SlideShare uma empresa Scribd logo
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 80 – jan/abr 2020
ARTIGO: ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo |v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
1
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM
COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO
SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
SOCIOMATERIALITY ANALYSIS OF INFORMATION TECHNOLOGY USE IN PUBLIC SERVICE COPRODUCTION: THE CAR
DRIVING SIMULATOR CASE
ANÁLISIS DE LA SOCIOMATERIALIDAD DEL USO DE TI EN COPRODUCCIÓN DE SERVICIO PÚBLICO: EL CASO DEL
SIMULADOR DE DIRECCIÓN VEHÍCULAR
RESUMO
Ferramentas de tecnologia da informação (TI) têm sido apropriadas por governos em diferentes caminhos, por exemplo, para melho-
rar seus processos internos e efetuar atendimentos ao cidadão via web, todavia novas ferramentas de TI também têm sido utilizadas
em coprodução de serviços públicos, como é o caso do Simulador de Direção Veicular (SDV), que é usado dentro do processo de
habilitação de condutores (CNH). Essas novas relações precisam ser estudadas para explicar a sociomaterialidade, as relações de
poder, interesses e limitações que delas decorrem. Para tal, identifica-se que o SDV é adotado dentro de um contexto governamental,
e sua execução depende do cidadão (coprodução de serviço público). Para atingir os objetivos desta pesquisa, utilizam-se a análise
sociomaterial e a análise crítica do discurso, e, paralelamente, consideram-se as perspectivas institucionais das organizações e as teo-
rias de governo eletrônico. Os resultados explicam o material e social, sua imbricação, limites, ideologias e os interesses dos atores,
bem como estes lidam com as regras existentes para atender aos seus interesses e as relações de poder existentes, dentro de uma
perspectiva do realismo crítico.
PALAVRAS-CHAVE: Governo eletrônico, sociomaterialidade, teoria institucional das organizações, análise crítica do discurso, simula-
dor de direção veicular, trânsito
Dênis Alves Rodrigues1
denrogp@gmail.com
http://orcid.org/0000-0002-8162-7651
Leonardo Rossatto Queiroz2
leorossatto@gmail.com
http://orcid.org/0000-0003-4639-8344
Tarcila Peres Santos1
tarcila.peres@gmail.com
http://orcid.org/0000-0001-5954-0798
Fernando Souza Meirelles1
fernando.meirelles@fgv.br
http://orcid.org/0000-0002-0631-9800
1 Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2 INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, SP, Brasil
Submetido 05.12.2018. Aprovado 03.12.2019
Avaliado pelo processo de double blind review
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.77753
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
2
ABSTRACT
InformationTechnology (IT) tools have been appropriated by governments in a variety of ways,such as
improving their internal processes and providing citizen services over the web (e-services). However,
new IT tools have also been used in processes as the case of the Car Driving Simulator (CDS),which
is used in the process to learn how to drive,which allows citizens to drive cars.These new relationships
need to be studied to explain the imbrications,interests,and constraints that flow from them,thus going
beyond the constraints and qualifications of IT in government.Thus,it is identified that CDS is adopted
within a government context, and its execution depends on the citizen (co-production of public ser-
vice).For this analysis,we use the sociomateriality,which has been used to understand the relationship
between material and social, and we consider the institutional perspectives of organizations and e-
Gov for analysis.To achieve the objectives,we use the Critical Discourse Analysis to examine the data
and explain the sociomateriality that emerges from the use of the CDS.The results explain the imbri-
cations, limits, and interests of the actors, as well as dealing with existing rules to meet their interests.
KEYWORDS: Electronic government, sociomateriality, institutional theory of organizations, critical dis-
course analysis, car driving simulator, transit
RESUMEN
Las herramientas de tecnología de la información (TI) han sido apropiadas por gobiernos en diver-
sos caminos, tales como para mejorar sus procesos internos y efectuar atendimientos al ciudadano
vía web (e-servicios públicos), sin embargo, nuevas herramientas de TI también se han utilizado en
procesos de coproducción de servicios públicos,como el caso del Simulador de Dirección Vehicular
(SDV), que se utiliza dentro del proceso de habilitación de conductores, el cual finalizado, permite a
los ciudadanos conducir automóviles.Estas nuevas relaciones necesitan ser estudiadas para explicar
la imbricación,los intereses y las limitaciones que de ellas se derivan,por lo tanto,más allá de las limi-
taciones y las habilitaciones de TI en el gobierno.Para esto,se identifica que el SDV se adopta dentro
de un contexto gubernamental, y su ejecución depende del ciudadano (coproducción del servicio
público). Para este análisis se utiliza la teoría de la sociomaterialidad, que ha sido utilizada para la
comprensión de la relación entre material y social, y se considera las perspectivas institucionales de
las organizaciones y e-Gov para el análisis. Para alcanzar los objetivos, utilizamos el Análisis Crítico
del Discurso para examinar los datos y explicar la imbricación que emerge del uso del Simulador de
Dirección Vehicular (SDV).Los resultados explican la imbricación,los límites y los intereses de los ac-
tores, así como éstos se ocupan de las reglas existentes para atender sus intereses.
PALABRAS CLAVE:Gobierno electrónico,sociomaterialidad,teoría institucional de las organizaciones,
análisis crítico del discurso, simulador de dirección vehicular, tráfico
INTRODUÇÃO
Governos têm se apropriado de novas tec-
nologias da informação (TI) e as adotado
com diversas finalidades, tais como melho-
rar seus processos internos e o atendimen-
to ao cidadão, todavia novos artefatos de TI
também estão sendo utilizados na coprodu-
ção de serviços públicos, como no caso do
simulador de direção veicular (SDV) (equi-
pamento de TI composto por hardware e
software que utiliza recursos de simulação
e realismo), que é usado no processo para
se obter a autorização para dirigir veículos
automotores (CNH) no Brasil.
Essas novas formas de adoção de tecno-
logia pelo governo precisam ser estudadas
para compreender sua relação, na prática,
bem como os interesses e relações de poder
existentes entre os atores envolvidos, princi-
palmente pelo governo e cidadão. Assim, a
questão desta pesquisa é: Qual é a imbrica-
ção (sociomaterialidade), limites, interesses,
relação de poder e ideologias na relação en-
tre material e social, quando da utilização do
SDV?
Alguns estudos sobre o uso de TI em orga-
nizações analisam a estruturação que delas
decorre a partir da interação recursiva entre
pessoas e tecnologias (Orlikowski, 2000),
análise essa que também foi aplicada em
ambientes governamentais (Heinze & Hu,
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
3
2005; Iasbech & Lavarda, 2018).Todavia crí-
ticas foram efetuadas a esses modelos (Le-
onardi, 2013), gerando uma nova forma de
análise: a sociomaterialidade. Esse tipo de
análise contribui por ajudar a compreender a
prática da relação, considerando material e
social e sua imbricação (Leonardi, 2013), ou
seja, reconhece que o material e social exis-
tem anteriormente a sua relação e desenvol-
vem o modelo dentro de uma perspectiva do
realismo crítico.
Por conta do contexto, adotou-se, também,
a análise crítica do discurso (ACD), que per-
mite compreender a relação a partir de dois
níveis de análise: o micro (texto) e o macro
(estrutura) (Fairclough, 1985), os quais se
coadunam com a proposta sociomaterial,
considerando que ambos baseiam-se no re-
alismo crítico e pelo fato de a ACD ajudar
a entender o fenômeno de uma forma críti-
ca, considerando a interpretação necessá-
ria dos documentos e a compreensão dos
atores envolvidos (discurso), findando no
desenvolvimento de um modelo multipara-
digmático (Amboni, Caminha, Andrade, &
Fernandes, 2017), pois a complexidade do
fenômeno a ser estudado, bem como os ob-
jetivos da pesquisa, o requer.
Adicionalmente, para explicar essa relação
dentro de coprodução de serviços públicos,
onde há relevante participação no cidadão
na sua execução (Voorberg, Bekkers & Tum-
mers, 2015), utilizam-se as teorias sobre uso
de TI na administração pública, com foco no
governo brasileiro, as quais não só permi-
tem a contextualização na qual se dá a ado-
ção, mas também colaboram para a com-
preensão de sua forma. Por fim, adota-se a
análise institucional das organizações, que
contribui para a compreensão do fenômeno
estudado.
Como fonte de dados, foram utilizadas en-
trevistas, observação não participante (au-
las em SDV) e análise de documentos (re-
gulamentações, lei e artigos), o que permitiu
compreender e analisar a imbricação por
várias perspectivas.
A partir da análise, foi possível compreender
que, na relação entre cidadão e artefato de
TI (SDV), em um ambiente regulamentado
pelo governo (trânsito), a agência do cida-
dão é limitada, bem como sua possibilidade
de customização do serviço, o que impacta
o resultado da coprodução do serviço pú-
blico e, ainda, gera a necessidade da co-
laboração de outros atores institucionais e
governamentais. Por outro lado, embora os
cidadãos não percebam agregação de valor
para si, no uso do artefato de TI, eles acham
interessante trocar aulas práticas de carro
por aulas em SDV, pois isso agilizar o pro-
cesso, reforçando que, nesse caso, o foco é
conseguir a autorização para dirigir (CNH),
e não necessariamente aprender a dirigir,
ou seja, os atores conhecem as regras e as
manipulam para atender a seus interesses
e objetivos, resultando em uma sociomate-
rialidade.
Portanto, esta pesquisa ajuda a preencher
um gap de estudos relacionados ao uso de
TI em serviços públicos, pois a maioria de-
les faz sua análise a partir da oferta do ser-
viço, havendo escassez de pesquisas sobre
a interação entre cidadão e governo (Araujo
et al., 2018).
USO DE TECNOLOGIA NA ADMINISTRA-
ÇÃO PÚBLICA: FOCO NO CASO BRASI-
LEIRO
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
4
Quando é feita menção aos estudos sobre
governos e sua relação com TI é importante
compreender que o modelo de administra-
ção pública existente impacta as formas de
sua adoção, pois governo eletrônico trata
da relação do próprio governo com os ci-
dadãos e com seu próprio desenvolvimento
(Przeybilovicz et al., 2018).
Em Cunha (2017), quando estuda casos de
smart city no Brasil, verifica-se que alguns
modelos tiveram como ponto de partida o
modelo de administração pública do New
Public Management (NPM), o qual focava
a aproximação com os ideais da administra-
ção de empresas, portanto conceitos como
eficiência, eficácia e competitividade foram
trazidos para os governos (Filgueiras, 2018;
Pollitt & Bouckaert, 2011; Puron-Cid, 2013;
Secchi, 2009).
A autora também verifica que um dos ca-
sos focava mais a egovernance; neste,
procurou-se usar a internet para tornar as
atividades do Estado mais eficazes, forne-
cendo acesso fácil aos serviços públicos
e incentivando a participação democrática
dos cidadãos (Cunha, 2017). As práticas de
egovernance estão, também, fortemente
vinculadas ao modelo do New Public Go-
vernance (NPG), que possui o foco em me-
lhoria da relação democrática entre governo
e sociedade e também entre os próprios go-
vernos (Filgueiras, 2018; Pollitt & Bouckaert,
2011; Secchi, 2009).
Apesar de os modelos de NPM e NPG te-
rem influenciado a gestão pública brasilei-
ra nas últimas décadas, ainda observamos
uma forte preocupação com o controle das
ações governamentais, normalmente exer-
cido pelas áreas financeira e orçamentária
(Filgueiras, 2018), ainda que se utilizem de
ferramentas deTI, como no caso de licitações
eletrônicas (Abrucio, 2007) e do orçamento
público (Puron-Cid, 2013), ou seja, para a
criação de rotinas de controle, demonstran-
do que ainda coexiste uma lógica burocrática
(Filgueiras, 2018), mesmo que o uso siste-
mático de ferramentas de TI contribua para
tornar essa mesma burocracia tradicional
mais eficiente, profissional e acessível ao
cidadão (Hossain et al., 2011; Rodrigues &
Lotta, 2017; Przeybilovicz et al., 2018;). Isso é
importante, pois o contexto onde as tecnolo-
gias são incorporadas é relevante (Przeybilo-
vicz et al., 2018; Puron-Cid, 2013), inclusive
para os casos brasileiros (Pozzebon & Diniz,
2012).
Para melhor compreender e classificar as
formas de adoção de TI por governos, criou-
-se o termo e-governança ou e-gov, conceito
que foi dividido em três categorias: e-admi-
nistração pública (utilização das ferramentas
de TI para melhoria de processos internos,
apoio para a tomada de decisão, entre ou-
tros); e-serviços públicos (melhoria da pres-
tação de serviços públicos ao cidadão, utili-
zando-se ferramentas de TI); e e-democracia
(foco em melhoria da participação social nos
governos, transparência e accountability,
também a partir do uso de TI) (Cunha & Mi-
randa, 2013; Vaz, 2017; Przeybilovicz et al.,
2018;). Essa categorização inicial é relevante
por dar conta de um amplo espectro de for-
mas de adoção de TI em governo, o que co-
labora, principalmente, para fins analíticos,
pois, na prática, essa divisão pode não ser
tão clara.
Importante perceber que o modelo e-servi-
ços públicos procura mudar o foco, saindo
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
5
de uma visão estadocêntrica (uso de TI para
melhoria dos processos internos do gover-
no) para um formato em que o cidadão é
colocado no centro das preocupações, que
é um dos principais pontos de utilização de
e-governo em países em desenvolvimento,
o qual visa aumentar a eficiência dos pro-
cessos e dar maior comodidade ao cidadão,
por meio do aperfeiçoamento da prestação
de serviços (Johnston, Jali, Kundaeli, & Ade-
nira, 2015; Rodrigues & Lotta, 2017).
Uma das formas de avançar no debate sobre
e-serviços públicos é analisar aqueles onde
exista uma grande interação entre o cida-
dão e a tecnologia, ou seja, enxergar como
uma coprodução de serviço público (CSP)
(Neto, Salm, & Souza, 2014; Voorberg et al.,
2015) e como uma imbricação, o que difere
do uso de TI para disponibilizar informações
e serviços públicos via internet (Araujo et al.,
2018), por exemplo.
Portanto, analisar o uso de TI em CSP signi-
fica compreender que a participação do usu-
ário final (cidadão) é essencial para o resul-
tado do serviço público e que essa interação
pode contribuir para a cocriação de valor pú-
blico (Osborne, Radnor, & Strokosch, 2016).
A SOCIOMATERIALIDADE E O USO DE
TECNOLOGIA
Pesquisadores da área de Management In-
formation System (MIS) têm se utilizado da
sociomaterialidade para analisar a relação
entre tecnologia da informação (material)
e social (Leonardi, 2013; Orlikowski, 2007).
Essa forma de análise dos fenômenos em
questão aparece como contraponto às vi-
sões tradicionais positivistas da tecnologia
em organizações, quando eram vistas como
uma variável exógena (foco na agência de
materiais) ou vista como um processo emer-
gente, focado na agência humana (Orliko-
wski, 1992, 2000).
Nessa linha de pesquisa, os fenômenos de
tecnologia são vistos através de uma lente
de recursividade e entrelaçamento de seres
humanos e tecnologia na prática (Orliko-
wski, 2007). A sociomaterialidade compre-
ende que a tecnologia e os seres humanos
são ontologicamente inseparáveis na práti-
ca (Orlikowski, 2007, 2009), que se opõe a
uma ontologia dualística, como em Orliko-
wski (1992).
O foco está na constituição do emaranha-
mento entre seres humanos e tecnologia
(Barad, 2003; Pickering, 1995). Nessa visão,
os sistemas de informação constituem confi-
gurações sociomateriais dinâmicas que são
performadas na prática (Scott & Orlikowski,
2009). O movimento sociomaterial (Leonar-
di, 2013; Orlikowski, 2007, 2009) fortaleceu a
teorização de artefatos de TI na prática.
Foram desenvolvidas basicamente duas
formas de analisar o intercâmbio recursivo
entre social e técnico (Pacheco, 2018): ou
como entidades já existentes previamente
ou como criadas a partir de sua relação na
prática. Essas duas possiblidades dão ori-
gem a duas escolas ontológicas distintas:
a dos imbrications e a dos entanglements
(Kautz & Jensen, 2012; Stein, Newell, Wag-
ner, & Galliers, 2014).
A escola de entanglements (ou constituti-
ve entanglements) é baseada na ontologia
do relacional e na inseparabilidade do social
e do material ou de humanos e tecnologia
(Orlikowski, 2007). Essa escola está ali-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
6
nhada com o realismo agencial de Barad e
também com a Actor-Network Theory (ANT)
(Callon, 1986; Latour, 2005).
A outra escola é a da imbrications (imbri-
cação), baseada na ontologia represen-
tacional que aceita a separação entre so-
cial e material, os quais se relacionam por
meio de imbrications. Imbrications não são
entanglements, mas sobreposições das
identidades já existentes (Leonardi, 2011).
Essa escola está alinhada com a linha de
realismo crítico de Bhaskar (1998) e com a
de Mangle of Practice (MOP) de Pickering
(1995).
No entanto, a perspectiva sociomaterial,
aplicada em publicações recentes – com
foco em recursos humanos e agência mate-
rial, percepções individuais, intencionalida-
de e contextos idiossincráticos locais – tem
subestimado o papel das estruturas e insti-
tuições em influenciar a adoção, uso, apro-
priação e efeitos de TI nas organizações.
Os contextos locais estão sempre incorpo-
rados em contextos históricos, culturais e
institucionais (Bourdieu & Wacquant, 1992).
Assim, a natureza mutuamente constitutiva
de qualquer “construção” sociomaterial está
enraizada nas experiências dos indivíduos,
nas estruturas organizacionais e nas de-
pendências mais amplas da cultura e do ca-
minho. As regularidades que influenciam a
natureza das práticas sociomateriais – e si-
multaneamente resultam dessas represen-
tações – podem ser abordadas, pelo menos
em parte, por uma perspectiva institucional
(Orlikowski & Barley, 2001).
O institucionalismo organizacional fornece
uma lente teórica que permite explicar as
relações entre práticas e contextos organi-
zacionais, culturais e sociais (Orlikowski &
Barley, 2001). No nível básico, as instituições
são definidas como procedimentos orga-
nizados e estabelecidos que são continua-
mente reforçados por meio da reencenação,
persistem ao longo do tempo, e, portanto,
são discursos (Berger & Luckmann, 1991).
O conceito de lógica institucional conceitua
a ligação de instituições mais amplas (nos
níveis organizacional e social) às práticas in-
dividuais.
Em suma, a coconstituição do social e do
material está situada em um contexto orga-
nizacional que pode ser descrito por várias
lógicas institucionais (Berente & Yoo, 2012;
Thornton & Ocasio, 2008). Assim, os indiví-
duos (re)interpretam TI à luz de objetivos,
premissas e identidades específicas que de-
finem a lógica que eles utilizam, percebendo,
assim, para que o sistema pode ser usado
(Chemero, 2003). Portanto, as tecnologias
proporcionam diferentes práticas situadas à
medida que os usuários recorrem a diferen-
tes lógicas institucionais.
Dessa forma, combinam-se duas linhas
emergentes em sistemas de informação. Por
um lado, a tradição sociomaterial concentra-
-se em locais, prática situada e enfatiza a
materialidade das TI. A tradição da lógica
institucional, por outro lado, concentra-se em
contextos institucionalmente plurais e des-
taca como as regularidades podem ser ex-
plicadas por meio do desenho e encenação
de um repertório de roteiros. A conceituação
proposta permite que o material seja incluído
nas análises institucionais e no contexto ins-
titucional dentro de análises sociomateriais.
Por conta das questões apontadas anterior-
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
7
mente, esta pesquisa adota o modelo da
imbrications (baseada no realismo crítico),
por entender que ele permite maior atenção
ao material (equipamento de TI) e, também,
pelo fato de esse modelo considerar melhor
o fator tempo (Leonardi, 2013), ambos cru-
ciais para esta análise. Reforçando a rele-
vância da proposta adotada, é válido lem-
brar o exemplo dado por Leonardi (2013),
onde existem relações que são externas,
e não necessariamente a relação entre “A”
e “B” as constitui, como entre um cachorro
e um carteiro (que podem ter uma relação
complicada no momento da entrega de uma
correspondência), ou seja, independente-
mente do cachorro, o carteiro continua sen-
do um carteiro, refutando a outra proposta
sociomaterial, a qual apresenta dificuldades
em sua operacionalização em termos de
pesquisa, como é apontado pelo mesmo
autor.
PILARES INSTITUCIONAIS
Como dito acima, a análise institucional é
relevante para o modelo sociomaterial ado-
tado, pois as pessoas só podem estar pre-
sentes no campo da ação, mas o domínio
da ação em que entram é habilitado ou res-
tringido pelas estruturas que as precedem
(Leonardi, 2013), e para sua operacionali-
zação a questão institucional pode ser tra-
balhada pela ideia de pilar regulatório das
instituições (Scott, 2013, p. 59), as quais
vão constranger e regular comportamentos,
ainda que isso possa estar tão absorvido
no processo que não se perceba. Cumu-
lativamente, o pilar normativo (Scott, 2013,
p. 64) trata dos valores e normas coloca-
dos para a execução das atividades. Nesse
sentido, instituições impõem restrições ao
definir limites legais, morais e culturais, dis-
tinguindo entre aceitação e comportamen-
to inaceitável (Scott, 2013, p. 58). As forças
institucionais atuam na prática, habilitando
ou constrangendo o agente, e precisam ser
consideradas para a análise social dos fenô-
menos estudados.
DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO
MULTIPARADIGMÁTICO
Para responder à questão de pesquisa,
enunciada na introdução, adotou-se um
modelo multiparadigmático (Amboni et al.,
2017; Machado-Da-Silva, Fonseca, & Cru-
bellate, 2010) que envolve a sociomateriali-
dade (Leonardi, 2013) e a ACD (Fairclough,
1985, 2005; Wodak, 2004), pois, ainda que
de modo embrionário, o processo de institu-
cionalização ocorre dentro de uma perspec-
tiva multiparadigmática e orgânica, funda-
mentada em lógica cognitivo-interpretativa
(Machado-Da-Silva et al., 2010), que precisa
ser compreendida para explicar a interde-
pendência entre material e social (imbrica-
ção).
Esse modelo é importante e foi considera-
do durante toda a estruturação da pesquisa,
pois, de acordo com McPhee (2004), o es-
tudo do material é interpretativo; além dis-
so, o autor diz que formulações simbólicas
podem ter impacto em outras realidades or-
ganizacionais, inclusive em práticas. Adicio-
nalmente, o realismo crítico, também adota-
do na visão da sociomaterialidade, procura
explicar os processos e eventos sociais em
termos dos poderes causais das estruturas
e da agência humana e da contingência de
seus efeitos (Fairclough, 2005), e a ACD
considera a linguagem como prática social,
onde, também, o contexto é crucial (Wodak,
2004).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
8
Paralelamente, conjuga-se a teoria institu-
cional (pilares institucionais), que mostra
como as instituições estão assentadas em
valores normativos, em estruturas cogniti-
vas e coercitivas, e sobre uso de TI em go-
verno, dentro do contexto brasileiro, gerando
um framework analítico, conforme quadro
abaixo.
Essa análise é necessária e relevante por
conta da necessidade de compreender os
esquemas interpretativos dos atores sociais
(McPhee, 2004), o que é relevante em es-
tudos organizacionais (Amboni et al., 2017).
Além disso, o isolamento paradigmático ini-
be o debate sobre eles, criando o desenvol-
vimento de teorias estreitas (Amboni et al.,
2017); por fim, “[...] as relações entre a lin-
guagem e a sociedade são tão complexas e
multifacetadas que é necessário adotar um
foco interdisciplinar de pesquisa” (Wodak,
2004). No Quadro 1, abaixo, apresentamos o
modelo desenvolvido.
Quadro 1. Framework analítico
Lentes Teóricas Perspectivas Recursos Analíticos Autores
Sociomaterial
(Realismo Crítico)
Leonardi (2013)
Análise Crítica do
Discurso
Fairclough (2005)
Institucional
a) Pilares Institucio-
nais
Scott (2013)
Governo e
Tecnologia
d) Modelo de Ges-
tão Pública
(foco no caso brasi-
leiro)
e) Governo Eletrô-
nico
Filgueiras (2018)
Pollitt & Bouckaert (2011)
Secchi (2009)
Przeybilovicz, Cunha, & Meirelles (2018)
Araujo, Reinhard, & Cunha (2018)
Vaz (2017)
Cunha (2017)
Puron-Cid (2013)
Cunha & Miranda (2013)
Hossain, Moon, Kim, & Choe (2011)
Heinze & Hu (2005)
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
9
Concluindo, utilizam-se paradigmas que não
são positivistas e que compreendem que a
construção social ocorre na prática, a par-
tir da relação entre as pessoas e material
(instituição), além de serem contextuais e
permitirem a compreensão das relações de
poder existentes, inclusive o que não está
claro ou explícito, portanto são passíveis de
trabalharem de maneira conjunta, além de
estarem fundamentados no realismo crítico.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para a análise dos dados, consideraram-
-se os paradigmas da sociomaterialidade e
da ACD, por eles, de modo complementar,
ajudarem a explicar a imbricação a partir do
social (alunos, instrutores, autoescola e go-
verno) e material (simulador de direção vei-
cular) e as relações de poder, habilitações,
constrangimentos, ideologias e limitações
que emergem da relação entre social e ma-
terial, em um ambiente regulado pelo gover-
no, que é o caso do uso do SDV, que ocorre
dentro de uma concepção de coprodução
de serviços públicos no processo de habili-
tação, ou seja, no processo criado para que
cidadãos consigam a licença para dirigir ve-
ículos automotores (CNH).
Esse modelo de análise também é viável
por conjugar o nível micro (texto) com o
macro (prática social ou estrutura social)
(Thompson, 2004; Fairclough, 2005; Pozze-
bon, Cunha, & Coelho, 2016; ), pois o discur-
so reproduz a estrutura social (Fairclough,
2005), ou seja, a ACD coloca as estruturas
sociais dentro de uma relação dialética com
atividades sociais (Thompson, 2004; Wo-
dak, 2004) e a ação discursiva é equivalen-
te a texto, embora isso possa não ser claro
(Fairclough, 2005).
Para a análise dos dados, adota-se a pro-
posta da sociomaterialidade conjugada com
o modelo da ACD de Fairclough, no forma-
to dos três passos de Thompson (2004) e
Pozzebon et al. (2016), quais sejam: descri-
ção, interpretação e explicação. No primeiro
passo, ocorre a descrição, que é uma leitura
atenta e profunda dos dados (textos). Trata-
-se de um procedimento para compreender
a história que está sendo contada e a imbri-
cação que emerge, que, por sua vez, permi-
tem compreender a produção de significado
pelos trechos dos textos, em todas as suas
formas. O passo 2 é mais relevante por in-
teragir com conceitos (teorias) para dar sen-
tido ao passo 1. Por fim, no terceiro passo,
produz-se uma análise social do que está
sob estudo, compreendendo-se a assime-
tria de poder e demais relações propostas,
como limitações, constrangimentos, habili-
tações e agências.
A ACD já foi adotada em estudos sobre TI
em países em desenvolvimento, como em
Thompson (2004) e em Pozzebon et al.
(2016). O Quadro 2 a seguir exemplifica o
procedimento utilizado:
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
10
Quadro 2. Exemplo de aplicação da metodologia
Trecho analisado Descrição Interpretação Explicação
Resolução Contran n. 543/2015.
“Art. 6º A utilização do simulador de dire-
ção veicular fica condicionada ao atendi-
mento das seguintes exigências:
I - equipamento fornecido/fabricado por
empresa devidamente homologada pelo
Departamento Nacional de Trânsito – De-
natran;
II - laudo técnico de avaliação, vistoria e
verificação de conformidade do protótipo,
compreendendo hardware e software, ex-
pedido por Organismo Certificador de Pro-
duto – OCP, acreditado pelo Inmetro na
área de veículos automotores e produtos
relacionados e certificado pelo Denatran
especificamente para tal finalidade;
III - Homologação do protótipo pelo Dena-
tran, com análise de hardware, software e
respectivos funcionamentos;”
O governo,
por meio do
Contran, re-
gulamenta
a utilização
e o SDV no
processo de
habilitação,
colocando re-
quisitos para
sua adequa-
ção e desig-
nando outros
órgãos como
certificadores
e homologa-
dores do SDV.
Os conceitos
e teorias ins-
titucionais,
como pilar
institucional
(regulação),
explicam esta
regulamenta-
ção do setor,
especifica-
mente sobre
o uso do SDV
que será utili-
zado.
O governo utili-
za sua legitimi-
dade (racional-
-legal/controle
burocrático)
para exercer
poder coercitivo
e determinar
condições para
a utilização do
SDV. Isso pa-
droniza e limita
a agência de
outros entes
envolvidos no
processo, tais
como empresas
produtoras do
SDV, autoesco-
las e o próprio
cidadão.
Para melhor compreensão da imbricação,
considerando o fato de haver relação de po-
der, controles do tempo-espaço e da infor-
mação (Fairclough, 2005; McPhee, 2004),
utilizaram-se (a) entrevistas, (b) análise de
documentos e (c) observação não partici-
pante, ou seja, consegue-se analisar todos
os atores e suas perspectivas, além da pró-
pria imbricação.
As entrevistas semiestruturadas são rele-
vantes, pois as pessoas podem interpretar
os textos (McPhee, 2004), como regulamen-
tos e informações dos equipamentos tecno-
lógicos, entrevistá-los, e compreender essa
interpretação, com a análise crítica, contri-
bui para uma melhor compreensão das re-
lações de poder e ideologias existentes, pois
as pessoas se relacionam em uma organiza-
ção e essas relações possuem propriedades
que podem ser discutidas (McPhee, 2004).
Também foi realizada observação não par-
ticipante da interação cidadão – SDV, me-
diada pelos instrutores das autoescolas, por
entender que esse método permite uma aná-
lise mais adequada do comportamento (Fer-
reira, Torrecilha & Machado, 2012), ou seja,
foram acompanhadas aulas que utilizam o
SDV, que ocorrem em ambiente institucional,
dentro das autoescolas (organizações cre-
denciadas e fiscalizadas pelo governo); a ob-
servação também foi adotada devido ao fato
de a lente teórica ser focada na prática, co-
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
11
laborando para compreender a imbricação.
Por fim, foram analisados documentos (re-
gulamentações federal e estadual, artigos e
legislação) atinentes ao tema, pois a aná-
lise de informações dos textos pode trazer
resultados claros e o foco e visão do go-
verno (institucional e contextual), além de
permitir compreender a construção artificial
em uma organização, inclusive relações de
poder (McPhee, 2004). Como os textos tam-
bém podem ser usados para o controle a
distância (McPhee, 2004), em uma relação
de matriz e filial ou em uma relação de go-
verno – organizações credenciadas (auto-
escolas) – cidadãos (alunos), sua análise é
relevante.
Utilizando-se as três fontes de dados (entre-
vistas, observação não participante e análi-
se documental), cria-se sinergia e, portanto,
maior qualidade e confiança para a pesqui-
sa (Ferreira et al., 2012). Além disso, em-
bora sejam utilizados dados mais pontuais
no tempo, tais como a observação não par-
ticipante e entrevistas, as quais ocorreram
entre março e abril de 2018 em autoescolas
(duas) da Região Metropolitana do Estado
de São Paulo (cidades de São Paulo e San-
to André), os documentos analisados são de
um lapso temporal maior (de 2009 a 2016),
o que colabora para a compreensão do fe-
nômeno de modo longitudinal e institucional
(governo).
Em suma, é apresentado o Quadro 3, que
correlaciona os tipos de coleta, fontes, des-
crição, quantidade de dados e sua relação
com as lentes teóricas adotada.
Quadro 3. Tipos e descrição das fontes de dados
Tipo de Fonte de Dados Quantidade – Ator Comentários
Entrevistas
17 Alunos
5 Instrutores
Alunas e alunos que fizeram aulas de SDV e
os instrutores que ministram as referidas au-
las de SDV.
Documentos
12 Governo
2 Artigos
São eles o CTB (Lei n. 9.503, 1997), a Por-
taria Denatran n. 642/2009; as Resoluções
do Contran n. 420/2012; 422/2012; 423/2012;
435/2013; 444/2013; 473/2014; 493/2014;
543/2015; 571/2015, e a Portaria do Detran-
-SP n. 101/2016.
Lucas et al. (2013)
Rodrigues & Santos (2015)
Observação não Partici-
pante
34 Aulas de SDV
Foram realizadas anotações referentes a im-
bricação e relações de poder, regras, normas,
interesses, habilitações e constrangimentos
da prática.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
12
Para as entrevistas, foram considerados dois
tipos de atores: os alunos das aulas em SDV,
sendo que todos estavam realizando as au-
las de SDV ou já as realizaram; e os instru-
tores, cuja atividade é regulada por órgão
governamental (Contran e Detran) (Silva,
Cassundé, & Costa, 2016) e são responsá-
veis pela orientação e ensino dos alunos du-
rante o uso do SDV. Nas entrevistas, partici-
param pessoas entre 18 e 48 anos, homens
e mulheres, e elas duraram entre 30 e 45
minutos. Os artigos analisados foram esco-
lhidos por tratarem do tema específico desta
pesquisa, contribuindo para a compreensão
do fenômeno. Para a análise, as informa-
ções foram tratadas de modo que somente o
que estivesse alinhado pelas três fontes de
dados foi considerado.
Procurando maior plausibilidade, foram efe-
tuadas entrevistas e observações no Estado
de São Paulo, pois o seu Departamento de
Trânsito (Detran) é o maior órgão de trânsito
da América Latina, com gerenciamento de
30 milhões veículos, 23 milhões de condu-
tores, emissão de 500 mil habilitações por
mês, sendo 50 mil novas habilitações (São
Paulo, 2018), portanto opta-se por um mode-
lo de instrumental case study (Stake, 1998).
A investigação atendeu aos princípios éticos
recomendados para as pesquisas em ciên-
cias sociais, e todos os respondentes assi-
naram um documento de confidencialidade,
e foi-lhes assegurado o uso ético e anônimo
das informações coletadas.Também é válido
ressaltar que as entrevistas e observações
não participantes sempre foram realizadas
por pelo menos dois pesquisadores.
O CASO DOS SIMULADORES DE DIRE-
ÇÃO VEICULAR NO BRASIL
As normas para o trânsito brasileiro foram
instituídas pelo Código de Trânsito Brasileiro
(CTB) (Lei n. 9.503, 1997), o qual conferiu
poder para que o Conselho Nacional de Trân-
sito (Contran) e o Departamento Nacional
de Trânsito (Denatran) regulamentassem os
pontos necessários (Silva et al., 2016), inclu-
sive o processo de habilitação de condutores
(CNH). Dentro desse processo, foram inseri-
das as aulas de SDV. Cada SDV é utilizado
por uma pessoa por vez. Sua implementação
foi conturbada, com muitos debates e alte-
rações na forma e momento (etapa do pro-
cesso de habilitação) nos quais as aulas de
SDV ocorreriam, de acordo com documentos
analisados (principalmente as regulamenta-
ções).
Para esta pesquisa, é importante entender
o SDV (material), que é composto por uma
estrutura tecnológica (hardware e software)
que utiliza recursos de simulação e realida-
de virtual para o aprimoramento do processo
de treinamento e formação de condutores de
veículos automotores (Lucas et al., 2013; Ro-
drigues & Santos, 2015). Para tal, o SDV pro-
cura imitar o veículo, no que se refere a seus
aspectos físicos, como a poltrona, além de
criar periféricos (hardware) que se asseme-
lham aos equipamentos dos carros (pedais,
volante etc.), como definido nas Resoluções
do Contran e observado em campo.
Além disso, parte da realidade virtual é feita
pelo software em sincronia com três telas (te-
levisores) que são dispostas de modo a dar
impressão de estar dirigindo em condições
reais (realidade virtual). Eram obrigatórias
cinco aulas de 30 minutos cada, onde se tra-
ta de conceitos sobre como verificar o nível
de óleo, dirigir sob neblina ou chuva, à noite,
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
13
entre outros, conforme determinado em re-
gulamentação do Contran e verificado nas
observações, objetivando que os cidadãos
conheçam as regras de trânsito, tenham ha-
bilidades para dirigir um veículo automotor
e, consequentemente, tenha-se um trânsi-
to seguro. Nesse processo, o SDV orienta
o aluno com imagens, vídeos e textos (por
meio de suas telas) de como deve executar
as atividades propostas, que são padroniza-
das.
A regulamentação (governo) das aulas em
SDV, característica da gestão pública bra-
sileira, impacta a relação entre aluno (ci-
dadão) e tecnologia, obrigando não só a
própria utilização do SDV, mas também es-
tipulando em detalhes a sua forma de uso,
ou seja, existem muitas regras institucionais
(Scott, 2013) para a sua utilização.Também,
percebe-se um novo modelo de e-serviços
públicos com grande participação e intera-
ção dos cidadãos em sua coprodução, dada
a sua importância para o desempenho e re-
sultados das aulas, neste caso por meio de
um artefato de TI (SDV) com apoio de um
instrutor. Pode-se perceber as forças institu-
cionais nas aulas em SDV, as quais limitam
grau de customização das aulas e a autono-
mia dos alunos, impactando a imbricação,
como apontado abaixo:
Eu fiz as aulas porque elas estão dentro
do processo, eu era obrigada (aluno A)
Não posso escolher o que eu quero fazer,
eu perguntei no primeiro dia, posso fazer
o que eu quero (no SDV)? Ele (instrutor)
disse não... (aluno B)
Hoje ele (aluno) não tem autonomia, ele
vai seguindo a regra que tem no simula-
dor... (instrutor A)
Por outro lado, conforme observação das
aulas e as entrevistas, o SDV não conse-
gue, sozinho, realizar de maneira adequa-
da a atividade que dele se espera, sendo
necessária a mediação da interação entre
SDV e aluno, que é realizada pelo instrutor;
essa mediação é importante para cobrir as
lacunas de ação ou entendimento das lições
e atividades que aparecem na prática, ou
seja, esse processo contribui para a socio-
materialidade.
As aulas conduzidas pelo instrutor contri-
buem para que o aluno alcance os resulta-
dos (realização dos exercícios e aprendiza-
gem) esperados e definidos pelo governo
(regulamentação), como se pode observar
nos relatos abaixo, reforçando que em de-
terminados momentos é mais importante
concluir a atividade do que a aprendizagem:
O instrutor falou para adequar o banco,
retrovisores, calçados, (usar) roupas con-
fortáveis, não cruzar os braços, sempre
paralelos... (aluno C)
O instrutor é muito importante, se ele não
estiver lá você não consegue fazer as ati-
vidades, elas são um pouco confusas...
(aluno D)
O instrutor conhece alguns jeitos para
você passar pela atividade, às vezes você
faz o que o software pede e mesmo assim
você não passa... (aluno E)
Essa análise é importante por entender que
o resultado ocorre na prática, ou seja, não
é definido a priori, pelas regras e recursos
institucionais.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
14
Em outro ponto, para a compreensão de
como a ideologia (aqui interpretada como
orientações das ações ou dos comporta-
mentos esperados) está presente em todo o
contexto que circunda o fenômeno estuda-
do, destaca-se que os alunos entrevistados,
quase a totalidade, disseram não ver valor
para si no uso do SDV, mas justificaram a
adoção do artefato de TI com a possibili-
dade de ele ser importante em algum caso
prático, para outra pessoa, aceitando a obri-
gação de fazer a aula.
O simulador é muito diferente do veículo e
não ajuda muito... (aluno F)
O simulador ajuda quem não tem noção
nenhuma de direção. (aluno G)
Esses trechos são exemplificativos dos rela-
tos constantes dos entrevistados “alunos”
, os
quais, na maioria, afirmam já terem dirigido
veículos, mesmo sem possuírem a autoriza-
ção legal para tal (CNH).
A percepção de controle governamental é
apontada nas entrevistas, documentação
e pelas anotações das observações rea-
lizadas, por exemplo, o fato de os alunos
precisarem fazer login em dois sistemas de
informação, um do Detran-SP e outro da
empresa responsável pelo SDV, o que é fei-
to de modo digital por biometria (coleta de
digital) e número do documento de identida-
de. Além disso, o SDV possui uma câmera
digital que pode filmar e fotografar o aluno
durante a execução da aula, para fins de fis-
calização e monitoramento da atividade.
Você coloca a digital e o simulador já reco-
nhece as aulas que você já fez... (aluno H)
As aulas são 100% monitoradas... (aluno I)
Todavia, se a intensa regulamentação do
processo de habilitação, a baixa customiza-
ção das aulas e a prática não conseguiram
fazer o aluno ver valor nas aulas de SDV, as
dificuldades dele em conseguir realizar as
aulas práticas (em carro nas ruas) em um
curto prazo (por conta de um gargalo pro-
cessual) fizeram com que o governo criasse
uma regra para aliviar a ineficiência prática
do processo. Essa forma de adoção de TI
pelo governo poderia ser chamada de “jei-
tinho brasileiro” (Pozzebon & Diniz, 2012),
pois o Contran permitiu a troca de três aulas
práticas de carro noturnas por aulas notur-
nas em SDV (conforme Resolução Contran
n. 543, de 2015), além das cinco obrigatórias,
nas quais já estão previstas “aulas noturnas”
,
ou seja, gera-se uma sobreposição de ativi-
dade, assim a imbricação é moldada por ele-
mentos não previstos na fase de formulação
da política. Nesse caso, a sensação dos alu-
nos é de valor agregado pela troca, por conta
das dificuldades em conseguir fazer as aulas
de carro noturnas nas vias públicas, como
se pode verificar nos trechos das entrevistas
abaixo:
Como as aulas práticas noturnas estavam
mais complicadas de marcar, eles (autoes-
cola) deram a possibilidade de substituir
por aulas em simulador, então aceitei. (alu-
no J)
[...] agora eu estou fazendo aula de simula-
dor para adiantar um pouco as aulas notur-
nas (carro)... (aluno L)
Os alunos que têm dificuldade com horário
para fazer as aulas noturnas podem fazer
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
15
as aulas do simulador, desde que uma
seja feita no carro, mas isto é determina-
ção do Detran... (instrutor B)
As autoescolas também são regulamen-
tadas pelo governo, de modo a replicarem
seu poder, ideologia, controle e limitações,
pois, ao se adequarem e conhecerem as re-
gulamentações da área, mostram-se como
extensões dele, portanto também possuem
limitações em termos de adequação ou
customização do uso da tecnologia (mate-
rial) para cada aluno (cidadão). Nos trechos
abaixo, é possível perceber a complexidade
e regulamentação do setor.
Aqui (Brasil) você tem um processo buro-
crático para tirar habilitação (instrutor C)
“Artigo 5º - O processo de credenciamento
de CFC constituir-se-á das seguintes eta-
pas: I - apresentação de documentação
inicial; II - apresentação de documentação
complementar; III - vistoria
(...)”
“Artigo 19- Os Centros de Formação de
Condutores deverão possuir Corpo Do-
cente constituído de Instrutores de Trânsi-
to, devidamente capacitados e registrados
pelo Detran-SP, de acordo com as normas
reguladoras constantes na legislação de
trânsito...”
(Portaria do Detran-SP)
A tecnologia, nesse contexto, como se de-
preende da análise dos dados, também
é usada pelo governo, por meio do SDV,
para demonstrar e evitar comportamentos
perigosos e que não são aceitáveis. Como
exemplo, tem-se as aulas de SDV que si-
mulam que o condutor esteja embriagado,
mostrando as dificuldades de se dirigir nes-
sas situações e orientando os alunos quanto
aos riscos de se dirigir alcoolizado.
DISCUSSÃO DOS ACHADOS
As informações obtidas por meio das fer-
ramentas metodológicas adotadas permi-
tiram perceber que as instituições da área
de trânsito trabalham de maneira fortemente
regulamentada, assemelhando-se ao mode-
lo burocrático de gestão pública (Filgueiras,
2018; Secchi, 2009), inclusive pelas formas
de controle, o que tem grande impacto na
imbricação; além disso, o serviço público es-
tudado trata-se de coprodução (Voorberg et
al., 2015) dentro de um conceito de e-servi-
ços públicos (Przeybilovicz et al., 2018).
Nesse ambiente, são perceptíveis as for-
ças institucionais do governo (Scott, 2013),
que agem para padronizar as organizações
que atuam no setor (autoescolas), o serviço
(aula de SDV), formas de controle e relação
de poder, além de ser utilizado para reforçar
ideologias sobre a forma de dirigir, impac-
tando a sociomaterialidade. Assim, o artefa-
to de TI funciona de modo multidimensional,
pois é utilizado para controle, orientação,
aumentar a eficiência processual (“jeitinho
brasileiro”), treinamento para a prática e re-
forçar ideologias e comportamentos ditos
adequados e seguros.
É possível verificar pelos dados analisados
a existência de dois momentos da socioma-
terialidade, como existem ambos (material e
social) antes de sua relação na prática: no
primeiro momento, percebem-se ciclos com
constantes mudanças na regulamentação
sobre a forma e momento de usar o SDV
dentro do processo de habilitação, antes de
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
16
começar o seu uso propriamente dito (au-
las). No segundo momento, tem-se ciclos,
onde se procura adequar as novas regras,
focando garantir o uso do SDV em todo o
País, inclusive por meios de controle e fisca-
lização. A figura abaixo explicita esses con-
ceitos e modelo proposto.
Figura 1. Coprodução de e-serviços públicos na prática
Fonte: Adaptado de Leonardi (2013).
Nota: As setas horizontais significam fluxos ao longo do tempo. A seta tracejada representa imbrica-
ções que ocorreram antes de o ator focal (aluno) começar a usar a tecnologia (SDV). A seta diagonal
significa o envolvimento lento, mas cumulativo, das ações com a estrutura (e vice-versa), por meio da
imbricação de agências materiais (SDV) e sociais (alunos, instrutores, autoescolas e governo).
Conforme a figura acima, é possível verificar
que, no caso de coprodução em e-serviços
públicos, durante a publicação das normas
para utilização do SDV (formulação), já é
um processo de relação de imbricação (so-
cial e material), porém sem o ator foco des-
ta pesquisa, que é o aluno. Na sequência,
encontra-se o momento dois (implemen-
tação), que é mais focado na utilização do
SDV pelos cidadãos, criando uma relação
de imbricação que se desenvolve ao longo
do tempo. Importante frisar que a transição
do momento 1 para o momento 2 não é tão
clara como aparenta a Figura 1, mas sim há
uma sobreposição inicial dos dois momen-
tos, assim a separação contribui mais para
fins analíticos.
Percebe-se que as forças institucionais (es-
trutura: governo e autoescola) atuam de
modo a impactarem claramente a relação
entre humano e tecnologia, inclusive por o
governo descrever de maneira detalhada o
artefato SDV e como se deve dar a relação
dele com o cidadão, mas também é verifica-
da pela necessidade de intervenção dos ins-
trutores (autoescola) para mediar a relação,
uma vez que o SDV sozinho não é suficiente
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
17
para atender os resultados que se esperam.
A imbricação que emerge da contínua práti-
ca entre social (governo, autoescola, aluno
e instrutor) e material (SDV) depende, em
grande medida, das regras e recursos que
são postos para essa relação, pois, ao mes-
mo tempo que o SDV é utilizado como uma
preparação para as aulas práticas, dentro
de um conceito de aprendizagem, também
o é para resolver gargalos processuais,
questão que emerge após a utilização ini-
cial do artefato de TI.
Nesse caso, o ideological-discursive forma-
tions (IDF) (Pecheux, 1982 apud Fairclough,
1985, p. 111) é mantido por meio do poder
político e econômico, preservando o poder
das próprias instituições (da área de trânsi-
to), enquanto o taken-for-granted ou know-
ledge base (Fairclough, 1985) mostra que
o SDV é importante para a aprendizagem
de direção veicular, independentemente de
resultados ou da percepção dos alunos, os
quais evidenciaram não verem valor no ar-
tefato de TI.
Outro achado relevante é que o objetivo
dos alunos (SDV) não é necessariamente
aprender a dirigir, o que deveria ser o mais
importante, mas sim conseguir a CNH (au-
torização para dirigir), como se percebe nos
casos de troca de aulas práticas de carro
à noite por aulas em SDV, pois a questão
passa a ser a agilidade do processo e é um
resultado da sociomaterialidade e não pre-
visto a priori.
Todo o contexto apresenta fortes indícios
de que isso é fruto da baixa customização
do serviço, de sua burocratização e da bai-
xa percepção de valor agregado pelos ci-
dadãos (alunos). Assim, os alunos “jogam”
com as regras, pois percebe-se que eles
têm consciência delas e das formas de con-
troles, e sabem como podem utilizar as re-
gras para atingirem seus objetivos de acor-
do com seus interesses.
Os resultados mostram que, diferentemen-
te de outros estudos sobre a relações en-
tre tecnologia e humano, como os serviços
de avaliação de hotéis (Orlikowski & Scott,
2014), nas situações com forte regulamen-
tação, a imbricação é mediada, impactando
os resultados e gerando uma nova relação,
ou seja, uma nova perspectiva prática na
coprodução de e-serviços públicos. Assim,
caso se procurasse entender as relações
que emergem da relação entre artefato de TI
e cidadão, desconsiderando o contexto ins-
titucional, as ideologias e poder (“invisíveis”)
agindo na prática em um serviço público não
seriam percebidas, mascarando as reais in-
tenções governamentais com a adoção de
TI e as intenções e interesses dos cidadãos
e demais atores envolvidos no processo.
A análise mostrou, também, que os alunos
valoram positivamente o SDV para terceiros
que não sabem dirigir.Todavia a maioria dos
alunos entrevistados declarou de maneira
categórica que já sabia dirigir quando utili-
zou o SDV pela primeira vez, e, para eles,
o fato de já saberem dirigir tornou a expe-
riência no SDV de utilidade muito limitada.
A maioria também declarou que “[...] não
fariam as aulas de simulador se elas não
fossem obrigatórias [...]”
, o que nos mostra
como a relação imbricada e institucionaliza-
da do SDV tinha uma conotação negativa e
“burocratizante” para boa parte dos usuários
(alunos/cidadãos).
Embora não tenha sido objeto de pergunta
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
18
específica, os alunos não mostraram incô-
modo com o alto grau de controle ou moni-
toramento por meio do uso de tecnologias,
ou seja, a questão da privacidade não apa-
receu como um problema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para atingir o propósito desta pesquisa, foi
estudada a sociomaterialidade (imbricação)
que ocorre em coprodução de e-serviços
públicos, por meio do caso do uso do SDV,
sendo possível explicar que, na citada rela-
ção sociomaterial, o poder e ideologia insti-
tucional do governo eram sentidos, de ma-
neira clara e sob vários aspectos, inclusive
durante o processo, com o monitoramento
via sistemas de informação, biometria digi-
tal, câmera, entre outros, ficando evidente
que as forças institucionais agiram na rela-
ção de maneira a moldá-la, fortemente vin-
culados ao modelo burocrático de adminis-
tração pública.
Além disso, foi possível verificar que o pró-
prio artefato de TI (SDV) era, além de uma
forma de serviço e controle do governo,
uma forma de bypass, substituto das aulas
noturnas de carro, por conta de dificuldades
no processo. Esse último ponto é o que, na
percepção dos alunos, agregou mais valor
para as aulas de SDV, pois permitia agilizar
a finalização do processo e a decorrente ob-
tenção da licença para dirigir (CNH).
Por outro lado, foram evidenciados dois
momentos de imbricação, o primeiro como
a definição de regras para o funcionamen-
to do SDV, no qual se identificaram muitas
mudanças, e o segundo momento, já com a
relação entre cidadão (aluno) e tecnologia,
gerando uma perspectiva de coprodução de
e-serviços públicos na prática.
A pesquisa contribui para a área de gover-
no eletrônico, especificamente para os es-
tudos sobre coprodução de serviços públi-
cos mediados por tecnologia, explicando a
sua sociomaterialidade, limites e relações
institucionais, além de contribuir especifica-
mente para a área de trânsito. Ela também
desenvolve um novo modelo teórico-prático
multiparadigmático de estudo. É importante
ressaltar que esta pesquisa ajuda a preen-
cher um gap de estudo relacionado ao uso
de tecnologias em coprodução de serviços
públicos, pois a maioria dos estudos anterio-
res faz sua análise a partir da oferta do ser-
viço, havendo escassez de pesquisas sobre
a interação entre cidadão e governo (Araujo
et al., 2018).
É importante frisar que este estudo não quis
analisar a eficiência do SDV, ficando, por-
tanto, uma sugestão para outras pesquisas.
Além disto, embora as entrevistas tenham
sido feitas com cidadãos de duas cidades do
Estado de São Paulo, o que é uma questão
relevante, os documentos analisados, prin-
cipalmente as normas, são regras federais
aplicadas em todo o País, o que aumenta a
capacidade de generalização analítica dos
achados. Por fim, considerando o desenvol-
vimento tecnológico e as novas ferramentas
de TI, é importante estudar outros fenôme-
nos de coprodução de e-serviço público para
se aprender mais sobre ele, inclusive em ou-
tros contextos.
REFERÊNCIAS
Abrucio, F. L. (2007). Trajetória recente da
gestão pública brasileira: Um balanço crítico
e a renovação da agenda de reformas. Re-
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
19
vista de Administração Pública, 41(n. esp.),
67-86. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-
76122007000700005.
Amboni, N., Caminha, D. O., Andrade, R.
O. B., & Fernandes, M. (2017). Abordagem
multiparadigmática em estudos organizacio-
nais: Avanços e limitações. Revista de Ad-
ministração da UFSM, 10(5), 808-827. DOI:
10.5902/19834659 26726.
Araujo, M., Reinhard, N., & Cunha, M.(2018).
Serviços de governo eletrônico no Brasil:
Uma análise a partir das medidas de acesso
e competências de uso da internet. Revista
de Administração Pública, 52(4), 676-694.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612171925.
Barad, K. (2003). Posthumanist performati-
vity: Toward an understanding of how matter
comes to matter. Signs: Journal of Women
in Culture and Society, 28(3), 801-831. DOI:
10.1086/345321.
Berente, N., & Yoo, Y. (2012). Institutional
contradictions and loose coupling: Postim-
plementation of NASA’s enterprise infor-
mation system. Information Systems Rese-
arch, vol 23(2) pages 376-396, June. DOI:
10.1287/isre.1110.0373.
Berger, P. L., & Luckmann, T. (1991). The so-
cial construction of reality: A treatise in the
sociology of knowledge. Penguin Books.
London, England.
Bhaskar, R. (1998). General Introduction. In:
Arche,M., Bhaska, R., Collie, A., Lawson, T.
& Norrie, A. (Eds.), Critical realism: Essential
readings. London, UK/New York, USA: Rou-
tledge. 784 pp.
Bourdieu, P., & Wacquant, L. J. D. (1992).
An invitation to reflexive sociology. Chicago,
USA: The University of Chicago Press.
Callon, M. (1986). Some elements of a so-
ciology of translation: Domestication of the
scallops and fishmen of St. Brieuc Bay. In J
Law (Ed.), Power, action and belief: A new
sociology of knowledge. pp. 196-233. Lon-
don: Routledge and Kegan Paul. https://doi.
org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x.
Chemero, A. (2003). An outline of a theory
of affordances. Ecological Psychology. Jour-
nal Ecological Psychology, 15(2), pp. 181-
195. https://doi.org/10.1207/S15326969E-
CO1502_5.
Cunha, M. A. (2017). Tale of two “SmartCi-
ties”
. Twenty-Fifth European Conference on
Information Systems (ECIS), Guimarães,
Portugal.
Cunha, M. A., & Miranda, P. R. M. (2013). O
uso de TIC pelos governos: Uma proposta
de agenda de pesquisa a partir da produção
acadêmica e da prática nacional. Organiza-
ções & Sociedade, 66, 543-566.http://dx.doi.
org/10.1590/S1984-92302013000300010.
Fairclough, N. L. (1985). Critical and des-
criptive goals in discourse analysis. Journal
of pragmatics, 9(6), 739-763. https://doi.
org/10.1016/0378-2166(85)90002-5.
Fairclough, N. (2005). Discourse analysis in
organization studies: The case for critical re-
alism. Organization Studies, 26(6), 915-939.
DOI: 10.1177/0170840605054610.
Ferreira, L. B., Torrecilha, N., & Machado, S.
H. S. (2012).A técnica de observação em es-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
20
tudos de administração. XXXVI Encontro do
ANPAD, Rio de Janeiro, RJ.
Filgueiras, F. (2018, janeiro/fevereiro). Indo
além do gerencial: A agenda da governan-
ça democrática e a mudança silenciada no
Brasil. Rev.Adm. Pública, 52(1), 71-88. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612161430.
Heinze, N., & Hu, Q. (2005). E-government
research: A review via the lens of structura-
tion theory. PACIS 2005, Proceedings. Ban-
gkok, Thailand, July 7-10.
Hossain, M. D., Moon, J., Kim, J. K., & Choe,
Y. C. (2011). Impacts of organizational assi-
milation of e-government systems on busi-
ness value creation: A structuration theory
approach. Electronic Commerce Research
andApplications, 10, 576-594.Doi:10.1016/j.
elerap.2010.12.003.
Iasbech, P. A. B., & Lavarda, R. (2018). Stra-
tegy and practices: A qualitative study of a
Brazilian public healthcare system of teleme-
dicine. International Journal of Public Sector
Management, 31(3) pp. 347-371. https://doi.
org/10.1108/IJPSM-12-2016-0207.
Johnston, K. A., Jali, N., Kundaeli, F., & Ade-
niran, T. (2015). ICTS for the broader deve-
lopment of South Africa: An analysis of the
literature. Electronic Journal of Information
SystemsinDevelopingCountries,70(3),1-22.
https://doi.org/10.1002/j.1681-4835.2015.
tb00503.x.
Kautz, K. K., & Jensen, T. B. (2012). Deba-
ting sociomateriality: Entanglements, imbri-
cations, disentangling, and agential cuts.
Scandinavian Journal of Information Syste-
ms, 24(2), 89-96. Available at: http://aisel.
aisnet.org/sjis/vol24/iss2/5.
Latour, B. (2005). Reassembling the so-
cial: An introduction to actor-network-theory
(Vol. 1). Oxford University Press. Oxford,
United Kingdom. https://doi.org/10.1017/
CBO9781107415324.004.
Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997.
(1997). Código de Trânsito Brasileiro. Brasí-
lia, DF. Recuperado de http://www.planalto.
gov.br/Ccivil_03/leis/L9503.htm
Leonardi, P. (2011). When flexible routines
meet flexible technologies: Affordance, cons-
traint, and the imbrication of human and ma-
terial agencies. MIS Quarterly, 35(1), 147-167.
DOI: 10.2307/23043493.
Leonardi, P. M. (2013). Theoretical founda-
tions for the study of sociomateriality. Infor-
mation and Organization, 23, 59-76. https://
doi.org/10.1016/j.infoandorg.2013.02.002.
Lucas, F. R., Russo, L. E. A., Kawashima, R.
S., Figueira, A. C., Larocca, A. P. C., & Kab-
bach, F. I., Jr. (2013, abril/junho). Uso de si-
muladores de direção aplicado ao projeto de
segurança viária. Bol.Ciênc.Geod.,Sec.Co-
municações/Trab.Técnicos, 19(2), 341-352.
Machado-da-Silva, C. L., Fonseca, V. S., &
Crubellate, J. M. (2010). Estrutura, agência e
interpretação: Elementos para uma aborda-
gem recursiva do processo de instituciona-
lização. Rev. Adm. Contemp. [on-line], 14(n.
spe.), 77-107.
McPhee, R. D. (2004). Text, agency, and or-
ganization in the light of structuration theory.
Organization, 11(3), 355-371.
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
21
Neto, L. M., Salm, V. M., & Souza, V. B.
(2014). A coprodução dos serviços públicos:
Modelos e modos de gestão. Revista de Ci-
ências da Administração – RCA, v. 16, nº
39.
Orlikowski, W. J. (1992). The duality of tech-
nology: Rethinking the Concept of Techno-
logy in Organizations. Organization Scien-
ce. Vol. 3, No. 3 https://doi.org/10.1287/
orsc.3.3.398.
Orlikowski, W. J. (2000). Using technology
and constituting structures: A practice lens
for studying technology in organizations. Or-
ganization Science. Vol. 11, No. 4. https://
doi.org/10.1287/orsc.11.4.404.14600.
Orlikowski, W. J. (2007). Sociomaterial prac-
tices: Exploring technology at work. Orga-
nization Studies, 28(9), 1435-1448. https://
doi.org/10.1177/0170840607081138.
Orlikowski, W. J. (2010).The sociomateriality
of organisational life: Considering techno-
logy in management research. Cambridge
Journal of Economics, 34(1), 2010, 125-141.
Doi:10.1093/cje/bep058.
Orlikowski, W. J., & Barley, S. R. (2001). Te-
chnology and institutions: What can resear-
ch on information technology and research
on organizations learn from each other?
MIS Quarterly: Management Information
Systems. Vol. 25, No. 2, pp. 145-165. DOI:
10.2307/3250927.
Orlikowski, W. J., & Scott, S. V. (2014). What
happens when evaluation goes online?: Ex-
ploring apparatuses of valuation in the travel
sector. Organization Science, 25(3), 868-
891. DOI: 10.1287/orsc.2013.0877.
Osborne, S., Radnor, Z., & Strokosch, K.
(2016). Co-production and the co-creation
of value in public services: A suitable case
for treatment? Public Management Review,
185, 639-653. https://doi.org/10.1080/14719
037.2015.1111927.
Pacheco, U. (2018). Como o sistema de re-
putação baseado em avaliação mútua é
utilizado por participantes provedores da
economia compartilhada? (Dissertação de
mestrado, FGV EAESP, São Paulo, SP).
Pickering, A. (1995). The mangle of
practice: Time, agency, and scien-
ce. Chicago, USA: University of Chica-
go Press. https://doi.org/10.7208/chica-
go/9780226668253.001.0001.
Pollitt, C., & Bouckaert, G. (2011). Public ma-
nagement reform: A comparative analysis –
New public management, governance, and
the neo-Weberian state. New York, United
States.
Pozzebon, M., Cunha, M. A., & Coelho, T. R.
(2016). Making sense to decreasing citizen
eParticipation through a social representa-
tion lens. Information and Organization, 26,
84-99.Doi:10.1016/j.infoandorg.2016.07.002.
Pozzebon, M., & Diniz, E. H. (2012, July/Sep-
tember). Theorizing ICT and society in the
Brazilian context: A multilevel, pluralistic and
remixable framework. Brazilian Administra-
tion Review – BAR, 9(3, art. 3), 287-307. DOI:
10.1590/S1807-76922012000300004.
Przeybilovicz, E., Cunha, M. A., & Meirelles,
F. S. (2018, julho/agosto). O uso da tecno-
logia da informação e comunicação para
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles
22
caracterizar os municípios: Quem são e o
que precisam para desenvolver ações de
governo eletrônico e smart city. Revista de
Administração Pública, 52(4), 630-649. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612170582.
Puron-Cid, G. (2013). Interdisciplinary appli-
cation of structuration theory for e-govern-
ment: A case study of an IT-enabled budget
reform. Government Information Quarterly,
30, S46-S58. DOI: 10.1016/j.giq.2012.07.010.
Rodrigues, D. A., & Lotta, G. S. (2017, maio/
agosto). Análise do processo de imple-
mentação de reformas em organizações
públicas: Os casos do Poupatempo e do
Detran-SP. Cadernos Gestão Pública e Ci-
dadania, 22(72), 214-237. DOI: http://dx.doi.
org/10.12660/cgpc.v22n72.63589.
Rodrigues, D. A., & Santos, P. S. (2015). O
caso dos simuladores de direção veicular:
Dificuldades do arranjo federativo na política
de trânsito. VIII Congresso Consad de Ges-
tão Pública, Brasília, DF.
São Paulo. (2018). Diário Oficial do Estado
de São Paulo,128(72), 1. Recuperado de ht-
tps://www.imprensaoficial.com.br.
Scott, S. V., & Orlikowski, W. J. (2009). Ex-
ploring the material grounds of institutional
dynamics in social media. Egos 2009, 25th
EGOS Colloquium, 1-25. Barcelona.
Scott, W. R. (2013). Institutions and organiza-
tions: Ideas, interests, and identities. SAGE
Publications, 4, p. 360.
Secchi, L. (2009, março/abril). Modelos or-
ganizacionais e reformas da administração
pública. Rev.Adm. Pública, 43(2), 347-369.
Silva, G. L., Cassundé, N., & Costa, F. S. P.
C. (2016, julho). Dimensões de qualidade dos
CFCs sob a percepção dos condutores de
primeira habilitação. Id On Line Multidiscipli-
nary and Psychology Journal, v.10 n.30.DOI:
https://doi.org/10.14295/idonline.v10i30.470.
Stake, R. E. (1998). Case Studies. In: Stra-
tegies of Qualitative Inquiry. In Denzin, N. K.
and Lincoln, Y. S. (Eds.). Sage Publications,
California. 445-454.
Stein, M. K., Newell, S., Wagner, E. L., &
Galliers, R. D. (2014). Felt quality of socio-
material relations: Introducing emotions into
sociomaterial theorizing. Information and
Organization, 24(3), 156-175. https://doi.
org/10.1016/j.infoandorg.2014.05.003
Thompson, M. P. A. (2004). ICT, power, and
developmental discourse: A critical analyses.
The Electronic Journal of Information Syste-
ms in Developing Countries, 20, 1-26. https://
doi.org/10.1002/j.1681-4835.2004.tb00131.x.
Thornton, P., & Ocasio, W. (2008). Institu-
tional logics. In R. Greenwood, C. Oliver, R.
Suddaby, & K. Sahlin (Eds.),The SAGE han-
dbook of organizational institutionalism. Lon-
don, 99 – 129. UK: SAGE Publication Ltd.
DOI: 10.4135/9781849200387.n4.
Vaz, J. C. (2017, janeiro/abril). Transforma-
ções tecnológicas e perspectivas para a ges-
tão democrática das políticas culturais. Ca-
dernos Gestão Pública e Cidadania, 22(71),
83-102. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.
v22n71.63284.
Voorberg, W. H., Bekkers, V. J. J. M., & Tum-
mers, L. G. (2015). A systematic review of co-
ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020
23
-creation and co-production: Embarking on
the social innovation journey. Public Mana-
gement Review, 17(9), 1333-1357. https://
doi.org/10.1080/14719037.2014.930505.
Wodak, R. (2004). Do que trata a ACD: Um
resumo de sua história, conceitos importan-
tes e seus desenvolvimentos. Linguagem
em (Dis)curso – LemD, 4(n. esp.), 223-243.
ARTIGO: INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
1
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS
LÓGICAS INSTITUCIONAIS
Philanthropy and education public policies: Interactions mediated by multiple institucional logic
Investimento social privado y políticas públicas de educación: interacciones mediadas por múltiples lógicas
institucionales
RESUMO
Nas políticas de educação, a partir dos anos 2000, observa-se aproximação do Investimento Social Privado (ISP), buscando o aumen-
to da qualidade da educação através das colaborações e do foco nos resultados, com destaque para as avaliações dentro do sistema.
Mas, embora haja influência do ISP, o campo tem sido marcado pela atuação de uma multiplicidade de atores e múltiplas lógicas
institucionais, ligadas à atuação estatal, profissional e do mercado, que se tornam mais proeminentes na medida em que se observam
contextos locais de implementação. No nível da implementação da política pública, os contextos são mais diversos, caracterizando
este ambiente como de alta complexidade institucional. Na interação das ações diretas do ISP nos projetos de fortalecimento de gestão
diferenciam-se os profissionais da educação e os gestores educacionais. No contexto de realização dos projetos, foram observadas
práticas que buscam aumentar a compatibilidade de lógicas, principalmente nas interações entre profissionais de ISP e gestores edu-
cacionais e na forma de escolha e estruturação de projetos por parte do ISP.
PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas, gestão pública, educação, investimento social privado, lógicas institucionais.
Patricia Maria Emerenciano Mendonça1
pmendonca@usp.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5675-4261
Paula Santana Santos2
paula.santos@usp.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7927-6752
1 Escola de Artes, Ciências e Humanidades- EACH/ USP- Universidade de São Paulo, Brasil
2 Centro Brasileiro de Análise e Planejamento- CEBRAP
Artigo convidado
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.80688
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
2
ABSTRACT
In education policies,starting in the 2000s,there is an approximation with the philanthropy sector seek-
ing to increase the quality of education through collaborations and focus on results, with emphasis
on evaluations within the system. Despite the influence of philanthropy, the field has been marked by
a multiplicity of actors and multiple institutional logics, linked to state, professional and market action,
which become more prominent as local contexts of implementation are observed.At the implementa-
tion level of public policy,contexts are more diverse,including more actors and local influences,char-
acterizing this environment as high institutional complexity.In the interaction of the direct actions of the
philanthropy in the projects of strengthening of the management of education policies,it is possible to
differentiate professionals of the education and the education managers. In the context of these proj-
ects,it were observed practices that seek to increase the compatibility of logics,mainly in the interac-
tions between philanthropy professionals and education managers and in and the way of choosing
and structuring projects by the philanthropy.
KEYWORDS: Public policy, public management, education, philanthropy, institutional logics.
RESUMEN
En las políticas de educación,a partir de los años 2000,se observa acercamiento con el Investimento
Social Privado (ISP), buscando el aumento de la calidad de la educación a través de las colabora-
ciones y foco en los resultados, con destaque para las evaluaciones dentro del sistema .A pesar de
la influencia de ISP, el campo ha sido marcado por la actuación de una multiplicidad de actores y
múltiples lógicas institucionales,ligadas a la actuación estatal,profesional y del mercado,que se vuel-
ven más prominentes medida en que se observan contextos locales de implementación.En el nivel de
la implementación de la política pública los contextos son más diversos, incluyendo diversos actores
e influencias locales,caracterizando este ambiente como de alta complejidad institucional.En la inter-
acción de las acciones directas del ISP en los proyectos de fortalecimiento de la gestión se diferen-
cian los profesionales de la educación y los gestores educativos. En el contexto de realización de los
proyectos se observaron prácticas que buscan aumentar la compatibilidad de lógicas,principalmente
en las interacciones entre profesionales de ISP y gestores educativos y en la manera de elección y
estructuración de proyectos por parte del ISP.
PALABRAS CLAVES: Políticas públicas, gestión pública, educación, investimento social privado, lógi-
cas institucionales.
INTRODUÇÃO
Desde os anos 1990, as organizações do
Investimento Social Privado (ISP) brasilei-
ro têm se consolidado como um campo or-
ganizacional característico e com práticas
compartilhadas, criando espaços reconhe-
cidos de discussão, eventos, pesquisas e
inserindo-se cada vez mais nos espaços
de formação de opinião pública (Simielli,
2008). A definição de ISP empregada nes-
ta pesquisa baseia-se na ideia de repasse
voluntário de recursos privados de forma
planejada, monitorada e sistemática para
projetos sociais, ambientais e culturais de
interesse público (Nogueira & Schommer,
2009). Entre as organizações identificadas
como participantes do campo do ISP es-
tão fundações, institutos (de origem familiar,
comunitária, empresarial e independente) e
empresas. Nos últimos anos, uma estratégia
comum que se tem destacado no campo do
ISP é o “alinhamento às políticas públicas”
(Gife, 2016; Modesto, 2016).
A partir dos anos 2000, observa-se um dis-
tanciamento do governo federal em relação
aos movimentos tradicionais do campo da
educação ao passo que houve aproximação
com o empresariado (Saviani, 2007; Simielli,
2008). Essas mudanças nas bases sociais
do campo da educação tiveram importante
papel na elaboração do Plano de Desenvolvi-
mento da Educação (PDE), lançado em 2007,
no qual o Ministério da Educação (MEC) teve
maior interlocução com o empresariado, o
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
3
que se reflete em uma das medidas do PDE
chamada de “Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação”
.
Instituído pelo Decreto Federal nº 6.094
(Brasil, 2007) para ser implementado pela
União, esse plano, tido como o “carro-chefe”
(Saviani, 2007, p. 3) do PDE, constitui-se em
uma estratégia utilizada para regulamentar
o regime de colaboração com municípios,
Estados e Distrito Federal, bem como com
a participação das famílias e da comunida-
de, visando à mobilização social pela me-
lhoria da qualidade da educação básica. A
integração dos entes federados ao plano é
estabelecida através da assinatura de ter-
mo de adesão e tal parceria é traduzida “em
compromisso” assumido com a implementa-
ção das 28 diretrizes estabelecidas (Camini,
2010).
Aliadas a isto, as avaliações educacionais
vêm ocupando importante espaço nas po-
líticas educacionais brasileiras. O Brasil
encontra-se entre as piores posições no
Programa Internacional de Avaliação de Es-
tudantes (Pisa), principal avaliação interna-
cional coordenado pela Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) que compara países com base no
desempenho de seus alunos de 15 anos
através de conteúdos mínimos esperados
para sua série em leitura, Matemática e Ci-
ências. A competitividade do país através
de bons resultados educacionais é positiva
para sua melhor inserção produtiva e esse
é o principal argumento dos defensores do
Capital Humano (Coelho, 2002). Segundo
Bonamino e Sousa (2012), as avaliações
associam-se à promoção da qualidade do
ensino, estabelecendo novos parâmetros de
gestão dos sistemas educacionais.
Com a destacada influência do ISP nas po-
líticas educacionais nos últimos anos e sua
incidência no nível de formulação e de to-
mada de decisão, o campo das políticas de
educação tem sido marcado pela atuação
de uma multiplicidade de atores e múltiplas
lógicas institucionais, ligadas à atuação es-
tatal, profissional e do mercado, que se tor-
nam mais proeminentes na medida em que
se observam contextos locais de implemen-
tação.
A literatura sobre lógicas institucionais tem
repetidamente destacado que múltiplas lógi-
cas prevalecem em um campo, influencian-
do organizações e indivíduos (Friedland &
Alford, 1991;Thornton, Ocasio, & Lounsbury,
2012). Entretanto, há perspectivas conflitan-
tes nos estudos sobre como estas múltiplas
lógicas se alinham ou entram em conflito,
e sobre suas consequências para organi-
zações e processos internos aos campos
organizacionais (Greenwood, R., Raynard,
M., Kodeih, F., Micelotta, E., & Lounsbury,
M., 2011). As múltiplas lógicas podem ou
não ser incompatíveis. Quando há logicas
conflitantes, a natureza e a extensão desta
incompatibilidade devem ser observadas,
pois vão produzir diferentes respostas das
organizações.
Este estudo analisa os alinhamentos e con-
flitos existentes entre a lógica de mercado, a
lógica do Estado e as lógicas profissionais
(representada pelos profissionais do ISP,
profissionais da educação e gestores educa-
cionais) nas interações entre organizações
do ISP e diferentes atores envolvidos com
as políticas de educação pública no contexto
de implementação de projetos conjuntos. A
partir dos conceitos de centralidade e com-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
4
patibilidade (Besharov & Smith, 2014), os
conflitos são analisados separadamente no
nível do campo, das organizações e dos in-
divíduos.
Os resultados encontrados indicam que os
contextos de implementação se apresen-
tam como ambientes institucionais comple-
xos (Greenwood et al., 2011), com elevada
fragmentação, dificultando que a centralida-
de da lógica de mercado, apresentada nas
políticas e planos educacionais, possa ser
imediatamente verificada nos níveis micro
da política. Mais estudos devem ser realiza-
dos, considerando a diversidade de atores
e de fatores locais, especialmente para ve-
rificar o papel das resistências das lógicas
profissionais e de Estado às lógicas do mer-
cado.
No contexto de realização dos projetos, fo-
ram observadas práticas que buscam au-
mentar a compatibilidade de lógicas, princi-
palmente nas interações entre profissionais
de ISP e gestores educacionais e na forma
de escolha e estruturação de projetos por
parte do ISP.
METODOLOGIA
Optou-se por olhar as organizações de ISP
que atuam na temática de educação, área
em que 84% das organizações desse cam-
po atuam (Gife, 2016). Dado que essas or-
ganizações apresentam uma diversidade
grande de práticas, a pesquisa debruçou-se
naquelas que se direcionam para os aspec-
tos de gestão das políticas educacionais,
como assessorias de formulação e imple-
mentação, formação de corpo técnico e ges-
tor, elaboração de materiais, realização de
eventos e pesquisas e desenvolvimento de
ferramentas de gestão (planejamento, moni-
toramento e avaliação).
Para possibilitar o aprofundamento necessá-
rio e captar as diferentes lógicas, a pesquisa
selecionou três organizações proeminentes
do campo.A escolha por essa estratégia não
teve o objetivo de produzir estudos de caso
ou comparativos e sim a caracterização so-
bre o fenômeno estudado. Foram realizadas
entrevistas iniciais e observação não-parti-
cipante em alguns eventos para seleção de
três organizações: Fundação Lemann, Insti-
tuto Natura e Instituto Unibanco.
Em seguida, a partir de análise documental
(sites, relatórios e outras publicações das or-
ganizações estudadas), foram exploradas as
informações gerais, referente às ações e aos
programas com foco no fortalecimento da
gestão nas políticas públicas educacionais.
A segunda fase de coleta de dados consistiu
em entrevistas semiestruturadas com profis-
sionais que mantêm algum tipo de relaciona-
mento com as organizações selecionadas e
as atividades de interesse desta pesquisa. O
Quadro 1 resume os eventos e sujeitos mo-
bilizados nesta pesquisa.
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
5
Quadro 1. Eventos e entrevistas realizados
EVENTOS OBSERVADOS ENTREVISTAS
Congresso Gife 2016 Profissionais das organizações estudadas
Seminário de Avaliação Itaú Social Profissionais de outras organizações do ISP
Workshop de Gestão Pública para ISP
Gestores públicos envolvidos
em projetos com ISP
Lançamento BISC 2017
Profissional com experiência no
MEC e Consed
Seminário de Gestão Educacional I Uni-
banco
Profissional do Gife
Webinar lançamento plataforma Juntos-
Comunitas Pesquisadores acadêmicos
Webinar Fundação Lemann - BNCC
Foram realizadas 11 entrevistas com roteiro
semiestruturado, blocadas em quatro macro-
temas: trajetória; experiências e concepções
de política pública;relações interorganizacio-
nais; e espaços reconhecidos.As entrevistas
foram realizadas entre outubro de 2016 e fe-
vereiro de 2018, sendo cinco delas de forma
presencial, todas em lugares públicos em
São Paulo, e seis por conferência telefônica,
quando não houve possibilidade de encon-
tro presencial. Todos os entrevistados auto-
rizaram a gravação do áudio das entrevistas
para uso exclusivo desta pesquisa, os quais
foram transcritos e utilizados na análise.
O processo de análise desses materiais
passou por uma sistematização das três or-
ganizações estudadas e sua atuação com
fortalecimento da gestão nas políticas edu-
cacionais, por meio da transcrição, codifi-
cação e análise por template (King, 2004),
permitiu comparar diferentes visões apre-
sentadas pelos entrevistados e nos mate-
riais analisados, a partir do referencial teóri-
co utilizado. Estas etapas foram suportadas
pela utilização do software NVivo®.
As organizações de ISP estudadas
Fundada em 2002 pelo empresário Jor-
ge Paulo Lemann, a Fundação Lemann é
uma organização familiar privada sem fins
lucrativos. Apresenta-se como desenvolve-
dora e apoiadora de projetos inovadores em
educação, realiza pesquisas para embasar
políticas públicas no setor e oferece forma-
ção para profissionais da educação e para
o aprimoramento de lideranças em diver-
sas áreas. Desde a primeira descrição, são
enfatizadas a centralidade da inovação, da
pesquisa como insumo para políticas públi-
cas, formação e lideranças.
A Fundação Lemann realiza apoio financei-
ro, técnico e estratégico para cerca de 50
instituições através de processo seletivo.
A organização também disponibiliza, em
seu site, um formulário para que as redes
públicas de educação possam manifestar
interesse em parceria e indicar quais dos
projetos disponíveis gostariam de receber
gratuitamente. Os projetos oferecidos vão
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
6
de formação de professores a aplicativos de
apoio à alfabetização.
O Instituto Natura foi criado em 2010 pela
empresa do segmento de cosméticos com
o mesmo nome, com a perspectiva de que
a “educação de qualidade abre horizontes,
amplia consciência e gera oportunidades”
.
Com o foco em educação, os projetos do
Instituto Natura atuam em três dimensões:
melhoria dos sistemas educacionais, com
ações que buscam incorporação de melho-
res práticas e aperfeiçoamento do sistema
de gestão educacional público; inovação em
práticas educacionais, através de ferramen-
tas de Tecnologia da Informação e Comuni-
cação (TICs); e mobilização da sociedade
para educação. Nesta última frente, o insti-
tuto promove ações para articular, conectar
e integrar redes de relações que fortaleçam
a aprendizagem ao longo de toda a vida,
dentro e fora do ambiente escolar.
O Instituto Unibanco foi criado em 1982
pela família Moreira Salles, donos do banco
Unibanco que, em 2008, passou por uma
fusão e atualmente se chama Itaú Uniban-
co. O Instituto Unibanco tem como objetivo
atuar na educação pública no Brasil, com
foco em melhoria de resultados e produção
de conhecimento sobre o ensino médio.
Suas ações são centradas na elaboração e
implementação de soluções de gestão para
as redes de ensino e sala de aula, através
de uma visão orientada para resultados de
aprendizagem e equidade.
As ações e os projetos do Instituto Uniban-
co são voltados ao Ensino Médio e estrutu-
radas em três frentes: a primeira é Desen-
volvimento de Soluções e Implementação,
voltada para concepção, desenvolvimento,
implementação e avaliação de soluções
aplicadas a projetos de gestão educacional;
a segunda, Gestão do Conhecimento, dire-
ciona se para produção e difusão de conhe-
cimento por meio de pesquisas, estudos e
debates focados em soluções baseadas
em evidências empíricas e na investigação
científica; a terceira, Apoio a Projetos reali-
za suporte e fomento a iniciativas alinhados
aos desafios do ensino médio. As principais
ações do instituto são o Programa Jovem de
Futuro, o programa de voluntariado Estudar
Vale a Pena, a promoção de editais e fomen-
tos e a realização de seminários.
As estratégias que as organizações têm ele-
gido diferem de acordo com seu porte, seus
valores e objetivos.A Fundação Lemann tem
atuado em duas frentes: uma focada nas se-
cretarias estaduais e municipais oferecendo
ferramentas e formações; e outra focada em
políticas de âmbito nacional, como a Base
Nacional Curricular Comum. O Instituto Na-
tura optou por atuar na gestão em nível muni-
cipal, através de ferramenta de gestão como
o Conviva e pelo regime de colaboração via
Redes de Apoio à Educação. O Instituto Uni-
banco elegeu o ensino médio e a juventude
como focos de atuação de ações com gesto-
res educacionais.
Lógicas institucionais e atuação público-pri-
vada nas políticas públicas
Nos trabalhos organizados por Thornton,
Ocasio, e Lounsbury (2012) acerca das lógi-
cas institucionais, as instituições aparecem
como elementos materiais (estruturas e prá-
ticas) e simbólicos (ideias e significados) da
vida organizacional, estando presente em
múltiplos níveis: micro (indivíduos e organi-
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
7
zações), meso (campos organizacionais) e
macro (societal).
Os sistemas interinstitucionais influenciam
atores individuais e organizacionais a partir
de diferentes ordens institucionais (família,
religião, Estado, mercado, profissões, cor-
porações e comunidade), moldando a forma
como a racionalidade é percebida e experi-
mentada.
As lógicas institucionais representam fra-
mes de referência que condicionam as es-
colhas dos atores e ajudam na clarificação
acerca dos mecanismos, partes elementa-
res de uma teoria que servem de mediação
entre causa e efeito e desdobram-se ao lon-
go do tempo (Davis & Marquis, 2005).
As lógicas preveem significado e identidade
aos atores e, como estes circulam em dife-
rentes domínios da vida social, exercendo
inclusive múltiplos papéis, estas lógicas fre-
quentemente se sobrepõem. São nestes es-
paços de sobreposição que os atores mani-
pulam estes recursos materiais e culturais,
transformando identidades, organizações
ou sociedade (Thornton, Ocasio, & Louns-
bury, 2012).As lógicas institucionais tornam-
-se observáveis nas interações sociais, em
que os atores as utilizam, manipulam e rein-
terpretam.
Muitos estudos têm identificado a interação
público-privada na implementação de polí-
ticas públicas e suas influências. Os atores
de implementação encontram-se imersos
em diversos contextos institucionais e pro-
duzem uma realidade híbrida que envolve
múltiplas, coexistentes e potencialmente
conflitantes lógicas institucionais (Thor-
mann, Lieberherr, & Ingold, 2016). Estas ló-
gicas incluem os tipos ideais já identificados
na literatura, como a “lógica estatal”
, enfati-
zando legalidade, equidade e segurança; a
“lógica de mercado”
, enfocando performan-
ce, competição, eficiência e efetividade; ou a
“lógica das profissões”
, enfatizando técnicas
e expertise profissional, redes de formação
e associação profissional, reputação e cone-
xões pessoais (Scott, 2008).
Ao guiar e limitar os comportamentos dos
atores, tanto no nível individual, quanto no
nível organizacional, as lógicas institucio-
nais produzem diferentes resultados. Cabe
então às pesquisas compreender estas di-
ferentes manifestações e implicações desta
complexidade institucional, que nunca está
completamente fixada (Besharov & Smith,
2014).
Profissionais do ISP tradicionalmente estão
imersos em instituições de mercado, agin-
do de acordo com valores de performance,
eficiência e competitividade.Ao mesmo tem-
po, têm atuado num cenário de implemen-
tação, aproximando-se da lógica do Esta-
do, com suas racionalidades de adequação
burocrática. Atuando neste espaço híbrido,
irão deparar-se com incompatibilidades que
ocorrerão mesmo que os valores estejam
compatibilizados em objetivos prescritos em
uma política, um programa, projeto ou con-
trato (Skelter & Smith, 2014; Alves, Noguei-
ra, & Schommer, 2013).
Diante destes conflitos, uma parte da litera-
tura tem identificado que as respostas dos
atores de implementação privados estarão
condicionadas à sua identidade relacio-
nada à atuação no mercado, levando-os a
dar prioridade a estes valores (Thormann,
Lieberherr, & Ingold, 2016; Skelter & Smith,
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
8
2014)
Neste sentido, Besharov & Smith (2014)
destacam nas diferenças as possibilidades
explicativas, estabelecendo um modelo de
análise que considera a compatibilidade e a
centralidade das lógicas institucionais distri-
buídas nos níveis do campo, das organiza-
ções e individualmente.
A compatibilidade define o grau em que as
múltiplas lógicas implicam consistência e re-
forçam ações organizacionais. Já a centrali-
dade é definida como a extensão na qual as
lógicas envolvidas são tratadas como igual-
mente válidas para o funcionamento organi-
zacional.
Quadro 2. Drivers para a variação da centralidade e compatibilidade de lógicas institucionais
Nível Fatores de influência na compati-
bilidade
Fatores de influência na Centrali-
dade
Campo Número de profissionais e insti-
tuições e seus relacionamentos
Estrutura do campo
Organizacional Contratação e socialização Missão e estratégia
Dependência de recursos
Individual Interdependências
Laços com referências no cam-
po
Aderência às lógicas
Poder relativo
Fonte: Besharov & Smith, 2014
No nível do campo, a compatibilidade ma-
nifesta-se pelo número de instituições pro-
fissionais presentes e sua relação. No nível
organizacional, práticas de contratação e
socialização impactam a compatibilidade
das lógicas, assim como definição e ajus-
tamento de objetivos e dependência de re-
cursos. Finalmente os indivíduos que, ainda
que submetidos às lógicas do campo e prá-
ticas organizacionais, exercem algum nível
de agência selecionando, interpretando a
atuando com as diferentes lógicas. A atua-
ção destes indivíduos está relacionada com
suas conexões intra e extra- organizacionais
(Besharov & Smith, 2014).
Já a centralidade se manifesta no nível do
campo pelo seu tipo de estruturação.Alguns
campos são mais fragmentados, apresen-
tando distintos e descoordenados clusters,
ou mais centralizados, quando o campo
apresenta algum grau de hierarquia que cris-
taliza demandas unificadas. As organiza-
ções podem alterar missões e objetivos para
realizarem adequações que reforcem algum
cluster e aumentem a centralidade.
No nível organizacional, a dependência de
recursos aumenta a centralidade na medida
em que organizações dependem de um ator
particular ou grupo para recursos críticos,
mesmo que se oponham a estas lógicas. Os
indivíduos aderem de formas diferentes às
logicas, dependendo de suas relações so-
ciais e sua posição na organização. Quando
esta adesão privilegia uma lógica mais cen-
tral, eles conseguem incorporá-la de forma
mais responsiva na organização; quando
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
9
esta adesão é a uma lógica mais fraca é
mais difícil essa internalização. A centrali-
dade é maior quando múltiplas lógicas exer-
cem influência similar sobre os indivíduos
(Besharov & Smith, 2014).
Políticas educacionais e lógicas profissio-
nais do mercado e do Estado
Na interação entre ISP e políticas educacio-
nais, há a participação mais intensa de três
grupos profissionais distintos: da educação,
atuando nas escolas; gestores educacionais
(secretarias de educação); e profissionais
do ISP.
Há diversas entidades representativas dos
segmentos dos profissionais da educação,
com destaque para a Confederação Na-
cional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE). Professores, coordenadores e ou-
tros profissionais atuando nas escolas dão
prioridade à defesa e valorização dos inte-
grantes da comunidade educacional, com
reivindicações voltadas para condições de
trabalho e ampliação do financiamento pú-
blico da educação. Possuem uma forte ló-
gica de Estado, bem como lógica profissio-
nal, considerada conservadora e resistente
a inovações. A formação de professores
no Brasil é considerada desarticulada com
práticas de base, sendo muito mais filosó-
fica, com fortes resistências às avaliações
que busquem mensurar tanto eficácia e efi-
ciência da gestão, quanto de processos de
aprendizado e abordagens mais multidisci-
plinares e integradoras (Borges, Aquino, &
Puentes, 2012).
Os gestores educacionais, representados
principalmente pelo Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed), e pela
União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação (Undime), possuem uma lógi-
ca predominante de Estado, na medida em
que buscam principalmente a pressão e pre-
servação de seus orçamentos. Ao mesmo
tempo, tem sido através destas entidades
que o ISP tem se aproximado das políticas
públicas educacionais. Essa aproximação
ocorre tanto como canal de comunicação
com as redes educacionais de Estados e
municípios, quanto como via de validação da
atuação do ISP nas políticas educacionais,
dada a legitimidade que essas organizações
possuem dentro do campo da educação.
Os profissionais do ISP atuam preponderan-
temente na lógica de mercado, mas também
fazem o esforço de alinhar demandas sociais
e públicas nas suas práticas (Alves, Noguei-
ra, & Schommer, 2013). O Grupo de Insti-
tutos Fundações e Empresas (Gife) é uma
organização reconhecida como importante
para promover maior interação do campo do
ISP em pautas comuns. Entre suas agendas
estratégias, está a nomeada como “Alinha-
mento com políticas públicas”
, representan-
do a emergência dessa discussão dentro do
campo e a necessidade de os associados
trocarem experiências entre si para verifica-
ção das práticas que são legitimadas pelos
seus pares.
Além dos profissionais de ISP atuando prin-
cipalmente nos institutos, fundações, e em
alguns casos em programas mantidos dire-
tamente pelas empresas, o campo do ISP é
conformado pela influência dos mantenedo-
res.
Um campo organizacional consolidado é
caracterizado pelo aumento na circulação e
troca entre seus atores. Ao analisar a com-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
10
posição dos conselhos das organizações
de ISP estudadas, é observado que os con-
selhos são compostos geralmente pessoas
próximas e executivos da empresa mante-
nedora ou por um grupo de especialistas no
tema.
O conselho da Fundação Lemann é inteira-
mente composto por membros da família e
amigos pessoais do seu fundador. O Institu-
to Natura possui duas instancias: o conse-
lho administrativo, composto por executivos
ligados à empresa e executivos de outras
fundações e institutos (como diretores-exe-
cutivos do Instituto Unibanco e Fundação
Lemann); o conselho consultivo, composto
por especialistas da área de educação e di-
retores de outras organizações. Enquanto o
Instituto Unibanco tem uma presidência e
uma diretoria compostas por executivos do
Itaú-Unibanco e um conselho formado por
pessoas do setor de educação, economistas
e pelo executivo da Fundação Itaú Social.
Tanto os gestores educacionais, quanto os
profissionais de ISP podem ser conside-
rados comunidades profissionais fluidas
(Mendonça & Alves, 2012), em que o pro-
cesso de profissionalização ocorre por re-
des informais que acabam preenchendo a
lacuna de alguns mecanismos institucionais
presentes em categorias profissionais mais
estabelecidas, em que a teorização e a dis-
seminação de práticas ocorrem em espaços
de formação e atuação profissional bem de-
limitados, inclusive sujeitos a regulamenta-
ção específica.
Há uma forte interação entre gestores edu-
cacionais e profissionais de ISP, possibili-
tando que convivam e explorem diferentes
lógicas institucionais, suas inconsistências
e seus conflitos internos (Friedland & Alford,
1991). Os profissionais da educação atuam
de modo a criar resistências com relação às
interações do ISP e dos gestores da educa-
ção.
Além destes, há muitos atores no Executi-
vo, Legislativo, Judiciário federal e nos entes
subnacionais que participam das políticas
educacionais, além de diversos atores da
sociedade civil (sindicatos, ISP, ONGs, as-
sociações científicas, associações patronais
de entidades privadas de educação, entre
outros.), destacando a alta fragmentação
deste campo (Sena Martins, 2018).
Compatibilidade e centralidade nas organi-
zações estudadas
Características das organizações impactam
a compatibilidade de lógicas no campo. Na
relação do ISP com gestores educacionais
não há entidades profissionais fortes atuan-
do, ao contrário dos profissionais da educa-
ção que trabalham diretamente nas escolas
e que por vezes têm sindicatos fortes.
Entre ISP e gestores educacionais, a rela-
ção é muito mais dependente das redes e
trocas informais entre os profissionais. Estas
trocam moldam a forma como estes atores
utilizam as diferentes lógicas. A compatibili-
dade também aumenta quando o ISP aporta
recursos financeiros e técnicos entre os ges-
tores educacionais. No caso de dependência
de recursos, organizações respondem a de-
mandas de grupos, mesmo que se oponham
às lógicas que sustentam estas demandas
(DiMaggio & Powell, 1983).
Num campo fragmentado, como o das polí-
ticas educacionais, a centralidade da lógica
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
11
de mercado é buscada pelo ISP a partir da
influência sobre missões e objetivos orga-
nizacionais (Besharov & Smith, 2014). A
missão e as estratégias situam as organi-
zações dentro de um campo ou na interse-
ção de muitos campos. Mais uma vez aqui,
a disponibilização de recursos técnicos e
financeiros atua como forma de dar mais
centralidade às práticas legitimadas pelo
mercado, em especial a de colocar como
ponto central as avaliações nas políticas de
educação.
Observa-se que o ISP utiliza-se da legiti-
mação por persuasão e tradução, que con-
siste no uso de linguagem e construção
de significados como forma de influência.
A apropriação de conceitos e valorização
de elementos próprios da gestão pública
ocorre para buscar aproximação e identifi-
cação. Nesta pesquisa, observou-se que o
termo gestão é caro tanto para o Poder Pú-
blico como ao privado, mas que, para o ISP
conseguir legitimar-se, é preciso relacionar
em seu significado o conceito do “fortaleci-
mento” do setor público. Além de transmitir
ideia de valorização do público, este tam-
bém consiste em afastar as críticas sobre
tentativas de sobreposição ou limitação da
atuação do Estado por uma lógica merca-
dológica na gestão.
No primeiro aspecto, centraliza-se a ideia
de que as empresas devem contribuir com
o fortalecimento das organizações públicas
através da articulação e transferência de
conhecimento. A principal contribuição do
ISP seria repassar conhecimentos e ferra-
mentas de gestão para o setor público, que
carece desse conhecimento, enquanto as
organizações que estão mais próximas do
mundo empresarial têm esse conhecimento
ou mais facilidade para acessá-lo.
Consequência dessa visão é a compreen-
são do setor público como tendo uma fra-
gilidade técnica muito grande, impactando
a condução das políticas públicas sob sua
responsabilidade. Um relato indicou até que
a escolha de atuação com a área de educa-
ção no setor público se dá pelo fato de que
o corpo técnico é menos qualificado para
aspecto de gestão, visto que a maioria da
sua composição é de educadores formados
em cursos de Pedagogia ou de áreas que
desenvolvem de forma restrita conteúdos
de gestão. Essa característica fortaleceria
a ideia de que o ISP tem uma contribuição
significativa a dar neste setor.
A expressão na crença no setor público, na
valorização do profissional da área de edu-
cação e na qualificação dos serviços públi-
cos é elemento mobilizador para dar mais
centralidade à lógica de mercado.
Relatos de resistência do setor público a
este movimento foram vistos ao longo da
pesquisa, embora este aspecto não tenha
sido o foco central do estudo. Há uma per-
cepção do ISP sendo recebido pelo que a
organização representa financeiramente,
em um primeiro momento, tanto por parte de
entrevistados do ISP como pelos fora dele:
Como prestador de serviços não, mas
como um cifrão é muito comum. (...) você
chega num lugar e é olhado como dinheiro
vivo... é muito comum. Então essa constru-
ção da parceria tem que ser realmente...
é.... devagarzinho para entender: Ah tá,
ele pode contribuir para além do dinheiro,
né? (E2)
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
12
Eu sempre acho que é importante ter par-
ceria com instituições privadas. Por exem-
plo, ISP X tem dinheiro, a gente sabe dis-
so, é uma associação rica. A missão não
o lucro, mas... o ISP X é um dos que mais
arrecada. E a administração pública tem
um orçamento que é limitado, eu acho que
tem que fazer parceria sim. (E4)
O ISP tenta deslocar o foco dos recursos
financeiros para o acúmulo de recursos
técnicos. Houve a recorrente necessidade
dos entrevistados do campo em indicar que
há um esforço de demostrar que possuem
capacidades técnicas e experiências que
podem interagir de forma qualificada com
as políticas públicas. Nesse ponto, o perfil
dos profissionais do ISP, recrutados a partir
de experiências anteriores tanto em ONGs
como no poder público são evocadas como
forma de se legitimar frente aos interlocuto-
res do poder público e da sociedade civil,
bem como permitem a estes profissionais
lidarem com as diferentes lógicas presentes
no campo. Foi observado que os profissio-
nais do ISP ora fazem uso do “chapéu” mais
vinculado ao mundo empresarial, ora substi-
tuem pelo “chapéu” que mais os aproximam
da sociedade civil e do Estado, fazendo uso
de certas linguagens, experiências e rela-
cionamentos dependendo da lógica em que
buscam mobilizar.
Como critério de seleção de municípios par-
ceiros frequentemente são utilizados indica-
dores de vulnerabilidade ou de resultados
educacionais abaixo da média. Igualmen-
te, a definição de território de atuação por
questões pessoais foi mencionada. Foram
citados casos em que a localidade de atu-
ação foi escolhida por uma questão de re-
lacionamento dos profissionais do ISP com
gestores educacionais, demostrando mais
uma vez a importância das redes que se es-
tabeleceram neste nível.
Foi possível identificar que é recorrente a prá-
tica de sistematizar ou financiar a produção
de conhecimento sobre projetos em educa-
ção de algum tema ou demanda identificada,
seguindo no desenvolvimento de alternativas
para resolução desse problema e, por fim, na
implementação das ações desenhadas e no
monitoramento dos resultados. Dentro dessa
perspectiva, analisou-se que a ação orien-
tada por evidências e dados com o objetivo
de atingir impactos e transformação social é
recorrente no discurso das organizações do
ISP. Esse aspecto é essencial para diferen-
ciar de uma atuação tradicional, vinculada à
filantropia, no sentido de ação sem orienta-
ção por resultados. Esse resultado é men-
surado através de avaliação e na adoção de
metas compostas com indicadores, algo que
passa a aparecer com mais frequência nos
planos educacionais, notadamente no PDE
2007.
Entre as organizações estudadas, conside-
rando os depoimentos coletados, a avalia-
ção por uso de dados apareceu na fala de
várias organizações. Entretanto, foi nas falas
do Instituto Unibanco que a avaliação eco-
nométrica foi mencionada, indicando que,
como se trata de um processo muito dispen-
dioso de tempo e recursos, esse modelo de
avaliação dificilmente poderia ser realizado
pelo setor público, por isso a contribuição do
ISP nessa categoria. Há a demonstração por
parte do instituto da necessidade de difundir
uma cultura de avaliação entre os gestores
educacionais, para que façam uso de dados
nas suas escolhas e ações e que esse uso
seja também pedagógico, não apenas admi-
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
13
nistrativo. Entende-se por uso pedagógico
quando o gestor utiliza os resultados das
avaliações e dos dados sobre o sistema
escolar para verificar em que aspectos sua
escola está abaixo do rendimento esperado
e elabore planos de ação para responder a
essa lacuna.
Além do aspecto de avaliação e uso de in-
dicadores, outra característica da atuação
do ISP é a busca por “inovação” que traga
conteúdo ou ferramentas novas para o cam-
po. Essa seria a grande contribuição do ISP
para as políticas públicas, visto que o setor
público teria maior dificuldade em promover
esse tipo de providência.
Os recursos relacionais e financeiros das
organizações do ISP permitem o acesso à
produção de conhecimento internacional
e nacional através de aproximações com
universidades e centros de pesquisa, as-
sim como pela contratação de elaboração
de estudos específicos. As organizações do
ISP são reconhecidas, tanto por membros
do campo como de fora, como aquelas que
buscam experiências exitosas e conheci-
mentos novos, traduzindo-os para uma lin-
guagem mais próxima do público-alvo (no
caso, gestores e profissionais da educação),
sistematizam-nos através de publicações,
materiais de formação e apoio e websites e,
por fim, disseminam esse conteúdo através
da elaboração de projetos, eventos ou vin-
culação na mídia.
A Fundação Lemann tem uma das suas
áreas dedicadas à pesquisa e produção de
conteúdo. Através de pesquisas de experi-
ências e políticas de outros países e no Bra-
sil, a fundação busca melhores propostas e
traduz ou adapta para que sejam dissemina-
das no Brasil. Por sua parte, o Instituto Na-
tura tem uma área focada na realização de
pesquisas para a produção de conhecimen-
to nos temas de atuação e sobre os projetos
do instituto, envolvendo temas como educa-
ção em tempo integral, regime de colabo-
ração e comunidade de aprendizagem. O
Instituto Unibanco também possui uma área
de pesquisa, chamada Gestão de Conheci-
mento, que faz pesquisas voltadas para seu
principal programa, o Jovem de Futuro. São,
portanto, pesquisas mais relacionadas com
temas como juventude e ensino médio.
Próximo a essa ideia de contribuição através
de pesquisa, o conceito de “piloto” parte do
pressuposto de que um projeto precisa pas-
sar por um ciclo de validação que comprove
sua efetividade para depois ser transferido
para o setor público como política pública.
Segundo as organizações, o ciclo de desen-
volvimento, implementação, monitoramento
e avaliação permite conhecer as condições
mínimas necessárias para o sucesso do
projeto:
Todos os projetos são pautados com uma
lógica de você tentar fazer um piloto, im-
plementar, validar... e colocar em escala
para tentar contribuir com a maior quan-
tidade de alunos possíveis e os alunos.
(E5)
O piloto é reconhecido no campo do ISP e
praticado por organizações de maior porte
que têm a possibilidade de investir em ava-
liação para a validação da metodologia tes-
tada. Também foi mencionado o piloto como
uma contribuição para inovação de políticas
públicas, visto que é possível testar meto-
dologias novas antes de disseminar. As or-
ganizações também indicam que, dado seu
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
14
alto custo de recursos e políticos, o setor pú-
blico não tem condições de realizar pilotos,
enquanto o ISP tem essa possibilidade por
não ter a vinculação obrigatória de oferecer
a ação para todos.
Como crítica, essa estratégia acaba limi-
tando as possibilidades de adaptação e
mudanças do projeto, visto que as organi-
zações formuladoras procuram manter o
projeto conforme testado no piloto, enquan-
to o setor público apresenta a percepção de
que é necessário adaptar com outras ações
e contextos presentes dentro de uma rede
educacional que, por ser mais ampla, tor-
na também quase impossível isolar apenas
uma intervenção das dezenas outras que
ocorrem concomitantemente, como o piloto
permite fazer.
Compatibilidade e centralidade no nível in-
dividual
A forma como os membros das organiza-
ções mobilizam múltiplas lógicas é influen-
ciada pelas redes intra e extraorganizacio-
nais de que eles participam. (Besharov &
Smith, 2014). Na relação entre ISP e polí-
ticas públicas de educação, muitas destas
redes foram construídas a partir da aproxi-
mação com entidades de gestores educa-
cionais como Consed e Undime:
Quando a gente começou esse primeiro
movimento de transferir, então, teve a fase
piloto, teve a avaliação do PB, conclui-se
que tinha impacto na aprendizagem. Aí a
gente foi na reunião do Consed. (E6)
Então ao falar com a liderança da Undi-
me e do Consed a gente entende que isso
tem mais representatividade, e foi muito
importante para a gente ter uma constru-
ção desse guia de implementação. (E9)
Por ser composto por secretários de Educa-
ção, inclusive na presidência, segundo os
entrevistados, o Consed oscila entre mais
aberto ou menos aberto à recepção do ISP
dependendo de quem está na gestão do
conselho. O Consed recentemente foi orga-
nizado por grupos de discussão temáticos,
sendo composto por uma liderança de algum
Estado específico e pelos demais membros
que têm atuação mais direta com aquela
frente dentro de suas redes.
As organizações do ISP, por sua vez, cons-
truíram a estratégia de aproximação desses
grupos de acordo com seus focos de atua-
ção. O Instituto Unibanco relatou acompa-
nhar principalmente as discussões sobre en-
sino médio e gestão escolar, além de buscar
oferecer com o Consed seminários e cursos.
A Fundação Lemann indicou uma atuação
mais próxima do Consed e das Undimes para
apoiar as secretarias na implementação do
currículo, através de formações e materiais
orientadores, como um Guia de Implemen-
tação, sendo este último uma demanda do
próprio líder da Undime, segundo relato.
O Instituto Natura, mesmo tendo um foco na
gestão municipal, tem proximidade com o
Consed e a Undime. Sua atuação dá-se atra-
vés de pesquisas sobre governança e elabo-
ração de ferramentas de gestão que possam
apoiar as secretarias de Educação. O Convi-
va Educação é uma iniciativa nesse sentido,
que além do Consed e da Undime, envolve
outras organizações do ISP como parceiras,
e consiste em uma plataforma que busca
apoiar a gestão educacional, principalmen-
te na elaboração dos Planos Municipais de
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
15
Educação. Recentemente, o Instituto Natura
também apoiou a restruturação de gover-
nança do Consed.
A chegada diretamente no líder do Execu-
tivo para a construção dessa relação, seja
no ministro, governador ou prefeito, foi apre-
sentada como negativa. A justificativa para
esse tipo de ação é que dessa forma a deci-
são da realização da parceria baseia-se em
questões políticas que são mais instáveis e
acabam sendo conduzidas de forma imposi-
tiva, assim como a aprovação de cima para
baixo muitas vezes não envolve a validação
dos técnicos das secretarias sobre a rele-
vância e qualidade do projeto proposto. Por
outro lado, a chegada via secretarias passa-
ria por uma avaliação técnica maior.
Há também estratégias de fomento de redes
na ponta, no nível de implementação, com
ações que suportem a colaboração dentro
do mesmo município ou Estado, articulando
experiências entre as secretarias de dife-
rentes localidades. Essa estratégia tem sido
fomentada inclusive pelo Banco Interame-
ricano de Desenvolvimento (BID) através
do Movimento Colabora, que está alinhado
com o objetivo do ISP de ganhar escala e
maiores impactos, posto que a rede possibi-
lita ter maior abrangência de atuação.
Foi verificada a adoção de diferentes estra-
tégias para fortalecer as redes colaborati-
vas, buscando aproveitar aquelas existentes
entre as secretarias de Educação estaduais
e municipais. As organizações de ISP têm
se aproximado de associações como o
Consed e a Undime para capilarizar alguma
ação entre as redes ou então criar instân-
cias de discussão de pautas colaborativas.
Os relacionamentos entre os membros da
rede e seu grau de interdependência afetam
seus laços dentro do campo, permitindo que
o ISP possa fortalecer ações de coesão en-
tre grupos para aumentar a compatibilidade
de lógicas dentro das organizações públi-
cas, mesmo que ainda guardem diversas in-
compatibilidades com lógicas presentes no
campo das políticas educacionais.
Foi identificada a existência de equipes de
profissionais do ISP atuando dentro das
redes de ensino pública, no nível local. A
Fundação Lemann, por exemplo, conta com
uma equipe responsável pelo acompanha-
mento das 21 redes em que atuam, buscan-
do identificar suas necessidades e contribuir
com soluções para seus problemas. O Ins-
tituto Natura, através da Rede de Apoio à
Educação (RAE), atua em formato de polos
em três Estados (SP, PA e BA) através de
uma coordenação central na sua sede e de
articuladores locais. O Instituto Unibanco,
via gerência de implementação, coordena
as ações nas redes com a presença de pelo
menos um gestor local, que atua dentro das
secretarias com as quais o instituto tem par-
ceria.
Sobre a ação de ter um funcionário do ISP
dentro das secretarias, houve críticas:
É alguém do Instituto Y, tem um funcioná-
rio do Instituto Y, local, alguém do Ceará,
que o trabalho do cara é esse. É um fun-
cionário do Instituto Y que está na secreta-
ria, o que é bem criticável. Já vi artigos de
que isso é uma consultoria, que a gente
põe pessoas dentro da secretaria... en-
fim... foi a estratégia que o instituto defi-
niu para disseminar, para de repente fazer
essa estratégia de saída depois. (E6)
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
16
O Instituto Y ofereceu pagar o salário de
uma pessoa em cada secretaria que ade-
risse para organizar o trabalho, reconhe-
cendo que muitas secretarias não iam con-
seguir aproveitar o dinheiro público que o
governo estava oferecendo pelo governo
federal. [...] O instituto falou: Bom, se uma
secretaria estadual quiser aproveitar essa
oferta do governo federal e não tiver como,
a gente passa diretamente para essa se-
cretaria o salário da pessoa. (E9)
CONCLUSÃO
A natureza plural dos ambientes institu-
cionais resulta que as organizações estão
sempre buscando suporte externo para lidar
com instabilidades e incorporar diferentes
incompatibilidades estruturais (Meyer & Ro-
wan, 1977). Os autores que se têm debruça-
do sobre a análise das lógicas institucionais
(Friedland & Alford 1991; Thornton, Ocasio,
& Lounsbury, 2012; Besharov & Smith, 2014;
Greenwood et al., 2011) passaram a apro-
fundar-se acerca da prevalência e das impli-
cações resultantes da incorporação destas
múltiplas demandas institucionais.
Este trabalho analisou os alinhamentos e os
conflitos existentes entre a lógica de merca-
do, a lógica do Estado e as lógicas profis-
sionais nas interações entre organizações
do ISP com atuação na área de educação
na estrutura das políticas públicas educa-
cionais, destacando a centralidade e com-
patibilidade das múltiplas lógicas existentes
(Besharov & Smith, 2014). Na interação das
ações diretas do ISP nos projetos de forta-
lecimento da gestão diferenciam-se os pro-
fissionais da educação e os gestores educa-
cionais.
O campo do ISP é mais amplo do que o re-
corte das organizações trabalhando com a
temática do fortalecimento da gestão nas
políticas educacionais consideradas neste
trabalho. No entanto foi possível perceber
que já há uma compatibilidade no nível dos
tomadores de decisão das políticas de edu-
cação, uma vez que lógicas de mercado apa-
recem de forma incisiva no PDE, enfatizando
o papel das avaliações e dos resultados na
política. Isto foi observado por outros auto-
res (Coelho, 2002; Bonamino & Sousa, 2012;
Saviani, 2007; Simielli, 2008; Camini, 2010) e
apontado na introdução como pano de fun-
do e justificativa para o aprofundamento das
análises destas relações nos níveis de imple-
mentação e mais recortados da política.
A fragmentação na implementação de polí-
ticas educacionais enfraquece a compatibi-
lidade de lógicas presente nos planos nacio-
nais, e as resistências à lógica do mercado
tornam-se mais visíveis. A compatibilidade
busca encontrar consistências em ambientes
influenciados por múltiplas lógicas, sendo re-
forçadas nas ações organizacionais.
Uma prática do ISP que busca aumentar
a compatibilidade é recrutar profissionais
que já tenham atuado em outros setores e
estejam instrumentalizados para realizar
as traduções entre lógicas de forma a lidar
melhor com estes conflitos. A interação dos
profissionais do ISP com os gestores edu-
cacionais contribui para que no nível indivi-
dual ocorra maior compatibilidade na medi-
da em que os agentes são capazes de lidar
com alinhamento de práticas nos contextos
de realização dos projetos. Pelo fato de os
projetos selecionados pelo ISP focalizarem
municípios com piores indicadores, esta es-
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
17
tratégia acaba tendo o efeito de aumentar a
compatibilidade de lógicas, uma vez que a
dependência técnica e de recursos financei-
ros é maior.
A centralidade implica que uma lógica pode
estar incidindo mais do que outra em am-
bientes institucionais complexos, determi-
nando como as organizações irão se ajus-
tar. Se no nível da formulação e tomada de
decisão é possível verificar alguma centrali-
dade da lógica de mercado, no contexto da
implementação ainda é difícil tecer conclu-
sões, uma vez que estes contextos se mos-
tram mais fragmentados e diversos.
Uma dimensão importante neste sentido,
que não foi explorada em detalhe neste es-
tudo, é o papel dos profissionais da educa-
ção e a resistência que podem estar exer-
cendo para impedir o desenrolar da lógica
de mercado no contexto da implementação.
Estes, assim como outros atores apontados
por Sena e Martins (2018), não foram incor-
porados neste estudo. Diante disso, é possí-
vel que futuros estudos aprofundem mais o
papel das lógicas profissionais na mediação
dos conflitos de lógicas nas políticas educa-
cionais. Uma hipótese a se verificar é que
a a relação entre fragmentação do campo
e a centralidade de lógicas nas políticas
educacionais deve sofrer variações quando
considerados os entes subnacionais e sua
enorme diversidade, o perfil dos gestores,
os profissionais da educação e as práticas
adotadas.
REFERÊNCIAS
Alves, M. A., Mendonça, P., & Nogueira, F.
A. (Org.) (2006). Arquitetura institucional de
apoio às organizações da sociedade civil
no Brasil. 1ed.São Paulo: PGPC.
Alves, M.A., Nogueira, F;A., & Schommer, P.
C. (2013) Profissionalização e Lógicas Ins-
titucionais: O Profissional do Investimento
Social Privado no Brasil. Anais do XXXVII
Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro. Recu-
perado de <http://www.anpad.org.br/admin/
pdf/2013_EnANPAD_EOR2358.pdf>.
Besharov, M.L. & Smith, W.K. (2014). Mul-
tiple Institutional Logics in Organizations:
Explaining Their Varied Nature and Impli-
cations. Academy of Management Review,
39,364-381. Recuperado de http://dx.doi.
org/10.5465/amr.2011.0431
Bode, I. (2013). Processing Institutional
Change in Public Service Provision: The
Case of the German Hospital Sector. Public
Organization Review 13:323. Recuperado
de https://doi.org/10.1007/s11115-012-0201-z
Bonamino, A. & Sousa, S. Z (2012). Três
gerações de avaliação da educação bási-
ca no Brasil: Interfaces com o currículo da/
na escola. Educação e Pesquisa, São Pau-
lo, v. 38, n. 2, p. 373-388. doi: http://dx.doi.
org/10.1590/S1517-97022012005000006.
Borges, M. C., Aquino, O. F., & Puentes,
R.V (2012, Agosto). Formação de professo-
res no Brasil: história, políticas e perspec-
tivas. Revista HISTEDBR On-line, Campi-
nas, SP, 11(42),94-112, ISSN 1676-2584.
Recuperado de <https://periodicos.sbu.
unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/arti-
cle/view/8639868/7431>. doi: https://doi.
org/10.20396/rho.v11i42.8639868.
Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996.
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educa-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos
18
ção Nacional. Recuperado de <http://www.
planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>.
Lei nº 10.172, de 9 de Janeiro de 2001.
Aprova o Plano Nacional de Educação e
dá outras providências. Recuperado de
<http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/
leis_2001/l10172.htm>.
Lei nº 13.005, de 25 de Junho de 2014.
Aprova o Plano Nacional de Educação –
PNE e dá outras providências. Recuperado
de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>.
Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007
.
Dispõe sobre a implementação do Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação.
Recuperado de <http://www. planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/
d6094.htm>.
Camini, L (2010). A política educacional do
PDE e do Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação. Revista Brasileira
de Política e Administração da Educação,
26(3)535-550. Recuperado de < https://seer.
ufrgs.br/rbpae/article/view/19797>
Coelho, F.S.(2002).A Educação Profissional
no Brasil entre o Estado e a Sociedade Civil:
Evolução, Debate Atual e Experiência Re-
cente.(Dissertação de Mestrado). Fundação
Getúlio Vargas - FGV, São Paulo. Recupe-
rado de: < http://hdl.handle.net/10438/5168>
Deboni, F. (Org.) (2013). Investimento Social
Privado no Brasil: Tendências, desafios e
potencialidades. Brasília: Instituto Sabin.
Deboni, F.(2016). O sentido público do In-
vestimento Social Privado. GIFE. Recupe-
rado de <http://gife.org.br/artigo-o-sentido-
-publico-do-investimento-social-privado/>.
Dimaggio, P. & Powell, W. (1983) The iron
cage revisited: Institutional isomorphism and
collective rationality in organizational fields.
American Sociological Review, 48(2)147-
160.
GIFE (2014). Censo GIFE. Recuperado de <
https://sinapse.gife.org.br/download/censo-
-gife-2014>.
GIFE (2016). Censo GIFE. Recuperado de
<http://gife.issuelab.org/resource/censo-gi-
fe-2016.html>.
Friedland, R. & Alford, R.R. (1991). Bringing
society back in: Symbols, practices,and insti-
tutional contradictions. In W.W. Powell & P.J.
DiMaggio (Eds.), The new institutionalism in
organizational analysis (pp. 232–266). Chica-
go: University of Chicago Press.
Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih,
F., Micelotta, E., & Lounsbury, M. (2011)
Institutional Complexity and Organiza-
tional Responses, The Academy of Ma-
nagement Annals, 5(1)317-371, doi:
10.1080/19416520.2011.590299
Hill M. & Hupe P. (2003) The multi-layer pro-
blem in implementation research. Public Ma-
nagement Review. 5(4)471–490.
King, N (2004). Using templates in the the-
matic analysis of text. Essential Guide to
Qualitative Methods in Organizational Rese-
arch. London: Sage, 2004. p. 256-270.
Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutio-
nalized organizations: Formal structures as
INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020
19
myth and ceremony. American Journal of
Sociology, 83(2)340–363.
Modesto, A (2016). O Investimento Social
Privado e os projetos na área da saúde. Re-
cuperado de <http://comunitas.org/juntos/
publicacao/o-investimento-social-privado-e-
-os-projetos-na-area-da -saude>.
Nogueira, F. A. & Schommer, P. C. (2009).
Quinze anos de Investimento Social Priva-
do no Brasil: Conceito e práticas em cons-
trução. ENANPAD - Encontro Científico de
Administração da ANPAD, 33. Anais.. São
Paulo, ANPAD.
Saviani, D. (2007). O ensino de resultados.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 abr. 2007.
Scott, W. R. (1983). The Organization of En-
vironments: Network, Cultural and Historical
Elements. in: Organizational Environment:
Ritual and Rationality, edited by John W.
Meyer and W. Richard Scott. Beverly Hills,
California: Sage
Sena Martins, P. (2014). A política das polí-
ticas educacionais e seus atores. Jornal de
PolíticasEducacionais,[S.l.],jun.2014.ISSN
1981-1969. Recuperado de <https://revistas.
ufpr.br/jpe/article/view/35739/24018>. doi:
http://dx.doi.org/10.5380/jpe.v8i15.35739.
Silva, A. L., Andrade, S. (2016). O alinhamen-
to do Investimento Social Privado às políti-
cas públicas. Gife: pelo impacto do desen-
volvimento social. Recuperado de <http://
GIFE.org.br/o-alinhamento-do-investimento-
-social-privado-as-politicas-publicas/>.
Simielli, L. E. R. (2008). Coalizões em edu-
cação no Brasil: A pluralização da Socieda-
de Civil na luta pela melhoria da educação
pública. (Dissertação de Mestrado). Funda-
ção Getúlio Vargas - FGV, São Paulo.
Thomann, E., Lieberherr, E., & Ingold, K.
(2016) Torn between state and market: Priva-
te policy implementation and conflicting ins-
titutional logics. Policy and Society, 35(1)57-
69, doi: 10.1016/j.polsoc.2015.12.001
Thornton, P. H. & Ocasio, W. (2008). Institu-
tional logics. In: Greenwood, R.; Oliver, C.;
Sahlin, K.; Suddaby; R. (Orgs.). The Sage
Handbook of Organizational Institutiona-
lism. London: Sage.
ARTIGO: CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
1
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS
CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
CONCENTRATION AND DEPENDENCE OF CONSTITUTIONAL TRANSFERS IN THE MUNICIPALITIES OF PARÁ.
CONCENTRACIÓN Y DEPENDENCIA DE TRANSFERENCIAS CONSTITUCIONALES EN LOS MUNICIPIOS DE PARÁ.
RESUMO
Esta pesquisa aborda o tema transferências de receitas intergovernamentais e orienta-se pelo seguinte: em que medida as transfer-
ências de recursos entre os entes federados cumpre o seu objetivo de equalização de disparidades regionais? O objetivo deste artigo
foi investigar a desigualdade na distribuição de recursos por meio das transferências constitucionais aos municípios do Pará, Brasil.
A pesquisa está sustentada na teoria das finanças públicas, notadamente na teoria da repartição de receitas tributárias entre entes
federados. Parte-se da hipótese de existência de concentração das transferências intergovernamentais nos municípios paraenses,
especificamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a distribuição das cotas-partes do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (cota-parte do ICMS). Para testar a hipótese, foram usados índice T de Theil e coeficiente de Gini para os
municípios do Estado entre 2010 e 2016. Os resultados demonstraram que há concentração de recursos em um grupo restrito de
municípios com as cotas-parte do ICMS. Por outro lado, existe maior dispersão na distribuição do FPM. Tal situação deve-se pelo fato
de o ICMS ter grande peso sobre municípios com maior valor adicionado fiscal, enquanto que o FPM possui critérios que favorecem
melhor distribuição. Entretanto existe ainda uma forte dependência dos municípios paraenses em relação à distribuição destes recur-
sos, o que requer uma gestão mais eficiente dos governos municipais para melhor utilizar os recursos disponíveis.
PALAVRAS-CHAVE: FPM, ICMS, Gini, desenvolvimento, impostos.
Marcos Rodrigues1
marcos.rodrigues.adm@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3879-6115
David Costa Correia Silva1
davidcorreiasilva@hotmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6061-6665
1. Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)
Submetido 22-05-2019. Aprovado 16-01-2020
Avaliado pelo processo de double blind review
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.79256
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
2
ABSTRACT
This study addresses the intergovernmental financial resources transfers and is guided by the fol-
lowing research problem: are the resource transfers between federated entities meeting their goal of
equalizing regional disparities? This research aimed to investigate the inequality of distribuition of the
constitutional financial resources to municipalities in Pará state, Brazil.The research is based on the
theory of public finances,notably on the theory of tax revenue sharing between federated entities.The
hypothesis stablished assumes that there is concentration of the constitutional financial transfers in
the municipalities of Pará, specifically the Municipal Participation Fund (FPM) and the distribution of
the the Tax on the Circulation of Goods and Services (ICMS).To test this hypothesis,the Theil’s T index
and the Gini coefficient were used for the municipalities of Pará between 2010 and 2016.The results
showed that there is a concentration of resources in a restricted group of municipalities for the resourc-
es of ICMS, on the other hand, there is greater dispersion in FPM distribution.This occurs because
the ICMS has great weight on municipalities with higher fiscal added value,while the FPM criteria are
favorable to better distribute resources.However,there is still a strong dependence on municipalities to
the distribution of these resources, which requires a more efficient management of municipal govern-
ments to make better use of available resources.
KEYWORDS: FPM, ICMS, Gini index, development, taxes.
RESUMEN
Este estudio aborda las transferencias de recursos financieros intergubernamentales y se guía por
el siguiente problema de investigación: ¿las transferencias de recursos entre entidades federadas
cumplen su objetivo de igualar las disparidades regionales? Esta investigación tuvo como objetivo
investigar la desigualdad en la distribución de los recursos financieros constitucionales a los mu-
nicipios del estado de Pará, Brasil. La investigación se basa en la teoría de las finanzas públicas,
especialmente en la teoría de la distribución de los ingresos fiscales entre las entidades federadas.
La hipótesis establecida supone que hay una concentración de las transferencias financieras consti-
tucionales en los municipios de Pará, específicamente el Fondo de Participación Municipal (FPM) y
la distribución del Impuesto sobre la Circulación de Bienes y Servicios (ICMS).Para probar esta hipó-
tesis, se utilizaron el índice T de Theil y el coeficiente de Gini para los municipios de Pará entre 2010
y 2016. Los resultados mostraron que existe una concentración de recursos en un grupo restringido
de municipios para los recursos de ICMS, por otro lado Por otro lado, hay una mayor dispersión en
la distribución de FPM. Esto ocurre porque el ICMS tiene un gran peso en los municipios con mayor
valor agregado fiscal,mientras que los criterios de FPM son favorables para distribuir mejor los recur-
sos. Sin embargo, aún existe una fuerte dependencia de los municipios para la distribución de estos
recursos, lo que requiere una administración más eficiente de los gobiernos municipales para hacer
un mejor uso de los recursos disponibles.
PALABRAS CHAVES: FPM, ICMS, Índice de Gini, desarrollo, impuestos
INTRODUÇÃO
Em um contexto de déficit fiscal e contin-
genciamento de recursos pelo governo em
suas diversas esferas (nacional, estadual,
distrital e municipal), cabe aos entes fede-
rativos compreender as necessidades de
recursos de cada membro e efetuar as re-
partições previstas com base em critérios
que priorizem a liquidez, a manutenção do
serviço público e a promoção ao desenvol-
vimento regional.
Entretanto, a partir da Constituição de 1988,
restou aos municípios uma menor capaci-
dade de captação de recursos por meio da
arrecadação própria, à medida que os prin-
cipais impostos são de responsabilidade
dos governos federal e estaduais (Carvalho,
Oliveira, & Carvalho, 2007). Neste ambiente
institucional, as transferências constitucio-
nais acabam ganhando destaque e dentre
elas cita-se o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educa-
ção (Fundeb), Fundo de Compensação pela
Exportação de Produtos Industrializados
(FPEX), a cota-parte do ICMS, entre outros
(Farina, Gouvêa, & Varela, 2008).
Tais transferências são tão essenciais quanto
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
3
legais, haja vista que em muitos casos elas
passam a ser a maior parcela do orçamen-
to municipal para investir em bens públicos
para a população (M. Soares, Gomes, & To-
ledo Filho, 2011). Tal divisão possui o inte-
resse de reduzir as desigualdades regionais
transferindo recursos financeiros de regiões
mais ricas para as pobres. Portanto existe a
necessidade de os critérios de divisão serem
sensíveis às necessidades regionais no mo-
mento da repartição, não apenas buscando
uma homogeneidade na distribuição, mas
propiciando meios para que as ações locais
melhore as condições de vida da população.
No Estado do Pará, as diferenças regionais
são marcantes, sendo necessário o estudo
aprofundado sobre como os recursos são
alocados para os governos municipais.
Esta pesquisa aborda o tema transferências
de receitas intergovernamentais e orienta-se
pelo seguinte: em que medida as transferên-
cias de recursos entre os entes federados
cumpre o seu objetivo de equalização de
disparidades regionais? Para responder a
este questionamento, o trabalho teve como
objetivo investigar a desigualdade da dis-
tribuição do FPM e a Cota de ICMS nos
municípios do Estado do Pará entre 2010 e
2016. A pesquisa está sustentada na teoria
da finanças públicas, notadamente na da re-
partição de receitas tributárias entre entes
federados.
Para cumprir o objetivo dessa pesquisa, o
artigo está divido em cinco seções a contar
desta introdução. A seção a seguir tratará
das transferências constitucionais depois da
Constituição de 1988, destacando o repas-
se do FPM, assim como a composição do
ICMS no Pará, os quais são objetos de es-
tudo deste trabalho. Em seguida, é apresen-
tada a metodologia de cálculo das desigual-
dades, a saber o índice de Gini e o índice
de Theil. Na quarta seção são apresentados
os resultados alcançados nessa pesquisa e
feita a relação com outros trabalhos. Ao final
são apresentadas as considerações finais
TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO DE
1988
Transferências intergovernamentais: o FPM
no Brasil
As transferências intergovernamentais refe-
rem-se aos repasses financeiros constitu-
cionais e legais com objetivos de estabele-
cer um equilíbrio inter-regional à realização
de um investimento ou manutenção de um
serviço público.As transferências podem ser
discricionárias ou voluntárias (Gomes, 2007;
Neto & Simonassi, 2013).As primeiras estão
ligadas à Constituição, assim estão livres e
seguem as necessidades e a negociação
entre os governos. Enquanto as voluntárias
requerem alguma negociação e, em geral,
servem para atender a objetivos específicos.
Segundo Mendes, Miranda e Cosio (2008,
p.17), o FPM é um tipo de transferência in-
condicional, redistributiva e obrigatória. São
transferências obrigatórias porque seus re-
passes estão estabelecidos na Constituição;
são incondicionais, pois sua aplicação não
está vinculada a nenhum fim específico e
isso significa que os entes beneficiários po-
dem utilizar os recursos para os fins de sua
preferência; ademais, esses repasses ga-
nham a alcunha de redistributivos em virtu-
de dos critérios de repartição dos recursos
entre os governos subnacionais serem defi-
nidos por fórmulas, dividindo-se os recursos
não se considerando o local onde o tributo
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
4
foi arrecadado. “É o tipo de transferência
mais utilizado para a finalidade de redistri-
buição regional ou redução de hiato fiscal”
(Mendes, Miranda, & Cosio, 2008).
Assim, o formato de distribuição do FPM de
um lado aumenta a autonomia do governo
receptor e de outro os entes que recebem
os recursos ficam com baixa accountability
(capacidade de prestar contas), na medida
em que as populações dos Estados e muni-
cípios desvinculam a origem dos recursos
do esforço tributário próprio. Os repasses
têm a incumbência de reduzir os hiatos de
recursos financeiros das regiões mais po-
bres do país, o que em muitos casos tor-
na-se uma transferência de renda de uma
área mais dinâmica para outra região que
não consegue se desenvolver. A respeito
da complexidade das diferenças regionais,
Rezende (2010) salienta que as mudanças
instituídas em 1988 detinham a preocupação
com o equilíbrio federativo. Existindo dessa
forma uma dualidade entre o mérito individu-
al e o compromisso federativo, notadamente
a união federativa tem sobressaído, caben-
do, contudo, verificar se essa decisão tem
sido eficiente.
Os valores do FPM provêm da arrecadação
total do Imposto de Renda (IR) e do Impos-
to sobre Produtos Industrializados (IPI). São
descontados os valores das restituições e
dos incentivos fiscais. A diferença é que a
alíquota é um pouco superior; um ponto per-
centual a mais que o FPE, totalizando o valor
líquido de 22,5% que é distribuído aos muni-
cípios (Quadro 1).
Quadro 1: Distribuição do IR e do IPI
Imposto
Fundo
FPE* FPM* FNE FNO FCO FEX**
IR 21,5% 22,5% 1,8% 0,6% 0,6% -
IPI 21,5% 22,5% 1,8% 0,6% 0,6% 10,0%
Fonte: BRASIL (2005)
* 15% são destinados ao Fundef
** Cada Estado deve entregar 25% do valor recebido aos respectivos municípios, conforme
a Constituição Federal.
A distribuição do FPM é determinada pelo
Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de
25 de outubro de 1966 (BRASIL, 2013), o
qual reparte o valor total do fundo aos mu-
nicípios em três subcategorias: capitais, mu-
nicípios do interior e municípios de reserva
(municípios do interior com mais de 156.216
habitantes, como se observa na Figura 1.
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
5
A Figura 1 traz um organograma da distribui-
ção do valor líquido do FPM: 10% são dis-
tribuídos entre as capitais; 86,4% entre os
municípios do interior; e os demais 3,6% são
partilhados entre os municípios de reserva,
seguindo o Decreto-Lei nº 1.881, de 27 de
agosto de 1981.
O cálculo do FPM é realizado tendo por
fundamento os coeficientes de participa-
ção divulgados anualmente pelo Tribunal
de Contas da União (TCU), tais coeficientes
são calculados com base no levantamento
do número de habitantes de cada município
provido pelo Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE) que informa ao TCU,
que após análise dessas informações, esta-
belece o coeficiente individual de participa-
ção para cada unidade municipal, com base
no disposto no Decreto-Lei nº 1.881/81. Na
Tabela 1 é possível verificar o coeficiente de
participação dos municípios do interior com
base na faixa de habitantes.
Tabela 1: Coeficiente de participação dos municípios do interior
Faixa de habitantes Coeficiente
Até 10.188 0.6
De 10.189 a 13.584 0.8
De 13.585 a 16.980 1
De 16.981 a 23.772 1.2
De 23.773 a 30.564 1.4
De 30.565 a 37.356 1.6
De 37.357 a 44.148 1.8
De 44.149 a 50.940 2
De 50.941 a 61.128 2.2
De 61.129 a 71.316 2.4
De 71.317 a 81.504 2.6
De 81.505 a 91.692 2.8
De 91.693 a 101.880 3
De 101.881 a 115.464 3.2
De 115.465 a 129.048 3.4
De 129.049 a 142.632 3.6
De 142.633 a 156.216 3.8
Além de 156.216 4
Fonte: BRASIL (2005).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
6
Pela Tabela 1 observa-se que foram defi-
nidas 16 faixas populacionais, cabendo a
cada uma delas um coeficiente. A cada fai-
xa de população, esse coeficiente sobe em
0,2 pontos, sendo o mínimo de 0,6, o qual é
válido para municípios com até 10.188 ha-
bitantes; e o coeficiente máximo, de 4,0, des-
tinado aos municípios do interior com mais
de 156.216 habitantes. A distribuição do va-
lor do FPM é regional, como é observado na
Figura 2.
Pelo gráfico da Figura 2, o valor total do
FPM é distribuído da seguinte maneira:
35,22% são destinados aos municípios da
Região Nordeste; 31,22%, aos municípios
da Região Sudeste; 17,61% para aos muni-
cípios do Sul; 8,52% aos da Região Norte; e
7,43% ao Centro-Oeste. Verifica-se, assim,
que municípios de Estados distintos situa-
dos na mesma faixa populacional terão o
mesmo coeficiente, mas não receberão o
mesmo valor do FPM, porque o percentual
de participação em cada Estado é diferente
(BRASIL, 2013).
O valor da cota do FPM de cada município é
calculado pelo Banco do Brasil, após rece-
ber da Secretaria do Tesouro o valor total do
FPM a ser distribuído. Como foi destacado
anteriormente, o valor total do FPM corres-
pondente a 22,5% da arrecadação da receita
líquida do IR e IPI, sendo distribuído entre
os municípios, aplicando-se os coeficientes
individuais estabelecidos pelo TCU. Para o
cálculo do FPM dos municípios do interior,
tem-se (equação 1 e 2):
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
7
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
8
Tabela 2: Comparativo de FPM por Estado e FPM per capita – 2015
Estado Total de recursos
Número de
municípios
População FPM per capita
Acre R$363.394.244,01 22 803513 R$452,26
Alagoas R$1.627.617.796,07 102 3340932 R$487,17
Amapá R$1.047.827.153,04 16 766679 R$1.366,71
Amazonas R$267.124.741,94 62 3938336 R$67,83
Bahia R$6.367.109.632,55 417 15203334 R$418,80
Ceará R$3.391.921.058,78 184 8904459 R$380,92
Distrito Federal R$115.538.816,17 1 2914830 R$39,64
Espírito Santo R$1.184.145.355,76 78 3929911 R$301,32
Goiás R$2.506.774.807,85 246 6610681 R$379,20
Maranhão R$2.837.853.832,39 217 6904241 R$411,03
Mato Grosso R$1.247.167.069,88 141 3265486 R$381,92
Mato Grosso do Sul R$1.015.202.875,74 79 2651235 R$382,92
Minas Gerais R$8.962.833.643,75 853 20869101 R$429,48
Pará R$2.449.457.731,46 144 8175113 R$299,62
Paraíba R$2.208.956.676,58 223 3972202 R$556,10
Paraná R$4.618.692.314,10 399 11163018 R$413,75
Pernambuco R$3.361.261.853,12 185 9345173 R$359,68
Piauí R$1.812.708.754,54 224 3204028 R$565,76
Rio de Janeiro R$2.010.962.155,44 92 16550024 R$121,51
Rio Grande do Norte R$1.692.155.261,09 167 3442175 R$491,59
Rio Grande do Sul R$4.625.155.392,00 497 11247972 R$411,20
Rondônia R$579.744.497,60 52 1768204 R$327,87
Roraima R$339.138.350,88 15 505665 R$670,68
Santa Catarina R$2.667.749.558,68 295 6819190 R$391,21
São Paulo R$9.107.467.452,90 645 44396484 R$205,14
Sergipe R$1.019.796.688,66 75 2242937 R$454,67
Tocantins R$971.223.138,02 139 1515126 R$641,02
Total R$68.398.980.853,00 5570 204.450.049 R$334,55
Fonte: SIAFI (SIAFI, 2015); IBGE (2019).
Para saber a cota de cada município, é pre-
ciso primeiro calcular a participação do Es-
tado a que ele pertence, dividir pelo soma-
tório dos coeficientes do respectivo Estado
e multiplicar pelo coeficiente do município.
O total de recursos obtidos portanto é rela-
cionado aos respectivos coeficientes que por
sua vez têm relação com critérios como a po-
pulação e a renda per capita. Consequente-
mente, Estados mais populosos, com maior
número de municípios, tendem a obter mais
recursos do FPM (Tabela 2).
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
9
O Decreto-Lei nº 1.881/81 destina 3,6% do
FPM total para distribuição aos municípios
de coeficiente igual a 4,0 (mais de 156.216
hab.) e, nos termos da Lei Complementar
n.º 91/97, os municípios com coeficiente 3,8,
conforme os coeficientes individuais da ta-
bela abaixo. O cálculo da participação de
cada município é realizado dividindo-se o
total do FPM do Decreto-Lei pelo somatório
dos coeficientes (320,0) e multiplicando-se
o resultado pelo coeficiente do município.
São distribuídos para as capitais 10% do
FPM total. Para o cálculo da cota individual,
multiplica-se este valor pelo coeficiente de
cada capital, dividindo-se o resultado pela
soma dos coeficientes (118,8).
Transferências intergovernamentais: o ICMS
no Pará.
No Estado do Pará, a transferência da cota-
-parte de ICMS a cada município é regida
pela Lei estadual nº 5.645, de 11 de janei-
ro de 1991, e segue a Constituição Federal
(Artigo 158, IV), que reserva 25% da arreca-
dação do imposto pelos Estados aos muni-
cípios sendo este valor dividido em:
I - três quartos, no mínimo, na pro-
porção do valor adicionado nas operações
relativas à circulação de mercadorias e nas
prestações de serviços, realizadas em seus
territórios;
II - até um quarto, de acordo com o
que dispuser lei estadual ou, no caso dos
Territórios, lei federal.
O Estado legisla, portanto, sobre o 1/4 res-
tante. No caso do Pará, em 2012 entrou em
vigor a Lei nº 7.638 que estabelece o crité-
rio ecológico como um dos mecanismos de
divisão dos recursos do ICMS. Em 2012, o
critério iniciou com 2% e foi elevado em 2%
ao ano até 2015, quando chegou a 8%, sen-
do seu índice atual. O Quadro 2 contém a
evolução critérios desenvolvidos para o Es-
tado do Pará após a Lei nº 7.638. O critério
ecológico contempla a destinação de parte
dos recursos para municípios que detenham
em seu território unidades de conservação
e/ou outras áreas protegidas e o índice de
cada município é determinado anualmente
conforme mudanças nas áreas protegidas.
Quadro 2: Critérios de divisão da cota-parte do ICMS aos municípios no Estado do Pará
Critério 2011 2012 2013 2014 2015
Valor adicional fiscal 75% 75% 75% 75% 75%
Proporção da população municipal 5% 5% 5% 5% 5%
Proporção da área municipal 5% 5% 5% 5% 5%
Igualitário 15% 13% 11% 9% 7%
Ambiental 0% 2% 4% 6% 8%
Total 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Anexo – Lei nº 7.638/2012.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
10
O estabelecimento de critérios adicionais
para a distribuição do ICMS pode contribuir
para reduzir eventuais desigualdades. Silva,
Santos, & Cavalcante (2017) observaram
esta contribuição para o Estado de Sergipe,
o qual ainda não possui critérios sociais ou
ambientais para o rateio do ICMS aos muni-
cípios. Segundo os autores, com a adoção
de critérios de emprego, educação e saúde,
haveria uma mudança na distribuição: me-
tade dos municípios passariam a receber
mais do que recebem hoje e em alguns ca-
sos municípios que detêm menor parcela
passariam a configurar entre os que mais
recebem.
Para promover uma distribuição mais justa
dos recursos do ICMS aos municípios, os
Estados desenvolvem metodologias diferen-
tes de distribuição. Nogueira (2012) analisou
as mudanças que ocorreram na distribuição
do ICMS no Ceará a partir de 2009 quan-
do houve mudanças nestes critérios. O au-
tor observou que houve melhor equidade
na distribuição dos recursos entre os muni-
cípios, sendo que a metodologia contribuiu
positivamente para municípios com meno-
res arrecadações anteriormente, podendo
tais recursos serem empregados para o de-
senvolvimento regional e humano.
METODOLOGIA
Dados
Para analisar a distribuição das transferên-
cias do ICMS e do FPM para os municípios
no Pará, foram levantados dados entre os
anos de 2010 e 2016 (FINBRA, 2019), con-
forme a existência de informação na base
de dados. A população dos municípios foi
levantada para realizar comparativo da dis-
tribuição per capita dos recursos por ano e
o Produto Interno Bruto (PIB) para realizar
comparativo da participação dos recursos
sobre a produção de bens e serviços (IBGE,
2019). Todos os valores financeiros para fins
de comparação foram atualizados para de-
zembro de 2018 por meio do IGP-DI.
Análises de concentração
Para mensurar o grau de equidade na distri-
buição dos recursos do ICMS e do FPM nas
transferências aos municípios, foram utiliza-
dos três métodos quantitativos: o coeficiente
de variação (CV); o coeficiente de Gini; e o
T de Theil. O CV (Equação 5) é dado pela
razão entre o desvio padrão (S) em relação
à média ( ), frequentemente expresso em
percentual e demonstrando a magnitude de
dispersão dos dados em relação à média.
Outra medida de dispersão utilizada é o co-
eficiente de Gini, que varia entre zero (distri-
buição perfeita, em que todos obtêm a mes-
ma renda) e um (situação oposta, na qual
um único agente detém toda a renda e os
demais não têm nada). O coeficiente de Gini
é baseado na curva de Lorenz e representa
a proporção de dispersão em relação à curva
de igualdade e está descrito na Equação 6
(Cowell, 2011).
O índice T de Theil vem sendo utilizado para
mensurar distribuição de pobreza no Brasil
(Moreira, Braga, Carvalho, Lima, & Silva,
2009; A. P. Soares, Jacobi, Zanini, & Sou-
6)
yi
= renda (FPM ou recurso do ICMS) obtida pelo
indivíduo i; i = 1, 2, ..., n.
5)
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
11
za, 2016). Com o índice de Theil é possível,
mantendo a redundância obtida, analisar
qual o percentual da população sem renda
se toda a renda fosse igualmente distribuída
entre os demais. Sendo um índice que va-
ria entre zero e um, a interpretação é aná-
loga ao coeficiente de Gini; ou seja, quanto
mais próximo de zero, mais igualitária é a
distribuição; e, quanto mais próximo de um,
maior a tendência de poucos agentes con-
centrarem a maior parte da renda. O cálculo
da redundância está descrito na Equação 7
(Cowell, 2011) e o índice T de Theil na Equa-
ção 8. O limite para a redundância é dado
pelo logaritmo natural do total de indivíduos.
Se os municípios apresentarem o coeficien-
te de Gini e T de Theil elevado (próximo a
um), demonstra-se então uma tendência à
concentração de recursos em um grupo res-
trito de municípios. Caso próximo de zero, fi-
cará evidente uma distribuição quase iguali-
tária dos recursos entre os municípios. Caso
apresente dispersão elevada, demonstra-
-se um desvio padrão elevado em relação
à média. Em uma situação igualitária, todos
os municípios recebem uma parcela igual
do recurso (média) e o coeficiente de varia-
ção é zero.A análise conjunta dos diferentes
métodos (independentes entre si) permite
confirmar a tendência de concentração ou
distribuição dos recursos das transferências
constitucionais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cota-parte do ICMS
A partir dos dados coletados, foi possível
calcular a distribuição dos recursos do ICMS
e do FPM nos municípios do Pará e verificar
se esta distribuição é próxima da homoge-
neidade ou se existe uma heterogeneida-
de que favoreça a destinação de recursos
para municípios menos desenvolvidos. Para
os recursos do ICMS (Tabela 3) existe uma
tendência de concentração dos recursos. O
coeficiente de Gini, embora com redução no
ano de 2010, manteve-se em um patamar
elevado em todos os anos (entre 0,700 e
0,735).
Tabela 3: Grau de distribuição do ICMS no Estado do Pará – 2010 a 2016
Medidas de dis-
persão
Anos
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Coeficiente de Gini 0,712 0,724 0,735 0,713 0,720 0,714 0,700
T de Theil 0,734 0,742 0,753 0,750 0,745 0,725 0,685
C.V. 295,6% 293,2% 296,0% 320,1% 308,2% 283,0% 250,6%
Número de muni-
cípios
129 111 94 127 118 107 101
ICMS per capita
(média) – R$
304,95 344,43 325,15 326,93 324,65 308,96 317,50
7)
si
= participação relativa do indivíduo i na
renda total (FPM ou recurso do ICMS); i =
1, 2, ..., n.
8)
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
12
O mesmo ocorre quando se verifica o T de
Theil (entre 0,685 e 0,753). Embora com
uma redução no ano de 2016, a concen-
tração de recursos em um grupo de muni-
cípios é evidente. O coeficiente de variação
extremamente elevado (maior que 250%
em todos os anos) comprova a dispersão
existente entre os recursos dos municípios,
havendo um grupo que possui um repasse
de ICMS mais elevado e um grupo com um
recurso mínimo.
Como observado anteriormente, a divisão
do ICMS para os municípios do Pará mos-
trou forte concentração neste estudo. Essa
concentração decorre principalmente da
parcela constitucional (75%) que os municí-
pios devem receber em relação a sua parti-
cipação fiscal. Ou seja, municípios que pos-
suem maior nível de atividades capazes de
arrecadar impostos também irão ser benefi-
ciados com maior recebimento de repasse
de ICMS. Entretanto algumas atividades po-
dem provocar uma grande concentração re-
gional, como o caso da mineração na região
de Carajás, que em 2016, com sete municí-
pios, concentrou cerca de 20% das transfe-
rências do ICMS. Entretanto como apontado
por Soares, Gomes, & Toledo Filho (2011),
embora a repartição do ICMS não crie me-
canismos para uma divisão mais justa, seus
recursos são essenciais para os orçamen-
tos municipais, principalmente nos menores
municípios.
A margem de 25% disponível para o Estado
criar critérios de divisão pode ser a alterna-
tiva para reduzir a desigualdade na distribui-
ção, transferindo recursos para municípios
com menor grau de desenvolvimento e ca-
pacidade de gerar atividades que propiciem
maior arrecadação de tributos e consequen-
temente elevem a participação do ICMS
no município. O Pará optou por alterar seus
critérios, reduzindo a distribuição igualitária
para outros novos critérios sociais e ambien-
tais. Outros estudos já verificaram que estes
critérios permitem melhor distribuição dos
recursos com base em indicadores que ve-
rifiquem a necessidade dos municípios (No-
gueira, 2012; Silva et al., 2017).
A divisão per capita dos recursos permite
comparar quanto cada município receberia
caso a divisão fosse somente por critérios po-
pulacionais. Naturalmente, municípios com
atividades com grande geração de impostos
e com populações menores terão maior re-
curso per capita. Em 2016, embora a média
estadual tenha sido de R$ 317,50, municípios
como Canaã dos Carajás (R$ 1.475,13) e Pa-
rauapebas (R$ 1.207,97), onde predomina a
mineração, e Tucuruí (R$ 1.363,34), que abri-
ga uma grande usina hidroelétrica, obtiveram
ICMS per capita elevado. Igarapé-Miri (R$
22,27), Cametá (R$ 42,67) e Augusto Corrêa
(R$ 54,89) estão por sua vez no extrato in-
ferior de distribuição dos recursos per capita
em 2016.
Fundo de Participação dos Municípios
Embora a distribuição dos recursos do ICMS
seja concentrada em um grupo de municí-
pios, para a distribuição do FPM já não ocorre
o mesmo. O grau de concentração é menor,
o que é demonstrado pelo coeficiente de Gini
abaixo de 0,5 (entre 0,417 e 0,443). Também
o mesmo ocorre no T de Theil (entre 0,373
e 0,461). Entretanto mesmo havendo menor
concentração de recursos ainda assim existe
uma certa dispersão entre os municípios que
mais recebem e que menos recebem, o que
é comprovado pelo coeficiente de variação
ainda elevado (Tabela 4).
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
13
Tabela 4: Grau de distribuição do FPM no Estado do Pará – 2010 a 2016
Medidas de dispersão
Anos
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Coeficiente de Gini 0,428 0,428 0,460 0,431 0,417 0,443 0,431
T de Theil 0,418 0,432 0,461 0,420 0,373 0,412 0,379
C.V. 193,8% 202,2% 205,6% 195,0% 165,2% 180,5% 162,9%
Número de municípios 129 111 94 127 118 107 101
FPM per capita (média)
– R$
205,30 225,93 263,08 246,50 284,71 285,51 267,76
O FPM dos municípios do Pará, compara-
tivamente à distribuição da arrecadação do
ICMS, mostrou-se menos concentrador. Os
critérios de distribuição do FPM propiciam
menor concentração de recursos devido ao
estabelecimento prévio de coeficientes (con-
forme as classes populacionais) que pos-
suem um limite para cada faixa de municí-
pio. Já a distribuição de cota-parte do ICMS
é impactada majoritariamente pelo critério
do valor adicionado fiscal, ou seja, municí-
pios com maior arrecadação possuem maior
tendência a concentrar recursos. Gouvêa,
Varela, & Farina (2010), em um estudo para
o Estado de São Paulo, demonstraram que
o FPM torna menos desigual a distribuição
dos recursos entre os municípios, pois esta-
belece melhores critérios e os recursos, por
sua vez, quando corretamente empregados,
permitem uma redução das desigualdades
sociais com a aplicação em serviços públi-
cos essenciais.
Os orçamentos dos municípios são depen-
dentes das transferências constitucionais
devido à baixa capacidade de arrecadação;
portanto as transferências do FPM são rele-
vantes e a definição clara dos critérios são
essenciais para priorizar o desenvolvimento.
Fontinele, Tabosa, & Simonassi (2014) de-
monstram a relação entre as transferências
constitucionais e o Indice de Desenvolvi-
mento dos Municípios (IDM-m) no Ceará. Já
Massardi & Abrantes (2015) ao analisarem
Minas Gerais verificaram através da elabo-
ração de um índice de esforço fiscal que o
modelo atual não favorece a arrecadação
dos municípios, o que eleva a dependên-
cia deles às transferências, em especial do
FPM.
Neste sentido, o FPM tem importância para
os municípios do Pará por reduzir parcial-
mente a desigualdade na distribuição quan-
do comparado com o ICMS, que favorece
principalmente municípios que detêm ativi-
dade com capacidade de gerar valor adicio-
nado fiscal. Estudos já demonstraram que
esta transferência possui relação com a me-
lhoria de indicadores de desenvolvimento
social (Denes, Komatsu, & Menezes-Filho,
2018); entretanto cabe o aperfeiçoamento
das instituições e dos arranjos existentes
para reduzir o grau de dependência dos mu-
nicípios sobre tais fundos.
Novamente analisando a distribuição do re-
curso per capita, mas agora sobre o FPM,
nota-se um aumento na média entre 2010
e 2016, o que pode ter ocorrido devido ao
crescimento maior da arrecadação de im-
postos em relação ao crescimento popula-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
14
cional. Analisando os municípios com maior
distribuição, verifica-se que, ao contrário do
ICMS, os que têm menor dinamismo econô-
mico e população lideraram o recebimen-
to per capita: Jacareacanga (R$ 1.881,90),
Bannach (R$ 1.726,20) e Pau D’
Arco (R$
1.021,50). Igarapé-Miri (R$ 117,05), Ananin-
deua (R$ 125,61) e Pacajá (R$ 158,72) es-
tão com as menores transferências per capi-
ta em 2016.
Dependência dos recursos de transferên-
cias constitucionais
Além de verificar o grau de concentração na
distribuição dos recursos para os municípios,
também se faz necessário verificar a sua
dependência em relação a esses recursos.
Para tanto, foi verificado em cada município,
para cada ano, a participação relativa des-
sas duas transferências sobre a sua receita
corrente (Tabela 5). Observa-se que, quanto
maior a participação destes recursos na re-
ceita corrente, maior a dependência daquele
município.
Tabela 5: Dependência dos municípios do Pará em relação aos repasses do FPM e do ICMS
– 2010 a 2016
Total de municípios %
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
0% – 10% 0.0% 0.0% 0.0% 0.8% 0.0% 0.0% 1.0%
10% – 20% 3.1% 2.7% 6.4% 4.7% 2.5% 4.7% 6.1%
20% – 30% 36.4% 46.8% 44.7% 42.5% 45.8% 46.2% 38.8%
30% – 40% 45.0% 40.5% 41.5% 44.1% 41.5% 43.4% 49.0%
> 40% 15.5% 9.9% 7.4% 7.9% 10.2% 5.7% 5.1%
Total 129 111 94 127 118 107 101
Nota-se que essas duas transferências
(ICMS e FPM) possuem um grande impacto
sobre a receita corrente dos municípios no
Estado do Pará. Os que possuem um impac-
to maior que 30% sobre a receita corrente
são pelo menos metade dos municípios em
cada ano, enquanto aqueles que dependem
de menos de 20% são a minoria absoluta.
Entretanto, em um cenário positivo, verifica-
-se redução dos municípios que dependem
em mais de 40% de tais transferências e au-
mento daqueles que dependem em menos
de 20%. Em geral os municípios com me-
nor população acabaram dependendo mais
dos recursos das transferências em todos
os anos analisados (Bannach, Santa Cruz
do Arari e Inhangapi obtiveram dependência
maior que 40% em todos os anos).
A dificuldade dos municípios na arrecadação
e a própria diferença na capacidade de arre-
cadação entre eles conduzem a uma situa-
ção de dependência em relação às transfe-
rências de recursos. Soares & Melo (2016)
já enfatizam que dentre as principais fontes
de recursos dos municípios estão as trans-
ferências da cota-parte do ICMS, do FPM e
também as do Fundeb e transferências do
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
15
Sistema Único de Saúde (SUS).
Em épocas de crise econômica, existe a
tendência de queda nas arrecadações tribu-
tárias em razão da redução das atividades
econômicas. E, quando mantido o volume
de gastos, implica ocorrência de déficit pú-
blico ou aumento da dívida pública. Nes-
sa direção, a conjuntura econômica induz,
devido à baixa na arrecadação, as gestões
municipais a melhorarem a eficiência no
uso dos recursos disponíveis, o que mostra
a vulnerabilidade das municipalidades rece-
bedoras de financiamentos oriundos de ou-
tros entes federativos. Reduzir a dependên-
cia dos municípios sob tais transferências,
mesmo que parcialmente, deve ser uma
agenda do Poder Legislativo, estabelecen-
do critérios de distribuição que priorizem o
desenvolvimento regional.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa aborda o tema transferências
de receitas intergovernamentais e orienta-
-se pelo seguinte: em que medida as trans-
ferências de recursos entre os entes federa-
dos cumpre o seu objetivo de equalização
de disparidades regionais? O objetivo deste
artigo é investigar o grau de concentração e
desconcentração de recursos por meio das
transferências feitas pela União e pelo Esta-
do aos municípios do Pará.
O objetivo deste trabalho foi testar a hipóte-
se de concentração de recursos do FPM e
do ICMS nos municípios paraenses e sua
dependência desses recursos durante os
anos de 2010 a 2016. Os resultados parcial-
mente refutaram a hipótese proposta, uma
vez que, por meio do método do T de Theil
e da análise com o coeficiente de Gini, che-
ga-se à conclusão de que existe um signifi-
cativo grau de concentração na distribuição
da cota-parte do ICMS, mas, por outro lado,
maior dispersão dos recursos FPM entre os
municípios do Pará.
Dentro da perspectiva federativa, na qual os
entes governamentais devem ser solidários
ao progresso harmônico conjunto, os resul-
tados revelam que o FPM auxilia os municí-
pios que mais precisam de recursos finan-
ceiros já que se trata de uma transferência
constitucional. Em paralelo, a concentração
dos recursos oriundos do ICMS demonstra
a capacidade arrecadadora das localidades
com maior dinâmica econômica e o redire-
cionamento dos recursos permite uma nova
onda de investimentos. Por outro lado, os re-
sultados demostram também que as muni-
cipalidades que mais necessitam do FPM e
das divisões da cota-parte do ICMS tendem
a ficar dependentes desses recursos.
De maneira geral, os resultados apontam
para a formação de dois conjuntos de mu-
nicípios: um com dinâmica produtiva com
capacidade de obter recursos e, assim, ser
mais independente; e outro grupo, mais de-
pendente dos recursos federais, e, portanto,
demasiadamente sujeito a aspectos conjun-
turais da economia nacional. Diante dos re-
sultados, algumas medidas podem ser reco-
mendadas em relação tanto ao FPM quanto
à cota-parte do ICMS, como o estímulo a in-
vestimentos que desenvolvam a capacidade
produtiva local para elevar a produção bruta
ou mesmo ampliar o percentual que os Es-
tados possuem para criar critérios próprios
para a distribuição do ICMS (hoje em 25%).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva
16
REFERÊNCIAS
BRASIL (2013). O Que Você Precisa Saber
sobre as Transferências Constitucionais Le-
gais.
Carvalho, D. F., Oliveira, C. C. R. de, & Car-
valho, A. C. (2007). Desigualdades econômi-
cas inter capacidade tributária e esforço fis-
cal dos estados da Amazônia (1970-2000):
Uma abordagem econométrica de fronteira
estocástica. Novos Cadernos Do NAEA,
10(2), 5–47. http://dx.doi.org/10.5801/ncn.
v10i2.96
Cowell, F. A. (2011). Measuring Inequality
(3rd ed.). Oxford: Oxford University Press.
Denes, G., Komatsu, B. K., & Menezes-Fi-
lho, N. (2018). Uma Avaliação dos Impactos
Macroeconômicos e Sociais de Programas
de Transferência de Renda nos Municípios
Brasileiros. Revista Brasileira de Economia,
72(3), 292–312.
Farina, M. C., Gouvêa, M. A., & Varela, P.
S. (2008). Equalização Fiscal: Análise do
Fundo de Participação dos Municípios com
o Uso de Regressão Logística. Organiza-
ções Em Contexto, 8, 1–23. http://dx.doi.
org/10.15603/1982-8756/roc.v4n8p1-23
FINBRA. (2019). Sistema de Informações
Contábeis e Fiscais do Setor Público Bra-
sileiro.
Fontinele, N. F., Tabosa, F. J. S., & Simo-
nassi, A. G. (2014). Municípios cearenses:
Uma análise da capacidade de utilização
dos recursos oriundos dos repasses cons-
titucionais. Revista Ciências Administra-
tivas, 20(2), 724–746. DOI: 10.5020/2318-
0722.2014.v20n2p724
Gomes, E. (2007). Fundamentos das Trans-
ferências Intergovernamentais. Revista Do
TCU, 3(110).
Gouvêa, M., Varela, P., & Farina, M. C. (2010).
Evaluation of the social economic indicators
of the municipalities of the São Paulo state
groups 1, 2 and 3 with the use of multivariate
analysis of variance. REGE Revista de Ges-
tão, 17(2), 121–134. https://doi.org/10.5700/
rege390
IBGE. (2019). Produto Interno Bruto dos Mu-
nicípios.
Massardi, W. de O., & Abrantes, L. A. (2015).
Esforço fiscal, dependência do FPM e de-
senvolvimento socioeconômico: Um estudo
aplicado aos municípios de Minas Gerais.
REGE - Revista de Gestão, 22(3), 295–313.
Recuperado de https://doi.org/https://doi.
org/10.5700/rege564
Mendes, M., Miranda, R. B., & Cosio, F. A.
B. (2008). Transferências intergovernamen-
tais no Brasil: diagnóstico e proposta de
reforma. Textos Para Discussão, 40, 1–111.
Recuperado de https://doi.org/10.1017/
CBO9781107415324.004
Moreira, R.C., Braga, M.J., Carvalho, F.M.A.,
Lima, J. R. F., & Silva, J. M. A. (2009). Políti-
cas públicas, distribuição de renda e pobreza
no meio rural brasileiro no período de 1995 a
2005. Revista de Economia e Sociologia Ru-
ral, 47(4), 919–944. http://dx.doi.org/10.1590/
S0103-20032009000400006
Neto, O. A., & Simonassi, A. G. (2013). Ba-
CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020
17
ses Políticas das Transferências Intergover-
namentais no Brasil (1985-2004), 33(133),
704–725. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
31572013000400010
Nogueira, C. A. G. (2012). Efeitos distributi-
vos das políticas públicas: O caso da nova
metodologia de cálculo da cota parte do
ICMS do Ceará. Revista FSA, 9, 53–69.
Rezende, F. (2010). Federalismo Fiscal: Em
busca de um novo modelo. In R. P. OLIVEI-
RA & W. SANTANA (Eds.), Educação e fe-
deralismo no Brasil: combater as desigual-
dades, garantir a diversidade (pp. 71–88).
Brasília: UNESCO.
SIAFI. (2015). Transferências Constitucio-
nais para Municípios.
Silva, J. B., Santos, F. K. G., & Cavalcante,
A. N. de M. (2017). Efeitos distributivos da
cota-parte do ICMS aos municípios Sergi-
panos: Impactos de uma nova metodologia
de cálculo. Gestão, Finanças e Contabilida-
de, 7(3), 39–56. http://dx.doi.org/10.18028/
rgfc.v7i3.3379
Soares, A. P., Jacobi, L. F., Zanini, R. R., &
Souza, A. M. (2016). Índice de Theil-T por
estratos de renda e por determinantes das
desigualdades de remuneração: Uma apli-
cação para o mercado de trabalho de Santa
Maria, Rio Grande do Sul. Revista de Admi-
nistração Da UFSM, 9(2), 280–292.
Soares, M., Gomes, E. do C. O., & Toledo
Filho, J. R. de. (2011). A repartição tributá-
ria dos recursos do ICMS nos municípios da
Região Metropolitana de Curitiba. Revista
de Administração Pública, 45(2), 459–481.
h tt p : / / d x . d o i . o r g / 10 . 15 9 0 / S 0 0 3 4 -
76122011000200008
Soares, M. M., & Melo, B. G. de. (2016).
Condicionantes políticos e técnicos das
transferências voluntárias da União aos mu-
nicípios brasileiros. Revista de Administra-
ção Pública, 50(4), 539–561. http://dx.doi.
org/10.1590/0034-7612138727
ARTIGO: EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
1
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL
(1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
Social management concept evolution (1990-2018): A co-word analysis
Evolución del concepto de gestión social (1990-2018): un análisis de co-palabras
RESUMO
O presente analisa a evolução do conceito de gestão social de 1990-2018, verificando o grau de consenso dos pesquisadores sobre
seus elementos constitutivos a fim de propor um conceito integrativo. Foi realizada uma meta-análise de 94 definições de gestão so-
cial usando técnicas de análises de copalavras, de conteúdo e o índice de consenso Kappa. Os resultados mostraram que o conceito
de gestão social evoluiu em termos de consenso na comunidade acadêmica com o passar dos anos, mas ainda é um campo em fase
pré-paradigmática, pois o consenso entre os autores sobre seus termos-chave não passa do nível moderado. Os achados indicam que
os autores concordam mais sobre para quem se dirige a gestão social, qual seu lócus, e que é um modelo de gestão diferenciado.
Porém este diferencial está baseado em características teóricas que carregam o construto de um grau de abstração. Para retirá-lo
deste estágio, deveria haver um consenso sobre como executar gestão social. Porém, na desconstrução léxica da análise de conteúdo,
a categoria verbos (ação) foi a que apresentou mais baixo consenso entre os autores. O estudo contribuiu com a literatura do campo
ao oferecer um conceito integrador baseado nos elementos de maior nível de consenso entre os pesquisadores, além de oferecer uma
análise sistemática e um estado de arte do elemento fundamental de um campo de estudo: seu conceito.
PALAVRAS-CHAVE: gestão social, análise de co-palavras, análise de consenso, estado de arte; meta-análise.
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa1
amandaaguiarbarbosa@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8707-1674
Adriana Fumi Chim-Miki1
adriana.chimmiki@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7685-2718
1. Universidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-Graduação em Administração, Campina Grande, PB, Brasil.
Submetido 10.11.2019. Aprovado 06.02.2020
Avaliado pelo processo de double blind review
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.80525
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
2
ABSTRACT
This study analyses the evolution of the concept of social management from 1990-2018 to verify the
degree of consensus on its constituent elements in order to propose an updated concept. A meta-
analysis of 94 definitions of social management was performed using as three techniques, co-words
analysis,content analysis,and the consensus analysis based on the Kappa index.The results showed
that the social management concept has evolved regarding academic consensus over the years, but
still is a pre-paradigmatic field since the consensus among authors about their key-terms does not
overtake a moderate level.The findings indicated more degree of agreement on for who is addressed
to social management, what is its locus, and that it is a differentiated model of management. However,
this differential is based on theoretical characteristics that attribute a high degree of abstraction on the
construct.To remove it from this stage there should be a consensus on the way to performed social
management happen, nevertheless in the lexical deconstruction carry out to a content analysis, the
verb category (action) was the one that presented the lowest consensus among the authors.The study
contributed to the literature of the field by offering an integrative concept based on the elements of
the higher level of agreement among researchers.Also, the paper provides a systematic analysis and
state-of-the-art of the fundamental component of a field of study: its concept.
KEYWORDS: social management, co-word analysis, consensus analysis, state-of-the-art; meta-analy-
sis.
RESUMEN
Este estudio analizó la evolución del concepto de gestión social de 1990-2018, verificando el grado
de consenso de los investigadores sobre sus elementos constitutivos a fin de proponer un concepto
integrativo.Se realizó un metaanálisis de 94 definiciones de gestión social con técnicas de análisis de
co-palabras,de contenido y el índice de consenso Kappa.Los resultados mostraron que el concepto
de gestión social evolucionó en términos de consenso entre los académicos con el paso de los años,
pero todavía es un campo pre-paradigmático, pues el consenso entre los autores sobre sus términos
claves no ultrapasa el nivel moderado. Los hallazgos indican que los autores concuerdan más sobre
para quién se dirige la gestión social, cuál es su locus, y que es un modelo de gestión diferenciado.
Sin embargo, este diferencial está basado en características teóricas que cargan el concepto de un
grado de abstracción. Para retirarlo de esta etapa debería haber un consenso sobre como ejecutar
gestión social,pero en la deconstrucción léxica del análisis de contenido la categoría verbos (acción)
fue la que presentó el Kappa más bajo.El estudio contribuyó con la literatura del campo al ofrecer un
concepto integrador basado en los elementos de mayor nivel de consenso entre los investigadores,
además de ofrecer un análisis sistemático y un estado de arte del elemento fundamental de un campo
de estudio: su concepto.
PALABRAS CLAVE: gestión social, análisis de co-palabras, análisis de consensus, estado del arte;
metaanálisis.
INTRODUÇÃO
Os modelos de gestão estão migrando da
perspectiva unilateral para uma abordagem
mais participativa no que se refere ao pro-
cesso de tomada de decisão em função da
pressão pelos interesses dos stakeholders,
incluindo-se a sociedade civil (Fischer, Tei-
xeira, & Heber, 1998; Mosquera, 2012; Silva
Júnior, Mâsih, Cançado & Schommer, 2008).
Entre as novas opções, na década de 1990
surgiu a gestão social como alternativa aos
modelos de gestão vigentes (Inzerilli, 1990;
Tenório, 1998; Tuininga, 1990).
Considerada como uma inovação, esta mo-
dalidade de gestão consiste em um ato re-
lacional capaz de dirigir e regular processos
por meio da mobilização ampla de atores na
tomada de decisão, valorizando as estrutu-
ras descentralizadas e participativas (Fis-
cher, 2012). Porém, mesmo com literatura
vasta e com quase 30 anos de publicações
sobre gestão social, as definições do cons-
truto, os modelos e as variáveis de análise
ainda apresentam inconsistências (Tânia Fis-
cher, 2012; Silva Júnior et al., 2008). Muitas
vezes pela popularização e uso inadequado
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
3
do conceito, dadas suas diferentes aborda-
gens e sua natureza multifacetada (Peres Jr,
& Pereira, 2014) e outras vezes por parecer
utópica sua aplicação fora dos contextos
de países desenvolvidos (Pinho, & Santos,
2015).
A gestão social começou a ser estudada
no âmbito organizacional para a gestão de
pessoas (Tuininga, 1990), mas trasladou-
-se a uma esfera maior, societal, e ganhou
uma caracterização diferente e mais profun-
da. Uma das primeiras definições, e mais
citadas na literatura, partiram da premissa
de Tenório (1998) acerca da participação
pública na tomada de decisão com vistas à
emancipação da sociedade. Tenório (1998,
2006) considera que a gestão social consis-
te em um processo gerencial dialógico, que
acontece na esfera pública e é livre de co-
erção, em que a tomada de decisão é feita
de forma coletiva, seguindo os princípios de
cidadania deliberativa e tendo como fim últi-
mo a emancipação.
Trabalhos mais recentes mostram que a de-
finição de gestão social tem sido ampliada
para tentar incorporar aspectos relaciona-
dos aos estudos de territórios da cidadania
(Allebrandt, Benso, & Oliveira, 2015), interor-
ganizações (Fischer, 2012), administração
pública (Espíndola, Netto, & Souza, 2017;
Freitas, Freitas, & Dias, 2012). São tentati-
vas de incorporar a gestão social na prática
comunitária, mostrando que tem potencial
para sair da abstração e desenvolver-se em
contextos diversos. Nessas perspectivas, a
gestão social pode estar refletida inclusive
no ambiente organizacional, não se con-
trapondo totalmente à gestão estratégica,
como inicialmente a literatura da área apre-
sentava (Pinho, & Santos, 2015).
Os pesquisadores de gestão social discutem
a evolução do campo teórico e percebem a
necessidade de criação de modelos para
uma aplicação prática (Cancado, Rigo, & Pi-
nheiro, 2016; Peres Jr, & Pereira, 2014; Silva
Júnior et al., 2008). Vários artigos questio-
nam na fundamentação teórica o que é a
gestão social (Fleig, Oliveira, & Brito, 2006;
Guerra, & Teodósio, 2013; Souza, & Oliveira,
2006), e outros refutam modelos, por con-
siderar que não é gestão social (Pinho, &
Santos, 2015; Justen, Moretto Neto, & Gar-
rido, 2014). Nesta disputa fica um vazio na
literatura do que realmente é a gestão social.
E foi sobre este problema de pesquisa que
este trabalho se debruçou.
Nenhum estudo, até o presente momento,
utilizou o conceito de gestão social como
unidade de análise, com a utilização uma
meta-análise que permita identificar seu es-
tado de arte. A consolidação de um concei-
to é importante para verificar sua aceitação
ou rejeição, bem como para dar início a sua
aplicação, tirando-o da abstração teórica.
Ronda-Pupo, & Guerras-Martin (2012) sa-
lientam a importância de consolidar ou rejei-
tar conceitos, verificando a aceitação geral
em vez de somente perseguir a formulação
de novos conceitos nas ciências sociais.
O objetivo desta pesquisa foi analisar a evo-
lução do conceito de gestão social no pe-
ríodo de 1990-2018, verificando o grau de
consenso sobre seus elementos constitu-
tivos a fim de propor um conceito integrati-
vo. Utilizou-se da análise quali-quantitativa
de 94 definições de gestão social publica-
das em periódicos científicos nos últimos
28 anos. Essa análise possibilitou verificar
quais elementos do conceito de gestão so-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
4
cial são consensuais entre os autores, bem
como mostra a evolução do construto. Foi
adotado um conjunto de metodologias que
inclui a desconstrução léxica dos conceitos
em substantivos, verbos e adjetivos, reali-
zando uma análise de copalavras, seguida
de uma análise de consenso baseada no
índice Kappa. Assim, o presente estudo se
justifica por oferecer um avanço neste cam-
po, permitindo como resultado a proposição
de um conceito gerado a partir dos elemen-
tos consensuais entre os autores.
REFERENCIAL TEÓRICO
As primeiras publicações sobre gestão so-
cial datam do início da década de 1990 (Te-
nório, 1998). Estudos internacionais anali-
savam o tema no ambiente organizacional,
relacionando-o com a gestão de pessoas,
focando nos funcionários como principal
stakeholder das empresas. Essa perspecti-
va é evidenciada, por exemplo, nos traba-
lhos de Tuininga (1990), McClelland (1990)
e Inzerilli (1990). Neste contexto, vinculava-
-se com a gestão do relacionamento e ne-
cessidades das famílias dos colaboradores,
bem como gestão da saúde do trabalhador
(Baranski, 2002). Outras perspectivas in-
ternacionais focaram a gestão social como
comportamento organizacional coletivo. Por
exemplo, Inzerilli (1990) analisou o modelo
de gestão do Nordeste italiano, no qual pre-
domina o comportamento solidário e coleti-
vo baseado em trocas sociais, minimização
do comportamento oportunista e dos con-
sequentes custos de transação.
O estudo de Adrianow (1995) começou a
aproximar as perspectivas de estudos in-
ternacionais à concepção brasileira de ges-
tão social, pois a considera caracterizada,
principalmente, pelo seu ponto de partida:
participação dos cidadãos na gestão de
seus bairros, identificando campos políticos
e cooperação entre as partes num esforço
conjunto para a tomada de decisão. Neste
percurso teórico, Peter Wheale (1999) deu
os primeiros passos na literatura internacio-
nal para tratar o construto numa perspecti-
va similar à que hoje é utilizada pelos pes-
quisadores brasileiros, ou seja, abordagens
consensuais, consultivas, de participação
pública, de consciência, cidadania e visão
pluralista. No entanto, mesmo com estas
abordagens, não contemplava os espaços
públicos e relacionava gestão social com a
cidadania tecnológica, com engenharia ge-
nética e outras questões relacionadas à ci-
ência e tecnologia.
O artigo intitulado “Gestão Social: uma pers-
pectiva conceitual” de Tenório (1998) foi um
dos seminais trabalhos brasileiros que apre-
sentaram considerações acerca das delimi-
tações entre os conceitos de gestão social,
gestão estratégica e cidadania deliberativa.
Segundo este autor, a gestão social contra-
põe-se à gestão estratégica na medida em
que se trata de um processo dialógico, par-
ticipativo e democrático, com igualdade polí-
tica e decisória, livre da influência da lógica
de mercado.
Na perspectiva da academia brasileira, La-
dislau Dowbor (1999) apontou os principais
elementos constitutivos da gestão social,
como: empoderamento, no sentido de res-
gate político pela sociedade; ator social, que
tem interesse em determinada decisão; ad-
vocacy, como a capacidade de voz e defesa
de uma causa; accountability, da responsa-
bilização dos representantes da sociedade
em termos de prestação de contas; autocon-
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
5
fiança das comunidades; uma nova perspec-
tiva de governança em conjunto com os ato-
res sociais. O estudo de Dowbor contribuiu
para que, a partir dos anos 2000, o tema
gestão social tivesse em suas definições
termos que começam a se relacionar com
o desenvolvimento sustentável e as estraté-
gias legítimas da sociedade civil. Foi neste
momento que o conceito de gestão social
se voltou diretamente para a sociedade civil,
desvinculando-se do âmbito organizacional
(Peres Jr, & Pereira, 2014).
Os atores da gestão social distribuem-se do
primeiro ao terceiro setor, portanto, socieda-
de, governos e mercado (empresas). Desta
forma, também se destaca a contribuição do
setor privado para alcançar os benefícios
socioeconômicos e ambientais a que a ges-
tão social se propõe (Villela, & Pinto, 2009).
Fischer et al. (2006) afirma que a gestão ad-
jetivada social é aquela que objetiva realiza-
ções e expressa o interesse de indivíduos,
grupos e coletividades, através da orienta-
ção para mudança e pela mudança, desde
microunidades organizacionais, até organi-
zações com alto grau de hibridização, como
são as interorganizações.
Corroborando com essa perspectiva, Can-
çado (2011) sugere a existência de três gran-
des categorias articuladas entre si, em uma
sequência ascendente. São elas: interesse
público; esfera pública; e emancipação so-
cial, dando origem ao seguinte conceito de
gestão social: “[...] é a tomada de decisão
coletiva, sem coerção, baseada na inteligi-
bilidade da linguagem, na dialogicidade e
entendimento esclarecido como processo,
na transparência como pressuposto e na
emancipação enquanto fim último” (Cança-
do, 2011, p. 221).
Embora teoricamente estas categorias se-
jam aplicáveis, quando se encontram na
práxis tornam-se um desafio para o gestor
social. Os preceitos de participação, tomada
de decisão coletiva, igualdade e interação
social voltadas para o bem comum e livres
de coerção, como ressaltados nos diversos
conceitos apresentados na literatura (Tenó-
rio, 2005;Cançado, 2011;Fischer et al., 2006,
Silva Júnior et al., 2008; Dowbor, 1999, entre
outros) necessitam de organizações ou for-
ma de organizar-se que possibilitem a cons-
trução de espaços públicos de proximidade
(Rigo, & Cançado, 2014).Assim, pluralidade,
hibridismo e cooperação são visões relevan-
tes tanto aos praticantes quanto aos acadê-
micos da gestão social. Entende-se, portan-
to, assim como afirma Espíndola, Netto, &
Souza (2017), que a gestão social demanda
uma práxis entendida como “atividade social
reflexiva e transformadora”
.
Análises bibliométricas acerca das aborda-
gens teóricas da gestão social têm sido re-
alizadas para verificar o estado da arte do
construto. Um exemplo é o estudo de Peres
Jr., & Pereira (2014), no qual foi identificado
a presença de quatro abordagens principais:
estudos derivados da teoria crítica frankfur-
tiana (por ex. Tenório, 2005; Zani, & Tenório,
2011): estudos baseados na noção de ges-
tão do desenvolvimento social conduzidos
por interorganizações (ex. Fischer, 2002,
2012; Gondim, Fischer, & Melo, 2006); es-
tudos baseados em administração pública
societal (ex. de Paula, 2006); e os estudos
sobre organizações não governamentais
(Dowbor, 1999; Pereira, Moraes, Mattos Jú-
nior, & Pamisano, 2013).
O estudo de Peres Jr.,& Pereira (2014)
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
6
conclui que estas quatro abordagens es-
tão contidas em duas vertentes: a primeira
vinculando-se à gestão pública e societal e
a segunda que se expande a partir do mo-
mento em que se entende a gestão social
como a ação gerencial dialógica que pode
ser utilizada em diferentes sistemas sociais
(públicos, privados ou organizações não-
-governamentais). No entanto, segue válida
a afirmativa de Dowbor (1999) quando sa-
lienta que os paradigmas da gestão social
ainda estão por ser definidos, ou construí-
dos, uma vez que a área tem concentrado
esforços em questões políticas, econômi-
cas e sociais, mas ainda carente de pontos
de referência organizacionais. Portanto, o
campo da gestão social ainda está em uma
perspectiva “pré-paradigmática” (Fischer,
2002; Garcia, Pereira, Alcântara, & Cruz,
2018; Gondim, Fischer, & Melo, 2006).
Efetivamente, observa-se que gestão social
é um campo em construção, porém também
se observa pela revisão dos artigos que há
uma grande dispersão de enfoques, muitas
críticas e dúvidas.Também, não foram iden-
tificados na literatura estudos que analisem
o consenso entre as definições de gestão
social, que em última instância representa o
pilar deste campo. Assim, o presente estudo
busca preencher esta lacuna e diferencia-se
dos anteriores por abranger todo o período
desde o surgimento do construto, analisar
sua evolução por recortes temporais através
de técnicas qualitativas e quantitativas, con-
siderar as diferentes correntes teórico-práti-
cas em torno da gestão social e buscar uma
integração teórica.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo tem como unidade de
análise a definição de gestão social. Foram
analisadas definições formuladas entre 1990
e 2018, o que abrange praticamente toda
a história do campo, segmentadas em três
períodos. É uma pesquisa quali-quantitativa
exploratória, a partir da combinação das se-
guintes técnicas: Análise de Conteúdo, Aná-
lise de Co-words e Análise de Consenso (Fi-
gura 1).
Figura 1. Etapas do desenho metodológico da pesquisa
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
7
Trata-se de métodos de metrologia da in-
formação que apresenta o consenso entre
autores através da utilização de termos si-
milares em suas definições, mostrando a
aproximação entre perspectivas teóricas
(Callon, Rip, & Law, 1986). O processo me-
todológico através da combinação dessas
técnicas (Figura 1) melhora os níveis de
confiabilidade dos resultados. Esta modali-
dade de análise tem sido empregada nas ci-
ências sociais aplicadas para definir estado
de arte de construtos, como Ronda-Pupo,
& Guerras-Martin (2012) aplicaram para o
conceito de estratégia. A seguir detalha-se,
passo a passo, a metodologia empregada
as quais seguem o indicado por Ronda-Pu-
po e Guerras-Martin (2012).
Etapa 1: Identificação da Unidade de Aná-
lise
Os conceitos de gestão social foram extra-
ídos dos estudos publicados e presentes
no Periódicos Capes que abarca 248 bases
de dados nacionais e internacionais. O le-
vantamento considerou os critérios: artigos
publicados entre 1990-2018; título do artigo
deveria conter “gestão social” ou “social ma-
nagement”
. A busca foi realizada no mês de
fevereiro de 2019, resultando em 255 arti-
gos publicados em 59 revistas científicas.
Porém, excluindo os repetidos, indisponíveis
e os que não apresentavam um conceito de
gestão social, a amostra final foi de 94 arti-
gos científicos considerados válidos.
O primeiro período, de 1990 a 1999, foi de-
finido pelos estudos iniciais acerca do cons-
truto, as primeiras delimitações e a utilização
da teoria crítica frankfurtiana para contrapor
o modelo neoliberal de desenvolvimento
adotado. O segundo, de 2000-2009, foi defi-
nido pela renovação e pelo amadurecimento
do conceito com a inclusão da vertente sus-
tentabilidade. Enquanto em 2010-2018 verifi-
cou-se um crescimento elevado nas publica-
ções sobre gestão social, mostrando que o
tema entrou na agenda dos pesquisadores
e marcando a terceira fase nas pesquisas.
Etapa 2: Desconstrução das Definições
A partir de uma análise de conteúdo, reali-
zou-se uma desconstrução das definições,
que consistiu na extração de termos-chave
dos conceitos de gestão social, de forma a
identificar os elementos centrais de cada
definição. Foram extraídos: Ação relaciona-
da à gestão social (verbo): Para tanto, o tex-
to analisado deveria responder à seguinte
questão: “Que ação é realizada na gestão
social? ”; Substantivo: Qual a essência do
conceito? “O quê?” e “Para quem?”; Adjeti-
vo: Características que o distinguem ou qua-
lificam. Trata-se de uma análise co-words,
que reduz e projeta os conceitos em uma re-
presentação específica, com a manutenção
das informações essenciais contidas nos
dados, baseando-se na natureza das pala-
vras (Raan, & Tijssen, 1993).
Etapa 3: Criação de Famílias de Palavras e
Elementos Conceituais
As palavras extraídas (etapa 2) foram agru-
pados em famílias de palavras de acordo
com a sua classificação léxica (ação, para
que/quem e qualificadores) e agrupadas em
elementos conceituais, que são os agrupa-
mentos de palavras similares, construídos
com base nos seguintes critérios: sinônimos
diretos. Exemplo: gerenciar, administrar e
dirigir; palavras que, apesar de não serem
sinônimas, foram utilizadas no mesmo con-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
8
texto, como “proteger” e “assegurar”; gran-
des grupos de palavras com sentido con-
ceitual ou tendência na mesma perspectiva
(ex. itens relacionados ao lócus de aplica-
ção). Os agrupamentos podem ser aprecia-
dos nos Quadros 1, 2 e 3 a seguir.
Quadro 1. Famílias de palavras para os verbos (ações)
Elementos
Conceitu-
ais
Termos-chave
Gerenciar
Gerenciar, Administrar, Analisar, Autogerar, Controlar, Decidir, Definir, Delinear, Desempenhar,
Determinar, Dirigir, Efetivar, Elaborar, Empreender, Encaminhar, Equacionar, Estabelecer, Estru-
turar, Executar, Fazer, Guiar, Implementar, Moldar, Negociar, Nortear, Organizar, Orientar, Plane-
jar, Presidir, Prever, Produzir, Reger, Regular, Trabalhar, Viabilizar.
Ser
Ser, Abranger, Aparecer, Apontar, Apresentar, Atuar, Buscar, Capturar, Caracterizar, Conceber,
Configurar, Constituir, Demarcar, Enquadrar, Estar, Expressar, Formar, Funcionar, Implicar, Ma-
terializar, Pautar, Pretender, Reconhecer, Referir, Residir, Tender, Ter, Traduzir, Tratar, Versar,
Vincular.
Participar
Participar, Agrupar, Apoiar, Aproximar, Articular, Associar, Assumir, Auxiliar, Chamar, Coalizar,
Compor, Considerar, Contribuir, Exercer, Integrar, Interagir, Interligar, Intermediar, Mobilizar, Re-
presentar, Voluntariar.
Comparti-
lhar
Compartilhar, Argumentar, Compreender, Comunicar, Concordar, Dialogar, Discutir, Dissociar,
Entender, Falar, Intervir, Prestar, Propor, Refletir, Responder, Revelar.
Emancipar
Emancipar, Adquirir, Agir, Ajustar, Alcançar, Alimentar, Ampliar, Aprender, Ascender, Assegurar,
Assistir, Atender, Destinar, Elevar, Emergir, Emponderar, Envolver, Esclarecer, Estimular, Forta-
lecer, Garantir, Incluir, Legitimar, Manter, Perceber, Permitir, Preocupar, Proporcionar, Proteger,
Reforçar, Resgatar, Responsabilizar, Valorizar.
Desenvol-
ver
Desenvolver, Abrir, Acontecer, Compatibilizar, Construir, Criar, Fundar, Idealizar, Institucionalizar,
Ocorrer, Originar, Promover, Realizar, Recompor, Reconstituir, Recuperar, Reescalonar, Repro-
duzir, Solucionar, Transformar, Utilizar, Visar.
Melhorar
Melhorar, Amenizar, Analisar, Aprimorar, Aprofundar, Avançar, Destacar, Evidenciar, Favorecer,
Focar, Harmonizar, Impulsionar, Levantar, Otimizar, Primar, Superar, Transcender.
Contrapor
Contrapor, Abordar, Aplicar, Colocar, Combater, Complementar, Convergir, Demandar, Dever,
Evitar, Influenciar, Levar, Mudar, Substituir.
Avaliar
Avaliar, Basear, Demonstrar, Depender, Encontrar, Identificar, Medir, Monitorar, Percorrer, Redu-
zir, Relacionar.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
9
Quadro 2. Famílias de palavras para os substantivos (o quê/quem)
Elementos Con-
ceituais
Termos-chave
Gestão
Gestão, Ações, Atividades, Autoridade, Caráter, Competências, Controle, Coprodução,
Crescimento, Decisões, Desenvolvimento, Design, Economia, Esforços, Esquemas, Es-
tabilidade, Estratégia, Exercício, Híbrido, Iniciativas, Instrumentos, Mecanismo, Modelos,
Novas formas, Novo cenário, Objetivos, Origem, Ótica, Padrões, Paradigma, Perspectivas,
Planejamento, Políticas organizacionais, Práticas, Pressupostos, Princípios, Processo de-
cisório, Processos, Produção, Projetos, Provisão, Regulamentação, Sequência, Soluções,
Tarefa, Tendência, Tomada de decisão, Transformações, Visão clara.
Espaços
Espaços, Ambiental, Ambiente, Áreas da vida, Campos, Campos de estudo, Contorno, Des-
tino, Esfera, Estruturas, Extensão universitária, Fronteiras, Governança local, Local, Local
de trabalho, Localidade, Lócus, Meio, Microunidades, Macrounidades, Momentos, Mundo
da vida, Nações, Natureza, Nível municipal, Países, Raio, Realidade, Redes, Segmentos,
Setor, Sistema, Sistemas locais, Territórios, Trabalho, Vida.
Relações
Relações, Acordo, Conexões, Conflitos, Conjunto, Cooperação, Cooperativismo, Debate,
Diálogo, Diferentes perspectivas, Discussão, Disputa, Explicações, Identidade, Integração,
Interação, Intercâmbio, Interlocutores, Interorganizações, Linguagem, Luta, Papel, Papel-
-chave, Participação, Poder, Políticas, Publicização, Reflexão, Relacionamentos, Resistên-
cia, Saberes, Tensões.
Atores
Atores, Administrações, Agentes, Alvos principais, Associações, Atores industriais, Atores
sociais, Autoridade decisória, Cidadãos, Comunidades, Comunidades de prática, Con-
selhos, Consumidor, Desfavorecidos, Eleitor, Empregado, Empresas, Estado, Excluídos,
Famílias, Funcionários, Fundações, Gestor, Governantes, Governos, Grupos, Homem,
Indivíduos, Marginalizados, Mercados, Moradores, O outro, Organizações, Organizações
não-estatais, Parcerias, Partes interessadas, Participantes, Partido governante, Pessoas,
Players, Polícia, População, Praticantes, Profissionais, Representantes, Residentes, Seres
humanos, Sociedade civil, Stakeholders, Sujeitos, Sujeitos sociais, Terceiro Setor, Traba-
lhador, Voluntariado, Voluntários.
Contexto Geren-
ciável
Alternativas, Aspectos, Atitudes, Benefícios, Bens, Capacidade, Capital, Comportamento,
Comunicação, Conhecimentos, Crenças, Crise, Cultura, Dimensões, Estudo, Expectati-
vas, Finalidade, Habilidades, Ideais, Ideias, Imposto de renda, Informações, Interesses,
Lacunas, Lucro, Miséria, Motivação, Mudanças, Necessidades, Noção, Oportunidades,
Orçamento, Particularidade, Pobreza, Possibilidades, Pressões, Previdência, Prioridades,
Problemas, Problemática, Programas, Questão, Recursos, Renda, Riqueza, Serviços, Ser-
viços sociais, Suportes teóricos, Tempo, Valores, Visões, Vulnerabilidade.
Cidadania
Cidadania, Ascenção, Assistência, Consciência, Democracia, Direitos, Inclusão, Jurisdição,
Movimentos, Ordem, Responsabilidade, Segurança.
Fonte: Elaborado pelos autores
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
10
Quadro 3. Famílias de palavras para os adjetivos (qualificadores)
Elementos Con-
ceituais
Termos-chave
Características
Teóricas
Ato relacional, Bem-compreendido, Cidadania deliberativa, Compartilhada, Consultiva, Deliberativa,
Democrática, Dialética, Dialógica, Dialogicidade, Epistêmica, Epistemológica Crítica, Epistemológico,
Instrumental, Interesse bem-compreendido, Interesse bem-entendido, Intersubjetiva, Intersubjetivida-
de, Negociada, Normativa, Participativa, Procedimental, Racionalidade, Racionalidade substantiva,
Racional-instrumental, Razão, Trabalho-capital.
Características dos
Atores
Ativa, Coletiva, Coletivamente, Comprometimento, Concordância, Confiança, Conjunto, Consciente,
Consenso, Consensual, Cooperativados, Essenciais, Geral, Humana, Livre, Livre de coerção, Livre-
mente, Marginalizados, Migrante, Múltiplas, Objetivo comum, Organizados, Parceria, Pessoal, Plural,
Pluralismo, Pluralista, Reflexiva, Responsável, Sem coação, Sem coerção, Sem imposição.
Benefícios socioe-
conômicos
Benefícios socioeconômicos, Accountability, Ampliada, Aprendizagem, Auto-confiança, Autonomia,
Básica, Bem comum, Bem-estar, Bem-viver, Cidadania tecnológica, Consciência crítica, Consciência
pública crítica, Direito a fala, Direito a voto, Direito a voz, Ecológica, Econômica, Emancipação, Estilo
de vida, Experiências, Florescimento, Ganha-ganha, Harmonia, Harmonizáveis, Igualdade, Inclusão,
Interesses, Justaposição, Lucro, Mais justa, Melhor, Motivação, Natureza, Privilegiados, Proximidade,
Qualidade, Satisfação, Saúde, Saúde ocupacional, Sustentabilidade, Sustentável, Tangíveis, Voz.
Inovação em Ges-
tão
Inovação em gestão, Adaptativa, Contemporânea, Diferenciada, Diferentes, Experimental, Futuro,
Hibridismo, Hibridização, Inovação, Linha de fuga, Moderna, Mudanças, Mudanças radicais, Nova
fronteira, Nova modalidade, Novas formas, Novo potencial, Oportunidades de sobrevivência, Ordem
Social, Paradigma, Pré-paradigmática, Preventivamente, Profundas, Realidade, Tendência, Transfor-
madora.
Características da
práxis
Administrativo, Altamente estratégica, Analítica, Argumentativa, Articulado, Autogovernança, Capaci-
dade, Cívica, Competitiva, Complexa, Comunicativa, Conflitante, Conspícua, Crítica, De baixo para
cima, Decisória, Descentralizada, Desempenho, Dicotômica, Direta, Disciplinas, Efetiva, Efetividade,
Eficaz, Eficiente, Estratégica, Estrategicamente, Flexível, Fluidas, Formais, Gerencial, Habilidade,
Horizontal, Importante, Intangível, Interdependência, Interdisciplinar, Múltipla, Não-hierárquica, Não-
-utilitarista, Necessidade, Orientada pela estratégia, Práxis, Premente, Recursiva, Relacional, Relati-
va, Relevante, Sem burocracia.
Legitimidade
Altruísmo, Cidadania, Clareza, Comum, Constitutiva, Contexto comum, Defesa de interesses, Dis-
poníveis, Diversidade, Educativa, Elos de integração, Ideológica, Igualitário, Inclusiva, Informação,
Inteligibilidade, Intermediação, Legítima, Moral, Princípios, Publicização, Retificada, Respeito, Res-
ponsabilidade, Semi-institucionalizada, Simbólica, Sinergéticamente, Solidária, Solidariedade, Trans-
parência, Transparência pública, Transparente, Valores, Veritista.
Social Ascenção social, Cultural, Vertente societal, Vibração social, Vulnerabilidade social.
Características do
Lócus
Comunitária, Corporativa, Estado democrático, Governamentais, Governança, Heterogeneidade,
Heterogêneo, Industrial, Institucionais, Institucionalização, Internacional, Interorganizações, Inter se-
toriais, Local, Macroescalares, Meio ambiente, Microescalares, Mundial, Nacional, Não-estatal, Não-
-governamental, Não-público, ONGs, Organizacionais, Político, Privada, Pública, Público-privado,
Sociedade-estado, Socioambiental, Sociocultural, Técnico, Terceiro Setor.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
11
Etapa 4: Análise de Consenso
A quarta etapa consistiu em determinar o
nível de consenso entre os termos utiliza-
dos ao longo da história do campo. Esta eta-
pa foi dividida em dois estágios: criação de
uma matriz de dois eixos, a fim de comparar
os elementos conceituais das famílias de
palavras (linhas) com as definições (colu-
nas). Desta forma não comparamos defini-
ção versus definição (análise coautor), mas,
em vez disso, termo versus termo (análise
de copalavras); O segundo estágio utilizou
o cálculo do índice Kappa, indicado para
avaliar grau de concordância (Cohen, 1960).
A partir dos dados de entrada da matriz de
dois eixos, forma-se a tabela de contingên-
cia por período que considera se o elemen-
to conceitual aparece em uma definição,
mais de uma e se não aparece em nenhu-
ma definição. Os procedimentos foram se-
melhantes ao indicado por Ronda-Pupo, &
Guerras-Martin (2012). O índice Kappa é
calculado usando a seguinte fórmula:
(1)
Onde Po é o grau de concordância observa-
do e Pe é o grau de concordância esperado
aleatoriamente. Assim, 1- Pe representa o
possível gama de acordo não atribuído ao
acaso; portanto o coeficiente de concordân-
cia de Kappa pode variar de (-p /1-p) até 1.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTA-
DOS
O primeiro período teve seis definições; o
segundo período apresentou 15; e o terceiro,
73 definições.A análise de conteúdo usando
a técnica de desconstrução léxica gerou 689
termos, sendo que 199 representam ações
da gestão social, 239 representam a quem
ou a que se destinam estas ações e os 251
termos restantes são as características e
qualificadores daquilo que os autores consi-
deram como gestão social. Observa-se que
a maioria dos termos (aproximadamente
60%) aparecem apenas em uma definição,
confirmando através desta dispersão que
existe uma visão ampla acerca do construto
na literatura.
Através de agrupamento dos termos foram
criadas famílias de palavras (elementos
conceituais), conforme a etapa 3 do proces-
so metodológico. Verificou-se que os 199
verbos encontrados se repetiam 428 vezes,
o que gerou nove famílias de palavras, as
quais foram submetidas ao processo de
distribuição de frequência afim de avaliar a
evolução do construto gestão social nos três
períodos analisados (Tabela 1). Em sua es-
sência consensual, o conceito de gestão so-
cial pode ser descrito, em termos de ações,
por “gerenciar”
, “emancipar” e “ser”
. Destaca-
-se, também, o crescimento gradativo do
uso dos termos enquadrados nas famílias
“participar” e “compartilhar” pelos autores.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
12
Tabela 1. Distribuição de frequência dos elementos “ação”
Períodos
N=6
(1990-1999)
N=15
(2000-2009)
N=73
(2010-2018)
N=94
(Total)
Gerenciar 5(83,3%) 16(106,7%) 73(100,0%) 94(100,0%)
Ser 0 6(40,0%) 61(83,6%) 67(71,3%)
Participar 1(16,7%) 5(33,3%) 35(47,9%) 41(43,6%)
Compartilhar 1(16,7%) 5(33,3%) 35(47,9%) 41(43,6%)
Emancipar 5(83,3%) 8(53,3%) 56(76,7%) 69(73,4%)
Desenvolver 3(50,0%) 9(60,0%) 41(56,2%) 53(56,4%)
Melhorar 2(33,3%) 1(6,7%) 21(28,8%) 24(25,5%)
Contrapor 1(16,7%) 0 24(32,9%) 25(26,6%)
Avaliar 0 2(13,3%) 12(16,4%) 14(14,9%)
Total 18 52 358 428
Durante a primeira fase dos estudos so-
bre gestão social (1990-1999), predominou
a utilização dos verbos “gerenciar” (83%);
“emancipar” (83%); e “desenvolver” (50%)
(Tabela 1). Foi o início do construto, através
da perspectiva organizacional, relacionan-
do a gestão de pessoas e as trocas sociais
(Inzerilli, 1990; Tuininga, 1990). Começa a
percepção da necessidade de aprimorar as
estruturas de tomada de decisão a fim de
abarcar o interesse de todos (Irwin, Georg,
& Vergragt, 1994). Consequentemente, um
novo paradigma para a gestão (Dowbor,
1999) que teria como um dos seus princi-
pais objetivos empoderar para resgatar o
poder político da sociedade, bem como criar
capacidade de voz e defesa de uma causa
(Dowbor, 1999; Pereira et al., 2013).
A segunda fase, de 2000 a 2009, marca o
período em que se inicia maturação dos
conceitos. Os mesmos três verbos da fase
anterior foram os mais utilizados pelos auto-
res, mas cresceu o uso do verbo “gerenciar”
(107%), indicando maior associação do con-
ceito com ações gerenciais mais claras. O
verbo “desenvolver” (60%) também aumen-
tou de frequência, enquanto “emancipar”
(53%) reduziu.
Outros importantes verbos deste conceito
surgiram nesta fase, como o participar, com-
partilhar e avaliar. Fomentou-se o entendi-
mento de que a gestão deveria ser mais par-
ticipativa, com um processo decisório que
inclui os diferentes sujeitos sociais (de Paula,
2006;Tenório, 2006), objetivando realizações
e expressando interesses de indivíduos, gru-
pos e coletividade (Fischer et al., 2006). A
avaliação de ações e práticas comunitárias
transformadoras da comunidade também foi
associada à gestão social nesta fase (Fuen-
mayor, Araujo, Altuve, & Castro, 2008; Villela
& Pinto, 2009), promovendo o bem-estar de
indivíduos e coletividades (Souza & Oliveira,
2006).
O terceiro período analisado (2010-2018)
indicou maior concentração dos autores
no uso do elemento conceitual “ser” (84%),
destacando-se também os elementos con-
ceituais “gerenciar” (100%) e “compartilhar”
(77%). Numa segunda linha de elementos
importantes nessa fase, observa-se que
“compartilhar” e “participar” mantêm-se na
agenda dos pesquisadores, mas reforça-se
um elemento pouco usado nas fases anterio-
res, o “contrapor”
.
Nesta fase, entende-se a ação de gerenciar
como um conjunto de processos sociais de-
senvolvido por meio de uma ação negocia-
da entre seus atores (Moretto Neto, Garrido,
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
13
& Justen, 2011), em que a tomada de de-
cisão é coletiva, livre de coerção, baseada
no entendimento e na argumentação (Bo-
trel, Araújo, & Pereira, 2011). Portanto, para
os autores deste período, a gestão social
constitui-se em uma nova modalidade de
gerenciamento das políticas sociais, um
contraponto ao modelo vigente que exige
modelos flexíveis e participativos; uma for-
ma de gestão que valoriza a concordância,
em que a solidariedade é a sua motivação
e a emancipação é o seu fim último (Espín-
dola, Moreto Netto, & Souza, 2017; Iizuka,
Gonçalves-Dias, & Aguerre, 2012; Raimun-
do, & Cadete, 2012; Pinheiro, & Cançado,
2013).
Foram encontrados 239 substantivos que
aparecem 662 vezes nas definições anali-
sadas, formando seis famílias de elemen-
tos conceituais (Tabela 2). O conceito de
gestão social tem sua essência substanti-
vada em “gestão” e em “contexto gerenci-
ável” para os “atores”
. Destaca-se, também,
o crescimento gradativo do uso dos termos
enquadrados na família “relações”
, mas um
decréscimo no uso de elementos associa-
dos a cidadania. A família “atores” agrupou
as três perspectivas: a pública, a privada e
a sociedade civil. Isto confirma o pressupos-
to teórico de que a gestão social entende o
espaço público como a relação equilibrada
entre estes três agentes sociais (Alcânta-
ra, & Pereira, 2017; Villela, & Pinto, 2009),
porém dos 56 substantivos relacionados a
“atores”
, 82% referem-se à sociedade civil;
12% são agentes públicos; e 5% são agen-
tes privados. Portanto, mesmo com a previ-
são de uma mescla equilibrada de atores,
na sociedade civil prevalece o que pode ser
justificado pela proposta de modelo de ges-
tão botton-up e pela aclamada inversão de
governo-sociedade, para sociedade-gover-
no, assim como mercado-sociedade para
sociedade-mercado (Tenório, 1998, 2005).
Tabela 2. Distribuição de frequência dos elementos “para quem/o quê”
Períodos
N=6
(1990-1999)
N=15
(2000-2009)
N=73
(2010-2018)
N=94
(Total)
Gestão 4(66,7%) 17(113,3%) 167(228,8%) 188(200,0%)
Atores 18(300,0%) 38(253,3%) 131(179,4%) 187(198,9%)
Contexto gerenciável 4(66,7%) 20(133,3%) 75(102,7%) 99(105,3%)
Espaços 6(100,0%) 20(133,3%) 63(86,3%) 89(94,7%)
Relações 3(50,0%) 6(40,0%) 70(95,9%) 79(84,0%)
Cidadania 3(50,0%) 1(6,7%) 16(21,9%) 20(21,3%)
Total 38 102 522 662
Na primeira fase do construto os atores es-
tão na perspectiva do funcionário como o
recurso mais importante de uma empresa
(Tuininga, 1990) e dos grupos da sociedade
não considerados dentro das abordagens
ortodoxas – grupos de cidadãos (Irwin, Ge-
org, & Vergragt, 1994). Nas fases seguintes,
destacam-se os elementos conceituais “ato-
res”
, “contexto gerenciável”
, “espaços” e “ges-
tão”
. Percebe-se uma ampliação na visão
que se tem dos atores responsáveis pela
gestão social, sendo eles: o Estado, o mer-
cado, as organizações, a sociedade civil e
as coletividades (Baranski, 2002; Fischer et
al., 2006; Marsden, Banks, & Bristow, 2002;
Villela & Pinto, 2009), os sujeitos sociais (de
Paula, 2006), a população (Magalhães, Mi-
lani, Siqueira, & Aguiar, 2006).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
14
Em relação ao “contexto gerenciável”
, os au-
tores apresentam um sistema compartilha-
do de crenças, explicações e valores (Pa-
nhoca, Da Silva, Figueira, Nascimento, &
Ricci, 2007), bem como a efetiva implemen-
tação de políticas e programas sociais (Ro-
mero, & Diaz, 2007). Tais contextos ocorrem
em diversos “espaços”: territoriais micro ou
macroescalares (Fischer et al., 2006), tanto
na esfera privada quanto na esfera pública
(Fleig, Oliveira, & Brito, 2006) e até mesmo
no local de trabalho (Baranski, 2002).
Também destacou-se o elemento conceitual
“gestão”
, que corresponde a uma variedade
de atividades que intervêm em áreas da vida
social (Magalhães et al., 2006), entendida
como um processo gerencial dialógico em
que a autoridade decisória é compartilhada
(Tenório, 2006). Gestão como o ato relacio-
nal capaz de dirigir e regular processos por
meio da mobilização ampla de atores na to-
mada de decisão (Dreher, 2012), constituindo
uma nova modalidade de gerenciamento de
um conjunto de instrumentos e estratégias
para o encaminhamento de soluções mais
eficazes e eficientes (Raimundo, & Cadete,
2012) voltada especificamente para a reali-
zação de transformações sociais (Mosquera,
2012).
Por último, a análise permitiu identificar 251
qualificadores, que aparecem 614 vezes nas
definições, formando um conjunto de oito fa-
mílias de elementos conceituais (Tabela 3).
O conceito de gestão social diferencia-se em
termos de “características do lócus”
, “carac-
terísticas teóricas” e “benefícios socioeconô-
micos”
. Destaca-se, também, o crescimento
gradativo do uso dos termos enquadrados
na família de palavras “legitimidade” e a re-
dução dos termos caracterizados como “ino-
vação em gestão”
.
Tabela 3. Distribuição de frequência dos elementos “qualificadores”
Períodos
N=6
(1990-1999)
N=15
(2000-2009)
N=73
(2010-2018)
N=94
(Total)
Características do Lócus 7(116,7%) 14(93,3%) 93(127,4%) 114(121,3%)
Benefícios socioeconômicos 7(116,7%) 13(86,7%) 83(113,7%) 103(109,6%)
Características teóricas 1(16,7%) 12(80,0%) 89(121,9%) 102(108,5%)
Características da práxis 6(100,0%) 9(60,0%) 68(93,1%) 83(88,3%)
Características dos atores 5(83,3%) 8(53,3%) 64(87,7%) 77(81,9%)
Social 3(50,0%) 12(80,0%) 47(64,4%) 62(65,9%)
Legitimidade 1(16,7%) 6(40,0%) 41(56,2%) 48(51,1%)
Inovação em gestão 3(50,0%) 4(26,7%) 18(24,7%) 25(26,6%)
Total 33 78 503 614
Entre 1990 e 1999, são principais diferen-
ciais a “característica do lócus”
, os “benefí-
cios socioeconômicos” e as “características
da práxis”
. Nesta fase, o lócus é composto
de sistemas políticos que garantem a par-
ticipação efetiva do cidadão na tomada de
decisões (Irwin et al., 1994), de forma plura-
lista (Dowbor, 1999). A práxis, ainda pouco
delimitada neste período, consiste em uma
abordagem consultiva da participação pú-
blica (Wheale, 1999). Para os autores desta
fase, essas articulações devem resultar no
desenvolvimento da capacidade de voz e
defesa a uma causa ou grupo social (Dow-
bor, 1999; Pereira et al., 2013), o aumento na
consciência pública crítica (Wheale, 1999) e
todo o processo devem gerar benefícios so-
ciais e econômicos.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
15
A segunda fase de evolução do concei-
to em termos de adjetivos consistiu em
maior ênfase nos aspectos relacionados a
“características do lócus”
, “benefícios so-
cioeconômicos”
, “social” e “características
teóricas”
. Nesse período, a lócus da gestão
social pode estar tanto em microunidades
organizacionais, quanto em organizações
com alto grau de hibridização, como são as
interorganizações, bem como em espaços
territoriais micro ou macroescalares (Fis-
cher et al., 2006), de âmbito de ação local
ou comunitária (Fuenmayor et al., 2008).
Como benefícios da gestão social, os auto-
res apontam a geração de experiências de
aprendizagem significativa e transformado-
ra da realidade (Fuenmayor et al., 2008), a
promoção do bem-estar de indivíduos e co-
letividades, sob o ideal da emancipação hu-
mana (Souza, & Oliveira, 2006), a garantia
da satisfação das necessidades essenciais
da população (Magalhães et al., 2006), e
que a gestão social está no centro dos de-
bates sobre desenvolvimento sustentável
(Marsden et al., 2002).
O elemento conceitual “características teóri-
cas” foi criado para expressar os pressupos-
tos teóricos defendidos pelos autores, que
desde os seminais trabalhos publicados vêm
tentando delimitá-lo como um campo cientí-
fico, como uma nova modalidade de gestão,
um paradigma e uma inovação. Para os au-
tores, a gestão social consiste na substi-
tuição da gestão tecno-burocrática por um
gerenciamento mais participativo (de Paula,
2006), tendo como base epistemológica a
intersubjetividade, a dialogicidade, o bem
comum, o interesse bem compreendido, a
democracia deliberativa (Fleig, Oliveira, &
Brito, 2006; Tenório, 2006), viabilizadora de
ações e práticas comunitárias transforma-
doras e dialógicas (Villela, & Pinto, 2009).
Por fim, o adjetivo social foi destacado, pois
vem qualificando o substantivo gestão que
é percebido como o processo que compõe
as formas simbólicas de ascensão social
e oportunidades de sobrevivência (Cabral,
2010).
O terceiro período, foi marcado pela maior
presença dos elementos constituintes das
famílias “características do lócus”
, “caracte-
rísticas teóricas”
, e por “benefícios socioeco-
nômicos”
. Como lócus da gestão social, os
autores deste período entendem que é o es-
paço denominado de esfera pública, o qual
não é o mesmo que espaço público, pois vai
além do governo público, sendo então um
espaço de comunhão da sociedade e enga-
jamento social (Bauer, & Carrion, 2016; Can-
çado, Villela & Sausen, 2016).Teoricamente,
o construto é fundamentado e diferencia-se
no interesse bem compreendido e na eman-
cipação, que compõem a estrutura principal
da abordagem teórica (Cançado, Villela &
Sausen, 2016; Pinheiro, & Cançado, 2013),
representado pelas subcategorias de solida-
riedade e sustentabilidade; democracia deli-
berativa; comunidades de prática; intersub-
jetividade/dialogicidade; interorganizações;
e racionalidade (Cançado, Rigo, & Pinheiro,
2016).
Dentre os benefícios desenvolvidos pela
gestão social como qualificadores, os au-
tores entendem que ela pode promover a
inclusão social e educativa através da cons-
trução coletiva (Nunes, & Magalhães, 2017)
e melhorar a autonomia social e as capaci-
dades de autogovernança (He, 2016), tendo
por finalidade a emancipação do homem
(Cançado et al., 2016; Pinheiro, & Cançado,
2013).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
16
Análise de consenso
O conceito de gestão social apresentou na
primeira fase de sua evolução um maior
consenso em relação aos substantivos utili-
zados Índice Kappa=0,25, que está na faixa
do consenso justo (Tabela 4). Este resulta-
do decorre da concordância dos autores em
relação ao principal argumento utilizado de
um modelo de gestão que incorpore os ato-
res sociais na tomada de decisão. No en-
tanto, este período apresentou uma falta de
consenso em relação à ação (K= -0,04). Ou
seja, os autores não tinham clareza na ação
necessária para colocar em prática o cons-
truto, o que indica uma falta de maturidade
das definições nesta primeira fase, natural
em um campo científico em fase inicial. Esta
mesma justificativa aplica-se aos elementos
conceituais que diferenciam e qualificam o
conceito de gestão social, os quais apresen-
tam baixo nível de consenso (K=0,14).
O segundo e o terceiro período apresentam
maior nível de consenso também em relação
aos substantivos (K=0,47 e 0,56, respectiva-
mente), demonstrando que essa perspectiva
de maior ênfase nos atores sociais permane-
ce com o passar dos anos. Há uma elevação
dos índices relacionados à ação, passando
de sem consenso para consenso justo nos
períodos seguintes, no qual se destaca a uti-
lização dos verbos enquadrados na família
de elementos “gerenciar”
. De mesmo modo,
os qualificadores apresentaram evolução de
baixo consenso no primeiro período, para
consenso moderado (K = 0,51) no último pe-
ríodo.
Tabela 4. Coeficiente de consenso entre os pares de definição
Coeficiente Kappa 1990-1999 2000-2009 2010-2018
K(Ação) -0,04 0,24 0,39
K(Que/Quem) 0,25 0,47 0,56
K(Qualificador) 0,14 0,35 0,51
Legenda
< 0,00: Sem consens 0,00 – 0,20: Baixo consenso
0,21 – 0,40: Consenso justo 0,41 – 0,60 Moderado
0,61 – 0,80 Substancial 0,81 – 1,00 Consenso quase perfeito
Os resultados indicam a necessidade de
mais pesquisas no campo da gestão social
para o amadurecimento de suas perspecti-
vas teóricas e sua aplicação, visto que se
trata de um processo de gestão, o que pres-
supõe aplicação do conceito à vida prática.
Porém, confirmam afirmações encontradas
na literatura de que ainda é uma perspecti-
va pré-paradigmática (Fischer, 2012; Peres
Jr, & Pereira, 2014). Também, reafirmam os
achados do estudo apresentado por Boyd,
Finkelstein, & Gove (2005), o qual indicou
que campos menos maduros possuem ní-
veis mais baixos de consenso entre os pes-
quisadores.
CONCLUSÕES
Desde a década de 1990, o conceito de ges-
tão social recebe a atenção de pesquisadores
nacionais e internacionais e foi alterando-se,
principalmente pela inclusão de perspectivas
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
17
brasileiras. Esta pesquisa objetivou verifi-
car a evolução e o consenso em torno das
definições de gestão social no período de
1990-2018 de forma a contribuir com um
campo considerado em fase pré-paradig-
mática (Silva, Silva, Maciel, Aires, & Silva,
2016).Após a análise temporal do construto,
foi confirmado que ocorreram evoluções e
atualmente o campo entra em um estado de
maturação, porém ainda possui uma trajetó-
ria a ser percorrida para alcançar consenso
entre os pesquisadores do tema.
Os resultados apresentaram níveis de con-
senso mediano entre os autores, porém
crescente ao longo do tempo, com um Índice
Kappa em níveis considerados entre justo e
moderado (K=0,20 - 0,60), portanto ainda
longe das faixas que indicaram uma cen-
tralidade no conceito. O maior K encontra-
-se no “o quê/quem”
, portanto, confirma uma
tendência em centrar-se na visão de “para
quem” a gestão social deve trazer bons re-
sultados. O último período de evolução do
construto (2010-2018) apresentou níveis
mais altos de consenso. Se esta tendência
for mantida nos próximos anos, é possível
que no futuro a gestão social possa alcan-
çar níveis de paradigma.
Atualmente, a maior concordância acerca
da gestão social gira ao redor das ações de
“gerenciar”
, “ser” e “emancipar” substantiva-
da em “gestão”
, “atores” e “contextos gerenci-
áveis”
, sendo qualificada por “características
do lócus”
, “características teóricas” e “bene-
fícios socioeconômicos”
. Portanto, o concei-
to integrado que representa esta análise de
consenso dos autores ao longo dos anos
é que a gestão social é o gerenciamento
participativo dos espaços público-privados
e suas contingências a fim de emancipar e
desenvolver os atores através de benefícios
socioeconômicos, sendo, portanto, um mo-
delo de gestão com características próprias.
Em termos gerais, podemos afirmar que
os resultados encontrados são consisten-
tes com estudos anteriores, mostrando que
o conceito de gestão social é considerado
um paradigma in progress ou fase pré-pa-
radigmática (Fischer, 2012; Peres Jr, & Pe-
reira, 2014; Silva et al., 2016). A pesquisa
também permitiu observar um elevado au-
mento da produção acadêmica nos últimos
anos, mostrando que a gestão social entrou
na agenda de pesquisa, fato que ajudará a
consolidação do campo. Porém, em termos
desta pesquisa, isto se tornou um fator limi-
tador devido à dispersão de abordagens e
ao grande número de palavras encontradas
nas definições dos autores. Outra limitação
da pesquisa foi o fato de não utilizar livros,
dissertações e teses na área, porém foi uma
opção metodológica que considerou o fato
dos artigos científicos serem na sua gran-
de maioria derivados de dissertações. A
metodologia tríplice adotada de análise de
conteúdo, a análise co-palavras e o índice
Kappa buscou por um lado minimizar os vie-
ses que poderiam surgir de acordo com o
olhar do pesquisador e por outro possibilitar
triangulação metodológica, como caminho
recomendado para aumentar a confiabilida-
de dos achados.
Os achados deste estudo contribuem com a
literatura do campo ao oferecer um conceito
integrador baseado nos elementos de maior
nível de consenso entre os pesquisadores.
Além disso, os resultados acentuam um fato
preocupante com relação à operacionali-
zação deste conceito na prática de gestão,
pois o nível mais baixo de consenso é rela-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
18
cionado ao verbo, na desconstrução léxica
realizada para a análise de copalavras. Isto
demonstra que os autores não têm bem de-
finido como realizar a gestão social, como
transformá-la em uma ação, portanto, apli-
cada à realidade.
A categoria de elemento conceitual “atores”
mostrou predominância da sociedade civil,
enquanto a categoria “características do ló-
cus” indica a formação de uma esfera para
a discussão em conjunto dos problemas da
sociedade e as formas de solução. Porém, é
preciso salientar que o lócus da gestão so-
cial não público, nem privado, mas sim am-
bos.
Com relação a ser um modelo de gestão
inovador, diferenciado do modelo tradicio-
nal, fica demonstrado na frequência do uso
de termos do elemento conceitual “caracte-
rísticas teóricas”
. Isto porque termos muito
próprios deste campo do conhecimento são
consensuais entre os autores, como sendo
forma de gerenciar baseado em democra-
cia, cidadania deliberativa, interesse bem
compreendido, dialogicidade, consulta e
compartilhamento. No entanto, o baixo con-
senso sobre a ação nos conceitos deixa a
gestão social com características associa-
das a uma abstração, teóricas, e pouco prá-
ticas.
Por fim, conclui-se que o verbo mais utili-
zado (gerenciar), bem como seu substan-
tivo (gestão), fica qualificado pelo adjetivo
social, sendo, portanto, um modelo de ges-
tão organizacional da sociedade. Também,
conclui-se salientando-se que esta metodo-
logia pode ser usada para estudar outros
conceitos em diversas áreas. Recomendam-
-se pesquisas adicionais para o aprofunda-
mento das análises em cada categoria de
elementos conceituais da gestão social, de
forma a identificar as origens do baixo con-
senso. Além disso, é imperativo desenvolver
pesquisas sobre modelos e monitores de
gestão social que atendam ao seu conceito
integrado e com dimensões que permitam
não somente compreendê-la, mas também a
aplicar e monitorar.
REFERÊNCIAS
Alcântara, V. de C., & Pereira, J. R. (2017). O
locus da gestão social no contexto das inter-
-relações e tensões entre mundo-da-vida (le-
benswelt) e sistema (system). Organizações
& Sociedade, 24(82), 412–431. https://doi.
org/10.1590/1984-9240823
Allebrandt, S. L., Benso, A., & De Oliveira, V.
G. (2015). Interfaces entre a Comunicação e
a Gestão Social no Contexto do Desenvolvi-
mento Territorial: Um estudo do território da
cidadania noroeste colonial do Rio Grande
do Sul. Revista de Ciências Da Administra-
ção, 1(3), 120. https://doi.org/10.5007/2175-
-8077.2015v17nespp120
Baranski, B. (2002). Policy requirements and
performance indicators for good practice in
health, environment and social management
in the enterprises. International Archives of
Occupational and Environmental Health,
75(0), 1–6. https://doi.org/10.1007/s00420-
002-0341-5
Bauer, M. A. L., & Carrion, R. da S. M. (2016).
Conflitos na gestão social do território: Uma
análise a partir da organização dos ilhéus
em Porto Alegre. Cadernos EBAPE.BR,
14(3), 821–835. https://doi.org/10.1590/1679-
395131559
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
19
Botrel, M. de O., Araújo, P. G. de, & Pereira,
J. R. (2011). Gestão social de bens culturais
no Brasil: Desafios e perspectivas. PASOS
Revista de Turismo y Patrimonio Cultural,
9(4), 647–659. https://doi.org/10.25145/j.pa-
sos.2011.09.061
Cabral, E. H. D. S. (2010). A gestão social
do terceiro setor e suas dualidades. Revista
Administração Em Diálogo, 11(2), 21–34.
Cançado, A.C., Villela, L. E., & Sausen, J. O.
(2016). Gestão Social e Gestão Estratégica:
Reflexões sobre as diferenças e aproxima-
ções de conceitos. Revista de Gestão So-
cial e Ambiental, 10(3), 69–84.
Cançado, Airton Cardoso, Rigo, A. S., & Pi-
nheiro, L. S. (2016). Por una agenda de in-
vestigación para la gestión social: Control
social, paradigma, escala y cuadro de análi-
sis. Praxis Sociológica, 21.
de Paula, A. P. P. (2006). Entre o gerencialis-
mo e a gestão social: Em busca de um novo
modelo para a administração pública brasi-
leira. Bibliotecadigital.Fgv.Br, 45(1), 36–49.
de Pinho, J. A., & dos Santos, M. E. (2015).
Social management: A review of Brazilian
experiences. Revista do Serviço Público,
66(2), 257–279.
Dowbor, L. (1999). Tendências da gestão
social. Saúde e Sociedade, 8(1), 3–16.
Dreher, M. T. (2012). Social management
and local NGos performance in local deve-
lopment of Blumenau (SC) region. Revista
Brasileira de Gestão e Desenvolvimento
Regional, 8(2), 229–243.
Espíndola, A. R. C., Netto, L. M., & Souza,
V. B. (2017). A gestão social no contexto da
gestão ambiental: Análise da criação e ope-
racionalização do projeto 3R ARQ-UFSC.
Revista de Gestão Social e Ambiental, 11(1),
56. https://doi.org/10.24857/rgsa.v11i1.1189
Fischer, T., Melo, V. P., Carvalho, M. R. de,
Jesus, A. de, Andrade, R. A., & Waiandt,
C. (2006). Perfis visíveis na gestão social
do desenvolvimento. Revista de Adminis-
tração Pública, 40, 789–808. http://dx.doi.
org/10.1590/S0034-76122006000500003
Fischer, Tania. (2002). A gestão do desen-
volvimento social : Agenda em aberto e pro-
postas de qualificação. Congresso, 8–11.
Fischer, Tânia. (2012). Gestão Social do De-
senvolvimento. Revista Psicologia: Organi-
zações e Trabalho, 12(1), 113–120.
Fischer, Tânia, Teixeira, E., & Heber, F.
(1998). Estratégias de gestão e reconfigu-
ração organizacional: Os setores de energia
elétrica e telecomunicações. Revista de Ad-
ministração Pública, 32(3), 9–27.
Fleig, D. G., Oliveira, L. C. F. de S., & Brito,
M. J. de. (2006). Democracia, participação e
gestão social: Desafios da construção dos
programas de ação temática de uma orga-
nização não governamental. Organizações
& Sociedade, 13(38), 119–138. https://doi.
org/10.1590/S1984-92302006000300008
Freitas, A. F. de, Freitas, A. F. de, & Dias, M.
M. (2012). O colegiado de desenvolvimento
territorial e a gestão social de políticas pú-
blicas: O caso do Território Serra do Briga-
deiro, Minas Gerais. Revista de Administra-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
20
ção Pública, 46(5), 1201–1223. https://doi.
org/10.1590/s0034-76122012000500002
Fuenmayor, R., Araujo, R., Altuve, E., & Cas-
tro, E. (2008). Academic management and
central processes of the Undergraduate Trai-
ning Program in Social Management for Lo-
cal Development at the Bolivarian University
of Venezuela. Revista de Ciencias Sociales,
14(1), 110–120.
Garcia, A. S., Pereira, J. R., Alcântara, V.
de C., & Cruz, E. S. T. (2018). Aprofunda-
mento das esferas públicas para a gestão
social: Caminhos para uma reconstrução
empírico-descritiva e normativa. Cadernos
EBAPE. BR, 16(2), 163–185. http://dx.doi.
org/10.1590/1679-395160265
Gondim, S., Fischer, T., & Melo, V. P. (2006).
Formação em gestão social: Um olhar crítico
sobre uma experiência de pós-graduação.
Gestão Do Desenvolvimento Territorial e Re-
sidência Social: Casos Para Ensino. Salva-
dor: EDUFBA, CIAGS/UFBA, 43–61.
Guerra, J. F. C., & Teodósio, A. de S. D. S.
(2013). A produção de conhecimento sobre
Gestão Social a partir da relação entre aca-
dêmicos e praticantes. Sinergia: Revista Do
Instituto de Ciências Econômicas, 17(2),
9–20.
He, Z. (2016). From social management to
social governance: Discourse change and
policy adjustment. Journal of Chinese Go-
vernance, 1(1), 99–118. https://doi.org/10.10
80/23812346.2016.1138696
Iizuka, E. S., Goncalves-Dias, S. L. F., &
Aguerre, P. (2012). Reflexões sobre o desen-
volvimento territorial sustentável, gestão so-
cial e cidadania deliberativa: O caso da bacia
do rio Almada (BA). Revista de Administra-
ção Pública, 46(6), 1599–1623. https://doi.
org/10.1590/S0034-76122012000600009
Inojosa, R. M., & Junqueira, L. A. P. (2008).
Práticas e saberes: Desafios e inovações
em gestão social. Organizações & Socieda-
de, 15(45), 171–180. https://doi.org/10.1590/
S1984-92302008000200013
Inzerilli, G. (1990).The Italian Alternative: Fle-
xible Organization and Social Management.
International Studies of Management & Or-
ganization, 20(4), 6–21. https://doi.org/10.108
0/00208825.1990.11656539
Irwin, A., Georg, S., & Vergragt, P. (1994).
The social management of environmental
change. Futures, 26(3), 323–334. https://doi.
org/10.1016/0016-3287(94)90018-3
Justen, C. E., Moretto Neto, L., & Garrido, P.
O. (2014). Para além da dupla consciência:
Gestão Social e as antessalas epistemológi-
cas. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 237–251.
https://doi.org/10.1590/1679-39519081
Magalhães, Ó. A. V., Milani, C., Siqueira, T.,
& Aguiar, V. M. de. (2006). (Re)Definindo a
sustentabilidade no complexo contexto da
gestão social: Reflexões a partir de duas
práticas sociais. Cadernos EBAPE.BR,
4(2), 01–17. https://doi.org/10.1590/S1679-
39512006000200007
Marsden, T., Banks, J., & Bristow, G. (2002).
The Social Management of Rural Nature:
Understanding Agrarian-Based Rural Deve-
lopment. Environment and Planning A: Eco-
nomy and Space, 34(5), 809–825. https://
doi.org/10.1068/a3427
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
21
Moretto Neto, L., Garrido, P. O., & Justen,
C. E. (2011). Desenvolvendo o aprendiza-
do em gestão social: Proposta pedagógica
de fomento às incubadoras sociais. Cader-
nos EBAPE.BR, 9(3), 828–845. https://doi.
org/10.1590/S1679-39512011000300008
Mosquera, M. E. M. (2012). Los estudios
organizacionales: Un complemento para el
estudio de la gestión social. AD-Minister,
21, 117–133.
Nunes, V. L. M., & Magalhães, C. M. (2017).
Gestão social na educação para pessoas
com deficiência. Holos, 8, 355. https://doi.
org/10.15628/holos.2016.3370
Panhoca, L., Da Silva, O. M. P., Figueira, F.,
Nascimento, M. C., & Ricci, F. (2007). Estra-
tégia e Gestão Social e Ambiental:As metas
de desenvolvimento do milênio no municí-
pio de Pindamonhangaba (Parte 2). Revis-
ta Brasileira de Gestao e Desenvolvimento
Regional, 3(3), 165–192.
Pereira, R. S., Moraes, F. C. C., Mattos Jú-
nior, A. B., & Palmisano, A. (2013). Especi-
ficidades da Gestão no Terceiro Setor. Re-
vista Organizações Em Contexto, 9(18),
167–195. https://doi.org/10.15603/1982-
8756/roc.v9n18p167-195
Peres Jr, M. R., & Pereira, J. R. (2014).Abor-
dagens teóricas da Gestão Social: Uma
análise de citações exploratória. Cadernos
EBAPE.BR, 12(2), 221–236. https://doi.
org/10.1590/1679-39519079
Peres Jr, M. R., Pereira, J. R., & Oliveira, L.
C. (2013). Gestão Social sob a lente estru-
turacionista. Revista de Administração Ma-
ckenzie (Mackenzie Management Review),
14(6). http://dx.doi.org/10.1590/S1678-
69712013000600003
Pinho, J. A. G. de, & Santos, M. E. P. dos.
(2015). Aporias em torno do conceito de
gestão social: Dilemas teóricos e políticos.
Revista de Gestão, 22(2), 155–172. https://
doi.org/10.5700/rege556
Raimundo, J. S., & Cadete, M. M. M. (2012).
Qualified listening and social management
among health professionals. Acta Paulista
de Enfermagem, 25(spe2), 61–67. https://
doi.org/10.1590/S0103-21002012000900010
Rigo, A. S., & Cançado, A. C. (2014). Gestão
Social e Construção de Espaços Públicos:
Reflexões a Partir da Rede Brasileira de
Bancos Comunitários do Brasil. Administra-
ção Pública e Gestão Social, 7(1). https://
doi.org/10.21118/apgs.v7i1.660
Romero, R. M. E., & Diaz, C. I. (2007). Social
Management in the Implementation of Social
Programas. Children and Adolescents in Es-
pecially Difficult Circumstances: From And in
The Street. Espacio Abierto, 16(2), 331–361.
Ronda-Pupo, G. A., & Guerras-Martin, L. A.
(2012). Dynamics of the evolution of the stra-
tegy concept 1962-2008:A co-word analysis.
Strategic Management Journal, 33(2), 162–
188. https://doi.org/10.1002/smj.948
Rossoni, L., Silva, A. J. H., & Ferreira Júnior,
I. (2008). Aspectos estruturais da coopera-
ção entre pesquisadores no campo de ad-
ministração pública e gestão social: Aná-
lise das redes entre instituições no Brasil.
Revista de Administração Pública, 42(6),
1041–1067. https://doi.org/10.1590/S0034-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020
Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki
22
76122008000600002
Silva, F. R. M. da, Silva, C. V. F. da, Maciel,
S. S., Aires, L. F. B., & Silva, C. A. da. (2016).
A produção científica em Gestão Social no
Brasil: Uma análise a partir da plataforma
Spell.Org. I Encontro Nacional de Ensino e
Pesquisa Do Campo de Públicas, 1, 1–16.
Silva Júnior, J. T., Mâsih, R. T., Cançado, A.
C., & Schommer, P. C. (2008). Gestão Social:
Práticas em debate, teorias em construção.
Fortaleza: Impressa Universitária/UFC, 1.
Souza, W. J. de, & Oliveira, M. D. de. (2006).
Fundamentos da gestão social na revolu-
ção industrial: Leitura e crítica aos ideais
de Robert Owen. Organizações & Socieda-
de, 13(39), 59–76. https://doi.org/10.1590/
S1984-92302006000400004
Tenório, Fernando G. (2006). A trajetória
do Programa de Estudos em Gestão Social
(Pegs). Revista de Administração Pública,
40(6), 1145–1162. https://doi.org/10.1590/
S0034-76122006000600011
Tenório, Fernando Guilherme. (1998). Ges-
tão social: Uma perspectiva conceitual. Re-
vista de Administração Publica - RAP. Rio
de Janeiro., 32(5), 7–23.
Tenório, Fernando Guilherme. (2005). (Re)
visitando o conceito de gestão social. De-
senvolvimento Em Questão, 3(5), 101–124.
http://www.redalyc.org/html/752/75230506/
Tuininga, E. J. (1990). Social management in
professional organizations: Searching for new
impulses. R&D Management, 20(2), 139–
153. https://doi.org/10.1111/j.1467-9310.1990.
tb00692.x
Villela, L. E., & Pinto, M. C. S. (2009). Gover-
nança e gestão social em redes empresariais:
Análise de três arranjos produtivos locais
(APLs) de confecções no estado do Rio de
Janeiro. Revista de Administração Pública,
43(5), 1067–1089. http://dx.doi.org/10.1590/
S0034-76122009000500005
Wheale, P. (1999). The social manage-
ment of modern biotechnology and the
new industrial divide. New Genetics
and Society, 18(1), 23–46. https://doi.
org/10.1080/14636779908656888
Zani, F. B., & Tenório, F. G. (2011). Gestão
social do desenvolvimento: a exclusão dos
representantes dos empresários? O caso do
Programa Territórios da Cidadania Norte-RJ.
Cadernos EBAPE.BR, 9(3), 780–802. https://
doi.org/10.1590/S1679-39512011000300006
Nota: Este artigo foi apresentado no XLIII
Encontro da ANPAD - EnANPAD 2019, pro-
movido pela Associação Nacional de Pós-
-Graduação e Pesquisa em Administração
(ANPAD).
ARTIGO: A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
1
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS
GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS
CAPITAIS BRASILEIRAS
THE INFLUENCE OF PARTY IDEOLOGIES ON PUBLIC SPENDING IN SOCIAL ASSISTANCE IN BRAZILIAN CAPITALS
LA INFLUENCIA DE LAS IDEOLOGÍAS DE LOS PARTIDOS EN EL GASTO PÚBLICO EN ASISTENCIA SOCIAL EN CAPITALES
BRASILEÑAS
RESUMO
É notório que os termos “esquerda” e “direita” continuam sendo utilizados, mesmo que às vezes sem o devido rigor. Levando isso
em consideração vem se estudando o quanto a ideologia impacta no comportamento dos atores políticos. Diante desse cenário, o
presente trabalho explora a acepção dos termos e busca verificar em que medida há relação entre ideologia e investimentos públicos,
mais especificamente direcionados à assistência social nas capitais brasileiras entre 2013 e 2016. Os investimentos foram acessados
no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) e foi levado em consideração tanto o partido do
prefeito quanto do vice-prefeito para construir o que se chamou de enquadramento ideológico (esquerda-esquerda, esquerda-direita,
direita-esquerda e direita-direita). Foi acessado também o IDHM dos municípios, últimos dados disponíveis. Para análise, a pesquisa
utilizou estatística descritiva e multivariada, considerando os dados por meio de três técnicas: box-plot, correlação de Spearman e
regressão linear múltipla. Os resultados encontrados possibilitaram verificar que o impacto da ideologia política nos gastos sociais,
contrariando o que se esperaria teoricamente, é nulo. Por sua vez, encontrou-se uma relação significativa entre IDHM e investimentos
em assistência social. A variação de 1 ponto percentual em IDHM provoca uma variação positiva de 0,032 pontos percentuais no
investimento (arrecadação/despesa).
PALAVRAS-CHAVE: ideologias partidárias, comportamento politico, capitais brasileiras, investimentos públicos, assistência social.
Fernando Scheeffer1
fernando.scheeffer@udesc.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3225-6011
Dinorá Baldo de Faveri1
dinora.faveri@udesc.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6118-9578
Eliel Santos da Silva Junior1
elielespartano@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4012-1061
1. Universidade do Estado de Santa Catarina, Departamento de Ciências Contábeis, Ibirama, SC, Brasil.
Submetido 05.03.2019. Aprovado 06.02.2020
Avaliado pelo processo de double blind review.
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.78480
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
2
ABSTRACT
It is notorious that the terms left and right continue to be used,even if sometimes without due rigor.Tak-
ing this into consideration has been studying how much ideology impacts on the behavior of political
actors. Given this scenario, the present work explores the meaning of the terms and seeks to verify to
what extent there is a relationship between ideology and public investments, more specifically direct-
ed to social assistance in Brazilian capitals between 2013 and 2016. Investments were accessed in
the Accounting Information System and (SICONFI) and the party of the mayor and deputy mayor was
taken into account to construct what was called the ideological framework (left-left, left-right, right- left
and right-right).The IDHM of the municipalities was also accessed,last available data.For the analysis,
we used descriptive and multivariate statistics, analyzing the data using three techniques: box-plot,
Spearman correlation and multiple linear regression.The results found make it possible to verify that
the impact of political ideology on social expenditures, contrary to what would theoretically be ex-
pected, is zero. In turn, a significant relationship was found between IDHM and investments in social
assistance.The change of 1 percentage point in HDI causes a positive variation of 0.032 percentage
points in the investment (collection / expenditure).
KEYWORDS: party ideologies, political behavior, brazilian capitals, public investments, social assis-
tance.
RESUMEN
Es notorio que los términos izquierda y derecha continúan siendo utilizados, aunque a veces sin el
debido rigor.Tomando esto en consideración se viene estudiando cuánto la ideología impacta en el
comportamiento de los actores políticos. En este contexto, el presente trabajo explora la acepción de
los términos y busca verificar en qué medida hay relación entre ideología e inversiones públicas,más
específicamente dirigidas a la asistencia social en las capitales brasileñas entre 2013 y 2016. Las in-
versiones fueron accedidas en el Sistema de Informaciones Contables y (SICONFI) y fue tomado en
consideración tanto el partido del prefecto y el vice-alcalde para construir lo que se llamó de encuadr-
amiento ideológico (izquierda-izquierda, izquierda-derecha, derecha- izquierda y derecha-derecha).
Se accede también al IDHM de los municipios, últimos datos disponibles. Para análisis la investig-
ación se utilizó de estadística descriptiva y multivaria,analizando los datos por medio de tres técnicas:
box- plot, correlación de Spearman y regresión lineal múltiple. Los resultados encontrados posibilitar
verificar que el impacto de la ideología política en los gastos sociales, contrariando lo que se espe-
raba teóricamente, es nulo.A su vez se encontró una relación significativa entre IDHM e inversiones
en asistencia social. La variación de 1 punto porcentual en IDHM provoca una variación positiva de
0,032 puntos porcentuales en la inversión (recaudación / gasto).
PALAVRAS CLABE: ideologías de partido, comportamiento político, capitales brasileños, inversiones
públicas, asistencia social.
INTRODUÇÃO
Recentemente, sobretudo na ciência políti-
ca, passa a ser foco de interesse a verifi-
cação em que grau as supostas diferenças
ideológicas entre os partidos acarretam dife-
rentes comportamentos dos atores políticos.
Parte da literatura sugere que as questões
ideológicas pouco explicam o comporta-
mento dos atores políticos, hoje, ao cons-
tatar a presença de outras variáveis mais
importantes (Mainwaring, 1993; Zucco JR.,
2009; Lucas & Samuels, 2011). Por outro
lado, outra gama de autores, com nuances e
metodologias distintas, defende que os ato-
res políticos ainda pautam suas ações nos
conteúdos programáticos e nas ideologias de
seus respectivos partidos (Kinzo 1993; Leoni,
2002; Scheeffer, 2018).
Segundo Carvalho (2008), as primeiras ma-
nifestações da assistência social no Brasil
foram relacionadas diretamente a um estado
de caridade, uma solidariedade “religiosa”
que estaria sendo submetida como auxílio
aos pobres, incapazes e doentes, sendo que
até esse momento a pobreza não era trata-
da como uma questão social. Com as mu-
danças significativas após a Constituição
de 1988, a seguridade social ganhou força
(saúde, assistência social e previdência so-
cial) , acabando por tornar-se uma política
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
3
pública que garante ao cidadão direitos e
traz responsabilidade e dever para o Estado
(Santana, Silva, & Silva, 2013). A partir da
consideração da assistência social como di-
reito, o Estado passou a ter responsabilida-
de perante as necessidades da população.
Mesmo com todos os avanços institucionais,
o tema da pobreza demonstra-se complexo
e tomado por diferentes concepções e abor-
dagens. Dependendo da compreensão que
se tem, é possível conceber políticas públi-
cas que busquem trazer soluções eficazes
para o problema ou ainda ignorá-lo se con-
cebido como natural. Em se tratando de as-
sistência social, a concepção de pobreza é
fundamental visto que implica viabilizar ou
não instrumentos de superação. Além dis-
so, os instrumentos utilizados podem ser
concebidos no campo do “direito” ou do “fa-
vor”
. Partindo da premissa de que diferentes
concepções político-ideológicas deveriam
acarretar diferentes posicionamentos dos
atores políticos, emerge a pergunta de par-
tida do presente estudo: qual o impacto das
ideologias políticas nos gastos públicos em
assistência social nas capitais brasileiras?
Para dar conta desta resposta, buscou-se
analisar os gastos em assistência social
nessas cidades no período de 2013 a 2016.
De forma acessória, pretendeu-se explorar
o significado dos termos esquerda e direita,
assim como verificar as diferentes concep-
ções a respeito da pobreza. As várias diver-
gências em relação a essa temática deixam
clara sua complexidade e sugerem ser este
um campo promissor de estudo.
Poucos são os estudos que se assemelham
ao que está sendo feito aqui. O mais próxi-
mo é o de Rodrigues (2010), que analisou
os investimentos em Santa Catarina e rela-
cionou-os com as matrizes ideológicas de
cada partido. O estudo foi realizado com as
maiores cidades do Estado durante os anos
de 2005-2008 e levando em consideração
várias áreas.
Lucas & Samuels (2011) sugerem que a dis-
cussão a respeito da situação dos partidos
brasileiros e do sistema partidário é muito
parecida com um hipotético debate sobre a
forma de uma nuvem no céu, em que cada
um vê algo diferente e considera ridícula a
visão do outro. Há muita controvérsia a res-
peito do peso da ideologia em tempos atu-
ais. Diante disso, parece ser relevante anali-
sar o peso que eventualmente ainda têm as
ideologias no Executivo municipal.
Para dar conta do objetivo proposto, o artigo
inicia com uma discussão a respeito do sig-
nificado de esquerda e direita, assim como
os supostos desdobramentos em relação à
assistência social. Feito isso parte-se para
procedimentos metodológicos, análise e
discussão dos resultados e considerações
finais.
ESQUERDA, DIREITA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL
A origem dos termos esquerda e direita re-
monta à Revolução Francesa (1789) quando
se iniciaram os trabalhos para a elaboração
da primeira Constituição francesa. Os re-
presentantes políticos posicionaram-se em
lugares diferentes do plenário. À esquerda,
sentaram-se delegados identificados com o
igualitarismo e que almejavam uma reforma
social ampla.À direita, um grupo identificado
com a aristocracia e que buscava o status
quo (Tarouco & Madeira, 2013). Assim, es-
sas diferenças espaciais passaram a deno-
tar perfis ideológicos distintos.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
4
Embora existam autores que defendam que
os termos têm o mesmo sentido que tinham
na Revolução Francesa ou que não há mais
sentido a utilização dessa nomenclatura
sobretudo com a derrocada do “socialismo
real”
, a tese que vigora é a de que é neces-
sário atualizar seus significados. O princi-
pal representante desta corrente majoritá-
ria é Bobbio (1995). Segundo ele, a ideia
de igualdade (que para a esquerda deve
ser priorizada), em detrimento da liberda-
de (que para a direita deve ser conserva-
da, mantendo-se as desigualdades entre os
homens, tidas como naturais) resume hoje
em grande parte projetos distintos e diferen-
ças prático-teóricas entre grupos políticos e
pessoas.
O fato é que recentemente a dimensão
“mais” ou “menos” Estado tem balizado
grande parte do debate político e, por isso,
estratégias do tipo social-democratas e ne-
oliberais acabam por dar conta, em boa me-
dida, dos principais projetos políticos defen-
didos em tempos atuais e endo saídas para
a “nova direita” e a “nova esquerda”
. Pode-
-se falar em “nova esquerda” e “nova direi-
ta”
, visto que a esquerda adere à social-de-
mocracia no lugar do socialismo e a direita
ao neoliberalismo, diferente do liberalismo
clássico, sobretudo por dar-se em um outro
momento histórico.
O neoliberalismo surge depois da Segunda
Guerra Mundial, enquanto crítica ao Estado
de bem-estar social e à crise fiscal de pa-
íses que se propunham a oferecer “tudo”
a “todos” (Anderson, 1995). Para Moraes
(2002), as narrativas neoliberais pretende-
ram, e em certa medida conseguiram, ofe-
recer explicação palatável para os proble-
mas derivados das políticas sociais ou do
Estado de Bem-Estar Social. Três argumen-
tos são centrais:
• os custos crescentes (e tendencialmente
insuportáveis) das políticas sociais e seu
impacto sobre os fundos públicos (inflação,
endividamento);
• os efeitos deletérios dessas políticas so-
bre valores, comportamento de indivíduos,
grupos sociais e empresas;
• os resultados desastrosos, sobre o pro-
cesso decisório e sobre as instituições de-
mocráticas, da maquinaria política exigida
pela implementação desses programas
(Moraes, 2002, p. 2).
Em se tratando de social-democracia, Gid-
dens (2000) deixa claro que tem como ob-
jetivo “humanizar” o capitalismo, crendo que
uma intervenção do Estado daria conta da
desigualdade de oportunidades e possibili-
taria chances iguais a todos. Segundo ele a
social-democracia consistiria, então, em um
caminho distinto do capitalismo de mercado
americano e do socialismo soviético. A ide-
ologia vê o mercado como um gerador de
efeitos perversos, algo que os próprios so-
cialistas já haviam diagnosticado. No entan-
to, acredita ser possível amenizá-los ou até
extingui-los, por meio da intervenção do Es-
tado no mercado. Para a social-democracia
clássica, a participação do governo na vida
dos indivíduos é algo necessário e invejável.
Benefícios estatais são essenciais para o
auxílio aos que não conseguiriam, por si só,
defender-se.
“Como Marx, Keynes, encarava o capitalismo
como dotado de qualidades irracionais, mas
acreditava que seria possível controlá-las
para salvar o capitalismo de si mesmo” (Gid-
dens, 2000, p. 19).Aggio (2013) apresenta al-
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
5
guns valores que permanecem como eixos
da identidade política e cultural da esquer-
da hoje, o que se encaixa perfeitamente no
conjunto de princípios social-democratas:
• a defesa do bem-estar social ao invés do
bem-estar individual;
• a valorização das responsabilidades co-
letivas;
• a extensão da igualdade de oportunida-
des para todos;
• a vigência de um Estado forte que seja
capaz de corrigir as injustiças sociais por
meio de uma ação distributivista da rique-
za material produzida pela sociedade;
• a perspectiva de uma mudança das es-
truturas de poder por meio da democrati-
zação e da participação política (p. 102).
No quadro 1, é apresentado o posiciona-
mento político da esquerda e direita frente a
diferentes questões da sociedade, que expli-
cam comportamento, pensamentos e cren-
ças ligadas a essas distinções clássicas.
Quadro 1. Divergências em relação a temas ligados às ideologias clássicas
Esquerda Direita
A intervenção econômica deve dar-se
sempre que se julgar necessário
O Estado deve abster-se de questões econômi-
cas, já que o mercado se autorregula, como se
houvesse uma “mão invisível” orientando esse
processo.
A pobreza dá-se, sobretudo, por desigual-
dade de oportunidades. Enquanto proble-
ma social, pode ser enfrentada via progra-
mas sociais ou superação da ordem, no
caso de uma esquerda mais radical.
A pobreza, quando atacada, deve dar-se de
forma focalizada e limitada. Auxílios “exagera-
dos” podem levar à acomodação e ao declínio
da “ética do trabalho”
.
A criminalidade pode ser explicada, es-
sencialmente, pela inserção em um con-
texto social que oferece desigualdade de
oportunidades.
A criminalidade, em grande parte, éresponsa-
bilidade dos indivíduos.
A carga tributária deve ser extensiva para
financiar o Estado e oferecer serviços de
qualidade para os que precisarem
Os tributos são maléficos, pois sobrecarregam
as empresas e desfavorecem o crescimento
econômico.
Defesa de uma ampla legislação traba-
lhista que normatize o mundo do trabalho.
O mercado de trabalho deve ser desregulado,
visto que o mercado autorregula as relações de
trabalho.
Os serviços, sobretudo aqueles estratégi-
cos, devem ser oferecidos pelo Estado.
Buscando diminuir o tamanho do Estado, uma
boa estratégia é passar para a iniciativa privada
serviços que são estatais - privatização.
Fonte: Scheeffer (2018).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
6
Para Giddens (2000), a direita e a esquer-
da ainda representam forças distintas e di-
vergentes quanto ao futuro do welfare state.
Em síntese, em defesa da justiça social,
os social-democratas exigem um Estado
interventor, enquanto os neoliberais, acre-
ditando nas benesses do mercado, defen-
dem um Estado mínimo. Vale destacar que,
além da discussão clássica mais ou menos
Estado, Inglehart (1977) já previa uma mu-
dança após o século XX no debate político
e ideológico, trazendo agora questões rela-
cionadas ao meio ambiente, livre expressão
e qualidade de vida no sentido mais amplo.
Heywood (2010) afirma que as novas ideo-
logias trazem questões como gênero, etnia
e cultura.
Muitas são as concepções a respeito da
pobreza e do papel da assistência social. É
visível o fato de que na visão (neo)liberal a
pobreza é bastante atrelada a uma ques-
tão pessoal, a uma questão de escolha. De
acordo com Scheeffer, (2013) nessa visão
o mercado é o espaço para que os proble-
mas sociais sejam resolvidos. Para Oliveira
(2003), sendo o mercado considerado o lu-
gar mais correto para alocação de recursos,
o Estado pode diminuir sua influência na
sociedade, bem como ter menos funções.
No que tange à área social, o autor afirma
que o Estado deve se ater a programas de
assistência quando necessário e de forma
complementar à filantropia privada. A po-
breza na visão neoliberal é explicada por
Galbraith, citado por Garcia (2005), como
a falta de aproveitamento do livre mercado
e da livre concorrência. Para o autor, o in-
divíduo mantém-se na situação de pobreza
principalmente pelo excesso de acomoda-
ção e pela falta de esforço. Segundo o au-
tor, existem duas grandes linhas de ataque
à pobreza: uma é combater a acomodação;
a outra é facilitar esse escape por meio de
políticas que reforcem essa iniciativa.
Por uma visão social-democrata, a pobreza
é tratada de uma forma diferente do neoli-
beralismo. De acordo com Giddens (2000),
o mercado é um dos principais geradores
de problemas sociais, cabendo ao Estado
intervir no mercado quando necessário. De
acordo com Setembrini (1997), faz parte dos
princípios da social-democracia que o Esta-
do deve prover uma renda mínima, saúde,
habitação, educação e alimentação, não
como caridade e sim como um direito do ci-
dadão.
Diante do exposto, percebe-se que as distin-
ções entre social-democratas e neoliberais
sintetizam as divergências político-ideoló-
gicas recentes. Posto isso, fica a dúvida se
essas diferentes concepções a respeito do
papel do Estado no combate à pobreza refle-
tem diferentes posicionamentos dos atores
políticos.
AS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS E A CLAS-
SIFICAÇÃO DOS PARTIDOS BRASILEI-
ROS
Para Heywood (2010), as ideologias são des-
critivas pois, em última instância, fornecem a
indivíduos e grupos um mapa conceitual de
como a sociedade funciona e, de forma mais
abrangente, uma visão geral de mundo. As
ideologias políticas têm a capacidade de ins-
pirar e guiar a ação política. Questão-chave
nessa discussão é qual a validade da ideolo-
gia em se tratando de partidos políticos, isto
é, se é esta hoje uma variável relevante e em
que medida os partidos podem ser classifi-
cados em esquerda e direita.
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
7
Budge Budge, I., Klingemann, H-D., Volkens,
A., Bara, J., & Tanenbaum, E. (2001) bus-
cam, dentre outras questões, responder às
seguintes perguntas: existe um declínio do
poder explicativo das categorias esquerda e
direita? Presenciamos o fim das ideologias?
Analisando 24 países da OCDE em duas
ondas distintas (1945-1998 e 1990-2003),
os autores localizaram as posições políticas
dos partidos a partir da análise de conteúdo
dos manifestos partidários e buscaram me-
dir suas posições e ainda as mudanças en-
tre uma eleição e outra. Segundo eles, essa
dimensão permite verificar tendências e na
maioria dos países analisados é possível
mapear seus movimentos de forma bastan-
te razoável.
Klingemann, H-D., Volkens, A., Bara, J., Ta-
nenbaum, E., & McDonald, M. (2006), de
forma mais específica, afirmam que em
grande parte da Europa existem diferenças
significativas entre os partidos políticos no
que diz respeito a preocupações típicas da
esquerda ou direita. Por meio de sete fun-
ções discriminantes, alegam que estas po-
dem dar uma boa ideia das clivagens que
moldam a política europeia. Colocadas em
ordem decrescente de importância, a função
1 é aquela relacionada à dimensão esquer-
da e direita, o que denota a preeminência de
tal divisão na política partidária dos países
em questão.
Dalton & McAllister (2014) também ressal-
tam o peso da ideologia ao buscar anali-
sar o quanto em eleições sucessivas há
uma continuidade ideológica por parte dos
partidos. Utilizando-se dos dados do pro-
jeto Comparative Study of Electoral Syste-
ms (CSES) e de forma complementar do
Chapel Hill Expert Survey (CHES), ambos
voltados para as democracias industriais
avançadas, constatam que 90% do posi-
cionamento partidário é previsível, saben-
do sua posição na última eleição. Dez por
cento da variância pode ser explicada por
outros fatores. De forma geral, a maioria dos
partidos apresenta perfis ideológicos seme-
lhantes em todas as eleições. Diferentemen-
te do que se possa supor, há estabilidade
ao longo do tempo nas posições esquerda
e direita. Vale a ressalva de que as ações
de cunho ideológico estão mais associadas
aos partidos de extrema esquerda ou direita.
Partidos de centro estariam mais propensos
a mudar suas estratégias em busca de voto.
Em se tratando do caso brasileiro, Roma
(2006), pautando-se em pesquisas de opi-
nião aplicadas aos parlamentares, defen-
de que, embora grande parte da literatura
destaque que a disciplina partidária pode
ser explicada pela distribuição de recursos
orçamentários pelo Executivo, os deputados
partilham o ideário do seu partido de filiação
e, por esse motivo, demonstram-se coesos.
A discordância entre as legendas permite
posicioná-los ideologicamente e o parla-
mentar em geral escolhe seu partido levan-
do em conta a afinidade de crenças.
Scheeffer (2018a) propôs-se a verificar o
peso da ideologia no comportamento parla-
mentar em tempos atuais a partir da aná-
lise de um conjunto de votações nominais
ocorridas durante o governo Dilma Roussef
na Câmara dos Deputados. Analisados te-
mas substantivos do ponto de vista políti-
co- ideológico, os partidos em sua maioria
posicionam-se de forma coerente com o
que é esperado.A exceção são os casos em
que estão em jogo recursos financeiros, seja
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
8
onerando significativamente ou então ge-
rando receita vultosa ao Executivo federal.
Apresentados alguns estudos que desta-
cam a ainda validade da ideologia partidária
em tempos atuais, o próximo passo é discu-
tir minimamente a classificação dos partidos
brasileiros. Dalton e McAllister (2014) enfo-
cam a classificação dos partidos expondo
que são inúmeros os estudos empíricos utili-
zando métodos variados para estimar as po-
sições dos partidos em uma escala Esquer-
da-Direita (E-D). Os métodos mais comuns
são os estudos dos manifestos e programas
partidários; a avaliação feita por especialis-
tas; a autolocalização no espectro político
das elites políticas; bem como a percepção
dos cidadãos em relação à localização na
escala. Se atendo ao caso brasileiro, Tarou-
co e Madeira (2013) corroboram afirmando
que são muitos os métodos para localizar os
partidos no eixo E-D e acrescentam a atua-
ção parlamentar como método relevante.
Zucco Jr. (2011) buscou atualizar o posicio-
namento ideológico dos principais partidos
brasileiros pós-Constituinte. Por meio da
Pesquisa Legislativa Brasileira (PLB 2009)
e utilizando-se de dados de parlamentares
que responderam a mais de uma edição
da pesquisa, afirma que o PSOL é o parti-
do mais à esquerda do espectro ideológico
brasileiro. Pela primeira vez em 20 anos, o
DEM/PFL aparece à direita do PP (e seus
antecessores), muito provavelmente pela di-
luição ideológica do PP em função da alian-
ça com o governo Lula.O PPS continua a ca-
minhada para a direita, estando claramente
à direita do PSB e do PDT. Por fim, o PSDB
continua em uma posição estatisticamente
indistinguível à do PMDB (hoje, MDB).
Melo & Câmara (2012) rejeitam a tese de
que o sistema partidário brasileiro encontra-
-se hoje incoerente, ou ao menos, mais inco-
erente do que antes, inclusive discordando
de que teríamos hoje o “PT contra o resto”
(Lucas & Samuels, 2011). Se é justificável a
premissa de que o PT seria de certa forma
distinto dos demais partidos brasileiros, para
eles teríamos três grandes blocos e não dois.
Haveria a existência de um bloco de partidos
posicionado entre os dois polos (PMDB, PP,
PTB, PR).
A análise de surveys realizados na Câmara
dos Deputados corrobora essa afirmação.
Teríamos uma clara distinção ideológica en-
tre PT e PSDB, sobretudo no que diz res-
peito ao papel do Estado na economia, po-
lítica externa e nas opiniões sobre questões
como união de pessoas do mesmo sexo e
aborto. Por sua vez, a maioria das opiniões
dos deputados do bloco PMDB/PTB/PP/PR
aproxima-se mais do bloco PSDB/DEM/PPS
do que do PT e seus aliados em grande par-
te das questões analisadas.
Levando em consideração métodos distintos,
segundo Tarouco & Madeira (2013), os par-
tidos brasileiros têm sido classificados sem
muitas controvérsias. A disposição de PT e
PDT na esquerda, PMDB e PSDB no centro
e PP, PTB, DEM, dentre outros, na direita,
pode ser verificada em várias classificações
adotadas. A classificação do PMDB e do
PSDB demonstra o que há de mais contro-
verso nessa discussão.
Embora o PSDB surja como uma ala à es-
querda do PMDB, as coligações e as dire-
trizes das políticas adotadas colocam em
cheque seu posicionamento no espectro
político-ideológico. Em relação ao PMDB,
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
9
para além do comportamento político, há
demonstração nos manifestos partidários
de que pretende e está guinando à direita,
como mostra documento divulgado e outu-
bro de 2015 pelo PMDB à nação e intitulado
“Uma Ponte para o Futuro”
. Tal documento
defende, dentre outras coisas, redução das
despesas públicas e da carga tributária;
sugere acabar com as vinculações consti-
tucionais estabelecidas; aumento do supe-
rávit primário; e participação mais efetiva
do setor privado. Coloca ainda a pertinência
de um Estado mais enxuto para fazer fren-
te à profunda recessão e severa crise fiscal
(PMDB, 2015). Diante disso, para Scheeffer
(2018a, 2018b) os partidos tradicionalmente
considerados como centro (PMDB e PSDB)
vêm demonstrando claros indícios das suas
guinadas à direita, embora a ciência política
venha de alguma forma “fechando os olhos”
para tais evidências.
Scheeffer (2018b) aborda alguns métodos
de classificação dos partidos brasileiros.
Analisados de forma isolada, vê-se que es-
ses partidos podem simplesmente se apre-
sentar enquanto um cardápio de propostas
bem-vindas para a maioria dos eleitores,
sem condizer necessariamente com o com-
portamento de seus membros. Em relação
aos surveys aplicados aos atores políticos,
pode-se supor que aquele com uma mínima
sofisticação política consiga decifrar facil-
mente o que o eleitor quer ler ou ouvir, sem
necessariamente, como no caso anterior,
agir de forma espelhada. Assim, analisar o
comportamento efetivo é um dos métodos
mais importantes para verificar o posiciona-
mento dos partidos no espectro ideológico,
visto que constata, afinal, aquilo que se de-
monstra mais relevante: a ação política.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo em questão busca verificar os gas-
tos públicos de todas as capitais brasileiras
na área de assistência social, e não incluiu
Brasília por não ser considerada um muníci-
pio propriamente dito, já que não tem desde
1969.
Diante dos objetivos que o trabalho propõe,
as informações contábeis foram retiradas do
Sistema de Informações Contábeis e Fiscais
do Setor Público Brasileiro (Siconfi), em que
foram encontradas as receitas da corrente
líquida, que significam o somatório das re-
ceitas tributárias de um governo, referente
a contribuições patrimoniais, industriais,
agropecuárias e de serviços, deduzidos os
valores das transferências constitucionais.
Também foram coletadas as despesas liqui-
dadas com assistência social, ou seja, que
já foram realizadas e existe um respectivo
credor. Foram somados os gastos levando-
-se em consideração todas as subfunções
como assistência social ao idoso, assistên-
cia ao portador de deficiência, assistência
à criança e ao adolescente e assistência
comunitária. Esses dados foram coletados
nos anos de 2013 a 2016. Diante do que foi
exposto até então, sobretudo a problemati-
zação apresentada no final do capítulo ante-
rior, o quadro a seguir expõe a classificação
dos partidos adotada nesse estudo.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
10
Quadro 2. Classificação E/D utilizada
Esquerda Direita
PCdoB PDT PPS PSB PSOL PT PV DEM PMDB PP PR PSD PSDB PTC
Fonte: Scheeffer (2018b).
Pelos motivos expostos na fundamentação
teórica, esperaria-se que a esquerda inves-
tisse mais em assistência social e a direita
menos. Com o intuito de cruzar os gastos
públicos com as ideologias políticas, foram
criadas categorias de análise, o que foi cha-
mado de enquadramento ideológico como é
apresentado na sequência.
Quadro 3. Critérios do enquadramento ideológico
Esquerda (E-E) Quando o prefeito é considerado de es-
querda e o vice-prefeito é considerado de
esquerda.
Esquerda – Direita (E-D) Quando o prefeito é considerado de esquer-
da e o vice-prefeito é considerado de direita.
Direita – Esquerda (D-E) Quando o prefeito é considerado de direita e
o vice-prefeito é considerado de esquerda.
Direita (D-E) Quando o prefeito é considerado de direita e
o vice-prefeito é considerado de direita.
Fonte: Adaptado de Rodrigues (2010).
Para concorrer com a variável ideologia, fo-
ram inseridos no modelo o Índice de Desen-
volvimento Humano Municipal (IDHM). Rea-
lizado com base em três dimensões (saúde,
educação e a renda), o índice registra da-
dos que são coletados de dez em dez anos.
Por isso foram utilizados os dados de 2010.
De acordo com Prearo, Maraccini, & Romei-
ro (2015), o índice tem como objetivo calcu-
lar os requisitos mais importantes para uma
vida que seja considerada saudável, como
saúde (longevidade), educação (escolarida-
de) e renda (per capita).
A Tabela 1 apresenta os munícipios que es-
tão presentes no estudo, IDHM, partidos que
estão no comando das prefeituras entre os
anos de 2013 e 2016, assim como o enqua-
dramento ideológico exposto acima.
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
11
Tabela 1. Capitais brasileiras, IDHM e enquadramento ideológico
Capital 2010 2013 a 2016
IDHM Prefeito Vice-prefeito Enquadramento
Aracaju 0,770 DEM PSDB Direita (D-D)
Belém 0,746 PSDB PSB Direita-Esquerda (D-E)
Belo Horizonte 0,810 PSB PV Esquerda (E-E)
Boa Vista 0,752 PMDB PSDB Direita (D-D)
Campo Grande 0,784 PP PP Direita (D-D)
Cuiabá 0,785 PSB PR Esquerda-Direita (E-D)
Curitiba 0,823 PDT PT Esquerda (E-E)
Florianópolis 0,847 PSD PP Direita (D-D)
Fortaleza 0,754 PSB PMDB Esquerda-Direita (E-D)
Goiânia 0,799 PT PMDB Esquerda-Direita (E-D)
João Pessoa 0,763 PT PPS Esquerda (E-E)
Macapá 0,736 PSOL PPS Esquerda (E-E)
Maceió 0,721 PSDB PP Direita (D-D)
Manaus 0,737 PSDB PPS Direita-Esquerda (D-E)
Natal 0,763 PDT PSB Esquerda (E-E)
Palmas 0,788 PP PPS Direita-Esquerda (D-E)
Porto Alegre 0,805 PDT PMDB Esquerda-Direita (E-D)
Porto Velho 0,736 PSB PDT Esquerda (E-E)
Recife 0,772 PSB PCdoB Esquerda (E-E)
Rio Branco 0,727 PT PCdoB Esquerda (E-E)
Rio de Janeiro 0,799 PMDB PT Direita-Esquerda (D-E)
Salvador 0,759 DEM PV Direita-Esquerda (D-E)
São Luís 0,768 PTC PSB Direita-Esquerda (D-E)
São Paulo 0,805 PT PCdoB Esquerda (E-E)
Teresina 0,751 PSDB PSD Direita (D-D)
Vitória 0,845 PPS PR Esquerda-Direita (E-D)
Com a intenção de verificar a dispersão e a
variabilidade dos gastos nos quatro anos do
mandato, foi utilizado o coeficiente de varia-
ção (CV), calculado pelo desvio padrão divi-
dido pela média X 100 (Crespo, 2009). Se-
gundo o autor, o desvio padrão por si só não
nos diz muita coisa. Para Fonseca & Martins
(2015), tem-se baixa dispersão quando CV
≤ 15%, média dispersão CV > 15% < 30% e
alta dispersão CV ≥ 30%. Como na maioria
dos casos a variação foi baixa, foi utilizada
a média dos gastos nos quatro anos. A ta-
bela 2 demostra o resultado do cálculo de
variação.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
12
Tabela 2. Cálculo do coeficiente de variação
Capitais 2013 2014 2015 2016 Média Desvio Padrão Coef.
Var (%)
Interpretação
Aracaju 2,26 2,4 2,64 2,64 2,49 0,187882942 7,56 fraca
Belém 2,72 2,87 2,99 2,63 2,80 0,159452187 5,69 fraca
Belo Horizonte 2,76 2,89 2,54 2,34 2,63 0,242676053 9,22 fraca
Boa Vista 2,03 3,83 0 3,72 2,40 1,796672851 75,02 forte
Campo Gran-
de
1,27 1,55 1,72 1,89 1,61 0,264370321 16,45 moderada
Cuiabá 2,73 3,13 2,68 2,38 2,73 0,3082207 11,29 fraca
Curitiba 2,07 2,38 2,16 2,29 2,23 0,137234592 6,17 fraca
Florianópolis 3,16 3,71 3,72 5,57 4,04 1,053027382 26,07 moderada
Fortaleza 2,04 1,54 1,69 1,54 1,70 0,235849528 13,85 fraca
Goiânia 0,56 1,3 1,3 1,15 1,08 0,352171833 32,68 forte
João Pessoa 1,81 1,01 0,88 1,66 1,34 0,463249393 34,57 forte
Macapá 1,34 1,36 1,57 1,48 1,44 0,107819293 7,50 fraca
Maceio 0,99 0,9 1,19 1,4 1,12 0,222560853 19,87 moderada
Manaus 2,84 2,8 2,66 2,44 2,69 0,180646985 6,73 fraca
Natal 1,92 0,42 2,85 2,55 1,94 1,081804049 55,91 forte
Palmas 2,68 2,75 2,23 2,49 2,54 0,232576152 9,17 fraca
Porto Alegre 3,87 3,81 3,96 3,95 3,90 0,070887234 1,82 fraca
Porto Velho 2,22 2,24 2,48 1,82 2,19 0,273495887 12,49 fraca
Recife 0,94 1,25 1,68 1,54 1,35 0,328164085 24,26 moderada
Rio Branco 3,13 1,7 2,2 2,48 2,38 0,596454804 25,09 moderada
Rio de Janeiro 3,29 3,56 3,34 3,19 3,35 0,156311655 4,67 fraca
Salvador 1,08 1,71 2,05 2,53 1,84 0,609555849 33,08 forte
São Luís 1,61 1,88 1,61 1,66 1,69 0,128840987 7,62 fraca
São Paulo 2,73 2,24 2,41 2,72 2,53 0,241177666 9,55 fraca
Teresina 1,94 2,34 2,25 2,01 2,14 0,190525589 8,92 fraca
Vitória 6,09 4,92 6,76 6,19 5,99 0,771967184 12,89 fraca
Segundo Fávero & Belfiore (2017), a esta-
tística descritiva busca descrever esintetizar
elementos principais observados em um
conjunto de dados por meio de recursos
como tabelas, gráficos ou medidas-resumo.
Uma primeira técnica utilizada foi o uso de
box-plot, também chamado de “diagrama de
caixa”
. Segundo os autores, trata-se de uma
representação gráfica com cinco medidas de
posição ou localização de determinada va-
riável, sendo elas de baixo para cima: valor
mínimo; primeiro quartil; segundo quartil ou
mediana; terceiro quartil; e valor máximo. O
primeiro quartil descreve 25% dos primeiros
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
13
dados. O terceiro quartil corresponde a 75%
das observações. O valor mínimo e máximo
excetuando os outliers. A mediana por sua
vez é o valor que separa a metade maior e a
menor de uma amostra. A utilização do grá-
fico permite avaliar a simetria e distribuição
dos dados.
Verificada a distribuição dos dados, foi feito
um teste de correlação e nessecaso foi cal-
culado o coeficiente de correlação de Spe-
arman. Trata-se de uma medida de intensi-
dade da correlação entre duas variáveis que
podem ser mensuradas de forma ordinal
(existe uma ordenação entre as categorias).
O coeficiente mede a força e a direção da
relação (Martins & Rodrigues, 2011).
Por último, foi realizada uma análise mul-
tivariada, a regressão linear múltipla. Para
Fávero & Belfiore (2017), o modelo linear de
regressão permite a possibilidade de que
seja estudada a relação entre uma ou mais
variáveis explicativas que se apresentam
de forma linear e uma variável dependen-
te quantitativa. De forma geral, o objetivo da
análise de regressão é prever os valores de
uma única variável dependente a partir do
conhecimento de uma ou mais variáveis in-
dependentes. Quando há o envolvimento de
duas ou mais variáveis independentes, esta-
mos falando de uma regressão múltipla.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTA-
DOS
Primeiramente utilizou-se a análise box-plot,
também conhecida como “diagrama de cai-
xa”
, que permite identificar a simetria e dis-
tribuição dos dados, ou seja, comparar os
gastos entre os diferentes enquadramentos
ideológicos.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
14
Diferentemente do que se imaginava, os
partidos de Esquerda (E-E) tendem a gastar
menos em comparação aos demais parti-
dos. As categorias Esquerda-Direita (E-D) e
Direita-Esquerda (D-E) são as que apresen-
tam maiores gastos em assistência social. O
que se percebe aqui também é que a maior
variabilidade de dados ocorre na categoria
Esquerda-Direita (E-D). De forma geral per-
cebe- se que não há uma relação entre en-
quadramento ideológico e gastos públicos,
semelhante ao que é constatado por Rodri-
gues (2010).
O autor fez uma análise quantitativa dos
investimentos realizados nos maiores mu-
nicípios catarinenses durante uma gestão
governamental (2005-2008) a fim de tes-
tar a tese de que haveria diferenças entre
os partidos políticos com matrizes teóricas
distintas e que estas impactaram nos in-
vestimentos públicos. Não há um padrão de
gasto diferente entre os partidos de diversas
localizações no espectro ideológico. No que
diz respeito à assistência social, o autor de-
tectou haver uma dissonância no último ano
do mandato, gastando-se bem mais do que
nos anos anteriores.
Uma das possíveis explicações para a es-
querda não ser a categoria que mais investe
em assistência social pode estar no que é
apontado por Arvate, Avelino Filho, & Lucin-
da (2008). Buscando verificar se a ideologia
partidária teria influência sobre gastos públi-
cos entre os governos estaduais do Brasil,
os autores concluíram que partidos consi-
derados de esquerda consideram aumentar
seus gastos públicos com relação ao PIB
estadual, e surpreendentemente os partidos
considerados de direita tendem a dar mais
prioridade aos gastos sociais do que os de-
mais partidos. Para eles, ao contrário do que
se espera, a direita tende a priorizar mais os
gastos sociais do que a esquerda. Uma das
possíveis explicações seria a tentativa de se-
duzir politicamente o eleitor de esquerda.
Outra análise realizada foi a verificação da
correlação utilizando-se mais especificamen-
te o método de Spearman. A tabela 3, além
de tentar encontrar uma correlação entre
ideologia política e gastos públicos com as-
sistência social, ainda permite verificar se há
uma relação entre gasto público com IDHM.
Tabela 3. Correlação de Spearman
inv ideologia idh
Spearman’s rho
Inv
Correlation Coefficient 1,000 ,190 ,406*
Sig. (2-tailed) . ,352 ,040
N 26 26 26
Ideologia
Correlation Coefficient ,190 1,000 -,081
Sig. (2-tailed) ,352 . ,695
N 26 26 26
Idhm
Correlation Coefficient ,406* -,081 1,000
Sig. (2-tailed) ,040 ,695 .
N 26 26 26
*. Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed).
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
15
Como se pode notar, apenas a variável
IDHM se demonstrou significativa (Sig.
(2-tailed)<0,05). Há entre investimentos
(inv) e IDHM uma correlação positiva (,406).
Isso permite inferir que um aumento no
IDHM implica um aumento no investimento.
O resultado é aparentemente contraintuitivo,
levando em consideração que se esperaria
que, quanto menor o IDHM, maior deveria
ser o gasto com assistência social, justa-
mente para alavancar o índice. Em contra-
partida, faz sentido supor que uma cidade
que investe mais em assistência social ten-
de a ter melhores índices, isto é, fica difícil
estabelecer uma relação precisa de causa
e efeito. É o que se constata em Scarpin,
Pinto, & Silva (2007). Os autores corrobo-
ram que as receitas públicas têm influência
positiva com o IDHM e que, quanto maior
o gasto público, maior o IDHM. Na contra-
mão, Prearo, Maraccini, & Romeiro (2015)
afirmam que os gastos em assistência so-
cial são mais vultosos quando o IDHM é de
até 0,718. Quando esse índice é acima de
0,761 até 1,000, os municípios tendem a in-
vestir até 28,9% menos em assistência so-
cial que os demais. Segundo os autores,isso
acontece porque as cidades com menor ín-
dice no desenvolvimento humano tendem a
preocupar-se mais com os gastos sociais. A
análise foi feita nos municípios do Estado de
São Paulo.
Na última análise, foi utilizada a regressão
linear múltipla que permite verificar a rela-
ção entre as duas variáveis independentes
(IDH e ideologia política) com a variável
dependente investimento. Para efetuar a re-
gressão, foram inseridas variáveis dummy
(numéricas) para representar as variáveis
qualitativas relacionadas à ideologia (EE,
ED, DE e DD). A regressão linear múltipla
utilizando a variável investimentos (inv)
como dependente da ideologia e IDHM re-
sultou no modelo abaixo.
Tabela 4. Resumo do modelo 1
Model R R Square Adjusted R
Square
Std. Error of the
Estimate
Durbin-Watson
1 ,633a ,401 ,287 ,0090305 1,918
a. Predictors: (Constant), idh, d3, d2, d1
b. Dependent Variable: inv
De acordo com Hair Jr., J. F., Black, W. C.,
Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L.
(2009), o coeficiente R² mensura a explica-
ção da variável dependente. Ou seja, quan-
to maior o valor de R², maior o poder de ex-
plicação da equação de regressão utilizada.
A partir da tabela em questão, é possível
verificar que o conjunto de variáveis explica
28,7% da variação dos investimentos.
Também se nota que não há problemas de
multicolinearidade dos resíduos já que a es-
tatística de Durbin-Watson é próxima a 2.
Pela tabela ANOVA (tabela 5) apresentada a
seguir é possível verificarmos que o modelo
proposto apresenta significância estatística,
ou seja, pelo menos uma das variáveis ex-
plicativas incluídas é significante para expli-
car os investimentos.
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
16
Tabela 5. Significância do modelo 1 - ANOVA
Model Sum of Squares Df Mean Square F Sig.
Regression ,001 4 ,000 3,5
12
,024b
Residual ,002 21 ,000
Total ,003 25
a. Dependent Variable: inv
b. Predictors: (Constant), idh, d3, d2, d1
Feito isso, parte-se para a análise estatística dos parâmetros de cada variável explicativa. Os
resultados encontram-se na tabela 6.
Tabela 6. Significância dos parâmetros da regressão múltipla – Modelo 1
Model Unstandardized Coeffi-
cients
Standardi-
zed Coeffi-
cients
T
Tolerance
Sig.
IF
V
Collinearity Statistics
B Std.
Error
Beta
Constant - ,043 - ,01
,112 2,598 7
d1 , ,005 ,231 1,1 ,25 ,731 1
006 69 6 ,369
d2 , ,005 ,224 1,1 ,25 ,778 1
006 70 5 ,285
d3 , ,005 ,170 ,89 ,38 ,780 1
004 0 4 ,282
Idh , ,056 ,550 3,0 ,00 ,889 1
171 71 6 ,125
Observa-se que apenas a variável IDH ex-
plica a variável dependente investimentos
(Sig.<0,05), ou seja, nesta amostra, ideo-
logia não interfere nos gastos com investi-
mentos. Assim, uma nova regressão foi ge-
rada, considerando somente a variável IDH
como explicativa.
Tabela 7. Resumo do modelo 2
Model R R Squareb Adjusted R
Square
Std. Error of
the Estimate
Durbin-Watson
1 ,927a ,859 ,853 ,0101001 1,711
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
17
Esse modelo final consegue explicar em tor-
no de 85,3% (R ajustado) as variações dos
investimentos por meio das variações do
IDHM. Essas interpretações podem ser fei-
tas porque a regressão linear obedeceu aos
pressupostos necessários para a aplicação
da regressão: ausência de autocorrelação
serial (independência dos erros) – teste de
Durbin-Watson.
Tabela 8. Significância dos parâmetros da regressão múltipla – Modelo 2
Model
B
Unstandardized
Coefficients
Standardized
Coefficients
ig.
Tolerance
Collinearity Statistics
Std.
Error
Beta VIF
1 idhm ,032 ,003 ,927 2,334 000 1,000 1,000
Por meio desse novo modelo, fica evidente
a relação entre IDHM e investimentos em
assistência social nas capitais brasileiras no
período de 2013 a 2016. O resultado da re-
gressão permite inferir que a relação entre
investimentos e IDHM é positiva (+0,032).
Em outras palavras, mesmo tendo ciência
do problema temporal (IDHM 2010, gastos
2013-2016), pode-se inferir que a variação
de 1 ponto percentual em IDHM provo-
ca uma variação positiva de 0,032 pontos
percentuais no investimento (arrecadação/
despesa). A pesquisa de Mattei, Bezerra, &
Mello (2017) reafirma as considerações do
estudo em questão. Segundo eles, a cada
1% de aumento nas despesas per capita
destinadas à saúde, assistência e previ-
dência, acrescentam-se 0,047 pontos no
nível do IDHM. Ainda para os autores, não
é inusitado que despesas em áreas- chave
impactam positivamente no nível de desen-
volvimento. Com isso percebe- se o papel
importante do governo para promover me-
lhor qualidade de vida das pessoas por meio
do direcionamento apropriado de recursos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo em questão teve como objetivo ge-
ral analisar a influência ou o impacto que a
ideologia política teve sobre os gastos com
assistência social nos anos de 2013 a 2016.
Outro ponto analisado de forma complemen-
tar foi a possível relação entre investimentos
na área e o IDHM de cada capital brasileira.
Se do ponto de vista teórico é possível afir-
mar que na social-democracia o conceito de
direitos sociais é central, no neoliberalismo
o insucesso é resultado sobretudo da falta
de esforço e mérito. Essas distinções em
boa parte denotam diferenças significati-
vas entre o ideário de esquerda e direita em
tempos atuais.
A partir das análises realizadas, diferente-
mente do esperado, a esquerda não tende
a gastar mais em assistência social. Embora
de um ponto de vista teórico se esperasse
que em nome da igualdade social a assis-
tência social devesse ser uma área priori-
tária, o que se verificou foi que não há uma
relação significativa entre ideologia e inves-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
18
timentos. Há uma certa homogeneidade de
gastos por parte dos diferentes enquadra-
mentos ideológicos.
Um dos prováveis motivos para que isso
ocorra é a influência do Plano Plurianual
(PPA), plano orçamentário de médio prazo.
Por mais que o Executivo encaminhe, os
PPAs são aprovados pelo Legislativo muni-
cipal. Os vereadores decidem se pode ser
aprovado, negado ou se serão realizadas
modificações. A problemática central da
pesquisa é o impacto da ideologia política
nos gastos públicos com assistência social
e o que foi constatado de forma clara e obje-
tiva foi a independência entre esses dois fa-
tores. Não há um padrão de gastos diferen-
ciado entre partidos de esquerda ou direita,
corroborando com o que é constatado por
Rodrigues (2010).Talvez as variações sejam
qualitativas, mas não quantitativas. Essa ho-
mogeneidade possivelmente se deva a fato-
res estruturantes muito mais do que a uma
razão conjuntural. Ou seja, haveria uma
certa “amarração” orçamentária que daria
um menor grau de autonomia aos agentes
políticos em nível municipal.
Dito de outra forma, é possível que em ou-
tros níveis federativos sejam percebidas di-
ferenças significativas dado o maior grau de
autonomia. O que apresentou uma surpresa
no estudo foi a relação entre o IDHM e in-
vestimento. Quanto maior o IDHM, maior o
investimento.
Embora Scheeffer (2018) tenha em seu es-
tudo percebido diferenças significativas en-
tre parlamentares de esquerda e direita na
Câmara dos Deputados (sabendo se o par-
lamentar/partido é de esquerda ou de direita
é possível prever razoavelmente a atuação
em plenário), as exceções são os casos em
que estão envolvidos recursos financeiros
vultosos. Nesses casos, o posicionamento
estratégico (pertencimento ao governo ou
à oposição) teria melhor poder explicativo.
Esse argumento pode auxiliar a compreen-
der as pequenas diferenças no Executivo
municipal. Em se tratando de assistência
social, uma área sensível do ponto de vis-
ta político-ideológico, talvez fosse sensato
supor que não haveria distinções de gastos
públicos emnível municipal de gestões de
partidos localizados em espectros ideológi-
cos diferentes.
Para além de análises qualitativas (tipo de
políticas adotadas), fica como recomenda-
ção a comparação de séries temporais mais
extensas cobrindo mais de um mandato, bem
como a análise por subfunção e não só dos
gastos gerais da política pública em questão.
REFERÊNCIAS
Aggio, A. (2013). Construir uma esquerda
transformadora. In Almeida, F. I. de. (org.).
O que é ser esquerda hoje? Rio de Janeiro:
Contraponto.
Anderson, P. (1995). Balanço do Neolibera-
lismo. In Sader, E.; Borón, A. (Orgs.). Pós-
-neoliberalismo: As políticas sociais e o Es-
tado democrático. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra.
Arvate P. R., Avelino Filho, G., & Lucinda, C.
R. (2008). Ideologia partidária e gastos pú-
blicos entre os governos estaduais no Brasil.
Encontro de Administração Pública e Gover-
nança, 38(4)789-814.
Bobbio, N. (1995). Direita e esquerda: Ra-
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
19
zões e significados de uma distinção políti-
ca. São Paulo: Editora da UNESP.
Budge, I., Klingemann, H-D., Volkens, A.,
Bara, J., & Tanenbaum, E. (2001). Mapping
policy preferences: estimates for parties,
electors and governments – 1945-1998.
New York: Oxford University Press.
Carvalho, G. F. (2008). A assistência social
no Brasil: Da caridade ao direito. 56f.Traba-
lho de Conclusão de Curso (Bacharelado)
– Faculdade de Direito, Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Ja-
neiro.
Crespo, A. A. (2009). Estatística fácil. 19. ed.
São Paulo: Saraiva.
Dalton, R, J., & McAllister, I. (2014). Random
walk or planned excursion? Continuity and
change in the left-right positions of political
parties. Comparative Political Studies. De-
cember 9.
Fávero, L. P., & Belfiore, P. (2017). Manual de
análise de dados: Estatística e modelagem
multivariada com Excel, SPSS e Stata. Rio
de Janeiro: Elsevier.
Garcia, A. V. (2005). A pobreza do homem.
Florianópolis. 364 f. (Tese de Doutorado).
Recuperado de https://repositorio.ufsc.br/
handle/123456789/101897.
Giddens. A. (2000). A terceira via: reflexões
sobre o impasse político atual e o futuro da
social-democracia. Rio de Janeiro: Record.
Hair Jr., J. F., Black, W. C., Babin, B. J., An-
derson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análi-
se multivariada de dados. 6. ed. Porto Ale-
gre: Bookman.
Heywood, A. (2010). Ideologias políticas: do
liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática.
Inglehart, R. (1977). The silent revolution.
Princeton: Princeton University Press.
Jaccoud, L., Bichir, R., & Mesquita, A. C.
(2017). O SUAS na proteção social brasilei-
ra: Transformações recentes e perspec-
tivas. Novos estudos CEBRAP, 36(2)37-
53. Recuperado de http://novosestudos.uol.
com.br/wp- content/uploads/2017/09/03_
jaccoud_dossie_108_p36a53_site.pdf
KINZO, M. D. (1993). Radiografia do quadro
partidário brasileiro. São Paulo: Fundação
Konrad-Adenauer-Stiftung.
Klingemann, H-D., Volkens, A., Bara, J., Ta-
nenbaum, E., & McDonald, M. (2006). Ma-
pping policy preferences II: estimates for
parties,electors and governments in Central
and Eastern Europe, European Union and
OECD – 1990-2003. New York: Oxford Uni-
versity Press.
Leoni, E. (2002). Ideologia, democracia e
comportamento parlamentar: A câmara dos
deputados (1991-1998). DADOS, Rio de Ja-
neiro, 45(3)361-386.
Lucas, K., & Samuels, D. (2011). A “coerên-
cia” ideológica do sistema partidário brasi-
leiro, 1990-2009. In Power, T. J.; Zucco Jr.
(orgs). O congresso por ele mesmo: Auto-
percepções da classe política brasileira.
Belo Horizonte: Editora UFMG.
Mainwaring, S. P. (1993). Democracia pre-
sidencialista multipartidária: o caso do Bra-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior
20
sil. Lua Nova: Revista de Cultura Política,
(28-29), 21-74. Recuperado de: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0102-64451993000100003
Martins, G. de A., & Rodrigues, O. (2011).
Estatística geral e aplicada. 4. ed. São Pau-
lo: Atlas.
Melo, C. R., & Câmara, R. (2012). Estrutura
da competição pela presidência e consolida-
ção do sistema partidário no Brasil. Dados,
Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
55(1)71-117.
Mattei, T. F., Bezerra, F. M., & Mello, G. R.
(2018). Despesas públicas e o nível de de-
senvolvimento humano dos estados brasi-
leiros: Uma Análise do IDHM 2000 e 2010.
RACE: Revista de Administração, Contabili-
dade e Economia, 17 (1)29-54.
Moraes, R. C. (2002). Reformas neoli-
berais e políticas públicas: Hegemonia
ideológica e redefinição das relações
Estado-sociedade. Educação & Socie-
dade, 23(80)13-24. Recuperado de http://
www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
7 3 3 0 2 0 0 2 0 0 8 0 0 0 0 0 2 & s c r i p t = s c i _
abstract&tlng=pt
PMDB. (2015). Uma p o n t e
para o futuro. 29 out. Recupe-
rado de
<http://pmdb.org.br/wp-content/uplo-
ads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-
28.10.15-Online.pdf>
Prearo, L. M., Maraccini, M. C., & Romeiro
M. C. (2015). Fatores determinantes do ín-
dice de desenvolvimento humano dos mu-
nicípios do estado de São Paulo. Revista
Brasileira de Políticas Públicas, Brasília,
5(1)132-155.
Rodrigues, G. (2010). Partidos políti-
cos e gastos públicos em Santa Catari-
na: A influência das ideologias partidá-
rias nas decisões de investimentos. 263f.
(Tese de Pós-Graduação). Recuperado
de https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bits-
tream/handle/123456789/93997/281205.
pdf?sequence=1&isAllowed=y
Roma, C. (2006).Agenda, ideologia e coesão
partidária na Câmara dos Deputados. In: XXX
Encontro anual da ANPOCS.
Santana, E. P., Silva, J. A. S., & Silva, V. S.
(2013). Histórico da política de assistência
social: Uma construção lenta e desafiante,
do âmbito das benesses ao campo dos direi-
tos sociais. VI Jornada Internacional de Polí-
ticas Públicas.
Scarpin, J. E., Pinto, J., & Silva A. J. (2007).
Estudo dos fatores condicionantes do Índi-
ce de Desenvolvimento Humano nos muni-
cípios da região sul do Brasil: instrumento
de definição de políticas públicas. Encontro
da ANPAD, 2007, Rio de Janeiro. ENANPAD.
Encontro da Anpad. Rio de Janeiro/RJ:
ANPAD31. 1-15.
Setembrini, D. (1997). Social-Democracia. In:
Bobbio, N.; Matteuci, N.; Pasquino, G. Dicio-
nário de Política. Brasília: Universidade de
Brasília, 9. ed.
Scheeffer, F. (2013). Pobreza: Um conceito
controverso. CSOnline – Revista Eletrônica
de Ciências Sociais, 7(16)131-148.
Scheeffer, F. (2018a). Esquerda e direita hoje:
A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020
21
Uma análise das votações na Câmara dos
Deputados. Curitiba: Appris.
Scheeffer,F.(2018b).Aalocaçãodospartidos
no espectro ideológico a partir da atuação
parlamentar. E-legis. Brasília, (27)119-142.
Recuperado de file:///C:/Users/3561208/
Downloads/435-2169-1-PB%20.pdf
Souza, J. (2009). A ralé brasileira: Quem é e
como vive. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
Tarouco, G. S., & Madeira, R. M. (2013). Par-
tidos, programas e o debate sobre esquerda
e direita no Brasil. Revista de Sociologia e
Política, 21(45)149- 165.
Zucco JR., C. (2009). Ideology or what? Le-
gislative behavior in multiparty presidential
settings. The Journal of Politics, 711.076-
1.092.
Zucco JR., C. (2011). Esquerda, direita e go-
verno:A ideologia dos partidos políticos bra-
sileiros. In Power, T. J.; Zucco JR. (orgs). O
congresso por ele mesmo: autopercepções
da classe política brasileira. Belo Horizonte:
Editora UFMG
ARTIGO: UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
1
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19),
ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
UNA NARRATIVA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), AISLAMIENTO Y FUNDAMENTOS MICROECONÓMICOS DE POLÍTICAS
PÚBLICAS
RESUMO
Este ensaio tem como objetivo propor algumas hipóteses de estudo sobre o comportamento econômico e social em uma situação de
crise sanitária. Estas hipóteses são pertinentes ao estudo de formulação de políticas públicas. A crise sanitária tratada é a causada
pelo Covid-19. A história narrada passa-se na Espanha, em particular em Madri. O método usado é a do relato oral subjetivo na forma
de roteiro ou da aplicação parcial do storytelling. O referencial analítico usado consta de modelos microeconômicos que lidam com
tragédia dos comuns, comportamento econômico ampliado para altruísmo ou auto interesse limitado. As conclusões sumarizadas são
as sugestões de hipóteses a serem testadas por métodos empíricos experimentais, estatísticos ou etnográficos.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19, ética, coevolução, sentimentos morais, políticas públicas.
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva1
marcos.fernandes@fgv.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4350-9918
1. Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Artigo convidado
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.81290
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
2
ABSTRACT
This essay aims to propose some hypotheses on economic and social behavior in a health crisis situ-
ation.These hypotheses are pertinent to the study of public policy formulation.The health crisis treated
is that caused by covid-19.The narrated story takes place in Spain,in particular in Madrid.The method
used is that of subjective oral history in the form of a script or partial application of storytelling.The
analytical framework used is microeconomic models that deal with the tragedy of the commons, ex-
panded economic behavior with altruism or limited self-interest.The summarized conclusions are the
suggestions of hypotheses to be tested by experimental,statistical or ethnographic empirical methods.
KEYWORDS: Covid-19, ethics, coevolution, moral sentiments, public policies.
RESUMEN
Este ensayo tiene como objetivo proponer algunas hipótesis de estudio sobre el comportamiento
económico y social en una situación de crisis de la salud. Estas hipótesis son pertinentes para el es-
tudio de la formulación de políticas públicas.La crisis de salud tratada es la causada por covid-19.La
historia narrada tiene lugar en España, en particular en Madrid. El método utilizado es el de informes
orales subjetivos en forma de guion o aplicación parcial de narración de cuentos. El marco analítico
utilizado son modelos microeconómicos que abordan la tragedia de los bienes comunes, el com-
portamiento económico expandido hacia el altruismo o el interés propio limitado. Las conclusiones
resumidas son sugerencias de hipótesis para ser probadas por métodos empíricos experimentales,
estadísticos o etnográficos.
PALABRAS CLAVE: Covid-19, ética, coevolución, sentimientos morales, políticas públicas.
INTRODUÇÃO
Este short paper é um ensaio. Seu objetivo
é levantar algumas hipóteses e sugerir três
linhas básicas de pesquisa que podem ser
subdivididas em várias outras. As áreas das
linhas de pesquisa são políticas públicas e
administração de empresas.
Por meio de uma narrativa baseada numa
pequena história contada, o ensaio coloca
problemas reais relacionados com a pan-
demia de Covid-19 em Madri, Espanha, e
aborda uma parte da literatura microeconô-
mica que trabalha com um modelo de ação
racional que vai além do “Homem” Econô-
mico Racional.
A metodologia é, portanto, baseada par-
cialmente em storytelling. O objetivo de tal
abordagem é levantar problemas e ques-
tões indutivamente.
As conclusões, que são as sugestões de
pesquisa, são investigações em cooperação,
empatia e desigualdade usando métodos
quantitativos, comparando países; investiga-
ção sobre empatia e formação de alunos de
diversos cursos de graduação ao início e fi-
nal do curso; e avaliação do ensino de ética
em escolas de negócios.
METODOLOGIA
Este ensaio possui uma característica pe-
culiar. A partir da narrativa de uma história
baseada numa experiência individual, a do
autor, levantam-se questões relacionadas a
políticas públicas, tanto no que se refere aos
seus aspectos positivos, bem como a norma-
tivos. Neste sentido, utiliza-se aqui, mesmo
que de forma limitada --pois não há interlocu-
ção, apenas narração--, um método de con-
tar histórias. Este referencial analítico pode
ser usado, por meio da indução, para pros-
pectar hipóteses a serem estudadas cienti-
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
3
ficamente (estatisticamente, por meio de
quantificação, estudo de caso, experimento
ou imersões etnográficas), pincipalmente
quando tratamos de objetos que encerram
maior complexidade, isto é, que têm uma
interação ampla de variáveis de causação
num mesmo instante de tempo e ao longo
do tempo (Jones & Crow, 2017 e Suzuki, Fe-
liú-Mójer, Hasson, Yehuda, & Zarate, 2018).
A narrativa apresentada revela a experi-
ência do autor, na Espanha, em particular
em Madri, durante o início da pandemia de
Covid-19 em 2020. A partir de suas impres-
sões pessoais, serão colocadas, com base
na literatura específica ao tema central do
ensaio, hipóteses de estudos em particu-
lar pertinentes ao caso brasileiro. Contudo,
note-se, podem ser aplicadas as hipóteses
a serem colocadas a qualquer país, comuni-
dade ou sociedade.
Estas hipóteses estão relacionadas ao es-
tudo do papel do altruísmo, auto interesse
limitado moralmente, na conduta econômica
e social, em situações de crise ou não. São
apresentadas, durante a narrativa colocada,
referências na literatura econômica sobre te-
mas relacionados a empatia, cooperação e
sentimentos morais.
Por outro lado, há uma característica de re-
lato oral neste ensaio, que o aproxima da
metodologia de fontes usadas em história
oral. O problema é que existe, em história
oral, uma separação entre o relator dos fatos
e a pessoa que ouve; aqui trata-se de um
monólogo. Porém, mesmo com tal limitação,
pode-se considerar este tipo de abordagem
válida como elemento de busca para evidên-
cias indutivas.
Não obstante, relatos oriundos de traba-
lhos de história oral podem ser um insumo
para a elaboração de hipóteses analíticas,
passíveis de serem testadas empiricamen-
te (Nyhan & Flinn, 2016). São alimento para
o pensamento, enfim, mesmo quando pos-
suem características literárias. Referências
aqui seriam Alexievich (2017, 2019), cujos
relatos podem servir para levantamento de
hipóteses de estudo não somente em his-
tória, mas em ciências humanas em geral,
comportamentais em particular.
A narrativa aqui oferecida também tem como
objetivo o levantamento de hipóteses a se-
rem estudadas empiricamente. Há uma ane-
dota que descreve bem o método aqui em-
pregado. Um filósofo alemão fica trancado
em sua sala de estudos, imaginando como o
mundo é, como é uma feira livre, uma farmá-
cia, uma repartição, a rua; um filósofo anglo-
-saxão sai para a rua, visita o mercado (rea-
liza algumas compras) e vê como o mundo
prático, empírico se manifesta.
David Hume e Adam Smith coletaram evi-
dências indutivas para a elaboração, aí sim,
de hipóteses e para a formulação de teorias,
na rua (uma interessante referência para en-
tender o método e a formação recíproca de
ambos os escoceses é Rasmussen, 2017) .
Este meu caminhar e narrar aqui neste en-
saio vão nesta direção.
Cabe uma breve e final observação meto-
dológica e de estilo: em determinados tre-
chos da história narrada, utiliza-se a primei-
ra pessoa do singular, o que, do ponto de
vista de trabalhos acadêmicos, nem sempre
é desejável. Contudo, aqui há a peculiarida-
de de que o caso foi estruturado a partir de
uma narrativa pessoal. Portanto, ao longo
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
4
da apresentação, propositadamente, o texto
oscilará entre a primeira pessoa do singular
e o sujeito indeterminado.
A HISTÓRIA
Saí de São Paulo no início de março, em
direção a Madri. O que conhecia até então
sobre a epidemia era o que estava nos jor-
nais e nas redes. Não tinha muito a percep-
ção do que estava acontecendo realmente,
apesar de saber da gravidade em função do
que ocorria na China e Itália, principalmen-
te. Ao chegar no aeroporto, comecei a notar
os primeiros sinais, intuitivamente, do que
iria acontecer. Pessoas com máscaras, mui-
tas inadequadas, como sabemos. Em geral,
a não ser máscaras especiais, essas más-
caras comuns são perigosas, ficam úmidas
e podem potencializar uma infecção, dizem
os especialistas. Ademais, quem preferen-
cialmente deve usá-las são pessoas que
suspeitam estar resfriadas ou infectadas
e profissionais da saúde e que lidam com
muitas pessoas.
Contudo, uma sensação que já havia tido
antes começou a manifestar-se. Em 11 de
setembro de 2001, estava em Nova York e
dirigia-me, às 7h30 da manhã, para um café
da manhã num restaurante que ficava no
último andar de umas das torres do WTC.
Não preciso dizer o que aconteceu. Obvia-
mente o metrô não parou na estação e fui
parar no Brooklyn, do outro lado do rio. Ao
sair do metrô e olhar para o céu azul perce-
bi um enorme rastro de fumaça.Algo estava
acontecendo.
Da última vez que fui a Nova Orleans, saí
um dia antes de as autoridades fecharem
tudo por conta do Katrina. Também tive
aquela sensação no ar. Sim, dois raios, três,
vários podem cair no mesmo lugar. Em mim,
no caso.
A literatura que trata sobre como raciocina-
mos e interpretamos em geral os aconte-
cimentos no dia a dia é vasta atualmente.
Tendemos a trabalhar com modelos estabe-
lecidos, fazendo correlações simples entre
variáveis. Até por questões evolucionárias,
alguns argumentam, isso é racional (Kahne-
man, 2013). Contudo, quando nossa zona de
conforto se rompe, esses modelos usados
para organizar os fatos, estabelecer causa-
lidades, não funciona. Também se argumen-
ta, na literatura estabelecida, que tendemos
a ser bayesianos (Pearl & Mackenzie, 2018)
ou, em outros termos, quando um evento se
repete sempre achamos que ele se repetirá
no futuro, o que também é razoável do pon-
to de vista da nossa evolução. Acontece que
tanto a indução, como a correlação, tem seus
limites, tanto para a produção do conheci-
mento científico, que deve basear, por exem-
plo, a formulação de políticas públicas, bem
como para a solução de problemas diante da
adversidade.
O estudo dos processos de causalidade são
particularmente complexos nas ciências so-
ciais, como em epidemias, em que há vários
fatores causais ao mesmo tempo atuando,
com defasagem no tempo. E esses fatores
são biológicos e sociais. Por esta razão, a
comunicação clara e objetiva por parte dos
formuladores de política pública, incluindo
políticos, aparentemente é importante para
minimizar comportamentos de manada, que
se traduzem em comprar máscaras que fal-
tarão aos profissionais de saúde e estocar
álcool gel, independentemente de que no
curto prazo haja deficiência de oferta ou em
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
5
desrespeito a isolamentos recomendados
pela literatura e experiência epidemiológica.
Por outro lado, a própria natureza de um
evento como uma epidemia, no caso uma
pandemia galopante, aparentemente cria
nas pessoas a sensação que muitos tinham,
segundo alguns historiadores, logo após o
assassinato do arquiduque Ferdinando, de
que a guerra seria tranquila e breve.
Quando cheguei em Madri também a per-
cepção do que estava a ocorrer era um tanto
ambígua. Na primeira semana de março, a
vida corria normalmente: pessoas frequen-
tavam bares, academias, restaurantes e an-
davam pelas ruas. Madri é uma cidade com
elevada densidade populacional, logo você
sempre vê muita gente nas ruas.
Contudo, a mudança desse quadro foi rápi-
da. Ao final da semana já observava menos
pessoas nos espaços públicos e gente com
máscaras e, claro, o álcool gel havia sumido
das farmácias.
A segunda semana de março foi a da infle-
xão, tanto do ponto de vista da minha per-
cepção do que estava ocorrendo, bem como
da ação das autoridades públicas. No final
dessa semana, a emergência foi declarada
e, na sequência, a política de isolamento so-
cial, com fechamento de tudo menos comér-
cio de alimentos, remédios. E aí começou: a
realidade se impôs.
Do ponto de vista da teoria e evidência mi-
croeconômicas, o fenômeno da escassez
de alguns produtos, quando ocorre algum
evento catastrófico, está bem sedimentada,
de modo que é incorporada, na forma de
exemplos e casos, em livros texto de intro-
dução à economia e de microeconomia apli-
cada às políticas públicas. Há um aumento
da demanda devido à expectativa de falta do
produto, aumento esse que bate no trecho
inelástico da curva de oferta. Vale dizer, os
preços começam a aumentar e não há como
suprir o mercado. No limite, acaba todo o
estoque do produto. Ao contrário do senso
comum, não é a ganância que faz o preço
subir – embora atravessadores possam in-
terferir no processo. Na ponta da indústria
há custos marginais crescentes e, portanto,
as firmas vão produzir mais do bem, álcool
gel por exemplo, pois o preço de mercado
compensa o custo marginal crescente.
Porém, ao contrário da crença de que o
mercado resolve tudo, em situações limites
devem haver políticas públicas compensa-
tórias, não de tabelamento de preços, o que
cria mercado paralelo e não resolve o pro-
blema, mas de aumento da oferta do pro-
duto, mobilizando o setor privado e os la-
boratórios estatais. Na Espanha, esta foi a
estratégia adotada inicialmente e funcionou.
Ademais, há um bem substituto ao álcool
gel, que é o vinagre de limpeza, diferente do
vinagre que se usa como tempero, cuja con-
centração de ácido acético é elevada.
A partir do dia 16 de março, quando saía
sozinho aqui em Madri (somente é permi-
tido sair sozinho na rua) para ir ao super-
mercado e farmácia, comecei a entrar em
vários estabelecimentos à procura do álcool
gel. Ele reapareceu, com o mesmo preço de
mercado, lembrando que não havia tabela-
mento até então. Como professor e pesqui-
sador de microeconomia aplicada às políti-
cas públicas, eu já tinha um exemplo prático
para dar aos meus estudantes. Mas resisti
à tentação e apenas comprei um frasco de
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
6
500 ml. Poderia comprar outros? Sim, mas
me senti moralmente constrangido.
O papel da ética e do constrangimento mo-
ral na conduta econômica e social é tema
da economia desde A teoria dos senti-
mentos morais, de Adam Smith (1759). A
literatura econômica tradicional, em par-
ticular a microeconômica, trabalha com a
hipótese do Homem Econômico Racional
(homo sapiens, para não reduzir ao gêne-
ro masculino), que a partir de agora será
designado por HER. A fundamentação
do HER começa com John Stuart Mill e é
consolidada, com a ideia de individualismo
metodológico, por J. A. Schumpeter (Silva,
2002). Schumpeter atribui a esta categoria
o individualismo metodológico, uma função
meramente instrumental. Seu objetivo é
explicar o comportamento coletivo a partir
do individual. Quando esta hipótese não se
aplica, pragmaticamente falando, Schum-
peter abre mão dela. Por exemplo, ele faz
isso para construir sua teoria sociológica
do empreendedor. O HER é uma hipótese
instrumental, de um indivíduo abstrato, ao
qual se acrescenta um algoritmo comporta-
mental: o agente busca maximizar lucro ou
utilidade utilizando os melhores meios pos-
síveis. Neste sentido, a teoria econômica
tradicional utiliza um egoísmo instrumental:
o comportamento dos agentes é visto como
algo voltado à satisfação das necessidades
estritamente individuais. É um “faz de conta”
(as if).
Ao longo do tempo, tanto no ensino de mi-
croeconomia, como no nível da produção e
divulgação científicas, muitos economistas
promoveram uma entropia da informação,
com consequências sobre a formulação
de políticas públicas. Trataram a hipótese
instrumental do HER como uma descrição
do comportamento real, seja lá o que for o
real, das pessoas e como requisito norma-
tivo. Vale dizer que as pessoas devem ser
(must be) egoístas. Racionalidade, como
consistência entre meios e fins, passa a ser
confundida com egoísmo moral. Este tipo de
confusão já foi criticada há tempos (Sem,
1977). Contudo, ela ainda persiste nos livros
que são usados nos cursos de economia e
correlatos, promovendo até mesmo alguns
desvios morais na formação de profissionais,
que são treinados para serem egoístas, para
não terem empatia (Rubinstein, 1977, 2006).
É necessário demarcar uma hipótese com-
portamental instrumental de um preceito mo-
ral a ser seguido, uma regra de conduta a
ser adotada. Uma coisa é fazer de conta que
os agentes são sempre egoístas; outra, que
eles devem (ought to be) sê-lo. Mill conside-
ra que há um certo realismo em supor que,
quando se trata de economia, as pessoas
tendem a ser mais egoístas. Há evidência
sobre isso (álcool gel escasseado, por exem-
plo). Em situações normais e, principalmen-
te, nas limite, de pânico, aparentemente vale
mais o lobo de Hobbes do que os sentimen-
tos morais de Smith. Porém isso não quer
dizer que as pessoas de carne e osso são
sempre egoístas e, muito menos, que devem
ser egoístas, repito (Schefczyk & Peacock,
2010).
No desenho de quase mercados e de contra-
tos, de políticas portanto, economistas costu-
mam supor o HER, pois é mais prudente. Em
geral, há comportamento oportunista. Assim
ocorre quando, por exemplo, pessoas com-
pram mais de um produto do que precisam
por pânico, pois acham que os outros farão
o mesmo. Esse tipo de ação é plenamente
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
7
racional diante de um movimento de mana-
da. Isso não quer dizer que ela é desejável.
Pelo contrário, isso indica falha de mercado
e necessidade de intervenção do governo.
Contudo, há uma literatura relativamente re-
cente, em teoria dos jogos evolucionários,
antropologia econômica e estudos de coo-
peração, que supera estas limitações da te-
oria convencional a partir de um modelo de
comportamento econômico mais realista e
mais geral, que volta aos fundamentos da
economia de Adam Smith de A teoria dos
sentimentos morais.
Parte dessa literatura argumenta, partindo
de evidências arqueológicas, experimentais
e genéticas, que humanos produzem equi-
líbrios cooperativos quando há um grande
número de indivíduos envolvidos numa in-
teração estratégica (Bowles & Gintis, 2013).
O comportamento empático não é somente
explicado por razões egoísticas, como no
dilema de prisioneiro, ou somente por em-
patia com relação às pessoas geneticamen-
te mais próximas. Sim, temos empatia visce-
ral pelos familiares e amigos, mas também
temos alguma por quem não conhecemos.
A própria evolução genética teria colocado
nossa espécie como única ao nos dispor ao
obedecimento de uma ética do bem comum
e dos valores coletivos.
Ao contrário de outras espécies, intrinse-
camente ligadas à lógica da evolução e ao
gene egoísta -- ou, colocando de outra for-
ma, ao algoritmo da evolução --, a nossa
cria valores e instituições endogenamente.
No trabalho, bem como na vida social, nós
punimos o egoísmo extremo, tendemos a
isolar indivíduos que somente pensam em
si como sociopatas e psicopatas. Mas não
somente nesses casos extremos. Quando
vamos numa festa de final de ano, num jan-
tar, e há uma pessoa que sempre pede o
prato mais caro (a conta é dividida pela mé-
dia) ou um indivíduo que sai antes de pagá-
-la, nós encaramos e avaliamos estas pes-
soas negativamente do ponto de vista moral.
Há uma coevolução nossa e das instituições
que criamos, inclusive as informais. Valores
morais ou expectador imparcial de Adam
Smith (Khalil, 2001) podem ser colocados
nesta categoria. Alguns manuais de micro-
economia já incorporam esta ideia (Bowles,
2003).
Ao encontro dessa literatura, há vários arti-
gos acadêmicos, baseados em experimen-
tos, que relacionam sentimentos morais e
interesses materiais. A cooperação não de-
riva somente de interesses egoísticos, mas
de laços de reciprocidade. Essa literatura é
importante, na prática, para o desenho de
contratos implícitos a políticas de microcré-
dito, por exemplo, em que a imposição de
um custo moral, no caso reputacional, pode
ser usada para minimizar a inadimplência de
receptores de crédito. Sim, constrangimen-
tos morais, que coevoluíram com a evolução
biológica da nossa espécie, são fatores re-
levantes na explicação de diversos compor-
tamentos econômicos e têm consequências
práticas na formulação de políticas (Gintis,
Bowles, Boyd, & Fehr, 2005). Experimentos
com crianças, simulando o “jogo do ultima-
to” mostram que, num jogo com repetição,
elas tendem a valorizar moralmente como
melhor a opção de dividir, digamos, gulosei-
mas, de forma mais equitativa entre elas. Há
a percepção de egoísmo entrando em con-
flito com empatia. Neste caso, o colocar-se
no lugar do outro (empatia) leva ao equilí-
brio mais equalitário. Equilíbrio cooperativo
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
8
prevalece sobre o competitivo, ou o “ganha,
ganha” sobre o “ganha muito e perde muito”
.
Na última semana, entre os dias 23 de mar-
ço até dia 27, lembrei-me que uso, com os
alunos de introdução à microeconomia em
administração pública, o jogo do ultimato.
Nada mais epidérmico. Todos os dias vejo
as coletivas de imprensa do governo espa-
nhol, no canal do YouTube do El País. Co-
municação clara, transparente, dura, mas
que sempre vem acompanhada de mensa-
gem de empatia para com os doentes, claro,
mas também para com os profissionais de
saúde, operários de fábricas, motoristas de
ônibus, entregadores de comida e produtos
comprados on line. Isso é importante, pois
as autoridades fazem um discurso que vai
além da empatia pela sua avó, tia avó, ou
seu avô, seus filhos (sim, pois o vírus não
tem preferências) parentes enfim, mas que
valoriza a comunidade, o bem comum e o
outro.
A hipótese, transformada em ideologia, de
HER, de um ser amoral, que não deve se li-
mitar normativamente, não é encarada pela
literatura atual, como vimos acima, como
razoável. Adicionalmente, na formulação de
políticas públicas, pelo paradigma do HER,
devemos somente supor que os indivíduos
são oportunistas e egoístas. Contudo, esta
abordagem, quando se torna uma ideologia,
produz na vida prática das pessoas uma
situação em que a valorização do bem co-
mum, do coletivo, fica em segundo plano e
gera uma deterioração ética (Bowles, 2016).
Incentivos importam para explicar boa parte
da ação econômica, social. Ensinamos isso
aos alunos, da graduação à pós-graduação.
Principalmente quando falamos de regula-
ção de empresas, oligopólios, monopólios
naturais, concorrência. Contudo, bons cida-
dãos ajudam. Bons cidadãos são indivíduos
com auto interesse limitado. Mais uma vez,
a evidência empírica e experimental forne-
ce elementos para combinar aquilo que, no
senso comum, chamamos de civismo, com
interesses individuais.
Quando pensamos em situações como a tra-
gédia dos comuns ou no dilema do prisionei-
ro, agentes meramente guiados por motivos
egoísticos até podem gerar um equilíbrio
cooperativo, dizem assim a teoria e a evi-
dência experimental. Mas a mesma teoria e
a evidência nos mostram que este equilíbrio
é instável. Agentes que limitam seu auto in-
teresse podem gerar equilíbrios cooperati-
vos mais robustos, inibindo, por assim dizer,
estratégias dominantes que os impeliriam à
competição ou à quebra do equilíbrio coope-
rativo.
Cheguei em Madri, pela primeira vez, antes
dessa que seria minha estadia mais prolon-
gada para um sabático, no início de 2019.
Era minha primeira vez na cidade. Passean-
do, eu e minha esposa, com um casal de co-
nhecidos madrilenos, notei algo peculiar: em
várias construções, recém-reformadas e pin-
tadas, bem como na Catedral de Santa Ma-
ria a Real de Almudena que fica em frente ao
Palácio Real, há marcas meio arredondadas
nas paredes, como se fossem buracos sobre
os quais passaram massa mas, ao pintar e
renovar as construções, os buracos, pinta-
dos com uma cor levemente cinza, proposi-
tadamente continuavam evidentes. Perguntei
sobre isso para eles e a resposta foi-me sur-
preendente: eram buracos de bala, sim bala,
rifle, revólver, metralhadoras, da Guerra Civil
Espanhola. Memória, senso de coletividade,
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
9
de dor coletiva.
Comecei a pensar que sociedades mais
igualitárias, em que a maior parte das pes-
soas, inclusive da elite econômica, frequen-
ta escola pública, desenvolve um senso de
empatia e de noção de bem comum e Re-
pública. Lembrei-me do capítulo 5 de Raí-
zes do Brasil (Holanda, 2012), o do Homem
Cordial (HC), conceito tão torturado pela má
interpretação e entropia de informação.
O HC pode ser encarado, numa visão eco-
nômica ou, mais geral, de teoria da escolha
racional, como um agente que confunde o
público com o privado, na medida em que a
paixão invade o espaço da razão.A Repúbli-
ca é o locus onde todos deveriam ser trata-
dos igualmente, de forma abstrata, racional,
pelo Estado. O espaço da família, da casa, é
o da paixão; a rua é o espaço da razão.
Noto, para finalizar este relato, que falta no
Brasil, ao contrário daqui, uma comunica-
ção, nesta crise, mais empática, porém re-
publicana, que reforce o senso de comuni-
dade e bem comum, algo que vai além de
um certo familismo. Porém, suspeito, numa
sociedade muito desigual, em que há nas ci-
dades sistemas informais de apartheid, que
não haja empatia de parte significativa das
elites para com a maioria. Mas, como afirmei
no início deste ensaio, aqui faço somente
uma narrativa, com todas as suas limitações
analíticas, mas com a função de levantar hi-
póteses para pesquisas científicas, a partir
de intuições que vêm das ruas. Nas conclu-
sões, coloco sugestões de pesquisa nesse
sentido e noutros.
CONCLUSÃO
Este paper é um breve ensaio, especulativo,
baseado numa narrativa, portanto, em per-
cepções pessoais. Logo, possui limitações.
Contudo, como afirmado no, seu objetivo
era também levantar algumas hipóteses de
pesquisa empírica, portanto, científica.
Primeiramente, há indicadores indiretos,
proxy, de cooperação na sociedade, tais
como o Trust (https://ourworldindata.org/
trust ) e o GovData360 do World Bank (ht-
tps://govdata360.worldbank.org/indicators/
ha5376100?country=BRA&indicator=41334
&viz=line_chart&years=2017,2019) que po-
dem servir para estudos comparativos en-
tre países, com o intuito de contrapor dados
econômicos e sociais a variáveis que ten-
tam medir, com todas as limitações naturais,
bem comum, propensão à cooperação e ca-
pital social. Em particular, sugiro pesquisas
quantitativas relacionando estes indicadores
à desigualdade, usando-se Gini ou Theil,
para testar a hipótese da antipatia brasileira,
colocada ao final da narrativa acima.
Em segundo lugar, sugiro experimentos
comparados para avaliar empatia entre estu-
dantes de Administração de Empresas, Ad-
ministração Pública e do campo de pública,
Economia, Direito, Saúde Pública, Medicina
e Ciências Sociais. Precisamos avaliar, ao
entrar na graduação, em coorte, como estes
estudantes entram, em termos de valores
morais, empatia, e como eles saem, uma
vez graduados, nesses mesmos termos. Po-
dem-se aplicar questionários psiquiátricos
para avaliar comportamento de psicopatas,
com o intuito de medir empatia e antipatia
no início da graduação e a seu final.
Em terceiro lugar, avaliar como a ética está
sendo abordada em cursos de negócios,
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
10
pois há algo que não coloquei acima na nar-
rativa pessoal, mas que agora coloco. Na
Espanha é impensável ver um executivo,
CEO ou empresário fazer afirmações como
as que observamos no Brasil, sobre conten-
ção da epidemia. Portanto, há espaço para
vasta pesquisa acadêmica sobre formação
ética dos estudantes de Administração em
vários níveis, assim como de executivos e
empresários. Pode-se também pensar em
estudos comparativos internacionais, com a
colaboração entre universidades.
Em quarto lugar, não é uma agenda de
pesquisa, mas de discussão curricular. Pre-
cisamos mudar a forma de ensinar microe-
conomia em cursos de administração e da
área de pública e provavelmente também
trabalhar, de forma mais simples, usando
casos reais e práticos, pois os modelos são
complexos, com o modelo ampliado de co-
evolução.
REFERÊNCIAS
Alexievich, A. (2019). Last witnesses: An oral
history of the children of world war II. New
York, NY: Random House.
Alexievich, A. (2017). The unwomanly face of
war: an oral history of women in world war II.
New York, NY: Random House.
Bowles, S.& Gintis, H. (2013). A cooperati-
ve species: Human reciprocity and its evo-
lution. Princeton, NJ: Princeton University
Press.
Bowles, S. (2003). Microeconomics: Beha-
vior, institutions, and evolution. Princeton,
NJ: Princeton University Press.
Bowles, S. (2016). The moral economy: Why
good incentives are no substitute for good
citizens. New Haven, CT: Yale University
Press.
Gintis, H. Bowles, S., Boyd, R., & Fehr, E.
(eds.) (2005). Moral sentiments and material
interests: The foundations of cooperation in
economic life. Cambridge, MA: MIT Press.
Holanda, S. B. H. (2012). Roots of Brazil.
South Bend, Indiana: Notre Dame University
Press.
Kahneman, D. (2013). Thinking,fast and slow.
New York, New York: Farrar, Straus and Gi-
roux.
Khalil, E. (2001). Adam Smith and three the-
ories of altruism. Recherches économiques
de Louvain, 67(4), 421-435. doi: 10.3917/
rel.674.0421
Klimecki, O., Mayer, S., Jusyte, A., Scheeff,
J., Schönenberg, M. (2016). Empathy pro-
motes altruistic behavior in economic inte-
ractions. Sci Rep 6, 31961. doi: https://doi.
org/10.1038/srep31961
Jones, M. D., Crow, D. A. (2017). How can we
use the ‘science of stories’ to produce persu-
asive scientific stories?. Palgrave Commun.
3, 53. doi: https://doi.org/10.1057/s41599-
017-0047-7.
Nyhan J., Flinn, A. (2016) Why oral history?.
In Computation and the Humanities. Sprin-
ger Series on Cultural Computing. Springer,
Cham.
Rasmussen, D. C. (2017). The infidel and the
professor: David Hume, Adam Smith, and
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
11
the friendship that shaped modern thought.
Princeton, NJ: Princeton University Press.
Rubinstein, A. (2017). Comments on econo-
mic models, economics, and economists:
remarks on economics rules by Dani Rodrik.
Journal of Economic Literature, 55(1): 162-
72. doi: 10.1257/jel.20161408
Rubinstein, A. (2006). Dilemmas of an eco-
nomic theorist. Econometrica, 74(4), 865-
883. Recuperado de www.jstor.org/sta-
ble/3805911
Schefczyk, M., & Peacock, M. (2010). Al-
truism as a thick concept. Economics and
Philosophy, 26(2), 165-187. doi: 10.1017/
S0266267110000180
Sen, A. K. (1977). Rational fools:A critique of
the behavioral foundations of economic the-
ory.Philosophy&PublicAffairs,6(4)317-344.
https://www.jstor.org/stable/2264946?seq=1
Silva, M., F. G. da (2002). A epistemolo-
gia da economia teórica em Schumpeter.
Brazilian Journal of Political Economy. 22
(85) 109-130. http://www.rep.org.br/search.
asp?txt_busca=Marcos+Fernandes+Gon%
C3%A7alves+da+Silva
Smith, A. Theory of moral sentiments (1759,
2010). London, UK: Penguin Classics.
Suzuki, W. A., Feliú-Mójer, M. I., Hasson, U.,
Yehuda, R. & Zarate, J. M. Z. (2018). Dialo-
gues: The science and power of storytelling.
Journal of Neuroscience, 38(44), 9468-
9470. doi: https://doi.org/10.1523/JNEU-
ROSCI.1942-18.2018.
Dados:
Our World in Data: https://ourworldindata.
org/trust
The World Bank, Social Capital, Data Go-
vData360 Indicator, Score on the Social
Capital: https://govdata360.worldbank.org/
indicators/ha5376100?country=BRA&indica
tor=41334&viz=line_chart&years=2017,2019
ARTICLE: A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
1
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND
MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS
PÚBLICAS
UNA NARRATIVA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), AISLAMIENTO Y FUNDAMENTOS MICROECONÓMICOS DE POLÍTICAS
PÚBLICAS
ABSTRACT
This essay aims to propose some hypotheses on economic and social behavior in a health crisis situation. These hypotheses are per-
tinent to the study of public policy formulation. The health crisis treated is that caused by covid-19. The narrated story takes place in
Spain, in particular in Madrid. The method used is that of subjective oral history in the form of a script or partial application of storytell-
ing. The analytical framework used is microeconomic models that deal with the tragedy of the commons, expanded economic behavior
with altruism or limited self-interest. The summarized conclusions are the suggestions of hypotheses to be tested by experimental,
statistical or ethnographic empirical methods.
KEYWORDS: Covid-19, ethics, coevolution, moral sentiments, public policies.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19, ética, coevolução, sentimentos morais, políticas públicas.
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva1
marcos.fernandes@fgv.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4350-9918
1. Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Invited article
Translated version
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.81290
Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
2
RESUMO
Este ensaio tem como objetivo propor algumas hipóteses de estudo sobre o comportamento econômi-
co e social em uma situação de crise sanitária. Estas hipóteses são pertinentes ao estudo de formu-
lação de políticas públicas. A crise sanitária tratada é a causada pelo Covid-19. A história narrada
passa-se na Espanha, em particular em Madri. O método usado é a do relato oral subjetivo na forma
de roteiro ou da aplicação parcial do storytelling. O referencial analítico usado consta de modelos
microeconômicos que lidam com tragédia dos comuns,comportamento econômico ampliado para al-
truísmo ou autointeresse limitado.As conclusões sumarizadas são as sugestões de hipóteses a serem
testadas por métodos empíricos experimentais, estatísticos ou etnográficos.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19, ética, coevolução, sentimentos morais, políticas públicas.
RESUMEN
Este ensayo tiene como objetivo proponer algunas hipótesis de estudio sobre el comportamiento
económico y social en una situación de crisis de la salud. Estas hipótesis son pertinentes para el es-
tudio de la formulación de políticas públicas.La crisis de salud tratada es la causada por covid-19.La
historia narrada tiene lugar en España, en particular en Madrid. El método utilizado es el de informes
orales subjetivos en forma de guion o aplicación parcial de narración de cuentos. El marco analítico
utilizado son modelos microeconómicos que abordan la tragedia de los bienes comunes, el com-
portamiento económico expandido hacia el altruismo o el interés propio limitado. Las conclusiones
resumidas son sugerencias de hipótesis para ser probadas por métodos empíricos experimentales,
estadísticos o etnográficos.
PALABRAS CLAVE: Covid-19, ética, coevolución, sentimientos morales, políticas públicas.
INTRODUCTION
This short paper is an essay. Its goal is to
raise some hypotheses and suggest three
basic research lines that can be subdivided
into several others. These research lines
pertain to public policy and business admin-
istration.
Through a narrative based on a short ac-
count, the essay presents real problems re-
lated to the COVID-19 pandemic in Madrid,
Spain, and approaches a particular part of
the microeconomic literature that works with
a rational action model beyond the Rational
Economic “Man”
.
The methodology is, therefore, partially
based on storytelling. This approach is
aimed at raising problems and issues induc-
tively.
The conclusions, which are the research
suggestions, are investigations on coopera-
tion, empathy and inequality through quan-
titative methods and comparisons between
countries; investigation on students’ empathy
and training in different undergraduate pro-
grams both in the early and final stages of
their programs; and the evaluation of ethics
teaching in business schools.
METHODOLOGY
This essay has a peculiar characteristic.
Starting from the narrative of a story based
on an individual experience, that of the au-
thor, questions related to public policies are
raised regarding both its positive and norma-
tive aspects. Thus, the method used here,
even if in a limited way – because no interlo-
cution is involved, only narration – is storytell-
ing. This analytical framework can be used,
through induction, to explore hypotheses to
be scientifically studied (statistically, through
quantification, case study, experiment or eth-
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
3
nographic immersions), especially when we
deal with objects of great complexity, i.e.,
objects involving a wide interaction of causa-
tion variables simultaneously and over time
(Jones & Crow, 2017 e Suzuki, Feliú-Mójer,
Hasson, Yehuda, & Zarate, 2018).
The narrative presented here reveals the
author’s experience in Spain, more specifi-
cally in Madrid, during the beginning of the
COVID-19 pandemic in 2020. He starts from
his personal experience and builds on the
literature specific to the essay’s central sub-
ject to raise study hypotheses particularly
concerning the Brazilian case. It is worth
noting, however, that the hypotheses to be
raised can apply to any country, community
or society.
These hypotheses concern the study of the
role of altruism, morally limited self-interest,
in economic and social conduct, whether in
crisis contexts or not. During the narrative,
references to the economic literature are pre-
sented on topics related to empathy, coop-
eration and moral feelings.
On the other hand, this essay has charac-
teristics of an oral account, which brings it
closer to the methodology of sources used in
oral history.The problem is that, in oral histo-
ry, there is a separation between the person
rendering the account of events and the per-
son who listens; here, a monologue is devel-
oped. However, even with this limitation, this
type of approach can be considered valid in
the search for inductive evidence.
Nevertheless, accounts from oral history
studies can be an input for developing ana-
lytical hypotheses that can be empirically
tested (Nyhan & Flinn, 2016). In short, they
are food for thought even when they feature
literary characteristics. A reference here is
Alexievich (2017, 2019), whose accounts can
raise study hypotheses not only in history,
but in humanities in general, and behavioral
science in particular.
The narrative herein is also aimed at raising
hypotheses to be empirically studied. There
is an anecdote describing the method used
here. A German philosopher will lock himself
in his study to wonder what the world is like,
what a street market is like, a pharmacy, a
public office, the street; an Anglo-Saxon phi-
losopher will go out in the street, he will visit
the free market (and do some shopping) and
see how the practical, empirical world mani-
fests itself.
David Hume and Adam Smith collected in-
ductive evidence ‘from the street’ first, then
raised hypotheses and formulated theories
(an interesting reference to understand the
method and the reciprocal education of both
Scotsmen is Rasmussen, 2017). My walking
and narrating in this essay will go in that di-
rection.
It is worth making a brief and final observa-
tion concerning method and style: in some
parts of the account, the first-person singular
is used, which is not always desirable for ac-
ademic texts. However, there is a peculiarity
here in that the case was structured from a
personal narrative.Therefore, throughout the
presentation, the text will deliberately oscil-
late between first-person singular narration
and dissertative discourse.
THE STORY
I left São Paulo in early March towards Ma-
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
4
drid. Until then, my knowledge of the epi-
demic came from newspapers and social
media. I did not have a clear idea of what
was really happening, though I knew the se-
verity of the problem due to what was hap-
pening mainly in China and Italy. Upon arriv-
ing at the airport, I intuitively began to notice
the first signs of what was to come. People
with masks, many of them inadequate, as
we know. In general, except for special
masks, these ordinary masks are danger-
ous as they will get damp and facilitate in-
fection, experts say. In addition, those who
should preferentially use them are people
who suspect they have a cold or infection,
as well as healthcare professionals who are
in contact with many people.
However, something I had felt before began
to manifest. On September 11, 2001, 7:30
am, I was in New York and heading to a
breakfast at a restaurant at the top floor of
one of the WTC towers. I need not say what
happened. Obviously, the subway did not
stop at the station, and I ended up in Brook-
lyn, across the river. When I left the subway
and looked up at the blue sky, I noticed a
huge trail of smoke. Something was going
on.
The last time I went to New Orleans, I left the
day before the authorities closed everything
down on account of Katrina. I also had that
feeling of something in the air.Yes, lightning
can strike twice, three or several times in the
same place. In this case, me.
Today, the literature about how we reason to
interpret events in everyday life is vast. We
tend to work with established models, mak-
ing simple correlations between variables.
Even due to evolutionary reasons, some ar-
gue, this is rational (Kahneman, 2013). How-
ever, when our comfort zone is broken, these
models we use to organize events and estab-
lish causalities cease to work. In the estab-
lished literature, it is also argued that we tend
to be Bayesian (Pearl & Mackenzie, 2018),
i.e., when an event repeats, we always think
it will repeat in the future, which is also rea-
sonable from the viewpoint of our evolution. It
turns out that both induction and correlation
have their limits, both for producing scientific
knowledge, which should found, for example,
public policy making, and for solving prob-
lems in the face of adversity.
The study of causality processes is particu-
larly complex in social sciences as in epidem-
ics, in which there are several causal factors
simultaneously at work with time lag. And
these factors can be biological and social.
For this reason, clear and objective commu-
nication on the part of public policy makers,
including politicians, is apparently important
to minimize herd behavior, which translates
into buying masks that will be in short supply
for healthcare professionals, and stocking al-
cohol gel, regardless of whether it may cause
short-term supply deficiency, or disregarding
isolation recommended by epidemiological
literature and experience.
On the other hand, the very nature of an event
like an epidemic, in this case a rampant pan-
demic, apparently creates in people the feel-
ing that many had, according to some histori-
ans, right after the assassination of Archduke
Ferdinand, that the war would come swiftly to
an end.
When I arrived in Madrid, my feeling of what
was happening was also somewhat ambigu-
ous. In the first week of March, life went on
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
5
normally: people going to bars, gyms and
restaurants and walking in the streets. Ma-
drid is a densely populated city, so you al-
ways see lots of people in the streets.
However, the change in this scenario was
quick. By the end of the week, I could see
fewer people in public places, people with
masks and, of course, alcohol gel had van-
ished from drugstores.
The second week of March was the inflec-
tion, both from the viewpoint of my percep-
tion of what was happening, and from that of
authorities’ actions. At the end of that week,
emergency, and subsequently, the social iso-
lation policy were declared, with the closure
of all retail shops except for those related to
food and medicines.And then it started: real-
ity imposed itself.
From the perspective of microeconomic the-
ory and evidence, the phenomenon of short-
age of some products during a catastrophic
event is well established and documented in
the form of examples and cases in introduc-
tory textbooks on economics and microeco-
nomics applied to public policy. There is an
increased demand due to expected short-
age of products, and that increase hits the
inelastic stretch of the supply curve. In other
words, prices start to rise, and there is no
way to supply the market. Eventually, stocks
run out. Contrary to common sense, it is not
greed that drives the prices up – although
middlemen can interfere with the process. At
the industry’s end, there are rising marginal
costs and, therefore, firms will produce more
of the good, e.g., alcohol gel, since its mar-
ket price outweighs the rising marginal costs.
However, contrary to the belief that the mar-
ket can solve everything, in limit-situations,
compensatory public policies should be
used, though not for price control, which cre-
ates a parallel market and does not solve the
problem, but for increasing the product’s sup-
ply by mobilizing the private sector and state
laboratories. In Spain, this was the strategy
initially adopted and it worked. In addition,
there is a substitute for alcohol gel, which is
cleaning vinegar, different from the vinegar
used for seasoning, and whose acetic acid
concentration is high.
From March 16th onwards, when I went out
alone here in Madrid (you are not allowed
to go out unless you are alone) to go to the
supermarket and the drugstore, I would walk
into several stores looking for alcohol gel. It
reappeared, at the same market price – and
there was no price control until then. As a
teacher and researcher of microeconomics
applied to public policy, I already had a prac-
tical example to give to my students. But I
resisted the temptation and bought just one
500-ml bottle. Could I have bought more?
Yes, but I felt morally constrained.
The role of ethics and moral constraint in
economic and social conduct has been a
subject in economics since Adam Smith’s
Theory of Moral Sentiments (1759). The tra-
ditional economic literature, particularly in
microeconomics, works with the hypothesis
of the Rational Economic Man (Homo sapi-
ens, to avoid a reduction to the male gen-
der), which we will henceforth call REM. The
REM was initially built by John Stuart Mill
and consolidated, with the idea of method-
ological individualism, by J. A. Schumpeter
(Silva, 2002). To this category Schumpeter
attributes methodological individualism, a
merely instrumental function. Its role is to
explain the collective behavior based on the
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
6
individual. When this hypothesis does not
apply, pragmatically speaking, Schumpeter
gives it up. For example, he does so to build
his sociological theory of the entrepreneur.
The REM is an instrumental hypothesis of
an abstract individual to which a behavioral
algorithm is added: the agent seeks to maxi-
mize profit or utility by using the best pos-
sible means. In this respect, traditional eco-
nomic theory uses instrumental selfishness:
the behavior of agents is viewed as some-
thing aimed at satisfying strictly individual
needs. It is make believe.
Over time, both in microeconomics teaching
and in terms of scientific output and dissem-
ination, many economists have promoted an
entropy of information with consequences for
public policy making. They treated the REM
instrumental hypothesis as a description of
people’s real behavior, whatever ‘real’ may
be, and as a normative requirement. In other
words, people must be selfish. Rationality as
the consistency between means and ends
is now confused with moral selfishness.
This type of confusion has long been criti-
cized (Sem, 1977). However, it still persists
in textbooks used in economics and related
programs, thus promoting even some moral
deviations in the training of professionals,
who are trained to be selfish and not to have
empathy (Rubinstein, 1977, 2006).
It is necessary to discern between an instru-
mental behavioral hypothesis and a moral
precept to be followed, a rule of conduct to
be adopted. It is one thing to pretend that
agents are always selfish; it is another to say
that they ought to be so. Mill sees some re-
alism in supposing that, when it comes to
economics, people tend to be more selfish.
There is evidence for that (e.g., shortage of
alcohol gel). In normal situations, and espe-
cially in limit ones to the point of panic, appar-
ently Hobbes’ wolf overcomes Smith’s moral
sentiments. However, that does not mean
that flesh-and-blood people are always self-
ish and, much less, that they must be selfish,
I repeat (Schefczyk & Peacock, 2010).
In planning quasi markets and contracts –
therefore, policies –, economists usually as-
sume the REM because it is more prudent. In
general, there is opportunistic behavior. That
is the case when, for example, people buy
more of a certain product than they need out
of panic, because they think others will do the
same. This type of action is completely ratio-
nal in the face of herd movement. That does
not mean that it is desirable. On the contrary,
that indicates market failure and the need for
government intervention.
However, there is a relatively recent literature
on evolutionary game theory, economic an-
thropology and cooperation studies, which
overcomes these limitations of conventional
theory based on a more realistic and more
general model of economic behavior that re-
turns to the fundamentals of Adam Smith’s
economics from his Theory of Moral Senti-
ments.
Part of this literature argues, based on ar-
chaeological, experimental and genetic evi-
dence, that humans produce cooperative
balance when there are a large number of
individuals involved in a strategic interaction
(Bowles & Gintis, 2013). Empathetic behavior
is not only explained by selfish reasons, as in
the prisoner’s dilemma, or only by empathy
towards those who are genetically close to
us. Yes, we have visceral empathy for family
and friends, but we also have some for those
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
7
we don’t know. Genetic evolution itself has
possibly defined our species as unique by
inclining us to obey an ethics of common
good and collective values.
Unlike other species intrinsically linked to
the logic of evolution and the selfish gene
– or, to put it differently, to the algorithm of
evolution – ours creates values and institu-
tions endogenously. At work, as well as in
social life, we punish extreme selfishness,
we tend to isolate individuals who only think
of themselves, such as sociopaths and psy-
chopaths. But not only in these extreme
cases. When we go to a holiday party or a
dinner party, and there is someone who al-
ways orders the most expensive dish (the bill
is divided by the average) or leaves before
paying, we view and evaluate them nega-
tively from a moral perspective. There is a
coevolution between us and the institutions
we create, including informal ones. Adam
Smith’s moral values or impartial spectator
(Khalil, 2001) can be placed in this category.
Some microeconomics manuals already in-
corporate this idea (Bowles, 2003).
In line with this literature, there are several
scholarly papers based on experiments that
relate moral feelings and material interests.
Cooperation does not derive only from self-
ish interests, but from bonds of reciprocity.
This literature is important in practice, for
example, in designing contracts implicit in
microcredit policies, in which the imposition
of a moral cost, i.e., a reputational one, can
be used to minimize default by borrowers.
Indeed, moral constraints, which coevolved
with our species’ biological evolution, are rel-
evant factors in explaining various economic
behaviors and have practical consequenc-
es for policy making (Gintis, Bowles, Boyd,
& Fehr, 2005). Experiments with children
simulating the “ultimatum game” show that,
in a game with repetition, they tend to mor-
ally value as the best option to share, say,
treats, more equitably between them. There
is the perception of selfishness conflicting
with empathy. In this case, putting oneself in
the other’s place (empathy) leads to a more
equitable balance. Cooperative balance pre-
vails over competitiveness, or “win-win” over
“win a lot and lose a lot”
.
Last week, between March 23 and 27, I re-
membered I use the ultimatum game with
my Introduction to Microeconomics in Public
Administration students. Nothing could be
more superficial. I watch Spanish govern-
ment press conferences on El País’YouTube
channel every day. Clear, transparent, tough
communication, yet always accompanied
by a message of empathy for patients, of
course, but also for healthcare professionals,
factory workers, bus drivers, food deliverers
and couriers. That is important, because
authorities are making a speech that goes
beyond empathy for your grandmother, great
aunt, or your grandfather, your children (yes,
the virus has no preferences) to value the
community, the common good and the other.
The REM hypothesis – turned into ideology
– of an amoral being that should not be lim-
ited by norms, is not viewed in the current lit-
erature, as seen earlier, as reasonable.Addi-
tionally, in public policy making, according to
the REM paradigm, we should only assume
individuals to be opportunistic and selfish.
However, when this approach becomes an
ideology, it produces in people’s practical
life a situation in which the common good,
the collectivity, is pushed to the background,
thus causing ethical deterioration (Bowles,
2016).
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
8
Incentives matter to explain much of eco-
nomic and social actions. We teach that to
students, from undergraduate to graduate
programs. Especially when we talk about
regulation of companies, oligopolies, natu-
ral monopolies, competition. However, good
citizens can help. Good citizens are individu-
als with limited self-interest. Again, empiri-
cal and experimental evidence provides el-
ements to combine what in common sense
we call civism with individual interests.
When we think of situations such as the
tragedy of the commons or the prisoner’s
dilemma, agents merely guided by selfish
motives can even generate a cooperative
balance, so we are told by theory and ex-
perimental evidence. But the same theory
and evidence show us that this balance is
unstable. Agents who limit their self-interest
can generate more robust cooperative bal-
ances by inhibiting, so to speak, dominant
strategies that would compel them to com-
petition or to break the cooperative balance.
I arrived in Madrid for the first time, before
this time which would be my longest stay for
a sabbatical, in early 2019. It was my first
time in the city. As I strolled with my wife
and a couple from Madrid, I noticed some-
thing peculiar: in several buildings recently
renovated and painted, as well as in the Al-
muneda Cathedral, which is opposite the
Royal Palace, there are round marks on the
walls, like holes partly smoothed by render
cement and painted a light shade of gray so
as to purposely remain evident. I asked them
what those marks were and the answer was
surprising: they were bullet marks – yes, bul-
lets from rifles, pistols, machine guns, from
the Spanish Civil War. Memory, a sense of
collectivity, of collective pain.
I began to think that more egalitarian soci-
eties, in which most people, including the
economic elite, go to public schools, develop
a sense of empathy and the notion of com-
mon good and Republic [in the sense of the
word’s Latin root, res publica, “public thing”].
I remembered chapter 5 of Raízes do Brasil
(Holanda, 2012) about the Cordial Man (CM),
a concept so tortured by misinterpretation
and information entropy.
The CM may be regarded, from the perspec-
tive of economics or from a more general
perspective of the theory of rational choice,
as an agent that confuses the public and the
private, in that in this agent’s behavior, pas-
sion invades the sphere of reason. The re-
public is the locus where everyone should be
treated equally, in an abstract, rational way
by the State. The sphere of the family, of the
home, is that of passion; the street is the
sphere of reason.
To close this account, I should say that in
this crisis, Brazil, unlike here, lacks a more
empathetic, yet republican communication
that reinforces the sense of community and
common good, something that goes beyond
a certain familialism. However, I suspect, in a
very unequal society whose cities have an in-
formal apartheid system, there is no empathy
from a significant part of the elites towards
the majority. But, as I said at the beginning
of this essay, what I am writing here is just a
narrative, with all its analytical limitations, but
with the purpose of raising hypotheses for
scientific research based on intuitions from
the streets. In the conclusion below, I present
research suggestions in this respect and in
others.
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
9
CONCLUSION
This paper is a short, speculative essay
based on a narrative – therefore, on per-
sonal perceptions. Thus, it has limitations.
However, as said earlier, its goal was also
to raise some empirical, therefore, scientific
research hypotheses.
Firstly, there are proxy indicators of coop-
eration in society, such as Trust (https://
ourworldindata.org/trust) and the World
Bank’s GovData360 (https://govdata360.
worldbank.org/indicators/ha5376100?co
untry=BRA&indicator=41334&viz=line_
chart&years=2017,2019) which can be used
for comparative studies between countries in
order to relate economic and social data with
variables intended to measure, with all natu-
ral limitations, common good, propensity for
cooperation and social capital. In particular, I
suggest quantitative research relating those
indicators to inequality, using Gini or Theil to
test the Brazilian antipathy hypothesis raised
at the end of the above narrative.
Secondly, I suggest comparative experi-
ments to evaluate empathy between stu-
dents of Business Administration, Public
Administration, Economics, Law, Public
Health, Medicine and Social Sciences. We
need to assess, for cohorts of students of
these fields, how they are in terms of moral
values and empathy as they enter their un-
dergraduate programs and as they graduate
from them. Psychiatric questionnaires used
to assess psychopath behavior can be ad-
ministered in order to measure empathy and
antipathy both at the beginning and the end
of these undergraduate programs.
Thirdly, I also suggest evaluating how ethics
is being addressed in business programs,
since there is something I did not say in the
narrative above, but I do now. In Spain, it
is unthinkable to see an executive, CEO or
businessperson making statements like the
ones we hear in Brazil about containing the
epidemic. Therefore, there is room for exten-
sive academic research on the ethical edu-
cation of business students at various levels,
as well as of executives and businessper-
sons. Comparative studies between coun-
tries, involving collaboration between univer-
sities, can also be considered.
Fourthly, a curricular discussion, and not just
a research agenda, is in order. We need to
change the way we teach microeconomics in
administration and public administration pro-
grams. We should probably also work in a
simpler way, using real and practical cases,
since models are complex, with the expand-
ed coevolution model.
REFERENCES
Alexievich, A. (2019). Last witnesses: An oral
history of the children of world war II. New
York, NY: Random House.
Alexievich, A. (2017). The unwomanly face of
war: an oral history of women in world war II.
New York, NY: Random House.
Bowles, S.& Gintis, H. (2013). A cooperati-
ve species: Human reciprocity and its evo-
lution. Princeton, NJ: Princeton University
Press.
Bowles, S. (2003). Microeconomics: Beha-
vior, institutions, and evolution. Princeton,
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva
10
NJ: Princeton University Press.
Bowles, S. (2016). The moral economy: Why
good incentives are no substitute for good
citizens. New Haven, CT: Yale University
Press.
Gintis, H. Bowles, S., Boyd, R., & Fehr, E.
(eds.) (2005). Moral sentiments and material
interests: The foundations of cooperation in
economic life. Cambridge, MA: MIT Press.
Holanda, S. B. H. (2012). Roots of Brazil.
South Bend, Indiana: Notre Dame University
Press.
Kahneman, D. (2013). Thinking, fast and
slow.New York, New York: Farrar, Straus and
Giroux.
Khalil, E. (2001). Adam Smith and three the-
ories of altruism. Recherches économiques
de Louvain, 67(4), 421-435. doi: 10.3917/
rel.674.0421
Klimecki, O., Mayer, S., Jusyte, A., Scheeff,
J., Schönenberg, M. (2016). Empathy pro-
motes altruistic behavior in economic inte-
ractions. Sci Rep 6, 31961. doi: https://doi.
org/10.1038/srep31961
Jones, M. D., Crow, D.A. (2017). How can we
use the ‘science of stories’ to produce persu-
asive scientific stories?. Palgrave Commun.
3, 53. doi: https://doi.org/10.1057/s41599-
017-0047-7.
Nyhan J., Flinn, A. (2016) Why oral history?.
In Computation and the Humanities. Sprin-
ger Series on Cultural Computing. Springer,
Cham.
Rasmussen, D. C. (2017). The infidel and the
professor: David Hume, Adam Smith, and
the friendship that shaped modern thought.
Princeton, NJ: Princeton University Press.
Rubinstein, A. (2017). Comments on econo-
mic models, economics, and economists:
remarks on economics rules by Dani Rodrik.
Journal of Economic Literature, 55(1): 162-
72. doi: 10.1257/jel.20161408
Rubinstein, A. (2006). Dilemmas of an eco-
nomic theorist. Econometrica, 74(4), 865-
883. Recuperado de www.jstor.org/sta-
ble/3805911
Schefczyk, M., & Peacock, M. (2010). Al-
truism as a thick concept. Economics and
Philosophy, 26(2), 165-187. doi: 10.1017/
S0266267110000180
Sen, A. K. (1977). Rational fools: A critique of
the behavioral foundations of economic the-
ory. Philosophy & Public Affairs, 6(4) 317-344.
https://www.jstor.org/stable/2264946?seq=1
Silva, M., F. G. da (2002). A epistemologia da
economia teórica em Schumpeter. Brazilian
Journal of Political Economy. 22 (85) 109-
130. http://www.rep.org.br/search.asp?txt_bu
sca=Marcos+Fernandes+Gon%C3%A7alve
s+da+Silva
Smith, A. Theory of moral sentiments (1759,
2010). London, UK: Penguin Classics.
Suzuki, W. A., Feliú-Mójer, M. I., Hasson, U.,
Yehuda, R. & Zarate, J. M. Z. (2018). Dialo-
gues: The science and power of storytelling.
Journal of Neuroscience, 38(44), 9468-
9470. doi: https://doi.org/10.1523/JNEUROS-
CI.1942-18.2018.
A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020
11
Dados:
Our World in Data: https://ourworldindata.
org/trust
The World Bank, Social Capital, Data Go-
vData360 Indicator, Score on the Social
Capital: https://govdata360.worldbank.org/
indicators/ha5376100?country=BRA&indica
tor=41334&viz=line_chart&years=2017,2019

Mais conteúdo relacionado

PDF
Governança de T.I. em entidades Públicas
PDF
Infolocal: Um Estudo de Caso dos Limites e Potencialidades de um Sistema de I...
PDF
Governança eletrônica móvel no Brasil - Clad 2012
PDF
Gamificação para o fortalecimento da cidadania: uma análise da SWAPP mGOV2
PDF
Gamificação para o fortalecimento da cidadania: uma análise do Swapp mGov2
PDF
Projeto
PDF
Fatores Criticos de SUcesso
PDF
Interrogando plataformas e algoritmos digitais
Governança de T.I. em entidades Públicas
Infolocal: Um Estudo de Caso dos Limites e Potencialidades de um Sistema de I...
Governança eletrônica móvel no Brasil - Clad 2012
Gamificação para o fortalecimento da cidadania: uma análise da SWAPP mGOV2
Gamificação para o fortalecimento da cidadania: uma análise do Swapp mGov2
Projeto
Fatores Criticos de SUcesso
Interrogando plataformas e algoritmos digitais

Semelhante a Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 80 – jan/abr 2020 (20)

PDF
mGOV2: ENVOLVIMENTO DO CIDADÃO NO DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM O...
PDF
PROJETO MGOV2 - ENVOLVIMENTO DO CIDADÃO NO DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLI...
PDF
governo eletronico - introducao
PPT
e-Gov colaborativo como ferramenta para promoção de transparência pública
PDF
“Muro baixo, o povo pula”: iniciativas institucionais de participação digita...
PDF
Revisitando a Oferta de Serviços via Internet - Oportunidades para o Setor P...
PDF
ELEIÇÃO DIRETA DIGITAL INTERNACIONAL - ED²I: uso das ferramentas Web 2.0 com ...
PDF
Um ensaio sobre as principais barreiras em acoes de governo movel - Conferenc...
PPT
As Redes Sociais E A ComunicaçãO Organizacional A UtilizaçãO De MíDias Digita...
PDF
Gestão pública 2
PDF
2012 epistemologia para um estado em tempo real - luis vidigal 1
PPTX
Plataforma Aquarius: e-Gov para Governança Pública em CT&I
PDF
Redes Sociais Corporativas: Uma Proposta de Análise de Competências Como Ferr...
PDF
Revisão do Governo Digital no Brasil
PDF
Cidades Inteligentes - Civic Hacking - Open Data
PPT
DINÂMICA DE RELACIONAMENTO ENTRE ATORES DE PROJETOS GOVERNAMENTAIS: O CASO D...
PDF
EleiçãO Direta Digital 39 J A I I O S S I
PDF
Tecnicas de analise de redes sociais em apoio a gestão de riscos de segurança...
PDF
Big Data aplicado a Cidades Inteligentes
PDF
DADOS ABERTOS GOVERNAMENTAIS NA TOMADA DE DECISÃO BASEADA EM EVIDÊNCIA: UM ES...
mGOV2: ENVOLVIMENTO DO CIDADÃO NO DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM O...
PROJETO MGOV2 - ENVOLVIMENTO DO CIDADÃO NO DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLI...
governo eletronico - introducao
e-Gov colaborativo como ferramenta para promoção de transparência pública
“Muro baixo, o povo pula”: iniciativas institucionais de participação digita...
Revisitando a Oferta de Serviços via Internet - Oportunidades para o Setor P...
ELEIÇÃO DIRETA DIGITAL INTERNACIONAL - ED²I: uso das ferramentas Web 2.0 com ...
Um ensaio sobre as principais barreiras em acoes de governo movel - Conferenc...
As Redes Sociais E A ComunicaçãO Organizacional A UtilizaçãO De MíDias Digita...
Gestão pública 2
2012 epistemologia para um estado em tempo real - luis vidigal 1
Plataforma Aquarius: e-Gov para Governança Pública em CT&I
Redes Sociais Corporativas: Uma Proposta de Análise de Competências Como Ferr...
Revisão do Governo Digital no Brasil
Cidades Inteligentes - Civic Hacking - Open Data
DINÂMICA DE RELACIONAMENTO ENTRE ATORES DE PROJETOS GOVERNAMENTAIS: O CASO D...
EleiçãO Direta Digital 39 J A I I O S S I
Tecnicas de analise de redes sociais em apoio a gestão de riscos de segurança...
Big Data aplicado a Cidades Inteligentes
DADOS ABERTOS GOVERNAMENTAIS NA TOMADA DE DECISÃO BASEADA EM EVIDÊNCIA: UM ES...
Anúncio

Mais de FGV | Fundação Getulio Vargas (20)

PDF
GVcasos - Vol. 12, n. especial – Tecnologia Social 2022
PDF
GVcasos - Vol. 12, n. 1 - jan/jun 2022
PDF
GVcasos - Vol. 11, n. 2 - jul/ago 2021
PDF
GVcasos - Vol. 11, n. 1 - jan/jun 2021
PDF
GVcasos - Vol. 10, n. 2 - jul/ago 2020
PDF
GVcasos - Vol. 10, n. 1 - jan/jun 2020
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 26, n. 85 – set/dez 2021
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 26, n. 84 – maio/ago 2021
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 26, n. 83 – jan/abr 2021
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 82 – set/dez 2020
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 81 – maio/ago 2020
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 24, n. 79 – set/dez 2019
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 24, n. 78 – maio/ago 2019
PDF
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 24, n. 77 – jan/abr 2019
PDF
GVcasos - Vol. 9, n. 2 - jul/dez 2019
PDF
GV-executivo, vol. 18, n. 6, novembro-dezembro 2019
PDF
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
PDF
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
PDF
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
PDF
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
GVcasos - Vol. 12, n. especial – Tecnologia Social 2022
GVcasos - Vol. 12, n. 1 - jan/jun 2022
GVcasos - Vol. 11, n. 2 - jul/ago 2021
GVcasos - Vol. 11, n. 1 - jan/jun 2021
GVcasos - Vol. 10, n. 2 - jul/ago 2020
GVcasos - Vol. 10, n. 1 - jan/jun 2020
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 26, n. 85 – set/dez 2021
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 26, n. 84 – maio/ago 2021
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 26, n. 83 – jan/abr 2021
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 82 – set/dez 2020
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 81 – maio/ago 2020
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 24, n. 79 – set/dez 2019
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 24, n. 78 – maio/ago 2019
Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 24, n. 77 – jan/abr 2019
GVcasos - Vol. 9, n. 2 - jul/dez 2019
GV-executivo, vol. 18, n. 6, novembro-dezembro 2019
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
RAE-Revista de Administração de Empresas (Journal of Business Management), 20...
Anúncio

Último (20)

PPTX
Ciências da Natureza e suas áreas de desenvolvimento
PPTX
Noções de Saúde e Segurança do Trabalho.pptx
PPTX
Lição 8 EBD.pptxtudopossonaquelequemimfortalece
PDF
A provisão de jojuador (ramadã) islamismo
PPTX
Filosofia Ocidental Antiga 2025 - versão atualizada
PPTX
INDÚSTRIA_ Histórico da industrialização.pptx
PPTX
ELEMENTOS E FUNÇÕES DE LINGUAGEM (EMOTIVA, REFERENCIAL, CONATIVA, POÉTICA, FÁ...
PPTX
MENDEL - Aula sobre Mendel - Genética EM
PDF
A Revolução Francesa de 1789 slides história
PPT
História e Evolução dos Computadores domésticos
DOCX
Mapa da América Central Colonial - Metrópoles e Colônias.docx
PDF
aulademeiodetransporteemlibras-120304202807-phpapp01_removed.pdf
DOCX
Mapa das Américas Colonial Completo.docx
PPTX
Grandes problemas da humanidade: pobreza, desemprego e desigualdade e sua rel...
PPTX
16. MODERNISMO - PRIMEIRA GERAÇÃO - EDIÇÃO 2021 (1).pptx
PPTX
GUERRAFRIA.pptdddddddddddddddddddddddddx
PDF
CARTÕES DIA DOS ESTUDANTES MORANGO DO AMOR.pdf
PPTX
Aula 13 - Tópico Frasal - Argumentação.pptx
PDF
GESTÃO DA FASE PRÉ-ANALÍTICA- Recomendações da SBPC-ML (3).pdf
PDF
Primeiros socorros - primeiro encontro.pdf
Ciências da Natureza e suas áreas de desenvolvimento
Noções de Saúde e Segurança do Trabalho.pptx
Lição 8 EBD.pptxtudopossonaquelequemimfortalece
A provisão de jojuador (ramadã) islamismo
Filosofia Ocidental Antiga 2025 - versão atualizada
INDÚSTRIA_ Histórico da industrialização.pptx
ELEMENTOS E FUNÇÕES DE LINGUAGEM (EMOTIVA, REFERENCIAL, CONATIVA, POÉTICA, FÁ...
MENDEL - Aula sobre Mendel - Genética EM
A Revolução Francesa de 1789 slides história
História e Evolução dos Computadores domésticos
Mapa da América Central Colonial - Metrópoles e Colônias.docx
aulademeiodetransporteemlibras-120304202807-phpapp01_removed.pdf
Mapa das Américas Colonial Completo.docx
Grandes problemas da humanidade: pobreza, desemprego e desigualdade e sua rel...
16. MODERNISMO - PRIMEIRA GERAÇÃO - EDIÇÃO 2021 (1).pptx
GUERRAFRIA.pptdddddddddddddddddddddddddx
CARTÕES DIA DOS ESTUDANTES MORANGO DO AMOR.pdf
Aula 13 - Tópico Frasal - Argumentação.pptx
GESTÃO DA FASE PRÉ-ANALÍTICA- Recomendações da SBPC-ML (3).pdf
Primeiros socorros - primeiro encontro.pdf

Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) – Vol. 25, n. 80 – jan/abr 2020

  • 2. ARTIGO: ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo |v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 1 ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR SOCIOMATERIALITY ANALYSIS OF INFORMATION TECHNOLOGY USE IN PUBLIC SERVICE COPRODUCTION: THE CAR DRIVING SIMULATOR CASE ANÁLISIS DE LA SOCIOMATERIALIDAD DEL USO DE TI EN COPRODUCCIÓN DE SERVICIO PÚBLICO: EL CASO DEL SIMULADOR DE DIRECCIÓN VEHÍCULAR RESUMO Ferramentas de tecnologia da informação (TI) têm sido apropriadas por governos em diferentes caminhos, por exemplo, para melho- rar seus processos internos e efetuar atendimentos ao cidadão via web, todavia novas ferramentas de TI também têm sido utilizadas em coprodução de serviços públicos, como é o caso do Simulador de Direção Veicular (SDV), que é usado dentro do processo de habilitação de condutores (CNH). Essas novas relações precisam ser estudadas para explicar a sociomaterialidade, as relações de poder, interesses e limitações que delas decorrem. Para tal, identifica-se que o SDV é adotado dentro de um contexto governamental, e sua execução depende do cidadão (coprodução de serviço público). Para atingir os objetivos desta pesquisa, utilizam-se a análise sociomaterial e a análise crítica do discurso, e, paralelamente, consideram-se as perspectivas institucionais das organizações e as teo- rias de governo eletrônico. Os resultados explicam o material e social, sua imbricação, limites, ideologias e os interesses dos atores, bem como estes lidam com as regras existentes para atender aos seus interesses e as relações de poder existentes, dentro de uma perspectiva do realismo crítico. PALAVRAS-CHAVE: Governo eletrônico, sociomaterialidade, teoria institucional das organizações, análise crítica do discurso, simula- dor de direção veicular, trânsito Dênis Alves Rodrigues1 [email protected] http://orcid.org/0000-0002-8162-7651 Leonardo Rossatto Queiroz2 [email protected] http://orcid.org/0000-0003-4639-8344 Tarcila Peres Santos1 [email protected] http://orcid.org/0000-0001-5954-0798 Fernando Souza Meirelles1 [email protected] http://orcid.org/0000-0002-0631-9800 1 Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil 2 INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, SP, Brasil Submetido 05.12.2018. Aprovado 03.12.2019 Avaliado pelo processo de double blind review DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.77753 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 3. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 2 ABSTRACT InformationTechnology (IT) tools have been appropriated by governments in a variety of ways,such as improving their internal processes and providing citizen services over the web (e-services). However, new IT tools have also been used in processes as the case of the Car Driving Simulator (CDS),which is used in the process to learn how to drive,which allows citizens to drive cars.These new relationships need to be studied to explain the imbrications,interests,and constraints that flow from them,thus going beyond the constraints and qualifications of IT in government.Thus,it is identified that CDS is adopted within a government context, and its execution depends on the citizen (co-production of public ser- vice).For this analysis,we use the sociomateriality,which has been used to understand the relationship between material and social, and we consider the institutional perspectives of organizations and e- Gov for analysis.To achieve the objectives,we use the Critical Discourse Analysis to examine the data and explain the sociomateriality that emerges from the use of the CDS.The results explain the imbri- cations, limits, and interests of the actors, as well as dealing with existing rules to meet their interests. KEYWORDS: Electronic government, sociomateriality, institutional theory of organizations, critical dis- course analysis, car driving simulator, transit RESUMEN Las herramientas de tecnología de la información (TI) han sido apropiadas por gobiernos en diver- sos caminos, tales como para mejorar sus procesos internos y efectuar atendimientos al ciudadano vía web (e-servicios públicos), sin embargo, nuevas herramientas de TI también se han utilizado en procesos de coproducción de servicios públicos,como el caso del Simulador de Dirección Vehicular (SDV), que se utiliza dentro del proceso de habilitación de conductores, el cual finalizado, permite a los ciudadanos conducir automóviles.Estas nuevas relaciones necesitan ser estudiadas para explicar la imbricación,los intereses y las limitaciones que de ellas se derivan,por lo tanto,más allá de las limi- taciones y las habilitaciones de TI en el gobierno.Para esto,se identifica que el SDV se adopta dentro de un contexto gubernamental, y su ejecución depende del ciudadano (coproducción del servicio público). Para este análisis se utiliza la teoría de la sociomaterialidad, que ha sido utilizada para la comprensión de la relación entre material y social, y se considera las perspectivas institucionales de las organizaciones y e-Gov para el análisis. Para alcanzar los objetivos, utilizamos el Análisis Crítico del Discurso para examinar los datos y explicar la imbricación que emerge del uso del Simulador de Dirección Vehicular (SDV).Los resultados explican la imbricación,los límites y los intereses de los ac- tores, así como éstos se ocupan de las reglas existentes para atender sus intereses. PALABRAS CLAVE:Gobierno electrónico,sociomaterialidad,teoría institucional de las organizaciones, análisis crítico del discurso, simulador de dirección vehicular, tráfico INTRODUÇÃO Governos têm se apropriado de novas tec- nologias da informação (TI) e as adotado com diversas finalidades, tais como melho- rar seus processos internos e o atendimen- to ao cidadão, todavia novos artefatos de TI também estão sendo utilizados na coprodu- ção de serviços públicos, como no caso do simulador de direção veicular (SDV) (equi- pamento de TI composto por hardware e software que utiliza recursos de simulação e realismo), que é usado no processo para se obter a autorização para dirigir veículos automotores (CNH) no Brasil. Essas novas formas de adoção de tecno- logia pelo governo precisam ser estudadas para compreender sua relação, na prática, bem como os interesses e relações de poder existentes entre os atores envolvidos, princi- palmente pelo governo e cidadão. Assim, a questão desta pesquisa é: Qual é a imbrica- ção (sociomaterialidade), limites, interesses, relação de poder e ideologias na relação en- tre material e social, quando da utilização do SDV? Alguns estudos sobre o uso de TI em orga- nizações analisam a estruturação que delas decorre a partir da interação recursiva entre pessoas e tecnologias (Orlikowski, 2000), análise essa que também foi aplicada em ambientes governamentais (Heinze & Hu,
  • 4. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 3 2005; Iasbech & Lavarda, 2018).Todavia crí- ticas foram efetuadas a esses modelos (Le- onardi, 2013), gerando uma nova forma de análise: a sociomaterialidade. Esse tipo de análise contribui por ajudar a compreender a prática da relação, considerando material e social e sua imbricação (Leonardi, 2013), ou seja, reconhece que o material e social exis- tem anteriormente a sua relação e desenvol- vem o modelo dentro de uma perspectiva do realismo crítico. Por conta do contexto, adotou-se, também, a análise crítica do discurso (ACD), que per- mite compreender a relação a partir de dois níveis de análise: o micro (texto) e o macro (estrutura) (Fairclough, 1985), os quais se coadunam com a proposta sociomaterial, considerando que ambos baseiam-se no re- alismo crítico e pelo fato de a ACD ajudar a entender o fenômeno de uma forma críti- ca, considerando a interpretação necessá- ria dos documentos e a compreensão dos atores envolvidos (discurso), findando no desenvolvimento de um modelo multipara- digmático (Amboni, Caminha, Andrade, & Fernandes, 2017), pois a complexidade do fenômeno a ser estudado, bem como os ob- jetivos da pesquisa, o requer. Adicionalmente, para explicar essa relação dentro de coprodução de serviços públicos, onde há relevante participação no cidadão na sua execução (Voorberg, Bekkers & Tum- mers, 2015), utilizam-se as teorias sobre uso de TI na administração pública, com foco no governo brasileiro, as quais não só permi- tem a contextualização na qual se dá a ado- ção, mas também colaboram para a com- preensão de sua forma. Por fim, adota-se a análise institucional das organizações, que contribui para a compreensão do fenômeno estudado. Como fonte de dados, foram utilizadas en- trevistas, observação não participante (au- las em SDV) e análise de documentos (re- gulamentações, lei e artigos), o que permitiu compreender e analisar a imbricação por várias perspectivas. A partir da análise, foi possível compreender que, na relação entre cidadão e artefato de TI (SDV), em um ambiente regulamentado pelo governo (trânsito), a agência do cida- dão é limitada, bem como sua possibilidade de customização do serviço, o que impacta o resultado da coprodução do serviço pú- blico e, ainda, gera a necessidade da co- laboração de outros atores institucionais e governamentais. Por outro lado, embora os cidadãos não percebam agregação de valor para si, no uso do artefato de TI, eles acham interessante trocar aulas práticas de carro por aulas em SDV, pois isso agilizar o pro- cesso, reforçando que, nesse caso, o foco é conseguir a autorização para dirigir (CNH), e não necessariamente aprender a dirigir, ou seja, os atores conhecem as regras e as manipulam para atender a seus interesses e objetivos, resultando em uma sociomate- rialidade. Portanto, esta pesquisa ajuda a preencher um gap de estudos relacionados ao uso de TI em serviços públicos, pois a maioria de- les faz sua análise a partir da oferta do ser- viço, havendo escassez de pesquisas sobre a interação entre cidadão e governo (Araujo et al., 2018). USO DE TECNOLOGIA NA ADMINISTRA- ÇÃO PÚBLICA: FOCO NO CASO BRASI- LEIRO
  • 5. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 4 Quando é feita menção aos estudos sobre governos e sua relação com TI é importante compreender que o modelo de administra- ção pública existente impacta as formas de sua adoção, pois governo eletrônico trata da relação do próprio governo com os ci- dadãos e com seu próprio desenvolvimento (Przeybilovicz et al., 2018). Em Cunha (2017), quando estuda casos de smart city no Brasil, verifica-se que alguns modelos tiveram como ponto de partida o modelo de administração pública do New Public Management (NPM), o qual focava a aproximação com os ideais da administra- ção de empresas, portanto conceitos como eficiência, eficácia e competitividade foram trazidos para os governos (Filgueiras, 2018; Pollitt & Bouckaert, 2011; Puron-Cid, 2013; Secchi, 2009). A autora também verifica que um dos ca- sos focava mais a egovernance; neste, procurou-se usar a internet para tornar as atividades do Estado mais eficazes, forne- cendo acesso fácil aos serviços públicos e incentivando a participação democrática dos cidadãos (Cunha, 2017). As práticas de egovernance estão, também, fortemente vinculadas ao modelo do New Public Go- vernance (NPG), que possui o foco em me- lhoria da relação democrática entre governo e sociedade e também entre os próprios go- vernos (Filgueiras, 2018; Pollitt & Bouckaert, 2011; Secchi, 2009). Apesar de os modelos de NPM e NPG te- rem influenciado a gestão pública brasilei- ra nas últimas décadas, ainda observamos uma forte preocupação com o controle das ações governamentais, normalmente exer- cido pelas áreas financeira e orçamentária (Filgueiras, 2018), ainda que se utilizem de ferramentas deTI, como no caso de licitações eletrônicas (Abrucio, 2007) e do orçamento público (Puron-Cid, 2013), ou seja, para a criação de rotinas de controle, demonstran- do que ainda coexiste uma lógica burocrática (Filgueiras, 2018), mesmo que o uso siste- mático de ferramentas de TI contribua para tornar essa mesma burocracia tradicional mais eficiente, profissional e acessível ao cidadão (Hossain et al., 2011; Rodrigues & Lotta, 2017; Przeybilovicz et al., 2018;). Isso é importante, pois o contexto onde as tecnolo- gias são incorporadas é relevante (Przeybilo- vicz et al., 2018; Puron-Cid, 2013), inclusive para os casos brasileiros (Pozzebon & Diniz, 2012). Para melhor compreender e classificar as formas de adoção de TI por governos, criou- -se o termo e-governança ou e-gov, conceito que foi dividido em três categorias: e-admi- nistração pública (utilização das ferramentas de TI para melhoria de processos internos, apoio para a tomada de decisão, entre ou- tros); e-serviços públicos (melhoria da pres- tação de serviços públicos ao cidadão, utili- zando-se ferramentas de TI); e e-democracia (foco em melhoria da participação social nos governos, transparência e accountability, também a partir do uso de TI) (Cunha & Mi- randa, 2013; Vaz, 2017; Przeybilovicz et al., 2018;). Essa categorização inicial é relevante por dar conta de um amplo espectro de for- mas de adoção de TI em governo, o que co- labora, principalmente, para fins analíticos, pois, na prática, essa divisão pode não ser tão clara. Importante perceber que o modelo e-servi- ços públicos procura mudar o foco, saindo
  • 6. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 5 de uma visão estadocêntrica (uso de TI para melhoria dos processos internos do gover- no) para um formato em que o cidadão é colocado no centro das preocupações, que é um dos principais pontos de utilização de e-governo em países em desenvolvimento, o qual visa aumentar a eficiência dos pro- cessos e dar maior comodidade ao cidadão, por meio do aperfeiçoamento da prestação de serviços (Johnston, Jali, Kundaeli, & Ade- nira, 2015; Rodrigues & Lotta, 2017). Uma das formas de avançar no debate sobre e-serviços públicos é analisar aqueles onde exista uma grande interação entre o cida- dão e a tecnologia, ou seja, enxergar como uma coprodução de serviço público (CSP) (Neto, Salm, & Souza, 2014; Voorberg et al., 2015) e como uma imbricação, o que difere do uso de TI para disponibilizar informações e serviços públicos via internet (Araujo et al., 2018), por exemplo. Portanto, analisar o uso de TI em CSP signi- fica compreender que a participação do usu- ário final (cidadão) é essencial para o resul- tado do serviço público e que essa interação pode contribuir para a cocriação de valor pú- blico (Osborne, Radnor, & Strokosch, 2016). A SOCIOMATERIALIDADE E O USO DE TECNOLOGIA Pesquisadores da área de Management In- formation System (MIS) têm se utilizado da sociomaterialidade para analisar a relação entre tecnologia da informação (material) e social (Leonardi, 2013; Orlikowski, 2007). Essa forma de análise dos fenômenos em questão aparece como contraponto às vi- sões tradicionais positivistas da tecnologia em organizações, quando eram vistas como uma variável exógena (foco na agência de materiais) ou vista como um processo emer- gente, focado na agência humana (Orliko- wski, 1992, 2000). Nessa linha de pesquisa, os fenômenos de tecnologia são vistos através de uma lente de recursividade e entrelaçamento de seres humanos e tecnologia na prática (Orliko- wski, 2007). A sociomaterialidade compre- ende que a tecnologia e os seres humanos são ontologicamente inseparáveis na práti- ca (Orlikowski, 2007, 2009), que se opõe a uma ontologia dualística, como em Orliko- wski (1992). O foco está na constituição do emaranha- mento entre seres humanos e tecnologia (Barad, 2003; Pickering, 1995). Nessa visão, os sistemas de informação constituem confi- gurações sociomateriais dinâmicas que são performadas na prática (Scott & Orlikowski, 2009). O movimento sociomaterial (Leonar- di, 2013; Orlikowski, 2007, 2009) fortaleceu a teorização de artefatos de TI na prática. Foram desenvolvidas basicamente duas formas de analisar o intercâmbio recursivo entre social e técnico (Pacheco, 2018): ou como entidades já existentes previamente ou como criadas a partir de sua relação na prática. Essas duas possiblidades dão ori- gem a duas escolas ontológicas distintas: a dos imbrications e a dos entanglements (Kautz & Jensen, 2012; Stein, Newell, Wag- ner, & Galliers, 2014). A escola de entanglements (ou constituti- ve entanglements) é baseada na ontologia do relacional e na inseparabilidade do social e do material ou de humanos e tecnologia (Orlikowski, 2007). Essa escola está ali-
  • 7. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 6 nhada com o realismo agencial de Barad e também com a Actor-Network Theory (ANT) (Callon, 1986; Latour, 2005). A outra escola é a da imbrications (imbri- cação), baseada na ontologia represen- tacional que aceita a separação entre so- cial e material, os quais se relacionam por meio de imbrications. Imbrications não são entanglements, mas sobreposições das identidades já existentes (Leonardi, 2011). Essa escola está alinhada com a linha de realismo crítico de Bhaskar (1998) e com a de Mangle of Practice (MOP) de Pickering (1995). No entanto, a perspectiva sociomaterial, aplicada em publicações recentes – com foco em recursos humanos e agência mate- rial, percepções individuais, intencionalida- de e contextos idiossincráticos locais – tem subestimado o papel das estruturas e insti- tuições em influenciar a adoção, uso, apro- priação e efeitos de TI nas organizações. Os contextos locais estão sempre incorpo- rados em contextos históricos, culturais e institucionais (Bourdieu & Wacquant, 1992). Assim, a natureza mutuamente constitutiva de qualquer “construção” sociomaterial está enraizada nas experiências dos indivíduos, nas estruturas organizacionais e nas de- pendências mais amplas da cultura e do ca- minho. As regularidades que influenciam a natureza das práticas sociomateriais – e si- multaneamente resultam dessas represen- tações – podem ser abordadas, pelo menos em parte, por uma perspectiva institucional (Orlikowski & Barley, 2001). O institucionalismo organizacional fornece uma lente teórica que permite explicar as relações entre práticas e contextos organi- zacionais, culturais e sociais (Orlikowski & Barley, 2001). No nível básico, as instituições são definidas como procedimentos orga- nizados e estabelecidos que são continua- mente reforçados por meio da reencenação, persistem ao longo do tempo, e, portanto, são discursos (Berger & Luckmann, 1991). O conceito de lógica institucional conceitua a ligação de instituições mais amplas (nos níveis organizacional e social) às práticas in- dividuais. Em suma, a coconstituição do social e do material está situada em um contexto orga- nizacional que pode ser descrito por várias lógicas institucionais (Berente & Yoo, 2012; Thornton & Ocasio, 2008). Assim, os indiví- duos (re)interpretam TI à luz de objetivos, premissas e identidades específicas que de- finem a lógica que eles utilizam, percebendo, assim, para que o sistema pode ser usado (Chemero, 2003). Portanto, as tecnologias proporcionam diferentes práticas situadas à medida que os usuários recorrem a diferen- tes lógicas institucionais. Dessa forma, combinam-se duas linhas emergentes em sistemas de informação. Por um lado, a tradição sociomaterial concentra- -se em locais, prática situada e enfatiza a materialidade das TI. A tradição da lógica institucional, por outro lado, concentra-se em contextos institucionalmente plurais e des- taca como as regularidades podem ser ex- plicadas por meio do desenho e encenação de um repertório de roteiros. A conceituação proposta permite que o material seja incluído nas análises institucionais e no contexto ins- titucional dentro de análises sociomateriais. Por conta das questões apontadas anterior-
  • 8. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 7 mente, esta pesquisa adota o modelo da imbrications (baseada no realismo crítico), por entender que ele permite maior atenção ao material (equipamento de TI) e, também, pelo fato de esse modelo considerar melhor o fator tempo (Leonardi, 2013), ambos cru- ciais para esta análise. Reforçando a rele- vância da proposta adotada, é válido lem- brar o exemplo dado por Leonardi (2013), onde existem relações que são externas, e não necessariamente a relação entre “A” e “B” as constitui, como entre um cachorro e um carteiro (que podem ter uma relação complicada no momento da entrega de uma correspondência), ou seja, independente- mente do cachorro, o carteiro continua sen- do um carteiro, refutando a outra proposta sociomaterial, a qual apresenta dificuldades em sua operacionalização em termos de pesquisa, como é apontado pelo mesmo autor. PILARES INSTITUCIONAIS Como dito acima, a análise institucional é relevante para o modelo sociomaterial ado- tado, pois as pessoas só podem estar pre- sentes no campo da ação, mas o domínio da ação em que entram é habilitado ou res- tringido pelas estruturas que as precedem (Leonardi, 2013), e para sua operacionali- zação a questão institucional pode ser tra- balhada pela ideia de pilar regulatório das instituições (Scott, 2013, p. 59), as quais vão constranger e regular comportamentos, ainda que isso possa estar tão absorvido no processo que não se perceba. Cumu- lativamente, o pilar normativo (Scott, 2013, p. 64) trata dos valores e normas coloca- dos para a execução das atividades. Nesse sentido, instituições impõem restrições ao definir limites legais, morais e culturais, dis- tinguindo entre aceitação e comportamen- to inaceitável (Scott, 2013, p. 58). As forças institucionais atuam na prática, habilitando ou constrangendo o agente, e precisam ser consideradas para a análise social dos fenô- menos estudados. DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO MULTIPARADIGMÁTICO Para responder à questão de pesquisa, enunciada na introdução, adotou-se um modelo multiparadigmático (Amboni et al., 2017; Machado-Da-Silva, Fonseca, & Cru- bellate, 2010) que envolve a sociomateriali- dade (Leonardi, 2013) e a ACD (Fairclough, 1985, 2005; Wodak, 2004), pois, ainda que de modo embrionário, o processo de institu- cionalização ocorre dentro de uma perspec- tiva multiparadigmática e orgânica, funda- mentada em lógica cognitivo-interpretativa (Machado-Da-Silva et al., 2010), que precisa ser compreendida para explicar a interde- pendência entre material e social (imbrica- ção). Esse modelo é importante e foi considera- do durante toda a estruturação da pesquisa, pois, de acordo com McPhee (2004), o es- tudo do material é interpretativo; além dis- so, o autor diz que formulações simbólicas podem ter impacto em outras realidades or- ganizacionais, inclusive em práticas. Adicio- nalmente, o realismo crítico, também adota- do na visão da sociomaterialidade, procura explicar os processos e eventos sociais em termos dos poderes causais das estruturas e da agência humana e da contingência de seus efeitos (Fairclough, 2005), e a ACD considera a linguagem como prática social, onde, também, o contexto é crucial (Wodak, 2004).
  • 9. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 8 Paralelamente, conjuga-se a teoria institu- cional (pilares institucionais), que mostra como as instituições estão assentadas em valores normativos, em estruturas cogniti- vas e coercitivas, e sobre uso de TI em go- verno, dentro do contexto brasileiro, gerando um framework analítico, conforme quadro abaixo. Essa análise é necessária e relevante por conta da necessidade de compreender os esquemas interpretativos dos atores sociais (McPhee, 2004), o que é relevante em es- tudos organizacionais (Amboni et al., 2017). Além disso, o isolamento paradigmático ini- be o debate sobre eles, criando o desenvol- vimento de teorias estreitas (Amboni et al., 2017); por fim, “[...] as relações entre a lin- guagem e a sociedade são tão complexas e multifacetadas que é necessário adotar um foco interdisciplinar de pesquisa” (Wodak, 2004). No Quadro 1, abaixo, apresentamos o modelo desenvolvido. Quadro 1. Framework analítico Lentes Teóricas Perspectivas Recursos Analíticos Autores Sociomaterial (Realismo Crítico) Leonardi (2013) Análise Crítica do Discurso Fairclough (2005) Institucional a) Pilares Institucio- nais Scott (2013) Governo e Tecnologia d) Modelo de Ges- tão Pública (foco no caso brasi- leiro) e) Governo Eletrô- nico Filgueiras (2018) Pollitt & Bouckaert (2011) Secchi (2009) Przeybilovicz, Cunha, & Meirelles (2018) Araujo, Reinhard, & Cunha (2018) Vaz (2017) Cunha (2017) Puron-Cid (2013) Cunha & Miranda (2013) Hossain, Moon, Kim, & Choe (2011) Heinze & Hu (2005)
  • 10. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 9 Concluindo, utilizam-se paradigmas que não são positivistas e que compreendem que a construção social ocorre na prática, a par- tir da relação entre as pessoas e material (instituição), além de serem contextuais e permitirem a compreensão das relações de poder existentes, inclusive o que não está claro ou explícito, portanto são passíveis de trabalharem de maneira conjunta, além de estarem fundamentados no realismo crítico. ASPECTOS METODOLÓGICOS Para a análise dos dados, consideraram- -se os paradigmas da sociomaterialidade e da ACD, por eles, de modo complementar, ajudarem a explicar a imbricação a partir do social (alunos, instrutores, autoescola e go- verno) e material (simulador de direção vei- cular) e as relações de poder, habilitações, constrangimentos, ideologias e limitações que emergem da relação entre social e ma- terial, em um ambiente regulado pelo gover- no, que é o caso do uso do SDV, que ocorre dentro de uma concepção de coprodução de serviços públicos no processo de habili- tação, ou seja, no processo criado para que cidadãos consigam a licença para dirigir ve- ículos automotores (CNH). Esse modelo de análise também é viável por conjugar o nível micro (texto) com o macro (prática social ou estrutura social) (Thompson, 2004; Fairclough, 2005; Pozze- bon, Cunha, & Coelho, 2016; ), pois o discur- so reproduz a estrutura social (Fairclough, 2005), ou seja, a ACD coloca as estruturas sociais dentro de uma relação dialética com atividades sociais (Thompson, 2004; Wo- dak, 2004) e a ação discursiva é equivalen- te a texto, embora isso possa não ser claro (Fairclough, 2005). Para a análise dos dados, adota-se a pro- posta da sociomaterialidade conjugada com o modelo da ACD de Fairclough, no forma- to dos três passos de Thompson (2004) e Pozzebon et al. (2016), quais sejam: descri- ção, interpretação e explicação. No primeiro passo, ocorre a descrição, que é uma leitura atenta e profunda dos dados (textos). Trata- -se de um procedimento para compreender a história que está sendo contada e a imbri- cação que emerge, que, por sua vez, permi- tem compreender a produção de significado pelos trechos dos textos, em todas as suas formas. O passo 2 é mais relevante por in- teragir com conceitos (teorias) para dar sen- tido ao passo 1. Por fim, no terceiro passo, produz-se uma análise social do que está sob estudo, compreendendo-se a assime- tria de poder e demais relações propostas, como limitações, constrangimentos, habili- tações e agências. A ACD já foi adotada em estudos sobre TI em países em desenvolvimento, como em Thompson (2004) e em Pozzebon et al. (2016). O Quadro 2 a seguir exemplifica o procedimento utilizado:
  • 11. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 10 Quadro 2. Exemplo de aplicação da metodologia Trecho analisado Descrição Interpretação Explicação Resolução Contran n. 543/2015. “Art. 6º A utilização do simulador de dire- ção veicular fica condicionada ao atendi- mento das seguintes exigências: I - equipamento fornecido/fabricado por empresa devidamente homologada pelo Departamento Nacional de Trânsito – De- natran; II - laudo técnico de avaliação, vistoria e verificação de conformidade do protótipo, compreendendo hardware e software, ex- pedido por Organismo Certificador de Pro- duto – OCP, acreditado pelo Inmetro na área de veículos automotores e produtos relacionados e certificado pelo Denatran especificamente para tal finalidade; III - Homologação do protótipo pelo Dena- tran, com análise de hardware, software e respectivos funcionamentos;” O governo, por meio do Contran, re- gulamenta a utilização e o SDV no processo de habilitação, colocando re- quisitos para sua adequa- ção e desig- nando outros órgãos como certificadores e homologa- dores do SDV. Os conceitos e teorias ins- titucionais, como pilar institucional (regulação), explicam esta regulamenta- ção do setor, especifica- mente sobre o uso do SDV que será utili- zado. O governo utili- za sua legitimi- dade (racional- -legal/controle burocrático) para exercer poder coercitivo e determinar condições para a utilização do SDV. Isso pa- droniza e limita a agência de outros entes envolvidos no processo, tais como empresas produtoras do SDV, autoesco- las e o próprio cidadão. Para melhor compreensão da imbricação, considerando o fato de haver relação de po- der, controles do tempo-espaço e da infor- mação (Fairclough, 2005; McPhee, 2004), utilizaram-se (a) entrevistas, (b) análise de documentos e (c) observação não partici- pante, ou seja, consegue-se analisar todos os atores e suas perspectivas, além da pró- pria imbricação. As entrevistas semiestruturadas são rele- vantes, pois as pessoas podem interpretar os textos (McPhee, 2004), como regulamen- tos e informações dos equipamentos tecno- lógicos, entrevistá-los, e compreender essa interpretação, com a análise crítica, contri- bui para uma melhor compreensão das re- lações de poder e ideologias existentes, pois as pessoas se relacionam em uma organiza- ção e essas relações possuem propriedades que podem ser discutidas (McPhee, 2004). Também foi realizada observação não par- ticipante da interação cidadão – SDV, me- diada pelos instrutores das autoescolas, por entender que esse método permite uma aná- lise mais adequada do comportamento (Fer- reira, Torrecilha & Machado, 2012), ou seja, foram acompanhadas aulas que utilizam o SDV, que ocorrem em ambiente institucional, dentro das autoescolas (organizações cre- denciadas e fiscalizadas pelo governo); a ob- servação também foi adotada devido ao fato de a lente teórica ser focada na prática, co-
  • 12. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 11 laborando para compreender a imbricação. Por fim, foram analisados documentos (re- gulamentações federal e estadual, artigos e legislação) atinentes ao tema, pois a aná- lise de informações dos textos pode trazer resultados claros e o foco e visão do go- verno (institucional e contextual), além de permitir compreender a construção artificial em uma organização, inclusive relações de poder (McPhee, 2004). Como os textos tam- bém podem ser usados para o controle a distância (McPhee, 2004), em uma relação de matriz e filial ou em uma relação de go- verno – organizações credenciadas (auto- escolas) – cidadãos (alunos), sua análise é relevante. Utilizando-se as três fontes de dados (entre- vistas, observação não participante e análi- se documental), cria-se sinergia e, portanto, maior qualidade e confiança para a pesqui- sa (Ferreira et al., 2012). Além disso, em- bora sejam utilizados dados mais pontuais no tempo, tais como a observação não par- ticipante e entrevistas, as quais ocorreram entre março e abril de 2018 em autoescolas (duas) da Região Metropolitana do Estado de São Paulo (cidades de São Paulo e San- to André), os documentos analisados são de um lapso temporal maior (de 2009 a 2016), o que colabora para a compreensão do fe- nômeno de modo longitudinal e institucional (governo). Em suma, é apresentado o Quadro 3, que correlaciona os tipos de coleta, fontes, des- crição, quantidade de dados e sua relação com as lentes teóricas adotada. Quadro 3. Tipos e descrição das fontes de dados Tipo de Fonte de Dados Quantidade – Ator Comentários Entrevistas 17 Alunos 5 Instrutores Alunas e alunos que fizeram aulas de SDV e os instrutores que ministram as referidas au- las de SDV. Documentos 12 Governo 2 Artigos São eles o CTB (Lei n. 9.503, 1997), a Por- taria Denatran n. 642/2009; as Resoluções do Contran n. 420/2012; 422/2012; 423/2012; 435/2013; 444/2013; 473/2014; 493/2014; 543/2015; 571/2015, e a Portaria do Detran- -SP n. 101/2016. Lucas et al. (2013) Rodrigues & Santos (2015) Observação não Partici- pante 34 Aulas de SDV Foram realizadas anotações referentes a im- bricação e relações de poder, regras, normas, interesses, habilitações e constrangimentos da prática.
  • 13. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 12 Para as entrevistas, foram considerados dois tipos de atores: os alunos das aulas em SDV, sendo que todos estavam realizando as au- las de SDV ou já as realizaram; e os instru- tores, cuja atividade é regulada por órgão governamental (Contran e Detran) (Silva, Cassundé, & Costa, 2016) e são responsá- veis pela orientação e ensino dos alunos du- rante o uso do SDV. Nas entrevistas, partici- param pessoas entre 18 e 48 anos, homens e mulheres, e elas duraram entre 30 e 45 minutos. Os artigos analisados foram esco- lhidos por tratarem do tema específico desta pesquisa, contribuindo para a compreensão do fenômeno. Para a análise, as informa- ções foram tratadas de modo que somente o que estivesse alinhado pelas três fontes de dados foi considerado. Procurando maior plausibilidade, foram efe- tuadas entrevistas e observações no Estado de São Paulo, pois o seu Departamento de Trânsito (Detran) é o maior órgão de trânsito da América Latina, com gerenciamento de 30 milhões veículos, 23 milhões de condu- tores, emissão de 500 mil habilitações por mês, sendo 50 mil novas habilitações (São Paulo, 2018), portanto opta-se por um mode- lo de instrumental case study (Stake, 1998). A investigação atendeu aos princípios éticos recomendados para as pesquisas em ciên- cias sociais, e todos os respondentes assi- naram um documento de confidencialidade, e foi-lhes assegurado o uso ético e anônimo das informações coletadas.Também é válido ressaltar que as entrevistas e observações não participantes sempre foram realizadas por pelo menos dois pesquisadores. O CASO DOS SIMULADORES DE DIRE- ÇÃO VEICULAR NO BRASIL As normas para o trânsito brasileiro foram instituídas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (Lei n. 9.503, 1997), o qual conferiu poder para que o Conselho Nacional de Trân- sito (Contran) e o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) regulamentassem os pontos necessários (Silva et al., 2016), inclu- sive o processo de habilitação de condutores (CNH). Dentro desse processo, foram inseri- das as aulas de SDV. Cada SDV é utilizado por uma pessoa por vez. Sua implementação foi conturbada, com muitos debates e alte- rações na forma e momento (etapa do pro- cesso de habilitação) nos quais as aulas de SDV ocorreriam, de acordo com documentos analisados (principalmente as regulamenta- ções). Para esta pesquisa, é importante entender o SDV (material), que é composto por uma estrutura tecnológica (hardware e software) que utiliza recursos de simulação e realida- de virtual para o aprimoramento do processo de treinamento e formação de condutores de veículos automotores (Lucas et al., 2013; Ro- drigues & Santos, 2015). Para tal, o SDV pro- cura imitar o veículo, no que se refere a seus aspectos físicos, como a poltrona, além de criar periféricos (hardware) que se asseme- lham aos equipamentos dos carros (pedais, volante etc.), como definido nas Resoluções do Contran e observado em campo. Além disso, parte da realidade virtual é feita pelo software em sincronia com três telas (te- levisores) que são dispostas de modo a dar impressão de estar dirigindo em condições reais (realidade virtual). Eram obrigatórias cinco aulas de 30 minutos cada, onde se tra- ta de conceitos sobre como verificar o nível de óleo, dirigir sob neblina ou chuva, à noite,
  • 14. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 13 entre outros, conforme determinado em re- gulamentação do Contran e verificado nas observações, objetivando que os cidadãos conheçam as regras de trânsito, tenham ha- bilidades para dirigir um veículo automotor e, consequentemente, tenha-se um trânsi- to seguro. Nesse processo, o SDV orienta o aluno com imagens, vídeos e textos (por meio de suas telas) de como deve executar as atividades propostas, que são padroniza- das. A regulamentação (governo) das aulas em SDV, característica da gestão pública bra- sileira, impacta a relação entre aluno (ci- dadão) e tecnologia, obrigando não só a própria utilização do SDV, mas também es- tipulando em detalhes a sua forma de uso, ou seja, existem muitas regras institucionais (Scott, 2013) para a sua utilização.Também, percebe-se um novo modelo de e-serviços públicos com grande participação e intera- ção dos cidadãos em sua coprodução, dada a sua importância para o desempenho e re- sultados das aulas, neste caso por meio de um artefato de TI (SDV) com apoio de um instrutor. Pode-se perceber as forças institu- cionais nas aulas em SDV, as quais limitam grau de customização das aulas e a autono- mia dos alunos, impactando a imbricação, como apontado abaixo: Eu fiz as aulas porque elas estão dentro do processo, eu era obrigada (aluno A) Não posso escolher o que eu quero fazer, eu perguntei no primeiro dia, posso fazer o que eu quero (no SDV)? Ele (instrutor) disse não... (aluno B) Hoje ele (aluno) não tem autonomia, ele vai seguindo a regra que tem no simula- dor... (instrutor A) Por outro lado, conforme observação das aulas e as entrevistas, o SDV não conse- gue, sozinho, realizar de maneira adequa- da a atividade que dele se espera, sendo necessária a mediação da interação entre SDV e aluno, que é realizada pelo instrutor; essa mediação é importante para cobrir as lacunas de ação ou entendimento das lições e atividades que aparecem na prática, ou seja, esse processo contribui para a socio- materialidade. As aulas conduzidas pelo instrutor contri- buem para que o aluno alcance os resulta- dos (realização dos exercícios e aprendiza- gem) esperados e definidos pelo governo (regulamentação), como se pode observar nos relatos abaixo, reforçando que em de- terminados momentos é mais importante concluir a atividade do que a aprendizagem: O instrutor falou para adequar o banco, retrovisores, calçados, (usar) roupas con- fortáveis, não cruzar os braços, sempre paralelos... (aluno C) O instrutor é muito importante, se ele não estiver lá você não consegue fazer as ati- vidades, elas são um pouco confusas... (aluno D) O instrutor conhece alguns jeitos para você passar pela atividade, às vezes você faz o que o software pede e mesmo assim você não passa... (aluno E) Essa análise é importante por entender que o resultado ocorre na prática, ou seja, não é definido a priori, pelas regras e recursos institucionais.
  • 15. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 14 Em outro ponto, para a compreensão de como a ideologia (aqui interpretada como orientações das ações ou dos comporta- mentos esperados) está presente em todo o contexto que circunda o fenômeno estuda- do, destaca-se que os alunos entrevistados, quase a totalidade, disseram não ver valor para si no uso do SDV, mas justificaram a adoção do artefato de TI com a possibili- dade de ele ser importante em algum caso prático, para outra pessoa, aceitando a obri- gação de fazer a aula. O simulador é muito diferente do veículo e não ajuda muito... (aluno F) O simulador ajuda quem não tem noção nenhuma de direção. (aluno G) Esses trechos são exemplificativos dos rela- tos constantes dos entrevistados “alunos” , os quais, na maioria, afirmam já terem dirigido veículos, mesmo sem possuírem a autoriza- ção legal para tal (CNH). A percepção de controle governamental é apontada nas entrevistas, documentação e pelas anotações das observações rea- lizadas, por exemplo, o fato de os alunos precisarem fazer login em dois sistemas de informação, um do Detran-SP e outro da empresa responsável pelo SDV, o que é fei- to de modo digital por biometria (coleta de digital) e número do documento de identida- de. Além disso, o SDV possui uma câmera digital que pode filmar e fotografar o aluno durante a execução da aula, para fins de fis- calização e monitoramento da atividade. Você coloca a digital e o simulador já reco- nhece as aulas que você já fez... (aluno H) As aulas são 100% monitoradas... (aluno I) Todavia, se a intensa regulamentação do processo de habilitação, a baixa customiza- ção das aulas e a prática não conseguiram fazer o aluno ver valor nas aulas de SDV, as dificuldades dele em conseguir realizar as aulas práticas (em carro nas ruas) em um curto prazo (por conta de um gargalo pro- cessual) fizeram com que o governo criasse uma regra para aliviar a ineficiência prática do processo. Essa forma de adoção de TI pelo governo poderia ser chamada de “jei- tinho brasileiro” (Pozzebon & Diniz, 2012), pois o Contran permitiu a troca de três aulas práticas de carro noturnas por aulas notur- nas em SDV (conforme Resolução Contran n. 543, de 2015), além das cinco obrigatórias, nas quais já estão previstas “aulas noturnas” , ou seja, gera-se uma sobreposição de ativi- dade, assim a imbricação é moldada por ele- mentos não previstos na fase de formulação da política. Nesse caso, a sensação dos alu- nos é de valor agregado pela troca, por conta das dificuldades em conseguir fazer as aulas de carro noturnas nas vias públicas, como se pode verificar nos trechos das entrevistas abaixo: Como as aulas práticas noturnas estavam mais complicadas de marcar, eles (autoes- cola) deram a possibilidade de substituir por aulas em simulador, então aceitei. (alu- no J) [...] agora eu estou fazendo aula de simula- dor para adiantar um pouco as aulas notur- nas (carro)... (aluno L) Os alunos que têm dificuldade com horário para fazer as aulas noturnas podem fazer
  • 16. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 15 as aulas do simulador, desde que uma seja feita no carro, mas isto é determina- ção do Detran... (instrutor B) As autoescolas também são regulamen- tadas pelo governo, de modo a replicarem seu poder, ideologia, controle e limitações, pois, ao se adequarem e conhecerem as re- gulamentações da área, mostram-se como extensões dele, portanto também possuem limitações em termos de adequação ou customização do uso da tecnologia (mate- rial) para cada aluno (cidadão). Nos trechos abaixo, é possível perceber a complexidade e regulamentação do setor. Aqui (Brasil) você tem um processo buro- crático para tirar habilitação (instrutor C) “Artigo 5º - O processo de credenciamento de CFC constituir-se-á das seguintes eta- pas: I - apresentação de documentação inicial; II - apresentação de documentação complementar; III - vistoria (...)” “Artigo 19- Os Centros de Formação de Condutores deverão possuir Corpo Do- cente constituído de Instrutores de Trânsi- to, devidamente capacitados e registrados pelo Detran-SP, de acordo com as normas reguladoras constantes na legislação de trânsito...” (Portaria do Detran-SP) A tecnologia, nesse contexto, como se de- preende da análise dos dados, também é usada pelo governo, por meio do SDV, para demonstrar e evitar comportamentos perigosos e que não são aceitáveis. Como exemplo, tem-se as aulas de SDV que si- mulam que o condutor esteja embriagado, mostrando as dificuldades de se dirigir nes- sas situações e orientando os alunos quanto aos riscos de se dirigir alcoolizado. DISCUSSÃO DOS ACHADOS As informações obtidas por meio das fer- ramentas metodológicas adotadas permi- tiram perceber que as instituições da área de trânsito trabalham de maneira fortemente regulamentada, assemelhando-se ao mode- lo burocrático de gestão pública (Filgueiras, 2018; Secchi, 2009), inclusive pelas formas de controle, o que tem grande impacto na imbricação; além disso, o serviço público es- tudado trata-se de coprodução (Voorberg et al., 2015) dentro de um conceito de e-servi- ços públicos (Przeybilovicz et al., 2018). Nesse ambiente, são perceptíveis as for- ças institucionais do governo (Scott, 2013), que agem para padronizar as organizações que atuam no setor (autoescolas), o serviço (aula de SDV), formas de controle e relação de poder, além de ser utilizado para reforçar ideologias sobre a forma de dirigir, impac- tando a sociomaterialidade. Assim, o artefa- to de TI funciona de modo multidimensional, pois é utilizado para controle, orientação, aumentar a eficiência processual (“jeitinho brasileiro”), treinamento para a prática e re- forçar ideologias e comportamentos ditos adequados e seguros. É possível verificar pelos dados analisados a existência de dois momentos da socioma- terialidade, como existem ambos (material e social) antes de sua relação na prática: no primeiro momento, percebem-se ciclos com constantes mudanças na regulamentação sobre a forma e momento de usar o SDV dentro do processo de habilitação, antes de
  • 17. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 16 começar o seu uso propriamente dito (au- las). No segundo momento, tem-se ciclos, onde se procura adequar as novas regras, focando garantir o uso do SDV em todo o País, inclusive por meios de controle e fisca- lização. A figura abaixo explicita esses con- ceitos e modelo proposto. Figura 1. Coprodução de e-serviços públicos na prática Fonte: Adaptado de Leonardi (2013). Nota: As setas horizontais significam fluxos ao longo do tempo. A seta tracejada representa imbrica- ções que ocorreram antes de o ator focal (aluno) começar a usar a tecnologia (SDV). A seta diagonal significa o envolvimento lento, mas cumulativo, das ações com a estrutura (e vice-versa), por meio da imbricação de agências materiais (SDV) e sociais (alunos, instrutores, autoescolas e governo). Conforme a figura acima, é possível verificar que, no caso de coprodução em e-serviços públicos, durante a publicação das normas para utilização do SDV (formulação), já é um processo de relação de imbricação (so- cial e material), porém sem o ator foco des- ta pesquisa, que é o aluno. Na sequência, encontra-se o momento dois (implemen- tação), que é mais focado na utilização do SDV pelos cidadãos, criando uma relação de imbricação que se desenvolve ao longo do tempo. Importante frisar que a transição do momento 1 para o momento 2 não é tão clara como aparenta a Figura 1, mas sim há uma sobreposição inicial dos dois momen- tos, assim a separação contribui mais para fins analíticos. Percebe-se que as forças institucionais (es- trutura: governo e autoescola) atuam de modo a impactarem claramente a relação entre humano e tecnologia, inclusive por o governo descrever de maneira detalhada o artefato SDV e como se deve dar a relação dele com o cidadão, mas também é verifica- da pela necessidade de intervenção dos ins- trutores (autoescola) para mediar a relação, uma vez que o SDV sozinho não é suficiente
  • 18. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 17 para atender os resultados que se esperam. A imbricação que emerge da contínua práti- ca entre social (governo, autoescola, aluno e instrutor) e material (SDV) depende, em grande medida, das regras e recursos que são postos para essa relação, pois, ao mes- mo tempo que o SDV é utilizado como uma preparação para as aulas práticas, dentro de um conceito de aprendizagem, também o é para resolver gargalos processuais, questão que emerge após a utilização ini- cial do artefato de TI. Nesse caso, o ideological-discursive forma- tions (IDF) (Pecheux, 1982 apud Fairclough, 1985, p. 111) é mantido por meio do poder político e econômico, preservando o poder das próprias instituições (da área de trânsi- to), enquanto o taken-for-granted ou know- ledge base (Fairclough, 1985) mostra que o SDV é importante para a aprendizagem de direção veicular, independentemente de resultados ou da percepção dos alunos, os quais evidenciaram não verem valor no ar- tefato de TI. Outro achado relevante é que o objetivo dos alunos (SDV) não é necessariamente aprender a dirigir, o que deveria ser o mais importante, mas sim conseguir a CNH (au- torização para dirigir), como se percebe nos casos de troca de aulas práticas de carro à noite por aulas em SDV, pois a questão passa a ser a agilidade do processo e é um resultado da sociomaterialidade e não pre- visto a priori. Todo o contexto apresenta fortes indícios de que isso é fruto da baixa customização do serviço, de sua burocratização e da bai- xa percepção de valor agregado pelos ci- dadãos (alunos). Assim, os alunos “jogam” com as regras, pois percebe-se que eles têm consciência delas e das formas de con- troles, e sabem como podem utilizar as re- gras para atingirem seus objetivos de acor- do com seus interesses. Os resultados mostram que, diferentemen- te de outros estudos sobre a relações en- tre tecnologia e humano, como os serviços de avaliação de hotéis (Orlikowski & Scott, 2014), nas situações com forte regulamen- tação, a imbricação é mediada, impactando os resultados e gerando uma nova relação, ou seja, uma nova perspectiva prática na coprodução de e-serviços públicos. Assim, caso se procurasse entender as relações que emergem da relação entre artefato de TI e cidadão, desconsiderando o contexto ins- titucional, as ideologias e poder (“invisíveis”) agindo na prática em um serviço público não seriam percebidas, mascarando as reais in- tenções governamentais com a adoção de TI e as intenções e interesses dos cidadãos e demais atores envolvidos no processo. A análise mostrou, também, que os alunos valoram positivamente o SDV para terceiros que não sabem dirigir.Todavia a maioria dos alunos entrevistados declarou de maneira categórica que já sabia dirigir quando utili- zou o SDV pela primeira vez, e, para eles, o fato de já saberem dirigir tornou a expe- riência no SDV de utilidade muito limitada. A maioria também declarou que “[...] não fariam as aulas de simulador se elas não fossem obrigatórias [...]” , o que nos mostra como a relação imbricada e institucionaliza- da do SDV tinha uma conotação negativa e “burocratizante” para boa parte dos usuários (alunos/cidadãos). Embora não tenha sido objeto de pergunta
  • 19. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 18 específica, os alunos não mostraram incô- modo com o alto grau de controle ou moni- toramento por meio do uso de tecnologias, ou seja, a questão da privacidade não apa- receu como um problema. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para atingir o propósito desta pesquisa, foi estudada a sociomaterialidade (imbricação) que ocorre em coprodução de e-serviços públicos, por meio do caso do uso do SDV, sendo possível explicar que, na citada rela- ção sociomaterial, o poder e ideologia insti- tucional do governo eram sentidos, de ma- neira clara e sob vários aspectos, inclusive durante o processo, com o monitoramento via sistemas de informação, biometria digi- tal, câmera, entre outros, ficando evidente que as forças institucionais agiram na rela- ção de maneira a moldá-la, fortemente vin- culados ao modelo burocrático de adminis- tração pública. Além disso, foi possível verificar que o pró- prio artefato de TI (SDV) era, além de uma forma de serviço e controle do governo, uma forma de bypass, substituto das aulas noturnas de carro, por conta de dificuldades no processo. Esse último ponto é o que, na percepção dos alunos, agregou mais valor para as aulas de SDV, pois permitia agilizar a finalização do processo e a decorrente ob- tenção da licença para dirigir (CNH). Por outro lado, foram evidenciados dois momentos de imbricação, o primeiro como a definição de regras para o funcionamen- to do SDV, no qual se identificaram muitas mudanças, e o segundo momento, já com a relação entre cidadão (aluno) e tecnologia, gerando uma perspectiva de coprodução de e-serviços públicos na prática. A pesquisa contribui para a área de gover- no eletrônico, especificamente para os es- tudos sobre coprodução de serviços públi- cos mediados por tecnologia, explicando a sua sociomaterialidade, limites e relações institucionais, além de contribuir especifica- mente para a área de trânsito. Ela também desenvolve um novo modelo teórico-prático multiparadigmático de estudo. É importante ressaltar que esta pesquisa ajuda a preen- cher um gap de estudo relacionado ao uso de tecnologias em coprodução de serviços públicos, pois a maioria dos estudos anterio- res faz sua análise a partir da oferta do ser- viço, havendo escassez de pesquisas sobre a interação entre cidadão e governo (Araujo et al., 2018). É importante frisar que este estudo não quis analisar a eficiência do SDV, ficando, por- tanto, uma sugestão para outras pesquisas. Além disto, embora as entrevistas tenham sido feitas com cidadãos de duas cidades do Estado de São Paulo, o que é uma questão relevante, os documentos analisados, prin- cipalmente as normas, são regras federais aplicadas em todo o País, o que aumenta a capacidade de generalização analítica dos achados. Por fim, considerando o desenvol- vimento tecnológico e as novas ferramentas de TI, é importante estudar outros fenôme- nos de coprodução de e-serviço público para se aprender mais sobre ele, inclusive em ou- tros contextos. REFERÊNCIAS Abrucio, F. L. (2007). Trajetória recente da gestão pública brasileira: Um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Re-
  • 20. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 19 vista de Administração Pública, 41(n. esp.), 67-86. http://dx.doi.org/10.1590/S0034- 76122007000700005. Amboni, N., Caminha, D. O., Andrade, R. O. B., & Fernandes, M. (2017). Abordagem multiparadigmática em estudos organizacio- nais: Avanços e limitações. Revista de Ad- ministração da UFSM, 10(5), 808-827. DOI: 10.5902/19834659 26726. Araujo, M., Reinhard, N., & Cunha, M.(2018). Serviços de governo eletrônico no Brasil: Uma análise a partir das medidas de acesso e competências de uso da internet. Revista de Administração Pública, 52(4), 676-694. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612171925. Barad, K. (2003). Posthumanist performati- vity: Toward an understanding of how matter comes to matter. Signs: Journal of Women in Culture and Society, 28(3), 801-831. DOI: 10.1086/345321. Berente, N., & Yoo, Y. (2012). Institutional contradictions and loose coupling: Postim- plementation of NASA’s enterprise infor- mation system. Information Systems Rese- arch, vol 23(2) pages 376-396, June. DOI: 10.1287/isre.1110.0373. Berger, P. L., & Luckmann, T. (1991). The so- cial construction of reality: A treatise in the sociology of knowledge. Penguin Books. London, England. Bhaskar, R. (1998). General Introduction. In: Arche,M., Bhaska, R., Collie, A., Lawson, T. & Norrie, A. (Eds.), Critical realism: Essential readings. London, UK/New York, USA: Rou- tledge. 784 pp. Bourdieu, P., & Wacquant, L. J. D. (1992). An invitation to reflexive sociology. Chicago, USA: The University of Chicago Press. Callon, M. (1986). Some elements of a so- ciology of translation: Domestication of the scallops and fishmen of St. Brieuc Bay. In J Law (Ed.), Power, action and belief: A new sociology of knowledge. pp. 196-233. Lon- don: Routledge and Kegan Paul. https://doi. org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x. Chemero, A. (2003). An outline of a theory of affordances. Ecological Psychology. Jour- nal Ecological Psychology, 15(2), pp. 181- 195. https://doi.org/10.1207/S15326969E- CO1502_5. Cunha, M. A. (2017). Tale of two “SmartCi- ties” . Twenty-Fifth European Conference on Information Systems (ECIS), Guimarães, Portugal. Cunha, M. A., & Miranda, P. R. M. (2013). O uso de TIC pelos governos: Uma proposta de agenda de pesquisa a partir da produção acadêmica e da prática nacional. Organiza- ções & Sociedade, 66, 543-566.http://dx.doi. org/10.1590/S1984-92302013000300010. Fairclough, N. L. (1985). Critical and des- criptive goals in discourse analysis. Journal of pragmatics, 9(6), 739-763. https://doi. org/10.1016/0378-2166(85)90002-5. Fairclough, N. (2005). Discourse analysis in organization studies: The case for critical re- alism. Organization Studies, 26(6), 915-939. DOI: 10.1177/0170840605054610. Ferreira, L. B., Torrecilha, N., & Machado, S. H. S. (2012).A técnica de observação em es-
  • 21. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 20 tudos de administração. XXXVI Encontro do ANPAD, Rio de Janeiro, RJ. Filgueiras, F. (2018, janeiro/fevereiro). Indo além do gerencial: A agenda da governan- ça democrática e a mudança silenciada no Brasil. Rev.Adm. Pública, 52(1), 71-88. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612161430. Heinze, N., & Hu, Q. (2005). E-government research: A review via the lens of structura- tion theory. PACIS 2005, Proceedings. Ban- gkok, Thailand, July 7-10. Hossain, M. D., Moon, J., Kim, J. K., & Choe, Y. C. (2011). Impacts of organizational assi- milation of e-government systems on busi- ness value creation: A structuration theory approach. Electronic Commerce Research andApplications, 10, 576-594.Doi:10.1016/j. elerap.2010.12.003. Iasbech, P. A. B., & Lavarda, R. (2018). Stra- tegy and practices: A qualitative study of a Brazilian public healthcare system of teleme- dicine. International Journal of Public Sector Management, 31(3) pp. 347-371. https://doi. org/10.1108/IJPSM-12-2016-0207. Johnston, K. A., Jali, N., Kundaeli, F., & Ade- niran, T. (2015). ICTS for the broader deve- lopment of South Africa: An analysis of the literature. Electronic Journal of Information SystemsinDevelopingCountries,70(3),1-22. https://doi.org/10.1002/j.1681-4835.2015. tb00503.x. Kautz, K. K., & Jensen, T. B. (2012). Deba- ting sociomateriality: Entanglements, imbri- cations, disentangling, and agential cuts. Scandinavian Journal of Information Syste- ms, 24(2), 89-96. Available at: http://aisel. aisnet.org/sjis/vol24/iss2/5. Latour, B. (2005). Reassembling the so- cial: An introduction to actor-network-theory (Vol. 1). Oxford University Press. Oxford, United Kingdom. https://doi.org/10.1017/ CBO9781107415324.004. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997. (1997). Código de Trânsito Brasileiro. Brasí- lia, DF. Recuperado de http://www.planalto. gov.br/Ccivil_03/leis/L9503.htm Leonardi, P. (2011). When flexible routines meet flexible technologies: Affordance, cons- traint, and the imbrication of human and ma- terial agencies. MIS Quarterly, 35(1), 147-167. DOI: 10.2307/23043493. Leonardi, P. M. (2013). Theoretical founda- tions for the study of sociomateriality. Infor- mation and Organization, 23, 59-76. https:// doi.org/10.1016/j.infoandorg.2013.02.002. Lucas, F. R., Russo, L. E. A., Kawashima, R. S., Figueira, A. C., Larocca, A. P. C., & Kab- bach, F. I., Jr. (2013, abril/junho). Uso de si- muladores de direção aplicado ao projeto de segurança viária. Bol.Ciênc.Geod.,Sec.Co- municações/Trab.Técnicos, 19(2), 341-352. Machado-da-Silva, C. L., Fonseca, V. S., & Crubellate, J. M. (2010). Estrutura, agência e interpretação: Elementos para uma aborda- gem recursiva do processo de instituciona- lização. Rev. Adm. Contemp. [on-line], 14(n. spe.), 77-107. McPhee, R. D. (2004). Text, agency, and or- ganization in the light of structuration theory. Organization, 11(3), 355-371.
  • 22. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 21 Neto, L. M., Salm, V. M., & Souza, V. B. (2014). A coprodução dos serviços públicos: Modelos e modos de gestão. Revista de Ci- ências da Administração – RCA, v. 16, nº 39. Orlikowski, W. J. (1992). The duality of tech- nology: Rethinking the Concept of Techno- logy in Organizations. Organization Scien- ce. Vol. 3, No. 3 https://doi.org/10.1287/ orsc.3.3.398. Orlikowski, W. J. (2000). Using technology and constituting structures: A practice lens for studying technology in organizations. Or- ganization Science. Vol. 11, No. 4. https:// doi.org/10.1287/orsc.11.4.404.14600. Orlikowski, W. J. (2007). Sociomaterial prac- tices: Exploring technology at work. Orga- nization Studies, 28(9), 1435-1448. https:// doi.org/10.1177/0170840607081138. Orlikowski, W. J. (2010).The sociomateriality of organisational life: Considering techno- logy in management research. Cambridge Journal of Economics, 34(1), 2010, 125-141. Doi:10.1093/cje/bep058. Orlikowski, W. J., & Barley, S. R. (2001). Te- chnology and institutions: What can resear- ch on information technology and research on organizations learn from each other? MIS Quarterly: Management Information Systems. Vol. 25, No. 2, pp. 145-165. DOI: 10.2307/3250927. Orlikowski, W. J., & Scott, S. V. (2014). What happens when evaluation goes online?: Ex- ploring apparatuses of valuation in the travel sector. Organization Science, 25(3), 868- 891. DOI: 10.1287/orsc.2013.0877. Osborne, S., Radnor, Z., & Strokosch, K. (2016). Co-production and the co-creation of value in public services: A suitable case for treatment? Public Management Review, 185, 639-653. https://doi.org/10.1080/14719 037.2015.1111927. Pacheco, U. (2018). Como o sistema de re- putação baseado em avaliação mútua é utilizado por participantes provedores da economia compartilhada? (Dissertação de mestrado, FGV EAESP, São Paulo, SP). Pickering, A. (1995). The mangle of practice: Time, agency, and scien- ce. Chicago, USA: University of Chica- go Press. https://doi.org/10.7208/chica- go/9780226668253.001.0001. Pollitt, C., & Bouckaert, G. (2011). Public ma- nagement reform: A comparative analysis – New public management, governance, and the neo-Weberian state. New York, United States. Pozzebon, M., Cunha, M. A., & Coelho, T. R. (2016). Making sense to decreasing citizen eParticipation through a social representa- tion lens. Information and Organization, 26, 84-99.Doi:10.1016/j.infoandorg.2016.07.002. Pozzebon, M., & Diniz, E. H. (2012, July/Sep- tember). Theorizing ICT and society in the Brazilian context: A multilevel, pluralistic and remixable framework. Brazilian Administra- tion Review – BAR, 9(3, art. 3), 287-307. DOI: 10.1590/S1807-76922012000300004. Przeybilovicz, E., Cunha, M. A., & Meirelles, F. S. (2018, julho/agosto). O uso da tecno- logia da informação e comunicação para
  • 23. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 Dênis Alves Rodrigues - Leonardo Rossatto Queiroz - Tarcila Peres Santos - Fernando Souza Meirelles 22 caracterizar os municípios: Quem são e o que precisam para desenvolver ações de governo eletrônico e smart city. Revista de Administração Pública, 52(4), 630-649. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612170582. Puron-Cid, G. (2013). Interdisciplinary appli- cation of structuration theory for e-govern- ment: A case study of an IT-enabled budget reform. Government Information Quarterly, 30, S46-S58. DOI: 10.1016/j.giq.2012.07.010. Rodrigues, D. A., & Lotta, G. S. (2017, maio/ agosto). Análise do processo de imple- mentação de reformas em organizações públicas: Os casos do Poupatempo e do Detran-SP. Cadernos Gestão Pública e Ci- dadania, 22(72), 214-237. DOI: http://dx.doi. org/10.12660/cgpc.v22n72.63589. Rodrigues, D. A., & Santos, P. S. (2015). O caso dos simuladores de direção veicular: Dificuldades do arranjo federativo na política de trânsito. VIII Congresso Consad de Ges- tão Pública, Brasília, DF. São Paulo. (2018). Diário Oficial do Estado de São Paulo,128(72), 1. Recuperado de ht- tps://www.imprensaoficial.com.br. Scott, S. V., & Orlikowski, W. J. (2009). Ex- ploring the material grounds of institutional dynamics in social media. Egos 2009, 25th EGOS Colloquium, 1-25. Barcelona. Scott, W. R. (2013). Institutions and organiza- tions: Ideas, interests, and identities. SAGE Publications, 4, p. 360. Secchi, L. (2009, março/abril). Modelos or- ganizacionais e reformas da administração pública. Rev.Adm. Pública, 43(2), 347-369. Silva, G. L., Cassundé, N., & Costa, F. S. P. C. (2016, julho). Dimensões de qualidade dos CFCs sob a percepção dos condutores de primeira habilitação. Id On Line Multidiscipli- nary and Psychology Journal, v.10 n.30.DOI: https://doi.org/10.14295/idonline.v10i30.470. Stake, R. E. (1998). Case Studies. In: Stra- tegies of Qualitative Inquiry. In Denzin, N. K. and Lincoln, Y. S. (Eds.). Sage Publications, California. 445-454. Stein, M. K., Newell, S., Wagner, E. L., & Galliers, R. D. (2014). Felt quality of socio- material relations: Introducing emotions into sociomaterial theorizing. Information and Organization, 24(3), 156-175. https://doi. org/10.1016/j.infoandorg.2014.05.003 Thompson, M. P. A. (2004). ICT, power, and developmental discourse: A critical analyses. The Electronic Journal of Information Syste- ms in Developing Countries, 20, 1-26. https:// doi.org/10.1002/j.1681-4835.2004.tb00131.x. Thornton, P., & Ocasio, W. (2008). Institu- tional logics. In R. Greenwood, C. Oliver, R. Suddaby, & K. Sahlin (Eds.),The SAGE han- dbook of organizational institutionalism. Lon- don, 99 – 129. UK: SAGE Publication Ltd. DOI: 10.4135/9781849200387.n4. Vaz, J. C. (2017, janeiro/abril). Transforma- ções tecnológicas e perspectivas para a ges- tão democrática das políticas culturais. Ca- dernos Gestão Pública e Cidadania, 22(71), 83-102. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc. v22n71.63284. Voorberg, W. H., Bekkers, V. J. J. M., & Tum- mers, L. G. (2015). A systematic review of co-
  • 24. ANÁLISE SOCIOMATERIAL DO USO DE TI EM COPRODUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO: O CASO DO SIMULADOR DE DIREÇÃO VEICULAR ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-23 | e-77753 | 2020 23 -creation and co-production: Embarking on the social innovation journey. Public Mana- gement Review, 17(9), 1333-1357. https:// doi.org/10.1080/14719037.2014.930505. Wodak, R. (2004). Do que trata a ACD: Um resumo de sua história, conceitos importan- tes e seus desenvolvimentos. Linguagem em (Dis)curso – LemD, 4(n. esp.), 223-243.
  • 25. ARTIGO: INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 1 INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS Philanthropy and education public policies: Interactions mediated by multiple institucional logic Investimento social privado y políticas públicas de educación: interacciones mediadas por múltiples lógicas institucionales RESUMO Nas políticas de educação, a partir dos anos 2000, observa-se aproximação do Investimento Social Privado (ISP), buscando o aumen- to da qualidade da educação através das colaborações e do foco nos resultados, com destaque para as avaliações dentro do sistema. Mas, embora haja influência do ISP, o campo tem sido marcado pela atuação de uma multiplicidade de atores e múltiplas lógicas institucionais, ligadas à atuação estatal, profissional e do mercado, que se tornam mais proeminentes na medida em que se observam contextos locais de implementação. No nível da implementação da política pública, os contextos são mais diversos, caracterizando este ambiente como de alta complexidade institucional. Na interação das ações diretas do ISP nos projetos de fortalecimento de gestão diferenciam-se os profissionais da educação e os gestores educacionais. No contexto de realização dos projetos, foram observadas práticas que buscam aumentar a compatibilidade de lógicas, principalmente nas interações entre profissionais de ISP e gestores edu- cacionais e na forma de escolha e estruturação de projetos por parte do ISP. PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas, gestão pública, educação, investimento social privado, lógicas institucionais. Patricia Maria Emerenciano Mendonça1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5675-4261 Paula Santana Santos2 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7927-6752 1 Escola de Artes, Ciências e Humanidades- EACH/ USP- Universidade de São Paulo, Brasil 2 Centro Brasileiro de Análise e Planejamento- CEBRAP Artigo convidado DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.80688 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 26. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 2 ABSTRACT In education policies,starting in the 2000s,there is an approximation with the philanthropy sector seek- ing to increase the quality of education through collaborations and focus on results, with emphasis on evaluations within the system. Despite the influence of philanthropy, the field has been marked by a multiplicity of actors and multiple institutional logics, linked to state, professional and market action, which become more prominent as local contexts of implementation are observed.At the implementa- tion level of public policy,contexts are more diverse,including more actors and local influences,char- acterizing this environment as high institutional complexity.In the interaction of the direct actions of the philanthropy in the projects of strengthening of the management of education policies,it is possible to differentiate professionals of the education and the education managers. In the context of these proj- ects,it were observed practices that seek to increase the compatibility of logics,mainly in the interac- tions between philanthropy professionals and education managers and in and the way of choosing and structuring projects by the philanthropy. KEYWORDS: Public policy, public management, education, philanthropy, institutional logics. RESUMEN En las políticas de educación,a partir de los años 2000,se observa acercamiento con el Investimento Social Privado (ISP), buscando el aumento de la calidad de la educación a través de las colabora- ciones y foco en los resultados, con destaque para las evaluaciones dentro del sistema .A pesar de la influencia de ISP, el campo ha sido marcado por la actuación de una multiplicidad de actores y múltiples lógicas institucionales,ligadas a la actuación estatal,profesional y del mercado,que se vuel- ven más prominentes medida en que se observan contextos locales de implementación.En el nivel de la implementación de la política pública los contextos son más diversos, incluyendo diversos actores e influencias locales,caracterizando este ambiente como de alta complejidad institucional.En la inter- acción de las acciones directas del ISP en los proyectos de fortalecimiento de la gestión se diferen- cian los profesionales de la educación y los gestores educativos. En el contexto de realización de los proyectos se observaron prácticas que buscan aumentar la compatibilidad de lógicas,principalmente en las interacciones entre profesionales de ISP y gestores educativos y en la manera de elección y estructuración de proyectos por parte del ISP. PALABRAS CLAVES: Políticas públicas, gestión pública, educación, investimento social privado, lógi- cas institucionales. INTRODUÇÃO Desde os anos 1990, as organizações do Investimento Social Privado (ISP) brasilei- ro têm se consolidado como um campo or- ganizacional característico e com práticas compartilhadas, criando espaços reconhe- cidos de discussão, eventos, pesquisas e inserindo-se cada vez mais nos espaços de formação de opinião pública (Simielli, 2008). A definição de ISP empregada nes- ta pesquisa baseia-se na ideia de repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público (Nogueira & Schommer, 2009). Entre as organizações identificadas como participantes do campo do ISP es- tão fundações, institutos (de origem familiar, comunitária, empresarial e independente) e empresas. Nos últimos anos, uma estratégia comum que se tem destacado no campo do ISP é o “alinhamento às políticas públicas” (Gife, 2016; Modesto, 2016). A partir dos anos 2000, observa-se um dis- tanciamento do governo federal em relação aos movimentos tradicionais do campo da educação ao passo que houve aproximação com o empresariado (Saviani, 2007; Simielli, 2008). Essas mudanças nas bases sociais do campo da educação tiveram importante papel na elaboração do Plano de Desenvolvi- mento da Educação (PDE), lançado em 2007, no qual o Ministério da Educação (MEC) teve maior interlocução com o empresariado, o
  • 27. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 3 que se reflete em uma das medidas do PDE chamada de “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação” . Instituído pelo Decreto Federal nº 6.094 (Brasil, 2007) para ser implementado pela União, esse plano, tido como o “carro-chefe” (Saviani, 2007, p. 3) do PDE, constitui-se em uma estratégia utilizada para regulamentar o regime de colaboração com municípios, Estados e Distrito Federal, bem como com a participação das famílias e da comunida- de, visando à mobilização social pela me- lhoria da qualidade da educação básica. A integração dos entes federados ao plano é estabelecida através da assinatura de ter- mo de adesão e tal parceria é traduzida “em compromisso” assumido com a implementa- ção das 28 diretrizes estabelecidas (Camini, 2010). Aliadas a isto, as avaliações educacionais vêm ocupando importante espaço nas po- líticas educacionais brasileiras. O Brasil encontra-se entre as piores posições no Programa Internacional de Avaliação de Es- tudantes (Pisa), principal avaliação interna- cional coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que compara países com base no desempenho de seus alunos de 15 anos através de conteúdos mínimos esperados para sua série em leitura, Matemática e Ci- ências. A competitividade do país através de bons resultados educacionais é positiva para sua melhor inserção produtiva e esse é o principal argumento dos defensores do Capital Humano (Coelho, 2002). Segundo Bonamino e Sousa (2012), as avaliações associam-se à promoção da qualidade do ensino, estabelecendo novos parâmetros de gestão dos sistemas educacionais. Com a destacada influência do ISP nas po- líticas educacionais nos últimos anos e sua incidência no nível de formulação e de to- mada de decisão, o campo das políticas de educação tem sido marcado pela atuação de uma multiplicidade de atores e múltiplas lógicas institucionais, ligadas à atuação es- tatal, profissional e do mercado, que se tor- nam mais proeminentes na medida em que se observam contextos locais de implemen- tação. A literatura sobre lógicas institucionais tem repetidamente destacado que múltiplas lógi- cas prevalecem em um campo, influencian- do organizações e indivíduos (Friedland & Alford, 1991;Thornton, Ocasio, & Lounsbury, 2012). Entretanto, há perspectivas conflitan- tes nos estudos sobre como estas múltiplas lógicas se alinham ou entram em conflito, e sobre suas consequências para organi- zações e processos internos aos campos organizacionais (Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E., & Lounsbury, M., 2011). As múltiplas lógicas podem ou não ser incompatíveis. Quando há logicas conflitantes, a natureza e a extensão desta incompatibilidade devem ser observadas, pois vão produzir diferentes respostas das organizações. Este estudo analisa os alinhamentos e con- flitos existentes entre a lógica de mercado, a lógica do Estado e as lógicas profissionais (representada pelos profissionais do ISP, profissionais da educação e gestores educa- cionais) nas interações entre organizações do ISP e diferentes atores envolvidos com as políticas de educação pública no contexto de implementação de projetos conjuntos. A partir dos conceitos de centralidade e com-
  • 28. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 4 patibilidade (Besharov & Smith, 2014), os conflitos são analisados separadamente no nível do campo, das organizações e dos in- divíduos. Os resultados encontrados indicam que os contextos de implementação se apresen- tam como ambientes institucionais comple- xos (Greenwood et al., 2011), com elevada fragmentação, dificultando que a centralida- de da lógica de mercado, apresentada nas políticas e planos educacionais, possa ser imediatamente verificada nos níveis micro da política. Mais estudos devem ser realiza- dos, considerando a diversidade de atores e de fatores locais, especialmente para ve- rificar o papel das resistências das lógicas profissionais e de Estado às lógicas do mer- cado. No contexto de realização dos projetos, fo- ram observadas práticas que buscam au- mentar a compatibilidade de lógicas, princi- palmente nas interações entre profissionais de ISP e gestores educacionais e na forma de escolha e estruturação de projetos por parte do ISP. METODOLOGIA Optou-se por olhar as organizações de ISP que atuam na temática de educação, área em que 84% das organizações desse cam- po atuam (Gife, 2016). Dado que essas or- ganizações apresentam uma diversidade grande de práticas, a pesquisa debruçou-se naquelas que se direcionam para os aspec- tos de gestão das políticas educacionais, como assessorias de formulação e imple- mentação, formação de corpo técnico e ges- tor, elaboração de materiais, realização de eventos e pesquisas e desenvolvimento de ferramentas de gestão (planejamento, moni- toramento e avaliação). Para possibilitar o aprofundamento necessá- rio e captar as diferentes lógicas, a pesquisa selecionou três organizações proeminentes do campo.A escolha por essa estratégia não teve o objetivo de produzir estudos de caso ou comparativos e sim a caracterização so- bre o fenômeno estudado. Foram realizadas entrevistas iniciais e observação não-parti- cipante em alguns eventos para seleção de três organizações: Fundação Lemann, Insti- tuto Natura e Instituto Unibanco. Em seguida, a partir de análise documental (sites, relatórios e outras publicações das or- ganizações estudadas), foram exploradas as informações gerais, referente às ações e aos programas com foco no fortalecimento da gestão nas políticas públicas educacionais. A segunda fase de coleta de dados consistiu em entrevistas semiestruturadas com profis- sionais que mantêm algum tipo de relaciona- mento com as organizações selecionadas e as atividades de interesse desta pesquisa. O Quadro 1 resume os eventos e sujeitos mo- bilizados nesta pesquisa.
  • 29. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 5 Quadro 1. Eventos e entrevistas realizados EVENTOS OBSERVADOS ENTREVISTAS Congresso Gife 2016 Profissionais das organizações estudadas Seminário de Avaliação Itaú Social Profissionais de outras organizações do ISP Workshop de Gestão Pública para ISP Gestores públicos envolvidos em projetos com ISP Lançamento BISC 2017 Profissional com experiência no MEC e Consed Seminário de Gestão Educacional I Uni- banco Profissional do Gife Webinar lançamento plataforma Juntos- Comunitas Pesquisadores acadêmicos Webinar Fundação Lemann - BNCC Foram realizadas 11 entrevistas com roteiro semiestruturado, blocadas em quatro macro- temas: trajetória; experiências e concepções de política pública;relações interorganizacio- nais; e espaços reconhecidos.As entrevistas foram realizadas entre outubro de 2016 e fe- vereiro de 2018, sendo cinco delas de forma presencial, todas em lugares públicos em São Paulo, e seis por conferência telefônica, quando não houve possibilidade de encon- tro presencial. Todos os entrevistados auto- rizaram a gravação do áudio das entrevistas para uso exclusivo desta pesquisa, os quais foram transcritos e utilizados na análise. O processo de análise desses materiais passou por uma sistematização das três or- ganizações estudadas e sua atuação com fortalecimento da gestão nas políticas edu- cacionais, por meio da transcrição, codifi- cação e análise por template (King, 2004), permitiu comparar diferentes visões apre- sentadas pelos entrevistados e nos mate- riais analisados, a partir do referencial teóri- co utilizado. Estas etapas foram suportadas pela utilização do software NVivo®. As organizações de ISP estudadas Fundada em 2002 pelo empresário Jor- ge Paulo Lemann, a Fundação Lemann é uma organização familiar privada sem fins lucrativos. Apresenta-se como desenvolve- dora e apoiadora de projetos inovadores em educação, realiza pesquisas para embasar políticas públicas no setor e oferece forma- ção para profissionais da educação e para o aprimoramento de lideranças em diver- sas áreas. Desde a primeira descrição, são enfatizadas a centralidade da inovação, da pesquisa como insumo para políticas públi- cas, formação e lideranças. A Fundação Lemann realiza apoio financei- ro, técnico e estratégico para cerca de 50 instituições através de processo seletivo. A organização também disponibiliza, em seu site, um formulário para que as redes públicas de educação possam manifestar interesse em parceria e indicar quais dos projetos disponíveis gostariam de receber gratuitamente. Os projetos oferecidos vão
  • 30. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 6 de formação de professores a aplicativos de apoio à alfabetização. O Instituto Natura foi criado em 2010 pela empresa do segmento de cosméticos com o mesmo nome, com a perspectiva de que a “educação de qualidade abre horizontes, amplia consciência e gera oportunidades” . Com o foco em educação, os projetos do Instituto Natura atuam em três dimensões: melhoria dos sistemas educacionais, com ações que buscam incorporação de melho- res práticas e aperfeiçoamento do sistema de gestão educacional público; inovação em práticas educacionais, através de ferramen- tas de Tecnologia da Informação e Comuni- cação (TICs); e mobilização da sociedade para educação. Nesta última frente, o insti- tuto promove ações para articular, conectar e integrar redes de relações que fortaleçam a aprendizagem ao longo de toda a vida, dentro e fora do ambiente escolar. O Instituto Unibanco foi criado em 1982 pela família Moreira Salles, donos do banco Unibanco que, em 2008, passou por uma fusão e atualmente se chama Itaú Uniban- co. O Instituto Unibanco tem como objetivo atuar na educação pública no Brasil, com foco em melhoria de resultados e produção de conhecimento sobre o ensino médio. Suas ações são centradas na elaboração e implementação de soluções de gestão para as redes de ensino e sala de aula, através de uma visão orientada para resultados de aprendizagem e equidade. As ações e os projetos do Instituto Uniban- co são voltados ao Ensino Médio e estrutu- radas em três frentes: a primeira é Desen- volvimento de Soluções e Implementação, voltada para concepção, desenvolvimento, implementação e avaliação de soluções aplicadas a projetos de gestão educacional; a segunda, Gestão do Conhecimento, dire- ciona se para produção e difusão de conhe- cimento por meio de pesquisas, estudos e debates focados em soluções baseadas em evidências empíricas e na investigação científica; a terceira, Apoio a Projetos reali- za suporte e fomento a iniciativas alinhados aos desafios do ensino médio. As principais ações do instituto são o Programa Jovem de Futuro, o programa de voluntariado Estudar Vale a Pena, a promoção de editais e fomen- tos e a realização de seminários. As estratégias que as organizações têm ele- gido diferem de acordo com seu porte, seus valores e objetivos.A Fundação Lemann tem atuado em duas frentes: uma focada nas se- cretarias estaduais e municipais oferecendo ferramentas e formações; e outra focada em políticas de âmbito nacional, como a Base Nacional Curricular Comum. O Instituto Na- tura optou por atuar na gestão em nível muni- cipal, através de ferramenta de gestão como o Conviva e pelo regime de colaboração via Redes de Apoio à Educação. O Instituto Uni- banco elegeu o ensino médio e a juventude como focos de atuação de ações com gesto- res educacionais. Lógicas institucionais e atuação público-pri- vada nas políticas públicas Nos trabalhos organizados por Thornton, Ocasio, e Lounsbury (2012) acerca das lógi- cas institucionais, as instituições aparecem como elementos materiais (estruturas e prá- ticas) e simbólicos (ideias e significados) da vida organizacional, estando presente em múltiplos níveis: micro (indivíduos e organi-
  • 31. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 7 zações), meso (campos organizacionais) e macro (societal). Os sistemas interinstitucionais influenciam atores individuais e organizacionais a partir de diferentes ordens institucionais (família, religião, Estado, mercado, profissões, cor- porações e comunidade), moldando a forma como a racionalidade é percebida e experi- mentada. As lógicas institucionais representam fra- mes de referência que condicionam as es- colhas dos atores e ajudam na clarificação acerca dos mecanismos, partes elementa- res de uma teoria que servem de mediação entre causa e efeito e desdobram-se ao lon- go do tempo (Davis & Marquis, 2005). As lógicas preveem significado e identidade aos atores e, como estes circulam em dife- rentes domínios da vida social, exercendo inclusive múltiplos papéis, estas lógicas fre- quentemente se sobrepõem. São nestes es- paços de sobreposição que os atores mani- pulam estes recursos materiais e culturais, transformando identidades, organizações ou sociedade (Thornton, Ocasio, & Louns- bury, 2012).As lógicas institucionais tornam- -se observáveis nas interações sociais, em que os atores as utilizam, manipulam e rein- terpretam. Muitos estudos têm identificado a interação público-privada na implementação de polí- ticas públicas e suas influências. Os atores de implementação encontram-se imersos em diversos contextos institucionais e pro- duzem uma realidade híbrida que envolve múltiplas, coexistentes e potencialmente conflitantes lógicas institucionais (Thor- mann, Lieberherr, & Ingold, 2016). Estas ló- gicas incluem os tipos ideais já identificados na literatura, como a “lógica estatal” , enfati- zando legalidade, equidade e segurança; a “lógica de mercado” , enfocando performan- ce, competição, eficiência e efetividade; ou a “lógica das profissões” , enfatizando técnicas e expertise profissional, redes de formação e associação profissional, reputação e cone- xões pessoais (Scott, 2008). Ao guiar e limitar os comportamentos dos atores, tanto no nível individual, quanto no nível organizacional, as lógicas institucio- nais produzem diferentes resultados. Cabe então às pesquisas compreender estas di- ferentes manifestações e implicações desta complexidade institucional, que nunca está completamente fixada (Besharov & Smith, 2014). Profissionais do ISP tradicionalmente estão imersos em instituições de mercado, agin- do de acordo com valores de performance, eficiência e competitividade.Ao mesmo tem- po, têm atuado num cenário de implemen- tação, aproximando-se da lógica do Esta- do, com suas racionalidades de adequação burocrática. Atuando neste espaço híbrido, irão deparar-se com incompatibilidades que ocorrerão mesmo que os valores estejam compatibilizados em objetivos prescritos em uma política, um programa, projeto ou con- trato (Skelter & Smith, 2014; Alves, Noguei- ra, & Schommer, 2013). Diante destes conflitos, uma parte da litera- tura tem identificado que as respostas dos atores de implementação privados estarão condicionadas à sua identidade relacio- nada à atuação no mercado, levando-os a dar prioridade a estes valores (Thormann, Lieberherr, & Ingold, 2016; Skelter & Smith,
  • 32. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 8 2014) Neste sentido, Besharov & Smith (2014) destacam nas diferenças as possibilidades explicativas, estabelecendo um modelo de análise que considera a compatibilidade e a centralidade das lógicas institucionais distri- buídas nos níveis do campo, das organiza- ções e individualmente. A compatibilidade define o grau em que as múltiplas lógicas implicam consistência e re- forçam ações organizacionais. Já a centrali- dade é definida como a extensão na qual as lógicas envolvidas são tratadas como igual- mente válidas para o funcionamento organi- zacional. Quadro 2. Drivers para a variação da centralidade e compatibilidade de lógicas institucionais Nível Fatores de influência na compati- bilidade Fatores de influência na Centrali- dade Campo Número de profissionais e insti- tuições e seus relacionamentos Estrutura do campo Organizacional Contratação e socialização Missão e estratégia Dependência de recursos Individual Interdependências Laços com referências no cam- po Aderência às lógicas Poder relativo Fonte: Besharov & Smith, 2014 No nível do campo, a compatibilidade ma- nifesta-se pelo número de instituições pro- fissionais presentes e sua relação. No nível organizacional, práticas de contratação e socialização impactam a compatibilidade das lógicas, assim como definição e ajus- tamento de objetivos e dependência de re- cursos. Finalmente os indivíduos que, ainda que submetidos às lógicas do campo e prá- ticas organizacionais, exercem algum nível de agência selecionando, interpretando a atuando com as diferentes lógicas. A atua- ção destes indivíduos está relacionada com suas conexões intra e extra- organizacionais (Besharov & Smith, 2014). Já a centralidade se manifesta no nível do campo pelo seu tipo de estruturação.Alguns campos são mais fragmentados, apresen- tando distintos e descoordenados clusters, ou mais centralizados, quando o campo apresenta algum grau de hierarquia que cris- taliza demandas unificadas. As organiza- ções podem alterar missões e objetivos para realizarem adequações que reforcem algum cluster e aumentem a centralidade. No nível organizacional, a dependência de recursos aumenta a centralidade na medida em que organizações dependem de um ator particular ou grupo para recursos críticos, mesmo que se oponham a estas lógicas. Os indivíduos aderem de formas diferentes às logicas, dependendo de suas relações so- ciais e sua posição na organização. Quando esta adesão privilegia uma lógica mais cen- tral, eles conseguem incorporá-la de forma mais responsiva na organização; quando
  • 33. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 9 esta adesão é a uma lógica mais fraca é mais difícil essa internalização. A centrali- dade é maior quando múltiplas lógicas exer- cem influência similar sobre os indivíduos (Besharov & Smith, 2014). Políticas educacionais e lógicas profissio- nais do mercado e do Estado Na interação entre ISP e políticas educacio- nais, há a participação mais intensa de três grupos profissionais distintos: da educação, atuando nas escolas; gestores educacionais (secretarias de educação); e profissionais do ISP. Há diversas entidades representativas dos segmentos dos profissionais da educação, com destaque para a Confederação Na- cional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Professores, coordenadores e ou- tros profissionais atuando nas escolas dão prioridade à defesa e valorização dos inte- grantes da comunidade educacional, com reivindicações voltadas para condições de trabalho e ampliação do financiamento pú- blico da educação. Possuem uma forte ló- gica de Estado, bem como lógica profissio- nal, considerada conservadora e resistente a inovações. A formação de professores no Brasil é considerada desarticulada com práticas de base, sendo muito mais filosó- fica, com fortes resistências às avaliações que busquem mensurar tanto eficácia e efi- ciência da gestão, quanto de processos de aprendizado e abordagens mais multidisci- plinares e integradoras (Borges, Aquino, & Puentes, 2012). Os gestores educacionais, representados principalmente pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), possuem uma lógi- ca predominante de Estado, na medida em que buscam principalmente a pressão e pre- servação de seus orçamentos. Ao mesmo tempo, tem sido através destas entidades que o ISP tem se aproximado das políticas públicas educacionais. Essa aproximação ocorre tanto como canal de comunicação com as redes educacionais de Estados e municípios, quanto como via de validação da atuação do ISP nas políticas educacionais, dada a legitimidade que essas organizações possuem dentro do campo da educação. Os profissionais do ISP atuam preponderan- temente na lógica de mercado, mas também fazem o esforço de alinhar demandas sociais e públicas nas suas práticas (Alves, Noguei- ra, & Schommer, 2013). O Grupo de Insti- tutos Fundações e Empresas (Gife) é uma organização reconhecida como importante para promover maior interação do campo do ISP em pautas comuns. Entre suas agendas estratégias, está a nomeada como “Alinha- mento com políticas públicas” , representan- do a emergência dessa discussão dentro do campo e a necessidade de os associados trocarem experiências entre si para verifica- ção das práticas que são legitimadas pelos seus pares. Além dos profissionais de ISP atuando prin- cipalmente nos institutos, fundações, e em alguns casos em programas mantidos dire- tamente pelas empresas, o campo do ISP é conformado pela influência dos mantenedo- res. Um campo organizacional consolidado é caracterizado pelo aumento na circulação e troca entre seus atores. Ao analisar a com-
  • 34. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 10 posição dos conselhos das organizações de ISP estudadas, é observado que os con- selhos são compostos geralmente pessoas próximas e executivos da empresa mante- nedora ou por um grupo de especialistas no tema. O conselho da Fundação Lemann é inteira- mente composto por membros da família e amigos pessoais do seu fundador. O Institu- to Natura possui duas instancias: o conse- lho administrativo, composto por executivos ligados à empresa e executivos de outras fundações e institutos (como diretores-exe- cutivos do Instituto Unibanco e Fundação Lemann); o conselho consultivo, composto por especialistas da área de educação e di- retores de outras organizações. Enquanto o Instituto Unibanco tem uma presidência e uma diretoria compostas por executivos do Itaú-Unibanco e um conselho formado por pessoas do setor de educação, economistas e pelo executivo da Fundação Itaú Social. Tanto os gestores educacionais, quanto os profissionais de ISP podem ser conside- rados comunidades profissionais fluidas (Mendonça & Alves, 2012), em que o pro- cesso de profissionalização ocorre por re- des informais que acabam preenchendo a lacuna de alguns mecanismos institucionais presentes em categorias profissionais mais estabelecidas, em que a teorização e a dis- seminação de práticas ocorrem em espaços de formação e atuação profissional bem de- limitados, inclusive sujeitos a regulamenta- ção específica. Há uma forte interação entre gestores edu- cacionais e profissionais de ISP, possibili- tando que convivam e explorem diferentes lógicas institucionais, suas inconsistências e seus conflitos internos (Friedland & Alford, 1991). Os profissionais da educação atuam de modo a criar resistências com relação às interações do ISP e dos gestores da educa- ção. Além destes, há muitos atores no Executi- vo, Legislativo, Judiciário federal e nos entes subnacionais que participam das políticas educacionais, além de diversos atores da sociedade civil (sindicatos, ISP, ONGs, as- sociações científicas, associações patronais de entidades privadas de educação, entre outros.), destacando a alta fragmentação deste campo (Sena Martins, 2018). Compatibilidade e centralidade nas organi- zações estudadas Características das organizações impactam a compatibilidade de lógicas no campo. Na relação do ISP com gestores educacionais não há entidades profissionais fortes atuan- do, ao contrário dos profissionais da educa- ção que trabalham diretamente nas escolas e que por vezes têm sindicatos fortes. Entre ISP e gestores educacionais, a rela- ção é muito mais dependente das redes e trocas informais entre os profissionais. Estas trocam moldam a forma como estes atores utilizam as diferentes lógicas. A compatibili- dade também aumenta quando o ISP aporta recursos financeiros e técnicos entre os ges- tores educacionais. No caso de dependência de recursos, organizações respondem a de- mandas de grupos, mesmo que se oponham às lógicas que sustentam estas demandas (DiMaggio & Powell, 1983). Num campo fragmentado, como o das polí- ticas educacionais, a centralidade da lógica
  • 35. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 11 de mercado é buscada pelo ISP a partir da influência sobre missões e objetivos orga- nizacionais (Besharov & Smith, 2014). A missão e as estratégias situam as organi- zações dentro de um campo ou na interse- ção de muitos campos. Mais uma vez aqui, a disponibilização de recursos técnicos e financeiros atua como forma de dar mais centralidade às práticas legitimadas pelo mercado, em especial a de colocar como ponto central as avaliações nas políticas de educação. Observa-se que o ISP utiliza-se da legiti- mação por persuasão e tradução, que con- siste no uso de linguagem e construção de significados como forma de influência. A apropriação de conceitos e valorização de elementos próprios da gestão pública ocorre para buscar aproximação e identifi- cação. Nesta pesquisa, observou-se que o termo gestão é caro tanto para o Poder Pú- blico como ao privado, mas que, para o ISP conseguir legitimar-se, é preciso relacionar em seu significado o conceito do “fortaleci- mento” do setor público. Além de transmitir ideia de valorização do público, este tam- bém consiste em afastar as críticas sobre tentativas de sobreposição ou limitação da atuação do Estado por uma lógica merca- dológica na gestão. No primeiro aspecto, centraliza-se a ideia de que as empresas devem contribuir com o fortalecimento das organizações públicas através da articulação e transferência de conhecimento. A principal contribuição do ISP seria repassar conhecimentos e ferra- mentas de gestão para o setor público, que carece desse conhecimento, enquanto as organizações que estão mais próximas do mundo empresarial têm esse conhecimento ou mais facilidade para acessá-lo. Consequência dessa visão é a compreen- são do setor público como tendo uma fra- gilidade técnica muito grande, impactando a condução das políticas públicas sob sua responsabilidade. Um relato indicou até que a escolha de atuação com a área de educa- ção no setor público se dá pelo fato de que o corpo técnico é menos qualificado para aspecto de gestão, visto que a maioria da sua composição é de educadores formados em cursos de Pedagogia ou de áreas que desenvolvem de forma restrita conteúdos de gestão. Essa característica fortaleceria a ideia de que o ISP tem uma contribuição significativa a dar neste setor. A expressão na crença no setor público, na valorização do profissional da área de edu- cação e na qualificação dos serviços públi- cos é elemento mobilizador para dar mais centralidade à lógica de mercado. Relatos de resistência do setor público a este movimento foram vistos ao longo da pesquisa, embora este aspecto não tenha sido o foco central do estudo. Há uma per- cepção do ISP sendo recebido pelo que a organização representa financeiramente, em um primeiro momento, tanto por parte de entrevistados do ISP como pelos fora dele: Como prestador de serviços não, mas como um cifrão é muito comum. (...) você chega num lugar e é olhado como dinheiro vivo... é muito comum. Então essa constru- ção da parceria tem que ser realmente... é.... devagarzinho para entender: Ah tá, ele pode contribuir para além do dinheiro, né? (E2)
  • 36. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 12 Eu sempre acho que é importante ter par- ceria com instituições privadas. Por exem- plo, ISP X tem dinheiro, a gente sabe dis- so, é uma associação rica. A missão não o lucro, mas... o ISP X é um dos que mais arrecada. E a administração pública tem um orçamento que é limitado, eu acho que tem que fazer parceria sim. (E4) O ISP tenta deslocar o foco dos recursos financeiros para o acúmulo de recursos técnicos. Houve a recorrente necessidade dos entrevistados do campo em indicar que há um esforço de demostrar que possuem capacidades técnicas e experiências que podem interagir de forma qualificada com as políticas públicas. Nesse ponto, o perfil dos profissionais do ISP, recrutados a partir de experiências anteriores tanto em ONGs como no poder público são evocadas como forma de se legitimar frente aos interlocuto- res do poder público e da sociedade civil, bem como permitem a estes profissionais lidarem com as diferentes lógicas presentes no campo. Foi observado que os profissio- nais do ISP ora fazem uso do “chapéu” mais vinculado ao mundo empresarial, ora substi- tuem pelo “chapéu” que mais os aproximam da sociedade civil e do Estado, fazendo uso de certas linguagens, experiências e rela- cionamentos dependendo da lógica em que buscam mobilizar. Como critério de seleção de municípios par- ceiros frequentemente são utilizados indica- dores de vulnerabilidade ou de resultados educacionais abaixo da média. Igualmen- te, a definição de território de atuação por questões pessoais foi mencionada. Foram citados casos em que a localidade de atu- ação foi escolhida por uma questão de re- lacionamento dos profissionais do ISP com gestores educacionais, demostrando mais uma vez a importância das redes que se es- tabeleceram neste nível. Foi possível identificar que é recorrente a prá- tica de sistematizar ou financiar a produção de conhecimento sobre projetos em educa- ção de algum tema ou demanda identificada, seguindo no desenvolvimento de alternativas para resolução desse problema e, por fim, na implementação das ações desenhadas e no monitoramento dos resultados. Dentro dessa perspectiva, analisou-se que a ação orien- tada por evidências e dados com o objetivo de atingir impactos e transformação social é recorrente no discurso das organizações do ISP. Esse aspecto é essencial para diferen- ciar de uma atuação tradicional, vinculada à filantropia, no sentido de ação sem orienta- ção por resultados. Esse resultado é men- surado através de avaliação e na adoção de metas compostas com indicadores, algo que passa a aparecer com mais frequência nos planos educacionais, notadamente no PDE 2007. Entre as organizações estudadas, conside- rando os depoimentos coletados, a avalia- ção por uso de dados apareceu na fala de várias organizações. Entretanto, foi nas falas do Instituto Unibanco que a avaliação eco- nométrica foi mencionada, indicando que, como se trata de um processo muito dispen- dioso de tempo e recursos, esse modelo de avaliação dificilmente poderia ser realizado pelo setor público, por isso a contribuição do ISP nessa categoria. Há a demonstração por parte do instituto da necessidade de difundir uma cultura de avaliação entre os gestores educacionais, para que façam uso de dados nas suas escolhas e ações e que esse uso seja também pedagógico, não apenas admi-
  • 37. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 13 nistrativo. Entende-se por uso pedagógico quando o gestor utiliza os resultados das avaliações e dos dados sobre o sistema escolar para verificar em que aspectos sua escola está abaixo do rendimento esperado e elabore planos de ação para responder a essa lacuna. Além do aspecto de avaliação e uso de in- dicadores, outra característica da atuação do ISP é a busca por “inovação” que traga conteúdo ou ferramentas novas para o cam- po. Essa seria a grande contribuição do ISP para as políticas públicas, visto que o setor público teria maior dificuldade em promover esse tipo de providência. Os recursos relacionais e financeiros das organizações do ISP permitem o acesso à produção de conhecimento internacional e nacional através de aproximações com universidades e centros de pesquisa, as- sim como pela contratação de elaboração de estudos específicos. As organizações do ISP são reconhecidas, tanto por membros do campo como de fora, como aquelas que buscam experiências exitosas e conheci- mentos novos, traduzindo-os para uma lin- guagem mais próxima do público-alvo (no caso, gestores e profissionais da educação), sistematizam-nos através de publicações, materiais de formação e apoio e websites e, por fim, disseminam esse conteúdo através da elaboração de projetos, eventos ou vin- culação na mídia. A Fundação Lemann tem uma das suas áreas dedicadas à pesquisa e produção de conteúdo. Através de pesquisas de experi- ências e políticas de outros países e no Bra- sil, a fundação busca melhores propostas e traduz ou adapta para que sejam dissemina- das no Brasil. Por sua parte, o Instituto Na- tura tem uma área focada na realização de pesquisas para a produção de conhecimen- to nos temas de atuação e sobre os projetos do instituto, envolvendo temas como educa- ção em tempo integral, regime de colabo- ração e comunidade de aprendizagem. O Instituto Unibanco também possui uma área de pesquisa, chamada Gestão de Conheci- mento, que faz pesquisas voltadas para seu principal programa, o Jovem de Futuro. São, portanto, pesquisas mais relacionadas com temas como juventude e ensino médio. Próximo a essa ideia de contribuição através de pesquisa, o conceito de “piloto” parte do pressuposto de que um projeto precisa pas- sar por um ciclo de validação que comprove sua efetividade para depois ser transferido para o setor público como política pública. Segundo as organizações, o ciclo de desen- volvimento, implementação, monitoramento e avaliação permite conhecer as condições mínimas necessárias para o sucesso do projeto: Todos os projetos são pautados com uma lógica de você tentar fazer um piloto, im- plementar, validar... e colocar em escala para tentar contribuir com a maior quan- tidade de alunos possíveis e os alunos. (E5) O piloto é reconhecido no campo do ISP e praticado por organizações de maior porte que têm a possibilidade de investir em ava- liação para a validação da metodologia tes- tada. Também foi mencionado o piloto como uma contribuição para inovação de políticas públicas, visto que é possível testar meto- dologias novas antes de disseminar. As or- ganizações também indicam que, dado seu
  • 38. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 14 alto custo de recursos e políticos, o setor pú- blico não tem condições de realizar pilotos, enquanto o ISP tem essa possibilidade por não ter a vinculação obrigatória de oferecer a ação para todos. Como crítica, essa estratégia acaba limi- tando as possibilidades de adaptação e mudanças do projeto, visto que as organi- zações formuladoras procuram manter o projeto conforme testado no piloto, enquan- to o setor público apresenta a percepção de que é necessário adaptar com outras ações e contextos presentes dentro de uma rede educacional que, por ser mais ampla, tor- na também quase impossível isolar apenas uma intervenção das dezenas outras que ocorrem concomitantemente, como o piloto permite fazer. Compatibilidade e centralidade no nível in- dividual A forma como os membros das organiza- ções mobilizam múltiplas lógicas é influen- ciada pelas redes intra e extraorganizacio- nais de que eles participam. (Besharov & Smith, 2014). Na relação entre ISP e polí- ticas públicas de educação, muitas destas redes foram construídas a partir da aproxi- mação com entidades de gestores educa- cionais como Consed e Undime: Quando a gente começou esse primeiro movimento de transferir, então, teve a fase piloto, teve a avaliação do PB, conclui-se que tinha impacto na aprendizagem. Aí a gente foi na reunião do Consed. (E6) Então ao falar com a liderança da Undi- me e do Consed a gente entende que isso tem mais representatividade, e foi muito importante para a gente ter uma constru- ção desse guia de implementação. (E9) Por ser composto por secretários de Educa- ção, inclusive na presidência, segundo os entrevistados, o Consed oscila entre mais aberto ou menos aberto à recepção do ISP dependendo de quem está na gestão do conselho. O Consed recentemente foi orga- nizado por grupos de discussão temáticos, sendo composto por uma liderança de algum Estado específico e pelos demais membros que têm atuação mais direta com aquela frente dentro de suas redes. As organizações do ISP, por sua vez, cons- truíram a estratégia de aproximação desses grupos de acordo com seus focos de atua- ção. O Instituto Unibanco relatou acompa- nhar principalmente as discussões sobre en- sino médio e gestão escolar, além de buscar oferecer com o Consed seminários e cursos. A Fundação Lemann indicou uma atuação mais próxima do Consed e das Undimes para apoiar as secretarias na implementação do currículo, através de formações e materiais orientadores, como um Guia de Implemen- tação, sendo este último uma demanda do próprio líder da Undime, segundo relato. O Instituto Natura, mesmo tendo um foco na gestão municipal, tem proximidade com o Consed e a Undime. Sua atuação dá-se atra- vés de pesquisas sobre governança e elabo- ração de ferramentas de gestão que possam apoiar as secretarias de Educação. O Convi- va Educação é uma iniciativa nesse sentido, que além do Consed e da Undime, envolve outras organizações do ISP como parceiras, e consiste em uma plataforma que busca apoiar a gestão educacional, principalmen- te na elaboração dos Planos Municipais de
  • 39. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 15 Educação. Recentemente, o Instituto Natura também apoiou a restruturação de gover- nança do Consed. A chegada diretamente no líder do Execu- tivo para a construção dessa relação, seja no ministro, governador ou prefeito, foi apre- sentada como negativa. A justificativa para esse tipo de ação é que dessa forma a deci- são da realização da parceria baseia-se em questões políticas que são mais instáveis e acabam sendo conduzidas de forma imposi- tiva, assim como a aprovação de cima para baixo muitas vezes não envolve a validação dos técnicos das secretarias sobre a rele- vância e qualidade do projeto proposto. Por outro lado, a chegada via secretarias passa- ria por uma avaliação técnica maior. Há também estratégias de fomento de redes na ponta, no nível de implementação, com ações que suportem a colaboração dentro do mesmo município ou Estado, articulando experiências entre as secretarias de dife- rentes localidades. Essa estratégia tem sido fomentada inclusive pelo Banco Interame- ricano de Desenvolvimento (BID) através do Movimento Colabora, que está alinhado com o objetivo do ISP de ganhar escala e maiores impactos, posto que a rede possibi- lita ter maior abrangência de atuação. Foi verificada a adoção de diferentes estra- tégias para fortalecer as redes colaborati- vas, buscando aproveitar aquelas existentes entre as secretarias de Educação estaduais e municipais. As organizações de ISP têm se aproximado de associações como o Consed e a Undime para capilarizar alguma ação entre as redes ou então criar instân- cias de discussão de pautas colaborativas. Os relacionamentos entre os membros da rede e seu grau de interdependência afetam seus laços dentro do campo, permitindo que o ISP possa fortalecer ações de coesão en- tre grupos para aumentar a compatibilidade de lógicas dentro das organizações públi- cas, mesmo que ainda guardem diversas in- compatibilidades com lógicas presentes no campo das políticas educacionais. Foi identificada a existência de equipes de profissionais do ISP atuando dentro das redes de ensino pública, no nível local. A Fundação Lemann, por exemplo, conta com uma equipe responsável pelo acompanha- mento das 21 redes em que atuam, buscan- do identificar suas necessidades e contribuir com soluções para seus problemas. O Ins- tituto Natura, através da Rede de Apoio à Educação (RAE), atua em formato de polos em três Estados (SP, PA e BA) através de uma coordenação central na sua sede e de articuladores locais. O Instituto Unibanco, via gerência de implementação, coordena as ações nas redes com a presença de pelo menos um gestor local, que atua dentro das secretarias com as quais o instituto tem par- ceria. Sobre a ação de ter um funcionário do ISP dentro das secretarias, houve críticas: É alguém do Instituto Y, tem um funcioná- rio do Instituto Y, local, alguém do Ceará, que o trabalho do cara é esse. É um fun- cionário do Instituto Y que está na secreta- ria, o que é bem criticável. Já vi artigos de que isso é uma consultoria, que a gente põe pessoas dentro da secretaria... en- fim... foi a estratégia que o instituto defi- niu para disseminar, para de repente fazer essa estratégia de saída depois. (E6)
  • 40. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 16 O Instituto Y ofereceu pagar o salário de uma pessoa em cada secretaria que ade- risse para organizar o trabalho, reconhe- cendo que muitas secretarias não iam con- seguir aproveitar o dinheiro público que o governo estava oferecendo pelo governo federal. [...] O instituto falou: Bom, se uma secretaria estadual quiser aproveitar essa oferta do governo federal e não tiver como, a gente passa diretamente para essa se- cretaria o salário da pessoa. (E9) CONCLUSÃO A natureza plural dos ambientes institu- cionais resulta que as organizações estão sempre buscando suporte externo para lidar com instabilidades e incorporar diferentes incompatibilidades estruturais (Meyer & Ro- wan, 1977). Os autores que se têm debruça- do sobre a análise das lógicas institucionais (Friedland & Alford 1991; Thornton, Ocasio, & Lounsbury, 2012; Besharov & Smith, 2014; Greenwood et al., 2011) passaram a apro- fundar-se acerca da prevalência e das impli- cações resultantes da incorporação destas múltiplas demandas institucionais. Este trabalho analisou os alinhamentos e os conflitos existentes entre a lógica de merca- do, a lógica do Estado e as lógicas profis- sionais nas interações entre organizações do ISP com atuação na área de educação na estrutura das políticas públicas educa- cionais, destacando a centralidade e com- patibilidade das múltiplas lógicas existentes (Besharov & Smith, 2014). Na interação das ações diretas do ISP nos projetos de forta- lecimento da gestão diferenciam-se os pro- fissionais da educação e os gestores educa- cionais. O campo do ISP é mais amplo do que o re- corte das organizações trabalhando com a temática do fortalecimento da gestão nas políticas educacionais consideradas neste trabalho. No entanto foi possível perceber que já há uma compatibilidade no nível dos tomadores de decisão das políticas de edu- cação, uma vez que lógicas de mercado apa- recem de forma incisiva no PDE, enfatizando o papel das avaliações e dos resultados na política. Isto foi observado por outros auto- res (Coelho, 2002; Bonamino & Sousa, 2012; Saviani, 2007; Simielli, 2008; Camini, 2010) e apontado na introdução como pano de fun- do e justificativa para o aprofundamento das análises destas relações nos níveis de imple- mentação e mais recortados da política. A fragmentação na implementação de polí- ticas educacionais enfraquece a compatibi- lidade de lógicas presente nos planos nacio- nais, e as resistências à lógica do mercado tornam-se mais visíveis. A compatibilidade busca encontrar consistências em ambientes influenciados por múltiplas lógicas, sendo re- forçadas nas ações organizacionais. Uma prática do ISP que busca aumentar a compatibilidade é recrutar profissionais que já tenham atuado em outros setores e estejam instrumentalizados para realizar as traduções entre lógicas de forma a lidar melhor com estes conflitos. A interação dos profissionais do ISP com os gestores edu- cacionais contribui para que no nível indivi- dual ocorra maior compatibilidade na medi- da em que os agentes são capazes de lidar com alinhamento de práticas nos contextos de realização dos projetos. Pelo fato de os projetos selecionados pelo ISP focalizarem municípios com piores indicadores, esta es-
  • 41. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 17 tratégia acaba tendo o efeito de aumentar a compatibilidade de lógicas, uma vez que a dependência técnica e de recursos financei- ros é maior. A centralidade implica que uma lógica pode estar incidindo mais do que outra em am- bientes institucionais complexos, determi- nando como as organizações irão se ajus- tar. Se no nível da formulação e tomada de decisão é possível verificar alguma centrali- dade da lógica de mercado, no contexto da implementação ainda é difícil tecer conclu- sões, uma vez que estes contextos se mos- tram mais fragmentados e diversos. Uma dimensão importante neste sentido, que não foi explorada em detalhe neste es- tudo, é o papel dos profissionais da educa- ção e a resistência que podem estar exer- cendo para impedir o desenrolar da lógica de mercado no contexto da implementação. Estes, assim como outros atores apontados por Sena e Martins (2018), não foram incor- porados neste estudo. Diante disso, é possí- vel que futuros estudos aprofundem mais o papel das lógicas profissionais na mediação dos conflitos de lógicas nas políticas educa- cionais. Uma hipótese a se verificar é que a a relação entre fragmentação do campo e a centralidade de lógicas nas políticas educacionais deve sofrer variações quando considerados os entes subnacionais e sua enorme diversidade, o perfil dos gestores, os profissionais da educação e as práticas adotadas. REFERÊNCIAS Alves, M. A., Mendonça, P., & Nogueira, F. A. (Org.) (2006). Arquitetura institucional de apoio às organizações da sociedade civil no Brasil. 1ed.São Paulo: PGPC. Alves, M.A., Nogueira, F;A., & Schommer, P. C. (2013) Profissionalização e Lógicas Ins- titucionais: O Profissional do Investimento Social Privado no Brasil. Anais do XXXVII Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro. Recu- perado de <http://www.anpad.org.br/admin/ pdf/2013_EnANPAD_EOR2358.pdf>. Besharov, M.L. & Smith, W.K. (2014). Mul- tiple Institutional Logics in Organizations: Explaining Their Varied Nature and Impli- cations. Academy of Management Review, 39,364-381. Recuperado de http://dx.doi. org/10.5465/amr.2011.0431 Bode, I. (2013). Processing Institutional Change in Public Service Provision: The Case of the German Hospital Sector. Public Organization Review 13:323. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s11115-012-0201-z Bonamino, A. & Sousa, S. Z (2012). Três gerações de avaliação da educação bási- ca no Brasil: Interfaces com o currículo da/ na escola. Educação e Pesquisa, São Pau- lo, v. 38, n. 2, p. 373-388. doi: http://dx.doi. org/10.1590/S1517-97022012005000006. Borges, M. C., Aquino, O. F., & Puentes, R.V (2012, Agosto). Formação de professo- res no Brasil: história, políticas e perspec- tivas. Revista HISTEDBR On-line, Campi- nas, SP, 11(42),94-112, ISSN 1676-2584. Recuperado de <https://periodicos.sbu. unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/arti- cle/view/8639868/7431>. doi: https://doi. org/10.20396/rho.v11i42.8639868. Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educa-
  • 42. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 Patricia Maria Emerenciano Mendonça - Paula Santana Santos 18 ção Nacional. Recuperado de <http://www. planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Lei nº 10.172, de 9 de Janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Recuperado de <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/ leis_2001/l10172.htm>. Lei nº 13.005, de 25 de Junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Recuperado de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007 . Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Recuperado de <http://www. planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/ d6094.htm>. Camini, L (2010). A política educacional do PDE e do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, 26(3)535-550. Recuperado de < https://seer. ufrgs.br/rbpae/article/view/19797> Coelho, F.S.(2002).A Educação Profissional no Brasil entre o Estado e a Sociedade Civil: Evolução, Debate Atual e Experiência Re- cente.(Dissertação de Mestrado). Fundação Getúlio Vargas - FGV, São Paulo. Recupe- rado de: < http://hdl.handle.net/10438/5168> Deboni, F. (Org.) (2013). Investimento Social Privado no Brasil: Tendências, desafios e potencialidades. Brasília: Instituto Sabin. Deboni, F.(2016). O sentido público do In- vestimento Social Privado. GIFE. Recupe- rado de <http://gife.org.br/artigo-o-sentido- -publico-do-investimento-social-privado/>. Dimaggio, P. & Powell, W. (1983) The iron cage revisited: Institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2)147- 160. GIFE (2014). Censo GIFE. Recuperado de < https://sinapse.gife.org.br/download/censo- -gife-2014>. GIFE (2016). Censo GIFE. Recuperado de <http://gife.issuelab.org/resource/censo-gi- fe-2016.html>. Friedland, R. & Alford, R.R. (1991). Bringing society back in: Symbols, practices,and insti- tutional contradictions. In W.W. Powell & P.J. DiMaggio (Eds.), The new institutionalism in organizational analysis (pp. 232–266). Chica- go: University of Chicago Press. Greenwood, R., Raynard, M., Kodeih, F., Micelotta, E., & Lounsbury, M. (2011) Institutional Complexity and Organiza- tional Responses, The Academy of Ma- nagement Annals, 5(1)317-371, doi: 10.1080/19416520.2011.590299 Hill M. & Hupe P. (2003) The multi-layer pro- blem in implementation research. Public Ma- nagement Review. 5(4)471–490. King, N (2004). Using templates in the the- matic analysis of text. Essential Guide to Qualitative Methods in Organizational Rese- arch. London: Sage, 2004. p. 256-270. Meyer, J. W., & Rowan, B. (1977). Institutio- nalized organizations: Formal structures as
  • 43. INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INTERAÇÕES MEDIADAS POR MÚLTIPLAS LÓGICAS INSTITUCIONAIS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-19 | e-80688 | 2020 19 myth and ceremony. American Journal of Sociology, 83(2)340–363. Modesto, A (2016). O Investimento Social Privado e os projetos na área da saúde. Re- cuperado de <http://comunitas.org/juntos/ publicacao/o-investimento-social-privado-e- -os-projetos-na-area-da -saude>. Nogueira, F. A. & Schommer, P. C. (2009). Quinze anos de Investimento Social Priva- do no Brasil: Conceito e práticas em cons- trução. ENANPAD - Encontro Científico de Administração da ANPAD, 33. Anais.. São Paulo, ANPAD. Saviani, D. (2007). O ensino de resultados. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 abr. 2007. Scott, W. R. (1983). The Organization of En- vironments: Network, Cultural and Historical Elements. in: Organizational Environment: Ritual and Rationality, edited by John W. Meyer and W. Richard Scott. Beverly Hills, California: Sage Sena Martins, P. (2014). A política das polí- ticas educacionais e seus atores. Jornal de PolíticasEducacionais,[S.l.],jun.2014.ISSN 1981-1969. Recuperado de <https://revistas. ufpr.br/jpe/article/view/35739/24018>. doi: http://dx.doi.org/10.5380/jpe.v8i15.35739. Silva, A. L., Andrade, S. (2016). O alinhamen- to do Investimento Social Privado às políti- cas públicas. Gife: pelo impacto do desen- volvimento social. Recuperado de <http:// GIFE.org.br/o-alinhamento-do-investimento- -social-privado-as-politicas-publicas/>. Simielli, L. E. R. (2008). Coalizões em edu- cação no Brasil: A pluralização da Socieda- de Civil na luta pela melhoria da educação pública. (Dissertação de Mestrado). Funda- ção Getúlio Vargas - FGV, São Paulo. Thomann, E., Lieberherr, E., & Ingold, K. (2016) Torn between state and market: Priva- te policy implementation and conflicting ins- titutional logics. Policy and Society, 35(1)57- 69, doi: 10.1016/j.polsoc.2015.12.001 Thornton, P. H. & Ocasio, W. (2008). Institu- tional logics. In: Greenwood, R.; Oliver, C.; Sahlin, K.; Suddaby; R. (Orgs.). The Sage Handbook of Organizational Institutiona- lism. London: Sage.
  • 44. ARTIGO: CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 1 CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ CONCENTRATION AND DEPENDENCE OF CONSTITUTIONAL TRANSFERS IN THE MUNICIPALITIES OF PARÁ. CONCENTRACIÓN Y DEPENDENCIA DE TRANSFERENCIAS CONSTITUCIONALES EN LOS MUNICIPIOS DE PARÁ. RESUMO Esta pesquisa aborda o tema transferências de receitas intergovernamentais e orienta-se pelo seguinte: em que medida as transfer- ências de recursos entre os entes federados cumpre o seu objetivo de equalização de disparidades regionais? O objetivo deste artigo foi investigar a desigualdade na distribuição de recursos por meio das transferências constitucionais aos municípios do Pará, Brasil. A pesquisa está sustentada na teoria das finanças públicas, notadamente na teoria da repartição de receitas tributárias entre entes federados. Parte-se da hipótese de existência de concentração das transferências intergovernamentais nos municípios paraenses, especificamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a distribuição das cotas-partes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (cota-parte do ICMS). Para testar a hipótese, foram usados índice T de Theil e coeficiente de Gini para os municípios do Estado entre 2010 e 2016. Os resultados demonstraram que há concentração de recursos em um grupo restrito de municípios com as cotas-parte do ICMS. Por outro lado, existe maior dispersão na distribuição do FPM. Tal situação deve-se pelo fato de o ICMS ter grande peso sobre municípios com maior valor adicionado fiscal, enquanto que o FPM possui critérios que favorecem melhor distribuição. Entretanto existe ainda uma forte dependência dos municípios paraenses em relação à distribuição destes recur- sos, o que requer uma gestão mais eficiente dos governos municipais para melhor utilizar os recursos disponíveis. PALAVRAS-CHAVE: FPM, ICMS, Gini, desenvolvimento, impostos. Marcos Rodrigues1 [email protected] ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3879-6115 David Costa Correia Silva1 [email protected] ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6061-6665 1. Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) Submetido 22-05-2019. Aprovado 16-01-2020 Avaliado pelo processo de double blind review DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.79256 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 45. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 2 ABSTRACT This study addresses the intergovernmental financial resources transfers and is guided by the fol- lowing research problem: are the resource transfers between federated entities meeting their goal of equalizing regional disparities? This research aimed to investigate the inequality of distribuition of the constitutional financial resources to municipalities in Pará state, Brazil.The research is based on the theory of public finances,notably on the theory of tax revenue sharing between federated entities.The hypothesis stablished assumes that there is concentration of the constitutional financial transfers in the municipalities of Pará, specifically the Municipal Participation Fund (FPM) and the distribution of the the Tax on the Circulation of Goods and Services (ICMS).To test this hypothesis,the Theil’s T index and the Gini coefficient were used for the municipalities of Pará between 2010 and 2016.The results showed that there is a concentration of resources in a restricted group of municipalities for the resourc- es of ICMS, on the other hand, there is greater dispersion in FPM distribution.This occurs because the ICMS has great weight on municipalities with higher fiscal added value,while the FPM criteria are favorable to better distribute resources.However,there is still a strong dependence on municipalities to the distribution of these resources, which requires a more efficient management of municipal govern- ments to make better use of available resources. KEYWORDS: FPM, ICMS, Gini index, development, taxes. RESUMEN Este estudio aborda las transferencias de recursos financieros intergubernamentales y se guía por el siguiente problema de investigación: ¿las transferencias de recursos entre entidades federadas cumplen su objetivo de igualar las disparidades regionales? Esta investigación tuvo como objetivo investigar la desigualdad en la distribución de los recursos financieros constitucionales a los mu- nicipios del estado de Pará, Brasil. La investigación se basa en la teoría de las finanzas públicas, especialmente en la teoría de la distribución de los ingresos fiscales entre las entidades federadas. La hipótesis establecida supone que hay una concentración de las transferencias financieras consti- tucionales en los municipios de Pará, específicamente el Fondo de Participación Municipal (FPM) y la distribución del Impuesto sobre la Circulación de Bienes y Servicios (ICMS).Para probar esta hipó- tesis, se utilizaron el índice T de Theil y el coeficiente de Gini para los municipios de Pará entre 2010 y 2016. Los resultados mostraron que existe una concentración de recursos en un grupo restringido de municipios para los recursos de ICMS, por otro lado Por otro lado, hay una mayor dispersión en la distribución de FPM. Esto ocurre porque el ICMS tiene un gran peso en los municipios con mayor valor agregado fiscal,mientras que los criterios de FPM son favorables para distribuir mejor los recur- sos. Sin embargo, aún existe una fuerte dependencia de los municipios para la distribución de estos recursos, lo que requiere una administración más eficiente de los gobiernos municipales para hacer un mejor uso de los recursos disponibles. PALABRAS CHAVES: FPM, ICMS, Índice de Gini, desarrollo, impuestos INTRODUÇÃO Em um contexto de déficit fiscal e contin- genciamento de recursos pelo governo em suas diversas esferas (nacional, estadual, distrital e municipal), cabe aos entes fede- rativos compreender as necessidades de recursos de cada membro e efetuar as re- partições previstas com base em critérios que priorizem a liquidez, a manutenção do serviço público e a promoção ao desenvol- vimento regional. Entretanto, a partir da Constituição de 1988, restou aos municípios uma menor capaci- dade de captação de recursos por meio da arrecadação própria, à medida que os prin- cipais impostos são de responsabilidade dos governos federal e estaduais (Carvalho, Oliveira, & Carvalho, 2007). Neste ambiente institucional, as transferências constitucio- nais acabam ganhando destaque e dentre elas cita-se o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educa- ção (Fundeb), Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados (FPEX), a cota-parte do ICMS, entre outros (Farina, Gouvêa, & Varela, 2008). Tais transferências são tão essenciais quanto
  • 46. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 3 legais, haja vista que em muitos casos elas passam a ser a maior parcela do orçamen- to municipal para investir em bens públicos para a população (M. Soares, Gomes, & To- ledo Filho, 2011). Tal divisão possui o inte- resse de reduzir as desigualdades regionais transferindo recursos financeiros de regiões mais ricas para as pobres. Portanto existe a necessidade de os critérios de divisão serem sensíveis às necessidades regionais no mo- mento da repartição, não apenas buscando uma homogeneidade na distribuição, mas propiciando meios para que as ações locais melhore as condições de vida da população. No Estado do Pará, as diferenças regionais são marcantes, sendo necessário o estudo aprofundado sobre como os recursos são alocados para os governos municipais. Esta pesquisa aborda o tema transferências de receitas intergovernamentais e orienta-se pelo seguinte: em que medida as transferên- cias de recursos entre os entes federados cumpre o seu objetivo de equalização de disparidades regionais? Para responder a este questionamento, o trabalho teve como objetivo investigar a desigualdade da dis- tribuição do FPM e a Cota de ICMS nos municípios do Estado do Pará entre 2010 e 2016. A pesquisa está sustentada na teoria da finanças públicas, notadamente na da re- partição de receitas tributárias entre entes federados. Para cumprir o objetivo dessa pesquisa, o artigo está divido em cinco seções a contar desta introdução. A seção a seguir tratará das transferências constitucionais depois da Constituição de 1988, destacando o repas- se do FPM, assim como a composição do ICMS no Pará, os quais são objetos de es- tudo deste trabalho. Em seguida, é apresen- tada a metodologia de cálculo das desigual- dades, a saber o índice de Gini e o índice de Theil. Na quarta seção são apresentados os resultados alcançados nessa pesquisa e feita a relação com outros trabalhos. Ao final são apresentadas as considerações finais TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Transferências intergovernamentais: o FPM no Brasil As transferências intergovernamentais refe- rem-se aos repasses financeiros constitu- cionais e legais com objetivos de estabele- cer um equilíbrio inter-regional à realização de um investimento ou manutenção de um serviço público.As transferências podem ser discricionárias ou voluntárias (Gomes, 2007; Neto & Simonassi, 2013).As primeiras estão ligadas à Constituição, assim estão livres e seguem as necessidades e a negociação entre os governos. Enquanto as voluntárias requerem alguma negociação e, em geral, servem para atender a objetivos específicos. Segundo Mendes, Miranda e Cosio (2008, p.17), o FPM é um tipo de transferência in- condicional, redistributiva e obrigatória. São transferências obrigatórias porque seus re- passes estão estabelecidos na Constituição; são incondicionais, pois sua aplicação não está vinculada a nenhum fim específico e isso significa que os entes beneficiários po- dem utilizar os recursos para os fins de sua preferência; ademais, esses repasses ga- nham a alcunha de redistributivos em virtu- de dos critérios de repartição dos recursos entre os governos subnacionais serem defi- nidos por fórmulas, dividindo-se os recursos não se considerando o local onde o tributo
  • 47. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 4 foi arrecadado. “É o tipo de transferência mais utilizado para a finalidade de redistri- buição regional ou redução de hiato fiscal” (Mendes, Miranda, & Cosio, 2008). Assim, o formato de distribuição do FPM de um lado aumenta a autonomia do governo receptor e de outro os entes que recebem os recursos ficam com baixa accountability (capacidade de prestar contas), na medida em que as populações dos Estados e muni- cípios desvinculam a origem dos recursos do esforço tributário próprio. Os repasses têm a incumbência de reduzir os hiatos de recursos financeiros das regiões mais po- bres do país, o que em muitos casos tor- na-se uma transferência de renda de uma área mais dinâmica para outra região que não consegue se desenvolver. A respeito da complexidade das diferenças regionais, Rezende (2010) salienta que as mudanças instituídas em 1988 detinham a preocupação com o equilíbrio federativo. Existindo dessa forma uma dualidade entre o mérito individu- al e o compromisso federativo, notadamente a união federativa tem sobressaído, caben- do, contudo, verificar se essa decisão tem sido eficiente. Os valores do FPM provêm da arrecadação total do Imposto de Renda (IR) e do Impos- to sobre Produtos Industrializados (IPI). São descontados os valores das restituições e dos incentivos fiscais. A diferença é que a alíquota é um pouco superior; um ponto per- centual a mais que o FPE, totalizando o valor líquido de 22,5% que é distribuído aos muni- cípios (Quadro 1). Quadro 1: Distribuição do IR e do IPI Imposto Fundo FPE* FPM* FNE FNO FCO FEX** IR 21,5% 22,5% 1,8% 0,6% 0,6% - IPI 21,5% 22,5% 1,8% 0,6% 0,6% 10,0% Fonte: BRASIL (2005) * 15% são destinados ao Fundef ** Cada Estado deve entregar 25% do valor recebido aos respectivos municípios, conforme a Constituição Federal. A distribuição do FPM é determinada pelo Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (BRASIL, 2013), o qual reparte o valor total do fundo aos mu- nicípios em três subcategorias: capitais, mu- nicípios do interior e municípios de reserva (municípios do interior com mais de 156.216 habitantes, como se observa na Figura 1.
  • 48. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 5 A Figura 1 traz um organograma da distribui- ção do valor líquido do FPM: 10% são dis- tribuídos entre as capitais; 86,4% entre os municípios do interior; e os demais 3,6% são partilhados entre os municípios de reserva, seguindo o Decreto-Lei nº 1.881, de 27 de agosto de 1981. O cálculo do FPM é realizado tendo por fundamento os coeficientes de participa- ção divulgados anualmente pelo Tribunal de Contas da União (TCU), tais coeficientes são calculados com base no levantamento do número de habitantes de cada município provido pelo Instituto Brasileiro de Geogra- fia e Estatística (IBGE) que informa ao TCU, que após análise dessas informações, esta- belece o coeficiente individual de participa- ção para cada unidade municipal, com base no disposto no Decreto-Lei nº 1.881/81. Na Tabela 1 é possível verificar o coeficiente de participação dos municípios do interior com base na faixa de habitantes. Tabela 1: Coeficiente de participação dos municípios do interior Faixa de habitantes Coeficiente Até 10.188 0.6 De 10.189 a 13.584 0.8 De 13.585 a 16.980 1 De 16.981 a 23.772 1.2 De 23.773 a 30.564 1.4 De 30.565 a 37.356 1.6 De 37.357 a 44.148 1.8 De 44.149 a 50.940 2 De 50.941 a 61.128 2.2 De 61.129 a 71.316 2.4 De 71.317 a 81.504 2.6 De 81.505 a 91.692 2.8 De 91.693 a 101.880 3 De 101.881 a 115.464 3.2 De 115.465 a 129.048 3.4 De 129.049 a 142.632 3.6 De 142.633 a 156.216 3.8 Além de 156.216 4 Fonte: BRASIL (2005).
  • 49. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 6 Pela Tabela 1 observa-se que foram defi- nidas 16 faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente. A cada fai- xa de população, esse coeficiente sobe em 0,2 pontos, sendo o mínimo de 0,6, o qual é válido para municípios com até 10.188 ha- bitantes; e o coeficiente máximo, de 4,0, des- tinado aos municípios do interior com mais de 156.216 habitantes. A distribuição do va- lor do FPM é regional, como é observado na Figura 2. Pelo gráfico da Figura 2, o valor total do FPM é distribuído da seguinte maneira: 35,22% são destinados aos municípios da Região Nordeste; 31,22%, aos municípios da Região Sudeste; 17,61% para aos muni- cípios do Sul; 8,52% aos da Região Norte; e 7,43% ao Centro-Oeste. Verifica-se, assim, que municípios de Estados distintos situa- dos na mesma faixa populacional terão o mesmo coeficiente, mas não receberão o mesmo valor do FPM, porque o percentual de participação em cada Estado é diferente (BRASIL, 2013). O valor da cota do FPM de cada município é calculado pelo Banco do Brasil, após rece- ber da Secretaria do Tesouro o valor total do FPM a ser distribuído. Como foi destacado anteriormente, o valor total do FPM corres- pondente a 22,5% da arrecadação da receita líquida do IR e IPI, sendo distribuído entre os municípios, aplicando-se os coeficientes individuais estabelecidos pelo TCU. Para o cálculo do FPM dos municípios do interior, tem-se (equação 1 e 2):
  • 50. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 7
  • 51. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 8 Tabela 2: Comparativo de FPM por Estado e FPM per capita – 2015 Estado Total de recursos Número de municípios População FPM per capita Acre R$363.394.244,01 22 803513 R$452,26 Alagoas R$1.627.617.796,07 102 3340932 R$487,17 Amapá R$1.047.827.153,04 16 766679 R$1.366,71 Amazonas R$267.124.741,94 62 3938336 R$67,83 Bahia R$6.367.109.632,55 417 15203334 R$418,80 Ceará R$3.391.921.058,78 184 8904459 R$380,92 Distrito Federal R$115.538.816,17 1 2914830 R$39,64 Espírito Santo R$1.184.145.355,76 78 3929911 R$301,32 Goiás R$2.506.774.807,85 246 6610681 R$379,20 Maranhão R$2.837.853.832,39 217 6904241 R$411,03 Mato Grosso R$1.247.167.069,88 141 3265486 R$381,92 Mato Grosso do Sul R$1.015.202.875,74 79 2651235 R$382,92 Minas Gerais R$8.962.833.643,75 853 20869101 R$429,48 Pará R$2.449.457.731,46 144 8175113 R$299,62 Paraíba R$2.208.956.676,58 223 3972202 R$556,10 Paraná R$4.618.692.314,10 399 11163018 R$413,75 Pernambuco R$3.361.261.853,12 185 9345173 R$359,68 Piauí R$1.812.708.754,54 224 3204028 R$565,76 Rio de Janeiro R$2.010.962.155,44 92 16550024 R$121,51 Rio Grande do Norte R$1.692.155.261,09 167 3442175 R$491,59 Rio Grande do Sul R$4.625.155.392,00 497 11247972 R$411,20 Rondônia R$579.744.497,60 52 1768204 R$327,87 Roraima R$339.138.350,88 15 505665 R$670,68 Santa Catarina R$2.667.749.558,68 295 6819190 R$391,21 São Paulo R$9.107.467.452,90 645 44396484 R$205,14 Sergipe R$1.019.796.688,66 75 2242937 R$454,67 Tocantins R$971.223.138,02 139 1515126 R$641,02 Total R$68.398.980.853,00 5570 204.450.049 R$334,55 Fonte: SIAFI (SIAFI, 2015); IBGE (2019). Para saber a cota de cada município, é pre- ciso primeiro calcular a participação do Es- tado a que ele pertence, dividir pelo soma- tório dos coeficientes do respectivo Estado e multiplicar pelo coeficiente do município. O total de recursos obtidos portanto é rela- cionado aos respectivos coeficientes que por sua vez têm relação com critérios como a po- pulação e a renda per capita. Consequente- mente, Estados mais populosos, com maior número de municípios, tendem a obter mais recursos do FPM (Tabela 2).
  • 52. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 9 O Decreto-Lei nº 1.881/81 destina 3,6% do FPM total para distribuição aos municípios de coeficiente igual a 4,0 (mais de 156.216 hab.) e, nos termos da Lei Complementar n.º 91/97, os municípios com coeficiente 3,8, conforme os coeficientes individuais da ta- bela abaixo. O cálculo da participação de cada município é realizado dividindo-se o total do FPM do Decreto-Lei pelo somatório dos coeficientes (320,0) e multiplicando-se o resultado pelo coeficiente do município. São distribuídos para as capitais 10% do FPM total. Para o cálculo da cota individual, multiplica-se este valor pelo coeficiente de cada capital, dividindo-se o resultado pela soma dos coeficientes (118,8). Transferências intergovernamentais: o ICMS no Pará. No Estado do Pará, a transferência da cota- -parte de ICMS a cada município é regida pela Lei estadual nº 5.645, de 11 de janei- ro de 1991, e segue a Constituição Federal (Artigo 158, IV), que reserva 25% da arreca- dação do imposto pelos Estados aos muni- cípios sendo este valor dividido em: I - três quartos, no mínimo, na pro- porção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal. O Estado legisla, portanto, sobre o 1/4 res- tante. No caso do Pará, em 2012 entrou em vigor a Lei nº 7.638 que estabelece o crité- rio ecológico como um dos mecanismos de divisão dos recursos do ICMS. Em 2012, o critério iniciou com 2% e foi elevado em 2% ao ano até 2015, quando chegou a 8%, sen- do seu índice atual. O Quadro 2 contém a evolução critérios desenvolvidos para o Es- tado do Pará após a Lei nº 7.638. O critério ecológico contempla a destinação de parte dos recursos para municípios que detenham em seu território unidades de conservação e/ou outras áreas protegidas e o índice de cada município é determinado anualmente conforme mudanças nas áreas protegidas. Quadro 2: Critérios de divisão da cota-parte do ICMS aos municípios no Estado do Pará Critério 2011 2012 2013 2014 2015 Valor adicional fiscal 75% 75% 75% 75% 75% Proporção da população municipal 5% 5% 5% 5% 5% Proporção da área municipal 5% 5% 5% 5% 5% Igualitário 15% 13% 11% 9% 7% Ambiental 0% 2% 4% 6% 8% Total 100% 100% 100% 100% 100% Fonte: Anexo – Lei nº 7.638/2012.
  • 53. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 10 O estabelecimento de critérios adicionais para a distribuição do ICMS pode contribuir para reduzir eventuais desigualdades. Silva, Santos, & Cavalcante (2017) observaram esta contribuição para o Estado de Sergipe, o qual ainda não possui critérios sociais ou ambientais para o rateio do ICMS aos muni- cípios. Segundo os autores, com a adoção de critérios de emprego, educação e saúde, haveria uma mudança na distribuição: me- tade dos municípios passariam a receber mais do que recebem hoje e em alguns ca- sos municípios que detêm menor parcela passariam a configurar entre os que mais recebem. Para promover uma distribuição mais justa dos recursos do ICMS aos municípios, os Estados desenvolvem metodologias diferen- tes de distribuição. Nogueira (2012) analisou as mudanças que ocorreram na distribuição do ICMS no Ceará a partir de 2009 quan- do houve mudanças nestes critérios. O au- tor observou que houve melhor equidade na distribuição dos recursos entre os muni- cípios, sendo que a metodologia contribuiu positivamente para municípios com meno- res arrecadações anteriormente, podendo tais recursos serem empregados para o de- senvolvimento regional e humano. METODOLOGIA Dados Para analisar a distribuição das transferên- cias do ICMS e do FPM para os municípios no Pará, foram levantados dados entre os anos de 2010 e 2016 (FINBRA, 2019), con- forme a existência de informação na base de dados. A população dos municípios foi levantada para realizar comparativo da dis- tribuição per capita dos recursos por ano e o Produto Interno Bruto (PIB) para realizar comparativo da participação dos recursos sobre a produção de bens e serviços (IBGE, 2019). Todos os valores financeiros para fins de comparação foram atualizados para de- zembro de 2018 por meio do IGP-DI. Análises de concentração Para mensurar o grau de equidade na distri- buição dos recursos do ICMS e do FPM nas transferências aos municípios, foram utiliza- dos três métodos quantitativos: o coeficiente de variação (CV); o coeficiente de Gini; e o T de Theil. O CV (Equação 5) é dado pela razão entre o desvio padrão (S) em relação à média ( ), frequentemente expresso em percentual e demonstrando a magnitude de dispersão dos dados em relação à média. Outra medida de dispersão utilizada é o co- eficiente de Gini, que varia entre zero (distri- buição perfeita, em que todos obtêm a mes- ma renda) e um (situação oposta, na qual um único agente detém toda a renda e os demais não têm nada). O coeficiente de Gini é baseado na curva de Lorenz e representa a proporção de dispersão em relação à curva de igualdade e está descrito na Equação 6 (Cowell, 2011). O índice T de Theil vem sendo utilizado para mensurar distribuição de pobreza no Brasil (Moreira, Braga, Carvalho, Lima, & Silva, 2009; A. P. Soares, Jacobi, Zanini, & Sou- 6) yi = renda (FPM ou recurso do ICMS) obtida pelo indivíduo i; i = 1, 2, ..., n. 5)
  • 54. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 11 za, 2016). Com o índice de Theil é possível, mantendo a redundância obtida, analisar qual o percentual da população sem renda se toda a renda fosse igualmente distribuída entre os demais. Sendo um índice que va- ria entre zero e um, a interpretação é aná- loga ao coeficiente de Gini; ou seja, quanto mais próximo de zero, mais igualitária é a distribuição; e, quanto mais próximo de um, maior a tendência de poucos agentes con- centrarem a maior parte da renda. O cálculo da redundância está descrito na Equação 7 (Cowell, 2011) e o índice T de Theil na Equa- ção 8. O limite para a redundância é dado pelo logaritmo natural do total de indivíduos. Se os municípios apresentarem o coeficien- te de Gini e T de Theil elevado (próximo a um), demonstra-se então uma tendência à concentração de recursos em um grupo res- trito de municípios. Caso próximo de zero, fi- cará evidente uma distribuição quase iguali- tária dos recursos entre os municípios. Caso apresente dispersão elevada, demonstra- -se um desvio padrão elevado em relação à média. Em uma situação igualitária, todos os municípios recebem uma parcela igual do recurso (média) e o coeficiente de varia- ção é zero.A análise conjunta dos diferentes métodos (independentes entre si) permite confirmar a tendência de concentração ou distribuição dos recursos das transferências constitucionais. RESULTADOS E DISCUSSÃO Cota-parte do ICMS A partir dos dados coletados, foi possível calcular a distribuição dos recursos do ICMS e do FPM nos municípios do Pará e verificar se esta distribuição é próxima da homoge- neidade ou se existe uma heterogeneida- de que favoreça a destinação de recursos para municípios menos desenvolvidos. Para os recursos do ICMS (Tabela 3) existe uma tendência de concentração dos recursos. O coeficiente de Gini, embora com redução no ano de 2010, manteve-se em um patamar elevado em todos os anos (entre 0,700 e 0,735). Tabela 3: Grau de distribuição do ICMS no Estado do Pará – 2010 a 2016 Medidas de dis- persão Anos 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Coeficiente de Gini 0,712 0,724 0,735 0,713 0,720 0,714 0,700 T de Theil 0,734 0,742 0,753 0,750 0,745 0,725 0,685 C.V. 295,6% 293,2% 296,0% 320,1% 308,2% 283,0% 250,6% Número de muni- cípios 129 111 94 127 118 107 101 ICMS per capita (média) – R$ 304,95 344,43 325,15 326,93 324,65 308,96 317,50 7) si = participação relativa do indivíduo i na renda total (FPM ou recurso do ICMS); i = 1, 2, ..., n. 8)
  • 55. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 12 O mesmo ocorre quando se verifica o T de Theil (entre 0,685 e 0,753). Embora com uma redução no ano de 2016, a concen- tração de recursos em um grupo de muni- cípios é evidente. O coeficiente de variação extremamente elevado (maior que 250% em todos os anos) comprova a dispersão existente entre os recursos dos municípios, havendo um grupo que possui um repasse de ICMS mais elevado e um grupo com um recurso mínimo. Como observado anteriormente, a divisão do ICMS para os municípios do Pará mos- trou forte concentração neste estudo. Essa concentração decorre principalmente da parcela constitucional (75%) que os municí- pios devem receber em relação a sua parti- cipação fiscal. Ou seja, municípios que pos- suem maior nível de atividades capazes de arrecadar impostos também irão ser benefi- ciados com maior recebimento de repasse de ICMS. Entretanto algumas atividades po- dem provocar uma grande concentração re- gional, como o caso da mineração na região de Carajás, que em 2016, com sete municí- pios, concentrou cerca de 20% das transfe- rências do ICMS. Entretanto como apontado por Soares, Gomes, & Toledo Filho (2011), embora a repartição do ICMS não crie me- canismos para uma divisão mais justa, seus recursos são essenciais para os orçamen- tos municipais, principalmente nos menores municípios. A margem de 25% disponível para o Estado criar critérios de divisão pode ser a alterna- tiva para reduzir a desigualdade na distribui- ção, transferindo recursos para municípios com menor grau de desenvolvimento e ca- pacidade de gerar atividades que propiciem maior arrecadação de tributos e consequen- temente elevem a participação do ICMS no município. O Pará optou por alterar seus critérios, reduzindo a distribuição igualitária para outros novos critérios sociais e ambien- tais. Outros estudos já verificaram que estes critérios permitem melhor distribuição dos recursos com base em indicadores que ve- rifiquem a necessidade dos municípios (No- gueira, 2012; Silva et al., 2017). A divisão per capita dos recursos permite comparar quanto cada município receberia caso a divisão fosse somente por critérios po- pulacionais. Naturalmente, municípios com atividades com grande geração de impostos e com populações menores terão maior re- curso per capita. Em 2016, embora a média estadual tenha sido de R$ 317,50, municípios como Canaã dos Carajás (R$ 1.475,13) e Pa- rauapebas (R$ 1.207,97), onde predomina a mineração, e Tucuruí (R$ 1.363,34), que abri- ga uma grande usina hidroelétrica, obtiveram ICMS per capita elevado. Igarapé-Miri (R$ 22,27), Cametá (R$ 42,67) e Augusto Corrêa (R$ 54,89) estão por sua vez no extrato in- ferior de distribuição dos recursos per capita em 2016. Fundo de Participação dos Municípios Embora a distribuição dos recursos do ICMS seja concentrada em um grupo de municí- pios, para a distribuição do FPM já não ocorre o mesmo. O grau de concentração é menor, o que é demonstrado pelo coeficiente de Gini abaixo de 0,5 (entre 0,417 e 0,443). Também o mesmo ocorre no T de Theil (entre 0,373 e 0,461). Entretanto mesmo havendo menor concentração de recursos ainda assim existe uma certa dispersão entre os municípios que mais recebem e que menos recebem, o que é comprovado pelo coeficiente de variação ainda elevado (Tabela 4).
  • 56. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 13 Tabela 4: Grau de distribuição do FPM no Estado do Pará – 2010 a 2016 Medidas de dispersão Anos 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Coeficiente de Gini 0,428 0,428 0,460 0,431 0,417 0,443 0,431 T de Theil 0,418 0,432 0,461 0,420 0,373 0,412 0,379 C.V. 193,8% 202,2% 205,6% 195,0% 165,2% 180,5% 162,9% Número de municípios 129 111 94 127 118 107 101 FPM per capita (média) – R$ 205,30 225,93 263,08 246,50 284,71 285,51 267,76 O FPM dos municípios do Pará, compara- tivamente à distribuição da arrecadação do ICMS, mostrou-se menos concentrador. Os critérios de distribuição do FPM propiciam menor concentração de recursos devido ao estabelecimento prévio de coeficientes (con- forme as classes populacionais) que pos- suem um limite para cada faixa de municí- pio. Já a distribuição de cota-parte do ICMS é impactada majoritariamente pelo critério do valor adicionado fiscal, ou seja, municí- pios com maior arrecadação possuem maior tendência a concentrar recursos. Gouvêa, Varela, & Farina (2010), em um estudo para o Estado de São Paulo, demonstraram que o FPM torna menos desigual a distribuição dos recursos entre os municípios, pois esta- belece melhores critérios e os recursos, por sua vez, quando corretamente empregados, permitem uma redução das desigualdades sociais com a aplicação em serviços públi- cos essenciais. Os orçamentos dos municípios são depen- dentes das transferências constitucionais devido à baixa capacidade de arrecadação; portanto as transferências do FPM são rele- vantes e a definição clara dos critérios são essenciais para priorizar o desenvolvimento. Fontinele, Tabosa, & Simonassi (2014) de- monstram a relação entre as transferências constitucionais e o Indice de Desenvolvi- mento dos Municípios (IDM-m) no Ceará. Já Massardi & Abrantes (2015) ao analisarem Minas Gerais verificaram através da elabo- ração de um índice de esforço fiscal que o modelo atual não favorece a arrecadação dos municípios, o que eleva a dependên- cia deles às transferências, em especial do FPM. Neste sentido, o FPM tem importância para os municípios do Pará por reduzir parcial- mente a desigualdade na distribuição quan- do comparado com o ICMS, que favorece principalmente municípios que detêm ativi- dade com capacidade de gerar valor adicio- nado fiscal. Estudos já demonstraram que esta transferência possui relação com a me- lhoria de indicadores de desenvolvimento social (Denes, Komatsu, & Menezes-Filho, 2018); entretanto cabe o aperfeiçoamento das instituições e dos arranjos existentes para reduzir o grau de dependência dos mu- nicípios sobre tais fundos. Novamente analisando a distribuição do re- curso per capita, mas agora sobre o FPM, nota-se um aumento na média entre 2010 e 2016, o que pode ter ocorrido devido ao crescimento maior da arrecadação de im- postos em relação ao crescimento popula-
  • 57. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 14 cional. Analisando os municípios com maior distribuição, verifica-se que, ao contrário do ICMS, os que têm menor dinamismo econô- mico e população lideraram o recebimen- to per capita: Jacareacanga (R$ 1.881,90), Bannach (R$ 1.726,20) e Pau D’ Arco (R$ 1.021,50). Igarapé-Miri (R$ 117,05), Ananin- deua (R$ 125,61) e Pacajá (R$ 158,72) es- tão com as menores transferências per capi- ta em 2016. Dependência dos recursos de transferên- cias constitucionais Além de verificar o grau de concentração na distribuição dos recursos para os municípios, também se faz necessário verificar a sua dependência em relação a esses recursos. Para tanto, foi verificado em cada município, para cada ano, a participação relativa des- sas duas transferências sobre a sua receita corrente (Tabela 5). Observa-se que, quanto maior a participação destes recursos na re- ceita corrente, maior a dependência daquele município. Tabela 5: Dependência dos municípios do Pará em relação aos repasses do FPM e do ICMS – 2010 a 2016 Total de municípios % 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 0% – 10% 0.0% 0.0% 0.0% 0.8% 0.0% 0.0% 1.0% 10% – 20% 3.1% 2.7% 6.4% 4.7% 2.5% 4.7% 6.1% 20% – 30% 36.4% 46.8% 44.7% 42.5% 45.8% 46.2% 38.8% 30% – 40% 45.0% 40.5% 41.5% 44.1% 41.5% 43.4% 49.0% > 40% 15.5% 9.9% 7.4% 7.9% 10.2% 5.7% 5.1% Total 129 111 94 127 118 107 101 Nota-se que essas duas transferências (ICMS e FPM) possuem um grande impacto sobre a receita corrente dos municípios no Estado do Pará. Os que possuem um impac- to maior que 30% sobre a receita corrente são pelo menos metade dos municípios em cada ano, enquanto aqueles que dependem de menos de 20% são a minoria absoluta. Entretanto, em um cenário positivo, verifica- -se redução dos municípios que dependem em mais de 40% de tais transferências e au- mento daqueles que dependem em menos de 20%. Em geral os municípios com me- nor população acabaram dependendo mais dos recursos das transferências em todos os anos analisados (Bannach, Santa Cruz do Arari e Inhangapi obtiveram dependência maior que 40% em todos os anos). A dificuldade dos municípios na arrecadação e a própria diferença na capacidade de arre- cadação entre eles conduzem a uma situa- ção de dependência em relação às transfe- rências de recursos. Soares & Melo (2016) já enfatizam que dentre as principais fontes de recursos dos municípios estão as trans- ferências da cota-parte do ICMS, do FPM e também as do Fundeb e transferências do
  • 58. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 15 Sistema Único de Saúde (SUS). Em épocas de crise econômica, existe a tendência de queda nas arrecadações tribu- tárias em razão da redução das atividades econômicas. E, quando mantido o volume de gastos, implica ocorrência de déficit pú- blico ou aumento da dívida pública. Nes- sa direção, a conjuntura econômica induz, devido à baixa na arrecadação, as gestões municipais a melhorarem a eficiência no uso dos recursos disponíveis, o que mostra a vulnerabilidade das municipalidades rece- bedoras de financiamentos oriundos de ou- tros entes federativos. Reduzir a dependên- cia dos municípios sob tais transferências, mesmo que parcialmente, deve ser uma agenda do Poder Legislativo, estabelecen- do critérios de distribuição que priorizem o desenvolvimento regional. CONCLUSÃO Esta pesquisa aborda o tema transferências de receitas intergovernamentais e orienta- -se pelo seguinte: em que medida as trans- ferências de recursos entre os entes federa- dos cumpre o seu objetivo de equalização de disparidades regionais? O objetivo deste artigo é investigar o grau de concentração e desconcentração de recursos por meio das transferências feitas pela União e pelo Esta- do aos municípios do Pará. O objetivo deste trabalho foi testar a hipóte- se de concentração de recursos do FPM e do ICMS nos municípios paraenses e sua dependência desses recursos durante os anos de 2010 a 2016. Os resultados parcial- mente refutaram a hipótese proposta, uma vez que, por meio do método do T de Theil e da análise com o coeficiente de Gini, che- ga-se à conclusão de que existe um signifi- cativo grau de concentração na distribuição da cota-parte do ICMS, mas, por outro lado, maior dispersão dos recursos FPM entre os municípios do Pará. Dentro da perspectiva federativa, na qual os entes governamentais devem ser solidários ao progresso harmônico conjunto, os resul- tados revelam que o FPM auxilia os municí- pios que mais precisam de recursos finan- ceiros já que se trata de uma transferência constitucional. Em paralelo, a concentração dos recursos oriundos do ICMS demonstra a capacidade arrecadadora das localidades com maior dinâmica econômica e o redire- cionamento dos recursos permite uma nova onda de investimentos. Por outro lado, os re- sultados demostram também que as muni- cipalidades que mais necessitam do FPM e das divisões da cota-parte do ICMS tendem a ficar dependentes desses recursos. De maneira geral, os resultados apontam para a formação de dois conjuntos de mu- nicípios: um com dinâmica produtiva com capacidade de obter recursos e, assim, ser mais independente; e outro grupo, mais de- pendente dos recursos federais, e, portanto, demasiadamente sujeito a aspectos conjun- turais da economia nacional. Diante dos re- sultados, algumas medidas podem ser reco- mendadas em relação tanto ao FPM quanto à cota-parte do ICMS, como o estímulo a in- vestimentos que desenvolvam a capacidade produtiva local para elevar a produção bruta ou mesmo ampliar o percentual que os Es- tados possuem para criar critérios próprios para a distribuição do ICMS (hoje em 25%).
  • 59. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 Marcos Rodrigues - David Costa Correia Silva 16 REFERÊNCIAS BRASIL (2013). O Que Você Precisa Saber sobre as Transferências Constitucionais Le- gais. Carvalho, D. F., Oliveira, C. C. R. de, & Car- valho, A. C. (2007). Desigualdades econômi- cas inter capacidade tributária e esforço fis- cal dos estados da Amazônia (1970-2000): Uma abordagem econométrica de fronteira estocástica. Novos Cadernos Do NAEA, 10(2), 5–47. http://dx.doi.org/10.5801/ncn. v10i2.96 Cowell, F. A. (2011). Measuring Inequality (3rd ed.). Oxford: Oxford University Press. Denes, G., Komatsu, B. K., & Menezes-Fi- lho, N. (2018). Uma Avaliação dos Impactos Macroeconômicos e Sociais de Programas de Transferência de Renda nos Municípios Brasileiros. Revista Brasileira de Economia, 72(3), 292–312. Farina, M. C., Gouvêa, M. A., & Varela, P. S. (2008). Equalização Fiscal: Análise do Fundo de Participação dos Municípios com o Uso de Regressão Logística. Organiza- ções Em Contexto, 8, 1–23. http://dx.doi. org/10.15603/1982-8756/roc.v4n8p1-23 FINBRA. (2019). Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Bra- sileiro. Fontinele, N. F., Tabosa, F. J. S., & Simo- nassi, A. G. (2014). Municípios cearenses: Uma análise da capacidade de utilização dos recursos oriundos dos repasses cons- titucionais. Revista Ciências Administra- tivas, 20(2), 724–746. DOI: 10.5020/2318- 0722.2014.v20n2p724 Gomes, E. (2007). Fundamentos das Trans- ferências Intergovernamentais. Revista Do TCU, 3(110). Gouvêa, M., Varela, P., & Farina, M. C. (2010). Evaluation of the social economic indicators of the municipalities of the São Paulo state groups 1, 2 and 3 with the use of multivariate analysis of variance. REGE Revista de Ges- tão, 17(2), 121–134. https://doi.org/10.5700/ rege390 IBGE. (2019). Produto Interno Bruto dos Mu- nicípios. Massardi, W. de O., & Abrantes, L. A. (2015). Esforço fiscal, dependência do FPM e de- senvolvimento socioeconômico: Um estudo aplicado aos municípios de Minas Gerais. REGE - Revista de Gestão, 22(3), 295–313. Recuperado de https://doi.org/https://doi. org/10.5700/rege564 Mendes, M., Miranda, R. B., & Cosio, F. A. B. (2008). Transferências intergovernamen- tais no Brasil: diagnóstico e proposta de reforma. Textos Para Discussão, 40, 1–111. Recuperado de https://doi.org/10.1017/ CBO9781107415324.004 Moreira, R.C., Braga, M.J., Carvalho, F.M.A., Lima, J. R. F., & Silva, J. M. A. (2009). Políti- cas públicas, distribuição de renda e pobreza no meio rural brasileiro no período de 1995 a 2005. Revista de Economia e Sociologia Ru- ral, 47(4), 919–944. http://dx.doi.org/10.1590/ S0103-20032009000400006 Neto, O. A., & Simonassi, A. G. (2013). Ba-
  • 60. CONCENTRAÇÃO E DEPENDÊNCIA DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NOS MUNICÍPIOS DO PARÁ ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-17 | e-79256 | 2020 17 ses Políticas das Transferências Intergover- namentais no Brasil (1985-2004), 33(133), 704–725. http://dx.doi.org/10.1590/S0101- 31572013000400010 Nogueira, C. A. G. (2012). Efeitos distributi- vos das políticas públicas: O caso da nova metodologia de cálculo da cota parte do ICMS do Ceará. Revista FSA, 9, 53–69. Rezende, F. (2010). Federalismo Fiscal: Em busca de um novo modelo. In R. P. OLIVEI- RA & W. SANTANA (Eds.), Educação e fe- deralismo no Brasil: combater as desigual- dades, garantir a diversidade (pp. 71–88). Brasília: UNESCO. SIAFI. (2015). Transferências Constitucio- nais para Municípios. Silva, J. B., Santos, F. K. G., & Cavalcante, A. N. de M. (2017). Efeitos distributivos da cota-parte do ICMS aos municípios Sergi- panos: Impactos de uma nova metodologia de cálculo. Gestão, Finanças e Contabilida- de, 7(3), 39–56. http://dx.doi.org/10.18028/ rgfc.v7i3.3379 Soares, A. P., Jacobi, L. F., Zanini, R. R., & Souza, A. M. (2016). Índice de Theil-T por estratos de renda e por determinantes das desigualdades de remuneração: Uma apli- cação para o mercado de trabalho de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Revista de Admi- nistração Da UFSM, 9(2), 280–292. Soares, M., Gomes, E. do C. O., & Toledo Filho, J. R. de. (2011). A repartição tributá- ria dos recursos do ICMS nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba. Revista de Administração Pública, 45(2), 459–481. h tt p : / / d x . d o i . o r g / 10 . 15 9 0 / S 0 0 3 4 - 76122011000200008 Soares, M. M., & Melo, B. G. de. (2016). Condicionantes políticos e técnicos das transferências voluntárias da União aos mu- nicípios brasileiros. Revista de Administra- ção Pública, 50(4), 539–561. http://dx.doi. org/10.1590/0034-7612138727
  • 61. ARTIGO: EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 1 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS Social management concept evolution (1990-2018): A co-word analysis Evolución del concepto de gestión social (1990-2018): un análisis de co-palabras RESUMO O presente analisa a evolução do conceito de gestão social de 1990-2018, verificando o grau de consenso dos pesquisadores sobre seus elementos constitutivos a fim de propor um conceito integrativo. Foi realizada uma meta-análise de 94 definições de gestão so- cial usando técnicas de análises de copalavras, de conteúdo e o índice de consenso Kappa. Os resultados mostraram que o conceito de gestão social evoluiu em termos de consenso na comunidade acadêmica com o passar dos anos, mas ainda é um campo em fase pré-paradigmática, pois o consenso entre os autores sobre seus termos-chave não passa do nível moderado. Os achados indicam que os autores concordam mais sobre para quem se dirige a gestão social, qual seu lócus, e que é um modelo de gestão diferenciado. Porém este diferencial está baseado em características teóricas que carregam o construto de um grau de abstração. Para retirá-lo deste estágio, deveria haver um consenso sobre como executar gestão social. Porém, na desconstrução léxica da análise de conteúdo, a categoria verbos (ação) foi a que apresentou mais baixo consenso entre os autores. O estudo contribuiu com a literatura do campo ao oferecer um conceito integrador baseado nos elementos de maior nível de consenso entre os pesquisadores, além de oferecer uma análise sistemática e um estado de arte do elemento fundamental de um campo de estudo: seu conceito. PALAVRAS-CHAVE: gestão social, análise de co-palavras, análise de consenso, estado de arte; meta-análise. Amanda de Paula Aguiar-Barbosa1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8707-1674 Adriana Fumi Chim-Miki1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7685-2718 1. Universidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-Graduação em Administração, Campina Grande, PB, Brasil. Submetido 10.11.2019. Aprovado 06.02.2020 Avaliado pelo processo de double blind review DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.80525 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 62. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 2 ABSTRACT This study analyses the evolution of the concept of social management from 1990-2018 to verify the degree of consensus on its constituent elements in order to propose an updated concept. A meta- analysis of 94 definitions of social management was performed using as three techniques, co-words analysis,content analysis,and the consensus analysis based on the Kappa index.The results showed that the social management concept has evolved regarding academic consensus over the years, but still is a pre-paradigmatic field since the consensus among authors about their key-terms does not overtake a moderate level.The findings indicated more degree of agreement on for who is addressed to social management, what is its locus, and that it is a differentiated model of management. However, this differential is based on theoretical characteristics that attribute a high degree of abstraction on the construct.To remove it from this stage there should be a consensus on the way to performed social management happen, nevertheless in the lexical deconstruction carry out to a content analysis, the verb category (action) was the one that presented the lowest consensus among the authors.The study contributed to the literature of the field by offering an integrative concept based on the elements of the higher level of agreement among researchers.Also, the paper provides a systematic analysis and state-of-the-art of the fundamental component of a field of study: its concept. KEYWORDS: social management, co-word analysis, consensus analysis, state-of-the-art; meta-analy- sis. RESUMEN Este estudio analizó la evolución del concepto de gestión social de 1990-2018, verificando el grado de consenso de los investigadores sobre sus elementos constitutivos a fin de proponer un concepto integrativo.Se realizó un metaanálisis de 94 definiciones de gestión social con técnicas de análisis de co-palabras,de contenido y el índice de consenso Kappa.Los resultados mostraron que el concepto de gestión social evolucionó en términos de consenso entre los académicos con el paso de los años, pero todavía es un campo pre-paradigmático, pues el consenso entre los autores sobre sus términos claves no ultrapasa el nivel moderado. Los hallazgos indican que los autores concuerdan más sobre para quién se dirige la gestión social, cuál es su locus, y que es un modelo de gestión diferenciado. Sin embargo, este diferencial está basado en características teóricas que cargan el concepto de un grado de abstracción. Para retirarlo de esta etapa debería haber un consenso sobre como ejecutar gestión social,pero en la deconstrucción léxica del análisis de contenido la categoría verbos (acción) fue la que presentó el Kappa más bajo.El estudio contribuyó con la literatura del campo al ofrecer un concepto integrador basado en los elementos de mayor nivel de consenso entre los investigadores, además de ofrecer un análisis sistemático y un estado de arte del elemento fundamental de un campo de estudio: su concepto. PALABRAS CLAVE: gestión social, análisis de co-palabras, análisis de consensus, estado del arte; metaanálisis. INTRODUÇÃO Os modelos de gestão estão migrando da perspectiva unilateral para uma abordagem mais participativa no que se refere ao pro- cesso de tomada de decisão em função da pressão pelos interesses dos stakeholders, incluindo-se a sociedade civil (Fischer, Tei- xeira, & Heber, 1998; Mosquera, 2012; Silva Júnior, Mâsih, Cançado & Schommer, 2008). Entre as novas opções, na década de 1990 surgiu a gestão social como alternativa aos modelos de gestão vigentes (Inzerilli, 1990; Tenório, 1998; Tuininga, 1990). Considerada como uma inovação, esta mo- dalidade de gestão consiste em um ato re- lacional capaz de dirigir e regular processos por meio da mobilização ampla de atores na tomada de decisão, valorizando as estrutu- ras descentralizadas e participativas (Fis- cher, 2012). Porém, mesmo com literatura vasta e com quase 30 anos de publicações sobre gestão social, as definições do cons- truto, os modelos e as variáveis de análise ainda apresentam inconsistências (Tânia Fis- cher, 2012; Silva Júnior et al., 2008). Muitas vezes pela popularização e uso inadequado
  • 63. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 3 do conceito, dadas suas diferentes aborda- gens e sua natureza multifacetada (Peres Jr, & Pereira, 2014) e outras vezes por parecer utópica sua aplicação fora dos contextos de países desenvolvidos (Pinho, & Santos, 2015). A gestão social começou a ser estudada no âmbito organizacional para a gestão de pessoas (Tuininga, 1990), mas trasladou- -se a uma esfera maior, societal, e ganhou uma caracterização diferente e mais profun- da. Uma das primeiras definições, e mais citadas na literatura, partiram da premissa de Tenório (1998) acerca da participação pública na tomada de decisão com vistas à emancipação da sociedade. Tenório (1998, 2006) considera que a gestão social consis- te em um processo gerencial dialógico, que acontece na esfera pública e é livre de co- erção, em que a tomada de decisão é feita de forma coletiva, seguindo os princípios de cidadania deliberativa e tendo como fim últi- mo a emancipação. Trabalhos mais recentes mostram que a de- finição de gestão social tem sido ampliada para tentar incorporar aspectos relaciona- dos aos estudos de territórios da cidadania (Allebrandt, Benso, & Oliveira, 2015), interor- ganizações (Fischer, 2012), administração pública (Espíndola, Netto, & Souza, 2017; Freitas, Freitas, & Dias, 2012). São tentati- vas de incorporar a gestão social na prática comunitária, mostrando que tem potencial para sair da abstração e desenvolver-se em contextos diversos. Nessas perspectivas, a gestão social pode estar refletida inclusive no ambiente organizacional, não se con- trapondo totalmente à gestão estratégica, como inicialmente a literatura da área apre- sentava (Pinho, & Santos, 2015). Os pesquisadores de gestão social discutem a evolução do campo teórico e percebem a necessidade de criação de modelos para uma aplicação prática (Cancado, Rigo, & Pi- nheiro, 2016; Peres Jr, & Pereira, 2014; Silva Júnior et al., 2008). Vários artigos questio- nam na fundamentação teórica o que é a gestão social (Fleig, Oliveira, & Brito, 2006; Guerra, & Teodósio, 2013; Souza, & Oliveira, 2006), e outros refutam modelos, por con- siderar que não é gestão social (Pinho, & Santos, 2015; Justen, Moretto Neto, & Gar- rido, 2014). Nesta disputa fica um vazio na literatura do que realmente é a gestão social. E foi sobre este problema de pesquisa que este trabalho se debruçou. Nenhum estudo, até o presente momento, utilizou o conceito de gestão social como unidade de análise, com a utilização uma meta-análise que permita identificar seu es- tado de arte. A consolidação de um concei- to é importante para verificar sua aceitação ou rejeição, bem como para dar início a sua aplicação, tirando-o da abstração teórica. Ronda-Pupo, & Guerras-Martin (2012) sa- lientam a importância de consolidar ou rejei- tar conceitos, verificando a aceitação geral em vez de somente perseguir a formulação de novos conceitos nas ciências sociais. O objetivo desta pesquisa foi analisar a evo- lução do conceito de gestão social no pe- ríodo de 1990-2018, verificando o grau de consenso sobre seus elementos constitu- tivos a fim de propor um conceito integrati- vo. Utilizou-se da análise quali-quantitativa de 94 definições de gestão social publica- das em periódicos científicos nos últimos 28 anos. Essa análise possibilitou verificar quais elementos do conceito de gestão so-
  • 64. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 4 cial são consensuais entre os autores, bem como mostra a evolução do construto. Foi adotado um conjunto de metodologias que inclui a desconstrução léxica dos conceitos em substantivos, verbos e adjetivos, reali- zando uma análise de copalavras, seguida de uma análise de consenso baseada no índice Kappa. Assim, o presente estudo se justifica por oferecer um avanço neste cam- po, permitindo como resultado a proposição de um conceito gerado a partir dos elemen- tos consensuais entre os autores. REFERENCIAL TEÓRICO As primeiras publicações sobre gestão so- cial datam do início da década de 1990 (Te- nório, 1998). Estudos internacionais anali- savam o tema no ambiente organizacional, relacionando-o com a gestão de pessoas, focando nos funcionários como principal stakeholder das empresas. Essa perspecti- va é evidenciada, por exemplo, nos traba- lhos de Tuininga (1990), McClelland (1990) e Inzerilli (1990). Neste contexto, vinculava- -se com a gestão do relacionamento e ne- cessidades das famílias dos colaboradores, bem como gestão da saúde do trabalhador (Baranski, 2002). Outras perspectivas in- ternacionais focaram a gestão social como comportamento organizacional coletivo. Por exemplo, Inzerilli (1990) analisou o modelo de gestão do Nordeste italiano, no qual pre- domina o comportamento solidário e coleti- vo baseado em trocas sociais, minimização do comportamento oportunista e dos con- sequentes custos de transação. O estudo de Adrianow (1995) começou a aproximar as perspectivas de estudos in- ternacionais à concepção brasileira de ges- tão social, pois a considera caracterizada, principalmente, pelo seu ponto de partida: participação dos cidadãos na gestão de seus bairros, identificando campos políticos e cooperação entre as partes num esforço conjunto para a tomada de decisão. Neste percurso teórico, Peter Wheale (1999) deu os primeiros passos na literatura internacio- nal para tratar o construto numa perspecti- va similar à que hoje é utilizada pelos pes- quisadores brasileiros, ou seja, abordagens consensuais, consultivas, de participação pública, de consciência, cidadania e visão pluralista. No entanto, mesmo com estas abordagens, não contemplava os espaços públicos e relacionava gestão social com a cidadania tecnológica, com engenharia ge- nética e outras questões relacionadas à ci- ência e tecnologia. O artigo intitulado “Gestão Social: uma pers- pectiva conceitual” de Tenório (1998) foi um dos seminais trabalhos brasileiros que apre- sentaram considerações acerca das delimi- tações entre os conceitos de gestão social, gestão estratégica e cidadania deliberativa. Segundo este autor, a gestão social contra- põe-se à gestão estratégica na medida em que se trata de um processo dialógico, par- ticipativo e democrático, com igualdade polí- tica e decisória, livre da influência da lógica de mercado. Na perspectiva da academia brasileira, La- dislau Dowbor (1999) apontou os principais elementos constitutivos da gestão social, como: empoderamento, no sentido de res- gate político pela sociedade; ator social, que tem interesse em determinada decisão; ad- vocacy, como a capacidade de voz e defesa de uma causa; accountability, da responsa- bilização dos representantes da sociedade em termos de prestação de contas; autocon-
  • 65. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 5 fiança das comunidades; uma nova perspec- tiva de governança em conjunto com os ato- res sociais. O estudo de Dowbor contribuiu para que, a partir dos anos 2000, o tema gestão social tivesse em suas definições termos que começam a se relacionar com o desenvolvimento sustentável e as estraté- gias legítimas da sociedade civil. Foi neste momento que o conceito de gestão social se voltou diretamente para a sociedade civil, desvinculando-se do âmbito organizacional (Peres Jr, & Pereira, 2014). Os atores da gestão social distribuem-se do primeiro ao terceiro setor, portanto, socieda- de, governos e mercado (empresas). Desta forma, também se destaca a contribuição do setor privado para alcançar os benefícios socioeconômicos e ambientais a que a ges- tão social se propõe (Villela, & Pinto, 2009). Fischer et al. (2006) afirma que a gestão ad- jetivada social é aquela que objetiva realiza- ções e expressa o interesse de indivíduos, grupos e coletividades, através da orienta- ção para mudança e pela mudança, desde microunidades organizacionais, até organi- zações com alto grau de hibridização, como são as interorganizações. Corroborando com essa perspectiva, Can- çado (2011) sugere a existência de três gran- des categorias articuladas entre si, em uma sequência ascendente. São elas: interesse público; esfera pública; e emancipação so- cial, dando origem ao seguinte conceito de gestão social: “[...] é a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligi- bilidade da linguagem, na dialogicidade e entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim último” (Cança- do, 2011, p. 221). Embora teoricamente estas categorias se- jam aplicáveis, quando se encontram na práxis tornam-se um desafio para o gestor social. Os preceitos de participação, tomada de decisão coletiva, igualdade e interação social voltadas para o bem comum e livres de coerção, como ressaltados nos diversos conceitos apresentados na literatura (Tenó- rio, 2005;Cançado, 2011;Fischer et al., 2006, Silva Júnior et al., 2008; Dowbor, 1999, entre outros) necessitam de organizações ou for- ma de organizar-se que possibilitem a cons- trução de espaços públicos de proximidade (Rigo, & Cançado, 2014).Assim, pluralidade, hibridismo e cooperação são visões relevan- tes tanto aos praticantes quanto aos acadê- micos da gestão social. Entende-se, portan- to, assim como afirma Espíndola, Netto, & Souza (2017), que a gestão social demanda uma práxis entendida como “atividade social reflexiva e transformadora” . Análises bibliométricas acerca das aborda- gens teóricas da gestão social têm sido re- alizadas para verificar o estado da arte do construto. Um exemplo é o estudo de Peres Jr., & Pereira (2014), no qual foi identificado a presença de quatro abordagens principais: estudos derivados da teoria crítica frankfur- tiana (por ex. Tenório, 2005; Zani, & Tenório, 2011): estudos baseados na noção de ges- tão do desenvolvimento social conduzidos por interorganizações (ex. Fischer, 2002, 2012; Gondim, Fischer, & Melo, 2006); es- tudos baseados em administração pública societal (ex. de Paula, 2006); e os estudos sobre organizações não governamentais (Dowbor, 1999; Pereira, Moraes, Mattos Jú- nior, & Pamisano, 2013). O estudo de Peres Jr.,& Pereira (2014)
  • 66. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 6 conclui que estas quatro abordagens es- tão contidas em duas vertentes: a primeira vinculando-se à gestão pública e societal e a segunda que se expande a partir do mo- mento em que se entende a gestão social como a ação gerencial dialógica que pode ser utilizada em diferentes sistemas sociais (públicos, privados ou organizações não- -governamentais). No entanto, segue válida a afirmativa de Dowbor (1999) quando sa- lienta que os paradigmas da gestão social ainda estão por ser definidos, ou construí- dos, uma vez que a área tem concentrado esforços em questões políticas, econômi- cas e sociais, mas ainda carente de pontos de referência organizacionais. Portanto, o campo da gestão social ainda está em uma perspectiva “pré-paradigmática” (Fischer, 2002; Garcia, Pereira, Alcântara, & Cruz, 2018; Gondim, Fischer, & Melo, 2006). Efetivamente, observa-se que gestão social é um campo em construção, porém também se observa pela revisão dos artigos que há uma grande dispersão de enfoques, muitas críticas e dúvidas.Também, não foram iden- tificados na literatura estudos que analisem o consenso entre as definições de gestão social, que em última instância representa o pilar deste campo. Assim, o presente estudo busca preencher esta lacuna e diferencia-se dos anteriores por abranger todo o período desde o surgimento do construto, analisar sua evolução por recortes temporais através de técnicas qualitativas e quantitativas, con- siderar as diferentes correntes teórico-práti- cas em torno da gestão social e buscar uma integração teórica. ASPECTOS METODOLÓGICOS O presente estudo tem como unidade de análise a definição de gestão social. Foram analisadas definições formuladas entre 1990 e 2018, o que abrange praticamente toda a história do campo, segmentadas em três períodos. É uma pesquisa quali-quantitativa exploratória, a partir da combinação das se- guintes técnicas: Análise de Conteúdo, Aná- lise de Co-words e Análise de Consenso (Fi- gura 1). Figura 1. Etapas do desenho metodológico da pesquisa
  • 67. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 7 Trata-se de métodos de metrologia da in- formação que apresenta o consenso entre autores através da utilização de termos si- milares em suas definições, mostrando a aproximação entre perspectivas teóricas (Callon, Rip, & Law, 1986). O processo me- todológico através da combinação dessas técnicas (Figura 1) melhora os níveis de confiabilidade dos resultados. Esta modali- dade de análise tem sido empregada nas ci- ências sociais aplicadas para definir estado de arte de construtos, como Ronda-Pupo, & Guerras-Martin (2012) aplicaram para o conceito de estratégia. A seguir detalha-se, passo a passo, a metodologia empregada as quais seguem o indicado por Ronda-Pu- po e Guerras-Martin (2012). Etapa 1: Identificação da Unidade de Aná- lise Os conceitos de gestão social foram extra- ídos dos estudos publicados e presentes no Periódicos Capes que abarca 248 bases de dados nacionais e internacionais. O le- vantamento considerou os critérios: artigos publicados entre 1990-2018; título do artigo deveria conter “gestão social” ou “social ma- nagement” . A busca foi realizada no mês de fevereiro de 2019, resultando em 255 arti- gos publicados em 59 revistas científicas. Porém, excluindo os repetidos, indisponíveis e os que não apresentavam um conceito de gestão social, a amostra final foi de 94 arti- gos científicos considerados válidos. O primeiro período, de 1990 a 1999, foi de- finido pelos estudos iniciais acerca do cons- truto, as primeiras delimitações e a utilização da teoria crítica frankfurtiana para contrapor o modelo neoliberal de desenvolvimento adotado. O segundo, de 2000-2009, foi defi- nido pela renovação e pelo amadurecimento do conceito com a inclusão da vertente sus- tentabilidade. Enquanto em 2010-2018 verifi- cou-se um crescimento elevado nas publica- ções sobre gestão social, mostrando que o tema entrou na agenda dos pesquisadores e marcando a terceira fase nas pesquisas. Etapa 2: Desconstrução das Definições A partir de uma análise de conteúdo, reali- zou-se uma desconstrução das definições, que consistiu na extração de termos-chave dos conceitos de gestão social, de forma a identificar os elementos centrais de cada definição. Foram extraídos: Ação relaciona- da à gestão social (verbo): Para tanto, o tex- to analisado deveria responder à seguinte questão: “Que ação é realizada na gestão social? ”; Substantivo: Qual a essência do conceito? “O quê?” e “Para quem?”; Adjeti- vo: Características que o distinguem ou qua- lificam. Trata-se de uma análise co-words, que reduz e projeta os conceitos em uma re- presentação específica, com a manutenção das informações essenciais contidas nos dados, baseando-se na natureza das pala- vras (Raan, & Tijssen, 1993). Etapa 3: Criação de Famílias de Palavras e Elementos Conceituais As palavras extraídas (etapa 2) foram agru- pados em famílias de palavras de acordo com a sua classificação léxica (ação, para que/quem e qualificadores) e agrupadas em elementos conceituais, que são os agrupa- mentos de palavras similares, construídos com base nos seguintes critérios: sinônimos diretos. Exemplo: gerenciar, administrar e dirigir; palavras que, apesar de não serem sinônimas, foram utilizadas no mesmo con-
  • 68. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 8 texto, como “proteger” e “assegurar”; gran- des grupos de palavras com sentido con- ceitual ou tendência na mesma perspectiva (ex. itens relacionados ao lócus de aplica- ção). Os agrupamentos podem ser aprecia- dos nos Quadros 1, 2 e 3 a seguir. Quadro 1. Famílias de palavras para os verbos (ações) Elementos Conceitu- ais Termos-chave Gerenciar Gerenciar, Administrar, Analisar, Autogerar, Controlar, Decidir, Definir, Delinear, Desempenhar, Determinar, Dirigir, Efetivar, Elaborar, Empreender, Encaminhar, Equacionar, Estabelecer, Estru- turar, Executar, Fazer, Guiar, Implementar, Moldar, Negociar, Nortear, Organizar, Orientar, Plane- jar, Presidir, Prever, Produzir, Reger, Regular, Trabalhar, Viabilizar. Ser Ser, Abranger, Aparecer, Apontar, Apresentar, Atuar, Buscar, Capturar, Caracterizar, Conceber, Configurar, Constituir, Demarcar, Enquadrar, Estar, Expressar, Formar, Funcionar, Implicar, Ma- terializar, Pautar, Pretender, Reconhecer, Referir, Residir, Tender, Ter, Traduzir, Tratar, Versar, Vincular. Participar Participar, Agrupar, Apoiar, Aproximar, Articular, Associar, Assumir, Auxiliar, Chamar, Coalizar, Compor, Considerar, Contribuir, Exercer, Integrar, Interagir, Interligar, Intermediar, Mobilizar, Re- presentar, Voluntariar. Comparti- lhar Compartilhar, Argumentar, Compreender, Comunicar, Concordar, Dialogar, Discutir, Dissociar, Entender, Falar, Intervir, Prestar, Propor, Refletir, Responder, Revelar. Emancipar Emancipar, Adquirir, Agir, Ajustar, Alcançar, Alimentar, Ampliar, Aprender, Ascender, Assegurar, Assistir, Atender, Destinar, Elevar, Emergir, Emponderar, Envolver, Esclarecer, Estimular, Forta- lecer, Garantir, Incluir, Legitimar, Manter, Perceber, Permitir, Preocupar, Proporcionar, Proteger, Reforçar, Resgatar, Responsabilizar, Valorizar. Desenvol- ver Desenvolver, Abrir, Acontecer, Compatibilizar, Construir, Criar, Fundar, Idealizar, Institucionalizar, Ocorrer, Originar, Promover, Realizar, Recompor, Reconstituir, Recuperar, Reescalonar, Repro- duzir, Solucionar, Transformar, Utilizar, Visar. Melhorar Melhorar, Amenizar, Analisar, Aprimorar, Aprofundar, Avançar, Destacar, Evidenciar, Favorecer, Focar, Harmonizar, Impulsionar, Levantar, Otimizar, Primar, Superar, Transcender. Contrapor Contrapor, Abordar, Aplicar, Colocar, Combater, Complementar, Convergir, Demandar, Dever, Evitar, Influenciar, Levar, Mudar, Substituir. Avaliar Avaliar, Basear, Demonstrar, Depender, Encontrar, Identificar, Medir, Monitorar, Percorrer, Redu- zir, Relacionar.
  • 69. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 9 Quadro 2. Famílias de palavras para os substantivos (o quê/quem) Elementos Con- ceituais Termos-chave Gestão Gestão, Ações, Atividades, Autoridade, Caráter, Competências, Controle, Coprodução, Crescimento, Decisões, Desenvolvimento, Design, Economia, Esforços, Esquemas, Es- tabilidade, Estratégia, Exercício, Híbrido, Iniciativas, Instrumentos, Mecanismo, Modelos, Novas formas, Novo cenário, Objetivos, Origem, Ótica, Padrões, Paradigma, Perspectivas, Planejamento, Políticas organizacionais, Práticas, Pressupostos, Princípios, Processo de- cisório, Processos, Produção, Projetos, Provisão, Regulamentação, Sequência, Soluções, Tarefa, Tendência, Tomada de decisão, Transformações, Visão clara. Espaços Espaços, Ambiental, Ambiente, Áreas da vida, Campos, Campos de estudo, Contorno, Des- tino, Esfera, Estruturas, Extensão universitária, Fronteiras, Governança local, Local, Local de trabalho, Localidade, Lócus, Meio, Microunidades, Macrounidades, Momentos, Mundo da vida, Nações, Natureza, Nível municipal, Países, Raio, Realidade, Redes, Segmentos, Setor, Sistema, Sistemas locais, Territórios, Trabalho, Vida. Relações Relações, Acordo, Conexões, Conflitos, Conjunto, Cooperação, Cooperativismo, Debate, Diálogo, Diferentes perspectivas, Discussão, Disputa, Explicações, Identidade, Integração, Interação, Intercâmbio, Interlocutores, Interorganizações, Linguagem, Luta, Papel, Papel- -chave, Participação, Poder, Políticas, Publicização, Reflexão, Relacionamentos, Resistên- cia, Saberes, Tensões. Atores Atores, Administrações, Agentes, Alvos principais, Associações, Atores industriais, Atores sociais, Autoridade decisória, Cidadãos, Comunidades, Comunidades de prática, Con- selhos, Consumidor, Desfavorecidos, Eleitor, Empregado, Empresas, Estado, Excluídos, Famílias, Funcionários, Fundações, Gestor, Governantes, Governos, Grupos, Homem, Indivíduos, Marginalizados, Mercados, Moradores, O outro, Organizações, Organizações não-estatais, Parcerias, Partes interessadas, Participantes, Partido governante, Pessoas, Players, Polícia, População, Praticantes, Profissionais, Representantes, Residentes, Seres humanos, Sociedade civil, Stakeholders, Sujeitos, Sujeitos sociais, Terceiro Setor, Traba- lhador, Voluntariado, Voluntários. Contexto Geren- ciável Alternativas, Aspectos, Atitudes, Benefícios, Bens, Capacidade, Capital, Comportamento, Comunicação, Conhecimentos, Crenças, Crise, Cultura, Dimensões, Estudo, Expectati- vas, Finalidade, Habilidades, Ideais, Ideias, Imposto de renda, Informações, Interesses, Lacunas, Lucro, Miséria, Motivação, Mudanças, Necessidades, Noção, Oportunidades, Orçamento, Particularidade, Pobreza, Possibilidades, Pressões, Previdência, Prioridades, Problemas, Problemática, Programas, Questão, Recursos, Renda, Riqueza, Serviços, Ser- viços sociais, Suportes teóricos, Tempo, Valores, Visões, Vulnerabilidade. Cidadania Cidadania, Ascenção, Assistência, Consciência, Democracia, Direitos, Inclusão, Jurisdição, Movimentos, Ordem, Responsabilidade, Segurança. Fonte: Elaborado pelos autores
  • 70. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 10 Quadro 3. Famílias de palavras para os adjetivos (qualificadores) Elementos Con- ceituais Termos-chave Características Teóricas Ato relacional, Bem-compreendido, Cidadania deliberativa, Compartilhada, Consultiva, Deliberativa, Democrática, Dialética, Dialógica, Dialogicidade, Epistêmica, Epistemológica Crítica, Epistemológico, Instrumental, Interesse bem-compreendido, Interesse bem-entendido, Intersubjetiva, Intersubjetivida- de, Negociada, Normativa, Participativa, Procedimental, Racionalidade, Racionalidade substantiva, Racional-instrumental, Razão, Trabalho-capital. Características dos Atores Ativa, Coletiva, Coletivamente, Comprometimento, Concordância, Confiança, Conjunto, Consciente, Consenso, Consensual, Cooperativados, Essenciais, Geral, Humana, Livre, Livre de coerção, Livre- mente, Marginalizados, Migrante, Múltiplas, Objetivo comum, Organizados, Parceria, Pessoal, Plural, Pluralismo, Pluralista, Reflexiva, Responsável, Sem coação, Sem coerção, Sem imposição. Benefícios socioe- conômicos Benefícios socioeconômicos, Accountability, Ampliada, Aprendizagem, Auto-confiança, Autonomia, Básica, Bem comum, Bem-estar, Bem-viver, Cidadania tecnológica, Consciência crítica, Consciência pública crítica, Direito a fala, Direito a voto, Direito a voz, Ecológica, Econômica, Emancipação, Estilo de vida, Experiências, Florescimento, Ganha-ganha, Harmonia, Harmonizáveis, Igualdade, Inclusão, Interesses, Justaposição, Lucro, Mais justa, Melhor, Motivação, Natureza, Privilegiados, Proximidade, Qualidade, Satisfação, Saúde, Saúde ocupacional, Sustentabilidade, Sustentável, Tangíveis, Voz. Inovação em Ges- tão Inovação em gestão, Adaptativa, Contemporânea, Diferenciada, Diferentes, Experimental, Futuro, Hibridismo, Hibridização, Inovação, Linha de fuga, Moderna, Mudanças, Mudanças radicais, Nova fronteira, Nova modalidade, Novas formas, Novo potencial, Oportunidades de sobrevivência, Ordem Social, Paradigma, Pré-paradigmática, Preventivamente, Profundas, Realidade, Tendência, Transfor- madora. Características da práxis Administrativo, Altamente estratégica, Analítica, Argumentativa, Articulado, Autogovernança, Capaci- dade, Cívica, Competitiva, Complexa, Comunicativa, Conflitante, Conspícua, Crítica, De baixo para cima, Decisória, Descentralizada, Desempenho, Dicotômica, Direta, Disciplinas, Efetiva, Efetividade, Eficaz, Eficiente, Estratégica, Estrategicamente, Flexível, Fluidas, Formais, Gerencial, Habilidade, Horizontal, Importante, Intangível, Interdependência, Interdisciplinar, Múltipla, Não-hierárquica, Não- -utilitarista, Necessidade, Orientada pela estratégia, Práxis, Premente, Recursiva, Relacional, Relati- va, Relevante, Sem burocracia. Legitimidade Altruísmo, Cidadania, Clareza, Comum, Constitutiva, Contexto comum, Defesa de interesses, Dis- poníveis, Diversidade, Educativa, Elos de integração, Ideológica, Igualitário, Inclusiva, Informação, Inteligibilidade, Intermediação, Legítima, Moral, Princípios, Publicização, Retificada, Respeito, Res- ponsabilidade, Semi-institucionalizada, Simbólica, Sinergéticamente, Solidária, Solidariedade, Trans- parência, Transparência pública, Transparente, Valores, Veritista. Social Ascenção social, Cultural, Vertente societal, Vibração social, Vulnerabilidade social. Características do Lócus Comunitária, Corporativa, Estado democrático, Governamentais, Governança, Heterogeneidade, Heterogêneo, Industrial, Institucionais, Institucionalização, Internacional, Interorganizações, Inter se- toriais, Local, Macroescalares, Meio ambiente, Microescalares, Mundial, Nacional, Não-estatal, Não- -governamental, Não-público, ONGs, Organizacionais, Político, Privada, Pública, Público-privado, Sociedade-estado, Socioambiental, Sociocultural, Técnico, Terceiro Setor.
  • 71. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 11 Etapa 4: Análise de Consenso A quarta etapa consistiu em determinar o nível de consenso entre os termos utiliza- dos ao longo da história do campo. Esta eta- pa foi dividida em dois estágios: criação de uma matriz de dois eixos, a fim de comparar os elementos conceituais das famílias de palavras (linhas) com as definições (colu- nas). Desta forma não comparamos defini- ção versus definição (análise coautor), mas, em vez disso, termo versus termo (análise de copalavras); O segundo estágio utilizou o cálculo do índice Kappa, indicado para avaliar grau de concordância (Cohen, 1960). A partir dos dados de entrada da matriz de dois eixos, forma-se a tabela de contingên- cia por período que considera se o elemen- to conceitual aparece em uma definição, mais de uma e se não aparece em nenhu- ma definição. Os procedimentos foram se- melhantes ao indicado por Ronda-Pupo, & Guerras-Martin (2012). O índice Kappa é calculado usando a seguinte fórmula: (1) Onde Po é o grau de concordância observa- do e Pe é o grau de concordância esperado aleatoriamente. Assim, 1- Pe representa o possível gama de acordo não atribuído ao acaso; portanto o coeficiente de concordân- cia de Kappa pode variar de (-p /1-p) até 1. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTA- DOS O primeiro período teve seis definições; o segundo período apresentou 15; e o terceiro, 73 definições.A análise de conteúdo usando a técnica de desconstrução léxica gerou 689 termos, sendo que 199 representam ações da gestão social, 239 representam a quem ou a que se destinam estas ações e os 251 termos restantes são as características e qualificadores daquilo que os autores consi- deram como gestão social. Observa-se que a maioria dos termos (aproximadamente 60%) aparecem apenas em uma definição, confirmando através desta dispersão que existe uma visão ampla acerca do construto na literatura. Através de agrupamento dos termos foram criadas famílias de palavras (elementos conceituais), conforme a etapa 3 do proces- so metodológico. Verificou-se que os 199 verbos encontrados se repetiam 428 vezes, o que gerou nove famílias de palavras, as quais foram submetidas ao processo de distribuição de frequência afim de avaliar a evolução do construto gestão social nos três períodos analisados (Tabela 1). Em sua es- sência consensual, o conceito de gestão so- cial pode ser descrito, em termos de ações, por “gerenciar” , “emancipar” e “ser” . Destaca- -se, também, o crescimento gradativo do uso dos termos enquadrados nas famílias “participar” e “compartilhar” pelos autores.
  • 72. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 12 Tabela 1. Distribuição de frequência dos elementos “ação” Períodos N=6 (1990-1999) N=15 (2000-2009) N=73 (2010-2018) N=94 (Total) Gerenciar 5(83,3%) 16(106,7%) 73(100,0%) 94(100,0%) Ser 0 6(40,0%) 61(83,6%) 67(71,3%) Participar 1(16,7%) 5(33,3%) 35(47,9%) 41(43,6%) Compartilhar 1(16,7%) 5(33,3%) 35(47,9%) 41(43,6%) Emancipar 5(83,3%) 8(53,3%) 56(76,7%) 69(73,4%) Desenvolver 3(50,0%) 9(60,0%) 41(56,2%) 53(56,4%) Melhorar 2(33,3%) 1(6,7%) 21(28,8%) 24(25,5%) Contrapor 1(16,7%) 0 24(32,9%) 25(26,6%) Avaliar 0 2(13,3%) 12(16,4%) 14(14,9%) Total 18 52 358 428 Durante a primeira fase dos estudos so- bre gestão social (1990-1999), predominou a utilização dos verbos “gerenciar” (83%); “emancipar” (83%); e “desenvolver” (50%) (Tabela 1). Foi o início do construto, através da perspectiva organizacional, relacionan- do a gestão de pessoas e as trocas sociais (Inzerilli, 1990; Tuininga, 1990). Começa a percepção da necessidade de aprimorar as estruturas de tomada de decisão a fim de abarcar o interesse de todos (Irwin, Georg, & Vergragt, 1994). Consequentemente, um novo paradigma para a gestão (Dowbor, 1999) que teria como um dos seus princi- pais objetivos empoderar para resgatar o poder político da sociedade, bem como criar capacidade de voz e defesa de uma causa (Dowbor, 1999; Pereira et al., 2013). A segunda fase, de 2000 a 2009, marca o período em que se inicia maturação dos conceitos. Os mesmos três verbos da fase anterior foram os mais utilizados pelos auto- res, mas cresceu o uso do verbo “gerenciar” (107%), indicando maior associação do con- ceito com ações gerenciais mais claras. O verbo “desenvolver” (60%) também aumen- tou de frequência, enquanto “emancipar” (53%) reduziu. Outros importantes verbos deste conceito surgiram nesta fase, como o participar, com- partilhar e avaliar. Fomentou-se o entendi- mento de que a gestão deveria ser mais par- ticipativa, com um processo decisório que inclui os diferentes sujeitos sociais (de Paula, 2006;Tenório, 2006), objetivando realizações e expressando interesses de indivíduos, gru- pos e coletividade (Fischer et al., 2006). A avaliação de ações e práticas comunitárias transformadoras da comunidade também foi associada à gestão social nesta fase (Fuen- mayor, Araujo, Altuve, & Castro, 2008; Villela & Pinto, 2009), promovendo o bem-estar de indivíduos e coletividades (Souza & Oliveira, 2006). O terceiro período analisado (2010-2018) indicou maior concentração dos autores no uso do elemento conceitual “ser” (84%), destacando-se também os elementos con- ceituais “gerenciar” (100%) e “compartilhar” (77%). Numa segunda linha de elementos importantes nessa fase, observa-se que “compartilhar” e “participar” mantêm-se na agenda dos pesquisadores, mas reforça-se um elemento pouco usado nas fases anterio- res, o “contrapor” . Nesta fase, entende-se a ação de gerenciar como um conjunto de processos sociais de- senvolvido por meio de uma ação negocia- da entre seus atores (Moretto Neto, Garrido,
  • 73. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 13 & Justen, 2011), em que a tomada de de- cisão é coletiva, livre de coerção, baseada no entendimento e na argumentação (Bo- trel, Araújo, & Pereira, 2011). Portanto, para os autores deste período, a gestão social constitui-se em uma nova modalidade de gerenciamento das políticas sociais, um contraponto ao modelo vigente que exige modelos flexíveis e participativos; uma for- ma de gestão que valoriza a concordância, em que a solidariedade é a sua motivação e a emancipação é o seu fim último (Espín- dola, Moreto Netto, & Souza, 2017; Iizuka, Gonçalves-Dias, & Aguerre, 2012; Raimun- do, & Cadete, 2012; Pinheiro, & Cançado, 2013). Foram encontrados 239 substantivos que aparecem 662 vezes nas definições anali- sadas, formando seis famílias de elemen- tos conceituais (Tabela 2). O conceito de gestão social tem sua essência substanti- vada em “gestão” e em “contexto gerenci- ável” para os “atores” . Destaca-se, também, o crescimento gradativo do uso dos termos enquadrados na família “relações” , mas um decréscimo no uso de elementos associa- dos a cidadania. A família “atores” agrupou as três perspectivas: a pública, a privada e a sociedade civil. Isto confirma o pressupos- to teórico de que a gestão social entende o espaço público como a relação equilibrada entre estes três agentes sociais (Alcânta- ra, & Pereira, 2017; Villela, & Pinto, 2009), porém dos 56 substantivos relacionados a “atores” , 82% referem-se à sociedade civil; 12% são agentes públicos; e 5% são agen- tes privados. Portanto, mesmo com a previ- são de uma mescla equilibrada de atores, na sociedade civil prevalece o que pode ser justificado pela proposta de modelo de ges- tão botton-up e pela aclamada inversão de governo-sociedade, para sociedade-gover- no, assim como mercado-sociedade para sociedade-mercado (Tenório, 1998, 2005). Tabela 2. Distribuição de frequência dos elementos “para quem/o quê” Períodos N=6 (1990-1999) N=15 (2000-2009) N=73 (2010-2018) N=94 (Total) Gestão 4(66,7%) 17(113,3%) 167(228,8%) 188(200,0%) Atores 18(300,0%) 38(253,3%) 131(179,4%) 187(198,9%) Contexto gerenciável 4(66,7%) 20(133,3%) 75(102,7%) 99(105,3%) Espaços 6(100,0%) 20(133,3%) 63(86,3%) 89(94,7%) Relações 3(50,0%) 6(40,0%) 70(95,9%) 79(84,0%) Cidadania 3(50,0%) 1(6,7%) 16(21,9%) 20(21,3%) Total 38 102 522 662 Na primeira fase do construto os atores es- tão na perspectiva do funcionário como o recurso mais importante de uma empresa (Tuininga, 1990) e dos grupos da sociedade não considerados dentro das abordagens ortodoxas – grupos de cidadãos (Irwin, Ge- org, & Vergragt, 1994). Nas fases seguintes, destacam-se os elementos conceituais “ato- res” , “contexto gerenciável” , “espaços” e “ges- tão” . Percebe-se uma ampliação na visão que se tem dos atores responsáveis pela gestão social, sendo eles: o Estado, o mer- cado, as organizações, a sociedade civil e as coletividades (Baranski, 2002; Fischer et al., 2006; Marsden, Banks, & Bristow, 2002; Villela & Pinto, 2009), os sujeitos sociais (de Paula, 2006), a população (Magalhães, Mi- lani, Siqueira, & Aguiar, 2006).
  • 74. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 14 Em relação ao “contexto gerenciável” , os au- tores apresentam um sistema compartilha- do de crenças, explicações e valores (Pa- nhoca, Da Silva, Figueira, Nascimento, & Ricci, 2007), bem como a efetiva implemen- tação de políticas e programas sociais (Ro- mero, & Diaz, 2007). Tais contextos ocorrem em diversos “espaços”: territoriais micro ou macroescalares (Fischer et al., 2006), tanto na esfera privada quanto na esfera pública (Fleig, Oliveira, & Brito, 2006) e até mesmo no local de trabalho (Baranski, 2002). Também destacou-se o elemento conceitual “gestão” , que corresponde a uma variedade de atividades que intervêm em áreas da vida social (Magalhães et al., 2006), entendida como um processo gerencial dialógico em que a autoridade decisória é compartilhada (Tenório, 2006). Gestão como o ato relacio- nal capaz de dirigir e regular processos por meio da mobilização ampla de atores na to- mada de decisão (Dreher, 2012), constituindo uma nova modalidade de gerenciamento de um conjunto de instrumentos e estratégias para o encaminhamento de soluções mais eficazes e eficientes (Raimundo, & Cadete, 2012) voltada especificamente para a reali- zação de transformações sociais (Mosquera, 2012). Por último, a análise permitiu identificar 251 qualificadores, que aparecem 614 vezes nas definições, formando um conjunto de oito fa- mílias de elementos conceituais (Tabela 3). O conceito de gestão social diferencia-se em termos de “características do lócus” , “carac- terísticas teóricas” e “benefícios socioeconô- micos” . Destaca-se, também, o crescimento gradativo do uso dos termos enquadrados na família de palavras “legitimidade” e a re- dução dos termos caracterizados como “ino- vação em gestão” . Tabela 3. Distribuição de frequência dos elementos “qualificadores” Períodos N=6 (1990-1999) N=15 (2000-2009) N=73 (2010-2018) N=94 (Total) Características do Lócus 7(116,7%) 14(93,3%) 93(127,4%) 114(121,3%) Benefícios socioeconômicos 7(116,7%) 13(86,7%) 83(113,7%) 103(109,6%) Características teóricas 1(16,7%) 12(80,0%) 89(121,9%) 102(108,5%) Características da práxis 6(100,0%) 9(60,0%) 68(93,1%) 83(88,3%) Características dos atores 5(83,3%) 8(53,3%) 64(87,7%) 77(81,9%) Social 3(50,0%) 12(80,0%) 47(64,4%) 62(65,9%) Legitimidade 1(16,7%) 6(40,0%) 41(56,2%) 48(51,1%) Inovação em gestão 3(50,0%) 4(26,7%) 18(24,7%) 25(26,6%) Total 33 78 503 614 Entre 1990 e 1999, são principais diferen- ciais a “característica do lócus” , os “benefí- cios socioeconômicos” e as “características da práxis” . Nesta fase, o lócus é composto de sistemas políticos que garantem a par- ticipação efetiva do cidadão na tomada de decisões (Irwin et al., 1994), de forma plura- lista (Dowbor, 1999). A práxis, ainda pouco delimitada neste período, consiste em uma abordagem consultiva da participação pú- blica (Wheale, 1999). Para os autores desta fase, essas articulações devem resultar no desenvolvimento da capacidade de voz e defesa a uma causa ou grupo social (Dow- bor, 1999; Pereira et al., 2013), o aumento na consciência pública crítica (Wheale, 1999) e todo o processo devem gerar benefícios so- ciais e econômicos.
  • 75. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 15 A segunda fase de evolução do concei- to em termos de adjetivos consistiu em maior ênfase nos aspectos relacionados a “características do lócus” , “benefícios so- cioeconômicos” , “social” e “características teóricas” . Nesse período, a lócus da gestão social pode estar tanto em microunidades organizacionais, quanto em organizações com alto grau de hibridização, como são as interorganizações, bem como em espaços territoriais micro ou macroescalares (Fis- cher et al., 2006), de âmbito de ação local ou comunitária (Fuenmayor et al., 2008). Como benefícios da gestão social, os auto- res apontam a geração de experiências de aprendizagem significativa e transformado- ra da realidade (Fuenmayor et al., 2008), a promoção do bem-estar de indivíduos e co- letividades, sob o ideal da emancipação hu- mana (Souza, & Oliveira, 2006), a garantia da satisfação das necessidades essenciais da população (Magalhães et al., 2006), e que a gestão social está no centro dos de- bates sobre desenvolvimento sustentável (Marsden et al., 2002). O elemento conceitual “características teóri- cas” foi criado para expressar os pressupos- tos teóricos defendidos pelos autores, que desde os seminais trabalhos publicados vêm tentando delimitá-lo como um campo cientí- fico, como uma nova modalidade de gestão, um paradigma e uma inovação. Para os au- tores, a gestão social consiste na substi- tuição da gestão tecno-burocrática por um gerenciamento mais participativo (de Paula, 2006), tendo como base epistemológica a intersubjetividade, a dialogicidade, o bem comum, o interesse bem compreendido, a democracia deliberativa (Fleig, Oliveira, & Brito, 2006; Tenório, 2006), viabilizadora de ações e práticas comunitárias transforma- doras e dialógicas (Villela, & Pinto, 2009). Por fim, o adjetivo social foi destacado, pois vem qualificando o substantivo gestão que é percebido como o processo que compõe as formas simbólicas de ascensão social e oportunidades de sobrevivência (Cabral, 2010). O terceiro período, foi marcado pela maior presença dos elementos constituintes das famílias “características do lócus” , “caracte- rísticas teóricas” , e por “benefícios socioeco- nômicos” . Como lócus da gestão social, os autores deste período entendem que é o es- paço denominado de esfera pública, o qual não é o mesmo que espaço público, pois vai além do governo público, sendo então um espaço de comunhão da sociedade e enga- jamento social (Bauer, & Carrion, 2016; Can- çado, Villela & Sausen, 2016).Teoricamente, o construto é fundamentado e diferencia-se no interesse bem compreendido e na eman- cipação, que compõem a estrutura principal da abordagem teórica (Cançado, Villela & Sausen, 2016; Pinheiro, & Cançado, 2013), representado pelas subcategorias de solida- riedade e sustentabilidade; democracia deli- berativa; comunidades de prática; intersub- jetividade/dialogicidade; interorganizações; e racionalidade (Cançado, Rigo, & Pinheiro, 2016). Dentre os benefícios desenvolvidos pela gestão social como qualificadores, os au- tores entendem que ela pode promover a inclusão social e educativa através da cons- trução coletiva (Nunes, & Magalhães, 2017) e melhorar a autonomia social e as capaci- dades de autogovernança (He, 2016), tendo por finalidade a emancipação do homem (Cançado et al., 2016; Pinheiro, & Cançado, 2013).
  • 76. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 16 Análise de consenso O conceito de gestão social apresentou na primeira fase de sua evolução um maior consenso em relação aos substantivos utili- zados Índice Kappa=0,25, que está na faixa do consenso justo (Tabela 4). Este resulta- do decorre da concordância dos autores em relação ao principal argumento utilizado de um modelo de gestão que incorpore os ato- res sociais na tomada de decisão. No en- tanto, este período apresentou uma falta de consenso em relação à ação (K= -0,04). Ou seja, os autores não tinham clareza na ação necessária para colocar em prática o cons- truto, o que indica uma falta de maturidade das definições nesta primeira fase, natural em um campo científico em fase inicial. Esta mesma justificativa aplica-se aos elementos conceituais que diferenciam e qualificam o conceito de gestão social, os quais apresen- tam baixo nível de consenso (K=0,14). O segundo e o terceiro período apresentam maior nível de consenso também em relação aos substantivos (K=0,47 e 0,56, respectiva- mente), demonstrando que essa perspectiva de maior ênfase nos atores sociais permane- ce com o passar dos anos. Há uma elevação dos índices relacionados à ação, passando de sem consenso para consenso justo nos períodos seguintes, no qual se destaca a uti- lização dos verbos enquadrados na família de elementos “gerenciar” . De mesmo modo, os qualificadores apresentaram evolução de baixo consenso no primeiro período, para consenso moderado (K = 0,51) no último pe- ríodo. Tabela 4. Coeficiente de consenso entre os pares de definição Coeficiente Kappa 1990-1999 2000-2009 2010-2018 K(Ação) -0,04 0,24 0,39 K(Que/Quem) 0,25 0,47 0,56 K(Qualificador) 0,14 0,35 0,51 Legenda < 0,00: Sem consens 0,00 – 0,20: Baixo consenso 0,21 – 0,40: Consenso justo 0,41 – 0,60 Moderado 0,61 – 0,80 Substancial 0,81 – 1,00 Consenso quase perfeito Os resultados indicam a necessidade de mais pesquisas no campo da gestão social para o amadurecimento de suas perspecti- vas teóricas e sua aplicação, visto que se trata de um processo de gestão, o que pres- supõe aplicação do conceito à vida prática. Porém, confirmam afirmações encontradas na literatura de que ainda é uma perspecti- va pré-paradigmática (Fischer, 2012; Peres Jr, & Pereira, 2014). Também, reafirmam os achados do estudo apresentado por Boyd, Finkelstein, & Gove (2005), o qual indicou que campos menos maduros possuem ní- veis mais baixos de consenso entre os pes- quisadores. CONCLUSÕES Desde a década de 1990, o conceito de ges- tão social recebe a atenção de pesquisadores nacionais e internacionais e foi alterando-se, principalmente pela inclusão de perspectivas
  • 77. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 17 brasileiras. Esta pesquisa objetivou verifi- car a evolução e o consenso em torno das definições de gestão social no período de 1990-2018 de forma a contribuir com um campo considerado em fase pré-paradig- mática (Silva, Silva, Maciel, Aires, & Silva, 2016).Após a análise temporal do construto, foi confirmado que ocorreram evoluções e atualmente o campo entra em um estado de maturação, porém ainda possui uma trajetó- ria a ser percorrida para alcançar consenso entre os pesquisadores do tema. Os resultados apresentaram níveis de con- senso mediano entre os autores, porém crescente ao longo do tempo, com um Índice Kappa em níveis considerados entre justo e moderado (K=0,20 - 0,60), portanto ainda longe das faixas que indicaram uma cen- tralidade no conceito. O maior K encontra- -se no “o quê/quem” , portanto, confirma uma tendência em centrar-se na visão de “para quem” a gestão social deve trazer bons re- sultados. O último período de evolução do construto (2010-2018) apresentou níveis mais altos de consenso. Se esta tendência for mantida nos próximos anos, é possível que no futuro a gestão social possa alcan- çar níveis de paradigma. Atualmente, a maior concordância acerca da gestão social gira ao redor das ações de “gerenciar” , “ser” e “emancipar” substantiva- da em “gestão” , “atores” e “contextos gerenci- áveis” , sendo qualificada por “características do lócus” , “características teóricas” e “bene- fícios socioeconômicos” . Portanto, o concei- to integrado que representa esta análise de consenso dos autores ao longo dos anos é que a gestão social é o gerenciamento participativo dos espaços público-privados e suas contingências a fim de emancipar e desenvolver os atores através de benefícios socioeconômicos, sendo, portanto, um mo- delo de gestão com características próprias. Em termos gerais, podemos afirmar que os resultados encontrados são consisten- tes com estudos anteriores, mostrando que o conceito de gestão social é considerado um paradigma in progress ou fase pré-pa- radigmática (Fischer, 2012; Peres Jr, & Pe- reira, 2014; Silva et al., 2016). A pesquisa também permitiu observar um elevado au- mento da produção acadêmica nos últimos anos, mostrando que a gestão social entrou na agenda de pesquisa, fato que ajudará a consolidação do campo. Porém, em termos desta pesquisa, isto se tornou um fator limi- tador devido à dispersão de abordagens e ao grande número de palavras encontradas nas definições dos autores. Outra limitação da pesquisa foi o fato de não utilizar livros, dissertações e teses na área, porém foi uma opção metodológica que considerou o fato dos artigos científicos serem na sua gran- de maioria derivados de dissertações. A metodologia tríplice adotada de análise de conteúdo, a análise co-palavras e o índice Kappa buscou por um lado minimizar os vie- ses que poderiam surgir de acordo com o olhar do pesquisador e por outro possibilitar triangulação metodológica, como caminho recomendado para aumentar a confiabilida- de dos achados. Os achados deste estudo contribuem com a literatura do campo ao oferecer um conceito integrador baseado nos elementos de maior nível de consenso entre os pesquisadores. Além disso, os resultados acentuam um fato preocupante com relação à operacionali- zação deste conceito na prática de gestão, pois o nível mais baixo de consenso é rela-
  • 78. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 18 cionado ao verbo, na desconstrução léxica realizada para a análise de copalavras. Isto demonstra que os autores não têm bem de- finido como realizar a gestão social, como transformá-la em uma ação, portanto, apli- cada à realidade. A categoria de elemento conceitual “atores” mostrou predominância da sociedade civil, enquanto a categoria “características do ló- cus” indica a formação de uma esfera para a discussão em conjunto dos problemas da sociedade e as formas de solução. Porém, é preciso salientar que o lócus da gestão so- cial não público, nem privado, mas sim am- bos. Com relação a ser um modelo de gestão inovador, diferenciado do modelo tradicio- nal, fica demonstrado na frequência do uso de termos do elemento conceitual “caracte- rísticas teóricas” . Isto porque termos muito próprios deste campo do conhecimento são consensuais entre os autores, como sendo forma de gerenciar baseado em democra- cia, cidadania deliberativa, interesse bem compreendido, dialogicidade, consulta e compartilhamento. No entanto, o baixo con- senso sobre a ação nos conceitos deixa a gestão social com características associa- das a uma abstração, teóricas, e pouco prá- ticas. Por fim, conclui-se que o verbo mais utili- zado (gerenciar), bem como seu substan- tivo (gestão), fica qualificado pelo adjetivo social, sendo, portanto, um modelo de ges- tão organizacional da sociedade. Também, conclui-se salientando-se que esta metodo- logia pode ser usada para estudar outros conceitos em diversas áreas. Recomendam- -se pesquisas adicionais para o aprofunda- mento das análises em cada categoria de elementos conceituais da gestão social, de forma a identificar as origens do baixo con- senso. Além disso, é imperativo desenvolver pesquisas sobre modelos e monitores de gestão social que atendam ao seu conceito integrado e com dimensões que permitam não somente compreendê-la, mas também a aplicar e monitorar. REFERÊNCIAS Alcântara, V. de C., & Pereira, J. R. (2017). O locus da gestão social no contexto das inter- -relações e tensões entre mundo-da-vida (le- benswelt) e sistema (system). Organizações & Sociedade, 24(82), 412–431. https://doi. org/10.1590/1984-9240823 Allebrandt, S. L., Benso, A., & De Oliveira, V. G. (2015). Interfaces entre a Comunicação e a Gestão Social no Contexto do Desenvolvi- mento Territorial: Um estudo do território da cidadania noroeste colonial do Rio Grande do Sul. Revista de Ciências Da Administra- ção, 1(3), 120. https://doi.org/10.5007/2175- -8077.2015v17nespp120 Baranski, B. (2002). Policy requirements and performance indicators for good practice in health, environment and social management in the enterprises. International Archives of Occupational and Environmental Health, 75(0), 1–6. https://doi.org/10.1007/s00420- 002-0341-5 Bauer, M. A. L., & Carrion, R. da S. M. (2016). Conflitos na gestão social do território: Uma análise a partir da organização dos ilhéus em Porto Alegre. Cadernos EBAPE.BR, 14(3), 821–835. https://doi.org/10.1590/1679- 395131559
  • 79. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 19 Botrel, M. de O., Araújo, P. G. de, & Pereira, J. R. (2011). Gestão social de bens culturais no Brasil: Desafios e perspectivas. PASOS Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(4), 647–659. https://doi.org/10.25145/j.pa- sos.2011.09.061 Cabral, E. H. D. S. (2010). A gestão social do terceiro setor e suas dualidades. Revista Administração Em Diálogo, 11(2), 21–34. Cançado, A.C., Villela, L. E., & Sausen, J. O. (2016). Gestão Social e Gestão Estratégica: Reflexões sobre as diferenças e aproxima- ções de conceitos. Revista de Gestão So- cial e Ambiental, 10(3), 69–84. Cançado, Airton Cardoso, Rigo, A. S., & Pi- nheiro, L. S. (2016). Por una agenda de in- vestigación para la gestión social: Control social, paradigma, escala y cuadro de análi- sis. Praxis Sociológica, 21. de Paula, A. P. P. (2006). Entre o gerencialis- mo e a gestão social: Em busca de um novo modelo para a administração pública brasi- leira. Bibliotecadigital.Fgv.Br, 45(1), 36–49. de Pinho, J. A., & dos Santos, M. E. (2015). Social management: A review of Brazilian experiences. Revista do Serviço Público, 66(2), 257–279. Dowbor, L. (1999). Tendências da gestão social. Saúde e Sociedade, 8(1), 3–16. Dreher, M. T. (2012). Social management and local NGos performance in local deve- lopment of Blumenau (SC) region. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 8(2), 229–243. Espíndola, A. R. C., Netto, L. M., & Souza, V. B. (2017). A gestão social no contexto da gestão ambiental: Análise da criação e ope- racionalização do projeto 3R ARQ-UFSC. Revista de Gestão Social e Ambiental, 11(1), 56. https://doi.org/10.24857/rgsa.v11i1.1189 Fischer, T., Melo, V. P., Carvalho, M. R. de, Jesus, A. de, Andrade, R. A., & Waiandt, C. (2006). Perfis visíveis na gestão social do desenvolvimento. Revista de Adminis- tração Pública, 40, 789–808. http://dx.doi. org/10.1590/S0034-76122006000500003 Fischer, Tania. (2002). A gestão do desen- volvimento social : Agenda em aberto e pro- postas de qualificação. Congresso, 8–11. Fischer, Tânia. (2012). Gestão Social do De- senvolvimento. Revista Psicologia: Organi- zações e Trabalho, 12(1), 113–120. Fischer, Tânia, Teixeira, E., & Heber, F. (1998). Estratégias de gestão e reconfigu- ração organizacional: Os setores de energia elétrica e telecomunicações. Revista de Ad- ministração Pública, 32(3), 9–27. Fleig, D. G., Oliveira, L. C. F. de S., & Brito, M. J. de. (2006). Democracia, participação e gestão social: Desafios da construção dos programas de ação temática de uma orga- nização não governamental. Organizações & Sociedade, 13(38), 119–138. https://doi. org/10.1590/S1984-92302006000300008 Freitas, A. F. de, Freitas, A. F. de, & Dias, M. M. (2012). O colegiado de desenvolvimento territorial e a gestão social de políticas pú- blicas: O caso do Território Serra do Briga- deiro, Minas Gerais. Revista de Administra-
  • 80. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 20 ção Pública, 46(5), 1201–1223. https://doi. org/10.1590/s0034-76122012000500002 Fuenmayor, R., Araujo, R., Altuve, E., & Cas- tro, E. (2008). Academic management and central processes of the Undergraduate Trai- ning Program in Social Management for Lo- cal Development at the Bolivarian University of Venezuela. Revista de Ciencias Sociales, 14(1), 110–120. Garcia, A. S., Pereira, J. R., Alcântara, V. de C., & Cruz, E. S. T. (2018). Aprofunda- mento das esferas públicas para a gestão social: Caminhos para uma reconstrução empírico-descritiva e normativa. Cadernos EBAPE. BR, 16(2), 163–185. http://dx.doi. org/10.1590/1679-395160265 Gondim, S., Fischer, T., & Melo, V. P. (2006). Formação em gestão social: Um olhar crítico sobre uma experiência de pós-graduação. Gestão Do Desenvolvimento Territorial e Re- sidência Social: Casos Para Ensino. Salva- dor: EDUFBA, CIAGS/UFBA, 43–61. Guerra, J. F. C., & Teodósio, A. de S. D. S. (2013). A produção de conhecimento sobre Gestão Social a partir da relação entre aca- dêmicos e praticantes. Sinergia: Revista Do Instituto de Ciências Econômicas, 17(2), 9–20. He, Z. (2016). From social management to social governance: Discourse change and policy adjustment. Journal of Chinese Go- vernance, 1(1), 99–118. https://doi.org/10.10 80/23812346.2016.1138696 Iizuka, E. S., Goncalves-Dias, S. L. F., & Aguerre, P. (2012). Reflexões sobre o desen- volvimento territorial sustentável, gestão so- cial e cidadania deliberativa: O caso da bacia do rio Almada (BA). Revista de Administra- ção Pública, 46(6), 1599–1623. https://doi. org/10.1590/S0034-76122012000600009 Inojosa, R. M., & Junqueira, L. A. P. (2008). Práticas e saberes: Desafios e inovações em gestão social. Organizações & Socieda- de, 15(45), 171–180. https://doi.org/10.1590/ S1984-92302008000200013 Inzerilli, G. (1990).The Italian Alternative: Fle- xible Organization and Social Management. International Studies of Management & Or- ganization, 20(4), 6–21. https://doi.org/10.108 0/00208825.1990.11656539 Irwin, A., Georg, S., & Vergragt, P. (1994). The social management of environmental change. Futures, 26(3), 323–334. https://doi. org/10.1016/0016-3287(94)90018-3 Justen, C. E., Moretto Neto, L., & Garrido, P. O. (2014). Para além da dupla consciência: Gestão Social e as antessalas epistemológi- cas. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 237–251. https://doi.org/10.1590/1679-39519081 Magalhães, Ó. A. V., Milani, C., Siqueira, T., & Aguiar, V. M. de. (2006). (Re)Definindo a sustentabilidade no complexo contexto da gestão social: Reflexões a partir de duas práticas sociais. Cadernos EBAPE.BR, 4(2), 01–17. https://doi.org/10.1590/S1679- 39512006000200007 Marsden, T., Banks, J., & Bristow, G. (2002). The Social Management of Rural Nature: Understanding Agrarian-Based Rural Deve- lopment. Environment and Planning A: Eco- nomy and Space, 34(5), 809–825. https:// doi.org/10.1068/a3427
  • 81. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GESTÃO SOCIAL (1990-2018): UMA ANÁLISE DE COPALAVRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 21 Moretto Neto, L., Garrido, P. O., & Justen, C. E. (2011). Desenvolvendo o aprendiza- do em gestão social: Proposta pedagógica de fomento às incubadoras sociais. Cader- nos EBAPE.BR, 9(3), 828–845. https://doi. org/10.1590/S1679-39512011000300008 Mosquera, M. E. M. (2012). Los estudios organizacionales: Un complemento para el estudio de la gestión social. AD-Minister, 21, 117–133. Nunes, V. L. M., & Magalhães, C. M. (2017). Gestão social na educação para pessoas com deficiência. Holos, 8, 355. https://doi. org/10.15628/holos.2016.3370 Panhoca, L., Da Silva, O. M. P., Figueira, F., Nascimento, M. C., & Ricci, F. (2007). Estra- tégia e Gestão Social e Ambiental:As metas de desenvolvimento do milênio no municí- pio de Pindamonhangaba (Parte 2). Revis- ta Brasileira de Gestao e Desenvolvimento Regional, 3(3), 165–192. Pereira, R. S., Moraes, F. C. C., Mattos Jú- nior, A. B., & Palmisano, A. (2013). Especi- ficidades da Gestão no Terceiro Setor. Re- vista Organizações Em Contexto, 9(18), 167–195. https://doi.org/10.15603/1982- 8756/roc.v9n18p167-195 Peres Jr, M. R., & Pereira, J. R. (2014).Abor- dagens teóricas da Gestão Social: Uma análise de citações exploratória. Cadernos EBAPE.BR, 12(2), 221–236. https://doi. org/10.1590/1679-39519079 Peres Jr, M. R., Pereira, J. R., & Oliveira, L. C. (2013). Gestão Social sob a lente estru- turacionista. Revista de Administração Ma- ckenzie (Mackenzie Management Review), 14(6). http://dx.doi.org/10.1590/S1678- 69712013000600003 Pinho, J. A. G. de, & Santos, M. E. P. dos. (2015). Aporias em torno do conceito de gestão social: Dilemas teóricos e políticos. Revista de Gestão, 22(2), 155–172. https:// doi.org/10.5700/rege556 Raimundo, J. S., & Cadete, M. M. M. (2012). Qualified listening and social management among health professionals. Acta Paulista de Enfermagem, 25(spe2), 61–67. https:// doi.org/10.1590/S0103-21002012000900010 Rigo, A. S., & Cançado, A. C. (2014). Gestão Social e Construção de Espaços Públicos: Reflexões a Partir da Rede Brasileira de Bancos Comunitários do Brasil. Administra- ção Pública e Gestão Social, 7(1). https:// doi.org/10.21118/apgs.v7i1.660 Romero, R. M. E., & Diaz, C. I. (2007). Social Management in the Implementation of Social Programas. Children and Adolescents in Es- pecially Difficult Circumstances: From And in The Street. Espacio Abierto, 16(2), 331–361. Ronda-Pupo, G. A., & Guerras-Martin, L. A. (2012). Dynamics of the evolution of the stra- tegy concept 1962-2008:A co-word analysis. Strategic Management Journal, 33(2), 162– 188. https://doi.org/10.1002/smj.948 Rossoni, L., Silva, A. J. H., & Ferreira Júnior, I. (2008). Aspectos estruturais da coopera- ção entre pesquisadores no campo de ad- ministração pública e gestão social: Aná- lise das redes entre instituições no Brasil. Revista de Administração Pública, 42(6), 1041–1067. https://doi.org/10.1590/S0034-
  • 82. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-22 | e-80525 | 2020 Amanda de Paula Aguiar-Barbosa - Adriana Fumi Chim-Miki 22 76122008000600002 Silva, F. R. M. da, Silva, C. V. F. da, Maciel, S. S., Aires, L. F. B., & Silva, C. A. da. (2016). A produção científica em Gestão Social no Brasil: Uma análise a partir da plataforma Spell.Org. I Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa Do Campo de Públicas, 1, 1–16. Silva Júnior, J. T., Mâsih, R. T., Cançado, A. C., & Schommer, P. C. (2008). Gestão Social: Práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Impressa Universitária/UFC, 1. Souza, W. J. de, & Oliveira, M. D. de. (2006). Fundamentos da gestão social na revolu- ção industrial: Leitura e crítica aos ideais de Robert Owen. Organizações & Socieda- de, 13(39), 59–76. https://doi.org/10.1590/ S1984-92302006000400004 Tenório, Fernando G. (2006). A trajetória do Programa de Estudos em Gestão Social (Pegs). Revista de Administração Pública, 40(6), 1145–1162. https://doi.org/10.1590/ S0034-76122006000600011 Tenório, Fernando Guilherme. (1998). Ges- tão social: Uma perspectiva conceitual. Re- vista de Administração Publica - RAP. Rio de Janeiro., 32(5), 7–23. Tenório, Fernando Guilherme. (2005). (Re) visitando o conceito de gestão social. De- senvolvimento Em Questão, 3(5), 101–124. http://www.redalyc.org/html/752/75230506/ Tuininga, E. J. (1990). Social management in professional organizations: Searching for new impulses. R&D Management, 20(2), 139– 153. https://doi.org/10.1111/j.1467-9310.1990. tb00692.x Villela, L. E., & Pinto, M. C. S. (2009). Gover- nança e gestão social em redes empresariais: Análise de três arranjos produtivos locais (APLs) de confecções no estado do Rio de Janeiro. Revista de Administração Pública, 43(5), 1067–1089. http://dx.doi.org/10.1590/ S0034-76122009000500005 Wheale, P. (1999). The social manage- ment of modern biotechnology and the new industrial divide. New Genetics and Society, 18(1), 23–46. https://doi. org/10.1080/14636779908656888 Zani, F. B., & Tenório, F. G. (2011). Gestão social do desenvolvimento: a exclusão dos representantes dos empresários? O caso do Programa Territórios da Cidadania Norte-RJ. Cadernos EBAPE.BR, 9(3), 780–802. https:// doi.org/10.1590/S1679-39512011000300006 Nota: Este artigo foi apresentado no XLIII Encontro da ANPAD - EnANPAD 2019, pro- movido pela Associação Nacional de Pós- -Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD).
  • 83. ARTIGO: A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 1 A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS THE INFLUENCE OF PARTY IDEOLOGIES ON PUBLIC SPENDING IN SOCIAL ASSISTANCE IN BRAZILIAN CAPITALS LA INFLUENCIA DE LAS IDEOLOGÍAS DE LOS PARTIDOS EN EL GASTO PÚBLICO EN ASISTENCIA SOCIAL EN CAPITALES BRASILEÑAS RESUMO É notório que os termos “esquerda” e “direita” continuam sendo utilizados, mesmo que às vezes sem o devido rigor. Levando isso em consideração vem se estudando o quanto a ideologia impacta no comportamento dos atores políticos. Diante desse cenário, o presente trabalho explora a acepção dos termos e busca verificar em que medida há relação entre ideologia e investimentos públicos, mais especificamente direcionados à assistência social nas capitais brasileiras entre 2013 e 2016. Os investimentos foram acessados no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) e foi levado em consideração tanto o partido do prefeito quanto do vice-prefeito para construir o que se chamou de enquadramento ideológico (esquerda-esquerda, esquerda-direita, direita-esquerda e direita-direita). Foi acessado também o IDHM dos municípios, últimos dados disponíveis. Para análise, a pesquisa utilizou estatística descritiva e multivariada, considerando os dados por meio de três técnicas: box-plot, correlação de Spearman e regressão linear múltipla. Os resultados encontrados possibilitaram verificar que o impacto da ideologia política nos gastos sociais, contrariando o que se esperaria teoricamente, é nulo. Por sua vez, encontrou-se uma relação significativa entre IDHM e investimentos em assistência social. A variação de 1 ponto percentual em IDHM provoca uma variação positiva de 0,032 pontos percentuais no investimento (arrecadação/despesa). PALAVRAS-CHAVE: ideologias partidárias, comportamento politico, capitais brasileiras, investimentos públicos, assistência social. Fernando Scheeffer1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3225-6011 Dinorá Baldo de Faveri1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6118-9578 Eliel Santos da Silva Junior1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4012-1061 1. Universidade do Estado de Santa Catarina, Departamento de Ciências Contábeis, Ibirama, SC, Brasil. Submetido 05.03.2019. Aprovado 06.02.2020 Avaliado pelo processo de double blind review. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.78480 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 84. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 2 ABSTRACT It is notorious that the terms left and right continue to be used,even if sometimes without due rigor.Tak- ing this into consideration has been studying how much ideology impacts on the behavior of political actors. Given this scenario, the present work explores the meaning of the terms and seeks to verify to what extent there is a relationship between ideology and public investments, more specifically direct- ed to social assistance in Brazilian capitals between 2013 and 2016. Investments were accessed in the Accounting Information System and (SICONFI) and the party of the mayor and deputy mayor was taken into account to construct what was called the ideological framework (left-left, left-right, right- left and right-right).The IDHM of the municipalities was also accessed,last available data.For the analysis, we used descriptive and multivariate statistics, analyzing the data using three techniques: box-plot, Spearman correlation and multiple linear regression.The results found make it possible to verify that the impact of political ideology on social expenditures, contrary to what would theoretically be ex- pected, is zero. In turn, a significant relationship was found between IDHM and investments in social assistance.The change of 1 percentage point in HDI causes a positive variation of 0.032 percentage points in the investment (collection / expenditure). KEYWORDS: party ideologies, political behavior, brazilian capitals, public investments, social assis- tance. RESUMEN Es notorio que los términos izquierda y derecha continúan siendo utilizados, aunque a veces sin el debido rigor.Tomando esto en consideración se viene estudiando cuánto la ideología impacta en el comportamiento de los actores políticos. En este contexto, el presente trabajo explora la acepción de los términos y busca verificar en qué medida hay relación entre ideología e inversiones públicas,más específicamente dirigidas a la asistencia social en las capitales brasileñas entre 2013 y 2016. Las in- versiones fueron accedidas en el Sistema de Informaciones Contables y (SICONFI) y fue tomado en consideración tanto el partido del prefecto y el vice-alcalde para construir lo que se llamó de encuadr- amiento ideológico (izquierda-izquierda, izquierda-derecha, derecha- izquierda y derecha-derecha). Se accede también al IDHM de los municipios, últimos datos disponibles. Para análisis la investig- ación se utilizó de estadística descriptiva y multivaria,analizando los datos por medio de tres técnicas: box- plot, correlación de Spearman y regresión lineal múltiple. Los resultados encontrados posibilitar verificar que el impacto de la ideología política en los gastos sociales, contrariando lo que se espe- raba teóricamente, es nulo.A su vez se encontró una relación significativa entre IDHM e inversiones en asistencia social. La variación de 1 punto porcentual en IDHM provoca una variación positiva de 0,032 puntos porcentuales en la inversión (recaudación / gasto). PALAVRAS CLABE: ideologías de partido, comportamiento político, capitales brasileños, inversiones públicas, asistencia social. INTRODUÇÃO Recentemente, sobretudo na ciência políti- ca, passa a ser foco de interesse a verifi- cação em que grau as supostas diferenças ideológicas entre os partidos acarretam dife- rentes comportamentos dos atores políticos. Parte da literatura sugere que as questões ideológicas pouco explicam o comporta- mento dos atores políticos, hoje, ao cons- tatar a presença de outras variáveis mais importantes (Mainwaring, 1993; Zucco JR., 2009; Lucas & Samuels, 2011). Por outro lado, outra gama de autores, com nuances e metodologias distintas, defende que os ato- res políticos ainda pautam suas ações nos conteúdos programáticos e nas ideologias de seus respectivos partidos (Kinzo 1993; Leoni, 2002; Scheeffer, 2018). Segundo Carvalho (2008), as primeiras ma- nifestações da assistência social no Brasil foram relacionadas diretamente a um estado de caridade, uma solidariedade “religiosa” que estaria sendo submetida como auxílio aos pobres, incapazes e doentes, sendo que até esse momento a pobreza não era trata- da como uma questão social. Com as mu- danças significativas após a Constituição de 1988, a seguridade social ganhou força (saúde, assistência social e previdência so- cial) , acabando por tornar-se uma política
  • 85. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 3 pública que garante ao cidadão direitos e traz responsabilidade e dever para o Estado (Santana, Silva, & Silva, 2013). A partir da consideração da assistência social como di- reito, o Estado passou a ter responsabilida- de perante as necessidades da população. Mesmo com todos os avanços institucionais, o tema da pobreza demonstra-se complexo e tomado por diferentes concepções e abor- dagens. Dependendo da compreensão que se tem, é possível conceber políticas públi- cas que busquem trazer soluções eficazes para o problema ou ainda ignorá-lo se con- cebido como natural. Em se tratando de as- sistência social, a concepção de pobreza é fundamental visto que implica viabilizar ou não instrumentos de superação. Além dis- so, os instrumentos utilizados podem ser concebidos no campo do “direito” ou do “fa- vor” . Partindo da premissa de que diferentes concepções político-ideológicas deveriam acarretar diferentes posicionamentos dos atores políticos, emerge a pergunta de par- tida do presente estudo: qual o impacto das ideologias políticas nos gastos públicos em assistência social nas capitais brasileiras? Para dar conta desta resposta, buscou-se analisar os gastos em assistência social nessas cidades no período de 2013 a 2016. De forma acessória, pretendeu-se explorar o significado dos termos esquerda e direita, assim como verificar as diferentes concep- ções a respeito da pobreza. As várias diver- gências em relação a essa temática deixam clara sua complexidade e sugerem ser este um campo promissor de estudo. Poucos são os estudos que se assemelham ao que está sendo feito aqui. O mais próxi- mo é o de Rodrigues (2010), que analisou os investimentos em Santa Catarina e rela- cionou-os com as matrizes ideológicas de cada partido. O estudo foi realizado com as maiores cidades do Estado durante os anos de 2005-2008 e levando em consideração várias áreas. Lucas & Samuels (2011) sugerem que a dis- cussão a respeito da situação dos partidos brasileiros e do sistema partidário é muito parecida com um hipotético debate sobre a forma de uma nuvem no céu, em que cada um vê algo diferente e considera ridícula a visão do outro. Há muita controvérsia a res- peito do peso da ideologia em tempos atu- ais. Diante disso, parece ser relevante anali- sar o peso que eventualmente ainda têm as ideologias no Executivo municipal. Para dar conta do objetivo proposto, o artigo inicia com uma discussão a respeito do sig- nificado de esquerda e direita, assim como os supostos desdobramentos em relação à assistência social. Feito isso parte-se para procedimentos metodológicos, análise e discussão dos resultados e considerações finais. ESQUERDA, DIREITA E ASSISTÊNCIA SOCIAL A origem dos termos esquerda e direita re- monta à Revolução Francesa (1789) quando se iniciaram os trabalhos para a elaboração da primeira Constituição francesa. Os re- presentantes políticos posicionaram-se em lugares diferentes do plenário. À esquerda, sentaram-se delegados identificados com o igualitarismo e que almejavam uma reforma social ampla.À direita, um grupo identificado com a aristocracia e que buscava o status quo (Tarouco & Madeira, 2013). Assim, es- sas diferenças espaciais passaram a deno- tar perfis ideológicos distintos.
  • 86. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 4 Embora existam autores que defendam que os termos têm o mesmo sentido que tinham na Revolução Francesa ou que não há mais sentido a utilização dessa nomenclatura sobretudo com a derrocada do “socialismo real” , a tese que vigora é a de que é neces- sário atualizar seus significados. O princi- pal representante desta corrente majoritá- ria é Bobbio (1995). Segundo ele, a ideia de igualdade (que para a esquerda deve ser priorizada), em detrimento da liberda- de (que para a direita deve ser conserva- da, mantendo-se as desigualdades entre os homens, tidas como naturais) resume hoje em grande parte projetos distintos e diferen- ças prático-teóricas entre grupos políticos e pessoas. O fato é que recentemente a dimensão “mais” ou “menos” Estado tem balizado grande parte do debate político e, por isso, estratégias do tipo social-democratas e ne- oliberais acabam por dar conta, em boa me- dida, dos principais projetos políticos defen- didos em tempos atuais e endo saídas para a “nova direita” e a “nova esquerda” . Pode- -se falar em “nova esquerda” e “nova direi- ta” , visto que a esquerda adere à social-de- mocracia no lugar do socialismo e a direita ao neoliberalismo, diferente do liberalismo clássico, sobretudo por dar-se em um outro momento histórico. O neoliberalismo surge depois da Segunda Guerra Mundial, enquanto crítica ao Estado de bem-estar social e à crise fiscal de pa- íses que se propunham a oferecer “tudo” a “todos” (Anderson, 1995). Para Moraes (2002), as narrativas neoliberais pretende- ram, e em certa medida conseguiram, ofe- recer explicação palatável para os proble- mas derivados das políticas sociais ou do Estado de Bem-Estar Social. Três argumen- tos são centrais: • os custos crescentes (e tendencialmente insuportáveis) das políticas sociais e seu impacto sobre os fundos públicos (inflação, endividamento); • os efeitos deletérios dessas políticas so- bre valores, comportamento de indivíduos, grupos sociais e empresas; • os resultados desastrosos, sobre o pro- cesso decisório e sobre as instituições de- mocráticas, da maquinaria política exigida pela implementação desses programas (Moraes, 2002, p. 2). Em se tratando de social-democracia, Gid- dens (2000) deixa claro que tem como ob- jetivo “humanizar” o capitalismo, crendo que uma intervenção do Estado daria conta da desigualdade de oportunidades e possibili- taria chances iguais a todos. Segundo ele a social-democracia consistiria, então, em um caminho distinto do capitalismo de mercado americano e do socialismo soviético. A ide- ologia vê o mercado como um gerador de efeitos perversos, algo que os próprios so- cialistas já haviam diagnosticado. No entan- to, acredita ser possível amenizá-los ou até extingui-los, por meio da intervenção do Es- tado no mercado. Para a social-democracia clássica, a participação do governo na vida dos indivíduos é algo necessário e invejável. Benefícios estatais são essenciais para o auxílio aos que não conseguiriam, por si só, defender-se. “Como Marx, Keynes, encarava o capitalismo como dotado de qualidades irracionais, mas acreditava que seria possível controlá-las para salvar o capitalismo de si mesmo” (Gid- dens, 2000, p. 19).Aggio (2013) apresenta al-
  • 87. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 5 guns valores que permanecem como eixos da identidade política e cultural da esquer- da hoje, o que se encaixa perfeitamente no conjunto de princípios social-democratas: • a defesa do bem-estar social ao invés do bem-estar individual; • a valorização das responsabilidades co- letivas; • a extensão da igualdade de oportunida- des para todos; • a vigência de um Estado forte que seja capaz de corrigir as injustiças sociais por meio de uma ação distributivista da rique- za material produzida pela sociedade; • a perspectiva de uma mudança das es- truturas de poder por meio da democrati- zação e da participação política (p. 102). No quadro 1, é apresentado o posiciona- mento político da esquerda e direita frente a diferentes questões da sociedade, que expli- cam comportamento, pensamentos e cren- ças ligadas a essas distinções clássicas. Quadro 1. Divergências em relação a temas ligados às ideologias clássicas Esquerda Direita A intervenção econômica deve dar-se sempre que se julgar necessário O Estado deve abster-se de questões econômi- cas, já que o mercado se autorregula, como se houvesse uma “mão invisível” orientando esse processo. A pobreza dá-se, sobretudo, por desigual- dade de oportunidades. Enquanto proble- ma social, pode ser enfrentada via progra- mas sociais ou superação da ordem, no caso de uma esquerda mais radical. A pobreza, quando atacada, deve dar-se de forma focalizada e limitada. Auxílios “exagera- dos” podem levar à acomodação e ao declínio da “ética do trabalho” . A criminalidade pode ser explicada, es- sencialmente, pela inserção em um con- texto social que oferece desigualdade de oportunidades. A criminalidade, em grande parte, éresponsa- bilidade dos indivíduos. A carga tributária deve ser extensiva para financiar o Estado e oferecer serviços de qualidade para os que precisarem Os tributos são maléficos, pois sobrecarregam as empresas e desfavorecem o crescimento econômico. Defesa de uma ampla legislação traba- lhista que normatize o mundo do trabalho. O mercado de trabalho deve ser desregulado, visto que o mercado autorregula as relações de trabalho. Os serviços, sobretudo aqueles estratégi- cos, devem ser oferecidos pelo Estado. Buscando diminuir o tamanho do Estado, uma boa estratégia é passar para a iniciativa privada serviços que são estatais - privatização. Fonte: Scheeffer (2018).
  • 88. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 6 Para Giddens (2000), a direita e a esquer- da ainda representam forças distintas e di- vergentes quanto ao futuro do welfare state. Em síntese, em defesa da justiça social, os social-democratas exigem um Estado interventor, enquanto os neoliberais, acre- ditando nas benesses do mercado, defen- dem um Estado mínimo. Vale destacar que, além da discussão clássica mais ou menos Estado, Inglehart (1977) já previa uma mu- dança após o século XX no debate político e ideológico, trazendo agora questões rela- cionadas ao meio ambiente, livre expressão e qualidade de vida no sentido mais amplo. Heywood (2010) afirma que as novas ideo- logias trazem questões como gênero, etnia e cultura. Muitas são as concepções a respeito da pobreza e do papel da assistência social. É visível o fato de que na visão (neo)liberal a pobreza é bastante atrelada a uma ques- tão pessoal, a uma questão de escolha. De acordo com Scheeffer, (2013) nessa visão o mercado é o espaço para que os proble- mas sociais sejam resolvidos. Para Oliveira (2003), sendo o mercado considerado o lu- gar mais correto para alocação de recursos, o Estado pode diminuir sua influência na sociedade, bem como ter menos funções. No que tange à área social, o autor afirma que o Estado deve se ater a programas de assistência quando necessário e de forma complementar à filantropia privada. A po- breza na visão neoliberal é explicada por Galbraith, citado por Garcia (2005), como a falta de aproveitamento do livre mercado e da livre concorrência. Para o autor, o in- divíduo mantém-se na situação de pobreza principalmente pelo excesso de acomoda- ção e pela falta de esforço. Segundo o au- tor, existem duas grandes linhas de ataque à pobreza: uma é combater a acomodação; a outra é facilitar esse escape por meio de políticas que reforcem essa iniciativa. Por uma visão social-democrata, a pobreza é tratada de uma forma diferente do neoli- beralismo. De acordo com Giddens (2000), o mercado é um dos principais geradores de problemas sociais, cabendo ao Estado intervir no mercado quando necessário. De acordo com Setembrini (1997), faz parte dos princípios da social-democracia que o Esta- do deve prover uma renda mínima, saúde, habitação, educação e alimentação, não como caridade e sim como um direito do ci- dadão. Diante do exposto, percebe-se que as distin- ções entre social-democratas e neoliberais sintetizam as divergências político-ideoló- gicas recentes. Posto isso, fica a dúvida se essas diferentes concepções a respeito do papel do Estado no combate à pobreza refle- tem diferentes posicionamentos dos atores políticos. AS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS E A CLAS- SIFICAÇÃO DOS PARTIDOS BRASILEI- ROS Para Heywood (2010), as ideologias são des- critivas pois, em última instância, fornecem a indivíduos e grupos um mapa conceitual de como a sociedade funciona e, de forma mais abrangente, uma visão geral de mundo. As ideologias políticas têm a capacidade de ins- pirar e guiar a ação política. Questão-chave nessa discussão é qual a validade da ideolo- gia em se tratando de partidos políticos, isto é, se é esta hoje uma variável relevante e em que medida os partidos podem ser classifi- cados em esquerda e direita.
  • 89. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 7 Budge Budge, I., Klingemann, H-D., Volkens, A., Bara, J., & Tanenbaum, E. (2001) bus- cam, dentre outras questões, responder às seguintes perguntas: existe um declínio do poder explicativo das categorias esquerda e direita? Presenciamos o fim das ideologias? Analisando 24 países da OCDE em duas ondas distintas (1945-1998 e 1990-2003), os autores localizaram as posições políticas dos partidos a partir da análise de conteúdo dos manifestos partidários e buscaram me- dir suas posições e ainda as mudanças en- tre uma eleição e outra. Segundo eles, essa dimensão permite verificar tendências e na maioria dos países analisados é possível mapear seus movimentos de forma bastan- te razoável. Klingemann, H-D., Volkens, A., Bara, J., Ta- nenbaum, E., & McDonald, M. (2006), de forma mais específica, afirmam que em grande parte da Europa existem diferenças significativas entre os partidos políticos no que diz respeito a preocupações típicas da esquerda ou direita. Por meio de sete fun- ções discriminantes, alegam que estas po- dem dar uma boa ideia das clivagens que moldam a política europeia. Colocadas em ordem decrescente de importância, a função 1 é aquela relacionada à dimensão esquer- da e direita, o que denota a preeminência de tal divisão na política partidária dos países em questão. Dalton & McAllister (2014) também ressal- tam o peso da ideologia ao buscar anali- sar o quanto em eleições sucessivas há uma continuidade ideológica por parte dos partidos. Utilizando-se dos dados do pro- jeto Comparative Study of Electoral Syste- ms (CSES) e de forma complementar do Chapel Hill Expert Survey (CHES), ambos voltados para as democracias industriais avançadas, constatam que 90% do posi- cionamento partidário é previsível, saben- do sua posição na última eleição. Dez por cento da variância pode ser explicada por outros fatores. De forma geral, a maioria dos partidos apresenta perfis ideológicos seme- lhantes em todas as eleições. Diferentemen- te do que se possa supor, há estabilidade ao longo do tempo nas posições esquerda e direita. Vale a ressalva de que as ações de cunho ideológico estão mais associadas aos partidos de extrema esquerda ou direita. Partidos de centro estariam mais propensos a mudar suas estratégias em busca de voto. Em se tratando do caso brasileiro, Roma (2006), pautando-se em pesquisas de opi- nião aplicadas aos parlamentares, defen- de que, embora grande parte da literatura destaque que a disciplina partidária pode ser explicada pela distribuição de recursos orçamentários pelo Executivo, os deputados partilham o ideário do seu partido de filiação e, por esse motivo, demonstram-se coesos. A discordância entre as legendas permite posicioná-los ideologicamente e o parla- mentar em geral escolhe seu partido levan- do em conta a afinidade de crenças. Scheeffer (2018a) propôs-se a verificar o peso da ideologia no comportamento parla- mentar em tempos atuais a partir da aná- lise de um conjunto de votações nominais ocorridas durante o governo Dilma Roussef na Câmara dos Deputados. Analisados te- mas substantivos do ponto de vista políti- co- ideológico, os partidos em sua maioria posicionam-se de forma coerente com o que é esperado.A exceção são os casos em que estão em jogo recursos financeiros, seja
  • 90. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 8 onerando significativamente ou então ge- rando receita vultosa ao Executivo federal. Apresentados alguns estudos que desta- cam a ainda validade da ideologia partidária em tempos atuais, o próximo passo é discu- tir minimamente a classificação dos partidos brasileiros. Dalton e McAllister (2014) enfo- cam a classificação dos partidos expondo que são inúmeros os estudos empíricos utili- zando métodos variados para estimar as po- sições dos partidos em uma escala Esquer- da-Direita (E-D). Os métodos mais comuns são os estudos dos manifestos e programas partidários; a avaliação feita por especialis- tas; a autolocalização no espectro político das elites políticas; bem como a percepção dos cidadãos em relação à localização na escala. Se atendo ao caso brasileiro, Tarou- co e Madeira (2013) corroboram afirmando que são muitos os métodos para localizar os partidos no eixo E-D e acrescentam a atua- ção parlamentar como método relevante. Zucco Jr. (2011) buscou atualizar o posicio- namento ideológico dos principais partidos brasileiros pós-Constituinte. Por meio da Pesquisa Legislativa Brasileira (PLB 2009) e utilizando-se de dados de parlamentares que responderam a mais de uma edição da pesquisa, afirma que o PSOL é o parti- do mais à esquerda do espectro ideológico brasileiro. Pela primeira vez em 20 anos, o DEM/PFL aparece à direita do PP (e seus antecessores), muito provavelmente pela di- luição ideológica do PP em função da alian- ça com o governo Lula.O PPS continua a ca- minhada para a direita, estando claramente à direita do PSB e do PDT. Por fim, o PSDB continua em uma posição estatisticamente indistinguível à do PMDB (hoje, MDB). Melo & Câmara (2012) rejeitam a tese de que o sistema partidário brasileiro encontra- -se hoje incoerente, ou ao menos, mais inco- erente do que antes, inclusive discordando de que teríamos hoje o “PT contra o resto” (Lucas & Samuels, 2011). Se é justificável a premissa de que o PT seria de certa forma distinto dos demais partidos brasileiros, para eles teríamos três grandes blocos e não dois. Haveria a existência de um bloco de partidos posicionado entre os dois polos (PMDB, PP, PTB, PR). A análise de surveys realizados na Câmara dos Deputados corrobora essa afirmação. Teríamos uma clara distinção ideológica en- tre PT e PSDB, sobretudo no que diz res- peito ao papel do Estado na economia, po- lítica externa e nas opiniões sobre questões como união de pessoas do mesmo sexo e aborto. Por sua vez, a maioria das opiniões dos deputados do bloco PMDB/PTB/PP/PR aproxima-se mais do bloco PSDB/DEM/PPS do que do PT e seus aliados em grande par- te das questões analisadas. Levando em consideração métodos distintos, segundo Tarouco & Madeira (2013), os par- tidos brasileiros têm sido classificados sem muitas controvérsias. A disposição de PT e PDT na esquerda, PMDB e PSDB no centro e PP, PTB, DEM, dentre outros, na direita, pode ser verificada em várias classificações adotadas. A classificação do PMDB e do PSDB demonstra o que há de mais contro- verso nessa discussão. Embora o PSDB surja como uma ala à es- querda do PMDB, as coligações e as dire- trizes das políticas adotadas colocam em cheque seu posicionamento no espectro político-ideológico. Em relação ao PMDB,
  • 91. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 9 para além do comportamento político, há demonstração nos manifestos partidários de que pretende e está guinando à direita, como mostra documento divulgado e outu- bro de 2015 pelo PMDB à nação e intitulado “Uma Ponte para o Futuro” . Tal documento defende, dentre outras coisas, redução das despesas públicas e da carga tributária; sugere acabar com as vinculações consti- tucionais estabelecidas; aumento do supe- rávit primário; e participação mais efetiva do setor privado. Coloca ainda a pertinência de um Estado mais enxuto para fazer fren- te à profunda recessão e severa crise fiscal (PMDB, 2015). Diante disso, para Scheeffer (2018a, 2018b) os partidos tradicionalmente considerados como centro (PMDB e PSDB) vêm demonstrando claros indícios das suas guinadas à direita, embora a ciência política venha de alguma forma “fechando os olhos” para tais evidências. Scheeffer (2018b) aborda alguns métodos de classificação dos partidos brasileiros. Analisados de forma isolada, vê-se que es- ses partidos podem simplesmente se apre- sentar enquanto um cardápio de propostas bem-vindas para a maioria dos eleitores, sem condizer necessariamente com o com- portamento de seus membros. Em relação aos surveys aplicados aos atores políticos, pode-se supor que aquele com uma mínima sofisticação política consiga decifrar facil- mente o que o eleitor quer ler ou ouvir, sem necessariamente, como no caso anterior, agir de forma espelhada. Assim, analisar o comportamento efetivo é um dos métodos mais importantes para verificar o posiciona- mento dos partidos no espectro ideológico, visto que constata, afinal, aquilo que se de- monstra mais relevante: a ação política. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O estudo em questão busca verificar os gas- tos públicos de todas as capitais brasileiras na área de assistência social, e não incluiu Brasília por não ser considerada um muníci- pio propriamente dito, já que não tem desde 1969. Diante dos objetivos que o trabalho propõe, as informações contábeis foram retiradas do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), em que foram encontradas as receitas da corrente líquida, que significam o somatório das re- ceitas tributárias de um governo, referente a contribuições patrimoniais, industriais, agropecuárias e de serviços, deduzidos os valores das transferências constitucionais. Também foram coletadas as despesas liqui- dadas com assistência social, ou seja, que já foram realizadas e existe um respectivo credor. Foram somados os gastos levando- -se em consideração todas as subfunções como assistência social ao idoso, assistên- cia ao portador de deficiência, assistência à criança e ao adolescente e assistência comunitária. Esses dados foram coletados nos anos de 2013 a 2016. Diante do que foi exposto até então, sobretudo a problemati- zação apresentada no final do capítulo ante- rior, o quadro a seguir expõe a classificação dos partidos adotada nesse estudo.
  • 92. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 10 Quadro 2. Classificação E/D utilizada Esquerda Direita PCdoB PDT PPS PSB PSOL PT PV DEM PMDB PP PR PSD PSDB PTC Fonte: Scheeffer (2018b). Pelos motivos expostos na fundamentação teórica, esperaria-se que a esquerda inves- tisse mais em assistência social e a direita menos. Com o intuito de cruzar os gastos públicos com as ideologias políticas, foram criadas categorias de análise, o que foi cha- mado de enquadramento ideológico como é apresentado na sequência. Quadro 3. Critérios do enquadramento ideológico Esquerda (E-E) Quando o prefeito é considerado de es- querda e o vice-prefeito é considerado de esquerda. Esquerda – Direita (E-D) Quando o prefeito é considerado de esquer- da e o vice-prefeito é considerado de direita. Direita – Esquerda (D-E) Quando o prefeito é considerado de direita e o vice-prefeito é considerado de esquerda. Direita (D-E) Quando o prefeito é considerado de direita e o vice-prefeito é considerado de direita. Fonte: Adaptado de Rodrigues (2010). Para concorrer com a variável ideologia, fo- ram inseridos no modelo o Índice de Desen- volvimento Humano Municipal (IDHM). Rea- lizado com base em três dimensões (saúde, educação e a renda), o índice registra da- dos que são coletados de dez em dez anos. Por isso foram utilizados os dados de 2010. De acordo com Prearo, Maraccini, & Romei- ro (2015), o índice tem como objetivo calcu- lar os requisitos mais importantes para uma vida que seja considerada saudável, como saúde (longevidade), educação (escolarida- de) e renda (per capita). A Tabela 1 apresenta os munícipios que es- tão presentes no estudo, IDHM, partidos que estão no comando das prefeituras entre os anos de 2013 e 2016, assim como o enqua- dramento ideológico exposto acima.
  • 93. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 11 Tabela 1. Capitais brasileiras, IDHM e enquadramento ideológico Capital 2010 2013 a 2016 IDHM Prefeito Vice-prefeito Enquadramento Aracaju 0,770 DEM PSDB Direita (D-D) Belém 0,746 PSDB PSB Direita-Esquerda (D-E) Belo Horizonte 0,810 PSB PV Esquerda (E-E) Boa Vista 0,752 PMDB PSDB Direita (D-D) Campo Grande 0,784 PP PP Direita (D-D) Cuiabá 0,785 PSB PR Esquerda-Direita (E-D) Curitiba 0,823 PDT PT Esquerda (E-E) Florianópolis 0,847 PSD PP Direita (D-D) Fortaleza 0,754 PSB PMDB Esquerda-Direita (E-D) Goiânia 0,799 PT PMDB Esquerda-Direita (E-D) João Pessoa 0,763 PT PPS Esquerda (E-E) Macapá 0,736 PSOL PPS Esquerda (E-E) Maceió 0,721 PSDB PP Direita (D-D) Manaus 0,737 PSDB PPS Direita-Esquerda (D-E) Natal 0,763 PDT PSB Esquerda (E-E) Palmas 0,788 PP PPS Direita-Esquerda (D-E) Porto Alegre 0,805 PDT PMDB Esquerda-Direita (E-D) Porto Velho 0,736 PSB PDT Esquerda (E-E) Recife 0,772 PSB PCdoB Esquerda (E-E) Rio Branco 0,727 PT PCdoB Esquerda (E-E) Rio de Janeiro 0,799 PMDB PT Direita-Esquerda (D-E) Salvador 0,759 DEM PV Direita-Esquerda (D-E) São Luís 0,768 PTC PSB Direita-Esquerda (D-E) São Paulo 0,805 PT PCdoB Esquerda (E-E) Teresina 0,751 PSDB PSD Direita (D-D) Vitória 0,845 PPS PR Esquerda-Direita (E-D) Com a intenção de verificar a dispersão e a variabilidade dos gastos nos quatro anos do mandato, foi utilizado o coeficiente de varia- ção (CV), calculado pelo desvio padrão divi- dido pela média X 100 (Crespo, 2009). Se- gundo o autor, o desvio padrão por si só não nos diz muita coisa. Para Fonseca & Martins (2015), tem-se baixa dispersão quando CV ≤ 15%, média dispersão CV > 15% < 30% e alta dispersão CV ≥ 30%. Como na maioria dos casos a variação foi baixa, foi utilizada a média dos gastos nos quatro anos. A ta- bela 2 demostra o resultado do cálculo de variação.
  • 94. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 12 Tabela 2. Cálculo do coeficiente de variação Capitais 2013 2014 2015 2016 Média Desvio Padrão Coef. Var (%) Interpretação Aracaju 2,26 2,4 2,64 2,64 2,49 0,187882942 7,56 fraca Belém 2,72 2,87 2,99 2,63 2,80 0,159452187 5,69 fraca Belo Horizonte 2,76 2,89 2,54 2,34 2,63 0,242676053 9,22 fraca Boa Vista 2,03 3,83 0 3,72 2,40 1,796672851 75,02 forte Campo Gran- de 1,27 1,55 1,72 1,89 1,61 0,264370321 16,45 moderada Cuiabá 2,73 3,13 2,68 2,38 2,73 0,3082207 11,29 fraca Curitiba 2,07 2,38 2,16 2,29 2,23 0,137234592 6,17 fraca Florianópolis 3,16 3,71 3,72 5,57 4,04 1,053027382 26,07 moderada Fortaleza 2,04 1,54 1,69 1,54 1,70 0,235849528 13,85 fraca Goiânia 0,56 1,3 1,3 1,15 1,08 0,352171833 32,68 forte João Pessoa 1,81 1,01 0,88 1,66 1,34 0,463249393 34,57 forte Macapá 1,34 1,36 1,57 1,48 1,44 0,107819293 7,50 fraca Maceio 0,99 0,9 1,19 1,4 1,12 0,222560853 19,87 moderada Manaus 2,84 2,8 2,66 2,44 2,69 0,180646985 6,73 fraca Natal 1,92 0,42 2,85 2,55 1,94 1,081804049 55,91 forte Palmas 2,68 2,75 2,23 2,49 2,54 0,232576152 9,17 fraca Porto Alegre 3,87 3,81 3,96 3,95 3,90 0,070887234 1,82 fraca Porto Velho 2,22 2,24 2,48 1,82 2,19 0,273495887 12,49 fraca Recife 0,94 1,25 1,68 1,54 1,35 0,328164085 24,26 moderada Rio Branco 3,13 1,7 2,2 2,48 2,38 0,596454804 25,09 moderada Rio de Janeiro 3,29 3,56 3,34 3,19 3,35 0,156311655 4,67 fraca Salvador 1,08 1,71 2,05 2,53 1,84 0,609555849 33,08 forte São Luís 1,61 1,88 1,61 1,66 1,69 0,128840987 7,62 fraca São Paulo 2,73 2,24 2,41 2,72 2,53 0,241177666 9,55 fraca Teresina 1,94 2,34 2,25 2,01 2,14 0,190525589 8,92 fraca Vitória 6,09 4,92 6,76 6,19 5,99 0,771967184 12,89 fraca Segundo Fávero & Belfiore (2017), a esta- tística descritiva busca descrever esintetizar elementos principais observados em um conjunto de dados por meio de recursos como tabelas, gráficos ou medidas-resumo. Uma primeira técnica utilizada foi o uso de box-plot, também chamado de “diagrama de caixa” . Segundo os autores, trata-se de uma representação gráfica com cinco medidas de posição ou localização de determinada va- riável, sendo elas de baixo para cima: valor mínimo; primeiro quartil; segundo quartil ou mediana; terceiro quartil; e valor máximo. O primeiro quartil descreve 25% dos primeiros
  • 95. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 13 dados. O terceiro quartil corresponde a 75% das observações. O valor mínimo e máximo excetuando os outliers. A mediana por sua vez é o valor que separa a metade maior e a menor de uma amostra. A utilização do grá- fico permite avaliar a simetria e distribuição dos dados. Verificada a distribuição dos dados, foi feito um teste de correlação e nessecaso foi cal- culado o coeficiente de correlação de Spe- arman. Trata-se de uma medida de intensi- dade da correlação entre duas variáveis que podem ser mensuradas de forma ordinal (existe uma ordenação entre as categorias). O coeficiente mede a força e a direção da relação (Martins & Rodrigues, 2011). Por último, foi realizada uma análise mul- tivariada, a regressão linear múltipla. Para Fávero & Belfiore (2017), o modelo linear de regressão permite a possibilidade de que seja estudada a relação entre uma ou mais variáveis explicativas que se apresentam de forma linear e uma variável dependen- te quantitativa. De forma geral, o objetivo da análise de regressão é prever os valores de uma única variável dependente a partir do conhecimento de uma ou mais variáveis in- dependentes. Quando há o envolvimento de duas ou mais variáveis independentes, esta- mos falando de uma regressão múltipla. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTA- DOS Primeiramente utilizou-se a análise box-plot, também conhecida como “diagrama de cai- xa” , que permite identificar a simetria e dis- tribuição dos dados, ou seja, comparar os gastos entre os diferentes enquadramentos ideológicos.
  • 96. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 14 Diferentemente do que se imaginava, os partidos de Esquerda (E-E) tendem a gastar menos em comparação aos demais parti- dos. As categorias Esquerda-Direita (E-D) e Direita-Esquerda (D-E) são as que apresen- tam maiores gastos em assistência social. O que se percebe aqui também é que a maior variabilidade de dados ocorre na categoria Esquerda-Direita (E-D). De forma geral per- cebe- se que não há uma relação entre en- quadramento ideológico e gastos públicos, semelhante ao que é constatado por Rodri- gues (2010). O autor fez uma análise quantitativa dos investimentos realizados nos maiores mu- nicípios catarinenses durante uma gestão governamental (2005-2008) a fim de tes- tar a tese de que haveria diferenças entre os partidos políticos com matrizes teóricas distintas e que estas impactaram nos in- vestimentos públicos. Não há um padrão de gasto diferente entre os partidos de diversas localizações no espectro ideológico. No que diz respeito à assistência social, o autor de- tectou haver uma dissonância no último ano do mandato, gastando-se bem mais do que nos anos anteriores. Uma das possíveis explicações para a es- querda não ser a categoria que mais investe em assistência social pode estar no que é apontado por Arvate, Avelino Filho, & Lucin- da (2008). Buscando verificar se a ideologia partidária teria influência sobre gastos públi- cos entre os governos estaduais do Brasil, os autores concluíram que partidos consi- derados de esquerda consideram aumentar seus gastos públicos com relação ao PIB estadual, e surpreendentemente os partidos considerados de direita tendem a dar mais prioridade aos gastos sociais do que os de- mais partidos. Para eles, ao contrário do que se espera, a direita tende a priorizar mais os gastos sociais do que a esquerda. Uma das possíveis explicações seria a tentativa de se- duzir politicamente o eleitor de esquerda. Outra análise realizada foi a verificação da correlação utilizando-se mais especificamen- te o método de Spearman. A tabela 3, além de tentar encontrar uma correlação entre ideologia política e gastos públicos com as- sistência social, ainda permite verificar se há uma relação entre gasto público com IDHM. Tabela 3. Correlação de Spearman inv ideologia idh Spearman’s rho Inv Correlation Coefficient 1,000 ,190 ,406* Sig. (2-tailed) . ,352 ,040 N 26 26 26 Ideologia Correlation Coefficient ,190 1,000 -,081 Sig. (2-tailed) ,352 . ,695 N 26 26 26 Idhm Correlation Coefficient ,406* -,081 1,000 Sig. (2-tailed) ,040 ,695 . N 26 26 26 *. Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed).
  • 97. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 15 Como se pode notar, apenas a variável IDHM se demonstrou significativa (Sig. (2-tailed)<0,05). Há entre investimentos (inv) e IDHM uma correlação positiva (,406). Isso permite inferir que um aumento no IDHM implica um aumento no investimento. O resultado é aparentemente contraintuitivo, levando em consideração que se esperaria que, quanto menor o IDHM, maior deveria ser o gasto com assistência social, justa- mente para alavancar o índice. Em contra- partida, faz sentido supor que uma cidade que investe mais em assistência social ten- de a ter melhores índices, isto é, fica difícil estabelecer uma relação precisa de causa e efeito. É o que se constata em Scarpin, Pinto, & Silva (2007). Os autores corrobo- ram que as receitas públicas têm influência positiva com o IDHM e que, quanto maior o gasto público, maior o IDHM. Na contra- mão, Prearo, Maraccini, & Romeiro (2015) afirmam que os gastos em assistência so- cial são mais vultosos quando o IDHM é de até 0,718. Quando esse índice é acima de 0,761 até 1,000, os municípios tendem a in- vestir até 28,9% menos em assistência so- cial que os demais. Segundo os autores,isso acontece porque as cidades com menor ín- dice no desenvolvimento humano tendem a preocupar-se mais com os gastos sociais. A análise foi feita nos municípios do Estado de São Paulo. Na última análise, foi utilizada a regressão linear múltipla que permite verificar a rela- ção entre as duas variáveis independentes (IDH e ideologia política) com a variável dependente investimento. Para efetuar a re- gressão, foram inseridas variáveis dummy (numéricas) para representar as variáveis qualitativas relacionadas à ideologia (EE, ED, DE e DD). A regressão linear múltipla utilizando a variável investimentos (inv) como dependente da ideologia e IDHM re- sultou no modelo abaixo. Tabela 4. Resumo do modelo 1 Model R R Square Adjusted R Square Std. Error of the Estimate Durbin-Watson 1 ,633a ,401 ,287 ,0090305 1,918 a. Predictors: (Constant), idh, d3, d2, d1 b. Dependent Variable: inv De acordo com Hair Jr., J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009), o coeficiente R² mensura a explica- ção da variável dependente. Ou seja, quan- to maior o valor de R², maior o poder de ex- plicação da equação de regressão utilizada. A partir da tabela em questão, é possível verificar que o conjunto de variáveis explica 28,7% da variação dos investimentos. Também se nota que não há problemas de multicolinearidade dos resíduos já que a es- tatística de Durbin-Watson é próxima a 2. Pela tabela ANOVA (tabela 5) apresentada a seguir é possível verificarmos que o modelo proposto apresenta significância estatística, ou seja, pelo menos uma das variáveis ex- plicativas incluídas é significante para expli- car os investimentos.
  • 98. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 16 Tabela 5. Significância do modelo 1 - ANOVA Model Sum of Squares Df Mean Square F Sig. Regression ,001 4 ,000 3,5 12 ,024b Residual ,002 21 ,000 Total ,003 25 a. Dependent Variable: inv b. Predictors: (Constant), idh, d3, d2, d1 Feito isso, parte-se para a análise estatística dos parâmetros de cada variável explicativa. Os resultados encontram-se na tabela 6. Tabela 6. Significância dos parâmetros da regressão múltipla – Modelo 1 Model Unstandardized Coeffi- cients Standardi- zed Coeffi- cients T Tolerance Sig. IF V Collinearity Statistics B Std. Error Beta Constant - ,043 - ,01 ,112 2,598 7 d1 , ,005 ,231 1,1 ,25 ,731 1 006 69 6 ,369 d2 , ,005 ,224 1,1 ,25 ,778 1 006 70 5 ,285 d3 , ,005 ,170 ,89 ,38 ,780 1 004 0 4 ,282 Idh , ,056 ,550 3,0 ,00 ,889 1 171 71 6 ,125 Observa-se que apenas a variável IDH ex- plica a variável dependente investimentos (Sig.<0,05), ou seja, nesta amostra, ideo- logia não interfere nos gastos com investi- mentos. Assim, uma nova regressão foi ge- rada, considerando somente a variável IDH como explicativa. Tabela 7. Resumo do modelo 2 Model R R Squareb Adjusted R Square Std. Error of the Estimate Durbin-Watson 1 ,927a ,859 ,853 ,0101001 1,711
  • 99. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 17 Esse modelo final consegue explicar em tor- no de 85,3% (R ajustado) as variações dos investimentos por meio das variações do IDHM. Essas interpretações podem ser fei- tas porque a regressão linear obedeceu aos pressupostos necessários para a aplicação da regressão: ausência de autocorrelação serial (independência dos erros) – teste de Durbin-Watson. Tabela 8. Significância dos parâmetros da regressão múltipla – Modelo 2 Model B Unstandardized Coefficients Standardized Coefficients ig. Tolerance Collinearity Statistics Std. Error Beta VIF 1 idhm ,032 ,003 ,927 2,334 000 1,000 1,000 Por meio desse novo modelo, fica evidente a relação entre IDHM e investimentos em assistência social nas capitais brasileiras no período de 2013 a 2016. O resultado da re- gressão permite inferir que a relação entre investimentos e IDHM é positiva (+0,032). Em outras palavras, mesmo tendo ciência do problema temporal (IDHM 2010, gastos 2013-2016), pode-se inferir que a variação de 1 ponto percentual em IDHM provo- ca uma variação positiva de 0,032 pontos percentuais no investimento (arrecadação/ despesa). A pesquisa de Mattei, Bezerra, & Mello (2017) reafirma as considerações do estudo em questão. Segundo eles, a cada 1% de aumento nas despesas per capita destinadas à saúde, assistência e previ- dência, acrescentam-se 0,047 pontos no nível do IDHM. Ainda para os autores, não é inusitado que despesas em áreas- chave impactam positivamente no nível de desen- volvimento. Com isso percebe- se o papel importante do governo para promover me- lhor qualidade de vida das pessoas por meio do direcionamento apropriado de recursos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo em questão teve como objetivo ge- ral analisar a influência ou o impacto que a ideologia política teve sobre os gastos com assistência social nos anos de 2013 a 2016. Outro ponto analisado de forma complemen- tar foi a possível relação entre investimentos na área e o IDHM de cada capital brasileira. Se do ponto de vista teórico é possível afir- mar que na social-democracia o conceito de direitos sociais é central, no neoliberalismo o insucesso é resultado sobretudo da falta de esforço e mérito. Essas distinções em boa parte denotam diferenças significati- vas entre o ideário de esquerda e direita em tempos atuais. A partir das análises realizadas, diferente- mente do esperado, a esquerda não tende a gastar mais em assistência social. Embora de um ponto de vista teórico se esperasse que em nome da igualdade social a assis- tência social devesse ser uma área priori- tária, o que se verificou foi que não há uma relação significativa entre ideologia e inves-
  • 100. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 18 timentos. Há uma certa homogeneidade de gastos por parte dos diferentes enquadra- mentos ideológicos. Um dos prováveis motivos para que isso ocorra é a influência do Plano Plurianual (PPA), plano orçamentário de médio prazo. Por mais que o Executivo encaminhe, os PPAs são aprovados pelo Legislativo muni- cipal. Os vereadores decidem se pode ser aprovado, negado ou se serão realizadas modificações. A problemática central da pesquisa é o impacto da ideologia política nos gastos públicos com assistência social e o que foi constatado de forma clara e obje- tiva foi a independência entre esses dois fa- tores. Não há um padrão de gastos diferen- ciado entre partidos de esquerda ou direita, corroborando com o que é constatado por Rodrigues (2010).Talvez as variações sejam qualitativas, mas não quantitativas. Essa ho- mogeneidade possivelmente se deva a fato- res estruturantes muito mais do que a uma razão conjuntural. Ou seja, haveria uma certa “amarração” orçamentária que daria um menor grau de autonomia aos agentes políticos em nível municipal. Dito de outra forma, é possível que em ou- tros níveis federativos sejam percebidas di- ferenças significativas dado o maior grau de autonomia. O que apresentou uma surpresa no estudo foi a relação entre o IDHM e in- vestimento. Quanto maior o IDHM, maior o investimento. Embora Scheeffer (2018) tenha em seu es- tudo percebido diferenças significativas en- tre parlamentares de esquerda e direita na Câmara dos Deputados (sabendo se o par- lamentar/partido é de esquerda ou de direita é possível prever razoavelmente a atuação em plenário), as exceções são os casos em que estão envolvidos recursos financeiros vultosos. Nesses casos, o posicionamento estratégico (pertencimento ao governo ou à oposição) teria melhor poder explicativo. Esse argumento pode auxiliar a compreen- der as pequenas diferenças no Executivo municipal. Em se tratando de assistência social, uma área sensível do ponto de vis- ta político-ideológico, talvez fosse sensato supor que não haveria distinções de gastos públicos emnível municipal de gestões de partidos localizados em espectros ideológi- cos diferentes. Para além de análises qualitativas (tipo de políticas adotadas), fica como recomenda- ção a comparação de séries temporais mais extensas cobrindo mais de um mandato, bem como a análise por subfunção e não só dos gastos gerais da política pública em questão. REFERÊNCIAS Aggio, A. (2013). Construir uma esquerda transformadora. In Almeida, F. I. de. (org.). O que é ser esquerda hoje? Rio de Janeiro: Contraponto. Anderson, P. (1995). Balanço do Neolibera- lismo. In Sader, E.; Borón, A. (Orgs.). Pós- -neoliberalismo: As políticas sociais e o Es- tado democrático. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Arvate P. R., Avelino Filho, G., & Lucinda, C. R. (2008). Ideologia partidária e gastos pú- blicos entre os governos estaduais no Brasil. Encontro de Administração Pública e Gover- nança, 38(4)789-814. Bobbio, N. (1995). Direita e esquerda: Ra-
  • 101. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 19 zões e significados de uma distinção políti- ca. São Paulo: Editora da UNESP. Budge, I., Klingemann, H-D., Volkens, A., Bara, J., & Tanenbaum, E. (2001). Mapping policy preferences: estimates for parties, electors and governments – 1945-1998. New York: Oxford University Press. Carvalho, G. F. (2008). A assistência social no Brasil: Da caridade ao direito. 56f.Traba- lho de Conclusão de Curso (Bacharelado) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universi- dade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Ja- neiro. Crespo, A. A. (2009). Estatística fácil. 19. ed. São Paulo: Saraiva. Dalton, R, J., & McAllister, I. (2014). Random walk or planned excursion? Continuity and change in the left-right positions of political parties. Comparative Political Studies. De- cember 9. Fávero, L. P., & Belfiore, P. (2017). Manual de análise de dados: Estatística e modelagem multivariada com Excel, SPSS e Stata. Rio de Janeiro: Elsevier. Garcia, A. V. (2005). A pobreza do homem. Florianópolis. 364 f. (Tese de Doutorado). Recuperado de https://repositorio.ufsc.br/ handle/123456789/101897. Giddens. A. (2000). A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Rio de Janeiro: Record. Hair Jr., J. F., Black, W. C., Babin, B. J., An- derson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análi- se multivariada de dados. 6. ed. Porto Ale- gre: Bookman. Heywood, A. (2010). Ideologias políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática. Inglehart, R. (1977). The silent revolution. Princeton: Princeton University Press. Jaccoud, L., Bichir, R., & Mesquita, A. C. (2017). O SUAS na proteção social brasilei- ra: Transformações recentes e perspec- tivas. Novos estudos CEBRAP, 36(2)37- 53. Recuperado de http://novosestudos.uol. com.br/wp- content/uploads/2017/09/03_ jaccoud_dossie_108_p36a53_site.pdf KINZO, M. D. (1993). Radiografia do quadro partidário brasileiro. São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. Klingemann, H-D., Volkens, A., Bara, J., Ta- nenbaum, E., & McDonald, M. (2006). Ma- pping policy preferences II: estimates for parties,electors and governments in Central and Eastern Europe, European Union and OECD – 1990-2003. New York: Oxford Uni- versity Press. Leoni, E. (2002). Ideologia, democracia e comportamento parlamentar: A câmara dos deputados (1991-1998). DADOS, Rio de Ja- neiro, 45(3)361-386. Lucas, K., & Samuels, D. (2011). A “coerên- cia” ideológica do sistema partidário brasi- leiro, 1990-2009. In Power, T. J.; Zucco Jr. (orgs). O congresso por ele mesmo: Auto- percepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG. Mainwaring, S. P. (1993). Democracia pre- sidencialista multipartidária: o caso do Bra-
  • 102. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 Fernando Scheeffer - Dinorá Baldo de Faveri - Eliel Santos da Silva Junior 20 sil. Lua Nova: Revista de Cultura Política, (28-29), 21-74. Recuperado de: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0102-64451993000100003 Martins, G. de A., & Rodrigues, O. (2011). Estatística geral e aplicada. 4. ed. São Pau- lo: Atlas. Melo, C. R., & Câmara, R. (2012). Estrutura da competição pela presidência e consolida- ção do sistema partidário no Brasil. Dados, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 55(1)71-117. Mattei, T. F., Bezerra, F. M., & Mello, G. R. (2018). Despesas públicas e o nível de de- senvolvimento humano dos estados brasi- leiros: Uma Análise do IDHM 2000 e 2010. RACE: Revista de Administração, Contabili- dade e Economia, 17 (1)29-54. Moraes, R. C. (2002). Reformas neoli- berais e políticas públicas: Hegemonia ideológica e redefinição das relações Estado-sociedade. Educação & Socie- dade, 23(80)13-24. Recuperado de http:// www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101- 7 3 3 0 2 0 0 2 0 0 8 0 0 0 0 0 2 & s c r i p t = s c i _ abstract&tlng=pt PMDB. (2015). Uma p o n t e para o futuro. 29 out. Recupe- rado de <http://pmdb.org.br/wp-content/uplo- ads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4- 28.10.15-Online.pdf> Prearo, L. M., Maraccini, M. C., & Romeiro M. C. (2015). Fatores determinantes do ín- dice de desenvolvimento humano dos mu- nicípios do estado de São Paulo. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, 5(1)132-155. Rodrigues, G. (2010). Partidos políti- cos e gastos públicos em Santa Catari- na: A influência das ideologias partidá- rias nas decisões de investimentos. 263f. (Tese de Pós-Graduação). Recuperado de https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bits- tream/handle/123456789/93997/281205. pdf?sequence=1&isAllowed=y Roma, C. (2006).Agenda, ideologia e coesão partidária na Câmara dos Deputados. In: XXX Encontro anual da ANPOCS. Santana, E. P., Silva, J. A. S., & Silva, V. S. (2013). Histórico da política de assistência social: Uma construção lenta e desafiante, do âmbito das benesses ao campo dos direi- tos sociais. VI Jornada Internacional de Polí- ticas Públicas. Scarpin, J. E., Pinto, J., & Silva A. J. (2007). Estudo dos fatores condicionantes do Índi- ce de Desenvolvimento Humano nos muni- cípios da região sul do Brasil: instrumento de definição de políticas públicas. Encontro da ANPAD, 2007, Rio de Janeiro. ENANPAD. Encontro da Anpad. Rio de Janeiro/RJ: ANPAD31. 1-15. Setembrini, D. (1997). Social-Democracia. In: Bobbio, N.; Matteuci, N.; Pasquino, G. Dicio- nário de Política. Brasília: Universidade de Brasília, 9. ed. Scheeffer, F. (2013). Pobreza: Um conceito controverso. CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, 7(16)131-148. Scheeffer, F. (2018a). Esquerda e direita hoje:
  • 103. A INFLUÊNCIA DAS IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS NOS GASTOS PÚBLICOS EM ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS CAPITAIS BRASILEIRAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-21 | e-78480 | 2020 21 Uma análise das votações na Câmara dos Deputados. Curitiba: Appris. Scheeffer,F.(2018b).Aalocaçãodospartidos no espectro ideológico a partir da atuação parlamentar. E-legis. Brasília, (27)119-142. Recuperado de file:///C:/Users/3561208/ Downloads/435-2169-1-PB%20.pdf Souza, J. (2009). A ralé brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: Ed. UFMG. Tarouco, G. S., & Madeira, R. M. (2013). Par- tidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, 21(45)149- 165. Zucco JR., C. (2009). Ideology or what? Le- gislative behavior in multiparty presidential settings. The Journal of Politics, 711.076- 1.092. Zucco JR., C. (2011). Esquerda, direita e go- verno:A ideologia dos partidos políticos bra- sileiros. In Power, T. J.; Zucco JR. (orgs). O congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG
  • 104. ARTIGO: UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 1 UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES UNA NARRATIVA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), AISLAMIENTO Y FUNDAMENTOS MICROECONÓMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS RESUMO Este ensaio tem como objetivo propor algumas hipóteses de estudo sobre o comportamento econômico e social em uma situação de crise sanitária. Estas hipóteses são pertinentes ao estudo de formulação de políticas públicas. A crise sanitária tratada é a causada pelo Covid-19. A história narrada passa-se na Espanha, em particular em Madri. O método usado é a do relato oral subjetivo na forma de roteiro ou da aplicação parcial do storytelling. O referencial analítico usado consta de modelos microeconômicos que lidam com tragédia dos comuns, comportamento econômico ampliado para altruísmo ou auto interesse limitado. As conclusões sumarizadas são as sugestões de hipóteses a serem testadas por métodos empíricos experimentais, estatísticos ou etnográficos. PALAVRAS-CHAVE: Covid-19, ética, coevolução, sentimentos morais, políticas públicas. Marcos Fernandes Gonçalves da Silva1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4350-9918 1. Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil Artigo convidado DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.81290 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 105. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 2 ABSTRACT This essay aims to propose some hypotheses on economic and social behavior in a health crisis situ- ation.These hypotheses are pertinent to the study of public policy formulation.The health crisis treated is that caused by covid-19.The narrated story takes place in Spain,in particular in Madrid.The method used is that of subjective oral history in the form of a script or partial application of storytelling.The analytical framework used is microeconomic models that deal with the tragedy of the commons, ex- panded economic behavior with altruism or limited self-interest.The summarized conclusions are the suggestions of hypotheses to be tested by experimental,statistical or ethnographic empirical methods. KEYWORDS: Covid-19, ethics, coevolution, moral sentiments, public policies. RESUMEN Este ensayo tiene como objetivo proponer algunas hipótesis de estudio sobre el comportamiento económico y social en una situación de crisis de la salud. Estas hipótesis son pertinentes para el es- tudio de la formulación de políticas públicas.La crisis de salud tratada es la causada por covid-19.La historia narrada tiene lugar en España, en particular en Madrid. El método utilizado es el de informes orales subjetivos en forma de guion o aplicación parcial de narración de cuentos. El marco analítico utilizado son modelos microeconómicos que abordan la tragedia de los bienes comunes, el com- portamiento económico expandido hacia el altruismo o el interés propio limitado. Las conclusiones resumidas son sugerencias de hipótesis para ser probadas por métodos empíricos experimentales, estadísticos o etnográficos. PALABRAS CLAVE: Covid-19, ética, coevolución, sentimientos morales, políticas públicas. INTRODUÇÃO Este short paper é um ensaio. Seu objetivo é levantar algumas hipóteses e sugerir três linhas básicas de pesquisa que podem ser subdivididas em várias outras. As áreas das linhas de pesquisa são políticas públicas e administração de empresas. Por meio de uma narrativa baseada numa pequena história contada, o ensaio coloca problemas reais relacionados com a pan- demia de Covid-19 em Madri, Espanha, e aborda uma parte da literatura microeconô- mica que trabalha com um modelo de ação racional que vai além do “Homem” Econô- mico Racional. A metodologia é, portanto, baseada par- cialmente em storytelling. O objetivo de tal abordagem é levantar problemas e ques- tões indutivamente. As conclusões, que são as sugestões de pesquisa, são investigações em cooperação, empatia e desigualdade usando métodos quantitativos, comparando países; investiga- ção sobre empatia e formação de alunos de diversos cursos de graduação ao início e fi- nal do curso; e avaliação do ensino de ética em escolas de negócios. METODOLOGIA Este ensaio possui uma característica pe- culiar. A partir da narrativa de uma história baseada numa experiência individual, a do autor, levantam-se questões relacionadas a políticas públicas, tanto no que se refere aos seus aspectos positivos, bem como a norma- tivos. Neste sentido, utiliza-se aqui, mesmo que de forma limitada --pois não há interlocu- ção, apenas narração--, um método de con- tar histórias. Este referencial analítico pode ser usado, por meio da indução, para pros- pectar hipóteses a serem estudadas cienti-
  • 106. UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 3 ficamente (estatisticamente, por meio de quantificação, estudo de caso, experimento ou imersões etnográficas), pincipalmente quando tratamos de objetos que encerram maior complexidade, isto é, que têm uma interação ampla de variáveis de causação num mesmo instante de tempo e ao longo do tempo (Jones & Crow, 2017 e Suzuki, Fe- liú-Mójer, Hasson, Yehuda, & Zarate, 2018). A narrativa apresentada revela a experi- ência do autor, na Espanha, em particular em Madri, durante o início da pandemia de Covid-19 em 2020. A partir de suas impres- sões pessoais, serão colocadas, com base na literatura específica ao tema central do ensaio, hipóteses de estudos em particu- lar pertinentes ao caso brasileiro. Contudo, note-se, podem ser aplicadas as hipóteses a serem colocadas a qualquer país, comuni- dade ou sociedade. Estas hipóteses estão relacionadas ao es- tudo do papel do altruísmo, auto interesse limitado moralmente, na conduta econômica e social, em situações de crise ou não. São apresentadas, durante a narrativa colocada, referências na literatura econômica sobre te- mas relacionados a empatia, cooperação e sentimentos morais. Por outro lado, há uma característica de re- lato oral neste ensaio, que o aproxima da metodologia de fontes usadas em história oral. O problema é que existe, em história oral, uma separação entre o relator dos fatos e a pessoa que ouve; aqui trata-se de um monólogo. Porém, mesmo com tal limitação, pode-se considerar este tipo de abordagem válida como elemento de busca para evidên- cias indutivas. Não obstante, relatos oriundos de traba- lhos de história oral podem ser um insumo para a elaboração de hipóteses analíticas, passíveis de serem testadas empiricamen- te (Nyhan & Flinn, 2016). São alimento para o pensamento, enfim, mesmo quando pos- suem características literárias. Referências aqui seriam Alexievich (2017, 2019), cujos relatos podem servir para levantamento de hipóteses de estudo não somente em his- tória, mas em ciências humanas em geral, comportamentais em particular. A narrativa aqui oferecida também tem como objetivo o levantamento de hipóteses a se- rem estudadas empiricamente. Há uma ane- dota que descreve bem o método aqui em- pregado. Um filósofo alemão fica trancado em sua sala de estudos, imaginando como o mundo é, como é uma feira livre, uma farmá- cia, uma repartição, a rua; um filósofo anglo- -saxão sai para a rua, visita o mercado (rea- liza algumas compras) e vê como o mundo prático, empírico se manifesta. David Hume e Adam Smith coletaram evi- dências indutivas para a elaboração, aí sim, de hipóteses e para a formulação de teorias, na rua (uma interessante referência para en- tender o método e a formação recíproca de ambos os escoceses é Rasmussen, 2017) . Este meu caminhar e narrar aqui neste en- saio vão nesta direção. Cabe uma breve e final observação meto- dológica e de estilo: em determinados tre- chos da história narrada, utiliza-se a primei- ra pessoa do singular, o que, do ponto de vista de trabalhos acadêmicos, nem sempre é desejável. Contudo, aqui há a peculiarida- de de que o caso foi estruturado a partir de uma narrativa pessoal. Portanto, ao longo
  • 107. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 4 da apresentação, propositadamente, o texto oscilará entre a primeira pessoa do singular e o sujeito indeterminado. A HISTÓRIA Saí de São Paulo no início de março, em direção a Madri. O que conhecia até então sobre a epidemia era o que estava nos jor- nais e nas redes. Não tinha muito a percep- ção do que estava acontecendo realmente, apesar de saber da gravidade em função do que ocorria na China e Itália, principalmen- te. Ao chegar no aeroporto, comecei a notar os primeiros sinais, intuitivamente, do que iria acontecer. Pessoas com máscaras, mui- tas inadequadas, como sabemos. Em geral, a não ser máscaras especiais, essas más- caras comuns são perigosas, ficam úmidas e podem potencializar uma infecção, dizem os especialistas. Ademais, quem preferen- cialmente deve usá-las são pessoas que suspeitam estar resfriadas ou infectadas e profissionais da saúde e que lidam com muitas pessoas. Contudo, uma sensação que já havia tido antes começou a manifestar-se. Em 11 de setembro de 2001, estava em Nova York e dirigia-me, às 7h30 da manhã, para um café da manhã num restaurante que ficava no último andar de umas das torres do WTC. Não preciso dizer o que aconteceu. Obvia- mente o metrô não parou na estação e fui parar no Brooklyn, do outro lado do rio. Ao sair do metrô e olhar para o céu azul perce- bi um enorme rastro de fumaça.Algo estava acontecendo. Da última vez que fui a Nova Orleans, saí um dia antes de as autoridades fecharem tudo por conta do Katrina. Também tive aquela sensação no ar. Sim, dois raios, três, vários podem cair no mesmo lugar. Em mim, no caso. A literatura que trata sobre como raciocina- mos e interpretamos em geral os aconte- cimentos no dia a dia é vasta atualmente. Tendemos a trabalhar com modelos estabe- lecidos, fazendo correlações simples entre variáveis. Até por questões evolucionárias, alguns argumentam, isso é racional (Kahne- man, 2013). Contudo, quando nossa zona de conforto se rompe, esses modelos usados para organizar os fatos, estabelecer causa- lidades, não funciona. Também se argumen- ta, na literatura estabelecida, que tendemos a ser bayesianos (Pearl & Mackenzie, 2018) ou, em outros termos, quando um evento se repete sempre achamos que ele se repetirá no futuro, o que também é razoável do pon- to de vista da nossa evolução. Acontece que tanto a indução, como a correlação, tem seus limites, tanto para a produção do conheci- mento científico, que deve basear, por exem- plo, a formulação de políticas públicas, bem como para a solução de problemas diante da adversidade. O estudo dos processos de causalidade são particularmente complexos nas ciências so- ciais, como em epidemias, em que há vários fatores causais ao mesmo tempo atuando, com defasagem no tempo. E esses fatores são biológicos e sociais. Por esta razão, a comunicação clara e objetiva por parte dos formuladores de política pública, incluindo políticos, aparentemente é importante para minimizar comportamentos de manada, que se traduzem em comprar máscaras que fal- tarão aos profissionais de saúde e estocar álcool gel, independentemente de que no curto prazo haja deficiência de oferta ou em
  • 108. UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 5 desrespeito a isolamentos recomendados pela literatura e experiência epidemiológica. Por outro lado, a própria natureza de um evento como uma epidemia, no caso uma pandemia galopante, aparentemente cria nas pessoas a sensação que muitos tinham, segundo alguns historiadores, logo após o assassinato do arquiduque Ferdinando, de que a guerra seria tranquila e breve. Quando cheguei em Madri também a per- cepção do que estava a ocorrer era um tanto ambígua. Na primeira semana de março, a vida corria normalmente: pessoas frequen- tavam bares, academias, restaurantes e an- davam pelas ruas. Madri é uma cidade com elevada densidade populacional, logo você sempre vê muita gente nas ruas. Contudo, a mudança desse quadro foi rápi- da. Ao final da semana já observava menos pessoas nos espaços públicos e gente com máscaras e, claro, o álcool gel havia sumido das farmácias. A segunda semana de março foi a da infle- xão, tanto do ponto de vista da minha per- cepção do que estava ocorrendo, bem como da ação das autoridades públicas. No final dessa semana, a emergência foi declarada e, na sequência, a política de isolamento so- cial, com fechamento de tudo menos comér- cio de alimentos, remédios. E aí começou: a realidade se impôs. Do ponto de vista da teoria e evidência mi- croeconômicas, o fenômeno da escassez de alguns produtos, quando ocorre algum evento catastrófico, está bem sedimentada, de modo que é incorporada, na forma de exemplos e casos, em livros texto de intro- dução à economia e de microeconomia apli- cada às políticas públicas. Há um aumento da demanda devido à expectativa de falta do produto, aumento esse que bate no trecho inelástico da curva de oferta. Vale dizer, os preços começam a aumentar e não há como suprir o mercado. No limite, acaba todo o estoque do produto. Ao contrário do senso comum, não é a ganância que faz o preço subir – embora atravessadores possam in- terferir no processo. Na ponta da indústria há custos marginais crescentes e, portanto, as firmas vão produzir mais do bem, álcool gel por exemplo, pois o preço de mercado compensa o custo marginal crescente. Porém, ao contrário da crença de que o mercado resolve tudo, em situações limites devem haver políticas públicas compensa- tórias, não de tabelamento de preços, o que cria mercado paralelo e não resolve o pro- blema, mas de aumento da oferta do pro- duto, mobilizando o setor privado e os la- boratórios estatais. Na Espanha, esta foi a estratégia adotada inicialmente e funcionou. Ademais, há um bem substituto ao álcool gel, que é o vinagre de limpeza, diferente do vinagre que se usa como tempero, cuja con- centração de ácido acético é elevada. A partir do dia 16 de março, quando saía sozinho aqui em Madri (somente é permi- tido sair sozinho na rua) para ir ao super- mercado e farmácia, comecei a entrar em vários estabelecimentos à procura do álcool gel. Ele reapareceu, com o mesmo preço de mercado, lembrando que não havia tabela- mento até então. Como professor e pesqui- sador de microeconomia aplicada às políti- cas públicas, eu já tinha um exemplo prático para dar aos meus estudantes. Mas resisti à tentação e apenas comprei um frasco de
  • 109. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 6 500 ml. Poderia comprar outros? Sim, mas me senti moralmente constrangido. O papel da ética e do constrangimento mo- ral na conduta econômica e social é tema da economia desde A teoria dos senti- mentos morais, de Adam Smith (1759). A literatura econômica tradicional, em par- ticular a microeconômica, trabalha com a hipótese do Homem Econômico Racional (homo sapiens, para não reduzir ao gêne- ro masculino), que a partir de agora será designado por HER. A fundamentação do HER começa com John Stuart Mill e é consolidada, com a ideia de individualismo metodológico, por J. A. Schumpeter (Silva, 2002). Schumpeter atribui a esta categoria o individualismo metodológico, uma função meramente instrumental. Seu objetivo é explicar o comportamento coletivo a partir do individual. Quando esta hipótese não se aplica, pragmaticamente falando, Schum- peter abre mão dela. Por exemplo, ele faz isso para construir sua teoria sociológica do empreendedor. O HER é uma hipótese instrumental, de um indivíduo abstrato, ao qual se acrescenta um algoritmo comporta- mental: o agente busca maximizar lucro ou utilidade utilizando os melhores meios pos- síveis. Neste sentido, a teoria econômica tradicional utiliza um egoísmo instrumental: o comportamento dos agentes é visto como algo voltado à satisfação das necessidades estritamente individuais. É um “faz de conta” (as if). Ao longo do tempo, tanto no ensino de mi- croeconomia, como no nível da produção e divulgação científicas, muitos economistas promoveram uma entropia da informação, com consequências sobre a formulação de políticas públicas. Trataram a hipótese instrumental do HER como uma descrição do comportamento real, seja lá o que for o real, das pessoas e como requisito norma- tivo. Vale dizer que as pessoas devem ser (must be) egoístas. Racionalidade, como consistência entre meios e fins, passa a ser confundida com egoísmo moral. Este tipo de confusão já foi criticada há tempos (Sem, 1977). Contudo, ela ainda persiste nos livros que são usados nos cursos de economia e correlatos, promovendo até mesmo alguns desvios morais na formação de profissionais, que são treinados para serem egoístas, para não terem empatia (Rubinstein, 1977, 2006). É necessário demarcar uma hipótese com- portamental instrumental de um preceito mo- ral a ser seguido, uma regra de conduta a ser adotada. Uma coisa é fazer de conta que os agentes são sempre egoístas; outra, que eles devem (ought to be) sê-lo. Mill conside- ra que há um certo realismo em supor que, quando se trata de economia, as pessoas tendem a ser mais egoístas. Há evidência sobre isso (álcool gel escasseado, por exem- plo). Em situações normais e, principalmen- te, nas limite, de pânico, aparentemente vale mais o lobo de Hobbes do que os sentimen- tos morais de Smith. Porém isso não quer dizer que as pessoas de carne e osso são sempre egoístas e, muito menos, que devem ser egoístas, repito (Schefczyk & Peacock, 2010). No desenho de quase mercados e de contra- tos, de políticas portanto, economistas costu- mam supor o HER, pois é mais prudente. Em geral, há comportamento oportunista. Assim ocorre quando, por exemplo, pessoas com- pram mais de um produto do que precisam por pânico, pois acham que os outros farão o mesmo. Esse tipo de ação é plenamente
  • 110. UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 7 racional diante de um movimento de mana- da. Isso não quer dizer que ela é desejável. Pelo contrário, isso indica falha de mercado e necessidade de intervenção do governo. Contudo, há uma literatura relativamente re- cente, em teoria dos jogos evolucionários, antropologia econômica e estudos de coo- peração, que supera estas limitações da te- oria convencional a partir de um modelo de comportamento econômico mais realista e mais geral, que volta aos fundamentos da economia de Adam Smith de A teoria dos sentimentos morais. Parte dessa literatura argumenta, partindo de evidências arqueológicas, experimentais e genéticas, que humanos produzem equi- líbrios cooperativos quando há um grande número de indivíduos envolvidos numa in- teração estratégica (Bowles & Gintis, 2013). O comportamento empático não é somente explicado por razões egoísticas, como no dilema de prisioneiro, ou somente por em- patia com relação às pessoas geneticamen- te mais próximas. Sim, temos empatia visce- ral pelos familiares e amigos, mas também temos alguma por quem não conhecemos. A própria evolução genética teria colocado nossa espécie como única ao nos dispor ao obedecimento de uma ética do bem comum e dos valores coletivos. Ao contrário de outras espécies, intrinse- camente ligadas à lógica da evolução e ao gene egoísta -- ou, colocando de outra for- ma, ao algoritmo da evolução --, a nossa cria valores e instituições endogenamente. No trabalho, bem como na vida social, nós punimos o egoísmo extremo, tendemos a isolar indivíduos que somente pensam em si como sociopatas e psicopatas. Mas não somente nesses casos extremos. Quando vamos numa festa de final de ano, num jan- tar, e há uma pessoa que sempre pede o prato mais caro (a conta é dividida pela mé- dia) ou um indivíduo que sai antes de pagá- -la, nós encaramos e avaliamos estas pes- soas negativamente do ponto de vista moral. Há uma coevolução nossa e das instituições que criamos, inclusive as informais. Valores morais ou expectador imparcial de Adam Smith (Khalil, 2001) podem ser colocados nesta categoria. Alguns manuais de micro- economia já incorporam esta ideia (Bowles, 2003). Ao encontro dessa literatura, há vários arti- gos acadêmicos, baseados em experimen- tos, que relacionam sentimentos morais e interesses materiais. A cooperação não de- riva somente de interesses egoísticos, mas de laços de reciprocidade. Essa literatura é importante, na prática, para o desenho de contratos implícitos a políticas de microcré- dito, por exemplo, em que a imposição de um custo moral, no caso reputacional, pode ser usada para minimizar a inadimplência de receptores de crédito. Sim, constrangimen- tos morais, que coevoluíram com a evolução biológica da nossa espécie, são fatores re- levantes na explicação de diversos compor- tamentos econômicos e têm consequências práticas na formulação de políticas (Gintis, Bowles, Boyd, & Fehr, 2005). Experimentos com crianças, simulando o “jogo do ultima- to” mostram que, num jogo com repetição, elas tendem a valorizar moralmente como melhor a opção de dividir, digamos, gulosei- mas, de forma mais equitativa entre elas. Há a percepção de egoísmo entrando em con- flito com empatia. Neste caso, o colocar-se no lugar do outro (empatia) leva ao equilí- brio mais equalitário. Equilíbrio cooperativo
  • 111. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 8 prevalece sobre o competitivo, ou o “ganha, ganha” sobre o “ganha muito e perde muito” . Na última semana, entre os dias 23 de mar- ço até dia 27, lembrei-me que uso, com os alunos de introdução à microeconomia em administração pública, o jogo do ultimato. Nada mais epidérmico. Todos os dias vejo as coletivas de imprensa do governo espa- nhol, no canal do YouTube do El País. Co- municação clara, transparente, dura, mas que sempre vem acompanhada de mensa- gem de empatia para com os doentes, claro, mas também para com os profissionais de saúde, operários de fábricas, motoristas de ônibus, entregadores de comida e produtos comprados on line. Isso é importante, pois as autoridades fazem um discurso que vai além da empatia pela sua avó, tia avó, ou seu avô, seus filhos (sim, pois o vírus não tem preferências) parentes enfim, mas que valoriza a comunidade, o bem comum e o outro. A hipótese, transformada em ideologia, de HER, de um ser amoral, que não deve se li- mitar normativamente, não é encarada pela literatura atual, como vimos acima, como razoável. Adicionalmente, na formulação de políticas públicas, pelo paradigma do HER, devemos somente supor que os indivíduos são oportunistas e egoístas. Contudo, esta abordagem, quando se torna uma ideologia, produz na vida prática das pessoas uma situação em que a valorização do bem co- mum, do coletivo, fica em segundo plano e gera uma deterioração ética (Bowles, 2016). Incentivos importam para explicar boa parte da ação econômica, social. Ensinamos isso aos alunos, da graduação à pós-graduação. Principalmente quando falamos de regula- ção de empresas, oligopólios, monopólios naturais, concorrência. Contudo, bons cida- dãos ajudam. Bons cidadãos são indivíduos com auto interesse limitado. Mais uma vez, a evidência empírica e experimental forne- ce elementos para combinar aquilo que, no senso comum, chamamos de civismo, com interesses individuais. Quando pensamos em situações como a tra- gédia dos comuns ou no dilema do prisionei- ro, agentes meramente guiados por motivos egoísticos até podem gerar um equilíbrio cooperativo, dizem assim a teoria e a evi- dência experimental. Mas a mesma teoria e a evidência nos mostram que este equilíbrio é instável. Agentes que limitam seu auto in- teresse podem gerar equilíbrios cooperati- vos mais robustos, inibindo, por assim dizer, estratégias dominantes que os impeliriam à competição ou à quebra do equilíbrio coope- rativo. Cheguei em Madri, pela primeira vez, antes dessa que seria minha estadia mais prolon- gada para um sabático, no início de 2019. Era minha primeira vez na cidade. Passean- do, eu e minha esposa, com um casal de co- nhecidos madrilenos, notei algo peculiar: em várias construções, recém-reformadas e pin- tadas, bem como na Catedral de Santa Ma- ria a Real de Almudena que fica em frente ao Palácio Real, há marcas meio arredondadas nas paredes, como se fossem buracos sobre os quais passaram massa mas, ao pintar e renovar as construções, os buracos, pinta- dos com uma cor levemente cinza, proposi- tadamente continuavam evidentes. Perguntei sobre isso para eles e a resposta foi-me sur- preendente: eram buracos de bala, sim bala, rifle, revólver, metralhadoras, da Guerra Civil Espanhola. Memória, senso de coletividade,
  • 112. UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 9 de dor coletiva. Comecei a pensar que sociedades mais igualitárias, em que a maior parte das pes- soas, inclusive da elite econômica, frequen- ta escola pública, desenvolve um senso de empatia e de noção de bem comum e Re- pública. Lembrei-me do capítulo 5 de Raí- zes do Brasil (Holanda, 2012), o do Homem Cordial (HC), conceito tão torturado pela má interpretação e entropia de informação. O HC pode ser encarado, numa visão eco- nômica ou, mais geral, de teoria da escolha racional, como um agente que confunde o público com o privado, na medida em que a paixão invade o espaço da razão.A Repúbli- ca é o locus onde todos deveriam ser trata- dos igualmente, de forma abstrata, racional, pelo Estado. O espaço da família, da casa, é o da paixão; a rua é o espaço da razão. Noto, para finalizar este relato, que falta no Brasil, ao contrário daqui, uma comunica- ção, nesta crise, mais empática, porém re- publicana, que reforce o senso de comuni- dade e bem comum, algo que vai além de um certo familismo. Porém, suspeito, numa sociedade muito desigual, em que há nas ci- dades sistemas informais de apartheid, que não haja empatia de parte significativa das elites para com a maioria. Mas, como afirmei no início deste ensaio, aqui faço somente uma narrativa, com todas as suas limitações analíticas, mas com a função de levantar hi- póteses para pesquisas científicas, a partir de intuições que vêm das ruas. Nas conclu- sões, coloco sugestões de pesquisa nesse sentido e noutros. CONCLUSÃO Este paper é um breve ensaio, especulativo, baseado numa narrativa, portanto, em per- cepções pessoais. Logo, possui limitações. Contudo, como afirmado no, seu objetivo era também levantar algumas hipóteses de pesquisa empírica, portanto, científica. Primeiramente, há indicadores indiretos, proxy, de cooperação na sociedade, tais como o Trust (https://ourworldindata.org/ trust ) e o GovData360 do World Bank (ht- tps://govdata360.worldbank.org/indicators/ ha5376100?country=BRA&indicator=41334 &viz=line_chart&years=2017,2019) que po- dem servir para estudos comparativos en- tre países, com o intuito de contrapor dados econômicos e sociais a variáveis que ten- tam medir, com todas as limitações naturais, bem comum, propensão à cooperação e ca- pital social. Em particular, sugiro pesquisas quantitativas relacionando estes indicadores à desigualdade, usando-se Gini ou Theil, para testar a hipótese da antipatia brasileira, colocada ao final da narrativa acima. Em segundo lugar, sugiro experimentos comparados para avaliar empatia entre estu- dantes de Administração de Empresas, Ad- ministração Pública e do campo de pública, Economia, Direito, Saúde Pública, Medicina e Ciências Sociais. Precisamos avaliar, ao entrar na graduação, em coorte, como estes estudantes entram, em termos de valores morais, empatia, e como eles saem, uma vez graduados, nesses mesmos termos. Po- dem-se aplicar questionários psiquiátricos para avaliar comportamento de psicopatas, com o intuito de medir empatia e antipatia no início da graduação e a seu final. Em terceiro lugar, avaliar como a ética está sendo abordada em cursos de negócios,
  • 113. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 10 pois há algo que não coloquei acima na nar- rativa pessoal, mas que agora coloco. Na Espanha é impensável ver um executivo, CEO ou empresário fazer afirmações como as que observamos no Brasil, sobre conten- ção da epidemia. Portanto, há espaço para vasta pesquisa acadêmica sobre formação ética dos estudantes de Administração em vários níveis, assim como de executivos e empresários. Pode-se também pensar em estudos comparativos internacionais, com a colaboração entre universidades. Em quarto lugar, não é uma agenda de pesquisa, mas de discussão curricular. Pre- cisamos mudar a forma de ensinar microe- conomia em cursos de administração e da área de pública e provavelmente também trabalhar, de forma mais simples, usando casos reais e práticos, pois os modelos são complexos, com o modelo ampliado de co- evolução. REFERÊNCIAS Alexievich, A. (2019). Last witnesses: An oral history of the children of world war II. New York, NY: Random House. Alexievich, A. (2017). The unwomanly face of war: an oral history of women in world war II. New York, NY: Random House. Bowles, S.& Gintis, H. (2013). A cooperati- ve species: Human reciprocity and its evo- lution. Princeton, NJ: Princeton University Press. Bowles, S. (2003). Microeconomics: Beha- vior, institutions, and evolution. Princeton, NJ: Princeton University Press. Bowles, S. (2016). The moral economy: Why good incentives are no substitute for good citizens. New Haven, CT: Yale University Press. Gintis, H. Bowles, S., Boyd, R., & Fehr, E. (eds.) (2005). Moral sentiments and material interests: The foundations of cooperation in economic life. Cambridge, MA: MIT Press. Holanda, S. B. H. (2012). Roots of Brazil. South Bend, Indiana: Notre Dame University Press. Kahneman, D. (2013). Thinking,fast and slow. New York, New York: Farrar, Straus and Gi- roux. Khalil, E. (2001). Adam Smith and three the- ories of altruism. Recherches économiques de Louvain, 67(4), 421-435. doi: 10.3917/ rel.674.0421 Klimecki, O., Mayer, S., Jusyte, A., Scheeff, J., Schönenberg, M. (2016). Empathy pro- motes altruistic behavior in economic inte- ractions. Sci Rep 6, 31961. doi: https://doi. org/10.1038/srep31961 Jones, M. D., Crow, D. A. (2017). How can we use the ‘science of stories’ to produce persu- asive scientific stories?. Palgrave Commun. 3, 53. doi: https://doi.org/10.1057/s41599- 017-0047-7. Nyhan J., Flinn, A. (2016) Why oral history?. In Computation and the Humanities. Sprin- ger Series on Cultural Computing. Springer, Cham. Rasmussen, D. C. (2017). The infidel and the professor: David Hume, Adam Smith, and
  • 114. UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 11 the friendship that shaped modern thought. Princeton, NJ: Princeton University Press. Rubinstein, A. (2017). Comments on econo- mic models, economics, and economists: remarks on economics rules by Dani Rodrik. Journal of Economic Literature, 55(1): 162- 72. doi: 10.1257/jel.20161408 Rubinstein, A. (2006). Dilemmas of an eco- nomic theorist. Econometrica, 74(4), 865- 883. Recuperado de www.jstor.org/sta- ble/3805911 Schefczyk, M., & Peacock, M. (2010). Al- truism as a thick concept. Economics and Philosophy, 26(2), 165-187. doi: 10.1017/ S0266267110000180 Sen, A. K. (1977). Rational fools:A critique of the behavioral foundations of economic the- ory.Philosophy&PublicAffairs,6(4)317-344. https://www.jstor.org/stable/2264946?seq=1 Silva, M., F. G. da (2002). A epistemolo- gia da economia teórica em Schumpeter. Brazilian Journal of Political Economy. 22 (85) 109-130. http://www.rep.org.br/search. asp?txt_busca=Marcos+Fernandes+Gon% C3%A7alves+da+Silva Smith, A. Theory of moral sentiments (1759, 2010). London, UK: Penguin Classics. Suzuki, W. A., Feliú-Mójer, M. I., Hasson, U., Yehuda, R. & Zarate, J. M. Z. (2018). Dialo- gues: The science and power of storytelling. Journal of Neuroscience, 38(44), 9468- 9470. doi: https://doi.org/10.1523/JNEU- ROSCI.1942-18.2018. Dados: Our World in Data: https://ourworldindata. org/trust The World Bank, Social Capital, Data Go- vData360 Indicator, Score on the Social Capital: https://govdata360.worldbank.org/ indicators/ha5376100?country=BRA&indica tor=41334&viz=line_chart&years=2017,2019
  • 115. ARTICLE: A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 1 A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES UMA HISTÓRIA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), ISOLAMENTO E FUNDAMENTOS MICROECONÔMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS UNA NARRATIVA SOBRE PANDEMIA (COVID-19), AISLAMIENTO Y FUNDAMENTOS MICROECONÓMICOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS ABSTRACT This essay aims to propose some hypotheses on economic and social behavior in a health crisis situation. These hypotheses are per- tinent to the study of public policy formulation. The health crisis treated is that caused by covid-19. The narrated story takes place in Spain, in particular in Madrid. The method used is that of subjective oral history in the form of a script or partial application of storytell- ing. The analytical framework used is microeconomic models that deal with the tragedy of the commons, expanded economic behavior with altruism or limited self-interest. The summarized conclusions are the suggestions of hypotheses to be tested by experimental, statistical or ethnographic empirical methods. KEYWORDS: Covid-19, ethics, coevolution, moral sentiments, public policies. PALAVRAS-CHAVE: Covid-19, ética, coevolução, sentimentos morais, políticas públicas. Marcos Fernandes Gonçalves da Silva1 [email protected] ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4350-9918 1. Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil Invited article Translated version DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v25n80.81290 Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons
  • 116. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 2 RESUMO Este ensaio tem como objetivo propor algumas hipóteses de estudo sobre o comportamento econômi- co e social em uma situação de crise sanitária. Estas hipóteses são pertinentes ao estudo de formu- lação de políticas públicas. A crise sanitária tratada é a causada pelo Covid-19. A história narrada passa-se na Espanha, em particular em Madri. O método usado é a do relato oral subjetivo na forma de roteiro ou da aplicação parcial do storytelling. O referencial analítico usado consta de modelos microeconômicos que lidam com tragédia dos comuns,comportamento econômico ampliado para al- truísmo ou autointeresse limitado.As conclusões sumarizadas são as sugestões de hipóteses a serem testadas por métodos empíricos experimentais, estatísticos ou etnográficos. PALAVRAS-CHAVE: Covid-19, ética, coevolução, sentimentos morais, políticas públicas. RESUMEN Este ensayo tiene como objetivo proponer algunas hipótesis de estudio sobre el comportamiento económico y social en una situación de crisis de la salud. Estas hipótesis son pertinentes para el es- tudio de la formulación de políticas públicas.La crisis de salud tratada es la causada por covid-19.La historia narrada tiene lugar en España, en particular en Madrid. El método utilizado es el de informes orales subjetivos en forma de guion o aplicación parcial de narración de cuentos. El marco analítico utilizado son modelos microeconómicos que abordan la tragedia de los bienes comunes, el com- portamiento económico expandido hacia el altruismo o el interés propio limitado. Las conclusiones resumidas son sugerencias de hipótesis para ser probadas por métodos empíricos experimentales, estadísticos o etnográficos. PALABRAS CLAVE: Covid-19, ética, coevolución, sentimientos morales, políticas públicas. INTRODUCTION This short paper is an essay. Its goal is to raise some hypotheses and suggest three basic research lines that can be subdivided into several others. These research lines pertain to public policy and business admin- istration. Through a narrative based on a short ac- count, the essay presents real problems re- lated to the COVID-19 pandemic in Madrid, Spain, and approaches a particular part of the microeconomic literature that works with a rational action model beyond the Rational Economic “Man” . The methodology is, therefore, partially based on storytelling. This approach is aimed at raising problems and issues induc- tively. The conclusions, which are the research suggestions, are investigations on coopera- tion, empathy and inequality through quan- titative methods and comparisons between countries; investigation on students’ empathy and training in different undergraduate pro- grams both in the early and final stages of their programs; and the evaluation of ethics teaching in business schools. METHODOLOGY This essay has a peculiar characteristic. Starting from the narrative of a story based on an individual experience, that of the au- thor, questions related to public policies are raised regarding both its positive and norma- tive aspects. Thus, the method used here, even if in a limited way – because no interlo- cution is involved, only narration – is storytell- ing. This analytical framework can be used, through induction, to explore hypotheses to be scientifically studied (statistically, through quantification, case study, experiment or eth-
  • 117. A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 3 nographic immersions), especially when we deal with objects of great complexity, i.e., objects involving a wide interaction of causa- tion variables simultaneously and over time (Jones & Crow, 2017 e Suzuki, Feliú-Mójer, Hasson, Yehuda, & Zarate, 2018). The narrative presented here reveals the author’s experience in Spain, more specifi- cally in Madrid, during the beginning of the COVID-19 pandemic in 2020. He starts from his personal experience and builds on the literature specific to the essay’s central sub- ject to raise study hypotheses particularly concerning the Brazilian case. It is worth noting, however, that the hypotheses to be raised can apply to any country, community or society. These hypotheses concern the study of the role of altruism, morally limited self-interest, in economic and social conduct, whether in crisis contexts or not. During the narrative, references to the economic literature are pre- sented on topics related to empathy, coop- eration and moral feelings. On the other hand, this essay has charac- teristics of an oral account, which brings it closer to the methodology of sources used in oral history.The problem is that, in oral histo- ry, there is a separation between the person rendering the account of events and the per- son who listens; here, a monologue is devel- oped. However, even with this limitation, this type of approach can be considered valid in the search for inductive evidence. Nevertheless, accounts from oral history studies can be an input for developing ana- lytical hypotheses that can be empirically tested (Nyhan & Flinn, 2016). In short, they are food for thought even when they feature literary characteristics. A reference here is Alexievich (2017, 2019), whose accounts can raise study hypotheses not only in history, but in humanities in general, and behavioral science in particular. The narrative herein is also aimed at raising hypotheses to be empirically studied. There is an anecdote describing the method used here. A German philosopher will lock himself in his study to wonder what the world is like, what a street market is like, a pharmacy, a public office, the street; an Anglo-Saxon phi- losopher will go out in the street, he will visit the free market (and do some shopping) and see how the practical, empirical world mani- fests itself. David Hume and Adam Smith collected in- ductive evidence ‘from the street’ first, then raised hypotheses and formulated theories (an interesting reference to understand the method and the reciprocal education of both Scotsmen is Rasmussen, 2017). My walking and narrating in this essay will go in that di- rection. It is worth making a brief and final observa- tion concerning method and style: in some parts of the account, the first-person singular is used, which is not always desirable for ac- ademic texts. However, there is a peculiarity here in that the case was structured from a personal narrative.Therefore, throughout the presentation, the text will deliberately oscil- late between first-person singular narration and dissertative discourse. THE STORY I left São Paulo in early March towards Ma-
  • 118. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 4 drid. Until then, my knowledge of the epi- demic came from newspapers and social media. I did not have a clear idea of what was really happening, though I knew the se- verity of the problem due to what was hap- pening mainly in China and Italy. Upon arriv- ing at the airport, I intuitively began to notice the first signs of what was to come. People with masks, many of them inadequate, as we know. In general, except for special masks, these ordinary masks are danger- ous as they will get damp and facilitate in- fection, experts say. In addition, those who should preferentially use them are people who suspect they have a cold or infection, as well as healthcare professionals who are in contact with many people. However, something I had felt before began to manifest. On September 11, 2001, 7:30 am, I was in New York and heading to a breakfast at a restaurant at the top floor of one of the WTC towers. I need not say what happened. Obviously, the subway did not stop at the station, and I ended up in Brook- lyn, across the river. When I left the subway and looked up at the blue sky, I noticed a huge trail of smoke. Something was going on. The last time I went to New Orleans, I left the day before the authorities closed everything down on account of Katrina. I also had that feeling of something in the air.Yes, lightning can strike twice, three or several times in the same place. In this case, me. Today, the literature about how we reason to interpret events in everyday life is vast. We tend to work with established models, mak- ing simple correlations between variables. Even due to evolutionary reasons, some ar- gue, this is rational (Kahneman, 2013). How- ever, when our comfort zone is broken, these models we use to organize events and estab- lish causalities cease to work. In the estab- lished literature, it is also argued that we tend to be Bayesian (Pearl & Mackenzie, 2018), i.e., when an event repeats, we always think it will repeat in the future, which is also rea- sonable from the viewpoint of our evolution. It turns out that both induction and correlation have their limits, both for producing scientific knowledge, which should found, for example, public policy making, and for solving prob- lems in the face of adversity. The study of causality processes is particu- larly complex in social sciences as in epidem- ics, in which there are several causal factors simultaneously at work with time lag. And these factors can be biological and social. For this reason, clear and objective commu- nication on the part of public policy makers, including politicians, is apparently important to minimize herd behavior, which translates into buying masks that will be in short supply for healthcare professionals, and stocking al- cohol gel, regardless of whether it may cause short-term supply deficiency, or disregarding isolation recommended by epidemiological literature and experience. On the other hand, the very nature of an event like an epidemic, in this case a rampant pan- demic, apparently creates in people the feel- ing that many had, according to some histori- ans, right after the assassination of Archduke Ferdinand, that the war would come swiftly to an end. When I arrived in Madrid, my feeling of what was happening was also somewhat ambigu- ous. In the first week of March, life went on
  • 119. A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 5 normally: people going to bars, gyms and restaurants and walking in the streets. Ma- drid is a densely populated city, so you al- ways see lots of people in the streets. However, the change in this scenario was quick. By the end of the week, I could see fewer people in public places, people with masks and, of course, alcohol gel had van- ished from drugstores. The second week of March was the inflec- tion, both from the viewpoint of my percep- tion of what was happening, and from that of authorities’ actions. At the end of that week, emergency, and subsequently, the social iso- lation policy were declared, with the closure of all retail shops except for those related to food and medicines.And then it started: real- ity imposed itself. From the perspective of microeconomic the- ory and evidence, the phenomenon of short- age of some products during a catastrophic event is well established and documented in the form of examples and cases in introduc- tory textbooks on economics and microeco- nomics applied to public policy. There is an increased demand due to expected short- age of products, and that increase hits the inelastic stretch of the supply curve. In other words, prices start to rise, and there is no way to supply the market. Eventually, stocks run out. Contrary to common sense, it is not greed that drives the prices up – although middlemen can interfere with the process. At the industry’s end, there are rising marginal costs and, therefore, firms will produce more of the good, e.g., alcohol gel, since its mar- ket price outweighs the rising marginal costs. However, contrary to the belief that the mar- ket can solve everything, in limit-situations, compensatory public policies should be used, though not for price control, which cre- ates a parallel market and does not solve the problem, but for increasing the product’s sup- ply by mobilizing the private sector and state laboratories. In Spain, this was the strategy initially adopted and it worked. In addition, there is a substitute for alcohol gel, which is cleaning vinegar, different from the vinegar used for seasoning, and whose acetic acid concentration is high. From March 16th onwards, when I went out alone here in Madrid (you are not allowed to go out unless you are alone) to go to the supermarket and the drugstore, I would walk into several stores looking for alcohol gel. It reappeared, at the same market price – and there was no price control until then. As a teacher and researcher of microeconomics applied to public policy, I already had a prac- tical example to give to my students. But I resisted the temptation and bought just one 500-ml bottle. Could I have bought more? Yes, but I felt morally constrained. The role of ethics and moral constraint in economic and social conduct has been a subject in economics since Adam Smith’s Theory of Moral Sentiments (1759). The tra- ditional economic literature, particularly in microeconomics, works with the hypothesis of the Rational Economic Man (Homo sapi- ens, to avoid a reduction to the male gen- der), which we will henceforth call REM. The REM was initially built by John Stuart Mill and consolidated, with the idea of method- ological individualism, by J. A. Schumpeter (Silva, 2002). To this category Schumpeter attributes methodological individualism, a merely instrumental function. Its role is to explain the collective behavior based on the
  • 120. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 6 individual. When this hypothesis does not apply, pragmatically speaking, Schumpeter gives it up. For example, he does so to build his sociological theory of the entrepreneur. The REM is an instrumental hypothesis of an abstract individual to which a behavioral algorithm is added: the agent seeks to maxi- mize profit or utility by using the best pos- sible means. In this respect, traditional eco- nomic theory uses instrumental selfishness: the behavior of agents is viewed as some- thing aimed at satisfying strictly individual needs. It is make believe. Over time, both in microeconomics teaching and in terms of scientific output and dissem- ination, many economists have promoted an entropy of information with consequences for public policy making. They treated the REM instrumental hypothesis as a description of people’s real behavior, whatever ‘real’ may be, and as a normative requirement. In other words, people must be selfish. Rationality as the consistency between means and ends is now confused with moral selfishness. This type of confusion has long been criti- cized (Sem, 1977). However, it still persists in textbooks used in economics and related programs, thus promoting even some moral deviations in the training of professionals, who are trained to be selfish and not to have empathy (Rubinstein, 1977, 2006). It is necessary to discern between an instru- mental behavioral hypothesis and a moral precept to be followed, a rule of conduct to be adopted. It is one thing to pretend that agents are always selfish; it is another to say that they ought to be so. Mill sees some re- alism in supposing that, when it comes to economics, people tend to be more selfish. There is evidence for that (e.g., shortage of alcohol gel). In normal situations, and espe- cially in limit ones to the point of panic, appar- ently Hobbes’ wolf overcomes Smith’s moral sentiments. However, that does not mean that flesh-and-blood people are always self- ish and, much less, that they must be selfish, I repeat (Schefczyk & Peacock, 2010). In planning quasi markets and contracts – therefore, policies –, economists usually as- sume the REM because it is more prudent. In general, there is opportunistic behavior. That is the case when, for example, people buy more of a certain product than they need out of panic, because they think others will do the same. This type of action is completely ratio- nal in the face of herd movement. That does not mean that it is desirable. On the contrary, that indicates market failure and the need for government intervention. However, there is a relatively recent literature on evolutionary game theory, economic an- thropology and cooperation studies, which overcomes these limitations of conventional theory based on a more realistic and more general model of economic behavior that re- turns to the fundamentals of Adam Smith’s economics from his Theory of Moral Senti- ments. Part of this literature argues, based on ar- chaeological, experimental and genetic evi- dence, that humans produce cooperative balance when there are a large number of individuals involved in a strategic interaction (Bowles & Gintis, 2013). Empathetic behavior is not only explained by selfish reasons, as in the prisoner’s dilemma, or only by empathy towards those who are genetically close to us. Yes, we have visceral empathy for family and friends, but we also have some for those
  • 121. A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 7 we don’t know. Genetic evolution itself has possibly defined our species as unique by inclining us to obey an ethics of common good and collective values. Unlike other species intrinsically linked to the logic of evolution and the selfish gene – or, to put it differently, to the algorithm of evolution – ours creates values and institu- tions endogenously. At work, as well as in social life, we punish extreme selfishness, we tend to isolate individuals who only think of themselves, such as sociopaths and psy- chopaths. But not only in these extreme cases. When we go to a holiday party or a dinner party, and there is someone who al- ways orders the most expensive dish (the bill is divided by the average) or leaves before paying, we view and evaluate them nega- tively from a moral perspective. There is a coevolution between us and the institutions we create, including informal ones. Adam Smith’s moral values or impartial spectator (Khalil, 2001) can be placed in this category. Some microeconomics manuals already in- corporate this idea (Bowles, 2003). In line with this literature, there are several scholarly papers based on experiments that relate moral feelings and material interests. Cooperation does not derive only from self- ish interests, but from bonds of reciprocity. This literature is important in practice, for example, in designing contracts implicit in microcredit policies, in which the imposition of a moral cost, i.e., a reputational one, can be used to minimize default by borrowers. Indeed, moral constraints, which coevolved with our species’ biological evolution, are rel- evant factors in explaining various economic behaviors and have practical consequenc- es for policy making (Gintis, Bowles, Boyd, & Fehr, 2005). Experiments with children simulating the “ultimatum game” show that, in a game with repetition, they tend to mor- ally value as the best option to share, say, treats, more equitably between them. There is the perception of selfishness conflicting with empathy. In this case, putting oneself in the other’s place (empathy) leads to a more equitable balance. Cooperative balance pre- vails over competitiveness, or “win-win” over “win a lot and lose a lot” . Last week, between March 23 and 27, I re- membered I use the ultimatum game with my Introduction to Microeconomics in Public Administration students. Nothing could be more superficial. I watch Spanish govern- ment press conferences on El País’YouTube channel every day. Clear, transparent, tough communication, yet always accompanied by a message of empathy for patients, of course, but also for healthcare professionals, factory workers, bus drivers, food deliverers and couriers. That is important, because authorities are making a speech that goes beyond empathy for your grandmother, great aunt, or your grandfather, your children (yes, the virus has no preferences) to value the community, the common good and the other. The REM hypothesis – turned into ideology – of an amoral being that should not be lim- ited by norms, is not viewed in the current lit- erature, as seen earlier, as reasonable.Addi- tionally, in public policy making, according to the REM paradigm, we should only assume individuals to be opportunistic and selfish. However, when this approach becomes an ideology, it produces in people’s practical life a situation in which the common good, the collectivity, is pushed to the background, thus causing ethical deterioration (Bowles, 2016).
  • 122. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 8 Incentives matter to explain much of eco- nomic and social actions. We teach that to students, from undergraduate to graduate programs. Especially when we talk about regulation of companies, oligopolies, natu- ral monopolies, competition. However, good citizens can help. Good citizens are individu- als with limited self-interest. Again, empiri- cal and experimental evidence provides el- ements to combine what in common sense we call civism with individual interests. When we think of situations such as the tragedy of the commons or the prisoner’s dilemma, agents merely guided by selfish motives can even generate a cooperative balance, so we are told by theory and ex- perimental evidence. But the same theory and evidence show us that this balance is unstable. Agents who limit their self-interest can generate more robust cooperative bal- ances by inhibiting, so to speak, dominant strategies that would compel them to com- petition or to break the cooperative balance. I arrived in Madrid for the first time, before this time which would be my longest stay for a sabbatical, in early 2019. It was my first time in the city. As I strolled with my wife and a couple from Madrid, I noticed some- thing peculiar: in several buildings recently renovated and painted, as well as in the Al- muneda Cathedral, which is opposite the Royal Palace, there are round marks on the walls, like holes partly smoothed by render cement and painted a light shade of gray so as to purposely remain evident. I asked them what those marks were and the answer was surprising: they were bullet marks – yes, bul- lets from rifles, pistols, machine guns, from the Spanish Civil War. Memory, a sense of collectivity, of collective pain. I began to think that more egalitarian soci- eties, in which most people, including the economic elite, go to public schools, develop a sense of empathy and the notion of com- mon good and Republic [in the sense of the word’s Latin root, res publica, “public thing”]. I remembered chapter 5 of Raízes do Brasil (Holanda, 2012) about the Cordial Man (CM), a concept so tortured by misinterpretation and information entropy. The CM may be regarded, from the perspec- tive of economics or from a more general perspective of the theory of rational choice, as an agent that confuses the public and the private, in that in this agent’s behavior, pas- sion invades the sphere of reason. The re- public is the locus where everyone should be treated equally, in an abstract, rational way by the State. The sphere of the family, of the home, is that of passion; the street is the sphere of reason. To close this account, I should say that in this crisis, Brazil, unlike here, lacks a more empathetic, yet republican communication that reinforces the sense of community and common good, something that goes beyond a certain familialism. However, I suspect, in a very unequal society whose cities have an in- formal apartheid system, there is no empathy from a significant part of the elites towards the majority. But, as I said at the beginning of this essay, what I am writing here is just a narrative, with all its analytical limitations, but with the purpose of raising hypotheses for scientific research based on intuitions from the streets. In the conclusion below, I present research suggestions in this respect and in others.
  • 123. A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 9 CONCLUSION This paper is a short, speculative essay based on a narrative – therefore, on per- sonal perceptions. Thus, it has limitations. However, as said earlier, its goal was also to raise some empirical, therefore, scientific research hypotheses. Firstly, there are proxy indicators of coop- eration in society, such as Trust (https:// ourworldindata.org/trust) and the World Bank’s GovData360 (https://govdata360. worldbank.org/indicators/ha5376100?co untry=BRA&indicator=41334&viz=line_ chart&years=2017,2019) which can be used for comparative studies between countries in order to relate economic and social data with variables intended to measure, with all natu- ral limitations, common good, propensity for cooperation and social capital. In particular, I suggest quantitative research relating those indicators to inequality, using Gini or Theil to test the Brazilian antipathy hypothesis raised at the end of the above narrative. Secondly, I suggest comparative experi- ments to evaluate empathy between stu- dents of Business Administration, Public Administration, Economics, Law, Public Health, Medicine and Social Sciences. We need to assess, for cohorts of students of these fields, how they are in terms of moral values and empathy as they enter their un- dergraduate programs and as they graduate from them. Psychiatric questionnaires used to assess psychopath behavior can be ad- ministered in order to measure empathy and antipathy both at the beginning and the end of these undergraduate programs. Thirdly, I also suggest evaluating how ethics is being addressed in business programs, since there is something I did not say in the narrative above, but I do now. In Spain, it is unthinkable to see an executive, CEO or businessperson making statements like the ones we hear in Brazil about containing the epidemic. Therefore, there is room for exten- sive academic research on the ethical edu- cation of business students at various levels, as well as of executives and businessper- sons. Comparative studies between coun- tries, involving collaboration between univer- sities, can also be considered. Fourthly, a curricular discussion, and not just a research agenda, is in order. We need to change the way we teach microeconomics in administration and public administration pro- grams. We should probably also work in a simpler way, using real and practical cases, since models are complex, with the expand- ed coevolution model. REFERENCES Alexievich, A. (2019). Last witnesses: An oral history of the children of world war II. New York, NY: Random House. Alexievich, A. (2017). The unwomanly face of war: an oral history of women in world war II. New York, NY: Random House. Bowles, S.& Gintis, H. (2013). A cooperati- ve species: Human reciprocity and its evo- lution. Princeton, NJ: Princeton University Press. Bowles, S. (2003). Microeconomics: Beha- vior, institutions, and evolution. Princeton,
  • 124. ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 Marcos Fernandes Gonçalves da Silva 10 NJ: Princeton University Press. Bowles, S. (2016). The moral economy: Why good incentives are no substitute for good citizens. New Haven, CT: Yale University Press. Gintis, H. Bowles, S., Boyd, R., & Fehr, E. (eds.) (2005). Moral sentiments and material interests: The foundations of cooperation in economic life. Cambridge, MA: MIT Press. Holanda, S. B. H. (2012). Roots of Brazil. South Bend, Indiana: Notre Dame University Press. Kahneman, D. (2013). Thinking, fast and slow.New York, New York: Farrar, Straus and Giroux. Khalil, E. (2001). Adam Smith and three the- ories of altruism. Recherches économiques de Louvain, 67(4), 421-435. doi: 10.3917/ rel.674.0421 Klimecki, O., Mayer, S., Jusyte, A., Scheeff, J., Schönenberg, M. (2016). Empathy pro- motes altruistic behavior in economic inte- ractions. Sci Rep 6, 31961. doi: https://doi. org/10.1038/srep31961 Jones, M. D., Crow, D.A. (2017). How can we use the ‘science of stories’ to produce persu- asive scientific stories?. Palgrave Commun. 3, 53. doi: https://doi.org/10.1057/s41599- 017-0047-7. Nyhan J., Flinn, A. (2016) Why oral history?. In Computation and the Humanities. Sprin- ger Series on Cultural Computing. Springer, Cham. Rasmussen, D. C. (2017). The infidel and the professor: David Hume, Adam Smith, and the friendship that shaped modern thought. Princeton, NJ: Princeton University Press. Rubinstein, A. (2017). Comments on econo- mic models, economics, and economists: remarks on economics rules by Dani Rodrik. Journal of Economic Literature, 55(1): 162- 72. doi: 10.1257/jel.20161408 Rubinstein, A. (2006). Dilemmas of an eco- nomic theorist. Econometrica, 74(4), 865- 883. Recuperado de www.jstor.org/sta- ble/3805911 Schefczyk, M., & Peacock, M. (2010). Al- truism as a thick concept. Economics and Philosophy, 26(2), 165-187. doi: 10.1017/ S0266267110000180 Sen, A. K. (1977). Rational fools: A critique of the behavioral foundations of economic the- ory. Philosophy & Public Affairs, 6(4) 317-344. https://www.jstor.org/stable/2264946?seq=1 Silva, M., F. G. da (2002). A epistemologia da economia teórica em Schumpeter. Brazilian Journal of Political Economy. 22 (85) 109- 130. http://www.rep.org.br/search.asp?txt_bu sca=Marcos+Fernandes+Gon%C3%A7alve s+da+Silva Smith, A. Theory of moral sentiments (1759, 2010). London, UK: Penguin Classics. Suzuki, W. A., Feliú-Mójer, M. I., Hasson, U., Yehuda, R. & Zarate, J. M. Z. (2018). Dialo- gues: The science and power of storytelling. Journal of Neuroscience, 38(44), 9468- 9470. doi: https://doi.org/10.1523/JNEUROS- CI.1942-18.2018.
  • 125. A STORY ABOUT PANDEMIC (COVID-19), ISOLATION, AND MICROECONOMIC FUNDAMENTALS OF PUBLIC POLICIES ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 25 | n. 80 | 1-11 | e-81290 | 2020 11 Dados: Our World in Data: https://ourworldindata. org/trust The World Bank, Social Capital, Data Go- vData360 Indicator, Score on the Social Capital: https://govdata360.worldbank.org/ indicators/ha5376100?country=BRA&indica tor=41334&viz=line_chart&years=2017,2019