sobre Compromisso com
a Democracia (Unasul),11contendo modalidades diferentes de fiscaliza-
ção e aplicação de penalidades. Percebeu-se, contudo, que tais sistemas
encontram dificuldades na exigibilidade das suas normas, já que, por
serem baseados na solução predominantemente amistosa de conflitos,
estão aquém do necessário para a proteção democrática almejada.
10 Acerca da temática: “Unasul está disposta a agir para parar a derrubada de governos eleitos,
mas não está pressionando por mecanismos que assegurem a voz do cidadão ou representa-
ção de fato, pois essas medidas seriam consideradas como interferência indevida nos assuntos
do Estado-membro” (RIGGIROZZI; GRUGEL, 2015, p.795-796, tradução própria).
11 Em fase de ratificação, cf.Tópico 3.3.
Eleições, Política e Gestão Pública 134
Uma coleção de Artigos
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Eleições, Política e Gestão Pública 135
Uma coleção de Artigos
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Compromisso com a Democracia. Quito, 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 136
Uma coleção de Artigos
O fornecimento de água em tempos de
crise hídrica no RN: os poços artesianos
descontrolados à luz do CDC/90 e da tutela
inibitória
Pablo Brenno Medeiros
Introdução
A
nte o histórico problema de falta de abastecimento de água no
Nordeste do Brasil, devido ao clima semiárido típico de grande
parte da região, aliado à falta de políticas públicas eficazes; nos
últimos anos, notou-se o crescimento desenfreado na abertura de poços
artesianos em toda a Região. A água, objeto central do presente artigo,
é definida pela Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997 como bem de
domínio público, trata-se de um recurso natural limitado, dotado de
valor econômico e considerado por alguns como direito humano de
sexta dimensão.
De domínio da União ou dos Estados, segundo dicção dos artigos
20 e 26 da Constituição Federal de 1988, a gestão da água se dá através
de uma Política de Recursos Hídricos, nos termos de Leis Federais e
Estaduais. No Estado do Rio Grande do Norte, é a Lei Estadual n.º
6.908/96 que regulamenta a Política Estadual dos Recursos Hídricos e
o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos (SIGERH).
Se a abertura de poços artesianos, com registros históricos desde a
China Medieval, já teve grande importância para o desenvolvimento da
agricultura, turismo e subsistência em locais não abastecidos por sistema
hídrico, atualmente estes poços podem se transformar em um grave pro-
blema social, pois sua abertura, principalmente no interior dos Estados
nordestinos, observa-se de forma desenfreada e sem cumprir os trâmites
legais impostos pelo Direito.
Através da análise do ordenamento jurídico pátrio, procedi-
mentos administrativos específicos, definições doutrinárias e análise
Eleições, Política e Gestão Pública 137
Uma coleção de Artigos
jurisprudencial contemporânea, busca-se através do presente artigo
demonstrar possíveis soluções que limitem a abertura de poços no
Estado do Rio Grande do Norte e as consequências advindas da comer-
cialização da água oriunda dos poços artesianos para terceiros, figurados
nesta relação como consumidores.
Desenvolvimento
A concessão de outorga de direito dos recursos
hídricos
A água, por ser indispensável à vida, deve ter seu uso controlado e
moderado, principalmente em épocas de estiagem. Estudos evidenciam
que o Nordeste brasileiro está passando por uma das piores secas de todos
os tempos. Tal controle, em nossa realidade jurídica, é feito por órgãos
públicos que concedem, através de uma tramitação legal e burocrática, a
licença, autorização ou concessão de outorga de direito do uso dos recur-
sos hídricos, como, por exemplo, para abertura de poços artesianos.
Comentando acerca do Contrato de Concessão, Alexandrino &
Paulo (2012, p.561) aduzem que este se subdivide em concessão de ser-
viços públicos, concessão de uso de bem público e concessão de obra
pública. A outorga para abertura de poços artesianos insere-se no con-
trato de concessão para uso de bem público, definido por Di Pietro (2009,
p.342) como “um contrato administrativo pelo qual a Administração
Pública faculta ao particular a utilização privativa de um bem público,
para que a exerça conforme sua destinação”.
No Estado do Rio Grande do Norte, tal outorga, além da fiscali-
zação de obra hidráulica, é de competência da Secretaria de Recursos
Hídricos e Projetos Especiais, conforme aduz o artigo 23, IV da Lei
Estadual n.º 6.908/96. Segundo o inciso VI do artigo 2º da supracitada
Lei, “a outorga do direito do uso da água é um instrumento essencial
para o gerenciamento dos recursos hídricos”. Faz-se, portanto, impres-
cindível tal outorga para a exploração do recurso hídrico, seja a nível
nacional ou estadual.
Eleições, Política e Gestão Pública 138
Uma coleção de Artigos
Para abrir um poço artesiano ou semiartesiano no Rio Grande
do Norte, é necessária uma licença específica para exploração da água.
Segundo o rol exemplificativo contido em manual disponibilizado pelo
Instituto de Gestão das Águas do Rio Grande do Norte, são docu-
mentos necessários ao pleito: formulário de requerimento de outorga;
documentos pessoais do requerente; cópia do título de propriedade;
dados técnicos do poço; estudo de viabilidade de implantação; parecer
técnico; croqui; teste de bombeamento atual, dentre outros documen-
tos que tornam o requerimento elaborado e complexo. Neste sentido,
observa-se o surgimento de empresas especializadas na assessoria de
clientes em busca de tal concessão.
Os poços que são abertos sem o devido processo de concessão da
outorga podem trazer consigo muitos problemas, sejam diretamente
aos indivíduos, como doenças transmitidas através da água, já que esta
pode contaminar-se no trajeto ou não ser ideal para consumo, em razão
da ausênciade estudo de viabilidade; sejam a nível ambiental, como a
contaminação e rebaixamento dos lençóis freáticos, que após o uso imo-
derado são invadidos pela água do mar, causando salinização.
O fornecimento da água de poços artesianos
para consumo
Segundo Marques (2013, p.115), o legislador brasileiro prefe-
riu uma definição mais objetiva de consumidor. O artigo 2º, caput, do
CDC/90, entende como consumidor: aquelas pessoas destinatárias
finais do produto, que retiram o bem do mercado ao adquirir ou sim-
plesmente utilizá-lo. Ou seja, é consumidor aquele que coloca um fim
na cadeia de produção, não dando continuidade a esta.
O fornecedor, segundo o artigo 3º do CDC/90, tem uma definição
ampla. O critério caracterizador é desenvolver atividades tipicamente
profissionais, como a comercialização, a produção, a importação,
indicando também a necessidade de certa habitualidade, como a trans-
formação, a distribuição de produtos.
Eleições, Política e Gestão Pública 139
Uma coleção de Artigos
Assim, não há óbice na aplicação do CDC/90 no fornecimento de
água proveniente de poços artesianos, já que os únicos requisitos exigi-
dos são que a atividade seja habitual ou reiterada.
Nestes casos, além da responsabilização administrativa e criminal,
o proprietário do poço artesiano aberto de forma ilegal poderá respon-
der na esfera cível, revestido da figura do fornecedor, caso comercialize
a água que jorra do poço aberto.
A água, essencial meio de subsistência, também é um meio adequado
para contaminação e disseminação de doenças que, em determinadas
situações, podem levar a óbito quem a consumir. São doenças relacio-
nadas ao consumo de água contaminada, a título de exemplo: hepatite,
leptospirose, cólera, diarreia e infecções diversas.
O fornecedor da água é coercitivamente impelido a não colocar no
mercado de consumo produtos com alto grau de nocividade ou pericu-
losidade, segundo dicção do art. 10 do CDC, e a responsabilidade do
fornecedor nestes casos é objetiva, sem auferir o elemento subjetivo da
culpa.
Além de ser responsabilizado pelo consumidor final que aduz o art.
2º, caput do CDC, o fornecedor responderá, ainda, pelos danos causa-
dos pelo seu produto aos denominados consumidores equiparados. Tais
consumidores estão expressos no parágrafo único do supracitado artigo:
“equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas ainda que indeter-
mináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Um meio eficaz para se combater tais irregularidades é a aplicação
da denominada tutela inibitória, que tem como fito não permitir a ocor-
rência do dano, diferentemente da ressarcitória, que só é aplicada após a
ocorrência do dano, ressarcindo, na maioria das vezes, pecuniariamente.
Segundo doutrina de Marinoni (2008, p.65), a tutela inibitória “é
prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instru-
mentalmente a nenhuma ação que possa ser dita principal. Trata-se de
ação de conhecimento de natureza preventiva, destinada a impedir a
prática, a repetição ou a continuação do ilícito”.
Ademais, o Ministério Público, como órgão essencial à função
jurisdicional, é parte extraordinária legítima para ajuizar ações coletivas
Eleições, Política e Gestão Pública 140
Uma coleção de Artigos
(que se classificam em coletivas stricto sensu, difusas e individuais homo-
gêneas), nas quais, aplicar-se-ão normas e disposições legais específicas
à tutela coletiva, como, por exemplo, referentes à liquidação, execução,
princípios e prazos. Tal espécie de tutela encontra no Código de Defesa
do Consumidor um dos principais aparatos necessários para sua aplica-
ção, a partir do art. 81.
E o magistrado, na subsunção da norma ao caso prático, através
do poder geral de efetivação (art. 139, IV, CPC/15), poderá determinar
a remoção de pessoas e coisas, a busca e apreensão, aplicação de multa
diária e pessoal, arresto, sequestro e qualquer outro meio coercitivo que
vise coibir a abertura de poços artesianos, bem como o fornecimento de
água imprópria para uso.
Conclusão
As cidades que menosprezaram, durante anos a fio, seus reservató-
rios de água, que viram em suas águas um excelente meio para levar tudo
o que não se queria mais, agora querem, e precisam recuperar estas fon-
tes de água e buscarem outros meios para sobreviverem em meio à época
de estiagem. Uma dessas alternativas é a abertura de poços artesianos.
Indiscriminados e ilegais, estes poços se multiplicam pela vastidão
do sertão nordestino. Ao passo que trazem alívio à população castigada
constantemente com a longa estiagem, tais poços trazem possíveis gra-
ves problemas à saúde da população que consume suas águas. Os poços
abertos sem obediência ao disposto nas legislações pertinentes, seja no
âmbito estadual ou federal, podem trazer graves malefícios ao ecos-
sistema, à saúde e aos recursos hídricos, ocasionando doenças que, em
estágios avançados, podem levar a óbito.
Deve-se tornar mais popular a informação da necessidade de
outorga para abertura de poços artesianos, bem como para o forne-
cimento de sua água, para que detentores de capital não coloquem
interesses econômicos à frente de interesses de toda uma coletividade.
Ademais, deve haver uma maior união entre poderes públicos para tor-
nar mais célere tais pleitos, com estudo de viabilidade e de impacto
Eleições, Política e Gestão Pública 141
Uma coleção de Artigos
ambiental eficazes, indeferindo todos aqueles que tenham risco de con-
taminar o meio ambiente ou trazer riscos à saúde da população.
Faz-se imperioso, ainda, limitar os metros cúbicos de água que
poderão ser extraídos por mês em cada poço artesiano, de acordo com
a finalidade, tamanho, equipamentos e localização do mesmo, devendo
o Estado tomar a frente de tal exploração quando for ultrapassado tal
limite, como ocorre, por exemplo, no Estado da Califórnia, nos Estados
Unidos da América, para que, assim, coloque-se para eventual forneci-
mento apenas a água que passar por um eficiente estudo de viabilidade,
que ateste ausência de microrganismos, coliformes fecais, produtos
químicos e quaisquer outros meios que coloquem em risco a saúde do
consumidor.
Referências
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administra-
tivo descomplicado. 20. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2012.
CAMARGO, Suzana Bizerril. Rios invisíveis de São Paulo.In: Revista
Superinteressante. São Paulo: Editora Abril: Edição 344, março de
2015. p. 61.
CONSULT, Poços Artesianos. Regularização, outorga e licenças de
poços artesianos. Disponível em: <http://consultpocos.com.br/servi-
cos/licencas-outorgas-e-regularizacao/>. Acesso em: 08 nov. 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed.
São Paulo: Atlas, 2009.
GASPARI, Marli; DUARTE, Patrícia Francisca. Direito humano de
sexta geração: o acesso à água potável. Disponível em: <http://www.
site.ajes.edu.br/direito/arquivos/20131030203605.pdf >. Acesso em: 10
nov. 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 142
Uma coleção de Artigos
IGARN. Requisitos para solicitar a outorga ou renovação de outorga
do direito do uso de recursos hídricos. Disponível em: <http://adcon.
rn.gov.br>. Acesso em: 10 nov. 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 4.ed. - São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 6.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman;
MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor. 4. ed. rev. atual. eampl. - São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2013. ISBN 978-85-203-4812-3.
RIO GRANDE DO NORTE. Solicitação de outorga, renova-
ção de outorga do direito de uso dos Recursos Hídricos do Estado.
Disponível em: <http://www.igarn.rn.gov.br>. Acesso em: 09 nov. 2015.
Eleições, Política e Gestão Pública 143
Uma coleção de Artigos
Política judiciária democrática para brasileiro
ver
Dr. Rodrigo Costa Ferreira1
Política para quem precisa; política para quem precisa
de política
C
omo a nossa existência depende da nossa coexistência (não ape-
nas existimos, mas coexistimos!), estamos condenados a pensar a
paz sempre levando em consideração o outro: seus interesses,
desejos, necessidades etc. A maioria de nós acredita que podemos obtê
-la, ainda que em parte, mediante certo modelo político de bem-estar social.
Recentemente, na história do Brasil, elegemos a Democracia com esta
finalidade. A Democracia é a forma de governo na qual o poder sobe-
rano de governar é exercido por todos, ou pelo maior número, ou por
muitos (cf. Platão, Político, 291d; e Aristóteles, Política, 1279e), mesmo
que de modo indireto (cf. Locke, Segundo Tratado do Governo Civil,
XIII, 154). A forma contemporânea de Democracia além de operar por
representação indireta também se caracteriza por conferir ainda a todos
os seus membros um mesmo conjunto de direitos fundamentais, ou seja,
toma todos eles (in abstracto) como sujeitos de direitos.2
Por séculos, baseamos o projeto político de um Estado Democrático
de Direito em arranjos políticos ligados, em especial, ora ao valor da
liberdade (Estado Liberal) e ora ao valor da igualdade (Estado Social), mas,
hoje, cientes das ideias de que todos nós devemos (1) de alguma forma
contribuir para a gerência e o funcionamento do Estado (sociedade
1 Professor Adjunto de Filosofia e de Teoria Geral do Direito na UEPB e na UFRN. Doutor
em Filosofia Analítica e Lógica pela UFPB/UFRN/UFPE. E-mail: rodrigouepb@yahoo.
com.br;
[email protected]2 Para mais detalhes: Bobbio (2012, p.135-158).
Eleições, Política e Gestão Pública 144
Uma coleção de Artigos
cooperativa/fraternidade) e (2) tratar todos com respeito, ou seja, como
seres dignos (dever político que ganhou ênfase no ocidente, particular-
mente, após as tragédias vividas durante a Segunda Guerra Mundial),
estendemos os valores da liberdade e da igualdade como insuficientes
(mas ainda sim indispensáveis) ao nosso arquétipo contemporâneo de
Estado Democrático de Direito. Portanto, acrescentamos-lhe, além dos
valores da igualdade e da liberdade, o valor da fraternidade, cujas ver-
tentes são, por exemplo, a solidariedade, a alteridade e a dignidade. O
que desejamos, a nossa maneira, é o que os revolucionários da Revolução
Francesa, a sua maneira, desejaram: concretizar o ideal de uma socie-
dade livre, igual e fraterna.
Influenciados por este novo olhar político, tentamos estruturar atu-
almente a Democracia no Brasil. Esta é orientada por princípios políticos
(ou normas jurídicas constitucionais)que reunimosdentro de duas grandes
categorias: princípios de alteridade e princípios de ajustamento. Os primeiros
reconhecem como importante e de caráter intersubjetivo o tratamento
respeitoso, já os do segundo tipo pretendem adequar o embate entre
as vontades da maioria e das minorias ou os interesses do Estado com
os dos particulares (são exemplos de tais princípios: a solidariedade, a
igualdade formal, a igualdade material, a liberdade positiva, a liberdade
negativa, a dignidade humana, entre outros). Todos, de algum modo,
encontram-se presentes na nossa Carta Política de 1988.
Não é de hoje que depositamos todas as nossas esperanças na cons-
trução de um mundo melhor na política,seja ela de cunho democrático
ou não. E o que nos causa mais admiração é que isto é inexorável, afinal
é tão somente por meio da política que somos capazes de estabelecer as
diretivas que entendemos serem fundamentais às nossas vidas, vidas que
só valem apena serem vividas quando nelas gozamos de saúde, lazer,
educação, segurança, liberdade, igualdade, solidariedade, entre outras
condições que concebem o nosso ideal de bem-estar. Estamos falando
neste sentido de uma “vida digna” (nos moldes ocidentais). Dito isto, é
forçoso concebermos a política como a mais bela e necessária de todas as
artes (cf. Aristóteles, Ética à Nicômaco, I, 2, 1094a 29), já que ela nos ofe-
rece algo único: diz como nós devemos viver e o que nós devemos fazer!
Eleições, Política e Gestão Pública 145
Uma coleção de Artigos
Direito enquanto instrumento da política
judiciária
O direito enquanto sistema de regras e normas jurídicas3(em suma, sis-
tema jurídico) é um instrumento, e como instrumento (meio) pode ser
utilizado de modo apropriado pelos juristas para a construção de um
mundo melhor ou não (fim). Ou seja, o direito enquanto meio se bem
aplicado produz bons resultados: bem-estar, segurança, liberdade entre
outros. Se mal aplicado, gera desordem, violência, repressão etc. Mas em
que sentido nós podemos afirmar que o “direito está sendo bem apli-
cado” ou que o “direito está sendo mal aplicado”?
O sistema jurídico em si não pode muito (ou mesmo nada), já que,
como indicamos, é um meio para um fim. O machado, por exemplo, é
um meio para um fim: por exemplo, o corte de uma árvore. Mas se este
não é bem utilizado pelo lenhador, que se vale de uma metodologia (pro-
cedimento), o resultado final não será eficaz ou o melhor possível. De
modo semelhante, portanto, há algo além do próprio direito (enquanto
conjunto de prescrições) que deve guiá-lo rumo a uma “boa aplicação/
interpretação”: este oráculo é a boa política judiciária. Esta é fundamen-
tal, pois indica as diretivas imprescindíveis à aplicação/interpretação
adequada das regras jurídicas. Observemos, por exemplo, que a política
judiciária (1) ora sugere o sistema jurídico como um sistema independente
(sistema operacionalmente fechado, não suscetível à correção moral ou
política) e ora o estabelece como um sistema dependente (sistema opera-
cionalmente aberto, o qual pode ser corrigido por argumentos morais
e políticos não apreendidos pelo direito); (2) determina os modelos de
decisão jurídica a serem adotados; (3) indica os métodos dogmáticos de
interpretação a serem utilizados; (4) jurisprudências consolidadas no
3 Por sistema de regras e normas jurídicas entendemos: todo conjunto de significantes e de signi-
ficados produzidas, ao final, entre autoridades competentes (legisladores, juízes, advogados e
funcionários públicos), as quais guardam entre si algum tipo de relação (hierarquia, cronolo-
gia, tipologia, produção etc.) que nos permite afirmar que existe uma espécie de concatenação
lógica entre elas.
Eleições, Política e Gestão Pública 146
Uma coleção de Artigos
tempo-espaço etc.Eis por estas razões, e outras tantas, que devemos
levar a sério a política judiciária.
Se a política judiciária tem por objetivo a aplicação do direito com
o propósito de criar estabilidade social, ela deve estar cognitivamente
vinculada aos princípios políticos (liberdade, igualdade, solidariedade, dig-
nidade, devido processo legal, entre outros) instituídos pela “moralidade
política democrática” (conjunto de diretivas deontológicas impostas em
razão de uma política pragmática que delineiam a noção de bem-estar
no âmbito de certa comunidade ligada ao regime político democrático)
de uma nação, mesmo que para tanto realize no ato de aplicação destes
uma releitura conforme a sua operacionalidade. Cumprida tal condição,
dizemos ser esta política judiciária uma “política adequada” – a qual
enunciamos a partir de então como “política judiciária democrática”. Suas
principais missões são: (1) fazer uso nas decisões jurídicas dos princípios
políticosconstitucionais; (2) delinear os significados de tais princípios (ou
normas jurídicas); (3) propor procedimentos de aplicação destes (proce-
dimentos estes ausentes na nossa atual Constituição); e, em decorrência
disto, (4) construir uma tradição jurisprudencial, cuja característica mar-
cante é a coerência (ou integridade).
Podemos, assim, provisoriamente, concluir que o “direito bem apli-
cado” é aquele que é instrumento da boa política judiciária, sem a qual
não podemos conceber o mundo que desejamos viver! Esta política, e é
importante que se diga isto, é a política judiciária democrática.
Caminhos possíveis para uma política judiciária
democrática no brasil
Em linhas gerais, até aqui, defendemos a tese de que no Estado
Democrático de Direito a política judiciária deve se apresentar como polí-
tica judiciária democrática. Uma política judiciária é democrática quando é
norteada por princípios que configuram a Democracia, como já indicamos.
Em sentido procedimental, a Democracia pode ser entendida tam-
bém como uma espécie de projeto político de governo do povo modelado
por princípios institucionais de conteúdo jurídico e/ou político e/ou moral. Na
Eleições, Política e Gestão Pública 147
Uma coleção de Artigos
República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito,
estes princípios foram recepcionados pela nossa Constituição Cidadã de
1988: dignidade humana (Art. 1º, III), onipotência popular (“todo poder
emana do povo” – Art. 1, § Único), separação dos três poderes (Art. 2º),
contraditório (Art. 5, LV), ampla defesa (Art. 5, LV), presunção de inocência
(Art. 5, LVII), publicidade dos atos (Art. 5, LX), entre outros.
O princípio da onipotência popular compõe certo núcleo básico (e
invariável) do nosso regime democrático, a partir do qual são articulados
outros alicerces políticos importantes, como o direito ao voto ou o direito
ao devido processo legal, para citar apenas estes. Quando afirmamos que
“todo poder emana do povo”, queremos dizer com isto que todo poder
(executivo, legislativo ou judiciário) se origina da vontade da coletivi-
dade que anseia por bem-estar e, por conta disto, deve ser revertido em
benefício da própria comunidade política. Isto só é possível quando as
ações daqueles que são investidos de poder estão em conformidade com
uma tradição (modus operandi criado ao longo do tempo e do espaço
por membros de uma comunidade que estabelece parâmetros ao modus
vivendi social) expressa (ou reconhecida) nos mais diversos meios: ora-
lidade, textos filosóficos, textos sagrados, textos jurídicos, e assim por
diante. A dinâmica do bem-estar depende da articulação de três tradi-
ções: a tradição política, a tradição moral e a tradição jurídica. Mas, aqui,
esbarramos em um problema importante, a saber: há uma tradição polí-
tica, moral ou jurídica consolidada no Brasil?
Não parece ser possível identificarmos, no presente momento, no
nosso país, uma tradição moral, política ou jurídica de traços marcantes,
fruto de uma reflexão paulatina que se estende por anos, como é possível,
por exemplo, encontrarmos em sociedades mais antigas como a inglesa e
a americana – a primeira marcada pelo utilitarismo, o parlamentarismo
e o common law britânico e a segunda caracterizada pelo libertarismo,
o presidencialismo e o common law americano. Por conta disto, impor-
tamos tradições de outros países como soluções aos nossos problemas,
as quais foram concebidas a partir de um longo processo de tentativa
e erro num dado tempo-espaço, observadas determinadas necessidades
e interesses. Infelizmente, fazemos isto de forma grosseira, excessiva,
Eleições, Política e Gestão Pública 148
Uma coleção de Artigos
irresponsável e até mesmo retórica, sem realizarmos uma devida antro-
pofagia tupiniquim, processo que julgamos imperioso a uma aplicação
mais plausível destas na nossa realidade.
É fato que a nossa jovem sociedade está vivenciando o conturbado
momento de formação da sua identidade (ou de sua tradição). Tanto
é que é possível observarmos no nosso cotidiano um grande fluxo de
valores (muito dos quais divergentes), de atitudes políticas suspeitas
(atitudes egoístas que se camuflam na forma de troca de favores) e deci-
sões jurídicas inconstitucionais ou contraditórias entre si (não há uma
integridade jurisprudencial).
Seja como for, para aqueles que entendem que o direito deve ser
corrigido por uma moralidade (ecológica, cristã, utilitarista etc.), surge o
problema de aplicação de uma multiplicidade instável de valores morais
a serem adotados e de teorias éticas aplicáveis como “solução segura” aos
nossos casos jurídicos. O efeito danoso disto é a produção de decisões
jurídicas subjetivistas e a arbitrárias,4 por mais paradoxal que isto possa
parecer. Por outro lado, para aqueles que admitem que o direito deve
ser tomado como um sistema5 independente (criado com o propósito
de solucionar lides segundo as soluções que ele mesmo oferece), ou seja,
que não pode ser corrigido por argumentos éticos (ou políticos, ou eco-
nômicos e, assim, por diante), desde que não recepcionados pelo próprio
direito, existe o problema de identificar qual é a nossa tradição jurídica
(ou a nossa política judiciária).
Por onde começar? É possível encontrarmos uma tradição jurí-
dica nas decisões dos nossos supremos tribunais ou a partir da nossa
Constituição? A tradição também pode ser entendida como uma polí-
tica que se fixa ao longo do tempo e do espaço no consciente coletivo
de dada sociedade. A tradição, em geral, é bem arquitetada por razões
4 Para citar um exemplo entre tantos possíveis na nossa atualidade: video julgamento do H.C.
nº 126.292/ 2016. Ao julgar este habeas corpus o nosso Supremo Tribunal Federal entendeu
que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sen-
tença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.
5 O termo “sistema” deve ser interpretado como sugere Luhmann (2011).
Eleições, Política e Gestão Pública 149
Uma coleção de Artigos
que justificam hábitos (ou práticas) avaliados como adequados à luz de
circunstâncias e consequências num dado tempo-espaço. Ela pode vir
a sofrer mudanças significativas quando um conjunto de justificativas
mais contundentes supera aquelas que anteriormente a fundamentava,
havendo assim a revisão de toda cadeia de crenças. A nossa política
judiciária, neste sentido, deveria conferir as suas jurisprudências uma
couraça capaz de resistir ao ataque de “argumentos mal fundamenta-
dos”. Um argumento pode estar mal fundamentado por vários motivos.
Dentre os quais, destaquemos o erro de fundamento que consideramos
o mais grosseiro: o caso em que o argumento jurídico não está pau-
tado numa moral, em direitos ou em deveres expressos na Constituição
Federal. Dentre outros aspectos, como a nossa Carta Magna vem sendo
constantemente transgredida, não podemos dizer que conseguimos
emplacar em nosso país uma política judiciária democrática (ou uma tra-
dição judiciária democrática brasileira).
A tradição, evidentemente, não deve ser admitida como dogma,
devendo ser constantemente avaliada, pois é imperativo que esta se coa-
dune com as mudanças de interesses e de necessidades da comunidade
política; caso contrário, ela perde a sua razão de ser: a sua função de inte-
gração e sustentação social. No caso Brasil, para entendermos melhor
este ponto, citemos a nossa paradigmática passagem da ditadura para os
tempos de Democracia. É sabido de todos que a ditadura militar durante o
tempo que vigorou em nosso país forçou uma tradição de práticas e valo-
res que foram superados com a instauração da nossa Democracia. Neste
instante de ruptura, práticas antes consideradas saudáveis no regime de
repressão (ditadura) – como práticas jurídicas de interpretação “contra a
lei” (contra lex) ou de correção moral do direito – devem ser abandona-
das no nosso atual Estado Democrático de Direito, mesmo que este esteja
ainda em processo de maturação. Isto deve ocorrer porque estas práticas
quando realizadas fora do contexto de um Estado de profundas injus-
tiças sociais, como era o Estado brasileiro na época da ditadura, geram
resultados terríveis como políticas arbitrárias e decisões jurídicas subjeti-
vas. Há muito deliberamos que não desejamos práticas como estas, mas
resta-nos ainda saber quais novas práticas devemos cumprir em terras
Eleições, Política e Gestão Pública 150
Uma coleção de Artigos
brasileiras. Eis um aspecto operacional que cabe ser elucidado por nossa
política democrática e pela política judiciária democrática.
Um dos símbolos mais expressivos da nossa jovem democracia é,
sem dúvida, a nossa Constituição Federal. Isto se deve ao fato de termos
nela catalogado uma série de diretivas políticas que descrevem como
idealizamos o nosso Estado Democrático de Direito, como já sugerido
acima. Mediante o quadro de instabilidade moral, política e mesmo
jurídica que enfrentamos no Brasil nos dias atuais, no final, dado o
exposto, sugerimos o óbvio: que, em especial, a nossa política judiciá-
ria esteja vinculada (ou melhor, subordinada) à nossa Constituição. É
bem verdade que esta política judiciária democrática inicia-se com o reco-
nhecimento da Constituição como condição basilar para a legalidade e
certa legitimidade, mas isto não significa dizer que esta se encerra com
este devido reconhecimento, uma vez que lhe compete ainda estabe-
lecer uma tradição intelectual capaz de propor processos seletivos de
elaborações do meio – política, moral, economia etc. – que possam ser
orientados por regras e decisões próprias do direito (sempre de cunho
democrático). Este é o ponto! Enquanto estes dias de legitimação proce-
dimental não chegam, sugerimos tão somente que as decisões jurídicas,
mesmo aquelas consideradas atos inquestionáveis de boa vontade, de
justiça ou de amor ao próximo, estejam subjugadas aos direitos e deveres
constitucionais.
Referências
ARISTÓTELES. Política. Tradução, introdução e notas de Mário da
Gama Kury. Brasília: Ed.UnB, 1997.
_________. Ética a Nicômaco. Tradução de Eudoro de Souza. In: Os
Pensadores. V. 2. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
BOBBIO, N. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da
política. Tradução Marco A. Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2012.
Eleições, Política e Gestão Pública 151
Uma coleção de Artigos
LOCKE, J. Segundo Tratado do Governo Civil. In: Os pensadores.
São Paulo: Nova Cultural, 1973.
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria
da Conceição Corte Real. Brasília: UNB, 1980.
_________. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução Ana C.
Arantes. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
PLATÃO. O Banquete – Fédon – Sofista – Político. Tradução e notas
de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São
Paulo: Nova Cultural, 1978. Coleção os Pensadores.
Eleições, Política e Gestão Pública 152
Uma coleção de Artigos
Delimitação de competência entre o ICMS do
Estado do Rio Grande do Norte e do ISS do
Município de Natal
Rui Paulino de Medeiros Sena1
Introdução
O
presente artigo foi desenvolvido com o objetivo geral de
demonstrar conflito de competência, como exemplificar as ope-
rações mistas, discutir a atividade preponderante e quando não
ocorre a bitributação nas competências das Gestões Públicas de arreca-
dações concomitantes do ICMS do Estado do Rio Grande do Norte e
do ISS do Município de Natal, e o objetivo específico (RODRIGUES,
2013) pontuar o caso de prestação de serviços sobre organização de
festas e bufê com fornecimento de comidas e bebidas. Assim, a pro-
blemática (LAVILLE, 1999) busca decompor conflitos de competência
e demonstrar que não existe bitributação, mas tributação mista, sendo
considerada a atividade preponderante do fato gerador do imposto a ser
cobrado.
Delimitação de competência entre o ICMS do estado
do Rio Grande do Norte e do iss do município de Natal
A distinção essencial entre poder e competência consiste no fato
de que o poder é uma expressão própria para designar a realidade. Diz
respeito ao mundo do ser, daquilo que é, segundo os fatos, a realidade do
1 Pós-Graduado em Direito Tributário para Magistério Superior latu sensu – Especialização
em Direito Tributário; Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de
Pernambuco - FDE-UFPE; Historiador, formado em História pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte – Bacharelado – CERES- UFRN. E-mail:
[email protected].
Eleições, Política e Gestão Pública 153
Uma coleção de Artigos
mundo (REALE, 1994). O poder é a aptidão de fato para decidir e fazer
valer as suas decisões, seja por meios ou formas. Já a competência é a
expressão própria para designar a aptidão colocada pela norma jurídica.
É algo que está no plano do dever ser (REALE, 1995). A competência
é atribuição para fazer, dada pela lei a alguém. É poder jurídico, no sen-
tido de poder que deve ser, maseventualmente pode não ser. Enquanto
o poder é uma expressão da realidade, do fato, a competência é uma
expressão jurídica, da norma.
O instrumento de atribuição de competência é a Constituição
Federal, pois a atribuição de competência tributária faz parte da própria
organização jurídica do Estado. Evidentemente, só às pessoas jurídicas
de Direito Público, dotadas de poder legislativo, pode ser atribuída a
competência tributária, posto que tal competência somente possa ser
exercida através da lei (MACHADO, 2001).A competência tributária
não pode ser por seu titular transferida a outra entidade, ainda que não
exercitada nos moldes da Constituição.
O trabalho em tela busca mostrar a exceção, para que se possa
esclarecer o momento que deve ser exigido o ICMS ou ISS. No caso das
operações mistas, retira-se do montante sobre o qual incidiu o ICMS
(MACHADO, 1997) sobre as mercadorias e bebidas, calculando-se
apenas o valor da prestação de serviço como fato gerador do ISS pelo
princípio da não-cumulatividade (SABBAG, 2005). Caso contrário,
haveria o caso de bitributação, pois estaríamos cobrando ISS sobre os
valores dos insumos já tributados pelo ICMS, não sendo permitido por
lei. Por outro lado, deixamos bem claro que no caso da não previsão
expressa na lei municipal da incidência do ISS, será o caso de incidir
apenas o ICMS.
Dessa forma, para que haja incidência do ICMS em detrimento
do ISS, segundo Carlos Roberto de Miranda Gomes e Adilson Gurgel
de Castro em sua obra, Curso de Direito Tributário, reeditada pela
Cooperativa Cultural da UFRN, basta excluir da competência do
Município a incidência do ISS para que incida o ICMS, in verbis:“Por
último, haverá incidência sobre o valor total da operação, quando
mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na
Eleições, Política e Gestão Pública 154
Uma coleção de Artigos
competência tributária dos municípios (CF, art. 155, §2°, IX, a) e b)”
(GOMES; CASTRO, 2005).
Assim, cabe à lista de serviços prevista na Lei Complementar
116/2013 (MARGIERI, 2003)definir o conceito de serviço com ope-
rações mistas, por conseguinte, eleger as atividades que estariam no raio
de incidência do imposto municipal de acordo com os mandamentos
da Constituição Federal, Constituição Estadual, para não padecer dos
vícios de inconstitucionalidades.
Isso se deve pela atividade preponderante em relação à atividade
acessória, o serviço de bufê é que deve ser tributado pelo Município de
Natal e para os insumos(comida e bebidas) deve ser arrecadado o ICMS.
Temos nesse ponto um caso típico de dupla incidência, ISS pela
prestação do serviço e ICMS no tocante à alimentação e às bebidas
fornecidas juntamente com a prestação desse serviço. Contudo, com a
ressalva capitulada como fato gerador do Imposto Sobre Serviços de
organização de festas, recepções e bufê, do item 17.10, do art. 60, do
Código Tributário do Município de Natal, Lei nº 3.882/1989, no que
diz respeito ao material empregado como alimentação e bebidas como
insumo para o serviço que fazem parte da prestação do serviço de bufê:
Art. 60 - Constitui fato gerador do Imposto Sobre
Serviços de Qualquer Natureza – ISS a prestaçãode
serviços, por pessoa física ou jurídica, com ou sem estabe-
lecimento fixo, ainda que essesserviços não se constituam
como atividade preponderante do prestador e, especial-
mente, a prestaçãodos seguintes serviços:
(...)
17.10 – Organização de festas e recepções; bufê (exceto
o fornecimento de alimentação e bebidas, que fica sujeito
ao ICMS);
(...).
O conceito de tributo nessa norma prevê a origem legal das duas
hipóteses de incidência, com natureza vinculatória e compulsorie-
dade dos dois impostos (AMARO, 2005). Para ilustrar e confabular,
imaginemos que num restaurante sofisticado, poder-se-á especular a
Eleições, Política e Gestão Pública 155
Uma coleção de Artigos
“mão-de-obra de um chefe de cozinha internacional”, onde em tese
prepondera uma prestação de serviço especial, pois o cliente estaria con-
sumindo a prestação de um serviço de um chefe de cozinha que adquiriu
conhecimento de receitas, “modo de fazer comidas”, por diversos lugares
do mundo.No caso do município de Natal, em nome da taxatividade,
aplicar-se-á ISS pela organização e recepção e o ICMS para o Estado
do Rio Grande no Norte.
Por outro lado, num restaurante comum, como restaurante mais
simples que comercialize “prato-feito”, ninguém haveria de entender
que esse tipo de prato requer algum conhecimento especializado, será
o caso de incidir apenas o ICMS, pela omissão expressa do legislador,
aplicando-se a Súmula 163, do STJ:“O fornecimento de mercadorias
com a simultânea prestação de serviços em bares, restaurantes e estabe-
lecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a incidir sobre o
valor total da operação”.
Essa súmula sofre exceção em nossa legislação de Natal, como
expressamente abordada pelo legislador no tocante à organização de
festas e bufê. Caso tivesse previsto na lei apenas a prestação do serviço
sem fazer qualquer ressalva na lista referida, operaria apenas a cobrança
do ISS. Nessa norma como há uma exceção por verdadeira expressão
legal, em que o legislador municipal admitiu a dupla incidência dos dois
impostos, sendo que, para o cálculo do conjunto a ser cobrado o ISS,
exclui-se o valor pago a título de ICMS ao Estado relativo ao forneci-
mento da alimentação e das bebidas.
Conclusão
O trabalho foi realizado com pesquisa em jurisprudência para diri-
mir dúvidas sobre bitributação, atividade preponderante e operações
mistas na aplicação da legislação do ICMS do Rio Grande do Norte
e o ISS do Município de Natal-RN. Após compulsar na lei e dou-
trina, defendemos a ressalva por exceção expressa na própria legislação
municipal, art. 60, item 17.10, do Código Tributário do Município do
Natal, que talha hipótese de incidência do fato gerador de ISS sobre
Eleições, Política e Gestão Pública 156
Uma coleção de Artigos
organização de festas e bufê, prevendo a possibilidade do recolhimento
concomitante do ICMS sobre o fornecimento de alimentação e bebidas.
Porém, a doutrina e alguns julgados defendem que deve prevalecer a
atividade preponderante para que possa incidir apenas um tributo. E no
caso em que não haja previsão expressa na legislação municipal, haverá,
portanto, a incidência do ICMS sobre o valor total da operação das
mercadorias fornecidas com serviços e não compreendidos na gestão
tributária municipal.
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mento de mercadorias com a simultânea prestação de serviçosem
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Eleições, Política e Gestão Pública 158
Uma coleção de Artigos
Reflexões acerca da formação das coligações
dentro dos sistemas eleitorais brasileiros e
suas implicações para com a relação eleitor-
eleito no processo sufragista vigente
Sebastião Caio dos Santos Dantas1
Franco Bareze Silva Vital 2
Felipe Nathanael de Medeiros3
Introdução
A
pesar da grande variedade de sistemas eleitorais existentes, a
democracia brasileira optou pela escolha dos seus parlamen-
tares utilizando basicamente dois modelos de representação: o
sistema majoritário e o proporcional.
Ao pensarmos neste tema, deparamo-nos com o questionamento
de se o instituto das coligações partidárias é compatível com o que
determina o parágrafo único do artigo 1º da Magna Carta de 1988, que
estabelece “que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Ou seja, por intermédio das coligações partidárias, observa-se que par-
lamentares se elegem muitas das vezes com votos obtidos por outros
parlamentares, incidindo assim uma distorção da soberania popular.
Observe-se nesses termos que tal elemento caracteriza-se como uma
distorção ao modelo criado e escolhido pelo legislador em representati-
vidade ao poder emanado pelo povo.
1 Bacharelando em direito e Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
– Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
[email protected]2 Bacharel em Direito – Universidade Potiguar. E-mail:
[email protected]3 Bacharelando em Direito – Centro Universitário UNIFACEX. E-mail: felipedosax@hot-
mail.com
Eleições, Política e Gestão Pública 159
Uma coleção de Artigos
Assim, o tema a ser abordado neste artigo objetiva analisar com
base na doutrina e na jurisprudência as alianças político-partidárias nas
eleições proporcionais e majoritárias de forma a verificar se estas ferem
a soberania popular, já que o eleitor votando em um determinado can-
didato acaba contribuindo para eleger outro candidato pertencente à
coligação. Portanto, pretende-se trazer uma reflexão crítica em torno do
tema coligações partidárias, dentro da nova reforma política e o exercí-
cio pleno do sufrágio universal.
As coligações e a fidelidade partidária
As coligações surgem a partir das convenções partidárias e podem
ser definidas como uma união de forças entre partidos para a obtenção
de um fim comum, o maior número de eleitos no pleito.
A sua funcionalidade se encontra em constante divergência dou-
trinária. Uma corrente defende as coligações como uma forma de
sobrevivência dos partidos de menor projeção, enquanto outra corrente
condena-a ao entender que a coligação se caracteriza como a desfigura-
ção a ideia central dos partidos e favorece a comercialização de legendas
fugazes que perduram tão somente no período eleitoral, sendo mera-
mente descartáveis.
A primeira corrente tem como um de seus principais defensores
o deputado João Almeida, que na Comissão Especial da Câmara dos
Deputados, sessão de 21.5.97 afirmou: “servem (as coligações) como
instrumento de sobrevivência das minorias nas eleições”. Já o segundo
raciocínio tem seus defensores Odyr Porto e Roberto Porto, que dizem:
“As agremiações políticas de maior expressão podem elevar o seu número
de candidatos aos cargos legislativos, se coligadas, ampliando o tempo
de propaganda gratuita no rádio e televisão nas eleições majoritárias,
sem a participação, portanto, daqueles partidos” (PORTO e PORTO,
1998, p.42).
De acordo com a Resolução nº 23.191/2009 do TSE, as coligações
deverão ser tratadas como partido único e, por analogia, possuírem todas
Eleições, Política e Gestão Pública 160
Uma coleção de Artigos
as prerrogativas – direitos e deveres – que sejam cabíveis aos partidos
individualizados.
A reforma eleitoral, lei nº 9.504/1997, traz a regulação das normas
acerca das coligações e em seu artigo 6º, §4º expressa que só possuirá
legitimidade para atuar de forma isolada o partido coligado que ques-
tionar a validade da própria coligação, entre a data da convenção e prazo
final para impugnação de registro de candidatura.
A polêmica da verticalização das coligações
A verticalização é a regra que preceitua que os partidos devem seguir
nos Estados a coligação nacional, nas eleições para presidente, posicio-
namento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2006. Contudo, com
a Emenda Constitucional nº 52/2006 em uma inegável manobra polí-
tica – como historicamente acontece – afirma Barros (2010), a regra de
verticalização veio a padecer.
A polêmica se iniciou quando o TSE determinou a verticalização
das coligações partidárias para as eleições de 2002 (consulta nº. 715/2001
que resultou na emissão das resoluções 20.993/2002 e 21.002/2002) ao
interpretar o art. 6º da lei nº. 9.504/97 e entender que a circunscrição
maior engloba a menor, assim sendo as coligações que forem formadas a
nível nacional vinculam as uniões realizadas nos demais entes; portanto,
na coerência ideológica e com o intuito de gerar um aperfeiçoamento
do sistema político partidário. Assim asseverou a então ministra Ellen
Gracie em seu voto na referida consulta.
Contudo, a decisão do TSE passou a ser questionada, através do
STF e dos partidos políticos que em constante insatisfação pressiona-
ram até conseguir destituir a verticalização por meio da mencionada
Emenda Constitucional. O Supremo Tribunal Federal, por sua maio-
ria,considerou inconstitucional, por se tratar de matéria interpretativa
característica de ato normativo secundário.
O que o dispositivo impugnado limitou-se a dar inter-
pretação ao art. 6º da lei nº. 9.504/97, caracterizando-se,
portanto, como ato normativo secundário de natureza
Eleições, Política e Gestão Pública 161
Uma coleção de Artigos
interpretativa, de modo que os eventuais excessos do poder
regulamentar da Resolução em face da lei nº. 9.504/97
não revelariam inconstitucionalidade, mas sim eventual
ilegalidade frente à Lei ordinária regulamentada, sendo
indireta, ou reflexiva, a alegada ofensa à CF, cuja aná-
lise é incabível em sede de controle abstrato de normas
(BRASIL,2002, p. 01).
Com base nos apontamentos de Coelho (2010), a classe política,
por sua vez, em total inquietação editou a PEC nº.04/2002 acabando
com a obrigatoriedade da verticalização das coligações, a PEC foi pro-
mulgada com Emenda Constitucional em 08 de março de 2006 e alterou
a redação do art. 17, §1º da CF/88, na qual acrescentou: “o regime de
suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal”.
Lenza (2010) demonstra que a emenda supracitada é totalmente
viciada por ferir a Constituição em sua cláusula pétrea do direito e
garantia individual e princípio da segurança jurídica a violar o devido
processo legal, não sendo respeitados o caráter nacional, coerência parti-
dária e consistência ideológica – princípios dos partidos políticos.
A fidelidade partidária
A fidelidade partidária é um dos temas mais debatidos no âmbito
eleitoral brasileiro. Conforme expõe Barreto (2009) em 04 de outubro
de 2007, o STF entendeu que o instituto é princípio constitucional e sua
desobediência gerará motivação para perda de cargo eletivo.
De início, a Constituição Federal, em seu art. 17, disciplinou-a
como de relevância, deixando a critério dos partidos sua regulamentação
em seus estatutos. Ocorre que pela falta de legislação que a limitasse, a
desordem se instaurou por muito tempo no Brasil, sendo comum a troca
de legendas.
Mudar de partido significa desvio ético-político justamente no
conceito básico do partido político e seus filiados que devem ter caráter
não subjetivo ao candidato, mas a ideologia e programa partidário.
Eleições, Política e Gestão Pública 162
Uma coleção de Artigos
Com base no exposto por Oliveira (2015),o que se tentou com a
iniciativa do STF de depositar nas mãos dos partidos políticos a capa-
cidade de dispor em seus estatutos sobre as causas de infidelidade
partidária objetivou a garantia da autonomia e liberdade. Ocorre que
em um país com o histórico de corrupção, quase que cultural, desde a
chegada da coroa portuguesa até os escândalos de mensalão, o candidato
tem seus valores totalmente avessos ao que se pressupõe do representante
do povo. Busca-se mais a consolidação de sua personalidade midiática,
apublicização de uma“marca” no meio social. Outro aspecto que merece
espaço para discussão versa sobre o como os mesmos veem os eleitores.
Nessa perspectiva, os indivíduos passam de cidadãos dotados de direito
com acesso sufragista a indivíduos que fazem parte de um “curral elei-
toral”,passando assim aos políticos a missão de “arrebanhar eleitores”
– ao invés de seguirem uma cartilha e ideologia partidárias a qual aesses
pertence defendendo os interesses coletivos da parcela populacional a
qual se filia.
Os próprios partidos passam a atuar no mercado eleitoral se subju-
gando aos interesses privados para garantirem sua presença na máquina
governamental. O exemplo mais claro se dá com a prática do alistamento
de pessoas de relevante popularidade social como seus candidatos para
que através da vitória desses, o partido passe a possuir maior represen-
tatividade no poder.
Conclusão
Respondendo, então, ao questionamento que gerou o objeto de
estudo deste periódico, sobre qual a explicação para o descrédito cada
vez maior nos partidos políticos e alianças por estes formados, observa-
se que a falta de ideologia, de seriedade programática, de atuação ética
e moral de quadros internos e a falta de política de responsabilidade
desses partidos se dão por causa das regras que determinam o acesso
às vagas eletivas. Afastando-se as instituições político-partidárias de
sua missão pedagógica junto às massas, caracterizando-se como uma
das bases da formação do partido na democracia. Carreando consigo a
Eleições, Política e Gestão Pública 163
Uma coleção de Artigos
responsabilidade de dever-ser representantes de princípios e ideologias
específicas.
Concluímos que na medida em que são aplicados os mecanismos
dos quocientes eleitoral e partidário, o eleitor, por força do seu voto,
acaba elegendo um candidato que muitas das vezes sequer conhece,
maculando assim a real intenção do voto, tornando clara a afronta aos
princípios balizadores do Estado Democrático de Direito no exercício
do sufrágio universal.
Referências
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Eleições, Política e Gestão Pública 165
Uma coleção de Artigos
O preço a pagar pela corrupção ainda
compensa?
Thiago Garcia4
Felipe Pereira de Medeiros5
Introdução
A
corrupção existe e acompanha a humanidade há muito tempo.
Data de 74 (a.C.) o relato do suborno pago por um cidadão
romano aoconselho de sentença para que o absolvesse da acu-
sação de assassinato.Mas a tentativa de coibir a corrupção é, por deveras,
tão antiga quanto o Decreto egípcio de Horemheb, de 1.300 (a.C.), já
previa a pena de morte aos juízes corruptos e a lei das XII Tábuas, de
450 (a.C.), foi uma das primeiras codificações legais a tratar das impli-
cações penais da corrupção (ZANINI, 2014, p.22).
Como todo problema, entender o que incentiva o indivíduo a cor-
romper-se é um caminho a percorrer em busca da solução. Este artigo se
propõe a analisar,através de uma análisejuseconômica, o que serve como
incentivo à corrupção. Diante da quantidade monstruosa de ações cor-
ruptas amplamente divulgadas na mídia, questiona-se: por que tantos se
dispõem a pagar o preço de ser pego na prática da corrupção?
Este trabalho utiliza uma metodologia dedutivafundamentada
em uma pesquisa explicativa com a finalidade deanalisar a motivação
racionalmente implícita na tomada de decisões que implicam em um
4 Acadêmico do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. E-mail:
[email protected]5 B. Sc. em Ciências Contábeis pela Fundação Universidade do Tocantins, pós-graduando em
Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Geraise acadêmico do curso
de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: thiago_garcia97@
hotmail.com
Eleições, Política e Gestão Pública 166
Uma coleção de Artigos
proceder corrupto.Faz-se uso de uma corrente do pensamento juse-
conômicode análise, a partir de pressupostos e métodos econômicos,
verificando-se a hipótese de refrear ações corruptas por aumentar o
custo de seu benefício. Procedimentalmente, esta é uma pesquisa biblio-
gráfica de abordagemqualitativa.
Análise juseconômicado incentivo à corrupção
A relação social como conhecemos hoje, ensina Rousseau, teve iní-
cio a partir do momento em que um sujeito ao cercar um lote de terra
se pôs a dizer: “Isto é meu”, encontrando pessoas suficientemente dis-
postas a lhe dar crédito. Para Rousseau (2005, p.27), a sociedade surge
a partir da necessidade humana de proteger aquilo que imagina ser seu.
É esse o pensamento jusnaturalistae contratualista defendido pela
corrente filosófica encabeçada por Hobbes, Locke eRousseau. Para esses,
o homem era absolutamente livre em seu estado de natureza. Porém, fora
necessário uma imposição limítrofe dessa liberdade. Sendo essa imposta
e necessária em virtude da racionalização efetivamente econômica
da proteção da propriedade privada. Segundo Hobbes, a necessidade
humana de acumular bens gerava instabilidade e conflitos. Sendo, por-
tanto, demasiadamente oneroso o custo da exclusão de terceiros daquilo
que se entendia como privado. Para superar essa condição, os homens,
então, abriram mão de parte de seu poder, instituindo um poder maior e
pleno, o poder do Estado, que era, por derradeiro, proprietário absoluto;
assim, apenas por sua concessão e proteção, era garantido o direito de
propriedade aos particulares(CABRAL, 2009, p.41-42).
Em suma, o que se pretende apontar é que a formação da sociedade
civil teve como fundamento a necessidade de se ter eficiência econômica
na proteção dos bens privados. Em algum momento na história, fora
imprescindível que houvesse um equilíbrio entre o desejo humano de
ter algo e o custo oneroso de proteger – excluir terceiros do usufruto –
ao custo da força. Em algum momento, as pessoas firmaram um pacto
social, com regras definidas sobre direitos e obrigações, designando um
poder maior, o poder do Estado, para garantir o cumprimento desse
Eleições, Política e Gestão Pública 167
Uma coleção de Artigos
pacto por meio da força respaldada pela outorga coletiva. Isso possibili-
tou o desenvolvimento da sociedade, uma vez que o Estado passou a ter
o ônus de proteger os bens privados e as pessoas o de respeitar os limites
impostos pelo Estado(GARCIA;DANTAS, 2015, p.355).
O decurso do tempo não mudou o sistema patrimonialista em que
se monta a nossa sociedade. Pelo contrário, o aperfeiçoamento das regras
desse sistema desencadeou o que hoje conhecemos por sistema capita-
lista, instando-nos sempre a buscar o lucro, a vantagem. Para alguns
especialistas, este é o combustível incentivador da corrupção: a busca
ambiciosa pelo capital. Santos Dias, ao questionar os fundamentos capi-
talistas do mercado mundial, menciona que “a ética sucumbe ao lucro”
(2015, p.105). Mas, não se engaja por um discurso socialista, como se
este último sistema não sofresse do mesmo mal. Apenas questiona-se
o incentivo e a resposta da sociedade através do Estado aos casos con-
cretos de corrupção. Os humanos reagem a estímulos. De forma que
entender o que incentiva o homem a se corromper é o caminho para
solucionar o problema(ZANINI, 2014,p.35).
Um princípio da economia, a que chamamos de eficiência eco-
nômica é quando, por exemplo, procuram-se atalhos para encurtar
ocaminho ou diminuir ospassos. Isso é natural.As pessoas tendem a fazer
aquilo que lhes parece mais benéfico. Diante das muitas possibilidades,
utilizamos um raciocínio lógico, atribuindo um valor econômico a cada
uma das opções. Evidentemente, a racionalidade incentiva a escolhada
opção menos onerosa(COOTER; ULEN, 2010, p.23-24).
Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner caracterizam a corrupção
como “um ato econômico: obter mais gastando menos”. Por isso, não são
apenas os políticos ou grandes empresários que trapaceiam. É também
aquela garçonete que não informa a gorjeta coletiva e o aluno “que cola”
do colega vizinho para usurpar um rendimento que efetivamente não
lhe é merecido(2007, p. 23, 28). Dessa forma, corromper-se ou não é
uma questão de escolha.
Preocupados com isso, os autores Robert Cooter e Thomas Ulen
trabalham pelo desenvolvimento de uma teoria juseconômicanão pau-
tada exclusivamente nos ideais econômicos de eficiência a qualquer
Eleições, Política e Gestão Pública 168
Uma coleção de Artigos
custo.Para esses, “as leis não são apenas argumentos arcanos, técnicos;
elas são instrumentos para atingir objetivos sociais importantes”(2010,
p.26). As decisões que tomamos são dotadas de valor econômico. Uma
escolha racional tende a maximizar a utilidade das nossas decisões.
Toda escolha racional envolve prévia análise dos custos e benefícios. A
maximização da eficiência econômica se dá à medida que os benefícios
superam os custos(p.35-74).
Um exemplo de como o mercado corporativo se utiliza da teoria
econômica para maximizar o lucro é bem demonstrado pelo Professor
de Filosofia Política da Universidade de Harvard, Michal J. Sandel. Ele
relata que na década de 1970, o Ford Pinto era um dos carros mais ven-
didos dos EUA. Mas, tinha um grave problema de segurança. O tanque
de combustível do automóvel estava sujeito a explodir em caso de colisão
traseira. Mais de quinhentas pessoas morreram e outras tantas ficaram
feridas em decorrência disso. Quando a empresa foi processada, veio a
público que os engenheiros que projetaram o carro sabiam do defeito.
Eles haviam feito uma análise econômica dos custos e benefícios de se
fazer um recall em todos os automóveis já vendidos, tornando os carros
mais seguros (equivalente a US$ 137 milhões). Mas, também fizeram os
cálculos relativos à quantidade de indenizações que, porventura, deve-
riam pagar as vítimas ou familiares das vítimas que ingressassem com
uma ação judicial (equivalente a US$ 49,5 milhões). A Ford “chegou
à conclusão de que o custo de consertar o tanque não compensaria o
benefício de um carro mais seguro”(2012, p.57-58).
Percebe-se que a análise econômica feita pela companhia foi o
fator decisivo na decisão tomada. Por que esse exemplo é relevante?
Cooter&Ulen afirmam que: “uma lei é uma obrigação apoiada por uma
sanção estatal” (2010, p.25). Ora, se não havia uma sanção legal sufi-
cientemente capaz de incentivar a companhia a tomar uma atitude mais
“social”, de fato, de um ponto de vista puramente econômico, ela agiu
corretamente. A companhia avaliou a situação e escolheu o que lhe era
mais benéfico.
Uma das teorias econômicas mais conhecidas e disseminadas é
a teoria da demanda que consiste na satisfação do consumidor com
Eleições, Política e Gestão Pública 169
Uma coleção de Artigos
o mínimo comprometimento de suas posses. A lei da demanda, basi-
camente, consiste na relação inversamente proporcional entre preço e
demanda. Sendo o preço, o qualificador necessário para designar a dis-
posição do consumidor em adquirir o produto. Ou seja, à medida que
o preço de um determinado produto diminui, a busca por esse produto
aumenta, e vice-versa. De forma que a precificação do produto está
inteiramente relacionada com quanto o consumidor se dispõe a pagar(-
COOTER; ULEN, 2010, p.41-49).
Os economistas relacionam os efeitos das sanções legais no com-
portamento das pessoas quando preveem que as pessoas reagem às
sanções impostas pelas leis da mesma forma que os consumidores rea-
gem aos preços dos produtos. Os consumidores consomem menos dos
produtos mais caros e mais dos mais baratos. Assim, as pessoas tendem a
cometer menos ilícitos cujas penas sejam mais duras, por simplesmente
não estarem dispostas a pagar o preço(COOTER; ULEN, 2010, p.25).
O ser humano reage a estímulos. Certamente, a garantia de baixo
risco e alta lucratividade é um grande incentivo para o ingresso em
qualquer negócio, seja esse lícito ou não. Ou seja, a quantidade de negó-
cios ilícitos é diretamente proporcional à disposição do criminoso em
pagar o preço. Isso significa que, agindo racionalmente, a pessoa que se
envereda em uma negociação corrupta, chegou à conclusão, após uma
análise econômica da situação, de que os benefícios de sua atitude crimi-
nosa compensam o eventual risco de ser pego e condenado(COOTER;
ULEN, 2010, p.475).
Considerações finais
Visto que as pessoas, em geral, estão engajadas em obter a van-
tagem ou lucro, escolhem fazer, portanto, o que lhes parece ser mais
benéfico. Esta pesquisa partiu de uma análise econômica para apontar
que as decisões que implicam em ações, mínimas ou não, são dotadas
de valor econômico. Uma vez sendo a corrupção, também uma questão
de escolha, temos que a corrupção é um ato econômico que consiste no
princípio da eficiência econômica: obter mais gastando menos.
Eleições, Política e Gestão Pública 170
Uma coleção de Artigos
Assim, concluímos que corromper-se é uma questão de escolha
que se dá baseando-se, o indivíduo, na maximização da utilidade: uma
relação entre o custo e o benefício resultante de sua atitude corrupta. A
análise econômica da corrupção atesta que as pessoas reagem às sanções
legais como os consumidores reagem aos preços dos produtos. Ou seja,
quando as pessoas se corrompem é porque não se sentem intimidadas
pela sanção legal decorrente ou confiam na impunidade; estão dispostas
a pagar o preço.
É imprescindível a melhora de mecanismos de fiscalização e, con-
sequentemente, de punição aos corruptos. De imediato, isso tornará
mais leal à concorrência comercial, uma vez que inibirá os agentes de
ações corruptas e agraciará o empresariado honesto de equipolente
competitividade. Ademais, uma punição efetivamente mais severa, não
apenas legalmente garantida, mas efetivamente executada, restringirá a
açãodaqueles que não estiverem dispostos a pagar o preço da corrupção.
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Eleições, Política e Gestão Pública 171
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LEVITT, Steven D.; DUBNER, Stephen J. Freakonomics: o lado
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ROUSSEAL, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamen-
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SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. 6.ed. Rio de
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Disponível em: <http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/nej/article/
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ZANINI, Juliano Cézar. Corrupção administrativa e mecanismos de
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Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do
Itajaí, UNIVALI, Itajaí, SC, 2014.
Eleições, Política e Gestão Pública 172
Uma coleção de Artigos
Políticas públicas ambientais:
uma questão principiológica
Tiago José de Souza Lima Bezerra1
Introdução
A
Constituição Federal de 1988 prevê no caput do artigo 225:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equili-
brado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defen-
dê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Desta forma, percebe-se o quão fundamental é a adoção de ações
por parte da coletividade e, principalmente, do Poder Público no sen-
tido de garantir um meio ambiente equilibrado, seja através de leis ou
por políticas públicas que garantam este direito para presentes e futuras
gerações.
A constitucionalização do Direito e a maior preocupação com a
coletividade, a partir da segunda metade do século XX, geraram uma
maior atuação estatal no sentido de criar políticas públicas que protejam
efetivamente o meio ambiente. A criação destas políticas públicas tem
base implicitamente constitucional, utilizando como justificativa uma
série de princípios, principalmente aqueles relacionados à questão da
responsabilidade e da precaução.
Através das políticas públicas, o Estado deve concretizar este
direito constitucional, mediante a utilização de medidas reais que criem
obstáculos à degradação ambiental excessiva e possibilitem o desenvol-
vimento sustentável em todas as searas da sociedade.
1 Graduando em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: tiago.
[email protected] Eleições, Política e Gestão Pública 173
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Neste sentido, tem-se o entendimento do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região:
DIREITO ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL
E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. “LIXÃO”. IMPLANTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS AMBIENTAIS.
POSSIBILIDADE. SEPARAÇÃO DE PODERES.
VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ASTREINTES.
[...]
3. Incumbe ao Judiciário compelir a administração a
implementar políticas públicas de meio ambiente, para
recuperar a área degradada, sem ofensa à separação dos
Poderes. [...]
4. O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado
deve ser protegido pelo Poder Público e defendido pela
coletividade, estando o agente poluidor obrigado, inde-
pendente de culpa, a reparar os danos causados por sua
atividade. Aplicação da Constituição, art. 225 e Lei nº
6.938/1981, arts. 3º, IV e 14, § 1º. Precedentes.
5. O princípio do poluidor-pagador obriga a todo
aquele que interfere nocivamente a promover, às suas
expensas, a recuperação ambiental, adotando medi-
das preventivas, acorde ao princípio da solidariedade
intergeracional, o que também atende aos objetivos
da Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional
de Resíduos Sólidos, fixando o prazo já vencido de qua-
tro anos para a disposição final ambiental adequada dos
rejeitos.
[...]
(TRF-2 - AC: 200650030001363 RJ, Relator:
Desembargadora Federal Nizete Lobato Carmo, Data
de Julgamento: 20/10/2014, Sexta Turma Especializada,
Data de Publicação: 03/11/2014; grifo nosso).
O Direito Ambiental surge como uma nova área de pesquisa do
Direito, carecendo ainda de estudos mais aprofundados, tendo em vista
a gama de discussões que este tema tem levantado nas últimas décadas e
a grande preocupação que cerca o homem na sociedade contemporânea
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de preservar o meio ambiente, garantindo o desenvolvimento sustentá-
vel, a boa qualidade ambiental e a preservação para as futuras gerações.
A adoção de políticas públicas nesta área é consequência desta preocu-
pação global.
Atribuir um conceito ao termo “meio ambiente” é uma tarefa com-
plexa, especialmente pela abrangência que este termo possui e pela
complexidade de limitá-lo a uma única área, tendo em vista que ele
é objeto de estudo das mais diferentes ciências, tais como o Direito,
a Ecologia, a Geologia, a Sociologia e a Biologia. O nosso legislador
trouxe explicitamente uma definição para o termo, porém restrita ape-
nas ao âmbito físico, químico e biológico.
Nos termos do inciso I do artigo 3º da Lei nº 6.938/1981, “entende-
se por meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas.” Silva (2002, p.20) assim define: “o
meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais,
artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da
vida em todas as suas formas.” Aqui, percebe-se a visão holística inserida
no conceito, em que existe uma interação não só entre elementos natu-
rais, mas também abrange os artificiais e culturais. Destaca-se, também,
a busca pelo desenvolvimento equilibrado, principal objetivo das políti-
cas públicas ambientais.
Nem sempre será possível evitar a degradação ambiental. Além
disso, o meio ambiente é um bem de uso comum da sociedade; logo, sua
degradação atinge toda a coletividade, desde os que produzem até os
que consomem, e todos são responsáveis, direta ou indiretamente, pela
sua preservação e, inclusive, pela própria degradação. É nesse contexto
que surge o princípio do poluidor pagador e da responsabilidade.
A questão principiológica
No estudo dos princípios do Direito Ambiental, têm-se os prin-
cípios da precaução e prevenção, relacionados entre si e ligados à busca
direta pelo equilíbrio ambiental e desenvolvimento sustentável, sendo
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muitas vezes associados doutrinariamente a um só princípio. Apesar
da relação entre eles, apresentam características singulares que se com-
plementam. Ambos os princípios estão ligados à adoção de políticas
públicas, buscando evitar a degradação e o risco da poluição, sendo estes
riscos já conhecidos (prevenção) ou desconhecidos (precaução).
O princípio da precaução visa a proteger o meio ambiente de um
possível dano, de forma genérica, mesmo quando este ainda é desco-
nhecido e independente de certeza científica comprovada. Tem-se aqui
a questão da potencialidade do risco.
Em contrapartida, o princípio da prevenção está relacionado a
um dano concreto, e não a um potencial abstrato. Aqui, conhece-se o
risco, e sabe-se exatamente quais danos determinada ação pode causar.
Destaque ao entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO
PÚBLICO. AMBIENTAL. EMPREENDIMENTO
COM POTENCIAL DE DANO AMBIENTAL.
ATERRAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS.
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. Em se tratando de
Direito Ambiental, mister atentarmos aos princípios apli-
cáveis à espécie, mormente da precaução e da prevenção.
Embora ambos objetivem a proteção do meio ambiente,
diferem porquanto este último é aplicável quando houver
conhecimento científico dos riscos ao meio ambiente,
ao passo que o primeiro, de origem alemã, se aplica na
inexistência de certeza científica quanto ao dano e
à sua extensão. Grosso modo, a prevenção se dá ante
perigo concreto, conhecido, enquanto a precaução
ocorre diante de risco potencial. Inexistente nos autos
prova da existência de margem segura de exploração.
Destarte, somente após a perícia técnica é que será possí-
vel conhecer a área segura para exploração, afastando-se
o potencial risco ambiental, de modo que, por ora, per-
manece a situação de incerteza a atrair incidência do
princípio da precaução. NEGARAM PROVIMENTO
AO RECURSO. UNÂNIME.
(TJ-RS - AI: 70061893921 RS, Relator: Laura Louzada
Jaccottet, Data de Julgamento: 25/03/2015, Segunda
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Uma coleção de Artigos
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do
dia 02/04/2015; grifo nosso).
Desta forma, o princípio da prevenção age de forma semelhante
à precaução, porém especialmente quando os riscos já são conhecidos
e previstos. Sua aplicação é de fundamental importância, tendo-se em
vista que nem sempre é possível a reparação dos danos ambientais.
Conforme Farias (2007, p.54), “de fato, é melhor para o meio ambiente
que o dano ambiental nunca ocorra do que ele ocorrer e ser recuperado
depois”.
A utilização dos recursos ambientais para fins pessoais e econô-
micos gera um ônus que não deve ser suportado por toda a população,
já que o ambiente é um bem coletivo e não é justo que uma sociedade
inteira pague pelo seu uso quando, na verdade, estes custos não lhe per-
tencem. Assim sendo, o indivíduo poluidor (como também o Estado
através das políticas públicas) deve assumir os gastos da sua ação, tanto
no sentido de prover os instrumentos necessários à prevenção/precau-
ção, como assumir o risco e a responsabilidade caso não consiga evitar a
poluição, devendo, de alguma forma, restituir o meio ambiente e a cole-
tividade pelos danos causados. Aqui se insere o princípio do poluidor
pagador.
De acordo com o § 3º do artigo 225 da Constituição Federal: “as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administra-
tivas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
É importante destacar que o objetivo do princípio do poluidor pagador
não é garantir um “direito de pagar para poluir”, mas buscar uma inter-
nalização de custos na atividade ambiental com foco na prevenção. Caso
a prevenção não seja capaz ainda de evitar o dano, tem-se a reparação e
possível responsabilidade. A responsabilidade civil, neste caso, é objetiva.
Nos termos do § 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/1981:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste
artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos cau-
sados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
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Uma coleção de Artigos
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados
terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Considerações finais
O Direito Ambiental é um ramo do Direito que tem crescido muito
nas últimas décadas, e a imposição de princípios é fundamental para
proteger o bem de uso comum do provo, previsto constitucionalmente.
Deve-se buscar o equilíbrio ecológico e legitimá-lo juridicamente. A
precaução e prevenção devem guiar toda e qualquer atividade que gere
alterações dos recursos naturais, tornando a exploração ambiental uma
atividade lícita e regulamentada. Surge o princípio do poluidor pagador
como uma forma de internalizar os custos da atividade poluidora, já
que se deve tratar o meio ambiente como um bem jurídico indisponível.
Aquele que polui, deve pagar por isso, não levando as externalidades
negativas até a população. Este último princípio jamais deve ser enten-
dido como uma brecha para se “comprar o direito de poluir”, já que os
investimentos buscam justamente atenuar os danos ambientais e atri-
buir um preço a este ônus.
O Estado deve criar políticas públicas ambientais baseadas nes-
tes princípios, já que é função de todos buscarem um meio ambiente
equilibrado, evitando-se ao máximo qualquer espécie de dano. A adoção
destas medidas não libera o poluidor da responsabilidade, estando ele
sujeito a esta no caso da atividade degradante independentemente de
culpa.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.In:
VadeMecum. 17.ed.São Paulo: Saraiva, 2014.
_________. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio ambiente, seus fins e mecanismos de for-
mulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Eleições, Política e Gestão Pública 178
Uma coleção de Artigos
Brasília, 02 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
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_________. TJ-RS. AI: 70061893921 RS. Relator: Laura Louzada
Jaccottet. Data de Julgamento: 25/03/2015. Segunda Câmara Cível.
Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/04/2015.
_________. Tribunal Regional Federal – 2ª Região. AC:
200650030001363 RJ. Relator: Desembargadora Federal Nizete Lobato
Carmo. Data de Julgamento: 20/10/2014. Sexta Turma Especializada.
Data de Publicação: 03 nov. 2014.
FARIAS,Talden Queiroz. Direito Ambiental: tópicos especiais. João
Pessoa: Editora Universitária, 2007.
SILVA, José Afonso da.Direito Ambiental Constitucional. 4.ed. São
Paulo: Malheiros, 2002.
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