O Porto nas lutas pela liberdade Gaspar Martins Pereira (FLUP/CITCEM) Escola Secundária Rodrigues de Freitas, 28 de Janeiro de 2009
TÓPICOS: 1. O Porto, «baluarte da liberdade»? Uma «democracia urbana»? «Liberdade» ou «liberdades»? 2. O protagonismo do Porto nos movimentos liberais e reformadores no século XIX 3. Decadência, nacionalismo, regeneração 4. O 31 de Janeiro, um momento de viragem 5. A participação do Porto nas lutas pela liberdade no século XX 6. O 31 de Janeiro como símbolo de liberdade
O Porto, «baluarte da liberdade»? Uma «demo-cracia urbana»? «Liberdade» ou «liberdades»? De onde vem a ideia de que existe no Porto uma cultura ou tradição da liberdade? A formação do burgo medieval, quando os burgueses se envolveram aqui «em luta acesa e porfiada com os bispos extorsores, num duelo de perto de três séculos, em que a mão armada se entremeava com as demandas e as excomunhões até rasgarem com o apoio da realeza a odiosa carta da suserania episcopal» (Ricardo JORGE, 1899).  Finais do século XIV, uma próspera «democracia urbana», «um pequeno Estado dentro do Estado» (Jaime CORTESÃO, 1930). «O culto das regalias e liberdades cívicas estava na velha tradição do Portuense, ferrenhamente cioso dos seus amplos privilégios e direitos» (Magalhães BASTO, 1932).
Obrigações dos «vizinhos» da cidade do Porto (início do século XV), referindo a obrigação de defenderem os «privilégios e liberdades» da cidade
«Liberdade» ou «liberdades»? A liberdade — ou melhor, as liberdades — constitui a palavra-chave, o ideal que marca a evolução multi-secular da civilização europeia. Não se trata, pois, de um fenómeno local ou regional, mas sim de um fenómeno de civilização, criado em toda a Europa urbana dos séculos XI a XIII, numa conjuntura de crescimento material proporcionado pelo florescimento das actividades artesanais e mercantis.  Entre as liberdades, entendidas como imunidades, direitos e privilégios, conquistadas pelos burgueses da Idade Média, na luta contra os senhores feudais, e o conceito contemporâneo de liberdade, que se articula com os de igualdade e a fraternidade propostos pelo ideal revolucionário francês e pelos liberalismos oitocentistas, há continuidades e rupturas.
A liberdade pela qual lutam os burgueses da Idade Média não é a liberdade individual, mas sim a liberdade de grupo, as liberdades. Neste sentido plural, não se distinguem dos privilégios. É, contudo, através desta luta pelas liberdades que se forma o conceito de cidadão, ele mesmo caracterizado pelo gozo de determinados privilégios face aos senhores ou face ao rei e ao Estado, quando este tende a unificar-se no processo de centralização do poder. No caso do Porto, para além das liberdades face aos senhores, duramente conquistadas no período medieval, parece reivindicar-se, recorrentemente, a autonomia e os privilégios face ao poder central sediado em Lisboa.
« O liberalismo burguês primitivo foi sobretudo uma luta de retaguarda, e não desinteressada, contra o Antigo Regime aristocrático, um desafio aos direitos adquiridos que tradições velhas de meio milénio haviam feito sagrados. É assim que ele se insere entre o Antigo Regime e a sua sociedade aristocrática, que demoliu, e a sociedade industrial onde o proletariado operário reclama os seus direitos. Em resumo, esta pretensa procura da liberdade parece aproximar-se, mau grado as aparências, dos velhos combates dos grupos por liberdades, que são outros tantos privilégios »  (Fernand Braudel —  Gramática das Civilizações )
2. O protagonismo do Porto nos movimentos liberais e reformadores no século XIX 1808-1809: luta contra a dominação francesa 1820: 1ª revolução liberal 1828: luta contra o absolutismo miguelista 1832-33: Cerco do Porto / vitória liberal 1836: eleição de deputados democratas / Setembrismo / Passos Manuel 1843: «motim da Praça Nova», luta contra o cabralismo 1846: Patuleia 1851: Regeneração 1868: Janeirinha 1878: eleição do 1º deputado republicano 1891: revolta republicana de 31 de Janeiro
3. Decadência, nacionalismo, regeneração O que move as burguesias portuenses na luta pelas liberdades? Em todas as revoluções liberais do século XIX, a palavra-chave é «regeneração». Apela-se ao retorno à idade mítica de grandeza da Pátria, ameaçada pela decadência. A ideia de decadência nacional legitima a acção revolucionária, que assume, assim, um carácter redentor e messiânico, que anuncia as mudanças necessárias para a salvação da Nação. Em si mesmo, o ideário regenerador, nacional e supra-classista, não é necessariamente liberal, democrático ou republicano. Pode até assumir um cunho conservador e autoritário, usando o imperativo nacional, considerado indiscutível, da salvação da Pátria, acima dos interesses e liberdades individuais ou de grupo, como aconteceu na primeira fase do Estado Novo.
Pronunciamento de 24 de Agosto de 1820 «A TROPA OUVINDO PRIMEIRO MISSA NA PRAÇA DA  REGENERAÇÃO  EM 24 DE AGOSTO DE 1820» «PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO; AONDE NO MESMO DIA CONCORREU A TROPA, NOBREZA E POVO A DAR O JURAMENTO DE SE UNIREM NA  REGENERAÇÃO  DE PORTUGAL CONVOCANDO NOVAS CORTES»
4. O 31 de Janeiro, um momento de viragem Da ideia tradicional de «regeneração» ao apelo à participação cívica, ao envolvimento colectivo e democrático nas mudanças necessárias e à reforma «moral» / a «ética republicana» / o «bom cidadão» Liga Patriótica do Norte (1890): «… promover a defesa material, o fomento económico e reorganização financeira e todos os progressos que melhor garantam no futuro a independência e prosperidade da Nação».
Bandeira hasteada na Câmara do Porto no 31 de Janeiro
« Portugal expia com a amargura deste momento de humilhação e ansiedade de quarenta anos de egoísmo, de imprevidência e de relaxamento dos costumes políticos — quarenta anos de paz profunda que uma sorte raríssima nos concedeu e que só soubemos malbaratar na intriga, na vaidade, no gozo material, em vez de os aproveitar no trabalho, na reforma das instituições e no progresso das ideias. Sob o insulto imprevisto esta nação parece agora acordar: mas é necessário que o protesto nacional seja ao mesmo tempo um acto de contricção da consciência pública: Reconhecer os erros passados será já um começo de emenda, e temos muito e muito que emendar. O nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos. Só um falso patriotismo, falso e criminosamente vaidoso, pode afirmar o contrário.  Declamar contra a Inglaterra é fácil: emendar os defeitos da nossa vida nacional será mais difícil; mas só essa desforra será honrosa, só ela salvadora. Portugal, ou se reformará, política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser efectiva e fecunda, deve partir de dentro, do mais fundo do nosso ser colectivo: deve ser antes de tudo uma reforma dos sentimentos e dos costumes. Enganam-se os que julgam garantir o futuro e assegurar a nacionalidade com meios exteriores e materiais, com armamentos e alarde de força militar. Uma era nova começou para esta Nação, que acorda, como de um sonho, do seu optimismo egoísta e banal »  (Antero de Quental  -  A Província.  Porto, 26.01.1891 )
« A revolução impunha-se. Republicana? Conforme. Se o monarca nos saísse um alto e nobre carácter, um grande espírito juvenil e viva encarnação de ideal heróico, tanto melhor. A revolução estava feita. Imprimia-se, dum dia ao outro, no  Diário do Governo .  […]  Não se tratava por enquanto de modalidades orgânicas de existência; tratava-se de existir  […].  Quando um vapor alagado vai ao fundo, discute a marinhagem construções navais? Primeiro salvá-lo, o estaleiro depois. Quer dizer: a revolução urgente não era social, era moral  […].  A existência da pátria dependia da revolução. O rei não pôde, não soube ou não quis fazê-la. Em suma, não a fez. Perdeu-se. Que restava? Fazê-la o povo. Não a fazendo, perdia-se também. O rei, em vez de cortar o cancro, identificou-se com ele. Chaga maior, operação mais grave. Já ninguém suprimirá o cancro, sem suprimir a realeza. O republicanismo não é aqui uma fórmula de direito público; é a fórmula extrema de salvação pública. No prédio em chamas há só uma janela aberta. Preferem os monárquicos morrer queimados, por a janela estar pintada de vermelho? Fosse ela branca que eu saltaria sem escrúpulos. Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje, quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estupidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos. Não dum partido, da nação »  (Guerra JUNQUEIRO —  Pátria )
A derrota do 31 de Janeiro e a centralização da vida política e económica: « O centralismo predominante da capital, entretido por causas de toda a espécie, entre as quais avulta uma viciosa orientação de política geral, essa absorção desmesurada e mórbida, quasi cancerosa, sobre todo o organismo nacional, tem abatido os foros seculares que o Porto selou ainda em nossos tempos com sangue e sacrifícios »  (Ricardo JORGE, 1899).
A República sonhada e a República realizada: «[Lisboa]  em vez de conceber e sustentar uma república leal, nobre, seriamente devotada à conquista das liberdades perdidas e das tradições de civismo, como a sonharam os grandes espíritos do meu tempo, como a descreveram em páginas fulgurantes de fé puríssima, Manuel d’Arriaga, Rodrigues de Freitas, Sampaio, Latino e Garcia — quando o conceito se baloiçava na nuvem doirada do pensamento grandioso — fez dos farrapos da nossa crença e das lágrimas da nossa humilhação uma república (...) cheirando ao caldo das casernas e proclamando, por acto de presença, o estado de sítio. Já não há programas, nem promessas, nem dizeres formais, nem práticas parlamentares, nem praxes de política. Assegura-se, garante-se a ordem. Nem de mais carecem os ventres fartos e os espoliadores felizes. O que se quer, depois do saque, é a ordem, é a mantença do lugar, da honraria, do juro »  (SPADA, JN: 29.06.1920)
5. Participação do Porto nas lutas pela liberdade no século XX 1927 (3 Fev.): revolta republicana contra a ditadura militar 1945: grandes manifestações democráticas; grandes comícios do MUD 1949: candidatura presidencial de Norton de Matos: grandes comícios da  oposição democrática (Campo de Salgueiros, Fonte da Moura e Praça  das Flores) 1958: oposicionistas do Porto lançam a candidatura presidencial de  Humberto Delgado; grandes manifestações de apoio ao general; carta  do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Salazar, criticando o  regime; 1960: Cinquentenário da República: participação activa de democratas do  Porto na elaboração do «Programa para a Democratização da  República» 1961: Grandes manifestações populares nas comemorações do 31 de  Janeiro 1969: Participação activa de deputados do Porto na «Ala Liberal» 1970-1971: Movimentos católicos pela Paz
Revolta republicana de 3 de Fevereiro de 1927 contra a ditadura militar
Campanha presidencial de Norton de Matos. Comício da Fonte da Moura
Humberto Delgado abraça Eduardo Santos Silva que, em nome dos democratas do Porto, tinha proferido um discurso de boas-vindas ao general. Atrás, a imagem da República. Na rua, cerca de 200 mil pessoas ovacionavam Delgado…
« Sinto-me deslumbrado! Esta gente do Porto, insubmissa à tirania, acaba de me mostrar a luminosa estrada da Liberdade.  O meu coração ficará no Porto, já que no Porto nasceu, como noutros momentos históricos, o indomável espírito de luta que só terminará com o triunfo da liberdade em Portugal »  (Humberto DELGADO. Porto, 1958)
6. O 31 de Janeiro como símbolo de liberdade Apesar de derrotado, o movimento republicano de 31 de Janeiro acabou por adquirir, no século XX, um carácter heróico e mítico, como acontecimento fundador.  O ideário do 31 de Janeiro surge mitificado como portador de uma «República ética» / «República dos cidadãos», sucessivamente, evocado em novos projectos de regeneração.  Já não será apenas a velha tradição regeneradora liberal, mas também, articulando-se com ela, a aspiração democrática. Como em 1912, com a Renascença Portuguesa, ou depois, durante o Estado Novo, quando o 31 de Janeiro se transformou, definitivamente, em símbolo da tradição de participação cívica e da luta das gentes do Porto pela liberdade e pela democracia.

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O Porto Nas Lutas Pela Liberdade

  • 1. O Porto nas lutas pela liberdade Gaspar Martins Pereira (FLUP/CITCEM) Escola Secundária Rodrigues de Freitas, 28 de Janeiro de 2009
  • 2. TÓPICOS: 1. O Porto, «baluarte da liberdade»? Uma «democracia urbana»? «Liberdade» ou «liberdades»? 2. O protagonismo do Porto nos movimentos liberais e reformadores no século XIX 3. Decadência, nacionalismo, regeneração 4. O 31 de Janeiro, um momento de viragem 5. A participação do Porto nas lutas pela liberdade no século XX 6. O 31 de Janeiro como símbolo de liberdade
  • 3. O Porto, «baluarte da liberdade»? Uma «demo-cracia urbana»? «Liberdade» ou «liberdades»? De onde vem a ideia de que existe no Porto uma cultura ou tradição da liberdade? A formação do burgo medieval, quando os burgueses se envolveram aqui «em luta acesa e porfiada com os bispos extorsores, num duelo de perto de três séculos, em que a mão armada se entremeava com as demandas e as excomunhões até rasgarem com o apoio da realeza a odiosa carta da suserania episcopal» (Ricardo JORGE, 1899). Finais do século XIV, uma próspera «democracia urbana», «um pequeno Estado dentro do Estado» (Jaime CORTESÃO, 1930). «O culto das regalias e liberdades cívicas estava na velha tradição do Portuense, ferrenhamente cioso dos seus amplos privilégios e direitos» (Magalhães BASTO, 1932).
  • 4. Obrigações dos «vizinhos» da cidade do Porto (início do século XV), referindo a obrigação de defenderem os «privilégios e liberdades» da cidade
  • 5. «Liberdade» ou «liberdades»? A liberdade — ou melhor, as liberdades — constitui a palavra-chave, o ideal que marca a evolução multi-secular da civilização europeia. Não se trata, pois, de um fenómeno local ou regional, mas sim de um fenómeno de civilização, criado em toda a Europa urbana dos séculos XI a XIII, numa conjuntura de crescimento material proporcionado pelo florescimento das actividades artesanais e mercantis. Entre as liberdades, entendidas como imunidades, direitos e privilégios, conquistadas pelos burgueses da Idade Média, na luta contra os senhores feudais, e o conceito contemporâneo de liberdade, que se articula com os de igualdade e a fraternidade propostos pelo ideal revolucionário francês e pelos liberalismos oitocentistas, há continuidades e rupturas.
  • 6. A liberdade pela qual lutam os burgueses da Idade Média não é a liberdade individual, mas sim a liberdade de grupo, as liberdades. Neste sentido plural, não se distinguem dos privilégios. É, contudo, através desta luta pelas liberdades que se forma o conceito de cidadão, ele mesmo caracterizado pelo gozo de determinados privilégios face aos senhores ou face ao rei e ao Estado, quando este tende a unificar-se no processo de centralização do poder. No caso do Porto, para além das liberdades face aos senhores, duramente conquistadas no período medieval, parece reivindicar-se, recorrentemente, a autonomia e os privilégios face ao poder central sediado em Lisboa.
  • 7. « O liberalismo burguês primitivo foi sobretudo uma luta de retaguarda, e não desinteressada, contra o Antigo Regime aristocrático, um desafio aos direitos adquiridos que tradições velhas de meio milénio haviam feito sagrados. É assim que ele se insere entre o Antigo Regime e a sua sociedade aristocrática, que demoliu, e a sociedade industrial onde o proletariado operário reclama os seus direitos. Em resumo, esta pretensa procura da liberdade parece aproximar-se, mau grado as aparências, dos velhos combates dos grupos por liberdades, que são outros tantos privilégios » (Fernand Braudel — Gramática das Civilizações )
  • 8. 2. O protagonismo do Porto nos movimentos liberais e reformadores no século XIX 1808-1809: luta contra a dominação francesa 1820: 1ª revolução liberal 1828: luta contra o absolutismo miguelista 1832-33: Cerco do Porto / vitória liberal 1836: eleição de deputados democratas / Setembrismo / Passos Manuel 1843: «motim da Praça Nova», luta contra o cabralismo 1846: Patuleia 1851: Regeneração 1868: Janeirinha 1878: eleição do 1º deputado republicano 1891: revolta republicana de 31 de Janeiro
  • 9. 3. Decadência, nacionalismo, regeneração O que move as burguesias portuenses na luta pelas liberdades? Em todas as revoluções liberais do século XIX, a palavra-chave é «regeneração». Apela-se ao retorno à idade mítica de grandeza da Pátria, ameaçada pela decadência. A ideia de decadência nacional legitima a acção revolucionária, que assume, assim, um carácter redentor e messiânico, que anuncia as mudanças necessárias para a salvação da Nação. Em si mesmo, o ideário regenerador, nacional e supra-classista, não é necessariamente liberal, democrático ou republicano. Pode até assumir um cunho conservador e autoritário, usando o imperativo nacional, considerado indiscutível, da salvação da Pátria, acima dos interesses e liberdades individuais ou de grupo, como aconteceu na primeira fase do Estado Novo.
  • 10. Pronunciamento de 24 de Agosto de 1820 «A TROPA OUVINDO PRIMEIRO MISSA NA PRAÇA DA REGENERAÇÃO EM 24 DE AGOSTO DE 1820» «PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO; AONDE NO MESMO DIA CONCORREU A TROPA, NOBREZA E POVO A DAR O JURAMENTO DE SE UNIREM NA REGENERAÇÃO DE PORTUGAL CONVOCANDO NOVAS CORTES»
  • 11. 4. O 31 de Janeiro, um momento de viragem Da ideia tradicional de «regeneração» ao apelo à participação cívica, ao envolvimento colectivo e democrático nas mudanças necessárias e à reforma «moral» / a «ética republicana» / o «bom cidadão» Liga Patriótica do Norte (1890): «… promover a defesa material, o fomento económico e reorganização financeira e todos os progressos que melhor garantam no futuro a independência e prosperidade da Nação».
  • 12. Bandeira hasteada na Câmara do Porto no 31 de Janeiro
  • 13. « Portugal expia com a amargura deste momento de humilhação e ansiedade de quarenta anos de egoísmo, de imprevidência e de relaxamento dos costumes políticos — quarenta anos de paz profunda que uma sorte raríssima nos concedeu e que só soubemos malbaratar na intriga, na vaidade, no gozo material, em vez de os aproveitar no trabalho, na reforma das instituições e no progresso das ideias. Sob o insulto imprevisto esta nação parece agora acordar: mas é necessário que o protesto nacional seja ao mesmo tempo um acto de contricção da consciência pública: Reconhecer os erros passados será já um começo de emenda, e temos muito e muito que emendar. O nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos. Só um falso patriotismo, falso e criminosamente vaidoso, pode afirmar o contrário. Declamar contra a Inglaterra é fácil: emendar os defeitos da nossa vida nacional será mais difícil; mas só essa desforra será honrosa, só ela salvadora. Portugal, ou se reformará, política, intelectual e moralmente, ou deixará de existir. Mas a reforma, para ser efectiva e fecunda, deve partir de dentro, do mais fundo do nosso ser colectivo: deve ser antes de tudo uma reforma dos sentimentos e dos costumes. Enganam-se os que julgam garantir o futuro e assegurar a nacionalidade com meios exteriores e materiais, com armamentos e alarde de força militar. Uma era nova começou para esta Nação, que acorda, como de um sonho, do seu optimismo egoísta e banal » (Antero de Quental - A Província. Porto, 26.01.1891 )
  • 14. « A revolução impunha-se. Republicana? Conforme. Se o monarca nos saísse um alto e nobre carácter, um grande espírito juvenil e viva encarnação de ideal heróico, tanto melhor. A revolução estava feita. Imprimia-se, dum dia ao outro, no Diário do Governo . […] Não se tratava por enquanto de modalidades orgânicas de existência; tratava-se de existir […]. Quando um vapor alagado vai ao fundo, discute a marinhagem construções navais? Primeiro salvá-lo, o estaleiro depois. Quer dizer: a revolução urgente não era social, era moral […]. A existência da pátria dependia da revolução. O rei não pôde, não soube ou não quis fazê-la. Em suma, não a fez. Perdeu-se. Que restava? Fazê-la o povo. Não a fazendo, perdia-se também. O rei, em vez de cortar o cancro, identificou-se com ele. Chaga maior, operação mais grave. Já ninguém suprimirá o cancro, sem suprimir a realeza. O republicanismo não é aqui uma fórmula de direito público; é a fórmula extrema de salvação pública. No prédio em chamas há só uma janela aberta. Preferem os monárquicos morrer queimados, por a janela estar pintada de vermelho? Fosse ela branca que eu saltaria sem escrúpulos. Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje, quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estupidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos. Não dum partido, da nação » (Guerra JUNQUEIRO — Pátria )
  • 15. A derrota do 31 de Janeiro e a centralização da vida política e económica: « O centralismo predominante da capital, entretido por causas de toda a espécie, entre as quais avulta uma viciosa orientação de política geral, essa absorção desmesurada e mórbida, quasi cancerosa, sobre todo o organismo nacional, tem abatido os foros seculares que o Porto selou ainda em nossos tempos com sangue e sacrifícios » (Ricardo JORGE, 1899).
  • 16. A República sonhada e a República realizada: «[Lisboa] em vez de conceber e sustentar uma república leal, nobre, seriamente devotada à conquista das liberdades perdidas e das tradições de civismo, como a sonharam os grandes espíritos do meu tempo, como a descreveram em páginas fulgurantes de fé puríssima, Manuel d’Arriaga, Rodrigues de Freitas, Sampaio, Latino e Garcia — quando o conceito se baloiçava na nuvem doirada do pensamento grandioso — fez dos farrapos da nossa crença e das lágrimas da nossa humilhação uma república (...) cheirando ao caldo das casernas e proclamando, por acto de presença, o estado de sítio. Já não há programas, nem promessas, nem dizeres formais, nem práticas parlamentares, nem praxes de política. Assegura-se, garante-se a ordem. Nem de mais carecem os ventres fartos e os espoliadores felizes. O que se quer, depois do saque, é a ordem, é a mantença do lugar, da honraria, do juro » (SPADA, JN: 29.06.1920)
  • 17. 5. Participação do Porto nas lutas pela liberdade no século XX 1927 (3 Fev.): revolta republicana contra a ditadura militar 1945: grandes manifestações democráticas; grandes comícios do MUD 1949: candidatura presidencial de Norton de Matos: grandes comícios da oposição democrática (Campo de Salgueiros, Fonte da Moura e Praça das Flores) 1958: oposicionistas do Porto lançam a candidatura presidencial de Humberto Delgado; grandes manifestações de apoio ao general; carta do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Salazar, criticando o regime; 1960: Cinquentenário da República: participação activa de democratas do Porto na elaboração do «Programa para a Democratização da República» 1961: Grandes manifestações populares nas comemorações do 31 de Janeiro 1969: Participação activa de deputados do Porto na «Ala Liberal» 1970-1971: Movimentos católicos pela Paz
  • 18. Revolta republicana de 3 de Fevereiro de 1927 contra a ditadura militar
  • 19. Campanha presidencial de Norton de Matos. Comício da Fonte da Moura
  • 20. Humberto Delgado abraça Eduardo Santos Silva que, em nome dos democratas do Porto, tinha proferido um discurso de boas-vindas ao general. Atrás, a imagem da República. Na rua, cerca de 200 mil pessoas ovacionavam Delgado…
  • 21. « Sinto-me deslumbrado! Esta gente do Porto, insubmissa à tirania, acaba de me mostrar a luminosa estrada da Liberdade. O meu coração ficará no Porto, já que no Porto nasceu, como noutros momentos históricos, o indomável espírito de luta que só terminará com o triunfo da liberdade em Portugal » (Humberto DELGADO. Porto, 1958)
  • 22. 6. O 31 de Janeiro como símbolo de liberdade Apesar de derrotado, o movimento republicano de 31 de Janeiro acabou por adquirir, no século XX, um carácter heróico e mítico, como acontecimento fundador. O ideário do 31 de Janeiro surge mitificado como portador de uma «República ética» / «República dos cidadãos», sucessivamente, evocado em novos projectos de regeneração. Já não será apenas a velha tradição regeneradora liberal, mas também, articulando-se com ela, a aspiração democrática. Como em 1912, com a Renascença Portuguesa, ou depois, durante o Estado Novo, quando o 31 de Janeiro se transformou, definitivamente, em símbolo da tradição de participação cívica e da luta das gentes do Porto pela liberdade e pela democracia.