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O PARALELISMO COMO RECURSO ESTILÍSTICO
DAS CANTIGAS DE MARTIM CODAX.
Darcilia Simões (UERJ)
1. O PARALELISMO NA LÍRICA MEDIEVAL
Trata-se de princípio rítmico de organização de textos poéticos, que se encontra na poesia
popular dos mais re-motos países. O paralelismo define-se pela reiteração em estrofes
sucessivas, quer de sentidos, quer de construções sintáticas. É característico dos velhos
cantares de amigo galego-portugueses, onde se requinta com o uso do leixa-pren (repetição,
no início de uma estrofe, do último verso, ou apenas de algumas palavras, da estrofe
anterior); penetrou nas cantigas de amor e de maldizer; ainda persistiu em Gil Vicente e na
tradição popular galego-portuguesa, até nossos dias.
Para alguns estudiosos, a linguagem do trovadorismo galego-português seria formal e
mantenedora da tradição Representando, portanto, uma norma em certos pontos atrasada
relativamente à língua da época, natural seria que conti-vesse alguns arcaísmos, mais visíveis
nas cantigas paralelísticas. Tudo isto é perfeitamente compreensível se observado do ângulo da
necessidade técnica que revestia a linguagem poética medieval . As marcas mais fortes
seriam:
? aspecto formal comum, rígido e repetido
? vocabulário reduzido e fixo
? construções idênticas
? temática semelhante e reiterada
Assim, conclui-se que o ideal literário era cifrado no perfeito domínio da técnica comum: o
poeta seria tanto melhor quanto maior virtude canônica revelasse no uso dos processos,
conteúdos e formas correntes. Ou seja, as varia-ções sobre um mesmo tema seriam maiores
que a criação intelectual.
Daquele conjunto de normas, tomamos o paralelismo como recurso da mais alta
expressividade quando a marca é a repetição.
O paralelismo tem grande importância para a compreensão estética da nossa lírica medieval.
Segundo alguns estudiosos (cf. Eugenio Asensio) o paralelismo era imperativo sobre as pausas,
ritmo, rima, etc. O paralelismo compõe um jogo de simetrias que põe a descoberto os pólos
mais expressivos da arte: a repetição e a variação, sendo que a repe-tição mantém a
hegemonia enquanto recurso estruturador.
Um esquema típico é o seguinte:
? estrofes de dois versos seguidos de refrão, o 2º verso da 1ª estrofe repete-se como 1º, da
3ª, o 2º verso da 2ª repete-se como 1º da 4ª, e assim por diante.
Casos há em que esse esquema não é observado com rigor — casos de paralelismo imperfeito
— assinalados por Costa Pimpão na sua História da Literatura Portuguesa — Idade Média — 2ª
ed., 1959, p 153-154.
O paralelismo é uma marca decisiva da ligação original da poesia ao canto e à dança. Dois
coros cantariam as estrofes alternadamente; o refrão seria cantado pelos dois coros
simultaneamente, ou por um solista.
O paralelismo, no dizer de O. M. Garcia , é um recurso de construção por meio do que é
garantida a coerência das idéias que se pretende expor. É, portanto, um processo estrutural
que visa à clareza dos enunciados.
O paralelismo gramatical (ou sintático) é o mais relevante dentre os paralelismos, porque,
quando não obser-vado, pode gerar ruído na comunicação, quebrando o trânsito da
mensagem entre emissor e receptor, denunciando construção defeituosa.
Na poesia, o paralelismo sintático é um recurso formal muito explorado, já que pode contribuir
no ritmo, na rima, na construção dos significados, na diagramação das idéias, enfim, na
formulação icônica do texto.
O estudo do paralelismo é pertinente à sintaxe estrutural , onde são examinadas as várias
maneiras de compor e armar a frase, desviando-a, sob o influxo de certos fatores psicológicos,
dos seus tipos normais ou lógicos, quer na con-cordância ou na regência, quer na construção
ou na expressão dos seus elementos, por isso se presta também a caracteri-zar estilos.
O autor que escolhemos — MARTIM CODAX — para demonstrar a expressividade do
paralelismo na poesia medieval está incluso entre os que produziram as barcarolas ou
marinhas. Tratam-se estas de cantigas de amigo que versam sobre assuntos referentes ao ar
ou ao rio. Afora um certo número em que a moça vai apenas banhar-se ao rio, ou da margem
vê o barco deslizar pelas águas, nas barcarolas ela geralmente se lamenta do amado, ou,
durante a sua ausên-cia, pede às ondas notícias dele, ou ainda, ansiosa, vai esperar os navios
para tornar a vê-lo.
2. QUEM É MARTIM CODAX
Jogral ou segrel galego, possivelmente ativo em meados ou terceiro quartel do século XIII,
cujas cantigas, num total de sete, foram conservadas pelos apógrafos italianos (CBN 1278-
1284; CV 884-890) e por precioso rolo mem-branáceo da época, o chamado Pergaminho
Vindel, que, a par do texto poético, traz notação da melodia que o acompa-nhava, caso único
na lírica profana galego-portuguesa. Nenhum poeta dos cancioneiros tem despertado maior
interesse dos especialistas, principalmente depois da descoberta do PV , em 1914.
Tem-se notícia de mais de cinqüenta edições de sua obra (embora nem todas tão bem
cuidadas).
Martim Codax é um poeta na expressão mais pura do termo, e, por isso, não se ateve às
regras rígidas do pa-ralelismo. Desenvolve uma temática restrita que se desenrola num cenário
que não trascende das ondas da ria e do adro da igrejinha de Vigo, mas conseguiu impregnar
suas palavras, reiteradas melodicamente, de intensa emoção lírica, de certo encantamento
primitivo, derivado em parte do tônus exclamativo-indagativo com que a niña-virgo,
enamorada e saudosa, se dirige às ondas, a Deus e a si própria em busca de novas do amigo,
que inexplicavelmente tarda, sabendo-se sem ela ao pé.
3. ESTUDO DE QUATRO CANTIGAS DE MARTIM CODAX (SÉCULO XIII)
CANTIGA 1
Mia irmã fremosa, treides comigo
a la igreja de Vigo, u é o mar salido:
e miraremo-las ondas.
Mia irmã fremosa, treides de grado
a la igreja de Vigo, u é o mar levado:
e miraremos-las ondas.
A la igreja de Vigo, u é o mar salido,
e verrá i, madre, o meu amigo:
e miraremo-las ondas.
A la igreja de Vigo, u é o mar levado,
e verrá i, madre, o meu amado:
e miraremo-las ondas.
CANTIGA 2
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo?
E ay Deus, se verrá cedo!
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado?
E ay Deus, se verrá cedo!
Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro?
E ay Deus, se verrá cedo!
Se vistes meu amado,
por que ey gran coidado?
E ay Deus, se verrá cedo!
As Cantigas 1 e 2 são do tipo em que a moça canta às águas a espera do amado e clama pela
sua volta, pedindo o auxílio do mar ou do rio.
Nas Cantigas 1 e 2, vê-se uma estruturação simples, onde cada par de estrofes mantém forma
semelhante com pequenas variações semanticamente apoiadas; é o chamado paralelismo
semântico.
Observem-se as combinações:
CANTIGA 1
Mia irmã fremosa, treides comigo a la igreja de Vigo, u é o mar salido: e verrá i, madre, o meu
amigo:
Mia irmã fremosa, treides de grado a la igreja de Vigo, u é o mar levado: e verrá i, madre, o
meu amado:
noção de modo afastamento bem-querer
CANTIGA 2
Ondas do mar
de Vigo, se vistes meu amigo? o por que eu
sospiro?
Ondas do mar
levado se vistes meu amado? por que ey
gran coida-do?
noção de afastamento bem-querer espera
Como é possível objetivar pelo gráfico, o esquema estrutural é simples, e a repetição se faz
previsível nas Canti-gas 1 e 2.
No terceiro par, o termo sospiro promove a mudança do modelo rímico — sustentado até aí em
-IGO (Vi-go/amigo) — trazendo o padrão imperfeito de rima para a cantiga.
CANTIGA 3
Ai Deus, se sab’ora meu amigo
Com’eu senlheira estou en Vigo
e vou namorada.
Ai Deus, se sab’ora meu amado
Com’eu en Vigo senlheira manho
e vou namorada.
Com’eu senlheira estou en Vigo
e nulhas guardas non el comigo
e vou namorada.
Com’eu en Vigo senlheira manho
e nulhas guardas migo non trago
e vou namorada.
E nulhas guardas non el comigo
ergas meus olhos que choran migo
e vou namorada
E nulhas guardas migo non trago
ergas meus olhos que choran ambos
e vou namorada
A Cantiga 3 já apresenta algumas novidades:
? no nível semântico, vemos uma moça que lamenta o amor ausente e declara sua solidão,
sem explicitar qual-quer pedido de ajuda;
? no nível estrutural, tem-se a simetria (ou cruzamento) que gera imagens em espelho. Esta
construção sugere os efeitos paradoxais do amor e da espera.
Leia-se o quadro:
espera-se o amor para não sofrer
sofre-se o amor por esperar
Assim, usa o autor as expressões senlheira (=sozinha) en Vigo (localização geográfica) como
as pedras do jogo das inversões:
Estrofe 1 linha 2 senlheira en Vigo
Estrofe 2 linha 2 en Vigo senlheira
Estrofe 3 linha 1 senlheira en Vigo
Estrofe 4 linha 1 en Vigo senlheira
Também o sintagma E nulhas guardas (= e nada ficou) é usado naquele molde estrutural,
reforçando assim a idéia de isolamento e solidão.
Apesar das modificações detectadas na Cantiga 3, percebe-se que a previsibilidade formal é
uma marca da força do paralelismo, uma vez que, seja em repetições emparelhadas seja em
repetições cruzadas, o que rege a produção é a repetição.
Ainda nesta Cantiga vemos outros cruzamentos especiais:
Estrofe 3 linha 2 e nulhas guardas non el comigo
Estrofe 4 linha 2 e nulhas guardas migo non trago
Estrofe 5 linha 1 e nulhas guardas non el comigo
Estrofe 6 linha 1 e nulhas guardas migo non trago
Observe-se que a expressão e nulhas guardas se repete nos quatro versos (um de cada
estrofe) com uma varia-ção apenas do segundo membro.
Ainda se vê outra repetição nova nas duas últimas estrofes:
Estrofe 5 linha 2 ergas meus olhos que choran migo
Estrofe 6 linha 2 ergas meus olhos que choran ambos
Consideramos padrões diferenciados de repetição nesta cantiga pela presença da simetria
centrada em três tipos de paralelismo:
? Padrão 1— paralelismo sintático: nas primeiras quatro estrofes: senlheira / en Vigo ? simetria
de sintagma nominal
? Padrão 2 — paralelismo semântico: da estrofe 4 à 6: e nulhas guardas + x ? repetição
oracional com sime-tria semântica: non el comigo & migo non trago;
? Padrão 3 — paralelismo sintático-semântico: das estrofes 5 e 6: ergas meus olhos que
choran + x ? repeti-ção racional seguida de simetria de sintagma oracional. Neste caso,
combinam-se os dois modelos utilizados nos padrões 1 e 2.
Diagramaticamente considerados, os padrões empregados demonstram a formulação do
raciocínio ali expresso: tese 1 + tese 2 + conclusão.
CANTIGA 4
Eno sagrado, en Vigo,
bailava corpo velido :
amor ei!
En Vigo, (e) no sagrado,
bailava corpo delgado :
amor ei!
Bailava corpo delgado,
que nunca ouver’amado :
amor ei!
Que nunca ouver’amigo,
ergas no sagrad’, en Vigo:
amor ei!
Que nunca ouver’amado,
ergue’en Vigo, no sagrado:
amor ei!
Quanto à Cantiga 4, vê-se manifesto um modelo mais complexo de cruzamentos paralelísticos,
a saber:
Padrão 1
Estrofe 1 linha 1 Eno sagrado, en Vigo
Estrofe 2 linha 1 En Vigo, (e) no sagrado,
Estrofe 4 linha 2 no sagrado, en Vigo
Estrofe 5 linha 2 en Vigo no sagrado,
Padrão 2a:
Estrofe 1 linha 2 bailava corpo velido
Estrofe 2 linha 2 bailava corpo delgado
Estrofe 3 linha 1 bailava corpo delgado
Padrão 2b:
Estrofe 3 linha 2 que nunca ouver’ amado
Estrofe 4 linha 1 que nunca ouver’ amigo
Estrofe 5 linha 1 que nunca ouver’ amado
Padrão 3
Estrofe 4 linha 2 ergas no sagrad’, en Vigo:
Estrofe 5 linha 2 ergue’en Vigo, no sagrado
Padrão 1: nas estrofes 1 e 2 & 4 e 5 — En(o) sagrado & en Vigo ? repetição e cruzamento de
sintagmas nominais adverbiais, formando o paralelismo sintático
Padrão 2:
? 2a) nas estrofes 1 a 3 — Bailava corpo + x ? repetição de sintagma oracional seguida de
cruzamento de sintagmas nominais adjetivos, gerando o paralelismo semântico. Ali também se
verifica a repetição emparelhada nas estrofes 2 e 3, onde o verso 2 da estrofe 2 é o verso 1 da
estrofe 3.
? 2b) nas estrofes 3 a 5 — Que nunca ouver’+ x ? repetição de sintagma oracional seguida de
cruzamento de sintag-mas nominais substantivos.
Padrão 3: nas estrofes 4 e 5 — ergas no sagrad’, en Vigo: & ergue’en Vigo, no sagrado: ?
onde se manifestam o pa-ralelismo verbal ergas/ergue; o paralelismo simétrico no sagrado &
en Vigo.
Os cantares d’amigo apresentam um quadro paisagístico com quase todos os seus elementos:
a costumada espe-ra do amigo no porto depois de sua longa ausência; a presença da mãe e da
irmã como confidentes do drama sentimental da donzela; a igreja como ponto de referência
dos fatos mais importantes da vida amorosa das populações burguesas da época; e a
participação da natureza: as ondas, o mar encapelado, cuja função é meramente utilitária. A
feição paralelísti-ca, rudimentar, justifica a repetição das pequeninas imagens que dão
contorno poético a um conteúdo circunstancial.
Nas Cantigas apreciadas, o que se vê é uma evolução na utilização dos recursos que definiam
a criação poética da época, transformando-os numa astuciosa variedade de combinações que,
aliando forma e conteúdo, desenhavam qua-dros ímpares de situações comuns e
repetidamente vividas pelo lirismo medieval.
Portanto, cremos que eleger textos de Martim Codax para demonstrar a riqueza do paralelismo
enquanto recur-so poético pode resultar até no desejo de experimentar os modelos e,
arregaçando as mangas, dar asas à imaginação e entrar a produzir cantigas contemporâneas
que possam dizer do amor, da espera e da solidão que cada vez sempre ca-racterizam a alma
humana.
É possível verificarem-se, na Música Popular Brasileira, construções inspiradas nos modelos das
cantigas medi-evais. Compositores como Chico Buarque , Caetano Veloso e Elomar Figueira
de Melo souberam demonstrar que, a despeito das mudanças sócio-culturais, o homem
continua apaixonado, romântico e, quando é possível, conversa com deuses, forças da
natureza, rios, mares e ventos para pedir ajuda ou, simplesmente, para cantar seu amor.
Também podem revelar em suas obras a produtividade da repetição enquanto sinal de mestria
poética. Para ava-liar tal recurso, basta examinar as letras de Construção, de Chico Buarque,
ou Quereres, de Caetano Veloso, para que seja constatada a riqueza da reutilização de formas
lingüísticas na estruturação de ritmos e rimas ou na expressão de mundividências muito
especiais.
Vale a pena conferir.
Padrão 1: nas estrofes 1 e 2 & 4 e 5 — En(o) sagrado & en Vigo ? repetição e cruzamento de
sintagmas nominais adverbiais, formando o paralelismo sintático
Padrão 2:
? 2a) nas estrofes 1 a 3 — Bailava corpo + x ? repetição de sintagma oracional seguida de
cruzamento de sintagmas nominais adjetivos, gerando o paralelismo semântico. Ali também se
verifica a repetição emparelhada nas estrofes 2 e 3, onde o verso 2 da estrofe 2 é o verso 1 da
estrofe 3.
? 2b) nas estrofes 3 a 5 — Que nunca ouver’+ x ? repetição de sintagma oracional seguida de
cruzamento de sintag-mas nominais substantivos.
Padrão 3: nas estrofes 4 e 5 — ergas no sagrad’, en Vigo: & ergue’en Vigo, no sagrado: ?
onde se manifestam o pa-ralelismo verbal ergas/ergue; o paralelismo simétrico no sagrado &
en Vigo.
Os cantares d’amigo apresentam um quadro paisagístico com quase todos os seus elementos:
a costumada espe-ra do amigo no porto depois de sua longa ausência; a presença da mãe e da
irmã como confidentes do drama sentimental da donzela; a igreja como ponto de referência
dos fatos mais importantes da vida amorosa das populações burguesas da época; e a
participação da natureza: as ondas, o mar encapelado, cuja função é meramente utilitária. A
feição paralelísti-ca, rudimentar, justifica a repetição das pequeninas imagens que dão
contorno poético a um conteúdo circunstancial.
Nas Cantigas apreciadas, o que se vê é uma evolução na utilização dos recursos que definiam
a criação poética da época, transformando-os numa astuciosa variedade de combinações que,
aliando forma e conteúdo, desenhavam qua-dros ímpares de situações comuns e
repetidamente vividas pelo lirismo medieval.
Portanto, cremos que eleger textos de Martim Codax para demonstrar a riqueza do paralelismo
enquanto recur-so poético pode resultar até no desejo de experimentar os modelos e,
arregaçando as mangas, dar asas à imaginação e entrar a produzir cantigas contemporâneas
que possam dizer do amor, da espera e da solidão que cada vez sempre ca-racterizam a alma
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Também podem revelar em suas obras a produtividade da repetição enquanto sinal de mestria
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O PARALELISMO COMO RECURSO ESTILÍSTICO DAS CANTIGAS DE MARTIM CODAX

  • 1. O PARALELISMO COMO RECURSO ESTILÍSTICO DAS CANTIGAS DE MARTIM CODAX. Darcilia Simões (UERJ) 1. O PARALELISMO NA LÍRICA MEDIEVAL Trata-se de princípio rítmico de organização de textos poéticos, que se encontra na poesia popular dos mais re-motos países. O paralelismo define-se pela reiteração em estrofes sucessivas, quer de sentidos, quer de construções sintáticas. É característico dos velhos cantares de amigo galego-portugueses, onde se requinta com o uso do leixa-pren (repetição, no início de uma estrofe, do último verso, ou apenas de algumas palavras, da estrofe anterior); penetrou nas cantigas de amor e de maldizer; ainda persistiu em Gil Vicente e na tradição popular galego-portuguesa, até nossos dias. Para alguns estudiosos, a linguagem do trovadorismo galego-português seria formal e mantenedora da tradição Representando, portanto, uma norma em certos pontos atrasada relativamente à língua da época, natural seria que conti-vesse alguns arcaísmos, mais visíveis nas cantigas paralelísticas. Tudo isto é perfeitamente compreensível se observado do ângulo da necessidade técnica que revestia a linguagem poética medieval . As marcas mais fortes seriam: ? aspecto formal comum, rígido e repetido ? vocabulário reduzido e fixo ? construções idênticas ? temática semelhante e reiterada Assim, conclui-se que o ideal literário era cifrado no perfeito domínio da técnica comum: o poeta seria tanto melhor quanto maior virtude canônica revelasse no uso dos processos, conteúdos e formas correntes. Ou seja, as varia-ções sobre um mesmo tema seriam maiores que a criação intelectual. Daquele conjunto de normas, tomamos o paralelismo como recurso da mais alta expressividade quando a marca é a repetição. O paralelismo tem grande importância para a compreensão estética da nossa lírica medieval. Segundo alguns estudiosos (cf. Eugenio Asensio) o paralelismo era imperativo sobre as pausas, ritmo, rima, etc. O paralelismo compõe um jogo de simetrias que põe a descoberto os pólos mais expressivos da arte: a repetição e a variação, sendo que a repe-tição mantém a hegemonia enquanto recurso estruturador. Um esquema típico é o seguinte: ? estrofes de dois versos seguidos de refrão, o 2º verso da 1ª estrofe repete-se como 1º, da 3ª, o 2º verso da 2ª repete-se como 1º da 4ª, e assim por diante. Casos há em que esse esquema não é observado com rigor — casos de paralelismo imperfeito — assinalados por Costa Pimpão na sua História da Literatura Portuguesa — Idade Média — 2ª ed., 1959, p 153-154. O paralelismo é uma marca decisiva da ligação original da poesia ao canto e à dança. Dois coros cantariam as estrofes alternadamente; o refrão seria cantado pelos dois coros simultaneamente, ou por um solista. O paralelismo, no dizer de O. M. Garcia , é um recurso de construção por meio do que é garantida a coerência das idéias que se pretende expor. É, portanto, um processo estrutural que visa à clareza dos enunciados. O paralelismo gramatical (ou sintático) é o mais relevante dentre os paralelismos, porque, quando não obser-vado, pode gerar ruído na comunicação, quebrando o trânsito da mensagem entre emissor e receptor, denunciando construção defeituosa. Na poesia, o paralelismo sintático é um recurso formal muito explorado, já que pode contribuir no ritmo, na rima, na construção dos significados, na diagramação das idéias, enfim, na
  • 2. formulação icônica do texto. O estudo do paralelismo é pertinente à sintaxe estrutural , onde são examinadas as várias maneiras de compor e armar a frase, desviando-a, sob o influxo de certos fatores psicológicos, dos seus tipos normais ou lógicos, quer na con-cordância ou na regência, quer na construção ou na expressão dos seus elementos, por isso se presta também a caracteri-zar estilos. O autor que escolhemos — MARTIM CODAX — para demonstrar a expressividade do paralelismo na poesia medieval está incluso entre os que produziram as barcarolas ou marinhas. Tratam-se estas de cantigas de amigo que versam sobre assuntos referentes ao ar ou ao rio. Afora um certo número em que a moça vai apenas banhar-se ao rio, ou da margem vê o barco deslizar pelas águas, nas barcarolas ela geralmente se lamenta do amado, ou, durante a sua ausên-cia, pede às ondas notícias dele, ou ainda, ansiosa, vai esperar os navios para tornar a vê-lo. 2. QUEM É MARTIM CODAX Jogral ou segrel galego, possivelmente ativo em meados ou terceiro quartel do século XIII, cujas cantigas, num total de sete, foram conservadas pelos apógrafos italianos (CBN 1278- 1284; CV 884-890) e por precioso rolo mem-branáceo da época, o chamado Pergaminho Vindel, que, a par do texto poético, traz notação da melodia que o acompa-nhava, caso único na lírica profana galego-portuguesa. Nenhum poeta dos cancioneiros tem despertado maior interesse dos especialistas, principalmente depois da descoberta do PV , em 1914. Tem-se notícia de mais de cinqüenta edições de sua obra (embora nem todas tão bem cuidadas). Martim Codax é um poeta na expressão mais pura do termo, e, por isso, não se ateve às regras rígidas do pa-ralelismo. Desenvolve uma temática restrita que se desenrola num cenário que não trascende das ondas da ria e do adro da igrejinha de Vigo, mas conseguiu impregnar suas palavras, reiteradas melodicamente, de intensa emoção lírica, de certo encantamento primitivo, derivado em parte do tônus exclamativo-indagativo com que a niña-virgo, enamorada e saudosa, se dirige às ondas, a Deus e a si própria em busca de novas do amigo, que inexplicavelmente tarda, sabendo-se sem ela ao pé. 3. ESTUDO DE QUATRO CANTIGAS DE MARTIM CODAX (SÉCULO XIII) CANTIGA 1 Mia irmã fremosa, treides comigo a la igreja de Vigo, u é o mar salido: e miraremo-las ondas. Mia irmã fremosa, treides de grado a la igreja de Vigo, u é o mar levado: e miraremos-las ondas. A la igreja de Vigo, u é o mar salido, e verrá i, madre, o meu amigo: e miraremo-las ondas. A la igreja de Vigo, u é o mar levado, e verrá i, madre, o meu amado: e miraremo-las ondas. CANTIGA 2 Ondas do mar de Vigo,
  • 3. se vistes meu amigo? E ay Deus, se verrá cedo! Ondas do mar levado, se vistes meu amado? E ay Deus, se verrá cedo! Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro? E ay Deus, se verrá cedo! Se vistes meu amado, por que ey gran coidado? E ay Deus, se verrá cedo! As Cantigas 1 e 2 são do tipo em que a moça canta às águas a espera do amado e clama pela sua volta, pedindo o auxílio do mar ou do rio. Nas Cantigas 1 e 2, vê-se uma estruturação simples, onde cada par de estrofes mantém forma semelhante com pequenas variações semanticamente apoiadas; é o chamado paralelismo semântico. Observem-se as combinações: CANTIGA 1 Mia irmã fremosa, treides comigo a la igreja de Vigo, u é o mar salido: e verrá i, madre, o meu amigo: Mia irmã fremosa, treides de grado a la igreja de Vigo, u é o mar levado: e verrá i, madre, o meu amado: noção de modo afastamento bem-querer CANTIGA 2 Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? o por que eu sospiro? Ondas do mar levado se vistes meu amado? por que ey gran coida-do? noção de afastamento bem-querer espera Como é possível objetivar pelo gráfico, o esquema estrutural é simples, e a repetição se faz previsível nas Canti-gas 1 e 2. No terceiro par, o termo sospiro promove a mudança do modelo rímico — sustentado até aí em -IGO (Vi-go/amigo) — trazendo o padrão imperfeito de rima para a cantiga. CANTIGA 3 Ai Deus, se sab’ora meu amigo Com’eu senlheira estou en Vigo e vou namorada. Ai Deus, se sab’ora meu amado Com’eu en Vigo senlheira manho e vou namorada.
  • 4. Com’eu senlheira estou en Vigo e nulhas guardas non el comigo e vou namorada. Com’eu en Vigo senlheira manho e nulhas guardas migo non trago e vou namorada. E nulhas guardas non el comigo ergas meus olhos que choran migo e vou namorada E nulhas guardas migo non trago ergas meus olhos que choran ambos e vou namorada A Cantiga 3 já apresenta algumas novidades: ? no nível semântico, vemos uma moça que lamenta o amor ausente e declara sua solidão, sem explicitar qual-quer pedido de ajuda; ? no nível estrutural, tem-se a simetria (ou cruzamento) que gera imagens em espelho. Esta construção sugere os efeitos paradoxais do amor e da espera. Leia-se o quadro: espera-se o amor para não sofrer sofre-se o amor por esperar Assim, usa o autor as expressões senlheira (=sozinha) en Vigo (localização geográfica) como as pedras do jogo das inversões: Estrofe 1 linha 2 senlheira en Vigo Estrofe 2 linha 2 en Vigo senlheira Estrofe 3 linha 1 senlheira en Vigo Estrofe 4 linha 1 en Vigo senlheira Também o sintagma E nulhas guardas (= e nada ficou) é usado naquele molde estrutural, reforçando assim a idéia de isolamento e solidão. Apesar das modificações detectadas na Cantiga 3, percebe-se que a previsibilidade formal é uma marca da força do paralelismo, uma vez que, seja em repetições emparelhadas seja em repetições cruzadas, o que rege a produção é a repetição. Ainda nesta Cantiga vemos outros cruzamentos especiais: Estrofe 3 linha 2 e nulhas guardas non el comigo Estrofe 4 linha 2 e nulhas guardas migo non trago Estrofe 5 linha 1 e nulhas guardas non el comigo Estrofe 6 linha 1 e nulhas guardas migo non trago Observe-se que a expressão e nulhas guardas se repete nos quatro versos (um de cada estrofe) com uma varia-ção apenas do segundo membro. Ainda se vê outra repetição nova nas duas últimas estrofes: Estrofe 5 linha 2 ergas meus olhos que choran migo Estrofe 6 linha 2 ergas meus olhos que choran ambos Consideramos padrões diferenciados de repetição nesta cantiga pela presença da simetria centrada em três tipos de paralelismo: ? Padrão 1— paralelismo sintático: nas primeiras quatro estrofes: senlheira / en Vigo ? simetria
  • 5. de sintagma nominal ? Padrão 2 — paralelismo semântico: da estrofe 4 à 6: e nulhas guardas + x ? repetição oracional com sime-tria semântica: non el comigo & migo non trago; ? Padrão 3 — paralelismo sintático-semântico: das estrofes 5 e 6: ergas meus olhos que choran + x ? repeti-ção racional seguida de simetria de sintagma oracional. Neste caso, combinam-se os dois modelos utilizados nos padrões 1 e 2. Diagramaticamente considerados, os padrões empregados demonstram a formulação do raciocínio ali expresso: tese 1 + tese 2 + conclusão. CANTIGA 4 Eno sagrado, en Vigo, bailava corpo velido : amor ei! En Vigo, (e) no sagrado, bailava corpo delgado : amor ei! Bailava corpo delgado, que nunca ouver’amado : amor ei! Que nunca ouver’amigo, ergas no sagrad’, en Vigo: amor ei! Que nunca ouver’amado, ergue’en Vigo, no sagrado: amor ei! Quanto à Cantiga 4, vê-se manifesto um modelo mais complexo de cruzamentos paralelísticos, a saber: Padrão 1 Estrofe 1 linha 1 Eno sagrado, en Vigo Estrofe 2 linha 1 En Vigo, (e) no sagrado, Estrofe 4 linha 2 no sagrado, en Vigo Estrofe 5 linha 2 en Vigo no sagrado, Padrão 2a: Estrofe 1 linha 2 bailava corpo velido Estrofe 2 linha 2 bailava corpo delgado Estrofe 3 linha 1 bailava corpo delgado Padrão 2b: Estrofe 3 linha 2 que nunca ouver’ amado Estrofe 4 linha 1 que nunca ouver’ amigo Estrofe 5 linha 1 que nunca ouver’ amado Padrão 3 Estrofe 4 linha 2 ergas no sagrad’, en Vigo: Estrofe 5 linha 2 ergue’en Vigo, no sagrado
  • 6. Padrão 1: nas estrofes 1 e 2 & 4 e 5 — En(o) sagrado & en Vigo ? repetição e cruzamento de sintagmas nominais adverbiais, formando o paralelismo sintático Padrão 2: ? 2a) nas estrofes 1 a 3 — Bailava corpo + x ? repetição de sintagma oracional seguida de cruzamento de sintagmas nominais adjetivos, gerando o paralelismo semântico. Ali também se verifica a repetição emparelhada nas estrofes 2 e 3, onde o verso 2 da estrofe 2 é o verso 1 da estrofe 3. ? 2b) nas estrofes 3 a 5 — Que nunca ouver’+ x ? repetição de sintagma oracional seguida de cruzamento de sintag-mas nominais substantivos. Padrão 3: nas estrofes 4 e 5 — ergas no sagrad’, en Vigo: & ergue’en Vigo, no sagrado: ? onde se manifestam o pa-ralelismo verbal ergas/ergue; o paralelismo simétrico no sagrado & en Vigo. Os cantares d’amigo apresentam um quadro paisagístico com quase todos os seus elementos: a costumada espe-ra do amigo no porto depois de sua longa ausência; a presença da mãe e da irmã como confidentes do drama sentimental da donzela; a igreja como ponto de referência dos fatos mais importantes da vida amorosa das populações burguesas da época; e a participação da natureza: as ondas, o mar encapelado, cuja função é meramente utilitária. A feição paralelísti-ca, rudimentar, justifica a repetição das pequeninas imagens que dão contorno poético a um conteúdo circunstancial. Nas Cantigas apreciadas, o que se vê é uma evolução na utilização dos recursos que definiam a criação poética da época, transformando-os numa astuciosa variedade de combinações que, aliando forma e conteúdo, desenhavam qua-dros ímpares de situações comuns e repetidamente vividas pelo lirismo medieval. Portanto, cremos que eleger textos de Martim Codax para demonstrar a riqueza do paralelismo enquanto recur-so poético pode resultar até no desejo de experimentar os modelos e, arregaçando as mangas, dar asas à imaginação e entrar a produzir cantigas contemporâneas que possam dizer do amor, da espera e da solidão que cada vez sempre ca-racterizam a alma humana. É possível verificarem-se, na Música Popular Brasileira, construções inspiradas nos modelos das cantigas medi-evais. Compositores como Chico Buarque , Caetano Veloso e Elomar Figueira de Melo souberam demonstrar que, a despeito das mudanças sócio-culturais, o homem continua apaixonado, romântico e, quando é possível, conversa com deuses, forças da natureza, rios, mares e ventos para pedir ajuda ou, simplesmente, para cantar seu amor. Também podem revelar em suas obras a produtividade da repetição enquanto sinal de mestria poética. Para ava-liar tal recurso, basta examinar as letras de Construção, de Chico Buarque, ou Quereres, de Caetano Veloso, para que seja constatada a riqueza da reutilização de formas lingüísticas na estruturação de ritmos e rimas ou na expressão de mundividências muito especiais. Vale a pena conferir.
  • 7. Padrão 1: nas estrofes 1 e 2 & 4 e 5 — En(o) sagrado & en Vigo ? repetição e cruzamento de sintagmas nominais adverbiais, formando o paralelismo sintático Padrão 2: ? 2a) nas estrofes 1 a 3 — Bailava corpo + x ? repetição de sintagma oracional seguida de cruzamento de sintagmas nominais adjetivos, gerando o paralelismo semântico. Ali também se verifica a repetição emparelhada nas estrofes 2 e 3, onde o verso 2 da estrofe 2 é o verso 1 da estrofe 3. ? 2b) nas estrofes 3 a 5 — Que nunca ouver’+ x ? repetição de sintagma oracional seguida de cruzamento de sintag-mas nominais substantivos. Padrão 3: nas estrofes 4 e 5 — ergas no sagrad’, en Vigo: & ergue’en Vigo, no sagrado: ? onde se manifestam o pa-ralelismo verbal ergas/ergue; o paralelismo simétrico no sagrado & en Vigo. Os cantares d’amigo apresentam um quadro paisagístico com quase todos os seus elementos: a costumada espe-ra do amigo no porto depois de sua longa ausência; a presença da mãe e da irmã como confidentes do drama sentimental da donzela; a igreja como ponto de referência dos fatos mais importantes da vida amorosa das populações burguesas da época; e a participação da natureza: as ondas, o mar encapelado, cuja função é meramente utilitária. A feição paralelísti-ca, rudimentar, justifica a repetição das pequeninas imagens que dão contorno poético a um conteúdo circunstancial. Nas Cantigas apreciadas, o que se vê é uma evolução na utilização dos recursos que definiam a criação poética da época, transformando-os numa astuciosa variedade de combinações que, aliando forma e conteúdo, desenhavam qua-dros ímpares de situações comuns e repetidamente vividas pelo lirismo medieval. Portanto, cremos que eleger textos de Martim Codax para demonstrar a riqueza do paralelismo enquanto recur-so poético pode resultar até no desejo de experimentar os modelos e, arregaçando as mangas, dar asas à imaginação e entrar a produzir cantigas contemporâneas que possam dizer do amor, da espera e da solidão que cada vez sempre ca-racterizam a alma humana. É possível verificarem-se, na Música Popular Brasileira, construções inspiradas nos modelos das cantigas medi-evais. Compositores como Chico Buarque , Caetano Veloso e Elomar Figueira de Melo souberam demonstrar que, a despeito das mudanças sócio-culturais, o homem continua apaixonado, romântico e, quando é possível, conversa com deuses, forças da natureza, rios, mares e ventos para pedir ajuda ou, simplesmente, para cantar seu amor. Também podem revelar em suas obras a produtividade da repetição enquanto sinal de mestria poética. Para ava-liar tal recurso, basta examinar as letras de Construção, de Chico Buarque, ou Quereres, de Caetano Veloso, para que seja constatada a riqueza da reutilização de formas lingüísticas na estruturação de ritmos e rimas ou na expressão de mundividências muito especiais. Vale a pena conferir.