SlideShare uma empresa Scribd logo
2
Mais lidos
3
Mais lidos
UFPB / CCHLA / CCS / Ciências Sociais Bacharelado 2014.1
Disciplina: Fundamentos do Pensamento Antropológico II
Professora: Ednalva Maciel Neves
Aluno: Pedro Cardoso Saraiva Marques
Funcionalismo foi uma tradição teórica da sociologia originada e consolidada no
século XX a partir das concepções sociais do antropólogo Bronislaw Malinowski, que
abordava a noção de cultura como um artifício humano criado para satisfazer
unicamente as necessidades biológicas dos indivíduos de uma determinada comunidade;
e que teve o sociólogo Alfred Radcliffe-Brow como outro expoente da tradição.
Tratando-a numa visão geral, tanto no seu seio de origem, quanto nos seus
desdobramentos, essa corrente teve uma forte influência do pensamento do sociólogo
francês Émile Durkheim, o qual tinha uma visão macrossociológica da sociedade
tomando-a como um todo que se sobressaía sobre os seus indivíduos e que se
preocupava sobre como se dá a sua estabilidade, a importância desta e as instituições
que a mantêm com suas funções sociais específicas. Logo, essa escola possuía uma forte
inclinação positivista por seu caráter cientificista (raciocinando sobre as leis que regem
os grupos sociais) e também por um caráter organicista (em se tratando do hábito de
fazer analogias entre o social e os organismos vivos, tal qual fazia Radcliffe-Brow, por
exemplo). E metodologicamente, este ramo da sociologia, pelo menos na Escola
Britânica, abordava as sociedades de forma sincrônica, não dando relevância à forma de
como específicas culturas se desenvolveram, ao longo do tempo, até se tornarem o que
são no presente. Ademais, embora tendo em vista esta descrição geral, a escola
funcionalista não formava necessariamente uma unidade consensual entre seus
pensadores, encontrando-se diferenças relevantes, por exemplo, entre Malinowski e
Radcliffe-Brow estando os dois situados em patamares muito distantes no que respeita
ao desdobramento desta escola.
Na acepção de Malinowski, lançava-se mão sobre a noção de função para se
referir aos papéis desempenhados por instituições sociais na satisfação das necessidades
biológicas do homem. A sua perspectiva de cultura era a de um artifício engendrado
pelo homem para lidar com tais necessidades. Seguindo esta ideia, um grupo humano
criaria costumes, crenças, ofícios, normas de conduta e outras formas de conhecimento
de maneira a assegurar sua sobrevivência através de relações coordenadas e regidas por
regras que, cristalizadas e pertencentes a ordens distintas (econômica, religiosa,
normativa, de parentesco etc), mantêm uma interdependência forte, já que cada aspecto
cultural não é apenas essencial por si só, mas essencial para o todo enquanto traço
interligado a outros. Como exemplo dessa abordagem, temos a análise que Malinowski
fez da instituição social do kula - prática manifestada por sociedades de um grupo étnico
específico (os massim) no extremo leste da Nova Guiné. Numa descrição superficial, o
kula seria apenas uma atividade econômica em que se trocam artigos específicos (tais
como braceletes e colares especiais - principais objetos do kula) entre um número
limitado de indivíduos. Entretanto, jogando um olhar mais profundo e treinado sobre
essas relações e manipulando-as segundo seu aparato teórico, o antropólogo pôs à luz
vários outros aspectos extra-econômicos envolvidos na prática concluindo que ela não
se resumia sumariamente a uma troca sem sentido de ornamentos corporais entre os
nativos tal qual alguns observadores diziam constatar. Na realidade, várias atividades,
com sua respectiva diversidade de funções sociais, estavam envolvidas nesse ato. A
troca dos ornamentos nem apresentavam em si um aspecto puramente econômico
estando muito mais relacionado ao valor histórico dos objetos e às relações diádicas e
permanentes mantidas entre os sujeitos massim. Os objetos trocados nem sequer
entravam em posse absoluta dos indivíduos envolvidos, pois estavam sempre em um
ciclo incessante de troca. Não obstante, Malinowski não deixava de reparar que, durante
o exercício dessa tradição, cumpriam-se outros costumes tais como relações
diplomáticas entre tribos, cerimônias diversas, rituais mágicos, transação de objetos
escassos para cada uma das tribos em negociação etc. O pensador também se
preocupava com o caráter subjetivo de que se impregnava o kula, afinal de contas, os
nativos atribuíam um significado que, superficialmente, não seria possível detectar.
Desta maneira, o kula cumpriria várias funções interligadas e de várias ordens que
satisfariam necessidades biológicas das tribos massim, ao menos na visão do autor.
Já Radcliffe-Brow se coloca em um patamar muito mais positivista e radical que
Malinowski. No entanto, além do caráter funcionalista e organicista de sua teoria, ele
introduz uma novidade a esta tradição ao tomar analiticamente a sociedade a partir de
um viés estruturalista – isto é, considerando os seus indivíduos como que dispostos em
uma estrutura social que os alinha em redes de relações complexas e que lhes aloca em
categorias específicas (homem, mulher, professor, jurista etc) diferenciando-os entre si
no que respeita ao tratamento que recebem e às funções que devem executar. Seu
pensamento, portanto, é comumente considerado funcional-estruturalista por agregar
tanto a concepção organicista quanto a concepção de estrutura. Uma diferença ainda
mais essencial entre os dois pensadores é que, assim como Durkheim, ele tem a função
de uma instituição social como “a correspondência entre ela e as necessidades da
organização social” (RADCLIFFE-BROW, 1973, p. 220). Ao contrário de Malinowski
(que pensa a função como satisfação de necessidades biológicas), Radcliffe-Brow a
pensa como voltada para a satisfação de necessidades sociais. Daí pra frente, o autor faz
com que suas duas perspectivas analíticas se complementem. Pra ser mais claro: ainda
em analogia orgânica, ele toma a estrutura social apenas como a disposição dos órgãos
dentro de um organismo (por organismo, entenda o corpo de indivíduos que ocupam um
lugar e que desempenham atividades de modo a preservar o funcionamento orgânico, ou
seja, a vida e a estabilidade do sistema). Desse modo, as células que compõem os
órgãos obviamente cessarão sua atividade ao morrer. Não obstante, novas células
nascerão e serão especializadas para exercer a mesma função na mesma localidade
substituindo aquelas que morreram conservando, por fim, o sistema. Por pensar desta
maneira, dir-se-ia que o sociólogo estaria unicamente preocupado com a estabilidade e a
manutenção dos grupos sociais tais como são. No entanto, ele também considera que
sistemas possam sofrer alterações ao longo do tempo, embora ele não aparente dar a
mesma atenção a este aspecto. Radcliffe-Brow, por considerar os fenômenos sociais
como fenômenos essencialmente naturais (ele não fazia distinção entre ciências
humanas e ciências naturais), ele acreditava que cada sociedade não só seguia uma
lógica de funcionamento própria como também acreditava que, comparando várias
sociedades, seria possível achar leis universais comuns a todas elas. Leis relacionadas à
estaticidade (preservação) e ao dinamismo (mudança) dos sistemas sociais, para ele,
eram possíveis de serem alcançadas, o que demonstra que ele não investiga apenas o
aspecto da estabilidade, mas também as leis referentes ao aspecto dinamicista.
Diante deste quadro, observam-se claramente características, diga-se de
passagem, gerais para a tradição funcionalista. No entanto, em se tratando de dois
grandes expoentes da Escola Britânica (Malinowski e Radcliffe-Brow), também é
observável diferenças muito relevantes e notórias situando o segundo a um
desdobramento muito mais radical e aprofundado do pioneiro dessa corrente teórica.

Mais conteúdo relacionado

DOC
DOCX
Ditadura e-servico-social 1
DOCX
DOC
Capitalismo monopolista e servico social
PPT
Sociologia da Educação - Max Weber Sociologia compreensiva, Desencantamento e...
PPTX
Socialização.
PPTX
Família- Sociologia 12ºAno
PDF
Dicionário de Termos Técnicos da Assistência Social [PMBH-MG]
Ditadura e-servico-social 1
Capitalismo monopolista e servico social
Sociologia da Educação - Max Weber Sociologia compreensiva, Desencantamento e...
Socialização.
Família- Sociologia 12ºAno
Dicionário de Termos Técnicos da Assistência Social [PMBH-MG]

Mais procurados (20)

DOCX
Sou Técnica Administrativa, o livro portfólio.
DOC
Reflexão Final
DOC
Reflexao Dr2 CP CFE
DOC
Relatório final de estágio
DOC
Clc 6 cultura_de_ urbanismo_e_mobilidade_reflexão_sílvia_fernandes
PDF
Relatório final reflexão critica
PPTX
Representações Sociais
PPT
Identidade cultural
DOC
relatorio-critico-auto-avaliacao
PPT
CULTURA E SOCIALIZAÇÃO
PPTX
Ensino religioso
DOCX
PDF
Reflexão crítica fátima pedro
DOCX
03.02 atividade sociologia_3_b_douglas
PPT
Multiculturalismo
PPTX
Relações precoces psicologia 12º
DOCX
Carta de reclamação
PPTX
Interação social
DOCX
Autobiografia de sónia baptista
Sou Técnica Administrativa, o livro portfólio.
Reflexão Final
Reflexao Dr2 CP CFE
Relatório final de estágio
Clc 6 cultura_de_ urbanismo_e_mobilidade_reflexão_sílvia_fernandes
Relatório final reflexão critica
Representações Sociais
Identidade cultural
relatorio-critico-auto-avaliacao
CULTURA E SOCIALIZAÇÃO
Ensino religioso
Reflexão crítica fátima pedro
03.02 atividade sociologia_3_b_douglas
Multiculturalismo
Relações precoces psicologia 12º
Carta de reclamação
Interação social
Autobiografia de sónia baptista
Anúncio

Semelhante a Funcionalismo na Antropologia (20)

PPTX
ANTROPOLÓGICA.pptx
PPTX
Cap. 8 antrop
DOC
Alfred reginald radcliffe copia
PPTX
Capítulo 3 - Outras Formas de Pensar a Diferença
PPTX
Antropologia.
PPTX
Capítulo 6 - Pensando a Sociedade
DOCX
Métodos e técnicas de pesquisa em Ciências Sociais
PPTX
FACELI - DIREITO - 2° período - Curso de Homem, cultura e sociedade - 04 - Co...
PPTX
Apresentação (5).pptx
PPTX
Émile Durkheim
PPTX
FACELI - DIREITO - 2° período - Curso de Homem, cultura e sociedade - 08 - Re...
PDF
Estruturalismo funcionalismo
PDF
Sociologia funcionalista de Durkheim
PPTX
Cp aula 2
PPT
Sociologia
PDF
[PED]Sociologia_Classica-Formacao_conceitos_e_saberes-Daniela_Vallandro_de_Ca...
PDF
Divisão do trabalho karl marx e émile durkheim prof. érika de cássia o. c...
PPTX
slides antropologia.pptx
PPTX
Elementos da teoria da estruturação
PDF
14601 3 comentada
ANTROPOLÓGICA.pptx
Cap. 8 antrop
Alfred reginald radcliffe copia
Capítulo 3 - Outras Formas de Pensar a Diferença
Antropologia.
Capítulo 6 - Pensando a Sociedade
Métodos e técnicas de pesquisa em Ciências Sociais
FACELI - DIREITO - 2° período - Curso de Homem, cultura e sociedade - 04 - Co...
Apresentação (5).pptx
Émile Durkheim
FACELI - DIREITO - 2° período - Curso de Homem, cultura e sociedade - 08 - Re...
Estruturalismo funcionalismo
Sociologia funcionalista de Durkheim
Cp aula 2
Sociologia
[PED]Sociologia_Classica-Formacao_conceitos_e_saberes-Daniela_Vallandro_de_Ca...
Divisão do trabalho karl marx e émile durkheim prof. érika de cássia o. c...
slides antropologia.pptx
Elementos da teoria da estruturação
14601 3 comentada
Anúncio

Último (20)

PPTX
Aula 03 - Química e Ciência dos Materiais.pptx
PPTX
Diversidade biológica - organização .pptx
PDF
Historia da Astronomia e o processo histórico
PPTX
SUBSTÂNCIAS PURAS (SIMPLES E COMPOSTAS) .pptx
PPTX
planeta terra - porque é um planeta com vida
PDF
Imaginação sociológica. Wrightmills1 pdf
PDF
TBE TOT vs LAMBIDA CDM Comparativo Entre Teorias
PPT
Introdução ao espectrocopia no infravermelhoNIR.ppt
PPT
AULA FARMACO.ppt AULA FARMACO.ppt AULA FARMACO.ppt
PPTX
seminário genética1 - cultura c elular.pptx
PPTX
Modelos atômicos - Aula sobre a evolução dos modelos atômicos
PPT
ÁFRICA – CULTURA E HISTÓRIA AFRICANAS OK
PPTX
AULA 01 - Biomoléculas aula ensino medio fund.pptx
PPTX
Ecossistemas brasileiros e biomas brasileiros
PPTX
slide sobre calculo 1 de ROGAWSKI_CalculoV1_C1.pptx
PDF
Reprodução.assexuada.sexuada dos animais e vegetais
PPTX
Aspectos básicos do comportamento animal.pptx
PPTX
Desenho esquemático da altura do sítio sambaqui
PPT
Sistema Digestivo e Nutrição para 1 ano do ensino médio
PPTX
Aula sobre características dos mamíferos (classe Mammalia)
Aula 03 - Química e Ciência dos Materiais.pptx
Diversidade biológica - organização .pptx
Historia da Astronomia e o processo histórico
SUBSTÂNCIAS PURAS (SIMPLES E COMPOSTAS) .pptx
planeta terra - porque é um planeta com vida
Imaginação sociológica. Wrightmills1 pdf
TBE TOT vs LAMBIDA CDM Comparativo Entre Teorias
Introdução ao espectrocopia no infravermelhoNIR.ppt
AULA FARMACO.ppt AULA FARMACO.ppt AULA FARMACO.ppt
seminário genética1 - cultura c elular.pptx
Modelos atômicos - Aula sobre a evolução dos modelos atômicos
ÁFRICA – CULTURA E HISTÓRIA AFRICANAS OK
AULA 01 - Biomoléculas aula ensino medio fund.pptx
Ecossistemas brasileiros e biomas brasileiros
slide sobre calculo 1 de ROGAWSKI_CalculoV1_C1.pptx
Reprodução.assexuada.sexuada dos animais e vegetais
Aspectos básicos do comportamento animal.pptx
Desenho esquemático da altura do sítio sambaqui
Sistema Digestivo e Nutrição para 1 ano do ensino médio
Aula sobre características dos mamíferos (classe Mammalia)

Funcionalismo na Antropologia

  • 1. UFPB / CCHLA / CCS / Ciências Sociais Bacharelado 2014.1 Disciplina: Fundamentos do Pensamento Antropológico II Professora: Ednalva Maciel Neves Aluno: Pedro Cardoso Saraiva Marques Funcionalismo foi uma tradição teórica da sociologia originada e consolidada no século XX a partir das concepções sociais do antropólogo Bronislaw Malinowski, que abordava a noção de cultura como um artifício humano criado para satisfazer unicamente as necessidades biológicas dos indivíduos de uma determinada comunidade; e que teve o sociólogo Alfred Radcliffe-Brow como outro expoente da tradição. Tratando-a numa visão geral, tanto no seu seio de origem, quanto nos seus desdobramentos, essa corrente teve uma forte influência do pensamento do sociólogo francês Émile Durkheim, o qual tinha uma visão macrossociológica da sociedade tomando-a como um todo que se sobressaía sobre os seus indivíduos e que se preocupava sobre como se dá a sua estabilidade, a importância desta e as instituições que a mantêm com suas funções sociais específicas. Logo, essa escola possuía uma forte inclinação positivista por seu caráter cientificista (raciocinando sobre as leis que regem os grupos sociais) e também por um caráter organicista (em se tratando do hábito de fazer analogias entre o social e os organismos vivos, tal qual fazia Radcliffe-Brow, por exemplo). E metodologicamente, este ramo da sociologia, pelo menos na Escola Britânica, abordava as sociedades de forma sincrônica, não dando relevância à forma de como específicas culturas se desenvolveram, ao longo do tempo, até se tornarem o que são no presente. Ademais, embora tendo em vista esta descrição geral, a escola funcionalista não formava necessariamente uma unidade consensual entre seus pensadores, encontrando-se diferenças relevantes, por exemplo, entre Malinowski e Radcliffe-Brow estando os dois situados em patamares muito distantes no que respeita ao desdobramento desta escola. Na acepção de Malinowski, lançava-se mão sobre a noção de função para se referir aos papéis desempenhados por instituições sociais na satisfação das necessidades biológicas do homem. A sua perspectiva de cultura era a de um artifício engendrado pelo homem para lidar com tais necessidades. Seguindo esta ideia, um grupo humano criaria costumes, crenças, ofícios, normas de conduta e outras formas de conhecimento de maneira a assegurar sua sobrevivência através de relações coordenadas e regidas por regras que, cristalizadas e pertencentes a ordens distintas (econômica, religiosa, normativa, de parentesco etc), mantêm uma interdependência forte, já que cada aspecto cultural não é apenas essencial por si só, mas essencial para o todo enquanto traço interligado a outros. Como exemplo dessa abordagem, temos a análise que Malinowski fez da instituição social do kula - prática manifestada por sociedades de um grupo étnico específico (os massim) no extremo leste da Nova Guiné. Numa descrição superficial, o kula seria apenas uma atividade econômica em que se trocam artigos específicos (tais como braceletes e colares especiais - principais objetos do kula) entre um número limitado de indivíduos. Entretanto, jogando um olhar mais profundo e treinado sobre essas relações e manipulando-as segundo seu aparato teórico, o antropólogo pôs à luz
  • 2. vários outros aspectos extra-econômicos envolvidos na prática concluindo que ela não se resumia sumariamente a uma troca sem sentido de ornamentos corporais entre os nativos tal qual alguns observadores diziam constatar. Na realidade, várias atividades, com sua respectiva diversidade de funções sociais, estavam envolvidas nesse ato. A troca dos ornamentos nem apresentavam em si um aspecto puramente econômico estando muito mais relacionado ao valor histórico dos objetos e às relações diádicas e permanentes mantidas entre os sujeitos massim. Os objetos trocados nem sequer entravam em posse absoluta dos indivíduos envolvidos, pois estavam sempre em um ciclo incessante de troca. Não obstante, Malinowski não deixava de reparar que, durante o exercício dessa tradição, cumpriam-se outros costumes tais como relações diplomáticas entre tribos, cerimônias diversas, rituais mágicos, transação de objetos escassos para cada uma das tribos em negociação etc. O pensador também se preocupava com o caráter subjetivo de que se impregnava o kula, afinal de contas, os nativos atribuíam um significado que, superficialmente, não seria possível detectar. Desta maneira, o kula cumpriria várias funções interligadas e de várias ordens que satisfariam necessidades biológicas das tribos massim, ao menos na visão do autor. Já Radcliffe-Brow se coloca em um patamar muito mais positivista e radical que Malinowski. No entanto, além do caráter funcionalista e organicista de sua teoria, ele introduz uma novidade a esta tradição ao tomar analiticamente a sociedade a partir de um viés estruturalista – isto é, considerando os seus indivíduos como que dispostos em uma estrutura social que os alinha em redes de relações complexas e que lhes aloca em categorias específicas (homem, mulher, professor, jurista etc) diferenciando-os entre si no que respeita ao tratamento que recebem e às funções que devem executar. Seu pensamento, portanto, é comumente considerado funcional-estruturalista por agregar tanto a concepção organicista quanto a concepção de estrutura. Uma diferença ainda mais essencial entre os dois pensadores é que, assim como Durkheim, ele tem a função de uma instituição social como “a correspondência entre ela e as necessidades da organização social” (RADCLIFFE-BROW, 1973, p. 220). Ao contrário de Malinowski (que pensa a função como satisfação de necessidades biológicas), Radcliffe-Brow a pensa como voltada para a satisfação de necessidades sociais. Daí pra frente, o autor faz com que suas duas perspectivas analíticas se complementem. Pra ser mais claro: ainda em analogia orgânica, ele toma a estrutura social apenas como a disposição dos órgãos dentro de um organismo (por organismo, entenda o corpo de indivíduos que ocupam um lugar e que desempenham atividades de modo a preservar o funcionamento orgânico, ou seja, a vida e a estabilidade do sistema). Desse modo, as células que compõem os órgãos obviamente cessarão sua atividade ao morrer. Não obstante, novas células nascerão e serão especializadas para exercer a mesma função na mesma localidade substituindo aquelas que morreram conservando, por fim, o sistema. Por pensar desta maneira, dir-se-ia que o sociólogo estaria unicamente preocupado com a estabilidade e a manutenção dos grupos sociais tais como são. No entanto, ele também considera que sistemas possam sofrer alterações ao longo do tempo, embora ele não aparente dar a mesma atenção a este aspecto. Radcliffe-Brow, por considerar os fenômenos sociais como fenômenos essencialmente naturais (ele não fazia distinção entre ciências
  • 3. humanas e ciências naturais), ele acreditava que cada sociedade não só seguia uma lógica de funcionamento própria como também acreditava que, comparando várias sociedades, seria possível achar leis universais comuns a todas elas. Leis relacionadas à estaticidade (preservação) e ao dinamismo (mudança) dos sistemas sociais, para ele, eram possíveis de serem alcançadas, o que demonstra que ele não investiga apenas o aspecto da estabilidade, mas também as leis referentes ao aspecto dinamicista. Diante deste quadro, observam-se claramente características, diga-se de passagem, gerais para a tradição funcionalista. No entanto, em se tratando de dois grandes expoentes da Escola Britânica (Malinowski e Radcliffe-Brow), também é observável diferenças muito relevantes e notórias situando o segundo a um desdobramento muito mais radical e aprofundado do pioneiro dessa corrente teórica.