No 4.433/AsJConst/SAJ/PGR 
Arguição de descumprimento de preceito fundamental 
320/DF 
Relator: Ministro Luiz Fux 
Requerente: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) 
Interessados: Presidente da República 
Congresso Nacional 
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO 
FUNDAMENTAL. SENTENÇA DA CORTE INTERAME-RICANA 
DE DIREITOS HUMANOS NO CASO GOMES 
LUND E OUTROS VS. BRASIL. ADMISSIBILIDADE DA 
ADPF. LEI 6.683, DE 28 DE AGOSTO DE 1979 (LEI DA 
ANISTIA). AUSÊNCIA DE CONFLITO COM A ADPF 
153/DF. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E 
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. CARÁTER 
VINCULANTE DAS DECISÕES DA CORTE IDH, POR 
FORÇA DA CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DI-REITOS 
HUMANOS, EM PLENO VIGOR NO PAÍS. CRI-MES 
PERMANENTES E OUTRAS GRAVES VIOLAÇÕES 
A DIREITOS HUMANOS PERPETRADAS NO PERÍ- 
ODO PÓS-1964. DEVER DO BRASIL DE PRO-MOVER- 
LHES A PERSECUÇÃO PENAL. 
É admissível arguição de descumprimento de preceito funda-mental 
contra interpretações judiciais que, contrariando o dis-posto 
na sentença do caso GOMES LUND E OUTROS VERSUS BRASIL, 
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, declarem extinta 
a punibilidade de agentes envolvidos em graves violações a di-reitos 
humanos, com fundamento na Lei da Anistia (Lei 
6.683/1979), sob fundamento de prescrição da pretensão puni-tiva 
do Estado ou por não caracterizarem como crime perma-nente 
o desaparecimento forçado de pessoas, ante a tipificação 
de sequestro ou de ocultação de cadáver, e outros crimes graves 
perpetrados por agentes estatais no período pós-1964. Essas in-terpretações 
violentam preceitos fundamentais contidos pelo
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
menos nos arts. 1o, III, 4o, I e II, e 5o, §§ 1o a 3o, da Constituição 
da República de 1988. 
Não deve ser conhecida a ADPF com a extensão almejada na 
petição inicial, para obrigar o Estado brasileiro, de forma gené-rica, 
ao cumprimento de todos os pontos resolutivos da sentença 
no caso GOMES LUND, por ausência de prova de inadimplemento 
do país em todos eles. 
Não procede a ADPF relativamente à persecução de crimes 
continuados, por inexistir prova de que o Brasil a tenha obstado 
indevidamente. 
A pretensão contida nesta arguição não conflita com o decidido 
pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 153/DF nem caracte-riza 
superfetação (bis in idem). Ali se efetuou controle de consti-tucionalidade 
da Lei 6.683/1979. Aqui se pretende 
reconhecimento de validade e de efeito vinculante da decisão da 
Corte IDH no caso GOMES LUND, a qual agiu no exercício legí-timo 
do controle de convencionalidade. 
A República Federativa do Brasil, de maneira soberana e juridi-camente 
válida, submeteu-se à jurisdição da Corte Interameri-cana 
de Direitos Humanos (Corte IDH), mediante convergência 
dos Poderes Legislativo e Executivo. As decisões desta são vincu-lantes 
para todos os órgãos e poderes do país. O Brasil promul-gou 
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de 
São José da Costa Rica) por meio do Decreto 678/1992. Com o 
Decreto 4.463/2002, reconheceu de maneira expressa e irrestrita 
como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a 
competência da Corte IDH em todos os casos relativos à inter - 
pretação e aplicação da convenção. O artigo 68(1) da convenção 
estabelece que os Estados-partes se comprometem a cumprir a 
decisão da Corte em todo caso no qual forem partes. Dever 
idêntico resulta da própria Constituição brasileira, à luz do art. 7o 
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988. 
Para negar eficácia à Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos 
ou às decisões da Corte IDH, seria necessário declarar 
inconstitucionalidade do ato de incorporação desse instrumento 
ao Direito interno. Disso haveria de resultar denúncia integral da 
convenção, na forma de seu art. 75 e do art. 44(1) da Convenção 
de Viena sobre o Direitos dos Tratados (Decreto 7.030/2009). 
2
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
No que se refere à investigação e à persecução penal de graves 
violações a direitos humanos perpetradas por agentes públicos 
durante o regime autoritário de 1964-1985, iniciativas propostas 
pelo Ministério Público Federal têm sido rejeitadas por decisões 
judiciais que se baseiam em fundamentos de anistia, prescrição e 
coisa julgada e não reconhecem a natureza permanente dos cri-mes 
de desaparecimento forçado (equivalentes, no Direito in-terno, 
aos delitos de sequestro ou ocultação de cadáver, 
conforme o caso). A Corte IDH expressamente julgou o Brasil 
responsável por violação às garantias dos arts. 8(1) e 25(1) da 
Convenção Americana, pela falta de investigação, julgamento e 
punição dos responsáveis por esses ilícitos. Decidiu igualmente 
que as disposições da Lei da Anistia que impedientes da investi-gação 
e sanção de graves violações de direitos humanos são in-compatíveis 
com a Convenção Americana, carecem de efeitos 
jurídicos e não podem seguir representando obstáculo à perse-cução 
penal nem à identificação e punição dos responsáveis. 
Cabe ADPF para que o Supremo Tribunal Federal profira, com 
efeito vinculante (art. 10, caput e § 3o, da Lei 9.882/1999), deci-são 
que impeça se adotarem os fundamentos mencionados para 
obstar a persecução daqueles delitos, sem embargo da observân-cia 
das demais regras e princípios aplicáveis ao processo penal, 
tanto no plano constitucional quanto no infraconstitucional. 
Sequestros cujas vítimas não tenham sido localizadas, vivas ou 
não, consideram-se crimes de natureza permanente (precedentes 
do Supremo Tribunal Federal nas Extradições 974, 1.150 e 
1.278). Essa condição afasta a incidência das regras penais de 
prescrição (Código Penal, art. 111, inciso III) e da Lei de Anistia, 
cujo âmbito temporal de validade compreendia apenas o perí-odo 
entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 (art. 
1o). 
Instrumentos internacionais, a doutrina e a jurisprudência de 
tribunais de direitos humanos e cortes constitucionais de nume-rosos 
países reconhecem que delitos perpetrados por agentes es-tatais 
com grave violação a direitos fundamentais constituem 
crimes de lesa-humanidade, não sujeitos à extinção de punibili-dade 
por prescrição. Essas categorias jurídicas são plenamente 
compatíveis com o Direito nacional e devem permitir a perse-cução 
penal de crimes dessa natureza perpetrados no período do 
regime autoritário brasileiro pós-1964. 
3
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Parecer pelo conhecimento parcial da arguição e, nessa parte, 
pela procedência parcial do pedido. 
I. RELATÓRIO 
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito funda-mental 
(ADPF) proposta pelo PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE 
(PSOL), com o escopo de obter tutela jurisdicional relativa a cer-tos 
efeitos da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como 
“Lei da Anistia”, particularmente em face do julgamento da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND E 
OUTROS VS. BRASIL.1 
Requer ao Supremo Tribunal Federal “declarar que a Lei Fe-deral 
6.683/79 não se aplica aos crimes de graves violações de di-reitos 
humanos cometidos por agentes públicos, militares ou civis, 
contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes 
políticos; e, de modo especial, que a Lei de Anistia não se aplica 
aos autores de crimes continuados ou permanentes, tendo em vista 
que os efeitos desse diploma legal expiraram em 15 de agosto de 
1979” (folhas 1-2). O arguente postula que o tribunal “determine 
a todos os órgãos do Estado brasileiro que deem cumprimento in-tegral 
aos doze pontos decisórios constantes da conclusão da refe-rida 
sentença de 24 de novembro de 2010 da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos, no caso GOMES LUND e ou-tros 
vs. Brasil”. 
1 Vide referência à sentença na nota 7. 
4
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Afirma, preliminarmente, o cabimento da ação constitucional, 
ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solver de 
uma vez por todas a controvérsia a respeito da extensão dos efeitos 
da Lei 6.683/1979. Cita como precedente o julgamento da ADPF 
33/PA e argumenta que o Supremo Tribunal poderá conhecer de 
arguição de descumprimento sempre que o princípio da segurança 
jurídica restar seriamente ameaçado, “especialmente em razão de 
conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas 
causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional”. Seria 
o caso, segundo o requerente, da interpretação acerca da incidência 
de anistia sobre graves violações a direitos humanos cometidas du-rante 
o regime ditatorial instaurado em 1964. 
No mérito, insurge-se contra a aplicação da Lei 6.683/1979 a 
“autores de crimes continuados ou permanentes”, não exauridos 
após entrada em vigor da lei, e contra incidência da causa de ex-tinção 
da punibilidade nela prevista “aos crimes de graves viola-ções 
de direitos humanos, cometidos por agentes públicos, 
militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, 
praticaram crimes políticos”. Alega, especificamente, entre outros 
pontos, que: 
a) durante o regime de exceção vigente no país entre 1964 e 
1981, foi aplicada política de terrorismo de Estado, responsável por 
cerca de 400 mortes e desaparecimentos e 50 mil prisões ilegais de 
opositores do regime; tal política voltou-se ao extermínio de toda 
a oposição, mediante prática generalizada de tortura, execuções su- 
5
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
márias e desaparecimentos forçados, “visando a criar, entre os opo-nentes 
políticos, um ambiente de terror diante do Estado”; 
b) o Supremo Tribunal Federal não se teria manifestado, no 
julgamento da ADPF 153, a respeito do caráter permanente de al-guns 
dos crimes cometidos pelos agentes públicos, notadamente a 
ocultação de cadáver (Código Penal, art. 211);2 informa que, sobre 
a questão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 
opôs embargos declaratórios na própria ADPF 153, ainda não jul-gados; 
c) passados três anos e meio da prolação da sentença proferida 
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no 
caso GOMES LUND versus Brasil, seu conteúdo ainda não foi cum-prido 
por nenhum dos Poderes, representando essa omissão clara 
violação da ordem constitucional; ressalta que o art. 68, caput, da 
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), tratado 
internacional ratificado pelo Brasil,3 estipula que “os Estados-Par-tes 
na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte 
[Interamericana de Direitos Humanos] em todo caso em que fo-rem 
partes” e que o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito 
dos Tratados, igualmente ratificada pelo Brasil,4 estabelece que 
2 “Destruição, subtração ou ocultação de cadáver 
Art. 211. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: 
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.” 
3 A convenção foi promulgada no país pelo Decreto 678, de 6 de novembro 
de 1992. O texto integral da convenção, em português, está disponível em 
< http://bit.ly/ConvAmDH > ou 
< http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-678-6-novembro- 
1992-449028-publicacaooriginal-1-pe.html >, acesso em 26 ago. 2014. 
4 Promulgada no país pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009. 
6
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
“uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno 
para justificar o descumprimento de um tratado”; 
d) desde o julgamento dos criminosos nazistas pelo Tribunal 
Internacional de Nuremberg, em 1945, “os atos de terrorismo de 
Estado são qualificados como crimes contra a humanidade”, cons-tituindo 
princípio de Direito Internacional que tais crimes são in-suscetíveis 
de anistia e prescrição; 
e) o Estado brasileiro não pode invocar sua soberania para 
descumprir sentença proferida por tribunal ao qual se vinculou 
nem os princípios de direitos humanos reconhecidos como nor-mas 
imperativas de Direito Internacional geral (jus cogens). 
Sustenta que esse quadro afronta os preceitos fundamentais 
dos artigos 1o, incisos I e II, 4o, inciso II, e 5o, § 2o, da Constituição 
da República, e do art. 7o do Ato das Disposições Constitucionais 
Transitórias (ADCT) de 1988.5 
5 Constituição da República de 1988: 
“Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel 
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado 
Democrático de Direito e tem como fundamentos: 
I – a soberania; 
II – a cidadania; […]. 
Art. 4o. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações 
internacionais pelos seguintes princípios: [...] 
II – prevalência dos direitos humanos; [...]. 
Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, 
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à 
propriedade, nos termos seguintes: [...] 
§ 2o. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem 
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos 
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 
[…] 
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
7
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Notificada a prestar informações (despacho na peça 17 do 
processo eletrônico), na forma do art. 6o da Lei 9.882, de 3 de de-zembro 
de 1999, a Presidência da República arguiu, preliminar-mente, 
não cabimento da ação, por impossibilidade de transmudar 
a ADPF em mero processo de execução de decisão de órgão su-pranacional, 
e também ante o caráter genérico e abstrato das pro-vidências 
requeridas, incompatíveis com a via eleita (peça 27 do 
processo eletrônico, p. 5-6 do arquivo eletrônico). No mérito, im-pugnou 
a alegação de omissão estatal no cumprimento da sen-tença 
da Corte IDH. Anexou, para tanto, manifestação do Estado 
brasileiro apresentada à Corte em maio de 2014, na qual informa 
as medidas que vêm sendo adotadas em relação aos doze pontos 
decisórios da sentença do caso GOMES LUND. Especificamente 
acerca dos pontos resolutivos 3 e 9,6 a Advocacia-Geral da União 
ressaltou que a Lei da Anistia não tem impedido a investigação cri-minal 
e a propositura de ações penais pelo Ministério Público Fe-deral. 
O Congresso Nacional, por seu turno, sustentou a validade 
da Lei da Anistia e acrescentou que essa Suprema Corte já se pro-nunciou 
a respeito da constitucionalidade da norma na ADPF 153. 
Alegou também que a Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos 
só foi incluída no ordenamento brasileiro em 1992 – após, 
portanto, a edição da Lei 6.683/1979 (peça 23). 
Art. 7o. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional 
dos direitos humanos.” 
6 Vide abaixo transcrição integral dos pontos resolutivos, ou seja, da parte 
dispositiva do acórdão no caso GOMES LUND. 
8
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
A Advocacia-Geral da União igualmente impugnou o cabi-mento 
de ADPF para veicular pleito genérico de execução de sen-tença 
emanada da Corte IDH. Argumentou que o provimento 
pretendido revela-se inútil, em razão da aplicabilidade e eficácia 
imediatas das sentenças da Corte IDH no ordenamento brasileiro. 
Afirma, ainda, pretender o arguente que o Supremo Tribunal Fe-deral 
atue como legislador positivo, ao conferir interpretação au-têntica 
à norma, em substituição ao Poder Legislativo, que 
apresentou dois projetos de lei voltados à revisão da Lei da Anistia. 
No mérito, reitera que o Estado vem cumprindo as obrigações 
impostas na sentença do caso GOMES LUND e que, nos termos da 
Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Regula-mento 
do tribunal, a supervisão das sentenças e demais decisões da 
Corte IDH são realizadas por seus próprios membros. 
Vieram, então, os autos para manifestação desta PGR. 
É o relatório. 
II. PRELIMINARES 
II.1. OBJETO DA ADPF 
Esta arguição de descumprimento de preceito fundamental 
possui dois fundamentos distintos, um relacionado à interpretação 
da Lei 6.683/1979, e outro de caráter genérico, ao alegado des-cumprimento 
de obrigações de fazer de natureza não penal cons-tantes 
dos pontos decisórios da sentença da Corte Interamericana 
de Direitos Humanos no caso GOMES LUND VERSUS BRASIL, profe- 
9
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
rida em 24 de novembro de 2010, indicados nas fls. 5-6 da petição 
inicial. 
Sustenta a ADPF que o Estado brasileiro descumpre a sen-tença 
no caso GOMES LUND e, desse modo, viola os preceitos fun-damentais 
contidos nos artigos 1o, incisos I e II, 4o, inciso II, 5o, 
§ 2o, da Constituição da República, e no artigo 7o do Ato das Dis-posições 
Constitucionais Transitórias de 1988. Requer que, a partir 
desse reconhecimento, o Supremo Tribunal Federal: 
a) declare que a Lei 6.683/1979 não se aplica aos crimes de 
graves violações a direitos fundamentais, cometidos por agentes 
públicos, civis ou militares, contra pessoas que, de modo efetivo ou 
suposto, praticaram crimes políticos; 
b) declare que essa mesma lei não se aplica aos autores de cri-mes 
continuados ou permanentes; 
c) determine a todos os órgãos do Estado brasileiro que deem 
cumprimento integral aos doze pontos decisórios (resolutivos, que 
equivalem ao dispositivo) da sentença da Corte Interamericana no 
caso GOMES LUND. 
A ação é parcialmente cabível. 
Inicialmente, deve destacar-se que a decisão da Corte Intera-mericana 
condenou o Estado brasileiro nos seguintes termos:7 
7 A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na versão em 
português, está disponível em < http://bit.ly/sentglund > ou 
< http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf >; 
acesso em 25 ago. 2014. A respeito de outras relevantes questões de Direito 
Penal relacionadas com essa decisão, conquanto não sejam objeto 
específico da discussão neste processo, veja-se cuidadosa análise em 
10
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
XII 
PONTOS RESOLUTIVOS 
325. Portanto, 
A CORTE 
DECIDE, 
por unanimidade: 
1. Admitir parcialmente a exceção preliminar de falta 
de competência temporal interposta pelo Estado, em con-formidade 
com os parágrafos 15 a 19 da presente Sentença. 
2. Rejeitar as demais exceções preliminares interpostas 
pelo Estado, nos termos dos parágrafos 26 a 31, 38 a 42 e 46 
a 49 da presente Sentença. 
DECLARA, 
por unanimidade, que: 
3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impe-dem 
a investigação e sanção de graves violações de direitos 
humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, 
carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir represen-tando 
um obstáculo para a investigação dos fatos do presente 
caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e 
tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito 
de outros casos de graves violações de direitos humanos 
consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil. 
4. O Estado é responsável pelo desaparecimento for-çado 
e, portanto, pela violação dos direitos ao reconheci-mento 
da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal 
e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da 
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação 
com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas 
indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em con-formidade 
com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da 
mesma. 
SUIAMA, Sergio Gardenghi. Problemas criminais da sentença da Corte 
IDH no caso GOMES LUND: respostas do direito comparado. Custos Legis – 
Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Ano 2012. Disponível em 
< http://bit.ly/juri000m > ou 
< http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/2012_Penal_Processo_P 
enal_Suiama_Caso_Gomes_Lund.pdf >, acesso em 28 ago. 2014. Diversos 
trechos desta manifestação utilizaram essa análise. 
11
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
5. O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu 
direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos, 
contidaem seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 
25 e 1.1 do mesmo instrumento, como consequência da in-terpretação 
e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a res-peito 
de graves violações de direitos humanos. Da mesma 
maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às 
garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 
8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Huma-nos, 
em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela 
falta de investigação dos fatos do presente caso, bem como 
pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis, em preju-ízo 
dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa exe-cutada, 
indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente 
Sentença, nos termos dos parágrafos 137a 182 da mesma. 
6. O Estado é responsável pela violação do direito à li-berdade 
de pensamento e de expressão consagrado no artigo 
13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em 
relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela 
afetação do direito a buscar e a receber informação, bem 
como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. 
Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos 
direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da 
Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 13.1 
do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da 
Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares 
indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da presente Sen-tença, 
em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 
225 desta mesma decisão. 
7. O Estado é responsável pela violação do direito à 
integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 da Convenção 
Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o ar-tigo 
1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos familia-res 
indicados nos parágrafos 243 e 244 da presente Sentença, 
em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 
desta mesma decisão. 
E DISPÕE, 
por unanimidade, que: 
8. Esta Sentença constitui per se uma forma de repara-ção. 
12
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
9. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a ju-risdição 
ordinária, a investigação penal dos fatos do presente 
caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes 
responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e 
consequências que a lei preveja, em conformidade com o es-tabelecido 
nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença. 
10. O Estado deve realizar todos os esforços para deter-minar 
o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, 
identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em 
conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 
da presente Sentença. 
11. O Estado deve oferecer o tratamento médico e psi-cológico 
ou psiquiátrico que as vítimas requeiram e, se for o 
caso, pagar o montante estabelecido, em conformidade com 
o estabelecido nos parágrafos 267 a 269 da presente Sen-tença. 
12. O Estado deve realizar as publicações ordenadas, em 
conformidade com o estabelecido no parágrafo 273 da pre-sente 
Sentença. 
13. O Estado deve realizar um ato público de reconhe-cimento 
de responsabilidade internacional a respeito dos fa-tos 
do presente caso, em conformidade com o estabelecido 
no parágrafo 277 da presente Sentença. 
14. O Estado deve continuar com as ações desenvolvi-das 
em matéria de capacitação e implementar, em um prazo 
razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório 
sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárqui-cos 
das Forças Armadas, em conformidade com o estabele-cido 
no parágrafo 283 da presente Sentença. 
15. O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as me-didas 
que sejam necessárias para tipificar o delito de desapa-recimento 
forçado de pessoas em conformidade com os 
parâmetros interamericanos, nos termos do estabelecido no 
parágrafo 287 da presente Sentença. Enquanto cumpre com 
esta medida, o Estado deve adotar todas aquelas ações que 
garantam o efetivo julgamento, e se for o caso, a punição em 
relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado 
através dos mecanismos existentes no direito interno. 
16. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciati-vas 
de busca, sistematização e publicação de toda a informa- 
13
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
ção sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informa-ção 
relativa a violações de direitos humanos ocorridas du-rante 
o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos 
termos do parágrafo 292 da presente Sentença. 
17. O Estado deve pagar as quantias fixadas nos parágra-fos 
304, 311 e 318 da presente Sentença, a título de indeni-zação 
por dano material, por dano imaterial e por restituição 
de custas e gastos, nos termos dos parágrafos 302 a 305, 309 
a 312 e 316 a 324 desta decisão. 
18. O Estado deve realizar uma convocatória, em, ao 
menos, um jornal de circulação nacional e um da região 
onde ocorreram os fatos do presente caso, ou mediante ou-tra 
modalidade adequada, para que, por um período de 24 
meses, contado a partir da notificação da Sentença, os famili-ares 
das pessoas indicadas no parágrafo 119 da presente Sen-tença 
aportem prova suficiente que permita ao Estado 
identificá-los e, conforme o caso, considerá-los vítimas nos 
termos da Lei no 9.140/95 e desta Sentença, nos termos do 
parágrafo 120 e 252 da mesma. 
19. O Estado deve permitir que, por um prazo de seis 
meses, contado a partir da notificação da presente Sentença, 
os familiares dos senhores FRANCISCO MANOEL CHAVES, PEDRO 
MATIAS DE OLIVEIRA (“PEDRO CARRETEL”), HÉLIO LUIZ 
NAVARRO DE MAGALHÃES e PEDRO ALEXANDRINO DE OLIVEIRA 
FILHO, possam apresentar-lhe, se assim desejarem, suas solici-tações 
de indenização utilizando os critérios e mecanismos 
estabelecidos no direito interno pela Lei no 9.140/95, con-forme 
os termos do parágrafo 303 da presente Sentença. 
20. Os familiares ou seus representantes legais apresen-tem 
ao Tribunal, em um prazo de seis meses, contado a par-tir 
da notificação da presente Sentença, documentação que 
comprove que a data de falecimento das pessoas indicadas 
nos parágrafos 181, 213, 225 e 244 é posterior a 10 de de-zembro 
de 1998. 
21. A Corte supervisará o cumprimento integral desta 
Sentença, no exercício de suas atribuições e em cumpri-mento 
de seus deveres, em conformidade ao estabelecido na 
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e dará por 
concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado 
cabal cumprimento ao disposto na mesma. Dentro do prazo 
de um ano, a partir de sua notificação, o Estado deverá apre- 
14
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
sentar ao Tribunal um informe sobre as medidas adotadas 
para o seu cumprimento. 
Portanto, a par das questões preliminares (inclusive de com-petência 
temporal) e de preceitos declaratórios, a Corte Interame-ricana 
fixou obrigações de fazer para o Estado brasileiro. Estão 
descritas nos itens 9 a 19 dos pontos resolutivos, acima transcritos. 
Destes, os itens 9 e 15, parte final, referem-se à obrigação de 
promover a persecução penal de autores de graves violações a di-reitos 
humanos, inclusive nos casos de desaparecimento forçado de 
pessoas. 
O item 10 aponta para a atividade de busca de restos mortais 
de desaparecidos políticos. O item 11 trata da obrigação do Estado 
de garantir assistência médica, psicológica e psiquiátrica às vítimas. 
Os itens 12 e 13 referem-se à publicação da sentença e à realização 
de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacio-nal. 
O item 14 determina desenvolvimento do ensino de direitos 
humanos nas Forças Armadas. O item 15, parte inicial, determina 
adoção de medidas para tipificar o crime de desaparecimento for-çado 
de pessoas. O item 16 refere-se à obrigação de revelar infor-mações 
sobre a Guerrilha do Araguaia, e os itens 17 a 19 tratam 
do pagamento de reparações. 
O arguente, como visto, requer nesta ADPF que o Supremo 
Tribunal Federal determine aos órgãos do Estado o cumprimento 
de todas essas determinações. 
Há, porém, carência parcial de viabilidade da iniciativa. 
15
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Com efeito, à exceção da matéria criminal (itens 9 e 15, parte 
final, dos pontos resolutivos da sentença da Corte Interamericana), 
a ação não traz elementos probatórios mínimos de que ocorra des-respeito 
ao decidido no processo internacional e, portanto, mesmo 
em tese, a preceitos fundamentais da Constituição da República. 
Refere a petição inicial como elemento de prova da alegação 
apenas que o Ministério Público Federal produziu relatório expli-citando 
dificuldades para implementar a persecução criminal. Para 
os demais aspectos, há tão somente referência ao inconcluso trâ-mite 
de processos legislativos e à falta de localização de restos 
mortais de desaparecidos políticos. 
Assiste razão à Advocacia-Geral da União, quando sublinha o 
fato de que a inicial não indica em que consistiu o alegado des-cumprimento 
das obrigações de fazer de natureza não criminal. 
Adequada identificação dos atos impugnados é essencial ao juízo 
acerca do cabimento da ADPF e do objeto da tutela jurisdicional, 
de modo que, sem especificação, pelo autor, dos atos e omissões 
atribuídos ao poder público, não é possível a delimitação do objeto 
da lide. 
Por esse motivo, não comporta conhecimento o pedido cu-mulativo 
genérico veiculado a fl. 14 da inicial, consistente na de-terminação, 
pelo Supremo Tribunal Federal, de que “todos os 
órgãos do Estado brasileiro deem cumprimento integral” aos pon-tos 
decisórios da sentença do caso GOMES LUND. 
16
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Com referência ao pedido principal, relacionado à incidência 
da Lei da Anistia, a petição inicial limita-se a mencionar, como 
fundamentos, as “dificuldades encontradas pelo MPF para promo-ver 
as ações penais” (sem, porém, nomeá-las) e a não aprovação, até 
a presente data, dos projetos de lei voltados a conferir interpreta-ção 
autêntica à Lei 6.683/1979. 
A Corte IDH declarou sem validade as disposições de anistia 
veiculadas pela Lei 6.683/1979 que impedem a investigação e san-ção 
de graves violações de direitos humanos, as quais não podem 
obstaculizar a investigação, identificação e punição dos responsá-veis, 
nos casos relativos à chamada Guerrilha do Araguaia ou em 
outros episódios de graves violações a direitos humanos ocorridos 
no Brasil 
Em resposta, tanto a AGU quanto a Presidência da República 
indicaram a instauração de mais de 187 procedimentos criminais 
no Ministério Público Federal, além de nove ações penais, tanto 
em relação a crimes permanentes quanto aos instantâneos, a suge-rir 
que “a existência, por si só, da Lei de Anistia não impede a in-vestigação 
e a propositura de ações penais”. 
Por veicular causa de exclusão da punibilidade (art. 107, in-ciso 
II, do Código Penal),8 o conteúdo da Lei 6.683/1979 di-rige- 
se, primordialmente, aos integrantes do sistema de justiça 
criminal e ordena-lhes que se abstenham de promover a persecu- 
8 “Extinção da punibilidade 
Art. 107. Extingue-se a punibilidade: [...] 
II – pela anistia, graça ou indulto; [...]”. 
17
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
ção penal de certas condutas abrangidas pela anistia. No ponto re-solutivo 
3, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou 
sem efeito as disposições da lei que impeçam investigação e sanção 
de graves violações de direitos humanos. Também declarou que o 
Brasil é responsável pela violação das garantias judiciais e da prote-ção 
judicial previstas nos artigos 8(1) e 25(1) da Convenção Ame-ricana 
sobre Direitos Humanos (conhecida como Pacto de São 
José da Costa Rica),9 pela falta de investigação dos fatos e pela falta 
de julgamento e sanção dos responsáveis (ponto resolutivo 5). 
Da mesma forma, no ponto resolutivo 9, determinou que o 
“Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, 
a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de escla-recê- 
los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e 
aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, 
em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257” 
da sentença. 
9 Convenção Americana sobre Direitos Humanos: 
“Artigo 8 – Garantias judiciais 
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro 
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente 
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer 
acusação penal formulada contra ela, para que se determinem seus direitos 
ou obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra 
natureza. 
[...] 
Artigo 25 – Proteção judicial 
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer 
outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a 
proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos 
pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal 
violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de 
suas funções oficiais. 
[...]”. 
18
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Desse modo, alguns parâmetros da persecução penal a ser de-senvolvida 
pelos órgãos competentes do Estado brasileiro foram 
definidos na sentença internacional, nos parágrafos 256 e 257. 
Destaca-se o item b do parágrafo 256, o qual define que a respon-sabilização 
criminal deverá 
determinar os autores materiais e intelectuais do desapareci-mento 
forçado das vítimas e da execução extrajudicial. Ade-mais, 
por se tratar de violações graves de direitos humanos, e 
considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado ou 
permanente do desaparecimento forçado, o Estado não po-derá 
aplicar a Lei de Anistia, bem como nenhuma outra dis-posição 
análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, 
coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar 
de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação [...]. 
Em acréscimo, o parágrafo 257 definiu que “o Estado deve 
garantir que as causas penais que tenham origem nos fatos do pre-sente 
caso, contra supostos responsáveis que sejam ou tenham sido 
funcionários militares, sejam examinadas na jurisdição ordinária, e 
não no foro militar.” 
A sentença internacional da corte de direitos humanos fixou, 
portanto, que o Estado brasileiro deve promover a responsabiliza-ção 
penal dos autores materiais e intelectuais de crimes cometidos 
com graves violações aos direitos humanos10 – seja na Guerrilha 
10No § 171 da sentença da Corte IDH, indicam-se, em rol apenas 
exemplificativo, alguns dos atos que caracterizam grave violação a direitos 
humanos: 
“171. Este Tribunal já se pronunciou anteriormente sobre o tema e não 
encontra fundamentos jurídicos para afastar-se de sua jurisprudência 
constante, a qual, ademais, concorda com o estabelecido unanimemente 
pelo Direito Internacional e pelos precedentes dos órgãos dos sistemas 
universais e regionais de proteção dos direitos humanos. De tal maneira, 
para efeitos do presente caso, o Tribunal reitera que “são inadmissíveis as 
19
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
do Araguaia, seja em casos semelhantes – dentro de quadro nor-mativo 
que afasta, entre outros aspectos, a aplicação de preceitos de 
anistia, seja da Lei 6.883/1979 ou de disposição análoga, e de pres-crição. 
Ademais, deve considerar que nos casos de desaparecimento 
forçado de pessoas se trata de crime permanente (ou continuado, 
na linguagem dos países de origem espanhola), “cujos efeitos não 
cessam enquanto não se estabelece a sorte ou o paradeiro das víti-mas 
e sua identidade sejam determinada” (parágrafo 179). 
Apesar disso, o documento acostado à inicial trouxe informa-ções 
oficiais – complementadas por pesquisas da Procuradoria-Ge-ral 
da República – de que distintos órgãos judiciais nacionais estão 
a desconsiderar a decisão da Corte Interamericana de Direitos 
Humanos no caso GOMES LUND e impedem a persecução penal 
justamente sob invocação de anistia e prescrição, como se indicará 
adiante. Ignoram, ainda, a natureza de crime permanente do desa-parecimento 
forçado, tipificado, pelo Ministério Público Federal, à 
luz do direito interno, como sequestro ou ocultação de cadáver. 
disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de 
excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e 
punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como 
a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os 
desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos 
inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos 
Humanos” (p. 64 do arquivo eletrônico da sentença). 
Na nota de rodapé ao fim desse § 171, a sentença registra alguns desses 
precedentes: 
“Cf. Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 
2001. Série C No 75, par. 41; Caso La Cantuta, nota 160 supra, par. 152, e 
Caso Do Massacre de Las Dos Erres, nota 186 supra, par. 129.” 
20
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Desse modo, a partir da prolação da sentença, as instituições 
do sistema de justiça criminal brasileiro estão, todas, juridicamente 
obrigadas a promover a persecução penal dos condutas que consti-tuam 
“graves violações a direitos humanos” cometidas por agentes 
do regime ditatorial. 
Não obstante o esforço do Ministério Público Federal, evi-denciado 
pelas 9 ações penais já ajuizadas e pelas 187 investigações 
em andamento a respeito de delitos cometidos durante a ditadura 
militar, é necessário reconhecer a ocorrência de decisões judiciais 
posteriores e contrárias à sentença do caso GOMES LUND, veicula-doras 
de resoluções aptas afetar a integridade de preceitos funda-mentais 
(para citar a expressão empregada pelo Ministro CELSO DE 
MELLO no julgamento da ADPF 187/DF).11 
Conforme apurou a Procuradoria-Geral da República, das 9 
ações ajuizadas pelo MPF em face de 22 agentes civis e militares 
envolvidos em crimes de lesa-humanidade cometidos durante a 
ditadura militar, apenas 3 se encontram com instrução em anda-mento; 
nas outras 6 ocorreu trancamento da ação penal por deci-são 
em habeas corpus ou rejeição da denúncia, ratificada ou não 
posteriormente pelo tribunal correspondente. Em vários casos, o 
fundamento da paralisação foi justamente a Lei da Anistia. Em ou- 
11 Disse o relator da ADPF 187/DF: “Cabe rememorar, no ponto, que esta 
Suprema Corte, em alguns precedentes, já reconheceu a admissibilidade da 
arguição de descumprimento que tenha por objeto decisões judiciais 
veiculadoras de comandos, resoluções ou determinações que possam afetar 
a integridade de preceitos fundamentais.” Supremo Tribunal Federal. 
Plenário. ADPF 187/DF. Relator: Ministro CELSO DE MELLO. 15/6/2011, 
unânime. Diário da Justiça eletrônico 102, 28 maio 2014. Trecho citado na p. 
23 do acórdão. 
21
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
tros processos invocou-se prescrição e em outros ainda, descaracte-rizou- 
se a natureza permanente do crime de desaparecimento for-çado 
(definido no Código Penal brasileiro como sequestro ou 
ocultação de cadáver). 
Duas dessas ações referem-se especificamente a fatos da 
Guerrilha do Araguaia e caracterizam afronta direta ao decidido 
pela Corte Interamericana. 
Portanto, órgãos judiciais do Estado brasileiro efetivamente 
erguem obstáculos concretos à persecução penal, não propria-mente 
por ausência de lei interpretativa, como afirma a inicial. O 
que se verifica é o não reconhecimento do efeito vinculante da 
sentença do caso GOMES LUND por “interpretações judiciais que se 
antagonizam em torno do alcance que se deve dar, à luz dos gran-des 
postulados constitucionais”,12 ao art. 1o da Lei 6.683/1979, aos 
preceitos concernentes à imprescritibilidade penal, à caracterização 
do desaparecimento forçado de pessoas e à existência de coisa jul-gada 
– diante da sentença internacional válida e vinculante para as 
autoridades e órgãos do país. 
Para comprovar o desrespeito, pelo Poder Judiciário brasileiro, 
à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, trans-crevem- 
se abaixo, apenas de forma ilustrativa da agressão de órgãos 
do Estado brasileiro a preceitos constitucionais fundamentais, tre-chos 
de decisões que negaram eficácia ao ponto resolutivo 3 da 
sentença da Corte. Cometeram, desse modo, descumprimento aos 
12 STF. Plenário. ADPF 187/DF. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 15/6/2011, un. 
DJe 102, 28 maio 2014. Trecho citado na p. 28 do acórdão. 
22
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
preceitos fundamentais previstos no art. 4o, inciso II, da Constitui-ção 
da República,13 e às obrigações internacionais estabelecidas 
para o Estado brasileiro: 
a) decisão do Tribunal Regional Federal da 1a Região no HC 
0068063-92.2012.4.01.0000/PA:14 
A lei da anistia tornou juridicamente impossível a persecu-ção 
penal em exame, sem falar que os fundamentos da deci-são, 
que, em juízo de retratação, recebeu a denúncia, têm 
base em premissas cuja lógica é apenas teórica e conceitual, 
sem uma efetiva conexão com os fatos do processo, com a 
devida licença. 
[...] 
Não é aceitável, sem ilegalidade, que o juízo de admissibili-dade 
da ação, diante de fatos já exauridos nos planos da aná-lise 
histórica, política e, sobretudo, jurídica, desconsidere-os 
todos, inclusive o veredicto do STF sobre a matéria, que se 
alça ao nível de impossibilidade jurídica do pedido, ao fun-damento 
de ser necessária a instrução processual. 
A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, 
no julgamento do caso GOMES LUND, cujo resultado, ao que 
se afirma, impôs ao Estado Brasileiro a realização, perante a 
sua jurisdição ordinária, de investigação penal dos fatos 
ocorridos na chamada Guerrilha do Araguaia, não interfere 
no direito de punir do Estado, e nem na decisão do STF so-bre 
a matéria. [...] 
b) decisão da 2a Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do 
Rio de Janeiro de rejeição da denúncia na ação penal 0801434- 
65.2013.4.02.5101:15 
13 Vide transcrição na nota 5. 
14 Tribunal Regional Federal da 1a Região. 4a Turma. Habeas corpus 0068063- 
92.2012.4.01.0000/PA. Rel.: Juiz OLINDO MENEZES. 18/11/2013, maioria. 
e-DJF1 6 dez. 2013. 
15 Seção Judiciária do Rio de Janeiro. 2a Vara Federal Criminal. Ação penal 
0801434-65.2013.4.02.5101. Juiz Federal ALEXANDRE LIBONATI DE ABREU. 
5/6/2013. 
23
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
[...] a decisão do caso LUND vs BRASIL é de eficácia duvidosa, 
posto que prolatada em desconformidade com o termo de 
submissão do Brasil à competência da Corte IDH. 
[...] 
Ante o exposto, resta concluir que aqui não me cabe con-frontar 
a Lei da Anistia com a sentença proferida pela Corte 
IDH no caso GOMES LUND vs BRASIL. Trata-se de sentença 
com eficácia restrita ao Estado-parte, desvinculada dos fatos 
narrados na presente denúncia, e que geraria – independen-temente 
de qualquer obrigação indenizatória no campo in-ternacional 
por descumprimento – inoportuna e ilegal 
revisão de normas estáveis de direito interno. 
c) decisão da 10a Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de 
São Paulo de rejeição da denúncia no processo 0004204- 
32.2012.4.03.6181, em 22 de maio de 2012:16 
No que se refere ao efeito vinculante da sentença proferida 
pela Corte IDH no caso GOMES LUND, impende ressaltar que, 
embora não tenha o STF enfrentado especificamente tal 
ponto, porque posterior ao julgamento da ADPF 153, não 
deixou de consignar que a Lei de Anistia não pode sofrer 
desconstituição (ou inibição eficacial) por parte de instru-mentos 
normativos promulgados após sua vigência. 
d) decisão da 2a Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Re-gião 
no recurso em sentido estrito 0004204- 
32.2012.4.03.6181/SP:17 
Alegações de inoponibilidade da anistia e de descumpri-mento 
de decisão da Corte Interamericana de Direitos Hu-manos 
que se aduz ser posterior a ADPF no 153 rejeitadas 
porquanto decisões proferidas em sede de arguição de des-cumprimento 
de preceito fundamental têm eficácia erga om-nes 
e efeito vinculante, ou seja, atingem todos e atrelam os 
demais órgãos do Poder Público, cabendo ao próprio Su- 
16 Seção Judiciária de São Paulo. 10a Vara Federal Criminal. Notícia de crime 
0004204-32.2012.4.03.6181. Juiz Federal Substituto MÁRCIO RACHED 
MILLANI. 
17 TRF/3a Região. 2a T. Recurso em sentido estrito 0004204- 
32.2012.4.03.6181/SP. Rel.: Juiz PEIXOTO JÚNIOR. 9 abr. 2013, maioria. DE 
29 abr. 2013. 
24
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
premo Tribunal Federal eventual revisão, ademais tendo o 
Brasil promulgado a Declaração de Reconhecimento da 
Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Di-reitos 
Humanos sob reserva de reciprocidade e para fatos 
posteriores a 10 de dezembro de 1998, o que não é o caso 
dos autos. Inteligência dos artigos 10, § 3o, da Lei 9.882/99 e 
102, inciso I, alínea l, § 1o, da Constituição Federal. 
e) decisão do Tribunal Regional Federal da 2a Região no HC 
0005684-20.2014.4.02.0000:18 
[...] tanto a denúncia quanto a decisão que a recebeu, reve-lam 
notável inconformismo com o sepultamento de investi-gações 
de fatos ocorridos em época de governo militar, 
definitivamente lançados à paz do arquivo, não só em função 
da extinção da punibilidade de todos os envolvidos em face 
do tempo decorrido, mas também pelo perdão e esqueci-mento 
outorgados pelos legítimos representantes do povo 
brasileiro, através do instituto da anistia. Inconformismo, res-salte- 
se, em relação a apenas um dos lados dos envolvidos 
naqueles fatos. 
No julgamento das ADPFs 33/PA, 144/DF e 187/DF, essa 
Suprema Corte assentou a admissibilidade de ADPF contra inter-pretação 
judicial de que possa resultar lesão a preceito fundamen-tal. 
O ato impugnado naqueles casos foi a interpretação judicial 
dada a certos dispositivos normativos, julgada incompatível com 
preceitos fundamentais. 
Nesses termos, deve reconhecer-se admissível, sob a perspec-tiva 
do postulado da subsidiariedade, a utilização do instrumento 
processual da arguição de descumprimento de preceito fundamen-tal 
contra interpretações judiciais que, contrariando o disposto na 
sentença GOMES LUND, declarem extinta a punibilidade de agentes 
18 TRF/2a Região. 1a T. Especializada. HC 0005684-20.2014.4.02.0000. 
Rel.: Juiz ANTONIO IVAN ATHIÉ. 2/7/2014, maioria. DJ 30 jul. 2014. 
25
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
envolvidos em graves violações a direitos humanos, com funda-mento 
na Lei da Anistia, por óbices de prescrição da pretensão pu-nitiva 
do Estado ou por não caracterizarem como crimes 
permanentes o desaparecimento forçado de pessoas, ante a tipifica-ção 
de sequestro ou de ocultação de cadáver. Essas interpretações 
violentam preceitos fundamentais da Constituição da República, 
de maneira a ensejar a admissibilidade da arguição. 
A tutela buscada, nos moldes do precedente da ADPF 
187/DF e em reconhecimento ao caráter vinculante da sentença 
proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, almeja 
dar ao art. 1o da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, interpretação 
conforme à Constituição, de modo a excluir qualquer exegese que 
possa ensejar extinção da punibilidade de crimes de lesa-humani-dade, 
ou a eles conexos, instantâneos ou permanentes, cometidos 
por agentes civis ou militares do Estado, no exercício da função ou 
fora dela, inclusive por parte dos órgãos do sistema de justiça res-ponsáveis 
pela persecução penal (Poder Judiciário, Ministério Pú-blico 
e Polícia). 
É cabível a ADPF também pela hipótese do art. 1o, parágrafo 
único, inciso I, da Lei 9.882/1999, na medida em que as decisões 
judiciais acima referidas se contrapõem a outras 6 decisões, adota-das 
nos seguintes processos, as quais corretamente aceitaram a via-bilidade 
da ação penal que o Ministério Público Federal 
promoveu: 
26
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
a) processo 0001162-79.2012.4.01.3901, 2a Vara Federal de 
Marabá (PA) – decisão de recebimento da denúncia (de 29 de 
agosto de 2012) pelo crime de sequestro qualificado (CP, art. 148, 
caput e § 2o),19 em juízo de retratação ante recurso em sentido es-trito 
interposto de primeira decisão que não recebera a denúncia; 
b) processo 0001162-79.2012.4.01.3901, 2a Vara Federal de 
Marabá (PA) – decisão de recebimento da denúncia (de 29 de 
agosto de 2012) pelo crime de sequestro qualificado (CP, art. 148, 
caput e § 2o); 
c) processo 0001162-79.2012.4.01.3901, 9a Vara Federal Cri-minal 
de São Paulo – decisão de recebimento da denúncia (de 23 
de outubro de 2012) pelo crime de sequestro qualificado (CP, art. 
148, caput e § 2o); 
d) processo 0003088-91.2013.4.01.3503, Vara Única de Rio 
Verde (GO) – decisão de recebimento de denúncia (de 9 de ja-neiro 
de 2014) pelo crime de ocultação de cadáver (CP, art. 211);20 
e) processo 0017766-09.2014.4.02.5101, 6a Vara Federal Cri-minal 
do Rio de Janeiro – decisão de recebimento da denúncia 
(de 13 de maio de 2014) pelos crimes de tentativa de homicídio 
19 “Sequestro e cárcere privado 
Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere 
privado: 
Pena – reclusão, de um a três anos. 
[...] 
§ 2o. Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da 
detenção, grave sofrimento físico ou moral: 
Pena – reclusão, de dois a oito anos.” 
20 Vide transcrição do dispositivo na nota 2. 
27
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
doloso, associação em organização criminosa, transporte de explo-sivos, 
favorecimento pessoal e fraude processual; 
f) processo 0023005-91.2014.4.02.5101 – 4a Vara Federal Cri-minal 
do Rio de Janeiro – decisão de recebimento da denúncia 
(de 26 de maio de 2014) pelos crimes de homicídio, ocultação de 
cadaver, quadrilha armada e fraude processual (CP, arts. 121, § 2o, 
211, 288, parágrafo único, e 347).21 
21 “Homicídio simples 
Art. 121. Matar alguem: 
Pena – reclusão, de seis a vinte anos. 
[...] 
Homicídio qualificado 
§ 2o. Se o homicídio é cometido: 
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo 
torpe; 
II – por motivo futil; 
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro 
meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; 
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso 
que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; 
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de 
outro crime: 
Pena – reclusão, de doze a trinta anos. 
Quadrilha ou bando 
Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para 
o fim de cometer crimes: [Art. 288 na redação anterior à Lei 12.850, de 2 
de agosto de 2013.] 
Pena – reclusão, de um a três anos. 
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é 
armado. 
Fraude processual 
Art. 347. Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou 
administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de 
induzir a erro o juiz ou o perito: 
Pena – detenção, de três meses a dois anos, e multa. 
Parágrafo único. Se a inovação se destina a produzir efeito em processo 
penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.” 
28
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Em todas essas manifestações judiciais há como ponto co-mum 
a controvérsia constitucional acerca da vinculação dos órgãos 
judiciários à decisão da Corte Interamericana. Esse é elemento su-ficiente 
para garantir a admissibilidade da ADPF. 
Portanto, a arguição é cabível na parte em que argui descum-primento 
de preceitos fundamentais pela recusa de órgãos do sis-tema 
de justiça brasileiro em dar concretude à sentença da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos tomada no caso GOMES 
LUND, especificamente ao determinar a responsabilização dos auto-res 
de graves violações a direitos fundamentais, com afastamento 
dos preceitos internos relativos à anistia e à prescrição, assim como 
a caracterização da permanência nas hipóteses de desaparecimen-tos 
forçado de pessoas. Há potencial violação aos preceitos dos ar-tigos 
1o, inciso III (princípio da dignidade do ser humano), 4o, 
inciso II (prevalência dos direitos humanos nas relações internacio-nais), 
5o, §§ 1o e 2o (eficácia plena e imediata de preceitos de prote-ção 
a direitos fundamentais e aplicabilidade dos tratados 
internacionais de direitos humanos), todos da Constituição da Re-pública, 
e ao artigo 7o do ADCT (vinculação do Brasil a tribunais 
internacionais de direitos humanos).22 
II.2. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM EM FACE DA ADPF 153/DF 
Não deve prosperar a posição manifestada pelo Congresso 
Nacional (peça 23), pois o objeto desta ADPF não é igual àquele 
decidido na ADPF 153. Ali, declarou-se a constitucionalidade da 
22 Vide transcrição dos dispositivos na nota 5. 
29
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
lei que concedeu anistia aos que cometeram crimes políticos ou 
conexos com estes, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 
de agosto de 1979. Aqui, trata-se do controle dos efeitos da Lei 
6.683/1979 em decorrência de decisão judicial vinculante da 
Corte IDH, superveniente ao julgamento da ADPF 153, com de-claração 
de ineficácia parcial da lei nacional. 
Conquanto os efeitos concretos de ambas as ADPFs orbitem 
em torno da responsabilidade criminal de agentes públicos envol-vidos 
com a prática de crimes durante a repressão à dissidência po-lítica 
na ditadura militar, a matéria jurídica a ser decidida é 
manifesta e essencialmente distinta. Na presente ADPF não se co-gita 
de reinterpretar a Lei da Anistia nem de lhe discutir a consti-tucionalidade 
(tema submetido a essa Suprema Corte na ADPF 
153), mas de estabelecer os marcos do diálogo entre a jurisdição 
internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos (ple-namente 
aplicável à República Federativa do Brasil, que a ela se 
submeteu de forma voluntária, soberana e válida) e a jurisdição do 
Poder Judiciário brasileiro. 
Em segundo lugar, porque, como observou ANDRÉ DE 
CARVALHO RAMOS, não existe conflito entre a decisão do Su-premo 
Tribunal Federal na ADPF 153 e a da Corte Interamericana 
no caso GOMES LUND. O que há é exercício do sistema de duplo 
controle, adotado em nosso país como decorrência da Constitui-ção 
da República e da integração à Convenção Americana sobre 
Direitos Humanos: o controle de constitucionalidade nacio- 
30
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
nal e o controle de convencionalidade internacional. “Qual-quer 
ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles, para 
que sejam respeitados os direitos no Brasil.”23 
Na ADPF 153, o STF efetuou controle de constitucionali-dade 
da Lei 6.683/1979, mas não se pronunciou a respeito da 
compatibilidade da causa de exclusão de punibilidade com os tra-tados 
internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado 
brasileiro. Não efetuou – até porque não era esse o objeto daquela 
ação – o chamado controle de convencionalidade da norma: 
[O] STF, que é o guardião da Constituição [...] exerce o 
controle de constitucionalidade. [...] De outro lado, a Corte 
de San José é a guardiã da CADH [Convenção Americana 
sobre Direitos Humanos] e dos tratados de DH que possam 
ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. 
Para a Corte Interamericana, a Lei de Anistia não é passível 
de ser invocada pelos agentes da ditadura. Mais: sequer as 
alegações de prescrição, bis in idem e irretroatividade da lei 
penal gravior merecem acolhida. 
[...] 
No caso da ADPF 153, houve o controle de constitucionali-dade. 
No caso GOMES LUND, houve o controle de convencio-nalidade. 
A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir, 
deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só pas-sou 
(com votos contrários, diga-se) por um, o controle de 
constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convenci-onalidade. 
Por sua vez, as teses defensivas de prescrição, legalidade penal 
estrita etc., também deveriam ter obtido a anuência dos dois 
controles. 
Como tais teses defensivas não convenceram o controle de 
convencionalidade e dada a aceitação constitucional da in- 
23RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de 
Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério. 
Crimes da ditadura militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 217. 
31
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
ternacionalização dos DH, não podem ser aplicadas interna-mente. 
24 
Ressalte-se, mais uma vez, que a sentença da Corte IDH é 
posterior ao acórdão na ADPF 153/DF. Com efeito, a decisão in-ternacional 
é de 24 de novembro de 2010, ao passo que o julga-mento 
da ADPF 153/DF se concluiu em 29 de abril de 2010. 
Desse modo, a decisão internacional constitui ato jurídico novo, 
não apreciado pelo STF no julgamento da ação pretérita. 
Não há, portanto, óbice ao conhecimento desta ação, no que 
se refere ao efeito vinculante da sentença do caso GOMES LUND 
com referência a interpretações judiciais antagônicas em torno do 
alcance que se deve dar aos preceitos fundamentais do Estado bra-sileiro. 
II.3. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO 
QUANTO A CRIMES CONTINUADOS 
No que tange a crimes continuados, a ADPF não comporta 
conhecimento, porquanto não há prova de decisão judicial que 
haja, em caso concreto de continuidade delitiva, invocado a Lei da 
Anistia para dar efeitos ultra-ativos à norma extintiva da punibili-dade. 
Como é sabido, há continuidade delitiva quando dois ou 
mais crimes da mesma espécie são praticados em condições de 
24RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de 
Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de 
Oliveira. Crimes da ditadura militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 
p. 217-218. 
32
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
tempo, lugar e modo de execução similares; nessas circunstâncias, 
por motivos de política criminal, o art. 71 do Código Penal deter-mina 
unificação das penas.25 
Diversamente do que ocorre nos crimes permanentes, nos 
quais há apenas uma ação que se prolonga no tempo, nos delitos 
continuados há dois ou mais crimes, que podem ser instantâneos 
ou permanentes, cometidos em sequência. 
Se uma das infrações foi cometida antes da Lei da Anistia e a 
outra depois, a segunda certamente não está abrangida pela lei, 
pois a norma não possui efeito ultra-ativo. A esse respeito não se 
tem notícia de controvérsia jurídica a justificar a concessão excep-cional 
de provimento pelo STF em controle concentrado de cons-titucionalidade. 
Com respeito ao crime antecedente, a incidência 
da causa de extinção de punibilidade independe do reconheci-mento 
do caráter continuado do delito: se o crime estiver incluído 
entre as graves violações a direitos humanos que o Estado brasi-leiro 
está obrigado a investigar e responsabilizar, a Lei da Anistia 
25 “Crime continuado 
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica 
dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, 
maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser 
havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos 
crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer 
caso, de um sexto a dois terços. 
Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos 
com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a 
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do 
agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um 
só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, 
observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste 
Código.” 
33
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
não é apta a produzir efeitos válidos. Caso contrário, deverá produ-zir 
efeitos regulares. 
Em outras palavras, uma vez que a anistia se aplica a crimes 
cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, 
eventual ocorrência de continuidade delitiva é irrelevante no que 
se refere à incidência da lei, pois cada conduta criminosa possui 
seu próprio momento consumativo. Caso este tenha ocorrido após 
o período previsto na lei, inexiste controvérsia judicial a justificar 
o conhecimento da ADPF. Se houver ocorrido durante o período 
de eficácia da lei, a controvérsia não concerne à continuidade deli-tiva, 
mas ao efeito vinculante da sentença do caso GOMES LUND. 
III. MÉRITO 
No mérito, a arguição de descumprimento de preceito fun-damental 
merece procedência parcial, nos termos e pelas razões 
abaixo enumerados. 
III.1. PRECEITOS FUNDAMENTAIS DESCUMPRIDOS 
Conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal 
Federal e da doutrina do Direito Constitucional brasileiro, são pre-ceitos 
fundamentais, para o fim de verificar cabimento e proce-dência 
de ADPF, as normas dos arts.1o, 3o, 4o e 5o da Constituição 
da República. 
No caso, o resultado da inércia dos Poderes do Estado brasi-leiro 
e as interpretações e aplicações que têm eles extraído e ado- 
34
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
tado acerca da vinculatividade e do conteúdo da decisão da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND contra 
o Brasil violam os arts. 1o, III, 4o, I, e 5o, §§ 2o e 3o da Constituição 
da República de 1988. 
A omissão do Estado brasileiro em dar cumprimento à deci-são 
da Corte Interamericana de Direitos Humanos fere preceitos 
fundamentais do art. 5o, §§ 2o e 3o, que determinam a prevalência, 
no ordenamento interno, até mesmo sobre normas constitucionais, 
dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pela 
República Federativa do Brasil. Como no caso, ao ignorar a juris-dição 
da Corte Interamericana e considerar suas decisões como 
não vinculativas do Brasil, o efeito prático é a negativa de vigência 
a ambos os dispositivos. 
Por outro lado, a respeito dos arts. 1o, III, e 4o, I, ambos os 
preceitos violados interagem em nexo de implicação e reforço 
mútuos. A dignidade humana é não apenas um direito, mas funda-mento 
de todos os direitos humanos. E o conjunto de direitos do 
ser humano protege-o como ser digno de proteção especial apenas 
pela sua condição humana. 
Uma das tendências mais marcantes do pensamento constitu-cional 
contemporâneo é a convicção amplamente difundida de 
que o fundamento de validade dos direitos do homem é o princí-pio 
da dignidade humana (art. 1o, III da Constituição da Repú-blica). 
Este concentra o núcleo do sistema de direitos fundamentais 
35
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
protetivo dos indivíduos, que não podem ser subjugados pelas cha-madas 
razões de Estado, por interesses públicos ou coletivos. 
A dignidade humana é a medida e o fundamento de todos os 
direitos fundamentais e o centro da proteção ao indivíduo, reco-nhecendo 
no homem singularidade não puramente corporal ou 
animal, mas também racional. Mais do que atribuir-lhe racionali-dade, 
trata-se de reconhecer a característica de ser capaz de tomar 
a si mesmo como objeto da própria reflexão. A razão é proprie-dade 
única do ser humano nesse sentido reflexivo de posicionar-se 
frente ao mundo, de perceber sua existência e o fim dela, proje-tando 
sua morte (DILTHEY). Também é marca de ser capaz de pro-gramar- 
se entre os atos pretéritos e as expectativas do futuro, 
revelando-se mais que um “ser” um “poder-ser”, ou seja, ser em 
potencial e em constante evolução, ente em “permanente inacaba-mento” 
(HEIDEGGER) e por esse motivo insubstituível. É por causa 
dessa singularidade que o ser humano possui especial proteção ju-rídica, 
em constante aperfeiçoamento. 
A consagração da dignidade do homem é a métrica e a lógica 
do sistema internacional de direitos humanos e perpassa a consti-tuição 
das principais nações cuja tradição jurídica influenciou a 
construção do Direito brasileiro. A Declaração Universal dos Di-reitos 
do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações 
Unidas em dezembro de 1948, afirma que “todos os seres huma-nos 
nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art. I). A 
Constituição Portuguesa de 1976 inicia com os seguintes dizeres: 
36
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pes-soa 
humana e na vontade popular e empenhada na construção de 
uma sociedade livre, justa e solidária”. Na Constituição Espanhola 
de 1978, o art.10 afirma que “a dignidade da pessoa, os direitos in-violáveis 
que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da perso-nalidade, 
o respeito à lei e aos direitos alheios são o fundamento da 
ordem política e da paz social”. A Constituição da República Itali-ana, 
de 27 de dezembro de 1947, declara que “todos os cidadãos 
têm a mesma dignidade social” (art. 3o). A Lei Fundamental Alemã 
de 1949 estabelece, no art. 1o: “A dignidade do homem é inviolá-vel. 
Respeitá-la e protegê-la é dever de todos os Poderes do Es-tado”. 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
seguiu a mesma linha e positivou a dignidade humana como um 
dos fundamentos da República. 
Se o fundamento dos direitos humanos é a existência de cada 
mulher e homem, cujo valor ético é único e insubstituível, os di-reitos 
humanos (art.4o, I, da CR/88), para sua verificação, indepen-dem 
de outra concretização que não a qualidade de “pessoa” dos 
sujeitos dignos de proteção. 
Nesse contexto, entende a Procuradoria-Geral da República 
que as violações descritas na inicial e comprovadas nos autos signi-ficam 
violação grave aos preceitos fundamentais dos arts. 1o, III, e 
4o, I, da Constituição de 1988. 
37
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
A inércia dos Poderes do Estado brasileiro e as interpretações 
e aplicações que eles têm extraído e implementado acerca da vin-culatividade 
e do conteúdo da decisão da Corte Interamericana de 
Direitos Humanos no caso GOMES LUND VS. BRASIL deixam ao de-samparo 
milhares de vítimas diretas e indiretas de atos ilícitos pra-ticados 
por agentes do Estado brasileiro e seus colaboradores na 
época da ditadura militar de 1964-1985. 
Consoante salientam amplamente doutrina e jurisprudência, 
o déficit de proteção estatal às vítimas de crimes e graves violações 
de direitos humanos caracteriza omissão não permitida, vedada no 
Estado de Direito pela proibição de proteção insuficiente (a co-nhecida 
Untermaßverbot da doutrina publicista, já reconhecida em 
decisões do Supremo Tribunal Federal). Bem registrou essa Corte 
no habeas corpus 102.087/MG (sic): 
[...] Os direitos fundamentais não podem ser considerados 
apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expres-sando 
também um postulado de proteção (Schutzgebote). 
Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não 
apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como 
também podem ser traduzidos como proibições de proteção 
insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). [...]26 
Em conclusão, está suficientemente comprovada violação aos 
preceitos fundamentais contidos nos arts.1o, III, 4o, I, e 5o, §§ 2o e 
3o, da Constituição da República de 1988. 
26 STF. 2a Turma. HC 102.087/MG. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. Redator 
para acórdão: Min. GILMAR MENDES. 28/2/2012, maioria. DJe 159, 13 ago. 
2012, republ. DJe 163, 20 ago. 2013. 
38
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
III.2. EFEITO VINCULANTE DA SENTENÇA DA 
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 
NO CASO GOMES LUND 
O Brasil promulgou a Convenção Americana sobre Direitos 
Humanos (conhecida como Pacto de São José da Costa Rica) por 
meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992.27 Posterior-mente, 
nos termos do art. 1o do Decreto 4.463, de 8 de novembro 
de 2002, reconheceu de maneira expressa e irrestrita como “obri-gatória, 
de pleno direito e por prazo indeterminado, a competên-cia 
da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os 
casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Ameri-cana 
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de no-vembro 
de 1969, de acordo com o art. 62 da citada Convenção, 
sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de de-zembro 
de 1998”. 
Desde esse ato, as decisões proferidas pela Corte em face do 
Estado brasileiro têm força vinculante para todos os poderes e ór-gãos 
estatais. O cumprimento de suas sentenças é mandatório, nos 
termos da obrigação internacional firmada pela República. O ar-tigo 
68(1) da própria Convenção estabelece: “Os Estados-partes na 
Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em 
27 “Art. 1o. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São 
José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de 
novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser 
cumprida tão inteiramente como nela se contém.” 
39
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
todo caso em que forem partes.” Dever idêntico resulta da própria 
Constituição brasileira. 
Com efeito, o reconhecimento da autoridade da Corte Inte-ramericana 
de Direitos Humanos por parte do Estado brasileiro 
cumpre decisão constituinte inscrita no artigo 7o do ADCT: “O 
Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos 
direitos humanos.” 
Houve, pois, decisão constitucional originária de inserir o 
Brasil na jurisdição de uma – ou mais – cortes internacionais de 
direitos humanos, o que constitui vetor interpretativo de concilia-ção 
do Direito e da jurisdição internos com o panorama norma-tivo 
internacional a que o país se submeta, em processo integrativo 
também previsto nos §§ 2o e 4o do artigo 5o da Constituição. 
Os atos de ratificação da Convenção Americana sobre Direi-tos 
Humanos e de reconhecimento da jurisdição da Corte de São 
José da Costa Rica não podem, portanto, ser interpretados como 
se fossem meras edições de normas ordinárias, muito menos como 
simples exortações graciosas ao Estado brasileiro. Bem ao contrá-rio, 
tais providências normativas inserem-se no contexto do adim-plemento 
do dever constitucional do Brasil de proteção aos 
direitos humanos e de integração ao sistema internacional de ju-risdição 
e reclamam compreensão que lhes garanta a mais plena 
eficácia, nos termos do art. 5o, § 1o, e do art. 4o, inciso II, da lei 
fundamental brasileira. 
40
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Com esse reconhecimento da alta relevância constitucional 
da matéria subjacente a esta ADPF, resulta do quadro fático des-crito 
supra que órgãos judiciais recusam autoridade e eficácia à 
sentença da Corte IDH e, com isso, confrontam o já transcrito ar-tigo 
68(1) da Convenção Americana, norma em pleno vigor no 
país. 
Essa recusa tem sido causada por interpretação parcial da res-peitável 
decisão dessa Suprema Corte na ADPF 153/DF, a qual, 
conforme se apontou, apreciou a constitucionalidade da Lei da 
Anistia. Os órgãos que têm negado eficácia à sentença no caso 
GOMES LUND não têm levado em linha de conta que essa lei preci-saria 
igualmente superar o controle de convencionalidade, exer-cido 
pela Corte IDH nos limites de sua competência, ao qual o 
Brasil se submeteu. Nesse exame, contudo, a Lei 6.683/1979 foi 
considerada inválida e ineficaz, nos termos já expostos. 
Não pode o magistrado recusar o cumprimento de norma 
incorporada ao direito interno (no caso, o artigo 68(1) da Con-venção 
Americana), sem opor-lhe de maneira fundamentada vício 
de constitucionalidade. Em outras palavras, para que qualquer ór-gão 
público possa recusar aplicação ao preceito do art. 68(1) da 
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, haveria de existir 
vício constitucional formal ou material nos atos praticados pelas 
autoridades brasileiras que exerceram, em nome do país, a decisão 
soberania de ratificar a convenção e, depois, de reconhecer a auto-ridade 
da Corte de São José. 
41
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Tanto no plano formal, como no substancial, não há mácula a 
comprometer a constitucionalidade desses atos. O texto da Con-venção, 
assim como o reconhecimento da jurisdição da Corte In-teramericana, 
foram aprovados de forma regular pelo Congresso 
Nacional (pelos Decretos Legislativos 27, de 26 de maio de 1992, 
e 89, de 3 de dezembro de 1998). Ambos foram ratificados inter-namente 
pelos Decretos presidenciais 678, de 6 de novembro de 
1992, e 4.463, de 8 de novembro de 2002. Portanto, o procedi-mento 
fixado constitucionalmente para ratificação do tratado foi 
fielmente seguido (Constituição Federal, arts. 49, I, e 84, VIII).28 
No plano material, tampouco se identifica incompatibilidade 
entre a deliberação presidencial e congressual de reconhecimento 
da competência da Corte e a Constituição brasileira. Ao contrário, 
como visto, a participação do Estado brasileiro na Corte Interame-ricana 
de Direitos Humanos – com o decorrente e natural reco-nhecimento 
de sua autoridade – é a concretização do mandado do 
artigo 7o do ADCT e tributária do sistema de proteção aos direitos 
humanos previsto no art. 5o e parágrafos do texto fundamental. 
Em realidade, à luz do comando do art. 7o do ADCT, incons-titucionalidade 
poderia existir se o Estado brasileiro imotivada-mente 
se omitisse em ingressar e participar do sistema 
28 “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: 
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais 
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio 
nacional; [...]. 
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] 
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a 
referendo do Congresso Nacional; [...]”. 
42
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
interamericano de direitos humanos, que comporta no seu seio a 
Corte IDH. 
Não se pode, portanto, negar força normativa à Convenção 
Americana relativamente à obrigação de observar e cumprir as de-cisões 
da Corte Interamericana. 
A esse respeito, acertadamente nota ANDRÉ DE CARVALHO 
RAMOS:29 
[...] no sistema judicial interamericano, há o dever do Estado 
de cumprir integralmente a sentença da Corte, conforme 
dispõe expressamente o art. 68.1 da seguinte maneira: os Es-tados- 
partes na Convenção comprometem-se a cumprir a 
decisão da Corte em todo caso em que forem partes. 
No mesmo sentido é a ponderação de FLÁVIA PIOVESAN: 
“Note-se que a decisão da Corte tem força jurídica vinculante e 
obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento”.30 
Não há, no particular, afronta alguma à soberania nacional, 
como aponta MARLON ALBERTO WEICHERT: 
[...] é indispensável, antes de tudo, compreender que a ade-são 
à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o re-conhecimento 
da jurisdição obrigatória da CIDH foram 
atos soberanos e voluntários do Estado brasileiro. [...] foi o 
Brasil, por suas autoridades constitucionalmente competen-tes 
(Presidência da República e Congresso Nacional), que 
decidiu integrar o sistema interamericano de direitos huma-nos. 
Não se identifica nenhuma mácula no processo de rati-ficação 
da Convenção, ou de sua aprovação em âmbito 
29RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2. ed. 
São Paulo: Saraiva. p. 235. 
30 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 
4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 222. 
43
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
interno. Outrossim, nenhum Estado estrangeiro compeliu o 
País a tomar parte desses atos e organismos internacionais.31 
É indispensável reconhecer que há diálogo integrativo das 
competências dos tribunais internacionais de direitos humanos e 
das cortes internas, consoante bem aponta ANTONIO AUGUSTO 
CANÇADO TRINDADE:32 
[...] É certo que os tribunais internacionais de direitos hu-manos 
– as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos 
Humanos – não “substituem” os tribunais internos, e tam-pouco 
operam como tribunais de recursos ou de cassação de 
decisões dos tribunais internos. 
O caráter vinculante das sentenças da Corte IDH para os Es-tados 
que, como o Brasil, aderiram à cláusula facultativa de jurisdi-ção 
compulsória prevista no art. 62(1) da Convenção Americana, 
está estabelecido no citado art. 68(1) do mesmo instrumento (ar-tigo 
68: “1. Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a 
cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”). 
É correto o entendimento explicitado por ANDRÉ DE 
CARVALHO RAMOS e outros acadêmicos, segundo o qual não há 
conflito entre a decisão do STF na ADPF 153/DF e a da Corte de 
São José no caso GOMES LUND, uma vez que finalidade essencial de 
ambos os tribunais é a proteção dos direitos fundamentais. Nessa 
concepção, “eventuais conflitos são apenas conflitos aparentes, 
31WEICHERT, Marlon Alberto. Proteção penal contra violações aos direitos 
humanos. In: MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo 
Andrade Cattoni de. Justiça de Transição nos 25 anos da Constituição brasileira. 
Belo Horizonte: Initia Via, 2014. p. 598-599. 
32 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos 
Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. vol. 1, p. 412. 
44
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
fruto do pluralismo normativo, aptos a serem solucionados pela via 
hermenêutica”.33 
Premissa dessa compreensão é a “aceitação da compatibili-dade 
das normas constitucionais com a normatividade internacio-nal 
de proteção aos direitos humanos como presunção absoluta, 
em face dos princípios da Constituição de 1988”, isso porque “a 
Constituição brasileira atual, ao estabelecer um Estado Democrá-tico 
de Direito e o apego à primazia dos direitos fundamentais da 
pessoa humana, não pode ser vista como obstáculo a uma maior 
proteção da pessoa humana, obtida em dispositivos 
internacionais”.34 
A alternativa à teoria da compatibilidade como presunção 
absoluta é a aceitação da supremacia da Constituição sobre a 
norma internacional de direitos humanos ou a aceitação da 
revogação de norma constitucional por estar em contradição 
com a norma internacional, quando a contradição, se vis-lumbrada 
pelo intérprete, é meramente aparente. Fazendo o 
paralelo com possíveis choques entre normas constitucionais 
originárias, vê-se que é pacífica a necessidade de conciliação 
entre dois dispositivos constitucionais aparentemente opos-tos. 
O mesmo deve se dar com a aparente oposição entre a 
norma constitucional e a norma internacional, sob pena de, 
ao enfatizar a supremacia da Constituição, fixe-se uma inter-pretação 
constitucional contrária a proteção internacional de 
direitos humanos, o que certamente fere o espírito da pró-pria 
Constituição. Assim, ironicamente, ao se afirmar a supre-macia 
da Constituição, viola-se o seu caráter protetivo de 
direitos humanos.35 
33RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de 
Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério. 
Crimes da ditadura militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 216. 
34RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de 
direitos humanos. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2004. p. 127. 
35RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de 
45
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
O reconhecimento da interpretação internacional dos trata-dos 
ratificados pelo Brasil, registra CARVALHO RAMOS em outra 
obra, é consequência óbvia dos vários comandos constitucionais 
que aludem a “tratados de direitos humanos”, como os §§ 2o e 3o 
do art. 5o e o art. 7o do ADCT/1988. Indaga ele: “de que adianta-ria 
a Constituição pregar o respeito a tratados internacionais de di-reitos 
humanos se o Brasil continuasse a interpretar os direitos 
humanos neles contidos nacionalmente?”36 
Em sentido convergente, a Corte Suprema de Justiça argen-tina, 
no julgamento sobre as Leis “Ponto Final”37 e “Obediência 
Devida”38 daquele país, igualmente registrou que “de nada serviría 
la referencia a los tratados hecha por la Constitución si su aplica-ción 
se viera frustrada o modificada por interpretaciones basadas 
en uno u otro derecho nacional”.39 
direitos humanos. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2004. p. 129-130. 
36RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2. ed. 
São Paulo: Saraiva. p. 355. 
37 Lei 23.492, de 24 de dezembro de 1986. Disponível em 
< http://bit.ly/ley23492Arg > ou 
< http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/20000- 
24999/21864/norma.htm >; acesso em 26 ago. 2014. 
38 Lei 23.521, de 8 de junho de 1987. Disponível em: 
< http://bit.ly/ley23521Arg > ou 
< http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/20000- 
24999/21746/norma.htm >; acesso em 26 ago. 2014. 
39 Decisão da Corte Suprema da Nação Argentina em “ARANCIBIA CLAVEL, 
ENRIQUE LAUTARO s/ homicidio calificado y asociación ilícita y outros – 
causa no 259 – 24/8/2004 – Fallos: 327:3312”. Apud Corte Suprema de la 
Nación Argentina. Delitos de lesa humanidad. Buenos Aires. Corte Suprema, 
2009, p. 172. Disponível em: < http://bit.ly/juri000j > ou 
< http://www.csjn.gov.ar/data/lesahumanidad.pdf >; acesso em 27 ago. 
2014. 
46
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Não se trata, pois, de considerar que a Corte IDH exerça pa-pel 
de quarta ou quinta instância adicional ou sobreposta ao pro-cesso 
interno. Sua missão é distinta: zelar pela observância, por 
parte dos Estados que integram o sistema interamericano de direi-tos 
humanos, das obrigações assumidas na Convenção Americana 
sobre Direitos Humanos e em outras convenções regionais nesse 
campo. Nesse plano, todo ato estatal, normativo ou material, de 
qualquer de seus órgãos ou entes federativos, sujeitar-se-á ao es-crutínio 
da jurisdição internacional, em especial sob o enfoque do 
controle de convencionalidade. 
Não se está aqui tampouco a afirmar que a corte internacio-nal 
seja hierarquicamente superior aos tribunais internos ou que 
ela se destine ao papel de órgão de cassação das decisões nacionais. 
Não é essa a visão pertinente a esta discussão. Ocorre que, como 
nota ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE:40 
Os atos internos dos Estados podem vir a ser objeto de 
exame por parte dos órgãos de supervisão internacionais 
quando se trata de verificar sua conformidade com as obri-gações 
internacionais dos Estados em matéria de direitos hu-manos. 
[...] Isso se aplica à legislação nacional assim como às 
decisões internas judiciais e administrativas. Por exemplo, 
uma decisão judicial interna pode dar uma interpretação in-correta 
de uma norma de um tratado de direitos humanos; 
ou qualquer outro órgão estatal pode deixar de cumprir uma 
obrigação internacional do Estado neste domínio. Em tais 
hipóteses pode-se configurar a responsabilidade internacio-nal 
do Estado, porquanto seus tribunais ou outros órgãos não 
são os intérpretes finais de suas obrigações internacionais em 
matéria de direitos humanos. 
40 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos 
Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. vol. 1, p. 412. 
47
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Com efeito – prossegue:41 
[...] uma das principais funções da operação dos tratados e 
instrumentos de proteção internacional dos direitos huma-nos 
reside precisamente em seus efeitos no direito interno. 
Ainda que voltada à solução de casos individuais de direitos 
humanos, a aplicação desses tratados e instrumentos tem 
transcendido as circunstâncias desses casos, por vezes acarre-tando 
modificações nas práticas administrativas e leis nacio-nais. 
Mesmo que se argumente que a tarefa dos órgãos de 
supervisão internacional é antes a de remediar violações in-dividuais 
de direitos humanos do que impugnar leis internas 
[...], não há como negar que por vezes a própria reparação 
das violações individuais requer mudanças nas práticas admi-nistrativas 
e leis nacionais. A prática internacional [...] está 
repleta de casos em que tais mudanças efetivamente ocorre-ram, 
consoante as decisões dos órgãos de supervisão interna-cionais 
nos casos individuais. 
A competência da Corte IDH é sobretudo para proceder a 
juízo de convencionalidade de atos materiais e normativos dos Es-tados, 
ou seja, verificar a compatibilidade desses atos com normas e 
obrigações internacionais que cada Estado assumiu. Estão sujeitos 
a esse controle tanto atos administrativos, como legislativos e judi-ciais, 
porquanto todos são atos estatais. 
Na hipótese de reconhecimento de incompatibilidade entre 
algum desses atos e a Convenção – juízo que em última instância 
cabe à Corte IDH – é inexorável que as autoridades internas pas-sem 
a observar a sentença desta, diante de seu efeito vinculante, 
não só para o caso sob litígio, como em todos os demais decorren-tes 
do mesmo parâmetro normativo. 
41 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos 
Direitos Humanos. Obra citada, p. 429-430. 
48
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Na síntese de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS:42 
As sentenças da Corte Interamericana possuem o efeito de 
coisa julgada inter partes, vinculando as partes em litígio. En-tretanto, 
cabe considerar o efeito de coisa interpretada de 
um julgado da Corte, pelo qual os órgãos internos devem se 
orientar pela interpretação da Corte Interamericana de Di-reitos 
Humanos, sob pena de concretizar a responsabilidade 
internacional do Estado que representam. Ignorar o efeito de 
coisa interpretada e enfatizar a vinculação das partes so-mente 
em um litígio perante a Corte é atitude, no mínimo, 
irrealista dos órgãos que representam o Estado e que, por 
isso mesmo, deveriam se preocupar em evitar sua responsabi-lização 
internacional. 
Essa é a situação trazida na presente ADPF. O Estado brasi-leiro 
foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Huma-nos 
no caso GOMES LUND a promover a persecução penal de graves 
violações a direitos humanos na Guerrilha do Araguaia, com des-consideração 
de óbices relativos, entre outros, a anistia, prescrição e 
coisa julgada. 
Essa decisão é vinculante e de observância obrigatória para 
todos os órgãos do Estado, inclusive Ministério Público, polícia 
criminal e Poder Judiciário, por decorrência da ratificação e pro-mulgação 
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do 
respectivo ato de reconhecimento da competência da Corte – em 
obediência a mandado constitucional específico. 
Não obstante esse dever de respeito por parte de todos os ór-gão 
estatais ao decidido pela Corte IDH, comprovou-se que em 
diversas decisões ações propostas pelo Ministério Público Federal – 
42RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. 
ed. São Paulo: Saraiva, p. 236. 
49
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
em casos relacionados diretamente à Guerrilha do Araguaia e tam-bém 
em outros de possível grave violação a direitos humanos – ju-ízes 
e tribunais federais (a) recusam efeito vinculante à sentença 
internacional e (b) impedem o prosseguimento da persecução pe-nal 
por fundamentos de anistia, prescrição e coisa julgada. 
Há, portanto, nítida incompatibilidade entre atos estatais (ju-diciais) 
brasileiros e o conteúdo da sentença internacional, o que 
caracteriza, a um só tempo, desrespeito à obrigação internacional 
inscrita no art. 68(1) da Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos 
e violação a preceitos fundamentais da Constituição brasi-leira 
(art. 7o do ADCT, §§ 1o e 2o do art. 5o e art. 4o, II). 
Descabe alegar que a independência do Judiciário o eximiria 
do dever de observar a decisão da Corte IDH. Sob o ângulo do 
direito internacional, o magistrado é órgão do Estado, e a decisão 
internacional a ele também se aplica. 
Ponto relevante desta ADPF é que a própria Constituição 
brasileira, se interpretada segundo a premissa de que os sistemas in-terno 
e internacional de proteção aos direitos humanos devem ser 
compatibilizados, confere plena força vinculante à sentença do 
caso GOMES LUND, inclusive no que se refere à interpretação judi-cial 
da Lei 6.683/1979. 
Após a decisão da ADPF 153/DF, o tribunal internacional 
com jurisdição e competência para julgar a matéria proferiu sen-tença 
de mérito afirmando que “o Estado [brasileiro] é responsável 
pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial 
50
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre 
Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 [...], pela falta de 
investigação dos fatos do [...] caso, bem como pela falta de julga-mento 
e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das 
pessoas desaparecidas e da pessoa executada”. Declarou, também, 
que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a in-vestigação 
e sanção de graves violações de direitos humanos são 
incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos 
jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a 
investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e 
punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou seme-lhante 
impacto a respeito de outros casos de graves violações de 
direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos 
no Brasil”. 
Em consequência, nos termos do ponto resolutivo 9 da sen-tença, 
“o Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição 
ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de 
esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades pe-nais 
e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei 
preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 
e 257 da [...] Sentença”. 
Na perspectiva do direito internacional, é irrelevante que os 
obstáculos opostos à aplicação da lei penal sejam estabelecidos pelo 
Poder Judiciário do Estado-parte, pois, para o direito aplicável, o 
ato judicial é fato que, como outros emanados dos órgãos nacio- 
51
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
nais legislativos e executivos, expressa a vontade do Estado no sen-tido 
de cumprir (ou não) as sentenças emanadas dos tribunais in-ternacionais 
competentes a que o Estado se haja voluntariamente 
submetido. 
Não é admissível que, tendo o Brasil se submetido à jurisdi-ção 
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por ato de 
vontade soberana regularmente incorporado a seu ordenamento 
jurídico, e se comprometido a cumprir as decisões dela (por todos 
os seus órgãos, repita-se), despreze a validade e a eficácia da sen-tença 
em questão. Isso significaria flagrante descumprimento dos 
compromissos internacionais do país e do mandado constitucional 
de aceitação da jurisdição do tribunal internacional. 
Responsabilização internacional de Estado por violação de 
direitos humanos originada de ato judicial pode ocorrer em duas 
hipóteses: quando a decisão judicial é tardia ou inexistente (no 
caso de ausência de remédio judicial) ou quando a decisão judicial 
é tida, no mérito, como violadora de direito protegido: 
Na hipótese de decisão tardia, argumenta-se que a delonga 
impede que a prestação jurisdicional seja útil e eficaz. A 
doutrina consagrou o termo denegação de justiça (ou “déni 
de justice”) que engloba tanto a inexistência do remédio ju-dicial 
(recusa de acesso ao Judiciário), ou deficiências do 
mesmo, o que ocorre, por exemplo, na delonga na prolação 
do provimento judicial devido ou mesmo na inexistência de 
tribunais.43 
43RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de 
direitos. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2004. p. 175-176. 
52
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Na situação objeto desta ADPF, em razão da pacífica juris-prudência 
da Corte IDH inaugurada no caso VELÁSQUEZ 
RODRÍGUEZ VS. HONDURAS,44 o Estado brasileiro pode ser responsa-bilizado 
pela omissão em punir, o que caracterizaria a denegação 
de justiça, com o nascimento de sua responsabilização internacio-nal. 
No caso GOIBURÚ E OUTROS VS. PARAGUAI (2006), a propósito, a 
Corte Interamericana de Direitos Humanos delineou a possibili-dade 
de controle jurisdicional de convencionalidade da proteção 
penal insuficiente conferida a certos direitos, ao julgar que o Có-digo 
Penal paraguaio não tipificava adequadamente as condutas de 
“desaparecimento forçado” e “tortura”:45 
44 Sentenças de 26 de junho de 1987 (sobre exceções preliminares), 
disponível em < http://bit.ly/CIDHVelRodri > ou 
< http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_01_esp.pdf >, 
de 29 de julho de 1988 (sobre o mérito), disponível em 
< http://bit.ly/CIDHVelRodrF > ou 
< http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_04_esp.pdf >, e 
de 21 de julho de 1989 (sobre indenização e custas), disponível em 
< http://bit.ly/CIDHVelRodr89 > ou 
< http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_07_esp.pdf >, 
acesso em 27 ago. 2014. 
45 Sentença de 22/9/2006, p. 63. Disponível em: 
< http://bit.ly/CIDHGoiburu > ou 
< http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_153_esp.pdf >; 
acesso em 26 ago. 2014. No original em espanhol: 
“[...] el Tribunal considera que si bien los tipos penales vigentes en el 
Código Penal paraguayo sobre tortura y ‘desaparición forzosa’ permitirían 
la penalización de ciertas conductas que constituyen actos de esa 
naturaleza, un análisis de los mismos permite observar que el Estado las 
tipificó de manera menos comprehensiva que la normativa internacional 
aplicable. El Derecho Internacional establece un estándar mínimo acerca 
de una correcta tipificación de esta clase de conductas y los elementos 
mínimos que la misma debe observar, en el entendido de que la 
persecución penal es una vía fundamental para prevenir futuras violaciones 
de derechos humanos. Es decir, que los Estados pueden adoptar una mayor 
53
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
[...] o Tribunal considera que, embora os tipos penais vigen-tes 
no Código Penal paraguaio sobre tortura e “desapareci-mento 
forçado” permitiriam a penalização de certas 
condutas que constituem atos dessa natureza, uma análise 
deles permite observar que o Estado as tipificou de maneira 
menos abrangente do que a norma internacional aplicável. 
O Direito Internacional estabelece padrão mínimo acerca da 
correta tipificação dessa classe de condutas e os elementos 
mínimos que ela deve observar, no entendimento de que a 
persecução penal é uma via fundamental para prevenir futu-ras 
violações de direitos humanos. Quer dizer que os Estados 
podem adotar maior severidade no tipo específico para o 
fim de melhor persecução penal desses delitos, em função do 
que considerem maior ou melhor tutela dos bens jurídicos 
protegidos, com a condição de que, ao fazê-lo, não vulnerem 
essas outras normas às quais estão obrigados. Ademais, a sub-tração 
de elementos que se consideram irredutíveis na fór-mula 
persecutória estabelecida em nível internacional, assim 
como a introdução de modalidades que lhe diminuam sen-tido 
ou eficácia, podem levar à impunidade de condutas que 
os Estados estão obrigados sob o Direito Internacional a pre-venir, 
erradicar e sancionar. 
Como bem aponta JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES: 
Dessa forma, os poderes do Estado, inclusive o Judiciário, 
não podem ignorar preceitos de Direito Internacional em 
decisões que repercutem na esfera internacional e que, por 
isso, podem acarretar a responsabilidade internacional do Es-tado 
e da própria pessoa responsável pela decisão. Afinal, o 
Juiz é o Estado e atua em seu nome, sobretudo quando de-cide 
questões que interferem com a ordem internacional de 
observância compulsória, como as que dizem respeito aos 
severidad en el tipo específico para efectos de una mejor persecución 
penal de esos delitos, en función de lo que consideren una mayor o mejor 
tutela de los bienes jurídicos protegidos, a condición de que al hacerlo no 
vulneren esas otras normas a las que están obligados. Además, la sustracción 
de elementos que se consideran irreductibles en la fórmula persecutoria 
establecida a nivel internacional, así como la introducción de modalidades 
que le resten sentido o eficacia, pueden llevar a la impunidad de conductas 
que los Estados están obligados bajo el Derecho Internacional a prevenir, 
erradicar y sancionar.” 
54
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
direitos humanos, genocídio, crimes contra a humanidade e 
outras a que a comunidade internacional confere tal quali-dade. 
46 
Em segundo lugar, porque a corte internacional não está a 
determinar como se deva dar a apreciação de provas ou a interpre-tação 
de fatos. Apenas definiu que determinadas normas do direito 
interno, por sua incompatibilidade com a Convenção Americana, 
não podem ser aplicadas na persecução penal de autores de graves 
violações aos direitos humanos e de desaparecimentos forçados. 
Trata-se de juízo semelhante, mas não equivalente, ao con-trole 
de constitucionalidade. A Corte IDH tem competência para 
declarar a existência de violações à Convenção Americana e, por 
conseguinte, de determinar que os órgãos estatais se abstenham de 
praticar atos concretos que desafiem sua interpretação sobre esse 
instrumento internacional. Nesse controle, pode afastar a aplicação 
de atos estatais, inclusive normativos, para garantir a proteção de 
direitos humanos. 
Esse aspecto ajudar a reforçar a diferença de extensão entre a 
decisão dessa Suprema Corte na ADPF 153/DF e a sentença in-ternacional 
no caso GOMES LUND. Enquanto naquela a decisão foi 
pela constitucionalidade da anistia a agentes estatais, em quaisquer 
crimes, a sentença da Corte IDH é de abrangência mais limitada: 
considerou a invalidade da anistia apenas nos casos de graves viola-ções 
a direitos humanos e especialmente no de desaparecimentos 
46MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito 
Internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. 
p. 16-17. 
55
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
forçados. A Corte de São José, portanto, não reviu a decisão do 
STF (até porque lhe falta competência a tanto), mas apontou que 
para garantir proteção judicial de vítimas de graves violações a di-reitos 
humanos, são inaplicáveis determinadas normas internas, en-tre 
elas preceitos de anistia, prescrição e coisa julgada. Nos demais 
casos, permanece de aplicação exclusiva o acórdão prolatado na 
ADPF 153/DF e demais óbices normativos existentes à responsa-bilização 
criminal. 
Se essa Suprema Corte viesse a admitir a permanência da 
atual situação de incompatibilidade entre os atos judiciais de nega-tiva 
de persecução penal a crimes cometidos com graves violações 
a direitos humanos durante a ditadura militar e a sentença do caso 
GOMES LUND, impor-se-ia a necessidade de declaração de inconsti-tucionalidade 
do ato de incorporação do artigo 68(1) da Conven-ção 
Americana sobre Direitos Humanos. De fato, estar-se-ia 
fixando que tal comando convencional não tem valor nem eficácia 
perante a Constituição brasileira. 
Nesse caso, o repúdio à obrigação fixada no artigo 68(1) da 
Convenção e sua potencial declaração de inconstitucionalidade 
deveriam conduzir à denúncia integral da Convenção Americana 
sobre Direitos Humanos pelo Estado brasileiro, porquanto esse ato 
internacional se submete (art. 75 da convenção) às regras do art. 
44(1) da Convenção de Viena sobre o Direitos dos Tratados (pro-mulgada 
pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009). Este 
determina que a denúncia ou retirada de tratado somente se pode 
56
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
dar de modo integral, salvo previsão específica no próprio texto (a 
qual inexiste no caso da Convenção Americana).47 
Portanto, para desconsiderar o dever de cumprir de boa fé a 
condenação da Corte IDH, a providência política e jurídica passa 
necessariamente pela saída do Brasil do Sistema Interamericano de 
Direitos Humanos, pois inexiste solução de renúncia parcial à 
força normativa do tratado. 
Longe de considerar essa hipótese como cenário real – por si 
só de duvidosa constitucionalidade e de gravíssima repercussão no 
relacionamento internacional do Pais –, essa referência convida à 
necessidade de interpretação harmoniosa entre o direito interno e 
o direito internacional dos direitos humanos, conciliando compe-tências, 
jurisdições e paradigmas normativos. 
Precisamente para evitar responsabilização internacional do 
Estado brasileiro, expondo-o a sanções e alçando-o à posição de 
inadimplente perante o sistema interamericano de proteção a di-reitos 
humanos, impõe-se adotar hermenêutica voltada à compati-bilização 
entre o direito interno e o direito internacional. 
O Brasil não é o único Estado do continente onde atrocida-des 
foram cometidas contra dissidentes do regime, tampouco o 
único a ser condenado a promover a persecução penal de desapa-recimentos 
forçados, execuções sumárias e outras condutas que, já 
47WEICHERT, Marlon Alberto. Proteção penal contra violações aos direitos 
humanos. In: MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo 
Andrade Cattoni de. Justiça de Transição nos 25 anos da Constituição brasileira. 
Belo Horizonte: Initia Via, 2014. p. 600. 
57
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
na época, eram tipificadas como crimes nos respectivos ordena-mentos 
internos. 
Como salientou a Corte IDH nos parágrafos 148 e 149 da 
sentença GOMES LUND: 
148. Conforme já fora antecipado, este Tribunal pronun-ciou- 
se sobre a incompatibilidade das anistias com a Con-venção 
Americana em casos de graves violações dos direitos 
humanos relativos ao Peru (BARRIOS ALTOS e LA CANTUTA) e 
Chile (ALMONACID ARELLANO e outros). 
149. No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do 
qual Brasil faz parte por decisão soberana, são reiterados os 
pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anis-tia 
com as obrigações convencionais dos Estados, quando se 
trata de graves violações dos direitos humanos. Além das 
mencionadas decisões deste Tribunal, a Comissão Interame-ricana 
concluiu, no presente caso e em outros relativos à Ar-gentina, 
Chile, El Salvador, Haiti, Peru e Uruguai, sua 
contrariedade com o Direito Internacional. A Comissão 
também recordou que: se pronunciou em um número de 
casos-chave, nos quais teve a oportunidade de expressar seu 
ponto de vista e cristalizar sua doutrina em matéria de apli-cação 
de leis de anistia, estabelecendo que essas leis violam 
diversas disposições, tanto da Declaração Americana como 
da Convenção. Essas decisões, coincidentes com o critério 
de outros órgãos internacionais de direitos humanos a res-peito 
das anistias, declararam, de maneira uniforme, que 
tanto as leis de anistia como as medidas legislativas compará-veis, 
que impedem ou dão por concluída a investigação e o 
julgamento de agentes de [um] Estado, que possam ser res-ponsáveis 
por sérias violações da Convenção ou da Declara-ção 
Americana, violam múltiplas disposições desses 
instrumentos. 
Não se diga, por fim, que a Corte IDH carece de jurisdição 
sobre fatos anteriores a dezembro de 1998, data da publicação do 
Decreto Legislativo 89, de 3 de dezembro de 1998, que reconhe- 
58
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
ceu a competência contenciosa da corte em todos os casos relati-vos 
à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre 
Direitos Humanos. É que, consoante a jurisprudência da própria 
Corte IDH, intérprete autorizada de seus próprios atos, as viola-ções 
de direitos fundamentais objeto da sentença do caso GOMES 
LUND não dizem diretamente respeito a atos atentatórios à vida, à 
integridade física e à liberdade dos mortos e desaparecidos políti-cos, 
perpetrados nas décadas de 1970 e 1980, mas à omissão estatal 
em buscar o paradeiro dos desaparecidos e em investigar e promo-ver 
a responsabilização penal dos agentes estatais envolvidos em 
graves violações a direitos humanos cometidas durante a ditadura 
militar. Essa omissão possui caráter permanente e prolonga-se até a 
presente data, motivo pelo qual a Corte IDH possui plena compe-tência 
para decidir a respeito dos efeitos presentes da Lei 
6.683/1979 e da omissão estatal em promover a persecução penal 
dos crimes cometidos no período, inclusive os de caráter instantâ-neo, 
quando imprescritíveis. 
III.3. “CRIMES DE GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS” 
Uma vez que não existe, no sistema jurídico brasileiro, a cate-goria 
“crimes de graves violações de direitos humanos”, supõe-se 
que a pretensão do arguente se volte contra condutas que, ao 
tempo da ação, eram tipificadas como criminosas, e simultanea-mente, 
sejam consideradas “graves violações a direitos humanos” 
para fins de incidência dos pontos resolutivos 3 e 9 da sentença do 
caso GOMES LUND. 
59
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Como já referido, o ponto 3 da sentença contém decisão de 
natureza declaratória, formulada nos seguintes termos: 
As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a in-vestigação 
e sanção de graves violações de direitos humanos 
são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de 
efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obs-táculo 
para a investigação dos fatos do presente caso, nem 
para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco 
podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros 
casos de graves violações de direitos humanos consagrados 
na Convenção Americana ocorridos no Brasil. 
A tutela declaratória (de efeitos erga omnes), como se vê, não 
alcança todas as causas de extinção da punibilidade que possam vir 
a incidir sobre as “graves violações de direitos humanos” ocorridas 
em território brasileiro durante o regime militar, mas tão somente 
sobre aquela prevista na primeira parte do art. 107, inciso II, do 
atual Código Penal, isto é, a anistia. A referência a outras hipóteses 
de exclusão da punibilidade estatal – “prescrição, irretroatividade 
da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente si-milar” 
– é feita na tutela mandamental específica, dirigida à apura-ção 
do desaparecimento forçado e/ou da execução extrajudicial 
das vítimas indicadas nos parágrafos 251 e 252 da decisão. A juris-prudência 
da Corte IDH, contudo, desde o julgamento BARRIOS 
ALTOS VS. PERU (2001), é uniforme no sentido de afirmar que “são 
inadmissíveis as disposições de anistia, prescrição e o estabeleci-mento 
de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir 
a investigação e sanção dos responsáveis por graves violações de di-reitos 
humanos tais como a tortura, as execuções sumárias extrale- 
60
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
gais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas elas proi-bidas 
por contrariar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Di-reito 
Internacional dos Direitos Humanos”. 
No caso, importa definir quais condutas típicas alcançadas 
pela Lei da Anistia devem ser consideradas “graves violações de di-reitos 
humanos” para o fim de determinar o (re)início da persecu-ção 
penal. Convém notar que o termo “graves violações de 
direitos humanos” é plurívoco e reconhecidamente pouco opera-tivo 
para definição dos deveres positivos dos Estados em matéria 
penal. É também fator de insegurança jurídica, uma vez que não 
fixa, com a certeza exigida pelos ordenamentos de tradição conti-nental, 
quais condutas devem ser tipificadas pelos ordenamentos 
estatais e, dentre estas, quais constituem violação de direitos huma-nos 
suficientemente grave para afastar a incidência da prescrição, 
da anistia e de outras causas de exclusão da punibilidade usual-mente 
reconhecidas nesses ordenamentos. O problema, observa 
NAOMI ROHT-ARRIAZA, é que “a linguagem usada em alguns casos... 
parece ignorar distinções e gradações, tanto em intensidade como 
em escopo, entre violações de direitos humanos. Assim, literal-mente 
qualquer violação a direitos humanos reconhecida em tra-tado 
ou costume... estaria sujeita às obrigações de investigar, 
promover a ação penal e reparar o dano.”48 
48ROHT-ARRIAZA, Naomi. Impunity and Human Rights in International 
Law and Practice. New York/Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 67. 
61
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
A decisão da Corte IDH no mencionado caso BARRIOS ALTOS 
(2001) completa a sentença de VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ (1988),49 na 
qual, pela primeira vez, aquele tribunal reconheceu o dever dos 
Estados-membros do sistema interamericano de investigar e punir 
graves violações a direitos humanos. Em ambos os casos, tratava-se 
de garantir a responsabilização de militares envolvidos na tortura e 
execução sumária de dissidentes políticos, e a Corte nitidamente 
optou por não definir de forma taxativa nem os crimes que mere-cem 
punição (pois o rol apresentado é exemplificativo), nem as 
causas de exclusão da punibilidade inadmitidas pelo sistema. Em 
BARRIOS ALTOS, o critério para afastar as causas de extinção da pu-nibilidade 
(aparentemente qualquer uma, com exceção da morte 
do agente) parece ter sido apenas a natureza não derrogável do di-reito 
humano violado . 
Em PROSECUTOR VS. TADIĆ (1995), o Tribunal Penal Internacio-nal 
para a ex-Iugoslávia estabeleceu o seguinte padrão interpreta-tivo 
(standard), usualmente citado como critério definidor do que 
deve entender-se como “grave ofensa” do ponto de vista do Di-reito 
Penal Internacional: a) a violação deve constituir ofensa a re-gra 
de direito humanitário internacional; b) a regra deve ser 
“costumeira por natureza” ou, se pertencer a tratado, deve atender 
às condições de validade dos acordos internacionais; c) a violação 
deve ser “grave”, isto é, deve constituir quebra da regra de prote-ção 
a valores importantes e deve também envolver graves conse-quências 
para a vítima; d) a violação da regra deve acarretar, sob o 
49 Vide referência na nota 44. 
62
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
direito costumeiro ou dos tratados, responsabilidade criminal indi-vidual 
do agressor. 
A referência à responsabilização criminal individual do agres-sor, 
pelo Direito Internacional, costumeiro ou convencional, 
aponta para a sinonímia entre os conceitos de “graves violações de 
direitos humanos” e crimes de lesa-humanidade para fins de defi-nição 
do objeto da persecução penal estabelecida na sentença do 
caso GOMES LUND. É o que, aliás, tem sido adotado no Ministério 
Público Federal, como se verifica do teor das nove denúncias até 
agora ajuizadas: em todas elas houve referência ao contexto de ata-que 
sistemático e generalizado à população civil em que os crimes 
foram praticados e a classificação dos fatos como delitos de lesa-humanidade. 
Dessa maneira, o pressuposto de não incidência dos dispositi-vos 
de anistia às graves violações a direitos humanos cometidas no 
contexto da repressão política do Estado ditatorial é a existência 
de fato típico antijurídico, definido como tal por norma válida an-terior, 
e que constitua simultaneamente, na perspectiva do Direito 
Internacional costumeiro cogente ou do direito dos tratados, de-lito 
de lesa-humanidade (ou a ele conexo) e, desse modo, insusce-tível 
de anistia. 
63
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
III.4. O CARÁTER DE LESA-HUMANIDADE DE CRIMES COMETIDOS 
POR AGENTES DA DITADURA BRASILEIRA DE 1964 
As atividades de persecução penal desenvolvidas pelo Minis-tério 
Público Federal, consignadas no relatório que está na peça 
14,50 juntado pelo requerente, confirmam o que há muito consti-tui 
fato notório no que se refere à história do período: os métodos 
empregados na repressão aos opositores do regime militar exorbi-taram 
a própria legalidade autoritária instaurada pelo golpe de 
1964. Isso ocorreu, entre outros motivos, porque o objetivo primá-rio 
do sistema não era a produção de provas válidas para serem 
usadas em processos judiciais, como seria de esperar, mas o des-mantelamento, 
a qualquer custo, independentemente das regras ju-rídicas 
aplicáveis, das organizações de oposição, especialmente as 
envolvidas em ações de resistência armada. 
Não se pretende estabelecer nesta manifestação discussão 
acerca da legitimidade dos métodos empregados pelos opositores 
do regime autoritário no período pós-1964. O que se aponta é 
que ao Estado cabia resistir às ações que reputasse ilegítimas nos 
termos da lei. Foram as ações à margem da lei dos agentes estatais 
que resultaram no cometimento de crimes de lesa-humanidade, de 
50Grupo de Trabalho Justiça de Transição: atividades de persecução penal 
desenvolvidas pelo Ministério Público Federal – 2011-2013. Também disponível 
em < http://bit.ly/mpf00014 > ou 
< http://2ccr.pgr.mpf.mp.br/coordenacao/grupos-de-trabalho/justica-de-transicao/ 
relatorios-1/Relatorio%20Justica%20de%20Transicao%20- 
%20Novo.pdf >, acesso em 26 ago. 2014. 
64
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
graves violações a direitos humanos, objeto da sentença da Corte 
IDH, objeto deste processo. 
Nesses termos, o respeito às garantias mais fundamentais das 
pessoas suspeitas ou presas era frequentemente letra morta para os 
agentes públicos envolvidos na repressão política. Como era notó-rio 
e foi atestado nos últimos meses por novas provas obtidas pelo 
Ministério Público Federal, a prática de invasões de domicílio, se-questros 
e tortura não era estranha ao sistema. Ao contrário, tais 
ações faziam parte do método regular de obtenção de informações 
empregado por órgãos como o Centro de Informações do Exér-cito 
(CIE) e os Destacamentos de Operações de Informações 
(DOIs). 
Além disso, a partir dos desaparecimentos de VIRGÍLIO GOMES 
DA SILVA, em São Paulo, em setembro de 1969, e de MÁRIO ALVES DE 
SOUZA VIEIRA, no Rio de Janeiro, no início de 1970, verificou-se 
cometimento sistemático do crime internacionalmente conhecido 
como desaparecimento forçado. Tal delito consiste na privação da 
liberdade de pessoa, praticada por agentes do Estado, seguida da 
falta de informação ou da recusa em reconhecer tal privação da li-berdade 
ou em informar sobre o paradeiro da vítima. Este crime 
foi cometido contra ao menos 150 desaparecidos políticos,51 reco- 
51 Cf. BRASIL. Direito à memória e à verdade: Comissão Especial sobre Mortos e 
Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 
2007. Disponível em: < http://bit.ly/dirmever > ou 
< http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/livro_direito_memoria_verdade 
/livro_direito_memoria_verdade_sem_a_marca.pdf >; acesso em 25 ago. 
2014. Vide quadro apud JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os 
interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo 
(1969-1975). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional; São Paulo: EDUSP, 2013. 
65
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
nhecidos como tais pela Lei 9.140, de 4 de dezembro de 1995,52 e 
pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. 
Sem prejuízo das considerações acerca da estrutura e funcio-namento 
dos organismos da repressão política lançadas nas nove 
ações penais já ajuizadas, importa enfatizar que torturas, mortes e 
desaparecimentos não eram acontecimentos isolados no quadro da 
repressão política, mas a parte mais violenta e clandestina de um 
sistema organizado para suprimir a oposição ao regime, não raro 
mediante ações criminosas cometidas e acobertadas por agentes do 
Estado. 
Desaparecimentos forçados, execuções sumárias, tortura e 
muitas infrações penais a eles conexas já eram, na época de seu co-metimento 
pelo regime autoritário, qualificados como crimes 
contra a humanidade, razão pela qual devem sobre eles incidir as 
consequências jurídicas decorrentes da subsunção às normas co-gentes 
de direito internacional, notadamente a imprescritibilidade 
e a insuscetibilidade de concessão de anistia. 
A qualificação das condutas imputadas como crimes de lesa-humanidade 
decorre de normas cogentes do direito costumeiro 
internacional,53 que definem como tais desaparecimentos forçados, 
p. 324. 
52 De acordo com sua ementa, a Lei 9.140/1995 “reconhece como mortas 
pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de 
participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 
a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências”. 
53 Como se sabe, o costume é fonte de Direito Internacional e, nos termos 
do art. 38 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (promulgada 
no país pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009) possui força 
normativa vinculante mesmo para Estados que não tenham participado da 
66
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
execuções sumárias de pessoas (também conhecidas internacional-mente 
como execuções extrajudiciais), tortura e outros delitos co-metidos 
no contexto de ataque sistemático ou generalizado a 
população civil. Como uma das consequências do reconhecimento 
desses delitos, devem eles ser submetidos à jurisdição universal e 
declarados insuscetíveis de anistia e prescrição. 
A reprovação jurídica internacional a tais condutas e a im-prescritibilidade 
da ação penal a elas correspondente está evidenci-ada 
pelas seguintes provas do direito costumeiro cogente anterior: 
a) Carta do Tribunal Militar Internacional (1945);54 b) Lei do 
formação do tratado que reproduza regra consuetudinária. Estabelece o 
dispositivo: 
“Artigo 38 
Regras de um Tratado Tornadas Obrigatórias para Terceiros Estados por 
Força do Costume Internacional 
Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se 
torne obrigatória para terceiros Estados como regra consuetudinária de 
Direito Internacional, reconhecida como tal.” 
54 Agreement for the Prosecution and Punishment of the Major War Criminals of the 
European Axis, and Charter of the International Military Tribunal. Londres, 8 
ago. 1945. Disponível em: 
< http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp >, acesso em 27 ago. 2014. 
O acordo estabelece a competência do tribunal para julgar crimes contra a 
paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, no art. 6(c): 
“nomeadamente, homicídio, extermínio, escravização, deportação e outros 
atos desumanos cometidos contra qualquer população civil, antes ou 
durante a guerra, ou perseguições baseadas em razões políticas, raciais ou 
religiosas na execução de ou em conexão com qualquer crime sujeito à 
jurisdição do Tribunal, estejam ou não em violação ao direito interno do 
país onde hajam sido perpetrados” (no original: “namely, murder, 
extermination, enslavement, deportation, and other inhumane acts 
committed against any civilian population, before or during the war; or 
persecutions on political, racial or religious grounds in execution of or in 
connection with any crime within the jurisdiction of the Tribunal, 
whether or not in violation of the domestic law of the country where 
perpetrated”). 
67
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Conselho de Controle no 10 (1945);55 c) Princípios de Direito In-ternacional 
reconhecidos na Carta do Tribunal de Nuremberg e 
nos julgamentos do Tribunal, com comentários (International Law 
Commission, 1950);56 d) Relatório da Comissão de Direito Inter-nacional 
da Organização das Nações Unidas (ONU) (1954);57 
55 Nuremberg Trials Final Report Appendix D: Control Council Law No. 10: 
Punishment of Persons Guilty of War Crimes, Crimes Against Peace and Against 
Humanity, art. II. Disponível em: 
< http://avalon.law.yale.edu/imt/imt10.asp >, acesso em 27 ago. 2014. 
Segundo o documento: “1. Cada um dos seguintes atos é reconhecido 
como crime: [...] (c) Crimes contra a Humanidade. Atrocidades e crimes, 
incluindo mas não se limitando a homicídio, extermínio, escravização, 
deportação, prisão, tortura, estupro e outros atos desumanos cometidos 
contra qualquer população civil, ou persecução baseada em razões 
políticas, raciais ou religiosas, estejam ou não em violação ao direito 
interno do país onde hajam sido perpetrados. [...]”. 
No original: “1. Each of the following acts is recognized as a crime: [...] 
(c) Crimes against Humanity. Atrocities and offenses, including but not 
limited to murder, extermination, enslavement, deportation, imprisonment, 
torture, rape, or other inhumane acts committed against any civilian 
population, or persecutions on political, racial or religious grounds 
whether or not in violation of the domestic laws of the country where 
perpetrated. [...]”. 
56 Texto adotado pela Comissão de Direito Internacional e submetido à 
Assembleia Geral das Nações Unidas como parte do relatório da 
Comissão. O relatório foi publicado no Yearbook of the International Law 
Commission, 1950, v. II e está disponível em: < http://bit.ly/juri000l > ou 
< https://www.jura.uni-bonn. 
de/fileadmin/Fachbereich_Rechtswissenschaft/Einrichtungen/Lehrs 
tuehle/Strafrecht5/Materialien/Nuremberg_Principles.pdf >, acesso em 
27 ago. 2014. 
“Princípio VI – Os crimes doravante estabelecidos são puníveis como 
crimes segundo o Direito Internacional: (a) Crimes contra a paz: [...]. (b) 
Crimes de guerra: [...]. (c) Crimes contra a humanidade: Homicídio, 
extermínio, escravização, deportação e outros atos desumanos praticados 
contra qualquer população civil, ou perseguições baseadas em razões 
políticas, raciais ou religiosas, quando tais atos sejam praticados ou tais 
perseguições sejam cometidas na execução de ou em conexão com 
qualquer crime contra a paz ou qualquer crime de guerra. [...] 122. O 
68
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
e) Resolução 2184 (Assembleia Geral da ONU, 1966);58 f) Reso-lução 
2202 (Assembleia Geral da ONU, 1966);59 g) Resolução 
2338 (Assembleia Geral da ONU, 1967);60 h) Resolução 2583 
(Assembleia Geral da ONU, 1969);61 i) Resolução 2712 (Assem-bleia 
Geral da ONU, 1970);62 j) Resolução 2840 (Assembleia Ge- 
Tribunal, contudo, não excluiu a possibilidade de que crimes contra a 
humanidade sejam cometidos também antes de uma guerra. 123. Em sua 
definição de crimes contra a humanidade, a Comissão omitiu a expressão 
‘antes ou durante a guerra’ contida no artigo 6 (c) da Carta do Tribunal de 
Nuremberg porque essa expressão se referia a uma guerra em particular, a 
guerra de 1939. A omissão da expressão não significa que a Comissão 
considere que crimes contra a humanidade possam ser cometidos apenas 
durante uma guerra. Ao contrário, a Comissão é de opinião que tais crimes 
podem ter lugar também antes de uma guerra em conexão com crimes 
contra a paz. 124. De acordo com o artigo 6 (c) da Carta, a formulação 
acima caracteriza como crimes contra a humanidade homicídio, 
extermínio, escravização etc., cometidos contra ‘qualquer’ população civil. 
Isso significa que esses atos podem ser crimes contra a humanidade mesmo 
se forem cometidos pelo agente contra sua própria população.” 
No original: “Principle VI – The crimes hereinafter set out are punishable 
as crimes under international law: (a) Crimes against peace: [...]. (b) War 
crimes: […]. (c) Crimes against humanity: Murder, extermination, 
enslavement, deportation and other inhuman acts done against any civilian 
population, or persecutions on political, racial or religious grounds, when 
such acts are done or such persecutions are carried on in execution of or 
in connection with any crime against peace or any war crime. [...] 
122. The Tribunal did not, however, thereby exclude the possibility that 
crimes against humanity might be committed also before a war. 123. In its 
definition of crimes against humanity the Commission has omitted the 
phrase "before or during the war" contained in article 6 (c) of the Charter 
of the Nuremberg Tribunal because this phrase referred to a particular war, 
the war of 1939. The omission of the phrase does not mean that the 
Commission considers that crimes against humanity can be committed 
only during a war. On the contrary, the Commission is of the opinion that 
such crimes may take place also before a war in connection with crimes 
against peace. 124. In accordance with article 6 (c) of the Charter, the 
above formulation characterizes as crimes against humanity murder, 
extermination, enslavement, etc., committed against ‘any’ civilian 
population. This means that these acts may be crimes against humanity 
69
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
ral da ONU, 1971);63 k) Princípios de Cooperação Internacional 
na identificação, prisão, extradição e punição de pessoas condena-das 
por crimes de guerra e crimes contra a humanidade (Resolu-ção 
3074 da Assembleia Geral da ONU, 1973).64 
Na Convenção das Nações Unidas sobre a Imprescritibili-dade 
de Crimes de Guerra e de Crimes contra a Humanidade 
even if they are committed by the perpetrator against his own population.” 
O histórico completo dos trabalhos da Comissão está disponível em 
< http://untreaty.un.org/ilc/guide/7_3.htm >. Sobre o assunto, observa 
ANTONIO CASSESSE (International Criminal Law. Oxford/NewYork: Oxford 
University Press, 2008. p. 108) que o vinculo entre crimes contra a 
humanidade e os crimes contra a guerra e contra a paz foi formalmente 
suprimido no anteprojeto de Código de Crimes contra a Paz e a 
Segurança da Humanidade, em 1996 (“It is interesting to note that the 
link between crimes against humanity and crimes against peace and war 
crimes was later deleted by the Commission when it adopted the draft 
Code of Crimes against the Peace and Security of Mankind of 1996”). 
57 Report of the International Law Commission Covering the Work of its Sixth 
Session, 28 July 1954, Official Records of the General Assembly, Ninth Session, 
Supplement No. 9 (A/2693). Article 2, paragraph 11 (previously paragraph 
10), disponível em < http://bit.ly/un000A > ou 
< http://untreaty.un.org/ilc/documentation/english/a_cn4_88.pdf >, 
acesso em 27 ago. 2014. Diz o comentário: 
“Comentário – O texto anteriormente aprovado pela Comissão dizia o que 
se segue: [...]. Este texto correspondia em substância ao artigo 6, parágrafo 
(c), da Carta do Tribunal Militar Internacional em Nuremberg. Era, 
contudo, mais amplo em escopo do que dito parágrafo em dois aspectos: 
proibia também atos desumanos cometidos por motivos culturais e, 
ademais, caracterizava como crimes sob o Direito Internacional não apenas 
atos desumanos cometidos em conexão com crimes contra a paz ou 
crimes de guerra, conforme definidos naquela Carta, mas também tais atos 
cometidos em conexão com todas as outras infrações definidas no artigo 2 
do anteprojeto de Código. 
A Comissão decidiu alargar o escopo do parágrafo de forma a tornar a 
punição dos atos enumerados no parágrafo independente de eles serem ou 
não cometidos em conexão com outras infrações definidas no anteprojeto 
de Código. Por outro lado, a fim de não caracterizar qualquer ato 
desumano cometido por um indivíduo privado como crime internacional, 
achou-se necessário dispor que tal ato constitui crime internacional apenas 
se cometido pelo indivíduo privado por instigação ou com a tolerância das 
70
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
(1968),65 a imprescritibilidade estende-se aos “crimes contra a hu-manidade, 
cometidos em tempo de guerra ou em tempo de paz e 
definidos como tais no Estatuto do Tribunal Militar Internacional 
de Nuremberg de 8 de agosto de 1945 e confirmados pelas Reso-luções 
no 3 e 95 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 13 de 
fevereiro de 1946 e 11 de dezembro de 1946”. Nota-se, sobretudo 
autoridades de um Estado.” 
No original: “Comment – The text previously adopted by the Commission 
read as follows: [...]. This text corresponded in substance to article 6, 
paragraph (c), of the Charter of the International Military Tribunal at 
Nürnberg. It was, however, wider in scope than the said paragraph in two 
respects: it prohibited also inhuman acts committed on cultural grounds 
and, furthermore, it characterized as crimes under international law not 
only inhuman acts committed in connexion with crimes against peace or 
war crimes, as defined in that Charter, but also such acts committed in 
connexion with all other offences defined in article 2 of the draft Code. 
The Commission decided to enlarge the scope of the paragraph so as to 
make the punishment of the acts enumerated in the paragraph 
independent of whether or not they are committed in connexion with 
other offences defined in the draft Code. On the other hand, in order not 
to characterize any inhuman act committed by a private individual as an 
international crime, it was found necessary to provide that such an act 
constitutes an international crime only if committed by the private 
individual at the instigation or with the toleration of the authorities of a 
State.” 
58 Disponível em < http://bit.ly/un000B > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/21/ares21.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. O artigo 3 da Resolução condena, como crime contra a 
humanidade, a política colonial do governo português, a qual “viola os 
direitos econômicos e políticos da população indígena por meio do 
assentamento de imigrantes estrangeiros nos territórios e da exportação de 
trabalhadores africanos para a África do Sul”. 
59 Disponível em < http://bit.ly/un000B > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/21/ares21.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. O artigo 1 da resolução condena a política de apartheid 
praticada pelo governo da África do Sul como crime contra a humanidade. 
60 Disponível em < http://bit.ly/un000D > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/22/ares22.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. A resolução “reconhece ser necessário e oportuno afirmar no 
direito internacional, por meio de uma convenção, o princípio segundo o 
71
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
a partir dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional da 
ONU da década de 1950 e das resoluções de sua Assembleia Geral 
em meados dos anos 1960, crescente tendência de dispensar o ele-mento 
contextual “guerra” na definição dos crimes contra a hu-manidade. 
qual não há prescrição penal para crimes de guerra e crimes contra a 
humanidade” e recomenda que “nenhuma legislação ou outra medida seja 
tomada que possa ser prejudicial aos objetivos e propósitos de uma 
convenção sobre a inaplicabilidade de limitações legais a [persecução de] 
crimes de guerra e crimes contra a humanidade, na pendência da 
aprovação de uma convenção [sobre o assunto] pela Assembleia Geral”. 
61 Disponível em < http://bit.ly/un000G > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/24/ares24.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. A resolução convoca todos os Estados da comunidade 
internacional a adotar as medidas necessárias à completa investigação de 
crimes de guerra e crimes contra a humanidade, conforme definidos no 
art. I da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e 
dos Crimes contra a Humanidade, bem como à identificação, prisão, 
extradição e punição de todos os criminosos de guerra e pessoas culpadas 
por crimes contra a humanidade que ainda não tenham sido processadas 
ou punidas. 
62 Disponível em < http://bit.ly/un000J > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/25/ares25.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. A resolução lamenta que numerosas decisões aprovadas pelas 
Nações Unidas sobre a questão da punição de criminosos de guerra e de 
pessoas que cometeram crimes contra a humanidade ainda não estavam 
sendo totalmente cumpridas pelos Estados e expressa profunda 
preocupação com o fato de que, nas condições atuais, como resultado de 
guerras de agressão e políticas e práticas de racismo, apartheid, 
colonialismo e outras ideologias e práticas similares, crimes de guerra e 
crimes contra a humanidade estavam sendo cometidos em várias partes do 
mundo. A resolução também convoca os Estados que ainda não tenham 
aderido à Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e 
dos Crimes contra a Humanidade a observar estritamente as provisões da 
Resolução 2583 da Assembleia Geral da ONU. 
63 Disponível em < http://bit.ly/un000L > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/26/ares26.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. A resolução reproduz os termos da Resolução 2712. 
64ONU. Princípios de Cooperação Internacional na Identificação, Prisão, 
72
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Especificamente o uso da expressão “desaparecimento for-çado 
de pessoas” difundiu-se no plano internacional a partir de 
milhares de casos de sequestro, homicídio e ocultação de cadáver 
de militantes políticos contrários a regimes ditatoriais instalados na 
América Latina. 
Um dos primeiros registros internacionais desse nomen juris 
está na Resolução 33/173, da Assembleia Geral das Nações Unidas 
(de 20 de dezembro de 1978), sobre perssoas desaparecidas.66 A re-solução, 
editada um ano antes da lei brasileira de anistia, convoca 
os Estados a: a) dedicar recursos apropriados à busca de pessoas de-saparecidas 
e à investigação rápida e imparcial dos fatos; b) assegu-rar 
que agentes policiais e de segurança e suas organizações sejam 
Extradição e Punição de Pessoas Culpadas por Crimes de Guerra e 
Crimes Contra a Humanidade. Aprovados pela Resolução 3074 da 
Assembleia Geral em 3 de dezembro de 1973. Estabelece o Princípio 1: 
“Crimes de guerra e crimes contra a humanidade, onde quer que sejam 
cometidos, devem estar sujeitos a investigação, e as pessoas contra as quais 
haja prova de que tenham cometido tais crimes devem estar sujeitas a 
localização, prisão, julgamento e, se julgadas culpadas, a punição.” No 
original: “War crimes and crimes against humanity, wherever they are 
committed, shall be subject to investigation and the persons against whom 
there is evidence that they have committed such crimes shall be subject to 
tracing, arrest, trial and, if found guilty, to punishment.” Disponível em 
< http://bit.ly/un000M > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/28/ares28.htm >, acesso em 27 
ago. 2014. 
65 Aprovada pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução 2391 
(XXIII), de 26 de novembro de 1968. Entrou em vigor no direito 
internacional em 11 de novembro de 1970. Disponível em 
< http://bit.ly/CLWCrimes > ou 
< http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/warcrimes.pdf >, 
acesso em 27 ago. 2014. 
66 Disponível em < http://bit.ly/UNRes33-173 > ou 
< http://www.un.org/documents/ga/res/33/ares33r173.pdf >, acesso em 
27 ago. 2014. 
73
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
passíveis de total responsabilização (fully accountable) pelos atos rea-lizados 
no exercício de suas funções e especialmente por abusos 
que possam ter causado o desaparecimento forçado de pessoas e 
outras violações a direitos humanos; c) assegurar que os direitos 
humanos de todas as pessoas, inclusive aquelas submetidas a qual-quer 
forma de detenção ou aprisionamento, sejam totalmente res-peitados. 
É desnecessário dizer que, à parte iniciativas isoladas do pró-prio 
Ministério Público Federal na região de Marabá (PA) e mal-grado 
as recomendações internacionais dirigidas ao Estado 
brasileiro desde meados da década de 1970, nenhuma investigação 
efetiva a respeito dos desaparecimentos forçados cometidos du-rante 
o regime de exceção fora feita até a sentença da Corte IDH 
no caso GOMES LUND (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. Isso 
não significa, obviamente, que as condutas antijurídicas cometidas 
por agentes estatais durante o regime militar sejam indiferentes 
para o Direito Penal Internacional. Sem dúvida não o são, como se 
depreende dos documentos oficiais acima referidos. 
No panorama do sistema interamericano de proteção a direi-tos 
humanos, a Corte IDH, desde o precedente VELÁSQUEZ 
RODRÍGUEZ VS. HONDURAS, de 1989,67 vem repetidamente afir-mando 
a incompatibilidade entre as garantias previstas na Conven-ção 
Americana sobre Direitos Humanos e as regras de direito 
interno que excluem a punibilidade dos desaparecimentos força-dos: 
67 Vide referências na nota 44. 
74
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
150. O fenômeno dos desaparecimentos constitui uma 
forma complexa de violação dos direitos humanos que deve 
ser compreendida e encarada de maneira integral. 
153. Embora não exista nenhum texto convencional em vi-gor, 
aplicável aos Estados Partes da Convenção, que empre-gue 
essa qualificação, a doutrina e a prática internacionais 
qualificaram muitas vezes os desaparecimentos como um de-lito 
contra a humanidade (Anuario Interamericano de Derechos 
Humanos, 1985, pp. 369, 687 y 1103). A Assembleia da OEA 
afirmou que “é uma afronta à consciência do Hemisfério e 
constitui um crime de lesa-humanidade” (AG/RES.666, su-pra). 
68 
Igual entendimento pode ser encontrado nos seguintes julga-dos 
da Corte IDH: BLAKE VS. GUATEMALA;69 BARRIOS ALTOS VS. 
PERU;70 BAMACA VELÁSQUEZ VS. GUATEMALA;71 TRUJILLO OROZA VS. 
BOLÍVIA;72 IRMÃS SERRANO CRUZ VS. EL SALVADOR;73 MASSACRE DE 
68 VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ VS. HONDURAS. Fondo. Sentencia de 29 de julio de 
1988, p. 31-32. Vide referências na nota 44. No original: 
“150. El fenómeno de las desapariciones constituye una forma compleja 
de violación de los derechos humanos que debe ser comprendida y 
encarada de una manera integral. [...] 
153. Si bien no existe ningún texto convencional en vigencia, aplicable a 
los Estados Partes en la Convención, que emplee esta calificación, la 
doctrina y la práctica internacionales han calificado muchas veces las 
desapariciones como un delito contra la humanidad (Anuario 
Interamericano de Derechos Humanos, 1985, pp. 369, 687 y 1103). La 
Asamblea de la OEA ha afirmado que ‘es una afrenta a la conciencia del 
Hemisferio y constituye un crimen de lesa humanidad’ (AG/RES.666, 
supra).” 
69 BLAKE VS. GUATEMALA. Exceções Preliminares. Sentença de 2 de julho de 
1996. Série C No 27. 
70 BARRIOS ALTOS VS. PERU. Reparações e Custas. Sentença de 30 de novembro 
de 2001. Série C No 109. 
71 BÁMACA VELÁSQUEZ VS. GUATEMALA. Reparações e Custas. Sentença de 22 de 
fevereiro de 2002. Série C No 91. 
72 TRUJILLO OROZA VERSUS BOLÍVIA. Reparações e Custas. Sentença de 27 de 
fevereiro de 2002. Série C No 92. 
73 IRMÃS SERRANO CRUZ VERSUS EL SALVADOR. Exceções Preliminares. Sentença 
de 23 de novembro de 2004. Série C No 118. 
75
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
MAPIRIPÁN VS. COLÔMBIA;74 GOIBIRÚ VS. PARAGUAI;75 LA CANTUTA VS. 
PERU;76 RADILLA PACHECO VS. MÉXICO77 e IBSEN CÁRDENAS E IBSEN 
PEÑA VS. BOLÍVIA.78 
Em 24 de novembro de 2010, a Corte IDH finalmente deli-berou 
sobre caso envolvendo 62 dissidentes políticos brasileiros 
desaparecidos entre 1973 e 1974 no sul do Pará, no chamado epi-sódio 
da “Guerrilha do Araguaia”. A sentença do caso GOMES 
LUND VS. BRASIL79 é cristalina quanto ao dever cogente do Estado 
brasileiro de promover investigação e responsabilização criminal 
dos autores desses desaparecimentos. Tendo em vista a relevância 
desse decisum para este processo, reproduzem-se abaixo alguns tre-chos: 
137. Desde sua primeira sentença, esta Corte destacou a im-portância 
do dever estatal de investigar e punir as violações 
de direitos humanos. A obrigação de investigar e, se for o 
caso, julgar e punir, adquire particular importância ante a 
gravidade dos crimes cometidos e a natureza dos direitos 
ofendidos, especialmente em vista de que a proibição do de-saparecimento 
forçado de pessoas e o correspondente dever 
de investigar e punir aos responsáveis há muito alcançaram o 
caráter de jus cogens. 
[...] 
74 CASO DO MASSACRE DE MAPIRIPÁN VERSUS COLÔMBIA. Mérito, Reparações e 
Custas. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C No 134. 
75 CASO GOIBURÚ Y OTROS VS. PARAGUAY. Fondo, Reparaciones y Costas. 
Sentencia de 22 de septiembre de 2006. Serie C, No 153. 
76 LA CANTUTA VERSUS PERU. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29 de 
novembro de 2006. Série C No 162 . 
77RADILLA PACHECO VS. MÉXICO. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e 
Custas. Sentença de 23 de novembro de 2009. Série C No 209. 
78 IBSEN CÁRDENAS E IBSEN PEÑA VS. BOLÍVIA. Mérito, Reparações e Custas. 
Sentença de 1o de setembro de 2010. Série C No 217. 
79 GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) VS. BRASIL, citado. 
76
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
140. Além disso, a obrigação, conforme o Direito Internaci-onal, 
de processar e, caso se determine sua responsabilidade 
penal, punir os autores de violações de direitos humanos, de-corre 
da obrigação de garantia, consagrada no artigo 1.1 da 
Convenção Americana. [...]. 
141. A obrigação de investigar e, se for o caso, punir as graves 
violações de direitos humanos foi afirmada por todos os ór-gãos 
dos sistemas internacionais de proteção de direitos hu-manos. 
[...] 
147. As anistias ou figuras análogas foram um dos obstáculos 
alegados por alguns Estados para investigar e, quando fosse o 
caso, punir os responsáveis por violações graves aos direitos 
humanos. Este Tribunal, a Comissão Interamericana de Di-reitos 
Humanos, os órgãos das Nações Unidas e outros orga-nismos 
universais e regionais de proteção dos direitos 
humanos pronunciaram-se sobre a incompatibilidade das leis 
de anistia, relativas a graves violações de direitos humanos 
com o Direito Internacional e as obrigações internacionais 
dos Estados. 
[...] 
163. Do mesmo modo, diversos Estados membros da Orga-nização 
dos Estados Americanos, por meio de seus mais altos 
tribunais de justiça, incorporaram os parâmetros menciona-dos, 
observando de boa-fé suas obrigações internacionais. A 
Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina resolveu, no 
Caso Simón, declarar sem efeitos as leis de anistia que cons-tituíam 
neste país um obstáculo normativo para a investiga-ção, 
julgamento e eventual condenação de fatos que 
implicavam violações dos direitos humanos [...] 
164. No Chile, a Corte Suprema de Justiça concluiu que as 
anistias a respeito de desaparecimentos forçados, abrangeriam 
somente um determinado tempo e não todo o lapso de du-ração 
do desaparecimento forçado ou seus efeitos [...]. 
165. Recentemente, a mesma Corte Suprema de Justiça do 
Chile, no caso LECAROS CARRASCO, anulou a sentença absolu-tória 
anterior e invalidou a aplicação da anistia chilena pre-vista 
no Decreto-Lei No. 2.191, de 1978, por meio de uma 
sentença de substituição, nos seguintes termos: “[O] delito de 
sequestro […] tem o caráter de crime contra a humanidade 
77
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
e, consequentemente, não procede invocar a anistia como 
causa extintiva da responsabilidade penal. 
166. Por outro lado, o Tribunal Constitucional do Peru, no 
Caso de SANTIAGO MARTÍN RIVAS, ao resolver um recurso ex-traordinário 
e um recurso de agravo constitucional, precisou 
o alcance das obrigações do Estado nesta matéria: [O] Tribu-nal 
Constitucional considera que a obrigação do Estado de 
investigar os fatos e sancionar os responsáveis pela violação 
dos direitos humanos declarados na Sentença da Corte Inte-ramericana 
de Direitos Humanos não somente compreende 
a nulidade daqueles processos a que houvessem sido aplica-das 
as leis de anistia [...], após ter-se declarado que essas leis 
não têm efeitos jurídicos, mas também toda prática destinada 
a impedir a investigação e punição pela violação dos direitos 
à vida e à integridade pessoal. [...] 
167. No mesmo sentido, pronunciou-se recentemente a Su-prema 
Corte de Justiça do Uruguai, a respeito da Lei de Ca-ducidade 
da Pretensão Punitiva do Estado nesse país (…). 
168. Finalmente, a Corte Constitucional da Colômbia, em 
diversos casos, levou em conta as obrigações internacionais 
em casos de graves violações de direitos humanos e o dever 
de evitar a aplicação de disposições internas de anistia (…). 
169. Igualmente, a Corte Suprema de Justiça da Colômbia 
salientou que “as normas relativas aos [d]ireitos [h]umanos 
fazem parte do grande grupo de disposições de Direito In-ternacional 
Geral, reconhecidas como normas de [j]us co-gens, 
razão pela qual aquelas são inderrogáveis, imperativas 
[...] e indisponíveis”. A Corte Suprema da Colômbia lem-brou 
que a jurisprudência e as recomendações dos organis-mos 
internacionais sobre direitos humanos devem servir de 
critério preferencial de interpretação, tanto na justiça consti-tucional 
como na ordinária e citou a jurisprudência deste 
Tribunal a respeito da não aceitabilidade das disposições de 
anistia para casos de violações graves de direitos humanos. 
170. Como se depreende do conteúdo dos parágrafos prece-dentes, 
todos os órgãos internacionais de proteção de direi-tos 
humanos, e diversas altas cortes nacionais da região, que 
tiveram a oportunidade de pronunciar-se a respeito do al-cance 
das leis de anistia sobre graves violações de direitos 
humanos e sua incompatibilidade com as obrigações inter-nacionais 
dos Estados que as emitem, concluíram que essas 
78
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
leis violam o dever internacional do Estado de investigar e 
sancionar tais violações. 
171. Este Tribunal já se pronunciou anteriormente sobre o 
tema e não encontra fundamentos jurídicos para afastar-se 
de sua jurisprudência constante, a qual, ademais, concorda 
com o estabelecido unanimemente pelo Direito Internacio-nal 
e pelos precedentes dos órgãos dos sistemas universais e 
regionais de proteção dos direitos humanos. De tal maneira, 
para efeitos do presente caso, o Tribunal reitera que “são 
inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de pres-crição 
e o estabelecimento de excludentes de responsabili-dade, 
que pretendam impedir a investigação e punição dos 
responsáveis por graves violações dos direitos humanos, 
como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbi-trárias, 
e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, 
por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito 
Internacional dos Direitos Humanos”. 
No direito comparado, além dos precedentes referidos na 
sentença do caso GOMES LUND, as cortes constitucionais da Argen- 
79
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
tina (casos ARANCIBIA CLAVEL80 e VIDELA81), do Chile82 e do Peru83 
(caso GABRIEL ORLANDO VERA NAVARRETE, também de 200484) re-conhecem 
o caráter de lesa-humanidade do desaparecimento for-çado 
de pessoas e extraem dessa conclusão os efeitos 
jurídico-penais dela decorrentes, notadamente a vedação à anistia 
e à prescrição. 
80 Decisão da Corte Suprema da Nação Argentina em “ARANCIBIA CLAVEL, 
ENRIQUE LAUTARO s/ homicidio calificado y asociación ilícita y outros. Vide 
referência completa na nota 39, p. 158. Diz o acórdão: “[...] a ratificação 
em anos recentes da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento 
Forçado de Pessoas por parte de nosso país somente significou a 
reafirmação por via convencional do caráter de lesa-humanidade postulado 
desde antes para essa prática estatal, visto que a evolução do Direito 
Internacional a partir da Segunda Guerra Mundial permite afirmar que 
para a época dos fatos imputados o Direito Internacional dos direitos 
humanos já condenava o desapaecimento forçado de pessoas como crime 
de lesa-humanidade. [...]”. 
No original: “[...] la ratificación en años recientes de la Convención 
Interamericana sobre Desaparición Forzada de Personas por parte de 
nuestro país sólo ha significado la reafirmación por vía convencional del 
carácter de lesa humanidad postulado desde antes para esa práctica estatal, 
puesto que la evolución del derecho internacional a partir de la segunda 
guerra mundial permite afirmar que para la época de los hechos 
imputados el derecho internacional de los derechos humanos condenaba 
ya la desaparición forzada de personas como crimen de lesa humanidad. 
[...]”. 
81No julgamento do recurso do ex-Presidente JORGE RAFAEL VIDELA, afirmou 
a Corte Suprema de Justiça da Nação argentina: “[...] é necessário enfatizar 
e reiterar neste acórdão que é já doutrina pacífica desta Câmara a 
afirmação de que os crimes contra a humanidade não estão sujeitos a 
prazo algum de prescrição, conforme a direta vigência em nosso sistema 
jurídico das normas que o direito das gentes elaborou em torno desses 
crimes, que nosso sistema jurídico recepciona diretamente, por meio do 
art. 118 da Constituição Nacional [...]”. 
No original: “[...] es necesario recalcar y reiterar en esta resolución, que es 
ya doctrina pacífica de esta Cámara la afirmación de que los crímenes 
contra la humanidad no están sujetos a plazo alguno de prescripción 
conforme la directa vigencia en nuestro sistema jurídico de las normas que 
el derecho de gentes ha elaborado en torno a dichos crímenes que nuestro 
sistema jurídico recepta directamente a través del art. 118 Constitución 
80
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Em síntese, os crimes cometidos por agentes da ditadura mili-tar 
brasileira no contexto de ataque sistemático ou generalizado à 
população civil são imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, seja 
por força da qualificação das condutas como crimes contra a hu-manidade, 
seja em razão do caráter vinculante da sentença do caso 
GOMES LUND VS. BRASIL. 
Nacional [...]”. Corte Suprema de Justiça da Nação. Causa 33714 “VIDELA, 
JORGE R. s/procesamiento”. Juzgado 7, Secretaría 14, Sala I, Reg. 489. 
23/5/2002. 
82No Chile, no caso VILA GRIMALDI/OCHO DE VALPARAÍSO, a Corte de 
Apelações de Santiago igualmente afastou a ocorrência da prescrição: “[...] 
cabe acrescentar que a prescrição, como se disse, foi estabelecida, mais do 
que por motivos dogmáticos, por motivos políticos, como uma forma de 
alcançar a paz social e a segurança jurídica. Porém, no Direito 
Internacional Penal, considerou-se que essa paz social e essa segurança 
jurídica são mais facilmente alcançáveis se se prescinde da prescrição, 
quando menos a respeito dos crimes de guerra e dos crimes contra a 
humanidade. [...]” 
No original: “[...] procede agregar que la prescripción, como se ha dicho, 
ha sido establecida más que por razones dogmáticas por criterios políticos, 
como una forma de alcanzar la paz social y la seguridad jurídica. Pero, en 
el Derecho Internacional Penal, se ha estimado que esta paz social y esta 
seguridad jurídica son más fácilmente alcanzables si se prescinde de la 
prescripción, cuando menos respecto de los crímenes de guerra y los 
crímenes contra la humanidad. [...]” Processo 2.182-98, “VILLA GRIMALDI” 
(“MARCELO SALINAS EYTEL”). Ministro ALEJANDRO SOLÍS MUÑOZ, 17/4/2008. 
83No Peru, no julgamento do caso MONTOYA, o Tribunal Constitucional 
alinhou-se com o conceito de “graves violações a direitos humanos” e 
estendeu sobre elas o manto da imprescritibilidade: “36. É assim que, com 
razão justificada e suficiente, ante os crimes de lesa-humanidade 
configurou-se um Direito Penal além do tempo e do espaço. Com efeito, 
trata-se de crimes que se devem encontrar submetidos a uma estrutura 
persecutória e condenatória que guarde linha de proporcionalidade com a 
gravidade do dano gerado a uma soma de bens jurídicos de singular 
importância para a humanidade in toto. E por isso se trata de crimes 
imprescritíveis e submetidos ao princípio de jurisdição universal. [...] 41. [...] 
Embora seja certo que os crimes de lesa-humanidade sejam imprescritíveis, 
isso não significa que apenas essa classe de grave violação dos direitos 
humanos o seja, pois, bem entendidas as coisas, toda grave violação dos direitos 
humanos resulta imprescritível. Esta é uma interpretação que deriva, 
81
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Valem referência, ainda, os motivos apresentados no parecer 
da Procuradoria-Geral da República no pedido de prisão preven-tiva 
para fins de extradição 696, no que se refere à imprescritibili-dade 
dos crimes contra a humanidade: 
A pretensão punitiva não está prescrita nem Argentina nem 
no Brasil. Na Argentina, a imprescritibilidade dos crimes 
contra a humanidade praticados sob o regime autoritário foi 
fundamentalmente, da força vinculante da Convenção Americana de 
Direitos Humanos e da interpretação que dela realiza a Corte IDH, as 
quais são obrigatórias para todo o poder público, em conformidade com a 
Quarta Disposição Final e Transitória da Constituição e o artigo V do TP 
do CPConst.” 
No original: “36. Es así que, con razón justificada y suficiente, ante los 
crímenes de lesa humanidad se ha configurado un Derecho Penal más allá 
del tiempo y del espacio. En efecto, se trata de crímenes que deben 
encontrarse sometidos a una estructura persecutoria y condenatoria que 
guarde una línea de proporcionalidad con la gravedad del daño generado a 
una suma de bienes jurídicos de singular importancia para la humanidad in 
toto. Y por ello se trata de crímenes imprescriptibles y sometidos al 
principio de jurisdicción universal. [...] 41. [...] Si bien es cierto que los 
crímenes de lesa humanidad son imprescriptibles, ello no significa que sólo 
esta clase de grave violación de los derechos humanos lo sea, pues, bien 
entendidas las cosas, toda grave violación de los derechos humanos resulta 
imprescriptible. Esta es una interpretación que deriva, fundamentalmente, de 
la fuerza vinculante de la Convención Americana de Derechos Humanos, 
y de la interpretación que de ella realiza la Corte IDH, las cuales son 
obligatorias para todo poder público, de conformidad con la Cuarta 
Disposición Final y Transitoria de la Constitución y el artículo V del TP 
del CPConst.” Tribunal Constitucional del Perú. Caso Teodorico Bernabé 
Montoya. Expediente 03173-2008-PHC/TC, 11 de diciembre de 2008. 
Resolución del Tribunal, voto singular de los Magistrados Beaumont 
Callirgos y Eto Cruz. Disponível em < http://bit.ly/TCP031732008 > ou 
< http://www.tc.gob.pe/jurisprudencia/2008/03173-2008-HC 
%20Resolucion.html >, acesso em 28 ago. 2014, destaque no original. 
84 Tribunal Constitucional. Sentencia – Exp. 2798-04-HC/TC - GABRIEL 
ORLANDO VERA NAVARRETE. “26. O delito de desaparecimento forçado foi 
desde sempre considerado como um delito de lesa-humanidade, situação 
que veio a ser corroborada pelo artigo 7o do Estatuto da Corte Penal 
Internacional, que o define como ‘a apreensão, a detenção ou o sequestro 
de pessoas por um Estado ou uma organização política, ou com sua 
autorização, apoio ou aquiescência, seguido da negativa a informar sobre a 
82
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
afirmada pela Corte Suprema no caso ENRIQUE LAUTARO 
ARANCIBIA CLAVEL, julgado em 24.08.2004. O tribunal argen-tino 
entendeu que a Convenção sobre a Imprescritibilidade 
dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, 
de que a Argentina é parte, não institui, prospectivamente, a 
imprescritibilidade da pretensão punitiva relativa a esses cri-mes, 
mas se limita a afirmar sua existência anterior pelo re-conhecimento 
de norma imperativa de direito internacional 
(jus cogens), de caráter consuetudinário [...]. 
O quadro não é diferente no Brasil, por fundamentos muito 
semelhantes. Como fica claro na fundamentação do julgado, 
a condição da República Argentina de parte da Convenção 
sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Cri-mes 
Contra a Humanidade não foi elemento determinante 
do entendimento da Corte Suprema de Justiça daquele país. 
O elemento determinante foi a compreensão de que a im-prescritibilidade 
em questão constitui norma imperativa de 
direito internacional, tanto de natureza principiológica 
quanto consuetudinária. Em sendo assim, ela também se 
aplica ao Brasil. 
[...] A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade 
constitui norma jurídica imperativa, tanto de caráter consue-tudinário 
quanto de caráter principiológico, do direito inter-nacional 
dos direitos humanos. O fundamento jusfilosófico 
da imprescritibilidade desses crimes foi examinado de perto 
por M. CHERIF BASSIOUNI, possivelmente a maior referência 
doutrinária contemporânea em Direito Penal Internacional: 
“Mas ‘crimes contra a humanidade’ não são apenas 
aqueles contra uma dada vítima em um contexto sin-privação 
de liberdade ou dar informação sobre a sorte ou o paradeiro 
dessas pessoas, com a intenção de deixá-las fora do amparo da lei por um 
período prolongado.” 
No original: “26. El delito de desaparición forzada ha sido desde siempre 
considerado como un delito de lesa humanidad, situación que ha venido a 
ser corroborada por el artículo 7o del Estatuto de la Corte Penal 
Internacional, que la define como ‘la aprehensión, la detención o el 
secuestro de personas por un Estado o una organización política, o con su 
autorización, apoyo o aquiescencia, seguido de la negativa a informar sobre 
la privación de libertad o dar información sobre la suerte o el paradero de 
esas personas, con la intención de dejarlas fuera del amparo de la ley por 
un período prolongado.” 
83
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
gular ou isolado pelo qual o perdão possa ser prerroga-tiva 
da vítima. Nesses crimes, toda a humanidade é afe-tada 
pela vitimação de um dado grupo humano. 
A questão nesse tipo de crime não é o ódio, mas justiça 
retributiva e simbólica. A primeira está bem estabele-cida 
na doutrina do direito penal; a segunda pouco 
tem sido suscitada porque a maioria dos autores que li-dam 
com esse tipo de questão a aborda na perspectiva 
da vítima tradicional do crime praticado internamente: 
o indivíduo. Nenhum tratou daqueles crimes interna-cionais 
que chegam a ponto de vitimar um grande seg-mento 
de uma dada sociedade que é parte da 
comunidade mundial. A punibilidade do autor inde-pendentemente 
de tempo e lugar é um ingrediente 
necessário da responsabilidade penal internacional, es-pecialmente 
na medida em que não existe mecanismo 
repressivo supranacional capaz de aplicar consistente-mente 
o direito. 
A virtude de perdoar um indivíduo é uma ‘generosi-dade 
de julgamento’ que pode ser aplicada em casos 
individuais, mas não é virtude alguma perdoar uma ca-tegoria 
inteira de delinquentes que cometeram os pio-res 
crimes contra uma categoria inteira de vítimas. É, 
pois, correto ‘insistir [em] que há ocasiões em que não 
é moralmente apropriado [perdoar] – em especial 
quanto uma parte muito grande da pessoa está moral-mente 
morta.’ Estabelecer regras de prescrição é perdão 
por negativa de justiça, retribuição, prevenção geral fu-tura, 
mas também significa aceitar a potencialidade de 
questionamento futuro de estirpe moral. 
O perdão é um presente, uma concessão, que uma co-munidade 
lança sobre um malfeitor, mas apenas para 
sublinhar o valor moral da vítima ou porque encon-trou 
valor moral redentor no auto do crime. Ele não 
pode ser uma decisão abstrata aplicável a toda uma ca-tegoria 
de delinquentes em nome de uma categoria de 
vítimas. Denegar a concessão do perdão nesses casos 
não significa respaldar o ódio ou a vingança mas ex-pressar 
o senso mais básico de justiça e equidade. Insis-tir 
na persecução é, nesses casos, um dever moral, ético, 
jurídico e pragmático que nenhuma quantidade de 
84
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
tempo decorrido deve apagar.” [BASSIOUNI, M. 
CHERIF. Crimes Against Humanity in International Cri-minal 
Law. Second Edition. Haia: Kluwer Law Interna-tional, 
1999] 
[...] 
Em especial no contexto da passagem de um regime autori-tário 
para a democracia constitucional, carece de sentido in-vocar 
o fundamento jurídico geral da prescrição, traduzido 
no brocardo dormientibus non sucurrit jus e no postulado da 
preservação da segurança jurídica. Nos regimes autoritários, 
os que querem o socorro do direito contra os crimes prati-cados 
pelos agentes respectivos não deixam de obtê-lo por-que 
estão dormindo, e sim porque estão de olhos fechados, 
muitas vezes vendados; não deixam de obtê-lo porque estão 
em repouso, e sim porque estão paralisados, muitas vezes ma-nietados. 
Falar em sanção contra a inércia quando não é pos-sível 
sair dela constitui, no mínimo, grave contrassenso e, no 
limite, hipocrisia hermenêutica. Não há segurança jurídica a 
preservar quando a iniciativa se volta contra o que constituiu 
pilar de sustentação justamente de um dos aspectos autoritá-rios 
de regime que, para se instaurar, pôs por terra, antes de 
tudo, a mesma segurança jurídica. 
24. A concepção de que a imprescritibilidade dos cri-mes 
contra a humanidade integra, como costume e como 
princípio, o corpo das normas imperativas de direito inter-nacional 
geral não foi endossada apenas pela Corte Suprema 
de Justiça da Argentina ou pela Corte Interamericana de Di-reitos 
Humanos. Em acórdão de 20.12.1985 no rumoroso 
caso BARBIE, a Corte de Cassação da França cassou, precisa-mente 
por esse fundamento, julgado da Corte de Apelação 
de Lyon que declarara prescrita a pretensão punitiva em face 
de KLAUS BARBIE, chefe de serviço da Gestapo em Lyon, na 
França ocupada, por crimes que ele praticara mais de qua-renta 
anos antes, durante a Segunda Guerra Mundial. A 
corte superior francesa entendeu que os crimes contra a hu-manidade, 
diversamente dos crimes de guerra, são, por sua 
própria natureza e pela evolução contemporânea do Direito 
Internacional Público, imprescritíveis.” 
85
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Dessa maneira, à luz da Constituição do Brasil, da reiterada 
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da 
doutrina e da interpretação dada por diversas cortes constitucio-nais 
e organismos internacionais representativos, como a ONU, a 
atos semelhantes, e também por força dos compromissos internaci-onais 
do país e do ordenamento constitucional e infraconstitucio-nal, 
os crimes envolvendo grave violação a direitos humanos 
perpetrados à margem da lei, da ética e da humanidade por agen-tes 
públicos brasileiros durante o regime autoritário de 1964-1985 
devem ser objeto de adequada investigação e persecução criminal, 
sem que se lhe apliquem institutos como a anistia e a prescrição. 
III.5. EFICÁCIA TEMPORAL DA LEI DA ANISTIA. NÃO INCIDÊNCIA DA 
NORMA SOBRE CRIMES PERMANENTES AINDA NÃO EXAURIDOS 
Quando confrontada com os parâmetros instituídos pelos tra-tados 
de direitos humanos e pela jurisprudência do sistema intera-mericano, 
a legislação penal brasileira revela-se lacunosa no que se 
refere à tipificação de elementares e circunstâncias da conduta de-finida 
internacionalmente como “desaparecimento forçado de pes-soas”. 
Os projetos em andamento no Congresso Nacional ainda 
não foram definitivamente aprovados, e o Estado brasileiro ainda 
não concluiu o processo de ratificação das Convenções Internaci-onal 
e Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pes-soas. 
85 
85Quando confrontada com os parâmetros instituídos pelos tratados de 
direitos humanos e pela jurisprudência do sistema interamericano, a 
legislação penal brasileira revela-se lacunar no que se refere à tipificação de 
86
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
A Corte IDH, na sentença GOMES LUND, apontou a lacuna do 
direito interno e instou o Estado brasileiro a dar prosseguimento à 
tramitação legislativa e a adotar, “em prazo razoável, todas as medi-das 
necessárias para ratificar a Convenção Interamericana sobre o 
Desaparecimento Forçado de Pessoas.” Enquanto cumpre essa me-dida, 
acrescenta a sentença, “o Estado deverá adotar todas aquelas 
ações que garantam o efetivo julgamento e, se for o caso, punição 
dos fatos constitutivos do desaparecimento forçado, através dos 
mecanismos existentes no direito interno.”86 
Na avaliação dos casos investigados e denunciados, os procu-radores 
naturais, a Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria 
elementares e circunstâncias da conduta definida internacionalmente como 
“desaparecimento forçado de pessoas”. Os projetos em andamento no 
Congresso Nacional para tipificação do delito ainda não foram 
definitivamente aprovados. Ademais, o Estado brasileiro nem mesmo 
concluiu o processo de ratificação e promulgação das Convenções 
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas e 
Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento 
Forçado. Com efeito, a Convenção Interamericana foi aprovada em 9 de 
junho de 1994, em Belém (PA), e o Brasil subscreveu seu texto no dia 
seguinte. O Congresso Nacional levou sete anos para aprová-la, o que 
ocorreu com o Decreto Legislativo 127, de 8 de abril de 2011. Desde 
então, aguarda-se decreto presidencial para sua promulgação em âmbito 
interno. Da mesma forma, o Brasil não depositou perante a Organização 
dos Estados Americanos sua ratificação. No que diz respeito à Convenção 
Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento 
Forçado, firmada em Paris em 6 de fevereiro de 2007 e nessa mesma data 
assinada pelo Brasil, seu texto foi aprovado pelo Congresso Nacional 
mediante o Decreto Legislativo 661, de 1o de setembro de 2010. Porém, a 
exemplo do que ocorre com a Convenção Interamericana, a Presidência 
da República não emitiu decreto determinando sua incorporação ao 
direito interno (promulgação). Todavia, o Brasil – para fins externos – 
depositou ratificação perante as Nações Unidas em 29 de novembro de 
2010. 
86 CASO GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) VS. BRASIL, cit., par. 
192. 
87
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
Criminal do Ministério Público Federal e a própria Procurado-ria- 
Geral da República adotaram, como critério, o parâmetro fi-xado 
pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das 
Extradições 974, 1.150 e 1.278, todas requeridas pela Argentina. 
Na Extradição 974,87 o parecer do Procurador-Geral da República 
ANTONIO FERNANDO DE SOUZA sustenta que o pedido não poderia 
ser apreciado com base na Convenção Interamericana sobre o De-saparecimento 
de Pessoas, uma vez que o Estado brasileiro ainda 
não a ratificou. Ainda segundo essa manifestação, todavia, o requi-sito 
da dupla tipicidade, exigido pelo art. 77, inciso II, da Lei 
6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro),88 está ao 
menos parcialmente satisfeito no atinente a condutas que, no di-reito 
brasileiro, se amoldem ao tipo penal do sequestro – no caso 
específico, a detenção seguida do “desaparecimento” de dissidentes 
políticos no Estado argentino, nos anos 1970: 
De acordo com as informações prestadas pelo Estado reque-rente, 
o extraditando participou do sequestro de diversas 
pessoas, principalmente em 1976, as quais não foram liberta-das 
até os dias de hoje. A despeito do tempo decorrido, não 
se pode afirmar que estejam mortas porque seus corpos ja-mais 
foram encontrados de modo que ainda subsiste a ação 
perpetrada pelo extraditando.89 
87 STF. Plenário. Ext 974/Argentina. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. Redator 
para acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI. 6/8/2009, maioria. DJe 3 dez. 
2009. 
88 “Art. 77. Não se concederá a extradição quando: […] II – o fato que 
motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado 
requerente; [...]”. 
89 Trecho do parecer do PGR ANTONIO FERNANDO DE SOUZA citado no voto 
do Min. CEZAR PELUSO, p. 40 do acórdão. 
88
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
O argumento desenvolvido pela Procuradoria-Geral da Re-pública 
foi repetido pelo relator designado para o acórdão da Ext 
974, Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: “embora tenham passado 
mais de trinta e oito anos do fato imputado ao extraditando, as ví-timas 
até hoje não apareceram, nem tampouco os respectivos cor-pos, 
razão pela qual não se pode cogitar, por ora, de homicídio”. 
A impossibilidade de considerar, ao menos em juízo cogni-tivo 
não exauriente, a cessação da permanência do sequestro em 
consequência da morte presumida da vítima foi discutida de forma 
aprofundada pelo Ministro CEZAR PELUSO, para quem, em caso de 
desaparecimento de pessoas sequestradas por agentes estatais, so-mente 
sentença na qual esteja fixada a data provável do óbito é 
apta a fazer cessar a permanência do delito de sequestro, pois, sem 
ela, “o homicídio não passa de mera especulação, incapaz de de-sencadear 
a fluência do prazo prescricional”: 
Como, aliás, se vê e deflui nítido do teor literal do art. 7o do 
Código Civil em vigor, para que exsurja considerável pre-sunção 
legal de morte, não basta o mero juízo de extrema 
probabilidade da morte de quem estava em perigo de vida 
(inc. I), havendo mister a existência de sentença que, depois 
de esgotadas as buscas e averiguações, produzidas em proce-dimento 
de justificação judicial, fixe a data provável do fale-cimento 
(§ único). 
Ora, não há, ao propósito das hipotéticas mortes das vítimas 
dos seqüestros – que se não resumem às onze pessoas nomi-nadas 
no sumário do processo [...] e cuja média de idade, à 
época do desaparecimento, eram de pouco mais de vinte 
anos [...], o que afasta certa probabilidade de morte natu-ral 
–, nenhuma sentença, seja de declaração de ausência, seja 
de declaração de morte presumida, de modo que, ainda 
quando, ad argumentandum tantum, se pudera, em simples 
89
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
conjectura, cogitar de circunstâncias desconhecidas nestes 
autos, que, aliadas ao só decurso do tempo, induzissem al-guma 
probabilidade de falecimento, faltariam, para caracteri-zação 
de corpo de delito indireto, os requisitos exigidos pelo 
próprio art. 7o de nosso Código Civil. Noutras palavras, essa 
norma não incide na espécie, simplesmente porque se lhe 
não reuniram os elementos de seu suporte fático (fattispecie 
concreta), donde a idéia de homicídios não passar, ainda no 
plano jurídico, de mera especulação, incapaz de desencadear 
fluência do prazo prescricional. 
E incapaz de o desencadear ainda por outro motivo de não 
menor peso. É que, à falta de sentença que, como predica o 
art. 7o, § único, do Código Civil, deve fixar a data provável 
do falecimento, bem como na carência absoluta de qualquer 
outro dado ou prova a respeito, não se saberia quando entra-ram 
a correr os prazos de prescrição da pretensão punitiva 
de cada uma das mortes imaginadas ou de todas, que pode-riam 
dar-se, como sói acontecer, em datas diversas, salva ce-rebrina 
hipótese de execução coletiva! E, tirante o que nasce 
de fabulações, de modo algum se poderia sustentar, com ra-zoável 
pretensão de consistência, hajam falecido todas as pes-soas 
que, segundo a denúncia, teriam sido seqüestradas, e, 
muito menos, assentar-lhes as datas prováveis de cada óbito. 
Na Extradição 1.150,90 o Supremo Tribunal Federal, de ma-neira 
acertada, como de hábito, não apenas considerou o desapare-cimento 
forçado de militantes políticos argentinos como sequestro 
qualificado, mas igualmente afirmou que a natureza permanente e 
atual do delito afasta a regra de prescrição, nos termos do art. 111, 
inciso III, do Código Penal:91 
90 STF. Plenário. Ext 1.150/Argentina. Rel.: Min. CÁRMEN LÚCIA. 19/5/2011, 
maioria. DJe 116, 16 jun. 2011. 
91 “Termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a 
sentença final 
Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, 
começa a correr: [...] 
III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; [...]”. 
90
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELA 
JUSTIÇA ARGENTINA. TRATADO ESPECÍFICO. REQUISITOS ATENDIDOS. 
EXTRADITANDO INVESTIGADO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO 
QUALIFICADO PELA TRAIÇÃO (‘HOMICÍDIO AGRAVADO POR ALEIVOSIA 
E POR EL NUMERO DE PARTICIPES’) E SEQÜESTRO QUALIFICADO 
(‘DESAPARICIÓN FORZADA DE PERSONAS’). DUPLA TIPICIDADE 
ATENDIDA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO 
PELA PRESCRIÇÃO. PROCEDÊNCIA. CRIME PERMANENTE DE 
SEQÜESTRO QUALIFICADO. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 
ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. CRIME MILITAR OU 
POLÍTICO, TRIBUNAL DE EXCEÇÃO E EVENTUAL INDULTO: 
IMPROCEDÊNCIA. EXTRADIÇÃO PARCIALMENTE DEFERIDA. 
[...] 
4. Requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77, inc. II, 
da Lei n. 6.815/1980 satisfeito: fato delituoso imputado ao 
Extraditando correspondente, no Brasil, ao crime de seques-tro 
qualificado, previsto no art. 148, § 1o, inc. III, do CP. 
[...] 
6. Crime de seqüestro qualificado: de natureza permanente, 
prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da 
permanência e não da data do início do sequestro. Preceden-tes. 
7. Extraditando processado por fatos que não constituem 
crimes políticos e militares, mas comuns. 
[...] 
11. Extradição parcialmente deferida pelos crimes de “desa-parecimento 
forçado de pessoas”, considerada a dupla tipicidade 
do crime de “sequestro qualificado”, ressalvado que, na even-tual 
hipótese de condenação do Extraditando pelo desapare-cimento 
ou seqüestro de [...], não concorrerá para a pena o 
eventual fim ou motivo político dos crimes; devendo ser 
efetuada a detração do tempo de prisão, ao qual foi subme-tido 
no Brasil, em razão desse pedido, nem podendo lhe ser 
aplicada a pena de prisão perpétua. 
Por conseguinte, a natureza permanente e atual dos desapare-cimentos 
forçados promovidos por agentes do regime militar de 
1964-1985 afasta não apenas a prescrição penal, mas também a 
91
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
própria extinção da punibilidade concedida pela Lei da Anistia, 
pois esta limita seu alcance temporal aos crimes cometidos no “pe-ríodo 
compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto 
de 1979” (art. 1o). Uma vez que, segundo o entendimento explici-tado 
pelo Supremo Tribunal Federal, só é possível afirmar cessação 
da permanência do sequestro após localização do paradeiro da ví-tima, 
ou após sentença que “depois de esgotadas as buscas e averi-guações 
[...] fixe a data provável do falecimento”, a conduta dos 
agentes estatais responsáveis por privar ilegalmente os desapareci-dos 
políticos de liberdade, ocultando de todos (especialmente dos 
familiares das vítimas) seu paradeiro, caracteriza-se, em princípio, 
como crime de sequestro não exaurido. 
Em termos processuais penais, o critério utilizado por esse 
Tribunal no julgamento das três extradições é o de que a compro-vação 
de homicídio da vítima sequestrada dependeria, na forma do 
art. 158 do Código de Processo Penal,92 de exame necroscópico 
direto ou indireto, que identificasse, entre outros elementos, causa 
da morte e data provável desta. Ausente corpo de delito direto ou 
indireto do crime contra a vida, não seria possível afirmar progres-são 
criminosa de sequestro para homicídio. 
Em sendo condutas que se protraem no tempo e por estarem 
a consumar-se enquanto a vítima não seja encontrada e enquanto 
não se puder aquilatar data provável de óbito, relativamente aos 
92 “Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame 
de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do 
acusado.” 
92
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
crimes permanentes de sequestro (desaparecimento forçado de 
pessoas), merece ser julgada procedente a ADPF para afastar qual-quer 
interpretação que afirme estarem esses delitos atingidos pela 
Lei da Anistia e que em razão dela reconheça extinção de sua pu-nibilidade. 
IV. CONCLUSÃO 
Ante o exposto e em virtude do efeito vinculante da decisão 
da Corte Interamericana de Direitos Humanos proferida em face 
da República Federativa do Brasil no caso GOMES LUND, em 24 de 
novembro de 2010, o Procurador-Geral da República opina: 
a) pelo não conhecimento do pedido cumulativo genérico vei-culado 
na fl. 14 da petição inicial, consistente na determinação, 
pelo Supremo Tribunal Federal, de que “todos os órgãos do Estado 
brasileiro deem cumprimento integral” aos pontos decisórios da 
sentença do caso GOMES LUND; 
b) pelo conhecimento parcial e pela procedência parcial da ar-guição 
de descumprimento de preceito fundamental, para que o 
Supremo Tribunal Federal dê ao art. 1o da Lei 6.683/1979 (Lei da 
Anistia), interpretação conforme a Constituição (art. 10, caput e 
§ 3o, da Lei 9.882/1999), de maneira a excluir qualquer exegese 
que possa: 
b.1) ensejar extinção de punibilidade de crimes de lesa-humani-dade 
ou a eles conexos, cometidos por agentes públicos, civis ou 
militares, no exercício da função ou fora dela; e 
93
PGR Arguição de descumprimento de preceito fundamental 320/DF 
b.2) acarretar a extensão dos efeitos da lei a crimes permanentes 
não exauridos até 28 de agosto de 1979 ou a qualquer crime co-metido 
após essa data. 
c) pelo conhecimento e improcedência do pedido de interpre-tação 
conforme a Constituição no que se refere à incidência da 
Lei 6.368/1979 a crimes continuados. 
Nos termos do art. 10 da Lei 9.882/1999, manifesta-se pela 
comunicação a todos os poderes de que a persecução penal de 
graves violações a direitos humanos deve observar os pontos reso-lutivos 
3, 5, 9 e 15 da sentença da Corte Interamericana de Direi-tos 
Humanos em face do Brasil no caso GOMES LUND, em razão de 
seus efeitos vinculantes para todos os órgãos administrativos, legis-lativos 
e judiciais do Estado brasileiro. 
Brasília (DF), 28 de agosto de 2014. 
Rodrigo Janot Monteiro de Barros 
Procurador-Geral da República 
RJMB/SGS/APC/MAW/WS-Par. PGR/WS/1.841/2014 
94

Parecer pgr adpf anistia

  • 1.
    No 4.433/AsJConst/SAJ/PGR Arguiçãode descumprimento de preceito fundamental 320/DF Relator: Ministro Luiz Fux Requerente: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Interessados: Presidente da República Congresso Nacional ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. SENTENÇA DA CORTE INTERAME-RICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL. ADMISSIBILIDADE DA ADPF. LEI 6.683, DE 28 DE AGOSTO DE 1979 (LEI DA ANISTIA). AUSÊNCIA DE CONFLITO COM A ADPF 153/DF. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. CARÁTER VINCULANTE DAS DECISÕES DA CORTE IDH, POR FORÇA DA CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DI-REITOS HUMANOS, EM PLENO VIGOR NO PAÍS. CRI-MES PERMANENTES E OUTRAS GRAVES VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS PERPETRADAS NO PERÍ- ODO PÓS-1964. DEVER DO BRASIL DE PRO-MOVER- LHES A PERSECUÇÃO PENAL. É admissível arguição de descumprimento de preceito funda-mental contra interpretações judiciais que, contrariando o dis-posto na sentença do caso GOMES LUND E OUTROS VERSUS BRASIL, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, declarem extinta a punibilidade de agentes envolvidos em graves violações a di-reitos humanos, com fundamento na Lei da Anistia (Lei 6.683/1979), sob fundamento de prescrição da pretensão puni-tiva do Estado ou por não caracterizarem como crime perma-nente o desaparecimento forçado de pessoas, ante a tipificação de sequestro ou de ocultação de cadáver, e outros crimes graves perpetrados por agentes estatais no período pós-1964. Essas in-terpretações violentam preceitos fundamentais contidos pelo
  • 2.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF menos nos arts. 1o, III, 4o, I e II, e 5o, §§ 1o a 3o, da Constituição da República de 1988. Não deve ser conhecida a ADPF com a extensão almejada na petição inicial, para obrigar o Estado brasileiro, de forma gené-rica, ao cumprimento de todos os pontos resolutivos da sentença no caso GOMES LUND, por ausência de prova de inadimplemento do país em todos eles. Não procede a ADPF relativamente à persecução de crimes continuados, por inexistir prova de que o Brasil a tenha obstado indevidamente. A pretensão contida nesta arguição não conflita com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 153/DF nem caracte-riza superfetação (bis in idem). Ali se efetuou controle de consti-tucionalidade da Lei 6.683/1979. Aqui se pretende reconhecimento de validade e de efeito vinculante da decisão da Corte IDH no caso GOMES LUND, a qual agiu no exercício legí-timo do controle de convencionalidade. A República Federativa do Brasil, de maneira soberana e juridi-camente válida, submeteu-se à jurisdição da Corte Interameri-cana de Direitos Humanos (Corte IDH), mediante convergência dos Poderes Legislativo e Executivo. As decisões desta são vincu-lantes para todos os órgãos e poderes do país. O Brasil promul-gou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) por meio do Decreto 678/1992. Com o Decreto 4.463/2002, reconheceu de maneira expressa e irrestrita como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte IDH em todos os casos relativos à inter - pretação e aplicação da convenção. O artigo 68(1) da convenção estabelece que os Estados-partes se comprometem a cumprir a decisão da Corte em todo caso no qual forem partes. Dever idêntico resulta da própria Constituição brasileira, à luz do art. 7o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988. Para negar eficácia à Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos ou às decisões da Corte IDH, seria necessário declarar inconstitucionalidade do ato de incorporação desse instrumento ao Direito interno. Disso haveria de resultar denúncia integral da convenção, na forma de seu art. 75 e do art. 44(1) da Convenção de Viena sobre o Direitos dos Tratados (Decreto 7.030/2009). 2
  • 3.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF No que se refere à investigação e à persecução penal de graves violações a direitos humanos perpetradas por agentes públicos durante o regime autoritário de 1964-1985, iniciativas propostas pelo Ministério Público Federal têm sido rejeitadas por decisões judiciais que se baseiam em fundamentos de anistia, prescrição e coisa julgada e não reconhecem a natureza permanente dos cri-mes de desaparecimento forçado (equivalentes, no Direito in-terno, aos delitos de sequestro ou ocultação de cadáver, conforme o caso). A Corte IDH expressamente julgou o Brasil responsável por violação às garantias dos arts. 8(1) e 25(1) da Convenção Americana, pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por esses ilícitos. Decidiu igualmente que as disposições da Lei da Anistia que impedientes da investi-gação e sanção de graves violações de direitos humanos são in-compatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando obstáculo à perse-cução penal nem à identificação e punição dos responsáveis. Cabe ADPF para que o Supremo Tribunal Federal profira, com efeito vinculante (art. 10, caput e § 3o, da Lei 9.882/1999), deci-são que impeça se adotarem os fundamentos mencionados para obstar a persecução daqueles delitos, sem embargo da observân-cia das demais regras e princípios aplicáveis ao processo penal, tanto no plano constitucional quanto no infraconstitucional. Sequestros cujas vítimas não tenham sido localizadas, vivas ou não, consideram-se crimes de natureza permanente (precedentes do Supremo Tribunal Federal nas Extradições 974, 1.150 e 1.278). Essa condição afasta a incidência das regras penais de prescrição (Código Penal, art. 111, inciso III) e da Lei de Anistia, cujo âmbito temporal de validade compreendia apenas o perí-odo entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 (art. 1o). Instrumentos internacionais, a doutrina e a jurisprudência de tribunais de direitos humanos e cortes constitucionais de nume-rosos países reconhecem que delitos perpetrados por agentes es-tatais com grave violação a direitos fundamentais constituem crimes de lesa-humanidade, não sujeitos à extinção de punibili-dade por prescrição. Essas categorias jurídicas são plenamente compatíveis com o Direito nacional e devem permitir a perse-cução penal de crimes dessa natureza perpetrados no período do regime autoritário brasileiro pós-1964. 3
  • 4.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Parecer pelo conhecimento parcial da arguição e, nessa parte, pela procedência parcial do pedido. I. RELATÓRIO Trata-se de arguição de descumprimento de preceito funda-mental (ADPF) proposta pelo PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), com o escopo de obter tutela jurisdicional relativa a cer-tos efeitos da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como “Lei da Anistia”, particularmente em face do julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL.1 Requer ao Supremo Tribunal Federal “declarar que a Lei Fe-deral 6.683/79 não se aplica aos crimes de graves violações de di-reitos humanos cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos; e, de modo especial, que a Lei de Anistia não se aplica aos autores de crimes continuados ou permanentes, tendo em vista que os efeitos desse diploma legal expiraram em 15 de agosto de 1979” (folhas 1-2). O arguente postula que o tribunal “determine a todos os órgãos do Estado brasileiro que deem cumprimento in-tegral aos doze pontos decisórios constantes da conclusão da refe-rida sentença de 24 de novembro de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso GOMES LUND e ou-tros vs. Brasil”. 1 Vide referência à sentença na nota 7. 4
  • 5.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Afirma, preliminarmente, o cabimento da ação constitucional, ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solver de uma vez por todas a controvérsia a respeito da extensão dos efeitos da Lei 6.683/1979. Cita como precedente o julgamento da ADPF 33/PA e argumenta que o Supremo Tribunal poderá conhecer de arguição de descumprimento sempre que o princípio da segurança jurídica restar seriamente ameaçado, “especialmente em razão de conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional”. Seria o caso, segundo o requerente, da interpretação acerca da incidência de anistia sobre graves violações a direitos humanos cometidas du-rante o regime ditatorial instaurado em 1964. No mérito, insurge-se contra a aplicação da Lei 6.683/1979 a “autores de crimes continuados ou permanentes”, não exauridos após entrada em vigor da lei, e contra incidência da causa de ex-tinção da punibilidade nela prevista “aos crimes de graves viola-ções de direitos humanos, cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos”. Alega, especificamente, entre outros pontos, que: a) durante o regime de exceção vigente no país entre 1964 e 1981, foi aplicada política de terrorismo de Estado, responsável por cerca de 400 mortes e desaparecimentos e 50 mil prisões ilegais de opositores do regime; tal política voltou-se ao extermínio de toda a oposição, mediante prática generalizada de tortura, execuções su- 5
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF márias e desaparecimentos forçados, “visando a criar, entre os opo-nentes políticos, um ambiente de terror diante do Estado”; b) o Supremo Tribunal Federal não se teria manifestado, no julgamento da ADPF 153, a respeito do caráter permanente de al-guns dos crimes cometidos pelos agentes públicos, notadamente a ocultação de cadáver (Código Penal, art. 211);2 informa que, sobre a questão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil opôs embargos declaratórios na própria ADPF 153, ainda não jul-gados; c) passados três anos e meio da prolação da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso GOMES LUND versus Brasil, seu conteúdo ainda não foi cum-prido por nenhum dos Poderes, representando essa omissão clara violação da ordem constitucional; ressalta que o art. 68, caput, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), tratado internacional ratificado pelo Brasil,3 estipula que “os Estados-Par-tes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte [Interamericana de Direitos Humanos] em todo caso em que fo-rem partes” e que o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, igualmente ratificada pelo Brasil,4 estabelece que 2 “Destruição, subtração ou ocultação de cadáver Art. 211. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.” 3 A convenção foi promulgada no país pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992. O texto integral da convenção, em português, está disponível em < http://bit.ly/ConvAmDH > ou < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-678-6-novembro- 1992-449028-publicacaooriginal-1-pe.html >, acesso em 26 ago. 2014. 4 Promulgada no país pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009. 6
  • 7.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado”; d) desde o julgamento dos criminosos nazistas pelo Tribunal Internacional de Nuremberg, em 1945, “os atos de terrorismo de Estado são qualificados como crimes contra a humanidade”, cons-tituindo princípio de Direito Internacional que tais crimes são in-suscetíveis de anistia e prescrição; e) o Estado brasileiro não pode invocar sua soberania para descumprir sentença proferida por tribunal ao qual se vinculou nem os princípios de direitos humanos reconhecidos como nor-mas imperativas de Direito Internacional geral (jus cogens). Sustenta que esse quadro afronta os preceitos fundamentais dos artigos 1o, incisos I e II, 4o, inciso II, e 5o, § 2o, da Constituição da República, e do art. 7o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) de 1988.5 5 Constituição da República de 1988: “Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; […]. Art. 4o. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos direitos humanos; [...]. Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 2o. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. […] Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 7
  • 8.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Notificada a prestar informações (despacho na peça 17 do processo eletrônico), na forma do art. 6o da Lei 9.882, de 3 de de-zembro de 1999, a Presidência da República arguiu, preliminar-mente, não cabimento da ação, por impossibilidade de transmudar a ADPF em mero processo de execução de decisão de órgão su-pranacional, e também ante o caráter genérico e abstrato das pro-vidências requeridas, incompatíveis com a via eleita (peça 27 do processo eletrônico, p. 5-6 do arquivo eletrônico). No mérito, im-pugnou a alegação de omissão estatal no cumprimento da sen-tença da Corte IDH. Anexou, para tanto, manifestação do Estado brasileiro apresentada à Corte em maio de 2014, na qual informa as medidas que vêm sendo adotadas em relação aos doze pontos decisórios da sentença do caso GOMES LUND. Especificamente acerca dos pontos resolutivos 3 e 9,6 a Advocacia-Geral da União ressaltou que a Lei da Anistia não tem impedido a investigação cri-minal e a propositura de ações penais pelo Ministério Público Fe-deral. O Congresso Nacional, por seu turno, sustentou a validade da Lei da Anistia e acrescentou que essa Suprema Corte já se pro-nunciou a respeito da constitucionalidade da norma na ADPF 153. Alegou também que a Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos só foi incluída no ordenamento brasileiro em 1992 – após, portanto, a edição da Lei 6.683/1979 (peça 23). Art. 7o. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.” 6 Vide abaixo transcrição integral dos pontos resolutivos, ou seja, da parte dispositiva do acórdão no caso GOMES LUND. 8
  • 9.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF A Advocacia-Geral da União igualmente impugnou o cabi-mento de ADPF para veicular pleito genérico de execução de sen-tença emanada da Corte IDH. Argumentou que o provimento pretendido revela-se inútil, em razão da aplicabilidade e eficácia imediatas das sentenças da Corte IDH no ordenamento brasileiro. Afirma, ainda, pretender o arguente que o Supremo Tribunal Fe-deral atue como legislador positivo, ao conferir interpretação au-têntica à norma, em substituição ao Poder Legislativo, que apresentou dois projetos de lei voltados à revisão da Lei da Anistia. No mérito, reitera que o Estado vem cumprindo as obrigações impostas na sentença do caso GOMES LUND e que, nos termos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Regula-mento do tribunal, a supervisão das sentenças e demais decisões da Corte IDH são realizadas por seus próprios membros. Vieram, então, os autos para manifestação desta PGR. É o relatório. II. PRELIMINARES II.1. OBJETO DA ADPF Esta arguição de descumprimento de preceito fundamental possui dois fundamentos distintos, um relacionado à interpretação da Lei 6.683/1979, e outro de caráter genérico, ao alegado des-cumprimento de obrigações de fazer de natureza não penal cons-tantes dos pontos decisórios da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND VERSUS BRASIL, profe- 9
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF rida em 24 de novembro de 2010, indicados nas fls. 5-6 da petição inicial. Sustenta a ADPF que o Estado brasileiro descumpre a sen-tença no caso GOMES LUND e, desse modo, viola os preceitos fun-damentais contidos nos artigos 1o, incisos I e II, 4o, inciso II, 5o, § 2o, da Constituição da República, e no artigo 7o do Ato das Dis-posições Constitucionais Transitórias de 1988. Requer que, a partir desse reconhecimento, o Supremo Tribunal Federal: a) declare que a Lei 6.683/1979 não se aplica aos crimes de graves violações a direitos fundamentais, cometidos por agentes públicos, civis ou militares, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos; b) declare que essa mesma lei não se aplica aos autores de cri-mes continuados ou permanentes; c) determine a todos os órgãos do Estado brasileiro que deem cumprimento integral aos doze pontos decisórios (resolutivos, que equivalem ao dispositivo) da sentença da Corte Interamericana no caso GOMES LUND. A ação é parcialmente cabível. Inicialmente, deve destacar-se que a decisão da Corte Intera-mericana condenou o Estado brasileiro nos seguintes termos:7 7 A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na versão em português, está disponível em < http://bit.ly/sentglund > ou < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf >; acesso em 25 ago. 2014. A respeito de outras relevantes questões de Direito Penal relacionadas com essa decisão, conquanto não sejam objeto específico da discussão neste processo, veja-se cuidadosa análise em 10
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF XII PONTOS RESOLUTIVOS 325. Portanto, A CORTE DECIDE, por unanimidade: 1. Admitir parcialmente a exceção preliminar de falta de competência temporal interposta pelo Estado, em con-formidade com os parágrafos 15 a 19 da presente Sentença. 2. Rejeitar as demais exceções preliminares interpostas pelo Estado, nos termos dos parágrafos 26 a 31, 38 a 42 e 46 a 49 da presente Sentença. DECLARA, por unanimidade, que: 3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impe-dem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir represen-tando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil. 4. O Estado é responsável pelo desaparecimento for-çado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconheci-mento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em con-formidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma. SUIAMA, Sergio Gardenghi. Problemas criminais da sentença da Corte IDH no caso GOMES LUND: respostas do direito comparado. Custos Legis – Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Ano 2012. Disponível em < http://bit.ly/juri000m > ou < http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/2012_Penal_Processo_P enal_Suiama_Caso_Gomes_Lund.pdf >, acesso em 28 ago. 2014. Diversos trechos desta manifestação utilizaram essa análise. 11
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF 5. O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos, contidaem seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como consequência da in-terpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a res-peito de graves violações de direitos humanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Huma-nos, em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investigação dos fatos do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis, em preju-ízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa exe-cutada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente Sentença, nos termos dos parágrafos 137a 182 da mesma. 6. O Estado é responsável pela violação do direito à li-berdade de pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da presente Sen-tença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decisão. 7. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o ar-tigo 1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos familia-res indicados nos parágrafos 243 e 244 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 desta mesma decisão. E DISPÕE, por unanimidade, que: 8. Esta Sentença constitui per se uma forma de repara-ção. 12
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF 9. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a ju-risdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o es-tabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença. 10. O Estado deve realizar todos os esforços para deter-minar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente Sentença. 11. O Estado deve oferecer o tratamento médico e psi-cológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram e, se for o caso, pagar o montante estabelecido, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 267 a 269 da presente Sen-tença. 12. O Estado deve realizar as publicações ordenadas, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 273 da pre-sente Sentença. 13. O Estado deve realizar um ato público de reconhe-cimento de responsabilidade internacional a respeito dos fa-tos do presente caso, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 277 da presente Sentença. 14. O Estado deve continuar com as ações desenvolvi-das em matéria de capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárqui-cos das Forças Armadas, em conformidade com o estabele-cido no parágrafo 283 da presente Sentença. 15. O Estado deve adotar, em um prazo razoável, as me-didas que sejam necessárias para tipificar o delito de desapa-recimento forçado de pessoas em conformidade com os parâmetros interamericanos, nos termos do estabelecido no parágrafo 287 da presente Sentença. Enquanto cumpre com esta medida, o Estado deve adotar todas aquelas ações que garantam o efetivo julgamento, e se for o caso, a punição em relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado através dos mecanismos existentes no direito interno. 16. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciati-vas de busca, sistematização e publicação de toda a informa- 13
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF ção sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informa-ção relativa a violações de direitos humanos ocorridas du-rante o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presente Sentença. 17. O Estado deve pagar as quantias fixadas nos parágra-fos 304, 311 e 318 da presente Sentença, a título de indeni-zação por dano material, por dano imaterial e por restituição de custas e gastos, nos termos dos parágrafos 302 a 305, 309 a 312 e 316 a 324 desta decisão. 18. O Estado deve realizar uma convocatória, em, ao menos, um jornal de circulação nacional e um da região onde ocorreram os fatos do presente caso, ou mediante ou-tra modalidade adequada, para que, por um período de 24 meses, contado a partir da notificação da Sentença, os famili-ares das pessoas indicadas no parágrafo 119 da presente Sen-tença aportem prova suficiente que permita ao Estado identificá-los e, conforme o caso, considerá-los vítimas nos termos da Lei no 9.140/95 e desta Sentença, nos termos do parágrafo 120 e 252 da mesma. 19. O Estado deve permitir que, por um prazo de seis meses, contado a partir da notificação da presente Sentença, os familiares dos senhores FRANCISCO MANOEL CHAVES, PEDRO MATIAS DE OLIVEIRA (“PEDRO CARRETEL”), HÉLIO LUIZ NAVARRO DE MAGALHÃES e PEDRO ALEXANDRINO DE OLIVEIRA FILHO, possam apresentar-lhe, se assim desejarem, suas solici-tações de indenização utilizando os critérios e mecanismos estabelecidos no direito interno pela Lei no 9.140/95, con-forme os termos do parágrafo 303 da presente Sentença. 20. Os familiares ou seus representantes legais apresen-tem ao Tribunal, em um prazo de seis meses, contado a par-tir da notificação da presente Sentença, documentação que comprove que a data de falecimento das pessoas indicadas nos parágrafos 181, 213, 225 e 244 é posterior a 10 de de-zembro de 1998. 21. A Corte supervisará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições e em cumpri-mento de seus deveres, em conformidade ao estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma. Dentro do prazo de um ano, a partir de sua notificação, o Estado deverá apre- 14
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF sentar ao Tribunal um informe sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento. Portanto, a par das questões preliminares (inclusive de com-petência temporal) e de preceitos declaratórios, a Corte Interame-ricana fixou obrigações de fazer para o Estado brasileiro. Estão descritas nos itens 9 a 19 dos pontos resolutivos, acima transcritos. Destes, os itens 9 e 15, parte final, referem-se à obrigação de promover a persecução penal de autores de graves violações a di-reitos humanos, inclusive nos casos de desaparecimento forçado de pessoas. O item 10 aponta para a atividade de busca de restos mortais de desaparecidos políticos. O item 11 trata da obrigação do Estado de garantir assistência médica, psicológica e psiquiátrica às vítimas. Os itens 12 e 13 referem-se à publicação da sentença e à realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacio-nal. O item 14 determina desenvolvimento do ensino de direitos humanos nas Forças Armadas. O item 15, parte inicial, determina adoção de medidas para tipificar o crime de desaparecimento for-çado de pessoas. O item 16 refere-se à obrigação de revelar infor-mações sobre a Guerrilha do Araguaia, e os itens 17 a 19 tratam do pagamento de reparações. O arguente, como visto, requer nesta ADPF que o Supremo Tribunal Federal determine aos órgãos do Estado o cumprimento de todas essas determinações. Há, porém, carência parcial de viabilidade da iniciativa. 15
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Com efeito, à exceção da matéria criminal (itens 9 e 15, parte final, dos pontos resolutivos da sentença da Corte Interamericana), a ação não traz elementos probatórios mínimos de que ocorra des-respeito ao decidido no processo internacional e, portanto, mesmo em tese, a preceitos fundamentais da Constituição da República. Refere a petição inicial como elemento de prova da alegação apenas que o Ministério Público Federal produziu relatório expli-citando dificuldades para implementar a persecução criminal. Para os demais aspectos, há tão somente referência ao inconcluso trâ-mite de processos legislativos e à falta de localização de restos mortais de desaparecidos políticos. Assiste razão à Advocacia-Geral da União, quando sublinha o fato de que a inicial não indica em que consistiu o alegado des-cumprimento das obrigações de fazer de natureza não criminal. Adequada identificação dos atos impugnados é essencial ao juízo acerca do cabimento da ADPF e do objeto da tutela jurisdicional, de modo que, sem especificação, pelo autor, dos atos e omissões atribuídos ao poder público, não é possível a delimitação do objeto da lide. Por esse motivo, não comporta conhecimento o pedido cu-mulativo genérico veiculado a fl. 14 da inicial, consistente na de-terminação, pelo Supremo Tribunal Federal, de que “todos os órgãos do Estado brasileiro deem cumprimento integral” aos pon-tos decisórios da sentença do caso GOMES LUND. 16
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Com referência ao pedido principal, relacionado à incidência da Lei da Anistia, a petição inicial limita-se a mencionar, como fundamentos, as “dificuldades encontradas pelo MPF para promo-ver as ações penais” (sem, porém, nomeá-las) e a não aprovação, até a presente data, dos projetos de lei voltados a conferir interpreta-ção autêntica à Lei 6.683/1979. A Corte IDH declarou sem validade as disposições de anistia veiculadas pela Lei 6.683/1979 que impedem a investigação e san-ção de graves violações de direitos humanos, as quais não podem obstaculizar a investigação, identificação e punição dos responsá-veis, nos casos relativos à chamada Guerrilha do Araguaia ou em outros episódios de graves violações a direitos humanos ocorridos no Brasil Em resposta, tanto a AGU quanto a Presidência da República indicaram a instauração de mais de 187 procedimentos criminais no Ministério Público Federal, além de nove ações penais, tanto em relação a crimes permanentes quanto aos instantâneos, a suge-rir que “a existência, por si só, da Lei de Anistia não impede a in-vestigação e a propositura de ações penais”. Por veicular causa de exclusão da punibilidade (art. 107, in-ciso II, do Código Penal),8 o conteúdo da Lei 6.683/1979 di-rige- se, primordialmente, aos integrantes do sistema de justiça criminal e ordena-lhes que se abstenham de promover a persecu- 8 “Extinção da punibilidade Art. 107. Extingue-se a punibilidade: [...] II – pela anistia, graça ou indulto; [...]”. 17
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF ção penal de certas condutas abrangidas pela anistia. No ponto re-solutivo 3, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou sem efeito as disposições da lei que impeçam investigação e sanção de graves violações de direitos humanos. Também declarou que o Brasil é responsável pela violação das garantias judiciais e da prote-ção judicial previstas nos artigos 8(1) e 25(1) da Convenção Ame-ricana sobre Direitos Humanos (conhecida como Pacto de São José da Costa Rica),9 pela falta de investigação dos fatos e pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis (ponto resolutivo 5). Da mesma forma, no ponto resolutivo 9, determinou que o “Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de escla-recê- los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257” da sentença. 9 Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “Artigo 8 – Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, para que se determinem seus direitos ou obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. [...] Artigo 25 – Proteção judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. [...]”. 18
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Desse modo, alguns parâmetros da persecução penal a ser de-senvolvida pelos órgãos competentes do Estado brasileiro foram definidos na sentença internacional, nos parágrafos 256 e 257. Destaca-se o item b do parágrafo 256, o qual define que a respon-sabilização criminal deverá determinar os autores materiais e intelectuais do desapareci-mento forçado das vítimas e da execução extrajudicial. Ade-mais, por se tratar de violações graves de direitos humanos, e considerando a natureza dos fatos e o caráter continuado ou permanente do desaparecimento forçado, o Estado não po-derá aplicar a Lei de Anistia, bem como nenhuma outra dis-posição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação [...]. Em acréscimo, o parágrafo 257 definiu que “o Estado deve garantir que as causas penais que tenham origem nos fatos do pre-sente caso, contra supostos responsáveis que sejam ou tenham sido funcionários militares, sejam examinadas na jurisdição ordinária, e não no foro militar.” A sentença internacional da corte de direitos humanos fixou, portanto, que o Estado brasileiro deve promover a responsabiliza-ção penal dos autores materiais e intelectuais de crimes cometidos com graves violações aos direitos humanos10 – seja na Guerrilha 10No § 171 da sentença da Corte IDH, indicam-se, em rol apenas exemplificativo, alguns dos atos que caracterizam grave violação a direitos humanos: “171. Este Tribunal já se pronunciou anteriormente sobre o tema e não encontra fundamentos jurídicos para afastar-se de sua jurisprudência constante, a qual, ademais, concorda com o estabelecido unanimemente pelo Direito Internacional e pelos precedentes dos órgãos dos sistemas universais e regionais de proteção dos direitos humanos. De tal maneira, para efeitos do presente caso, o Tribunal reitera que “são inadmissíveis as 19
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF do Araguaia, seja em casos semelhantes – dentro de quadro nor-mativo que afasta, entre outros aspectos, a aplicação de preceitos de anistia, seja da Lei 6.883/1979 ou de disposição análoga, e de pres-crição. Ademais, deve considerar que nos casos de desaparecimento forçado de pessoas se trata de crime permanente (ou continuado, na linguagem dos países de origem espanhola), “cujos efeitos não cessam enquanto não se estabelece a sorte ou o paradeiro das víti-mas e sua identidade sejam determinada” (parágrafo 179). Apesar disso, o documento acostado à inicial trouxe informa-ções oficiais – complementadas por pesquisas da Procuradoria-Ge-ral da República – de que distintos órgãos judiciais nacionais estão a desconsiderar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND e impedem a persecução penal justamente sob invocação de anistia e prescrição, como se indicará adiante. Ignoram, ainda, a natureza de crime permanente do desa-parecimento forçado, tipificado, pelo Ministério Público Federal, à luz do direito interno, como sequestro ou ocultação de cadáver. disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos” (p. 64 do arquivo eletrônico da sentença). Na nota de rodapé ao fim desse § 171, a sentença registra alguns desses precedentes: “Cf. Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 2001. Série C No 75, par. 41; Caso La Cantuta, nota 160 supra, par. 152, e Caso Do Massacre de Las Dos Erres, nota 186 supra, par. 129.” 20
  • 21.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Desse modo, a partir da prolação da sentença, as instituições do sistema de justiça criminal brasileiro estão, todas, juridicamente obrigadas a promover a persecução penal dos condutas que consti-tuam “graves violações a direitos humanos” cometidas por agentes do regime ditatorial. Não obstante o esforço do Ministério Público Federal, evi-denciado pelas 9 ações penais já ajuizadas e pelas 187 investigações em andamento a respeito de delitos cometidos durante a ditadura militar, é necessário reconhecer a ocorrência de decisões judiciais posteriores e contrárias à sentença do caso GOMES LUND, veicula-doras de resoluções aptas afetar a integridade de preceitos funda-mentais (para citar a expressão empregada pelo Ministro CELSO DE MELLO no julgamento da ADPF 187/DF).11 Conforme apurou a Procuradoria-Geral da República, das 9 ações ajuizadas pelo MPF em face de 22 agentes civis e militares envolvidos em crimes de lesa-humanidade cometidos durante a ditadura militar, apenas 3 se encontram com instrução em anda-mento; nas outras 6 ocorreu trancamento da ação penal por deci-são em habeas corpus ou rejeição da denúncia, ratificada ou não posteriormente pelo tribunal correspondente. Em vários casos, o fundamento da paralisação foi justamente a Lei da Anistia. Em ou- 11 Disse o relator da ADPF 187/DF: “Cabe rememorar, no ponto, que esta Suprema Corte, em alguns precedentes, já reconheceu a admissibilidade da arguição de descumprimento que tenha por objeto decisões judiciais veiculadoras de comandos, resoluções ou determinações que possam afetar a integridade de preceitos fundamentais.” Supremo Tribunal Federal. Plenário. ADPF 187/DF. Relator: Ministro CELSO DE MELLO. 15/6/2011, unânime. Diário da Justiça eletrônico 102, 28 maio 2014. Trecho citado na p. 23 do acórdão. 21
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF tros processos invocou-se prescrição e em outros ainda, descaracte-rizou- se a natureza permanente do crime de desaparecimento for-çado (definido no Código Penal brasileiro como sequestro ou ocultação de cadáver). Duas dessas ações referem-se especificamente a fatos da Guerrilha do Araguaia e caracterizam afronta direta ao decidido pela Corte Interamericana. Portanto, órgãos judiciais do Estado brasileiro efetivamente erguem obstáculos concretos à persecução penal, não propria-mente por ausência de lei interpretativa, como afirma a inicial. O que se verifica é o não reconhecimento do efeito vinculante da sentença do caso GOMES LUND por “interpretações judiciais que se antagonizam em torno do alcance que se deve dar, à luz dos gran-des postulados constitucionais”,12 ao art. 1o da Lei 6.683/1979, aos preceitos concernentes à imprescritibilidade penal, à caracterização do desaparecimento forçado de pessoas e à existência de coisa jul-gada – diante da sentença internacional válida e vinculante para as autoridades e órgãos do país. Para comprovar o desrespeito, pelo Poder Judiciário brasileiro, à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, trans-crevem- se abaixo, apenas de forma ilustrativa da agressão de órgãos do Estado brasileiro a preceitos constitucionais fundamentais, tre-chos de decisões que negaram eficácia ao ponto resolutivo 3 da sentença da Corte. Cometeram, desse modo, descumprimento aos 12 STF. Plenário. ADPF 187/DF. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 15/6/2011, un. DJe 102, 28 maio 2014. Trecho citado na p. 28 do acórdão. 22
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF preceitos fundamentais previstos no art. 4o, inciso II, da Constitui-ção da República,13 e às obrigações internacionais estabelecidas para o Estado brasileiro: a) decisão do Tribunal Regional Federal da 1a Região no HC 0068063-92.2012.4.01.0000/PA:14 A lei da anistia tornou juridicamente impossível a persecu-ção penal em exame, sem falar que os fundamentos da deci-são, que, em juízo de retratação, recebeu a denúncia, têm base em premissas cuja lógica é apenas teórica e conceitual, sem uma efetiva conexão com os fatos do processo, com a devida licença. [...] Não é aceitável, sem ilegalidade, que o juízo de admissibili-dade da ação, diante de fatos já exauridos nos planos da aná-lise histórica, política e, sobretudo, jurídica, desconsidere-os todos, inclusive o veredicto do STF sobre a matéria, que se alça ao nível de impossibilidade jurídica do pedido, ao fun-damento de ser necessária a instrução processual. A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso GOMES LUND, cujo resultado, ao que se afirma, impôs ao Estado Brasileiro a realização, perante a sua jurisdição ordinária, de investigação penal dos fatos ocorridos na chamada Guerrilha do Araguaia, não interfere no direito de punir do Estado, e nem na decisão do STF so-bre a matéria. [...] b) decisão da 2a Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro de rejeição da denúncia na ação penal 0801434- 65.2013.4.02.5101:15 13 Vide transcrição na nota 5. 14 Tribunal Regional Federal da 1a Região. 4a Turma. Habeas corpus 0068063- 92.2012.4.01.0000/PA. Rel.: Juiz OLINDO MENEZES. 18/11/2013, maioria. e-DJF1 6 dez. 2013. 15 Seção Judiciária do Rio de Janeiro. 2a Vara Federal Criminal. Ação penal 0801434-65.2013.4.02.5101. Juiz Federal ALEXANDRE LIBONATI DE ABREU. 5/6/2013. 23
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF [...] a decisão do caso LUND vs BRASIL é de eficácia duvidosa, posto que prolatada em desconformidade com o termo de submissão do Brasil à competência da Corte IDH. [...] Ante o exposto, resta concluir que aqui não me cabe con-frontar a Lei da Anistia com a sentença proferida pela Corte IDH no caso GOMES LUND vs BRASIL. Trata-se de sentença com eficácia restrita ao Estado-parte, desvinculada dos fatos narrados na presente denúncia, e que geraria – independen-temente de qualquer obrigação indenizatória no campo in-ternacional por descumprimento – inoportuna e ilegal revisão de normas estáveis de direito interno. c) decisão da 10a Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de São Paulo de rejeição da denúncia no processo 0004204- 32.2012.4.03.6181, em 22 de maio de 2012:16 No que se refere ao efeito vinculante da sentença proferida pela Corte IDH no caso GOMES LUND, impende ressaltar que, embora não tenha o STF enfrentado especificamente tal ponto, porque posterior ao julgamento da ADPF 153, não deixou de consignar que a Lei de Anistia não pode sofrer desconstituição (ou inibição eficacial) por parte de instru-mentos normativos promulgados após sua vigência. d) decisão da 2a Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Re-gião no recurso em sentido estrito 0004204- 32.2012.4.03.6181/SP:17 Alegações de inoponibilidade da anistia e de descumpri-mento de decisão da Corte Interamericana de Direitos Hu-manos que se aduz ser posterior a ADPF no 153 rejeitadas porquanto decisões proferidas em sede de arguição de des-cumprimento de preceito fundamental têm eficácia erga om-nes e efeito vinculante, ou seja, atingem todos e atrelam os demais órgãos do Poder Público, cabendo ao próprio Su- 16 Seção Judiciária de São Paulo. 10a Vara Federal Criminal. Notícia de crime 0004204-32.2012.4.03.6181. Juiz Federal Substituto MÁRCIO RACHED MILLANI. 17 TRF/3a Região. 2a T. Recurso em sentido estrito 0004204- 32.2012.4.03.6181/SP. Rel.: Juiz PEIXOTO JÚNIOR. 9 abr. 2013, maioria. DE 29 abr. 2013. 24
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF premo Tribunal Federal eventual revisão, ademais tendo o Brasil promulgado a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Di-reitos Humanos sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998, o que não é o caso dos autos. Inteligência dos artigos 10, § 3o, da Lei 9.882/99 e 102, inciso I, alínea l, § 1o, da Constituição Federal. e) decisão do Tribunal Regional Federal da 2a Região no HC 0005684-20.2014.4.02.0000:18 [...] tanto a denúncia quanto a decisão que a recebeu, reve-lam notável inconformismo com o sepultamento de investi-gações de fatos ocorridos em época de governo militar, definitivamente lançados à paz do arquivo, não só em função da extinção da punibilidade de todos os envolvidos em face do tempo decorrido, mas também pelo perdão e esqueci-mento outorgados pelos legítimos representantes do povo brasileiro, através do instituto da anistia. Inconformismo, res-salte- se, em relação a apenas um dos lados dos envolvidos naqueles fatos. No julgamento das ADPFs 33/PA, 144/DF e 187/DF, essa Suprema Corte assentou a admissibilidade de ADPF contra inter-pretação judicial de que possa resultar lesão a preceito fundamen-tal. O ato impugnado naqueles casos foi a interpretação judicial dada a certos dispositivos normativos, julgada incompatível com preceitos fundamentais. Nesses termos, deve reconhecer-se admissível, sob a perspec-tiva do postulado da subsidiariedade, a utilização do instrumento processual da arguição de descumprimento de preceito fundamen-tal contra interpretações judiciais que, contrariando o disposto na sentença GOMES LUND, declarem extinta a punibilidade de agentes 18 TRF/2a Região. 1a T. Especializada. HC 0005684-20.2014.4.02.0000. Rel.: Juiz ANTONIO IVAN ATHIÉ. 2/7/2014, maioria. DJ 30 jul. 2014. 25
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF envolvidos em graves violações a direitos humanos, com funda-mento na Lei da Anistia, por óbices de prescrição da pretensão pu-nitiva do Estado ou por não caracterizarem como crimes permanentes o desaparecimento forçado de pessoas, ante a tipifica-ção de sequestro ou de ocultação de cadáver. Essas interpretações violentam preceitos fundamentais da Constituição da República, de maneira a ensejar a admissibilidade da arguição. A tutela buscada, nos moldes do precedente da ADPF 187/DF e em reconhecimento ao caráter vinculante da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, almeja dar ao art. 1o da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, interpretação conforme à Constituição, de modo a excluir qualquer exegese que possa ensejar extinção da punibilidade de crimes de lesa-humani-dade, ou a eles conexos, instantâneos ou permanentes, cometidos por agentes civis ou militares do Estado, no exercício da função ou fora dela, inclusive por parte dos órgãos do sistema de justiça res-ponsáveis pela persecução penal (Poder Judiciário, Ministério Pú-blico e Polícia). É cabível a ADPF também pela hipótese do art. 1o, parágrafo único, inciso I, da Lei 9.882/1999, na medida em que as decisões judiciais acima referidas se contrapõem a outras 6 decisões, adota-das nos seguintes processos, as quais corretamente aceitaram a via-bilidade da ação penal que o Ministério Público Federal promoveu: 26
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF a) processo 0001162-79.2012.4.01.3901, 2a Vara Federal de Marabá (PA) – decisão de recebimento da denúncia (de 29 de agosto de 2012) pelo crime de sequestro qualificado (CP, art. 148, caput e § 2o),19 em juízo de retratação ante recurso em sentido es-trito interposto de primeira decisão que não recebera a denúncia; b) processo 0001162-79.2012.4.01.3901, 2a Vara Federal de Marabá (PA) – decisão de recebimento da denúncia (de 29 de agosto de 2012) pelo crime de sequestro qualificado (CP, art. 148, caput e § 2o); c) processo 0001162-79.2012.4.01.3901, 9a Vara Federal Cri-minal de São Paulo – decisão de recebimento da denúncia (de 23 de outubro de 2012) pelo crime de sequestro qualificado (CP, art. 148, caput e § 2o); d) processo 0003088-91.2013.4.01.3503, Vara Única de Rio Verde (GO) – decisão de recebimento de denúncia (de 9 de ja-neiro de 2014) pelo crime de ocultação de cadáver (CP, art. 211);20 e) processo 0017766-09.2014.4.02.5101, 6a Vara Federal Cri-minal do Rio de Janeiro – decisão de recebimento da denúncia (de 13 de maio de 2014) pelos crimes de tentativa de homicídio 19 “Sequestro e cárcere privado Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de um a três anos. [...] § 2o. Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena – reclusão, de dois a oito anos.” 20 Vide transcrição do dispositivo na nota 2. 27
  • 28.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF doloso, associação em organização criminosa, transporte de explo-sivos, favorecimento pessoal e fraude processual; f) processo 0023005-91.2014.4.02.5101 – 4a Vara Federal Cri-minal do Rio de Janeiro – decisão de recebimento da denúncia (de 26 de maio de 2014) pelos crimes de homicídio, ocultação de cadaver, quadrilha armada e fraude processual (CP, arts. 121, § 2o, 211, 288, parágrafo único, e 347).21 21 “Homicídio simples Art. 121. Matar alguem: Pena – reclusão, de seis a vinte anos. [...] Homicídio qualificado § 2o. Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo futil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena – reclusão, de doze a trinta anos. Quadrilha ou bando Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: [Art. 288 na redação anterior à Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.] Pena – reclusão, de um a três anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Fraude processual Art. 347. Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena – detenção, de três meses a dois anos, e multa. Parágrafo único. Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.” 28
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Em todas essas manifestações judiciais há como ponto co-mum a controvérsia constitucional acerca da vinculação dos órgãos judiciários à decisão da Corte Interamericana. Esse é elemento su-ficiente para garantir a admissibilidade da ADPF. Portanto, a arguição é cabível na parte em que argui descum-primento de preceitos fundamentais pela recusa de órgãos do sis-tema de justiça brasileiro em dar concretude à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos tomada no caso GOMES LUND, especificamente ao determinar a responsabilização dos auto-res de graves violações a direitos fundamentais, com afastamento dos preceitos internos relativos à anistia e à prescrição, assim como a caracterização da permanência nas hipóteses de desaparecimen-tos forçado de pessoas. Há potencial violação aos preceitos dos ar-tigos 1o, inciso III (princípio da dignidade do ser humano), 4o, inciso II (prevalência dos direitos humanos nas relações internacio-nais), 5o, §§ 1o e 2o (eficácia plena e imediata de preceitos de prote-ção a direitos fundamentais e aplicabilidade dos tratados internacionais de direitos humanos), todos da Constituição da Re-pública, e ao artigo 7o do ADCT (vinculação do Brasil a tribunais internacionais de direitos humanos).22 II.2. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM EM FACE DA ADPF 153/DF Não deve prosperar a posição manifestada pelo Congresso Nacional (peça 23), pois o objeto desta ADPF não é igual àquele decidido na ADPF 153. Ali, declarou-se a constitucionalidade da 22 Vide transcrição dos dispositivos na nota 5. 29
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF lei que concedeu anistia aos que cometeram crimes políticos ou conexos com estes, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Aqui, trata-se do controle dos efeitos da Lei 6.683/1979 em decorrência de decisão judicial vinculante da Corte IDH, superveniente ao julgamento da ADPF 153, com de-claração de ineficácia parcial da lei nacional. Conquanto os efeitos concretos de ambas as ADPFs orbitem em torno da responsabilidade criminal de agentes públicos envol-vidos com a prática de crimes durante a repressão à dissidência po-lítica na ditadura militar, a matéria jurídica a ser decidida é manifesta e essencialmente distinta. Na presente ADPF não se co-gita de reinterpretar a Lei da Anistia nem de lhe discutir a consti-tucionalidade (tema submetido a essa Suprema Corte na ADPF 153), mas de estabelecer os marcos do diálogo entre a jurisdição internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos (ple-namente aplicável à República Federativa do Brasil, que a ela se submeteu de forma voluntária, soberana e válida) e a jurisdição do Poder Judiciário brasileiro. Em segundo lugar, porque, como observou ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, não existe conflito entre a decisão do Su-premo Tribunal Federal na ADPF 153 e a da Corte Interamericana no caso GOMES LUND. O que há é exercício do sistema de duplo controle, adotado em nosso país como decorrência da Constitui-ção da República e da integração à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: o controle de constitucionalidade nacio- 30
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF nal e o controle de convencionalidade internacional. “Qual-quer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles, para que sejam respeitados os direitos no Brasil.”23 Na ADPF 153, o STF efetuou controle de constitucionali-dade da Lei 6.683/1979, mas não se pronunciou a respeito da compatibilidade da causa de exclusão de punibilidade com os tra-tados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro. Não efetuou – até porque não era esse o objeto daquela ação – o chamado controle de convencionalidade da norma: [O] STF, que é o guardião da Constituição [...] exerce o controle de constitucionalidade. [...] De outro lado, a Corte de San José é a guardiã da CADH [Convenção Americana sobre Direitos Humanos] e dos tratados de DH que possam ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte Interamericana, a Lei de Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura. Mais: sequer as alegações de prescrição, bis in idem e irretroatividade da lei penal gravior merecem acolhida. [...] No caso da ADPF 153, houve o controle de constitucionali-dade. No caso GOMES LUND, houve o controle de convencio-nalidade. A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só pas-sou (com votos contrários, diga-se) por um, o controle de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convenci-onalidade. Por sua vez, as teses defensivas de prescrição, legalidade penal estrita etc., também deveriam ter obtido a anuência dos dois controles. Como tais teses defensivas não convenceram o controle de convencionalidade e dada a aceitação constitucional da in- 23RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério. Crimes da ditadura militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 217. 31
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF ternacionalização dos DH, não podem ser aplicadas interna-mente. 24 Ressalte-se, mais uma vez, que a sentença da Corte IDH é posterior ao acórdão na ADPF 153/DF. Com efeito, a decisão in-ternacional é de 24 de novembro de 2010, ao passo que o julga-mento da ADPF 153/DF se concluiu em 29 de abril de 2010. Desse modo, a decisão internacional constitui ato jurídico novo, não apreciado pelo STF no julgamento da ação pretérita. Não há, portanto, óbice ao conhecimento desta ação, no que se refere ao efeito vinculante da sentença do caso GOMES LUND com referência a interpretações judiciais antagônicas em torno do alcance que se deve dar aos preceitos fundamentais do Estado bra-sileiro. II.3. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO QUANTO A CRIMES CONTINUADOS No que tange a crimes continuados, a ADPF não comporta conhecimento, porquanto não há prova de decisão judicial que haja, em caso concreto de continuidade delitiva, invocado a Lei da Anistia para dar efeitos ultra-ativos à norma extintiva da punibili-dade. Como é sabido, há continuidade delitiva quando dois ou mais crimes da mesma espécie são praticados em condições de 24RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Crimes da ditadura militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 217-218. 32
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF tempo, lugar e modo de execução similares; nessas circunstâncias, por motivos de política criminal, o art. 71 do Código Penal deter-mina unificação das penas.25 Diversamente do que ocorre nos crimes permanentes, nos quais há apenas uma ação que se prolonga no tempo, nos delitos continuados há dois ou mais crimes, que podem ser instantâneos ou permanentes, cometidos em sequência. Se uma das infrações foi cometida antes da Lei da Anistia e a outra depois, a segunda certamente não está abrangida pela lei, pois a norma não possui efeito ultra-ativo. A esse respeito não se tem notícia de controvérsia jurídica a justificar a concessão excep-cional de provimento pelo STF em controle concentrado de cons-titucionalidade. Com respeito ao crime antecedente, a incidência da causa de extinção de punibilidade independe do reconheci-mento do caráter continuado do delito: se o crime estiver incluído entre as graves violações a direitos humanos que o Estado brasi-leiro está obrigado a investigar e responsabilizar, a Lei da Anistia 25 “Crime continuado Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.” 33
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF não é apta a produzir efeitos válidos. Caso contrário, deverá produ-zir efeitos regulares. Em outras palavras, uma vez que a anistia se aplica a crimes cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, eventual ocorrência de continuidade delitiva é irrelevante no que se refere à incidência da lei, pois cada conduta criminosa possui seu próprio momento consumativo. Caso este tenha ocorrido após o período previsto na lei, inexiste controvérsia judicial a justificar o conhecimento da ADPF. Se houver ocorrido durante o período de eficácia da lei, a controvérsia não concerne à continuidade deli-tiva, mas ao efeito vinculante da sentença do caso GOMES LUND. III. MÉRITO No mérito, a arguição de descumprimento de preceito fun-damental merece procedência parcial, nos termos e pelas razões abaixo enumerados. III.1. PRECEITOS FUNDAMENTAIS DESCUMPRIDOS Conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal e da doutrina do Direito Constitucional brasileiro, são pre-ceitos fundamentais, para o fim de verificar cabimento e proce-dência de ADPF, as normas dos arts.1o, 3o, 4o e 5o da Constituição da República. No caso, o resultado da inércia dos Poderes do Estado brasi-leiro e as interpretações e aplicações que têm eles extraído e ado- 34
  • 35.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF tado acerca da vinculatividade e do conteúdo da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND contra o Brasil violam os arts. 1o, III, 4o, I, e 5o, §§ 2o e 3o da Constituição da República de 1988. A omissão do Estado brasileiro em dar cumprimento à deci-são da Corte Interamericana de Direitos Humanos fere preceitos fundamentais do art. 5o, §§ 2o e 3o, que determinam a prevalência, no ordenamento interno, até mesmo sobre normas constitucionais, dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pela República Federativa do Brasil. Como no caso, ao ignorar a juris-dição da Corte Interamericana e considerar suas decisões como não vinculativas do Brasil, o efeito prático é a negativa de vigência a ambos os dispositivos. Por outro lado, a respeito dos arts. 1o, III, e 4o, I, ambos os preceitos violados interagem em nexo de implicação e reforço mútuos. A dignidade humana é não apenas um direito, mas funda-mento de todos os direitos humanos. E o conjunto de direitos do ser humano protege-o como ser digno de proteção especial apenas pela sua condição humana. Uma das tendências mais marcantes do pensamento constitu-cional contemporâneo é a convicção amplamente difundida de que o fundamento de validade dos direitos do homem é o princí-pio da dignidade humana (art. 1o, III da Constituição da Repú-blica). Este concentra o núcleo do sistema de direitos fundamentais 35
  • 36.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF protetivo dos indivíduos, que não podem ser subjugados pelas cha-madas razões de Estado, por interesses públicos ou coletivos. A dignidade humana é a medida e o fundamento de todos os direitos fundamentais e o centro da proteção ao indivíduo, reco-nhecendo no homem singularidade não puramente corporal ou animal, mas também racional. Mais do que atribuir-lhe racionali-dade, trata-se de reconhecer a característica de ser capaz de tomar a si mesmo como objeto da própria reflexão. A razão é proprie-dade única do ser humano nesse sentido reflexivo de posicionar-se frente ao mundo, de perceber sua existência e o fim dela, proje-tando sua morte (DILTHEY). Também é marca de ser capaz de pro-gramar- se entre os atos pretéritos e as expectativas do futuro, revelando-se mais que um “ser” um “poder-ser”, ou seja, ser em potencial e em constante evolução, ente em “permanente inacaba-mento” (HEIDEGGER) e por esse motivo insubstituível. É por causa dessa singularidade que o ser humano possui especial proteção ju-rídica, em constante aperfeiçoamento. A consagração da dignidade do homem é a métrica e a lógica do sistema internacional de direitos humanos e perpassa a consti-tuição das principais nações cuja tradição jurídica influenciou a construção do Direito brasileiro. A Declaração Universal dos Di-reitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948, afirma que “todos os seres huma-nos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art. I). A Constituição Portuguesa de 1976 inicia com os seguintes dizeres: 36
  • 37.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pes-soa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Na Constituição Espanhola de 1978, o art.10 afirma que “a dignidade da pessoa, os direitos in-violáveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da perso-nalidade, o respeito à lei e aos direitos alheios são o fundamento da ordem política e da paz social”. A Constituição da República Itali-ana, de 27 de dezembro de 1947, declara que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social” (art. 3o). A Lei Fundamental Alemã de 1949 estabelece, no art. 1o: “A dignidade do homem é inviolá-vel. Respeitá-la e protegê-la é dever de todos os Poderes do Es-tado”. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 seguiu a mesma linha e positivou a dignidade humana como um dos fundamentos da República. Se o fundamento dos direitos humanos é a existência de cada mulher e homem, cujo valor ético é único e insubstituível, os di-reitos humanos (art.4o, I, da CR/88), para sua verificação, indepen-dem de outra concretização que não a qualidade de “pessoa” dos sujeitos dignos de proteção. Nesse contexto, entende a Procuradoria-Geral da República que as violações descritas na inicial e comprovadas nos autos signi-ficam violação grave aos preceitos fundamentais dos arts. 1o, III, e 4o, I, da Constituição de 1988. 37
  • 38.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF A inércia dos Poderes do Estado brasileiro e as interpretações e aplicações que eles têm extraído e implementado acerca da vin-culatividade e do conteúdo da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso GOMES LUND VS. BRASIL deixam ao de-samparo milhares de vítimas diretas e indiretas de atos ilícitos pra-ticados por agentes do Estado brasileiro e seus colaboradores na época da ditadura militar de 1964-1985. Consoante salientam amplamente doutrina e jurisprudência, o déficit de proteção estatal às vítimas de crimes e graves violações de direitos humanos caracteriza omissão não permitida, vedada no Estado de Direito pela proibição de proteção insuficiente (a co-nhecida Untermaßverbot da doutrina publicista, já reconhecida em decisões do Supremo Tribunal Federal). Bem registrou essa Corte no habeas corpus 102.087/MG (sic): [...] Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expres-sando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). [...]26 Em conclusão, está suficientemente comprovada violação aos preceitos fundamentais contidos nos arts.1o, III, 4o, I, e 5o, §§ 2o e 3o, da Constituição da República de 1988. 26 STF. 2a Turma. HC 102.087/MG. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. Redator para acórdão: Min. GILMAR MENDES. 28/2/2012, maioria. DJe 159, 13 ago. 2012, republ. DJe 163, 20 ago. 2013. 38
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF III.2. EFEITO VINCULANTE DA SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO GOMES LUND O Brasil promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (conhecida como Pacto de São José da Costa Rica) por meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992.27 Posterior-mente, nos termos do art. 1o do Decreto 4.463, de 8 de novembro de 2002, reconheceu de maneira expressa e irrestrita como “obri-gatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competên-cia da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Ameri-cana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de no-vembro de 1969, de acordo com o art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de de-zembro de 1998”. Desde esse ato, as decisões proferidas pela Corte em face do Estado brasileiro têm força vinculante para todos os poderes e ór-gãos estatais. O cumprimento de suas sentenças é mandatório, nos termos da obrigação internacional firmada pela República. O ar-tigo 68(1) da própria Convenção estabelece: “Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em 27 “Art. 1o. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.” 39
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF todo caso em que forem partes.” Dever idêntico resulta da própria Constituição brasileira. Com efeito, o reconhecimento da autoridade da Corte Inte-ramericana de Direitos Humanos por parte do Estado brasileiro cumpre decisão constituinte inscrita no artigo 7o do ADCT: “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.” Houve, pois, decisão constitucional originária de inserir o Brasil na jurisdição de uma – ou mais – cortes internacionais de direitos humanos, o que constitui vetor interpretativo de concilia-ção do Direito e da jurisdição internos com o panorama norma-tivo internacional a que o país se submeta, em processo integrativo também previsto nos §§ 2o e 4o do artigo 5o da Constituição. Os atos de ratificação da Convenção Americana sobre Direi-tos Humanos e de reconhecimento da jurisdição da Corte de São José da Costa Rica não podem, portanto, ser interpretados como se fossem meras edições de normas ordinárias, muito menos como simples exortações graciosas ao Estado brasileiro. Bem ao contrá-rio, tais providências normativas inserem-se no contexto do adim-plemento do dever constitucional do Brasil de proteção aos direitos humanos e de integração ao sistema internacional de ju-risdição e reclamam compreensão que lhes garanta a mais plena eficácia, nos termos do art. 5o, § 1o, e do art. 4o, inciso II, da lei fundamental brasileira. 40
  • 41.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Com esse reconhecimento da alta relevância constitucional da matéria subjacente a esta ADPF, resulta do quadro fático des-crito supra que órgãos judiciais recusam autoridade e eficácia à sentença da Corte IDH e, com isso, confrontam o já transcrito ar-tigo 68(1) da Convenção Americana, norma em pleno vigor no país. Essa recusa tem sido causada por interpretação parcial da res-peitável decisão dessa Suprema Corte na ADPF 153/DF, a qual, conforme se apontou, apreciou a constitucionalidade da Lei da Anistia. Os órgãos que têm negado eficácia à sentença no caso GOMES LUND não têm levado em linha de conta que essa lei preci-saria igualmente superar o controle de convencionalidade, exer-cido pela Corte IDH nos limites de sua competência, ao qual o Brasil se submeteu. Nesse exame, contudo, a Lei 6.683/1979 foi considerada inválida e ineficaz, nos termos já expostos. Não pode o magistrado recusar o cumprimento de norma incorporada ao direito interno (no caso, o artigo 68(1) da Con-venção Americana), sem opor-lhe de maneira fundamentada vício de constitucionalidade. Em outras palavras, para que qualquer ór-gão público possa recusar aplicação ao preceito do art. 68(1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, haveria de existir vício constitucional formal ou material nos atos praticados pelas autoridades brasileiras que exerceram, em nome do país, a decisão soberania de ratificar a convenção e, depois, de reconhecer a auto-ridade da Corte de São José. 41
  • 42.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Tanto no plano formal, como no substancial, não há mácula a comprometer a constitucionalidade desses atos. O texto da Con-venção, assim como o reconhecimento da jurisdição da Corte In-teramericana, foram aprovados de forma regular pelo Congresso Nacional (pelos Decretos Legislativos 27, de 26 de maio de 1992, e 89, de 3 de dezembro de 1998). Ambos foram ratificados inter-namente pelos Decretos presidenciais 678, de 6 de novembro de 1992, e 4.463, de 8 de novembro de 2002. Portanto, o procedi-mento fixado constitucionalmente para ratificação do tratado foi fielmente seguido (Constituição Federal, arts. 49, I, e 84, VIII).28 No plano material, tampouco se identifica incompatibilidade entre a deliberação presidencial e congressual de reconhecimento da competência da Corte e a Constituição brasileira. Ao contrário, como visto, a participação do Estado brasileiro na Corte Interame-ricana de Direitos Humanos – com o decorrente e natural reco-nhecimento de sua autoridade – é a concretização do mandado do artigo 7o do ADCT e tributária do sistema de proteção aos direitos humanos previsto no art. 5o e parágrafos do texto fundamental. Em realidade, à luz do comando do art. 7o do ADCT, incons-titucionalidade poderia existir se o Estado brasileiro imotivada-mente se omitisse em ingressar e participar do sistema 28 “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; [...]. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; [...]”. 42
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF interamericano de direitos humanos, que comporta no seu seio a Corte IDH. Não se pode, portanto, negar força normativa à Convenção Americana relativamente à obrigação de observar e cumprir as de-cisões da Corte Interamericana. A esse respeito, acertadamente nota ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS:29 [...] no sistema judicial interamericano, há o dever do Estado de cumprir integralmente a sentença da Corte, conforme dispõe expressamente o art. 68.1 da seguinte maneira: os Es-tados- partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes. No mesmo sentido é a ponderação de FLÁVIA PIOVESAN: “Note-se que a decisão da Corte tem força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento”.30 Não há, no particular, afronta alguma à soberania nacional, como aponta MARLON ALBERTO WEICHERT: [...] é indispensável, antes de tudo, compreender que a ade-são à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o re-conhecimento da jurisdição obrigatória da CIDH foram atos soberanos e voluntários do Estado brasileiro. [...] foi o Brasil, por suas autoridades constitucionalmente competen-tes (Presidência da República e Congresso Nacional), que decidiu integrar o sistema interamericano de direitos huma-nos. Não se identifica nenhuma mácula no processo de rati-ficação da Convenção, ou de sua aprovação em âmbito 29RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva. p. 235. 30 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 222. 43
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF interno. Outrossim, nenhum Estado estrangeiro compeliu o País a tomar parte desses atos e organismos internacionais.31 É indispensável reconhecer que há diálogo integrativo das competências dos tribunais internacionais de direitos humanos e das cortes internas, consoante bem aponta ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE:32 [...] É certo que os tribunais internacionais de direitos hu-manos – as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos – não “substituem” os tribunais internos, e tam-pouco operam como tribunais de recursos ou de cassação de decisões dos tribunais internos. O caráter vinculante das sentenças da Corte IDH para os Es-tados que, como o Brasil, aderiram à cláusula facultativa de jurisdi-ção compulsória prevista no art. 62(1) da Convenção Americana, está estabelecido no citado art. 68(1) do mesmo instrumento (ar-tigo 68: “1. Os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”). É correto o entendimento explicitado por ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS e outros acadêmicos, segundo o qual não há conflito entre a decisão do STF na ADPF 153/DF e a da Corte de São José no caso GOMES LUND, uma vez que finalidade essencial de ambos os tribunais é a proteção dos direitos fundamentais. Nessa concepção, “eventuais conflitos são apenas conflitos aparentes, 31WEICHERT, Marlon Alberto. Proteção penal contra violações aos direitos humanos. In: MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Justiça de Transição nos 25 anos da Constituição brasileira. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. p. 598-599. 32 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. vol. 1, p. 412. 44
  • 45.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF fruto do pluralismo normativo, aptos a serem solucionados pela via hermenêutica”.33 Premissa dessa compreensão é a “aceitação da compatibili-dade das normas constitucionais com a normatividade internacio-nal de proteção aos direitos humanos como presunção absoluta, em face dos princípios da Constituição de 1988”, isso porque “a Constituição brasileira atual, ao estabelecer um Estado Democrá-tico de Direito e o apego à primazia dos direitos fundamentais da pessoa humana, não pode ser vista como obstáculo a uma maior proteção da pessoa humana, obtida em dispositivos internacionais”.34 A alternativa à teoria da compatibilidade como presunção absoluta é a aceitação da supremacia da Constituição sobre a norma internacional de direitos humanos ou a aceitação da revogação de norma constitucional por estar em contradição com a norma internacional, quando a contradição, se vis-lumbrada pelo intérprete, é meramente aparente. Fazendo o paralelo com possíveis choques entre normas constitucionais originárias, vê-se que é pacífica a necessidade de conciliação entre dois dispositivos constitucionais aparentemente opos-tos. O mesmo deve se dar com a aparente oposição entre a norma constitucional e a norma internacional, sob pena de, ao enfatizar a supremacia da Constituição, fixe-se uma inter-pretação constitucional contrária a proteção internacional de direitos humanos, o que certamente fere o espírito da pró-pria Constituição. Assim, ironicamente, ao se afirmar a supre-macia da Constituição, viola-se o seu caráter protetivo de direitos humanos.35 33RAMOS, André de Carvalho. A ADPF 153 e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério. Crimes da ditadura militar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 216. 34RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2004. p. 127. 35RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de 45
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF O reconhecimento da interpretação internacional dos trata-dos ratificados pelo Brasil, registra CARVALHO RAMOS em outra obra, é consequência óbvia dos vários comandos constitucionais que aludem a “tratados de direitos humanos”, como os §§ 2o e 3o do art. 5o e o art. 7o do ADCT/1988. Indaga ele: “de que adianta-ria a Constituição pregar o respeito a tratados internacionais de di-reitos humanos se o Brasil continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos nacionalmente?”36 Em sentido convergente, a Corte Suprema de Justiça argen-tina, no julgamento sobre as Leis “Ponto Final”37 e “Obediência Devida”38 daquele país, igualmente registrou que “de nada serviría la referencia a los tratados hecha por la Constitución si su aplica-ción se viera frustrada o modificada por interpretaciones basadas en uno u otro derecho nacional”.39 direitos humanos. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2004. p. 129-130. 36RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva. p. 355. 37 Lei 23.492, de 24 de dezembro de 1986. Disponível em < http://bit.ly/ley23492Arg > ou < http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/20000- 24999/21864/norma.htm >; acesso em 26 ago. 2014. 38 Lei 23.521, de 8 de junho de 1987. Disponível em: < http://bit.ly/ley23521Arg > ou < http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/20000- 24999/21746/norma.htm >; acesso em 26 ago. 2014. 39 Decisão da Corte Suprema da Nação Argentina em “ARANCIBIA CLAVEL, ENRIQUE LAUTARO s/ homicidio calificado y asociación ilícita y outros – causa no 259 – 24/8/2004 – Fallos: 327:3312”. Apud Corte Suprema de la Nación Argentina. Delitos de lesa humanidad. Buenos Aires. Corte Suprema, 2009, p. 172. Disponível em: < http://bit.ly/juri000j > ou < http://www.csjn.gov.ar/data/lesahumanidad.pdf >; acesso em 27 ago. 2014. 46
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Não se trata, pois, de considerar que a Corte IDH exerça pa-pel de quarta ou quinta instância adicional ou sobreposta ao pro-cesso interno. Sua missão é distinta: zelar pela observância, por parte dos Estados que integram o sistema interamericano de direi-tos humanos, das obrigações assumidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e em outras convenções regionais nesse campo. Nesse plano, todo ato estatal, normativo ou material, de qualquer de seus órgãos ou entes federativos, sujeitar-se-á ao es-crutínio da jurisdição internacional, em especial sob o enfoque do controle de convencionalidade. Não se está aqui tampouco a afirmar que a corte internacio-nal seja hierarquicamente superior aos tribunais internos ou que ela se destine ao papel de órgão de cassação das decisões nacionais. Não é essa a visão pertinente a esta discussão. Ocorre que, como nota ANTONIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE:40 Os atos internos dos Estados podem vir a ser objeto de exame por parte dos órgãos de supervisão internacionais quando se trata de verificar sua conformidade com as obri-gações internacionais dos Estados em matéria de direitos hu-manos. [...] Isso se aplica à legislação nacional assim como às decisões internas judiciais e administrativas. Por exemplo, uma decisão judicial interna pode dar uma interpretação in-correta de uma norma de um tratado de direitos humanos; ou qualquer outro órgão estatal pode deixar de cumprir uma obrigação internacional do Estado neste domínio. Em tais hipóteses pode-se configurar a responsabilidade internacio-nal do Estado, porquanto seus tribunais ou outros órgãos não são os intérpretes finais de suas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. 40 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. vol. 1, p. 412. 47
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Com efeito – prossegue:41 [...] uma das principais funções da operação dos tratados e instrumentos de proteção internacional dos direitos huma-nos reside precisamente em seus efeitos no direito interno. Ainda que voltada à solução de casos individuais de direitos humanos, a aplicação desses tratados e instrumentos tem transcendido as circunstâncias desses casos, por vezes acarre-tando modificações nas práticas administrativas e leis nacio-nais. Mesmo que se argumente que a tarefa dos órgãos de supervisão internacional é antes a de remediar violações in-dividuais de direitos humanos do que impugnar leis internas [...], não há como negar que por vezes a própria reparação das violações individuais requer mudanças nas práticas admi-nistrativas e leis nacionais. A prática internacional [...] está repleta de casos em que tais mudanças efetivamente ocorre-ram, consoante as decisões dos órgãos de supervisão interna-cionais nos casos individuais. A competência da Corte IDH é sobretudo para proceder a juízo de convencionalidade de atos materiais e normativos dos Es-tados, ou seja, verificar a compatibilidade desses atos com normas e obrigações internacionais que cada Estado assumiu. Estão sujeitos a esse controle tanto atos administrativos, como legislativos e judi-ciais, porquanto todos são atos estatais. Na hipótese de reconhecimento de incompatibilidade entre algum desses atos e a Convenção – juízo que em última instância cabe à Corte IDH – é inexorável que as autoridades internas pas-sem a observar a sentença desta, diante de seu efeito vinculante, não só para o caso sob litígio, como em todos os demais decorren-tes do mesmo parâmetro normativo. 41 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Obra citada, p. 429-430. 48
  • 49.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Na síntese de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS:42 As sentenças da Corte Interamericana possuem o efeito de coisa julgada inter partes, vinculando as partes em litígio. En-tretanto, cabe considerar o efeito de coisa interpretada de um julgado da Corte, pelo qual os órgãos internos devem se orientar pela interpretação da Corte Interamericana de Di-reitos Humanos, sob pena de concretizar a responsabilidade internacional do Estado que representam. Ignorar o efeito de coisa interpretada e enfatizar a vinculação das partes so-mente em um litígio perante a Corte é atitude, no mínimo, irrealista dos órgãos que representam o Estado e que, por isso mesmo, deveriam se preocupar em evitar sua responsabi-lização internacional. Essa é a situação trazida na presente ADPF. O Estado brasi-leiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Huma-nos no caso GOMES LUND a promover a persecução penal de graves violações a direitos humanos na Guerrilha do Araguaia, com des-consideração de óbices relativos, entre outros, a anistia, prescrição e coisa julgada. Essa decisão é vinculante e de observância obrigatória para todos os órgãos do Estado, inclusive Ministério Público, polícia criminal e Poder Judiciário, por decorrência da ratificação e pro-mulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do respectivo ato de reconhecimento da competência da Corte – em obediência a mandado constitucional específico. Não obstante esse dever de respeito por parte de todos os ór-gão estatais ao decidido pela Corte IDH, comprovou-se que em diversas decisões ações propostas pelo Ministério Público Federal – 42RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, p. 236. 49
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF em casos relacionados diretamente à Guerrilha do Araguaia e tam-bém em outros de possível grave violação a direitos humanos – ju-ízes e tribunais federais (a) recusam efeito vinculante à sentença internacional e (b) impedem o prosseguimento da persecução pe-nal por fundamentos de anistia, prescrição e coisa julgada. Há, portanto, nítida incompatibilidade entre atos estatais (ju-diciais) brasileiros e o conteúdo da sentença internacional, o que caracteriza, a um só tempo, desrespeito à obrigação internacional inscrita no art. 68(1) da Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos e violação a preceitos fundamentais da Constituição brasi-leira (art. 7o do ADCT, §§ 1o e 2o do art. 5o e art. 4o, II). Descabe alegar que a independência do Judiciário o eximiria do dever de observar a decisão da Corte IDH. Sob o ângulo do direito internacional, o magistrado é órgão do Estado, e a decisão internacional a ele também se aplica. Ponto relevante desta ADPF é que a própria Constituição brasileira, se interpretada segundo a premissa de que os sistemas in-terno e internacional de proteção aos direitos humanos devem ser compatibilizados, confere plena força vinculante à sentença do caso GOMES LUND, inclusive no que se refere à interpretação judi-cial da Lei 6.683/1979. Após a decisão da ADPF 153/DF, o tribunal internacional com jurisdição e competência para julgar a matéria proferiu sen-tença de mérito afirmando que “o Estado [brasileiro] é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial 50
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 [...], pela falta de investigação dos fatos do [...] caso, bem como pela falta de julga-mento e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa executada”. Declarou, também, que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a in-vestigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou seme-lhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”. Em consequência, nos termos do ponto resolutivo 9 da sen-tença, “o Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades pe-nais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da [...] Sentença”. Na perspectiva do direito internacional, é irrelevante que os obstáculos opostos à aplicação da lei penal sejam estabelecidos pelo Poder Judiciário do Estado-parte, pois, para o direito aplicável, o ato judicial é fato que, como outros emanados dos órgãos nacio- 51
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF nais legislativos e executivos, expressa a vontade do Estado no sen-tido de cumprir (ou não) as sentenças emanadas dos tribunais in-ternacionais competentes a que o Estado se haja voluntariamente submetido. Não é admissível que, tendo o Brasil se submetido à jurisdi-ção da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por ato de vontade soberana regularmente incorporado a seu ordenamento jurídico, e se comprometido a cumprir as decisões dela (por todos os seus órgãos, repita-se), despreze a validade e a eficácia da sen-tença em questão. Isso significaria flagrante descumprimento dos compromissos internacionais do país e do mandado constitucional de aceitação da jurisdição do tribunal internacional. Responsabilização internacional de Estado por violação de direitos humanos originada de ato judicial pode ocorrer em duas hipóteses: quando a decisão judicial é tardia ou inexistente (no caso de ausência de remédio judicial) ou quando a decisão judicial é tida, no mérito, como violadora de direito protegido: Na hipótese de decisão tardia, argumenta-se que a delonga impede que a prestação jurisdicional seja útil e eficaz. A doutrina consagrou o termo denegação de justiça (ou “déni de justice”) que engloba tanto a inexistência do remédio ju-dicial (recusa de acesso ao Judiciário), ou deficiências do mesmo, o que ocorre, por exemplo, na delonga na prolação do provimento judicial devido ou mesmo na inexistência de tribunais.43 43RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2004. p. 175-176. 52
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Na situação objeto desta ADPF, em razão da pacífica juris-prudência da Corte IDH inaugurada no caso VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ VS. HONDURAS,44 o Estado brasileiro pode ser responsa-bilizado pela omissão em punir, o que caracterizaria a denegação de justiça, com o nascimento de sua responsabilização internacio-nal. No caso GOIBURÚ E OUTROS VS. PARAGUAI (2006), a propósito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos delineou a possibili-dade de controle jurisdicional de convencionalidade da proteção penal insuficiente conferida a certos direitos, ao julgar que o Có-digo Penal paraguaio não tipificava adequadamente as condutas de “desaparecimento forçado” e “tortura”:45 44 Sentenças de 26 de junho de 1987 (sobre exceções preliminares), disponível em < http://bit.ly/CIDHVelRodri > ou < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_01_esp.pdf >, de 29 de julho de 1988 (sobre o mérito), disponível em < http://bit.ly/CIDHVelRodrF > ou < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_04_esp.pdf >, e de 21 de julho de 1989 (sobre indenização e custas), disponível em < http://bit.ly/CIDHVelRodr89 > ou < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_07_esp.pdf >, acesso em 27 ago. 2014. 45 Sentença de 22/9/2006, p. 63. Disponível em: < http://bit.ly/CIDHGoiburu > ou < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_153_esp.pdf >; acesso em 26 ago. 2014. No original em espanhol: “[...] el Tribunal considera que si bien los tipos penales vigentes en el Código Penal paraguayo sobre tortura y ‘desaparición forzosa’ permitirían la penalización de ciertas conductas que constituyen actos de esa naturaleza, un análisis de los mismos permite observar que el Estado las tipificó de manera menos comprehensiva que la normativa internacional aplicable. El Derecho Internacional establece un estándar mínimo acerca de una correcta tipificación de esta clase de conductas y los elementos mínimos que la misma debe observar, en el entendido de que la persecución penal es una vía fundamental para prevenir futuras violaciones de derechos humanos. Es decir, que los Estados pueden adoptar una mayor 53
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF [...] o Tribunal considera que, embora os tipos penais vigen-tes no Código Penal paraguaio sobre tortura e “desapareci-mento forçado” permitiriam a penalização de certas condutas que constituem atos dessa natureza, uma análise deles permite observar que o Estado as tipificou de maneira menos abrangente do que a norma internacional aplicável. O Direito Internacional estabelece padrão mínimo acerca da correta tipificação dessa classe de condutas e os elementos mínimos que ela deve observar, no entendimento de que a persecução penal é uma via fundamental para prevenir futu-ras violações de direitos humanos. Quer dizer que os Estados podem adotar maior severidade no tipo específico para o fim de melhor persecução penal desses delitos, em função do que considerem maior ou melhor tutela dos bens jurídicos protegidos, com a condição de que, ao fazê-lo, não vulnerem essas outras normas às quais estão obrigados. Ademais, a sub-tração de elementos que se consideram irredutíveis na fór-mula persecutória estabelecida em nível internacional, assim como a introdução de modalidades que lhe diminuam sen-tido ou eficácia, podem levar à impunidade de condutas que os Estados estão obrigados sob o Direito Internacional a pre-venir, erradicar e sancionar. Como bem aponta JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES: Dessa forma, os poderes do Estado, inclusive o Judiciário, não podem ignorar preceitos de Direito Internacional em decisões que repercutem na esfera internacional e que, por isso, podem acarretar a responsabilidade internacional do Es-tado e da própria pessoa responsável pela decisão. Afinal, o Juiz é o Estado e atua em seu nome, sobretudo quando de-cide questões que interferem com a ordem internacional de observância compulsória, como as que dizem respeito aos severidad en el tipo específico para efectos de una mejor persecución penal de esos delitos, en función de lo que consideren una mayor o mejor tutela de los bienes jurídicos protegidos, a condición de que al hacerlo no vulneren esas otras normas a las que están obligados. Además, la sustracción de elementos que se consideran irreductibles en la fórmula persecutoria establecida a nivel internacional, así como la introducción de modalidades que le resten sentido o eficacia, pueden llevar a la impunidad de conductas que los Estados están obligados bajo el Derecho Internacional a prevenir, erradicar y sancionar.” 54
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF direitos humanos, genocídio, crimes contra a humanidade e outras a que a comunidade internacional confere tal quali-dade. 46 Em segundo lugar, porque a corte internacional não está a determinar como se deva dar a apreciação de provas ou a interpre-tação de fatos. Apenas definiu que determinadas normas do direito interno, por sua incompatibilidade com a Convenção Americana, não podem ser aplicadas na persecução penal de autores de graves violações aos direitos humanos e de desaparecimentos forçados. Trata-se de juízo semelhante, mas não equivalente, ao con-trole de constitucionalidade. A Corte IDH tem competência para declarar a existência de violações à Convenção Americana e, por conseguinte, de determinar que os órgãos estatais se abstenham de praticar atos concretos que desafiem sua interpretação sobre esse instrumento internacional. Nesse controle, pode afastar a aplicação de atos estatais, inclusive normativos, para garantir a proteção de direitos humanos. Esse aspecto ajudar a reforçar a diferença de extensão entre a decisão dessa Suprema Corte na ADPF 153/DF e a sentença in-ternacional no caso GOMES LUND. Enquanto naquela a decisão foi pela constitucionalidade da anistia a agentes estatais, em quaisquer crimes, a sentença da Corte IDH é de abrangência mais limitada: considerou a invalidade da anistia apenas nos casos de graves viola-ções a direitos humanos e especialmente no de desaparecimentos 46MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 16-17. 55
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF forçados. A Corte de São José, portanto, não reviu a decisão do STF (até porque lhe falta competência a tanto), mas apontou que para garantir proteção judicial de vítimas de graves violações a di-reitos humanos, são inaplicáveis determinadas normas internas, en-tre elas preceitos de anistia, prescrição e coisa julgada. Nos demais casos, permanece de aplicação exclusiva o acórdão prolatado na ADPF 153/DF e demais óbices normativos existentes à responsa-bilização criminal. Se essa Suprema Corte viesse a admitir a permanência da atual situação de incompatibilidade entre os atos judiciais de nega-tiva de persecução penal a crimes cometidos com graves violações a direitos humanos durante a ditadura militar e a sentença do caso GOMES LUND, impor-se-ia a necessidade de declaração de inconsti-tucionalidade do ato de incorporação do artigo 68(1) da Conven-ção Americana sobre Direitos Humanos. De fato, estar-se-ia fixando que tal comando convencional não tem valor nem eficácia perante a Constituição brasileira. Nesse caso, o repúdio à obrigação fixada no artigo 68(1) da Convenção e sua potencial declaração de inconstitucionalidade deveriam conduzir à denúncia integral da Convenção Americana sobre Direitos Humanos pelo Estado brasileiro, porquanto esse ato internacional se submete (art. 75 da convenção) às regras do art. 44(1) da Convenção de Viena sobre o Direitos dos Tratados (pro-mulgada pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009). Este determina que a denúncia ou retirada de tratado somente se pode 56
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF dar de modo integral, salvo previsão específica no próprio texto (a qual inexiste no caso da Convenção Americana).47 Portanto, para desconsiderar o dever de cumprir de boa fé a condenação da Corte IDH, a providência política e jurídica passa necessariamente pela saída do Brasil do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, pois inexiste solução de renúncia parcial à força normativa do tratado. Longe de considerar essa hipótese como cenário real – por si só de duvidosa constitucionalidade e de gravíssima repercussão no relacionamento internacional do Pais –, essa referência convida à necessidade de interpretação harmoniosa entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, conciliando compe-tências, jurisdições e paradigmas normativos. Precisamente para evitar responsabilização internacional do Estado brasileiro, expondo-o a sanções e alçando-o à posição de inadimplente perante o sistema interamericano de proteção a di-reitos humanos, impõe-se adotar hermenêutica voltada à compati-bilização entre o direito interno e o direito internacional. O Brasil não é o único Estado do continente onde atrocida-des foram cometidas contra dissidentes do regime, tampouco o único a ser condenado a promover a persecução penal de desapa-recimentos forçados, execuções sumárias e outras condutas que, já 47WEICHERT, Marlon Alberto. Proteção penal contra violações aos direitos humanos. In: MEYER, Emílio Peluso Neder; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Justiça de Transição nos 25 anos da Constituição brasileira. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. p. 600. 57
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF na época, eram tipificadas como crimes nos respectivos ordena-mentos internos. Como salientou a Corte IDH nos parágrafos 148 e 149 da sentença GOMES LUND: 148. Conforme já fora antecipado, este Tribunal pronun-ciou- se sobre a incompatibilidade das anistias com a Con-venção Americana em casos de graves violações dos direitos humanos relativos ao Peru (BARRIOS ALTOS e LA CANTUTA) e Chile (ALMONACID ARELLANO e outros). 149. No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do qual Brasil faz parte por decisão soberana, são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anis-tia com as obrigações convencionais dos Estados, quando se trata de graves violações dos direitos humanos. Além das mencionadas decisões deste Tribunal, a Comissão Interame-ricana concluiu, no presente caso e em outros relativos à Ar-gentina, Chile, El Salvador, Haiti, Peru e Uruguai, sua contrariedade com o Direito Internacional. A Comissão também recordou que: se pronunciou em um número de casos-chave, nos quais teve a oportunidade de expressar seu ponto de vista e cristalizar sua doutrina em matéria de apli-cação de leis de anistia, estabelecendo que essas leis violam diversas disposições, tanto da Declaração Americana como da Convenção. Essas decisões, coincidentes com o critério de outros órgãos internacionais de direitos humanos a res-peito das anistias, declararam, de maneira uniforme, que tanto as leis de anistia como as medidas legislativas compará-veis, que impedem ou dão por concluída a investigação e o julgamento de agentes de [um] Estado, que possam ser res-ponsáveis por sérias violações da Convenção ou da Declara-ção Americana, violam múltiplas disposições desses instrumentos. Não se diga, por fim, que a Corte IDH carece de jurisdição sobre fatos anteriores a dezembro de 1998, data da publicação do Decreto Legislativo 89, de 3 de dezembro de 1998, que reconhe- 58
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF ceu a competência contenciosa da corte em todos os casos relati-vos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. É que, consoante a jurisprudência da própria Corte IDH, intérprete autorizada de seus próprios atos, as viola-ções de direitos fundamentais objeto da sentença do caso GOMES LUND não dizem diretamente respeito a atos atentatórios à vida, à integridade física e à liberdade dos mortos e desaparecidos políti-cos, perpetrados nas décadas de 1970 e 1980, mas à omissão estatal em buscar o paradeiro dos desaparecidos e em investigar e promo-ver a responsabilização penal dos agentes estatais envolvidos em graves violações a direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Essa omissão possui caráter permanente e prolonga-se até a presente data, motivo pelo qual a Corte IDH possui plena compe-tência para decidir a respeito dos efeitos presentes da Lei 6.683/1979 e da omissão estatal em promover a persecução penal dos crimes cometidos no período, inclusive os de caráter instantâ-neo, quando imprescritíveis. III.3. “CRIMES DE GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS” Uma vez que não existe, no sistema jurídico brasileiro, a cate-goria “crimes de graves violações de direitos humanos”, supõe-se que a pretensão do arguente se volte contra condutas que, ao tempo da ação, eram tipificadas como criminosas, e simultanea-mente, sejam consideradas “graves violações a direitos humanos” para fins de incidência dos pontos resolutivos 3 e 9 da sentença do caso GOMES LUND. 59
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Como já referido, o ponto 3 da sentença contém decisão de natureza declaratória, formulada nos seguintes termos: As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a in-vestigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obs-táculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil. A tutela declaratória (de efeitos erga omnes), como se vê, não alcança todas as causas de extinção da punibilidade que possam vir a incidir sobre as “graves violações de direitos humanos” ocorridas em território brasileiro durante o regime militar, mas tão somente sobre aquela prevista na primeira parte do art. 107, inciso II, do atual Código Penal, isto é, a anistia. A referência a outras hipóteses de exclusão da punibilidade estatal – “prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente si-milar” – é feita na tutela mandamental específica, dirigida à apura-ção do desaparecimento forçado e/ou da execução extrajudicial das vítimas indicadas nos parágrafos 251 e 252 da decisão. A juris-prudência da Corte IDH, contudo, desde o julgamento BARRIOS ALTOS VS. PERU (2001), é uniforme no sentido de afirmar que “são inadmissíveis as disposições de anistia, prescrição e o estabeleci-mento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis por graves violações de di-reitos humanos tais como a tortura, as execuções sumárias extrale- 60
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF gais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas elas proi-bidas por contrariar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Di-reito Internacional dos Direitos Humanos”. No caso, importa definir quais condutas típicas alcançadas pela Lei da Anistia devem ser consideradas “graves violações de di-reitos humanos” para o fim de determinar o (re)início da persecu-ção penal. Convém notar que o termo “graves violações de direitos humanos” é plurívoco e reconhecidamente pouco opera-tivo para definição dos deveres positivos dos Estados em matéria penal. É também fator de insegurança jurídica, uma vez que não fixa, com a certeza exigida pelos ordenamentos de tradição conti-nental, quais condutas devem ser tipificadas pelos ordenamentos estatais e, dentre estas, quais constituem violação de direitos huma-nos suficientemente grave para afastar a incidência da prescrição, da anistia e de outras causas de exclusão da punibilidade usual-mente reconhecidas nesses ordenamentos. O problema, observa NAOMI ROHT-ARRIAZA, é que “a linguagem usada em alguns casos... parece ignorar distinções e gradações, tanto em intensidade como em escopo, entre violações de direitos humanos. Assim, literal-mente qualquer violação a direitos humanos reconhecida em tra-tado ou costume... estaria sujeita às obrigações de investigar, promover a ação penal e reparar o dano.”48 48ROHT-ARRIAZA, Naomi. Impunity and Human Rights in International Law and Practice. New York/Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 67. 61
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF A decisão da Corte IDH no mencionado caso BARRIOS ALTOS (2001) completa a sentença de VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ (1988),49 na qual, pela primeira vez, aquele tribunal reconheceu o dever dos Estados-membros do sistema interamericano de investigar e punir graves violações a direitos humanos. Em ambos os casos, tratava-se de garantir a responsabilização de militares envolvidos na tortura e execução sumária de dissidentes políticos, e a Corte nitidamente optou por não definir de forma taxativa nem os crimes que mere-cem punição (pois o rol apresentado é exemplificativo), nem as causas de exclusão da punibilidade inadmitidas pelo sistema. Em BARRIOS ALTOS, o critério para afastar as causas de extinção da pu-nibilidade (aparentemente qualquer uma, com exceção da morte do agente) parece ter sido apenas a natureza não derrogável do di-reito humano violado . Em PROSECUTOR VS. TADIĆ (1995), o Tribunal Penal Internacio-nal para a ex-Iugoslávia estabeleceu o seguinte padrão interpreta-tivo (standard), usualmente citado como critério definidor do que deve entender-se como “grave ofensa” do ponto de vista do Di-reito Penal Internacional: a) a violação deve constituir ofensa a re-gra de direito humanitário internacional; b) a regra deve ser “costumeira por natureza” ou, se pertencer a tratado, deve atender às condições de validade dos acordos internacionais; c) a violação deve ser “grave”, isto é, deve constituir quebra da regra de prote-ção a valores importantes e deve também envolver graves conse-quências para a vítima; d) a violação da regra deve acarretar, sob o 49 Vide referência na nota 44. 62
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF direito costumeiro ou dos tratados, responsabilidade criminal indi-vidual do agressor. A referência à responsabilização criminal individual do agres-sor, pelo Direito Internacional, costumeiro ou convencional, aponta para a sinonímia entre os conceitos de “graves violações de direitos humanos” e crimes de lesa-humanidade para fins de defi-nição do objeto da persecução penal estabelecida na sentença do caso GOMES LUND. É o que, aliás, tem sido adotado no Ministério Público Federal, como se verifica do teor das nove denúncias até agora ajuizadas: em todas elas houve referência ao contexto de ata-que sistemático e generalizado à população civil em que os crimes foram praticados e a classificação dos fatos como delitos de lesa-humanidade. Dessa maneira, o pressuposto de não incidência dos dispositi-vos de anistia às graves violações a direitos humanos cometidas no contexto da repressão política do Estado ditatorial é a existência de fato típico antijurídico, definido como tal por norma válida an-terior, e que constitua simultaneamente, na perspectiva do Direito Internacional costumeiro cogente ou do direito dos tratados, de-lito de lesa-humanidade (ou a ele conexo) e, desse modo, insusce-tível de anistia. 63
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF III.4. O CARÁTER DE LESA-HUMANIDADE DE CRIMES COMETIDOS POR AGENTES DA DITADURA BRASILEIRA DE 1964 As atividades de persecução penal desenvolvidas pelo Minis-tério Público Federal, consignadas no relatório que está na peça 14,50 juntado pelo requerente, confirmam o que há muito consti-tui fato notório no que se refere à história do período: os métodos empregados na repressão aos opositores do regime militar exorbi-taram a própria legalidade autoritária instaurada pelo golpe de 1964. Isso ocorreu, entre outros motivos, porque o objetivo primá-rio do sistema não era a produção de provas válidas para serem usadas em processos judiciais, como seria de esperar, mas o des-mantelamento, a qualquer custo, independentemente das regras ju-rídicas aplicáveis, das organizações de oposição, especialmente as envolvidas em ações de resistência armada. Não se pretende estabelecer nesta manifestação discussão acerca da legitimidade dos métodos empregados pelos opositores do regime autoritário no período pós-1964. O que se aponta é que ao Estado cabia resistir às ações que reputasse ilegítimas nos termos da lei. Foram as ações à margem da lei dos agentes estatais que resultaram no cometimento de crimes de lesa-humanidade, de 50Grupo de Trabalho Justiça de Transição: atividades de persecução penal desenvolvidas pelo Ministério Público Federal – 2011-2013. Também disponível em < http://bit.ly/mpf00014 > ou < http://2ccr.pgr.mpf.mp.br/coordenacao/grupos-de-trabalho/justica-de-transicao/ relatorios-1/Relatorio%20Justica%20de%20Transicao%20- %20Novo.pdf >, acesso em 26 ago. 2014. 64
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF graves violações a direitos humanos, objeto da sentença da Corte IDH, objeto deste processo. Nesses termos, o respeito às garantias mais fundamentais das pessoas suspeitas ou presas era frequentemente letra morta para os agentes públicos envolvidos na repressão política. Como era notó-rio e foi atestado nos últimos meses por novas provas obtidas pelo Ministério Público Federal, a prática de invasões de domicílio, se-questros e tortura não era estranha ao sistema. Ao contrário, tais ações faziam parte do método regular de obtenção de informações empregado por órgãos como o Centro de Informações do Exér-cito (CIE) e os Destacamentos de Operações de Informações (DOIs). Além disso, a partir dos desaparecimentos de VIRGÍLIO GOMES DA SILVA, em São Paulo, em setembro de 1969, e de MÁRIO ALVES DE SOUZA VIEIRA, no Rio de Janeiro, no início de 1970, verificou-se cometimento sistemático do crime internacionalmente conhecido como desaparecimento forçado. Tal delito consiste na privação da liberdade de pessoa, praticada por agentes do Estado, seguida da falta de informação ou da recusa em reconhecer tal privação da li-berdade ou em informar sobre o paradeiro da vítima. Este crime foi cometido contra ao menos 150 desaparecidos políticos,51 reco- 51 Cf. BRASIL. Direito à memória e à verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007. Disponível em: < http://bit.ly/dirmever > ou < http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/livro_direito_memoria_verdade /livro_direito_memoria_verdade_sem_a_marca.pdf >; acesso em 25 ago. 2014. Vide quadro apud JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo (1969-1975). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional; São Paulo: EDUSP, 2013. 65
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF nhecidos como tais pela Lei 9.140, de 4 de dezembro de 1995,52 e pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Sem prejuízo das considerações acerca da estrutura e funcio-namento dos organismos da repressão política lançadas nas nove ações penais já ajuizadas, importa enfatizar que torturas, mortes e desaparecimentos não eram acontecimentos isolados no quadro da repressão política, mas a parte mais violenta e clandestina de um sistema organizado para suprimir a oposição ao regime, não raro mediante ações criminosas cometidas e acobertadas por agentes do Estado. Desaparecimentos forçados, execuções sumárias, tortura e muitas infrações penais a eles conexas já eram, na época de seu co-metimento pelo regime autoritário, qualificados como crimes contra a humanidade, razão pela qual devem sobre eles incidir as consequências jurídicas decorrentes da subsunção às normas co-gentes de direito internacional, notadamente a imprescritibilidade e a insuscetibilidade de concessão de anistia. A qualificação das condutas imputadas como crimes de lesa-humanidade decorre de normas cogentes do direito costumeiro internacional,53 que definem como tais desaparecimentos forçados, p. 324. 52 De acordo com sua ementa, a Lei 9.140/1995 “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências”. 53 Como se sabe, o costume é fonte de Direito Internacional e, nos termos do art. 38 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (promulgada no país pelo Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009) possui força normativa vinculante mesmo para Estados que não tenham participado da 66
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF execuções sumárias de pessoas (também conhecidas internacional-mente como execuções extrajudiciais), tortura e outros delitos co-metidos no contexto de ataque sistemático ou generalizado a população civil. Como uma das consequências do reconhecimento desses delitos, devem eles ser submetidos à jurisdição universal e declarados insuscetíveis de anistia e prescrição. A reprovação jurídica internacional a tais condutas e a im-prescritibilidade da ação penal a elas correspondente está evidenci-ada pelas seguintes provas do direito costumeiro cogente anterior: a) Carta do Tribunal Militar Internacional (1945);54 b) Lei do formação do tratado que reproduza regra consuetudinária. Estabelece o dispositivo: “Artigo 38 Regras de um Tratado Tornadas Obrigatórias para Terceiros Estados por Força do Costume Internacional Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal.” 54 Agreement for the Prosecution and Punishment of the Major War Criminals of the European Axis, and Charter of the International Military Tribunal. Londres, 8 ago. 1945. Disponível em: < http://avalon.law.yale.edu/imt/imtconst.asp >, acesso em 27 ago. 2014. O acordo estabelece a competência do tribunal para julgar crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, no art. 6(c): “nomeadamente, homicídio, extermínio, escravização, deportação e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em razões políticas, raciais ou religiosas na execução de ou em conexão com qualquer crime sujeito à jurisdição do Tribunal, estejam ou não em violação ao direito interno do país onde hajam sido perpetrados” (no original: “namely, murder, extermination, enslavement, deportation, and other inhumane acts committed against any civilian population, before or during the war; or persecutions on political, racial or religious grounds in execution of or in connection with any crime within the jurisdiction of the Tribunal, whether or not in violation of the domestic law of the country where perpetrated”). 67
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Conselho de Controle no 10 (1945);55 c) Princípios de Direito In-ternacional reconhecidos na Carta do Tribunal de Nuremberg e nos julgamentos do Tribunal, com comentários (International Law Commission, 1950);56 d) Relatório da Comissão de Direito Inter-nacional da Organização das Nações Unidas (ONU) (1954);57 55 Nuremberg Trials Final Report Appendix D: Control Council Law No. 10: Punishment of Persons Guilty of War Crimes, Crimes Against Peace and Against Humanity, art. II. Disponível em: < http://avalon.law.yale.edu/imt/imt10.asp >, acesso em 27 ago. 2014. Segundo o documento: “1. Cada um dos seguintes atos é reconhecido como crime: [...] (c) Crimes contra a Humanidade. Atrocidades e crimes, incluindo mas não se limitando a homicídio, extermínio, escravização, deportação, prisão, tortura, estupro e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil, ou persecução baseada em razões políticas, raciais ou religiosas, estejam ou não em violação ao direito interno do país onde hajam sido perpetrados. [...]”. No original: “1. Each of the following acts is recognized as a crime: [...] (c) Crimes against Humanity. Atrocities and offenses, including but not limited to murder, extermination, enslavement, deportation, imprisonment, torture, rape, or other inhumane acts committed against any civilian population, or persecutions on political, racial or religious grounds whether or not in violation of the domestic laws of the country where perpetrated. [...]”. 56 Texto adotado pela Comissão de Direito Internacional e submetido à Assembleia Geral das Nações Unidas como parte do relatório da Comissão. O relatório foi publicado no Yearbook of the International Law Commission, 1950, v. II e está disponível em: < http://bit.ly/juri000l > ou < https://www.jura.uni-bonn. de/fileadmin/Fachbereich_Rechtswissenschaft/Einrichtungen/Lehrs tuehle/Strafrecht5/Materialien/Nuremberg_Principles.pdf >, acesso em 27 ago. 2014. “Princípio VI – Os crimes doravante estabelecidos são puníveis como crimes segundo o Direito Internacional: (a) Crimes contra a paz: [...]. (b) Crimes de guerra: [...]. (c) Crimes contra a humanidade: Homicídio, extermínio, escravização, deportação e outros atos desumanos praticados contra qualquer população civil, ou perseguições baseadas em razões políticas, raciais ou religiosas, quando tais atos sejam praticados ou tais perseguições sejam cometidas na execução de ou em conexão com qualquer crime contra a paz ou qualquer crime de guerra. [...] 122. O 68
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF e) Resolução 2184 (Assembleia Geral da ONU, 1966);58 f) Reso-lução 2202 (Assembleia Geral da ONU, 1966);59 g) Resolução 2338 (Assembleia Geral da ONU, 1967);60 h) Resolução 2583 (Assembleia Geral da ONU, 1969);61 i) Resolução 2712 (Assem-bleia Geral da ONU, 1970);62 j) Resolução 2840 (Assembleia Ge- Tribunal, contudo, não excluiu a possibilidade de que crimes contra a humanidade sejam cometidos também antes de uma guerra. 123. Em sua definição de crimes contra a humanidade, a Comissão omitiu a expressão ‘antes ou durante a guerra’ contida no artigo 6 (c) da Carta do Tribunal de Nuremberg porque essa expressão se referia a uma guerra em particular, a guerra de 1939. A omissão da expressão não significa que a Comissão considere que crimes contra a humanidade possam ser cometidos apenas durante uma guerra. Ao contrário, a Comissão é de opinião que tais crimes podem ter lugar também antes de uma guerra em conexão com crimes contra a paz. 124. De acordo com o artigo 6 (c) da Carta, a formulação acima caracteriza como crimes contra a humanidade homicídio, extermínio, escravização etc., cometidos contra ‘qualquer’ população civil. Isso significa que esses atos podem ser crimes contra a humanidade mesmo se forem cometidos pelo agente contra sua própria população.” No original: “Principle VI – The crimes hereinafter set out are punishable as crimes under international law: (a) Crimes against peace: [...]. (b) War crimes: […]. (c) Crimes against humanity: Murder, extermination, enslavement, deportation and other inhuman acts done against any civilian population, or persecutions on political, racial or religious grounds, when such acts are done or such persecutions are carried on in execution of or in connection with any crime against peace or any war crime. [...] 122. The Tribunal did not, however, thereby exclude the possibility that crimes against humanity might be committed also before a war. 123. In its definition of crimes against humanity the Commission has omitted the phrase "before or during the war" contained in article 6 (c) of the Charter of the Nuremberg Tribunal because this phrase referred to a particular war, the war of 1939. The omission of the phrase does not mean that the Commission considers that crimes against humanity can be committed only during a war. On the contrary, the Commission is of the opinion that such crimes may take place also before a war in connection with crimes against peace. 124. In accordance with article 6 (c) of the Charter, the above formulation characterizes as crimes against humanity murder, extermination, enslavement, etc., committed against ‘any’ civilian population. This means that these acts may be crimes against humanity 69
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF ral da ONU, 1971);63 k) Princípios de Cooperação Internacional na identificação, prisão, extradição e punição de pessoas condena-das por crimes de guerra e crimes contra a humanidade (Resolu-ção 3074 da Assembleia Geral da ONU, 1973).64 Na Convenção das Nações Unidas sobre a Imprescritibili-dade de Crimes de Guerra e de Crimes contra a Humanidade even if they are committed by the perpetrator against his own population.” O histórico completo dos trabalhos da Comissão está disponível em < http://untreaty.un.org/ilc/guide/7_3.htm >. Sobre o assunto, observa ANTONIO CASSESSE (International Criminal Law. Oxford/NewYork: Oxford University Press, 2008. p. 108) que o vinculo entre crimes contra a humanidade e os crimes contra a guerra e contra a paz foi formalmente suprimido no anteprojeto de Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade, em 1996 (“It is interesting to note that the link between crimes against humanity and crimes against peace and war crimes was later deleted by the Commission when it adopted the draft Code of Crimes against the Peace and Security of Mankind of 1996”). 57 Report of the International Law Commission Covering the Work of its Sixth Session, 28 July 1954, Official Records of the General Assembly, Ninth Session, Supplement No. 9 (A/2693). Article 2, paragraph 11 (previously paragraph 10), disponível em < http://bit.ly/un000A > ou < http://untreaty.un.org/ilc/documentation/english/a_cn4_88.pdf >, acesso em 27 ago. 2014. Diz o comentário: “Comentário – O texto anteriormente aprovado pela Comissão dizia o que se segue: [...]. Este texto correspondia em substância ao artigo 6, parágrafo (c), da Carta do Tribunal Militar Internacional em Nuremberg. Era, contudo, mais amplo em escopo do que dito parágrafo em dois aspectos: proibia também atos desumanos cometidos por motivos culturais e, ademais, caracterizava como crimes sob o Direito Internacional não apenas atos desumanos cometidos em conexão com crimes contra a paz ou crimes de guerra, conforme definidos naquela Carta, mas também tais atos cometidos em conexão com todas as outras infrações definidas no artigo 2 do anteprojeto de Código. A Comissão decidiu alargar o escopo do parágrafo de forma a tornar a punição dos atos enumerados no parágrafo independente de eles serem ou não cometidos em conexão com outras infrações definidas no anteprojeto de Código. Por outro lado, a fim de não caracterizar qualquer ato desumano cometido por um indivíduo privado como crime internacional, achou-se necessário dispor que tal ato constitui crime internacional apenas se cometido pelo indivíduo privado por instigação ou com a tolerância das 70
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF (1968),65 a imprescritibilidade estende-se aos “crimes contra a hu-manidade, cometidos em tempo de guerra ou em tempo de paz e definidos como tais no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg de 8 de agosto de 1945 e confirmados pelas Reso-luções no 3 e 95 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 13 de fevereiro de 1946 e 11 de dezembro de 1946”. Nota-se, sobretudo autoridades de um Estado.” No original: “Comment – The text previously adopted by the Commission read as follows: [...]. This text corresponded in substance to article 6, paragraph (c), of the Charter of the International Military Tribunal at Nürnberg. It was, however, wider in scope than the said paragraph in two respects: it prohibited also inhuman acts committed on cultural grounds and, furthermore, it characterized as crimes under international law not only inhuman acts committed in connexion with crimes against peace or war crimes, as defined in that Charter, but also such acts committed in connexion with all other offences defined in article 2 of the draft Code. The Commission decided to enlarge the scope of the paragraph so as to make the punishment of the acts enumerated in the paragraph independent of whether or not they are committed in connexion with other offences defined in the draft Code. On the other hand, in order not to characterize any inhuman act committed by a private individual as an international crime, it was found necessary to provide that such an act constitutes an international crime only if committed by the private individual at the instigation or with the toleration of the authorities of a State.” 58 Disponível em < http://bit.ly/un000B > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/21/ares21.htm >, acesso em 27 ago. 2014. O artigo 3 da Resolução condena, como crime contra a humanidade, a política colonial do governo português, a qual “viola os direitos econômicos e políticos da população indígena por meio do assentamento de imigrantes estrangeiros nos territórios e da exportação de trabalhadores africanos para a África do Sul”. 59 Disponível em < http://bit.ly/un000B > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/21/ares21.htm >, acesso em 27 ago. 2014. O artigo 1 da resolução condena a política de apartheid praticada pelo governo da África do Sul como crime contra a humanidade. 60 Disponível em < http://bit.ly/un000D > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/22/ares22.htm >, acesso em 27 ago. 2014. A resolução “reconhece ser necessário e oportuno afirmar no direito internacional, por meio de uma convenção, o princípio segundo o 71
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF a partir dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional da ONU da década de 1950 e das resoluções de sua Assembleia Geral em meados dos anos 1960, crescente tendência de dispensar o ele-mento contextual “guerra” na definição dos crimes contra a hu-manidade. qual não há prescrição penal para crimes de guerra e crimes contra a humanidade” e recomenda que “nenhuma legislação ou outra medida seja tomada que possa ser prejudicial aos objetivos e propósitos de uma convenção sobre a inaplicabilidade de limitações legais a [persecução de] crimes de guerra e crimes contra a humanidade, na pendência da aprovação de uma convenção [sobre o assunto] pela Assembleia Geral”. 61 Disponível em < http://bit.ly/un000G > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/24/ares24.htm >, acesso em 27 ago. 2014. A resolução convoca todos os Estados da comunidade internacional a adotar as medidas necessárias à completa investigação de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, conforme definidos no art. I da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, bem como à identificação, prisão, extradição e punição de todos os criminosos de guerra e pessoas culpadas por crimes contra a humanidade que ainda não tenham sido processadas ou punidas. 62 Disponível em < http://bit.ly/un000J > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/25/ares25.htm >, acesso em 27 ago. 2014. A resolução lamenta que numerosas decisões aprovadas pelas Nações Unidas sobre a questão da punição de criminosos de guerra e de pessoas que cometeram crimes contra a humanidade ainda não estavam sendo totalmente cumpridas pelos Estados e expressa profunda preocupação com o fato de que, nas condições atuais, como resultado de guerras de agressão e políticas e práticas de racismo, apartheid, colonialismo e outras ideologias e práticas similares, crimes de guerra e crimes contra a humanidade estavam sendo cometidos em várias partes do mundo. A resolução também convoca os Estados que ainda não tenham aderido à Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade a observar estritamente as provisões da Resolução 2583 da Assembleia Geral da ONU. 63 Disponível em < http://bit.ly/un000L > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/26/ares26.htm >, acesso em 27 ago. 2014. A resolução reproduz os termos da Resolução 2712. 64ONU. Princípios de Cooperação Internacional na Identificação, Prisão, 72
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Especificamente o uso da expressão “desaparecimento for-çado de pessoas” difundiu-se no plano internacional a partir de milhares de casos de sequestro, homicídio e ocultação de cadáver de militantes políticos contrários a regimes ditatoriais instalados na América Latina. Um dos primeiros registros internacionais desse nomen juris está na Resolução 33/173, da Assembleia Geral das Nações Unidas (de 20 de dezembro de 1978), sobre perssoas desaparecidas.66 A re-solução, editada um ano antes da lei brasileira de anistia, convoca os Estados a: a) dedicar recursos apropriados à busca de pessoas de-saparecidas e à investigação rápida e imparcial dos fatos; b) assegu-rar que agentes policiais e de segurança e suas organizações sejam Extradição e Punição de Pessoas Culpadas por Crimes de Guerra e Crimes Contra a Humanidade. Aprovados pela Resolução 3074 da Assembleia Geral em 3 de dezembro de 1973. Estabelece o Princípio 1: “Crimes de guerra e crimes contra a humanidade, onde quer que sejam cometidos, devem estar sujeitos a investigação, e as pessoas contra as quais haja prova de que tenham cometido tais crimes devem estar sujeitas a localização, prisão, julgamento e, se julgadas culpadas, a punição.” No original: “War crimes and crimes against humanity, wherever they are committed, shall be subject to investigation and the persons against whom there is evidence that they have committed such crimes shall be subject to tracing, arrest, trial and, if found guilty, to punishment.” Disponível em < http://bit.ly/un000M > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/28/ares28.htm >, acesso em 27 ago. 2014. 65 Aprovada pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução 2391 (XXIII), de 26 de novembro de 1968. Entrou em vigor no direito internacional em 11 de novembro de 1970. Disponível em < http://bit.ly/CLWCrimes > ou < http://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/warcrimes.pdf >, acesso em 27 ago. 2014. 66 Disponível em < http://bit.ly/UNRes33-173 > ou < http://www.un.org/documents/ga/res/33/ares33r173.pdf >, acesso em 27 ago. 2014. 73
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF passíveis de total responsabilização (fully accountable) pelos atos rea-lizados no exercício de suas funções e especialmente por abusos que possam ter causado o desaparecimento forçado de pessoas e outras violações a direitos humanos; c) assegurar que os direitos humanos de todas as pessoas, inclusive aquelas submetidas a qual-quer forma de detenção ou aprisionamento, sejam totalmente res-peitados. É desnecessário dizer que, à parte iniciativas isoladas do pró-prio Ministério Público Federal na região de Marabá (PA) e mal-grado as recomendações internacionais dirigidas ao Estado brasileiro desde meados da década de 1970, nenhuma investigação efetiva a respeito dos desaparecimentos forçados cometidos du-rante o regime de exceção fora feita até a sentença da Corte IDH no caso GOMES LUND (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. Isso não significa, obviamente, que as condutas antijurídicas cometidas por agentes estatais durante o regime militar sejam indiferentes para o Direito Penal Internacional. Sem dúvida não o são, como se depreende dos documentos oficiais acima referidos. No panorama do sistema interamericano de proteção a direi-tos humanos, a Corte IDH, desde o precedente VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ VS. HONDURAS, de 1989,67 vem repetidamente afir-mando a incompatibilidade entre as garantias previstas na Conven-ção Americana sobre Direitos Humanos e as regras de direito interno que excluem a punibilidade dos desaparecimentos força-dos: 67 Vide referências na nota 44. 74
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF 150. O fenômeno dos desaparecimentos constitui uma forma complexa de violação dos direitos humanos que deve ser compreendida e encarada de maneira integral. 153. Embora não exista nenhum texto convencional em vi-gor, aplicável aos Estados Partes da Convenção, que empre-gue essa qualificação, a doutrina e a prática internacionais qualificaram muitas vezes os desaparecimentos como um de-lito contra a humanidade (Anuario Interamericano de Derechos Humanos, 1985, pp. 369, 687 y 1103). A Assembleia da OEA afirmou que “é uma afronta à consciência do Hemisfério e constitui um crime de lesa-humanidade” (AG/RES.666, su-pra). 68 Igual entendimento pode ser encontrado nos seguintes julga-dos da Corte IDH: BLAKE VS. GUATEMALA;69 BARRIOS ALTOS VS. PERU;70 BAMACA VELÁSQUEZ VS. GUATEMALA;71 TRUJILLO OROZA VS. BOLÍVIA;72 IRMÃS SERRANO CRUZ VS. EL SALVADOR;73 MASSACRE DE 68 VELÁSQUEZ RODRÍGUEZ VS. HONDURAS. Fondo. Sentencia de 29 de julio de 1988, p. 31-32. Vide referências na nota 44. No original: “150. El fenómeno de las desapariciones constituye una forma compleja de violación de los derechos humanos que debe ser comprendida y encarada de una manera integral. [...] 153. Si bien no existe ningún texto convencional en vigencia, aplicable a los Estados Partes en la Convención, que emplee esta calificación, la doctrina y la práctica internacionales han calificado muchas veces las desapariciones como un delito contra la humanidad (Anuario Interamericano de Derechos Humanos, 1985, pp. 369, 687 y 1103). La Asamblea de la OEA ha afirmado que ‘es una afrenta a la conciencia del Hemisferio y constituye un crimen de lesa humanidad’ (AG/RES.666, supra).” 69 BLAKE VS. GUATEMALA. Exceções Preliminares. Sentença de 2 de julho de 1996. Série C No 27. 70 BARRIOS ALTOS VS. PERU. Reparações e Custas. Sentença de 30 de novembro de 2001. Série C No 109. 71 BÁMACA VELÁSQUEZ VS. GUATEMALA. Reparações e Custas. Sentença de 22 de fevereiro de 2002. Série C No 91. 72 TRUJILLO OROZA VERSUS BOLÍVIA. Reparações e Custas. Sentença de 27 de fevereiro de 2002. Série C No 92. 73 IRMÃS SERRANO CRUZ VERSUS EL SALVADOR. Exceções Preliminares. Sentença de 23 de novembro de 2004. Série C No 118. 75
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF MAPIRIPÁN VS. COLÔMBIA;74 GOIBIRÚ VS. PARAGUAI;75 LA CANTUTA VS. PERU;76 RADILLA PACHECO VS. MÉXICO77 e IBSEN CÁRDENAS E IBSEN PEÑA VS. BOLÍVIA.78 Em 24 de novembro de 2010, a Corte IDH finalmente deli-berou sobre caso envolvendo 62 dissidentes políticos brasileiros desaparecidos entre 1973 e 1974 no sul do Pará, no chamado epi-sódio da “Guerrilha do Araguaia”. A sentença do caso GOMES LUND VS. BRASIL79 é cristalina quanto ao dever cogente do Estado brasileiro de promover investigação e responsabilização criminal dos autores desses desaparecimentos. Tendo em vista a relevância desse decisum para este processo, reproduzem-se abaixo alguns tre-chos: 137. Desde sua primeira sentença, esta Corte destacou a im-portância do dever estatal de investigar e punir as violações de direitos humanos. A obrigação de investigar e, se for o caso, julgar e punir, adquire particular importância ante a gravidade dos crimes cometidos e a natureza dos direitos ofendidos, especialmente em vista de que a proibição do de-saparecimento forçado de pessoas e o correspondente dever de investigar e punir aos responsáveis há muito alcançaram o caráter de jus cogens. [...] 74 CASO DO MASSACRE DE MAPIRIPÁN VERSUS COLÔMBIA. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C No 134. 75 CASO GOIBURÚ Y OTROS VS. PARAGUAY. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 22 de septiembre de 2006. Serie C, No 153. 76 LA CANTUTA VERSUS PERU. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 29 de novembro de 2006. Série C No 162 . 77RADILLA PACHECO VS. MÉXICO. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 23 de novembro de 2009. Série C No 209. 78 IBSEN CÁRDENAS E IBSEN PEÑA VS. BOLÍVIA. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1o de setembro de 2010. Série C No 217. 79 GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) VS. BRASIL, citado. 76
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF 140. Além disso, a obrigação, conforme o Direito Internaci-onal, de processar e, caso se determine sua responsabilidade penal, punir os autores de violações de direitos humanos, de-corre da obrigação de garantia, consagrada no artigo 1.1 da Convenção Americana. [...]. 141. A obrigação de investigar e, se for o caso, punir as graves violações de direitos humanos foi afirmada por todos os ór-gãos dos sistemas internacionais de proteção de direitos hu-manos. [...] 147. As anistias ou figuras análogas foram um dos obstáculos alegados por alguns Estados para investigar e, quando fosse o caso, punir os responsáveis por violações graves aos direitos humanos. Este Tribunal, a Comissão Interamericana de Di-reitos Humanos, os órgãos das Nações Unidas e outros orga-nismos universais e regionais de proteção dos direitos humanos pronunciaram-se sobre a incompatibilidade das leis de anistia, relativas a graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional e as obrigações internacionais dos Estados. [...] 163. Do mesmo modo, diversos Estados membros da Orga-nização dos Estados Americanos, por meio de seus mais altos tribunais de justiça, incorporaram os parâmetros menciona-dos, observando de boa-fé suas obrigações internacionais. A Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina resolveu, no Caso Simón, declarar sem efeitos as leis de anistia que cons-tituíam neste país um obstáculo normativo para a investiga-ção, julgamento e eventual condenação de fatos que implicavam violações dos direitos humanos [...] 164. No Chile, a Corte Suprema de Justiça concluiu que as anistias a respeito de desaparecimentos forçados, abrangeriam somente um determinado tempo e não todo o lapso de du-ração do desaparecimento forçado ou seus efeitos [...]. 165. Recentemente, a mesma Corte Suprema de Justiça do Chile, no caso LECAROS CARRASCO, anulou a sentença absolu-tória anterior e invalidou a aplicação da anistia chilena pre-vista no Decreto-Lei No. 2.191, de 1978, por meio de uma sentença de substituição, nos seguintes termos: “[O] delito de sequestro […] tem o caráter de crime contra a humanidade 77
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF e, consequentemente, não procede invocar a anistia como causa extintiva da responsabilidade penal. 166. Por outro lado, o Tribunal Constitucional do Peru, no Caso de SANTIAGO MARTÍN RIVAS, ao resolver um recurso ex-traordinário e um recurso de agravo constitucional, precisou o alcance das obrigações do Estado nesta matéria: [O] Tribu-nal Constitucional considera que a obrigação do Estado de investigar os fatos e sancionar os responsáveis pela violação dos direitos humanos declarados na Sentença da Corte Inte-ramericana de Direitos Humanos não somente compreende a nulidade daqueles processos a que houvessem sido aplica-das as leis de anistia [...], após ter-se declarado que essas leis não têm efeitos jurídicos, mas também toda prática destinada a impedir a investigação e punição pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal. [...] 167. No mesmo sentido, pronunciou-se recentemente a Su-prema Corte de Justiça do Uruguai, a respeito da Lei de Ca-ducidade da Pretensão Punitiva do Estado nesse país (…). 168. Finalmente, a Corte Constitucional da Colômbia, em diversos casos, levou em conta as obrigações internacionais em casos de graves violações de direitos humanos e o dever de evitar a aplicação de disposições internas de anistia (…). 169. Igualmente, a Corte Suprema de Justiça da Colômbia salientou que “as normas relativas aos [d]ireitos [h]umanos fazem parte do grande grupo de disposições de Direito In-ternacional Geral, reconhecidas como normas de [j]us co-gens, razão pela qual aquelas são inderrogáveis, imperativas [...] e indisponíveis”. A Corte Suprema da Colômbia lem-brou que a jurisprudência e as recomendações dos organis-mos internacionais sobre direitos humanos devem servir de critério preferencial de interpretação, tanto na justiça consti-tucional como na ordinária e citou a jurisprudência deste Tribunal a respeito da não aceitabilidade das disposições de anistia para casos de violações graves de direitos humanos. 170. Como se depreende do conteúdo dos parágrafos prece-dentes, todos os órgãos internacionais de proteção de direi-tos humanos, e diversas altas cortes nacionais da região, que tiveram a oportunidade de pronunciar-se a respeito do al-cance das leis de anistia sobre graves violações de direitos humanos e sua incompatibilidade com as obrigações inter-nacionais dos Estados que as emitem, concluíram que essas 78
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF leis violam o dever internacional do Estado de investigar e sancionar tais violações. 171. Este Tribunal já se pronunciou anteriormente sobre o tema e não encontra fundamentos jurídicos para afastar-se de sua jurisprudência constante, a qual, ademais, concorda com o estabelecido unanimemente pelo Direito Internacio-nal e pelos precedentes dos órgãos dos sistemas universais e regionais de proteção dos direitos humanos. De tal maneira, para efeitos do presente caso, o Tribunal reitera que “são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de pres-crição e o estabelecimento de excludentes de responsabili-dade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbi-trárias, e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos”. No direito comparado, além dos precedentes referidos na sentença do caso GOMES LUND, as cortes constitucionais da Argen- 79
  • 80.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF tina (casos ARANCIBIA CLAVEL80 e VIDELA81), do Chile82 e do Peru83 (caso GABRIEL ORLANDO VERA NAVARRETE, também de 200484) re-conhecem o caráter de lesa-humanidade do desaparecimento for-çado de pessoas e extraem dessa conclusão os efeitos jurídico-penais dela decorrentes, notadamente a vedação à anistia e à prescrição. 80 Decisão da Corte Suprema da Nação Argentina em “ARANCIBIA CLAVEL, ENRIQUE LAUTARO s/ homicidio calificado y asociación ilícita y outros. Vide referência completa na nota 39, p. 158. Diz o acórdão: “[...] a ratificação em anos recentes da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas por parte de nosso país somente significou a reafirmação por via convencional do caráter de lesa-humanidade postulado desde antes para essa prática estatal, visto que a evolução do Direito Internacional a partir da Segunda Guerra Mundial permite afirmar que para a época dos fatos imputados o Direito Internacional dos direitos humanos já condenava o desapaecimento forçado de pessoas como crime de lesa-humanidade. [...]”. No original: “[...] la ratificación en años recientes de la Convención Interamericana sobre Desaparición Forzada de Personas por parte de nuestro país sólo ha significado la reafirmación por vía convencional del carácter de lesa humanidad postulado desde antes para esa práctica estatal, puesto que la evolución del derecho internacional a partir de la segunda guerra mundial permite afirmar que para la época de los hechos imputados el derecho internacional de los derechos humanos condenaba ya la desaparición forzada de personas como crimen de lesa humanidad. [...]”. 81No julgamento do recurso do ex-Presidente JORGE RAFAEL VIDELA, afirmou a Corte Suprema de Justiça da Nação argentina: “[...] é necessário enfatizar e reiterar neste acórdão que é já doutrina pacífica desta Câmara a afirmação de que os crimes contra a humanidade não estão sujeitos a prazo algum de prescrição, conforme a direta vigência em nosso sistema jurídico das normas que o direito das gentes elaborou em torno desses crimes, que nosso sistema jurídico recepciona diretamente, por meio do art. 118 da Constituição Nacional [...]”. No original: “[...] es necesario recalcar y reiterar en esta resolución, que es ya doctrina pacífica de esta Cámara la afirmación de que los crímenes contra la humanidad no están sujetos a plazo alguno de prescripción conforme la directa vigencia en nuestro sistema jurídico de las normas que el derecho de gentes ha elaborado en torno a dichos crímenes que nuestro sistema jurídico recepta directamente a través del art. 118 Constitución 80
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Em síntese, os crimes cometidos por agentes da ditadura mili-tar brasileira no contexto de ataque sistemático ou generalizado à população civil são imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, seja por força da qualificação das condutas como crimes contra a hu-manidade, seja em razão do caráter vinculante da sentença do caso GOMES LUND VS. BRASIL. Nacional [...]”. Corte Suprema de Justiça da Nação. Causa 33714 “VIDELA, JORGE R. s/procesamiento”. Juzgado 7, Secretaría 14, Sala I, Reg. 489. 23/5/2002. 82No Chile, no caso VILA GRIMALDI/OCHO DE VALPARAÍSO, a Corte de Apelações de Santiago igualmente afastou a ocorrência da prescrição: “[...] cabe acrescentar que a prescrição, como se disse, foi estabelecida, mais do que por motivos dogmáticos, por motivos políticos, como uma forma de alcançar a paz social e a segurança jurídica. Porém, no Direito Internacional Penal, considerou-se que essa paz social e essa segurança jurídica são mais facilmente alcançáveis se se prescinde da prescrição, quando menos a respeito dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade. [...]” No original: “[...] procede agregar que la prescripción, como se ha dicho, ha sido establecida más que por razones dogmáticas por criterios políticos, como una forma de alcanzar la paz social y la seguridad jurídica. Pero, en el Derecho Internacional Penal, se ha estimado que esta paz social y esta seguridad jurídica son más fácilmente alcanzables si se prescinde de la prescripción, cuando menos respecto de los crímenes de guerra y los crímenes contra la humanidad. [...]” Processo 2.182-98, “VILLA GRIMALDI” (“MARCELO SALINAS EYTEL”). Ministro ALEJANDRO SOLÍS MUÑOZ, 17/4/2008. 83No Peru, no julgamento do caso MONTOYA, o Tribunal Constitucional alinhou-se com o conceito de “graves violações a direitos humanos” e estendeu sobre elas o manto da imprescritibilidade: “36. É assim que, com razão justificada e suficiente, ante os crimes de lesa-humanidade configurou-se um Direito Penal além do tempo e do espaço. Com efeito, trata-se de crimes que se devem encontrar submetidos a uma estrutura persecutória e condenatória que guarde linha de proporcionalidade com a gravidade do dano gerado a uma soma de bens jurídicos de singular importância para a humanidade in toto. E por isso se trata de crimes imprescritíveis e submetidos ao princípio de jurisdição universal. [...] 41. [...] Embora seja certo que os crimes de lesa-humanidade sejam imprescritíveis, isso não significa que apenas essa classe de grave violação dos direitos humanos o seja, pois, bem entendidas as coisas, toda grave violação dos direitos humanos resulta imprescritível. Esta é uma interpretação que deriva, 81
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Valem referência, ainda, os motivos apresentados no parecer da Procuradoria-Geral da República no pedido de prisão preven-tiva para fins de extradição 696, no que se refere à imprescritibili-dade dos crimes contra a humanidade: A pretensão punitiva não está prescrita nem Argentina nem no Brasil. Na Argentina, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade praticados sob o regime autoritário foi fundamentalmente, da força vinculante da Convenção Americana de Direitos Humanos e da interpretação que dela realiza a Corte IDH, as quais são obrigatórias para todo o poder público, em conformidade com a Quarta Disposição Final e Transitória da Constituição e o artigo V do TP do CPConst.” No original: “36. Es así que, con razón justificada y suficiente, ante los crímenes de lesa humanidad se ha configurado un Derecho Penal más allá del tiempo y del espacio. En efecto, se trata de crímenes que deben encontrarse sometidos a una estructura persecutoria y condenatoria que guarde una línea de proporcionalidad con la gravedad del daño generado a una suma de bienes jurídicos de singular importancia para la humanidad in toto. Y por ello se trata de crímenes imprescriptibles y sometidos al principio de jurisdicción universal. [...] 41. [...] Si bien es cierto que los crímenes de lesa humanidad son imprescriptibles, ello no significa que sólo esta clase de grave violación de los derechos humanos lo sea, pues, bien entendidas las cosas, toda grave violación de los derechos humanos resulta imprescriptible. Esta es una interpretación que deriva, fundamentalmente, de la fuerza vinculante de la Convención Americana de Derechos Humanos, y de la interpretación que de ella realiza la Corte IDH, las cuales son obligatorias para todo poder público, de conformidad con la Cuarta Disposición Final y Transitoria de la Constitución y el artículo V del TP del CPConst.” Tribunal Constitucional del Perú. Caso Teodorico Bernabé Montoya. Expediente 03173-2008-PHC/TC, 11 de diciembre de 2008. Resolución del Tribunal, voto singular de los Magistrados Beaumont Callirgos y Eto Cruz. Disponível em < http://bit.ly/TCP031732008 > ou < http://www.tc.gob.pe/jurisprudencia/2008/03173-2008-HC %20Resolucion.html >, acesso em 28 ago. 2014, destaque no original. 84 Tribunal Constitucional. Sentencia – Exp. 2798-04-HC/TC - GABRIEL ORLANDO VERA NAVARRETE. “26. O delito de desaparecimento forçado foi desde sempre considerado como um delito de lesa-humanidade, situação que veio a ser corroborada pelo artigo 7o do Estatuto da Corte Penal Internacional, que o define como ‘a apreensão, a detenção ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política, ou com sua autorização, apoio ou aquiescência, seguido da negativa a informar sobre a 82
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF afirmada pela Corte Suprema no caso ENRIQUE LAUTARO ARANCIBIA CLAVEL, julgado em 24.08.2004. O tribunal argen-tino entendeu que a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, de que a Argentina é parte, não institui, prospectivamente, a imprescritibilidade da pretensão punitiva relativa a esses cri-mes, mas se limita a afirmar sua existência anterior pelo re-conhecimento de norma imperativa de direito internacional (jus cogens), de caráter consuetudinário [...]. O quadro não é diferente no Brasil, por fundamentos muito semelhantes. Como fica claro na fundamentação do julgado, a condição da República Argentina de parte da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Cri-mes Contra a Humanidade não foi elemento determinante do entendimento da Corte Suprema de Justiça daquele país. O elemento determinante foi a compreensão de que a im-prescritibilidade em questão constitui norma imperativa de direito internacional, tanto de natureza principiológica quanto consuetudinária. Em sendo assim, ela também se aplica ao Brasil. [...] A imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade constitui norma jurídica imperativa, tanto de caráter consue-tudinário quanto de caráter principiológico, do direito inter-nacional dos direitos humanos. O fundamento jusfilosófico da imprescritibilidade desses crimes foi examinado de perto por M. CHERIF BASSIOUNI, possivelmente a maior referência doutrinária contemporânea em Direito Penal Internacional: “Mas ‘crimes contra a humanidade’ não são apenas aqueles contra uma dada vítima em um contexto sin-privação de liberdade ou dar informação sobre a sorte ou o paradeiro dessas pessoas, com a intenção de deixá-las fora do amparo da lei por um período prolongado.” No original: “26. El delito de desaparición forzada ha sido desde siempre considerado como un delito de lesa humanidad, situación que ha venido a ser corroborada por el artículo 7o del Estatuto de la Corte Penal Internacional, que la define como ‘la aprehensión, la detención o el secuestro de personas por un Estado o una organización política, o con su autorización, apoyo o aquiescencia, seguido de la negativa a informar sobre la privación de libertad o dar información sobre la suerte o el paradero de esas personas, con la intención de dejarlas fuera del amparo de la ley por un período prolongado.” 83
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF gular ou isolado pelo qual o perdão possa ser prerroga-tiva da vítima. Nesses crimes, toda a humanidade é afe-tada pela vitimação de um dado grupo humano. A questão nesse tipo de crime não é o ódio, mas justiça retributiva e simbólica. A primeira está bem estabele-cida na doutrina do direito penal; a segunda pouco tem sido suscitada porque a maioria dos autores que li-dam com esse tipo de questão a aborda na perspectiva da vítima tradicional do crime praticado internamente: o indivíduo. Nenhum tratou daqueles crimes interna-cionais que chegam a ponto de vitimar um grande seg-mento de uma dada sociedade que é parte da comunidade mundial. A punibilidade do autor inde-pendentemente de tempo e lugar é um ingrediente necessário da responsabilidade penal internacional, es-pecialmente na medida em que não existe mecanismo repressivo supranacional capaz de aplicar consistente-mente o direito. A virtude de perdoar um indivíduo é uma ‘generosi-dade de julgamento’ que pode ser aplicada em casos individuais, mas não é virtude alguma perdoar uma ca-tegoria inteira de delinquentes que cometeram os pio-res crimes contra uma categoria inteira de vítimas. É, pois, correto ‘insistir [em] que há ocasiões em que não é moralmente apropriado [perdoar] – em especial quanto uma parte muito grande da pessoa está moral-mente morta.’ Estabelecer regras de prescrição é perdão por negativa de justiça, retribuição, prevenção geral fu-tura, mas também significa aceitar a potencialidade de questionamento futuro de estirpe moral. O perdão é um presente, uma concessão, que uma co-munidade lança sobre um malfeitor, mas apenas para sublinhar o valor moral da vítima ou porque encon-trou valor moral redentor no auto do crime. Ele não pode ser uma decisão abstrata aplicável a toda uma ca-tegoria de delinquentes em nome de uma categoria de vítimas. Denegar a concessão do perdão nesses casos não significa respaldar o ódio ou a vingança mas ex-pressar o senso mais básico de justiça e equidade. Insis-tir na persecução é, nesses casos, um dever moral, ético, jurídico e pragmático que nenhuma quantidade de 84
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF tempo decorrido deve apagar.” [BASSIOUNI, M. CHERIF. Crimes Against Humanity in International Cri-minal Law. Second Edition. Haia: Kluwer Law Interna-tional, 1999] [...] Em especial no contexto da passagem de um regime autori-tário para a democracia constitucional, carece de sentido in-vocar o fundamento jurídico geral da prescrição, traduzido no brocardo dormientibus non sucurrit jus e no postulado da preservação da segurança jurídica. Nos regimes autoritários, os que querem o socorro do direito contra os crimes prati-cados pelos agentes respectivos não deixam de obtê-lo por-que estão dormindo, e sim porque estão de olhos fechados, muitas vezes vendados; não deixam de obtê-lo porque estão em repouso, e sim porque estão paralisados, muitas vezes ma-nietados. Falar em sanção contra a inércia quando não é pos-sível sair dela constitui, no mínimo, grave contrassenso e, no limite, hipocrisia hermenêutica. Não há segurança jurídica a preservar quando a iniciativa se volta contra o que constituiu pilar de sustentação justamente de um dos aspectos autoritá-rios de regime que, para se instaurar, pôs por terra, antes de tudo, a mesma segurança jurídica. 24. A concepção de que a imprescritibilidade dos cri-mes contra a humanidade integra, como costume e como princípio, o corpo das normas imperativas de direito inter-nacional geral não foi endossada apenas pela Corte Suprema de Justiça da Argentina ou pela Corte Interamericana de Di-reitos Humanos. Em acórdão de 20.12.1985 no rumoroso caso BARBIE, a Corte de Cassação da França cassou, precisa-mente por esse fundamento, julgado da Corte de Apelação de Lyon que declarara prescrita a pretensão punitiva em face de KLAUS BARBIE, chefe de serviço da Gestapo em Lyon, na França ocupada, por crimes que ele praticara mais de qua-renta anos antes, durante a Segunda Guerra Mundial. A corte superior francesa entendeu que os crimes contra a hu-manidade, diversamente dos crimes de guerra, são, por sua própria natureza e pela evolução contemporânea do Direito Internacional Público, imprescritíveis.” 85
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Dessa maneira, à luz da Constituição do Brasil, da reiterada jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da doutrina e da interpretação dada por diversas cortes constitucio-nais e organismos internacionais representativos, como a ONU, a atos semelhantes, e também por força dos compromissos internaci-onais do país e do ordenamento constitucional e infraconstitucio-nal, os crimes envolvendo grave violação a direitos humanos perpetrados à margem da lei, da ética e da humanidade por agen-tes públicos brasileiros durante o regime autoritário de 1964-1985 devem ser objeto de adequada investigação e persecução criminal, sem que se lhe apliquem institutos como a anistia e a prescrição. III.5. EFICÁCIA TEMPORAL DA LEI DA ANISTIA. NÃO INCIDÊNCIA DA NORMA SOBRE CRIMES PERMANENTES AINDA NÃO EXAURIDOS Quando confrontada com os parâmetros instituídos pelos tra-tados de direitos humanos e pela jurisprudência do sistema intera-mericano, a legislação penal brasileira revela-se lacunosa no que se refere à tipificação de elementares e circunstâncias da conduta de-finida internacionalmente como “desaparecimento forçado de pes-soas”. Os projetos em andamento no Congresso Nacional ainda não foram definitivamente aprovados, e o Estado brasileiro ainda não concluiu o processo de ratificação das Convenções Internaci-onal e Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pes-soas. 85 85Quando confrontada com os parâmetros instituídos pelos tratados de direitos humanos e pela jurisprudência do sistema interamericano, a legislação penal brasileira revela-se lacunar no que se refere à tipificação de 86
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF A Corte IDH, na sentença GOMES LUND, apontou a lacuna do direito interno e instou o Estado brasileiro a dar prosseguimento à tramitação legislativa e a adotar, “em prazo razoável, todas as medi-das necessárias para ratificar a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas.” Enquanto cumpre essa me-dida, acrescenta a sentença, “o Estado deverá adotar todas aquelas ações que garantam o efetivo julgamento e, se for o caso, punição dos fatos constitutivos do desaparecimento forçado, através dos mecanismos existentes no direito interno.”86 Na avaliação dos casos investigados e denunciados, os procu-radores naturais, a Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria elementares e circunstâncias da conduta definida internacionalmente como “desaparecimento forçado de pessoas”. Os projetos em andamento no Congresso Nacional para tipificação do delito ainda não foram definitivamente aprovados. Ademais, o Estado brasileiro nem mesmo concluiu o processo de ratificação e promulgação das Convenções Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas e Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado. Com efeito, a Convenção Interamericana foi aprovada em 9 de junho de 1994, em Belém (PA), e o Brasil subscreveu seu texto no dia seguinte. O Congresso Nacional levou sete anos para aprová-la, o que ocorreu com o Decreto Legislativo 127, de 8 de abril de 2011. Desde então, aguarda-se decreto presidencial para sua promulgação em âmbito interno. Da mesma forma, o Brasil não depositou perante a Organização dos Estados Americanos sua ratificação. No que diz respeito à Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, firmada em Paris em 6 de fevereiro de 2007 e nessa mesma data assinada pelo Brasil, seu texto foi aprovado pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo 661, de 1o de setembro de 2010. Porém, a exemplo do que ocorre com a Convenção Interamericana, a Presidência da República não emitiu decreto determinando sua incorporação ao direito interno (promulgação). Todavia, o Brasil – para fins externos – depositou ratificação perante as Nações Unidas em 29 de novembro de 2010. 86 CASO GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) VS. BRASIL, cit., par. 192. 87
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF Criminal do Ministério Público Federal e a própria Procurado-ria- Geral da República adotaram, como critério, o parâmetro fi-xado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das Extradições 974, 1.150 e 1.278, todas requeridas pela Argentina. Na Extradição 974,87 o parecer do Procurador-Geral da República ANTONIO FERNANDO DE SOUZA sustenta que o pedido não poderia ser apreciado com base na Convenção Interamericana sobre o De-saparecimento de Pessoas, uma vez que o Estado brasileiro ainda não a ratificou. Ainda segundo essa manifestação, todavia, o requi-sito da dupla tipicidade, exigido pelo art. 77, inciso II, da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro),88 está ao menos parcialmente satisfeito no atinente a condutas que, no di-reito brasileiro, se amoldem ao tipo penal do sequestro – no caso específico, a detenção seguida do “desaparecimento” de dissidentes políticos no Estado argentino, nos anos 1970: De acordo com as informações prestadas pelo Estado reque-rente, o extraditando participou do sequestro de diversas pessoas, principalmente em 1976, as quais não foram liberta-das até os dias de hoje. A despeito do tempo decorrido, não se pode afirmar que estejam mortas porque seus corpos ja-mais foram encontrados de modo que ainda subsiste a ação perpetrada pelo extraditando.89 87 STF. Plenário. Ext 974/Argentina. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. Redator para acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI. 6/8/2009, maioria. DJe 3 dez. 2009. 88 “Art. 77. Não se concederá a extradição quando: […] II – o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente; [...]”. 89 Trecho do parecer do PGR ANTONIO FERNANDO DE SOUZA citado no voto do Min. CEZAR PELUSO, p. 40 do acórdão. 88
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF O argumento desenvolvido pela Procuradoria-Geral da Re-pública foi repetido pelo relator designado para o acórdão da Ext 974, Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: “embora tenham passado mais de trinta e oito anos do fato imputado ao extraditando, as ví-timas até hoje não apareceram, nem tampouco os respectivos cor-pos, razão pela qual não se pode cogitar, por ora, de homicídio”. A impossibilidade de considerar, ao menos em juízo cogni-tivo não exauriente, a cessação da permanência do sequestro em consequência da morte presumida da vítima foi discutida de forma aprofundada pelo Ministro CEZAR PELUSO, para quem, em caso de desaparecimento de pessoas sequestradas por agentes estatais, so-mente sentença na qual esteja fixada a data provável do óbito é apta a fazer cessar a permanência do delito de sequestro, pois, sem ela, “o homicídio não passa de mera especulação, incapaz de de-sencadear a fluência do prazo prescricional”: Como, aliás, se vê e deflui nítido do teor literal do art. 7o do Código Civil em vigor, para que exsurja considerável pre-sunção legal de morte, não basta o mero juízo de extrema probabilidade da morte de quem estava em perigo de vida (inc. I), havendo mister a existência de sentença que, depois de esgotadas as buscas e averiguações, produzidas em proce-dimento de justificação judicial, fixe a data provável do fale-cimento (§ único). Ora, não há, ao propósito das hipotéticas mortes das vítimas dos seqüestros – que se não resumem às onze pessoas nomi-nadas no sumário do processo [...] e cuja média de idade, à época do desaparecimento, eram de pouco mais de vinte anos [...], o que afasta certa probabilidade de morte natu-ral –, nenhuma sentença, seja de declaração de ausência, seja de declaração de morte presumida, de modo que, ainda quando, ad argumentandum tantum, se pudera, em simples 89
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF conjectura, cogitar de circunstâncias desconhecidas nestes autos, que, aliadas ao só decurso do tempo, induzissem al-guma probabilidade de falecimento, faltariam, para caracteri-zação de corpo de delito indireto, os requisitos exigidos pelo próprio art. 7o de nosso Código Civil. Noutras palavras, essa norma não incide na espécie, simplesmente porque se lhe não reuniram os elementos de seu suporte fático (fattispecie concreta), donde a idéia de homicídios não passar, ainda no plano jurídico, de mera especulação, incapaz de desencadear fluência do prazo prescricional. E incapaz de o desencadear ainda por outro motivo de não menor peso. É que, à falta de sentença que, como predica o art. 7o, § único, do Código Civil, deve fixar a data provável do falecimento, bem como na carência absoluta de qualquer outro dado ou prova a respeito, não se saberia quando entra-ram a correr os prazos de prescrição da pretensão punitiva de cada uma das mortes imaginadas ou de todas, que pode-riam dar-se, como sói acontecer, em datas diversas, salva ce-rebrina hipótese de execução coletiva! E, tirante o que nasce de fabulações, de modo algum se poderia sustentar, com ra-zoável pretensão de consistência, hajam falecido todas as pes-soas que, segundo a denúncia, teriam sido seqüestradas, e, muito menos, assentar-lhes as datas prováveis de cada óbito. Na Extradição 1.150,90 o Supremo Tribunal Federal, de ma-neira acertada, como de hábito, não apenas considerou o desapare-cimento forçado de militantes políticos argentinos como sequestro qualificado, mas igualmente afirmou que a natureza permanente e atual do delito afasta a regra de prescrição, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal:91 90 STF. Plenário. Ext 1.150/Argentina. Rel.: Min. CÁRMEN LÚCIA. 19/5/2011, maioria. DJe 116, 16 jun. 2011. 91 “Termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: [...] III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; [...]”. 90
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELA JUSTIÇA ARGENTINA. TRATADO ESPECÍFICO. REQUISITOS ATENDIDOS. EXTRADITANDO INVESTIGADO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA TRAIÇÃO (‘HOMICÍDIO AGRAVADO POR ALEIVOSIA E POR EL NUMERO DE PARTICIPES’) E SEQÜESTRO QUALIFICADO (‘DESAPARICIÓN FORZADA DE PERSONAS’). DUPLA TIPICIDADE ATENDIDA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS CRIMES DE HOMICÍDIO PELA PRESCRIÇÃO. PROCEDÊNCIA. CRIME PERMANENTE DE SEQÜESTRO QUALIFICADO. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. CRIME MILITAR OU POLÍTICO, TRIBUNAL DE EXCEÇÃO E EVENTUAL INDULTO: IMPROCEDÊNCIA. EXTRADIÇÃO PARCIALMENTE DEFERIDA. [...] 4. Requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77, inc. II, da Lei n. 6.815/1980 satisfeito: fato delituoso imputado ao Extraditando correspondente, no Brasil, ao crime de seques-tro qualificado, previsto no art. 148, § 1o, inc. III, do CP. [...] 6. Crime de seqüestro qualificado: de natureza permanente, prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não da data do início do sequestro. Preceden-tes. 7. Extraditando processado por fatos que não constituem crimes políticos e militares, mas comuns. [...] 11. Extradição parcialmente deferida pelos crimes de “desa-parecimento forçado de pessoas”, considerada a dupla tipicidade do crime de “sequestro qualificado”, ressalvado que, na even-tual hipótese de condenação do Extraditando pelo desapare-cimento ou seqüestro de [...], não concorrerá para a pena o eventual fim ou motivo político dos crimes; devendo ser efetuada a detração do tempo de prisão, ao qual foi subme-tido no Brasil, em razão desse pedido, nem podendo lhe ser aplicada a pena de prisão perpétua. Por conseguinte, a natureza permanente e atual dos desapare-cimentos forçados promovidos por agentes do regime militar de 1964-1985 afasta não apenas a prescrição penal, mas também a 91
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF própria extinção da punibilidade concedida pela Lei da Anistia, pois esta limita seu alcance temporal aos crimes cometidos no “pe-ríodo compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979” (art. 1o). Uma vez que, segundo o entendimento explici-tado pelo Supremo Tribunal Federal, só é possível afirmar cessação da permanência do sequestro após localização do paradeiro da ví-tima, ou após sentença que “depois de esgotadas as buscas e averi-guações [...] fixe a data provável do falecimento”, a conduta dos agentes estatais responsáveis por privar ilegalmente os desapareci-dos políticos de liberdade, ocultando de todos (especialmente dos familiares das vítimas) seu paradeiro, caracteriza-se, em princípio, como crime de sequestro não exaurido. Em termos processuais penais, o critério utilizado por esse Tribunal no julgamento das três extradições é o de que a compro-vação de homicídio da vítima sequestrada dependeria, na forma do art. 158 do Código de Processo Penal,92 de exame necroscópico direto ou indireto, que identificasse, entre outros elementos, causa da morte e data provável desta. Ausente corpo de delito direto ou indireto do crime contra a vida, não seria possível afirmar progres-são criminosa de sequestro para homicídio. Em sendo condutas que se protraem no tempo e por estarem a consumar-se enquanto a vítima não seja encontrada e enquanto não se puder aquilatar data provável de óbito, relativamente aos 92 “Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” 92
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    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF crimes permanentes de sequestro (desaparecimento forçado de pessoas), merece ser julgada procedente a ADPF para afastar qual-quer interpretação que afirme estarem esses delitos atingidos pela Lei da Anistia e que em razão dela reconheça extinção de sua pu-nibilidade. IV. CONCLUSÃO Ante o exposto e em virtude do efeito vinculante da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos proferida em face da República Federativa do Brasil no caso GOMES LUND, em 24 de novembro de 2010, o Procurador-Geral da República opina: a) pelo não conhecimento do pedido cumulativo genérico vei-culado na fl. 14 da petição inicial, consistente na determinação, pelo Supremo Tribunal Federal, de que “todos os órgãos do Estado brasileiro deem cumprimento integral” aos pontos decisórios da sentença do caso GOMES LUND; b) pelo conhecimento parcial e pela procedência parcial da ar-guição de descumprimento de preceito fundamental, para que o Supremo Tribunal Federal dê ao art. 1o da Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia), interpretação conforme a Constituição (art. 10, caput e § 3o, da Lei 9.882/1999), de maneira a excluir qualquer exegese que possa: b.1) ensejar extinção de punibilidade de crimes de lesa-humani-dade ou a eles conexos, cometidos por agentes públicos, civis ou militares, no exercício da função ou fora dela; e 93
  • 94.
    PGR Arguição dedescumprimento de preceito fundamental 320/DF b.2) acarretar a extensão dos efeitos da lei a crimes permanentes não exauridos até 28 de agosto de 1979 ou a qualquer crime co-metido após essa data. c) pelo conhecimento e improcedência do pedido de interpre-tação conforme a Constituição no que se refere à incidência da Lei 6.368/1979 a crimes continuados. Nos termos do art. 10 da Lei 9.882/1999, manifesta-se pela comunicação a todos os poderes de que a persecução penal de graves violações a direitos humanos deve observar os pontos reso-lutivos 3, 5, 9 e 15 da sentença da Corte Interamericana de Direi-tos Humanos em face do Brasil no caso GOMES LUND, em razão de seus efeitos vinculantes para todos os órgãos administrativos, legis-lativos e judiciais do Estado brasileiro. Brasília (DF), 28 de agosto de 2014. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República RJMB/SGS/APC/MAW/WS-Par. PGR/WS/1.841/2014 94