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José Saramago
   CAPÍTULO I
"O cântaro está à espera da fonte."


     Relação Rei/Rainha e a promessa da
    construção de um convento em Mafra



Assunção de um forte desejo por parte de D.
João V e de D. Maria Ana Josefa de terem um
filho varão que assegure a sucessão.
Sequência de acontecimentos


•   Anúncio da ida de D. João V ao quarto da rainha.
•   Desejo de D. Maria Ana: satisfazer o desejo do rei de ter um herdeiro para o
    reino. Rainha anda a tentar engravidar há 2 anos; há rumores de infertilidade.
•   Passatempo do rei: nos seus aposentos o rei monta uma miniatura da Basílica de
    S. Pedro de Roma.
•   D. Nuno da Cunha (bispo inquisidor) traz consigo frei António de S. José
•   Premonição do franciscano: o rei terá um filho se erguer um convento
    franciscano em Mafra.
•   Promessa do rei: mandar construir um convento franciscano em Mafra se a
    rainha lhe der um filho no prazo de um ano.
•   Preparação do rei pelos criados
•   Deslocação do rei ao quarto da rainha, cumprimento do seu “dever”
•   Chegada do Rei ao quarto da rainha, decidido a ver cumprida a promessa feita a
    Frei António de S. José.
•   Divagação cómica sobre os percevejos
•   Sonhos do rei e da rainha
• O narrador começa por nos dizer o seguinte: «D. João, quinto do
  nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D.
  Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para
  dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou.»
  Portanto, estamos perante uma relação que tinha um objetivo:
  garantir a sucessão. Logo, o facto de o rei ir ao quarto da rainha é
  um ato formal, sem espaço para a intimidade nem privacidade,
  uma vez que não falta, nas salas contíguas, a presença de nobres,
  religiosos e camareiros.



   Murmúrio na corte de que a rainha não pode ter filhos depois de
   passarem dois anos desde o seu casamento com o rei; Nunca se aceita a
   ideia de o problema ser do rei pois são conhecidos filhos fora do
   casamento.
A relação de D. João V e de D. Ana
de Áustria não se baseava no amor,
mas sim numa relação obrigatória
para procriar, ou seja, um
casamento religioso por procuração
baseado em interesses políticos E
no cumprimento de obrigações
conjugais. Assim, o ato de amor
entre os dois chegava ao ridículo,
pois sempre que o faziam, seguiam
sempre o mesmo ritual.
D. Nuno da Cunha (bispo inquisidor) vai falar com o rei antes de
  ele ir à câmara da rainha e tenta convencê-lo de que, segundo Frei
  António de S. José, se o rei prometer mandar construir um
  convento na vila de Mafra para oitenta frades franciscanos, «Deus
  lhe dará] sucessão».



                          Mas vem agora entrando D. Nuno da Cunha, que é o
                         bispo inquisidor, e traz consigo um franciscano velho.
                         […] pedi que encomendasse vossa majestade a Deus
                         para que lhe desse sucessão, e ele me respondeu que
                         vossa majestade terá filhos se quiser […] se vossa
                         majestade prometesse levantar um convento na vila
                         de Mafra, Deus lhe daria sucessão […] , construa
                         vossa majestade o convento e terá brevemente
                         sucessão, não o construa e Deus decidirá.
Inquisidor-Geral Nuno
        Cunha
  (Gravura da época)
Assim o rei promete:


 “Prometo, pela minha palavra real, que farei
 construir um convento de franciscanos na vila de
 Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um
 ano a contar deste dia em que estamos”. (D. João V)
• A rainha é também
  minuciosamente
  preparada para receber o
  marido. No fim, «retirados
  el-rei e os camaristas,
  deitadas já as damas que a
  servem», a rainha entrega-
  se às suas orações e pede
  «Senhor, ao menos um
  filho».
   “é ver-se atravessando o Terreiro do paço , levantando a saia à frente, enquanto
    D. Francisco, seu cunhado, dança em redor dela, empoleirado em andas, como
    uma cegonha negra.”


                        SONHO DE D. MARIA ANA
   “…dissipar-se a árvore e em seu lugar levantar-se, poderosamente, com altas
    colunas, torres sineiras, cúpulas e torreões, um convento de franciscanos, como se
    pode reconhecer pelo hábito de frei António, que está abrindo, de par em par, as
    portas da Igreja. ”



                           SONHO DE D. JOÃO V
“Também D. João sonhará
                esta noite. Verá erguer-se do
                seu sexo uma árvore de Jessé,
                frondosa e toda povoada dos
                ascendentes de Cristo, até ao
                mesmo Cristo, herdeiro de
Meu cunhado …   todas as coroas, e depois
                dissipar-se, poderosamente,
                com altas colunas, torres
                sineiras cúpulas e torreões,
                um convento de franciscanos,
                como se pode reconhecer pelo
                habito de frei António de S.
                José que está abrindo, de par
                em par, as portas da igreja.
                Não é vulgar em reis um
                temperamento assim, mas
                Portugal sempre foi bem
                servido deles”
                (Cap. I).
Ao narrar os dois sonhos, o da Rainha e seus medos e o do Rei e
sua certeza de um herdeiro, cuja linhagem remonta a Cristo, a
Jessé, o narrador dá à sequência narrativa um rumo que
virtualiza os temores de Dona Maria Ana Josefa.
Articulando narrador-onisciente neutro e narrador-câmara,
oferece ao leitor uma espécie de fotografia da cama real,
antiteticamente magnífica, opulenta e torturante, de uma tortura
para a qual não há solução, a não ser que destrua também a
preciosa magnificência.
Os percevejos                                                                   metáfora e
                                                                                comicidade
     Nesta cama, onde a Rainha tem que “guardar o choco” do herdeiro como toupeira
     enroscada e sem rumo, o casal regido conhece bem a tortura dos percevejos. É uma cama
     ao mesmo tempo cravejada de preciosas pedrarias e carcomida por este ‘bichedo’ que
     vem não se sabe de onde, mas que atormenta o sono do Rei, que está à espera de seu
     quinhão de sangue. Os percevejos nivelam a realeza e o povo, o sangue ‘azul’ não é
     melhor nem pior que o sangue do povo. Então é possível reconhecer os percevejos como
     metáfora, tornando-os signos proféticos da Revolução Francesa que viria depois, em
     1789, com o lema “Liberdade, igualdade, fraternidade”. Já no Reinado de D. João V, na
     Europa, ganhava espaço o Iluminismo, ideologia-celeiro do discurso liberalista da
     burguesia nascente, “percevejos” que as “migrações do palácio ou da cidade para dentro”
     (SARAMAGO, 1995, p. 16) iam depositando na cama dos nobres para tirar-lhes o sono. A
     voz silenciada do povo pela tirania do despotismo monárquico mancomunado com a
     Inquisição enuncia-se no tormento cansado pelos enxames deste “bichedo”, praga sem
     remédio. A Inquisição queima homens na fogueira, festivamente. Mas os corpúsculos dos
     percevejos, se vierem a arder queimados, reduzirão a cheiro de corpos queimados a
     magnificência do Rei e da Rainha. Não há remédio, Lisboa cheira mal, o rei sonha com o
     divino herdeiro, a Rainha sonha pressaga, mas “Fique D. Maria Ana em paz, adormecida,
     invisível sob a montanha de penas, enquanto os percevejos começam a sair das fendas,
     dos refegos, e se deixam cair do alto dossel, assim tornando mais rápida a viagem”.
     (SARAMAGO, 1995, p. 18). É a marcha da burguesia, enquanto a Rainha se enrosca como
     uma toupeira, segura de que “a criança que em seu ventre se está formando é tão filha
     do Rei de Portugal, como do próprio Deus, a troco de um convento”. (SARAMAGO, 1995,
     p. 31).
Conclusão:

O primeiro capítulo descreve o que se passou por trás da construção
do convento, mostrando que não foi simplesmente um ato de boa fé
ou de adoração mas sim algo que se deu em troca, um meio que o rei
usou para atingir os seus fins e também como forma de mostrar aos
outros a riqueza que Portugal possuía. Foi importante para
demonstrar um pouco da forma como se vivia naquele tempo e como
o casamento podia ser impessoal e de certa forma uma “obrigação”.
Disciplina: Português
Prof.ª: Helena Maria Coutinho

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Oh! como se me alonga, de ano em ano

Capítulo i

  • 1. José Saramago CAPÍTULO I
  • 2. "O cântaro está à espera da fonte." Relação Rei/Rainha e a promessa da construção de um convento em Mafra Assunção de um forte desejo por parte de D. João V e de D. Maria Ana Josefa de terem um filho varão que assegure a sucessão.
  • 3. Sequência de acontecimentos • Anúncio da ida de D. João V ao quarto da rainha. • Desejo de D. Maria Ana: satisfazer o desejo do rei de ter um herdeiro para o reino. Rainha anda a tentar engravidar há 2 anos; há rumores de infertilidade. • Passatempo do rei: nos seus aposentos o rei monta uma miniatura da Basílica de S. Pedro de Roma. • D. Nuno da Cunha (bispo inquisidor) traz consigo frei António de S. José • Premonição do franciscano: o rei terá um filho se erguer um convento franciscano em Mafra. • Promessa do rei: mandar construir um convento franciscano em Mafra se a rainha lhe der um filho no prazo de um ano. • Preparação do rei pelos criados • Deslocação do rei ao quarto da rainha, cumprimento do seu “dever” • Chegada do Rei ao quarto da rainha, decidido a ver cumprida a promessa feita a Frei António de S. José. • Divagação cómica sobre os percevejos • Sonhos do rei e da rainha
  • 4. • O narrador começa por nos dizer o seguinte: «D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou.» Portanto, estamos perante uma relação que tinha um objetivo: garantir a sucessão. Logo, o facto de o rei ir ao quarto da rainha é um ato formal, sem espaço para a intimidade nem privacidade, uma vez que não falta, nas salas contíguas, a presença de nobres, religiosos e camareiros. Murmúrio na corte de que a rainha não pode ter filhos depois de passarem dois anos desde o seu casamento com o rei; Nunca se aceita a ideia de o problema ser do rei pois são conhecidos filhos fora do casamento.
  • 5. A relação de D. João V e de D. Ana de Áustria não se baseava no amor, mas sim numa relação obrigatória para procriar, ou seja, um casamento religioso por procuração baseado em interesses políticos E no cumprimento de obrigações conjugais. Assim, o ato de amor entre os dois chegava ao ridículo, pois sempre que o faziam, seguiam sempre o mesmo ritual.
  • 6. D. Nuno da Cunha (bispo inquisidor) vai falar com o rei antes de ele ir à câmara da rainha e tenta convencê-lo de que, segundo Frei António de S. José, se o rei prometer mandar construir um convento na vila de Mafra para oitenta frades franciscanos, «Deus lhe dará] sucessão». Mas vem agora entrando D. Nuno da Cunha, que é o bispo inquisidor, e traz consigo um franciscano velho. […] pedi que encomendasse vossa majestade a Deus para que lhe desse sucessão, e ele me respondeu que vossa majestade terá filhos se quiser […] se vossa majestade prometesse levantar um convento na vila de Mafra, Deus lhe daria sucessão […] , construa vossa majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá. Inquisidor-Geral Nuno Cunha (Gravura da época)
  • 7. Assim o rei promete:  “Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos”. (D. João V)
  • 8. • A rainha é também minuciosamente preparada para receber o marido. No fim, «retirados el-rei e os camaristas, deitadas já as damas que a servem», a rainha entrega- se às suas orações e pede «Senhor, ao menos um filho».
  • 9. “é ver-se atravessando o Terreiro do paço , levantando a saia à frente, enquanto D. Francisco, seu cunhado, dança em redor dela, empoleirado em andas, como uma cegonha negra.” SONHO DE D. MARIA ANA  “…dissipar-se a árvore e em seu lugar levantar-se, poderosamente, com altas colunas, torres sineiras, cúpulas e torreões, um convento de franciscanos, como se pode reconhecer pelo hábito de frei António, que está abrindo, de par em par, as portas da Igreja. ” SONHO DE D. JOÃO V
  • 10. “Também D. João sonhará esta noite. Verá erguer-se do seu sexo uma árvore de Jessé, frondosa e toda povoada dos ascendentes de Cristo, até ao mesmo Cristo, herdeiro de Meu cunhado … todas as coroas, e depois dissipar-se, poderosamente, com altas colunas, torres sineiras cúpulas e torreões, um convento de franciscanos, como se pode reconhecer pelo habito de frei António de S. José que está abrindo, de par em par, as portas da igreja. Não é vulgar em reis um temperamento assim, mas Portugal sempre foi bem servido deles” (Cap. I).
  • 11. Ao narrar os dois sonhos, o da Rainha e seus medos e o do Rei e sua certeza de um herdeiro, cuja linhagem remonta a Cristo, a Jessé, o narrador dá à sequência narrativa um rumo que virtualiza os temores de Dona Maria Ana Josefa. Articulando narrador-onisciente neutro e narrador-câmara, oferece ao leitor uma espécie de fotografia da cama real, antiteticamente magnífica, opulenta e torturante, de uma tortura para a qual não há solução, a não ser que destrua também a preciosa magnificência.
  • 12. Os percevejos metáfora e comicidade Nesta cama, onde a Rainha tem que “guardar o choco” do herdeiro como toupeira enroscada e sem rumo, o casal regido conhece bem a tortura dos percevejos. É uma cama ao mesmo tempo cravejada de preciosas pedrarias e carcomida por este ‘bichedo’ que vem não se sabe de onde, mas que atormenta o sono do Rei, que está à espera de seu quinhão de sangue. Os percevejos nivelam a realeza e o povo, o sangue ‘azul’ não é melhor nem pior que o sangue do povo. Então é possível reconhecer os percevejos como metáfora, tornando-os signos proféticos da Revolução Francesa que viria depois, em 1789, com o lema “Liberdade, igualdade, fraternidade”. Já no Reinado de D. João V, na Europa, ganhava espaço o Iluminismo, ideologia-celeiro do discurso liberalista da burguesia nascente, “percevejos” que as “migrações do palácio ou da cidade para dentro” (SARAMAGO, 1995, p. 16) iam depositando na cama dos nobres para tirar-lhes o sono. A voz silenciada do povo pela tirania do despotismo monárquico mancomunado com a Inquisição enuncia-se no tormento cansado pelos enxames deste “bichedo”, praga sem remédio. A Inquisição queima homens na fogueira, festivamente. Mas os corpúsculos dos percevejos, se vierem a arder queimados, reduzirão a cheiro de corpos queimados a magnificência do Rei e da Rainha. Não há remédio, Lisboa cheira mal, o rei sonha com o divino herdeiro, a Rainha sonha pressaga, mas “Fique D. Maria Ana em paz, adormecida, invisível sob a montanha de penas, enquanto os percevejos começam a sair das fendas, dos refegos, e se deixam cair do alto dossel, assim tornando mais rápida a viagem”. (SARAMAGO, 1995, p. 18). É a marcha da burguesia, enquanto a Rainha se enrosca como uma toupeira, segura de que “a criança que em seu ventre se está formando é tão filha do Rei de Portugal, como do próprio Deus, a troco de um convento”. (SARAMAGO, 1995, p. 31).
  • 13. Conclusão: O primeiro capítulo descreve o que se passou por trás da construção do convento, mostrando que não foi simplesmente um ato de boa fé ou de adoração mas sim algo que se deu em troca, um meio que o rei usou para atingir os seus fins e também como forma de mostrar aos outros a riqueza que Portugal possuía. Foi importante para demonstrar um pouco da forma como se vivia naquele tempo e como o casamento podia ser impessoal e de certa forma uma “obrigação”.

Notas do Editor

  • #4: A construção tipo-lego que entretém o rei visa satirizar o seu lazer e simboliza um duplo presságio indiciador, em íntima correlação: a geração de um filho a ereção de um edifício
  • #7: «Nuno da Cunha, presbytero cardeal da Santa Igreja de Roma, do titulo de Santa Anastasia, Inquisidor Geral nestes Reinos, e Senhorios de Portugal, do Conselho de Estado de Sua Magestade, etc.»