138 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
RESENHA
AntonioHohlfeldt
Prof. Coordenador do PPGC–FAMECOS/PUCRS
História das
teorias da
comunicação NOS ÚLTIMOS ANOS, Armand Mattelart vem rea-
lizando um audacioso projeto: escrever a his-
tória das mídias, das teorias que as envolvem
e dos processos de comunicação sob os mais
diferentes aspectos. Do ponto de vista do lei-
tor brasileiro, primeiro foi a vez de Comunica-
ção-Mundo (Petrópolis, Vozes. 1994). Agora, a
Loyola lança este História das teorias da comuni-
cação. Está ainda faltando La mondialization de
la communication, de 1996, que já recebeu tra-
dução espanhola mas encontra-se inédito en-
tre nós.
Se Comunicação-Mundo organizava-se
em três grandes blocos, a guerra, o progresso
tecnológico e a cultura, este novo trabalho é
mais fragmentário mas, ao mesmo tempo,
mais definido. Ele se desdobra em sete gran-
des capítulos que vai abrangendo as diferen-
tes fontes teóricas, espalhadas pelas diferen-
tes disciplinas que, ao longo dos dois últi-
mos séculos, e às vezes até bem antes, termi-
naram por influenciar a maneira de conceber,
discutir e pensar os processos de informação
(consequentemente, de comunicação) exis-
tentes hoje em dia no mundo. Por isso mes-
mo, a mesma característica do livro anterior,
ainda que em percentuais menores, a reitera-
ção de alguns enfoques, ainda que sob novas
perspectivas, ocorre também neste trabalho.
Partindo do reconhecimento de que “a
noção de comunicação recobre uma multipli-
cidade de sentidos” (p. 9), Mattelart eviden-
cia que a ciência da informação, por ser disci-
plina nova, dependeu de outras muitas disci-
plinas para formar seu corpus conceitual. As-
sim, a partir das sociologia, da antropologia e
dessas áreas afins, Mattelart recupera, dentre
outros, o contemporâneo conceito de rede de
comunicação (p. 15 e ss.), que reencontrará no
último capítulo (p. 157 e ss.), quando sinteti-
za: “a sociedade é definida em termos de co-
municação, que é definida em termos de re-
des”. Assim, retoma a perspectiva da ciber-
nética, sublinhando que a mesma “ substitui
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a teoria matemática da informação” na con-
temporaneidade.
Reunindo os princípios da Escola de
Chicago, e depois destacando a importância
da Escola de Palo Alto, recuperando a con-
tribuição vanguardista de Harold Lasswell e
os princípios da mass communication research
(p. 36 e ss.), Mattelart chega ao modelo mate-
mático de Shannon, que cruza com o conceito
cibernético de Wiener, para depois enveredar
pela indústria cultural e as perspectivas des-
dobradas, a partir das matrizes marxistas,
pela Escola de Frankfurt e, complementar-
mente, pelo estruturalismo francês e norte-
americano, bem como pelos cultural studies de
Birmingham, até o conceito de sociedade global
que, afirma ele, tem sua origem no conhecido
mas nem sempre justamente valorizado en-
saio de Marshall McLuhan War and peace in
the global village de 1969.
O volume incursiona ainda pela valori-
zação das práticas cotidianas, revalorizando
a contribuição da etnometodologia, do agir
comunicativo de Jürgen Habermas – que dava
um passo além da teoria crítica frankfurtiana –
para chegar aos estudos dos usos e gratificações
dos funcionalistas norte-americanos, conclu-
indo pela potencialidade híbrida dos proces-
sos de comunicação como parte de sua natu-
reza.
A lição mais genérica e universalizado-
ra que se pode tirar desta nova obra de Mat-
telart é que, na verdade, tanto uma história
dos meios de comunicação quanto dos pro-
cessos, suas tecnologias ou teorias a respeito
da comunicação, podem variar infinitamente
segundo os diferentes pontos de partida que
se tomem. Ou seja, se é verdade que não
existe uma única teoria da comunicação, como
quer Sandra Reimão (“Teoria ou Teorias da
Comunicação” in INTERCOM-Revista Brasilei-
ra de Comunicação, S. Paulo, INTERCOM, Vol.
XVII, n. 2, julho-dezembro de 1994, pp. 146-
170), não menos verdade é que inexiste uma
única história, quer dos meios, quer dos pro-
cessos ou das tecnologias da informação. O
desafio mais provocante, pois, é justamente
esta abertura imensa que a área nos concede,
não apenas porque é um campo de conheci-
mento ainda novo mas porque, justamente,
lida com um fenômeno que, por si só, é uma
mescla de diferentes fenômenos porque, na
verdade, se encontra, se cruza, enriquece e é
enriquecido por todos eles. Esta lição de
grandeza e, ao mesmo tempo, de humildade,
deve ser o grande saldo da leitura deste novo
livro de Mattelart que, como sempre, é fasci-
nante, e tão mais fascinante tem se tornado à
medida em que o autor, como já frisei a res-
peito do trabalho anterior publicado em lín-
gua portuguesa, distancia-se da camisa-de-for-
ça da análise marxista ortodoxa.
MATTELART, Armand – História das te-
orias da comunicação, S. Paulo, Loyola, 1999,
220 páginas.
Tópicos de Teoria da Comunicação
HÁ UMA ABSOLUTA escassez de manuais que
abordem a Teoria da Comunicação ou mes-
mo a Teoria da Informação. De modo geral,
contamos apenas com alguns livros traduzi-
dos, a partir de autores norte-americanos.
Em, conseqüência, boa parte dos currículos
desenvolvidos em nossos Cursos de Comu-
nicação obrigam os professores a constituir
eles mesmos os seus conteúdos, catando, da-
qui e dali, o material que transmitirão aos
alunos. não se precisa dizer que, concomitan-
temente, o aluno, recém-saído dos bancos do
II Grau, enfrenta dificuldades porque não
tem a tradição da pesquisa acadêmica.
Por tudo isso, sempre serão bem-vin-
dos os livros de Teoria da Comunicação,
mesmo quando parciais, como este Tópicos de
Teoria da Comunicação, que não se pretende
um livro abrangente, e isto, desde o título.
Escrito por Pedro Gilberto Gomes, ain-
da recentemente homenageado com o Prê-
mio Luís Beltrão, Tópicos de Teoria da Comuni-
cação é um livro de militante, aliás, de dupla
militância, aquela do professor universitário
e a outra, da perspectiva religiosa da comu-
nicação.
A obra começa por desenvolver a ques-
tão dos modelos teóricos, abordando em se-
guida o conceito do que seja uma teoria e as
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relações entre informação e comunicação. Poste-
riormente, vai-se para um panorama mundi-
al, e especialmente latino-americano da teoria
da comunicação, o que é sobretudo impor-
tante, se seguirmos a lição de José Marques
de Melo, para quem a chamada escola latino-
americana, com seu hibridismo, tem contribuí-
do com perspectivas inovadoras para este
campo de conhecimento.
Depois de discutir questões mais gerais
como a comunicação de massa e a sociedade,
sob uma perspectiva anticapitalista que o
aproxima necessariamente da Escola de Fran-
cfurt e seus pressupostos teóricos marxistas,
Pedro Gilberto Gomes, que é professor da
UNISINOS, aborda os mais conhecidos mo-
delos da Teoria da Comunicação, desde Ha-
rold Lasswell, os engenheiros da matemática
de informação Shannon e Weaver, até o funci-
onalismo integrativo de Wilbur Schramm,
dando especial ênfase a alguns conceitos
como a redundância e a retroalimentação (ou
feed- back), o código e a mensagem.
O livro dedica dois extensos capítulos
às questões da semiótica, para depois abor-
dar algumas perspectivas recentes como o
funcionalismo norte-americano, a teoria críti-
ca da Escola de Frankfurt, os estudos cultu-
rais de Marshall McLuhan e, enfim, alguns
teóricos latino-americanos de maior influên-
cia hoje, como Josés Martin-Barbero e Luís
Beltrán.
A parte final da obra está dedicada à
discuissão das relações entre ética e comuni-
cação e termina por fazer uma mistura com-
plicada entre a doutrina católica e a tradição
marxista, na perspectiva da teologia da libertação.
Escrito em linguagem acessível, com
boa quantidade de informações e referencia-
ção bibliográfica, o livro peca apenas pela au-
sência constante de citações bibliográficas
confiáveis. Parece que faltou uma revisão
cuidadosa e crítica, capaz de fazer com que a
toda a citação ou conceito emitido se incluís-
se necessariamente a fonte, capaz de possibi-
litar ao eventual leitor a consulta à matriz da
qual aquela idéia foi retirada. Então, o que
temos é que, em alguns casos, faz-se a citação
bibliográfica, e em outros não. Mais que isso,
em alguns casos faz-se a citação completa, e
em outros não. Tal fato é uma lástima, por-
que o livro é extremamente útil, graças inclu-
sive, por certo, à experiência de cátedra do
professor, de maneira que ele é recomendá-
vel a alunos e professores. Mas é, quanto à
forma, um discutível exemplo de como não
se deve escrever um livro acadêmico.
GOMES, Pedro Gilberto – Tópicos de teo-
ria da comunicação, São Leopoldo, Editora da
Unisinos, 1997, 126 páginas.
Trem e cinema - Buster Keaton on the
railroad
NO II FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE LITERATURA –
Categoria Ensaio, que a Xerox patrocinou no
ano passado, sagrou-se vencedor o professor
Mestre em Comunicação Fernando Fábio Fio-
rese Furtado, que leciona na Universidade
Federal de Juiz de Fora. Seu trabalho é um
livro intitulado Trem e cinema - Buster Keaton
on the railroad , que está agora recebendo pu-
blicação em livro.
O trabalho divide-se em dois blocos.
No primeiro deles, intitulado “Trem e cine-
ma”, o autor desenvolve a perspectiva teóri-
ca que aproxima o desenvolvimento tecnoló-
gico do trem do desenvolvimento do cinema,
visualizados ambos enquanto tecnologia de
semelhanças, em especial pela nova maneira
de ver que possibilitam e a que obrigam seus
passageiros (no trem, colocados no vagão; no
cinema, colocados na sala fechada). No se-
gundo bloco, o autor faz a aplicação prática
dessa perspectiva para uma leitura das obras
de Buster Keaton, especialmente para o as-
pecto de valorização e humanização da tec-
nologia então nascente, numa leitura que,
sem perder o lado até certo ponto ufanista da
conquista, alerta para os riscos que a mesma
pode produzir na humanidade.
Mobilizando um corpus teórico tão am-
plo quanto inusitado, por sua combinação, o
que vale sobretudo pela revalorização das hi-
póteses de Marshal McLuhan, combinadas
com as leituras de Walter Benjamin e Paul
Virilio, Furtado propõe uma leitura extrema-
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mente instigante, que se inicia praticamente
em 3500 a. C., com a invenção da roda, “ferra-
menta que prologa o movimento rotatório ou
seqüencial dos pés”(p.15) que “fundamenta a
ess6encia da mecanização (p. 16). Utilizando
a periodização de Lewis Mumford, Furtado
mostra que esse mesmo princípio serviu
para inventar a locomotiva a vapor e depois
os primitivos aparelhos cinematográficos.
Para evidenciar esta proposta, repassa as di-
ferentes invenções que, desde a camara oscura
de Giovanni Battista della Porta, em 1588 (p.
19 e ss), marcaram a história da humanidade:
“A analogia entre as mecânicas do trem
e do aparelho cinematográfico explicita-
se aqui, pois que o sistema de roda den-
tada solucionou também o problema de
tração das primeiras locomotivas cons-
truídas pelo engenheiro inglês Richard
Trevithcik: Uncle Dick’s Puffer (1804) e
Catch me who can (1808)” (p. 23).
Furtado mostra haver “semelhanças for-
mais e funcionais da janela do trem e da tela
de cinema, o alinhamento do tandem dos va-
gões e dos fotogramas e a analogia visual en-
tre a película e a estrada de ferro” (p. 27),
afirmando ainda que, a partir dessas inven-
ções, houve a necessidade e a obrigação de
uma reeducação dos sentidos:
“Os novos ambientes criados pela ace-
leração mecânica submetem os habitan-
tes dos centros urbanos a um complexo
treinamento sensorial, alteranto tanto os
comportamentos individuais e sociais
quanto as estruturas do pensamento e
da sensibi-lidade” (p. 31).
Para Furtado, “uniformidade, continui-
dade, fragmentação e repetição, colonização
mecanicista da vida humana individual e so-
cial, [e] mitologização da máquina e da
velocidade”(p. 34), são as novas característi-
cas do ambiente mecânico atingido na passa-
gem do século XIX para o XX. Houve um
alargamento de percepção que, por sua vez,
resultou em alterações profundas quanto ao
“modo natural” de ser e estar no mundo:
“Sob os efeitos da velocidade tecnológica, a
Weltanschauung do homem moderno conhece
os fenômenos da instabilidade cronológica e
da relativização da realidade espacial” (p.
37), sintetiza ele.
Na segunda parte do ensaio, o autor
aborda a produção cinematográfica de Buster
Keaton que foi, simultaneamente, produtor,
diretor, ator e cinegrafista de suas obras, dan-
do especial relevo a Bancando o águia, Nossa
hospitalidade e A General, que lhe permitem
aplicar os princípios teóricos levantados na
prática da criação artística.
Neste caso, Furtado mostra que desde
logo o elemento cômico foi pressentido pelos
movimentos de vanguarda como o movi-
mento dadaísta e surrealista, que o incluíram
em seu discurso, destacando, dentre outros,
os primeiros filmes de René Clair, Fernand
Leger e, muito especialmente, Louis Buñuel.
Depois, ele dirige sua atenção para a
“máquina de rir” em que se constitui o cine-
ma de Buster Keaton, afirmando que
“sem desconsiderar as heranças do es-
petáculo circense, da commedia dell’arte,
do vaudeville e do music-hall, um princí-
pio mecânico inspira a reconstrução
paródica do mundo pela comédia
burlesca. A aparência de espontaneida-
de e mproviso das gags resulta de um
minucioso planejamento técnico que in-
clui a análise e racionalização dos meca-
nismos do efeito cômico e da estrutura
da narrativa cinematográfica” (p. 77).
Tudo isso é possível pelo pleno domí-
nio técnico e os amplos conhecimentos cientí-
ficos que o realizador possui, permitindo-
lhe, ao mesmo tempo, demonstrar “uma
crença inarredável na relação harmoniosa en-
tre homem e tecnologia” (p.92) mas, igual-
mente, denunciar os excessos e extremos em
que facilmente se pode cair. Assim, dois pro-
cedimentos técnicos são utilizados pelo cine-
asta, um deles, a “complexa assimilação de
elementos tecnomórficos pelo aparelho mo-
tor humano”(p. 88) e depois a “metamorfose
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do corpo em máquina [que se refere] aos en-
gates do personagem nas próteses de deslo-
camento” (p. 96).
Assim, a conseqüência é que,
“apropriando-se do espaço urbano da
civilização tecnológica, a comédia
burlesca desempenhou papel relevante
na produção das grandes configurações
do imaginário coletivo do século XX,
notadamente no que se refere aos ar-
quétipos da condição tragicômica do
homem moderno”(p. 99).
Mais do que simples divertimentos, os
filmes de Buster Keaton, assim, transforma-
ram-se em obras privilegiadamente pioneiras
na análise crítica do novo contexto. Por isso,
seus personagens, “errantes, transitivos e de-
senraizados [...] trabalham sobre o enigma da
tecnologia”(p. 108).
A leitura do texto de Fernando Fábio
Fiorese Furtado é tão fascinante quanto o ci-
nema de Keaton e o horizonte analítico que
ele propõe. Não se conhecendo os demais
textos concorrentes nem a comissão que esco-
lheu este, que o vencedor, não podemos, de
qualquer modo, deixar de nos parabenizar
pela sua edição. É um excelente pretexto
para que se possa refletir, com maior profun-
didade, a respeito da grande aventura do ci-
nema, do significado das conquistas tecnoló-
gicas do século passado, dentre os quais um
dos mais importantes foi a locomotiva a va-
por, e todos os seus desdobramentos, ao lon-
go do século XX.
FURTADO, Fernando Fábio Fiorese –
Trem e cinema - Buster Keaton on the railroad, São
Paulo, Cone Sul, 1998, 139 páginas.
Comunicação & Discurso
Lançado durante o 8o
Congresso da
COMPÓS, em junho último, em Belo Hori-
zonte, Comunicação & Discurso, do experiente
professor Milton José Pinto é, desde a pri-
meira impressão de leitura, um livro de ex-
trema utilidade. Em primeiro lugar porque o
pequenino mas objetivo volume se quer
como um texto didático e como tal se organi-
za. Ele é claro, tem uma estrutura claramente
identificável e, além de fazer uma revisão
dos principais conceitos e da bibliografia bá-
sica sobre o tema, aponta para os múltiplos
desdobramentos que o assunto – análise de
discurso – não apenas no campo da comuni-
cação social, quanto em outros campos do
conhecimento, permite.
Milton José Pinto integra o corpo do-
cente da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro. Gaúcho de nascimento, carioca por
adoção, vem desenvolvendo atividades em
classe há muitos anos. Tem experiência com
a área que escolheu como tema deste livro, e
isso fica evidente desde as primeiras páginas.
Dividindo o pequeno e útil volume em
três grandes blocos, no primeiro deles, inti-
tulado “Uma síntese difícil”, busca historiar o
nascimento desta área de estudos no campo
da comunicação, mostrando as diferentes
análises possíveis, ligando-as as vários cam-
pos de conhecimento e, enfim, delimitando,
com clareza, o campo por ele escolhido:
“O modelo de análise de discursos que
privilegio neste trabalho é (1) depen-
dente do contexto, (2) crítico nos dois
sentidos definidos, (3) não confia na le-
tra do texto relacionado-o às forças soci-
ais que o moldaram, (4) não procura in-
terpretar conteúdos, (5) usa um conceito
de ideologia ao lado do de discurso, (6)
trabalha comparativamente, (7) não usa
técnicas estatísticas no sentido acima, e
(8) trabalha com as marcas formais da
superfície textual”(p. 10).
Lançando mão das análises tradicionais
da retórica, com a hermenêutica, a filologia, a
retórica em sentido estrito, e a perspectiva
polifônica de Bakhtin, Milton José Pinto refe-
re especialmente o francês Michel Pêcheux,
na análise francesa do discurso, mas valoriza
a leitura ideológica do discurso, assim como
seus aspectos semióticos.
Uma preocupação básica do autor é “li-
mitar a proliferação de termos técnicos espe-
143
Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
cializados, tão comuns em disciplinas de de-
senvolvimento recente” (p. 21), permitindo-
se, contudo, aprofundar análises em torno do
que denominará de modos de dizer, modos de
mostrar, modos de interagir e modos de seduzir (p.
23).
Partindo da evidência da heterogenei-
dade dos discursos, Milton José Pinto procu-
ra mostrar a riqueza das relações estabeleci-
das entre o emissor, o receptor e a mensa-
gem, a tradicional tríade do processo comu-
nicacional, mostrando as diferentes maneira
pelas quais cada um destes elementos consti-
tutivos do discurso tem sido estudado ao
longo das décadas. Seja a capa de revistas,
seja a obra pictórica clássica ou a embalagem
de produtos cotidianos como um pó para
suco, todo o objeto presente na realidade
concreta é passível de uma leitura, na medi-
da que porta, em si, um ou mais discursos.
Na perspectiva sociológica, Milton José Pinto
reconhece a relação entre o ideológico e o po-
der (p. 40 e ss.), mas não reduz a análise a
esta perspectiva. Sabe que a contextualização é,
no fundo, o elemento de certo modo funda-
dor da interpretação e compreensão corretas
de qualquer discurso e por isso admite a im-
portância das mediações (p. 47 e ss.).
Para deixar bem clara a sua proposta de
análise, o autor desenvolve algumas análises
comparativas, mencionando estudos já clássi-
cos, como os pioneiros de Eliseo Verón, pes-
quisas que ele próprio orientou junto a alu-
nos seus, no Rio de Janeiro, e, enfim, algu-
mas sugestões mínimas de exercícios que po-
dem ser facilmente retomados pelos leitores -
alunos em relação ao tema.
No encerramento do volume, Milton
José Pinto sugere um roteiro de leituras intro-
dutórias. E se apresenta alguns textos apa-
rentemente referenciais inexistentes em livro,
na verdade está provocando o leitor a valer-
se das novas tecnologias, como a rede
WWW, para a busca desses originais, que
podem ser solicitados diretamente às univer-
sidades em que foram produzidos.
Por tudo isso, Comunicação & Discurso,
graças a um texto tão cientificamente constru-
ído quanto de leitura facilitada, por sua orga-
nização, torna-se leitura obrigatória para to-
dos aqueles que pretendem avançar por este
campo de estudo.
PINTO, Milton José – Comunicação & dis-
curso, São Paulo, Hacker Editores, 1999,105
páginas.
Os novos cães de guarda
SERGE HALIMI PRETENDE denunciar, em Os novos
cães de guarda, o que chama de jornalismo de
reverência, que seria uma característica do atu-
al jornalismo francês. Para ele, existe uma es-
treita relação entre o jornalismo e o poder,
que se traduz na formação de uma espécie
de máfia, integrada por alguns destacados
profissionais que, não apenas ganham fantás-
ticas fortunas em sua profissão, quanto se re-
partem restritivamente os espaços, os elogios
e, evidentemente, os interesses dos diferentes
espaços da mídia francesa.
Retomando uma expressão de Paul Ni-
zan, a respeito de filósofos que, segundo ele,
não realizavam bem a sua missão interrogati-
va, Serge Halimi arvora-se numa espécie de
corregedor da mídia de seu país, atacando
especialmente as práticas de alguns dos no-
mes de maior referencialidade na mídia fran-
cesa, como Alain Peyrefite, Alain Touraine,
Christine Okrent, André Rousselet, J. Clé-
ment, Alain Duhamel, Michel Field, Alain
Minc, Anne Sinclair, Jean-Marie Cavada e ou-
tros tantos.
Para ele, existe uma relação direta entre
o poder econômico e os jornalistas de grande
notoriedade. Como, por outro lado, também
existe uma relação entre o poder econômico e
a política, termina Halimi por pretender de-
nunciar a relação entre o poder econômico, o
poder político e a mídia, o que, segundo ele,
é antiético.
Ora, há muito tempo – os teóricos di-
zem que pelo menos desde o início do sécu-
lo XIX – que esta situação existe. Ou seja, a
partir do momento em que a informação se
tornou uma mercadoria, estreitaram-se os la-
ços entre o poder econômico e o poder políti-
co. Basta ler, dentre outros estudiosos brasi-
144 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
leiros, Ciro Marcondes Filho (Imprensa e capi-
talismo, S. Paulo, Kairós, 1984), para se ter evi-
denciada esta realidade. Ela pode não ser
a ideal, e por certo não o é. Mas daí a preten-
der o autor deste livro estar a denunciar uma
determinada realidade, como se ela fosse no-
vidade, chega quase ao ridículo. Das duas
uma: ou Halimi não se dá conta do mundo
em que vive ou então continua sonhando
com determinadas utopias inexistentes no
mundo capitalista.
Para robustecer sua denúncia, Halimi
pretende fazer comparações entre as práticas
francesas e norte-americanas, concluindo que
existiria maior autonomia na mídia dos Esta-
dos Unidos do que na francesa. É provável
que os administradores da mídia norte-ame-
ricana tenham maior cuidado com as emis-
sões e as informações que divulgam. Mas
não se pode acreditar, de boa fé, que as rela-
ções entre poder econômico e poder político,
refletindo-se sobre a relação destes com os
jornalistas, seja diversa da realidade que
ocorre na França. Observe-se que a adminis-
tração redacional toma muito cuidado com o
que permite ser publicado e a primeira
emenda à Constituição norte-americana, se
garante a absoluta liberdade de imprensa,
obriga igualmente a uma responsabilidade
radical dos proprietários de uma empresa de
comunicação em relação ao que divulgam.
Observe-se o famoso relato de Bob Woo-
dward e Carl Bernstein a respeito do Caso
Watergate. No entanto, todos conhecemos a
profunda centralização, os oligopólios forma-
dos pela chamada indústria cultural, na antiga
acepção de Adorno-Horkheimer, atualizada
enquanto indústria de consciências, por Enzens-
berger, focalizada em obra muito bem pes-
quisada de Armand Mattelart na década de
70 (As multinacionais da cultura, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1976).
A impressão que se tem é que Serge
Halimi não conseguiu espaço em nenhum
segmento, nem mesmo no socialista, que de-
nuncia veementemente, reduzindo às mes-
mas práticas tanto o direitista Chirac quanto
o socialista Mitterand. Na verdade, o discur-
so trotskista de Halimi só tem uma vanta-
gem: mostra o ridículo de certas práticas en-
tre os principais jornalistas franceses, de
auto-louvação e entre-citações que, evidente-
mente, devem ser repudiadas pelos especta-
dores e leitores destes profissionais em geral.
Mas ele próprio acaba por diminuir a força
de sua denúncia quando reconhece que al-
guns dos pretensamente denunciados nem
sempre permanecem com as vantagens con-
denadas, bastando citar-se a situação de
Christine Okrent, demitida justamente por
quebrar algumas das regras vigentes na mí-
dia francesa.
Bem embasado teoricamente, mas sob
uma ótica não sei se ingênua ou apenas es-
candalosa, o livro de Serge Halimi esgota-se
em si mesmo. Sob a capa do discurso acadê-
mico, tingido de ética indignada, nada mais
encontramos que um punhado de fofocas en-
contráveis até mesmo em publicações como a
Caras brasileira. Se se quiser, de fato, discutir
e aprofundar as questões éticas desta convi-
vência ou, mesmo, desta conivência, talvez
seja melhor ler o norte-americano John Hul-
teng (Os desafios da comunicação: problemas éti-
cos, Florianópolis, UFSC, 1990), Claude-Jean
Bertrand (A deontologia das mídias, Bauru,
EDUSC, 1999) ou ainda Daniel Cornu (Ética
da informação, Bauru, EDUSC, 1998), menos
panfletários e mais objetivos em suas análi-
ses.
HALIMI, Serge – Os novos cães de guarda,
Petrópolis, Vozes, 1998, 150 páginas ■

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Ementa 2010 Sociologia Da Comunicacao
Teorias da Comunicação--Conceitos
Aula 10 - Perspectivas latino americanas - Fuentes, Maldonado, Martin Barbero
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..História das Teorias da comunicação...

  • 1. 138 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral RESENHA AntonioHohlfeldt Prof. Coordenador do PPGC–FAMECOS/PUCRS História das teorias da comunicação NOS ÚLTIMOS ANOS, Armand Mattelart vem rea- lizando um audacioso projeto: escrever a his- tória das mídias, das teorias que as envolvem e dos processos de comunicação sob os mais diferentes aspectos. Do ponto de vista do lei- tor brasileiro, primeiro foi a vez de Comunica- ção-Mundo (Petrópolis, Vozes. 1994). Agora, a Loyola lança este História das teorias da comuni- cação. Está ainda faltando La mondialization de la communication, de 1996, que já recebeu tra- dução espanhola mas encontra-se inédito en- tre nós. Se Comunicação-Mundo organizava-se em três grandes blocos, a guerra, o progresso tecnológico e a cultura, este novo trabalho é mais fragmentário mas, ao mesmo tempo, mais definido. Ele se desdobra em sete gran- des capítulos que vai abrangendo as diferen- tes fontes teóricas, espalhadas pelas diferen- tes disciplinas que, ao longo dos dois últi- mos séculos, e às vezes até bem antes, termi- naram por influenciar a maneira de conceber, discutir e pensar os processos de informação (consequentemente, de comunicação) exis- tentes hoje em dia no mundo. Por isso mes- mo, a mesma característica do livro anterior, ainda que em percentuais menores, a reitera- ção de alguns enfoques, ainda que sob novas perspectivas, ocorre também neste trabalho. Partindo do reconhecimento de que “a noção de comunicação recobre uma multipli- cidade de sentidos” (p. 9), Mattelart eviden- cia que a ciência da informação, por ser disci- plina nova, dependeu de outras muitas disci- plinas para formar seu corpus conceitual. As- sim, a partir das sociologia, da antropologia e dessas áreas afins, Mattelart recupera, dentre outros, o contemporâneo conceito de rede de comunicação (p. 15 e ss.), que reencontrará no último capítulo (p. 157 e ss.), quando sinteti- za: “a sociedade é definida em termos de co- municação, que é definida em termos de re- des”. Assim, retoma a perspectiva da ciber- nética, sublinhando que a mesma “ substitui
  • 2. 139 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral a teoria matemática da informação” na con- temporaneidade. Reunindo os princípios da Escola de Chicago, e depois destacando a importância da Escola de Palo Alto, recuperando a con- tribuição vanguardista de Harold Lasswell e os princípios da mass communication research (p. 36 e ss.), Mattelart chega ao modelo mate- mático de Shannon, que cruza com o conceito cibernético de Wiener, para depois enveredar pela indústria cultural e as perspectivas des- dobradas, a partir das matrizes marxistas, pela Escola de Frankfurt e, complementar- mente, pelo estruturalismo francês e norte- americano, bem como pelos cultural studies de Birmingham, até o conceito de sociedade global que, afirma ele, tem sua origem no conhecido mas nem sempre justamente valorizado en- saio de Marshall McLuhan War and peace in the global village de 1969. O volume incursiona ainda pela valori- zação das práticas cotidianas, revalorizando a contribuição da etnometodologia, do agir comunicativo de Jürgen Habermas – que dava um passo além da teoria crítica frankfurtiana – para chegar aos estudos dos usos e gratificações dos funcionalistas norte-americanos, conclu- indo pela potencialidade híbrida dos proces- sos de comunicação como parte de sua natu- reza. A lição mais genérica e universalizado- ra que se pode tirar desta nova obra de Mat- telart é que, na verdade, tanto uma história dos meios de comunicação quanto dos pro- cessos, suas tecnologias ou teorias a respeito da comunicação, podem variar infinitamente segundo os diferentes pontos de partida que se tomem. Ou seja, se é verdade que não existe uma única teoria da comunicação, como quer Sandra Reimão (“Teoria ou Teorias da Comunicação” in INTERCOM-Revista Brasilei- ra de Comunicação, S. Paulo, INTERCOM, Vol. XVII, n. 2, julho-dezembro de 1994, pp. 146- 170), não menos verdade é que inexiste uma única história, quer dos meios, quer dos pro- cessos ou das tecnologias da informação. O desafio mais provocante, pois, é justamente esta abertura imensa que a área nos concede, não apenas porque é um campo de conheci- mento ainda novo mas porque, justamente, lida com um fenômeno que, por si só, é uma mescla de diferentes fenômenos porque, na verdade, se encontra, se cruza, enriquece e é enriquecido por todos eles. Esta lição de grandeza e, ao mesmo tempo, de humildade, deve ser o grande saldo da leitura deste novo livro de Mattelart que, como sempre, é fasci- nante, e tão mais fascinante tem se tornado à medida em que o autor, como já frisei a res- peito do trabalho anterior publicado em lín- gua portuguesa, distancia-se da camisa-de-for- ça da análise marxista ortodoxa. MATTELART, Armand – História das te- orias da comunicação, S. Paulo, Loyola, 1999, 220 páginas. Tópicos de Teoria da Comunicação HÁ UMA ABSOLUTA escassez de manuais que abordem a Teoria da Comunicação ou mes- mo a Teoria da Informação. De modo geral, contamos apenas com alguns livros traduzi- dos, a partir de autores norte-americanos. Em, conseqüência, boa parte dos currículos desenvolvidos em nossos Cursos de Comu- nicação obrigam os professores a constituir eles mesmos os seus conteúdos, catando, da- qui e dali, o material que transmitirão aos alunos. não se precisa dizer que, concomitan- temente, o aluno, recém-saído dos bancos do II Grau, enfrenta dificuldades porque não tem a tradição da pesquisa acadêmica. Por tudo isso, sempre serão bem-vin- dos os livros de Teoria da Comunicação, mesmo quando parciais, como este Tópicos de Teoria da Comunicação, que não se pretende um livro abrangente, e isto, desde o título. Escrito por Pedro Gilberto Gomes, ain- da recentemente homenageado com o Prê- mio Luís Beltrão, Tópicos de Teoria da Comuni- cação é um livro de militante, aliás, de dupla militância, aquela do professor universitário e a outra, da perspectiva religiosa da comu- nicação. A obra começa por desenvolver a ques- tão dos modelos teóricos, abordando em se- guida o conceito do que seja uma teoria e as
  • 3. 140 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral relações entre informação e comunicação. Poste- riormente, vai-se para um panorama mundi- al, e especialmente latino-americano da teoria da comunicação, o que é sobretudo impor- tante, se seguirmos a lição de José Marques de Melo, para quem a chamada escola latino- americana, com seu hibridismo, tem contribuí- do com perspectivas inovadoras para este campo de conhecimento. Depois de discutir questões mais gerais como a comunicação de massa e a sociedade, sob uma perspectiva anticapitalista que o aproxima necessariamente da Escola de Fran- cfurt e seus pressupostos teóricos marxistas, Pedro Gilberto Gomes, que é professor da UNISINOS, aborda os mais conhecidos mo- delos da Teoria da Comunicação, desde Ha- rold Lasswell, os engenheiros da matemática de informação Shannon e Weaver, até o funci- onalismo integrativo de Wilbur Schramm, dando especial ênfase a alguns conceitos como a redundância e a retroalimentação (ou feed- back), o código e a mensagem. O livro dedica dois extensos capítulos às questões da semiótica, para depois abor- dar algumas perspectivas recentes como o funcionalismo norte-americano, a teoria críti- ca da Escola de Frankfurt, os estudos cultu- rais de Marshall McLuhan e, enfim, alguns teóricos latino-americanos de maior influên- cia hoje, como Josés Martin-Barbero e Luís Beltrán. A parte final da obra está dedicada à discuissão das relações entre ética e comuni- cação e termina por fazer uma mistura com- plicada entre a doutrina católica e a tradição marxista, na perspectiva da teologia da libertação. Escrito em linguagem acessível, com boa quantidade de informações e referencia- ção bibliográfica, o livro peca apenas pela au- sência constante de citações bibliográficas confiáveis. Parece que faltou uma revisão cuidadosa e crítica, capaz de fazer com que a toda a citação ou conceito emitido se incluís- se necessariamente a fonte, capaz de possibi- litar ao eventual leitor a consulta à matriz da qual aquela idéia foi retirada. Então, o que temos é que, em alguns casos, faz-se a citação bibliográfica, e em outros não. Mais que isso, em alguns casos faz-se a citação completa, e em outros não. Tal fato é uma lástima, por- que o livro é extremamente útil, graças inclu- sive, por certo, à experiência de cátedra do professor, de maneira que ele é recomendá- vel a alunos e professores. Mas é, quanto à forma, um discutível exemplo de como não se deve escrever um livro acadêmico. GOMES, Pedro Gilberto – Tópicos de teo- ria da comunicação, São Leopoldo, Editora da Unisinos, 1997, 126 páginas. Trem e cinema - Buster Keaton on the railroad NO II FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE LITERATURA – Categoria Ensaio, que a Xerox patrocinou no ano passado, sagrou-se vencedor o professor Mestre em Comunicação Fernando Fábio Fio- rese Furtado, que leciona na Universidade Federal de Juiz de Fora. Seu trabalho é um livro intitulado Trem e cinema - Buster Keaton on the railroad , que está agora recebendo pu- blicação em livro. O trabalho divide-se em dois blocos. No primeiro deles, intitulado “Trem e cine- ma”, o autor desenvolve a perspectiva teóri- ca que aproxima o desenvolvimento tecnoló- gico do trem do desenvolvimento do cinema, visualizados ambos enquanto tecnologia de semelhanças, em especial pela nova maneira de ver que possibilitam e a que obrigam seus passageiros (no trem, colocados no vagão; no cinema, colocados na sala fechada). No se- gundo bloco, o autor faz a aplicação prática dessa perspectiva para uma leitura das obras de Buster Keaton, especialmente para o as- pecto de valorização e humanização da tec- nologia então nascente, numa leitura que, sem perder o lado até certo ponto ufanista da conquista, alerta para os riscos que a mesma pode produzir na humanidade. Mobilizando um corpus teórico tão am- plo quanto inusitado, por sua combinação, o que vale sobretudo pela revalorização das hi- póteses de Marshal McLuhan, combinadas com as leituras de Walter Benjamin e Paul Virilio, Furtado propõe uma leitura extrema-
  • 4. 141 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral mente instigante, que se inicia praticamente em 3500 a. C., com a invenção da roda, “ferra- menta que prologa o movimento rotatório ou seqüencial dos pés”(p.15) que “fundamenta a ess6encia da mecanização (p. 16). Utilizando a periodização de Lewis Mumford, Furtado mostra que esse mesmo princípio serviu para inventar a locomotiva a vapor e depois os primitivos aparelhos cinematográficos. Para evidenciar esta proposta, repassa as di- ferentes invenções que, desde a camara oscura de Giovanni Battista della Porta, em 1588 (p. 19 e ss), marcaram a história da humanidade: “A analogia entre as mecânicas do trem e do aparelho cinematográfico explicita- se aqui, pois que o sistema de roda den- tada solucionou também o problema de tração das primeiras locomotivas cons- truídas pelo engenheiro inglês Richard Trevithcik: Uncle Dick’s Puffer (1804) e Catch me who can (1808)” (p. 23). Furtado mostra haver “semelhanças for- mais e funcionais da janela do trem e da tela de cinema, o alinhamento do tandem dos va- gões e dos fotogramas e a analogia visual en- tre a película e a estrada de ferro” (p. 27), afirmando ainda que, a partir dessas inven- ções, houve a necessidade e a obrigação de uma reeducação dos sentidos: “Os novos ambientes criados pela ace- leração mecânica submetem os habitan- tes dos centros urbanos a um complexo treinamento sensorial, alteranto tanto os comportamentos individuais e sociais quanto as estruturas do pensamento e da sensibi-lidade” (p. 31). Para Furtado, “uniformidade, continui- dade, fragmentação e repetição, colonização mecanicista da vida humana individual e so- cial, [e] mitologização da máquina e da velocidade”(p. 34), são as novas característi- cas do ambiente mecânico atingido na passa- gem do século XIX para o XX. Houve um alargamento de percepção que, por sua vez, resultou em alterações profundas quanto ao “modo natural” de ser e estar no mundo: “Sob os efeitos da velocidade tecnológica, a Weltanschauung do homem moderno conhece os fenômenos da instabilidade cronológica e da relativização da realidade espacial” (p. 37), sintetiza ele. Na segunda parte do ensaio, o autor aborda a produção cinematográfica de Buster Keaton que foi, simultaneamente, produtor, diretor, ator e cinegrafista de suas obras, dan- do especial relevo a Bancando o águia, Nossa hospitalidade e A General, que lhe permitem aplicar os princípios teóricos levantados na prática da criação artística. Neste caso, Furtado mostra que desde logo o elemento cômico foi pressentido pelos movimentos de vanguarda como o movi- mento dadaísta e surrealista, que o incluíram em seu discurso, destacando, dentre outros, os primeiros filmes de René Clair, Fernand Leger e, muito especialmente, Louis Buñuel. Depois, ele dirige sua atenção para a “máquina de rir” em que se constitui o cine- ma de Buster Keaton, afirmando que “sem desconsiderar as heranças do es- petáculo circense, da commedia dell’arte, do vaudeville e do music-hall, um princí- pio mecânico inspira a reconstrução paródica do mundo pela comédia burlesca. A aparência de espontaneida- de e mproviso das gags resulta de um minucioso planejamento técnico que in- clui a análise e racionalização dos meca- nismos do efeito cômico e da estrutura da narrativa cinematográfica” (p. 77). Tudo isso é possível pelo pleno domí- nio técnico e os amplos conhecimentos cientí- ficos que o realizador possui, permitindo- lhe, ao mesmo tempo, demonstrar “uma crença inarredável na relação harmoniosa en- tre homem e tecnologia” (p.92) mas, igual- mente, denunciar os excessos e extremos em que facilmente se pode cair. Assim, dois pro- cedimentos técnicos são utilizados pelo cine- asta, um deles, a “complexa assimilação de elementos tecnomórficos pelo aparelho mo- tor humano”(p. 88) e depois a “metamorfose
  • 5. 142 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral do corpo em máquina [que se refere] aos en- gates do personagem nas próteses de deslo- camento” (p. 96). Assim, a conseqüência é que, “apropriando-se do espaço urbano da civilização tecnológica, a comédia burlesca desempenhou papel relevante na produção das grandes configurações do imaginário coletivo do século XX, notadamente no que se refere aos ar- quétipos da condição tragicômica do homem moderno”(p. 99). Mais do que simples divertimentos, os filmes de Buster Keaton, assim, transforma- ram-se em obras privilegiadamente pioneiras na análise crítica do novo contexto. Por isso, seus personagens, “errantes, transitivos e de- senraizados [...] trabalham sobre o enigma da tecnologia”(p. 108). A leitura do texto de Fernando Fábio Fiorese Furtado é tão fascinante quanto o ci- nema de Keaton e o horizonte analítico que ele propõe. Não se conhecendo os demais textos concorrentes nem a comissão que esco- lheu este, que o vencedor, não podemos, de qualquer modo, deixar de nos parabenizar pela sua edição. É um excelente pretexto para que se possa refletir, com maior profun- didade, a respeito da grande aventura do ci- nema, do significado das conquistas tecnoló- gicas do século passado, dentre os quais um dos mais importantes foi a locomotiva a va- por, e todos os seus desdobramentos, ao lon- go do século XX. FURTADO, Fernando Fábio Fiorese – Trem e cinema - Buster Keaton on the railroad, São Paulo, Cone Sul, 1998, 139 páginas. Comunicação & Discurso Lançado durante o 8o Congresso da COMPÓS, em junho último, em Belo Hori- zonte, Comunicação & Discurso, do experiente professor Milton José Pinto é, desde a pri- meira impressão de leitura, um livro de ex- trema utilidade. Em primeiro lugar porque o pequenino mas objetivo volume se quer como um texto didático e como tal se organi- za. Ele é claro, tem uma estrutura claramente identificável e, além de fazer uma revisão dos principais conceitos e da bibliografia bá- sica sobre o tema, aponta para os múltiplos desdobramentos que o assunto – análise de discurso – não apenas no campo da comuni- cação social, quanto em outros campos do conhecimento, permite. Milton José Pinto integra o corpo do- cente da Universidade Federal do Rio de Ja- neiro. Gaúcho de nascimento, carioca por adoção, vem desenvolvendo atividades em classe há muitos anos. Tem experiência com a área que escolheu como tema deste livro, e isso fica evidente desde as primeiras páginas. Dividindo o pequeno e útil volume em três grandes blocos, no primeiro deles, inti- tulado “Uma síntese difícil”, busca historiar o nascimento desta área de estudos no campo da comunicação, mostrando as diferentes análises possíveis, ligando-as as vários cam- pos de conhecimento e, enfim, delimitando, com clareza, o campo por ele escolhido: “O modelo de análise de discursos que privilegio neste trabalho é (1) depen- dente do contexto, (2) crítico nos dois sentidos definidos, (3) não confia na le- tra do texto relacionado-o às forças soci- ais que o moldaram, (4) não procura in- terpretar conteúdos, (5) usa um conceito de ideologia ao lado do de discurso, (6) trabalha comparativamente, (7) não usa técnicas estatísticas no sentido acima, e (8) trabalha com as marcas formais da superfície textual”(p. 10). Lançando mão das análises tradicionais da retórica, com a hermenêutica, a filologia, a retórica em sentido estrito, e a perspectiva polifônica de Bakhtin, Milton José Pinto refe- re especialmente o francês Michel Pêcheux, na análise francesa do discurso, mas valoriza a leitura ideológica do discurso, assim como seus aspectos semióticos. Uma preocupação básica do autor é “li- mitar a proliferação de termos técnicos espe-
  • 6. 143 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral cializados, tão comuns em disciplinas de de- senvolvimento recente” (p. 21), permitindo- se, contudo, aprofundar análises em torno do que denominará de modos de dizer, modos de mostrar, modos de interagir e modos de seduzir (p. 23). Partindo da evidência da heterogenei- dade dos discursos, Milton José Pinto procu- ra mostrar a riqueza das relações estabeleci- das entre o emissor, o receptor e a mensa- gem, a tradicional tríade do processo comu- nicacional, mostrando as diferentes maneira pelas quais cada um destes elementos consti- tutivos do discurso tem sido estudado ao longo das décadas. Seja a capa de revistas, seja a obra pictórica clássica ou a embalagem de produtos cotidianos como um pó para suco, todo o objeto presente na realidade concreta é passível de uma leitura, na medi- da que porta, em si, um ou mais discursos. Na perspectiva sociológica, Milton José Pinto reconhece a relação entre o ideológico e o po- der (p. 40 e ss.), mas não reduz a análise a esta perspectiva. Sabe que a contextualização é, no fundo, o elemento de certo modo funda- dor da interpretação e compreensão corretas de qualquer discurso e por isso admite a im- portância das mediações (p. 47 e ss.). Para deixar bem clara a sua proposta de análise, o autor desenvolve algumas análises comparativas, mencionando estudos já clássi- cos, como os pioneiros de Eliseo Verón, pes- quisas que ele próprio orientou junto a alu- nos seus, no Rio de Janeiro, e, enfim, algu- mas sugestões mínimas de exercícios que po- dem ser facilmente retomados pelos leitores - alunos em relação ao tema. No encerramento do volume, Milton José Pinto sugere um roteiro de leituras intro- dutórias. E se apresenta alguns textos apa- rentemente referenciais inexistentes em livro, na verdade está provocando o leitor a valer- se das novas tecnologias, como a rede WWW, para a busca desses originais, que podem ser solicitados diretamente às univer- sidades em que foram produzidos. Por tudo isso, Comunicação & Discurso, graças a um texto tão cientificamente constru- ído quanto de leitura facilitada, por sua orga- nização, torna-se leitura obrigatória para to- dos aqueles que pretendem avançar por este campo de estudo. PINTO, Milton José – Comunicação & dis- curso, São Paulo, Hacker Editores, 1999,105 páginas. Os novos cães de guarda SERGE HALIMI PRETENDE denunciar, em Os novos cães de guarda, o que chama de jornalismo de reverência, que seria uma característica do atu- al jornalismo francês. Para ele, existe uma es- treita relação entre o jornalismo e o poder, que se traduz na formação de uma espécie de máfia, integrada por alguns destacados profissionais que, não apenas ganham fantás- ticas fortunas em sua profissão, quanto se re- partem restritivamente os espaços, os elogios e, evidentemente, os interesses dos diferentes espaços da mídia francesa. Retomando uma expressão de Paul Ni- zan, a respeito de filósofos que, segundo ele, não realizavam bem a sua missão interrogati- va, Serge Halimi arvora-se numa espécie de corregedor da mídia de seu país, atacando especialmente as práticas de alguns dos no- mes de maior referencialidade na mídia fran- cesa, como Alain Peyrefite, Alain Touraine, Christine Okrent, André Rousselet, J. Clé- ment, Alain Duhamel, Michel Field, Alain Minc, Anne Sinclair, Jean-Marie Cavada e ou- tros tantos. Para ele, existe uma relação direta entre o poder econômico e os jornalistas de grande notoriedade. Como, por outro lado, também existe uma relação entre o poder econômico e a política, termina Halimi por pretender de- nunciar a relação entre o poder econômico, o poder político e a mídia, o que, segundo ele, é antiético. Ora, há muito tempo – os teóricos di- zem que pelo menos desde o início do sécu- lo XIX – que esta situação existe. Ou seja, a partir do momento em que a informação se tornou uma mercadoria, estreitaram-se os la- ços entre o poder econômico e o poder políti- co. Basta ler, dentre outros estudiosos brasi-
  • 7. 144 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral leiros, Ciro Marcondes Filho (Imprensa e capi- talismo, S. Paulo, Kairós, 1984), para se ter evi- denciada esta realidade. Ela pode não ser a ideal, e por certo não o é. Mas daí a preten- der o autor deste livro estar a denunciar uma determinada realidade, como se ela fosse no- vidade, chega quase ao ridículo. Das duas uma: ou Halimi não se dá conta do mundo em que vive ou então continua sonhando com determinadas utopias inexistentes no mundo capitalista. Para robustecer sua denúncia, Halimi pretende fazer comparações entre as práticas francesas e norte-americanas, concluindo que existiria maior autonomia na mídia dos Esta- dos Unidos do que na francesa. É provável que os administradores da mídia norte-ame- ricana tenham maior cuidado com as emis- sões e as informações que divulgam. Mas não se pode acreditar, de boa fé, que as rela- ções entre poder econômico e poder político, refletindo-se sobre a relação destes com os jornalistas, seja diversa da realidade que ocorre na França. Observe-se que a adminis- tração redacional toma muito cuidado com o que permite ser publicado e a primeira emenda à Constituição norte-americana, se garante a absoluta liberdade de imprensa, obriga igualmente a uma responsabilidade radical dos proprietários de uma empresa de comunicação em relação ao que divulgam. Observe-se o famoso relato de Bob Woo- dward e Carl Bernstein a respeito do Caso Watergate. No entanto, todos conhecemos a profunda centralização, os oligopólios forma- dos pela chamada indústria cultural, na antiga acepção de Adorno-Horkheimer, atualizada enquanto indústria de consciências, por Enzens- berger, focalizada em obra muito bem pes- quisada de Armand Mattelart na década de 70 (As multinacionais da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976). A impressão que se tem é que Serge Halimi não conseguiu espaço em nenhum segmento, nem mesmo no socialista, que de- nuncia veementemente, reduzindo às mes- mas práticas tanto o direitista Chirac quanto o socialista Mitterand. Na verdade, o discur- so trotskista de Halimi só tem uma vanta- gem: mostra o ridículo de certas práticas en- tre os principais jornalistas franceses, de auto-louvação e entre-citações que, evidente- mente, devem ser repudiadas pelos especta- dores e leitores destes profissionais em geral. Mas ele próprio acaba por diminuir a força de sua denúncia quando reconhece que al- guns dos pretensamente denunciados nem sempre permanecem com as vantagens con- denadas, bastando citar-se a situação de Christine Okrent, demitida justamente por quebrar algumas das regras vigentes na mí- dia francesa. Bem embasado teoricamente, mas sob uma ótica não sei se ingênua ou apenas es- candalosa, o livro de Serge Halimi esgota-se em si mesmo. Sob a capa do discurso acadê- mico, tingido de ética indignada, nada mais encontramos que um punhado de fofocas en- contráveis até mesmo em publicações como a Caras brasileira. Se se quiser, de fato, discutir e aprofundar as questões éticas desta convi- vência ou, mesmo, desta conivência, talvez seja melhor ler o norte-americano John Hul- teng (Os desafios da comunicação: problemas éti- cos, Florianópolis, UFSC, 1990), Claude-Jean Bertrand (A deontologia das mídias, Bauru, EDUSC, 1999) ou ainda Daniel Cornu (Ética da informação, Bauru, EDUSC, 1998), menos panfletários e mais objetivos em suas análi- ses. HALIMI, Serge – Os novos cães de guarda, Petrópolis, Vozes, 1998, 150 páginas ■